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Novos paradigmas

da Teoria Geral do Direito


Organizadores:
• Ricardo Maurício Freire Soares
• Flora Augusta Varela Aranha
• João Francisco Liberato de Mattos Carvalho Filho

Colaboradores:

• Adonai Araújo Cardoso • Marcelo Tadeu Freitas


• Analu Paim Cirne Pelegrine de Azevedo

• Cassio Pitangueira Dias • Rafael Gomes Wanderley


Icó Ribeiro • Renato Sigisfried Sigismund
• Dalila Rodrigues Prates Schindler Filho

• Felipe Vieira Batista • Ricardo Maurício Freire


Soares
• Gilton Batista Brito
• Simone Thay Wey Lee
• João Francisco Liberato
de Mattos Carvalho Filho • Tainan Maria Guimarães
Silva e Silva
• Júlia Lordêlo dos Reis
Travessa • Vanessa Miceli Oliveira
Pimentel

Novos paradigmas
da Teoria Geral do Direito

Salvador, Bahia, Brasil, 2017


Dedicamos a presente obra à memória do querido Pro-
fessor Hermano Machado, Mestre de inúmeras gerações
jurídicas no Estado da Bahia, pelo inolvidável legado de
simplicidade e de preparo intelectual.
Sumário

A e e açã ........................................................................................................ 15
– Ricardo Maurício Freire Soares
– Flora Augusta Varela Aranha
– João Francisco Liberato de Mattos Carvalho Filho

Ca í l I
O princípio da proporcionalidade e o julgamento
de prestação de contas de campanha pela justiça eleitoral ....... 19
– Adonai Araújo Cardoso
1. Introdução.......................................................................................................... 19
2. Princípio da proporcionalidade ................................................................ 21
2.1. Adequação ................................................................................................ 23
2.2. Necessidade ............................................................................................. 23
2.3. Proporcionalidade em sentido estrito.......................................... 23
3. Prestação de contas de campanha eleitoral ........................................ 24
3.1. Julgamento de contas de campanha pela justiça eleitoral ... 26
4. Conclusão ........................................................................................................... 31

Ca í l II
Negociação no processo civil de improbidade administrativa... 33
– Analu Paim Cirne Pelegrine
1. Introdução.......................................................................................................... 33
2. “Microssistema normativo de combate à corrupção”
e critérios para obtenção de coerência entre seus elementos
constitutivos............................................................................................................ 33
3. Consolidação da convencionalidade no direito público
e transação de direitos (in)disponíveis ................................................. 43
. Considerações finais ...................................................................................... 48
8 Orgs.: Ricardo Soares, Flora Aranha e João Francisco Liberato

Ca í l III
Autonomia privada na arbitragem: análise à luz
da pós-modernidade ......................................................................................... 51
– Cássio Pitangueira Dias Icó Ribeiro
1. Introdução.......................................................................................................... 51
2. Autonomia privada: conceito, evolução e espécies .......................... 52
3. Função social do contrato, boa-fé objetiva na arbitragem
e a relativização da autonomia privada na pós-modernidade..... 55
4. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica
e a mitigação da autonomia privada ....................................................... 57
5. Autonomia privada na pós-modernidade e seus impactos
na arbitragem: relativização e limites .................................................... 60
5.1. Requisitos formais da arbitragem: releitura à luz
da pós-modernidade ........................................................................... 60
5.2. Função da jurisprudência na pós-modernidade ..................... 69
Considerações finais ............................................................................................. 70

Ca í l IV
O papel do direito no contexto da sociedade de riscos ................. 73
– Dalila Rodrigues Prates
– Introdução.......................................................................................................... 73
1. Delineamentos acerca da sociedade de risco...................................... 74
1.1. A percepção social dos riscos .......................................................... 77
2. O domínio do conhecimento frente ao risco ....................................... 78
. Os desafios do direito .................................................................................... 82
3.1. Direito como um sistema autopoiético em Teubner
e a necessidade de comunicação social ....................................... 85
4. Um papel ao intérprete do direito ........................................................... 89
5. Conclusão ........................................................................................................... 92

Ca í l V
Do plano de recuperação judicial na teoria do fato jurídico:
uma primeira reflexão ..................................................................................... 93
– Felipe Vieira Batista
1. Introdução.......................................................................................................... 93
2. Do conceito de fato jurídico na teoria geral do direito ................... 93
. nremissas utilizadas na classificação das diferentes espécies
de fatos jurídicos lícitos................................................................................ 96
Sumário 9

. Breve classificação das espécies lícitas de fatos jurídicos ............. 98


4.1. Do fato jurídico strictu sensu ............................................................ 98
4.2. Do ato-fato jurídico............................................................................... 98
4.3. Do ato jurídico lato sensu ................................................................... 100
4.3.1. Do ato jurídico stricto sensu ............................................... 101
4.3.2. Do negócio jurídico ................................................................. 102
5. Algumas considerações sobre aspectos subjetivos do suporte
fático abstrato dos negócios jurídicos.................................................... 105
5.1. Unilateralidade, bilateralidade, plurilateralidade
e o princípio da incolumidade das esferas jurídicas .............. 105
5.2. Do negócio jurídico coletivo ............................................................. 106
6. O processo de recuperação judicial e o plano
de recuperação ................................................................................................. 108
7. Conclusão: do plano de recuperação judicial como negócio
jurídico decorrente de vontade coletiva ............................................... 110

Ca í l VI
Tolerância como direito, tolerância como justiça: uma breve
comparação entre os liberais Locke e Rawls....................................... 113
– Gilton Batista Brito
Como introdução: roupas, religião e intolerância .................................... 113
1. A visão liberal do direito em locke: estado da natureza,
contrato social e direito natural ............................................................... 115
2. A tolerância como direito em Locke ...................................................... 118
3. A visão liberal de justiça em rawls: posição original,
neocontratualismo e equidade.................................................................. 122
4. A tolerância como justiça em Rawls........................................................ 126
Como conclusão: bandeiras, política e tolerância .................................... 130

Ca í l VII
O novo código de processo civil e a Teoria Geral do Direito ....... 133
– João Francisco Liberato de Mattos Carvalho Filho
1. Considerações iniciais................................................................................... 133
2. O direito como fenômeno ............................................................................ 134
3. Teoria geral do direito e teoria geral do processo ............................ 138
4. Interações com NCPC .................................................................................... 142
Conclusões ................................................................................................................ 145
10 Orgs.: Ricardo Soares, Flora Aranha e João Francisco Liberato

Ca í l VIII
A importância de um microssistema jurídico de tutela
da coisa pública para plena eficácia do direito fundamental
ao governo honesto ............................................................................................ 147
– Júlia Lordêlo dos Reis Travessa
Introdução................................................................................................................. 147
1. Distinção entre normas jurídicas e demais, e o ordenamento
jurídico ................................................................................................................ 148
2. Importância de estruturar um conjunto ordenado
e sistematizado de normas jurídicas, notadamente da tutela
da coisa pública................................................................................................ 156
3. Ética como valor fonte (e bem jurídico) no trato com a coisa
pública: o direito fundamental ao governo honesto garantido
pelo microssistema de tutela da coisa pública ................................... 160
Conclusão .................................................................................................................. 165

Ca í l IX
As convergências e divergências entre as normas
do incidente de resolução de demandas repetitivas
e as normas constitucionais ......................................................................... 167
– Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo
1. Introdução ......................................................................................................... 167
2. As normas e suas abordagens .................................................................. 168
3. As normas do incidente de resolução de demandas repetitivas.... 176
4. Convergencia e divergência das normas do IRDR
e da constitução ............................................................................................... 180
5. Conclusão ........................................................................................................... 188

Ca í l X
A colisão entre os princípios da liberdade econômica
e da defesa do meio ambiente na Constituição Federal
de 1 : reflexões sob o enfoque do pós-positivismo ................... 191
– Rafael Gomes Wanderley
1. Introdução ......................................................................................................... 191
. A ordem econômica brasileira: desafios interpretaivos................. 196
3. Colisão de princípios expressos na ordem econômica
brasileira ............................................................................................................. 202
. Considerações finais ...................................................................................... 207
Sumário 11

Ca í l XI
A necessária ressignificação da sanção na área criminal
conduzida por uma racionalidade ao avesso ...................................... 211
– Renato Sigisfried Sigismund Schindler Filho
1. Introdução ......................................................................................................... 211
2. Racionalidade ao avesso – da delimitação do sentido .................... 213
3. Da sanção como elemento da relação jurídica e a teoria
agnóstica da pena ........................................................................................... 215
4. A racionalidade moderna: uma lógica para a sanção penal.......... 220
. O fenômeno pós-moderno e o reflexo no controle das massas:
a permanência da racionalidade penal moderna .............................. 224
6. Racionalidade ao avesso e sanção penal ............................................... 227
7. Conclusão ........................................................................................................... 228

Ca í l XII
Uma (re)leitura pós-positivista do princípio da dignidade
da pessoa humana .............................................................................................. 231
– Ricardo Maurício Freire Soares
1. Introdução ........................................................................................................ 231
2. A crise do positivismo jurídico ................................................................ 233
3. Pós-positivismo e direito principiológico ........................................... 240
4. Caracteres da principiologia jurídica .................................................... 249
5. A funcionalidade dos princípios jurídicos .......................................... 251
6. O neoconstitucionalismo e a valorizaçâo da principiologia
constitucional .................................................................................................. 254
7. A positivação constitucional do princípio da dignidade
da pessoa humana ......................................................................................... 259
8. A plurivocidade do princípio da dignidade da pessoa humana:
abertura semântica e usos pragmáticos .............................................. 262
9. As modalidades de eficácia do princípio da dignidade
da pessoa humana ......................................................................................... 265
. Considerações finais..................................................................................... 268

Ca í l XIII
Uma justiça supranacional efetiva para uma ética
com pretensão à universalização na América Latina ..................... 275
– Simone Thay Wey Lee
12 Orgs.: Ricardo Soares, Flora Aranha e João Francisco Liberato

1. Introdução ......................................................................................................... 275


2. Uma ética universal para a Humanidade .............................................. 276
2.1. O processo de globalização e a pós-modernidade .................. 276
2.2. A ética universal, a dignidade da pessoa humana
e os direitos humanos ......................................................................... 279
3. Integração regional na América Latina ................................................ 284
4. A justiça supranacional e a sua importância
para os direitos humanos ............................................................................ 289
5. Conclusão ........................................................................................................... 294

Capítulo XIV
O papel das cotas na Faculdade de Direito da UFBA
e o resgate da responsabilidade social da universidade .............. 297
– Tainan Maria Guimarães Silva e Silva
Introdução................................................................................................................. 297
1. Faculdade de Direito da UFBA: construção e identidade............... 298
2. A responsabilidade social da Universidade
à luz de Boaventura de Sousa Santos ..................................................... 301
2.1. As crises na universidade como instituição de ensino .......... 303
2.2. A inserção das cotas na UFBA e na FDUFBA .............................. 306
3. As cotas universitárias e a justiça social de John Rawls ................. 309
Conclusão .................................................................................................................. 312

Ca í l XV
O conceito de pessoa e a Teoria dos Direitos Fundamentais
aplicados ao indivíduo psicopata no sistema jurídico-penal .... 315
– Vanessa Miceli de Oliveira Pimentel
Introdução................................................................................................................. 315
1. O Conceito de Pessoa e a Dignidade Humana ..................................... 316
1.1. Breve evolução histórica sobre o Conceito de Pessoa ........... 316
1.2. A Importância do Conceito sobre cuja Dignidade
se proclama .............................................................................................. 317
1.3. O Direito Penal do Inimigo e a destituição do status
de Pessoa................................................................................................... 318
2. A Teoria dos Direitos Fundamentais e o respeito
à condição humana......................................................................................... 321
Sumário 13

2.1. Sobre as origens dos Direitos Fundamentais e o respeito


à condição humana ............................................................................... 321
. . A reoria dos Direitos Fundamentais e sua finalidade ........... 323
3. O Psicopata como sujeito de Direitos Fundamentais
no sistema jurídico-penal ............................................................................ 325
3.1. Sobre o sistema jurídico-principiológico .................................... 325
3.2. Sobre o indivíduo Psicopata ............................................................ 326
3.3. O Psicopata como sujeito de Direitos Fundamentais............. 330
Conclusão .................................................................................................................. 333
Capítulo IX

As convergências e divergências
entre as normas do incidente
de resolução de de a das repeiivas
e as or as co situcio ais
Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo*

1. INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil (CPC-2015) fundou um instituto que visa
mitigar as demandas repetitivas que são iniciadas nas diversas varas e
nos tribunais de todo o país.
Este instituto, conhecido como Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas (IRDR), inaugurou algumas normas jurídicas que até então
não existiam no ordenamento e, por outro lado, aprimorou outras nor-
mas de institutos análogos.
Neste contexto, o que se pretende buscar neste ensaio é identificar
as convergências e divergências entre as normas do Incidente de Resolu-
ção de Demandas Repetitivas e as normas da Constituição Federal, com o
objetivo de enfrentar os seguintes questionamentos:
1) O que é norma jurídica e quais são seus principais elementos?
2) Quais as principais normas jurídicas que compõe o instituto do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas?
3) Quais as convergências e divergências adotadas pela doutrina
e jurisprudência, quando tratamos das normas do Incidente de

(*) Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Espe-
cialista em Direito Processual pela Faculdade Baiana de Direito. Graduado em Direito
na Faculdade Ruy Barbosa. Advogado.
168 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

Resolução de Demandas Repetitivas à luz da Constituição Fede-


ral?
A hipótese, apresentada neste trabalho, é que a doutrina está divi-
dida quanto as divergências, na medida em que existem autores favorá-
veis e outros contra uma possível inconstitucionalidade deste instituto.
No entanto, quanto as convergências há maior aquiescência doutrinária
dos pontos que se tangenciam.
Assim, este trabalho tem como objetivo geral, desenvolver um
estudo bibliográfico a partir dos questionamentos e com isso identificar
as convergências e divergências do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas à luz da Constituição Federal. Para atingir o objetivo geral,
pretende-se destacar aspectos conceituais sobre normas jurídicas e seus
elementos qualificadores; sistematizar o procedimento do )ncidente de
Resolução de Demandas Repetitivas à luz CPC-2015; e realçar os aspec-
tos comuns e divergentes entre o julgamento de casos repetitivos e a
Constituição Federal.
O incidente de resolução de demandas repetitivas é a principal ino-
vação do CPC- , o qual tem por finalidade mitigar o grande acúmulo
de demandas judiciais, presentes e futuras, nas diversas varas e nos tri-
bunais de todo o país, de forma inteligente, mantendo a segurança jurí-
dica, a isonomia nas decisões e celeridade na resolução dos processos
judiciais. Dessa forma, esse estudo poderá proporcionar subsídios na
compreensão desse novo instituto ainda estreio no sistema processual.
Além disso, o estudo também contribuirá para atualizar os estudan-
tes e profissionais que se interessam quanto aos procedimentos a serem
adotados, quando se depararem com demandas repetitivas. E por fim,
poderá servir de referência para que novos estudiosos explorem o tema,
a fim de solucionar lacunas que eventualmente não sejam discutidas
neste trabalho.

2. AS NORMAS E SUAS ABORDAGENS


As normas estão espalhadas em toda convivência humana, sejam
impostas ou de mero comportamento social. Acreditamos ser livres, mas
na verdade estamos envolto numa densa rede de regras de condutas, que
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 169

desde o nascimento até a morte dirigem nossas ações nesta ou naquela


direção1.
Mesmo desconhecendo tecnicamente as normas jurídicas, as pes-
soas são capazes de perceber e entender o comportamento social cen-
surável e com isso obedece-los de certa forma, é a chamada consciência
profana do injusto, constituída do conhecimento da antissocialidade, da
imoralidade ou da lesividade de uma conduta2.
)sso fica claro, por exemplo, quando uma criança, sabe que não pode
pegar escondido os brinquedos do seu “amiguinho”, não porque ela
conhece a regra do artigo 155 do código penal, furto, mas porque per-
cebe e entende que se trata de um comportamento social censurável.
E esse comportamento sociável deriva, muitas vezes, da influência
do comportamento de outras pessoas e também do medo da censura.
Outrossim, é certo que existem uma infinidade de normas, na medida
em que o número de regras que encontramos diariamente em nosso
caminho de seres que agem em direção a fins é incalculável, ou seja, é tal
que o trabalho de enumerá-las é tão desnecessário quanto o de contar os
grãos de areia numa praia3. São elas, por exemplo: os preceitos religio-
sos, as normas morais, as normas sociais, as normas de costume, as nor-
mas de etiqueta, as normas de boa educação, entre outras. Contudo, são
as normas jurídicas que serão analisadas e constituirão o objeto deste
ensaio.
Conforme ensina o professor Soares, as normas jurídicas são nor-
mas sociais que correspondem ao chamado “mínimo ético”, visto que,
ao disciplinar a interação com o comportamento humano em sociedade,
estabelecem os padrões de conduta e os valores indispensáveis para a
sobrevivência de dado grupo social. Isso ocorre porque o direito está

1. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2011,
p.15.
2. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 22a edição, Editora Saraiva.
2016, V. 01, p.506.
3. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2011,
p.18.
170 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

situado na última fronteira do controle social, configurando o núcleo


duro das instâncias de normatividade ética, atuando a sanção jurídica
quando o espírito transgressor ingressa na zona mais restrita do juridi-
camente proibido, pois, sendo a vida humana a expressão de uma liber-
dade essencial, tudo que não está juridicamente proibido, está juridica-
mente permitido4.
Logo, o conceito de norma tem o sentido (objetivo) de um ato pelo
qual se ordena ou se permite e, especialmente, se autoriza uma con-
duta ou uma expectativa de comportamento contrafaticamente estabi-
lizada, como um imperativo ou um modelo de conduta ou é respeitado
ou, quando não, tem como consequência uma reação social, como uma
expressão com uma forma determinada ou uma regra social5.
Com efeito, é importante distinguir a diferença entre norma e dis-
positivo, um exemplo deste último seria o seguinte texto “ninguém será
privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art.
5o, LIV, da Constituição Federal). Nesse dispositivo a norma que se extrai
a ser interpretada é o “princípio que garante a todos o direito a um pro-
cesso com todas as etapas previstas em lei, dotada de todas as garantias
constitucionais. Caso não haja respeito por esse princípio, o processo se
torna nulo”.
Observe que as normas não são textos, nem o conjunto deles, mas
os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de texto
normativo. Daí se afirma que os dispositivos se constituem no objeto da
interpretação e as normas no seu resultado6. Daí, percebe-se que uma
mesma norma pode ser extraída de diferentes dispositivos, ou seja, o
art. 5o, LIV, citado, poderia ser escrito de forma diferente, apesar de ter
o mesmo significado. Por exemplo, poderia esse dispositivo ser escrito
da seguinte forma: “Para que haja restrição aos direitos e liberdades,

4. SOARES, Ricardo Maurí�cio Freire. Elementos de Teoria Geral do Direito. São Paulo:
Editora Saraiva, 2013, p. 18.
5. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2a Edição. Malheiros Editora. São
Paulo, 2015, p. 52.
6. A� V)LA, (umberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 16a Edição. Malheiros Editora. São Paulo, 2015, p. 50.
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 171

deve haver o devido processo legal”, ou seja, com dispositivos diferentes,


extrai-se a mesma interpretação, que corresponde a norma jurídica.
Dessa forma, observa-se que a interpretação conduz mediante
transições imperceptíveis, das interpretações a partir do espírito do
legislador às regras que o próprio interprete como legislador vem a
estabelecer7.
Pois bem, a partir dessa compreensão semântica, é importante per-
ceber a qualificação de determinadas normas como princípios ou como
regras.
As distinções entre regras e princípios são intensamente debatidas
pela doutrina, há um dissenso, pois muitos pontos ainda não estão deti-
damente elucidados. Entretanto, é cristalino o entendimento que prin-
cípios e regras são a coluna mestra da edificação da teoria das normas.
Sendo assim, há de se entender que os princípios estão umbilical-
mente ligados às regras na medida em que as regras especiais contidas
na lei devem ser entendidas como consequências de certos princípios
mais gerais e mais amplos, aos quais, abstraindo do que tem de particu-
lar podem reconduzir ao mesmo modo que foi por aditamento do que
têm de específico que elas surgiram no espírito do legislador8. Ou seja,
há uma interseção e distanciamento, de modo que princípios e regras
compõem a semântica circular de uma norma.
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência para
cuja aplicação se exija a avaliação da correspondência, sempre centrada
na finalidade que lhe dá suporte aos seus princípios que lhe são axiologi-
camente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição nor-
mativa e a instrução conceitual dos fatos9. Como exemplo, pode-se veri-
ficar a regra do artigo , )V do Código de Processo Civil CPC- ,

7. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 6a Ed. Fundação Calouste Gulben-


kian, São Paulo, 1991, p.135.
8. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 6a Ed. Fundação Calouste Gulben-
kian, São Paulo, 1991, p.12.
9. A� V)LA, (umberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 16a Edição. Malheiros Editora. São Paulo, 2015, p. 102
172 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

na qual determina que “suspende-se o processo: IV- pela admissão do


incidente de resolução de demandas repetitivas”. Ou seja, são normas
imediatamente descritivas, na qual apresenta um fato hipotético, que
quando subsume, ou seja, quando é perpetrado no mundo fático, acar-
reta consequências jurídicas, previamente determinadas na própria
regra. No caso do exemplo, a observância pelo juiz ou desembargador da
admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas, gera
a obrigação de suspender todos os processos pendentes individuais ou
coletivos que tramitam no Estado ou na Região, conforme o caso.
Por outro lado, os princípios são normas imediatamente finlisticas,
primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e
de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação de corre-
lação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da
conduta havida como necessária à sua promoção10. A título de exemplo,
pode-se verificar o princípio da celeridade, previsto no artigo o, LXXVIII
da Constituição Federal, quando descreve que “a todos, no âmbito judi-
cial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo
e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Perceba que
o princípio da celeridade não estabelece uma norma de exigência, no
entanto define normas finalísticas, primariamente prospectivas quando
dar ao processo o tempo necessário para a solução do litígio, garantindo
que o devido processo legal seja concluído, dando solução ao caso con-
creto sem que este comprometa o próprio direito tutelado das partes,
que anseiam pela justiça.
De sorte que os princípios são normas de grande relevância para o
ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos nor-
mativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo,
direta ou indiretamente, normas de comportamento11.

10. A� V)LA, (umberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. a Edição. Malheiros Editora. São Paulo, , p. – Os princí�pios são
normas imediatamente finalisticas. Elas estabelecem um fim a ser atingido. Um fim é
a ideia que exprime uma orientação prática. Elemento constitutive do fim é a fixação
de um conteúdo como pretendido.
11. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 6a Ed. Fundação Calouste
Gulbenkian, São Paulo, 1991, p.474.
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 173

Sendo assim, a de se inferir que os princípios figuram como os pres-


supostos necessários de um sistema particular de conhecimento e a con-
dição de validade das demais asserções que integram um dado campo do
saber humano12.
Assim, os princípios são padrões de conduta presentes de forma
explícita ou implícita no ordenamento jurídico, na medida em que res-
valam comportamentos pretendidos que não são determinados como as
regras, mas possui um grau de exigência abstrata permitindo aos ope-
radores do direito interpreta-los de forma abrangente, com um grau de
cognição ampliado. Sendo assim, diferente das regras que prevêm hipóte-
ses determinadas de realização, os princípios são comandos prima facie,
pois admite relativização13. Como no exemplo do princípio da celeridade,
que absorve todos os processos, sejam eles judiciais, administrativos, de
improbidade administrativa, individual ou coletiva, ou mesmo no proce-
dimento comum ou no juizado especial. E, por tamanha abstração, não
existe, objetivamente, um tempo razoável que se constitui a celeridade,
na medida em que esse princípio advém do conceito de justiça lastre-
ado na razoabilidade quantos aos elementos e na extensão do processo
para julgamento, considerando o número de participantes do processo,
o volume de provas, a necessidade de inspeção judicial, entre outras coi-
sas que direcionarão para a limitação da celeridade, sendo necessário a
ponderação para cada processo no caso concreto.
Por outro lado, há de se considerar que para a formação da norma
existe uma conformação (pelo legislador ou pelo juiz) que não é apenas
subsunção lógica, mas um agir de acordo com certo sentido e que como
tal ocorre no tempo e, portanto, no domínio da historicidade14. De modo
que, o juiz ao aplicar uma regra legal e imposta a todos, cria para as partes
uma regra específica ao caso concreto, consubstanciado na interpretação

12. SOARES, Ricardo Maurí�cio Freire. Elementos de Teoria Geral do Direito. São Paulo:
Editora Saraiva, 2013, p. 45
13. BOUCALT, Carlos Eduardo de Abreu. RODRIGUEZ José Rodrigo. Hermenêutica Plural
possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos. Editora Martins Fontes,
São Paulo, 2002, p.384.
14. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 6a Ed. Fundação Calouste Gulben-
kian, São Paulo, 1991, p.28.
174 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

do ordenamento jurídico realizando uma interrelação cognitiva com o


caso concreto. Como por exemplo, o artigo 311, II do CPC-2015, no qual
dispõe “art. 311 - A tutela de evidência será concedida independente-
mente da demonstração de perigo de dano ou risco ao resultado útil do
processo, quando: II – As alegações de fato puderem ser comprovadas
apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos
repetitivos ou em súmulas vinculantes”. Esse é o dispositivo geral a todos
cominados. No entanto, o juiz no caso concreto observará se o alegado
trazido pelo autor, na petição inicial, pode ser comprovado, unicamente,
pelos documentos juntados e se está em consonância com a tese firmada
no incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmulas vin-
culantes. Havendo essa consonância, pode-se constatar que houve a cria-
ção de uma regra específica ao caso concreto, em decorrência da inter-
pretação jurídica normativa. A norma a qual o juiz subsume o fato não
seria na maior parte dos casos a regra patente na lei, mas uma norma que
o próprio juiz constrói, baseando-se em uma regra legal, na perspectiva
do caso a decidir15.
Por fim, a de se desatracar que as regras, embora sejam balizadas ou
construídas a partir de princípios, servem à domesticação desses, via-
bilizando, em caráter definitivo, o fechamento da cadeia argumentativa
que contorna a interpretação e aplicação concreta do direito16. Ou seja,
há uma interação interpretativa circular entre as regras e os princípios
na medida em que as regras tem sua formação a partir dos princípios
implícitos ou explícitos e os princípios muitas vezes se associam ou con-
trariam as regras formando um sistema, na medida em que um não pode
sobreviver sem a existência do outro para a formação do sistema norma-
tivo judicial.
As regras na sua vinculação mais direta à situação concreta, são
poucas adequadas a absorver a alta complexidade dos chamados “casos
difíceis . Diante do grau reduzido de flexibilidade, de sua tendência,

15. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 6a Ed. Fundação Calouste Gulben-
kian, São Paulo, 1991, p. 197.
16. NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hercule. Editora WMF Martins Fintes, São Paulo,
2013, p. 18.
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 175

impõe-se as regras o balizamento dos princípios, para que se enfrentem


a alta complexidade dos problemas a serem resolvidos17.
Outro ponto a se destacar, é a figura dos postulados que consiste em
condições essenciais de aplicação, sendo dividido em meramente her-
menêuticos, destinado a compreensão geral do direito, e os postulados
aplicativos que consistem, em normas imediatamente metódicas que
instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano
do objeto de aplicação, isto é como metanormas ou normas de segundo
grau 18. Então assim, os postulados são normas sobre a aplicação dos
princípios e regras, estabelecendo uma vinculação entre elementos e
impondo uma vinculação entre eles19. É o caso por exemplo do postu-
lado da moralidade, citado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso
Extraordinário no 197.917 para contrapô-lo a autonomia municipal20. O
postulado da moralidade, explícito no caput do art. 37 da Constituição
Federal, foi elucidado por Meirelles, quando definiu que a moralidade
administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo
ato da Administração Pública. Não se trata da moral comum, mas sim
de uma moral jurídica, entendida como o conjunto de regras de conduta

17. NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hercule. Editora WMF Martins Fintes, São Paulo,
2013, p. 19.
18. A� V)LA, (umberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 16a Edição. Malheiros Editora. São Paulo, 2015, p. 163-164.
19. A� V)LA, (umberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 16a Edição. Malheiros Editora. São Paulo, 2015, p. 164-165 - Nestes termos
distingue entre postulados inespecí�ficos, que são aplicáveis independentemente de
elementos que serão objeto de relacionamento (ponderação, concordância prática,
proibição de excesso , e postulados especí�ficos cuja aplicação já depende da existên-
cia de determinados elementos e é pautado por determinados critérios (igualdade,
razoabilidade e proposcionalidade).
20. BRAS)L. Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. municí�pios câmera de ve-
readores. Composição. Autonomia municipal. Limites constitucionais. Número de ve-
readores proporcional a população. CF, artigo 29, IV. Aplicação do critério aritmético
rí�gido. )novação dos princí�pios da isonomia e da razoabilidade. )ncompatibilidade en-
tre a população e o número de vereadores. Inconstitucionalidade, incidenter tantum,
da norma municipal. Efeito para o futuro. Situação excepcional. RE no 197.917. Recor-
rente: Ministério Público Estadual de São Paulo, Recorrido: Câmara Municipal de Mira
Estrela e outros. Relator: Min. Maurí�cio Corrêa. São Paulo julgado em / / ,
publicado TP.DJ. 07/05/2004.
176 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

tiradas da disciplina interior da administração. Devendo o agente admi-


nistrativo como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, neces-
sariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto. E ao atuar
não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá
que decidir somente sobre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o con-
veniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também
entre o honesto e o desonesto. Por consideração de direito e de moral,
o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas
também a lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal
é honesto21. Perceba que a moralidade constitui postulado de aplicação,
instituindo critérios de aplicação de princípios e regras, sobretudo da lei
ética da própria instituição conforme citado por Meirelles.
Pois bem, a partir desse entendimento sobre as normas jurídicas
será construído um contraponto entre as convergências e as divergên-
cias das normas do incidente de resolução de demandas repetitivas e as
normas da Constituição.

3. AS NORMAS DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO


DE DEMANDAS REPETITIVAS
Com base no entendimento sobre normas jurídicas da seção ante-
rior, será apresentado, neste, as principais normas jurídicas sobre o Inci-
dente de Resolução de Demandas Repetitivas )RDR , a fim de construir
um raciocínio sobre o instituto.
O Código de Processo Civil (CPC-2015) trouxe um instituto que asse-
melhou-se aos julgamentos de recursos repetitivos previstos nos dispo-
sitivos dos artigos 543-B e 543-C do Código de Processo Civil de 1973.
Os quais a sua norma fixava nos Tribunais de Justiça dos Estados e nos
Tribunais Regionais Federais, uma tese sobre uma questão de direito
repetitivo, seja de direito material ou de direito processual.
Pois bem, para a escolha do caso paradigma que servirá de base para
a fixação da tese no incidente, existem duas correntes: a primeira que

21. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37a Ed. Malheiros Edito-
ra. São Paulo, 2011, p. 90
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 177

qualifica o paradigma a ser adotado no CPC , como sendo o caso-


-modelo , a qual instaura-se um incidente apenas para fixar a tese a ser
seguida, não havendo a escolha de uma causa a ser julgada22. Em contra-
ponto a esta, existe a corrente do “caso-piloto”, segundo a qual, o órgão
jurisdicional seleciona um caso para julgar, fixando a tese a ser seguida
nos demais23.
Então assim, seja o “caso-modelo”, seja o “caso-piloto” a regra pre-
vista determina que, havendo repetitividade de processos sobre a
mesma questão seja, por exemplo, a invalidade de uma tarifa bancária,
ou mesmo a incidência de uma multa pelo descumprimento de um dever
processual, o tribunal poderá suspender os processos que tramitam no
primeiro grau e no próprio tribunal, para fixar num debate qualificado,
uma tese que será aplicada para todos esses processos.
A norma do incidente prevê que deverá ser realizado audiência
pública, ouvindo a sociedade civil, assim como o amicus curi, com o obje-
tivo do debate atingir um padrão decisório que seja bom, que fixe uma
excelente tese para aplicar em todos os processos repetitivos e resolver
dessa forma o limite da litigiosidade repetitiva.
Mancuso afirma que a tendência democrática dos julgamentos,
mediante a ampliação do contraditório, no novo CPC intenta agregar
à abordagem estritamente jurídica das decisões aos outros subsídios,
apontados por outros autores – órgãos, agentes, pessoas, entidades –
que assim podem enriquecer a relação processual à mercê de sua capa-
citação e experiência no tema sub judice24. No entanto, esse autor afirma
que a previsão para participação do procedimento de órgãos, agentes
e demais interessados, configura uma política judiciária pela qual se
intenta, em certa medida, suprir a suspeita de que o IRDR se ressentiria
de um déficit democrático, ao se preordenar a produção de um padrão

22. DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael; BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direito Processual
Civil. 11ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016, v. 2, p.593
23. DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael; BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direito Processual
Civil. 11ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016, v. 2, p.593
24. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
a luta contra a dispersão jurisdicional excessiva. São Paulo: RT, 2016, p. 260.
178 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

decisório impositivo a todos os juízes e tribunais, e até mesmo em face da


administração pública, em projeção panprocessual e até extraprocessual,
que pouco ou nada fica a dever à eficácia geral, abstrata e impessoal da
norma legal25.
Por fim, vale destacar que a regra no CPC- , estabelece que o
incidente tem o prazo de julgamento de um ano, até para não prolongar
o andamento dos feitos e depois de fixada a tese, todos os processos que
são repetitivos no âmbito do tribunal vão receber a aplicação daquela
tese nos seus processos.
Outrossim, a tramitação do incidente será preferencial em relação
aos demais processos, salvo habeas corpus e processo com réu preso.
Tal prazo, que também se aplica a suspensão dos processos repetitivos,
poderá ser prorrogado em decisão fundamentada (art. 980 do CPC-
2015). Sendo assim, o prazo inicia-se com a decisão de admissibilidade e
se encerra com a decisão de mérito, nos Tribunais Estaduais e Regionais.
Nos Tribunais Superiores, parecia possível defender que houvesse novo
prazo de um ano, até porque este era o prazo previsto nos artigos 1.035,
§10 e 1.037, §5o do CPC-2015, para o julgamento de Repercussão Geral e
Recursos Repetitivos. Mas, diante da revogação de tais dispositivos, não
há mais a fixação de prazo máximo para a resolução de questão no STF
e STJ26.
Vale enfatizar a inserção de diversas modificações no procedimento
dessas ações repetitivas, como, por exemplo, a possibilidade de julgar
improcedente liminarmente o pedido, a possibilidade de concessão de
tutela de evidência e a dispensa de caução no cumprimento provisório,
dispensa de remessa necessária.
Então assim, os casos de improcedência liminar do pedido é elu-
cidado por Cavalcanti, quando afirma que se as demandas estiverem
tramitando no juízo de primeiro grau, com réu ainda não citado, e os

25. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas


a luta contra a dispersão jurisdicional excessiva. São Paulo: RT, 2016, p. 260
26. TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Editora Jus
Podivm, 2016, pp. 195
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 179

pedidos ali versados contrariarem o entendimento firmado na de-


cisão de mérito do IRDR, será hipótese de improcedência liminar do
pedido, na qual cabe ao juiz, independentemente da citação do réu,
julgar improcedente o pedido (art. 332, III do CPC-2015), desde que
não seja necessária a produção de provas sobre os fatos alegados pelo
autor27.
Da mesma sorte, aclara o autor quanto as regras do reexame neces-
sário, na medida em que no CPC-2015, a sentença proferida contra a
União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autar-
quias e fundações de direito público; ou a que julgar procedentes, no
todo ou em parte, os embargos a execução fiscal, da Fazenda Pública,
continua sujeito ao duplo grau de jurisdição obrigatório (remessa
necessária , não produzindo efeito senão depois de o tribunal confir-
mar decisão (art. 496, I e II, do CPC-2015). Entretanto, o CPC-2015
prevê algumas hipóteses excepcionais em que a sentença, apesar de
proferida contra a Fazenda Pública, não estará sujeita ao duplo grau de
jurisdição obrigatório. Neste sentido, o artigo 496, §4o, III do CPC-2015,
prevê que não se aplicam as regras do reexame necessário quando a
sentença estiver fundada em entendimento firmado em )RDR. Dessa
forma ainda que o processo repetitivo envolva a Fazenda Pública, a sen-
tença que se fundamenta no entendimento firmado no julgamento do
IRDR não estará sujeita ao reexame necessário28.
Enfim, o CPC- traz normas que tenta privilegiar as ações que
estão conforme a tese fixada no incidente e tenta restringir as ações que
são contrárias a tese que o Tribunal já fixou.
A partir do entendimento das normas do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas, buscaremos, na seção seguinte, estabelecer um
contraponto entre as principais normas convergentes e divergentes do
IRDR e da Constituição Federal de 1988.

27. CAVALCANTI, Marcos de Araújo, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas


e Ações Coletivas. Salvador. Editora Juspoivm, 2015. p. 469.
28. CAVALCANTI, Marcos de Araújo, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
e Ações Coletivas. Salvador. Editora Juspoivm, 2015. p. 469
180 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

4. CONVERGENCIA E DIVERGÊNCIA DAS NORMAS


DO IRDR E DA CONSTITUÇÃO
Em primeiro lugar, vale trazer a este ensaio que alguns dispositivos
do CPC2015 estão sendo questionados judicialmente através das Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nos 5.492 e 5.534 No entanto,
ainda não há um posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Pois bem, a ADI no 5.492 ajuizado pelo governador do Estado do Rio
de janeiro, questiona a constitucionalidade dos seguintes dispositivos do
CPC-2015: artigos 9o, parágrafo único II; 15; 46, §5o; 52, parágrafo único;
242, §3o, II; 311, II; 840, I; 985, §2o; 1.035, §3o, III; 1.040, IV.
Sendo assim, dos dispositivos recorridos, apenas três abordam sobre
as regras do incidente de resolução de demandas repetitivas, são eles: o
artigo 9o, parágrafo único II, o artigo 311, II e o artigo 985, §2o. Pois bem,
os artigos 9o e 311 dispõem sobre: “Art. 9o – Não se proferirá decisão con-
tra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único
II – às hipóteses da tutela de evidência previstas no art. 311, incisos II e
III” e o “art. 311 – A tutela de evidência será concedida, independente-
mente de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil
do processo, quando: II – as alegações de fato puderem ser comprovadas
apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos
repetitivos ou em súmula vinculante”.
Em suma, o governador pede a declaração de inconstitucionalidade
dos dispositivos que versam sobre a concessão liminar de tutela da evi-
dência fundada em precedentes obrigatórios - incidente de resolução de
demandas repetitivas e súmula vinculantes (artigos 9º, parágrafo único,
inciso II, e 311, parágrafo único). Em respeito ao contraditório, para o
governador, somente a urgência justifica a postergação da oitiva do réu
para decisão que causa agravo à sua esfera de interesses. Salientou ainda
que não cabe à lei federal restringir a autonomia dos estados-membros
na definição da instituição financeira responsável pelo recebimento e
a administração dos depósitos judiciais pertinentes à Justiça Estadual
(artigos 535, parágrafo 3º, inciso II, e 840, inciso I)29.

29. Notí�cias STF – AD) questiona dispositivos no código de processo civil. Disponí�vel em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=313873, aces-
so em 15 mar. 2017.
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 181

Além disso, o 985, §2o, dispõe sobre: “art. 985- Julgado o incidente,
a tese jurídica será aplicada: § 2o Se o incidente tiver por objeto ques-
tão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o
resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência
reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte
dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada”.
Em resumo, os principais argumentos defendidos para a incons-
titucionalidade desse dispositivo é que a submissão da Administração
Pública à tese resultante de julgamentos de casos repetitivos, com o
dever de fiscalizar a efetiva aplicação no campo dos serviços públicos
(artigos 985, parágrafo 2º, e 1.040, inciso IV), ofende, de acordo com a
ADI, a garantia do contraditório e o devido processo legal. Para o governo
fluminense, deve-se atribuir ao enunciado interpretação conforme a
Constituição, no sentido de retirar qualquer grau de imperatividade e
vinculação da Administração Pública para a “efetiva aplicação” da tese
quando não tenha figurado como parte no procedimento de formação do
precedente30.
Além disso, o ADI no 5.534 ajuizado pelo governador do Estado do
Pará questiona o item II, do §3o e 4o ambos do artigo 535 do CPC/2015.
Contudo, não trata sobre as regras do incidente de resolução de deman-
das repetitivas31. Por conseguinte, o objetivo deste ensaio não é conjec-
turar se as ADIs são admissíveis ou não, mas de evidenciar as questões
normativas contestadas judicialmente entre o IRDR à luz da Constituição
Federal.
Além disso, esta parte do trabalho busca sistematizar a relação de
convergências e divergências entre as normas do Incidente de Resolu-
ção de Demandas Repetitivas à luz CPC-2015 e a Constituição Federal de
1988. Ressaltando que, este ensaio não tem a pretensão de esgotar todas

30. Notí�cias STF – AD) questiona dispositivos no código de processo civil. Disponí�vel em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=313873, aces-
so em 15 mar. 2017.
31. Notí�cias STF – AD) questiona dispositivos no código de processo civil. Disponí�vel em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=313873, aces-
so em 15 mar. 2017
182 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

as normas, contudo serão abordados as principais, que direcionarão o


leitor a produzir seu próprio juízo de valor.
Com efeito, o conceito de justiça não é unânime, na medida em que
cada um tem uma concepção de justiça32. As diversas concepções da jus-
tiça são o resultado de diferentes noções de sociedade em oposição ao
conjunto de visões opostas das necessidades e oportunidades naturais
da vida humana33.
Diante disso, o postulado da justiça social e o princípio da equidade
são, sem dúvida, as grandes normas convergentes entre o Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas e a Constituição Federal.
Por outro lado, o postulado da justiça social está intrinsecamente
ligado ao princípio da equidade, na medida em que aquele postulado
parte do princípio de que todos os indivíduos de uma sociedade tem
direitos e deveres iguais em todos os aspectos da vida social. Isso quer
dizer que todos os direitos básicos devem ser garantidos a todos34.
O artigo 5o, I da Constituição Federal, manifesta o princípio da igual-
dade, quando em seu dispositivo estabelece que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança, e à propriedade, nos seguintes termos: I- Homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição.
O princípio da igualdade consagrado pela Constituição opera em
dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio
executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medi-
das provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente
diferentes a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro
plano, na obrigatoriedade do interprete, basicamente a autoridade
pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem

32. RAWS, John. Uma Teoria da Justiça. 2a Ed. São Paulo. Editora Martins Fontes. 2002, p. 5.
33. RAWS, John. Uma Teoria da Justiça. 2a Ed. São Paulo. Editora Martins Fontes. 2002, p.
11.
34. RAWS, John. Uma Teoria da Justiça. 2a Ed. São Paulo. Editora Martins Fontes. 2002, p.
10.
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 183

estabelecimento de diferenciações em razão do sexo, religião, convic-


ção filosófica ou políticas, raça, classe social35. O intérprete/ autoridade
pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos
de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. Ressalta-se que,
em especial o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional
de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos cons-
titucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às
normas jurídicas36.
Por outro lado, o princípio da equidade é um dos pilares do Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas nos termos do artigo 976, II do
CPC-2015, visto que constitui um dos pressupostos para a sua admissão,
o risco a isonomia, nos seguintes termos: “É cabível a instauração do inci-
dente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultanea-
mente: II- risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”.
Dessa forma, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
satisfazendo ao princípio da equidade, permite que o sistema judiciá-
rio, composto por um sistema com multiplicidade de centros decisórios
(Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais), criem mecanismos
que tratem isonomicamente milhares de decisões proveniente de situ-
ações jurídicas similares. Na medida em que, por exemplo, a sociedade
não mais tolera que dois vizinhos ganhem respostas judiciárias distintas,
simplesmente porque tiveram suas ações distribuídas em varas judiciais
diferentes. Não é possível que pessoas tenham soluções diferentes para
problemas similares e as obrigam a buscar o Supremo Tribunal Federal
para que haja uma uniformização dessas questões. Assim, com o IRDR,
o princípio da equidade foi valorizado já que ao fixar uma tese jurídica
aplicável as mesmas questões, o judiciário consolida seu entendimento e

35. MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 17a Ed. São Paulo. Editora Atlas.
2005, p. 32.
36. MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 17a Ed. São Paulo. Editora Atlas. 2005,
p. 32 – Neste sentido a intensão do legislador constituinte ao prever o recurso extraor-
dinário ao Supremo Tribunal Federal (uniformização na interpretação da Constitui-
ção Federal) e o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (uniformização na
interpretação da legislação federal . Além disso sempre em respeito ao princí�pio da
igualdade, a legislação processual deverá estabelecer mecanismos de uniformização
da jurisprudência a todos os Tribunais.
184 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

possibilita o estabelecimento de padrões de conduta confiáveis aos juris-


dicionados37.
Além desses, o princípio da segurança jurídica e da coerência, são
normas pilares da convergência entre o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas e a Constituição Federal.
O princípio da segurança jurídica tem assento constitucional no pos-
tulado do Estado de Direito38, previsto no caput do artigo 1o da Consti-
tuição Federal de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, cons-
tituísse em Estado Democrático de Direito”. Não obstante, o princípio da
segurança jurídica associa-se a elementos da variada ordem ligados à
boa-fé da pessoa afetada pela medida, a confiança depositada na inalte-
rabilidade da situação e o decurso de tempo razoável39. O postulado da
coerência entre duas normas pode ser visualizada em dimensão formal
ou em dimensão substancial. A coerência formal está ligada a ideia de
não contradição; a coerência substancial, à ideia de conexão positiva de
sentido. O dever de coerência deve ser concretizado em ambas as dimen-
sões40. Além disso, na dimensão substancial, do ponto de vista externo da
coerência, os tribunais devem coerência as suas próprias decisões ante-
riores e à linha evolutiva do desenvolvimento da jurisdição. A coerên-
cia é neste sentido uma imposição do princípio da igualdade, sobretudo
quando o tribunal já tem um entendimento firmado. Não pode o tribunal
contrariar seu próprio entendimento, ressalvada, obviamente, a possibi-
lidade de sua superação41.

37. TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Editora Jus
Podivm, 2016, p. 40
38. MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitu-
cional. 9a Ed. São Paulo. Editora Atlas. 2014, p.394.
39. MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitu-
cional. 9a Ed. São Paulo. Editora Atlas. 2014, p.393
40. DIDIER Jr., Fredie. “Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres
institucionais dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da juris-
dição”. In: DIDIER Jr., Fredie et al. (Coor.). Precedentes Coleção Grandes Temas do Novo
CPC. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, v.3, pp. 383 – 397
41. DIDIER Jr., Fredie. “Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deve-
res institucionais dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 185

O princípio da segurança jurídica, assim como o da coerência, está


previsto no CPC-2015, respectivamente nos dispositivos do artigo 976,
II e caput do art. 926, no qual, o segundo descreve: “Os tribunais devem
uniformizar suas jurisprudências e mantê-la estável, íntegra e coe-
rente”.
Perceba que existe uma lógica construída no sistema jurídico do
CPC-2015, pois se de um lado estabelece o princípio da equidade para
tutelar o indivíduo, por outro, tutela-se o sistema jurídico, quando esta-
belece uma coerência nos procedimentos e uma segurança jurídica aos
legitimados.
Em um sistema jurídico em que há uma multiplicidade de centros
decisórios, a coerência torna-se fundamental, visto que cada instância
judicial é responsável por uma atribuição. De modo que, é como se cada
órgão judicial ao decidir, reforçasse um ao outro, para que, quando um
sistema é coerente, cada ponto se estabelece em termos de segurança
jurídica. Note que, o ato de suspensão dos processos repetitivos no
âmbito dos tribunais e nos juízos de primeiro grau, juntamente com a
cognição qualificada, que há uma divisão de trabalho entre instâncias,
pois a decisão final, que será executada, é na verdade uma decisão com-
plexa, porque é formada, ao mesmo tempo, pela combinação de dois
extratos de decisão: a primeira, que é a decisão tese, formada nos tribu-
nais, sobre a questão comum; somando a segunda decisão, do juízo de
cada um dos milhares de casos, que não são comuns e peculiares ao caso
repetitivo. Havendo assim, uma coerência e consequentemente, uma
segurança jurídica nas decisões judiciais.
Em oposição as normas convergentes, o princípio de acesso a jus-
tiça, prevista no artigo 5o, XXXV, da Constituição Federal: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
É, indubitavelmente, a divergência mais controvertida entre a doutrina,

jurisdição”. In: DIDIER Jr., Fredie et al. (Coor.). Precedentes Coleção Grandes Temas do
Novo CPC. Salvador: Editora JusPodivm, , v. , pp. – – E� bem conhecida a
metáfora elaborada por Dworkin, de que a construção judicial do direito é um romance
em cadeia: cada julgador escreve um capí�tulo, mas não pode deixar de dialogar com o
capí�tulo anterior, para que a história possa resultar em algo coerente. A prática jurí�dica
precisa se preocupar com o que foi feito anteriormente – linha sequencial de decisões.
186 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

quando o assunto são as normas do Incidente de Resolução de Deman-


das Repetitivas.
Para Mendes, o direito de acesso à justiça não dispensa legislação
que fixe à estrutura dos órgãos prestadores desse serviço e estabeleçam
normas processuais que viabilizem o pedido de solução de conflitos pelo
Estado42. Ou seja, é uma tutela jurisdicional que garante o acesso a justiça
a todos, nos casos de lesão ou ameaça a direito, sem necessidade de pas-
sar por uma instância intermediária ou qualquer procedimento.
No entanto, uma corrente da doutrina entende que as normas do
Incidente de Resolução de demandas Repetitivas afronta diretamente o
direito de acesso a justiça, na medida em que exclui a possibilidade de
participação direta ou indireta dos litigantes.
O incidente de resolução de demandas, nos termos em que está
posto pelo Código de Processo Civil, constitui uma técnica que nega o
direito fundamental de ação, ou seja, o direito de um dia perante a Corte,
dando origem a uma espécie de “justiça dos cidadãos sem rosto e fala”,
para a qual pouco importa saber se há participação ou, ao menos, “repre-
sentação adequada”43.
No caso, por exemplo, de um único infrator que lesa milhares ou
milhões de pessoas, como ocorre em acidentes de aeronaves ou ferro-
viários, o IRDR estimula os interesses dos violadores. Opta-se por uma
estratégia em que se nega a participação dos lesados e confere ao infra-
tor oportunidade incondicional de estar presente no único local em que
a questão será resolvida. Em outras palavras, o incidente simplesmente
prefere ignorar os lesados, dando oportunidade para o afirmado vio-
lador ou responsável participar sem ter qualquer adversário capaz de
representar aqueles que entendem que os seus direitos foram violados.

42. MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitu-
cional. 9a Ed. São Paulo. Editora Atlas. 2014, p.160 - A ordem constitucional brasileira
assegura, de forma expressa que a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário
lesão ou ameaça a direito (CF/88, art. 5o, XXXV) – Tutela jurisdicional efetiva, que ga-
rante a proteção judicial contra lesão ou ameaça a direito.
43. MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas -
Decisão de questão idêntica x Precedente. São Paulo. RT. 2016, p.43.
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 187

Diante do incidente, ao invés de se privilegiar o direito constitucional de


participar dos lesados, consagra-se a oportunidade de o infrator sempre
está presente, concentrando esforços num único local44.
Dessa forma, restringindo o direito de acesso à justiça, compromete
inevitavelmente as garantias processuais dos litigantes repetitivos. Uma
vez que, impossibilitam que sejam adequadamente representados e,
portanto, mitigam o direito de participar e de ser ouvido em juízo com o
fim de tentar influenciar o magistrado na sua tomada de decisão.
Tudo evidencia, portanto, que o legislador de modo ilegítimo e
inconstitucional preferiu instituir um incidente para a definição dos
direitos múltiplos sem que os seus titulares tivessem qualquer possibi-
lidade de participação, ainda que indiretamente mediante a representa-
ção dos entes capazes de representá-lo45.
Por fim, conclui-se que o legislador priorizou um procedimento que,
sob o pretexto de dar otimização à resolução de demandas, viola clara-
mente o direito fundamental de ser ouvido e de ser influenciador do juiz46.
Dessa forma, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
julga questões de muitos em processos de alguns. Como é óbvio, se no
Estado Democrático de Direito a participação é requisito indispensável
de legitimação do exercício do poder, não há como imaginar que uma
decisão – ato de positivação de poder estatal – possa gerar efeitos em
face de pessoas que não tiveram oportunidade de participar ou não
foram adequadamente representadas47.
Portanto, avigoramos o entendimento que o Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas possui questões polêmicas e suas normas pre-
cisam ser confrontadas com as normas constitucionais, a fim de manter

44. MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: de-


cisão de questão idêntica x Precedente. São Paulo. RT. 2016, p.45.
45. MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: de-
cisão de questão idêntica x Precedente. São Paulo. RT. 2016, p.46.
46. MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: de-
cisão de questão idêntica x precedente São Paulo. RT. 2016, p.46.
47. MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: de-
cisão de questão idêntica x precedente. São Paulo. RT. 2016, pp.47-48.
188 Marcelo Tadeu Freitas de Azevedo

uma coerência no sistema jurídico de modo que um, não impeça a atu-
ação do outro, mas pelo contrário, se complementem e interajam, para
que possam atender ao interesse público e social.

5. CONCLUSÃO
Com o objetivo de resumir os assuntos abordados no presente traba-
lho, e, principalmente, as ideias centrais, impõe-se apresentar, ao final, as
seguintes conclusões:
1. As normas estão espalhadas em todo o comportamento humano,
no entanto as seguimos, mesmo involuntariamente. Existem nor-
mas jurídicas e não jurídicas, contudo, são as normas jurídicas
que foram objeto de análise deste trabalho, sobretudo à luz de
seus conceitos e qualificações de regras e princípios. Então assim,
regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade. Ao passo que,
os princípios são normas imediatamente finalísticas, primaria-
mente prospectivas e com pretensão de complementariedade e
parcialidade. Por fim, a de se destacar os postulados que consis-
tem em condições essenciais de aplicação, sendo divididos em
hermenêuticos e aplicativos, sendo este último considerados
metanormas ou normas de segundo grau.
2. O Código de Processo Civil (CPC-2015) trouxe um instituto novo,
o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, na qual
foram estabelecido as principais normas referente a sua matéria,
sobretudo a regra de suspensão dos processos em sua origem e
a fixação de uma tese padrão a ser aplicada em todos os proces-
sos pendentes, no momento do julgamento do incidente e para os
futuros, sobre as questões em comum.
. Por fim, é estabelecido uma relação entre algumas normas do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e as normas
Constitucionais, na qual foram constatadas como convergentes:
os princípios da segurança jurídica e o postulado da justiça, assim
como o da coerência e o da segurança jurídica. Como divergên-
cia; a doutrina está dividida, entretanto, há entendimento que o
direito ao acesso a justiça encontra-se mitigado por este instituto,
As convergências e divergências entre as normas do incidente de resolução... 189

na medida em que os litigantes de massa são impedidos a ter


acesso a justiça sobre as questões repetitivas, uma vez que é sele-
cionado um processo entre os milhares para ser considerado o
paradigma e formar a decisão tese.
Ademais, este estudo sobre as normas do Incidente de Resolução
de Demandas Repetitiva pretendeu agregar valor aos conhecimentos do
instituto, à luz da Constituição Federal, a fim de criar um juízo de valor
sobre a matéria.

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