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Sumário

1. Conceito ................................................................................................................................................. 6
2. Amplitude da advocacia extrajudicial ....................................................................................... 6
2
3. Serviços extrajudiciais ...................................................................................................................... 7
4. Da deontologia dos notários e registradores ..................................................................... 10
4.1 Obrigações documentais ................................................................................................................. 10

4.2 Obrigações pessoais .......................................................................................................................... 12

4.3 Obrigações tributárias ................................................................................................................. 13


4.4 Obrigações técnicas ........................................................................................................................... 14

5. Da representação ............................................................................................................................. 15
5.1. Espécies de representação ............................................................................................................. 16

5.2. Contrato consigo mesmo ............................................................................................................... 18

5.3. Do mandato ......................................................................................................................................... 20

5.4. Da Procuração ..................................................................................................................................... 21

5.5. Do objeto do mandato ................................................................................................................... 22

5.6. Da procuração em causa própria ............................................................................................... 27

6. ESCRITURAS PÚBLICAS .................................................................................................................. 31


6.1. Conceito ................................................................................................................................................. 31

6.2. Classificação.......................................................................................................................................... 32

6.3. Natureza jurídica ................................................................................................................................ 32

6.3 Características ....................................................................................................................................... 33

6.4. Estrutura Jurídica ................................................................................................................................ 34

6.4.1. Elemento subjetivo .................................................................................................................... 34

6.4.2. Elemento objetivo ...................................................................................................................... 35


6.4.3. Elemento formal.......................................................................................................................... 35

6.5. Requisitos da escritura pública .................................................................................................... 35

6.5.1. Quanto à competência territorial do tabelião ............................................................... 36 3

6.5.2. Quanto a data .............................................................................................................................. 36

6.5.3. Quanto ao horário ..................................................................................................................... 37

6.5.4. Quanto a qualificação dos sujeitos .................................................................................... 37

6.5.5. Quanto ao reconhecimento da capacidade e identidade das partes ................. 45

5.5.6. Quanto ao idioma ...................................................................................................................... 46

5.5.7. Quanto a manifestação de vontade................................................................................... 47

5.5.8. Quanto ao objeto ....................................................................................................................... 48

5.5.9. Quanto as exigências fiscais .................................................................................................. 52

5.5.10. Quanto as exigências legais ................................................................................................ 52

5.5.11. Quanto a leitura e assinatura ............................................................................................. 54

7. Escrituras de divórcios e separações....................................................................................... 54


7.1 Conceito .................................................................................................................................................. 56

7.2 Pressupostos (Elementos de existência).................................................................................... 56

7.3. Classificação.......................................................................................................................................... 56

7.4. Legitimidade ......................................................................................................................................... 57

7.5. Efeitos do Divórcio ............................................................................................................................ 57

8. Escrituras de inventários ............................................................................................................... 58


8.1. Conceito de Sucessão ...................................................................................................................... 58

8.2. Natureza Jurídica ................................................................................................................................ 59

8.3. Espécies de Sucessão ....................................................................................................................... 59


8.4. Abertura da Sucessão Universal e Legítima Ab Intestato ................................................ 60

8.5. Transmissão da Herança ................................................................................................................. 61

8.6. Lugar da Abertura do Inventário ................................................................................................ 61 4

8.7. Inventariante......................................................................................................................................... 62

8.8. Pressupostos do Inventário Extrajudicial ................................................................................. 64

9. Registro de títulos e documentos ............................................................................................ 66


10. REGISTRO DE IMÓVEIS ............................................................................................................... 71
10.1. Conceito de registro em sentido estrito ............................................................................... 71

10.2. Sistema registral ............................................................................................................................... 71

11. Retificação de registros .............................................................................................................. 73


11.1. Retificação quanto à fonte .......................................................................................................... 74

11.1.1. Retificação do título................................................................................................................ 74

11.1.2. Retificação do assento registral......................................................................................... 74

12. Usucapião extrajudicial ............................................................................................................... 78


12.1 Da ineficácia da ata notarial para fins de usucapião........................................................ 80

12.2 Da impossibilidade do tabelião de notas atestar a posse ............................................. 81

12.3 Da impossibilidade do tabelião de notas atestar o tempo ........................................... 83

12.4. Da ilegalidade dos emolumentos da ata notarial para fins de usucapião ............ 85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................... 90


Olá, amigo (a)!

Considerando que a ADVOCACIA EXTRAJUDICIAL vem se


destacando na área jurídica, com a ampliação de serviços prestados pelo advogado,

preparamos esse material de apoio para sua Advocacia Premium.

Por isso, eu, Professor Marcus Kikunaga, preparei esse material com muito carinho a

você, com o objetivo de auxiliá-lo nesse novo nicho de mercado.

LEMBRE-SE:

“Sucesso é uma questão de não desistir,

e fracasso é uma questão de desistir


cedo demais.”

(Walter Burke)
ADVOCACIA EXTRAJUDICIAL
6

1. Conceito
A advocacia extrajudicial pode ser definida como a atividade essencialmente jurídica
prestada pelo advogado na esfera consensual, orientando os clientes nas decisões de
atos e negócios jurídicos, elaborando pareceres e prestando assessoria.

2. Amplitude da advocacia extrajudicial

JUDICIAL
(Litígio) PAZ
SOCIAL
EXTRAJUDICIAL
(Consenso)
A representação acima demonstra que nosso sistema jurídico tem como objetivo a
paz social.
No campo da esfera litigiosa, a busca é pela promoção de meios de solução dos
litígios até alcançar a pacificação das relações jurídicas, enquanto na esfera consensual
a intenção é a manutenção da estabilidade das relações jurídicas.
3. Serviços extrajudiciais
A Lei nº 8.935/94, conhecida como Lei dos Notários e Registradores, é uma lei
estrutural deste microssistema, a qual demonstra o objetivo de operacionalizar o direito 7

privado, além de tutelar a soberania do Estado Brasileiro e os princípios constitucionais


fundamentais e sociais, bem como o sistema tributário.
O Direito Notarial como o ramo de estudo jurídico visa gerar efetividade e economia
na materialização do Direito, definido pela autenticação da vontade real nos atos e
negócios jurídicos que visem a constituição, transferência, modificação e renúncia de
direitos, exigidos por lei, para sua validade e eficácia.
Por outro lado, quando se trata de Direito Registral, podemos definir como estrutura
administrativa descentralizada, na qual assenta as informações de pessoas e bens, no
intuito de gerar sua eficácia pela publicização de seus atos, outorgando a eles a
presunção relativa de autenticidade e segurança, salvo defeitos ou vícios no título
assentado.
Desse modo, a Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) atribuiu as pessoas
naturais e jurídicas, as especialidades do Registro Civil e aos bens, as especialidades de
Registro de Títulos e Documentos e Registro de Imóveis.
Pensamos que impropriamente, essas funções extrajudiciais são fiscalizadas pelas
Corregedorias Gerais da Justiça dos Tribunais de Justiça de cada Estado, composta por
juízes corregedores permanentes ou diretores do fórum, responsáveis por ser o primeiro
fiscal, distribuindo-se pelas comarcas, conforme dispõe os artigos 37 e 38 da Lei nº
8.935/94:
Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos

artes. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita
estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação
de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte
de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.

Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a 8

existência de crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e


os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Art. 38. O juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro
sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente,

podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada


e melhor prestação desses serviços, observados, também, critérios populacionais
e socioeconômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística. (g.n.)

Nessa linha, sintetizamos o conceito de Registro Público, como a serventia


extrajudicial, responsável por assentar títulos que visem a constituição, transferência,
modificação e renúncia de direitos, estado da pessoa (física ou jurídica) ou situação
jurídica, após a qualificação positiva da presença dos requisitos legais, outorgando-lhes
eficácia e presunção relativa de autenticidade.1
Imperioso esclarecer, que ambas atividades, notarial e registral, têm como finalidade,
auxiliar o Poder Judiciário, instrumentalizando atos ou negócios consensuais que visam
constituir, transferir, modificar ou extinguir direitos, tornando-os efetivos, na busca da
paz social, enquanto que se reserva aos ofícios de justiça, a instrumentalização da lide,
visando o mesmo objetivo.

1
MARCUS KIKUNAGA, Direito Notarial e Registral à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editorial Lepanto,
2019, p. 16
Para a Lei nº 8.935/94, a atividade notarial e a registral são caracterizadas pela
organização técnica e administrativa para operacionalização dos institutos jurídicos.
Ademais, é notório que a atividade notarial e registral é definida como um exercício
9
de serviço público prestado por um particular, de forma delegada, pelo Poder Público
para dar maior acessibilidade à sociedade à efetividade do Direito, quando a lei assim o
exigir.
Essa organização técnica da atividade notarial e registral tem como ponto
fundamental o dever de amplo conhecimento em Direito de todos os profissionais que
prestam esse serviço, desde o particular delegado até seus prepostos, permitindo à
sociedade a utilização de seus serviços da forma mais ampla possível, de acordo com os
preceitos constitucionais e legais.
Ademais, a organização administrativa da serventia notarial e registral deve ser
organizada de modo a permitir que os serviços sejam prestados de forma eficiente e
segura, possibilitando a pronta busca de informações acerca de seus serviços, ou seja, a
metodologia laboral deve ser logicamente organizada para que a população seja
atendida prontamente, sem maiores transtornos, devendo a informação ser prestada de
forma adequada e segura.
Enfim, podemos sintetizar o conceito da atividade notarial e registral como “a forma
instrumental de operacionalização dos institutos jurídicos, outorgando-lhes efetividade,
segurança, autenticidade e publicidade”.
4. Da deontologia dos notários e registradores
As obrigações ou deveres a todos os delegatários da atividade notarial e registral
decorrem do art. 30 da Lei Federal nº 8.935/94, devendo o titular observá-las sob pena 10

de responsabilidade disciplinar administrativa.


Para um entendimento didático, dividimos os deveres dos notários e registradores
em quatro partes, que veremos a seguir.2

4.1 Obrigações documentais


Essa primeira classificação tem como fundamento o princípio da segurança,
anteriormente analisado, cujo principal vetor é a conservação do acervo3, conforme se
depreende nas obrigações abaixo descritas:
1º) Manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os
em locais seguros – significa que o titular da serventia deve garantir que o acervo e os
impressos de segurança sejam guardados e conservados em locais seguros, tanto de
manuseio, quanto condições de temperatura e umidade adequadas. É dever do
delegatário ainda, fazer backups ou cópias de segurança dos arquivos digitalizados,
tendo em vista a insegurança dos sistemas eletrônicos, capazes de sofrer ataques
cibernéticos que possam afetar os documentos originais. Este dever independe de
autorização do Corregedor Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça, como
bem exemplifica o art. 13 da Consolidação Normativa do Estado do Rio Grande do Sul 4

2 Manual de Prática Imobiliária – inclui Prática Notarial e Registral, p. 11.


3 Lei nº 6.015/73 - Art. 24. Os oficiais devem manter em segurança, permanentemente, os livros e documentos
e respondem pela sua ordem e conservação.
4 Consolidação Normativa do Estado do Rio Grande do Sul - Art. 13 – A adoção de sistema de computação,

microfilmagem, disco óptico ou outros meios de reprodução independe da autorização da Corregedoria. § 1º


– Feita a opção pela informatização, o programa utilizado e o banco de dados fazem parte do acervo do
Serviço. § 2º – A CGJ acompanhará permanentemente a implementação da informatização e os resultados
2º) Manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos, regimentos,
ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade – significa
que o titular da serventia deve ser um repositório de todas as normas legais e
11
administrativas que influenciem a sua atividade, principalmente àquelas de sua
competência territorial, como as leis municipais, lei orgânica do município, plano diretor,
etc. Deve o delegatário manter-se sempre atualizado e informado sobre as mudanças
legislativas e normativas, não cabendo alegação de desconhecimento em caso de
descumprimento de norma imposta por lei, regulamento, provimento, regimento, ordem
de serviço ou qualquer outro ato que diga respeito à sua atividade. Nesse passo,
podemos exemplificar a materialização deste dever, na prescrição do art. 25 da Lei nº
10.257/01, a qual determina o direito de preempção municipal previstas no plano diretor
do município5, sendo que o Oficial de Registro de Imóveis, obriga-se a lançar no
indicador real (livro nº 04) a certificar em todas as certidões expedidas, se o imóvel está
ou não em área de eventual exercício do direito de preferência por parte do ente
municipal, para que o titular do bem possa cumprir essa obrigação legal e cogente, sob
pena de nulidade.

obtidos. § 3º – Deve o programa facilitar a busca pelo nome, apelido de família e, quando disponível, nº de
inscrição no CPF-MF, nº do registro geral da cédula de identidade, entre outros dados, visando a facilitar o
acesso e a fiscalização. § 4º – O salvamento dos lançamentos deve ocorrer através de duas cópias: uma
diária, guardados os disquetes na própria sede do Serviço, e outra, semanal, a ser armazenada em local
distinto, com as cautelas devidas. § 5º – O sistema informatizado não poderá ficar desativado por mais de
três dias, face ao fornecimento de certidões, ficando o titular responsável pela substituição do equipamento,
se necessário.
5 Lei nº 10.257/01 - Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para

aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.


§ 1o Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e
fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo
inicial de vigência.
§ 2o O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado na forma do § 1o,
independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel.
3º) Facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas
legalmente habilitadas – significa dizer que o titular da serventia tem o dever de
informação às autoridades judiciárias ou administrativas, principalmente nos casos em
12
que se faça necessário perícia no acervo da serventia, situação na qual o titular deverá
informar o juiz corregedor permanente de sua serventia, assim que for designado dia e
hora pela autoridade competente, conforme dispõe o ar. 46 da Lei 8935/94.
Art. 46. Os livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de
computação deverão permanecer sempre sob a guarda e responsabilidade do
titular de serviço notarial ou de registro, que zelará por sua ordem, segurança e
conservação.

Parágrafo único. Se houver necessidade de serem periciados, o exame deverá


ocorrer na própria sede do serviço, em dia e hora adrede designados, com ciência

do titular e autorização do juízo competente.

4.2 Obrigações pessoais


1º) Atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza – significa que o
atendimento ao público deve ser feito de modo efetivo, sem delongas, de forma
educada, atenciosa e que o serviço surpreenda o usuário com sua rapidez, garantindo-
se o melhor atendimento possível aos usuários, prestando o serviço de forma exemplar.
2º) Proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades profissionais
como na vida privada – significa que o titular da serventia deve honrar a atividade,
portando-se frente a sociedade por meio de uma conduta inabalável em qualquer
momento, guardando inclusive a discrição com seus serviços e com os usuários.
3º) Guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que
tenham conhecimento em razão do exercício de sua profissão – significa que o titular
da atividade notarial ou registral deve guardar silêncio sobre as informações que tenha
recebido nas manifestações de vontade de seus usuários ou na prática dos atos de
registro, principalmente quanto ao estado da pessoa natural.
13

4.3 Obrigações tributárias


1º) Afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos
em vigor – essa obrigação é cumprida segundo Walter Ceneviva com a afixação de
cartazes em quadros, para que o interessado ou usuário do serviço possa conferir com
precisão os valores indicados e em local para leitura de qualquer do povo.6-7
2º) Observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício – significa
cumprir rigorosamente os valores fixados na Tabela de Emolumentos, conforme lei
estadual específica, não se podendo cobrar nem a mais nem a menos.
3º) Dar recibo dos emolumentos percebidos – significa a presunção de quitação daquele
que paga8;
4º) Fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar
– significa que deve o delegatário exigir o comprovante expedido pela autoridade fiscal
competente ou certidão negativa, de isenção ou imunidade, restringindo-se tão somente
a isso, não devendo entrar no mérito do quantum recolhido.9 Ademais, firmou-se na

6 Lei dos Notários e dos registradores comentada, p. 223.


7 Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (Provs. CGJ 08/13 e
15/2013) – item 72. Os notários e registradores manterão na serventia uma versão da tabela de
emolumentos em Alfabeto Braille ou em arquivo sonoro (áudio-arquivo) e item 72.2. O arquivo sonoro
(áudio-arquivo) da versão da tabela de emolumentos deverá ser disponibilizado de forma segmentada, de
modo a facilitar a obtenção das informações pelos portadores de necessidades especiais, cabendo aos
notários, registradores e seus prepostos auxiliar o usuário na localização da informação desejada.
8 Lei dos Notários e dos registradores comentada, p. 224.
9 Ibid., p. 225.
jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, a orientação pacífica
de que é de competência do delegatário verificar apenas se houve recolhimento
tributário no ato que se busca praticar, e não sobre a integralidade de seu valor, devendo
14
eventual diferença de crédito tributário ser reclamada pela Fazenda em sede própria. 10
Este tema será melhor abordado no capítulo 3 um pouco adiante.

4.4 Obrigações técnicas


1º) atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos, informações ou
providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades judiciárias ou administrativas
para a defesa das pessoas jurídicas de direito público em juízo – significa que os
requerimentos das autoridades passam na frente de outros usuários no atendimento,
haja vista a atividade notarial e registral ter cunho administrativo.11
2º) Observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício – esse dever
tem como fundamento, em especial os oficiais registradores, pois como Walter
Ceneviva12 recorda que a Lei nº 6.015/73 impõe o prazo máximo de 5 (cinco) dias para
emissão de certidão, conforme art. 19:
Art. 19. A certidão será lavrada em inteiro teor, em resumo, ou em relatório,

conforme quesitos, e devidamente autenticada pelo oficial ou seus substitutos


legais, não podendo ser retardada por mais de 5 (cinco) dias.

10Conselho Superior da Magistratura - Apelação Cível nº 28.382-0/7 Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga j.
28.9.1995 Localidade: São Paulo – Dúvida - Formal de partilha extraída de autos de arrolamento -
Verificação, pelo Oficial, do recolhimento do imposto, mas não de seu valor - Recurso provido – No mesmo
sentido: CSM/SP – Apelação Cível nº 268.549 Localidade: São Bernardo do Campo – j. 05.5.1978 Rel.
Andrade Junqueira e CSM/SP – Apelação Cível nº 12.062-0/5 Localidade: Espírito Santo do Pinhal – j.
22.1.1991 Rel. Des. Onei Raphael.
11 Lei dos Notários e dos registradores comentada, p. 218.
12 Ibid., p. 224.
3º) Encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida
a sistemática processual fixada pela legislação respectiva – significa que deve o
delegatário encaminhar o procedimento de dúvida administrativa quando requerido pelo
15
interessado, sendo que este procedimento está previsto no art. 198 da Lei nº 6.015/73.
Art. 198 - Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não
se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo
satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida,

remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte: (...)

4º) Observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente – esse dever tem
a finalidade de obrigar o titular da serventia a cumprir os atos definidos em provimentos,
resoluções dos entes reguladores, como a Corregedoria Geral da Justiça, o Conselho
Superior da Magistratura e o Conselho Nacional de Justiça.

5. Da representação
O verbo representar significa estar no lugar de alguém, substituir uma pessoa,
fazer o papel que lhe incumbia, projetar sua vontade em uma relação jurídica13.
Historicamente, no direito romano, o vínculo obrigacional nas relações jurídicas
tinha o caráter personalíssimo e solene, haja vista o pressuposto da manifestação da
vontade diretamente de seu emissor (interessado)14.

13
Rizzardo, Arnaldo, 1942 – Parte Geral do Código Civil – 7. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 401
14
Pereira, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil, vol. I, 27. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 513
Nas palavras de Roberto Ruggiero, há representação quando “alguém pratica um
ato jurídico em lugar de uma outra pessoa com a intenção de que esse ato valha como
se fosse praticado por essa outra e produzindo realmente para ela os seus efeitos”15.
16
Objetivamente, Pontes de Miranda obtempera que na representação, o
representante manifesta ou apenas comunica a vontade, o conhecimento ou sentimento
de outrem16.

5.1. Espécies de representação


Na análise do Código Civil de 2002, no art. 115, a representação pode ser de 2
(duas) espécies, a legal, também conhecida como de ofício e a convencional ou
voluntária17.
Art. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.

A representação legal ou de ofício é aquela que se manifesta pela previsão


normativa ou mandamento da lei, como na hipótese dos absolutamente incapazes, que
não podem manifestar suas vontades nos negócios jurídicos, pela ausência de
capacidade de exercício, ou ainda os deficientes mentais ou todos aqueles que não
possam exprimir sua vontade.
Desse modo, apesar da pessoa jurídica ser um ente abstrato, o Código Civil atual
estabelece que haverá órgãos de deliberação e execução da pessoa jurídica, como dispõe
o art. 54, inciso V, assim como é o espólio, considerado como uma universalidade de

15
Ruggiero, Roberto de – Instituições de Direito Civil – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1974, vol. I, p. 214 apud Rizzardo,
Arnaldo, 1942 – Parte Geral do Código Civil – 7. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 402
16
Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado – Rio de Janeiro: Borsoi, 194, vol. III, p. 241 apud Rizzardo, Arnaldo,
1942 – Parte Geral do Código Civil – 7. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 402
17
Pereira, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil, vol. I, 27. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 516
bens, enquanto não for feita a partilha da herança18, ou ainda o caso da massa falida,
herança jacente e liquidante da sociedade.
Por outro lado, a representação convencional ou voluntária é aquela que se
17
manifesta com a autorização do representado, o qual outorga, transfere ou aceita que
o representante possa manifestar a vontade, praticar atos ou administrar interesses em
seu nome, como no mandato, preposição ou nunciação.
Nesse passo, os critérios impostos em cada espécie seria o grau de confiança do
representado no representante e o grau de discricionariedade para a manifestação de
vontade do representante, cujos limites devem ser expressos no instrumento de
representação, quando for o caso.
Outrossim, necessário se faz enaltecer que o grau de confiança e de
discricionariedade são fundamentais para a segurança dos negócios jurídicos, onde se
fará necessária a representação do interessado.
No caso do mandato, o grau de confiança e de discricionariedade em geral é
elevado, pois a natureza jurídica do mandato é contratual pura, estabelecendo-se entre
o mandante (representado) e o mandatário (representante), uma relação, em geral,
técnica e profissional, como é o caso da advocacia. A confiança no advogado é
fundamental para haver a representação processual numa demanda judicial, pela qual,
no contrato de honorários, é ajustado a extensão do objeto (até qual instância haverá a
representação processual, o valor dos honorários advocatícios, os direitos e obrigações
do cliente (representado) e os direitos e obrigações do advogado (representante).
Na hipótese da preposição, em linhas bem simples, há confiança, porém, esta se
dá pela subordinação laboral do contrato de trabalho, como é o caso da representação

18
Pereira, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil, vol. I, 27. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 517
notarial ou registral, cujos delegatários nomeiam e autorizam a extensão na prática de
atos operacionais do serviço. Nesta situação, o grau de discricionariedade e confiança
podem ser classificados como médios, pois cada funcionário possui sua característica e
18
experiência profissional, que os diferenciam.
Porém, no caso da nunciação, a confiança e o grau de discricionariedade são
bastante restritos ou quase nenhum. Nesta espécie de representação, entendemos que
o representado outorga poderes extremamente vinculados ao representante, para que
este, em seu nome, pratique atos, como é o caso da procuração em causa própria e
mandato em causa própria. Discordamos, com o natural respeito, da opinião, do Prof.
Caio Mário da Silva Pereira, sobre esta espécie, pois em suas palavras, é “... indispensável,
excluir da representação a figura do mensageiro ou núncio, que não emite uma
declaração de vontade própria, porém, se limita a ser o portador da manifestação volitiva
de outrem, que transmite como recebe, e não comparece no negócio jurídico, mas é
mero porta-voz do interessado”19.

5.2. Contrato consigo mesmo


Tendo em vista o elemento fundamental dos negócios jurídicos ser a manifestação
da vontade, o artigo 117 do Código Civil permitiu ao representante agir em seu interesse
ou por conta de outrem, desde que haja autorização do representado ou da lei.
Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico
que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo
mesmo.

19
Clóvis Beviláqua, Teoria Geral, §61; Ruggiero e Maroi, Istituzioni, §28; Enneccerus, loc. cit; Oertmann, loc. cit. apud
Pereira, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil, vol. I, 27. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 514
Sendo assim, apesar da representação ser a atuação de terceiro em nome do
representado, na nova sistemática civil foi expressamente autorizada a dupla
representação, na hipótese de haver apenas um representante para dois representados,
19
com interesses convergentes, não havendo envolvimento do representante no negócio,
mas com efeitos jurídicos apenas aos representados20.
Na outra hipótese, o representante é autorizado pelo representado a negociar
consigo mesmo, pela impossibilidade de se formalizar o contrato negocial de forma
imediata, pela ausência de documentos ou ainda pela dinâmica dos negócios jurídicos.
Apesar de a doutrina denominar este negócio jurídico de contrato consigo mesmo
ou autocontratação, este autor discorda desta falsa ideia de um contrato sem a presença
da outra parte, que na verdade é um instrumento de nunciação, pelo qual o negócio é
estabelecido em todos os seus elementos previamente, e em momento diverso e
superveniente o representante (e interessado), obedece às formalidades legais, como no
caso a lavratura de uma escritura pública translativa de propriedade.
Na mesma toada, Athos Gusmão Carneiro preleciona que “é necessário de início
precisar que não se cuida da hipótese, de todo impossível, de contrato entre uma pessoa
e a própria pessoa”, afirmando ainda que parece ser majoritário o entendimento de que
este tipo de contrato só é admitido nas hipóteses em que rigorosamente esteja afastado
o conflito atual ou virtual de interesses.21
Sendo assim, o contrato consigo mesmo é na verdade o instrumento definitivo
do negócio jurídico entabulado entre as partes, representado e interessado
(representante do primeiro).

20
Gonçalves, Carlos Roberto – Direito civil esquematizado, vol. 1, 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 293
21
Carneiro, Athos Gusmão, Revista dos Tribunais – ano 3 – n. 11 –abr-jun/1995 – Cadernos de Direito Tributário e
Finanças Públicas, p. 256
Nesse ponto, essa representação é materializada pela procuração em causa
própria, a qual iremos tratar com mais profundidade logo a seguir.

20

5.3. Do mandato
A etimologia da palavra mandato origina-se do verbo mandare (de manu + dare), cujo
significado seria “dar as mãos”, ou “dar cargo...cometer, ordenar, mandar”22, nos orienta melhor
no sentido de “dar poder”.
Jones Figueiredo Alves afirma que “o traço característico do mandato, portanto, é a
representação decorrente da fidúcia, da confiança, possibilitando ao mandante agir como se
estivesse a um só tempo em dois lugares”.23
Outrora, nas palavras de Pontes de Miranda, mandato seria “o contrato pelo qual se criam
a alguém o dever e a obrigação, perante outrem, da gestão de negócios que se lhe entregam,
com ou sem poder de representar”.24
Imperioso se faz o alerta de Pontes de Miranda sobre a distinção do contrato de mandato
com o negócio jurídico unilateral da outorga de poderes, contidos na procuração.25
Dessa perspectiva, Pontes de Miranda afirma ser o mandato um contrato unilateral ou
bilateral, em que há prestação de serviços, ou de obra, e poder de representação ou outro poder,
além da necessidade de que o ato seja praticado em nome do mandante.26

22
Limongi França, Rubens – Instituições de Direito Civil, 4.ed.atual. – São Paulo: Saraiva, 1996, p. 809
23
Código Civil Comentado, coord. Ricardo Fiuza, 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.599
24
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
04
25
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
04
26
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
04
Assim, ao analisarmos o mandato, temos que enquadrá-lo como um contrato pelo qual
o mandatário age em nome do mandante, considerando o grau de discricionariedade do
mandatário.
21

5.4. Da Procuração
Como comentamos anteriormente, a procuração se caracteriza por sua instrumentalidade
ou materialização da outorga de poder de representação, sendo abstrata.
Para Pontes de Miranda, a procuração é dação de poder, é negócio jurídico unilateral,
que se constitui pela manifestação de vontade receptícia do representando.27
Interessante notar, que a materialização dos poderes decorrentes da representação se dá
com a outorga da procuração, a qual Pontes de Miranda assevera: “tem-se de atender a que a
outorga de poder de representação, que vai no instrumento, é por declaração unilateral,
receptícia, de outorga, e não se confunde com o negócio jurídico bilateral do mandato”.28
Diferenciar o mandato e a procuração é fundamental para se esclarecer que os efeitos
do mandato em causa própria e da procuração em causa própria são idênticos, porém, sua
operacionalização é diferenciada, no momento em que o primeiro engloba o segundo, o que
não acontece na situação oposta.
Referenda nosso alerta Pontes de Miranda, ao afirmar: “é da maior relevância distinguir-
se, sempre, do mandato a procura. Mesmo se, no caso, as regras jurídicas são as mesmas, é
preciso que se saiba, com exatidão, de que é que se está falando: se de mandato, ou se de
procuração, se do contrato, ou se do negócio jurídico unilateral de outorga”.29

27
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
09
28
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
13
29
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
21
É importante esclarecer que enquanto a procuração exige forma escrita, seja particular
ou pública, o mandato não exige forma prescrita, podendo ser expresso (verbal ou escrito) ou
até mesmo tácito.
22
No entanto, se o objeto do mandato exigir forma escrita, não será possível o mandato
verbal, como determina o art. 657, 2ª parte, do Código Civil Brasileiro. Da mesma forma, se a lei
exigir forma prescrita única (forma pública) ou plúrima (admissão da forma particular ou pública),
assim o será a representação, conforme dispõe o princípio da simetria, previsto no art. 657 do
Código Civil Brasileiro.
O princípio da simetria se fundamenta na exigência de requisitos formais previstos no art.
104, inciso III do Código Civil, no momento em que a lei exige forma especial em determinadas
situações, seja por instrumento particular, feito e assinado pelas partes integrantes do negócio,
ou por instrumento público, elaborado, lido e conferido pelo Tabelião de Notas ou Oficial do
Registro Civil das Pessoas Naturais30.

5.5. Do objeto do mandato


Objetivamente, podemos afirmar que podem ser objeto de mandato todos os atos
patrimoniais ou não patrimoniais, tendo por parâmetro o art. 104, II, do Código Civil, o qual
determina que para a validade dos negócios jurídicos o objeto deve ser lícito, possível,
determinado ou determinável.
Desse modo, no momento da contratação do mandato, ou ainda, no momento da
outorga da procuração, é necessário compreender a extensão dos poderes de representação.

30
Lei Federal nº 8.935/94, conhecida como Lei dos Notários e Registradores - Art. 52. Nas unidades federativas onde
já existia lei estadual específica, em vigor na data de publicação desta lei, são competentes para a lavratura de
instrumentos traslatícios de direitos reais, procurações, reconhecimento de firmas e autenticação de cópia
reprográfica os serviços de Registro Civil das Pessoas Naturais.
A esse propósito, é fundamental o entendimento real da redação do art. 661 do Código
Civil, haja vista a redação confusa e exemplificativa, a qual provoca muitas discussões no meio
jurídico de seu alcance e sentido.
23
Nesse diapasão, necessário se faz mencionar a divisão existente no art. 661, em relação
aos poderes do representante.
Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1o Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que


exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes

especiais e expressos.
§ 2o O poder de transigir não importa o de firmar compromisso.

No caput do art. 661, do Código Civil, está disposto: “O mandato em termos gerais só
confere poderes de administração.” Nele, estão previstos os poderes gerais, os quais são
determinados para os atos de mera administração de interesses, sejam patrimoniais ou não.
Podemos afirmar que o mandato ou a procuração em termos gerais, é hipótese em que,
em relação ao seu conteúdo e à sua extensão, só confere poderes de administração ordinária,
envolvendo, portanto, poderes para tratar da generalidade de interesses do representado,
assumindo, então, o representante de poderes genéricos, não claramente delineados.
Para Pontes de Miranda, o mandato em termos gerais não é para todos os negócios do
mandante, de modo que a cláusula “para quaisquer negócios”, sem maior explicitude, não passa
da outorga de poderes de administração.31
Porém, no parágrafo primeiro do mesmo artigo está prescrito que: “Para alienar,
hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária,
depende a procuração de poderes especiais e expressos.”

31
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
33
Para se compreender a ratio juris deste dispositivo, é necessário classificar os poderes.
Isso significa que a ideia transmitida pelo parágrafo primeiro do art. 661, é situar que serão
poderes especiais, em sentido amplo ou lato sensu, todos aqueles que extrapolarem os de mera
24
administração, isto é, qualquer ato diferente da administração ordinária se exigirá poderes
expressos e poderes especiais em sentido estrito ou stricto sensu, como por exemplo, a extinção
de dívidas, a fiança, confissão de dívida, reconhecimento de filho, a celebração de matrimônio,
a alienação ou oneração de bens imóveis, entre outros.
A distinção dos poderes especiais lato sensu e os poderes expressos e especiais stricto
sensu se faz necessário no momento em que a limitação dos poderes determina a relação de
confiança do representado com o representante.
Enquanto os poderes especiais lato sensu, determinam-se como sendo todos aqueles que
exorbitam da administração comum, são na verdade o resultado da conjugação dos poderes
expressos e especiais stricto sensu.
Isso significa que para que eu possa representar alguém em negócio jurídico imobiliário,
são requisitos mínimos dessa representação, a outorga de poderes de alienação e especialização
do imóvel.
Quando se trata dos poderes expressos, Pontes de Miranda ensina que esses poderes
são aqueles manifestados com explicitude, sendo expresso o mandato em que se diz: com
poderes para alienar, hipotecar, prestar fiança, não podendo ser considerado como especial.32
Com o devido respeito ao renomado jurista Pontes de Miranda, ousamos esclarecer que
poderes expressos são, na verdade, todos aqueles que determinam a abrangência da ação do
representante, cuja limitação se dá com os verbos declarados no instrumento de representação.
Isso se demonstra com a exemplificação que faz o parágrafo primeiro do art. 661 do Código

32
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
35
Civil, ao apresentar apenas alguns verbos, como alienar, transigir e hipotecar33, para demonstrar
a extensão ou limites dos poderes do representante (mandatário ou outorgado ou procurador).
Chegamos a essa conclusão justamente porque a função do verbo na gramática é definir
25
ações do sujeito da frase.
Outrossim, Pontes de Miranda conceitua os poderes especiais como os poderes
outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados,
exemplificando, que não poderá hipotecar o imóvel o mandatário que tem procuração para
hipotecar, sem se dizer qual o imóvel, pois nesse caso, haveria presente o poder expresso, mas
poder geral, e não especial.34
No entanto, quando se trata dos poderes especiais stricto sensu, entendemos que a lei
pretende que na outorga dos poderes de representação, o representado (mandante ou
outorgante) deva ainda definir a estrutura jurídica dos atos ou negócios que ficarão sob
responsabilidade do representante. Objetivamente, os poderes especiais stricto sensu são
aqueles que determinam a especialização ou individualização dos sujeitos, do objeto e da forma
de cumprimento e execução dos poderes outorgados.
Os poderes especiais stricto sensu possuem ainda outras duas classificações: (i) podem
ser genéricos ou; (ii) específicos.
Os poderes especiais stricto sensu serão genéricos quando houver a determinação de
qualquer dos elementos da estrutura jurídica do ato ou negócio a ser realizado pelo
representante.
Podemos exemplificar essa situação com o Enunciado 183 da III Jornada de Direito Civil
do Conselho da Justiça Federal, ao assentar: “Para os casos em que o parágrafo primeiro do art.
661 exige poderes especiais, a procuração deve conter a identificação do objeto.”

33
Nosso entendimento em relação ao verbo hipotecar diz respeito apenas aos direitos reais sobre coisas alheias de
garantia imobiliária, quando deveria o legislador ter utilizado o verbo “onerar”.
34
Miranda, Pontes de, Tratado de Direito Privado – Parte Especial – Tomo XLIII – Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1963, p.
35
Como vimos, essa espécie ocorrerá na hipótese em que houver, no mínimo, a
determinação do objeto da representação, como por exemplo, o imóvel que será objeto de
alienação.
26
Outrora, quando se trata dos poderes especiais stricto sensu específicos, o legislador
exige que o instrumento de representação se faça determinar todos os elementos da estrutura
jurídica do ato ou negócio em que o representante se fará realizar. Na linguagem mais direta,
essa situação ocorrerá naquelas hipóteses em que os poderes outorgados vinculam
completamente a especialização dos partícipes e objeto do ato ou negócio, como por exemplo,
comprador, vendedor e eventual interveniente, e imóvel a ser alienado, bem como a estipulação
da forma de execução dos poderes na procuração.
Nessa hipótese, o representante encontra-se totalmente vinculado aos poderes
conferidos, não havendo discricionariedade para agir, como nas outras situações, configurando,
na verdade, um instrumento de nunciação35.
O instrumento de nunciação, pode ser exemplificado nas procurações para casamento,
separação, divórcio, inventário e na procuração em causa própria.
Conclui-se que o notário ou registrador civil das pessoas naturais, que tenham essa
atribuição36, no momento da confecção do instrumento de representação deve ter cautela para
não permitir mais poderes do que os necessários e permitidos pelo representado.

35
O instrumento de nunciação seria aquele em que se retira grande parte ou toda discricionariedade do
representante, devido a relevância no negócio, eventual exigência legal ou pela vontade do representado nos atos
que possam comprometer o consentimento e possa gerar conflito de interesses.
36
Lei nº 8.935/94 - Art. 52. Nas unidades federativas onde já existia lei estadual específica, em vigor na data de
publicação desta lei, são competentes para a lavratura de instrumentos translatícios de direitos reais, procurações,
reconhecimento de firmas e autenticação de cópia reprográfica os serviços de Registro Civil das Pessoas Naturais.
5.6. Da procuração em causa própria
A cláusula em causa própria esta positivada em nosso sistema jurídico no art. 685
do Código Civil:
27
“Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não
terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o
mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens
móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.”

O art. 685 do Código Civil de 2002 tratou de forma explicita o que o Código
anterior era pontual, ao admitir que o mandato que contenha a cláusula em causa
própria, além de ser irrevogável, também o é ineficaz, se for revogado, além de não se
extinguir pela morte de qualquer das partes, e a dispensa de prestação de contas pelo
representante.
Claudio Luiz Bueno de Godoy, ao interpretar este artigo, assevera que a cláusula
em causa própria é, na realidade, instituída no interesse do representante.37
A cláusula em causa própria tem apoio na proteção geral do art. 117 do Código
Civil, o qual permite ao representante agir em seu interesse se assim o autorizar a lei ou
o próprio representado, conforme comentamos anteriormente.

Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico


que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo

mesmo.

37
Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência – coordenador Cezar Peluso – 8.ed.rev. e atual – Barueri, SP:
Manole, 2014, p. 673
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o
negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido
subestabelecidos.

28

Para muitos operadores do direito, a cláusula em causa própria é perigosa e


desaconselhável, tendo em vista que o representante poderá agir em benefício próprio,
podendo, potencialmente, prejudicar o representado38.
É de toda a verdade a afirmação acima, por isso, o art. 117 do Código Civil prevê
a anulação do negócio jurídico em que haja conflito de interesses e prejuízos ao
representado, nas hipóteses em que ele ou a lei não autorizar essa representação.
Em outra vertente, o Código Civil possibilita de forma transparente a possibilidade
de assegurar o representado e representante definitividade do negócio e agilidade na
circulação de riquezas.
Nesse passo, a cláusula em causa própria permite que o representado se faça
representar pelo representante, no interesse desse último, desde que não haja conflito
de interesses. De toda sorte, essa situação de conflito de interesses será excluída do
contexto do negócio a ser realizado, se houver a determinação pelo representado na
outorga ao representante, de poderes expressos e especiais stricto sensu específicos.
Vale dizer que o pressuposto para a cláusula em causa própria seria na verdade
uma situação de nunciação, em que ao representante, núncio, não possui
discricionariedade para decidir por si, em benefício próprio, mas possui autorização para
agir pelo representado, nos exatos termos impostos no instrumento de representação,
excluindo-se, portanto, qualquer discussão sobre conflito de interesses.

38
Marcus Kikunaga, Direito Notarial e Registral à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editorial Lepanto,
2019, p. 302
A cláusula em causa própria deve exigir a segurança da relação entre
representante e representado, excluindo de tal modo, eventual conflito de interesses, e
para tanto, é lógica a exigência de outorga de poderes vinculados, que demonstrem a
29
natureza de nunciação.
Interessante notar que no dispositivo legal do art. 685 do Código Civil, a
nomenclatura utilizada “MANDATO COM A CLÁUSULA EM CAUSA PRÓPRIA” deve ser
interpretada levando em consideração as advertências de Pontes de Miranda sobre a
distinção do mandato da procuração.
Nosso singelo conceito de mandato em causa própria, seria o contrato pelo qual
o mandante, por meio de representação, ajusta com o mandatário um negócio jurídico
determinado, com a permissão da cláusula “em causa própria”, administrar e concluir a
relação jurídica negocial, em nome do mandante, porém em benefício próprio,
assumindo todos os encargos, obrigações e direitos que seriam do mandante, apesar de
agir em nome deste.
No mandato em causa própria, o mandatário age em nome do mandante, mas
assume todos os direitos e obrigações do negócio, cuja ideia central é transferir ao
mandatário a propriedade de um objeto ou a titularidade de um negócio.
Em que pese a proibição do Código Civil de 1916, no art. 1.133, inciso II39, ao
determinar que os mandatários não podiam adquirir bens cuja alienação estivessem
encarregados, era certo que esse dispositivo era o fundamento utilizado pelos tabeliães
de notas em negar a realização de negócios imobiliários meio de procurações e
mandatos com a cláusula em causa própria.

39
Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Art. 1.133. Não podem ser comprados, ainda em hasta publica:
(...)
II - Pelos mandatarios, os bens, de cuja administração ou alienação estejam encarregados.
Não obstante, tal dispositivo foi expressamente revogado no Código Civil atual,
que retirou do atual rol do artigo 497 a referida previsão inclusive por força do comando
do art. 2.045.
30
Nesse passo, os notários estão autorizados a realizar e orientar referidos negócios
nas hipóteses em que formalizarem juridicamente a vontade das partes e a situação
assim o exigir.

ATENÇÃO: Cuidado com nomenclatura utilizada nas diversas legislações que tratam do
mandato e da procuração, pois temos que lembrar que o mandato é espécie de contrato

de representação, e a procuração é o instrumento de outorga de poderes.

Decorrente de nossos estudos, vimos que o mandato em causa própria possui as


seguintes características:

a) Dispensa do dever de prestação de contas, em decorrência do negócio já ter sido


estabelecido com todas as suas condições;
b) Atribuição ao mandatário da qualidade de proprietário da coisa ou do negócio de
que trata o mandato;
c) Outorga de poderes de forma totalmente vinculada para a disposição do bem.
d) Expressa previsão do preço, do consentimento e do objeto, se for oneroso ou expressa
previsão de gratuidade, quando for o caso.
e) A irrevogabilidade e a irretratabilidade é da essência do mandato em causa própria.
f) Obrigatoriedade de especialização do bem, móvel ou imóvel, com a especificação das
características, confrontações e o número do registro imobiliário se se tratar de bem
imóvel;
31
g) Obrigatoriedade de estipular os poderes EXPRESSOS 40 E ESPECIAIS41 SCRICTO
SENSU42 ESPECÍFICOS43 para o mandatário transferir para si o objeto do mandato.
h) Sendo o objeto, imóvel, muitas prefeituras exigem antecipadamente o recolhimento
do ITBI (Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis), considerando que o
mandato em causa própria seria o próprio contrato translativo de compra e venda.

ATENÇÃO: A procuração em causa própria, como instrumento de representação,

dependerá de título definitivo e translativo do ato ou negócio para sua conclusão.

6. ESCRITURAS PÚBLICAS
6.1. Conceito
Escritura Pública é o ato notarial mediante o qual o tabelião recebe manifestações
de vontade reduzindo-as a termo em seu livro de notas, de forma legal, a fim de que
produza efeitos jurídicos conhecidos ou não.

40
Poderes expressos são aqueles que determinam os limites ou a abrangência de atuação do representante,
geralmente exemplificados por verbos que permita a constituição, transferência, modificação ou extinção de um
direito.
41
Poderes especiais lato sensu ou em sentido amplo são aqueles que exorbitam a administração ordinária, previsto no
art. 661, caput do Código Civil Brasileiro.
42
Poderes especiais scricto sensu ou em sentido estrito são determinados com a indicação da estrutura jurídica do ato
ou negócio jurídico objeto do mandato, como a especialização dos sujeitos da relação jurídica, do objeto ou da forma
de execução dos poderes.
43
Poderes especiais scricto sensu ou em sentido estrito específicos são aqueles em que se determinam todos os
sujeitos, o objeto e a forma de execução dos poderes de forma cumulativa, excluindo do mandato a discricionariedade
do representante, assemelhando-se à nunciação.
6.2. Classificação
A classificação das escrituras pode ser feita da seguinte forma:
a) Escritura Pública – dotada de fé pública de seu conteúdo, de sua data, indestrutível e
32
fazendo prova plena.
b) Escritura particular com força de escritura pública – dotada de maior liberdade,
inseguro e perecível, a qual por autorização legal, se permite a realização para
transferência e constituição de direitos reais.

6.3. Natureza jurídica


A natureza jurídica da escritura pública é de:
a) Documento – conforme redação do caput do art. 215 do Código Civil, no
qual informa que a escritura pública é um documento dotado de fé pública.
b) Negócio jurídico – pois se presta a instrumentalizar ou operacionalizar
negócios jurídicos, como a compra e venda de bens imóveis, em
conformidade com o art. 108 do Código Civil, o qual dispõe que não dispondo
a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, modificação, transferência ou renúncia de
direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 vezes o maior salário
mínimo vigente no País.
c) Ato jurídico – nos casos de testamento público, conforme reza o art. 1.854
do Código Civil, ao arrolar como requisito ser escrito por tabelião ou por seu
substituto legal em seu livro de notas.
d) Prova pré-constituída – pois as declarações transladadas para o livro de notas,
se perpetuam no tempo.
e) Meio de prova – pois o fato jurídico pode ser provado por documento,
conforme inciso II do art. 212 do Código Civil.
f) Ato-Fato jurídico – nos casos de constatação de fatos feita pelo tabelião, o
33
qual lavra a ata notarial, contudo, em fascículo próprio explicaremos porque
a ata notarial, apesar de ser escrita no livro de notas, não é escritura pública.

6.3 Características
1ª) Perpetuidade — a escritura pública, ao ser lavrada pelo tabelião de notas, tem-
se assegurada a sua perpetuidade no mundo jurídico, pois ela fica guardada em arquivos
próprios do acervo do Tabelião de Notas, tornando-se praticamente indestrutível, pois
o delegado da serventia notarial por ela se responsabilizará, por ser um dever da
atividade notarial conforme dispõe o art. 30, inciso I, da Lei nº 8.935/94 o qual impõe
ao notário manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia,
guardando-as em locais seguros.
2ª) Fé pública — o instrumento público, é dotado de fé pública por força legal
decorrente do art. 3º da Lei Federal nº 8.935/94 que regulamentou o art. 236 da
Constituição Federal. Podemos conceituar a fé pública como a força estatal dada ao
tabelião que outorga AUTENTICIDADE aos atos e negócios jurídicos por ele tutelados.
3ª) Imparcialidade — o tabelião tem como dever-poder exercer o seu oficio de
forma a dignificar a atividade notarial de forma que ele exerce uma magistratura cautelar
ao evitar possíveis litígios, conforme reza o art. 30, incisos V, VI e XIV da Lei Federal nº
8.935/94, ao atribuir o dever de proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto
nas atividades profissionais como na vida privada, guardar sigilo sobre a documentação
e os assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício
de sua profissão e observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente.
4ª) Juridicidade — essa característica tem como fundamento o art. 6º, inciso II da
34
Lei Federal nº 8.935/94, ao atribuir a competência ao notário de intervir nos atos e
negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade,
autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os
originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo. Isso significa dizer que o
notário tem como obrigação conhecer e dar ao Direito efetividade, ou seja,
operacionalidade aos fatos apresentados pelas partes.
5ª) Segurança — a segurança dos atos notariais, assim como os de registro, estão
previstos no sistema notarial e registral decorrente do princípio com mesmo nome
previsto no art. 1º da Lei Federal nº 8.935/94, o qual reza que os serviços notariais e de
registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Essa segurança é
sistemática, pois o art. 30, incisos I, IV, VI, X da Lei Federal nº 8.935/94.

6.4. Estrutura Jurídica


6.4.1. Elemento subjetivo
O sujeito ativo, da escritura pública é o Tabelião ou Notário, assim como seu
preposto autorizado, seja ele escrevente ou substituto, em conformidade com o poder
estatal delegado constitucionalmente protegido no art. 236 da Constituição Federal.
O sujeito passivo, é interessado na lavratura da escritura, pois ele manifesta sua
vontade e o notário autoriza ou não a redação do ato ou negócio jurídico.
Poderá haver ainda intervenientes no ato ou negócio jurídico, que deverão ser
qualificados no ato, reconhecidamente capazes e formalmente identificados.

6.4.2. Elemento objetivo


35
O objeto da escritura poderá ser qualquer declaração destinada a formar, constituir,
modificar e extinguir direitos e obrigações, para fins de prova de negócios e atos
jurídicos, inclusive para produção de prova em processos administrativos ou judiciais, de
natureza jurídica.
Claro que não podemos esquecer que não dispondo a lei em contrário, a escritura
pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior
a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, conforme dispõe o art. 108 do
Código Civil.

6.4.3. Elemento formal


A escritura pública tem como essência o seu lançamento “in protocolo”, ou seja, ela
obrigatoriamente deve ser ato protocolar.
A escritura pública recebe a vontade, instrumentaliza no livro de notas e encerra
outorgando-lhe é fé pública, gerando a presunção de verdade-formal e verdade-
material.

6.5. Requisitos da escritura pública


Difícil tarefa é arrolar os requisitos da escritura pública, quando há tantas formas
de negócios jurídicos nominados e inominados. Porém, longe de querer esgotar esse
tema, vamos analisar pontos de forma geral.
6.5.1. Quanto à competência territorial do tabelião
O local da lavratura da escritura é de suma importância, pois dependendo do ato a ser
praticado, os valores poderão ser alterados por serem feitos em diligência, sendo
36
competente o tabelião de eleição das partes, conforme reza o art. 8º da Lei nº 8.935/94,
ao deixar ao livre arbítrio dos interessados na escolha do profissional, qualquer que seja
o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.
O local de ser aposto no início do ato, porém se o lugar onde foi lida e assinada, não
for a sede da serventia, deverá ser indicado o endereço completo, conforme inciso II do
art. 248 do Código de Normas do Estado do Amazonas
O fundamento legal para tal requisito é o inciso I do §1º do art. 215 do Código Civil.
Outrossim, o notário tem competência municipal para a prática de seus atos, conforme
dispõe o art. 9º da Lei nº 8.935/94, sendo proibida essa prática fora de seus limites
territoriais, porém alguns se na interpretação da lei não seria possível a extensão da
atividade notarial para abranger a comarca, contudo, vemos impossível essa situação
pois o conceito de comarca é processual, ou seja, é a área territorial de jurisdição do
magistrado.

6.5.2. Quanto a data


A data da escritura é fundamental pela sua própria natureza, haja vista, ser ela o
fato gerador dos emolumentos da atividade notarial, devendo o notário ter rigoroso
controle da lavratura de atos, a fim de evitar-se lavratura de atos pretéritos,
diferentemente do instrumento particular, vulnerável nesse aspecto.
A explicação para tanta preocupação com a data da escritura é justamente a
liberdade que o notário tem em abrir e encerrar livros, não havendo cronologia nos
livros de notas, conforme corrobora o art. 239 do Código de Normas do Estado do
Amazonas, ao autorizar o notário a utilização simultânea de vários livros de escrituras e
de procurações, desde que haja solicitação justificada. neste caso os livros deverão ser
37
utilizados concomitantemente, não sendo permitida a paralisação de um dos livros por
longo período.

6.5.3. Quanto ao horário


Apesar de não ser requisito legal de acordo com os incisos do art. 215 do Código
Civil, constar o horário na escritura pública é tão raro que sua utilidade fica naufragada
nos requisitos trazidos pelo art. 192 da Lei Federal nº 6.015/73 ao impor que:
1º) escrituras que constituam direitos reais contraditórios, onde conste TAXATIVAMENTE
o horário de sua lavratura;
2º) lavradas no mesmo dia;
3º) apresentadas ao registro imobiliário para prenotação no mesmo dia;
Para efeito de prioridade registral, prevalecerá aquela que foi lavrada em primeiro lugar.
Como não é comum a inclusão do horário nas escrituras públicas, vê-se esta exceção ao
princípio da prioridade praticamente excluído do mundo jurídico, contudo, essa cautela
demonstra zelo do notário responsável pelo ato.

6.5.4. Quanto a qualificação dos sujeitos


O inciso III do § 1º do art. 215 do Código Civil traz como elemento de validade
da escritura pública fazer constar:

a) Se pessoa natural:
- nome;
- nacionalidade;
- estado civil, com indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento e
38
indicando o assento;
- expressa referência ao pacto antenupcial e seus ajustes, número de seu registro e
cartório do Registro de Imóveis, quando o ato disser respeito a objeto de convenção

antenupcial;

- profissão;
- domicílio e residência das partes;
- demais comparecentes, com as mesmas características acima;
- nome do outro cônjuge;
- filiação, dependendo do caso concreto;
- verificar se as partes e demais interessados acham-se munidos dos documentos
necessários de identificação, nos respectivos originais, em especial cédula de identidade,
vedada a apresentação destes documentos replastificados, conforme dispõe a alínea “a”
do item 12 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São

Paulo;

- porém, se as partes não forem conhecidas do tabelião, e este não puder se identificar
por algum documento, é lícito ao tabelião aceitar que 2 testemunhas, devidamente
identificadas, compareçam ao ato notarial para identificar o comparecente, conforme
dispõe o §5º do art. 215 do Código Civil. Contudo, no meio prático da atividade notarial,
o notário deve agir com cautela e informar dos efeitos das declarações falsas emitidas
pelo comparecente, inclusive de eventual cometimento do crime de falsidade ideológica
prevista no art. 299 do Código Penal, que reza:
“Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia
constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser
39
escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre
fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão
de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-
se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil,
aumenta-se a pena de sexta parte.”

Nessa linha de raciocínio, o Estado do Rio Grande do Sul, admite em seu art. 856,
inciso I, do Código de Normas, que o tabelião poderá identificar o sujeito por qualquer
meio admitido em Direito. Isso significa que o tabelião poderá utilizar-se de qualquer
documento público admitido, inclusive pelos documentos arrolados na Lei Federal nº
12.037, de 1º de outubro de 2009, no art. 2º:

“Art. 2º A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos:


I – carteira de identidade;
II – carteira de trabalho;

III – carteira profissional;


IV – passaporte;
V – carteira de identificação funcional;

VI – outro documento público que permita a identificação do indiciado.


Parágrafo único. Para as finalidades desta Lei, equiparam-se aos documentos de
identificação civis os documentos de identificação militares.”
Um princípio esquecido na atividade notarial e registral é o Princípio da
Acessibilidade, cujo vetor é facilitar o acesso dos serviços notariais e de registro à
população, em conformidade com o art. 4º da Lei nº 8.935/94, no qual dispõe que “os
40
serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequado, em dias
e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em
local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros
e documentos”.
Contudo, a acessibilidade não refere-se apenas ao local da situação da serventia,
mas também meios jurídicos de agasalhar a aflição da população, gerando credibilidade
e confiança de que será o notário ou registrador o seu “porto seguro” das informações.

b) Se pessoa jurídica:

- denominação social;

- endereço da sede da pessoa jurídica ou eventuais filiais;

- número do CNPJ/MF;

- a data do contrato social ou outro ato constitutivo;

- seu número na Junta Comercial ou no Registro competente;

- documento comprobatório da presentação, ou seja, a legitimidade dos órgãos


estruturantes da pessoa jurídica que provém de sua capacidade jurídica;

- artigo do contrato ou dos estatutos sociais que delega a representação legal;

- autorização para a prática do ato, se exigível;


- ata da assembléia geral que elegeu a diretoria;

- qualificação dos administradores ou diretores.


41

c) Se houver representação

c.1) Procuração
No caso de utilização de procuração, o notário deve acautelar-se para sua validade
e autenticidade.
Cabe ressaltar que a procuração se sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser
praticado, conforme redação da 1ª parte do art. 657 do Código Civil.
Dessa forma, é obrigação do notário analisar com atenção nas Procurações
Nacionais:
- se as procurações obedecem à forma pública ou particular correspondente ao ato a
ser praticado;
- se outorgam os poderes competentes;
- se os nomes das partes coincidem com os correspondentes ao ato a ser lavrado;
- nas situações de utilização de procuração pública lavrada em outra serventia, o notário
deve certificar-se se a firma de quem subscreveu o traslado ou certidão está reconhecida
na comarca onde está produzindo efeitos, conforme dispõe a alínea “c” do item 12
das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo;
Nas procurações de origem estrangeira, o notário deve ter atenção:
- se a procuração teve origem no Consulado Brasileiro no estrangeiro;
- se a procuração foi lavrada por notário estrangeiro, deve ser consularizada ou
apostilada;
- deve ainda ser traduzida ao vernáculo nacional;
- deve enfim, ser registrada no Ofício de Títulos e Documentos; cumprindo assim o art.
42
129 da Lei Federal nº 6.015/73;

SAIBA MAIS: SE A PRÁTICA DO ATO NECESSITA DE CONSENTIMENTO OU


AUTORIZAÇÃO, POR EXIGÊNCIA DE LEI, DEVERÁ A PROCURAÇÃO SER OUTORGADA POR

TODOS OS EXIGIDOS, COMO NO CASO DOS CÔNJUGES PARA ALIENAÇÃO DE BENS.

ATENÇÃO: APESAR DA PROCURAÇÃO EM REGRA NÃO TER VALIDADE, OS SEUS EFEITOS


PARA FINS NOTARIAIS TEM UMA VALIDADE DE 90 DIAS EM SÃO PAULO, PELO
COSTUME DOS TABELIONATOS DE NOTAS, ENTRETANTO, A CONSOLIDAÇÃO
NORMATIVA DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO,
DETERMINOU A VALIDADE DE 06 (SEIS) MESES, SE PARA O ATO NOTARIAL FOR
APRESENTADA O TRASLADO OU CERTIDÃO DE UMA PROCURAÇÃO, NOS TERMOS DO
INCISO V, DO ART. 241 E NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 725, DISPÕE QUE O PRAZO

MÁXIMO É DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS.

c.2) Substabelecimento
Se for o caso de utilização de substabelecimento de procuração, o notário deve
ter a certeza que o substabelecimento decorreu de procuração não extinta, ou seja, essa
certificação de prescindir de certidão da procuração mais atualizada possível, ou ainda,
confirmação pelo responsável na lavratura da procuração que ela permanece válida,
inclusive com a certificação que o sujeito da procuração continua vivo.
c.3) Alvarás
O notário deve por prudência, nas apresentações de alvarás, como forma de

representação de:
43

- espólio;

- massa falida;

- herança jacente ou vacante;

- empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial;

- incapazes, no qual é obrigação do notário informar a idade, conforme item 42, alínea
“e” do Capítulo XVI, Tomo II, do Provimento 58/89 da Corregedoria Geral da Justiça de

São Paulo (Normas de Serviço);

CUIDADO: Em São Paulo, no Cap. XVI, item 42.1 exige-se para a alienação (gratuita ou
onerosa) de bens de menores, ainda que relativamente incapazes, por meio de escritura
pública, é necessária apresentação de alvará judicial. Assim como, a apresentação de
alvará judicial é necessária, igualmente, para aquisição onerosa de bens (móveis ou

imóveis) por menor púbere ou impúbere, quando utilizados recursos próprios.

OLHA LÁ: Em São Paulo, o Cap. XVI, Tomo II, das Normas de Serviço, é desnecessária a
apresentação de autorização judicial, na hipótese da doação do respectivo numerário

para a aquisição do bem (doação modal).

c.4) Condomínio Edilício


Nos casos de representação do Condomínio Edilício, na escritura pública o síndico
de apresentar:
- Assembléia de Condomínio e ata de eleição de síndico com firma reconhecida;
44
- Documento acima registrado em Registro de Títulos e Documentos;
- Convenção de Condomínio

c.5) Pessoa Jurídica extinta por liquidação


- Contrato social e alterações devidamente registradas em órgão competente;
- Distrato social nomeando liquidante;
- Ata de assembléia informando os bens e obrigações pendentes.

c.6) Nascituro
Nos casos de escritura pública, cujo beneficiário seja um nascituro, o notário deve
prevenir-se da sua existência com os seguintes documentos:
- apresentação de declaração médica informando a gestação e estado de saúde
do nascituro;
- documentos dos pais do nascituro;
- se houver dúvidas quanto à paternidade, é prudente o exame de DNA.
Apesar da grande celeuma em face do nascituro ser parte em negócio jurídico,
devemos lembrar que a ele há uma proteção de sua capacidade constitucional de nascer
vivo e de alimentos, em conformidade com o art. 2º do Código Civil ao prever que a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Direitos esses, condicionados
ao nascimento com vida da criança. Lembrando ainda a proteção aos alimentos
gravídicos, previstos na Lei Federal nº 11.804, de 5 de novembro de 2008.
Contudo, no âmbito registral, o assento de qualquer título envolvendo um
nascituro deveria ter efeito suspensivo até o termo final que seria o nascimento com
vida, pois sem personalidade jurídica, ao nascituro não lhe é conferido a capacidade
45
material, ou seja, não tem aderência econômica de direitos e deveres.

6.5.5. Quanto ao reconhecimento da capacidade e identidade das partes


O notário tem uma obrigação muito importante ao lavrar a escritura pública que
é certificar-se da capacidade e identidade das partes, em atendimento ao disposto no
inciso II do art. 215 do Código Civil.
A capacidade das partes verificada pelo notário não é apenas a capacidade de
direito, ou seja, aquela na qual verifica-se se o comparecente não é mais absolutamente
ou relativamente incapaz.
Se a parte for absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida
civil, ele será representado por seu responsável legal, seja ele seus pais ou curador.
São absolutamente incapazes, os MENORES DE 16 (dezesseis) anos, segundo o
art. 3º do Código Civil:
Por outro lado, se a parte for relativamente incapaz, ela será assistida, ou seja, o
comparecente assina o ato juntamente com seu assistente.
São relativamente incapazes, a certos atos, ou à maneira de os exercer, conforme reza o
art. 4º do Código Civil:
- os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito anos);

- os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada Lei nº 13.146/15)

- aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

- os pródigos.
- A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada 46

pela Lei nº 13.146, de 2015)


Assim, o notário tem a incumbência de ter o mínimo de sensibilidade para verificar
não somente a relativa ou absoluta incapacidade de direito, mas também a eventual
incapacidade volitiva.
A capacidade volitiva é aquela na qual a pessoa tem conhecimento dos efeitos de
suas declarações, não sendo vítima de coação, simulação, dolo, do estado de perigo, da
lesão, da fraude contra credores e do erro.
Não importa se a parte teve ou sofre de alguma doença impossibilitando-a de
assinar, é dever do notário certificar-se de sua vontade e não de seu estado físico, pois
a incapacidade física é solucionada com a assinatura a rogo.

5.5.6. Quanto ao idioma


O idioma nacional é a língua portuguesa, nos termos do art. 13 da Constituição
Federal, devendo o notário redigir integralmente a escritura em português, conforme
reza o §3º do art. 215 do Código Civil.
Isso significa que além da escritura ser lavrada em português, ela deve ainda ter

acessibilidade à toda sociedade, haja vista as diversas culturas do Brasil.

Porém, se na escritura constar um termo em latim ou outra língua estrangeira de


ordem comum no meio jurídico, ela deve vir entre aspas e de forma gráfica diferente do
texto, restando o dever ao notário de explicar o verbete entre parênteses ou de outra
forma qualquer.
Um exemplo bastante claro é a utilização do termo “erga omnes” que significa
perante terceiros.
47

5.5.7. Quanto a manifestação de vontade


A transladação da manifestação da vontade do comparecente da escritura pública
é a razão de existir da atividade notarial, como reza o inciso IV do §1º do art. 215 do
Código Civil, no qual dispõe que a escritura pública deve conter a “manifestação clara
da vontade das partes e dos intervenientes”.
Entendemos que a manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes
não deveria ser um requisito para sua validade, mas um pressuposto. Isso significa dizer
que a vontade declarada ao notário deveria ser manifestada sem vícios ou de reserva
mental, ou seja, de forma transparente fundamentada na boa-fé das partes.
O notário, para recepcionar a vontade das partes deve ser sensível e atencioso
para captar todos os detalhes do ato ou negócio jurídico.

ATENÇÃO: SE NA OCASIÃO DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE HOUVER QUALQUER


COMPARECENTE QUE NÃO SAIBA A LINGUA NACIONAL E O TABELIÃO NÃO ENTENDER
O IDIOMA EM QUE SE EXPRESSA, SERÁ EXIGIDO PELO PRÓPRIO TABELIÃO, A PRESENÇA
DE UM TRADUTOR PÚBLICO JURAMENTADO PARA TRADUZIR O ATO NOTARIAL OU
ALGUÉM CAPAZ QUE TENHA IDONEIDADE E CONHECIMENTO PARA TANTO, NOS

TERMOS DO §4º DO ART. 215 DO CÓDIGO CIVIL.


5.5.8. Quanto ao objeto
Em relação ao objeto da escritura pública, o notário deve, cumprir e preservar
pelo princípio da legalidade, no qual o tabelião deve apreciar a viabilidade de todos os
48
atos cuja prática lhe é requerida, em face das disposições legais aplicáveis e dos
documentos exibidos pelas partes, verificando especialmente a legitimidade dos
interessados, a regularidade formal e substancial dos referidos documentos e a

legalidade substancial do ato solicitado.

Sendo obrigação nos casos em que envolver imóveis verificar e conferir, a prova

do domínio e a regularidade da situação jurídica do imóvel.

Fundamentalmente, o notário, como delegado especial do Estado deve atender


ao princípio da legalidade, apreciando a viabilidade de todos os atos cuja prática lhe é
requerida, em face das disposições legais aplicáveis e dos documentos exibidos pelas
partes, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade formal

e substancial dos referidos documentos e a legalidade substancial do ato solicitado.

A “contrario sensu”, o notário, de acordo com o Princípio Notarial da Profilaxia ou

Prudência, deve se negar a praticar atos:

- Nulos, não compreendidos em sua competência ou que estiver impedido de

praticar;

- Que tenha dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais dos participantes,
salvo se no ato intervierem, a seu pedido ou a instância dos outorgantes, 2 (dois) peritos

médicos que, através de atestado ou laudo, abonem a sanidade mental das partes;
Contudo o notário não pode recusar a sua intervenção com fundamento na
anulabilidade ou ineficácia do ato, devendo, contudo, advertir os interessados da
existência do vício e consignar no instrumento a advertência feita em cumprimento ao
49
princípio da transparência e o dever da informação, tutelados pelo Código de Defesa do

Consumidor (Lei Federal nº 8.078, de 11 setembro de 1990).

O dever da informação decorre do art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal


ao estabelecer que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo em geral, que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado”.

Entretanto, como ensina o Ilustre Professor Rizzatto Nunes, em sua obra


Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3ª ed. revista e atualizada – São
Paulo: Saraiva, 2007, p.58, o “dever de informar das pessoas em geral e das pessoas
jurídicas com natureza jurídica privada, é o Código de Defesa do Consumidor que
estabelece tal obrigatoriedade ao fornecedor”. Nesse diapasão, vimos que o notário, na
qualidade de delegado especial da fé-pública do Estado é obrigado, sob pena de

responsabilidade civil, informar em seus atos, qualquer situação que venha a maculá-lo.

Um exemplo bastante utilizado é a aquisição de imóvel penhorado. A penhora


não retira do comércio o bem, porém, pela sua natureza jurídica, o condiciona para

garantir a liquidação de dívidas do exequente ou do autor da ação judicial.

Na escritura pública, o adquirente deve ter ciência expressa dessa situação do


imóvel para que, se ocorrer a perda do imóvel supervenientemente em decorrência do
julgamento da ação judicial pendente, não haja alegação de boa-fé por parte do
adquirente. Completando esse raciocínio, o dever de informação, disposto no art. 6º,
inciso III, do CDC, completa-se com o princípio da transparência previsto no art. 4º,
50
caput, do mesmo código, ao estabelecer a obrigação do fornecedor de oportunamente
dar condições ao consumidor de conhecer as características dos produtos e serviços que

lhe são oferecidos.

Por outro lado, quando o objeto da escritura for imóveis, o notário deve:

- Examinar os documentos de propriedade do imóvel;

- Requerer a apresentação de certidão atualizada do Registro de Imóveis competente,


bem como a de ações reais e pessoais reipersecutórias e de ônus reais, com prazo de

validade de 30 (trinta) dias;

- Requerer a apresentação do pagamento do imposto sobre transmissão de bens


imóveis, por ato oneroso ou gratuito, inclusive eventual declaração pelo fisco de
isenção ou não-incidência tributária, conforme inciso II do art. 1º do Decreto Federal

nº 93.240/86, combinado com o §2º do art. 1º da Lei Federal nº 7.433/85;

- Requerer a apresentação das certidões fiscais, como a Certidão Negativa de Débitos


Tributários do Imóvel relativa aos IPTU, Taxas ou Contribuições de Melhoria; Certificado
de Cadastro emitido pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária);

Certidão Negativa de Débitos de Imóvel Rural; demais certidões exigidas por lei.

- Dar a localização completa do imóvel com indicação se for rural;

- Indicar se o imóvel for urbano, o logradouro, número, bairro e cidade;


- Indicar se o imóvel for urbano, e, se tratar só de terreno se esse fica do lado par ou
do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação
ou da esquina mais próxima, bem como, com precisão, os característicos e as
51
confrontações, exceto se se tratar de imóveis urbanos, desde que esses elementos
constem da certidão do Registro de Imóveis, podendo, a critério do tabelião, ser

consignado apenas o número do registro ou matrícula no Registro de Imóveis.

- Fazer referência ao título de aquisição do alienante, além da natureza do negócio, o


instrumento, matrícula e registro anterior, seu número e cartório, em cumprimento ao

art. 222 da Lei dos Registros Públicos;

- Declarar que o imóvel se encontra livre e desembaraçado de quaisquer ônus reais,


judiciais ou extrajudiciais, e sob pena de responsabilidade civil e penal sobre a
existência de outras ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e de
outros ônus reais incidentes sobre o mesmo, nos termos do §3º do art. 1º do Decreto

Federal nº 93.240/86;

- Requerer a apresentação de prova de quitação das contribuições condominiais,


conforme parágrafo único do art. 4º da Lei Federal nº 4.591/64 ou declaração, sob as
penas da lei, de quitação relativa a débitos de condomínio, conforme previsão do §2º

do art. 2º da Lei Federal nº 7.433/85;

- Requerer a declaração de que não há débito relativo a impostos, taxas e semelhantes,


especificando-os, se houver, exceto quanto àquelas dispensadas expressamente pelo

adquirente.

- Declarar o número do contribuinte na prefeitura ou do INCRA;


5.5.9. Quanto as exigências fiscais
No que tange à responsabilidade fiscal, o notário, assim como o registrador, tem
como deveres expressos no art. 30 da Lei nº 8.935/94:
52
- Afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos
em vigor;
- Observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício;
- Dar recibo dos emolumentos percebidos;
- Observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício;
- Fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar;
Assim, o notário, na prática de seus atos, deve agir como “fiscal tributário”, função
atípica porém, exigível por leis tributárias ao incluir os delegados das serventias notariais
e de registro como responsáveis solidários em alguns casos.
Dessa forma, o notário deve assessorar e informar seus usuários a forma mais
adequada e econômica para o recolhimento dos tributos.

5.5.10. Quanto as exigências legais


O requisito de cumprimento das exigências legais, também está prevista no art.
30 da Lei nº 8.935/94 como deveres expressos de:
- Manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos, regimentos, ordens
de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade;
- Observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício;
- Encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida
a sistemática processual fixada pela legislação respectiva;
- Observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente.
- Certidões referentes aos tributos municipais que incidam sobre imóvel urbano, no caso
de escritura que implique na transferência de domínio;
- Comprovantes do pagamento de laudêmio; e
53
- Prova do pagamento do imposto de transmissão devidos, conforme dispõe o inciso II,
do art. 1º do Decreto Federal nº 93.240/86;

SAIBA MAIS: Em São Paulo, a Corregedoria, no item 44 do Cap. XVI, Tomo II do Prov.
58/89, determina ao Tabelião de Notas, antes da prática de qualquer ato notarial que
tenha por objeto bens imóveis, direitos a eles relativos ou quotas de participação no
capital social de sociedades simples, deve promover prévia consulta à base de dados da
Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), consignando no ato notarial o
resultado da pesquisa e o respectivo código gerado (hash), dispensado o arquivamento
do resultado da pesquisa em meio físico ou digital. Porém, a existência de comunicação
de indisponibilidade não impede a lavratura de escritura pública representativa de
negócio jurídico tendo por objeto a propriedade ou outro direito real sobre imóvel ou
quotas de participação no capital social de sociedade simples de que seja titular a pessoa
atingida pela restrição, nessa incluída a escritura pública de procuração, devendo constar
na escritura pública, porém, que as partes foram expressamente comunicadas da
existência da ordem de indisponibilidade que poderá implicar a impossibilidade de
registro (lato sensu) do direito no Registro de Imóveis ou, então, conforme o caso, no

Registro Civil das Pessoas Jurídicas, enquanto vigente a restrição.

Enfim, os requisitos legais dependerão de cada negócio jurídico.


5.5.11. Quanto a leitura e assinatura
Finalmente, no encerramento da escritura, o notário deve encerrar o ato fazendo
a leitura de todo o ato, ou declarar que todos a leram, ou ainda se a leitura não for em
54
voz alta, o tabelião só poderá registrar quem declarou lê-la, finalizando a solenidade
notarial.
Outrossim, na vida diária notarial, é comum faltar um ou outro comparecente por
motivos alheios à sua vontade, devendo o notário ser cauteloso para conhecer os
motivos que ensejaram essa ausência e ter certeza que o ausente conhece o conteúdo
da escritura antecipadamente e concorda com tal redação.

ATENÇÃO: A Corregedoria de São Paulo, permite no item 53.2, do cap. XX do Prov.


58/89, que lavrada a escritura pública, a coleta das respectivas assinaturas das partes
poderá ocorrer em até 30 dias, e nessas hipóteses as partes deverão apor ao lado de
sua firma a data e o local (o mesmo da lavratura ou o endereço completo se for diverso)
da respectiva subscrição.
No mesmo sentido segue o Código de Normas do Amazonas, no art.118, ao permitir
que não sendo possível a complementação imediata da escritura pública, com a aposição
de todas as assinaturas, deverá ser concluída no prazo máximo de trinta dias, findo o

qual o notário declarará a escritura incompleta e sem efeito.

7. Escrituras de divórcios e separações


Para tratarmos das escrituras de divórcios e separações, precisamos antes de mais
nada, analisarmos a Emenda Constitucional nº 66/2010.
A EC 66/2010 tinha uma redação originária que estabelecia o artigo 226, § 6º com
a seguinte redação:
“O casamento civil pode ser dissolvida pelo divórcio consensual ou
55
litigioso, na forma da lei.”.
A expressão “na forma da lei” foi suprimida do texto com a grande finalidade de
não tirar a autoaplicabilidade ou, no dizer de alguns, a eficácia plena do texto que
entraria em vigor. Caso tivesse sido mantido o texto originário, resultaria, na doutrina de
muitos, a ideia da necessária modificação do artigo 1.580 do Código Civil.
Porém, com a retirada da expressão “na forma da lei”, por interpretação histórica
e teleológica, passou o artigo 1.580 a estar revogado diante de antinomia (contradição)
do dispositivo do Código Civil com o texto constitucional.
Alguns autores foram mais longe na análise da Emenda Constitucional e passaram
a entender que estariam revogados os institutos da separação e da culpa na sociedade
conjugal, o que não é verdade.
Portanto, quer nos divórcios judiciais quer nos extrajudiciais basta a presença do
casal ou do procurador para a prática do ato sem a necessidade de qualquer testemunha
a comprovar o biênio de separação, antes considerado prazo de ordem público, dessa
forma, insuscetível de confissão.
Também para os casais que estão efetivamente separados, judicial ou
extrajudicialmente, a conversão em divórcio não necessita mais do interregno de um
ano, podendo se dar imediatamente. Por óbvio que pelo princípio da continuidade
registral, o casal que já tenha averbado a separação no seu assento de casamento,
somente pode convertê-la em divórcio, não cabendo divórcio direto por questões
formais registrais.
7.1 Conceito
O divórcio é a extinção do vínculo conjugal, possibilitando aos contraentes novas
núpcias.
56

7.2 Pressupostos (Elementos de existência)


Antes da Emenda Constitucional nº 66, os pressupostos para o divórcio eram:
a) a existência de casamento válido;
b) sentença judicial ou escritura pública registrada no Registro Civil das Pessoas Naturais;
c) lapso temporal, seja ele de 01 (um) da separação judicial ou extrajudicial ou de 02
(dois) anos da separação de fato;
Atualmente, temos apenas a existência de casamento válido, pois a referida Emenda
Constitucional excluiu os prazos legais.

7.3. Classificação
No mesmo passo, antes da Emenda Constitucional nº 66, classificava-se o divórcio
em:
a) Divórcio Indireto Litigioso;
b) Divórcio Indireto Consensual;
c) Divórcio Direto Litigioso;
d) Divórcio Direto Consensual.
A Emenda Constitucional diminuiu as modalidades de divórcio para apenas dois,
ou seja, ou o divórcio é litigioso, operando-se nas Varas de Família ou é divórcio
consensual, operando-se nas Varas de Família ou nas Serventias Notariais, perante um
Tabelião de Notas, desde que ausente filhos menores ou incapazes.
7.4. Legitimidade
A legitimidade para requerer o divórcio é privativa dos cônjuges, conforme art.
1.582 do Código Civil. Contudo, de forma excepcional, o parágrafo único do mesmo
57
artigo possibilita, se o cônjuge for incapaz, ao curador, o ascendente ou o irmão, para
propor a ação ou defende-lo.

7.5. Efeitos do Divórcio


Segundo a Ilustre Professora Maria Helena Diniz, o divórcio após sua averbação
no Registro Público competente, produz os seguintes efeitos44:
1º efeito: Dissolução definitiva do casamento;
2º efeito: Fim dos deveres dos cônjuges;
3º efeito: Extingue o regime matrimonial de bens, procedendo à partilha conforme o
regime;
4º efeito: Cessação dos direitos sucessórios dos cônjuges;
5º efeito: Possibilidade de novo casamento, observando-se o disposto no art. 1.523, III
e parágrafo único, do Código Civil;
6º efeito: Impossibilidade de reconciliação, restando somente a opção por novo
casamento;
7º efeito: Não há limite para o número de divórcios;
8º efeito: Põe termo à separação de fato;
9º efeito: Extinção da obrigação alimentar do ex-cônjuge devedor se o ex-cônjuge credor
contraiu novo casamento;
10º efeito: Manutenção do nome.

44
Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, 20ª edição, 2005, 5º volume, p. 330
ATENÇÃO: Nas escrituras de separação, é preciso ter atenção, de que é possível

restabelecer a sociedade conjugal.

58

SAIBA MAIS: Na conversão da separação judicial em divórcio, é facultado aos


interessados, desde que concordes, alterar as cláusulas pactuadas por ocasião do
processo de separação que não digam respeito a interesse de incapaz, bastando, para
tanto, a apresentação de certidão da averbação da separação no assento de casamento,
conforme prevê o art. 52 da Resolução nº 35, de 24/4/2007, do Conselho Nacional de

Justiça.

8. Escrituras de inventários
8.1. Conceito de Sucessão
Um conceito bastante simples seria o conjunto de regras que disciplinam a
transmissão de bens do de cujus para os herdeiros ou legatários ou, simplesmente, a
passagem dos bens do falecido para seus sucessores legais ou convencionais, cujo fato
gerador seria a morte do proprietário.
A palavra suceder, nas relações jurídicas, significa tomar o lugar de outra pessoa.
Seu sentido vem da etimologia da palavra sub cedere que tem, justamente, esse
significado.
Washington de Barros afirma que, em sentido amplo, o termo sucessão, no sistema
jurídico, refere-se ao ato pela qual uma pessoa ocupa o lugar de outra, investindo-se, a
qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competem.45

45
Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1
8.2. Natureza Jurídica
A natureza jurídica da herança seria:
1º) garantia fundamental; (art. 5º, XXX, CF)
59
2º) bem imóvel; (art. 80, II, C.C.)
3º) condomínio indivisível de bens ou universalidade de bens (art. 1.791, parágrafo
único, C.C.)

8.3. Espécies de Sucessão


As espécies de sucessão classificam-se quanto à fonte ou a seus efeitos, sendo que
a primeira poderá subdividir-se em sucessão legítima ou testamentária e, na segunda,
em sucessão universal ou singular.
I) Classificação em relação à sua fonte
a) Testamentária - tem origem em um testamento válido ou de disposição de
última vontade. Entretanto, o testador só poderá dispor de metade de seus bens
(C.C., art. 1.789) (7), se existirem herdeiros necessários (C.C., art. 1.845, 1.846).
Há alguns doutrinadores que dão a nomenclatura de "direta" ou "imediata".
b) Legítima ou ab intestato - esta advém de lei, nos casos de ausência, nulidade,
anulabilidade ou caducidade de testamento (C.C., arts.1.786 e 1.788).
Essa espécie de sucessão, ab intestato, entende-se como se fosse um testamento
tácito ou presumido do de cujus, concordando com o fato de que seu patrimônio passe
àquelas pessoas enumeradas pela lei. Também chamada de sucessão indireta ou
mediata, pois há a presunção relativa de vontade que o de cujus prefere as regras da
vocação hereditária, que tem como princípio a afetividade.
II) Classificação da sucessão quanto aos seus efeitos
a) A título universal - transferência total ou de parte indeterminada da herança
(ativo e passivo) para o herdeiro do de cujus.
60
b) A título singular - quando o testador transfere ao beneficiário somente objetos
certos e determinados. Nessa espécie de sucessão, é o legatário que sucede ao de cujus.
Após tais definições, trabalharemos somente com a sucessão universal e legítima ab
intestato, pois o inventário extrajudicial admite apenas essa espécie.

8.4. Abertura da Sucessão Universal e Legítima Ab Intestato


A abertura da sucessão, nada mais é, que o momento da morte de uma pessoa e o
nascimento do direito dos bens do falecido aos herdeiros (C.C., art. 1.784).
Chama-se de herança, o patrimônio do falecido após a abertura da sucessão. Esta é
transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários automaticamente no momento da
morte, sem que haja vácuo nas relações. A esse fenômeno, chamamos de princípio de
saisine.

Saiba Mais:
Qual é a importância do princípio de saisine?
1º) Fixa o momento da morte.
2º) Fixa a lei aplicável. (art. 1.787, C.C.)
3º) É o princípio da continuidade dos bens.
4º) Fixa o valor dos bens.
5º) Fixa o local da morte (art. 1.785, C.C.)
8.5. Transmissão da Herança
A transmissão da herança, em nosso ordenamento jurídico, se dá de forma imediata,
no momento da morte e abertura da sucessão
61

8.6. Lugar da Abertura do Inventário


Com a transmissão da herança e consequente deslocamento da propriedade de seu
patrimônio aos herdeiros, é imprescindível sua legalização para que os herdeiros possam
alienar ou gravar esses bens.
Essa legalização se dá por meio do processo de inventário e tem o objetivo de
apurar a totalidade dos bens deixados pelo de cujus.
Posto isso, cessará o referido processo com a inscrição do formal de partilha no
Registro de Imóveis.
No inventário extrajudicial, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando
assim as regras de competência do Código de Processo Civil, conforme dispõe o artigo
1º da Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, na
mesma esteira do artigo 8º da Lei nº 8.935/94, que dispõe:
"Art. 8º - É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio
das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio."

Outrossim, é importante trazer à baila, a facultatividade do procedimento do


inventário, como reza o artigo 2º da Resolução nº 35/07 do CNJ, in verbis:
"Art. 2º - É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial;
podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias,

ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial."


8.7. Inventariante
O inventariante é a pessoa que adquire a posse direta dos bens do espólio, seja ela
herdeira ou não, com a finalidade de administrá-los.
62
No entanto, no período entre a abertura do inventário, até a partilha dos bens, o
inventariante será responsável por uma série de tarefas como apurar o acervo
hereditário, verificar as dívidas deixadas pelo de cujus ou contraídas pelo espólio,
administrar os bens, entre outros. Essas atribuições estão previstas nos seguintes artigos
abaixo transcritos:
Código Civil:
"Art. 1.991 - Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha,

a administração da herança será exercida pelo inventariante."

Código de Processo Civil:


"Art. 75 - Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
(...)

VII - o espólio, pelo inventariante;"

Art. 618. Incumbe ao inventariante:


I - representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, observando-

se, quanto ao dativo, o disposto no art. 75, § 1º ;

II - administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência que teria


se seus fossem;
III - prestar as primeiras e as últimas declarações pessoalmente ou por procurador

com poderes especiais;


IV - exibir em cartório, a qualquer tempo, para exame das partes, os documentos
relativos ao espólio;
V - juntar aos autos certidão do testamento, se houver;
VI - trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente, renunciante ou
excluído;

VII - prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz lhe 63

determinar;
VIII - requerer a declaração de insolvência.

Art. 619. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com


autorização do juiz:

I - alienar bens de qualquer espécie;


II - transigir em juízo ou fora dele;
III - pagar dívidas do espólio;
IV - fazer as despesas necessárias para a conservação e o melhoramento dos

bens do espólio.

Entretanto, sua figura está presente não apenas no inventário solene, como também
no arrolamento sumário, no arrolamento comum e no inventário e partilha extrajudicial.
Para sua nomeação, a Lei dispõe de uma ordem de preferência que será respeitada
no inventário solene. O artigo 617 do CPC, in verbis, dispõe:
Art. 617. O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem:

I - o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com

o outro ao tempo da morte deste;


II - o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se não
houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser
nomeados;

III - qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração


do espólio;

IV - o herdeiro menor, por seu representante legal;


V - o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se
toda a herança estiver distribuída em legados;
VI - o cessionário do herdeiro ou do legatário;

VII - o inventariante judicial, se houver; 64

VIII - pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial.


Parágrafo único. O inventariante, intimado da nomeação, prestará, dentro de 5
(cinco) dias, o compromisso de bem e fielmente desempenhar a função.

Em relação ao inventário e partilha extrajudicial, a Lei nada diz, mas o Conselho


Nacional de Justiça determina sua nomeação. (Resolução 35 do CNJ, art. 11)

Atenção:

No procedimento extrajudicial, é obrigatória a nomeação de interessado, na escritura


pública de inventário e partilha, para representar o espólio com poderes de inventariante,
no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir
a ordem prevista no artigo 990 do Código de Processo Civil/73, conforme dispõe o
artigo 11 da Resolução nº 35/07 do CNJ.

8.8. Pressupostos do Inventário Extrajudicial


Os pressupostos para o inventário extrajudicial estão no artigo 982 do CPC, ou seja:
1º) as partes devem ser maiores e capazes;
2º) consenso entre as partes;
3º) sucessão legítima;
4º) ausência de incapazes.
Obs: (STJ) Nº Registro: 2019/0114609-4 REsp 1.808.767 / RJ - Origem:

00415460620188190000/01689971620158190001 - Rel. Sr. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO j. 15/10/2019

“O Relator recordou que, na linha do art. 5° da LINDB e dos arts. 3°, § 2°, 4° e 8° do CPC, o fim social
65
em relação ao inventário extrajudicial é a redução de formalidades e burocracias, com o incremento do

maior número de procedimentos alternativos ao Judiciário.”

Atenção:

O § 2º do artigo 1.792 dispõe que é ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito
hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente, ou seja, não
pode o herdeiro celebrar compromisso de compra e venda de imóvel, sem autorização
judicial, integrante da herança.

Outro efeito importante é o direito de preferência que pode ser exercido pelo co-
herdeiro, no caso de cessão de direitos da quota hereditária, conforme o artigo 1.794
do C.C.
Finalmente, o último efeito é que até o compromisso do inventariante, a
administração da herança caberá, sucessivamente:
I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da
sucessão;
II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de
um nessas condições, ao mais velho;
III - ao testamenteiro;
IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos
antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao
conhecimento do juiz.

9. Registro de títulos e documentos 66

Por que surgiu o RTD (Registro de Títulos e Documentos)?


Decreto 7946 de 23/08/1892. Essa lei foi criada porque havia uma preocupação com
a publicidade dos atos notariais, bem como dos instrumentos particulares, pois até
aquele momento a eficácia desses instrumentos era apenas inter partes.
Para ter validade contra terceiros, era necessário haver no instrumento
reconhecimento de firmas, registro nas notas do Tabelião (assento do documento)
apresentação em juízo ou em repartições públicas e sistema de antedata (no passado
era possível o documento não ter data – a pessoa deixava o documento em branco e
ela própria poderia antedatar), pincipalmente no instrumento particular.

Obs.: hoje, é possível que o documento não tenha data, porém o próprio reconhecimento
de firma traz a data.

O problema da antedata só teve solução com a lei 97347 de 02/01/1903, que foi a lei
que criou o primeiro ofício de RTD do Brasil e trazendo garantias legais, sendo elas:

46
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-79-23-agosto-1892-541321-publicacaooriginal-
44810-pl.html

47
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=973&tipo_norma=LEI&data=19030102&link=s
1) autenticidade;
2) conservação;
3) data dos documentos.
67

Essa lei foi regulamentada pelo Decreto 4.77548 de 16/02/1903, denominando o


Registro de Títulos e Documentos de ofício de registro especial.

Código Civil de 1916, art. 135 – o instrumento particular, para gerar efeito inter partes
precisa ser assinado por duas testemunhas e para gerar efeitos contra terceiros precisa
ser registrado.

CC, 1916, art. 135. O instrumento particular, feito e


assinado, ou somente assinado por quem esteja na
disposição e administração livre de seus bens, sendo
subscrito por duas testemunhas, prova as
obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os
seus efeitos, bem como os da cessão, não se
operam, a respeito de terceiros (art. 1.067), antes de
transcrito no registro público.
Parágrafo único. A prova do instrumento particular
pode suprir-se pelas de caráter legal.

48
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-4775-16-fevereiro-1903-517698-
publicacaooriginal-1-pe.html
Atualidade – art. 221, CC x art. 221, LRP.

O instrumento particular não precisa de testemunhas, mas os seus efeitos não


68
operam perante terceiros enquanto não for registrado no Registro de Títulos e
Documentos (art. 221, CC).
CC, art. 221. O instrumento particular, feito e
assinado, ou somente assinado por quem esteja na
livre disposição e administração de seus bens, prova
as obrigações convencionais de qualquer valor; mas
os seus efeitos, bem como os da cessão, não se
operam, a respeito de terceiros, antes de registrado
no registro público.
Parágrafo único. A prova do instrumento particular
pode suprir-se pelas outras de caráter legal.

LRP – somente é admitido registro do instrumento se assinado por testemunhas


(02) e reconhecimento de firmas.
Lei 6.015/73, art. 221 - Somente são admitidos
registro: (Renumerado com nova redação pela Lei
nº 6.216, de 1975).
(...)
II - escritos particulares autorizados em lei,
assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas
reconhecidas, dispensado o reconhecimento
quando se tratar de atos praticados por entidades
vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;
(...)
69

Compatibilização – sendo a mesma matéria prevalece o Código Civil que é lei mais
nova (antinomia). Existe precedente do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo
que dispensa as duas testemunhas, porém, tem que apresentar reconhecimento de firma
que tem previsão expressa apenas na lei 6.015/73.

Obs.: mesmo sem duas testemunhas é possível fazer o registro de uma promessa de
compra e venda, tanto no RTD, quanto no Registro de imóveis.

Com relação a norma processual, para executar documento particular é


necessário que tenha a assinatura de duas testemunhas (art. 784, CPC):
CPC - Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
I – (...)
III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas)
testemunha
Instrumento particular. Instrumento público.
Regime Jurídico. Art. 221, CC; art. 221 LRP e Arts. 215, CC; lei 7.433/85; Decreto
art. 654, §1º, CC. 93.240/86 e Código de Normas dos
Estados.
Princípio. Autonomia privada. Autonomia privada vinculada aos
princípios notariais (apesar do Tabelião
ser regido pelo princípio da autonomia
provada, em certos momentos ele tem
que autonomia do ato – prejuízo as
partes, ilegalidade e fraude na
manifestação da vontade.
Conteúdo. Não há presunção de Presunção de veracidade.
veracidade.
Forma. Plúrima. Única (tem que haver previsão legal). 70

Art. 108, CC. Até 30 s.m. Mais de 30 s.m.


Segurança. Não há. RTD dá segurança Conservação, perpetuidade e segurança
ao instrumento particular técnica.
para sua conservação.
RTD – é a serventia extrajudicial que registra títulos e documentos (denominação
genérica), de função suplementar das outras especialidades extrajudiciais (lei 8.935/94),
autenticando a existência do suporte material de um fato ou ato, conservando os dados
dele constantes, podendo ainda notificar os signatários de suas obrigações.

Elementos do conceito:
1º) função suplementar – tudo que não for das outras serventias poderá ser feito no
RTD. Dá suporte ao instrumento particular que não tem previsão, principalmente nos
contratos de execução continuada – ex.: locação – o RTD é fundamental para a execução
do contrato particular e boa-fé (notificação).

2º) fato ou ato – dentro do RTD é possível registrar eventuais fatos que não tenham
serventia própria (ex.: carta, certificado de mestrado).

3º) conservação – o RTD serve para conservação.

4º) notificação.
5º) constituição ou declaração – a lei determina que tenha registro de determinados
contratos.

71
6º) existência e data.

10. REGISTRO DE IMÓVEIS


10.1. Conceito de registro em sentido estrito
Ato administrativo de transferência ou constituição de direitos reais, lançado em
livro próprio, que originam oponibilidade erga omnes em face da publicidade gerada
por consulta obrigatória. Temos, portanto, um poder conferido ao oficial público para
efetuar todas as operações relativas a bens imóveis e a direitos a eles condizentes,
promovendo atos de registro e averbação, assegurando aos interessados a aquisição e
o exercício do direito de propriedade e a instituição de ônus reais de fruição, de garantia
ou de aquisição.

10.2. Sistema registral


O sistema registral brasileiro, chamado sistema matricular por força da Lei Federal
nº 6.015/73, visando perpetuar a vida jurídica do imóvel, prestigiando o histórico da
propriedade, além da individualização do bem de raiz, apresenta traços dos sistemas
germânico e francês, mas se configura como sistema próprio.
Segundo o sistema francês, o registro é um ato facultativo, visto que a propriedade
imóvel é transferida por contrato, sem qualquer necessidade de outra exigência. Para
que o contrato surta efeitos contra terceiros, porém, mesmo o sistema francês exige o
registro, que é necessário para dar eficácia erga omnes à transferência da propriedade.
Do outro lado, temos o sistema alemão, no qual o registro é obrigatório para
transferir a propriedade, precedido da depuração do título em processo sumário, que
72
corre perante o juiz do registro imobiliário.
A chave do sistema alemão é o cadastro imobiliário, em livros fundiários
rigorosamente escriturados. Uma vez operado o registro decorrente de ato judicial, a
inscrição assume a forma de negócio jurídico abstrato, independentemente do negócio
jurídico causal anterior. Isso significa que, uma vez promovido o registro nos livros
fundiários, a transcrição é abstraída do negócio jurídico subjacente (compra e venda),
ganhando presunção juris et de jure, ou seja, que não admite prova em contrário da
propriedade.
O proprietário passa a ser aquele que está no registro, não podendo ser
desconstituído.
Apenas de forma absolutamente excepcional é possível o cancelamento do
registro alemão pela adoção dos princípios da confiança do registro e da presunção
absoluta de exatidão.
Sem sombra de dúvida, nosso sistema muito se aproxima do alemão, porém, sem
guardar fundamentais semelhanças com ele. Assim como naquele, somente o registro
opera a aquisição da propriedade (art. 1.245, § 1º, do CC).
Esclarece o Enunciado 87 do CJF que:
“Considera-se também título translativo, para fins do art. 1.245 do novo Código
Civil, a promessa de compra e venda devidamente quitada (arts. 1.417 e 1.418 do

CC e § 6º do art. 26 da Lei n. 6.766/79)”.

Nosso título translativo, todavia, não tem natureza abstrata como no sistema
alemão, tratando-se de negócio jurídico causal, gerando, portanto, presunção relativa de
veracidade.
O próprio art. 1.245, § 2º, do CC autoriza a decretação de invalidade do registro
e o seu respectivo cancelamento, por não ter o nosso sistema presunção absoluta de
73
veracidade. Nosso sistema, portanto, é de registro obrigatório com verdade relativa.
A matrícula surgiu com o advento da Lei Federal nº 6.015/73, de 31 de dezembro
de 1973, com “vacatio legis” até o dia 31 de dezembro de 1975, ou seja, entrou em vigor
no 1º dia de janeiro de 1976, conforme previsto no art. 298 desta lei.
Surgiu então o novo sistema registral, conhecido como Sistema Matricular, cujo
bem jurídico era individualizar o objeto do registro, que é o imóvel.
O sistema matricular é a base de todo assentamento registral imobiliário,
individualizando os imóveis, devendo ser feita a sua abertura no 1º ato praticado da
propriedade.
No novo sistema a matrícula é objeto do Livro nº 2.

11. Retificação de registros

CC Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos,


ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com
o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos
títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste
REGIME Código.
CC Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a
JURÍDICO verdade, poderá o interessado reclamar que se
retifique ou anule.
Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o
proprietário reivindicar o imóvel,
independentemente da boa-fé ou do título do
terceiro adquirente.
11.1. Retificação quanto à fonte
11.1.1. Retificação do título
Na retificação do título, temos duas situações distintas:
74
Retificações de erros materiais, serão feitas por aditamento ou escritura
retificatória ex officio, pelo próprio Tabelião.
Nas retificações de erros substanciais, as correções obrigarão o tabelião lavrar
nova escritura de retificação e ratificação, com a presença de todos os participantes
originários.

11.1.2. Retificação do assento registral


Na retificação registral extrajudicial, do mesmo modo, temos a possibilidade de
realizá-lo ex officio ou a requerimento.
As retificações de ofício, se fundamentam nos erros materiais, caracterizados
naqueles em que há documento previamente existente, enquanto que os erros
substanciais dependem de maior aprofundamento documental, como exige o art. 213
da Lei 6.015/73.
Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação

I - de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de:


a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do

título;
b) indicação ou atualização de confrontação;
c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento
oficial;

d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de

coordenadas georeferenciadas, em que não haja alteração das medidas


perimetrais;
e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir
das medidas perimetrais constantes do registro
f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha

sido objeto de retificação 75

g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes,


comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando
houver necessidade de produção de outras provas
II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida
perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e

memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova


de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de
Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos confrontantes.
§ 1o Uma vez atendidos os requisitos de que trata o caput do art. 225, o oficial

averbará a retificação.
§ 2o Se a planta não contiver a assinatura de algum confrontante, este será

notificado pelo Oficial de Registro de Imóveis competente, a requerimento do


interessado, para se manifestar em quinze dias, promovendo-se a notificação

pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou, ainda, por

solicitação do Oficial de Registro de Imóveis, pelo Oficial de Registro de Títulos


e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva
recebê-la.

§ 3o A notificação será dirigida ao endereço do confrontante constante do

Registro de Imóveis, podendo ser dirigida ao próprio imóvel contíguo ou àquele


fornecido pelo requerente; não sendo encontrado o confrontante ou estando em
lugar incerto e não sabido, tal fato será certificado pelo oficial encarregado da
diligência, promovendo-se a notificação do confrontante mediante edital, com o

mesmo prazo fixado no § 2o, publicado por duas vezes em jornal local de grande
circulação.
§ 4o Presumir-se-á a anuência do confrontante que deixar de apresentar
impugnação no prazo da notificação
§ 5o Findo o prazo sem impugnação, o oficial averbará a retificação requerida; se

houver impugnação fundamentada por parte de algum confrontante, o oficial 76

intimará o requerente e o profissional que houver assinado a planta e o memorial


a fim de que, no prazo de cinco dias, se manifestem sobre a
impugnação.
§ 6o Havendo impugnação e se as partes não tiverem formalizado transação
amigável para solucioná-la, o oficial remeterá o processo ao juiz competente, que

decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo se a controvérsia versar sobre


o direito de propriedade de alguma das partes, hipótese em que remeterá o
interessado para as vias ordinárias.
§ 7o Pelo mesmo procedimento previsto neste artigo poderão ser apurados os

remanescentes de áreas parcialmente alienadas, caso em que serão considerados


como confrontantes tão-somente os confinantes das áreas remanescentes.

§ 8o As áreas públicas poderão ser demarcadas ou ter seus registros retificados


pelo mesmo procedimento previsto neste artigo, desde que constem do registro

ou sejam logradouros devidamente averbados.

§ 9o Independentemente de retificação, dois ou mais confrontantes poderão, por


meio de escritura pública, alterar ou estabelecer as divisas entre si e, se houver
transferência de área, com o recolhimento do devido imposto de transmissão e

desde que preservadas, se rural o imóvel, a fração mínima de parcelamento e,

quando urbano, a legislação urbanística.


§ 10. Entendem-se como confrontantes não só os proprietários dos imóveis
contíguos, mas, também, seus eventuais ocupantes; o condomínio geral, de que
tratam os arts. 1.314 e seguintes do Código Civil, será representado por qualquer

dos condôminos e o condomínio edilício, de que tratam os arts. 1.331 e seguintes


do Código Civil, será representado, conforme o caso, pelo síndico ou pela

Comissão de Representantes.
§ 11. Independe de retificação:
I - a regularização fundiária de interesse social realizada em Zonas Especiais de
Interesse Social, promovida por Município ou pelo Distrito Federal, quando os

lotes já estiverem cadastrados individualmente ou com lançamento fiscal há mais 77

de 10 (dez) anos;
II - a adequação da descrição de imóvel rural às exigências dos arts. 176, §§ 3 o e
4o, e 225, § 3o, desta Lei.
III - a adequação da descrição de imóvel urbano decorrente de transformação de
coordenadas geodésicas entre os sistemas de georreferenciamento oficiais;

IV - a averbação do auto de demarcação urbanística e o registro do parcelamento


decorrente de projeto de regularização fundiária de interesse social de que trata
a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009; e (Incluído pela Lei nº
12.424, de 2011)

V - o registro do parcelamento de glebas para fins urbanos anterior a 19 de


dezembro de 1979, que esteja implantado e integrado à cidade, nos termos

do art. 71 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009


§ 12. Poderá o oficial realizar diligências no imóvel para a constatação de sua

situação em face dos confrontantes e localização na quadra.

§ 13. Não havendo dúvida quanto à identificação do imóvel, o título anterior à


retificação poderá ser levado a registro desde que requerido pelo adquirente,
promovendo-se o registro em conformidade com a nova descrição.

§ 14. Verificado a qualquer tempo não serem verdadeiros os fatos constantes do

memorial descritivo, responderão os requerentes e o profissional que o elaborou


pelos prejuízos causados, independentemente das sanções disciplinares e
penais.
§ 15. Não são devidos custas ou emolumentos notariais ou de registro

decorrentes de regularização fundiária de interesse social a cargo da


administração pública.
§ 16. Na retificação de que trata o inciso II do caput, serão considerados
confrontantes somente os confinantes de divisas que forem alcançadas pela
inserção ou alteração de medidas perimetrais.

78

12. Usucapião extrajudicial49


Apesar do Direito Notarial e Registral exigir a presença do consenso, não se
permitindo a prática de atos nulos, que sejam ineficazes no mundo jurídico ou ainda
atos que possam originar um litígio, foi atribuído aos Oficiais de Registro decidirem de
forma discricionária reconhecer a aquisição da propriedade imobiliária por usucapião.
Nesse passo, em que pese os serviços notariais e de registros públicos estejam
regulamentados pela Lei nº 8.935/94, são serviços que se complementam com o objetivo
de materializar os institutos de atos e negócios jurídicos.
No entanto, no processo de registro da usucapião extrajudicial, o serviço notarial
se tornou secundário, no momento em que o legislador outorgou ao Oficial de Registro
de Imóveis o poder de reconhecer a aquisição originária pela usucapião.
O art. 216-A e seguintes da Lei nº 6.015/73, permitiu que a serventia registral
competente da situação do imóvel, seja a responsável direta pelo reconhecimento do
pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, processando-se diretamente
todos os atos perante a fé pública do Oficial, o qual poderá inclusive realizar audiências
de instrução e conciliação.
Analisando a situação posta, algumas divergências entre os serviços notariais e de
registros públicos se confundiram, na medida em que, enquanto a atividade notarial se

49
Marcus Kikunaga, Direito Notarial e Registral à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editorial Lepanto,
2019, p. 379
preocupa em tutelar o consentimento das partes, o oficial de registros públicos se limita
a verificar, na exímia qualificação dos títulos que lhe são apresentados, a presença dos
elementos de validade requeridos por lei para poder assenta-los em seus livros.
79
No processo de usucapião extrajudicial, o Oficial do Registro de Imóveis, não
apenas analisará os requisitos do pedido, mas também verificará as declarações das
partes e testemunhas, em claro prejuízo à fé pública notarial.
Pela Lei 8.935/94, é de competência do tabelião de notas a compreensão,
formalização e legitimação da vontade das partes, devendo qualificar o aspecto subjetivo
do negócio jurídico, assegurando assim a autenticidade material ou de conteúdo do ato,
bem como seus aspectos formais, enquanto o registrador se pauta apenas na análise de
elementos extrínsecos do título, conferindo se o ato foi confeccionado na forma prescrita
em lei.
Nesta nova atribuição, o Oficial não qualificará um título, mas sim, o confeccionará
durante o processo, e de forma imprópria, usurpando a imediação “notarial” na apuração
da verdade real manifestada pelas partes de forma exclusiva e direta, como o faz na
esfera judicial, pelo juiz de direito, no convencimento da verdade.
Assim, foi-se o tempo, em que o registrador, ao qualificar o título que lhe era
apresentado, examinava, apenas seus aspectos formais50 ou extrínsecos51-52.

50
Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Apelação Cível: 9000004-16.2012.8.26.0210 relator Des.
Elliot Akel, j. 3.3.2015 Disponível em: <http://www.kollemata.com.br/kollemata/integra.php?id=26821> acesso em 4
junho 2015.
51
Sentença da 1ª Vara dos Registros Públicos de São Paulo. Processo: 000973/81, julgado pelo Juiz de Direito Narciso
Orlandi Neto em 28.10.1981 Disponível em: <http://www.kollemata.com.br/kollemata/integra.php?id=6095> acesso
em 4 junho 2015.
52
Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Apelação Cível: 0909846-85.2012.8.26.0037 relator Des.
José Renato Nalini, j. 7.3.2013 Disponível em: <http://www.kollemata.com.br/kollemata/integra.php?id=24138>
acesso em 4 junho 2015.
Pensamos que fez mal o legislador atribuir ao Registrador o poder de
convencimento jurisdicional da usucapião, pela impropriedade existente entre as
serventias extrajudiciais e o Poder Jurisdicional de reconhecer um direito naturalmente
80
conflituoso.

12.1 Da ineficácia da ata notarial para fins de usucapião


Apesar de ser o único autor a tratar desse assunto, impossível não apresentarmos

nossos fundamentos para a dispensabilidade da ata notarial neste processo extrajudicial.

Sendo a ata notarial stricto sensu um instrumento de prova, notamos seu


descompasso com o procedimento de reconhecimento de usucapião, na esfera
extrajudicial, pela atribuição dada ao Oficial de Registro de Imóveis de reconhecer a
presença dos pressupostos e requisitos da usucapião, a depender do conjunto

probatório prenotado pelo advogado diretamente na serventia.

Ademais, o inciso I do art. 216-A da Lei 6.015/73 não exige de forma


OBRIGATÓRIA a ata notarial, pressupondo sua FACULTATIVIDADE, pela redação

condicional ao arrolar a ata, “CONFORME O CASO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS”

Se torna óbvio, no processo de usucapião extrajudicial, a facultatividade da ata


notarial pela ausência da expressão OBRIGATÓRIA, ou INDISPENSÁVEL, mas, uma frase
que induz a interpretação de mera FACULDADE do requerente, haja vista ser um
instrumento inadequado para comprovar os pressupostos necessários para qualquer das

modalidades de usucapião.
Por outro lado, vimos que a ata notarial stricto sensu tem eficácia probatória
relativa de fatos presenciados pelo Tabelião de Notas, não sendo possível prosperar uma

declaração de FATOS PRETÉRITOS.


81

12.2 Da impossibilidade do tabelião de notas atestar a posse


O conceito de posse encontra-se no artigo 1.196 do Código Civil53, do qual se
deduz uma aparência de verdadeiro titular do bem, o qual é classificado pela doutrina

como um verdadeiro Direito Real Aparente.

A aparência de titular de direito de propriedade se dá pela inexistência de


subordinação ou vínculo de obediência com o verdadeiro titular, hipótese que somente
pode ser provada com verdadeira análise de mérito, impossível de ser retratada por uma

ata notarial ou até mesmo por uma escritura pública meramente declaratória.

É certo que o bem jurídico da atividade notarial é o poder da autenticação,


corolário do exercício da fé pública notarial transferida ao delegatário da serventia

extrajudicial.54

Nesse raciocínio, sabiamente, o Desembargador Ricardo Dip, adverte que um dos


deveres dos delegatários das serventias notariais é o juízo da consciência antecedente,
que é aquela que aconselha sobre um ato não realizado, sendo um dos elementos da

53
Código Civil - Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum
dos poderes inerentes à propriedade
54
KIKUNAGA, Marcus Vinicius, Ata Notarial e seus benefícios na perpetuidade da prova. In Provas no novo CPC, 1ª ed.
São Paulo : Instituto dos Advogados - IASP, 2007, p. 252
consciência moral, da qual é imprescindível o juízo de caráter prático de seus atos, na

produção de efeitos benéficos ou maléficos ao requerente.55

Esse dever, impõe ao Notário se abster de praticar atos que não produzam efeitos 82

jurídicos, conforme indica o princípio da eficácia da atividade notarial e registral, expressa

no art. 1º, da Lei 8.935/94.

Desse modo, se a POSSE é um fato, como o Tabelião de Notas teria condições


técnico-jurídicas para identifica-lo, se lá no imóvel ele não reside, nem é vizinho?

Outrossim, a fé pública do Tabelião de Notas não confere a ele poder jurisdicional


de RECONHECER UM FATO, mas tão somente autenticar a vontade e os fatos que ele
presencia.

Se a fé pública notarial tivesse o poder de reconhecer um DIREITO, certamente


as escrituras públicas de UNIÕES ESTÁVEIS seriam suficientes para outorgar ao
companheiro o DIREITO DE ADJUDICAR BENS DO COMPANHEIRO FALECIDO, situação
vedada expressamente pelo art. 18 da Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de

Justiça56.

Além disso, é importante ressaltar que recentemente, foi aprovado, no dia


24/07/2017, o Parecer no Recurso Administrativo nº 2017/00118884 pelo Corregedor

55
DIP, Ricardo – Prudência Notarial – São Paulo: Quinta Editorial, 2012, p. 85-86
56
Resolução nº 35/2017 do Conselho Nacional de Justiça - Art. 18. O(A) companheiro(a) que tenha direito à sucessão é
parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver
consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável. (g.n)
Geral da Justiça, Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, o qual ratifica a impossibilidade

do Notário de RECONHECER um DIREITO decorrente de um FATO57.

Na mesma linha de raciocínio impossível será ao Tabelião de Notas diferenciar a 83

DETENÇÃO da POSSE, pressuposto fundamental da aquisição prescritiva.

12.3 Da impossibilidade do tabelião de notas atestar o tempo


Nota-se que a importância da ata notarial no procedimento de usucapião
realmente é FACULTATIVA, tendo em vista que a ele será IMPOSSÍVEL também
determinar o TEMPO DE POSSE, pela sua subjetividade.

Verifica-se que o tempo, como pressuposto de qualquer espécie de usucapião, é

fundamental para se cogitar a aquisição originária.

Por isso, o interessado em qualquer usucapião deve, ao longo do tempo, guardar


provas de sua ocorrência, como pagamentos realizados de tributos incidentes sobre o
bem, investimentos em benfeitorias, faturas de concessionárias de serviço público de
consumo de água, energia elétrica, gás natural, telefone fixo, processos que demonstrem

o uso do bem entre outras provas.

57
A lavratura de escritura pública de união estável não passa por qualquer qualificação quanto ao conteúdo do ato,
tratando-se apenas de formalização de declaração desse estado de fato. Não são verificados pelo Tabelião os
impedimentos legais (art. 1.723, parágrafo Io c.c. art. 1.521, ambos do Código Civil). O Tabelião se limita a checar a
identidade dos declarantes e a transcrever as declarações por ele prestadas acerca da configuração de união estável,
início do convívio marital e regime de bens adotado. (g.n.)
Contraditório é Leonardo Brandelli, em afirmar que na “ata notarial, o Notário não
faz juízo de valor, mas apenas transcreve o que percebe por seus sentidos, de modo
que deve ele narrar o que verificar e que possa colaborar para esclarecer sobre a
84
qualidade e o tempo da posse existente por aquele que pretende usucapir certo bem
imóvel. Em outras palavras, o notário, na ata notarial, limitar-se-á a narrar com fé
pública o que puder verificar sobre a posse daquele que pretende usucapir. Não lhe
cabe decidir a respeito.58

Essa contradição se dá na impossibilidade de se emitir juízo de valor e ao mesmo


tempo afirmar a possibilidade de narrar com fé pública sobre a qualidade e o tempo de

posse existente, haja vista ser um fato pretérito e não presenciado.

A contradição permanece ao arrematar que a decisão sobre o pedido de


usucapião e a emissão de juízo de valor está nas mãos do Oficial Registrador, na análise

do conjunto probatório juntado pelo advogado.59

O pressuposto do tempo torna-se refém da documentação do momentos


passados, excluindo da ata notarial sua função, tornando-a um instrumento vazio pela
impossibilidade de cumprimento de seu bem jurídico, ou seja, impossível será, ao notário

ATESTAR O TEMPO, quando lhe é vedado emitir juízo de valor nas atas notariais.

58
BRANDELLI, Leonardo. Usucapião administrativa: De acordo com o novo código de processo civil – São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 75
59
BRANDELLI, Leonardo. Usucapião administrativa: De acordo com o novo código de processo civil – São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 76
12.4. Da ilegalidade dos emolumentos da ata notarial para fins de
usucapião
Serve-se como premissa, que a definição dos emolumentos da atividade
85
extrajudicial se dá pelo valor destinado ao delegatário do custo total do ato que foi
praticado na serventia, cuja finalidade é a manutenção do serviço (custo de aquisição de
impressos de segurança, como livros, selos, etiquetas, papeis de certidão, aluguel ou
aquisição de local de fácil acesso para instalação da serventia, todos os custos
administrativos, como o consumo de energia elétrica, água e esgoto, informatização do

acervo, contratação de prepostos etc.) e sua remuneração.

A Constituição Federal em seu art. 236, §2º determinou que apenas Lei Federal
poderia dispor sobre a fixação de emolumentos, ou seja, a Lei 10.169/00 trouxe a
previsão de diretrizes de fixação dos emolumentos, atribuindo a cada Estado

regulamentar sua própria tabela.

Em relação à natureza jurídica dos emolumentos, destaca-se o precedente


decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 116.208-2-MG60,
Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, de 8 de junho de 1990, que as custas e
emolumentos têm a natureza de taxas, razão pela qual só poder ser fixados por lei, dado

o princípio constitucional da reserva legal para a instituição ou aumento de tributo.

60
Proc. STF-RE 116.208-2 (Estado de Minas vs. Áurea Maria Ameno), de 20.4.1990. Relator: Min. Moreira Alves. DJU
de 8.6.90, dispondo a ementa: CUSTAS E EMOLUMENTOS. NATUREZA JURÍDICA. NECESSIDADE DE LEI PARA SUA
INSTITUIÇÃO OU AUMENTO – Esta Corte já afirmou o entendimento, sob a vigência da Emenda Constitucional n. 1/69,
de que as custas e os emolumentos têm natureza de taxas, razão por que só podem ser fixadas por lei, dado o
princípio constitucional da reserva legal para a instituição ou aumento de tributo. Portanto, as normas dos artigos
702, I, g, e 789, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho não foram recebidas pela Emenda Constitucional n. 1/69, o
que implica dizer que estão revogadas. Recurso extraordinário conhecido e provido.
Assim, firmou-se na jurisprudência61 do Supremo Tribunal Federal a orientação no
sentido de que os emolumentos possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas
remuneratórias de serviços públicos, ou seja, nas hipóteses de instituição e majoração,
86
o regime jurídico aplicável tem como garantia a reserva de competência impositiva do

tributo, cumprimento dos princípios da legalidade, isonomia e anterioridade.

Nesse passo, é imperioso observar que o bem jurídico tutelado pelos


emolumentos cobrados pelas serventias notariais e de registro são a manutenção do

serviço e a remuneração de seus titulares.

Sendo os emolumentos uma taxa remuneratória de um serviço público, ilegítimo


é a fixação de sua forma de cobrança pelo Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo
26, inciso I, do Provimento nº 65/2017, ao determinar que a ata notarial será considerada

ato de conteúdo econômico como se escritura pública fosse.62

Mesmo critério utilizado pelos Tabelionatos de Notas, conforme o Enunciado nº


08, aprovado no XX Congresso de Direito Notarial, realizado em 03/10/2015, cujo
conteúdo afirma ter a ata notarial para fins de usucapião conteúdo econômico, ratificado
pelo Enunciado nº 02 do Colégio Notarial de São Paulo sob a justificativa que a ata
notarial para usucapião extrajudicial possui reflexo econômico e valor quantificável,

61
STF – ADI 1.378-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30.11.1995, Plenário, DJ de 30.05.1997. No mesmo
sentido: ADI 3.826, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 12.05.2010, Plenário, DJE de 20.08.2010.
62
Conselho Nacional de Justiça - Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017 - Art. 26. Enquanto não for editada,
no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, legislação específica acerca da fixação de emolumentos para o
procedimento da usucapião extrajudicial, serão adotadas as seguintes regras:
I – no tabelionato de notas, a ata notarial será considerada ato de conteúdo econômico, devendo-se tomar por base
para a cobrança de emolumentos o valor venal do imóvel relativo ao último lançamento do imposto predial e
territorial urbano ou ao imposto territorial rural ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado; (g.n.)
representado pelo valor venal aplicável ou atribuído pelo possuidor ao bem imóvel, o
que for maior, aplicando-se a Tabela 1 dos emolumentos notariais, previsto na Lei

11.331/2002.
87

Interessante notar, que não há nenhuma previsão legal para tal justificativa, haja

vista a natureza jurídica da ata notarial no que tange seu plano da eficácia.

É de se concluir, destarte, que a ata notarial, no processo de usucapião


extrajudicial, foi totalmente alterada em sua estrutura, transmitindo ao usuário final uma

falsa noção de segurança e eficácia das declarações do Tabelião de Notas.

Permitir a propagação da idéia de obrigatoriedade da ata notarial no processo de


usucapião extrajudicial é ato perverso daqueles que se comprometeram em outorgar
segurança, eficácia, publicidade e autenticidade de seus atos, apesar do Conselho
Superior da Magistratura de São Paulo ter mantido a exigência deste instrumento no
acórdão proferido na Apelação Cível nº 1002887-04.2018.8.26.0100, julgado em

30/10/2018.63

Nesse passo, não se pode prosperar a permissão de se lavrar atos notariais que
não garantem sua eficácia, por serem vazios e pela impossibilidade de se cumprir o seu

mister.

63
Conselho Superior da Magistratura de São Paulo - Registro de Imóveis Usucapião extrajudicial – Necessidade de
instrução do requerimento com ata notarial – Art. 216, inciso I, da Lei nº 6.015/73 e art. 4º, inciso I, do Provimento nº
65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça Alegação de incompatibilidade da exigência
formulada com a natureza jurídica e a finalidade da ata notarial Exigência legal e normativa que não pode ser
afastada, em procedimento de natureza administrativa, pelos fundamentos apresentados pelo apelante Dúvida
julgada procedente Recurso não provido.
A posse e o tempo são fatos impossíveis de serem captados por ata notarial e
sua constatação se dará perante o Oficial de Registro de Imóveis que se convencerá de

seu valor no curso de cada requerimento e conjunto probatório prenotados.


88

Admitir a cobrança da ata notarial como escritura pública confere um Estado que
não respeita seus próprios princípios fundamentais, ao admitir a cobrança ilegal de

emolumentos, ratificada pelo Conselho Nacional de Justiça.

Em suma, nos resta lutar para que a sociedade compreenda que a ata notarial
tem muitas outras utilidades fora do processo de usucapião extrajudicial e inadmissível
pensar que ela seja requisito de um Direito que somente o tempo provará.

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Boa sorte e bons estudos!


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