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COSTUMEIRO
2
Índice
INTRODUÇÃO .................................................................................... 8
Métodos Pedagógicos param o Ensino do Direito Costumeiro ............ 10
A Avaliação Contínua ....................................................................... 10
A Avaliação Final .............................................................................. 10
O exame de recurso .......................................................................... 11
O Exame Especial. ........................................................................... 11
O Ensino e a Importância do Estudo do Direito Costumeiro .............. 11
CAPITULO I - O DIREITO COSTUMEIRO E O PLURALISMO JURÍDICO
EM ANGOLA .................................................................................... 19
1.1. O Conceito de Direito Costumeiro ........................................... 19
1.2. O Direito Costumeiro dos Povos Indígenas .............................. 35
1.3. O Direito Costumeiro e os Valores Culturais ........................... 50
1.4. A Justiça no Direito Costumeiro ............................................. 54
1.5. Organização do tribunal costumeiro ....................................... 59
1.6. Os magistrados ...................................................................... 62
17. Juiz costumeiro (soba) ................................................................ 62
1.7. Procuradores populares (chefe de família) ............................... 63
1.8. O advogado ............................................................................ 63
1.9. Tipo de crimes ........................................................................ 63
CAPITULO II – O ESTADO SOBERANO E O DIREITO COSTUMEIRO 65
2.1. Estado e soberania .................................................................... 65
2.1.1. Soberania, que é ? .................................................................. 68
2.2. O Costume no Estado - Nação ................................................... 73
2.3. A Exclusividade da Produção do Direito ..................................... 78
2.4. O Problema das Fontes do Direito e Ordenamento Jurídico ..... 0
2.5. O Positivismo e as Normas Consuetudinárias ........................... 4
2.6. O conceito de fonte do direito ................................................... 5
2.7. O Costume Como Fonte de Direito .......................................... 11
2.8. O Costume como Problema Filosófico e Constitucional ........... 15
2.9. O Multiculturalismo a Epistemologia do Direito em Angola ..... 21
2.10. O Reconhecimento e a Constitucionalização do Direito
3
Consuetudinário .............................................................................. 29
2.11. O Costume Jurídico, A Tradição e Oralidade ........................ 35
2.12. A Interpretação Jurídica do Costume ................................... 37
2.13. A Ciência do Direito Costumeiro .......................................... 42
2.14 As Características do Direito Costumeiro .................................. 44
2ª PARTE .............................................. Erro! Indicador não definido.
CAPITULO III – OS COMPONENTES HISTÓRICOS DO DIREITO
COSTUMEIRO .................................................................................. 49
3.1. O Direito na Grécia Antiga...................................................... 52
3.2. O Direito Romano................................................................... 57
3.3. O Direito Romano do Período Arcaico ..................................... 59
3.4. O Direito do Período Clássico ................................................. 60
3.5. A Interpretação das Normas Jurídicas .................................... 62
3.6. O Direito do Período Pós-Clássico ........................................... 63
3.7. A Idade Média ........................................................................ 66
3.8. Os Séculos XIX e XX .............................................................. 68
3.9. Direito hispano-português. ..................................................... 71
3.10. Sistemas Jurídicos Contemporâneos ................................... 72
3.11. O Sistema De Direito Continental Ou Romano-Germânico ... 73
3.12. O Sistema Anglo-Saxónico ou de Common Law ................... 74
CAPITULO IV – O DIREITO COSTUMEIRO DO POVO UMBUNDU ..... 77
4.1. Etimologia da Palavra Costume .............................................. 81
4.2. A Noção do Costume .............................................................. 82
4.3. Noção Sociológica do Costume................................................ 83
4.4. Noção Jurídica do Costume .................................................... 85
4.5. As Características do Costume ............................................... 86
4.6. Os Elementos de Costume ...................................................... 89
4.7. Os Tipos de Costume ............................................................. 90
4.8. O Costume Secundum legem.................................................. 91
4.9. O Costume Praeter Legem ...................................................... 92
4.10. O Costume Contra Legem .................................................... 94
4.11. A Tradição ........................................................................... 99
4
4.12. A Cultura ...........................................................................101
4.13. Os Usos .............................................................................103
CAPÍTULO V - AS AUTORIDADES TRADICIONAIS E O PLURALISMO
JURÍDICO .......................................................................................106
4.13.1. Autoridades Tradicionais: ................................................114
4.13.2. O Pluralismo Jurídico ......................................................124
CAPÍTULO VI – O PODER TRADICIONAL NOS PRINCIPAIS REINOS E
POVOS DE ANGOLA ........................................................................134
5.1. Uma Perspectiva Histórica de Angola e Seus Povos (Firmino
Kakulo e Beto de Morais) .................................................................134
5.2. O Poder .................................................................................134
5.3. A Estrutura do Poder Tradicional ..........................................152
5.4. As Comunidades Angolanas não Bantu ...... Erro! Indicador não
definido.
5.5. As Comunidades Angolanas Bantu .............. Erro! Indicador não
definido.
5.6. O Poder Tradicional e a CRA..................................................171
5.7. O Tribunal Tradicional ................ Erro! Indicador não definido.
CAPÍTULO VI– O CARÁCTER RELIGIOSO NOS POVOS DE ÁFRICA .186
6.1. A pessoa ...................................................................................186
6.1. 1. O Mito ..................................................................................187
6.3. O Curandeiro e a Medicina Tradicional, a riqueza da flora e fauna
e África............................................................................................187
6.4. OS RITOS DE INICIAÇÃO .........................................................187
6.4.1. A Circuncisão/ Evamba .........................................................187
6.4.2. O Efiko ..................................................................................187
6.4.3. As Crenças Religiosas ............................................................187
6.4.4. O Feitiço ............................................................................190
4.14. A Feitiçaria e os Seres Sobrenaturais ..................................192
4.15. A Feitiçaria Por Chicoadão ..................................................198
4.16. A Feitiçaria No Mundo Internacional...................................200
CAPITULO VI – O CASAMENTO TRADICIONAL ...............................202
5
Introdução ............................................ Erro! Indicador não definido.
Objectivo Geral ...................................... Erro! Indicador não definido.
Objectivos específicos: ........................... Erro! Indicador não definido.
Justificativa .......................................... Erro! Indicador não definido.
5.1. O ASAMENTO TRADICIONAL ...................................................204
5.1.1. O casamento pode ser interpretado por três aspetos. .............206
5.2. Tipos de matrimônios legais em algumas sociedades .............217
5.2.1. Monogamia ...........................................................................217
5.2.2. Homossexualidade ................................................................218
5.2.3. Poliandria .............................................................................218
5.2.4. Poligamia ..............................................................................219
5.2.5. Incesto ..................................................................................221
5.3. Casamento por compensação ................................................222
5.4. Divórcio ................................................................................222
5.5. Iniciativa do Divórcio .............................................................225
5.6. O processo de adopção ..........................................................228
5.7. Efeitos da adopção ................................................................230
5.7.1. Adopção por casais homossexuais .........................................231
CAPITULO VII – A Realidade do Direito da Família em Angoa, Seu
Contributo para o Casamento Tradicional .......................................232
7.1. O parentesco em Angola ........................................................235
7.2. A Família ..............................................................................235
7.3. Elementos do parentesco.......................................................236
7.4. Afinidade...............................................................................236
7.5. Conselho da família ...............................................................237
7.5.1. A promessa de casamento em Angola ....................................241
7.5.2. Dever de indemnizar .............................................................243
7.5.3. Dever de restituir ..................................................................243
7.5.4. Natureza jurídica do casamento ............................................244
7.5.5. Condição para contrair o casamento .....................................245
7.5.6. Capacidade e Impedimentos para contrair o Matrimônio .......246
7.5.7. Idade núbil............................................................................247
6
7.5.8. Demência ..............................................................................248
7.5.9. Bigamia ................................................................................249
75.10. Prazo internupcial ................................................................249
7.5.11. Impedimentos relativos.......................................................250
7.5.12. Falta da vontade ou vício ....................................................250
7.6. Direito Costumeiro No Ordenamento Jurídico Angolano ........253
7.6.1. A contratualidade do casamento tradicional ..........................260
7.6.2. Direito das sucessões costumeiro ..........................................262
7.6.3. A problemática da dissolução do casamento tradicional. ........264
Bibliografia......................................................................................266
7
INTRODUÇÃO
1
Gameiro, 2015
2
Clemente 2013
8
colonialismo, foi-se organizando e que agora se mostra como um Estado
de Direito, aspirante ou postulante da democracia ocidental.
A ausência desta cadeira nos cursos de direito por muito tempo, está
traduzida na ausência muito grave do sentido patriótico dos membros
de muitos governos nos Estados africanos. Estes e vários outros
problemas fazem com que haja dificuldade de definir a África moderna,
9
se se tiver em consideração a trajectória do continente desde as
independências até aos dias de hoje”.3
Avaliação
Assim temos:
A Avaliação Contínua
A Avaliação Final
3
Kambuta, 2018
10
entendimento do conselho de direcção no caso concreto do conselho
científico. Não olvidando a verdade de que existe a possibilidade de ser
dispensado do exame caso obtenha uma qualificação útil nas duas
provas parcelares e daqueles trabalhos ou estudosem grupo.
O exame de recurso
O Exame Especial.
11
verdadeiros passos da Pedagogia, das Didácticas e Metodologias mais
modernas de ensino-aprendizagem, que se usam nas mais conhecidas
instituições de ensino no país.
12
mais premência quando nos damos conta de que a sociedade africana
contemporânea experimenta transformação devido à influência do
contacto com outros povos e culturas. O valor da África antiga
encontra-se também reflectido na maioria dos casos nas estruturas e
instituições das sociedades tradicionais e modernas. Sendo assim, os
valores tradicionais são profundamente religiosos e pessoais e
correspondem ainda hoje a uma perspectiva comunitária. Eles visam
modelar o indivíduo para a sua participação integral na sociedade,
tendo em vista a plena realização, tanto individual como a
comunidade.5
5
Idem.
13
prática consuetudinária e os valores do costume comunitário poderão
influenciar ou devem necessariamente merecer a devida atenção do
legislador.
14
vista da Filosofia Política e da Filosofia do Direito, podem formar um
elenco de realidades como:
15
dar respostas concernentes à correspondência das normas aos valores
que sustentam um determinado ordenamento jurídico, ou seja, a
correspondência entre o real e o ideal.
6
Bobbio, 2012, p. 48
7
Neves, 2010, p. 75
16
normatividade do Direito Consuetudinário. Tal circunstância colidia
com a fortuna doutrinária do positivismo jurídico que dominou o
pensamento jurídico, a investigação e o ensino do direito.
8
VILLAR, António HOUAISS e Mouro de Salles. 2001. Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro : Objectiva, 2001. p. 926.
9
ADÃO, Chico - Direito costumeiro e o poder tradicional dos povos de Angola, p.149.
19
Para Medina,10 “o direito costumeiro representa a reprodução do
contexto social de um determinado povo, estruturado na sua textura
mais profunda e, portanto, nos seus mais arreigados valores culturais”.
10
MEDINA, Maria do Carmo. Direitos Humanos e direito da família – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p 132.
11
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da – Teoria Geral do Código Civil. 2ª ed, p.38.
12
Idem Op. Cit. p.133.
20
A África do Sul, Austrália, Suazilândia, Lesoto e vários outros países,
optaram por reconhecer o direito costumeiro fazendo um enlace entre o
direito costumeiro e o positivo. Exempli gratia, com a implementação da
Carta Internacional dos Direitos dos Humanos, vários governos
demonstraram interesse e flexibilidade em fazer um casamento do
direito costumeiro e o direito positivo. Isto para dar as antigas colonias,
a oportunidade de manterem os seus hábitos e costumes e, respeitarem
a lei positiva do país que é a mais adaptável ao mundo moderno. Países
com um dualismo do direito costumeiro e do direito positivo têm em
comum entre si o fato de serem antigas colonias.
13
Australia, The Law Reform Commission – Discussion Paper Nº 23, August 1985.
14
Idem Op. Cit p. 134. 57
21
juntar às outras mulheres do monarca. Estamos a falar de um costume
de poligamia existente na Suazilândia.15
15
FERREIRA, Leonor Mateus - Virgens dançam para conquistar Rei Mswati III [em linha]. Portugal, 2012.
[Consultado em: 15 de março 2016]. Disponível em: http://www.dn.pt/globo/africa/interior/virgens-
dancam para-conquistar-rei-mswati-iii2749958.html?id=2749958: Mais de 80 mil mulheres,
alegadamente ainda virgens, juntaram-se na tradicional dança Umhlanga, que acontece em agosto, para
o Rei Mswati III da Suazilândia.
16
JERÓNIMO, Patrícia — Estado de Direito e justiça tradicional: ensaios para um equilíbrio em Timor-
Leste, p. 97 - 98.
17
LUÍS, Pedro Manuel – Curso de Direito Constitucional Angolano, p. 613. 58
22
às virgens para assistir à dança. Para além de se mostrarem como
pretendentes, as mulheres orgulham-se em mostrar a sua pureza.
Mswati III sucedeu ao seu pai, Sobhuza II, em 1986.
23
Os seres humanos, por viverem em sociedade, necessitam de regras e
princípios que possibilitem o convívio entre as pessoas, permitindo a
evolução, a harmonia e a paz nas relações sociais. E o Professor João de
Castro Mendes, define o Direito no sentido central da palavra dizendo
que é “o sistema de normas de conduta social, assistido de protecção
coactiva”,18
Noutros termos o Direito Costumeiro pode ser visto como:
O Direito Tradicional ou Habitual que é o
sistema de normas que, nas sociedades
rurais o praticam, condiciona e rectifica as
relações interpessoais dentro do grupo e
para fora dele, ao mesmo tempo que
protegem os interesses individuais e
também ou sobretudo, colectivos.
18
MENDES, João de Castro. 1994. Introdução ao Estudo do Direito. Lisboa : Pedro Ferreira - Artes
Gráficas, 1994. p. 11.
19
ABRANCHES, Henrique. Direito Tradicional e agregado Familiar – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p.189. 5 Resolução nº 25/07, de 16 de julho, art.6.º (Casamento) Os
Estados Partes garantem que os homens e as mulheres gozem de direitos iguais e que sejam
considerados parceiros iguais no casamento.
20
ABRANCHES, Henrique. Direito Tradicional e agregado Familiar – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p.189.
24
constranger (obrigar) a pessoa ao cumprimento da norma jurídica. Isso
ocorre mediante a previsão e a imposição de sanção, aplicada de forma
organizada, pela autoridade constituída, ou seja, pelo órgão para isso
instituído, de modo a garantir o respeito à ordem jurídica. A sanção,
assim, é a consequência jurídica prevista pela norma de Direito, no caso
do seu descumprimento. A coacção, por sua vez, é a aplicação efectiva
da sanção.
Assim sendo, uma outra forma de definir o Direito pode ser assim
enunciada: ordenação imperativa, atributiva e coercível da conduta
humana, como forma de assegurar valores necessários à regulação da
vida em sociedade. Para todos os efeitos, o direito diz o que se deve fazer
e o que não se deve fazer, ou seja, o que se pode praticar. E tudo isto
em ordem a proporcionar a cada um possibilidade de prefigurar as
consequências dos seus comportamentos, prevenir eventuais litígios,
resolver litígios já desencadeados, potenciar a cooperação entre os
homens, assegurar a atribuição a cada um do que é seu, em poucas
palavras, realizar a Paz, o Bem Comum, a Justiça. 21
21
Januário, António Ribeiro Gameiro e Rui. 2014. Introdução e Teoria Geral do Direito. 2. Luanda :
Cosmos, 2014. p. 25.
25
fundamentado na figura do Estado Soberano não se apresenta como
única fonte de emanação do direito, nem tampouco como uma forma
mais segura e justa de se ordenar as sociedades. A ausência da figura
do Estado Soberano e a oralidade que caracterizam o Direito
Costumeiro dinamizam as sociedades indígenas e ordenam as suas
comunidades com base em regras imersas no corpo social. De modo
geral, o Direito Consuetudinário é definido como:
“um conjunto de Normas Sociais Tradicionais,
criadas espontaneamente pelo povo, não escritas
e não codificadas.”22
22
CURI, Melissa Volpa, O Direito Consuetudinário dos Povos Indigenas e o Pluralismo Jurídico
23
CUNHA, Paulo Ferreira. Filosofia do Direito. Fundamentos, Metodologia e Teoria Geral do Direito,
Lisboa: Almedina, 2013
26
O Costume, nos termos art.º 7º da CRA representa uma fonte
importante do direito, visto que as normas derivam, em boa parte, dos
modos de viver de uma sociedade.
1. A selvageria;
2. A barbárie;
3. E, finalmente, a civilização.
24
WOLFF, Francis. Quem é Bárbaro? In: NOVAES, Adauto (Org.). Civilização e Barbárie. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
27
“primitivos/indígenas” não possuem um sistema de leis, pois a ausência
do Estado e de normas escritas demonstra um atraso severo e o
carácter simplificado da sua estrutura social. Colaborando com essa
perspectiva, a doutrina jurídica tradicional é unânime em considerar
que o direito codificado, ou seja, escrito, favorece mais a certeza do
direito que as normas costumeiras, sendo justamente este o motivo que
dá à lei uma superioridade sobre o costume.
25
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
28
ideia real da definição e do conceito da cadeira que ora se vai estudar. E
isso só é possível depois de se entender bem o que é o Direito no seu
sentido histórico. História é o conjunto de conhecimentos relativos ao
passado da humanidade. Sob o enfoque científico, História é a ciência
que estuda eventos passados da humanidade. Desse modo, a História
trata da evolução da humanidade ao longo do tempo, apresentando os
factos e acontecimentos pretéritos, como forma de melhor compreender
o presente.
29
b) O plano da evolução normativa em si, observando as previsões
normativas existentes nas diversas épocas;
c) O plano das ideias jurídicas verificadas ao longo do tempo, as
quais também exercem influência na evolução das normas
jurídicas.
30
consequência o aparecimento de regras que disciplinam as condutas
humanas. Essas regras, que delimitam as esfera de acção de cada um
restringindo a liberdade individual, em ordem a assegurar a liberdade
de todos, são as chamadas normas de conduta social, que formam a
ordem social global. Mas não se cometa o erra de pensar que as normas
de conduta socialsão apenas as normas jurídicas, pois são igualmente,
normas de conduta social as normas morais, as normas religiosa e as
normas de cortesia ou as de trato social.27
27
Januário, António Ribeiro Gameiro e Rui. Introdução e Teoria Geral do Direito. 2. Luanda : Cosmos,
2014. p. 25.
28
ADÃO, Chico - Direito costumeiro e o poder tradicional dos povos de Angola, p.149.
29
MEDINA, Maria do Carmo. Direitos Humanos e direito da família – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p 132.
31
Silva,30 abordou que “o costume, no sentido jurídico estrito do termo,
como fonte de direito, aparece-nos definido pelos autores como uma
prática social, reiterada, uniforme e constante, seguida com a convicção
da sua obrigatoriedade. Integram-no, assim, dois momentos ou
elementos: um primeiro, fatual e externo, que se manifesta através da
repetição constante e uniforme certos atos (uso); um segundo,
psicológico e interno, que traduz no convencimento de que a prática
seguida corresponde a um imperativo jurídico (convicção de
obrigatoriedade)”. No entanto, o direito costumeiro, não é em si estático.
30
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da – Teoria Geral do Código Civil. 2ª ed, p.38.
31
Idem Op. Cit. p.133.
32
para dar as antigas colonias, a oportunidade de manterem os seus
hábitos e costumes e, respeitarem a lei positiva do país que é a mais
adaptável ao mundo moderno. Países com um Dualismo do Direito
Costumeiro e do Direito Positivo têm em comum entre si o fato de serem
antigas colonias.
32
Australia, The Law Reform Commission – Discussion Paper Nº 23, August 1985.
33
Idem Op. Cit p. 134. 57
33
de poligamia existente na Suazilândia.34 Mas, e na verdade, essa prática
pode ser muito bem querida no seio das próprias donzelas.
34
FERREIRA, Leonor Mateus - Virgens dançam para conquistar Rei Mswati III [em linha]. Portugal, 2012.
[Consultado em: 15 de março 2016]. Disponível em: http://www.dn.pt/globo/africa/interior/virgens-
dancam para-conquistar-rei-mswati-iii2749958.html?id=2749958: Mais de 80 mil mulheres,
alegadamente ainda virgens, juntaram-se na tradicional dança Umhlanga, que acontece em agosto, para
o Rei Mswati III da Suazilândia.
35
JERÓNIMO, Patrícia — Estado de Direito e justiça tradicional: ensaios para um equilíbrio em Timor-
Leste, p. 97 - 98.
36
LUÍS, Pedro Manuel – Curso de Direito Constitucional Angolano, p. 613. 58
37
Idem
34
mostrarem como pretendentes, as mulheres orgulham-se em mostrar a
sua pureza.
35
direito que, segundo, GAMEIRO38 tem como característica fazer uma
abordagem das leis por meio de um fenômeno histórico e cultural, cuja
eficácia social e dinamismo devem ser explicados pela inter-relação
entre valores e interesses de determinados grupos sociais, com
contextos sociais mutáveis e com usos e costumes diversificados.
38
OLIVEIRA, João Pacheco de. Indigenismo e territorialização: poderes, rotinas e saberes coloniais no
Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1985.
39
BOBBIO, N., MATTEUCCI, N. e PESQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília/São Paulo: Editora
Universidade de Brasília/Imprensa Oficial do Estado, 2000, p.349
40
CHASI-SARDI, Miguel. Derecho Consuetudinario Chamacoco. Asunción: RP Ediciones, 1987.
36
normas articuladas em um sistema coerente, dirigidas a estabelecer um
ordenamento social para regular seu funcionamento e assegurar sua
continuidade, impondo-se de forma coativa e sancionando a
transgressão de seus preceitos3. Entender o significado do Direito,
diante das mais variadas sociedades existentes, de fato não é tarefa
fácil.
37
Outros autores ressaltam que o Direito não implica necessariamente
uma sanção, e que a licitude, assim como a juridicidade de um sistema,
deve ser estudada em função do próprio sistema jurídico e não em
relação a outros sistemas. Essa abordagem foi levantada, inicialmente,
por antropólogos britânicos, como Bronislaw Malinowski e Isaac
Schapera. Posteriormente, foi desenvolvida por estudiosos como Max
Gluckman. Essa forma de interpretação deu um novo rumo para as
ciências sociais, pois explicitou que a teoria geral do Estado não era
mais suficiente para as explicações dos fenômenos políticos e jurídicos
que a ciência passou a reconhecer. Em toda sociedade existe um corpo
de categorias culturais, de regras ou códigos que definem os direitos e
deveres legais entre as pessoas; em toda sociedade surgem disputas e
conflitos quando essas regras são rompidas e, para resolver essas
divergências, existem meios institucionalizados mediante os quais as
regras jurídicas são reafirmadas e/ou redefinidas.41 Para caracterizar o
direito indígena como um direito consuetudinário ou costumeiro,
podemos, de modo geral, levantar dois traços específicos:
41
DAVIS, Shelton. Antropologia do Direito: estudo comparativo de categorias de dívidas e contratos. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1973, p.10
42
O Direito Costumeiro para os povos indígenas atende a uma cosmovisão fundada em princípios
ancestrais que está relacionada com a ordem natural dos acontecimentos.
38
diz que são boas para os homens. Sua aplicação não requer a inclusão
de tais regras em textos normativos, pois o que as tornam legítimas é a
consciência comum do grupo que, por meio do conhecimento dos
princípios gerais que regem as suas condutas, sustenta as regras
determinadas para a resolução de problemas específicos.
43
CUEVAS GAYOSSO, José Luis. La Costumbre Jurídica de los Pueblos Indígenas em la Constitución Del
Estado de Vera Cruz, México (2000), de la Norma a la Práxis. Ciudad del México: Universidad
Veracruzana, 2000, p. 246
39
Outras características atribuídas ao direito costumeiro, que o difere do
direito positivo, é o de não ser escrito nem codificado e o de vigorar sem
a presença do Estado. Nessa espécie de direito existe um corpo de
regras e costumes delimitado, reconhecido e compartilhado por uma
dada coletividade. O facto de não ser escrito e codificado suscita
diversas críticas na tentativa de empobrecer o direito costumeiro. Como
visto anteriormente, o direito escrito é visto pela doutrina como um
direito mais seguro, dando mais garantias à lei. Entretanto, apesar
dessa consideração, não há questionamentos, por exemplo, sobre o
sistema jurídico inglês, o qual não possui uma Constituição escrita.
44
MELISSA VOLPATO CURI - O direito consuetudinário dos povos indígenas... Espaço Ameríndio, Porto
Alegre, v. 6, n. 2, p. 230-247, jul./dez. 2012. ______. (Org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do
cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
40
Embora o direito positivo e o direito costumeiro sejam de natureza e de
utilização social diferentes, eles podem conviver pacificamente.45 No
entanto isso não significa que possam ser reduzidos a um sistema
único, ou seja, não há como replicar no direito positivo, de forma
explícita e substantiva, o direito costumeiro que só faz sentido dentro do
sistema em que está inserido. Pluralismo jurídico Considerando a
diversidade cultural existente no país e a perspectiva de que o conceito
de cultura abrange aspectos sociais, mitológicos, religiosos, simbólicos,
jurídicos etc., reconhece-se que cada sociedade, dentre elas as
indígenas, possui modos próprios de expressar e traduzir a realidade a
sua volta. Nesse contexto, contrapondo a proposta de um Direito
Estatal monista, introduz-se, como forma de garantir normas internas,
a ideia de pluralismo jurídico.
46
KORSBAEK, Leif; VIVANCO, Florecia Mercado. La Sociedad Plural y el Pluralismo Jurídico: un
acercamiento desde la Antropologia del Derecho. Disponível em:
http://www.bibliojuridica.org/libros/4/1670/10.pdf. Acesso em: 16 ago. 2009.
41
fáctica que se manifesta em todos os aspectos da vida cotidiana, mesmo
que os valores contidos nas concepções dos diversos grupos existentes
estejam concebidos dentro das fronteiras de um mesmo país e
relacionados por origens históricas. E o segundo aspecto é a
coexistência de dois ou mais sistemas normativos em um mesmo
espaço.
47
KORSBAEK, Leif; VIVANCO, Florecia Mercado. La Sociedad Plural y el Pluralismo Jurídico: un
acercamiento desde la Antropologia del Derecho. Disponível em:
http://www.bibliojuridica.org/libros/4/1670/10.pdf. Acesso em: 16 ago. 2009.
42
benefícios sociais previstos pelo direito estatal e, no interior da sua
família, redistribui sua renda conforme normas próprias, que não são
as do direito estatal.
48
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos para uma nova cultura no direito. São
Paulo: Editora Alfa Omega, 2001.
49
YAMADA, Erika M.; BELLOQUE, Juliana G. Pluralismo Jurídico: Direito Penal, Direito Indígena e Direitos
Humanos – uma análise do art.º 121 do Código Penal brasileiro. In: VILLARES, Luiz Fernando (Org.).
Direito Penal e Povos Indígenas. Curitiba: Juruá, 2010. pp. 123-138.
43
marginais, no desporto, nas igrejas, nas empresas, nas organizações
profissionais etc.50 São formas de direito, segundo o autor,
denominadas infraestatais, informais, não oficiais e mais ou menos
costumeiras. Conforme Sánchez-Castañeda, o primeiro teórico a falar
sobre um Direito vivo e na possibilidade de uma pluralidade de
sistemas jurídicos foi Eugène Ehrlich, que ressaltou o caráter arbitrário
e fictício da unidade do ordenamento jurídico.51
50
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. São
Paulo: Cortez, 2003, p. 247
51
SÁNCHEZ-CASTAÑEDA, Alfredo. Los Orígenes del Pluralismo Jurídico. In: MARTÍN, Nuria González.
Estudios en Homenaje a Marta Monireau. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2006. pp.
197-218.
52
SÁNCHEZ-CASTAÑEDA, Alfredo. Los Orígenes del Pluralismo Jurídico. In: MARTÍN, Nuria González.
Estudios en Homenaje a Marta Monireau. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2006. pp.
197-218.
53
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 2007.
44
apenas um, mas vários ordenamentos nacionais, visto que existem
muitas nações, cada qual com seu ordenamento estatal próprio.
Uma dada sociedade é regida por leis não estatais, como, por exemplo,
os direitos próprios dos povos indígenas. Para as sociedades indígenas,
o pluralismo jurídico introduz um sujeito de direito diferente do
proposto pelo sistema envolvente. O direito estatal cria regras para o
indivíduo, ao passo que as sociedades indígenas possuem normas
coletivas, operadas e recriadas mediante a figura do sujeito coletivo.
54
WOODMAN, Gordon R. Ideological Combat and Social Observation: Recent Debate about Legal
Pluralism. Journal of Legal Pluralism, n. 42, 1998.
45
Esse coletivo, como sujeito de direitos e deveres, é o que garante a
autodeterminação dos povos indígenas, ou seja, o direito do grupo em
gerir a sua sociedade e decidir o seu próprio destino. Com base nessa
perspectiva, impõe-se um limite de interferência ao direito impositivo e
centralizador do Estado. Diferente do papel de interventor, o Estado
deve assumir um posicionamento de mediador de conflitos e interesses.
55
KORSBAEK, Leif; VIVANCO, Florecia Mercado. La Sociedad Plural y el Pluralismo Jurídico: un
acercamiento desde la Antropologia del Derecho. Disponível em:
http://www.bibliojuridica.org/libros/4/1670/10.pdf. Acesso em: 16 ago. 2009.
46
j) O respeito à liberdade e condições para uma vida digna.
56
YAMADA, Erika M.; BELLOQUE, Juliana G. Pluralismo Jurídico: Direito Penal, Direito Indígena e Direitos
Humanos – uma análise do art. 121 do Código Penal brasileiro. In: VILLARES, Luiz Fernando (Org.).
Direito Penal e Povos Indígenas. Curitiba: Juruá, 2010. pp. 123-138.
47
costumes e tradições. Desde que compatíveis com o sistema jurídico
nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos,
deverão ser respeitados os métodos a que tradicionalmente recorrem
esses povos para a repressão dos delitos cometidos por seus membros.
As autoridades e tribunais chamados a se pronunciar sobre questões
penais deverão levar em consideração.57
57
MELISSA VOLPATO CURI - O direito consuetudinário dos povos indígenas... Espaço Ameríndio, Porto
Alegre, v. 6, n. 2, p. 230-247, jul./dez. 2012. ______. (Org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do
cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
48
Conclusão As terminologias “direito consuetudinário” e “direito
costumeiro” dos povos indígenas só existem na dimensão do direito
positivo vigente, que tem como premissa identificar o Estado como fonte
única do direito. Nesse contexto, as normas próprias dos povos
indígenas ainda são identificados como algo inferior, que supostamente.
A expressão latina non bis in idem, que significa sem repetição, tende a
ser vista, majoritariamente, como um princípio geral do direito. Na
esfera penal, em primeiro plano, sua utilização ocorre para assegurar
que ninguém será punido duas vezes por uma mesma infração e, de
forma mais ampliada, para balizar a operação de dosimetria (cálculo) da
pena. O direito consuetudinário dos povos indígenas, promoveria
incertezas jurídicas por não estarem codificadas e fundamentadas na
figura do Estado. Muito embora já existam no direito internacional
instrumentos jurídicos que reconhecem os direitos costumeiros dos
povos indígenas, estes devem estar em consonância com o que
preceitua os direitos humanos ocidentais internacionalmente
reconhecidos.
49
1.3. O Direito Costumeiro e os Valores Culturais
Nesse último aspecto, deve-se frisar que o ser humano vive de acordo
com certos objectivos e valores que segue e entende como correctos ou
adequados. A cultura, assim, “existe exactamente porque o homem, em
busca da realização de fins que lhe são próprios, altera aquilo que lhe é
‘dado’, alterando-se a si próprio”. As ciências naturais (como a Ciência
Física, a Ciência Química, a Ciência Matemática) descrevem a realidade
natural acima indicada, retratando os factos, tal como observados, por
meio de leis físico-naturais.
50
observados, mas não há o intuito de se disciplinar condutas por
meio de normas ou regras;
b) As leis éticas, que são objecto das ciências normativas, procuram
estabelecer normas referentes ao comportamento humano.
51
integram a Ética, a qual estabelece normas determinando a
obrigatoriedade de certas condutas, normas estas adoptadas em razão
de valores que se definiu como necessário respeitar.
58
Apel, Karl - Otto. 2007. Ética e Responsabilidade ... Lisboa : Instituto Piaget, 2007.
59
ANGOP - Teorização do direito costumeiro em Angola passa pelo estudo de outras ciências [em linha].
Angola, 2012. [Consultado em: 01 de março 2016]. Disponível em:
http://www.angonoticias.com/Artigos/item/36007/teorizacao-do-direito-costumeiro-em-angola-passa-
pelo estudo-de-outras-ciencias:
52
estatuto do Direito Costumeiro na Constituição de 2010 e a construção
da disciplina de Direito Costumeiro no ensino das Faculdades de
Direito", tema enquadrado na segunda Jornada Científica da Faculdade
de Direito da Universidade Agostinho-Neto.
53
Ao contrário da CRA, o Código Civil Angolano (CCA) apenas refere no
art. 348. º “Direito consuetudinário local ou estrangeiro” que aquele que
apelar ao direito consuetudinário, local ou estrangeiro, tem o dever
provar a sua existência e o seu conteúdo. O conhecimento oficioso
compete ao tribunal, sempre que tenha de decidir com base neste
direito, em que nenhuma das partes o invoque, ou a parte contrária
tenha tido conhecimento da sua existência e conteúdo ou não haja
deduzido oposição.
54
amplo do que a justiça.60 Após a concepção religiosa e mítica da justiça,
tem início uma concepção racional e filosófica, destacando-se Platão
(427 a 347 a.C.), discípulo de Sócrates, ao desenvolver a teoria das
ideias, de acordo com a qual “as coisas materiais são cópias imperfeitas
e transitórias de ideias perfeitas e imutáveis”. Desse modo, a justiça,
para Platão, é uma ideia universal e uma “virtude humana”, mas esta é
um reflexo da primeira, situada no plano das ideias. A justiça, assim, é
entendida como virtude que reúne em si as outras, estabelecendo-se a
vinculação do indivíduo com o Estado, por ser em sociedade que o ser
humano alcança a plenitude. 61
60
KAUFMANN, Arthur Filosofia do Direito. 3ª. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa , 2009.
61
DOCAT. 2016. Como agir? Paulus, Lisboa, 2016.
62
KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. 3ª. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
55
A justiça particular pode ser das seguintes espécies: justiça distributiva,
a qual busca assegurar o princípio da igualdade, levando em conta o
mérito de cada um, conforme uma relação proporcional, ou seja,
admitindo a existência de desigualdade entre as partes. É por exemplo o
caso da distribuição dos bens deixados por um ente querido falecido.
Todos os que devem herdar herdam conforme o que lhe for proporcional
na relação que teve com o de cujus. Já a justiça correctiva, aplicada às
transacções entre os indivíduos, na qual também está presente o
princípio da igualdade, mas sem considerar o mérito de cada um, e sim
como forma de estimar o ganho e a perda, considerando as pessoas
iguais entre si.
56
transcendente decorre de sua formação na cultura helénica, com
destaque aos ensinamentos de Platão, bem como da sua conversão ao
cristianismo. Nesse sentido, ao tratar do tema da justiça, destaca a
relação existente entre lei humana e lei divina (eterna).
A lei humana, por sua vez, exemplificando, pune o roubo injusto dos
bens materiais, mas é indiferente à paixão por estes. As leis humanas,
embora não sejam perfeitas, garantem a ordem social, mas para
poderem ser chamadas e consideradas “Direito”, devem estar próximas
da justiça, entendida como a virtude de dar a cada um o que é seu.
Santo Agostinho, assim, desenvolve o conceito de justiça como amor,
destacando que o fim último da lei natural é o amor de Deus como
criador de todas as coisas e seres, de modo que a virtude (justiça) é a
ordem do amor, ou seja, “se a justiça consiste em dar a cada um o que é
seu, no homem há uma ordem justa e procedente da natureza, segundo
a qual a alma está submetida a Deus, a carne à alma e a alma e a carne
a Deus”.
57
A lei humana, estabelecida pelo governante, deve ter como objectivo o
bem comum. Para isso, deve estar de acordo e nos limites da lei
natural, conhecida por meio da razão humana e vinculada à lei eterna e
à lei divina. Na realidade, Santo Tomás de Aquino tem seus
ensinamentos fundados no pensamento aristotélico e no cristianismo.
A lei humana (positiva), por fim, é criada pelo ser humano, devendo
estar em consonância com a lei divina e com a lei natural. Nesse
enfoque, a desobediência à lei humana só se justificaria se esta
afrontasse a lei divina (parte da lei eterna conhecida pelo ser humano).
Além disso, o justo natural torna-se o parâmetro para o Direito positivo.
Se este estiver de acordo com o Direito natural, será um bem para toda
a comunidade.
58
valores, nem a de se actualizar uma valoração in concreto) ou os da
igualdade, da ordem e da segurança, sem os quais a liberdade
redundaria em arbítrio.
59
Administração Pública serem chamados a aplicá-lo, sancionando os
seus infratores”.63 Por isto, o mesmo tem a sua organização judicial
como no direito positivo.
Mesmo quando como foi o caso – seja o marido que acabe por ser
condenado e a mulher receba uma indemnização. O caso ocorreu na
localidade de Kitchima Kiomué, em Matunda, na Comuna do Iona,
Município do Tombwa, junto à fronteira com a República da Namíbia,
onde um homem traído pelo sono, depois de ter ingerido bastante
bebidas alcoólicas, viu que a sua esposa não estava na cama.
63
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da – Teoria Geral do Código Civil. 2ª ed, p.40.
60
era necessária para provar a culpa do marido na agressão. O acórdão
daquela instância tradicional condenou o agressor a pagar uma pena de
5 bois, dois dos quais a favor do homem agredido e outros dois a favor
da esposa. O quinto boi foi abatido a favor das comunidades locais.
225.º
61
O sistema Judicial Tradicional constitui a instância judicial superior,
logo o recurso dos tribunais é definido da seguinte forma:64 Um
Tribunal Supremo com o seu quadro orgânico de Magistrados e oficiais,
administrativos etc.; ii. Um Tribunal da Relação com o seu quadro
orgânico de Magistrados oficiais, administrativos etc.; A magistratura é
composta pelo seguinte: i. Juízes de Direito Costumeiro (autoridades
tradicionais); ii. Procuradores Populares (chefe de família).
1.6. Os magistrados
64
ADÃO, Chico, 2010
62
tribunal costumeiros. Segundo Custódio,65 “ o soba grande, é em última
análise o juiz, este que trabalha com um enorme elenco de coadjutores-
ministros, os quais são também detentores do sangue real, originários
do mesmo ancestral.
1.8. O advogado
65
CUSTODIO, Arcanjo – As soluções dos conflitos no Direito Costumeiro do Grupo Etnolinguístico
Ovimbundu. Revista da Faculdade de Direito. Universidade Agostinho Neto, p. 201.
66
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da – Teoria Geral do Código Civil. 2ª ed, p.48.
63
“Constituem delitos no direito Costumeiro Penal os crimes infra citados.
Todos os crimes praticados na lei do direito costumeiro, também são
puníveis no direito positivo conforme artigos citados”. São eles os
crimes: Homicídio – punível no direito positivo nos termos dos artigos
349.º, 350.º, 351.º, 352.º, 353.º, e 368.º do Código Penal Angolano
(CPA). Roubo – art. 63.º e 432 e segmentos do CPA. Os ferimentos
art. 359.º CPA. Atentados à honra e ao pudor – art. 390.º e 391.º do
CPA Difamação, a injuria, o ultraje, etc. – art. 407.º (difamação); 410.º
(injuria); 390.º e 420.º (ultraje) do CPA; A denúncia sem prova -
art.245.º CPA; A venda da mulher - não está prevista no CPA; O
abandono injustificado do lar – art. 406.º do CPA; A ameaça de morte
– arts. 363.º e 369.º do CPA; A violação do domicilio – art. 380.º do
CPA As destruições maldosas – art. 466.º do CPA; Adultério – arts.
372.º, 401.º, 404.º do CPA; As agressões – arts. 359.º 369.º e 413.º do
CPA; 139 ADÃO, Chico - Direito costumeiro e o poder tradicional dos
povos de Angola, p. 207-210.
64
CAPITULO II – O ESTADO SOBERANO E O DIREITO COSTUMEIRO
1. O clero;
2. A nobreza;
3. E o povo.
65
publicação de Il Principe, de Maquiavel.67 Com ela são lançadas as bases
de um conhecimento técnico sobre o exercício do poder fundado na
cisão entre o profano e o sagrado, isto é, a realidade política, de um
lado, e os problemas teológicos e éticos, de outro lado. Desencadeia-se o
processo de autonomização da política conferindo à “razão de Estado”
estatuto que permite anular as potenciais aporias entre meios e fins ou a
moral e a política. Portanto, a leitura de O Principe permite concluir que
Maquiavel nunca poderia ter pretendido produzir uma teorização
original sobre os fundamentos e os critérios da soberania fora do estrito
respeito dos interesses que comandam a governação do “príncipe”.
67
MAQUIAVEL,Nicolau. O Príncipe, tradução, introdução e notas de Diogo Pires Aurélio, Lisboa: Circulo
de Leitores/Temas e Debates, 2008
66
Do ponto de vista terminológico, “Estado” é uma palavra difundida com
a leitura do Príncipe de Maquiavel cujo texto do primeiro capítulo tem o
seguinte incipit: “Todos os Estados, todos os domínios, que tiveram e
têm impérios sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou
principados.68 Mas a fixação do seu sentido era já observável em
expressões latinas antigas, tais como status rei publicae. Com efeito, o
debate que a noção de Estado pode suscitar neste plano não se esgota
em abordagens de ordem lexicológica.
68
MAQUIAVEL,Nicolau. O Príncipe, tradução, introdução e notas de Diogo Pires Aurélio, Lisboa: Circulo
de Leitores/Temas e Debates, 2008
69
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. Para uma teoria geral da política, Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1986, p. 69
67
É do povo que emana a legitimidade institucional das realidades
subjacentes a estes dois fenómenos políticos, concretizando-se num
processo de transferência dos direitos de soberania.. É por essa nobre
razão que o Direito Consuetudinário/Costumeiro de alicerça
indispensável para os fazedores de justiça. E nós aqui o ensino do Direito
e formação dos jovens juristas nos ocupamos de passar essas e outras
informações, com vista e entender-se aquilo que são as Normas
Tradicionais, para a manutenção da vida social.
Tudo quanto se sabe até hoje é que, Rousseau supera aquilo que se
supõe serem as limitações do pensamento de Bodin e Hobbes. No seu
Contrato Social reformula o princípio da soberania fundando-a na
vontade geral do povo. Para Rousseau a soberania é um exercício efectivo
dessa vontade. O esteio da soberania não é mais a vontade geral do
povo, a soberania popular de Rousseau, passa a ser a nação.
70
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, 4ª edição,
tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza daSilva, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa Moeda,
2009, p. 146
68
nacional configura faz apelo à determinação do fundamento de cada
uma delas. Ao contrário do que é proposto por Rousseau, relativamente
à impossibilidade da alienação da soberania, Sieyès formula teorias que
constituirão um dos traços mais fortes da tradição constitucional
francesa. O sujeito supremo do poder constituinte é a nação, sendo ela
o centro da teoria da representação.
c) O pessimismo antropológico;
d) A glorificação do passado;
70
Friederich Carl von Savigny (1779-1861), a sua figura tutelar, Gustav
Hugo (1764-1844) e Georg F. Puchta (1798-1846). As críticas de Savigny
contra o jus racionalismo, o legalismo e o movimento codificador,
entroncam em contradições quando se procede à análise da sua
metodologia de interpretação, seu conceito de direito e de ciência do
direito ou da legislação. A contradição fundamental consiste em saber
se a vontade do soberano seria a fonte de direito ou se a racionalidade
científica poderia ocupar o lugar da vontade do soberano veiculando as
leis produzidas. Savigny que pugnava por um direito científico viria a
abandonar a dimensão histórica, dando primazia à necessidade da
construção científica do sistema.71
71
BOBBIO, Norberto. O Positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito, tradução Márcio Pugliesi, São
Paulo: Ícone editora, 2006, p. 122
71
abatem algumas das críticas que são dirigidas ao jus positivismo.
72
Hans Kelsen (1881-1973) e Carl Schmitt (1888-1985).
73
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, 4ª edição, tradução Luís Carlos Borges, São Paulo:
Martins Fontes, 2005, pp. 169 - 170
72
Por sua vez Carl Schmitt, entende que “soberano é aquele que decide
em situação excecional», operando com uma noção de soberania
tributária da Teoria do Estado, consequentemente sendo apropriada
para uma definição jurídica de soberania”.74
74
SCHMITT, Carl. Théologie Politique, Paris: Éditions Gallimard. 1988, p.16
75
Idem, p. 28
73
soberania nacional.
A crise do Estado Nacional que se repetiria em crises sucessivas até à
queda do Muro de Berlim veio igualmente sacudir os fundamentos do
pensamento político contemporâneo em diferentes países que por razões
históricas herdaram o referido modelo. Nesta medida o Estado-nação em
crise foi sendo problematizado no âmbito da ciência política ou da
sociologia política.
74
Através de posições defendidas por insignes nomes da filosofia política
de que se destacam David Gauthier, John Rawls, Ronald Dworkin e
Robert Nozick, os liberais consideram o indivíduo como a figura central
daquilo a que chamam «comunidade não- comunitarista». Assim, os
indivíduos não têm necessidade de estabelecer qualquer vínculo de
pertença a grupos de natureza religiosa, económica, sexual ou outra.
Situando- se no plano normativo, John Rawls afirma que «um sujeito
moral é alguém que possui objectivos por si escolhidos, e a sua
preferência fundamental dirige-se para condições que lhe permitem
construir um modo de vida que expresse a sua natureza enquanto ser
racional livre e igual, de forma tão plena quanto as circunstâncias o
permitam.76
76
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, tradução Carlos Pinto Correia, Lisboa: Presença. 2001, p. 423
75
pelo Estado.77 O que se discute sobre estas matérias torna-se inteligível
no quadro das comunidades históricas e políticas.
77
AVINERI, Shlomo e Avner de-Shalit (ed.) Communitarianism and individualism, Oxford/New York:
Oxford University Press. 1992, pp. 2-3
76
jurisdição. A interpretação da Carta Africana dos Direitos do Homem e
dos Povos de 28 de junho de 1981 conduz a tal conclusão. É daqui que
se alicerça a técnica educacional da presente cadeira de Direito
Costumeiro preceder as Instituições de Direito Africano. No ISPOC –
Huambo bem conhecida por IDA.
78
(Tshiyembe, 2001:125)
77
2.3. A Exclusividade da Produção do Direito
1. O estadualismo;
2. O legalismo.
79
(Bobbio, 2010:10).
79
sentido, as normas jurídicas, que se caracterizam pela sua validade e
eficácia, destinam-se a produzir efeitos visando a uniformização dos
comportamentos e a homogeneização dos governados de acordo com o
princípio da territorialidade. Portanto, o poder exclusivo do soberano que
consiste em produzir o direito é aquele que se analisa na criação de um
determinado ordenamento jurídico.
80
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São
Paulo: Edipro, 2011, p. 45
80
2.4. O Problema das Fontes do Direito e Ordenamento Jurídico
82
BOBBIO, Norberto. La consuetudine come fatto normativo, Torino: G.Giappichelli Editore. 2010, p.
10
medida em que a formação dos ordenamentos jurídicos estaduais
registam processos de absorção de resíduos históricos dos
ordenamentos pré-estaduais.
1
fonte originária e autónoma.
b) A segunda releva da dogmática jurídica e diz respeito à teoria da
exclusividade da lei como fonte do direito, enquanto «lei em sentido
material» e «lei em sentido formal.
c) A terceira levanta o problema da hierarquia das fontes do direito
que, operando com o critério do poder, permite distinguir níveis
de uma estrutura estratificada. Este critério consiste em definir o
sistema supra-infra-ordenado das fontes prescritivas.
2
interna; a diferente extensão recíproca dos respetivos âmbitos de
validade; e a validade das normas de um ordenamento por força da
atribuição de outro ordenamento.84 O primeiro critério conduz-nos à
identificação de relações de coordenação e de subordinação. As relações
de coordenação «são aquelas que têm lugar entre Estados soberanos» e
dão origem a regras de coexistência resultantes de uma
«autolimitação recíproca». As relações de subordinação ocorrem entre o
ordenamento estadual e ordenamentos cuja validade dependem do
reconhecimento do Estado.
O segundo critério permite o estabelecimento de relações de exclusão
total, inclusão total e exclusão parcial. Os respetivos âmbitos de
validade dos ordenamentos em presença podem ser territoriais,
materiais e pessoais. Nesta medida, por exclusão total entende-se a
delimitação da validade de dois ordenamentos não se sobrepondo
reciprocamente em nenhuma das respetivas partes. Já a inclusão total
significa que o âmbito de validade de um dos ordenamentos jurídicos
está contido no outro.
O terceiro critério, assente na interseção e conexão de acordo tem como
base a validade que um determinado ordenamento atribui às regras de
outros ordenamentos com os quais entra em contacto.85 A interseção e
conexão (exclusão parcial e inclusão parcial) verifica-se quando dois ou
mais ordenamentos regulam a mesma matéria ou relação jurídica em
razão dos âmbitos de validade das normas jurídicas que mantêm uma
conexão com tais matérias.
Segundo Norberto Bobbio, este último critério pode dar lugar a três
situações: indiferença, recusa e absorção. Vamos debruçar-nos sobre
esta última, tendo em conta a sua relativa complexidade. Por absorção,
entende-se a situação em que um ordenamento considera obrigatório
84
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São Paulo:
Edipro, 2011, p.52
85
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São Paulo:
Edipro, 2011, p. 161
3
ou proibido aquilo que em outro ordenamento é também obrigatório ou
proibido. 86 Pode apresentar-se sob a forma de reenvio e recepção. Com
o reenvio um determinado ordenamento acolhe as normas provenientes
de outro ordenamento em detrimento do seu próprio regime jurídico.
Isto pode ocorrer quando o ordenamento estadual reconhece a validade
das normas do ordenamento menor no respetivo âmbito. A recepção
traduz o processo através do qual um ordenamento aceita o regime
jurídico de um conjunto de relações e matérias jurídicas estabelecido
em outro ordenamento.
86
Idem
87
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São Paulo:
Edipro, 2011, p.92
4
apenas a anulação da força obrigatória das normas consuetudinárias,
sem que tal implique a sua eliminação total, pois elas são absorvidas
pela lei através dos processos de codificação. Do ponto de vista histórico,
ambos os ordenamentos desenvolvem diferentes processos de formação a
partir dos quais se estabelecem relações que podem consistir em
intersecção ou sobreposição.
Apesar da sua filiação à escola jus positivista, Bobbio emprega o
conceito de pluralismo jurídico institucional inspirando-se na teoria do
ordenamento jurídico de Santi Romano que fragmenta o princípio jus
positivista do direito universal. Todavia, por razões de ordem
epistemológica as conclusões a que chega Bobbio, tributárias das
tradições jurídicas ocidentais, não podem ser generalizadas de tal modo
que possam abranger as experiências jurídicas não ocidentais.
Limitações semelhantes repercutem-se na focagem sobre os problemas
jus filosóficos que as normas consuetudinárias colocam. Isso mesmo
manifesta-se nas posições adotadas por Herbert L.A.Hart que, na
década de 60 do século XX, operava ainda com uma perspetiva
evolucionista do direito.
Os desafios com que se confronta o jus positivismo neste alvorecer do
novo milénio fornecem suficientes provas empíricas.
1. Fontes de conhecimento;
2. Fontes genéticas;
3. Fontes de validade;
4. Fontes de juridicidade.
88
NEVES, António Castanheira. Digesta. Escritos Acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua
Metodologia e Outros, 3 volumes, Coimbra: Coimbra editora, 2010, p. 15
6
Na teoria tradicional as fontes do direito referem
os modos pelos quais uma normatividade se
torna direito positivo.89
89
Idem
90
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São
Paulo: Edipro. 2011, p. 58
7
antecedente/ consequente ou oposições através das quais se podem
discernir relações de implicação entre o constitutivo e o constituído.
91
GUASTINI, Riccardo. Le Fonti del Diritto e L’Interpretazione, Milano: GiuffrèEditore. 1993, p. 29
8
O reconhecimento da sua existência permite identificar fontes de
produção e fontes de conhecimento. No dizer de Guastini, as fontes de
produção têm uma conotação associada aos factos e actos susceptíveis
de produzir o Direito. Já as fontes de conhecimento designam os
documentos e publicações através dos quais se dá a conhecer o direito.
Com efeito, a distinção entre fontes de produção e fontes de conhecimento
revela-se problemática quando se trata do Direito Consuetudinário, pois
do ponto de vista da sua manifestação não é um direito originariamente
escrito.
9
As antinomias podem ser sanáveis ou aparentes; e insanáveis ou reais.
Incidamos sobre as antinomias reais, aquelas em que o intérprete é
abandonado a si mesmo ou pela falta de um critério ou por conflito entre
critérios dados.92 A dogmática jurídica propõe três critérios para a
solução das antinomias insanáveis ou reais:
1. A doutrina romano-canónica;
2. A doutrina moderna;
3. A doutrina da Escola Histórica do Direito.
92
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São
Paulo: Edipro. 2011, p. 96
10
2.7. O Costume Como Fonte de Direito
93
HERNANDEZ, Pedro Pabrlo, Tratado de Sociologia Del Dercho, 1ª ed. Florida, Valletta Editores, 2012, p.
500
94
NEVES, António Castanheira. Digesta. Escritos Acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua
Metodologia e Outros, 3 volumes, Coimbra: Coimbra editora, 2010, p.40
11
hipótese de o costume e a lei serem fontes do mesmo grau, não se
aplicará o critério hierárquico, rt.º7º CRA.
95
NEVES, António Castanheira. Digesta. Escritos Acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua
Metodologia e Outros, 3 volumes, Coimbra: Coimbra editora, 2010, p. 8
12
e o momento constituinte.96
96
Ibidem
97
idem.
13
direito situadas fora do domínio da lei e o Direito Consuetudinário em
sentido estrito que designa apenas o conjunto de normas de origem
costumeira.
Em todo o caso, importa reconhecer o costume como fonte do direito
nos sistemas jurídicos contemporâneos, afastando-se qualquer
hegemonia epistemológica que, numa lógica evolucionista, estabeleça
uma ordem hierárquica entre o pré-jurídico e o jurídico, ou seja, entre o
costume representando a regra não escrita e o jurídico confundindo-se
com a regra escrita. Por essa razão, a definição do costume como fonte
do direito deve obedecer aos ditames de um certo relativismo epistémico
devido à forte dependência de parâmetros conceituais com que se opera.
E a noção de costume ilumina bem os caminhos dominados pelo
absolutismo epistémico.98
É claro que é possível imaginar uma sociedade sem poder legislativo,
tribunais ou funcionários de qualquer espécie. Na verdade, há muitos
estudos de comunidades primitivas que não só sustentam que esta
possibilidade ocorreu, mas descrevem em detalhe a vida de uma
sociedade na qual o único meio de controlo social é a atitude geral do
grupo para com os seus modos-padrão de comportamento, em termos
daquilo que caracterizamos como regras de obrigação. Uma estrutura
social deste tipo é frequentemente descrita como uma estrutura
baseada no costume, mas não usaremos este termo, porque
frequentemente assume de forma implícita que as regras
consuetudinárias são muito antigas e mantidas com menor pressão
social do que as outras regras.
98
HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito, 6ª edição, tradução A.Ribeiro Mendes, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, pp. 1907 - 1994
14
que impõem vários deveres positivos aos indivíduos, de execução de
serviços ou de prática de contribuições para a vida comum.99
99
Idem, p 101
15
jus constitucional, as tentativas de resposta agrupam-se em três
diferentes doutrinas:
1. A doutrina tradicional ou romano-canónica;
2. A doutrina da Escola Histórica do Direito;
3. A doutrina moderna.100
100
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São
Paulo: Edipro. 2011, p. 41
16
permite distinguir os costumes jurídicos dos simples hábitos.101
Neste sentido, Bobbio admite que esta é uma outra possibilidade de
atracção da norma consuetudinária por uma fonte que é igualmente o
seu fundamento, o povo. Uma fonte do direito é, ao mesmo tempo, o seu
próprio fundamento. Ele depende da acção dos tribunais que lhe
conferem validade e força obrigatória. O centro de atracção da norma
consuetudinária é a mediação do juiz. nesteâmbito, John Austin
escreve:
“For example, customary laws are positive laws fashioned by judicial
legislation upon pre- existing customs. Now, until clothed with legal
sanctions by the sovereign on or number, the customs era merely rules
set by opinions of the governed and sanctioned or enforced morally;
though, when they become the reasons of judicial decisions upon cases,
and are clothed with legal sanctions by sovereign one or number, the
customary are rules of positive law as well as of positive morality. But
because the customs were observed by the sovereign one or number, it is
fancied that customary laws exist as positive laws by the institution of the
private persons with whom the customs originated.” 102
101
BOBBIO, Norberto. O Positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito,tradução Márcio Pugliesi, São
Paulo: Ícone editora, 2006, p. 168
102
AUSTIN, John. Lectures on jurisprudence or the philosophy of positive law, Jersey City: Robert
Campbell, 1874, pp. 102 - 103
17
acontece na tradição constitucional britânica dominada por um direito
constitucional de origem consuetudinária. Além disso, ocorrem
situações em que os tribunais estão vinculados à aplicação do costume,
não podendo o juiz ter a liberdade de escolha. Podiamos pedir alguma
regulação normativa desse género para Angola.
20
dimensões que constituem a dicotomia: hábito e convenção.103
103
James Bernard Murphy. The Philosophy of Customary Law, Oxford: Oxford University Press. O autor
elabora um síntese histórica interessante da Filosofia do Direito Consuetudinário que atravessa o tempo
desde os tempos dos sofistas gregos, passando por Aristóteles, S.Tomás de Aquino, Francisco Suarez,
Jeremy Bentham e James Carter, 2014
104
Will Kymlicka. Contemporary Political Philosophy. An Introduction, Oxford: Oxford University Press;
Steven D. Hales, (ed.), 2011
105
Norbert Rouland. Nos Confins do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 185.
21
específicos, quando os Estados e as democracias liberais passaram a
confrontar-se com a pressão das populações autóctones ou minorias
étnicas. Will Kymlicka esboça uma cronologia que permite analisar a
evolução do debate sobre o multiculturalismo em três fases, desde a
década de 80 até aos nossos dias. Durante a primeira fase, período que
ocorre antes de 1989, a defesa do multiculturalismo exprimia as
posições comunitaristas na crítica contra os liberais em discussões que
se concentravam em torno do direito das minorias.
22
institutions operating in that language”. Numa lapidar definição
instrumental, formulada a partir da crítica às conceitualizações
eurocêntricas, Kwame Gyekye considera que a «nation-building is thus a
conscious and purposive attempt to bring different peoples together to
think, act, and live as if they were one people belonging to one large
ethnocultural community.107
107
GYEKYE, Kwame. Tradition and Modernity. Philosophical Reflections on the African Experience,
Oxford/New York: Oxford University Press. 1997, p. 85
108
TAYLOR, Charles. Multiculturalismo. Examinando a Política do
Reconhecimento, Lisboa: Instituto Piaget. 1994, p. 59
23
Pelas razões invocadas não hesita em responsabilizar e atribuir culpas
às sociedades liberais do Ocidente. Neste sentido, os argumentos
através dos quais se faz a apologia do multiculturalismo andam
associados ao pluralismo e estão ancorados a premissas que negam a
existência de fatos epistémicos absolutos, isto é, o absolutismo
epistémico, mas que reconhecem como verdadeiro o relativismo
epistemológico. É esta a argumentação tecida por Kwasi Wiredu em três
capítulos do seu livro Cultural Universals and Particulars. An African
Perspective, quando defende a descolonização conceitual na construção
do discurso filosófico africano e a formulação do pensamento moderno
em línguas africanas. A resposta que dá à pergunta sobre o que
entende por descolonização conceitual, não deixa dúvidas relativamente
à sua filiação no grupo daqueles que atribuem méritos ao relativismo
conceptual e ao relativismo epistémico.
109
HALES, Steven D. (ed.), A Companion to Relativism, Malden/Oxford: Blackwell Publishing. 2011, pp.
201 - 217
25
contexto em que o pluralismo jurídico, não sendo um obstáculo à
descoberta da verdade, ao invés, é uma «condição de possibilidade da
verdade».110
26
clássico. A partir da década de 70 do século XX, passou a colher
consenso das comunidades académicas a possibilidade de um
pluralismo jurídico nos países industrializados24. Este é o chamado
novo pluralismo jurídico. Com efeito, hodiernamente o pluralismo
jurídico tem consagração em diversos ordenamentos jurídicos. Mas o
seu reconhecimento é tardio devido ao peso hegemónico do monismo
jurídico suportado pelas teorias juspositivistas.
111
KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito, 4ª edição, tradução António Ulisses Cortês, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 444
112
É o caso das disposições dos artigos 7º, 223º, 224º e 225º da CRA.
29
segunda é constituída por normas processuais. Estas visam garantir a
concretização da teleologia consubstanciada pelas normas da primeira
categoria.
113
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São
Paulo: Edipro. 2011, p. 52
30
linguística, vivendo em determinadas parcelas do território com limites
geográficos por vezes difusos.
31
existentes ou, mesmo, a sua redução a umas quantas tarefas menores e
residuais.
114
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na
Ordem Jurídica Plural Angolana, Coimbra: Almedina. 2012, p. 425
32
O fim último da constitucionalização do Direito Consuetudinário e das
Instituições do Poder Tradicional é a justiça.
115
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 1ª edição, tradução Ari Marcelo Solon, São
Paulo: Edipro. 2011, pp. 44-45
34
das fontes do direito assente em qualquer tipo de monopólio estatal de
regulação e normação constitucionalmente consagrado.
116
Idem, p. 31
35
continente africano tem vindo a traduzir-se num comportamento dos
Estados que consiste na devolução e descentralização do poder. Tal
ocorre, por exemplo, nas Constituições de Angola e de Moçambique,
onde encontramos disposições normativas que consagram esse duplo
reconhecimento. Admitimos a hipótese de estarmos em presença de um
pluralismo jurídico que é simultaneamente forte e endógeno.
36
consuetudinário entendido como instituição na conceção de Santi
Romano. Nesta medida, o pluralismo jurídico forte e endógeno implica
um pluralismo linguístico tendo em conta o facto de as línguas oficiais
de origem europeia coexistirem com as línguas nacionais relativamente
às quais os Estados estão vinculados por força de normas
constitucionais.
37
preparação.117
117
in Amanda Perreau-Saussine e James Bernard Murphy (ed.). (2007). The Nature of Customary Law.
Legal, Historicaland Philosophical Perspectives, Cambridge: Cambridge University Press, pp.13-34.
118
António Castanheira Neves. (1993). Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais, Coimbra,
Coimbra Editora; António Castanheira Neves. (2010). Digesta. Escritos Acerca do Direito, do Pensamento
Jurídico, da sua Metodologia e Outros, 3 volumes, Coimbra: Coimbra editora; António Castanheira Neves.
(2010). O Atual Problema Metodológico. Da Interpretação Jurídica-I, Coimbra: Coimbra Editora.
119
Ronald Dworkin. (2010). O Império do Direito, 2ª edição, tradução de Jefferson Luiz Camargo, São
Paulo: Martins Fontes.
38
jurídico internacional ou as teorias do costume no sistema jurídico
anglo-americano da «common law» são apenas subsidiárias. O centro do
referido campo é ocupado pelo costume jurídico tradicional para cuja
interpretação são convocados os contextos históricos, culturais, sociais
e políticos, além do recurso a fatores transpositivos e suprapositivos.
120
NZOKOU, Gildas. Logique de L’argumentation dans les Traditions Orales Africaines. Proverbes,
Connaissance et Inférences Non-Monotoniques, London: CollegePublications. 2013, p. 7
41
Por essa razão, os intérpretes do costume jurídico devem conhecer as
estratégias e regras da argumentação jurídica proverbial usadas nas
culturas orais bantu47. O tratamento deste problema exige igualmente
uma profunda reflexão sobre o ensino do direito nos países africanos
onde geralmente os programas curriculares das Faculdades de Direito
reproduzem os modelos das universidades europeias. A alteração deste
estado de coisas implica a reestruturação dos cursos, adequando os
seus planos de estudos às reais necessidades de formação das novas
gerações perante a demanda das situações concretas.
Tais ações têm vindo a ser desencadeadas em algumas universidades
africanas dando origem a processos de endogeneização curricular e
estabelecimento de novas agendas de investigação.
Pode dizer-se que o problema hermenêutico suscitado pelo costume
jurídico em sede do pluralismo judiciário apresenta um largo espetro,
pois não sendo já a administração da justiça uma função
desempenhada exclusivamente pelo Estado, a discussão das questões
associadas à hermenêutica permite determinar as fragilidades do
monismo no exercício da atividade jurisdicional, abrindo-se a
possibilidade de construção de um sistema em que a competência
rationae materiae para aplicar o Direito Consuetudinário encontra os
seus fundamentos na coexistência e ação concorrente das instâncias do
Estado e das Autoridades Tradicionais, no que diz respeito à solução de
conflitos e, por conseguinte, à realização do direito e da justiça.
42
interpretando a ordem jurídica e suas normas, bem como conferindo
unidade sistemática na história dos povos.
a) A fonte costumeira;
b) A tradição oral;
c) A autoridade tradicional;
d) A diversidade cultural;
44
característica está ligada intrinsecamente ao espírito conservador das
comunidades consideradas primitivas que tendem a valorar mais a
continuidade da ordem social estabelecida pelos seus antepassados que
qualquer tendência progressista. “As regras de conduta a que é devida
observância correspondem, pois, essencialmente àquilo que os antigos
já faziam; e, por serem fruto da sua vontade, adquiriram carácter
sagrado”.121 As comunidades tradicionais estão conscientes de que são
fruto do passado.122 Por isso, há necessidade de estarem em contacto
com os seus antepassados através da conservação da ordem social por
eles estabelecida, porque agindo desta maneira estão a ser
continuadoras do projecto social idealizado pelos seus antepassados e,
consequentemente, estão a construir o presente sobre o seu passado
rumo ao futuro.123
Uma outra instituição do Direito Costumeiro que deve ser vista como
sua característica é a tradição oral ou a oralidade contrapondo ao
Direito Legislado que tem como seu depósito os códigos. A tradição oral
é o suporte da transmissão do Direito Costumeiro, pois “as regras
consuetudinárias são transmitidas oralmente, de geração a geração,
cabendo aos mais velhos preservar a respectiva memória”.124
121
Vicente, Dário Moura. Introdução aos Sistemas Jurídicos. Lisboa : Almedina, 2014. p. 394.
122
Fage, J. D. História da África. Lisboa : 70, 2010.
123
CHARROUX, Robert. 1971. O Livro dos Mundos Esquecidos. 3ª. Lisboa : Edições 70, 1971.
124
VICENTE, Dário Moura. Introdução aos Sistemas Jurídicos. Lisboa : Almedina, 2014. p. 394.
45
descobrir o pensamento negro e os seus comportamentos individuais e
sociais”.125
125
ALTUNA, Raúl Ruiz de Asúa. 1985. Cultura Tradicional Bantu. Luanda : s.n., 1985. p. 88. e KEITA,
Boubacar N. 2009. História da África Negra. Luanda : Texto Editores, 2009.
46
cometida que pode se traduzir na indemnização, nas penas corporais,
etc...
126
Altuna, Raúl Ruiz de Asúa. Cultura Tradicional Bantu. Luanda : s.n., 1985. p. 88.
127
Graça, Pedro Borges. A Construção da Nação em África. Coimbra : Almedina, 2005.
47
comum e que mais nos une nesta diversidade para melhor coesão da
comunidade angolana que se reflecte na paz social. 128
128
Idem
48
CAPITULO III – OS COMPONENTES HISTÓRICOS DO DIREITO
COSTUMEIRO
50
b) através do território e da propriedade, nos quais se assenta a
colectividade humana que vai evoluindo a ponto de se tornar
necessário o surgimento do Estado, sob o qual se constituirá uma
sociedade política, em que as relações das pessoas com o poder
(governo) serão determinadas por um vínculo delas com o
território (jus soli), logo pelo Direito vigente no território.
51
Fonte de direito bastante imperfeita, pela incerteza que, muitas vezes,
lhe é inerente, não pode o Costume apresentar a garantia de
permanência que caracteriza, em princípio, a lei escrita. Em virtude
deste facto, a tendência geral no mundo actual é a substituição do
Direito Costumeiro pelo Direito Escrito. E nós damos hoje mais do que
nunca valor importante ao Direito Costumeiro, que pela orientação da
Constituição, pelo ditâmes dos arts.º 7º e 224º.
52
Aristóteles, na sua obra “Constituições Gregas”, reúne 158
constituições das distintas cidades-estados do antigo mundo grego.
Seus autores são, além do legendário Licurgo (da antiga Esparta) e dos
legisladores Dracon e Solon (de Atenas), figuras como Sócrates e Platão,
Faleas (de Calcedónia), Fidón (de Corinto), Hipódamo (de Mileto),
Charondas (de Catania), Zeleucos, etc. Na sua obra “A Política”,
Aristóteles menciona Onomácritos como o primeiro que adquiriu perícia
e fama na legislação.
53
Eumênides. Sua matéria-prima foi recolhida nas histórias dos regressos
dos heróis que foram lutar contra a cidade sagrada de Tróia
55
Autodenomina-se sofista e é o promotor de esta importante escola onde
se destacou como mestre da virtude. Ao afirmar que "la virtud es la
destreza del fuerte" se manifiesta dentro do escepticismo.
Eles negavam que a lei e a justiça tivessem valor absoluto, pois eram
criadas pelos homens, de acordo com determinadas circunstâncias e,
por isso mesmo, relativas e sujeitas a mudanças ou transformações.
56
Aristóteles, discípulo de Platão, que tinha em comum com ele a ideia de
uma realidade que transcende a aparência das coisas tais como são
percebidas pelos sentidos humanos, defendia a validade da lei como
resultado da vida prática: o homem, por natureza, é moral, racional e
social e a lei facilita o desenvolvimento dessas qualidades inatas. Para
Aristóteles, a ordem existe na regularidade das coisas e se expressa em
todas as realidades, inclusive no direito. Portanto, o direito está in re,
nas coisas, na justa proporção na divisão dos bens entre os membros
de um grupo, no estabelecimento de um equilíbrio das coisas.
57
poderosamente sobre a ordem jurídica ocidental e constituiu um dos
principais elementos da civilização moderna.
58
Outra divisão, talvez preferível didacticamente, distingue, no estudo do
direito romano, tendo em conta sua evolução interna: o período arcaico
(da fundação de Roma no século VIII a.C. até o século II a.C.), o período
clássico (até o século III d.C.) e o período pós-clássico (até o século VI
d.C.).
60
caso a um juiz particular. Incumbia, então, ao juiz particular a
segunda fase da administração da justiça, que consistia em
verificar a procedência das alegações diante das provas
apresentadas e tomar, com base nelas, a sua decisão. Havia
pretor para os casos entre cidadãos romanos – era o pretor
urbano – e havia também, a partir de 242 a.C., pretor para os
casos em que figuravam estrangeiros - era o chamado pretor
peregrino.
61
do Edito e chamado ius honorarium, foi sempre considerado como
diferente do direito antigo (ius civile) mesmo quando, na prática, o
substituiu.
62
direito era concedido a certos juristas chamados jurisconsultos. Seus
pareceres tinham força obrigatória em juízo. Havendo pareceres
contrastantes, o juiz estava livre para decidir.
63
selecção das obras dos jurisconsultos clássicos, encarregando dessa
tarefa Triboniano, que convocou uma comissão para proceder ao
trabalho ingente.
64
Em suma: O Código Justiniano (colecção das leis
imperiais vigentes na época), o Digesto (selecção das
obras dos jurisconsultos clássicos), as Institutas
(manual de direito destinado aos estudantes) e as
Novelas (as novas leis publicadas após a publicação
do Código Justiniano) são as quatro grandes obras
justinianas e formam o Corpus Juris Civilis,
denominação atribuída por Dionísio Godofredo, no fim
do século XVI d.C.
Direito Germânico
66
Na Época Medieval, e sob a forte influência da Igreja, destaca-se o
desenvolvimento do Direito Canónico que podemos definir, como o faz
Juan Cavigioli, como “o sistema das leis com que a igreja ordena sua
actividade social específica e a de seus membros enquanto tais”. É, antes
de mais, um direito não puramente humano, que entretanto não se
organiza com pretensões de absoluta divindade, como nos casos do
direito hebreu ou muçulmano, que se apresentavam como obra da
santidade e, portanto, perfeitos.
69
representante mais conhecido foi o austríaco Hans Kelsen, concebia o
direito como um sistema autónomo de normas baseado numa lógica
interna, com validade e eficácia independentes de valores extrajurídicos,
os quais só teriam importância no processo de formação do direito.
70
sociedade verificam-se também no direito; e é necessário distinguir o
que é do que deve ser.
Deu-se nessa época (fim do século XII e século XIII), antes na Espanha
e depois em Portugal, a recepção do direito justiniano e do direito
canónico, com interpretações e comentários elaborados pelos mestres
italianos. Essas novas fontes prevaleciam muitas vezes sobre os direitos
locais e eram reconhecidas como direito comum vigente, aplicado pelos
tribunais.
71
do rei D. Duarte, o príncipe-regente D. Pedro encarregou uma comissão
de ultimar e rever o trabalho realizado. Essa comissão concluiu sua
obra em 1446 e o código, denominado Ordenações Afonsinas, foi
promulgado nesse mesmo ano por Afonso V. Além de profundamente
impregnadas de direito romano e canónico, as Ordenações receberam
influência do direito espanhol, designadamente das Partidas. Dividem-
se em cinco livros: o primeiro contém normas de direito constitucional e
de organização judiciária; o segundo, uma compilação de concordatas; o
terceiro, normas de processo; o quarto, o direito civil; e o quinto, o
direito penal. Filipe II da Espanha, investido soberano de Portugal,
manteve separados os sistemas jurídicos dos dois países. Em 1595
ordenou a compilação de toda a legislação portuguesa com vista à sua
codificação.
72
direitos naturais e invioláveis, entre os quais a liberdade individual que,
em suas várias especificações, se erige em valor supremo da vida social.
73
código civil alemão de 1900, que influenciaram os códigos civis da Itália,
Portugal, Espanha, Cuba, Brasil, Cabo Verde, entre outros.
74
sociedade e que o protegiam contra o despotismo dos reis tiranos. Os
juízes, portanto, não eram tidos propriamente como os “criadores” do
Direito, mas os seus “descobridores”, através de suas sentenças. No
máximo, portanto, se admitia que os juízes “criavam” o direito apenas
no sentido “formal” mas, não, “materialmente”, uma vez considerada a
decisão judicial como o único meio de efectiva concretização do direito.
75
Quer dizer, a tese da “rule of law”, também denominada “a regra da
supremacia do Direito”, estipula que as normas gerais legislativas (leis)
e as normas individuais judiciais (sentenças) podem e devem ser
aplicadas, desde que não contrariem os reconhecidos e consagrados
princípios gerais do Direito.
76
CAPITULO IV – O DIREITO COSTUMEIRO DO POVO UMBUNDU
Este direito das sociedades antiquadas tinha como sua fonte primária o
costume. Assim, “o costume predominou nas sociedades tradicionais,
estudadas hoje pela Antropologia do Direito; e foi historicamente de
129
CHICOADÃO. Direito Costumeiro e Poder Tradicional dos Povos de Angola. Luanda : Mayamba
Editora, 2015.
77
grande relevância, como matricial pano de fundo em que a lei e a
jurisprudência (formas voluntárias de criação jurídica) se foram
recortando e conquistando foros de cidade, nas sociedades europeias,
desde Roma até ao Iluminismo – tempo em que a codificação e a
legislação pátria das diversas «nações polidas e ilustradas» pretendeu
substituir-lhe como sistema tendencialmente total”.130
130130
Neto, Pereira. Costume. Lisboa : Editorial Verbo, 1999. Vol. VIII.
131
Neto, Pereira. Costume. Lisboa : Editorial Verbo, 1999. Vol. VIII.
78
como sendo a principal fonte de direito até à era da colonização, entre
os quais salientamos os povos de África Negra, onde Angola faz parte.132
132
Fage, J. D. História da África. Lisboa : 70, 2010.
133
CUNHA, Paulo Ferreira da. Instituições de Direito. Coimbra : Livraria Almedina, 1998. p. 7.
134
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da. Teoria Geral ddo Direito Civil. Luanda : Faculdade de Direito,
2014.
79
indígenas por causa da sua cor, da sua cultura, da falta da escrita
pensaram que não eram seres humanos e se forem, não tinham
história, logo são povos sem civilização. Por isso, vendo a situação dos
povos indígenas, as potências colonizadoras consideraram-se
portadoras de uma cultura superior e com a missão de civiliza-los. Esta
sua superioridade cultural foi um dos principais argumentos utilizados
para o desprezo do direito dos povos indígenas. E mesmo o próprio
sistema de educação era utilizado para inculcar esta ideologia na
escola. Mas mesmo com essa imposição da sua cultura supostamente
superior, os povos indígenas nunca deixaram de se reger pelo seu
direito se não for de forma expressa, mas sim clandestina.
80
4.1. Etimologia da Palavra Costume
135
All, Cassiano Floristan et. Dicionário de Pastoral. Porto : Perpétuo Socorro, 1990.
136
Neto, Pereira. Costume. Lisboa : Editorial Verbo, 1999. Vol. VIII.
137
LIBÂNEO, João Batista. A Ética do Quotidiano. São Paulo : Paulinas Editora, 2017. p. 5.
81
consciência axiológico-jurídica (não basta que estejamos diante do
valor, mas é preciso que este valor esteja tutelado pelo direito) de cada
comunidade susceptível de gerar o costume jurídico, a actuação na
convicção de se estar a agir segundo o Direito.138
138
APEL, Karl - Otto. Ética e Responsabilidade ... Lisboa : Instituto Piaget, 2007.
139
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil - Reais. 5. Coimbra : Coimbra Editora, 1993.
140
ASCENSÃO, José de Oliveira. Introdução e Teoria Geral. Coimbra : Coimbra Editora, 2005.
82
acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade por parte da opinião
comum.” Jà Freitas do Amaral, define, o costume como sendo, “a prática
habitualmente seguida, desde tempos imemoriais, por todo o povo, por
parte dele, ou por determinadas instituições, aos adoptar certos
comportamentos sociais na convicção de que são impostos ou permitidos
pelo direito”.141
141
AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, manual de Introdução ao Direito.
Lisboa : Almedina, 2004.
142
RIBEIRO, António J. Pinto. Dicionário de Socialogia. Lisboa : Dom Quixote, 1990.
83
Nesta vertente, a Sociologia define o costume como “uma norma de
conduta colectiva e obrigatória dentro de um grupo social, sendo a
conduta um comportamento humano auto consciente controlado pelas
espectativas de outras pessoas”.143
143
TELES, Maria Silvera. Sociologia para Jovens, Iniciação à Sociologia. 4. Petrópolis : Editora Vozes,
1997. p. 14.
144
FAICHILD, H. P. Costume, in Enciclopédia Luso-Basileira de Cultura. Lisboa, São Paulo : Editorial
Verbo, 1999. Vol. VIII.
84
4.4. Noção Jurídica do Costume
145
JUSTO, A. Santos. Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra : Coimbra Editora, 2011.
146
MACHADO, João Baptista. Introdução ao Direito e ao Discurso Legistimador. Coimbra : Coimbra
Editora, 1988.
147
TELES, Inocêncio Galvão. Introdução ao Estudo do Direito. 11ª. Coimbra : Coimbra Editora, 2001.
148
JUSTO, A. Santos. Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra : Coimbra Editora, 2011.
149
MACHADO, João Baptista. Introdução ao Direito e ao Discurso Legistimador. Coimbra : Coimbra
Editora, 1988.
150
PRATA, Ana. Dicionário Jurídico. 5ª. Coimbra : Editora Almedina, 2006.
85
social pela repetição de actos públicos e pacíficos durante um lapso de
tempo relativamente longo. Por esse facto,151 considera o costume como
“direito não escrito, introduzido pelos actos continuamente repetidos
dos membros da comunidade, os quais foram praticados publicamente,
sem contradição da maioria do grupo social, o tempo necessário para o
tornar obrigatório e deve ser razoável”. Observa o citado autor que aqui,
por ‘maioria do grupo social’ não se deve entender as modernas teorias
de metade e mais um, mas o que de facto é necessário para que o
costume se torne vinculativo é que “seja admitido pela grande maioria,
isto é, pela quase unanimidade do grupo social, pois é o consentimento
tácito do povo que justifica a força obrigatória do costume”.152
151
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. [trad.] António Manuel Hespanha e Manuel
Macaísta Malheiros. 6ª. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkiann, 2001.
152
Idem
86
veremos que o costume cria-se espontânea e inconscientemente no seio
da própria sociedade, porque ele não surge como vontade directa de
uma autoridade legislativa, mas sim, como “fruto das pulsões diárias do
grupo e da sociedade, sem necessidade de intervenção do poder político
do Estado.153
153
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da. Teoria Geral ddo Direito Civil. Luanda : Faculdade de Direito,
2014.
87
geração, porque constitui a condição sine qua non para a harmonia
social. A sociedade está consciente de que não veio do nada, mas sim, é
fruto do passado sobre o qual deve assentar o presente para melhor
esclarecer o futuro.
Por isso, ela ao querer estar ligada ao seu passado, ao que de bom os
seus antepassados fizeram procura manter uma relação umbilical
permanente conservando a ordem social herdada através da observação
dos bons costumes, porque estes costumes apresentam-se como sendo
relações justas pelas quais os membros da sociedade devem pautar por
uma questão da paz social. E sempre que se decidir alterar esta ordem
social por causa das exigências da própria evolução social, far-se-á no
sentido de manter aquilo que constitui a estrutura óssea dessa ordem
encontrada, porque só deste modo que está a se construir o presente
sobre o passado.
154
ALTUNA, Raúl Ruiz de Asúa. 1985. Cultura Tradicional Bantu. Luanda : s.n., 1985. p. 88.
155
Idem
156
SOUSA, Miguel Teixeira de. Introdução ao Direito. Coimbra : Almedina, 2012.
89
comportamento se torna habitual. Esta habitualidade resulta de uma
mera repetição e é dita apenas por fazer o que todos fazem. Depois
forma-se a convicção social, quando o hábito é acompanhado de uma
ideia de obrigatoriedade, sendo claro que os membros daquele grupo
social vêm-se forçados a observá-lo.
157
Idem
158
Machado, 1988
90
ponto de vista legal. Como consequência desta relação do costume com
a lei, teremos três tipos do costume que implicitamente já estão
presentes na expressão de159 quando diz que “os costumes são usos que
as leis não estabeleceram, ou não puderam ou não quiseram
estabelecer”. Neste prisma, apresentamos a seguir as modalidades do
costume genericamente aceites, seguindo de perto as pegadas de
Sousa.160
159
MONTESQUIEU. O Espírito das leis. [trad.] Cristina Murachuco. São Paulo : Martins, 2000.
160
SOUSA, Miguel Teixeira de. Introdução ao Direito. Coimbra : Almedina, 2012.
161
Idem
91
Nesta modalidade há entre o costume e a lei uma relação de
coincidência, unanimidade, pelo que o costume realiza apenas uma
função declarativa da lei e, reciprocamente.
Na vida há situações em que o costume vai para além da lei, o que quer
dizer que ele situa-se numa esfera jurídica não disciplinada por lei e
nem o seu conteúdo está absolvido por esta, mas também nem a
contradiz. Quando assim acontece, estamos diante do costume praeter
legem. O costume praeter legem é aquele que defende valores que estão
além daquilo que a lei dispõe sem, contudo, a contrariar. acha que nisto
o costume constitui um verdadeiro “complemento da lei”, integrando as
suas lacunas”.162
162
SOUSA, Miguel Teixeira de. Introdução ao Direito. Coimbra : Almedina, 2012.
92
Assim tem-se como exemplo o vertido Código de Família que acolhe o
casamento tradicional. Aqui está claro que o nosso legislador está a
lançar a sua mão ao costume praeter legem, quando está a consagrar
um dos institutos do Direito Costumeiro, concretamente o casamento
tradicional que obedece aos trâmites próprios, tais como: a promessa de
casamento (apresentação da família do futuro noivo à família da futura
noiva), o alambamento (entrega dos dotes ou bens patrimoniais no
momento do pedido) e o casamento propriamente dito. No caso de não
efectivação do casamento por razões subjectivas, a depender da parte
culpada, verifica-se a indemnização: ou se perde ou se restitui os dotes
entregues ou recebidos no momento de alambamento.
163
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. [trad.] António Manuel Hespanha e Manuel Macaísta
Malheiros. 6ª. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkiann, 2001
93
Entretanto, “é sobretudo em dois domínios não estatais que o costume
constitui ainda a principal fonte de direito: o direito infra-estatal e o
direito internacional ou supra-estatal”.164 O direito infra-estatal prende-
se “às regras de direito que são aplicadas no seio de grupos sociais em
cada Estado”, tais como: no Conselho da Ordem dos Advogados, dos
Médicos, dos Arquitectos, etc.
164
idem
94
inadmissíveis, havendo entre o costume e a lei uma relação de oposição,
o que implica, “o costume faça cessar a vigência da lei”, uma vez que o
costume contra legem “pode formar-se tanto quando há a consciência de
que a lei contrária está em vigor, como quando erradamente se formou
a convicção de que a lei contrária já tinha cessado a sua vigência”.165
Mas mais uma vez chamamos a vossa atenção que quando estamos a
falar da igualdade do costume com a lei na sede das fontes de Direito, é
165
MONTESQUIEU. O Espírito das leis. [trad.] Cristina Murachuco. São Paulo : Martins, 2000.
95
preciso ter em conta a hierarquia da própria lei. Segundo o que nós
aprendemos na cadeira de Introdução ao Estudo de Direito que se dá no
primeiro ano da Faculdade de Direito e durante a nossa formação, a lei
está escalonada: primeiro está a Constituição da República de Angola,
segundo está a lei ordinária e sucessivamente.
166
(Sousa, 2012),
167
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. [trad.] António Manuel Hespanha e Manuel
Macaísta Malheiros. 6ª. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkiann, 2001.
168
SOUSA, Miguel Teixeira de. Introdução ao Direito. Coimbra : Almedina, 2012.
96
Direito, é o costume secundum legem e praeter legem e não o costume
contra legem, porque este está abertamente afastado pelo nosso
Ordenamento Jurídico Angolano, pois “admitir-se a validade a esta
forma do costume como fonte de direito, isso significaria que a lei
pudesse ser revogada por um costume que lhe fosse contrário.”.169
Entre as duas teorias acima referenciadas, perfilhamos a teoria
apresentada por segundo a qual o costume contra legem é fonte
imediata de direito, porque nós entendemos que “nem todo o Direito é
escrito e que ao lado do Direito estadual escrito existe um Direito
estadual não escrito, costumeiro ou consuetudinário”.170
Além disso, nós reconhecemos que podem existir leis injustas razão
pela qual o costume contra legem não pode ser afastado da sede das
fontes de direito, porque apresenta-se como um mecanismo à
disposição da sociedade para que esta se oponha às leis injustas do
poder político.
Nesta ordem de ideias, “assim como uma lei pode revogar um costume,
também este pode fazer cessar a vigência de uma lei que lhe seja
contrária”,171 ou melhor, “o costume tem o mesmo valor que a lei como
fonte de direito e que, consequentemente, pode derrogar uma disposição
legislativa caída em desuso”.172
Ainda o costume pode fazer cessar a vigência de uma lei que permite o
casamento do tio com a sua sobrinha, parentes da linha colateral do
terceiro grau, porque esta lei vai contra o costume que proíbe este tipo
de casamento, uma vez que o tio é a primeira família na nossa cultura
e, consequentemente, quando a sobrinha tem problemas de qualquer
169
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da. Teoria Geral ddo Direito Civil. Luanda : Faculdade de Direito,
2014.
170
SOUSA, Miguel Teixeira de. Introdução ao Direito. Coimbra : Almedina, 2012.
171
JUSTO, A. Santos. Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra : Coimbra Editora, 2011.
172
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. [trad.] António Manuel Hespanha e Manuel
Macaísta Malheiros. 6ª. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkiann, 2001.
97
índole, ele é o primeiro a saber e a aparecer para dar a respectiva
solução.
173
JUSTO, A. Santos. Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra : Coimbra Editora, 2011.
174
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. [trad.] António Manuel Hespanha e Manuel
98
Mas atenção nem sempre o não cumprimento de uma lei é sinónimo da
sua extinção ou da sua revogação, pois “as autoridades podem tolerar
longamente a circulação de motociclistas sem capacete, ou a travessia
das ruas por peões fora dos lugares assinalados. Com isto a lei não
cessou a sua vigência; só cessará se se criar a convicção de que é lícito
proceder assim, portanto, se se formar um verdadeiro costume contra
legem”.175
4.11. A Tradição
99
A tradição, por conseguinte, é algo que se herda e que faz parte da
identidade cultural e social. A arte característica de um grupo social,
nomeadamente a sua música, as suas danças, os seus contos e
provérbios, faz parte do que é tradicional.
4.12. A Cultura
Esta base não é outra coisa senão a tradição, o legado, o que se recebeu
dos antepassados sobre o qual vai se desenvolver, cultivar as
qualidades posteriores quer físicas quer espirituais. A cultura assenta
sobre a tradição, apesar de esta ser mais restrita que aquela. Se a
tradição provém do acto da autoridade tradicional e está despida da
juridicidade e da sanção, já a cultura é a manifestação popular que
pode estar ou não acompanhada pela juridicidade e sanção, ex. o
costume, o carnaval, o tchigandji, a cavyula, etc… Como uma
manifestação popular, a cultura pode-se confundir com o costume,
embora sejam completamente diferentes.
101
A Sociologia define a cultura como “forma comum e aprendida da vida
que compartilham os membros de uma sociedade e que consta da
totalidade dos instrumentos, técnicas, instituições, crenças, motivações
e sistemas de valores que o grupo conhece”.
4.13. Os Usos
Ainda para evitar esta confusão, faz a distinção entre costume jurídico,
usos sociais e usos convencionais. Para aquele autor, “o costume
jurídico atende a aspectos emergentes e funcionais do Direito, seus fins
de resguardar a segurança e a estabilidade das relações sociais, bem
como o superior desiderato representado pela ideia de justiça.178 Os
177
CHICOADÃO. Direito Costumeiro e Poder Tradicional dos Povos de Angola. Luanda : Mayamba
Editora, 2015.
178
Rocha, Olavo Acyr de Lima. O Costume no Direito Privado. Rio de Janeiro : Edições Universitárias,
103
usos sociais são as simples regras de etiqueta, de cortesia, de moda que
não são obrigatórias do ponto de vista de Direito. Já os usos
convencionais são usos da actividade negocial, encontrados no
comércio, isto é, as práticas gerais, locais ou profissionais informais,
irrigadas da boa-fé e que contribuem para interpretar e completar a
vontade das partes”.
2000.
104
obrigatórias como tal, mas o seu não cumprimento despoleta censura
da parte dos membros da comunidade.
179
MACHADO, João Baptista. Introdução ao Direito e ao Discurso Legistimador. Coimbra : Coimbra
Editora, 1988.
105
CAPÍTULO V - AS AUTORIDADES TRADICIONAIS E O PLURALISMO
JURÍDICO
106
muito antes do colonialismo, a ele foram capazes de sobreviver e até
hoje permanecem influentes na cultura de África. Em síntese, são
instituições pré-coloniais e que sobreviveram aos “contágios do
colonialismo”.180
180
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, p.35
181
GUEDES, Armando Marques. The State and Traditional Authorities’ in Angola: Maping Issues. In: State
and Traditional Law in Angola and Mozambique. Org: Armando Marques Guedes e Maria José Lopes.
Editora Almedina, 2007, p.22
182
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, p.3
107
administração colonial. Entretanto, nos territórios mais afastados do
centro — onde a influência dos colonizadores não era capaz de chegar
com tanta facilidade —, as autoridades tradicionais exerciam o seu
domínio sem participação ativa do poder público, assumindo funções
administrativas de maneira mais independente e desvinculada do poder
central.
183
(ibidem, p. 19).
108
amplamente usada pelos governantes colonizadores em África que
desejavam exercer controle sem que fosse necessária uma constante
expressão de força militar,184 o que implicaria em gastos exorbitantes
(com os quais Portugal não podia arcar) e dispêndio de energia que
poderia ser direcionada à efetivação da missão civilizatória.
184
HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence. The Invention of Tradition. Cambridge University Press,
1983,p. 229
185
(ibidem, p. 247).
109
nessas condições ao longo da vida de um indivíduo — muitas vezes,
inclusive, as transformações eram provocadas pela necessidade de
adaptação a novas situações criadas pelos processos colonialistas.
186
PATRÍCIO, Ana Marta Esteves. Dinâmicas do Pluralismo Jurídico em Moçambique: estudo de caso do
distrito de Mossurize. Tese de Doutoramento em Estudos Africanos. Instituto Universitário de Lisboa,
2016, p. 64
187
SANTOS, Lurdes Maria Lima Viegas Pires dos. A igualdade de género em São Tomé e Príncipe: entre a
realidade e a utopia. Dissertação de Mestrado em Estudos Sobre as Mulheres – Gênero, Cidadania e
Desenvolvimento. Universidade Aberta, 2015, p.42
188
HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence. The Invention of Tradition. Cambridge University Press, 1983,
p.248
110
do século XX, os processos de imobilização de populações e de reforço
da etnicidade foram as consequências da mudança econômica e política
colonial — do rompimento dos padrões internos de comércio e
comunicação, da definição de limites territoriais, da alienação de terras
e do estabelecimento de reservas.
189
COISSORÓ, Narana. African Customary Law in the Former Portuguese Territories, 1954-1974. Journal
of African Law, Vol. 28: The Construction and Transformation of African Customary Law, 1984, pp. 72-
79.
190
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 400
111
obra e recolher o pagamento de taxas e impostos, em especial o imposto
anual indígena, que ficou conhecido como imposto de cubata, criado em
1907 e responsável por gerar um superendividamento dos nativos.191
Foram, portanto, considerados parte efetiva do Estado colonial e, pelo
cumprimento de suas atividades, recebiam uniformes e remuneração.192
Também na então Província da Guiné semelhantes estruturas foram
mantidas. Os chefes tradicionais deveriam agir conforme as previsões
do artigo 48 do Regulamento das Circunscrições da Província da Guiné,
dentre as quais estavam o dever de manutenção da lei e da ordem, de
reunir um contingente necessário de homens para defender o território
dos cidadãos portugueses que fossem ameaçados pelos nativos e cessar
eventuais rebeliões, além de facilitar o recolhimento de taxas.193
Sendo assim, é difícil definir até que ponto tudo o que se convencionou
chamar direito consuetudinário — direitos consuetudinários à terra,
estrutura política consuetudinária e assim por diante — foi
implementado por codificação colonial ou já vigorava à época pré-
colonização, antes do notório cerceamento de autonomia das
autoridades tradicionais.
191
FLORÊNCIO, Fernando. No Reino da Toupeira. Autoridades Tradicionais do M’Balundu e o Estado
Angolano. In: Vozes do Universo Rural. Reescrevendo o Estado em África. Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT/MCTES), 2010, p. 106
192
SANTOS, Lurdes Maria Lima Viegas Pires dos. A igualdade de género em São Tomé e Príncipe: entre a
realidade e a utopia. Dissertação de Mestrado em Estudos Sobre as Mulheres – Gênero, Cidadania e
Desenvolvimento. Universidade Aberta, 2015, p.63
193
SCHOENMAKERS, Hans. Old Men and New State Structures in Guinea-Bissau. The Journal of Legal
Pluralism and Unofficial Law. Vol. 19, 2013, p. 110
112
essa é uma narrativa construída a partir de informações colhidas por
observações feitas após a chegada dos colonos. Logo, se não se conhece
plenamente a situação feminina antes, pelo menos não como se
conhece hoje a realidade após a colonização, é porque muito do que é
apontado como violador e retrógrado de acordo com o parâmetro
europeu tem grandes chances de ter sido incluído, modificado ou
intensificado pelos próprios.
194
HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence. The Invention of Tradition. Cambridge University Press, 1983,
p.257
113
considerar que a referida protegida tradição pode ser oriunda de um
processo de alteração colonial cuja profundidade não é possível medir,
tendo em vista a dificuldade de conhecer as minúcias das estruturas
sociais antes da interferência do colonizador.
114
persiste ainda hoje e consiste em um desafio atual para em primeiro
lugar reconhecê-las e, consequentemente, alocá-las na estrutura
institucional dos Estados. Antes sequer da conceituação, a própria
titulação atribuída às autoridades pode variar não apenas entre os
países africanos, mas até mesmo dentro de um Estado, a depender das
províncias e grupos etnolinguísticos em que atuam.
196
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 24
115
Como referencia,197 têm uma “natureza divina ou espiritual e
simbólica”. Nesse sentido, fica mais fácil compreender que as
autoridades não são figuras públicas individuais de poder por si só,
muito menos déspotas, mas se assemelham a órgãos “unipessoais” que
compõem a ordenação daquela coletividade, equiparável a uma figura
de direito público.
197
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 36
198
(BARATA, 1977, pp. 652-653).
199
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, pp. 33-34
116
pleno exercício de funções, em conformidade com o direito
consuetudinário, do órgão unipessoal constituído por pessoa singular
formalmente investida na direção e chefia das instituições da
administração de uma comunidade local e etnolinguística que se rege
por usos, costumes e tradições constitucionalmente reconhecidos.
200
Idem, pp. 43-44
117
relacionados.201 As suas normas dizem respeito aos membros dos
grupos étnicos particulares aos quais se direcionam, podendo haver
grande variedade dentro não apenas do mesmo país, mas entre
províncias, comunas, aldeias e quaisquer outras divisões espaciais de
cunho administrativo.
Por esse motivo, quando Carlos Feijó afirma,202 que em Angola não se
verifica um direito consuetudinário unificado e monolítico, mas diversos
direitos consuetudinários, tomamos por verdade que isso pode se
aplicar às mais variadas realidades do continente, e não seria diferente
nos países retratados com mais afinco nesta pesquisa.
201
KUENYEHIA, Akua. Women, Marriage, and Intestate Succession in the Context of Legal Pluralism in
Africa. University of California, Davis, Vol. 40, 2006, p. 388
202
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 47
203
(ibidem, p. 54).
118
um “prolongamento dos antigos soberanos que dirigiam os povos,
comunidades e Estados africanos pré-coloniais”.204
204
(ibidem, p. 51).
119
É o que se verifica quando Armando Marques Guedes et al. falam,205
sobre o facto de que (...) as “tradições” invocadas nem sempre tinham
grande profundidade temporal, sendo muitas vezes antes “tradições
inventadas”, prática que afirmam terem tido lugar em todos os palcos
coloniais,206 na esteira do que defendem Hobsbawm e Ranger acerca do
que batizaram como invenção da tradição.
205
GUEDES, Armando Marques. The State and Traditional Authorities’ in Angola: Maping Issues. In: State
and Traditional Law in Angola and Mozambique. Org: Armando Marques Guedes e Maria José Lopes.
Editora Almedina, 2007, p. 91
206
(ibidem, p. 95),
120
mulheres poderiam ocupar, em caráter temporário, a posição de
autoridade.
Eram parentes do soba que partira, e por isso detinham algum nível de
respeito, mas ainda assim era a primeira vez que mulheres ascendiam
àquela função.207 Em razão do fim do conflito que motivou a ocupação
daquelas terras pelo grupo rival e sua consequente retirada, o soba que
partira voltou à sua comuna e se deparou com a narrada situação.
Sumariamente, as três mulheres foram desinvestidas dos seus poderes
e o antigo líder assumiu de novo o seu posto de autoridade tradicional.
O mais significativo para compreender a crítica feita à exclusividade do
género masculino na posição de autoridade tradicional é saber a
justificativa que foi dada para a destituição das três mulheres: que,
afinal, as mulheres tendiam a ser bruxas incorrigivelmente egoístas e
potencialmente muito poderosas, com acesso a fontes perigosas de
enormes poderes místicos e, portanto, sobas indesejáveis, mesmo que
em menores comunas, províncias ou divisões administrativas do
local.208
207
GUEDES, Armando Marques. The State and Traditional Authorities’ in Angola: Maping Issues. In: State
and Traditional Law in Angola and Mozambique. Org: Armando Marques Guedes e Maria José Lopes.
Editora Almedina, 2007, p. 36
208
GUEDES, Armando Marques. The State and Traditional Authorities’ in Angola: Maping Issues. In: State
and Traditional Law in Angola and Mozambique. Org: Armando Marques Guedes e Maria José Lopes.
Editora Almedina, 2007, p. 37
121
supostamente imposta pela democracia, poder monárquico e piramidal,
ocupação vitalícia do cargo e escolha de sucessores dentro da mesma
família do soba deposto, entre outras.
209
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, 471
122
da confluência entre as tradições e as novas democracias oriundas do
pós-independência. Por isso, pode vir a ser problemático inferir que a
origem divina e a característica monárquica do poder, a vitaliciedade do
cargo e demais atributos que adjetivam as autoridades tradicionais na
África significam, por si só, um descompasso irreversível com valores
democráticos modernos.
210
(ibidem, p. 656).
211
BANDA, Fareda. Women, Law and Women Rights: An African Perspective. Bloomsbury Collections,
2005. BARATA, José Fernandes Nunes. A África e o Direito. Revista da Ordem dos Advogados, Ano 37, v.
3, 1977, pp. 645-712.
124
muitas outras pluralidades: cultural, social e religiosa, por exemplo.
Logo, foi o encontro colonial que trouxe dimensões mais rápidas,
amplas e sobretudo violentas às transformações que passaram a ser
encetadas numa estrutura que, por conta própria, já era diversamente
plural.
125
mais à frente, cada um deles encontrou dificuldades semelhantes nesse
processo de construção de identidade nacional.
Deixa de ser apenas uma referência histórica para falar sobre o direito
nas antigas colónias, mas se trata de uma realidade ainda percebida em
determinados Estados.
212
QUANE, Helen. Legal Pluralism and International Human Rights Law: Inherently Incompatible,
Mutually Reinforcing or Something in Between? Oxford Journal of Legal Studies, 2013, p. 677.
126
uma sociedade. É interessante observar que o surgimento do
positivismo jurídico está contextualizado na tentativa de sufocar uma
forma de “pluralismo” previamente existente à criação e organização do
Estado moderno, o qual à época passou a monopolizar para si a
produção de leis. Buscava-se superar a sociedade medieval e a sua
estrutura feudalista, constituída naturalmente por uma multiplicidade
de agrupamentos sociais, cada qual orientado de acordo com o seu
ordenamento jurídico — as leis, nesse caso, eram produzidas pela
correspondente sociedade civil que se afetava diretamente pelos seus
efeitos, independente de carecerem de uma Ciência do Direito formal.213
213
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. Trad.: BINI, Edson; PUGLIESI,
Márcio; RODRIGUES, Carlos E. Ícone Editora, 1999, p. 26
214
(idem, p. 131)
127
não pode ser exigido de uma sociedade com registos de suas tradições e
normas eminentemente na forma oral. Outra condição imposta à
perceção do Direito como tal tem relação com a ideia de coação, ou seja,
de que os seus comandos são imperativos e que serão impostos pelo
uso da força caso falte a obediência por decisão voluntária.
Com essa presunção de que a lei pode ser capaz de oferecer a melhor
decisão em qualquer circunstância, acaba por desaguar em uma
“tentativa de negação do passado e como um mito de entendimento do
presente”, como bem leciona o professor Carlos Feijó.215 A inevitável
superação do positivismo jurídico veio pela compreensão de que todas
as suas imposições podem ter sido compreensíveis à altura em que se
via necessária a criação do Estado, num ímpeto de organização que
demandou maior comprometimento com a ordem e com a forma. Mas,
ao longo do tempo, se comprovaram insustentáveis diante da natureza
organicamente fluida, plural e multiforme da sociedade.
215
FEIJÓ, Carlos. A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais na Ordem
Jurídica Plural Angolana. Tese de Doutorado - Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 119
128
Não é por acaso que o status quo anterior ao estabelecimento do Estado
moderno era tão diversificado em todos os aspetos, no Direito inclusive
— é natural da organização humana que as suas vivências ensejem
problemas cujas soluções dificilmente estarão encerradas em um só
dispositivo.
216
Carlos Feijó refuta ao afirmar que este “não é um jogo de soma zero” (2011, p. 22).
129
pelas quais as pessoas agem como agem. Aqui importa fazer uma
consideração sobre o pluralismo jurídico: ainda que diversas possam
ser as questões suscitadas em relação à sua existência, o foco nessa
dissertação será, sobretudo, na sua relação com a situação de
efetivação — ou não — dos direitos humanos das mulheres nos países
estudados.
217
SANTOS, Boaventura de Sousa. The Heterogeneous State and Legal Pluralism in Mozambique. Law &
Society Review, Vol. 40, 1, 2006, pp. 39-76.
130
de Direito possa ser fiscalizada com mais eficácia. Essa abordagem faz
ainda mais sentido quando confrontamos a ineficácia do Estado e do
positivismo jurídico para apresentar soluções a problemas enfrentados
pelas mulheres ao longo do tempo e nos mais variados lugares.
218
(MANJI, 1999, p. 439) MANJI, Ambreena S. Imagining Women’s Legal World’s: Towards a Feminist
Theory of Legal Pluralism in Africa. Social & Legal Studies, SAGE Publications, Vol. 8, 1999, p. 439
131
primária na vida de muitas mulheres, uma vez que em zonas de
significativa pobreza, com frequência, às mulheres desamparadas são
destinadas atividades exercidas à margem da lei: prostituição,
atividades de câmbio ilegais e fornecimento de bens e serviços através
de grupos clandestinos sendo apenas alguns desses exemplos.219
219
(idem, p. 443)
220
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. Trad.: BINI, Edson; PUGLIESI,
Márcio; RODRIGUES, Carlos E. Ícone Editora, 1999, p. 29
132
costumeiro tão característico das sociedades africanas, tantas vezes
consideradas primitivas e “pré-estatais”, a maior parte das normas
esteja vinculada à gestão de problemas oriundos das relações privadas e
familiares. Não se fez necessário o monopólio das leis pelo Estado para
que o povo, organicamente, tenha encontrado maneiras de resolver os
seus conflitos.
133
CAPÍTULO VI – O PODER TRADICIONAL NOS PRINCIPAIS REINOS E
POVOS DE ANGOLA
5.2. O Poder
Diga-se antes que, poder é ter a faculdade de; a possibilidade de; ter
direito de; conjunto de órgãos que asseguram a administração de um
Estado; governo de um Estado.221 Ainda chama-se poder a possibilidade
de eficazmente impor aos outros o respeito da própria conduta ou traçar
a conduta alheia. Há tantos poderes, como poder religioso, paternal,
político, bélico, económico, tradicional e também o poder social que é
exercido por toda a colectividade, ou por algum ou alguns dos membros
aos quais seja reconhecida qualidade para actuar em nome de todos em
221
TEIXEIRA, Graciete. Grande Dicionário, Língua Portuguesa, Acordo Ortográfico. Porto : Porto
Editora, 2010.
134
virtude do fenómeno da representação. O poder social é uma
consequência necessária da organização das sociedades primárias.222
1. Naturalista
222
CAETANO, Marcello. Manual de Ciências Política e Direito Constitucional. Coimbra : Almedina,
2006.
223
JUSTO, A. Santos. Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra : Coimbra Editora, 2011.
224
CAETANO, Marcello. Manual de Ciências Política e Direito Constitucional. Coimbra : Almedina,
2006.
135
2. Positivista
225
R, Cabral. Poder, in Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura. Lisboa : Verbo, 1968.
226
GONÇALVES, António. Poder In Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura. Lisboa : Verbo, 2002. Vol.
22.
227
MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portugesa. S. Paulo : Câmara Brasileira do Livro, 1998.
p. 1648.
228
AAVV. 2006. Sociologia. S.Paulo : S.Paulo, 2006. p. 323.
229
CABRAL, Rui. Autoridade, in Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura. Lisboa : Verbo, 1965.
230
BARROSO, José Durão. Poder, in Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado. S. Paulo : Lisboa,
2004.
136
pela própria natureza social do homem, e não deixando totalmente ao
seu arbítrio. Neste sentido, o poder político é de origem divina, assim
como Deus é criador de todas as naturezas, é autor de todos os
poderes.231
231
AGOSTINHO, Sto. De Civitate Dei. Vols. v, 9.
232
CABRAL, Roque. Autoridade, in Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado. Lisboa : Verbo,
1997.
233
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro : Guanabara, 1981.
137
uma Empresa Capitalista Privada e qualquer outra organização em que
haja uma hierarquia organizada e regulamentada. A forma mais pura
de dominação legal é a burocracia.
Hoje é também “feliz” por saber que 50 anos depois numa guerra com
um rasto de quase 200.000 mortos, assinou-se em Cuba, no lugar onde
muitas vezes descansou para pensar no povo da Colômbia se assinou a
paz e o entendimento entre o governo da Colômbia e as FARC), Nelson
Mandela (o Renascimento da África do Sul). Outros africanos, também
podiam ser apontados como carismáticos, Kwame Nkrumah, Kenneth
Kaunda ou Sekou Touré, Haille Selaisse-Ras Tafar, Sekou Touré,
Senghor, (Graça, 2005).
E, finalmente vem:
234
MATA, Manuel Robalo Miguel. 50 Grandes Discursos da História. Lisboa : Sílabo, 2009.
139
3. A Dominação Tradicional: que se dá pela crença na santidade de
quem dá a ordem e de suas ordenações. Sua ordem mais pura se
dá pela autoridade patriarcal, onde o senhor ordena e os súbitos
obedecem, e na forma administrativa, isso se dá pela forma dos
servidores.
235
FARAGO, France. Fiolosofia, As Grandes Correntes do Pensamento Político. Porto : Porto, 2007
140
1. Encarregar-se da coesão interna do grupo em questão;
2. Organizar a defesa perante potências estrangeiras;
3. Instaurar a justiça e a paz civil.
Este conteúdo pode ser ainda visto noutras matérias que se aconselham
de leitura importante.239; 240;241.
236
FARAGO, France. Fiolosofia, As Grandes Correntes do Pensamento Político. Porto : Porto, 2007
237
NUNES, raúl Carlos Araújo / Elisa Rangel. Constituição da República de Angola, Anotada Tomo I.
Luanda, 2014.
238
Idem
239
ARAÚJO, Raúl C. O Presidente da República no Sistema Político de Angola. Luanda : Casa das
Ideias, 2009.
141
No período colonial o enquadramento do Poder Tradicional foi colocado
à margem e sem respeito aos valores locais e sistemas tradicionais no
exercício do poder. Mas, a instituição natural do Poder Local foi
mantida apesar da manipulação exercida pelas autoridades coloniais,
da destituição do poder originário pelo poder político. Essa posição
permitiu-lhes servirem de intermediários junto ao Estado ou de outras
organizações, sendo legitimada pela referência a valores ditos
tradicionais, embora considerado como determinante na fragilização
das estruturas locais do poder.
240
FEIJÓ, Carlos Maria da Silva. A Coexisteência Normativa entre o Estado e as Autoridades
Tradicionais na Ordem Jurídica Plural Angolna. Coimbra : Almedina, 2003.
241
SANTOS, Boaventura Sousa. O Estado Heterogéneo e o Pluralismo Jurídico, inConflito e
Transformação Social: uma paisagem das justiças em Moçambique. Porto : Edições Afrontamento,
2003.
142
unidades políticas, sobretudo reinos dirigidos por um soberano, de
acordo com um sistema de filiação ou de linhagem cuja origem do poder
assentava nos antepassados, num desígnio sobrenatural.
242
CALEY, Conélio. Contribuição para o Pensamento Histórico e Sociológico Angolano. Luanda :
Nzila, 2005.
143
Uma identidade nacional será sempre um ponto de referência para o
qual deverão confluir os esforços de um povo. As pequenas identidades
constituem o baluarte da existência das maiores, pois uma vez
violentadas na sua essência provocam crises nas sociedades. As
pequenas identidades (tribo ou etnia), violentadas, surgem e ressurgem,
reclamando o seu lugar na história.243
243
Idem
244
CALEY, Conélio. Contribuição para o Pensamento Histórico e Sociológico Angolano. Luanda :
Nzila, 2005.
144
seguida pela política marxista a que governo instituídos após
independência se apostou, mas esse poder sempre resistiu à força da
sua originalidade, preservando as suas crenças e os hábitos e costumes
das comunidades, houve na verdade momentos que a igreja
desvaneceu, capelas que ficaram comités e …, igrejas e missões que
foram transformadas em bases, e… centros de treinamento militar.
245
BINGI, Pedro. A Reforma Educativa em Angola. Padova : C. M. C, 2013
246
NEVES, Tony. Angola - Justiça e Paz. Luanda : Texto Editores, 2013.
146
Popular de Angola, e no Huambo pela UNITA e FNLA, a República
Democrática de Angola.247
247
Idem
147
verdade sob um chapéu de Poder Local abrigavam-se duas realidades
distintas das quais apenas as autarquias se encaixariam naquela
denominação.
149
dizer, é trabalho de raciocínio, de factos certos, reais e presentes que
escapam na observação directa.
150
“pocket money” que os prende assim à um dever de gratidão para com o
Estado; tudo na linha de um entendimento científico e económico da
palavra salário no mundo actual. Na verdade os subsídios atribuídos às
Autoridades Tradicionais são um estímulo que resulta do facto de as
Autoridades Tradicionais serem entidades que personificam e exercem o
poder no seio da respectiva organização comunitária tradicional, de
acordo com os valores e normas consuetudinárias, não se devendo
considerar como o único meio de subsistência das Autoridades
Tradicionais”.
Aqui, vê-se logo que nada foi feito à luz da organização do poder
tradicional. No caso da região umbundu são numa linha de mais de 20,
e aqui só foi citado 1, que ocupa o número 2, o Soba/Soma. Tudo o
resto é roupagem política. Assim não, e na linha do sobado como se
verá mais adiante, faltam muitos elementos da composição. E, ademais,
qual foi o critério para se estipular tal subsídio salário? Pode-se
entender que afinal é justo que seja este o salário mínimo em Angola,
12.178.51 kzs. E quanta diferença ao salário do administrador, quer
comunal, quer municipal.
151
Já que numa análise política mais desinteressada, o ajudante do soba
devia estar no lugar do salário mínimo nacional e, não se vê aqui
dignidade alguma. Talvez humanizada, mas humana não. Imagine-se
ajudante do soba, a menos que seja doutra dimensão social, que não a
tradicional. Entenda-se que esses subsídios e fardas, fizeram a
estadualização do Poder Tradicional, o que o pode ou tende a viciar, e
consequentemente ser contrária aos vínculos naturais que as chefias
tradicionais gozam no seio da comunidade.
Diga-se antes que, poder é ter a faculdade de (veja o que Max Weber diz sobre o
poder tradicional); a possibilidade de; ter direito de; conjunto de órgãos que asseguram
a administração de um Estado; governo de um Estado.248 Ainda chama-se poder a
possibilidade de eficazmente impor aos outros o respeito da própria conduta ou traçar
a conduta alheia. Há tantos poderes, como poder religioso, paternal, político, bélico,
económico, tradicional e também o poder social que é exercido por toda a
colectividade, ou por algum ou alguns dos membros aos quais seja reconhecida
qualidade para actuar em nome de todos em virtude do fenómeno da
248
TEIXEIRA, Graciete, Grande Dicionário, Língua Portuguesa, Acordo Ortográfico, Porto Editora, Porto,
2010
152
representação249. O poder social é uma consequência necessária da organização das
sociedades primárias.250
249
Democracia – forma de governo na qual o poder emana do povo. Governo – Poder supremo do
Estado, autoridade administrativa encarregada do supremo.
250
CAETANO, Marcello, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 2016
251251
JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, Coimbra, 2009, p. 9
252
CABRAL, R., Poder, in Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, Verbo, Lisboa, 1968
253
Idem
254
GONÇALVES, António, Poder in Enciclopédia Lusi Brasileira de Cultura, Verbo, vol. 22, Lisboa, 2002
255
MICHAELIS, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Câmara Brasileira do Livro, S. Paulo, 1998
256
AAVV, Sociologia, S. Paulo, S. Paulo, 2006
257
CABRAL, R., Poder, in Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, Verbo, Lisboa, 1968
153
poderoso que se conhece até hoje. E o mesmo é exercido naturalmente pelos
homens, vistos capazes de exercê – lo, em diversos níveis.
O termo poder deriva do latim “potere” que por posse significa a capacidade de
realizar uma acção ou processo, ou ainda produzir efeito – aptidão, faculdade,
potência. É a capacidade de exercer uma autoridade legal, constituída e
inerente a uma posição hierárquica superior num organismo privado, num
sector estatal ou na governação de um país. 258Semelhante a autoridade,
mesmo dentro das dificuldades, verifica-se que o poder apresenta-se como
verdadeiro direito de mandar, ao qual corresponde o dever de obediência.
É por eles, pelos valores que difundem ou pelos conhecimentos que comunicam, que
ocorre a socialização necessária à coesão e integração na dominação tradicional
(onde a autoridade é, pura e simplesmente, suportada pela existência de uma
258
BARROSO, José Durão, Poder, in Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, S- Paulo, Lisboa, 2004
259
AGOSTINHO, Sto, De Civitate Dei, V, 9
260
CABRAL, R. Autoridade, in Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Verbo, Lisboa, 1997
261
WEBER, Max, Ensaios de Sociologia, Guanabara, Rio de Janeiro, 1981
154
fidelidade tradicional); o governante é o patriarca ou senhor, os dominados são os
súditos e o funcionário é o servidor. Veja a título de exemplo a figura do Faraó no
Egipto. O poder passa a ser legitimado e visto como estando associado aos deuses,
sendo exercido dentro de um jogo de dominação espiritual e em respeito aos
antepassados, como fortes mecanismos de persuasão, imposição da autoridade por
intermédio de rituais que levam à fidelidade e à submissão das comunidades.
Pesquisas no campo das ciências sociais têm evidenciado, nas últimas décadas, que
o poder não existe como objecto isolado, não sendo, portanto, algo passível de ser
possuído ou guardado por alguém.
Angola como país, é formado por muitas e diversas comunidades jurídicas, e que cada
uma apresenta os seus costumes e suas crenças, situação que se deve ao facto de
que durante a colonização coexistiram dois poderes, sendo um poder central
(Português), e o poder tradicional angolano. É uma dicotomia que resulta de uma
vasta pluralidade de ordens jurídicas, entre o Estado Colonial e a Direito Indígena, o
famoso Consuetudinário ou Nativo.263
262
FARAGO, France, Filosofia, As Grandes Correntes do Pensamento Político, Porto, Porto, 2007
263
NUNES, Raúl Carlos Vasques Araújo / Elisa Rangel, Constituição da República de Angola, Anotada,
Mayamba, Luanda, 2014
155
Desta forma, a Constituição de Angola faz uma enquadramento jurídico –
constitucional do costume, artº 7º instituindo a sua dignidade jurídica. Daí que é
reconhecido o estatuto, o papel e as instituições do Poder Tradicional, artsº 223º -
225º. Assim, muitas vezes no nível internacional ser polémico saber que a lei em
Angola não é a única fonte de direito, o costume passa igualmente a ter a mesma
força jurídica. Este conteúdo pode ser ainda visto noutras matérias que se aconselham
de leitura importante em, 264 e 265.
O Artigo 224.º faz alusão às Autoridades Tradicionais, dizendo que são entidades que
personificam e exercem o poder no seio da respectiva organização político -
comunitária tradicional, de acordo com os valores e normas consuetudinárias e no
respeito pela Constituição e pela lei. O Poder Local é uma realidade antiga em Angola,
quer dizer, existe e está organizado antes do surgimento do Estado moderno
efectivamente. Durante a fase de ocupação colonial, o território angolano era gerido
por unidades políticas, sobretudo reinos dirigidos por um soberano, de acordo com um
sistema de filiação ou de linhagem cuja origem do poder assentava nos antepassados,
num desígnio sobrenatural. Uma identidade nacional será sempre um ponto de
referência para o qual deverão confluir os esforços de um povo. As pequenas
identidades constituem o baluarte da existência das maiores, pois uma vez violentadas
na sua essência provocam crises nas sociedades.
264
ARÚJO, Raúl C. O Presidente da República no Sistema Político de Angola, Casa das Ideias, Luanda
265
FEIJÓ, Carlos Maria da Silva, A Coexistência Normativa entre o Estado e as Autoridades Tradicionais
na Ordem Jurídica Plural Angolana, Almedina, Coimbra, 2003
266
Idem
156
desvaneceu, capelas que ficaram comités e …, igrejas e missões que foram
transformadas em bases, e… centros de treinamento militar.
157
A Autoridade Tradicional é um conceito que tem de ser estudado e sobre o qual
deverá haver pronunciamento cauteloso, dado o facto de existirem diferentes
experiências que obedecem a diferentes perspectivas. Há registos da
instrumentalização das Autoridades Tradicionais pelo governo colonial, e hoje em
alguns lugares a partidarização. Essa noção está enquadrada no reconhecimento de
que a verdadeira Autoridade Tradicional perdeu as raízes decorrentes das manobras
colonialistas. Anos após independência dos países africanos, um novo fenômeno
ocorre como fruto dessas relações passadas. Na chefia tradicional, o vínculo de
unidade e exercício do poder é por intermédio de cultos e sacramentos que constituem
a base fundamental à ser respeitado no seio da comunidade.
158
do Poder Religioso. Só se paga à quem presta um serviço útil para nós, e logo
este é nosso subordinado.
267
MAT, Iº Encontro Nacional Sobre a Autoridade Tradicional em Angola, Nzila, Luanda, 2003, p. 96
268
Idem, p. 89
269
Idem, p.89
159
No planalto central, a estrutura do Poder Tradicional cumpre a seguinte hierarquia, dos
“”Vakw´elome”.270
270
Idem, pp. 97-98
160
18. Soma Ekundukundu – responsável do lombinho do rei, depois de abatida
a cabeça é ele que retira o lombo, prepara-o convenientemente e
apresenta – o ao dono, normalmente com a aguardente necessário. A
“Primeirinha” (é o responsável pelo economato)
19. Soma Sipata – é o guarda – costas do rei
20. Soma Kapitango – chefe da unidade de protecção física da embala (é a
UPIP – Unidade de Protecção de Entidade Protocolares);
21. Soma Tembwasoma – é eunuco e toma conta das esposas do rei.
Talvez seja por isso que maior parte dos reis mesmo tendo muitas
esposas, não deixaram muitos filhos;
22. Soma Mwehombo – que trata do gado do rei, (veterinário da ombala);
23. Soma Sunguahanga – responsável pela informação e mobilização (é o
ministro da comunicação social e comissário político);
24. Soma Ndaka – como mensageiro, tem um papel igual ao de um
jornalista, radialista e Angop. Colabora directamente com o
Sungahanga, mas com competências amplamente distintas. Só este é
conhecido pelo povo face aos anúncios que faz, normalmente
vociferando ao anoitecer para que todos possam receber a mensagem
do rei, quando já se encontram recolhidos nas suas casas para jantar e
preparar-se para descansar (dormir);
25. Soma Lubungululu – trata da iluminação da ombala, é o ministro da
energia e águas. Ocupa um lugar de forte destaque. Tem aina sobre si o
acender e apagar do fogo em cerimónias da morte do rei e o
empoçamento do seu substituto. E informar ao povo que já pode
anunciar o nome do novo rei.
Há que contar aqui, com a outra linha não menos importante, que são as mulheres
do sobado:
1. Nangandala – que nos rituais e viagens do Soba, esta mulher é que leva
a quinda onde vai a cabaça de tchisangwa, garrafões ou litros de
aguardente, óleo de palma, alimentação já confeccionada para o soba.
161
2. Tchiwo – Tchipembe – cozinheira do soba, tem alto conhecimento de
gastronomia e os mimos alimentares do soba. Podendo mesmo em
certos momentos decidir sobre como resolver as ressacas dos
vakw´elombe. É a governanta do palácio;
3. Siya – é uma mulher jovem e muito bonita de preferência entre as outras
da aldeia (miss), entregue ao soba para com ela viver, toma conta da
comida provando-a antes de entregar ao soba, bem como a bebia.
Ocupa um lugar não só de dama, como também da segurança íntima.
162
A base da relação entre o poder tradicional com a administração local, é o facto de ser
ter colocado na Constituição a ideia de que o costume é fonte de Direito, o que vai nos
levar ao Direito Costumeiro. É que, este, o direito consuetudinário também é positivo.
A sua positividade não reside, no entanto, num acto estadual de criação do direito,
mas sim na prática duradoura e reiterada duma regra, ligada à vontade comunitária de
vigência jurídica.271 Daí é que se pode então aferir a situação de autoridades
tradicionais, que gozavam de grande respeito e são consideradas como
representantes do povo junto de Deus (Kalunga), administram as populações, os
territórios e os seus bens; as crianças são educadas no «Ondjango», (lugar reservado
para reunião e educação familiar “, algo que vem acontece desde os tempos mais
longínquos.
A Lei n.º 17/10 de 29 de Julho faz referência num dos capítulos aos CACS
(Conselhos de Auscultação e Concertação Social), advoga que as Autoridades
Tradicionais a par das igrejas reconhecidas devem fazer parte da constituição
dos CACS, ou seja, devem estar representadas. Desta forma os CACS são
órgãos de consulta dos governadores e administradores municipais, sobretudo
em matéria socioeconómica e política. Os dirigentes têm aí um ponto focal de
oportunidade para poderem influenciar as agendas locais, através da
271
KAUFMANN, Arthur, Filosofia do Dirieto, 3ª ed. F.C.G. Lisboa, 2009
163
apresentação dos problemas dos seus representados e do estabelecimento de
mecanismos de cooperação com os órgãos locais.
272
CARLOS, Burity da Silva, Teoria Geral do Direito, UAN, Luanda, 2004
165
das autoridades tradicionais, tal como operada pela Constituição da República
de Angola, deverá encontrar o seu ponto de contacto ao nível das comunas e
das povoações onde o Direito Consuetudinário, desde que não ofenda a
dignidade da pessoa humana, deverá ser o Direito Aplicável para defesa dos
interesses específicos das respectivas comunidades.
A liderança num contexto de governação participada terá de ser entendida como uma
actuação colectiva que inclui o envolvimento da sociedade. Entretanto, a
complexidade dos problemas actuais, o alargamento das áreas de intervenção dos
municípios, a necessidade de envolvimento e participação dos cidadãos e outros
atores locais requerem a adopção de outras formas de colaboração, mais flexíveis e
informais, que permitam o desenvolvimento das dinâmicas locais, bem como a
valorização de recursos culturais e a intervenção social. A teoria do desenvolvimento
territorial e a teoria do desenvolvimento endógeno compartilham dois princípios
metodológicos fundamentais: a mesma concepção do espaço econômico e a
prioridade para ações vindas “de baixo para cima” nas políticas de desenvolvimento. O
desenvolvimento endógeno propõe-se a atender às necessidades e demandas da
população local através da participação ativa da comunidade envolvida. Nesses
termos, a política do Estado, no quadro da reforma administrativa, há que ser definida
atendendo aos pressupostos seculares da vivência dos povos.
166
Dessa confluência, urge a necessidade de se assegurar a superintendência da função
delegada, quer pelo Estado, quer pela administração autárquica que detém a
responsabilidade de administração do território nacional ao nível local. Nos casos
singulares e em respeito às formas heterogéneas de organização do poder tradicional,
essas instituições poderão criar serviços que atentam a melhor prestação das
competências que recaem sobre esses elos tradicionais administrativos.
Líder comunitário - o líder comunitário, quer rei, soba ou seculo, goza de autoridade
tradicional própria no exercício das suas funções e atribuições. O líder comunitário
deve ser alguém com uma descendência local e com domínio dos laços que vinculam
o passado das comunidades locais, exercendo o poder legitimado ou por elo político.
O líder comunitário representa os interesses da comunidade locais, poderá ter como
funções:
167
2. Acompanhar a execução dos diferentes projetos em curso na região;
3. Acompanhar as atividades administrativas no seio da comunidade;
4. Analisar o funcionamento e direção das estruturas do poder tradicional;
5. Emitir parecer quanto à criação e à extinção das estruturas do poder
tradicional;
6. Deliberar sobre outras matérias de interesse da comunidade local.
Ressalva-se que autonomia tributária não pode ser confundida com autonomia
financeira, na medida em que os projetos de investimento na circunscrição da
autoridade tradicional estão previstos na matriz dos projetos da administração local do
Estado ou da administração autárquica e, por conseguinte, esta região é parte
integrante da administração local, sendo que a gestão é que vai obedecer a uma
delegação, a Autoridade Local. Coordenação entre Administração Local e Autoridades
Tradicionais Não caberá à administração local intervir no seio da administração
tradicional, excepto quando e na superintendência dos atos e fiscalização da ação
desses em nível local, atendendo que este núcleo se encerre na administração local
autónoma. A intervenção tem como carácter de excepcionalidade e temporária, e sem
prejuízo para a autonomia do poder tradicional. Denota dessa natureza a necessidade
de uma articulação entre a administração local e a autoridade tradicional.
169
existência de formas organizativas do poder local”. No seu ponto 2, acresce
dizendo que “a forma de organização do poder local compreende as autarquias
locais, as instituições do poder tradicionais, e outras modalidades específicas
de participação dos cidadãos, nos termos da lei”.
170
5.6. O Tribunal Tradicional
273
TERRITÓRIO, Ministério da Administração do. 1º Encontro Nacional sobre Autoridade Tradicional
em Angola. Luanda : Nzila, 2003.
171
lado estão as suas antipatias. Em caso de de falso testemunho ou
declarações, ou mesmo mentiras há sanções pesadas para o
prevaricador. O cerimonial judicial não foge muito do o dos tribunais
modernos, artsº 435º e 443º todos do CPP.
1. Adutério;
2. Violação;
3. Bruxaria/Feitiçaria;
4. Assassinio / Homicídios;
5. Roubo / Furto;
6. Ofensas Corporais;
7. Ofensas Morais;
8. Litígios de Terras;
172
Antigamente as sentenças eram todas na linha da história da evolução
do Processo Penal aquelas que se situação, tal como acontece dentro
dos traços gerais da evolução histórica da justiça penal, tal é caso do:274
274
RAMOS, Vasco António Grandão. Direito Processual Penal, Noções Fundametais. Lobito : Escolar
Editora, 2013.
173
7. Soma Utchila – este, tem a missão de assegurar os movimentos
do soba, quando este estiver a dançar;
8. Soma Henjengo – aquele que tem a missão de em cada sentenca
aumentar ou diminuir o volume das multas;
9. Soma Mweychalo – tem a obrigação de levar quotidianamente o
banco do soba, para onde quer que va;
10. Soma Ndalu – tem a missão de segurar o animal durante o
abate, e cuidar do sangue;
11. Soma Lombundi – tem a missão de fechar e abrit as
entradas e saídas da ombala;
12. Soma tchikakula – tem a missão de arranjar capim bom
para preparar os porcos depois de abatidos e ainda tem a
responsabilidade de controlar as queimadas durante a cacada e
limpeza da ombala;
13. Soma Kalufele – colaborador directo do Soma Kalufele;
14. Soma Kesenje – conselheiro drecto do Rei e juiz;
15. Soma Lusenje – conselheiro e juiz adjunto;
16. Soma Ulwepandela – responsavel pelo içar descer a
bandera;
17. Soma Sindako – é o chefe Estado Maior General das forças
para manter inviolavel o reino, e continuar a ocupação de novas
terras;
18. Soma Ekundukundu – responsável do lombinho do rei,
depois de abatida a cabeça é ele que retira o lombo, prepara-o
convenientemente e apresenta – o ao dono, normalmente com o
aguardente necessário. A “Primeirinha” (é o rsponsavel pelo
economato);
19. Soma Sipata – é o guarda – costas do rei
20. Soma Kapitango – chefe da unidade de protecção física da
embala ( é a UPIP – Unidade de Protecção de Entidade
Protocolares);
174
21. Soma Tembwasoma – é eunuco e toma conta das esposas
do rei. Talvez seja por isso que maior parte dos reis mesmo tendo
muitas esposas, não deixaram muitos filhos;
22. Soma Mwehombo – que trata do gado do rei, (veterinário da
ombala);
23. Soma Sunguahanga – responsável pela informação e
mobilização (é o ministro da comunicação social e comissário
político);
24. Soma Ndaka – como mensageiro, tem um papel igual ao de
um jornalista, radialista e Angop. Colabora directamente com o
Sungahanga, mas com competencias amplamente distintas. Só
este é conhecido pelo povo face aos anuncios que faz,
normalmente vociferendo ao anoitecer para que todos possam
receber a mensagem do rei, quando já se encontram recolhidos
nas suas casas para jantar e preparar-se para descançar (dormir);
25. Soma Lubungululu – trata da iluminação da ombala, é o
ministro da energia e águas. Ocupa um lugar de forte destaque.
Tem aina sobre si o acender e apagar do fogo em cerimónias da
morte do rei e o empocamento do seu substituto. E informar ao
Lubungululu que já pode anunciar o nome do novo rei.
175
“Bem – Estar Comum da Sociedade.” Que se pode compreender aqui
como justiça social.
176
impostas à posse, bem como a legalização de terras no Ordenamento Jurídico
angolano satisfazem ou não os ideais dos operadores da Administração
Pública e da sociedade em geral.
Tendo em conta que a posse da terra gera conflitos no âmbito do Direito do uso
e aproveitamento em Angola, e, sendo uma realidade que se vive tanto nas
zonas rurais como nas zonas urbanas, importa saber em que situações
ocorrem tais conflitos e quais as formas que podem ser usadas para resolve-
los.
Com este estudo prende – se com a necessidade de se fazer uma análise dos
efeitos da problemática de terrenos no ordenamento jurídico angolano, isto é,
saber em termos pragmáticos, se as interpretações doutrinárias e o trabalho
177
legislativo privilegiaram o modelo mais adequado de regulação da questão de
terras no ordenamento jurídico angolano, sobretudo no que tange a posse, bem
como o seu aproveitamento útil e efectivo. Em qualquer dos casos, face à
discussão que se mantém cada vez mais acesa, é pertinente e essencial a
obtenção de mais contribuições, de linhas orientadoras para uma correcta
aplicação e divulgação dos diplomas legais existentes para resolução dos
conflitos de terra. É este o desafio a que nos propomos e esperamos alcançar.
As Terras
As terras são, pois, imóveis. O que as distingue, porém, dos demais imóveis?
As terras constituem, pois, imóveis. O que as distingue, porém, dos demais
imóveis? Na alínea j) do art.º 1º da Lei 9/04 terra vem definida como “o mesmo
que terreno”. Por sua vez, a alínea seguinte do mesmo artigo. Na sua alínea K,
define terreno como a “parte delimitada do solo, incluindo o subsolo, e as
construções nele existente que não tenham autonomia económica, a que
corresponda ou possa corresponder um número próprio na matriz predial
respectiva e no registo predial”. Se retirarmos a segunda parte do preceito, a
definição de terreno, ou de terras, coincide praticamente com a de prédio
rústico no Código Civil: “entende-se por prédio rústico, uma parte delimitada do
solo e as construções nele existente que não tenham autonomia económica”
(art.º 204º,nº2).
A terra constitui um dos recursos mais importante que serve o homem na sua
existência, por quanto, suporta a sua habitação, instituições que resolvem seus
problemas enquanto ser social, é o berço dos mais diversificados recursos
276 José Alberto Vieira, Op. Cit, p. 115
178
naturais, é base de sobrevivência de muitas famílias através da prática da
agricultura, pastorícia e não só, é um dos elementos do conceito de Estado
(Território) que serve como demarcação da soberania do mesmo enquanto
integrante num continente e consequentemente numa comunidade
internacional. Em suma, a importância da terra associa-se a própria existência
de qualquer ser.
A Terra e a Família
277 Ana Lúcia Sá, A ruralidade na Narrativa angolana do XX - Elemento da Construção da Nação, Colecção «Ciências Humanas e
Sociais», p. 418
278João NUNO da Silva Pinto, A construção da política de segurança alimentar e nutricional em Angola - Dissertação de Mestrado,
Rio de Janeiro, 2008, p. 66 disponível em WWW. Scielo.org. visitado aos 22 de Dezembro de 2015
179
não pertencem a família. Quando um jovem atinge uma idade em que acha-se
adulto no sentido de formar a sua própria família, um dos requisitos é atribuição
por parte da família ao “nubente” uma parcela de terra onde este leva acabo
actividade agrícola com ajuda da família e amigos.
Mas o Direito não pode se mostrar alheio às relações que se estabelecem com
base nestas concepções, atribuindo-lhes efeitos jurídicos280.
279 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 248
280 Carlos A. M. Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, 2012, Coimbra, p. 158
180
agrárias, inclusive, Leis Agrárias específicas, anteriores a Lei das XII Tábuas,
de onde se pode salientar algumas noções para o entendimento do instituto da
posse agrária.281 A importância da actividade agrária era tão grande na antiga
Roma que existem vários livros de poesia, economia, história, dentre outros,
daquela época, dedicados, exclusivamente, ao âmbito agrário.282
281Cf, Sílvio A. B. Meira, Legislação Agrária Romana. In Revista de Ciências Jurídicas - Económicas e Sociais, Belém., 1963, p. 104,
apud. Benjamim Alfredo, Op. Cit p. 38
282 ADOLF BERSER (1963) Enciclopedical Dictionary of Roman Law, (apud, Sílvio A.B. Meira, op. cit., p. 112), apud Benjamim Alfredo
Op. Cit., p. 40
181
podemos ver, em Roma havia já nesse tempo uma forma de tratar o poder
sobre as pessoas e bens através de uma designação clara e que mais tarde
conheceu o seu enquadramento no mundo do Direito.
284
Benjamim Alfredo, Op. Cit., p. 41
182
NO DIREITO ANGOLANO
183
natureza (a terra é ela mesma a natureza)285 em fim do equilíbrio ecológico
essencial à sobrevivência das espécies dentre elas a humana.
A terra é afinal uma unidade multifuncional, esta ideia de unidade, desde logo,
nos faz apelo para uma visão integrada da problemática ius fundiária. O
princípio do equilíbrio ecológico, hoje constitucionalmente recebido, também
impõe uma concessão integrada do sistema ius fundiário. Esta é a mais
relevante razão de ordem que começamos por salientar, e que explicará muitas
das nossas opções e abordagem que iremos a desenvolver adiante. Segundo
José Guerra," ainda que tenhamos em conta, uma concepção integrada do
sistema ius fundiário, o estado actual das nossas leis e sobretudo a
especialidade de algumas das funções da terra face a outras tradicionalmente
reguladas por leis próprias, não são de molde a permitir a alcançar em pleno a
concretização de iur condendo de um sistema integrado e condensado que
esgote numa única lei-quadro todas as dimensões da problemática
fundiária"287.
Em todo caso uma lei de terras caracterizada com esta concepção integrada,
deveria certamente alcançar os mais possíveis, níveis de integração da
multifuncionalidade da terra, desejáveis para o melhor tratamento unitário da
problemática, e tanto quanto os constrangimentos da concepção agrária da
terra ainda predominante, no sistema jurídico actual. Mas tal não acontece,
pelo facto da maior parte da população angolana, não conhecer de forma
adequada a lei de terras e o seu regulamento, numa só palavra, existe em
Angola fraca cultura jurídica.
285
José Armando Marques Guerra, Op. Cit., p. 76
184
nível das famílias sobretudo nas comunidades rurais, regista - se uma
economia assente nos sectores primários (agricultura) e minas, uma indústria
apenas emergente. Na esteira de WESTERMANN288 ao definir direito agrário
como sendo direito relativo ao aproveitamento da terra ou floresta em
termos de utilização mediata ou imediata, parece, situar-se também nesta
vaga e difusa concepção agrária da terra que tudo parece esgotar em termos
de fins da terra.
288 Menezes CORDEIRO, Direitos Reais, in Boletim de Ciências e Técnica Fiscal, 1979, Lisboa, p. 231
185
CAPÍTULO VI– O CARÁCTER RELIGIOSO NOS POVOS DE ÁFRICA
6.1. A pessoa
O facto é que existem indícios evidentes para cada época histórica, por
parte de quem pode ser referido como africano, com uma clara
indicação da existencia e do carácterinfidável da demanda sobre a
sabedoria da pessoa africana.290
290
MUKUMBA, Maurice M. Introdução à Filosofia Africana , Passadoe Presente, Ed. Paulinas,
Moçambique, 2014, p. 7
291
Idem, p.9
186
participação integral na sociedade, tendo em vista a realização plena,
tanto individual como da comunidade.
6.1. 1. O Mito
6.4.2. O Efiko
187
expressão latina religare que significa estar ligado ao Ser Transcendente
e relacionar-se com Ele.
293
ALTUNA, Raúl Ruiz de Asúa. 1985. Cultura Tradicional Bantu. Luanda : s.n., 1985. p. 88.
294
Idem
295
ibidem
188
É nesta perspectiva que se pode compreender os sacrifícios dos
animais, tais como: galinhas, cabritos, bois nos momentos das
calamidades ou catástrofes, por ex. nos óbitos, nas doenças; os rituais
dos akokoto para pedir a chuva aos antepassados nas situações de
estiagem e os pequenos altares conhecidos pela designação de atambo
que na região dos Ovimbindu são utilizados pelos membros de uma
sociedade para estarem ligados aos seus antepassados, relacionarem-se
com eles e honrá-los, por ex. um dia antes, o responsável pela caça
passa a noite no etambo, etc.
6.4.4. O Feitiço
296
CHARROUX, Robert. O Livro dos Mundos Esquecidos. 3ª. Lisboa : Edições 70, 1971.
190
acusado que praticou o feitiço que matou. Aí sim, “Mea culpa, mea
culpa cometemos muitas faltas”.297
192
Por isso aqui recomenda-se uma vizita intelectual a essa obra
literária.299
299
TCHINDOMBE, Basílio. O que a África Não Disse ... [ed.] INALD Instituto Nacional do Livro e do
Disco. Luanda : A Letra, 2008.
300
GREENWOOD, Susan. Manual Enciclópedico de Magia e Feitiçaria. Lisboa : Editorial Estampa,
2002.
193
naturopatas, hoje muito bem reconhecidos pelo ministério da saúde e
controlados também pelo ministério da cultura.
301
CHICOADÃO. Direito Costumeiro e Poder Tradicional dos Povos de Angola2015. Luanda :
Mayamba Editora, 2015.
302
CHICOADÃO. Direito Costumeiro e Poder Tradicional dos Povos de Angola2015. Luanda :
Mayamba Editora, 2015.
194
otala é o feitiço que resulta da mistura de algumas plantas maléficas e
de certos animais cujos efeitos podem ser fatais.
Mas nem sempre a tarefa é fácil, porque as vezes fica difícil saber o tipo
de feitiço, o respectivo autor e, consequentemente, a técnica a utilizar
para o tratamento. Daí a necessidade de recorrer às várias formas de
prova, tais como: os adivinhos, o chinguilamento, juramento (okuta
ohãnsa). A título de exemplo quando um dos cônjuges morre para se
195
determinar se o cônjuge sobrevivo é ou não culpado, recorre-se ao
adivinho através do qual mete-se a água numa bacia grande e por cima
colocam-se dois palitos muito leves que vão flutuando e cada um deles
representa o de cujus e o cônjuge sobrevivo. Aquele cônjuge cujo paulito
afundar é o culpado.
196
morrer definitivamente e o doente a partir daquele momento começa a
recuperar, mas se for inocente nada acontece com a sua galinha.
303
ALTUNA, Raúl Ruiz de Asúa. 1985. Cultura Tradicional Bantu. Luanda : s.n., 1985. p. 88.
197
uma autoridade tradicional, julgando-a portadora deste poder
sobrenatural.
198
emaranhados que comporta um conjunto de manifestações míticas e
mágica.
199
não são mortas, mas em apenas transferência para a lavra ou outros
assuntos de interesse do mestre.
304
GREENWOOD, Susan. Manual Enciclópedico de Magia e Feitiçaria. Lisboa : Editorial Estampa,
2002.
200
passa toda noite em movimentos incomadativos, tal como o gato que
passa toda noite miando no quintal ou tecto da vítima.
201
CAPITULO VII – O CASAMENTO TRADICIONAL
305
CRA, Art.7.º Costume.
306
ABRANCHES, Henrique. Direito Tradicional e agregado Familiar – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p.189. 5 Resolução nº 25/07, de 16 de julho, art.6.º (Casamento) Os
Estados Partes garantem que os homens e as mulheres gozem de direitos iguais e que sejam
considerados parceiros iguais no casamento.
307
MEDINA, Maria do Carmo. Direitos Humanos e direito da família – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p.135.
202
a) Nenhum casamento seja contraído sem o consentimento pleno e
livre de ambas as partes;
203
de todos eles,308 ” em Angola a contratualidade do casamento implica a
aliança entre duas famílias que através do casamento se tornam uma
só família. Segundo Abrantes,309 “as normas do Direito Tradicional
nunca se afastam e nunca se desligam do sistema ético e são por ele
geradas e geridas.
204
comunhão de vida”. “É, basicamente, um acordo entre duas pessoas o
que implica direitos e deveres recíprocos.
311
LIMO, António; SILVA, Joaquim Rodrigues da; CARVALHO, Nuno Calçado - O Cidadão perante a lei:
Direitos, Liberdades, Proteção da vida Privada. Lisboa, p.348.
312
Na verdade e no nosso entender, o património devia sera base da realidade de um casamento.
Sobretudo por causa dos encargos e responsabilidades que advém da união de duas pessoas sob
direitos e deveres. O cuidado dos filhos que eventualmente venham nascer desta relação conjugal. É
que uma pessoa por mais que tenha atingido a maturidade humana, se não tiver maturidade económica
deveria ser impedido de casar. Talvez até não tivesse mesmo direito a sexo. O sexo é a única fonte de
filhos sem condições de vida.
313
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da – Teoria Geral do Código Civil. 2ª ed, p.39.
314
SANTOS, Eduardo dos – Direito da Família, p.125
205
Para o prof. Doutor Diogo Leite Campos,315 “o casamento é uma
parceria para toda a vida, uma comunidade conjugal de vida, plena,
completa, total, exclusiva, indissolúvel, que transforma os cônjuges
numa só carne, em todos os aspetos do seu ser e da sua vida”.
315
PRATA, Ana – Dicionário Jurídico, ed. 5, p. 239
316
VARELA, Antunes – Direito da Família. Vol. I, 5.ª ed, 189
317
SANTOS, Eduardo dos – Direito da Família, p. 142.
206
É a conceção cristã e a nossa. Os esposos são os principais
interessados e, por isso, o seu consentimento é o elemento essencial do
casamento;
318
CAMPOS, D. Leite de – Lições de Direito da Família, p. 160.
319
SANTOS, Eduardo dos – Direito da Família, p. 126.
207
Nas palavras do Prof. Doutor Campos,320 “o casamento é um negócio
jurídico: uma ou mais declarações de vontade (neste caso duas
declarações) dirigidas a certos efeitos e que a ordem jurídica tutela em
si mesma e na sua direção, atribuindo efeitos jurídicos em geral
correspondentes com aqueles que são tidos em vista pelos declarantes.
Parte-se para um direito civil com uma ideia religiosa, aliás, tão só de
uma crença, a cristã, de que aquela não se consegue libertar. “Todavia,
o casamento civil não é a única forma de casamento em Portugal. O
casamento civil é facultativo para os católicos e obrigatório para os
restantes. Os católicos podem celebrar primeiro, o casamento civil e,
depois, o casamento católico, ao contrario não é permitido”321 “De um
modo geral, as legislações fogem ao definir o casamento. Porque o
consideram desnecessário, tão evidentes são as suas caraterísticas
essenciais.
208
chama o celebrante do casamento e que, em Portugal, é o conservador
do registo civil ou um sacerdote - normalmente, o pároco duma
freguesia”.
209
celebrar aqueles que não professem a religião “seguida” pelo
Estado.
325
Portugal, 2016. Portugal, [Consultado em: 30 de julho 2016]. Disponível em:
http://www.culturanorte.pt/fotos/editor2/concordata_entre_a_republica_portuguesa_e_a_santa_se_a
ssinada_em_18_de_maio_de_2004_na_cidade_do_vaticano__resolucao_da_assembleia_da_republica_
210
Têm capacidade para contrair casamento quem não se enquadre dentro
de algum dos impedimentos matrimoniais. São impedimentos
dirimentes absolutos, art.º 1601º “Impedimentos dirimentes absolutos”
do CCP, quem for menor de idade (dezasseis anos); nubentes com
demência notória caso seja comprovado, mesmo que seja apenas
durante os alguns intervalos lúcidos, bem como em caso de interdição
ou inabilitação por anomalia psíquica.
Nubentes com casamentos que ainda tenham sido dissolvidos, seja ele
casamento católico e ou civil. O casamento de um menor só é
considerado legal, caso este tenha a devida autorização dos seus
progenitores, ou dos representantes legais, ou de uma respetiva
formalidade judicial. O menor continua a ser considerado menor para a
administração dos bens que sejam atribuídos ao casal ou aos que tenha
direitos até à maioridade, no entanto, os rendimentos desses bens ser-
lhe-ão atribuídos para que possa ter acesso aos alimentos necessários
ao seu estado. Ou cfr. cân.1058. “todos aqueles que não estejam
proibidos por direito”.
211
a) O parentesco na linha reta;
326
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29-09-2010, Processo n.º 557/09.0JAPRT.C1, Relator:
Alberto mira
327
Idem
212
A lei portuguesa permite aos católicos casarem pela igreja ou registo
civil sendo o casamento reconhecido perante a lei, mas quem professe
outra religião só poderia casar pelo registo civil uma vez que os
casamentos religiosos não católicos não eram reconhecidos perante a lei
portuguesa. Com a entrada em vigor da Lei da Liberdade Religiosa (Lei
n.º 16/2001, de 22 de junho) o casamento por forma religiosa não
católica passou a ter reconhecimento civil, art.º 19.º Em Angola, pelo
contrário, rege-se o casamento civil obrigatório, uma vez que o estado
angolano é constitucionalmente um Estado laico, art.º 13.º da CRA. No
caso concreto, o casamento realizado junto dos órgãos do registo civil
tem carácter obrigatório, art.º27º e 34º C.F.A.
214
originar a iminência de grave escândalo ou grave injúria contra a
santidade do matrimónio; do que se dê conhecimento às partes
antes da celebração do matrimónio. Cân. 1133 — Inscreva-se o
matrimónio celebrado secretamente só no livro especial que se
deve guardar no arquivo secreto da cúria.
328
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-11-2007, Processo n.º 8714/2007-6, Relator: Fátima
Galante.
215
anteriores, até ao averbamento da decisão, desde que esteja transcrito
no registo civil.
329
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-11-2007, Processo n.º 8714/2007-6, Relator: Fátima
Galante.
330
Idem
216
Para o mesmo não ser homologado as causas justificáveis estão
deliberados no art.º 1624.º “Causas justificativas da não homologação”:
7.2.1. Monogamia
331
SANTOS, Eduardo dos – Direito da Família, p.38. 32 Lei n.º 9/2010, de 31 de maio “Permite o
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo”.
217
Resolução nº 25/07, de 16 de julho, onde consta no art.º 6.º
“Casamento”.
7.2.2. Homossexualidade
7.2.3. Poliandria
218
pouco aceite em algumas sociedades. É um fenómeno que é muito
comum nas castas indianas.332
7.2.4. Poligamia
A própria bíblia sagrada diz que o Rei Davi tinha várias mulheres. No
livro de Samuel, capitulo 5, versículo 13, a bíblia diz o seguinte: “Davi
332
DOMINGUEZ, Gabriel - Tradição do dote na Índia é mais maldição do que bênção [em linha]. Brasil,
2013. [Consultado em: 11 de outubro 2015]. Disponível em:
http://www.cartacapital.com.br/internacional/tradicao do-dote-na-india-e-mais-maldicao-do-que-
bencao5861.html:
333
www.priberam.pt/
334
SANTOS, Eduardo dos – Direito da Família, p.38.
335
LÉVI-STRAUSS, Claude – As estruturas elementares do parentesco, p. 84
219
tomou ainda para si concubinas e mulheres de Jerusalém, depois que
viera de Hebrom; e nasceram a Davi mais filhos e filhas”.
336
MEDINA, Maria do Carmo. Direitos Humanos e direito da família – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p.134
337
LÉVI-STRAUSS, Claude – As estruturas elementares do parentesco,. p. 520
220
étnico. Um grande exemplo deste tipo de matrimônio são as castas
indianas. O casamento endogâmico, no qual as esposas são
consideradas propriedade comum dos homens do grupo como acontece
em algumas castas na Índia.338
7.2.5. Incesto
Para cumprir suas obrigações matrimoniais, Rajo dorme toda noite com
um deles, em sistema de rodízio. A indiana não tem ideia de quem seja
o pai do seu filho. Pode ser qualquer um dos cinco maridos. “No início
ficou um pouco estranha a situação. Mas eu não favoreço nenhum
deles”, contou Rajo, de acordo com reportagem do“Sun”. Guddu, de
21anos, o primeiro a se casar com Rajo, garante: “Todos nós fazemos
sexo com ela, mas eu não sou ciumento. Somos uma grande e feliz
família”. Oficialmente, ele é o único casado com Rajo, mas ele cedeu a
esposa para casamento informal com os quatro irmãos. Bajju, o marido
mais velho, tem 32 anos.
338
WILLIAMS, Amanda - The wife married to FIVE brothers: Rajo, 21, follows a tradition in Indian villages
which allows families to hold on to their farmland. [em linha] London, 2013, [Consultado em 27 de
fevereiro 2016]. Disponível em http://www.dailymail.co.uk/news/article-2295380/The-wife-married-
FIVE-brothers-Rajo21- follows-tradition-Indian-villages-allows-families-hold-farmland.html: ela é casada
com cinco homens que são IRMÃOS!
339
LÉVI-STRAUSS, Claude – As estruturas elementares do parentesco, p. 176.
221
numerosas sociedades”. 3.8 Casamentos arranjados Os casamentos
arranjados são casamentos no qual os nubentes não têm livre escolha.
Normalmente, os pais, tios, ou avós dos noivos são quem decide e faz os
arranjos dos casamentos. Este tipo de casamento é muito comum em
Angola sendo ele o objeto em estudo (alembamento).
7.4. Divórcio
340
SANTOS, Eduardo dos – Direito da Família, p.41
222
Para Vaz Ferreira,341 “a dissolução natural do casamento é a morte de
um dos cônjuges. Acontece, porém, muitas vezes, não poder a vida em
comum manter-se, por diversas e variadíssimas causas. O contrato
deixou de preencher o seu fim legal desde que a família se
desorganizou”. Antigamente, o casamento era visto como um ato
indissolúvel. Os casamentos eram vitalícios. Foi Visconde de Seabra,
quem introduziu o divórcio em Portugal no Código Civil de Seabra de
1867.
341
FERREIRA, Vaz – À Lei do divórcio (momentário), p. 11.
342
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-11-2015, Processo n.º 13/14.5T8ETR.P1, Relator:
Ataíde das Neves , p.7
343
DELGADO, Abel – O Divórcio, p.22 a 24.
223
prestação ou um comportamento de outrem, mas no poder de traduzir
um certo efeito jurídico”.
224
Em continuação, o art. 1788.º “princípio geral” do CCP diz que “o
divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da
dissolução da morte, salvas as exceções consagradas na lei”. Só uma
autoridade judicial tem competência para dissolver a relação jurídica
matrimonial constituída sem qualquer vício.
a) O adultério da mulher;
Certo que a lei não o diz, expressamente, mas a verdade é que o direito
ao divórcio é irrenunciável e isso porque a renuncia a esse direito
repugna ao espírito da mesma lei. O art.º 1205.º do mesmo Código
definia que “a separação só podia ser requerida pelo conjugue inocente”.
48
344
Ibidem.
226
O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é pedido no tribunal
por um dos consortes contra o outro, quando existe uma separação de
fato por um ano consecutivo; alteração das faculdades mentais do outro
cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade,
comprometa a possibilidade de vida em comum; ausência, sem que do
ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; Quaisquer
outros fatos que, independentemente da culpa dos cônjuges mostrem a
rutura definitiva do casamento. Os fundamentos do divórcio sem
consentimento estão previstos no art.º 1781.º “Rutura do casamento”
do CCP.
228
apresentação da candidatura a adotante perante um organismo da
segurança social. Caso a candidatura não seja rejeitada, o candidato
toma o menor a seu cargo mediante a confiança administrativa, judicial
ou medida de promoção ou proteção da confiança à pessoa selecionada
para adoção.
345
Art.º 1981 CCP
229
7.7. Efeitos da adopção
346
Art.1979 - Código Civil Português – [em linha]. [Consultado em 29 de julho 2016].Disponível em:
http://www.stj.pt/ficheiros/fpstjptlp/portugal_codigocivil.pdf. 36 No que se refere a quem pode ser
adotado plenamente o mesmo é determinado no art.º 1980º
230
administrativamente, ao adotante. O adotando deve ter menos de 15
anos à data da petição judicial de adoção; poderá, no entanto, ser
adotado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e não se encontre
emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido
confiado aos adotantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do
adotante.”
231
CAPITULO VIII – A Realidade do Direito da Família em Angoa, Seu
Contributo para o Casamento Tradicional
347
SILVA, Carlos Alberto B. Burity da – Teoria Geral do Código Civil. 2ª ed, p.197.
348
CAMPOS, D. Leite de – Lições de Direito da Família, p. 19.
232
O direito à filiação representa o direito original de se estar integrado
numa família desde o nascimento. “Por sua vez o direito a constituir
uma nova família a partir da idade núbil, deve ser exercido de forma
própria, livre e voluntária e sem discriminação baseada no sexo, raça,
etnia ou religião.”349 Em Angola, de acordo com o art.º 7º “Constituição
da Família” do Código da Família de Angola (CFA) são fontes das
relações familiares, o parentesco, o casamento, a união de fato e a
afinidade.
349
MEDINA, Maria do Carmo. Direitos Humanos e direito da família – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p.121.
350
COSTA, André Conga – Filosofia Tradicional do Casamento no Mayombe, p. 55.
351
OSORIO, Ana de Castro - A Mulher no Casamento e no Divorcio, Pp.27 - 28.
233
entendida como o núcleo social mais importante que integra a estrutura
do Estado Angolano.
234
Na alusão da família, casamento e filiação, o legislador angolano
estipulou no art. 35.º “família, casamento e filiação” da CRA
infracitado63 . E, o Código da família, no seu artigo 129.º diz o
seguinte: “Artigo 129.º Direito à filiação” 1. A todos é reconhecido o
direito ao estabelecimento da filiação. 2. O exercício dos direitos dos
filhos menores deve ser especialmente protegido por lei.
8.2. A Família
352
ABRANCHES, Henrique. Direito Tradicional e agregado Familiar – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p. 190.
235
ensino constituem absoluta prioridade da família, do Estado da
sociedade.
8.4. Afinidade
353
CAMPOS, D. Leite de – Lições de Direito da Família, p. 23.
236
A afinidade é considerada o vínculo jurídico que liga um cônjuge aos
parentes do outro cônjuge. Na afinidade não existe efetivamente
qualquer vínculo sanguíneo. Conforme cita Diogo.354 “A fonte da
afinidade é, assim, o casamento. Não cessando, porém, com a
dissolução deste cfr. art.º1585º do Código Civil, o que se compreende
quanto aos impedimentos relativos à celebração do casamento, embora
não necessariamente quanto aos outros efeitos.” “O casamento cria
uma família, o estado de cônjuge, a legitimidade dos filhos, as relações
de afinidade com os parentes do outro cônjuge, bem como uma série de
expectativas tuteladas por lei.355 Para Medina,356 “a afinidade advém do
fato natural da procriação e tem como causa o ato jurídico do
casamento, constituindo-se em relação a um parentesco alheio, ou seja,
ao parentesco do outro cônjuge”.
354
Ibidem.
355
VARELA, Antunes – Direito da Família. 1.º 5.ª ed, 189.
356
MEDINA, Maria do Carmo – Direito de Família Anotado. 2.ª ed, p. 87.
237
natureza familiar previstas na lei; 2. Para além dos casos de
intervenções obrigatórias, pode o Tribunal, requerimentos das partes e
sempre que tal se justifique, fazer intervir o Conselho de Família, em
qualquer das ações prevista nesta lei.”
357
R. CEJ, Brasília, n. 27 p-47-56, out./dez. 2004. p.48.
https://www.google.com/search?q=R.+CEJ%2C+Bras%C3%ADlia%2C+n.+27+p-47-
56%2C+out.%2Fdez.+2004.+p.48&ie=utf-8&oe=utf-8&client=firefox-b-ab.
238
A Lei n.º 23/92, de 16 de setembro, mencionava no seu art.º 30.º que
“as crianças constituem absoluta prioridade, pelo que gozam de especial
proteção familiar, do Estado e da sociedade com vista ao seu
desenvolvimento integral”. Contudo, o legislador angolano decidiu ir
mais longe na defesa da filiação conforme consta no Código de Família,
art. 4.º “proteção e igualdade das crianças que a criança merecem
especial atenção no seio da família, à qual cabe, em colaboração com o
Estado, assegurar-lhes a mais ampla proteção e igualdade para que elas
atinjam o seu integral desenvolvimento físico e psíquico e, no esforço da
sua educação, se reforcem os laços entre família e a sociedade.”
239
É de almejar com este capítulo fazer uma abordagem sobre o casamento
em Angola, que constitui o fundamento principal do tema em
abordagem segundo vários peritos na matéria.
Definir o casamento civil em Angola, não é uma tarefa tão fácil uma vez
que existe pouca legislação sobre a temática. Sendo Angola um país
independente menos de 40 anos, o país não tem fortes antecedentes
históricos sobre o casamento. Isto porque em Angola antes da
independência, vigoravam os mesmos critérios de casamento que em
Portugal. Em Angola, o principal objetivo do casamento é fazer passar a
mulher da casa dos pais, tios ou avós, para a do marido. Além de
implicar uma deslocação física para a jovem.
358
MEDINA, Maria do Carmo – Direito de Família Anotado. 2.ª ed, p.27.
240
homem e da mulher dentro da família. Elas devem ser repartidas de
forma harmônica e equilibrada dentro do princípio da solidariedade que
se deve estabelecer entre os membros da família.
359
MONTEIRO, Ramiro Ladeiro – A Família Nos Musseques de Luanda, p.169.
360
http://www.infoangola.ao/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=2653.
241
A promessa de casamento é em si “um ato já revestido de certa
ressonância social, realizado com seriedade entre os noivos, mas
também conhecido dos seus familiares e pessoas do seu meio social. É
óbvio que não é qualquer promessa de casamento, feita de forma
leviana e revestida de secretismo, que pode ser considerada como
tal”.361 A promessa de casamento celebrado pelos pais, tios ou avós sem
o consentimento da mulher, conforme é muito habitual nos arranjos
dos casamentos tradicionais, é, pois, inválido. A promessa de
casamento tem que ser bilateral na qual ambos os contraentes se
comprometem a celebrar o contrato que depois vai originar o casamento
civil.
361
MONTEIRO, Ramiro Ladeiro – A Família Nos Musseques de Luanda, p. 172.
362
MENDES, João de Castro; SOUSA, Miguel Teixeira – Direito da Família, p.51.
242
formal, mas o simples namoro não origina qualquer promessa de
casamento. A averiguação de uma celebração não formal dessa
promessa deve ser analisada tomando em consideração a condição e o
meio social das partes e o significado simbólico neles atribuídos a
alguns atos (como, por exemplo, a troca de anéis de noivado). Só em
função desses fatores se pode determinar se o comportamento da parte
ou os atos por ela praticados são concludentes quanto à celebração
tácita de uma promessa de casamento”.363
363
Op Cit. p. 54. 47
364
SANTOS, Eduardo - Direito da família, p.156/157.
243
o direito á restituição dos valores doados ou a uma indemnização no
prazo de um ano, a partir do dia em que foi quebrada a promessa ou do
falecimento do promitente.
365
Ibidem, p. 175.
366
Ibidem, p.176.
367
MEDINA, Maria do Carmo. Direitos Humanos e direito da família – Revista da Faculdade de Direito:
Universidade Agostinho Neto. N.º 4, p.126.
244
alguns casos, o mesmo abre o caminho ao divórcio, pois quando uma
das partes não cumpre os termos do contrato, gera-se um conflito entre
duas famílias.
368
SANTOS, Eduardo - Direito da família, p.135.
369
LINTON, Ralph – O homem: Uma introdução à Antropologia, p.177.
370
VARELA, Antunes – Direito da Família. 1.º 5.ª ed, p, 216.
245
Há assim requisitos da capacidade matrimonial que nenhum reflexo
encontram na capacidade negocial ou contratual”, Já Medina,371 diz
“nenhum dos nubentes podem celebrar o casamento impondo condições
ou cláusulas que alterem ou modifiquem os efeitos legais”. Uma das
condições para contrair o casamento em Angola é o sexo. Pois, segundo
o art. 20.º do CFA, “o casamento em Angola é a união voluntária entre
um homem e uma mulher”.
371
MEDINA, Maria do Carmo – Direito de Família Anotado. 2.ª ed, p.179.
372
SANTOS, Eduardo - Direito da família, p.183. 85 art. 23.º do CFA
373
VARELA, Antunes – Direito da Família. 1.º 5.ª ed, p.213. 50 4.1
246
Tem capacidade para contrair o casamento, todos aqueles em quem se
não verifique algum dos impedimentos matrimoniais previstos nos
artigos seguintes ou em lei especial.
247
Só pode casar os maiores de 18 anos. 2. Excecionalmente poderá ser
autorizado a casar o homem que tenha completado 16 e a mulher que
tenha completado 15 anos, quando, ponderadas as circunstancias do
caso e tendo em conta o interesse dos menores, seja o casamento a
melhor solução.
8.5.8. Demência
374
CAMPOS, D. Leite de – Lições de Direito da Família, p 297
375
MEDINA, Maria do Carmo – Direito de Família Anotado. 2.ª ed, p.188
376
VARELA, Antunes – Direito da Família. 1.º 5.ª ed, p 230
248
8.5.9. Bigamia
377
SANTOS, Eduardo – Direito da Família, p.181.
249
8.5.10. Impedimentos relativos
378
CAMPOS, D. d. (2012). Lições de Direito da Família e das Sucessões, p.193.
379
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01.03.2016, Processo nº750/14.4TBCTB.C1, Relator
JAIME CARLOS FERREIRA. (www.dgsi.pt)
250
ocorre uma causa de anulabilidade do casamento, conforme artº 1631º,
al. b) do C. Civil – anulabilidade do casamento por falta de vontade -,
designadamente quando o casamento tenha sido simulado – artº 1635º,
al. d) do C. Civil.
São eles:
1. A falta de vontade;
2. O vício da vontade;
380
Mendes, João de; Sousa, Teixeira de – Direito da Família, p. 77.
381
MEDINA, Maria do Carmo – Direito de Família Anotado. 2.ª ed, p.216.
382
CAMPOS, D. Leite de – Lições de Direito da Família, p.193.
251
levou, logo de início, a enunciar como elemento do acordo contratual no
casamento, a vontade de celebrar.
383
Abel Pereira Delgado – Do contrato Promessa, p.79.
384
SANTOS, Eduardo – Direito da Família, p.166.
385
VARELA, Antunes – Direito da Família, p 273.
252
8.6. Direito Costumeiro No Ordenamento Jurídico Angolano
386
ANGOP - Teorização do direito costumeiro em Angola passa pelo estudo de outras ciências [em
linha]. Angola, 2012. [Consultado em: 01 de março 2016]. Disponível em:
http://www.angonoticias.com/Artigos/item/36007/teorizacao-do-direito-costumeiro-em-angola-passa-
pelo estudo-de-outras-ciencias:
253
legitimidade e força jurídica do costume que não vá contra a
Constituição nem a dignidade da pessoa humana.
387
MONTEIRO, Ramiro Ladeiro – A Família Nos Musseques de Luanda, p.170.
388
Ibidem.
389
ANGONOTICIAS – Casamento Tradicional Civil [em linha]. Angola, 2016. Angola, 2014. [Consultado
em: 01 de fevereiro 2016]. Disponível em:
http://www.angonoticias.com/Artigos/item/44309/casamento-tradicional-c O futuro Código da Família
vai reconhecer o casamento tradicional e religioso e introduzir dois novos regimes aos efeitos
patrimoniais do casamento.
255
casamento que, na prática, está terminado. O futuro Código da Família
permite que o ex. cônjuge continue a usa o apelido obtido em virtude do
casamento, independentemente da forma da dissolução do casamento,
enquanto não contrair novo casamento. Em caso de celebração de um
novo casamento.
390
Art. 559.º nº 2. “o compromisso de honra”, do CPC.
391
BROWN, A.R. Radcliffe; FORDE, Daryll – Sistemas Políticos Africanos de Parentesco e Casamento. 2.ª
ed, p.62.
392
Idem op Cit. - p. 66. 62
256
de parentesco (também chamados laços de afinidade ou aliança),
segundo o direito consuetudinário”. O dote consiste na entrega de
certas quantias em dinheiro, roupas, calçados, bebidas, animais e
determinados objectos.
A lei angolana diz nos termos do art. 22.º, nº 2 do CFA o nubente que
injustificadamente der causa à rutura deve
118
393
LÉVI-STRAUSS, Claude – As estruturas elementares do parentesco, p. 92
258
63 indemnizar o outro nubente pelas despesas efetuadas e pelas
obrigações contraídas na previsão do casamento a que tiver dado o seu
acordo. Antigamente alembamento era feito por meio da entrega de
alguns garrafões de vinho de palmeiras de dendém, e, de outras bebidas
caseiras e mais alguns artigos simbólicos. Atualemnte, o alembamento
tornou-se mais moderno e as listas de pedidos mais extensas e
materialista119 .
394
NKONDO, Makuta – Virgindade da menina para os povos bantu [em linha]. Angola, 2015. [Consultado
em: 01 de abril 2016]. Disponível
em:http://www.clubk.net/index.php?option=com_content&view=article&id=20891:virgindade-da-
menina-para os-povos-bantu-makuta-nkondo&catid=17&Itemid=1067&lang=pt:
395
ALMEIDA, Carlos Ferreira de – Contratos I. p. 22, 23
259
Também namorar, para os bantu, é uma obscenidade. Uma menina que
namora ou uma mulher que fazem amizades com os homens é
equivalente a uma prostituta. Uma menina nunca apresenta um
namorado ou um amigo aos pais. Dizer que pai ou mano, este/a é meu
(minha) namorado/a, é escandaloso e condenável nas culturas bantu.
Um(a) menino(a) só apresenta aos pais um(a) pretendente (Nzitikila, em
língua quicongo).
396
SANTOS, Eduardo – Direito da família, p.132.
397
VARELA, Antunes – Direito da Família. 1.º 5.ª ed, p 211. 124 Idem Op. Cit. p.131.
260
harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária
de interesses”.
398
VARELA, Antunes – Direito da Família, p 177.
261
7.6.2. Direito das sucessões costumeiro
399
LÉVI-STRAUSS, Claude – As estruturas elementares do parentesco, p.305.
400
Idem Op. Cit. P.135.
262
4. Os Estados Partes devem adotar e implementar medidas que
garantam a defesa do direito de todas as mulheres à sua
dignidade e a serem protegidas de todas as formas de violência,
particularmente a sexual e verbal.”
Herda o filho mais velho da irmã mais velha do falecido; Herda o irmão
mais velho.
401
Bíblia Sangrada: Deuteronómio, 25:5:1.
402
ADAO, Chico – As origens do fenómeno kamutukuleni acelestral Angolense aplicável, p.122-124.
263
pode preterir o verdadeiro herdeiro, passando a herança a um mais
velho de uma sanzala aparentada; Certos bens podem ser doados a um
filho que não seja o herdeiro natural; Bens herdados pela via materna
podem passar a mulheres e os herdados pela via paterna aos homens.
No direito costumeiro não existe um testamento escrito. O mesmo,
conforme o próprio direito costumeiro em si é consuetudinário. O
testamento pode ser feito da seguinte maneira.403
403
Ibidem
404
BROWN, A.R. Radcliffe; FORDE, Daryll – Sistemas Políticos Africanos de Parentesco e Casamento. 2.ª
ed, p. 179. 132
264
os seus pais”. Segundo Strauss,405 “se o divórcio não se faz por
consentimento mútuo, o marido pode exigir, em lugar dos presentes de
casamento, que um outro membro da família lhe seja entregue como
mulher, uma irmã, uma sobrinha ou uma tia”.406
405
LÉVILÉVI-STRAUSS, Claude – As estruturas elementares do parentesco, p. 301
406
Art. 74.º e 79.º do CCA.
407
SANTOS,– Direito da Família, p.285.
408
CHICOCA, Armando, - Namibe: Tribunal tradicional manda despir mulher acusada de adultério [em
linha]. Angola, 2015. [Consultado em: 01 de abril 2016]. Disponível em:
265
Bibliografia
http://club k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=20449:namibe-tribunal-tradicional-
manda-despir mulher-acusada-de-adulterio&catid=2&Itemid=1069&lang=pt:
266