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Noções de Direito para

Segurança da Informação

Sumário

Introdução ......................................................................................................................... 3

Aula 1. Introdução ao estudo do direito ........................................................................... 3


1. 1. Fontes do direito ....................................................................................................... 5

Aula 2. Direito Constitucional .......................................................................................... 8


2.1. Supremacia da Constituição ...................................................................................... 9
2.2. Separação dos Poderes .............................................................................................. 9
2.3. Princípio da dignidade da pessoa humana ............................................................... 11
2.4. Direitos fundamentais .............................................................................................. 12

Aula 3. Introdução ao Direito Penal ............................................................................... 16


3.1. Funções precípuas do direito penal ......................................................................... 17
3.2. Princípio da legalidade ............................................................................................ 18
3.3. Princípio da culpabilidade ....................................................................................... 19
3.4. Aplicação da lei penal.............................................................................................. 19

Aula 4. Conceito de crime – Tipicidade ......................................................................... 20


4.1. Fato típico ................................................................................................................ 21

Aula 5. Conceito de crime – Antijuridicidade ................................................................ 27


5.1. Consentimento ......................................................................................................... 27
5.2. Legítima defesa ....................................................................................................... 29
5.3. Estado de necessidade ............................................................................................. 30
5.4. Estrito cumprimento do dever legal ........................................................................ 31
5.5. Exercício regular do direito ..................................................................................... 31

Aula 6. Conceito de crime – Culpabilidade.................................................................... 32


6.1. Imputabilidade ......................................................................................................... 33
6.2. Potencial consciência da ilicitude ............................................................................ 35
6.3. Exigibilidade de conduta diversa............................................................................. 35

Aula 7. Crimes em espécie ............................................................................................. 36


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7.1. Invasão de dispositivo informático .......................................................................... 37
7.2. Ciberterrorismo........................................................................................................ 41
7.3. Crimes contra a segurança nacional ........................................................................ 42
7.4. Telecomunicação clandestina .................................................................................. 43
7.5. Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático
ou de informação de utilidade pública ............................................................................ 46
7.6. Pornografia infantil .................................................................................................. 46

Aula 8. Teoria geral da prova ......................................................................................... 47


8.1. Sistema de liberdade de prova ................................................................................. 48
8.2. Sistema de avaliação da prova ................................................................................. 49
8.3. Ônus da prova .......................................................................................................... 49
8.4. Princípio do contraditório e da ampla defesa .......................................................... 50
8.5. Princípio da comunhão das provas .......................................................................... 50
8.6. Provas no Processo Penal ........................................................................................ 50
8.7. Provas no Processo Civil ......................................................................................... 54
8.8. Provas ilícitas........................................................................................................... 56

Aula 9. Perícia no processo penal ................................................................................... 59


9.1. Perito oficial ............................................................................................................ 60
9.2. Perito inoficial ......................................................................................................... 60
9.3. Assistentes técnicos ................................................................................................. 62
9.4. Perito particular ....................................................................................................... 62
9.5. Exame de corpo de delito ........................................................................................ 63
9.6. Laudo Pericial .......................................................................................................... 63

Aula 10. Perícia no processo civil .................................................................................. 64


10.1. Peritos do Juízo...................................................................................................... 65
10.2. Perito indicado pelas partes ................................................................................... 67
10.3. Assistentes técnicos ............................................................................................... 68
10.4. Perito Particular ..................................................................................................... 68
10.5. Laudo pericial ........................................................................................................ 69
10.6. Prova técnica simplificada ..................................................................................... 69
10.7. Cadeia de custódia ................................................................................................. 69

Aula 11. Marco Civil da Internet .................................................................................... 71


11.1. Pilares do Marco Civil da Internet ......................................................................... 71
11.2. Deveres dos provedores ......................................................................................... 74
11.3. Da Guarda de Registros de Conexão ..................................................................... 75
11.4. Da Guarda de Registros de Acesso a Aplicações .................................................. 76
11.5. Responsabilidade civil dos provedores por conteúdo gerado por terceiros ........... 76
11.6. Direitos autorais e o Marco Civil .......................................................................... 77

Aula 12. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ........................................................ 78


12.1. Aplicação da lei ..................................................................................................... 79
12.2. Classificação dos dados pessoais........................................................................... 80
12.3. Princípios ............................................................................................................... 80
12.4. Consentimento ....................................................................................................... 82
12.5. Hipóteses autorizadoras de tratamento de dados ................................................... 82

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12.6. Término do tratamento de dados ........................................................................... 84
12.7 Direitos do titular dos dados pessoais..................................................................... 84
12.8. Agentes de tratamento ........................................................................................... 85
12.9. Segurança dos Dados ............................................................................................. 86
12.10. Responsabilidade dos Agentes de tratamento ..................................................... 87
12.11. Das Sanções Administrativas .............................................................................. 87

Conclusão ....................................................................................................................... 88

Indicação bibliográfica ................................................................................................... 88

Introdução

A disciplina em estudo tem como objetivo apresentar a vocês noções


básicas do Direito, relacionadas à área da Segurança da Informação, que serão
importantes para a vida prática, especialmente, dos especialistas em segurança, peritos
forenses, pentesters e administradores de rede.

Em nossas aulas, abordaremos algumas noções introdutórias de direito,


o direito constitucional e o direito penal, além de estudar o direito probatório, voltado à
realização de perícia forense, tanto na área criminal como na área cível. Estudaremos,
ainda, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Essa
disciplina busca interdisciplinaridade entre a Segurança da Informação e o Direito.

Aula 1. Introdução ao estudo do direito

O Direito pode ser definido como o conjunto de normas jurídicas


voltado a possibilitar a vida em sociedade. Existem três brocardos jurídicos que podem
nos dar uma noção do que é o Direito, são eles:

a) ubi homo, ibi jus – onde está o homem, aí está o Direito;

b) ubi homo, ibi societas – onde está o homem, aí está a sociedade;

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c) ubi societas, ibi jus – onde está a sociedade, aí está o Direito.

Portanto, podemos concluir que o direito está intimamente relacionado


a vida dos cidadãos, razão pela qual, é comum dizermos que o Direito existirá enquanto
existir uma sociedade, que, por sua vez, depende da existência dos homens.

Como toda ciência, o Direito também possui um objeto sobre o qual se


debruça: a organização da sociedade, através da predeterminação das condutas do homem
no corpo social em que está inserido. Para tanto, o Direito volta-se, através de suas
normas, a premiar as condutas desejáveis e punir as indesejáveis. Deste modo, podemos
dizer que o Direito é tão amplo quanto são as interações sociais dos homens com seus
pares e com o meio em que vivem.

Ao trabalhar com esses objetos, sempre temos que ter em mente a


finalidade desta ciência, qual seja, alcançar a paz e harmonia da sociedade pela regulação
do convívio humano.

Como explicado, o Direito age através de normas jurídicas, mas o que


são normas jurídicas? São, em síntese, o conjunto de regras utilizadas pelo Direito para
determinar os comportamentos sociais desejados e indesejados. Deste modo, podem ser
entendidas como comandos/ordens, voltados às ações dos indivíduos que regulam as suas
ações e comportamentos em sociedade.

Para que tenha a efeito esperado, as normas jurídicas são caracterizadas


por serem imperativas e coercitivas. Ou seja, as normas jurídicas se impõem sem
discussão possível, devendo ser obrigatoriamente cumpridas, até mesmo com uso de
medidas punitivas ou sanções aplicadas pelo Estado.

A sanção, também entendida como pena ou punição, faz parte da


estrutura da norma jurídica. A sanção é uma consequência imposta ao indivíduo que
descumpre o comando/ordem prevista na norma jurídica. É a penalidade pela violação da
norma.

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Nesse sentido, as normas jurídicas seguem três modais: elas
determinam os comportamentos obrigatórios (necessários, indispensáveis), facultativos
(permite a escolha de fazer ou não fazer) e proibidos (não permitido, ilegal, ilícito).

Esses três modais são incomunicáveis e excludentes. Assim, tudo que é


obrigatório, não pode ser facultativo ou proibido; tudo que é proibido, não pode ser
obrigatório ou facultativos e; tudo que é facultativo, não pode ser proibido ou obrigatório.

Se a conduta é obrigatória, não a fazer atrai uma sanção; se a conduta é


facultativa, posso optar por fazê-la ou não a fazer, mas assumo as consequências da minha
decisão; já se a conduta é proibida, fazê-la atrai uma sanção.

Através desses modais, o Direito regula a sociedade, construindo os


comportamentos desejados e punindo os indesejados de acordo com os rumos que se
pretende para a sociedade, fazendo nascer os direitos, os deveres e as sanções.

1. 1. Fontes do direito

Fonte significa origem, o lugar da onde surge alguma coisa. Fonte do


direito significa o lugar da onde extraímos as normas jurídicas existentes na nossa
sociedade.

O direito trabalha com fontes pré-determinadas. O conhecimento dessas


fontes assegura a sociedade o que chamamos de segurança jurídica, que significa
previsibilidade, certeza e objetividade das regras de conduta e das sanções.

A segurança jurídica decorre do fato de que se há norma, esta será


cumprida, pelos meios e pela forma que a própria norma determina. Por exemplo, o juiz
de direito, ao decidir um caso concreto levado ao seu conhecimento, jamais poderá decidir
pautado em critérios pessoais, mas sim em conformidade e dentro dos limites da norma
jurídica.

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Feitas as devidas considerações, passaremos ao estudo das fontes do
direito, quais sejam: a) lei; b) analogia; c) costume; d) princípios; e) jurisprudência; f)
doutrina.

a) Lei:

No Brasil, a lei é a principal fonte do Direito. Pode ser conceituada


como a norma escrita pela qual são constituídos os direitos. Assim, a lei é responsável
por inovar no ordenamento jurídico. É apenas pela lei que nascem os direitos e as
obrigações, que se impõe a todos os indivíduos.

A principal característica da lei é que será sempre escrita, o que garante


a segurança jurídica em um país em constante mudanças. Isso porque todos têm o direito
de saber o que é facultativo, obrigatório ou proibido.

A grande dificuldade de um ordenamento jurídico pautado em leis


escritas está no fato de que a sociedade se encontra em constante evolução.
Eventualmente, em nossa sociedade, vão surgir situações que interessam ao direito, mas
que o legislador não previu, gerando lacunas legislativas.

Em que pese a lei possa ter lacunas, o ordenamento jurídico (que é o


conjunto de todas as fontes) não tem lacunas. Quando a resposta para eventual conflito
não estiver prevista em lei, deverá ser buscada nas demais fontes do direito, através do
processo chamado integração normativa ou colmatação normativa.

Portanto, não havendo lei, o julgador se utilizará dos métodos de


integração normativa, através da utilização das seguintes fontes do direito: a analogia, os
costumes e os princípios gerais do direito.

b) Analogia:

A analogia trabalha com a ideia de que casos parecidos devem ser


julgados de maneira semelhante. Consiste em aplicar a uma determinada hipótese não
prevista em lei norma jurídica relativa a um caso semelhante (lei, conjunto de leis, etc.).

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Por exemplo: a união estável homoafetiva não é comtemplada pela lei.
No entanto, a hipótese “união estável homoafetiva” é semelhante a hipótese “união
estável heteroafetiva”. Por essa razão, eu aplico à primeira hipótese as normas jurídicas
relativas à segunda hipótese, através da utilização da analogia.

Como ressalva, cumpre dizer que a utilização da analogia é limitada,


eis que não poderá ser utilizada em todos os casos.

Por exemplo: no Direito Penal e no Direito Tributário apenas é possível


a utilização da chamada analogia “in bonam partem”, ou seja, em casos em que a analogia
será utilizada em favor do réu (em benefício da parte). Caso a utilização da analogia traga
prejuízos ao réu, na apreciação do no Direito Penal e do Direito Tributário, não poderá
ser utilizada como método de integração normativa.

c) Costumes:

O costume é considerado uma norma jurídica que não se encontra


escrita. Surge da convicção do corpo social de que determinadas ações, que foram
consagradas pela prática reiterada na sociedade, devem ser observadas pelos seus
indivíduos com caráter de obrigatoriedade.

Ressalte-se, apenas, que os costumes que contrariam a lei (contra


legem) não são admissíveis como normas jurídicas. Isso porque o costume não tem força
para revogar a lei. Assim, jamais poderá se sobressair a lei escrita, que prevalecerá na
hipótese.

Por exemplo: ainda que seja costume em determinada localidade o uso


de substâncias ilícitas, vedado pela lei, esse costume não tornará a conduta permitida.

d) Princípios gerais do direito:

Os princípios gerais são normas jurídicas que possuem valor genérico,


sendo normas abstratas, de orientação e compreensão do ordenamento jurídico como um
todo.

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Essas normas poderão estar escritas na lei, mas também existem
independentemente da legislação, já que são ideias basilares consideradas fundamentos
do Direito, respaldadas no ideal de Justiça que se busca na nossa sociedade. Inclusive, os
princípios orientam, oferecendo base, para a elaboração da legislação em nosso país.

São exemplos de princípios gerais: “é proibido lesar terceiros”; “é


necessário dar a cada um o que é seu”; “sempre deve ser buscada a dignidade humana”;
etc.

e) Jurisprudência:

A jurisprudência é o conjunto de decisões emanadas pelos tribunais em


casos semelhantes, em que a questão levada a juízo é tratada de maneira harmônica pelos
julgadores.

As decisões emanadas de forma harmônica, ou seja, de maneira


uniforme e constante, orientam a aplicação das leis e demais normas jurídicas nos casos
concretos, sendo considerada uma das fontes do direito.

f) Doutrina:

A doutrina jurídica procede da atividade dos cientistas do Direito, que


trazem, através de seus estudos, ensinamentos que facilitam a compreensão dos conceitos
jurídicos.

Por fim, resta dizer que tais fontes (lei; analogia; costume; princípios;
jurisprudência e; doutrina) constituem o que chamamos de ordenamento jurídico, base do
estudo da ciência do Direito.

Aula 2. Direito Constitucional

A constituição é a lei fundamental do Estado, que contém normas que


determinam a organização de seus elementos essenciais/constitutivos, como: a forma do

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Estado; a forma de governo; o modo de aquisição e exercício do poder; a criação dos
órgãos do Estado; os direitos fundamentais de seus cidadãos e suas garantias.

Atualmente, a Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição


Cidadã, é a lei fundamental do Estado Brasileiro.

2.1. Supremacia da Constituição

Supremacia é a qualidade da Constituição que determina ser esta


hierarquicamente superior a todas as normas jurídicas de um Estado. Portanto, a
Constituição Federal está acima das demais normas jurídicas de um país.

Para elucidar o conceito, podemos nos utilizar da pirâmide hierárquica,


proposta por Hans Kelsen, em sua obra "Teoria Pura do Direito" (de 1934):

Constituição

Leis
Infraconstitucionais

Normas infralegais
(decretos, portaria, etc.)

Nesse sentido, todas as normas devem observar os preceitos


constitucionais, estando de acordo com a constituição, sob pena de serem consideradas
inconstitucionais, o que as torna inválidos.

2.2. Separação dos Poderes

A separação dos poderes em nosso país foi inspirada pela “teoria dos
três poderes” de Charles de Montesquieu (1689 – 1755), apresentada em sua obra “O
Espírito das Leis” (de 1748).

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A chamada separação clássica de Poderes, ou separação tripartite,
adotada em nosso país, tem por escopo melhorar a governança do Estado, pela
fragmentação do poder estatal em órgãos distintos e independentes. Isso porque, o
acúmulo de poder nas mãos de um único órgão ou governante é capaz de gerar decisões
arbitrárias e desenfreadas, como se verifica nos regimes absolutistas.

Em nosso país, temos os seguintes poderes: a) Poder Legislativo; Poder


Executivo e; Poder Judiciário.

a) Poder legislativo:

O poder legislativo está regulamentado pelos artigos 44 a 75 da


Constituição Federal, sendo o poder responsável pela elaboração das leis em nosso país e
pela fiscalização dos atos do Poder Executivo.

Este poder existe na União, nos Estados e nos Municípios

Em âmbito nacional (União) é exercido pelos deputados federais e


senadores federais, no Congresso Nacional, integrado pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado Federal. Em âmbito estadual, é exercido pelos deputados estaduais. Nos
municípios, é exercido pelos vereadores municipais.

b) Poder executivo:

O poder executivo está regulamentado nos artigos 76 a 91 da


Constituição Federal, sendo o responsável pela administração do governo, através de
decisões sobre economia, construções de bens públicos, saúde, educação, estradas, etc.

Em âmbito nacional, o chefe do poder executivo é o Presidente da


República, que é também o representante do nosso país no exterior. Nos estados, o poder
é exercido pelo Governador de Estado. Nos municípios, os chefes do executivo são os
Prefeitos municipais.

c) Poder judiciário:

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O poder judiciário está previsto nos artigos 92 a 126 da Constituição
Federal, sendo o responsável por resolver os conflitos de interesses dos cidadãos entre si
e com o Estado, sempre com fundamento nas normas e princípios estabelecidos no
ordenamento jurídico.

O poder judiciário existe apenas em âmbito nacional (federal) e em


âmbito estadual. Os municípios não possuem poder judiciário.

Este poder é exercido pelos juízes nos diversos âmbitos da Justiça


Federal e Estadual.

A divisão dos poderes tem como principal característica o sistema de


“freios e contrapesos”. Isso porque, apesar dos três poderes serem independentes, devem
agir em harmonia, em um sistema de colaboração e controle recíproco.

2.3. Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana foi eleito como fundamento


do Estado Democrático de Direito Brasileiro, previsto no artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal. É fonte de todos os direitos e garantias da pessoa em nosso país.

Para esclarecer, o ensinamento de Ingo Wolfgang Sarlet:

“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e


distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
humanos”. (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e

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Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p.62).

A dignidade da pessoa humana é um meta-princípio do nosso


ordenamento jurídico, que deve sempre ser observado na elaboração das normas jurídicas,
assim como na sua interpretação e aplicação destas, em todas as áreas do Direito.
Portanto, todos os institutos do direito devem ser lidos sob a ótica da dignidade da pessoa
humana.

Além, de um princípio, a dignidade da pessoa humana também é


também um direito do cidadão em nossa sociedade, o que garante legitimidade ao Estado
e à ordem jurídica, por consagrar que o Estado existe apenas em virtude da pessoa
humana.

No entanto, cabe ressaltar que todos os princípios do direito são


relativos e, portanto, a dignidade da pessoa humana também o é, apesar da sua inegável
importância. Porém, por ser considerado “o princípio dos princípios”, a relativização da
dignidade somente ocorrerá em casos extraordinários.

Por exemplo: nos presídios brasileiros, os presos vivem em situação que


degradam a sua dignidade. Apesar desse fato, optou-se em garantir o princípio da
segurança pública em detrimento do princípio da dignidade. Nesses casos, entende-se que
o princípio da segurança pública deve se sobressair ao da dignidade, já que envolve o
direito de toda a coletividade de ter garantia a sua paz social.

2.4. Direitos fundamentais

Os direito e garantias fundamentais são normas que visam as condições


mínimas para a vida digna da pessoa humana e para a convivência em sociedade. Eles
estão previstos nos artigos 5 ao 17 da Constituição Federal. São exemplos: a vida, a
liberdade, a igualdade, a propriedade, etc.

São muitos os direitos fundamentais previstos em nossa Constituição.


Apenas no artigo 5º temos a previsão de setenta e oito direitos fundamentais. Como os

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direitos fundamentais se irradiam por todo o ordenamento jurídico, nós estudaremos
alguns dos principais, referentes às disciplinas específicas da nossa aula, nos momentos
oportunos.

Porém, vamos tratar neste momento, para fins didáticos, de dois


princípios fundamentais, que permearão nossas próximas disciplinas.

a) Direito à liberdade de manifestação do pensamento:

De acordo com o documento “Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão” (de 1789): “A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o
próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites
senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos
direitos. Esses limites apenas podem ser determinados pela lei”.

Este conceito define o que é o direito de liberdade em sentido amplo.


Por este, a liberdade do indivíduo é o direito de fazer tudo o que quiser, sendo limitado,
apenas, pelo dever de respeitar a esfera de direitos dos outros indivíduos e pelas
delimitações previstas em lei.

Existem vários direitos relacionados a liberdade em nosso ordenamento


jurídico, como: a liberdade de consciência; a liberdade religiosa; liberdade de expressão;
liberdade de associação e reunião, entre outras.

Para as finalidades buscadas em nosso estudo, vamos estudar


especificamente sobre a liberdade de manifestação do pensamento, prevista no artigo 5º,
inciso IV, da Constituição Federal, que dispõe: “é livre a manifestação do pensamento,
sendo vedado o anonimato”.

A proteção a manifestação do pensamento abrange qualquer tipo de


comunicação, seja pessoalmente ou não, entre conhecidos e desconhecidos. Por exemplo:
em uma conversa, um discurso, um e-mail, um artigo, uma mensagem em uma rede social,
etc. A previsão constitucional é uma garantia de que nem o Estado e nem particulares
poderão realizar qualquer tipo de censura, em desrespeito a liberdade de manifestação do
pensamento.

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Porém, como todos os direitos, a liberdade é relativa. Como vimos,
nenhum direito é absoluto. Isso se dá pelo fato de que o exercício de nenhum direito
poderá servir de resguardo para violação de outros direitos fundamentais, de outros
indivíduos (como a honra, a imagem, a privacidade, etc.).

A fim de garantir que a liberdade de manifestação do pensamento não


seja meio de violação de outros direitos, a constituição traz a vedação ao anonimato
(“sendo vedado o anonimato”), como uma garantia constitucional.

Nesse sentido, esclarecedor o seguinte julgado do Supremo Tribunal


Federal, de relatoria do Ministro Celso de Mello:

(...) a proibição do anonimato tem um só propósito, qual seja, o de


permitir que o autor do escrito ou publicação possa expor-se às
consequências jurídicas derivadas de seu comportamento abusivo.
Quem manifesta o seu pensamento através da imprensa escrita ou
falada, deve começar pela sua identificação (...)” (STF – MS
24.369/DF, Rel. Celso de Mello).

Ou seja, ao vedar o anonimato, a Constituição garante que a pessoa que


abusou do seu direito de liberdade, causando danos a outrem, possa sofrer as
consequências legais de seus atos, podendo ser responsabilizada na esfera civil (com o
pagamento de indenização pelos danos causados) ou penal (quando a violação constitui
um crime, como: calúnia, injúria ou difamação; apologia de crime ou criminoso; racismo;
etc.).

b) Direito a intimidade, vida privada, honra e imagem

O direito a intimidade e a vida privada está previsto no artigo 5º, inciso


X, da Constituição Federal, que dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação”.

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O direito a intimidade e a vida privada referem-se ao direito do
indivíduo de não ter a esfera pessoal de sua vida, que mantém reservada, violada por
terceiros.

A ideia de privacidade é mais ampla do que a ideia de intimidade. A


vida privada envolve todos os relacionamentos do indivíduo, sejam comerciais, de
trabalho, de estudo, relacionadas a colegas das mais diversas esferas.

A intimidade, por sua vez, é mais restrita. Diz respeito as relações


íntimas do indivíduo, com sua família, amigos, companheiros e todas as demais pessoas
que participem de sua vida pessoal.

No que tange a honra, o Direito a divide em honra objetiva e subjetiva,


garantindo proteção a qualquer delas. A honra objetiva consiste na visão que a sociedade
tem sobre determinada pessoa. Por sua vez, a honra subjetiva consistente na visão que o
sujeito tem de si próprio.

O direito a imagem também é protegido em três vertentes: i) a imagem


social, que está relacionada a honra objetiva, ou seja, a visão da sociedade sobre o
indivíduo; ii) a imagem-retrato ou imagem física, capturada através de fotografias, vídeos,
pinturas, etc.; iii) a imagem autoral, referente ao autor de obras coletivas.

Quando houver a violação de qualquer desses direitos, a Constituição


garante em seu texto que a pessoa seja indenizada tanto por danos materiais, quanto pelos
danos morais decorrentes da violação.

Por fim, devemos lembrar que nenhum desses direitos é absoluto,


existindo hipóteses legais em que será possível a sua violação, como por exemplo: a
interceptação telefônica, quebra do sigilo bancário, fiscal, o interesse público, etc.

Agora que já vimos as principais questões de direito constitucional para


a nossa disciplina, vamos passar para o estudo do ramo do direito penal.

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Aula 3. Introdução ao Direito Penal

O Direito Penal pode ser definido como o conjunto de normas jurídicas


que regulam o crime e suas consequências, trazendo quais condutas são consideradas
criminosas e quais as penalidades que serão aplicadas aos indivíduos que perpetrem tais
condutas.

Este ramo do direito é voltado apenas à proteção dos bens mais caros à
sociedade (por exemplo: vida, honra, liberdade, patrimônio, etc.). Para que a conduta
mereça apreciação penal, é importante que a sua concretização traga grave exposição a
perigo do bem jurídico tutelado.

Ademais, a conduta somente deverá ser apreciada pelo Direito penal


quando a proteção oferecida por outros ramos do Direito não for suficiente para inibir a
sua prática, eis que a sua proteção deverá sempre ser subsidiária. Este é o chamado caráter
fragmentário do Direito penal.

Isso se dá pelo fato de que este ramo do Direito traz as sanções mais
severas do ordenamento jurídico, eis que a consequência da prática de crimes, além da
fixação de um estigma social, é a privação da liberdade do indivíduo.

Dessa forma, a aplicação de penas criminais somente se justifica


quando for indispensável para a ordenada vida em sociedade.

Em nosso ordenamento jurídico, a maior parte das condutas criminosas


estão previstas no Código Penal Brasileiro. No entanto, existem outras leis que também
criminalizam condutas, como, por exemplo: Lei de tóxicos, Código de Trânsito
Brasileiro, etc.

O atual Código Penal Brasileiro é datado de 1940 (Decreto-Lei de


2.848/40). Em que pese se tratar de uma lei antiga, o código foi alterado diversas vezes
ao decorrer dos anos, com a inclusão de novos crimes, o que garante a atualização de seus
dispositivos.

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Ressalte-se que, de acordo com o artigo 22, inciso I, da Constituição
Federal, somente a União tem competência para legislar sobre Direito Penal, ou seja, para
criminalizar condutas.

Apenas excepcionalmente lei estadual ou distrital (do Distrito Federal)


poderá tratar sobre questões específicas de Direito Penal, nos termos do artigo 22,
parágrafo único, da Constituição Federal. Nesses casos, deverá haver permissão pela
União, que somente poderá ser oferecida por meio de lei complementar.

3.1. Funções precípuas do direito penal

A função primordial do Direito penal é a repressão das práticas


consideradas criminosas pela sociedade. Nesse sentido, o Direito penal busca a prevenção
de crime e a diminuição da violência social.

As normas penais, em um primeiro momento, visam evitar a prática do


crime, por meio da ameaça da pena. Ou seja, o Direito penal diz ao cidadão que se ele
praticar determinada conduta, ele sofrerá uma sanção. Dessa forma, espera-se que o
indivíduo se abstenha de realizar a conduta, a fim de evitar a penalidade.

No entanto, caso o indivíduo, ciente das consequências, escolha realizar


a conduta criminosa, o direito penal garantirá a repressão da conduta pela efetiva
imposição da sanção penal. A partir desse momento, a repressão passa a atingir outros
sujeitos da sociedade, que tendo ciência da punição, estarão menos propensos a prática
do mesmo fato.

Por fim, importante dizer que em nosso país o Estado é o único detentor
do direito/dever de punir (ius puniendi), que se manifesta: na criação da norma penal e
sua imposição a todos os indivíduos; no poder-dever de exigir que o infrator sofra as
penalidades da lei, já que em nossa sociedade não é autorizada a chamada “vingança
privada”.

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3.2. Princípio da legalidade

O princípio da legalidade tem força constitucional pautada no artigo 5º


da Constituição Federal, que determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Este princípio, previsto no artigo 1º do Código Penal, estabelece que


não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (nullum
crimen, nulla poena sine praevia lege).

O princípio trabalha com a delimitação do espaço de liberdade do


cidadão, eis que a previsão de condutas criminosas, através de leis escritas, garante a
ciência do indivíduo de até onde pode agir, antes de incorrer em uma prática criminosa.

Além disso, ele tem a função de limitar a atuação do poder estatal, como
uma forma de proteção do cidadão contra os desmandos/excessos do Estado. Isso se dá
pelo fato de que o Estado somente poderá cobrar do cidadão que se abstenha de realizar
as condutas previamente criminalizadas pela lei, podendo apenas aplicar as sanções nela
previstas.

Podemos citar como algumas das regras deste princípio:

a) A anterioridade da lei penal: que traz que apenas a conduta


anteriormente definida em lei como infração penal pode ser punida.

b) A reserva legal: que informa que apenas lei em sentido estrito pode
legislar matéria penal, ou seja, decretos, medidas provisórias, regulamento, não podem
ser utilizados para criminalizar condutas.

c) A taxatividade: a conduta proibida é apenas aquela descrita na lei,


por meio dos tipos penais.

d) A legalidade da pena: apenas aquela pena previamente prevista em


lei pode ser aplicada ao fato criminoso. Ou seja, não é possível inovar na pena, ou
aumentar/diminuir os limites previstos diante de um caso concreto.

18
3.3. Princípio da culpabilidade

Pelo princípio da culpabilidade somente há possibilidade da prática de


crimes de forma culposa ou dolosa (nullum crime sine culpa). Ou seja, se não houver dolo
ou culpa na conduta do indivíduo, não haverá crime.

Entende-se por dolo a intenção de agir, com a vontade de se atingir o


resultado criminoso, ou mesmo, apenas assumindo o risco de produzi-lo. Ou seja, nos
crimes dolosos, o agente “quer” o resultado ou “assume o risco” do resultado.

Já o crime culposo ocorrer quando o indivíduo praticou a conduta


considerada criminosa sem a intenção de produzir os resultados. Existem apenas três
modalidades de culpa, que geram a responsabilização criminal: a) imprudência,
consistente na ação descuidada do agente que causa o crime; b) negligência, quando a
abstenção de um comportamento que era devido dá origem ao crime; c) imperícia:
consistente na demonstração de inaptidão técnica do indivíduo no exercício de profissão
ou atividade.

A possibilidade da prática de crimes na modalidade culposa é exceção


em nosso ordenamento jurídico. Dessa forma, apenas quando a lei expressamente diz que
determinado fato poderá ser punido na modalidade culposa é que haverá punição da
conduta.

3.4. Aplicação da lei penal

No que tange a aplicação da lei penal, nos importa o estudo de três


conceitos:

O primeiro está relacionado ao tempo do crime, ou seja, ao momento


em que o crime é considerado perpetrado. Para a verificação deste momento, o Direito
adota a “Teoria da Atividade”, pela qual considera-se tempo do crime o momento da
ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

19
Por exemplo: A atira em B, com a finalidade de matá-lo. B vem a falecer
dias depois em virtude do ferimento causado pelo tiro. Em que pese o resultado ter
ocorrido dias depois, é considerado como tempo do crime o momento em que houve a
ação, ou seja, o momento em que A atirou.

O segundo conceito trata do chamado lugar do crime, ou seja, o lugar


em que se considera que o crime ocorreu. Para definição do local, o direito adota a teoria
da ubiquidade, pela qual lugar do crime é tanto aquele em que houve a ação ou omissão
quanto o local em que se verificou o resultado.

Por exemplo: em crimes à distância através da internet. A realiza um


estelionato em um país estrangeiro, visando vítima localizada no Brasil. Ainda que a ação
ocorra em outro país, se o resultado do crime ocorrer em território nacional, serão
considerados locais do crime tanto o país estrangeiro, quanto o Brasil, podendo ser o
crime processado em qualquer dos locais.

O terceiro conceito está relacionado a territorialidade da lei penal, em


que se adota a teoria temperada. Por esta, a regra é que a lei penal brasileira será aplicada
a todos os crimes cometidos no território nacional. Porém, excepcionalmente, tratados e
convenções internacionais (leis estrangeiras), aos quais o Estado Brasileiro tenha anuído,
serão aplicados aos delitos cometidos, total ou parcialmente, em território nacional.

A importância de conhecer estes três conceitos reside na necessidade de


verificar qual a lei a ser aplicada ao caso concreto, observado o princípio da legalidade.

Aula 4. Conceito de crime – Tipicidade

Para saber o que é considerado um crime para o Direito, necessário


conhecer o conceito analítico de crime.

De acordo com este conceito, o Direito penal divide o crime em três


estruturas, que formam o caminho a ser percorrido pelo operador para concluir se a
conduta foi ou não criminosa.
20
De acordo com a concepção tripartite de crime, este é composto pela
tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, sendo um fato típico, antijurídico e culpável:

CRIME Típico Antijurídico Culpável


(fato)

Ressalvo, no que tange ao requisito culpabilidade, que parte da doutrina


ente que este fator implica apenas na possibilidade ou não de imposição de uma pena, não
integrando o conceito de crime, que seria apenas um fato típico e antijurídico.

No entanto, a concepção tripartite que será apresentada nesta disciplina,


considera a culpabilidade como elemento integrante da estrutura do crime, sendo dessa
forma aqui estudada.

4.1. Fato típico

A análise da existência de um fato típico é o primeiro passo a ser


percorrido para verificação do crime.

O fato típico é composto por quatro estruturas: a) conduta; b) resultado;


c) nexo de causalidade e; d) tipicidade.

Conduta Nexo de
humana causalidade Resultado Tipicidade

Passaremos ao estudo de cada uma dessas estruturas.

a) Conduta humana:

21
Considera-se conduta toda ação humana, positiva (em forma de ação)
ou negativa (em forma de omissão), consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade.

O estado de consciência pode ser entendido como o pleno acesso pelo


indivíduo ao reino dos sentidos, ou seja, a possibilidade de percepção dos fatores externos
através de processos mentais. Consciente é o indivíduo que se encontra desperto e com
capacidade de discernimento das ações que está praticando.

A ação ou omissão realizada de forma inconsciente não é considerada


conduta para o Direito, para fins de análise criminal. Por exemplo: alguns estudos
consideram que no estado de sonambulismo e de hipnose o indivíduo não tem consciência
de sua ação. Nesses exemplos, para fins de constatação de crime, é possível dizer que se
não houve ação consciente, não houve conduta.

Além de consciente, a ação também deverá ser voluntária, ou seja,


dotada de vontade por parte do indivíduo, que deve a querer, ou escolher livremente
praticá-la.

Nesse sentido, existem três hipóteses reconhecidas pelo Direito capazes


de afastar a vontade do agente: a) coação física irresistível, consistente na força física
exercida por terceiro que obriga o indivíduo a prática de crime (ex. segura a mão do
sujeito com força e agride terceiro); b) força irresistível da natureza, consistente na força
exercida pelos elementos naturais (chuvas, ventos, etc.) (ex. pessoa levada por enxurrada
que acaba ferindo terceiro); c) ato reflexo, que é a ação causada pelo mecanismo de
estímulo e resposta do sistema nervoso (ex. movimento da perna causado pelo choque na
articulação).

Ausente qualquer desses elementos: ação ou omissão; consciência e;


vontade dirigida a uma finalidade; não há o que se falar na ocorrência de conduta humana.

b) Resultado:

Para o direito, o resultado pode ser divido em resultado jurídico e


resultado naturalístico.

22
O resultado jurídico é conceituado como a lesão ou exposição ao perigo
de lesão de qualquer bem jurídico tutelado pelo Direito penal (como a lesão ou exposição
a perigo da vida, incolumidade física, patrimônio, etc.). Nesse sentido, a prática de
qualquer dos crimes previstos no nosso ordenamento jurídico é dotada de resultado
jurídico, eis que a conduta humana voltada a ofensa de bem jurídico tutelado já é capaz
de produzir tal resultado.

Já o resultado naturalístico é a alteração do mundo físico ocasionada


pela conduta. Por exemplo: no crime de dano (artigo 163 do Código Penal: "Destruir,
inutilizar ou deteriorar coisa alheia") ocorre a efetiva destruição, inutilização ou
deterioração do bem protegido, havendo alteração no mundo físico, perceptível pelos
sentidos.

Com relação ao resultado, os crimes são divididos em crimes materiais;


crimes formais e; crimes de mera conduta.

Os crimes materiais são aqueles que apenas se consumam mediante a


produção do resultado naturalístico (com a alteração no mundo físico). Por exemplo: o
homicídio se consuma apenas com a morte; o dano se consuma apenas com a destruição,
inutilização ou deterioração. Caso não se verifique o resultado, o crime poderá ser punido
apenas na sua modalidade tentada.

Os crimes formais, por sua vez, são aqueles em que o resultado


naturalístico é prescindível (dispensável) para a consumação. Por exemplo, o crime de
extorsão se consuma com constrangimento da vítima, mediante violência ou grave
ameaça, voltado a obter indevida vantagem econômica, mesmo que tal vantagem não seja
alcançada.

Por fim, os crimes de mera conduta são aqueles em que o tipo penal
sequer traz descrição de resultado naturalístico. Por exemplo, no crime de porte ilegal de
arma (art. 14 da lei 10.826/2003) não há a previsão de um resultado naturalístico, com o
simples porte ilegal o crime já se considera consumado.

c) Nexo de causalidade:

23
O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito, entre conduta e
resultado, ou seja, é o elo que deve existir entre os dois elementos acima estudados. Se
não é possível verificar a relação causal entre conduta e resultado, este não pode ser
atribuído àquela.

Conduta Nexo de
causalidade Resultado
humana

Para a verificação do nexo de causalidade, o Direito trabalha com a


teoria da equivalência dos antecedentes, pela qual causa é toda conduta anterior que
contribui para a produção do resultado.

Ocorre que esta teoria apresenta um problema de ordem técnica, por ser
muito abrangente, já que se não houver um limite do alcance dessa ideia existe a
possibilidade de regresso ao infinito (regressus ad infinitum).

Por exemplo: se causa é tudo aquilo que contribui para o resultado,


posso considerar como causa do homicídio a concepção do homicida, já que se ele não
tivesse nascido, o crime não teria acontecido. Dessa forma, eu posso considerar que entre
conduta dos pais do homicida, de ter gerado o filho, e o resultado morte, há nexo de
causalidade.

Para resolver este problema, o Direito trabalha com alguns limitadores


da teoria, considerando que o nexo de causalidade somente poderá ser verificado quando:
a) houver existência de dolo (intenção) ou culpa (imperícia, imprudência e negligência)
na causa e; b) o fato que deu causa ao evento danoso for proibido pela norma penal. No
exemplo anterior, o fato “gerar um filho” não é proibido pela norma, sendo afastado o
nexo de causalidade.

d) Tipicidade:

24
A tipicidade é o elemento do fato típico que traduz a perfeita adequação
entre o fato concreto (ação) e o tipo penal incriminador, que é o molde de conduta proibida
previsto nas leis penais.

Por exemplo: o tipo penal do crime de ameaça está previsto no artigo


do Código Penal, da seguinte forma:

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer


outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Este é o molde da conduta proibida de ameaça. Cada tipo penal é um


modelo de uma conduta abstrata, que poderá ser concretizada na prática pelos agentes
criminosos. Os tipos penais são formados por elementos, quais sejam:

Elementos Elementos Elemento


Tipo penal Circunstâncias
objetivos normativos subjetivo

Os elementos objetivos são aqueles descritivos, que se referem ao


aspecto material do fato. Por exemplo: verbo (núcleo do tipo); objeto; lugar; tempo; meios
empregados, etc.

Os elementos normativos são aqueles que o significado depende de um


juízo de valoração (jurídica, social, cultural, etc.). Por exemplo: dignidade; decoro; sem
justa causa; indevidamente; documento; ato obsceno, etc.

Os elementos subjetivos são aqueles que pertencem ao campo psíquico


do agente do crime. Por exemplo: dolo; culpa; especial fim de agir, etc.

25
Já as circunstâncias são causas as causas que podem aumentar ou
reduzir a pena, não estando presentes em todos os tipos penais.

Para a efetiva ocorrência do crime é necessário que todos os elementos


do crime sejam preenchidos, havendo o que chamamos de adequação típica, que é o
enquadramento da conduta humana ao tipo penal incriminador.

Por exemplo: são elementos do crime de ameaça (“ameaçar alguém,


por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal
injusto e grave”):

✓ Núcleo: verbo ameaçar.


✓ Elementos objetivos: alguém, por palavra, escrito ou gesto.
✓ Elementos normativos: qualquer meio simbólico, mal injusto e
grave.
✓ Elemento subjetivo: dolo.
✓ Circunstâncias: não há.

Para verificar a prática do crime de ameaça eu processo


necessariamente que haja a ameaça a alguém, que seja realizada por palavra, escrito ou
gesto, ou qualquer outro meio simbólico, e que seja voltada a promessa de causar-lhe
mal injusto e grave. Faltando qualquer desses elementos, não se verifica na prática o
crime de ameaça. Por exemplo: “vou buscar meus direitos” “vou te levar à justiça”, não
são ameaças, pois não é injusto acionar a justiça para discussão de controvérsia.

Em conclusão, estes são os quatro elementos do fato típico:

a) Conduta
b) Resultado
c) Nexo Causal
d) Tipicidade

A consequência da ausência de qualquer desses elementos do fato típico


é que a ação realizada será considerada ATÍPICA e conduta atípica NÃO CONFIGURA
CRIME.

26
Aula 5. Conceito de crime – Antijuridicidade

A antijuridicidade, também chamada de ilicitude, é o segundo passo a


ser percorrido para a verificação do crime.

CRIME Típico Antijurídico Culpável


(fato)

A antijuridicidade é a contrariedade da ação com o “todo” do


ordenamento jurídico. Este elemento permite a confirmação (ou não) da proibição da
conduta, através de um juízo de negativo de ilicitude.

Nesse sentido, após a análise da conduta, se não existirem causas que


excluam a antijuridicidade, a conclusão é que o fato realmente é proibido. Porém, se
presente qualquer das causas que excluem a antijuridicidade, o fato não será considerado
ser proibido, sendo tolerado pelo ordenamento jurídico.

Assim, existirão situações em que teremos um fato típico, mas esse fato
não será considerado um crime, porque ele não será antijurídico.

Para a realização dessa análise, estudaremos as causas excludentes da


antijuridicidade, quais sejam:

a) Consentimento;
b) Legítima defesa;
c) Estado de necessidade;
d) Estrito cumprimento do dever legal;
e) Exercício regular de direito.

5.1. Consentimento

27
Em alguns casos, o consentimento da pessoa poderá ser considerado
como uma causa de exclusão da antijuridicidade.

Por exemplo: O meu patrimônio é um bem jurídico protegido pelo


Direito penal. No entanto, eu possuo a disponibilidade desse bem. Tanto, que eu posso
dar o meu consentimento a uma pessoa para que destrua um bem que eu possua (televisão,
carro, notebook, etc.). Em tese, a conduta de “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa
alheia” configura o crime de dano. Então, em tese, quando essa pessoa destrói o meu
bem, ela estará praticando o crime de dano.

Ocorre que, nesse caso, o consentimento, aliado à disponibilidade do


meu bem, afasta a proibição do fato, gerando assim uma causa excludente de
ilicitude/antijuridicidade.

O consentimento do ofendido, nesses casos, é uma causa extralegal de


exclusão. Ou seja, não está escrito no Código Penal, mas é aceito pela doutrina e
jurisprudência.

Mas vejam bem, não são em todos os casos que o consentimento será
considerado como causa capaz de excluir a ilicitude. Para que o consentimento seja válido
ele deve observar alguns requisitos:

a) que não haja dúvida sobre a disponibilidade do bem;


b) que o bem seja exclusivamente daquele de oferece o
consentimento;
c) que o consentimento seja dado de forma livre e inequívoca;
d) que a pessoa que consentiu seja legalmente capaz.

Ressalte-se, apenas, que a hipótese de consentimento como causa de


exclusão de antijuridicidade não se confunde com as hipóteses em que o consentimento
do ofendido integra o tipo penal.

Por exemplo, no crime de invasão de dispositivo informático, previsto


no artigo 154-A do Código Penal:

28
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à
rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de
segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou
informações sem autorização expressa ou tácita do titular do
dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Nesse caso, o consentimento é causa de exclusão de tipicidade, eis que


se houver o consentimento eu não vou preencher todos os elementos do fato típico, sendo
que a conduta será considerada atípica já na análise do fato típico, sem a necessidade de
se realizar um juízo de antijuridicidade.

5.2. Legítima defesa

A legitima defesa está prevista no artigo 25 do Código Penal, que traz:

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente


dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a
direito seu ou de outrem.

De acordo com o dispositivo, para que seja verificada a ocorrência de


legítima defesa, é preciso verificar a existência de cinco requisitos:

1) Injusta agressão, que é a conduta humana ofensiva, proibida pelo


ordenamento jurídico;
2) Atual ou iminente, que é a agressão que está ocorrendo ou está na
iminência de ocorrer;
3) A direito seu ou de outrem, ou seja, a bem jurídico tutelado pelo
direito penal, independentemente da titularidade;
4) Pelo uso do meio necessário, sendo este o meio disponível menos
lesivo capaz de afastar a agressão;
5) De forma moderada, que é o emprego do meio escolhido da forma
menos lesiva possível, já que al lei não permite a reação
desenfreada.

29
Além da presença desses cinco requisitos legais, para a configuração da
legítima defesa, é necessário também que seja realizado um juízo de proporcionalidade,
que é o juízo valorativo de ponderação entre o bem jurídico injustamente agredido e
aquele atingido pela defesa.

O juízo de proporcionalidade nos traz que não é possível que para a


proteção de um bem jurídico de menor valor (por exemplo, o patrimônio), seja atingido
bem jurídico de maior valor (por exemplo, a vida do agressor).

Caso seja verificado que o bem agredido possui valor jurídico maior
que o bem protegido, a legítima defesa não será aplicada, com havendo a exclusão da
ilicitude.

5.3. Estado de necessidade

O estado de necessidade está previsto no artigo 24 do Código Penal,


que traz:

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato


para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem
podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício,
nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

A autorização do estado de necessidade decorre do fato de que nem


sempre é possível resguardar todos os bens jurídicos ao mesmo tempo, existindo situações
em que será necessário o sacrifício de alguns em detrimento de outros.

Do conceito legal, podemos extrair os seguintes requisitos:

1) Existência de dois bens jurídicos expostos à perigo, quando a


preservação de um depender da violação do outro;
2) Existência de perigo atual, ou seja, a verificação de que se não for
realizada a ação ocorrerá um dano que é iminente;

30
3) A situação de perigo não pode ter sido causada pelo agente, a fim
de evitar a utilização do instituto com o fim de legitimar a ofensa a
bens alheios;
4) O sacrifício deve ser inevitável, se houver outra forma de afastar o
perigo atual que não o sacrifício, esta outra forma deverá ser
adotada;
5) O sacrifício deve ser razoável, sendo considerado razoável o
sacrifício de um bem apenas para salvar outro de maior ou igual
valor.

Podemos citar como exemplos de estado de necessidade: um náufrago


que afoga outro para garantir a sua sobrevivência, eis que há apenas uma a única boia; o
motorista que dirige observando as regras de trânsito, que para desviar de pedestre que se
joga na frente do carro, atinge carro estacionado, etc.

5.4. Estrito cumprimento do dever legal

O estrito cumprimento do dever legal é a hipótese em que o agente


realiza um fato típico (descrito na lei como crime), por força de uma obrigação imposta
pela lei. Esta excludente de antijuridicidade alcança apenas os agentes públicos e os
particulares em exercício da função pública.

Por exemplo: a realização de prisão em flagrante, em tese, pode


configurar os crimes de lesão, sequestro, etc.; o cumprimento de mandado de busca e
apreensão, em tese, pode configurar o crime de invasão de domicílio, furto, etc.

Porém, como a lei exige desses agentes tais condutas, elas não serão
consideradas ilícitas. Ressalte-se, porém, que os excessos verificados no estrito
cumprimento de dever legal podem configurar o crime de abuso de autoridade, dentre
outros delitos.

5.5. Exercício regular do direito

31
Em nossa primeira aula aprendemos que o direito trabalha com modais
de normas de conduta, e que um modal exclui o outro. Aqui nós temos um claro exemplo
dessa situação.

O exercício do direito consiste na prática de uma conduta, em tese,


caracterizada como um fato típico (crime), mas que também consiste no exercício de uma
prerrogativa conferida pela própria norma jurídica, ou seja, uma conduta autorizada pelo
Direito.

Por exemplo: a prática de esportes de contato, em que a lesão corporal


integra o esporte, como é o caso do boxe; a cirurgia estética, que ofende a integridade
corporal; etc.

Em todos os casos estudados, a consequência da existência de qualquer


das causas excludentes de ilicitude (consentimento; legítima defesa; estado de
necessidade; estrito cumprimento do dever legal; exercício regular de direito) é que a
conduta será considerada LÍCITA e conduta lícita NÃO CONFIGURA CRIME.

Aula 6. Conceito de crime – Culpabilidade

A culpabilidade é o terceiro passo a ser percorrido para a verificação do


crime.

CRIME Típico Antijurídico Culpável


(fato)

A ideia de culpabilidade está relacionada à reprovabilidade da conduta


do indivíduo que era livre para agir, poderia e deveria ter agido de acordo com a norma
jurídica. Dessa forma a culpabilidade está relacionada a ideia de livre-arbítrio do
indivíduo, que se utiliza de sua liberdade para pratica do fato criminoso.

32
A culpabilidade será afastada apenas quando não for exigível do sujeito,
no caso concreto, que aja conforme o direito ou, ainda, quando verificada a existência de
circunstâncias capazes influenciar na liberdade do agente.

Para verificar a existência dessas causas, devemos fazer o juízo de


culpabilidade, através da análise dos seguintes requisitos:

a) Imputabilidade;
b) Potencial consciência da ilicitude;
c) Exigibilidade de conduta diversa.

Portanto, poderá ser considerado culpável apenas o indivíduo que é


imputável, tem potencial consciência da ilicitude, e de quem é exigível, na situação dada,
conduta diversa. Faltando qualquer um dos requisitos, não haverá reprovabilidade pessoal
e o sujeito não pode ser considerado culpável.

6.1. Imputabilidade

Imputabilidade é a capacidade do indivíduo (condições físicas,


psicológicas, morais e mentais) de entender o caráter ilícito do fato (entender que aquela
conduta é criminosa) e determinar-se de acordo com esse entendimento. Ou seja, é a
capacidade de intelecção sobre o significado da conduta, somada ao comando da própria
vontade.

Ao agente imputável podemos atribuir culpabilidade. Já ao agente


inimputável, não podemos atribuir culpabilidade, ou seja, ele não poderá ser penalmente
responsabilizado pelas suas ações.

Em nosso país, são três as causas que excluem a imputabilidade:

1) Doença mental;
2) Desenvolvimento mental incompleto;
3) Desenvolvimento mental retardado.

33
A doença mental é a perturbação psíquica que afeta a capacidade do
indivíduo de entender o caráter criminoso de sua ação ou, afeta a capacidade desse de
comandar a própria vontade. Por exemplo: a esquizofrenia, a paranoia, a psicose, a
psicopatia, a dependência patológica de substância psicotrópica, etc.

Para a comprovação, é necessária a realização de exame pericial para


comprovar a existência de doença mental e comprovar que o agente não tinha, ao tempo
da ação ou omissão, condições de compreender o caráter ilícito da ação e de portar-se de
acordo o entendimento.

O desenvolvimento mental incompleto refere-se a recente idade


cronológica do indivíduo, assim como a falta de convivência em sociedade, capazes de
gerar imaturidade mental e emocional. Por exemplo: o menor de 18 anos e os indígenas
inadaptados à sociedade.

Com relação a menoridade penal, existe a presunção absoluta da


inimputabilidade dos indivíduos menores de 18 anos, não sendo necessária a realização
de laudo a fim de demonstrar o seu desenvolvimento mental incompleto. Em caso de
verificação da prática de ato infracional, estes serão submetidos às medidas
socioeducativas do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

No caso dos indígenas, será realizado laudo antropológico que de conta


da demonstração do desenvolvimento mental incompleto pela falta de convivência em
sociedade.

O desenvolvimento mental retardado é aquele incompatível com a faixa


cronológica do indivíduo, nos casos em que a plena potencialidade do sujeito jamais será
atingida. Por exemplo: os oligofrênicos.

Neste caso, também será necessária a realização de exame pericial para


comprovar a existência de desenvolvimento mental incompleto e comprovar que o agente
não tinha, ao tempo da ação ou omissão, condições de compreender o caráter ilícito da
ação e de portar-se de acordo o entendimento.

34
6.2. Potencial consciência da ilicitude

A potencial consciência da ilicitude consiste na possibilidade da pessoa


de ter conhecimento do caráter injusto do fato, no momento da ação ou omissão (da
conduta).

Ressalte-se, a regra é que o desconhecimento da lei é inescusável. No


entanto, é possível afastar a potencial consciência da ilicitude, em apenas um caso
específico, em que se verifica que o agente não conhecia o caráter criminoso da ação e
não tinha qualquer possibilidade de conhecê-lo, pelas circunstâncias específicas em que
se encontrava (meio social, tradições e costumes locais, nível intelectual, etc.).

A única circunstância capaz de afastar a potencial consciência da


ilicitude é o erro de proibição inevitável, consistente na inevitável percepção
equivocada acerca do que é proibido pela norma jurídica.

Se o erro for evitável, ou seja, se o indivíduo não conhecia o caráter


criminoso do fato, mas pelas suas condições (meio social, tradições e costumes locais,
nível intelectual, etc.) poderia conhecê-lo, ele era dotado de uma potencial consciência,
pois lhe era acessível a informação.

Apenas o erro inevitável é capaz de afastar a culpabilidade. Por


exemplo: uma pessoa idosa que vive no meio rural desde a infância, isolada do convívio
em sociedade, nunca alfabetizada, sem acesso a rádio, televisão, internet ou meios de
informação, que derruba árvore em seu terreno, protegida pela lei ambiental.

Se for provado que este senhor, diante dessas circunstâncias, não


conhecia o caráter criminoso da ação e não tinha qualquer possibilidade de conhecê-lo, a
sua culpabilidade será afastada, pois o erro de proibição foi inevitável.

6.3. Exigibilidade de conduta diversa

A exigibilidade de conduta diversa resida na expectativa da sociedade


de que alguém tenha atitude diferente da foi adotado pelo agente do fato criminoso.

35
Em situação de normalidade, espera-se sempre do indivíduo que ele aja
conforme a lei. Porém, existem situações excepcionais em que não é exigível do agente
que atue dentro dos parâmetros de legalidade.

Existem duas hipóteses legais que afastam a exigibilidade de conduta


diversa:

a) Coação moral irresistível;


b) Obediência hierárquica.

A coação moral irresistível é a hipótese em que o agente é coagido a


prática do crime por ameaça que afasta vicia a sua liberdade na tomada de decisão. Por
exemplo: B toma por refém o filho de A e ordena que A assalte uma loja, se quiser que
seu filho permaneça vivo. A poderá resistir a coação moral de B, porém, não é exigível
que enfrente a ameaça de morte do seu filho. Neste caso, ficará afastada a culpabilidade
do agente.

A obediência hierárquica é a hipótese em que um funcionário público


obedece a ordem não manifestamente ilegal de seu superior hierárquico, vindo a incorrer
na prática de um fato criminoso. Se não pairava dúvidas, a princípio, sobre a legalidade
da ordem, o funcionário público não poderá ser responsabilizado, sendo afastada a sua
culpabilidade.

Por fim, a consequência da existência de qualquer das causas


excludentes de culpabilidade (inimputabilidade; ausência de potencial consciência da
ilicitude e; inexigibilidade de conduta diversa) é que a conduta não será CULPÁVEL e,
pela concepção tripartite, não haverá crime.

Aula 7. Crimes em espécie

Realizado o estudo introdutório do Direito penal, passamos à


apreciação de algumas das condutas consideradas criminosas em nosso ordenamento
penal.
36
Os crimes estudados em nossa disciplina são alguns dos que guardam
relação com a área de segurança da informação, sendo que a análise minuciosa dos
referidos dispositivos foi realizada em aula. Neste momento, a fim de facilitar o estudo,
cabe apontar os crimes estudados, apenas para fins didáticos.

7.1. Invasão de dispositivo informático

O crime de invasão de dispositivo informático está previsto no Código


Penal, no artigo 154-A e seus parágrafos.

O caput do artigo criminaliza a conduta:

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à


rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de
segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou
informações sem autorização expressa ou tácita do titular do
dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Portanto, para a prática do crime é necessário que ocorra a invasão do


dispositivo informático, através da violação indevida de um mecanismo de segurança,
que deve necessariamente existir para a concretização do crime. Para a lei, independe se
o disposto está ou não conectado à rede de computadores.

Ainda, existe a previsão de um especial fim de agir no tipo penal, qual


seja: a finalidade de (1) obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização
expressa ou tácita do titular do dispositivo (2) ou instalar vulnerabilidades para obter
vantagem ilícita.

A pena prevista para o crime previsto no caput é de detenção, de 3 (três)


meses a 1 (um) ano, além de multa.

O parágrafo primeiro do artigo criminaliza a conduta de:

37
§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou
difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de
permitir a prática da conduta definida no caput.

Ressalte-se que neste dispositivo existe uma finalidade específica, qual


seja: permitir a prática da conduta definida no caput. Se as ações (produzir, oferecer,
distribuir, vender ou difundir) não tiverem essa finalidade, não haverá a adequação típica
do fato à norma, sendo afastada a prática do crime.

A penas será a mesma do caput, de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um)


ano, além de multa.

Já o parágrafo segundo traz:

§ 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta


prejuízo econômico.

Este parágrafo traz uma circunstância agravante para a conduta


prevista no caput, majorando a pena a ser aplicada, aumentando-se de um sexto a um
terço a pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

O parágrafo terceiro do artigo dispõe:

§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações


eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações
sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado
do dispositivo invadido:

A invasão para (1) obter conteúdo de comunicações eletrônicas


privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em
lei, (2) ou para obter o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, é
considerada mais grave do que a descrita no caput, o que justifica a pena mais gravosa,
de reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além de multa, prevista para esse crime.

Sobre as informações sigilosas, estas foram definidas pela Lei


12.527/2011, em seu artigo 3º, inciso III e artigo 25 e incisos, nos seguintes termos:
38
Art. 3º, inc. III. Informação sigilosa: aquela submetida
temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua
imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado.

Art. 25. São passíveis de classificação as informações consideradas


imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, cuja
divulgação ou acesso irrestrito possam:

I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do


território nacional;

II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as


relações internacionais do País;

III - prejudicar ou pôr em risco informações fornecidas em caráter


sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;

IV - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;

V - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou


monetária do País;

VI - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das


Forças Armadas;

VII - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e


desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas,
bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional [..];

VIII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades


nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou

IX - comprometer atividades de inteligência, de investigação ou de


fiscalização em andamento, relacionadas com prevenção ou repressão
de infrações.

39
Note-se, existem outras informações sigilosas previstas em lei além das
previstas nesses artigos, como o sigilo médico-paciente, o sigilo advogado-cliente, etc.

Ainda, ao analisar o parágrafo terceiro do crime de invasão de


dispositivo informático, verificamos que a pena de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos, somente será aplicada se a conduta não constituir crime mais grave.

Como exemplo de crime mais grave, que pode ser realizado pelos
mesmos meios do caput, temos o crime de divulgação de segredo, previsto no artigo 153,
§1º-A do Código Penal, em sua forma qualificada:

Divulgação de segredo

Art. 153 § 1º-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou


reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de
informações ou banco de dados da Administração Pública:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Em continuação, o parágrafo quarto do crime de invasão de dispositivo


informático, dispõe:

§ 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se


houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a
qualquer título, dos dados ou informações obtidas.

Trata-se de uma circunstância agravante. Ou seja, quando houver a


obtenção conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou
industriais, informações sigilosas, caso o agente divulgue, comercialize ou transmita tais
informações ou dados, a qualquer título (de forma gratuita ou onerosa), a sua pena de
reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, será majorada de um a dois terços.

Já o parágrafo quinto do crime traz:

§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado


contra:
40
I - Presidente da República, governadores e prefeitos;

II - Presidente do Supremo Tribunal Federal;

III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de


Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito
Federal ou de Câmara Municipal; ou

IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal,


estadual, municipal ou do Distrito Federal.

Esta é a última circunstância agravante prevista na lei, considerando a


importância desses sujeitos na administração do governo brasileiro.

Por fim, o artigo 154-B traz como ocorrerá a ação penal nos crimes de
invasão de dispositivo informático:

Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede


mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a
administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da
União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas
concessionárias de serviços públicos.

Dessa forma, a regra é a necessidade de representação da vítima para


que o crime seja investigado e processado. A exceção ocorre quando o crime for praticado
contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União,
Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços
públicos, em que não será necessária a representação.

7.2. Ciberterrorismo

O crime de ciberterrorismo está previsto no artigo 2º e § 1º, inciso IV


da Lei 13.260/2016, que traz:

41
Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos
atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a
finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo
pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

§ 1º São atos de terrorismo:

IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave


ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do
controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de
comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações
ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios
esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços
públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia,
instalações militares, instalações de exploração, refino e
processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de
atendimento;

Da leitura dos dispositivos, verifica-se que para ser considerada


terrorismo a conduta deve ter a finalidade de provocar terror social ou generalizado,
expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. Ainda, os
atos de terrorismo serão sempre em razão de xenofobia, discriminação ou preconceito de
raça, cor, etnia e religião.

Consideradas essas razões e a finalidade prevista da lei, a pratica de


qualquer das condutas descritas no § 1º, inciso IV são consideradas ciberterrorismo em
nosso ordenamento jurídico.

A pena prevista para essas condutas é de reclusão, de 12 (doze) a 30


(trinta) anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.

7.3. Crimes contra a segurança nacional

42
Os crimes contra a segurança nacional estão previstos na Lei
7.170/1983. Dentre eles, nos artigos 13 e 14, encontramos a conduta de:

Art. 13 - Comunicar, entregar ou permitir a comunicação ou a


entrega, a governo ou grupo estrangeiro, ou a organização ou grupo
de existência ilegal, de dados, documentos ou cópias de documentos,
planos, códigos, cifras ou assuntos que, no interesse do Estado
brasileiro, são classificados como sigilosos.

Pena: reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos.

Art. 14 - Facilitar, culposamente, a prática de qualquer dos crimes


previstos nos arts. 12 e 13, e seus parágrafos.

Pena: detenção, de 1(um) a 5 (cinco) anos.

Tal conduta relaciona-se, mas não se restringe, a divulgação de


informações sigilosas prevista no crime de invasão de dispositivo informático, sendo uma
das possibilidades de concretização de conduta mais grave, em que a penalidade a ser
aplicada será a da lei de segurança nacional.

7.4. Telecomunicação clandestina

O crime de telecomunicação clandestina encontra-se previsto na Lei


9.472/1997, em seu artigo 183, nos seguintes termos:

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de


telecomunicação:

Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver


dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou


indiretamente, concorrer para o crime.

43
Por este dispositivo, criminaliza-se a conduta daquele que desenvolve
comunicação clandestina de telecomunicação. Ainda, o crime abrange a transmissão
clandestina de sinal de internet, considerado um serviço de valor adicionado do serviço
de telecomunicação, conforme o artigo 61 da referida lei:

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um


serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se
confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento,
apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

Nesse sentido, interessante o disposto nos seguintes julgados do


Superior Tribunal de Justiça, que colaciono a título elucidativo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


CRIME DE TELECOMUNICAÇÕES. TRANSMISSÃO
CLANDESTINA DE SINAL DE INTERNET. SERVIÇO DE VALOR
ADICIONADO. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO RETIRA A NATUREZA
DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. INVIABILIDADE DE
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE
PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE PREJUÍZO
CONCRETO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. É pacífico no
Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que a
transmissão clandestina de sinal de internet, via radiofrequência, sem
autorização da Agência Nacional de Telecomunicações, caracteriza,
em tese, o delito previsto no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997. [...] 2.
Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido
de não ser possível a incidência do princípio da insignificância nos
casos de prática do delito descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/1997.
Isso porque se considera que a instalação de estação clandestina de
radiofrequência, sem autorização dos órgãos e entes com atribuições
para tanto, já é, por si, suficiente para comprometer a segurança, a
regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do
país, não podendo, portanto, ser vista como uma lesão inexpressiva. 3.
O delito do art. 183 da Lei n. 9.427/1997 é de perigo abstrato, uma vez
44
que, para sua consumação, basta que alguém desenvolva de forma
clandestina as atividades de telecomunicações, sem necessidade de
demonstrar o prejuízo concreto para o sistema de telecomunicações.
Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1077499/SP, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


RÁDIO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. DELITO TIPIFICADO NO
ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. DESENVOLVER
CLANDESTINAMENTE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO.
CRIME FORMAL. PERIGO ABSTRATO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA NÃO APLICÁVEL. PRECEDENTES DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Esta Corte possui o entendimento pacífico de que "a prática de
atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos
públicos competentes subsume-se no tipo previsto no art. 183 da Lei
9.472/97; divergindo da conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62,
em que se pune aquele que, previamente autorizado, exerce a atividade
de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e aos
regulamentos" (CC 101.468/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
Terceira Seção, DJe 10.9.2009). 2. O réu foi condenado por
desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação de
radiofusão, pois operava estação de rádio sem a devida autorização da
autoridade competente, o que configura a conduta do art. 183 da Lei n.
9.472/1997. Precedentes. 3. O delito do art. 183 da Lei n. 9.472/1997 é
crime formal, de perigo abstrato, razão pela qual não cabe a aplicação
do princípio da insignificância. Precedentes. Incidência do enunciado
n. 83 da Súmula do STJ. Agravo regimental desprovido. (AgRg no
AREsp 1012489/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA
TURMA, julgado em 14/09/2017, DJe 22/09/2017)

45
7.5. Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico,
informático, telemático ou de informação de utilidade pública

O crime de interrupção ou perturbação de serviço telegráfico,


telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública está previsto no
artigo 266 e parágrafos do Código Penal, que traz:

Art. 266 - Interromper ou perturbar serviço telegráfico,


radiotelegráfico ou telefônico, impedir ou dificultar-lhe o
restabelecimento:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de


informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o
restabelecimento.

§ 2º Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião


de calamidade pública.

Pelo dispositivo, qualquer conduta dolosa que interrompa, entre outros,


o serviço informático, telemático e de informação de utilidade pública é capaz de
configurar o delito previsto neste tipo penal.

7.6. Pornografia infantil

O crime de pornografia infantil está previsto do Estatuto da Criança e


do Adolescente – ECA, em seus artigos 241-A e 241-B, nos seguintes termos:

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir,


publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema
de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança
ou adolescente:

46
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio,


fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo
explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Neste ponto, importa ressaltar que todos os menores de 18 (dezoito)


anos são protegido por este dispositivo.

Estes são apenas alguns dos crimes existentes em nosso ordenamento


jurídico, que guardam relação a área da segurança da informação. Com o aumento das
situações envolvendo a tecnologia da informação, a tendência é que surjam novas práticas
criminosas relacionadas à área, não sendo o objetivo dessa disciplina exaurir todas as
situações que envolvam a prática de crimes na rede mundial de computadores.

A intenção foi a de apresentar alguns dos delitos hoje previstos em


nosso ordenamento, assim como ensinar a lógica da análise do crime, para que os alunos
sejam capazes, quando da tipificação de novos fatos, de realizar por si só a análise dos
crimes, compreendendo a conduta proibida nos tipos penais.

Aula 8. Teoria geral da prova

No processo judicial, prova é qualquer elemento capaz de transmitir


uma informação. A finalidade da atividade probatória é auxiliar o juiz (destinatário da
prova), na análise do caso concreto e convencê-lo sobre a veracidade de um fato.

Nesse sentido, o Direito trabalha com as fontes de prova e com os meios


de prova:

Fontes de prova são pessoas ou coisas das quais são extraídas as provas
(informação). Por exemplo: computadores; disco rígido; dispositivos auxiliares;

47
servidores; logs; dispositivos de rede; roteadores; firewalls; ids; mídias diversas;
celulares; máquinas digitais; etc.

Já os meios de prova são os instrumentos e atividades pelos quais os


elementos de prova são introduzidos no processo. Por exemplo: perícias; interrogatório
do réu; confissão; declarações da vítima e das testemunhas; reconhecimento de pessoas
ou coisas; documentos; busca e apreensão; videofonogramas; fonogramas; fotografias;
etc.

8.1. Sistema de liberdade de prova

Em nosso ordenamento jurídico, adota-se, como regra, o sistema de


liberdade de prova, pelo qual quaisquer fontes e meios de prova podem ser utilizados
durante a atividade probatória judicial. Isso porque, durante o processo, o julgador
buscará a verdade real dos fatos.

No entanto, apesar do sistema adotados, existem algumas provas que


são inadmissíveis no processo, quais sejam:

a) Prova ilícita;
b) Provas que derivam de crenças não aceitas pela ciência;
c) Provas que afrontam a moral.

As provas ilícitas serão estudadas em tópico próprio, mas, em síntese,


são ilícitas as provas colhidas com a violação de normas do nosso ordenamento jurídico.
Por exemplo: existem regras legais que devem ser observadas na interceptação de dados,
caso a interceptação ocorra sem a observância dessas regras, as provas produzidas por
este meio serão consideradas ilícitas.

Como provas que derivam de crenças não aceitas pela ciência, podemos
citar como exemplos: as ordálias, as cartas psicografadas, etc. Já como prova que afronta
a moral, podemos citar a reprodução simulada de um estupro.

48
A utilização de todas essas provas é vedada pelo ordenamento jurídico,
de forma que não serão admitidas no processo.

8.2. Sistema de avaliação da prova

O sistema adotado para avaliação da prova é chamado de “sistema da


livre convicção motivada do juiz” ou “persuasão racional”.

Por este sistema, o juiz tem ampla liberdade na análise das provas que
foram colhidas durante a instrução processual. Ou seja, o julgador poderá valorar a prova
de acordo com o seu convencimento, podendo motivar a sua decisão na prova que o
melhor convencer.

A única exigência é que a decisão seja fundamentada, ou seja, o juiz


deve analisar o caso concreto apresentado uma narrativa lógica, demonstrando quais as
provas o convenceram e por quais motivos.

A exceção encontrada em nosso ordenamento é o Tribunal do Júri, onde


vigora o sistema da convicção íntima dos jurados ou certeza moral. Isso significa que os
jurados não precisam fundamentar a sua decisão, já que a análise da prova é baseada na
convicção íntima desses, que não precisa ser explicada.

8.3. Ônus da prova

O ônus da prova consiste em uma faculdade das partes (autor e réu), ou


seja, na opção de produzir provas durante o processo judicial.

Note-se, a produção de provas não é obrigatória. No entanto, é a única


forma de convencer o juiz de que os fatos que esta alegando são verdadeiros. Dessa forma,
ao agir de acordo com o ônus processual, a parte busca alcançar uma situação favorável
no processo, qual seja, convencer o juiz da sua versão dos fatos, para obter a sentença em
seu favor.

49
8.4. Princípio do contraditório e da ampla defesa

O princípio do contraditório e da ampla defesa é assegurado pelo artigo


5º, inciso LV da Constituição Federal, que traz:

Art. 5º, inc. LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,


e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Também chamado de princípio da paridade de armas, consiste na


necessidade de garantir tanto ao autor, quanto ao réu, a possibilidade de participar do
processo de convencimento do juiz.

Portanto, deverá sempre ser garantido ao réu que se manifeste sobre as


alegações do autor, e vice-versa, podendo produzir provas a seu favor. Assim como
deverá ser garantido a ambas as partes presenciar todas as provas realizadas no processo,
respeitado o direito de manifestação e possibilidade de produção de contraprova.

8.5. Princípio da comunhão das provas

O princípio da comunhão das provas determina que, a partir da


produção das provas, estas não mais pertencem as partes, mas sim ao Juízo, sendo
apreciadas em comunhão. Dessa forma, a prova poderá ser utilizada a favor de qualquer
das partes, independentemente de quem as tenha produzido.

8.6. Provas no Processo Penal

Os conceitos referentes a prova, estudados até então, são aplicados tanto


a produção probatória no processo penal, quanto no processo civil. Nos próximos tópicos,
serão apresentadas algumas peculiaridades da produção probatória em cada um desses
processos.

a) Objeto da prova no Processo Penal

50
No processo penal, o objeto da prova, ou seja, o fato que deverá ser
provado é (1) a ocorrência do crime e (2) quem foi o seu autor. Para tanto, a atividade
probatória tem seus contornos definidos pela denúncia criminal, onde encontramos qual
o fato criminoso está sendo imputado e a quem.

Portanto, no processo penal admite-se apenas a prova de fatos passados,


já que fundamentado no crime que já aconteceu.

b) Provas inadmissíveis no Processo Penal

Neste processo, não serão admitidas provas que visem apenas prolongar
o curso do processo, sendo irrelevantes à conclusão do juiz sobre a ocorrência do crime e
de sua autoria. Assim, não se admite a produção de algumas provas, sobre:

a. Fatos impertinentes ou irrelevantes;


b. Fatos axiomáticos ou intuitivos (evidentes);
c. Fatos impossíveis;
d. Fatos cobertos por presunção legal de existência ou veracidade
(por exemplo: desenvolvimento mental incompleto do menor de
18 anos).

Nesse sentido, o juiz sempre poderá indeferir qualquer pedido de prova


que considerar impertinente, irrelevante ou protelatório, nos termos do artigo 400, §1º do
Código de Processo Penal:

Art. 400, § 1º As provas serão produzidas numa só audiência, podendo


o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou
protelatórias.

c) O livre convencimento motivado no Processo Penal

O sistema do livre convencimento motivado no processo penal é


limitado de acordo com o artigo 155 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua
51
decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.

Portanto, ainda que vigore o sistema da persuasão racional do juiz, no


processo penal ele é limitado, eis que a sentença judicial não poderá ser fundamentada
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ou seja, nos
elementos colhidos durante o inquérito policial.

Isso porque, o inquérito policial, apesar de ser um meio de prova, é


realizado através do sistema inquisitivo, no qual não é necessária a realização do
contraditório. Logo, as provas produzidas durante a investigação devem ser ratificadas
por outras provas produzidas em juízo. Caso não sejam, o juiz não poderá fundamentar a
sua decisão exclusivamente nas provas do inquérito.

Há, ainda, uma limitação prevista no artigo 158 do Código de Processo


Penal, que traz:

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o


exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a
confissão do acusado.

Como já estudamos, as infrações que deixam vestígios, ou seja, que


alteram o mundo físico, são os chamados crimes materiais (que para a sua consumação
exigem um resultado naturalístico). Sempre que for verificada a existência de um crime
material, os vestígios deixados por este deverão ser necessariamente submetidos ao
exame de corpo delito (processo pericial).

Nesses casos, a sentença não poderá ser fundamentada apenas na


confissão do acusado, sendo necessário que seja fundamentada no exame de corpo de
delito.

d) Regras de distribuição do ônus da prova no Processo Penal

52
Como já vimos, o ônus é a faculdade das partes de produzir prova, para
comprovar as suas afirmações, buscando uma situação favorável no processo.

As regras de distribuição do ônus da prova têm dois principais


propósitos:

1. Orientam as partes indicando o que cada uma delas deve


comprovar;
2. Auxiliam o juiz na decisão, quando os fatos não forem
suficientemente esclarecidos.

As regras de distribuição no processo penal estão previstas no artigo


156 do Código de Processo Penal, que traz: “a prova da alegação incumbirá a quem a
fizer [...]”.

Nesse sentido, o ônus do autor (acusação) é a comprovação do crime e


todos os seus elementos constitutivos, além da comprovação de que foi o réu quem
cometeu a infração penal.

Já o ônus do réu (acusado) é apenas a comprovação de eventuais


circunstâncias que tenham o condão de afastar a acusação, caso estas sejam alegadas. Por
exemplo: causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade, álibi, etc.

Caso o acusado (réu) não alegue nenhuma dessas circunstâncias, apenas


negando a prático do crime, todo o ônus probatório do processo penal recairá sobre a
acusação (autor).

Nessa última hipótese, se após a dilação probatória restarem dúvidas


sobre a prática do crime e sua autoria, ou seja, se a acusação não tiver cumprido
satisfatoriamente com o seu ônus processual, a sentença deverá ser de absolvição do réu,
já que não poderá haver condenação na dúvida (in dubio pro reo).

Ademais, o processo penal possui uma peculiaridade no que tange aos


fatos incontroversos, ou seja, aqueles admitidos pelas partes.

53
Neste processo, mesmo os fatos admitidos pelo réu devem ser provados,
o que significa que mesmo se o acusado confessar a prática do crime, ele somente será
condenado se a acusação comprovar que o crime foi efetivamente perpetrado e por aquela
pessoa.

Isso se deve ao fato de que a condenação não pode ser fundamentada


em conclusões erradas, mesmo que exista confissão, já que é possível que determinada
pessoa confesse crime que não cometeu, até mesmo para proteger o real criminoso.

Por fim, importa dizer o acusado não pode ser obrigado a produzir prova
contra si, podendo se abster da prática de atos que acarretem prova em seu desfavor. Por
exemplo: confissão; teste de bafômetro; teste de DNA; etc. Esta prerrogativa do réu está
pautada no chamado princípio do privilégio contra autoincriminação.

8.7. Provas no Processo Civil

a) Objeto da prova no Processo Civil

O objeto da prova no processo civil são apenas os fatos controversos


alegados pelas partes. Ou seja, ao contrário do que ocorre no processo penal, os fatos
alegados pelo autor ou pelo réu e admitidos pela parte contrária, não precisarão ser
comprovados.

Ademais, no processo civil, ao contrário do que ocorre no penal, são


passíveis de prova tanto os fatos passados, como os fatos presentes, quanto os fatos
futuros.

Quanto aos fatos sobre o qual milita presunção legal de existência ou


de veracidade (menoridade), estes assim como no processo penal, não precisarão ser
comprovados.

b) Regras de distribuição do ônus da prova no Processo Civil

54
As regras de distribuição no processo civil estão previstas no artigo 373
do Código de Processo Civil, que traz:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou


extintivo do direito do autor.

Assim como no processo penal, o juiz julgará o processo em desfavor


da parte (autor ou réu) que tinha o ônus de comprovar as suas alegações e desse ônus não
se desincumbiu.

Porém, no processo civil há a previsão do chamado negócio jurídico


processual, pelo qual, ainda que exista uma regra de distribuição, as partes (autor e réu)
poderão convencionar livremente outra forma de distribuição do ônus da prova, definindo
quem deverá comprovar cada fato.

Por fim, também é aplicável neste processo a chamada distribuição


dinâmica do ônus da prova, prevista no artigo 373, §1º do Código de Processo Civil, que
dispõe:

Art. 373 - § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades


da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de
cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de
obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da
prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada,
caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do
ônus que lhe foi atribuído.

Portanto, diante das peculiaridades do caso concreto, o próprio juiz


poderá distribuir o ônus da prova de forma diversa, devendo informar a cada parte
exatamente o que deverá por ele ser comprovado.

55
8.8. Provas ilícitas

Como já vimos brevemente na parte introdutória desta aula, a vedação


da utilização de provas ilícitas, em qualquer processo judicial, é um dos limites do sistema
de liberdade da prova.

Nesse sentido, o artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal


determina:

Art. 5º, inc. LVI. São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por
meio ilícito.

Por sua vez, o artigo 157 do Código de Processo Penal, nos ensina o
que é uma prova ilícita, dizendo:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo,


as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.

Ou seja, considera-se ilícita qualquer prova obtida de forma contrária a


lei, em desrespeito às normas do ordenamento jurídico. Por exemplo: confissão obtida
mediante tortura; prova obtida através da violação indevida de sigilo profissional; objeto
apreendido de forma indevida, sem a existência de prévio mandado de busca e apreensão;
etc.

A importância da vedação de utilização das provas ilícitas, consiste na


necessidade de evitar abuso e arbitrariedade pelos órgãos de investigação.

Em que pese tratar-se de um dispositivo de processo penal, as


disposições sobre provas ilícitas também se aplicam ao processo civil.

a) Prova ilícita por derivação:

A teoria dos frutos da árvore envenenada, é aplicável como regra em


nosso ordenamento jurídico, e determina que as provas obtidas por meio ilícito
contaminam todas as provas ulteriores que delas se originem, mesmo que estas últimas
56
sejam produzidas de forma lícita. Ou seja, qualquer prova que decorra da prova ilícita,
será considerada uma prova ilícita por derivação, também sendo consideradas inválidas.

Porém, existe uma exceção fundamentada na teoria da fonte


independente. Essa exceção nos traz a hipótese de descoberta inevitável. Caso a parte
consiga comprovar que aquela prova ilícita seria inevitavelmente descoberta através de
meios lícitos, pelos trâmites normais da investigação, existe a possibilidade de validação
da prova.

Por fim, a proibição de utilização de prova ilícita também poderá ser


mitigada utilizando-se de critérios de proporcionalidade, quando se verificar que a
utilização da prova se faz necessária à garantia de norma ou princípio de estatura
constitucional.

Por exemplo: o réu em um processo criminal, através de uma prova


obtida por meio ilícito, comprova a sua inocência. Considerando que, neste caso, a
utilização da prova será capaz de preservar a liberdade do indivíduo, será possível a
utilização da prova para evitar uma condenação indevida.

b) Prova ilícita e a inviolabilidade das comunicações

Sobre a inviolabilidade das comunicações, a Constituição Federal, em


seu artigo 5º, inciso XII dispõe:

Art. 5º, inc. XI. É inviolável o sigilo da correspondência e das


comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal.

Ou seja, a constituição apenas autoriza a interceptação das


comunicações telefônicas, de informática ou telemática, para fins de investigação
criminal. Tal prova não poderá ser utilizada no processo civil.

57
Nesse sentido, o artigo 10 da Lei 9.296/1996, criminaliza a
interceptação da comunicação, nos seguintes termos

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações


telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo de
Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em
lei.

Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Ressalte-se, apenas que a gravação clandestina, que é a gravação de


conversa, telefônica ou ambiental, por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro,
não se confunde com as hipóteses de interceptação de comunicação, sendo uma prova
válida, aceita em nosso ordenamento.

Nesse sentido:

(...) 2. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica


realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se
não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação.
(AI 560.223 AgR/SP — 2ª Turma — Rel. Min. Joaquim Barbosa — DJe-
79 29.04.2011).

c) Provas ilícitas e o sigilo do e-mail

O e-mail também é abrangido pela norma constitucional do artigo 5º,


inciso XII, por ser considerado uma espécie de correspondência.

Art. 5º, inc. XII. É inviolável o sigilo da correspondência e das


comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal.

Nestes casos, o sigilo é compreendido durante a comunicação, ou seja,


entre a expedição do e-mail e o acesso dele ao seu destino.
58
Após, o e-mail passa a ser considerado um dado estanque, podendo ser
utilizado como prova no processo judicial, pelo seu legítimo detentor, quando não há
obrigação de manter sigilo.

Ainda, verifica-se que os dados estanques podem ser trazidos à juízo


por ordem judicial.

Sobre o e-mail corporativo, cumpre fazer a seguinte ressalva:

Prova ilícita. E-mail corporativo. Justa causa. Divulgação de material


pornográfico. 1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e
ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados,
concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual (e-
mail particular). (...) 5. Pode o empregador monitorar e rastrear a
atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail
corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista
formal quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é ilícita a
prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida
decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho.
Inexistência de afronta ao art. 5.º, X, XII e LVI, da Constituição
Federal. (...) (RR 613/2000-013-10-00, 1.ª T., DJ 10.06.2005). No
mesmo sentido: AIRR 1640/2003-051-01-40.0 (Tribuna do Direito nov.
2008).

Portanto, considera-se detentor do e-mail corporativo a empresa ou


empregador, sendo que o sigilo não poderá ser alegado pelo funcionário contra aqueles.

Aula 9. Perícia no processo penal

A perícia pode ser conceituada como o exame realizado por pessoa com
conhecimentos específicos sobre matéria técnica, científica ou artística. A finalidade da
perícia, assim como a de todas as provas, é a de instruir o julgador para a solução de um
processo judicial.
59
No processo judicial, os peritos desempenham o papel de auxiliares da
justiça, tendo a função de subministrar fundamentos sobre questões fora da órbita do saber
ordinário do juiz e das partes. Ou seja, sobre questões técnicas, científicas ou artísticas.

No processo penal existem quatro possibilidades de atuação dos peritos,


como:

1. Perito oficial;
2. Perito inoficial;
3. Assistente técnico;
4. Perito particular.

9.1. Perito oficial

O perito oficial é o especialista em matéria técnica, científica ou


artística, diplomado em curso superior, que foi investido na função de perito por concurso
público, possuindo um vínculo com o Estado. Por exemplo: os peritos da Polícia
Científica.

A regra é que no processo penal a perícia criminal será realizada pelos


peritos oficiais.

Por serem profissionais com fé-pública, a atuação de um único perito


oficial é suficiente para que a perícia seja válida.

9.2. Perito inoficial

O perito inoficial também é um especialista em matéria técnica,


científica ou artística, diplomado em curso superior. Porém, este é investido na função de
perito por nomeação judicial, quando não for possível a realização da perícia por peritos
oficiais por qualquer motivo.

O perito inoficial deve necessariamente ser uma pessoa com habilidade


técnica relacionada com a natureza do exame. Além disso, a nomeação somente poderá
60
recair sobre pessoas idôneas, que prestarão compromisso de bem e fielmente
desempenhar o encargo legal.

Considerando não se tratar de pessoas com fé-pública, nesses casos,


será necessária a atuação de dois peritos, que trabalharão juntos, para que a perícia seja
válida.

A nomeação dos peritos inoficiais sempre ocorrerá sem intervenção das


partes. Isso porque, não é possível que paire dúvidas sobre a imparcialidade desses
profissionais.

Ademais, esses profissionais são sujeitos à disciplina judiciária, o que


significa que devem obedecer a todas as disposições legais e regulamentares do processo,
assim como devem obediência aos comandos judiciais.

Os peritos que desobedecerem à disciplina judiciária poderão sofre


penalidades prevista na lei. Por exemplo, caberá multa ao perito que, sem justa causa,
provada imediatamente: a) recusar a nomeação para o exercício do encargo; b) deixar de
acudir à intimação ou ao chamado da autoridade; c) não comparecer no dia e local
designados para o exame; d) não entregar o laudo pericial; e) concorrer para que a perícia
não seja realizada no prazo.

a) Hipóteses de impedimento e suspeição dos Peritos

Existem algumas pessoas que não poderão ser peritas em um processo


judicial, sendo impedidas de exercer o encargo. São elas:

a. Os sujeitos à pena restritiva de direitos;


b. Os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado
anteriormente sobre o objeto da perícia;
c. Os menores de 21 anos;

Ademais, existem algumas pessoas que não poderão ser peritas em um


processo judicial por serem consideradas suspeitas, ou seja, por existir uma suspeita de
que essas pessoas não agirão com a imparcialidade necessária na atuação do perito.

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São suspeitos:

a. O amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus


advogados;
b. O que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na
causa antes ou depois de iniciado o processo;
c. O que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa;
d. O que subministrar meios para atender às despesas do litígio;
e. Quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu
cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até
o terceiro grau, inclusive;
f. O interessado no julgamento do processo em favor de qualquer
das partes.

9.3. Assistentes técnicos

Os assistentes técnicos são especialistas em matéria técnica, científica


ou artística, indicados pelas partes (autor ou réu) para prestar-lhe assessoria técnica
durante o processo judicial.

A atuação desses profissionais em processo penal deverá ser solicitada


pelas partes e dependerá de prévia admissão pelo juiz.

O exame realizado por este profissional ocorrerá apenas após a


conclusão dos exames pelo perito (oficial/inoficial), com a apresentação do laudo pericial.
Para tanto, poderá proceder a análise do material probatório, na presença do perito
(oficial/inoficial) e nas dependências do órgão oficial.

O papel do assistente técnico é questionar a perícia realizada e auxiliar


as partes na elaboração de quesitos, garantindo-se assim o contraditório da prova pericial.

9.4. Perito particular

62
O perito particular é o profissional contratado pelas partes (autor/réu)
para realizar uma espécie de contraprova pericial.

A atuação do perito particular ocorre fora do processo, motivo pelo qual


não precisa ser admitido pelo Juízo. Esses profissionais emitem pareceres técnicos, sobre
as provas produzidas, que serão juntados ao processo como prova documental.

Caso haja contradição entre a perícia oficial e a perícia particular, é


possível que o juiz determine a realização de uma nova perícia, para esclarecer as
contradições verificadas.

9.5. Exame de corpo de delito

Corpo de delito é o conjunto de elementos tangíveis deixados pelo


crime material, que demonstram a alteração no mundo físico.

O exame de corpo de delito é necessário para que estes vestígios


deixados pelo crime sejam reunidos, demonstrando-se os resultados naturalísticos.

O exame de corpo de delito poderá ser realizado em qualquer dia e a


qualquer hora, sendo obrigatório para comprovar a ocorrência de crimes materiais, como
já estudamos, já que não poderá ser substituído pela confissão do acusado ou pela
declaração de testemunhas. Nesses casos, a ausência do exame de corpo de delito é causa
de nulidade do processo.

A única exceção, em que o exame pericial poderá ser substituído, é


quando houver o desaparecimento dos vestígios, por motivo que não puder ser imputado
aos agentes da investigação criminal. Nesse caso, a prova testemunhal poderá suprir a
falta do exame corpo delito.

9.6. Laudo Pericial

63
O laudo pericial é a conclusão da perícia e a forma pela qual a prova é
inserida no processo. Nele deve constar tudo o que foi observado e concluído pelo perito,
explanando-se:

a) Qual o objeto da perícia, com a minuciosa descrição do que foi


examinado;
b) Qual a análise técnica realizada, com a indicação do método
utilizado para realização dos exames;
c) A fundamentação do laudo pericial, que deve ser feita em
linguagem simples e com coerência lógica, com a indicação de
como alcançou suas conclusões;
d) As respostas conclusivas aos quesitos formulados pelo juiz e
pelas partes.

Os quesitos são as indagações dirigidas ao perito, para que se manifeste


expressamente sobre determinado ponto do exame pericial. Apenas os quesitos que não
sirvam a prova do fato serão indeferidos pelo juiz.

Ademais, caso verifique-se a necessidade de esclarecimento de pontos


não apreciados no laudo formulado pelo perito, poderá ser determinado ao perito a
realização de um laudo complementar.

Por fim, em que pese a importância do laudo pericial no processo penal,


cumpre dizer que, nos termos do artigo 182 do Código de Processo Penal “o juiz não
ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”. Tal
possibilidade decorre do sistema da persuasão racional do magistrado, sendo que este não
está vinculado a qualquer das provas produzidas no processo.

Aula 10. Perícia no processo civil

Como vimo na aula anterior, a perícia é o exame realizado por pessoa


com conhecimentos específicos sobre matéria técnica, científica ou artística. A finalidade

64
da perícia, assim como a de todas as provas, é a de instruir o julgador para a solução de
um processo judicial.

No processo civil, a perícia pode ser indeferida pelo Juiz, quando:

a. A prova do fato não depender de conhecimento especial de


técnico;
b. For desnecessária em vista de outras provas produzidas;
c. A verificação for impraticável/ impossível.

Neste, existem quatro possibilidades de atuação dos peritos, como:

1. Perito nomeado pelo Juízo


2. Perito escolhido de comum acordo pelas partes
3. Assistente técnico;
4. Perito particular.

10.1. Peritos do Juízo

Os peritos do juízo são os especialistas em matéria técnica, científica


ou artística, nomeados pelo juiz, dentre os profissionais legalmente habilitados em
cadastro mantido pelos Tribunais de Justiça, para atuar em um processo civil.

Para formação do cadastro de peritos, os Tribunais se utilizam tanto de


consulta pública (editais), quanto de consulta direta a universidades, a conselhos de
classe, etc., solicitando a habilitação de profissionais, para a formação da chamada lista
de peritos. Além disso, os próprios profissionais poderão se habilitar nos cadastros,
independentemente da realização de consultas.

A lista de peritos é organizada nas secretarias dos Tribunais de Justiça,


após a habilitação dos profissionais interessados na realização do encargo. A partir do
momento em que o profissional se habilita, os seus dados serão disponibilizados para a
consulta das partes interessadas (juiz, autor, réu, ministério público, etc.). Todos os

65
peritos habilitados estão sujeitos a avaliações e reavaliações periódicas, que são
determinantes a manutenção do cadastro do perito.

a) Nomeação do perito do Juízo

Com a organização da referida lista, as nomeações dos peritos pelos


juízes deverão ser realizadas de modo equitativo. Ou seja, a distribuição das perícias
deverá ser realizada, dentro da especialidade de cada perito, obedecendo-se a ordem de
cadastro de forma rotativa, garantindo-se a todos os profissionais habilitados a
possibilidade de atuação.

Apenas nas localidades onde não houver perito, para determinada área
de atuação, inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, é que a nomeação será de
livre escolha pelo juiz.

Quando da nomeação pelo Juízo, o perito deverá apresentar em cinco


dias:

a. Proposta de honorários;
b. Currículo, com comprovação de especialização;
c. Contatos, para onde serão dirigidas as intimações pessoais.

O pagamento dos honorários periciais será realizado da seguinte forma:


até 50% dos honorários arbitrados serão pagos no início dos trabalhos; o remanescente
será pago apenas ao final dos trabalhos.

Após a nomeação, o perito poderá recusar o encargo apenas em caso de


motivo legítimo, o que deverá ser feito em até 15 dias contados da nomeação. Caso a
recusa não se dê nesse prazo, o encargo será considera aceito pelo perito, entendendo-se
pela renúncia do direito de alegar qualquer motivo justo de recusa.

b) Responsabilidade do perito do Juízo

O perito do Juízo deve cumprir o ofício, sempre dentro do prazo


designado pelo Juiz, empregando toda a sua diligência (presteza e zelo) para bem e
fielmente desempenhar o encargo, independentemente de termo de compromisso.
66
Caso o perito descumpra seus deveres, poderá ser responsabilizado
pelos prejuízos causados às partes.

Ademais, caso o perito preste informações inverídicas em seu laudo


pericial, seja por dolo (com intenção) ou por culpa (imperícia), também responderá pelos
prejuízos. Nesses casos, será inabilitado para atuar em outras perícias, pelo prazo de 2 a
5 anos, sendo o fato comunicado ao órgão representativo de classe, se houver.

Além da responsabilidade civil, é possível a responsabilidade criminal


do perito, eis que o crime de falsa perícia está previsto no artigo 342 do Código Penal,
que traz:

Art. 342 do CP. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade


como [...] perito [...] em processo judicial, ou administrativo, inquérito
policial, ou em juízo arbitral:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

c) Substituição do perito do Juízo

O perito poderá ser substituído sempre que se verificar que não possui
os conhecimentos técnicos ou científicos necessários para a realização da perícia, a
qualquer momento.

Também será substituído quando deixar de cumprir o encargo no prazo


que determinado pelo juiz, sem motivo legítimo. Caso haja motivo, poderá requere a
dilação do prazo.

Neste último caso, a falta será comunicada à corporação profissional


respectiva, se houver, sendo aplicado ao perito uma multa, que terá por base o valor da
causa e o possível prejuízo decorrente do atraso no processo.

10.2. Perito indicado pelas partes

67
No processo civil, ao contrário do que ocorre no processo penal, as
partes podem escolher o perito que atuará no processo, de comum acordo, quando deverão
requerer a nomeação do profissional ao Juiz.

A perícia realizada de comum acordo pelas partes substitui a perícia que


seria realizada pelo perito nomeado pelo juiz.

No momento do requerimento, já deverão ser indicados os assistentes


técnicos, por cada uma das partes, para acompanhar a realização da perícia.

O perito estará sujeito as mesmas regras da disciplina judiciária


estudadas no tópico anterior, e deverão atuar de forma imparcial, assim como o perito do
Juízo.

10.3. Assistentes técnicos

Os assistentes técnicos são especialistas em matéria técnica, científica


ou artística, indicados pelas partes (autor ou réu) para prestar-lhe assessoria técnica
durante o processo judicial. Estes profissionais acompanham a perícia a ser realizada pelo
perito do Juízo e atuam em benefício da parte que os indicou, ou seja, não são imparciais.

Aos assistentes técnicos é assegurado o direito de acompanhar as


diligências e os exames que o perito realizar, mediante prévia comunicação, com
antecedência mínima de cinco dias; e de acessar as diligências e exames já realizados,
para o desempenho de seu papel, qual seja, de questionar a perícia realizada, garantindo
o contraditório pericial.

10.4. Perito Particular

Assim como ocorre no processo penal, o perito particular é o


profissional contratado pelas partes (autor/réu) para realizar uma espécie de contraprova
pericial.

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A atuação do perito particular ocorre fora do processo, motivo pelo qual
não precisa ser admitido pelo Juízo. Esses profissionais emitem pareceres técnicos, sobre
as provas produzidas, que serão juntados ao processo como prova documental.

10.5. Laudo pericial

O perito e os assistentes técnicos podem utilizar-se de todos os meios


necessários para a realização da perícia (sistema de liberdade de prova). Por exemplo:
poderão ouvir testemunhas; solicitar documentos; etc.

Após a realização de todos os exames, o perito deverá apresentar um


laudo pericial (corporificação da perícia), que deverá conter:

a. Exposição do objeto da perícia;


b. Análise técnica realizada;
c. Indicação de como alcançou suas conclusões;
d. Resposta conclusiva aos quesitos.

Apesar de tratar-se de uma prova técnica, a fundamentação do laudo


pericial deverá ser realizada em linguagem simples, com coerência lógica, já que é
destinado ao juiz às partes, que não possuem o conhecimento técnico dos exames
realizados.

10.6. Prova técnica simplificada

A prova técnica simplificada é uma modalidade de prova que substitui


a perícia, quando o ponto a ser esclarecido pelo especialista for de menor complexidade,
não demandando a realização de um exame pericial completo. Será realizada através da
inquirição do especialista, com formação acadêmica específica na área, em audiência.

10.7. Cadeia de custódia

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A cadeia de custódia é o procedimento regrado, através do qual se
documenta a cronologia da existencial da prova, ou seja, toda a trajetória da prova, desde
a coleta até a inserção no processo, por meio do laudo pericial.

Ela permite a validação da perícia em juízo, já que é capaz de garantir


que a prova a ser inserida no processo é exatamente e integralmente aquela que foi colhida
durante a investigação.

Nesse sentido, a preservação das fontes de prova é fundamental, eis que


questionada a validade da prova, deverá haver a comprovação de que a fonte não foi
alterada em nenhum momento. Para tanto, é necessário que a prova tenha o menor número
de custódios possível e haja a menor manipulação possível do material.

O perito é o profissional responsável por garantir o controle de


integridade e autenticidade do objeto da perícia, devendo manter o registro sobre: o que
foi manipulado; por quem; quando; quais os procedimentos realizados; etc.

A documentação da cadeia de custódia inicia-se com o surgimento da


própria prova, desde a coleta, até a conclusão do laudo pericial, devendo ser registrada
em todas as etapas, quais sejam:

a. Mandado judicial;
b. Busca e apreensão;
c. Foto/coleta/preservação;
d. Duplicação pericial;
e. Análise nas cópias;
f. Documentação cadeia de custódia;
g. Elaboração do laudo.

Os peritos deverão registrar no laudo todas as alterações do estado das


coisas e a consequência dessas alterações na dinâmica dos fatos. Por exemplo: nos crimes
virtuais o perito deverá realizar o detalhamento do corpo de delito, com a identificação
da máquina, dos arquivos e programas utilizados para cometer o delito. etc.

70
Caso haja a quebra da cadeia de custódia, a prova realizada será
considerada ilícita, sendo proibida a sua valoração probatória. Ainda, haverá a exclusão
física da prova e de todas as outras dela derivadas do processo judicial (teoria dos frutos
da árvore envenenada).

Aula 11. Marco Civil da Internet

O Marco Civil da Internet é a Lei 12.965, publicada em 24 de abril de


2014, que entrou em vigor em 24 de junho de 2014. Esta lei, foi a primeira criada de
forma colaborativa entre sociedade e governo, através da utilização da internet, que foi a
sua plataforma de debate.

O texto da lei é composto apenas por diretrizes e tem como objetivo


gerar segurança jurídica, trazendo resposta a muitas situações que antes eram levadas ao
judiciário, relacionadas a internet, e que possuíam por vezes decisões conflitantes pelos
juízes.

O marco civil expressamente reconhece a escala mundial da rede,


determinando que a internet é um instrumento mundial, não podendo ser analisada como
uma rede proprietária. Ainda, traz a internet tem uma finalidade social da rede, sendo não
só ume direito, mas também uma garantia fundamental.

Traz como propósitos do uso da internet em território nacional


promover a inclusão digital, o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na
vida cultural e na condução dos assuntos públicos.

11.1. Pilares do Marco Civil da Internet

O texto da lei foi pautado em três pilares, que deverão ser observados
tanto na prestação de serviços de internet quanto pelos usuários do serviço. São os pilares
do Marco Civil:

71
1. Liberdade;
2. Neutralidade;
3. Privacidade.

Passaremos a estudar sobre cada um deles.

1. Liberdade

No que tange ao direito à liberdade, a assunto foi detalhadamente


estudado em Direito constitucional, sendo importante apenas ressaltar que O Marco Civil
abordou o direito à liberdade sob três óticas: a liberdade de expressão (liberdade de
comunicação e manifestação do pensamento); trouxe que a internet deve ser livre, aberta
e colaborativa; e que se deve garantir a livre iniciativa e a livre concorrência na internet,
observados os direitos do consumidor.

2. Neutralidade da Rede

A neutralidade da rede traz a necessidade de tratamento isonômico de


quaisquer pacotes de dados que transitem pela internet. Tal princípio busca garantir a
preservação do caráter público e irrestrito do acesso à internet e os fundamentos,
princípios e objetivos do uso da internet no País.

Nesse sentindo, os provedores de internet são proibidos de monitorar o


conteúdo, bloquear e filtrar os pacotes de dados acessado pelos usuários de seus serviços.
Não poderá, ainda, realizar a prática chamada de “traffic shaping”, pela qual o provedor
não prioriza ou mitiga o tráfego de acordo com o que é acessado.

Nesse sentido, dispõe o Decreto nº 8.771/2016, em seu artigo 9º:

Art. 9º Ficam vedadas condutas unilaterais ou acordos entre o


responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento e os
provedores de aplicação que:

I - comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet e os


fundamentos, os princípios e os objetivos do uso da internet no País;

72
II - priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais; ou

III - privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela


transmissão, pela comutação ou pelo roteamento ou por empresas
integrantes de seu grupo econômico.

Porém, o próprio Marco Civil trouxe exceções ao princípio da


neutralidade, ao dizer que a discriminação ou degradação do tráfego poderá acontecer
quando necessária a preservação dos requisitos técnicos indispensáveis à prestação
adequada dos serviços e aplicações de internet, e diante da priorização de serviços de
emergências.

Nesse sentido, o Decreto nº 8.771/2016 traz em seu artigo 5º e § 1º:

Art. 5º Os requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de


serviços e aplicações devem ser observados pelo responsável de
atividades de transmissão, de comutação ou de roteamento, no âmbito
de sua respectiva rede, e têm como objetivo manter sua estabilidade,
segurança, integridade e funcionalidade.

§ 1º Os requisitos técnicos indispensáveis apontados no caput são


aqueles decorrentes de:

I - tratamento de questões de segurança de redes, tais como restrição


ao envio de mensagens em massa (spam) e controle de ataques de
negação de serviço; e

II - tratamento de situações excepcionais de congestionamento de


redes, tais como rotas alternativas em casos de interrupções da rota
principal e em situações de emergência.

3. Privacidade

No que tange ao direito à privacidade, este assunto foi detalhadamente


estudado em Direito constitucional.

73
No entanto, o Marco Civil reforça o direito de inviolabilidade da
intimidade e da vida privada dentro da rede mundial de computadores, abrangendo toda
e qualquer informação considerada privada, seja textual, visual ou audiovisual. Em caso
de violação, haverá indenização pelo dano material ou moral devido á vítima.

O Marco Civil também dá ênfase à proteção dos dados pessoais, na


forma da lei 3.709/2018 (Lei de Proteção de Dados Pessoais).

Porém, trouxe alguns dispostos relacionados a proteção dos dados


pessoais, trazendo que são direitos do usuário:

a. Direito a informações claras e completas no contrato de adesão


sobre como serão tratados os seus dados pessoais;
b. Proibição de utilização dos dados pessoais para finalidade
diversa da contratada;
c. O fornecimento a terceiros dos dados pessoais só poderá ocorrer
mediante prévio consentimento do usuário;
d. O usuário tem o direito de exclusão definitiva dos dados
pessoais ao término da relação entre as partes.

A lei também traz hipótese de sigilo de dados, trazendo que são


sigilosos os dados decorrentes: a) do fluxo das comunicações do usuário pela internet; b)
das comunicações privadas armazenadas. Somente poderá haver quebra do sigilo por
ordem judicial.

Nesse sentido, proíbe os provedores de conexão de manter o registro


das aplicações acessadas pelo usuário; e os provedores de aplicações de guardar os dados
pessoais que excedam o necessário para a finalidade pelos quais foram coletados.

11.2. Deveres dos provedores

O Marco Civil traz vários deveres aos provedores de internet, podendo


ser citados como principais:

74
a) Preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da
rede, pela utilização de medidas técnicas compatíveis com os
padrões internacionais;
b) Proibição de suspender a conexão à internet, sendo cabível
reparação por danos morais e materiais decorrentes e
comprovados;
c) Dever de manutenção da qualidade contratada da conexão à
internet;
d) Dever de publicidade e clareza nas políticas de uso.

Sobre as políticas de uso, a lei traz que são nulas de pleno direito as
cláusulas contratuais que:

a) Impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das


comunicações privadas, pela internet;
b) Em contrato de adesão, não ofereçam como alternativa ao
contratante a adoção do foro brasileiro para solução de
controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil.

O Marco Civil traz ainda que a lei brasileira será aplicada aos
provedores em serviço no Brasil, quando: a) qualquer fase do tratamento dos dados ocorra
em território nacional; b) ocorrer a comunicação entre um terminal localizado no Brasil
e outro fora do país; tendo como condição que o provedor estrangeiro tiver pelo menos
um integrante do mesmo grupo econômico com estabelecimento no Brasil.

11.3. Da Guarda de Registros de Conexão

O Marco Civil da internet divide os provedores de internet em:

1. Provedores de acesso ou conexão;


2. Provedores de aplicações.

Aos provedores de acesso ou conexão à internet, a lei traz a obrigação


da guarda dos registros de conexão, ou seja: IP, data e hora do início e término da conexão.

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Esses registros devem ser guardados pelo prazo de um ano a partir do
evento que os gerou, do acesso pelo usuário a rede mundial de computadores. Ressalte-
se que o provedor de conexão não poderá transferir a guarda desse registro para terceiros.

Em que pese o prazo de um ano, as autoridades policiais,


administrativas ou mesmo do Ministério Público podem requer que os dados de registro
de conexão sejam guardados por mais tempo.

O acesso, no entanto, só poderá ocorrer após decisão judicial. Tais


autoridades deverão requerer judicialmente este acesso, no prazo de sessenta dias,
contados do requerimento junto ao provedor.

11.4. Da Guarda de Registros de Acesso a Aplicações

Aos provedores de aplicações/serviços de internet a lei traz a obrigação


da guarda dos registros de acesso às aplicações, ou seja: IP e URL.

Esses registros devem ser guardados pelo prazo de seis meses a partir
do evento que os gerou, do acesso à aplicação pelo usuário. Ressalte-se que, apenas os
provedores que exerçam atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins
econômicos terão a obrigação de manter esse registro.

No mesmo sentido do tópico anterior, as autoridades policiais,


administrativas e Ministério Público poderão requerer que a guarda de registros ocorra
por mais tempo.

11.5. Responsabilidade civil dos provedores por conteúdo gerado


por terceiros

A responsabilidade civil dos provedores por conteúdo gerado por


terceiros sempre foi um assunto muito polêmico na jurisprudência, sendo que antes do
Marco Civil, haviam decisões conflitantes sobre a matéria. Parte dos juízes e da doutrina

76
entendiam que os provedores da internet poderiam ser responsabilizados por esses
conteúdos, e a outra parte entendia que não era possível a responsabilização.

Antes do Marco Civil o sistema predominantemente adotado era o


sistema “notice and take down”. Para este, bastava que a vítima requeresse que o conteúdo
fosse indisponibilizado. Se o provedor não retirasse o conteúdo, uma vez provado o dano
decorrente da publicação, este poderia ser responsabilizado.

O Marco Civil veio para pôr um fim a discussão, trazendo regras claras
de responsabilidade, afastando a aplicação deste sistema.

A lei divide a responsabilidade entre os tipos de provedores. O provedor


de conexão à internet nunca será responsabilizado por conteúdo gerado por terceiros. Já
o provedor de aplicação poderá ser responsabilizado apenas se, após ordem judicial
específica, não tornar indisponível o conteúdo.

A única exceção apresentada pela lei é no que tange a divulgação de


imagens, vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de
caráter privado. Nesses casos, não há necessidade de ordem judicial. A própria vítima
poderá solicitar diretamente ao provedor de aplicações que hospeda o conteúdo que o
torne indisponível. Caso não indisponibilize o conteúdo, poderá ser responsabilizado pela
violação da intimidade.

11.6. Direitos autorais e o Marco Civil

O Marco Civil não se aplica a questões envolvendo direito autoral, por


previsão expressa da lei, que traz que legislação específica deverá tratar da eventual
responsabilidade do provedor de aplicações de internet, por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros, em violação ao direito autoral.

Hoje, por falta de legislação específica, aplica-se aos casos a atual Lei
de Direitos Autorais, Lei n. 9.610/98, que traz em seu artigo 104:

77
Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir,
tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com
fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito,
lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente
responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes,
respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso
de reprodução no exterior.

Portanto, nos termos da Lei de Direitos Autorais, há responsabilização


imediata daquele que armazena, hospeda conteúdo de terceiros contrafeitos, com ou sem
culpa.

Aula 12. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais

A lei geral de proteção de dados é a Lei nº 13.709/2018, sancionada em


14/08/2018. Essa lei foi inspirada na General Data Protection Resolution – GDPR e
oferece controle aos cidadãos sobre seus dados, através da regulamentação da proteção
de dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

A lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, com o objetivo de


proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade.

Segundo a lei, tratamento de dados é toda operação realizada com dados


pessoais. Por exemplo: coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso,
reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento,
eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação,
transferência, difusão ou extração, etc.

São fundamentos da Lei de Proteção de Dados:

a. Privacidade;
b. Autodeterminação informativa;

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c. Liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de
opinião;
d. Inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
e. Desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
f. Livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor;
g. Direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a
dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

12.1. Aplicação da lei

A lei será aplicável às seguintes pessoas, que realizem o tratamento de


dados pessoais:

a. Pessoa natural;
b. Pessoa jurídica de direito público;
c. Pessoa jurídica de direito privado.

Os dispositivos legais aplicam-se a qualquer operação de tratamento


realizada, desde que: a) sejam realizadas no território nacional; b) ou os dados pessoais
objeto do tratamento tenham sido coletados no território nacional; c) ou a atividade de
tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços ou o
tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional.

A lei não será aplicada ao tratamento de dados pessoais: a) realizados


por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos; b) realizado
para fins exclusivamente jornalístico e artísticos ou acadêmicos; c) realizado para fins
exclusivos de segurança pública (como defesa nacional; segurança do Estado; atividades
de investigação e repressão de infrações penais).

No que tange aos dados coletados para fins de segurança pública, a


forma de tratamento deverá ser regulada em legislação própria. Porém, a lei em estudo
resguardou-se em determinar que o tratamento de dados, nesses casos, somente poderá
ser realizado por pessoas jurídicas de direito privado em procedimento sob tutela de

79
pessoa jurídica de direito público. Ainda, que os bancos de dados não poderão ser tratados
em sua totalidade por pessoa jurídica de direito privado.

12.2. Classificação dos dados pessoais

A lei apresenta a seguinte classificação dos dados pessoais, em seu


artigo 5º:

I - dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada


ou identificável;

II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica,


convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a
organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente
à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando
vinculado a uma pessoa natural;

III - dado anonimizado: dado relativo a titular que não possa ser
identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e
disponíveis na ocasião de seu tratamento;

Sobre os dados anonimizados, a lei, em regra, não os considera como


dados pessoais.

O dado anonimizado somente será considerado um dado pessoal


quando o processo de anonimização puder ser revertido, utilizando exclusivamente meios
próprios, ou com esforços razoáveis.

12.3. Princípios

Os princípios da lei geral de proteção de dados estão previsto em seu


artigo 6º, e são os seguintes:

80
I - finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos,
específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de
tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades;

II - adequação: compatibilidade do tratamento com as finalidades


informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento;

III - necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário para


a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados
pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades
do tratamento de dados;

IV - livre acesso: garantia, aos titulares, de consulta facilitada e


gratuita sobre a forma e a duração do tratamento, bem como sobre a
integralidade de seus dados pessoais;

V - qualidade dos dados: garantia, aos titulares, de exatidão, clareza,


relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade e
para o cumprimento da finalidade de seu tratamento;

VI - transparência: garantia, aos titulares, de informações claras,


precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os
respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e
industrial;

VII - segurança: utilização de medidas técnicas e administrativas aptas


a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações
acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou
difusão;

VIII - prevenção: adoção de medidas para prevenir a ocorrência de


danos em virtude do tratamento de dados pessoais;

IX - não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento


para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos;

81
X - responsabilização e prestação de contas: demonstração, pelo
agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a
observância e o cumprimento das normas de proteção de dados
pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.

12.4. Consentimento

A lei trouxe especial preocupação com a necessidade de consentimento


do titular do dado pessoal, para que seja possível a realização do tratamento.

Para a lei, consentimento é a “manifestação livre, informada e


inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para
uma finalidade determinada” (art. 5º).

Sem o consentimento, o tratamento de dados não poderá ser realizado.

Ainda, o consentimento deve referir-se sempre a finalidades


determinada, não sendo válido o consentimento genérico de utilização dos dados
pessoais.

Considerando que o consentimento para utilização não altera a


titularidade do dado, que continua sendo do indivíduo, este pode revogar o consentimento
a qualquer momento.

No que tange aos dados pessoais de crianças, estes poderão ser tratados
apenas com consentimento de pelo menos um dos pais ou responsável legal.

12.5. Hipóteses autorizadoras de tratamento de dados

A lei de proteção de dados preocupou-se em trazer em quais hipóteses


poderá ser realizado o tratamento de dados em território nacional, quais sejam:

82
a. Pelo controlador (pessoa natural ou jurídica a quem competem
as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais), para o
cumprimento de obrigação legal;
b. Pela administração pública, para o tratamento e uso
compartilhado de dados necessários à execução de políticas
públicas;
c. Por órgão de pesquisa, para a realização de estudos, garantida,
sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais;
d. Para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou
de terceiro;
e. Para a tutela da saúde, em procedimento realizado por
profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias;
f. Para processo judicial, administrativo ou quando necessário
para atender aos interesses legítimos;
g. Para a proteção do crédito;
h. Quando necessário para a execução de contrato;

No que tange ao tratamento de dados para a execução de contrato, ficam


assegurados o direito de acesso do titular dos dados a informações referentes: a) a
finalidade específica do tratamento; b) a forma e duração do tratamento; c) a identificação
do controlador; d) a informações de contato do controlador; e) informações acerca do uso
compartilhado de dados pelo controlador e a finalidade.

No que tange aos dados pessoais sensíveis, a lei traz que o tratamento
destes poderá ocorrer com consentimento do titular, apenas para finalidades específicas
consentidas.

Ainda, poderá ocorrer sem o consentimento do titular nas seguintes


hipóteses:

a. Cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo


controlador;
b. Execução de políticas públicas, pela administração pública, de
políticas públicas previstas em leis ou regulamentos;

83
c. Realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre
que possível, a anonimização dos dados pessoais sensíveis;
d. Exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em
processo judicial, administrativo e arbitral;
e. Proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de
terceiro;
f. Tutela da saúde em procedimento realizado por profissionais da
área da saúde ou por entidades sanitárias;
g. Prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de
identificação e autenticação de cadastro em sistemas
eletrônicos.

12.6. Término do tratamento de dados

O tratamento de dados deverá ser encerrado, nas seguintes hipóteses:

a. Verificação de que a finalidade foi alcançada;


b. Verificação de que os dados deixaram de ser necessários ou
pertinentes ao alcance da finalidade específica almejada;
c. Fim estipulado do período de tratamento;
d. Comunicação do titular, solicitando o encerramento.

Após o término do tratamento, os dados pessoais deverão ser


eliminados, sendo permitida a conservação apenas para: a) o cumprimento de obrigação
legal ou regulatória pelo controlador; b) o estudo por órgão de pesquisa; c) transferência
a terceiro, desde que respeitados os requisitos de tratamento de dados dispostos na lei; d)
uso exclusivo do controlador, desde que anonimizados os dados, vedado seu acesso por
terceiro.

12.7 Direitos do titular dos dados pessoais

A titularidade dos seus dados pessoais será sempre do indivíduo, em


que pese o consentimento de utilização por terceiro, sendo-lhe resguardado, entre outros,
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o direito de obter do controlador, mediante requisição: a) a confirmação da existência de
tratamento; b) o acesso aos dados; c) a correção de dados incompletos, inexatos ou
desatualizados; d) a anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários,
excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto na lei; e) a revogação do
consentimento para tratamento.

12.8. Agentes de tratamento

Os agentes de tratamento de dados são: (1) o controlador e (2) o


operador, assim definidos no artigo 5º da lei em estudo:

Controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado,


a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados
pessoais.

Operador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado,


que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador.

A esses agentes é imposto o dever de manter registro das operações de


tratamento de dados pessoais que realizarem, sendo que o operador deverá realizar o
tratamento segundo as instruções fornecidas pelo controlador.

Além dessas figuras, a lei também trouxe, no artigo 5º, a figura do


encarregado pelo tratamento, nos seguintes termos:

Encarregado: pessoa indicada pelo controlador para atuar como canal


de comunicação entre o controlador, os titulares dos dados e a
Autoridade Nacional de Proteção de Dados;

As atividades do encarregado consistem em: a) aceitar reclamações e


comunicações dos titulares, prestar esclarecimentos e adotar providências; b) receber
comunicações da autoridade nacional e adotar providências; c) orientar os funcionários e
os contratados da entidade a respeito das práticas a serem tomadas em relação à proteção

85
de dados pessoais; d) executar as demais atribuições determinadas pelo controlador ou
estabelecidas em normas complementares.

12.9. Segurança dos Dados

Os agentes de tratamento são responsáveis pela adoção de medidas de


segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de:

a. Acessos não autorizados;


b. Situações acidentais de destruição, perda, alteração,
comunicação;
c. Situações ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação;
d. Qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.

Todo e qualquer incidente de segurança verificado deverá ser


comunicado pelo agente de controle ao titular do dado pessoal e à autoridade nacional,
que é o órgão da administração pública responsável por zelar, implementar e fiscalizar o
cumprimento da lei de proteção de dados.

A comunicação deverá mencionar, no mínimo:

a. A descrição da natureza dos dados pessoais afetados;


b. As informações sobre os titulares envolvidos;
c. A indicação das medidas técnicas e de segurança utilizadas para
a proteção dos dados;
d. Os riscos relacionados ao incidente;
e. As medidas que foram ou que serão adotadas para reverter ou
mitigar os efeitos do prejuízo.

Quando da comunicação, a autoridade nacional poderá determinar a


ampla divulgação do incidente em meios de comunicação, a fim de resguardar os titulares
dos dados, assim como determinar a adoção de medidas pelo controlador para reverter ou
mitigar os efeitos do incidente.

86
12.10. Responsabilidade dos Agentes de tratamento

Os agentes de tratamento que violarem as normas da legislação de


proteção de dados pessoais, causando dano patrimonial ou moral aos titulares dos dados,
responderão pela indenização devida.

Apenas não serão responsabilizados quando provarem:

a. Que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é


atribuído;
b. Que, embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais
que lhes é atribuído, não houve violação à legislação de proteção
de dados;
c. Que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados
ou de terceiro.

12.11. Das Sanções Administrativas

A lei de proteção traz quais serão as penalidades aplicadas aos agentes


de tratamento que violem a legislação, quais sejam:

a. Advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas


corretivas;
b. Multa simples, de até 2% (dois por cento) do faturamento da
pessoa jurídica, limitada, no total, a cinquenta milhões de reais,
por infração;
c. Multa diária, nos mesmos limites da multa simples;
d. Publicização da infração;
e. Bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua
regularização;
f. Eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração.

Este são os principais tópicos sobre a lei de proteção de dados pessoais


analisados em nossa disciplina. Considerando a atualidade da lei, a aula foi voltada apenas
87
a apresentação e explicação dos principais institutos, sendo que a aplicação prática da
legislação será verificada apenas após a entrada em vigor do respectivo instituto.

Conclusão

A disciplina teve por objetivo apresentar as noções básicas do Direito,


relacionadas à área da Segurança da Informação. Buscou-se o aprendizado das noções
introdutórias de direito, do direito constitucional e do direito penal, além de estudo do
direito probatório, voltado à realização de perícia forense, tanto na área criminal como na
área cível, do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

O material apresentado é apenas um apoio das aulas realizadas na


disciplina, devendo ser utilizado como um complemento, eis que os conceitos foram
apresentados de forma mais aprofundada durante as vídeo-aulas.

Além da leitura das leis e dispositivos recomendados nas aulas, abaixo


estão alguma das bibliografias indicadas para o estudo das matérias apreciadas nesta
disciplina.

Indicação bibliográfica

AMARAL, Paulo Osternack. Provas: atipicidade, liberdade e instrumentalidade. 2 ed.


São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2015.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: volume 1, parte geral. 16 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.

DEL MASSO, Fabiano. Marco Civil da Internet. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2014.

88
DONEDA, Danilo. A proteção de dados pessoais nas relações de consumo: para
além da informação creditícia. Escola Nacional de Defesa do Consumidor;
elaboração Danilo Doneda. Brasília: SDE/DPDC, 2010.

ESTEFAM, André. Direito penal esquematizado: parte geral. 5 ed. São Paulo: Saraiva,
2016.

JESUS, Damásio de. Marco Civil da Internet. São Paulo: Saraiva, 2014.

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito Penal. 3 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2016.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MAÑAS, José Luis Piñar. El derecho fundamental a la protección de dados


personales(LOPD). In: (Dir.). Protección de datos de carácter personal en Iberoamérica.
Valencia: Tirant Lo Blanch, 2005

MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017.

OLIVEIRA, Erival da Silva. Direito Constitucional. 4 ed. S São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2016.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito processual penal esquematizado. 5 ed. São
Paulo: Saraiva, 2016.

KAKU, Willian Smith. Internet e comércio eletrônico: pequena abordagem


sobre a regulação da privacidade. In: ROVER, Aires José (Org.) Direito, Sociedade
e Informática: limites e perspectivas da vida digital. Florianópolis: Boiteaux, 2000.

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