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SUMÁRIO
DIREITO CONSTITUCIONAL .................................................................................... 5
I – CONSTITUCIONALISMO ................................................................................................. 5
1. Conceito de constitucionalismo .................................................................................. 5
2. Fundamentos do constitucionalismo .......................................................................... 5
3. Origem do constitucionalismo ..................................................................................... 5
4. Panorama geral da evolução histórica do constitucionalismo ................................ 5
5. Constitucionalismo antigo ............................................................................................ 5
6. Constitucionalismo moderno (1ª fase - Constituições liberais) ............................... 7
7. Constitucionalismo moderno (2ª fase - Constituições sociais) ................................ 8
8. Constitucionalismo contemporâneo (neoconstitucionalismo) ................................ 9
9. Síntese da evolução do constitucionalismo .............................................................10
II - NEOCONSTITUCIONALISMO (APROFUNDAMENTO) .............................................11
1. Marco Histórico: Pós-Segunda Guerra Mundial ......................................................11
2. Marco Filosófico: Pós-positivismo .............................................................................11
3. Marco teórico ...............................................................................................................12
III – NOVAS CLASSIFICAÇÕES DO CONSTITUCIONALISMO .......................................15
1. Constitucionalismo do Futuro ou do Porvir .............................................................15
2. Constitucionalismo Transnacional .............................................................................15
3. Transconstitucionalismo .............................................................................................16
4. Constitucionalismo Popular........................................................................................17
5. Constitucionalismo Democrático ...............................................................................17
6. Constitucionalismo Autoritário ..................................................................................17
IV – SENTIDOS DA CONSTITUIÇÃO .................................................................................19
1. Constituição em sentido sociológico ........................................................................19
2. Constituição em sentido político ...............................................................................19
3. Constituição em sentido material e formal ...............................................................20
4. Constituição em sentido jurídico ...............................................................................20
5. Concepção culturalista da constituição ....................................................................21
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ......................................................... 22
I – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ....22
1. Fase da absoluta indiferença......................................................................................22
2. Fase da mera imputação criminal ..............................................................................22

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3. Fase tutelar ...................................................................................................................22
4. Fase da proteção integral ...........................................................................................23
II - IMPACTOS DO CASO MARY ELLEN............................................................................24
DIREITO CIVIL ........................................................................................................ 26
I - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS .......................................................................................26
II - LINDB E CONCEITOS GERAIS ......................................................................................28
1.1. Aplicabilidade da LINDB ......................................................................................29
1.2. Diferenças entre lei e norma................................................................................29
1.3. Fontes do direito ...................................................................................................30
III – APLICAÇÃO DA LEI E ANTINOMIAS JURÍDICAS .....................................................31
1. Lacunas..........................................................................................................................31
2. Omissão da lei e vedação ao "non liquet"................................................................32
3. Antinomias das leis ......................................................................................................33
3.1. Antinomias aparentes ou reais ............................................................................33
3.2. Antinomias próprias ou impróprias ....................................................................34
3.3. Quanto ao grau da antinomia .............................................................................34
IV - EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO .....................................................................................35
1. Conceitos relevantes ...................................................................................................35
1.1. Promulgação e publicação ..................................................................................35
1.2. Vigência e vigor .....................................................................................................36
1.3. Vacância da lei .......................................................................................................37
2. Princípios informadores da eficácia das leis.............................................................39
3. Espécies de revogação ...............................................................................................40
4. Repristinação e efeito repristinatório ........................................................................40
DIREITO EMPRESARIAL ......................................................................................... 41
I - EVOLUÇÃO DO DIREITO EMPRESARIAL .....................................................................41
1. Teoria dos atos de comércio ......................................................................................41
2. Teoria da empresa .......................................................................................................41
II - TEORIA POLIÉDRICA .....................................................................................................43
DIREITOS HUMANOS ............................................................................................ 45
I - DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS .................................................45
1. Conceitos ......................................................................................................................45
2. Direitos Humanos ........................................................................................................45
2.1. Dimensões (gerações) dos Direitos Humanos ..................................................46

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3. Direitos Fundamentais ................................................................................................47
3.1. Previsão dos direitos fundamentais e status dos tratados internacionais .....48
II - CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS ........................................................50
III – FONTES E INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ......................................52
1. Fontes dos Direitos Humanos ....................................................................................52
2.4. Interpretação dos Direitos Humanos .....................................................................52

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DIREITO CONSTITUCIONAL

I – CONSTITUCIONALISMO

1. Conceito de constitucionalismo

É um movimento social, político e jurídico cujo principal objetivo é limitar o


poder do Estado por meio de uma Constituição. Relaciona-se com a existência do
Estado.

2. Fundamentos do constitucionalismo

Os principais fundamentos são as garantias de direitos e a limitação do poder


estatal. O constitucionalismo surge em contraposição ao absolutismo para assegurar
direitos fundamentais, e, para isso, torna-se imprescindível a limitação do poder estatal.

3. Origem do constitucionalismo

Segundo a doutrina, de Karl Loewenstein, o constitucionalismo teve origem na


antiguidade (idade antiga), principalmente na Grécia antiga (que adotou a democracia)
e no povo hebreu (os primeiros a limitar o poder do soberano através dos dogmas).

4. Panorama geral da evolução histórica do constitucionalismo

Constitucionalismo antigo: da antiguidade até o século XVIII.


Constitucionalismo moderno: do século XVIII até a segunda guerra mundial.
O surgimento das primeiras constituições escritas se deu com as revoluções liberais.
Constitucionalismo contemporâneo: surge após o período da segunda
guerra mundial. Período marcado pelo reconhecimento da força normativa da
Constituição e da dignidade da pessoa humana.

5. Constitucionalismo antigo

O constitucionalismo antigo refere-se ao período que vai desde a antiguidade


até o século XVIII. Durante essa fase, o conceito de constituição não era delineado como

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atualmente. Contudo, existiam algumas ideias e práticas que podem ser consideradas
como precursores do constitucionalismo moderno.

No Estado Hebreu, que era um estado teocrático, o governo estava sujeito a


limitações impostas por dogmas religiosos. A Lei Mosaica, também conhecida como Lei
do Sinai, estabelecia princípios éticos, morais e legais que regiam a vida do povo
hebreu. Essa lei, vista como divina, influenciou a concepção de um conjunto de regras
e princípios que limitavam o poder do governante e protegiam os direitos dos
cidadãos.
Na Grécia Antiga, especificamente em Atenas, havia uma experiência
democrática direta, onde os cidadãos tinham participação direta na tomada de
decisões políticas. Embora não existisse uma constituição escrita como a entendemos
hoje, a cidade-Estado de Atenas desenvolveu uma série de instituições e práticas que
poderiam ser consideradas como constitucionais. A democracia ateniense permitia a
participação dos cidadãos na Assembleia e na tomada de decisões políticas
importantes.

Na República Romana, há indícios de uma separação de poderes embrionária.


Os cônsules, senado e povo exerciam funções distintas dentro do sistema político
romano. Embora não houvesse uma constituição escrita, as práticas e costumes
governamentais romanos estabeleciam limites para o exercício do poder e
reconheciam direitos e prerrogativas dos cidadãos.

Durante a Idade Média, o constitucionalismo foi moldado pela relação entre o


monarca e os estamentos sociais, como a nobreza e o clero. A Magna Carta, assinada
em 1215, na Inglaterra, foi um marco importante nesse período, pois limitava o poder
absoluto do rei e estabelecia direitos e garantias para os nobres.

Já no Iluminismo, séculos XVII e XVIII, surgiram importantes pensadores que


influenciaram o constitucionalismo moderno. John Locke, por exemplo, defendeu a
ideia de um contrato social entre governantes e governados, onde os direitos
individuais seriam protegidos pelo Estado. Montesquieu, por sua vez, propôs a
separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) como forma de evitar abusos
e garantir a liberdade dos cidadãos.

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6. Constitucionalismo moderno (1ª fase - Constituições liberais)

O constitucionalismo moderno surge a partir do século XVIII, especialmente


com as revoluções liberais, como a Revolução Americana de 1776 e a Revolução
Francesa de 1789. Esses eventos foram marcados pela busca de limitação do poder
monárquico e pela afirmação de direitos individuais e liberdades.
Os pontos relevantes que merecem destaque sobre esse período são os
seguintes:
O Constitucionalismo Moderno enfatizou o princípio do Estado de Direito,
que implica que o poder estatal deve ser exercido de acordo com a lei. Isso implica na
submissão dos governantes à lei e na garantia de direitos e liberdades individuais. Além
disso, houve uma valorização do Estado mínimo, que se refere à ideia de que o Estado
deve ter um papel limitado na vida dos cidadãos, deixando espaço para a liberdade
individual e a iniciativa privada.
Foi marcado pela implementação dos direitos de 1ª geração, também
conhecidos como direitos políticos. Esses direitos dizem respeito à participação política
dos cidadãos, como o direito ao voto, à liberdade de expressão, à associação e à
liberdade de pensamento. O reconhecimento desses direitos nas constituições
modernas trouxe um maior espaço para a participação democrática e o exercício da
cidadania.
O Constitucionalismo americano de 1787 é um marco importante nessa fase.
A Constituição dos Estados Unidos foi a primeira constituição escrita a conferir
supremacia ao documento constitucional. Ela estabeleceu o sistema presidencialista e
a forma federativa de Estado, onde há uma divisão clara de poderes entre os governos
federal e estaduais. Além disso, a Constituição americana estabeleceu as regras
políticas do jogo, como a separação de poderes e o sistema de checks and balances
(freios e contrapesos), para evitar o abuso de poder e proteger os direitos individuais.
Durante a Revolução Francesa, a Constituição de 1791 da França foi adotada
com o objetivo de transformar a realidade social, estabelecendo direitos e liberdades
individuais e promovendo a igualdade perante a lei (igualdade formal). A Constituição
francesa também previa as regras do jogo político, estabelecendo a organização do
governo, os poderes do monarca e as liberdades civis.

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7. Constitucionalismo moderno (2ª fase - Constituições sociais)

O Constitucionalismo Moderno também foi marcado pela adoção do Estado


Social, a implementação dos direitos de segunda geração, e o surgimento de
constituições importantes, como a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de
Weimar de 1919. Vejamos brevemente essas características:
Estado Social: Uma das principais mudanças no Constitucionalismo Moderno
foi a adoção do Estado Social. Diferentemente do Estado liberal, que priorizava a não
intervenção estatal na economia, o Estado Social tem um papel mais intervencionista e
ativo na produção e distribuição de bens e serviços. O Estado Social busca equilibrar o
sistema capitalista por meio de políticas públicas e regulamentações que promovam a
justiça social, a igualdade de oportunidades e a proteção dos direitos sociais.
Direitos de 2ª geração: houve a implementação dos direitos de 2ª geração,
também conhecidos como direitos sociais, econômicos e culturais. Esses direitos
referem-se a garantias relacionadas à condição social e econômica dos indivíduos.
Incluem o direito ao trabalho, à educação, à saúde, à moradia, à previdência social,
entre outros. Enquanto os direitos de primeira geração estavam focados na liberdade
individual, os direitos de segunda geração visam à igualdade material e à melhoria das
condições de vida dos cidadãos.
Constituição Mexicana (1917): foi promulgada após a Revolução Mexicana e
trouxe inovações significativas, como a nacionalização do petróleo e dos recursos
naturais, a garantia dos direitos trabalhistas, a proteção aos direitos indígenas e a
reforma agrária. A Constituição Mexicana foi uma das primeiras a incorporar princípios
do Estado Social e a estabelecer direitos sociais e econômicos.
Constituição de Weimar (1919): A Constituição de Weimar, adotada na
Alemanha em 1919, após o fim da Primeira Guerra Mundial, também é um marco do
Constitucionalismo Moderno. Ela trouxe avanços importantes, como a garantia de
direitos fundamentais, a proteção aos direitos sociais, a criação do sistema de
seguridade social e a inclusão de cláusulas de igualdade de gênero. No entanto, a
Constituição de Weimar enfrentou desafios e instabilidade política, sendo
posteriormente substituída pelo regime nazista.

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8. Constitucionalismo contemporâneo (neoconstitucionalismo)

No Constitucionalismo Contemporâneo, que se desenvolveu a partir do


período pós-segunda Guerra Mundial, observamos algumas características
fundamentais.
Surgimento do Estado Democrático de Direito: nesse modelo, há uma
conexão entre o Estado de Direito e a Democracia. Isso significa que não basta que os
direitos estejam previstos em lei, mas também é necessário que sejam fruto da vontade
da maioria, expressa por meio de processos democráticos. O Estado Democrático de
Direito busca conciliar o respeito às normas e princípios jurídicos com a participação e
a vontade popular.
Efetividade dos direitos fundamentais: há um foco não apenas na
consagração dos direitos fundamentais, mas também na sua efetividade. Isso significa
que não basta que os direitos estejam presentes na Constituição, é necessário que
sejam efetivamente garantidos e respeitados na prática. O Estado tem o dever de
adotar medidas concretas para assegurar o exercício desses direitos e proteger a
dignidade e a liberdade dos indivíduos.
Direitos de 3ª dimensão: esses direitos, também conhecidos como direitos
de solidariedade ou direitos coletivos, são uma característica importante do
Constitucionalismo Contemporâneo. Abrange o direito à fraternidade, à solidariedade
e à sustentabilidade, visando à promoção do bem-estar social, da igualdade e da
justiça. Eles refletem a preocupação com questões como o meio ambiente, o
desenvolvimento sustentável, a proteção dos consumidores, os direitos das minorias e
a igualdade de gênero.
Força normativa da Constituição e fortalecimento do Poder Judiciário: a
Constituição passou a ter um papel central no ordenamento jurídico, sendo
considerada a lei suprema do país e vinculando todas as esferas do poder estatal. Além
disso, observa-se o fortalecimento do Poder Judiciário como guardião e intérprete da
Constituição. Os tribunais têm um papel crucial na proteção dos direitos fundamentais,
no controle de constitucionalidade das leis e na garantia do Estado de Direito.

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9. Síntese da evolução do constitucionalismo

FASE CARACTERÍSTICAS
Estado de Direito e Estado mínimo.
Direitos de 1ª geração: implementação dos direitos políticos.
Constitucionalismo americano (1787): primeira constituição
escrita dotada de supremacia. Adoção do sistema presidencialista e
MODERNO
da forma federativa de Estado. Estabelecimento das regras políticas
(1ª fase – constituições
Liberais) do jogo.
Constitucionalismo francês: a Constituição era prolixa e foi
imposta como um instrumento de transformação político-social, ou
seja, com o intuito de transformar a realidade social, além de prever
também as regras do jogo político.

Adoção do Estado Social: é um estado intervencionista, com


papel decisivo na produção e distribuição de bens. Adere ao
capitalismo, diferentemente do Estado socialista.
MODERNO
Direitos de 2 geração: implementação dos direitos sociais,
(2ª fase –
constituições sociais) econômicos e culturais. Direito à igualdade material (a igualdade
formal foi conquistada com as constituições liberais).
Constituição Mexicana (1917).
Constituição de Weimer (1919).

Surgimento do Estado Democrático de Direito: conexão entre


Estado de Direito e Democracia, ou seja, não basta o direito estar
previsto em lei, é necessário também ser fruto da vontade da

Constitucionalismo maioria.
Contemporâneo Efetividade dos direitos fundamentais, e não apenas sua
(neoconstitucionalismo)
consagração.
Direitos de 3ª dimensão: fraternidade e solidariedade.
Força normativa da Constituição por todo o continente europeu.
Fortalecimento do Poder Judiciário.

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II - NEOCONSTITUCIONALISMO (APROFUNDAMENTO)

O neoconstitucionalismo surgiu após a segunda guerra mundial (marco


histórico), fruto do pós-positivismo (marco filosófico), tendo como marco teórico a força
normativa da Constituição e como principal objetivo uma maior eficácia da
Constituição, principalmente dos direitos fundamentais.
O marco histórico do pós-guerra, aliado ao marco filosófico do pós-positivismo,
proporcionou um ambiente propício para o desenvolvimento desse novo paradigma
jurídico. Os principais destaques conferidos pelo neoconstitucionalismo foi a atribuição
de força normativa à Constituição e a busca de maior eficácia dos direitos fundamentais.
Aprofundaremos, pois, o surgimento e as principais características do
neoconstitucionalismo, considerando os marcos histórico e filosófico que o
fundamentam.

1. Marco Histórico: Pós-Segunda Guerra Mundial

O mundo pós-Segunda Guerra foi marcado por uma profunda reflexão sobre a
necessidade de proteção dos direitos humanos fundamentais. As atrocidades
cometidas durante o conflito levaram a comunidade internacional a buscar meios de
evitar futuros episódios de violência e aprimorar a proteção dos direitos inalienáveis
dos indivíduos. Nesse contexto, a Constituição se apresentou como um instrumento
central para a promoção da dignidade humana e a garantia dos direitos fundamentais.

2. Marco Filosófico: Pós-positivismo

O pós-positivismo é uma corrente filosófica que questiona a visão tradicional do


positivismo jurídico, que concebia o direito como um conjunto de regras puramente
objetivas e desvinculadas de juízos de valor.
O positivismo jurídico, cujas raízes remontam aos pensadores do século XIX,
como Jeremy Bentham, sustentava que o direito é um fenômeno puramente normativo
e que sua validade não depende de critérios morais, éticos ou políticos. Segundo essa
visão, as normas jurídicas são criadas pelo Estado e são válidas independentemente de
seu conteúdo ser justo ou injusto.

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No entanto, ao longo do tempo, surgiram várias críticas ao positivismo,
questionando sua capacidade de lidar com questões complexas e morais.
Essas críticas tornaram-se mais acentuadas após a Segunda Guerra Mundial,
período em que a comunidade internacional testemunhou as graves violações aos
direitos humanos perpetradas pelos regimes totalitários. A negação desses crimes por
parte dos governos nazista e fascista expôs as limitações do positivismo, que era
incapaz de reconhecer como ilegais ou injustas ações que fossem formalmente válidas
segundo as leis dos respectivos países.
Uma das contribuições mais importantes do pós-positivismo é o
desenvolvimento da teoria dos princípios. Ronald Dworkin, um dos principais
expoentes dessa corrente, defende que os princípios são normas que fornecem razões
para ações e decisões jurídicas, e que têm uma dimensão moral vinculante. Para
Dworkin, os princípios devem ser considerados na tomada de decisões jurídicas, não
apenas as regras estritamente positivadas.
Com o pós-positivismo, portanto, surge uma nova abordagem que reconhece
a relevância dos princípios e valores no ordenamento jurídico, ampliando a noção de
fontes do direito para além das normas positivadas, permitindo uma leitura mais ampla
e teleológica das normas constitucionais, considerando-as como verdadeiros princípios
orientadores da ordem jurídica.

3. Marco teórico

O marco teórico está relacionado à força normativa da Constituição, à expansão


da jurisdição constitucional e ao desenvolvimento de uma nova dogmática de
interpretação constitucional.

Força Normativa da Constituição


Konrad Hesse, renomado jurista alemão, é um dos principais teóricos que
enfatiza a força normativa da Constituição. Segundo sua visão, o texto constitucional
possui um significado próprio e suas normas têm comandos cogentes, o que significa
que a Constituição não é meramente uma declaração de intenções, mas sim uma lei
capaz de alterar a realidade. Ela é o produto de uma determinada realidade do país,
porém, ao mesmo tempo, possui o poder de moldar essa realidade.

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Essa perspectiva vai além do positivismo estrito, que considerava as normas
constitucionais como meras declarações formais sem força vinculante. A força
normativa da Constituição confere-lhe uma efetividade e autoridade que devem ser
observadas por todos os poderes estatais, incluindo o Poder Legislativo e o Executivo.
A força normativa da Constituição está atrelada à ideia da capacidade de a
Constituição exercer influência vinculante sobre o sistema jurídico como um todo. Essa
ideia está associada à concepção de que os princípios e valores constitucionais
possuem um status superior, devendo orientar a interpretação e aplicação das demais
normas infraconstitucionais.
Essa abordagem, presente no neoconstitucionalismo, leva à necessidade de
uma hermenêutica mais aberta e voltada para a realização dos valores fundamentais da
sociedade. Por esse motivo é que o neoconstitucionalismo está atrelado ao maior
protagonismo do Poder Judiciário, pois cabe a ele desempenhar um papel essencial
nesse processo: interpretar a Constituição de forma a concretizar seus princípios e
objetivos.

Expansão da Função Jurisdicional


Uma das principais manifestações do pós-positivismo no campo do Direito
Constitucional é a expansão da função jurisdicional, especialmente no que se refere à
concretização dos direitos sociais previstos na Constituição. Tradicionalmente, a
separação de poderes prevista no artigo 2º da Constituição conferia ao Legislativo a
tarefa de criar as leis e ao Executivo a função de executá-las.
No entanto, com o pós-positivismo, ocorreu uma mudança na compreensão do
papel do Poder Judiciário.
Especialmente no que se refere aos direitos fundamentais do art. 5º e dos
direitos sociais previstos no art. 6º da CF, o Judiciário passou a desempenhar um papel
ativo na proteção desses direitos, intervindo nas políticas públicas para garantir sua
efetividade.
Essa maior intervenção jurisdicional na esfera das políticas públicas, no entanto,
deve ser exercida com cautela e equilíbrio, para não violar a separação de poderes e
preservar o espaço de atuação dos demais poderes estatais.

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Nova Hermenêutica Constitucional
A natureza principiológica das normas constitucionais exigiu o desenvolvimento
de uma nova hermenêutica constitucional destinada à interpretação. Os princípios são
normas que possuem maior grau de abstração e permitem maior margem de
ponderação e flexibilidade na aplicação.
Nesse sentido, foram adotados princípios orientadores da interpretação
constitucional, tais como:
i) Princípio da Unidade da Constituição: as normas constitucionais devem ser
interpretadas de forma coerente e sistêmica, buscando a harmonia entre elas.
ii) Princípio da Concordância Prática: em casos de colisão entre princípios
constitucionais, deve-se buscar uma solução que viabilize a máxima realização possível
de ambos.
iii) Princípio da Eficiência Integradora: busca-se a máxima efetividade dos
direitos fundamentais e dos valores constitucionais, a fim de tornar a Constituição uma
norma viva e eficaz.

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III – NOVAS CLASSIFICAÇÕES DO CONSTITUCIONALISMO

1. Constitucionalismo do Futuro ou do Porvir

O Constitucionalismo do Futuro ou do Porvir, idealizado por José Roberto


Dromi, representa uma visão prospectiva do desenvolvimento das constituições nas
próximas gerações. Nessa perspectiva, valores como veracidade e solidariedade
ganham destaque na elaboração e conteúdo das futuras constituições.
A veracidade se torna um princípio fundamental para as constituições do futuro.
Elas devem pautar-se pela honestidade e transparência, evitando promessas
irrealizáveis e garantindo que suas disposições reflitam a realidade social, econômica e
política do momento em que são elaboradas. Ao adotar esse princípio, as constituições
poderão evitar a criação de expectativas vazias e, ao mesmo tempo, fortalecer a
confiança e a legitimidade dos textos constitucionais perante a sociedade.
A solidariedade, por sua vez, já é reconhecida como um princípio expresso em
diversas constituições, inclusive na Constituição Federal de 1988. No
constitucionalismo do futuro, a solidariedade deve ser ainda mais aprofundada,
buscando a construção de uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária. As
futuras constituições deverão se dedicar ao fortalecimento das políticas sociais e à
promoção de um ambiente de cooperação e respeito mútuo entre os cidadãos, visando
a superação de desigualdades e a promoção do bem-estar social.
Em suma, o Constitucionalismo do Futuro proposto por Dromi antecipa uma
nova abordagem nas próximas constituições, pautada na veracidade e na solidariedade
como valores centrais. Ao serem fundamentadas em bases mais honestas e realistas, e
ao abraçarem a solidariedade como princípio orientador, essas constituições terão o
potencial de promover sociedades mais justas, igualitárias e comprometidas com o
bem-estar coletivo, contribuindo para um futuro mais promissor e sustentável.

2. Constitucionalismo Transnacional

O Constitucionalismo Transnacional representa uma abordagem inovadora na


teoria constitucional, possibilitando a elaboração de uma única constituição para vários
países, estabelecendo assim um constitucionalismo multinível. A proposta central é

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criar uma constituição supranacional que abranja múltiplos Estados, superando
fronteiras e criando um sistema jurídico e político mais abrangente.
O Constitucionalismo Transnacional pode desempenhar um papel relevante na
prevenção de ditaduras, pois se baseia na premissa de que as normas e princípios
estabelecidos na constituição supranacional devem respeitar as constituições nacionais
dos países membros. Essa salvaguarda visa assegurar que os direitos e liberdades
fundamentais dos cidadãos sejam protegidos em todos os níveis de governança e que
nenhum país possa impor unilateralmente medidas autoritárias que violem os direitos
e garantias constitucionais.

3. Transconstitucionalismo

O Transconstitucionalismo, conceito proposto por Marcelo Neves, refere-se à


interação entre o direito interno e o direito internacional, buscando uma melhor tutela
dos direitos fundamentais. Nessa perspectiva, os tratados internacionais devem ser
respeitados, mesmo que não tenham sido incorporados ao ordenamento jurídico
interno brasileiro.
O que destacamos de relevante nessa classificação proposta por Marcelo Neves
é que a relação entre o direito interno e o internacional possibilita o uso de decisões de
outros tribunais constitucionais, promovendo o chamado "DIÁLOGO DAS CORTES".
Dentre as teorias criadas por outros tribunais e que foram adotadas no Brasil,
podemos citar:

o princípio da proporcionalidade, desenvolvido pelo Tribunal Constitucional


Alemão, que envolve a proibição da proteção insuficiente de direitos;

o princípio da razoabilidade e o efeito "backlash" de decisões


contramajoritárias, conforme estabelecido pela Suprema Corte dos EUA;

o conceito de "Estado de Coisas Inconstitucionais", criado pelo Tribunal


Constitucional da Colômbia, mas aplicado no Brasil pelo STF na ADPF 347 para
o sistema carcerário brasileiro.

A aplicação do Transconstitucionalismo possibilita ao sistema jurídico brasileiro


ultrapassar os limites da Constituição Federal para utilizar o direito internacional como
ferramenta para a proteção dos direitos fundamentais.

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O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAIS caracteriza-se por um
descumprimento generalizado das normas constitucionais, o que
justifica que o Judiciário solicite providências por parte de vários
órgãos estatais para solucionar o problema. Esse conceito permite
que o Judiciário atue de forma mais efetiva em situações em que
todos os poderes estão desrespeitando a ordem constitucional.

4. Constitucionalismo Popular

Trata-se de uma abordagem proposta por Mark Tushnet, jurista dos Estados
Unidos, que tem como ponto central a retirada ou redução do judicial review (a
possibilidade de o Poder Judiciário revisar e invalidar leis e atos dos outros poderes,
inclusive a própria Constituição).
Defende-se um maior protagonismo da população de forma mais direta e ativa
para a determinação do significado e interpretação da Constituição, rechaçando a ideia
de que essas questões devem ficar a cargo exclusivamente do Poder Judiciário.
Ao retirar ou limitar o judicial review, o Constitucionalismo Popular busca
descentralizar o poder de interpretação constitucional, possibilitando que a sociedade
tenha uma maior influência na construção do ordenamento jurídico e na definição de
suas normas fundamentais.

5. Constitucionalismo Democrático

O Constitucionalismo Democrático é uma expressão criada por Robert Post e


Reva Siegel que propõe um modelo no qual a interpretação da Constituição não é
restrita ao Poder Judiciário, mas inclui um maior protagonismo popular. Ele não exclui
o judicial review, mas reforça a importância de uma interpretação constitucional
democrática, que valoriza a participação e o diálogo com a sociedade para garantir uma
jurisprudência que reflita os interesses e necessidades da população.

6. Constitucionalismo Autoritário

A expressão "constitucionalismo autoritário" foi cunhada por Mark Tushnet.


Esse conceito descreve um modelo normativo que se situa em um ponto intermediário

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entre o constitucionalismo liberal e o autoritarismo, apresentando compromissos
apenas moderados com os princípios constitucionais.
O constitucionalismo autoritário não representa um regime distinto em si, mas
sim uma forma sutil e sofisticada de exercer o poder por parte das elites governantes
em Estados com um desenvolvimento democrático frágil. Nesse contexto, aqueles que
detêm o poder, apesar de revestirem-se de uma aparência constitucional e
democrática, exercem sua autoridade de maneira autoritária, disfarçando suas ações
por meio de um discurso constitucionalista.
Há, portanto, a utilização da Constituição como uma ferramenta para que um
grupo governante consolide seu controle sobre o poder, buscando legitimidade
constitucional e evitando sanções internacionais, tudo sob a fachada de uma aparente
democracia constitucional. Não há a consagração de uma Constituição como fonte de
limitação dos poderes. Há uma camuflagem.

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IV – SENTIDOS DA CONSTITUIÇÃO

1. Constituição em sentido sociológico

Na acepção sociológica, a Constituição é concebida como fato social, e não


propriamente como norma. O texto positivo da Constituição seria resultado da
realidade social do País, das forças sociais que imperam na sociedade, em determinada
conjuntura histórica.
Caberia à Constituição escrita, tão somente, reunir e sistematizar esses valores
sociais num documento formal, documento este que só teria eficácia se correspondesse
aos valores presentes na sociedade.
Representante da visão sociológica foi Ferdinand Lassale. Para ele, a
Constituição é a soma dos fatores reais de poder que nela atuam. Segundo Lassale,
convivem em um País, paralelamente, duas constituições: uma Constituição real, efetiva,
que corresponde à soma dos fatores reais de poder que regem esse País, e uma
Constituição escrita, por ele denominada “folha de papel”.
A Constituição escrita só teria validade se correspondesse à Constituição real.
Em caso de conflito entre a Constituição real e a escrita, esta última sempre sucumbiria.
Crítica: Não reconhece que a Constituição pode ser instrumento de alteração
da realidade.

2. Constituição em sentido político

A visão política foi desenvolvida por Carl Schmitt, para o qual a Constituição é
uma DECISÃO POLÍTICA FUNDAMENTAL, qual seja, a decisão política do titular do poder
constituinte.
A Constituição surge, portanto, a partir de um ato constituinte, fruto de uma
vontade política fundamental de produzir uma decisão eficaz sobre modo e forma de
existência política de um Estado.
Para essa teoria, a decisão é válida quando emanada de um poder constituinte
e se estabelece por vontade dele.
Nessa concepção política, Schmitt estabeleceu uma distinção entre
CONSTITUIÇÃO e LEIS CONSTITUCIONAIS: a Constituição disporia somente sobre as

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matérias de grande relevância jurídica; as demais normas integrantes do texto de uma
Constituição seriam, tão somente, leis constitucionais.
Com base nessa teoria, podemos mencionar um aspecto importante para
concursos: a distinção entre Constituição em sentido material e Constituição em sentido
formal criada por Carl Schmitt .

3. Constituição em sentido material e formal

Constituição em sentido material (ou substancial) é o conjunto de normas,


escritas ou não escritas, cujo conteúdo seja considerado propriamente constitucional,
isto é, essencial a estruturação do Estado, a regulação do exercício do poder e ao
reconhecimento de direitos fundamentais aos indivíduos.
Sob o ponto de vista MATERIAL, portanto, o que possui relevância para a
caracterização de uma norma como constitucional é o seu CONTEÚDO, pouco
importando a forma pela qual tenha sido inserida no ordenamento jurídico.
O conceito FORMAL de Constituição diz respeito à existência, em um
determinado Estado, de um documento único, escrito por um órgão soberano
instituído com essa específica finalidade que só pode ser alterado mediante
procedimento legislativo mais árduo do que o necessário a aprovação das normas não
constitucionais pelos órgãos legislativos constituídos. Características do sentido formal:
documento escrito e solene.
Na acepção formal, portanto, o que define uma norma como constitucional é a
forma pela qual ela foi introduzida no ordenamento jurídico, e não o seu conteúdo.

4. Constituição em sentido jurídico

Em sentido jurídico, a Constituição é compreendida de uma perspectiva


estritamente FORMAL, apresentando-se como pura norma jurídica, como norma
fundamental do Estado e da vida jurídica de um país, paradigma de validade de todo o
ordenamento jurídico e instituidora da estrutura primacial desse Estado. A Constituição
consiste, pois, num sistema de normas jurídicas.
O pensador mais associado a essa concepção foi Hans Kelsen, que desenvolveu
a Teoria Pura do Direito. Para Kelsen, a Constituição é considerada como norma pura,
como puro dever-ser, sem qualquer consideração de cunho sociológico, político ou

20
filosófico. Embora reconheça a relevância dos fatores sociais numa dada sociedade,
Kelsen sempre defendeu que seu estudo não compete ao jurista como tal, mas ao
sociólogo e ao filósofo.
Segundo Kelsen, a validade de uma norma jurídica positivada é completamente
independente de sua aceitação pelo sistema de valores sociais vigentes em uma
comunidade, tampouco guarda relação com a ordem moral.
Essa era a essência da teoria pura do direito: desvincular a ciência jurídica de
valores morais, políticos sociais ou filosóficos. Kelsen desenvolveu dois sentidos para a
palavra Constituição: (i) sentido lógico- jurídico; (ii) sentido jurídico positivo.

Em SENTIDO LÓGICO-JURÍDICO, Constituição significa norma fundamental


hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da
validade da Constituição em sentido jurídico positivo.
Em SENTIDO JURÍDICO POSITIVO, Constituição corresponde a norma
positiva suprema, conjunto de normas que regulam a criação de outras normas,
lei nacional no seu mais alto grau.

Assim, defende-se que uma norma jurídica só é válida se encontrar fundamento


em norma superior que lhe regula o processo de criação.
Qual a norma de maior hierarquia? A Constituição, sendo ela reguladora da
produção das outras normas jurídicas estatais, servindo de fundamento de validade.

5. Concepção culturalista da constituição

Para essa concepção a Constituição é um produto da cultura, pois assim como


a cultura é o resultado da atividade criativa humana, o direito também o é. Em outras
palavras, a Constituição é produto de um fato cultural, produzido pela sociedade e que
nela pode influir.
Dessa forma, a Constituição se fundamenta simultaneamente em fatores sociais,
nas decisões políticas fundamentais e, também, no fato de as normas serem cogentes.
Em resumo, verifica-se que esse conceito congrega todas as concepções
anteriores, criando o ambiente jurídico favorável ao surgimento de uma Constituição
Total.

21
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

I – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

O autor responsável por sistematizar a classificação da de evolução do


tratamento jurídico de crianças e adolescentes no Brasil foi Paulo Afonso Garrido de
Paula. No exterior foi Emilio Garcia Mendes (Argentino).

1. Fase da absoluta indiferença

Nessa fase, não havia qualquer referência ou norma específica à criança e ao


adolescente. A premissa nessa fase é a teoria da incapacidade.
As crianças e os adolescentes possuíam capacidade de direito, mas não de
exercício. Logo, não havia motivo de conferir direitos a quem não podia exercê-los.
O Direito protegia criança e adolescente conferindo poderes aos adultos que
cuidavam dos menores de 18 anos (cuidavam com o pátrio poder a partir da tutela ou
curatela). Portanto, era uma proteção reflexa ou indireta.

2. Fase da mera imputação criminal

A fase da mera imputação criminal não conferia direitos, mas sim


responsabilidades penais. A doutrina que rege essa etapa era a do Direito Penal do
menor. Mirava-se o direito ao menor apenas para puni-lo. No caso, o menor recebia
sanção penal igualmente ao adulto, cumpria pena no mesmo estabelecimento,
aplicando-se apenas uma pena menor. São três os diplomas que representam essa fase:
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas (Ordenações de Portugal);
Código Criminal do império de 1830;
Código Penal da República de 1890.

3. Fase tutelar

Na etapa tutelar o estado controlava menores de 18 abandonados e


“delinquentes”. A tutela era uma forma de controle estatal. Os menores de 18 anos
nesta fase eram objetos de tutela do Estado. Inexistia garantias.

22
A doutrina regente nessa fase era a da situação irregular (muito perguntado em
prova). Separavam as crianças com família e aquelas sem família. Para aquele que
estivesse em situação irregular, aplicava-se o código de menores (aos menores
abandonados ou delinquentes), e para aqueles que estivesse em situação regular, por
outro lado, aplicava-se o direito de família.
Outra questão a ser observada era que as medidas aplicadas aos menores
“delinquentes” eram as mesmas aplicadas aos menores em situação de abandono (os
dois eram internados na “Funaben”).
O juiz nessa etapa tutelar era visto e atuava como um “bom pai de família”, com
ampla discricionariedade de dizer o que era melhor para a criança e em procedimentos
informais, então não havia por que ter contraditório e ampla defesa, já que não fazia
sentido se defender desse bom pai.
As principais normas que representaram essa etapa foram as seguintes:

Código Mello Matos de 1927 e


Código de Menores que vigeu de 1979 até o ECA (1990).

4. Fase da proteção integral

Após a CF de 88, as crianças e adolescentes não mais eram tratados como


objetos de direito, mas sim como sujeitos de direito. O Estado deixou de exercer o
controle e a “tutela” sobre eles.
Diz-se proteção integral porque após a promulgação da CF/88 a distinção entre
menores em situação irregular e menores em situação regular foi finalmente superada,
tratando-se, portanto, todos iguais.
A ideia não é exercer controle sob o menor de 18 anos, é protegê-lo de quem
possa expor à perigo os seus direitos. Por isso são sujeitos de direito. Podem exercer
direitos contra o Estado, a sociedade e a família.
Por proteção integral deve-se compreender o conjunto amplo de mecanismos
jurídicos voltados à tutela da criança e do adolescente.

23
II - IMPACTOS DO CASO MARY ELLEN

O caso Mary Ellen Wilson foi um marco na história da proteção da criança e do


adolescente nos Estados Unidos e, posteriormente, teve uma influência significativa na
evolução do tratamento jurídico da infância e da adolescência em todo o mundo,
inclusive no Brasil.
Em 1874, Mary Ellen Wilson, uma menina de 9 anos, foi resgatada pela Society
for the Prevention of Cruelty to Animals, que, na época, era a única organização que
lidava com casos de crueldade contra crianças e animais. A menina sofria maus-tratos e
abusos por parte de sua mãe adotiva, Mary Connolly, que a mantinha em condições
deploráveis e a privava de comida e água.
O caso de Mary Ellen Wilson chamou a atenção de Henry Bergh, fundador da
Society for the Prevention of Cruelty to Animals, que decidiu tomar medidas legais para
proteger a menina. Bergh e a Sociedade de Proteção conseguiram obter a custódia de
Mary Ellen e, posteriormente, pressionaram o sistema jurídico a reconhecer a
necessidade de uma legislação específica para proteger as crianças.
Caso indagado, portanto, sobre o referido caso, não se esqueça de explicar que
o caso Mary Ellen Wilson ajudou a promover a ideia de que as crianças (e adolescentes)
não são propriedade de seus pais ou tutores, mas sim seres humanos como todos os
demais, devendo ser tratados como sujeitos de direitos, bem como garantir toda a
proteção de sua dignidade. Isso levou à criação da primeira lei de proteção infantil nos
Estados Unidos em 1875, a Lei de Proteção Infantil de Nova York. Essa lei estabeleceu
as bases para a proteção infantil moderna e inspirou outras leis similares em todo o país.
No Brasil, a influência do caso Mary Ellen Wilson foi sentida principalmente após
a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. O ECA é
considerado uma das legislações mais avançadas do mundo em relação à proteção da
infância e da adolescência, e foi influenciado por diversas convenções e tratados
internacionais, bem como por experiências e casos emblemáticos de outros países,
como o caso Mary Ellen Wilson.
O ECA estabelece que as crianças e os adolescentes devem ser protegidos
contra qualquer forma de violência, exploração, negligência e discriminação, e
reconhece o direito da criança à convivência familiar e comunitária, à educação, à saúde

24
e à cultura. Além disso, o ECA prevê a criação de conselhos tutelares em cada município
para zelar pelos direitos das crianças e adolescentes e encaminhar casos de violação de
direitos ao Ministério Público.

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DIREITO CIVIL

I - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Princípios gerais de direito são postulados presentes na consciência dos povos


e amplamente aceitos, ainda que não positivados. São ideias aceitas por todo o mundo.
Exemplo: princípios gerais de direito romano – neminem laedere, suum cuique
tribuere, honest vivere, etc. Outros exemplos: ninguém pode alegar a própria torpeza,
ninguém pode se esquivar da lei alegando sua ignorância, vedação ao enriquecimento
sem causa, presunção da boa-fé. Tanto os costumes como os princípios gerais de
direito são meios de heterointegração do direito.
O Código Civil, conforme se extrai da sua exposição de motivos, elaborada por
Miguel Reale, consagra três princípios fundamentais que refletem a evolução do direito
civil brasileiro e têm um papel crucial na interpretação e aplicação do direito no país:
O primeiro é o PRINCÍPIO DA ETICIDADE, que valoriza a ética e a boa-fé,
especialmente a boa-fé objetiva presente nas relações jurídicas. Esse princípio possui
três funções importantes no Código Civil de 2002: a de interpretação dos negócios
jurídicos em geral, a de controle das condutas humanas e a de integração das fases do
contrato. Além disso, a valorização da boa-fé processual no Novo Código de Processo
Civil também reflete a importância da Eticidade no direito brasileiro.
O segundo é o PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE, que representa o abandono do
caráter individualista e a adoção da função social das categorias civis. O objetivo desse
princípio é superar a visão egoísta do indivíduo e destacar a importância da
coletividade e do bem-estar social. Todas as categorias civis têm uma função social no
Código Civil de 2002, incluindo o contrato, a empresa, a propriedade, a posse, a família
e a responsabilidade civil.
O terceiro é o PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE, também denominado princípio
da concretude, visa facilitar a aplicação e a interpretação das normas por todas as
pessoas, e não apenas pelos operadores do direito. Esse princípio busca a simplicidade
e a facilidade na utilização das categorias privadas, o que pode ser percebido na
diferenciação entre prescrição e decadência. Busca também a efetividade e a
concretude do sistema jurídico, o que foi alcançado pelo uso de cláusulas gerais no

26
Código Civil de 2002. Esse mesmo sistema aberto de cláusulas gerais foi adotado no
Novo Código de Processo Civil, que se baseia em princípios como a dignidade da
pessoa humana e a boa-fé objetiva.

TEORIA DAS JANELAS ABERTAS


A teoria das janelas abertas, idealizada por Judith Martins Costa, é uma teoria que
propõe uma nova visão do direito, mais aberta e flexível, capaz de se adaptar às
mudanças sociais e às demandas da sociedade.
Segundo a teoria, o direito deve ser entendido como um sistema em constante
evolução, e não como um conjunto de normas rígidas e imutáveis. As "janelas
abertas" representam as possibilidades de mudança e adaptação do direito às
novas realidades sociais, econômicas, políticas e culturais.
Essa teoria propõe a criação de mecanismos que permitam a identificação e a
abertura dessas "janelas", de modo que o direito possa ser atualizado e ajustado
às demandas da sociedade. Para isso, é necessário que o direito seja interpretado
de forma criativa e aberta, levando em conta não apenas as normas positivas, mas
também os princípios, os valores e os objetivos do ordenamento jurídico.
A teoria das janelas abertas é, portanto, uma crítica à rigidez e à formalidade
excessiva do direito, que muitas vezes impede a sua adaptação às novas
realidades sociais e dificulta o acesso à justiça. Ao defender uma visão mais flexível
e adaptável do direito, a teoria busca contribuir para a construção de um sistema
jurídico mais justo, eficiente e democrático.

Em resumo, os princípios da Eticidade, Socialidade e Operabilidade são


fundamentais para a compreensão e aplicação do direito civil brasileiro. Esses
princípios refletem a evolução do direito no país e têm um papel crucial na busca por
um sistema jurídico mais justo, efetivo e voltado para o bem-estar social.

27
II - LINDB E CONCEITOS GERAIS

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (DL 4.657/42),


denominada sobrenorma do ordenamento jurídico, constitui-se de um conjunto
normativo com disposições preliminares cuja finalidade é de introduzir o sistema
jurídico.
Segundo Maria Helena de Diniz, trata-se de uma lex legum (lei sobre lei), ou
seja, é uma lei que tem por objeto a própria lei.
Dentre seus dispositivos, vislumbram-se os seguintes objetos:

Traça os parâmetros para elaboração, vigência e eficácia das leis, bem


assim como as regras e os princípios de aplicação, interpretação e integração
do Direito;
Estabelecer o início e o fim da produção de efeitos das normas;
Determina quais são as fontes do direito, em complemento ao que consta
na Constituição Federal;
Conferir, ao intérprete, princípios hermenêuticos e integrativos;
Solucionar o conflito das leis no tempo;
Resolver o conflito das leis no espaço.

Diferentemente das demais normas previstas no ordenamento jurídico que


disciplinam o fazer ou não fazer humano, a LINDB disciplina a própria lei, sua vigência,
sua amplitude, sua omissão, seus conflitos e sua revogação.
A tabela abaixo organiza os temas por artigo para facilitar a compreensão:

Determinar o início da obrigatoriedade das leis. (a partir de quando é


Art. 1º
obrigatória, terá eficácia)
Art. 2º Regular a vigência e eficácia das normas jurídicas.

Impor a eficácia geral e abstrata da obrigatoriedade, não admitindo a


Art. 3º
ignorância da lei vigente.
Traçar os mecanismos de integração da norma legal para a hipótese de
Art. 4º
lacuna na norma.
Art. 5º Delimitar os critérios de hermenêutica e interpretação da lei.

Art. 6º Regulamentar o direito intertemporal (aplicação da lei no tempo).

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Art. 7º Normas relacionadas à pessoa e à família.

Art. 8º Bens.

Art. 9º Obrigações.

Art. 10 Sucessões.

Art. 11 Organizações com fins de interesse coletivo.

Art.12 Competência da autoridade judiciária brasileira.

Art.13 Prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro.

Art.14 Prova da legislação em outros países.

Art.15 Execução: sentença - juiz estrangeiro.

Art.16 Proibição do retorno (direito internacional).

Art.17 Limites da aplicação da lei e atos judiciais de outro país no Brasil.

Art.18 Atos civis praticados por autoridades consulares brasileiras no estrangeiro.

1.1. Aplicabilidade da LINDB

Em regra, a LINDB é aplicável a todas as normas do Brasil, a todas as leis em


sentido amplo, seja de direito público ou de direito privado.
Terá sua aplicabilidade afastada contudo, quando houver disposição legal em
sentido contrário. Exemplos:
No Direito Penal é proibida a aplicação do art. 4º, da LINDB (meios de
integração do direito) de forma a se criar um crime ou fixar uma pena.
No Direito do Trabalho não se aplica o art. 4º da LINDB porque a CLT, no art. 8º,
prevê seus próprios meios de suprimir lacunas.

1.2. Diferenças entre lei e norma

Norma e lei são usadas comumente como expressões equivalentes, mas norma
abrange na verdade também o costume e os princípios gerais do direito, é o
mandamento de um comportamento normal, extraído do senso comum de justiça de
cada coletividade.
A Lei é o veículo da norma, é posta. A norma jurídica, por outro lado, é
pressuposta, uma prescrição de conduta.

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Temos que uma lei é geral e abstrata, sendo de cumprimento obrigatório e
sujeito a sanções. Lei seria o ato que atesta a existência da norma que o direito vem
reconhecer como de fato existente, ou das formas da norma.
É a regra escrita feita pelo legislador com a finalidade de tornar expresso o
comportamento considerado indesejável e perigoso pela sociedade.

1.3. Fontes do direito

As fontes são elementos de onde deriva o Direito. Servem para colocar balizas
dentro da solução jurídica que será decidida pelo Juiz e consequentemente impedem
que o juiz, ao decidir os casos concretos que lhe são postos, deixe transbordar o seu
subjetivismo.

FONTES MATERIAIS FONTES FORMAIS

Trata-se do sentido sociológico. São aquelas causas Representam os meios pelos quais o direito
objetivo se manifesta.
que determinam a formulação da norma jurídica
(direito objetivo). São os fatos sociais, éticos,
filosóficos, etc., que inspiram o legislador. Primárias Secundárias

Quando a Lei precisa ser ▪Analogia


FONTES FORMAIS integrada ou não existir, ▪Costumes
passa para fontes formais ▪Princípios gerais de
secundárias direito
Doutrina e Jurisprudência

A doutrina não é convergente à classificação das fontes formais do Direito. Uma


parte da doutrina elenca apenas a lei e os costumes como fontes formais, outros
incluem a jurisprudência e os princípios gerais do Direito, e, por fim, há quem elenca a
doutrina e a equidade.

30
III – APLICAÇÃO DA LEI E ANTINOMIAS JURÍDICAS

A aplicação da lei se dá por meio da subsunção.


No conceito clássico, do positivismo, a subsunção é o enquadramento do fato
concreto ao conceito abstrato contido na norma.
Com o pós-positivismo foi conferido à subsunção um conceito moderno, que
passou a integrar o valor a ser analisado juntamente com o fato e a norma.
O jurista brasileiro que consagrou a inserção do valor na aplicação da norma foi
Miguel Reale, através da sua teoria tridimensional do direito.

1. Lacunas

No âmbito do Direito, o termo lacuna refere-se à ausência de uma norma que


regule uma determinada situação jurídica. Essa ausência pode ocorrer por diversas
razões, tais como falha do legislador, mudanças sociais ou conflitos de valores.
A existência de lacunas normativas, axiológicas, ontológicas e de colisão são
situações que podem gerar incerteza jurídica e dificultar a aplicação do Direito ao caso
concreto.

A lacuna normativa, também denominada lacuna de omissão, ocorre quando


não há uma lei específica que trate do assunto em questão, ou quando a lei existente é
insuficiente ou ambígua. Para solucionar essas lacunas, o intérprete do Direito deve
recorrer a técnicas de integração, como a analogia, os costumes, os princípios gerais
do direito e outras fontes do ordenamento jurídico.

Na lacuna axiológica há norma, mas essa norma apresenta uma solução que
não é considerada justa, não é satisfatória. É um problema de valor, podendo ser
suprida pela equidade (art. 5º, da LINDB).

Na lacuna ontológica, por sua vez, há norma, mas ela não está mais adequada
à realidade, não possui eficácia social.

Por fim, na lacuna de colisão, há normas, mas as soluções por elas


apresentadas são conflitantes. É a antinomia jurídica.

31
LACUNA NORMATIVA
Ausência de norma jurídica expressa
que regule um fato concreto.

LACUNA DE COLISÃO
Há normas, mas as soluções por elas LACUNA ONTOLÓGICA
apresentadas são conflitantes. É a
LACUNAS Há norma que não está
. adequada à realidade.

LACUNA AXIOLÓGICA
Há norma que não apresenta uma
solução considerada justa.

2. Omissão da lei e vedação ao "non liquet"

A vedação ao non liquet é a que proíbe o juiz deixar de decidir por falta de
solução na lei. Essa proibição consta expressamente no art. 140 do CPC ao estabelecer
que “juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do
ordenamento jurídico”.
Existem situações, fatos, ocorrências que interessam ao Direito, mas que não há
qualquer norma no ordenamento pátrio apta a solucioná-los. Há uma patente lacuna
que precisa ser resolvida pela integração de norma.
Presentes as lacunas, deverão ser utilizadas as formas de integração da norma
jurídica, tidas como ferramentas de correção do sistema, constantes dos arts. 4.º e 5.º
da Lei de Introdução.
O art. 4º da LINDB determina que o juiz deverá fazer o uso da analogia, dos
costumes ou dos princípios gerais do direito.

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso


de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.

A Integração da norma, portanto, é realizada pelo magistrado em decorrência


da vedação ao non liquet a partir dos meios de integração previstos no art. 4º da LINDB.
O juiz tem o dever de se valer de algum meio de integração (meio de colmatação) para
poder prover a prestação jurisdicional.

32
A doutrina discute acerca da necessidade ou não de se seguir a ordem prevista
no referido dispositivo.
Para a corrente clássica (majoritária): há uma ordem entre os meios que
devem ser escolhidos pelo juiz, cabendo primeiro tentar utilizar a analogia, para depois
se utilizar dos costumes e por fim lançar mão dos princípios gerais do direito.
Para a corrente moderna (minoritária), não existe ordem de preferência entre
os meios de integração de suprir a lacuna, sobretudo porque os princípios são
norteadores do direito. A noção neoconstitucional adotada em 1988 é essencialmente
principiológica, axiológica. Ou seja, os princípios são os pilares do ordenamento
jurídico brasileiro, não podem ser relegados a último plano no momento de suprir
lacunas legislativas.

3. Antinomias das leis

Antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios ou o conflito entre


uma norma e um princípio, suscitando dúvidas acerca de qual regra deve ser aplicada
ao caso concreto. Para que tenha conflito entre normas, devem ser elas válidas, devem
estar vigentes e devem apontar soluções diferentes. Há três classificações relevantes:

3.1. Antinomias aparentes ou reais

Essa classificação se refere à existência de critérios na lei para a solução do


conflito entre as normas:

Antinomias aparentes: surgem quando há, no ordenamento jurídico,


critérios para sua solução.
Antinomias reais: surgem quando não há, no ordenamento jurídico, critérios
para sua solução do conflito.

A antinomia real existe quando há incompatibilidade entre normas ou princípios


que regulem o mesmo caso concreto. Ela é uma situação insustentável para o aplicador
do direito, seja porque não há critério para solução ou porque há conflito entre os
critérios (antinomia de 2º grau exposta abaixo). O juiz não retira a antinomia do
ordenamento jurídico, mas apenas soluciona o caso concreto. Cabe ao legislador retirar
a antinomia do ordenamento, criando uma nova lei.

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Para Maria Helena Diniz, a antinomia real pode ser solucionada com o art. 5º da
LINDB, por meio da técnica da ponderação, sobretudo no conflito entre princípios.
Também poderá seguir o critério do da equidade, com a justiça no caso concreto.

Art. 5º: Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a


que ela se dirige e às exigências do bem comum.

3.2. Antinomias próprias ou impróprias

Podem também ser classificadas quanto ao conteúdo em próprias e impróprias.


Antinomias próprias: ocorrem quando uma conduta é prevista ao mesmo
tempo como permitida e proibida em normas de mesma envergadura.
Antinomias impróprias: ocorrem em virtude do conteúdo material das
normas, como, por exemplo, no caso de duas que protegem valores opostos,
como a liberdade e a segurança.

3.3. Quanto ao grau da antinomia

Antinomia de 1º grau: é aquela solucionada através da aplicação de um


único critério dentre os critérios clássicos abaixo:
Hierárquico: a norma superior prevalece sobre a norma inferior;
Especialidade: a norma especial prevalece sobre a norma geral;
Cronológico: a norma posterior prevalece sobre a norma anterior.

Antinomia de 2º grau é aquela que se caracteriza pela presença de um


conflito entre os critérios.
Hierárquico X cronológico: a norma superior e anterior prevalece sobre a
norma inferior e posterior;
Hierárquico X especialidade: a norma superior geral prevalece sobre a
norma inferior especial, em regra (em situações excepcionais, a solução pode
ser diversa);
Especialidade X Cronológico: a norma especial anterior prevalece sobre a
norma geral posterior.

O critério da hierarquia nos é dado pela própria CF/88, enquanto os critérios


da especialidade e cronológico estão inseridos na LINDB (art. 2º, §§ 1º e 2º).
Em regra, o critério da especialidade é mais importante do que o cronológico.

34
IV - EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO

A eficácia da lei no tempo é um tema importante no direito brasileiro e também


é regulamentada pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que
estabelece normas gerais sobre o direito brasileiro, incluindo regras sobre a vigência e
aplicação das leis.

1. Conceitos relevantes

As leis são criadas por meio de um processo legislativo.


Elaborado o projeto de Lei, a apreciação, como regra, será iniciada na Câmara
dos Deputados e depois será remetido ao Senado Federal. Caso aprovado, o chefe do
Executivo poderá sancionar ou vetar.
Em seguida, será a norma promulgada e publicada.
Alguns conceitos são relevantes para o conhecimento de todo esse trâmite de
aprovação de uma lei e sua eficácia no tempo.

1.1. Promulgação e publicação

Promulgação: é um processo fundamental no contexto da legislação, que se


refere ao ato oficial em que o chefe do Poder Executivo autentica a existência de uma
lei. Nesse sentido, a promulgação tem como objetivo declarar a existência da lei e
determinar sua execução e cumprimento. É importante destacar que, quando um
diploma legal segue para a promulgação, já há uma lei previamente aprovada, e a
promulgação apenas certifica sua existência.
Publicação: é uma etapa complementar e obrigatória do processo
legislativo, que ocorre por meio do Diário Oficial. A publicação tem como objetivo
tornar a lei conhecida e acessível ao público em geral, sendo um requisito para a
vigência da norma. Vale ressaltar que, embora a publicação seja necessária para a
entrada em vigor da lei, ela não equivale necessariamente ao início da vigência da
norma. Em geral, há um intervalo de tempo entre a publicação da lei e o início de sua
vigência, que é denominado vacatio legis.
Desse modo, a promulgação e a publicação são processos complementares e
distintos, que se referem à existência e à entrada em vigor de uma lei, respectivamente.

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A promulgação atesta a existência da lei, enquanto a publicação é requisito para a
vigência, mas não equivale necessariamente ao momento de início da vigência. Ambas
as etapas são essenciais para garantir a efetividade da legislação e o cumprimento das
normas estabelecidas pelo Estado

1.2. Vigência e vigor

Os termos vigência e vigor são frequentemente utilizados no âmbito do direito


para se referir à aplicação das leis em determinados períodos de tempo. Embora sejam
conceitos relacionados, eles apresentam diferenças importantes que devem ser
compreendidas.
Vigência: é um critério temporal que se refere ao período de tempo em que
uma lei está em vigor, ou seja, em que ela é aplicável. Em geral, a vigência de uma lei
começa a partir da data de sua publicação oficial ou em uma data futura estabelecida
pela própria lei. A vigência de uma lei pode ser determinada pela própria lei ou por
outra norma legal. A vigência de uma lei pode ser determinada por um período
específico (por exemplo, uma lei que entra em vigor em 1º de janeiro de 2023 e expira
em 31 de dezembro de 2023) ou pode ser indeterminada (por exemplo, uma lei que
continua em vigor até que seja revogada). É, portanto, o período entre a publicação e
a revogação.
Vigor: é um critério material que se refere à capacidade de uma lei de
produzir efeitos jurídicos. Uma lei que está em vigor é aquela que pode ser aplicada e
produz efeitos práticos no mundo jurídico. O vigor de uma lei depende não apenas de
sua vigência, mas também de outros fatores, como a existência de conflitos com outras
leis ou sua compatibilidade com a Constituição. Diz respeito à produção de
efeitos, imposição de condutas e caráter coercitivo, ou seja, quando a norma passa a
ter efeito. Por outro lado, uma lei que não está em vigor não pode ser aplicada. O art.
1º da LINDB dispõe que se não houver disposição contrária, a lei começa a vigorar em
todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
É possível, portanto, que uma lei esteja vigente, mas não tenha vigor por não
poder ser aplicada em virtude de outras normas jurídicas. Por outro lado, uma lei pode
ter vigor mesmo após ter sido revogada, se ela tiver produzido efeitos em relação a
fatos ocorridos durante sua vigência. Em resumo, a vigência se refere ao período de

36
tempo em que uma lei é aplicável, enquanto o vigor se refere à capacidade da lei de
produzir efeitos jurídicos.

1.3. Vacância da lei

a) Conceito

Vacatio legis é o intervalo de tempo existente entre o momento de publicação


da lei e o momento de início da sua vigência. A vacatio permite aos súditos se adaptar
ao conteúdo da lei antes dela entrar em vigor, evitando abusos e arbitrariedades do
Estado. No Brasil, a vacatio legis não é obrigatória, e pode ser sintetizada como sendo:
O prazo razoável para que se tenha conhecimento da lei.
O prazo destinado à facilitação da sua divulgação e à adoção de providências
tendentes ao cumprimento efetivo da lei e sua respectiva aplicação.

b) Determinação do período da vacatio

O legislador, ao criar uma lei, no que diz respeito à produção de efeitos, poderá
tomar alguns caminhos:
Determinar que a lei entrará em vigor na data da publicação;
Indicar um prazo específico posterior à publicação (ex: 1 dia, 1 ano, 1 mês
etc.);
Não indicar prazo. O legislador pode se omitir, incidindo, assim, o prazo
geral de vacância de 45 dias (art. 1º, da LINDB).

c) Vacatio no exterior
Lembre-se que há uma norma brasileira específica que versa sobre os efeitos
da lei no exterior:

LINDB Art.1º, §1º, LINDB. Nos Estados, estrangeiros,


a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida,
se inicia três meses depois de oficialmente
publicada.

d) Contagem da vacatio

Quanto ao modo como é feita a contagem da vacatio, aplica-se a norma


especial do art. 8º, §1º, da LC 95/98:

37
Art. 8º, §1º, LC 95/98: A contagem do prazo para
entrada em vigor das leis que estabeleçam período
de vacância far-se-á com a inclusão da data da
publicação e do último dia do prazo, entrando em
vigor no dia subsequente à sua consumação integral.

O prazo de vacatio não é processual! Sua contagem é de prazo material: inicia-


se a contagem no dia da publicação da lei e entrará em vigor no dia subsequente ao
último dia do prazo, não importando se é útil ou não.
Atenção: não confundir com a contagem de prazos obrigacionais! (É norma
geral).

Art. 132, CC. Salvo disposição legal ou convencional


em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia
do começo, e incluído o do vencimento.

Art. 132, §3º, CC. Os prazos de meses e anos


expiram no dia de igual número do de início, ou no
imediato, se faltar exata correspondência.

e) Vacatio legis direta e indireta

Vacatio legis direta: é o prazo de vacância previsto para a norma no


momento da publicação.
Vacatio legis indireta: há uma alteração do prazo de vacatio legis após a
publicação da norma por outra norma. Ou seja, cria-se uma lei apenas para alterar o
prazo de vacatio da lei anterior.

f) Norma corretiva

A Lei pode sofrer correção antes de sua vigência, durante o período de vacatio
e após a sua vigência.
Antes de sua vigência e durante o período de vacatio: o prazo da vacatio
legis começa a contar da nova publicação. A alteração da lei durante o prazo de vacatio
não gera outra lei. Haverá a mesma lei (mesmo número), que será republicada.
Sobre a contagem do prazo, se deve ou não ser reiniciado o prazo para a lei
inteira ou só para a parte corrigida, duas correntes:

38
1ª corrente: para Maria Helena Diniz e Caio Mário, sendo alteração substancial,
o prazo reinicia-se para toda a lei; se for alteração não substancial, o prazo reinicia-se
apenas para a parte alterada.
2ª corrente: para Carlos Roberto Gonçalves, independentemente do tipo de
alteração, reinicia-se o prazo para toda a lei.
Após a vigência: considera-se como lei nova (lei com novo número).

É a chamada fase de conhecimento. em por objetivo possibilitar


PUBLICAÇÃO
que as pessoas se adaptem à nova normatização.

É a fase de obrigatoriedade da lei. Vigência é aptidão concreta


VIGÊNCIA para produção de efeitos. Uma lei em vigência é uma lei que
obriga, goza de executoriedade, que pode ser exigida.

Vacatio legis é o intervalo de tempo existente entre o momento de


VACÂNCIA
publicação da lei e o momento de início da sua vigência.

2. Princípios informadores da eficácia das leis

Princípio da obrigatoriedade das leis: o desconhecimento de uma lei não


pode ser alegado para justificar seu descumprimento.

LINDB, Art. 3º: “Ninguém se escusa de cumprir a lei,


alegando que não a conhece.”

Princípio do Iura Novit Curia: o magistrado é conhecedor das leis, logo, a


parte não precisará comprovar a existência de uma lei, que se presume.
Princípio da continuidade das leis: uma lei produz os seus efeitos até que
outra a revogue ou a modifique. Dessa forma, apenas uma lei pode revogar outra lei,
salvo a lei temporária. O desuso, o ato judicial e a decisão administrativa não possuem
o condão de revogar as leis.
LINDB, Art. 2º: “Não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique
ou revogue.”

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3. Espécies de revogação

Ab-rogação (é a revogação total da lei) e Derrogação (é a revogação parcial


da lei anterior).
Expressa (a nova lei dispõe expressamente quais as leis ou dispositivos serão
revogados) e tácita (ocorrerá quando o texto da nova lei se mostrar incompatível com
a lei anterior ou quando a nova lei regular inteiramente a matéria tratada na lei anterior).

REVOGAÇÃO Nova norma legal expressamente revoga.


EXPRESSA
REVOGAÇÃO Nova norma legal regula inteiramente a matéria ou é com ela
TÁCITA incompatível.
Revogação por via oblíqua: revogação parcial de uma lei, ou seja,
DERROGAÇÃO parte continua tendo vigência e parte se extingue com a entrada
em vigor de uma nova lei.
Revogação por via direta: revogação total da norma legal anterior
AB-ROGAÇÃO
por lei nova.

LINDB, Art. 2º, §1º: “A lei posterior revoga a anterior


quando expressamente o declare, quando seja com
ela incompatível ou quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior.”

4. Repristinação e efeito repristinatório

Repristinação é a restauração da vigência de uma lei anteriormente


revogada, em razão da revogação da lei anterior. No sistema brasileiro não existe
repristinação automática. É possível que a lei revogadora (nova lei) indique
expressamente o retorno à vigência da lei revogada.

LINDB, Art. 2º, §3º: “Salvo disposição em contrário, a


lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora
perdido a vigência.”

Efeito repristinatório é a restauração da vigência da norma aparentemente


revogada. Esse efeito ocorre em sede de controle de constitucionalidade.

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DIREITO EMPRESARIAL

I - EVOLUÇÃO DO DIREITO EMPRESARIAL

1. Teoria dos atos de comércio

Entre os anos de 1850 até 2002, as legislações eram esparsas e se adotava a


teoria dos atos de comércio. Em 2002, com o Código Civil, o ordenamento jurídico
passou a adotar a teoria da empresa. Por isso denomina-se “direito empresarial”.
Durante muito tempo o Brasil foi carente de uma legislação própria. Aplicavam-
se aqui as leis de Portugal, as chamadas Ordenações do Reino (Ordenações Filipinas,
Ordenações Manuelinas, Ordenações Afonsinas).
A situação mudou após a vinda de D. João VI ao Brasil, com a abertura dos
portos às nações amigas, que incrementou o comércio na colônia, fazendo com que
fosse criada a “Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação”, a qual tinha,
entre outros objetivos, tornar viável a ideia de criar um direito comercial brasileiro.
Promulgou-se em 1850 o Código Comercial, que adotou a teoria dos atos de
comércio. Esse Código não foi totalmente revogado (encontra-se em vigor ainda toda
a parte de contratos marítimos).

2. Teoria da empresa

Com a edição do Código Civil italiano em 1942 e a formulação da teoria da


empresa, é que o direito comercial deixou de ser, como tradicionalmente foi, o direito
do comerciante (período subjetivo das corporações de ofício) ou o direito dos atos de
comércio (período objetivo da codificação napoleônica), para ser o direito da empresa,
o que o fez abranger uma gama muito maior de relações jurídicas. Nesse código,
unificou-se o direito privado, mas, no entanto, o direito comercial possuía ainda sua
autonomia didático-científica.
Com a teoria da empresa, abandonou-se a sistemática de ser direito dos "atos
de comércio" e do comerciante e passou-se a preocupar com um direito da empresa,
abrangendo uma gama maior das relações jurídicas.

41
Seguindo à risca a inspiração do Codice Civile de 1942, o novo Código Civil
brasileiro derrogou grande parte do Código Comercial de 1850, na busca de uma
unificação, ainda que apenas formal, do direito privado. O Código Civil de 2002 trata,
no seu Livro II, Título I, do “Direito de Empresa".
Tendo o Código Civil de 2002 adotado a teoria da empresa, restou superado o
ultrapassado e deficiente critério do Código Comercial de 1850, que definia o
comerciante como aquele que pratica habitualmente atos de comércio. Com a edição
do Código Civil de 2002, portanto, tornam-se obsoletas as noções de comerciante e de
ato de comércio, que são substituídas pelos conceitos de empresário e de empresa,
respectivamente.
Quem criou essa teoria foi Alberto Asquini e quem trouxe no Brasil foi Waldirio
Bulgarelli.

42
II - TEORIA POLIÉDRICA

A teoria poliédrica em direito empresarial é uma abordagem que busca


entender a empresa como um fenômeno complexo e multifacetado, composto por
diferentes dimensões ou perspectivas. Essa abordagem surgiu como uma alternativa à
visão tradicional da empresa como uma entidade meramente econômica, centrada na
maximização do lucro.
De acordo com a teoria poliédrica, a empresa é composta por diversas
dimensões, que incluem não apenas a dimensão econômica, mas também a dimensão
social, cultural e política. Essas dimensões estão interconectadas e interdependentes, e
devem ser consideradas de forma integrada na gestão da empresa.
Em outras palavras, a teoria poliédrica propõe que a empresa não deve ser vista
apenas como um agente econômico, mas sim como um agente social que desempenha
um papel importante na sociedade em que está inserida. Essa abordagem reconhece
que a empresa tem responsabilidades não apenas em relação aos seus acionistas, mas
também em relação aos seus funcionários, fornecedores, clientes, comunidades locais.
Alberto Asquini, um jurista italiano, foi um dos principais defensores da teoria
poliédrica. Ele propôs que a empresa deveria ser considerada uma entidade complexa,
dotada de personalidade jurídica e capaz de exercer múltiplas funções na sociedade.
Segundo Asquini, a empresa não deveria ser vista apenas como um agente econômico,
mas sim como um agente social que desempenha um papel importante na sociedade
em que está inserida.
Embora não exista na lei conceito de “empresa”, Alberto Asquini leciona no
sentido de que ela deve ser estudada sob quatro aspectos, segundo sua Teoria
Poliédrica:
Subjetivo: Estuda-se os exercentes da empresa – empresário e sociedades
empresárias;
Objetivo: Estuda-se os bens de propriedade da empresa – estabelecimento
empresarial);
Funcional: Estuda-se a dinâmica empresarial, da atividade empresária –
atividade organizada para produção e circulação de bens e serviços;
Institucional ou Corporativo: Estuda-se a relação da empresa com terceiras
pessoas, como trabalhadores, fornecedores, fisco etc.

43
A teoria poliédrica tem sido cada vez mais adotada por empresas que buscam
uma gestão mais sustentável e responsável, inclusive por incluir questões ambientais
dentro desses aspectos apresentados por Asquini.
Além disso, a teoria poliédrica tem influenciado o desenvolvimento do direito
empresarial, levando a uma maior preocupação com a responsabilidade social e
ambiental das empresas e com a proteção dos direitos dos trabalhadores e dos
consumidores.

44
DIREITOS HUMANOS

I - DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. Conceitos

Direitos humanos e direitos fundamentais são expressões que, para a maioria


doutrinária, não se confundem.

Direitos humanos: são aqueles previstos em tratados internacionais, ainda


que não incorporados ao ordenamento jurídico do país.

Direitos fundamentais: são aqueles já positivados no ordenamento


constitucional interno de cada país. Exemplo: art. 5º da CF (direitos
individuais).

Importante também diferenciar essas expressões com os “direitos do homem”,


que é uma expressão jusnaturalista que conceitua direitos naturais aptos à proteção
global do homem, carecendo estes direitos de qualquer positivação, seja nacional ou
internacional.

2. Direitos Humanos

Na definição de André de Carvalho Ramos, “os direitos humanos consistem em


um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na
liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e
indispensáveis à vida digna”.
Ao contrário dos direitos fundamentais que são positivados em um rol
específico no ordenamento jurídico, os direitos humanos não possuem uma lista
definitiva de componentes mínimos essenciais à garantia da dignidade humana. “As
necessidades humanas variam e, de acordo com o contexto histórico de uma época,
novas demandas sociais são traduzidas juridicamente e inseridas na lista dos direitos
humanos” (CARVALHO).

45
2.1. Dimensões (gerações) dos Direitos Humanos

Trata-se da classificação doutrinária que leva em consideração a evolução dos


direitos humanos ao longo dos tempos.
O jurista Karel Vasak empregou a expressão "gerações de direitos do homem"
na década de 1970 com o intuito de traçar um paralelo entre a evolução dos direitos
humanos e o lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade).
Vejamos as três dimensões clássicas que a doutrina apresenta:

PRIMEIRA DIMENSÃO

Relaciona-se com os direitos civis e políticos, traduzidos no valor liberdade, que


revelam, como regra, a necessidade preponderante de um não fazer por parte
do Estado. São direitos negativos ou não onerosos.

SEGUNDA DIMENSÃO

É composta pelos direitos econômicos, sociais e culturais, traduzidos no valor


igualdade. Estes direitos, por regra, revelam a necessidade preponderante de
um agir (uma prestação positiva), por parte do Estado, na implantação das
políticas públicas, sociais e culturais.

TERCEIRA DIMENSÃO

É composta pelos direitos de solidariedade que englobam entre outros, a tutela


dos interesses difusos e coletivos (ex. meio ambiente ecologicamente
equilibrado), o desenvolvimento do ser humano e o direito à paz sem abdicar
da autodeterminação dos povos e do progresso. Traduzem o valor
fraternidade.

A partir da quarta dimensão a doutrina se torna mais dividida.


Há ao menos duas posições quanto aos direitos de 4ª geração. Para Norberto
Bobbio, são os direitos decorrentes do avanço da tecnologia, sobretudo no que refere
ao biodireito (clonagem, manipulação genética etc.). Essa posição é adotada por Pedro

46
Lenza e Uadi Lamego Bulos e é considerada majoritária. Para parte da doutrina
(minoritária) os direitos fundamentais de 4ª geração estão relacionados à democracia e
liberdades públicas, a uma maior participação popular.
Os direitos de quinta dimensão, por fim, também são controvertidos na
doutrina. Para Silvio Motta, são os direitos decorrentes da internet e da cibernética. Para
Paulos Bonavides, relacionam-se com o direito à paz. Há também quem sustente
estarem relacionados com os direitos dos animais não-humanos.

3. Direitos Fundamentais

Direitos fundamentais são aqueles já incorporados no ordenamento


constitucional do país. Alguns autores sustentam o surgimento dos direitos
fundamentais na Magna Carta de 1215, que foi imposta como limitação aos poderes do
Rei João Sem Terra. Todavia, este marco é insuficiente para demonstrar o momento
efetivo da ocorrência dos direitos fundamentais.
Para Canotilho, os direitos fundamentais surgiram efetivamente na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, na França, e na Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem dos EUA. Essas primeiras declarações estabeleceram princípios
fundamentais para a proteção e promoção dos direitos humanos em âmbito global e
regional.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adotada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Ela representa um marco na
história dos direitos humanos, sendo reconhecida como o documento mais importante
e abrangente nessa área. A declaração foi elaborada após a Segunda Guerra Mundial,
um período marcado por violações massivas e sistemáticas dos direitos humanos. Seu
principal objetivo era estabelecer um conjunto de direitos e liberdades básicas que
todos os seres humanos possuem inerentemente, independentemente de sua raça,
sexo, religião, origem nacional, ou qualquer outra característica.
A DUDH visa garantir a dignidade e o valor intrínseco de cada indivíduo,
proclamando direitos civis e políticos, como o direito à vida, à liberdade de
pensamento, de expressão, de religião e de associação, bem como direitos sociais,
econômicos e culturais, como o direito à educação, à saúde, ao trabalho digno e à

47
segurança social. Além disso, ela estabelece princípios de igualdade, não
discriminação, justiça e Estado de Direito.
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem foi adotada em
1948 pela Nona Conferência Internacional Americana em Bogotá, Colômbia. Ela é
considerada o primeiro instrumento internacional de direitos humanos das Américas e
inspirou a criação de outros sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. Essa
declaração também enfatiza a dignidade humana e os direitos e liberdades
fundamentais. Ela estabelece direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais,
mas também destaca os deveres das pessoas em relação à sociedade e ao Estado.
Esses dois documentos históricos inauguraram a consagração dos direitos de
1ª dimensão, com o intuito de intenção frear o Estado Absolutista e impor limites ao
Estado, de forma a proteger os direitos individuais.
Servem, ademais, como parâmetro de aferição do grau de democracia de uma
sociedade. Em outras palavras, não há que se falar em democracia sem o
reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais, por fim, possuem papel decisivo na sociedade
porque é por meio deles que se avalia a legitimação de todos os poderes (sociais,
políticos e individuais).

3.1. Previsão dos direitos fundamentais e status dos tratados internacionais

Para a doutrina, os direitos fundamentais são os direitos que estão previstos no


que se denomina de “bloco de constitucionalidade”.
Bloco de Constitucionalidade: é uma expressão de origem francesa (Conselho
Constitucional Francês, 1971) que não está explicitamente prevista na Constituição
Federal de 1988, mas é plenamente reconhecida pelo STF (como por exemplo, na ADI
2971). Significa que os direitos fundamentais não são encontrados apenas no texto da
Constituição, mas em todo o bloco de constitucionalidade, constituído por princípios e
pelos tratados internacionais de direitos humanos.
São exemplos de direitos fundamentais decorrentes de princípios
constitucionais o duplo grau de jurisdição (decorre do devido processo legal – HC
88.420 do STF), o nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a produzir provas

48
contra si mesmo – HC 119.941 do STF), a busca da felicidade (decorre da dignidade da
pessoa humana – RE 889.060, ADPF 132), e outros.
Com relação aos tratados internacionais, nem todos adotados pelo Brasil
integram o referido bloco.
Para o STF, somente aqueles tratados que forem aprovados com um quórum
especial e com maior rigor, nos moldes do § 3º do art. 5º da CF é que integrarão o bloco
de constitucionalidade, ou seja, apenas quando versarem sobre direitos humanos e
forem aprovados nas duas Casas do Congresso Nacional, em 2 turnos, por 3/5 dos seus
membros.
Os demais tratados sobre direitos humanos não aprovados no rigor do § 3º do
art. 5º da CF terão força de norma infraconstitucional e supralegal, tal como o Pacto de
São José da Costa Rica.
Já os tratados internacionais que forem aprovados, mas que não versarem
sobre direitos humanos, por fim, terão status de lei ordinária.
O aspecto relevante é que as normas do bloco de constitucionalidade serão
consideradas como parâmetro para fins de controle de constitucionalidade.
Atualmente temos os seguintes tratados internacionais aprovados nos termos
do § 3º do art. 5º da CF:

Convenção de Nova Iorque e seu Protocolo Facultativo (direitos das


pessoas com deficiência);
Tratado de Marraqueche sobre direitos dos deficientes visuais;
Convenção Interamericana contra o Racismo.

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II - CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

Historicidade: os direitos humanos se caracterizam por sua evolução ao


longo dos tempos.
Inerentes: pertencem a todos os membros da espécie humana, sem qualquer
distinção.
Universalidade: defende que a condição humana é o pressuposto único para
a titularidade, ou seja, direitos humanos são titularizados pela pessoa humana, de modo
que a universalidade contraria o relativismo, uma vez que os relativistas analisam a
cultura daquele país. Nas palavras de André de Carvalho Ramos, essa característica é
definida como “atribuição desses direitos a todos os seres humanos, não importando
nenhuma outra qualidade adicional, como nacionalidade, opção política, orientação
sexual, credo, entre outras”.
Indivisibilidade (unidade): indivisibilidade entre os direitos civis e sociais,
sendo que entre eles não há que falar em hierarquia. Direitos civis e sociais são
indivisíveis. Carlos Weis ensina que a indivisibilidade “está ligada ao objetivo maior do
sistema internacional de direitos humanos, a promoção e garantia da dignidade do ser
humano. Ao se afirmar que os direitos humanos são indivisíveis se está a dizer que não
existe meio-termo: só há vida verdadeiramente digna se todos os direitos previstos no
direito internacional dos direitos humanos estiverem sendo respeitados, sejam civis e
políticos, sejam econômicos, sociais e culturais. Trata-se de uma característica do
conjunto das normas, e não de cada direito individualmente considerado”.
Interdependência: os direitos civis dependem dos direitos sociais e vice-
versa (ex.: direito à vida depende da saúde). Para Carlos Weis, “a interdependência diz
respeito aos direitos humanos considerados em espécie, ao se entender que certo
direito não alcança a eficácia plena sem a realização simultânea de alguns ou de todos
os outros direitos humanos”. Temos, portanto, que os aspectos essenciais à dignidade
estão inter-relacionados e formam uma unidade a ser protegida.
Superioridade normativa: os direitos humanos é o cerne de todo o
ordenamento jurídico.
Centralidade: os direitos humanos é o centro de todo o ordenamento
jurídico, ordenamento nacional e internacional.

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Essencialidade: trata-se de direitos naturalmente essenciais, pois ligados à
dignidade humana e aos valores mais importantes da humanidade.
Inviolabilidade: esses direitos não podem ser desrespeitados por nenhuma
pessoa ou autoridade.
Inexaurabilidade (não taxatividade): não se exaurem, podendo ser
expandidos ou receber acréscimos a qualquer tempo.
Efetividade: devem ser criados todos os mecanismos que incrementem a
efetivação desses direitos.
Limitabilidade: em regra, podem sofrer limitação no caso de confronto ou
conflito com outros direitos humanos, ou ainda, em determinadas hipóteses
constitucionais.
Relatividade: é possível a colisão e ponderação entre os direitos humanos.
Parte da doutrina sustenta que há direitos que são absolutos, tais como o direito de não
ser torturado, o direito de não ser escravizado, o direito de não se associar
compulsoriamente, e o direito do brasileiro nato de não ser extraditado.
Proibição do retrocesso: os direitos são conquistas que não podem ser
suprimidos.
Indisponibilidade e irrenunciabilidade: esses direitos não podem ser
renunciados.
Imprescribilidade: eles não sofrem alterações em sua titularidade ou na
possibilidade de seu exercício com o simples decurso do tempo.

51
III – FONTES E INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

1. Fontes dos Direitos Humanos

As fontes dos direitos humanos são princípios, costumes internacionais, normas


de jus cogens e os tratados internacionais de direitos humanos.
Normas jus cogens são aquelas imperativas de direito internacional
(obrigatórias), aceitas pela comunidade internacional como inderrogáveis (assim
definido no art. 56 da Convenção de Viena). Para a doutrina, essas normas gozam de
superioridade hierárquica.
A doutrina de Direitos Humanos tem defendido que as normas de Direitos
Humanos são de jus cogens, logo, estariam acima de todas as outras leis.
A doutrina majoritária se posicionou acerca de algumas normas como jus
cogens: direito à vida, proibição da tortura e ao racismo, escravidão, servidão,
autodeterminação dos povos.
A corte interamericana de Direitos Humanos, como jurisprudência, decidiu que
direito à integridade física, em caso de regime militar, desaparecimento forçado, são
normas de jus cogens.
Para a teoria objetiva dos tratados dos direitos humanos, os tratados de direitos
humanos possuem um regime objetivo, ou seja, são tratados não sinalagmáticos. Isso
porque o Estado assume compromissos com os cidadãos, e não com os Estados.
Contrato sinalagmático é aquele que, quando assinado, as partes assumem
uma contraprestação recíproca. Os tratados internacionais, quando firmados, são
assinalados entre os Estados. O Brasil quando assina um tratado defende direitos não
do Estado, mas sim dos cidadãos.

2.4. Interpretação dos Direitos Humanos

Os direitos humanos devem ser interpretados conforme suas características


clássicas, tais como a universalidade, interdependência, inter-relação e indivisibilidade.
Há, contudo, outros critérios de aplicação dos Direitos Humanos que devem ser
considerados. São eles:

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Critério da máxima efetividade dos direitos humanos: as normas de direitos
humanos possuem aplicação imediata e direta.
Critério da Interpretação pro homine: a interpretação deve ser mais
favorável ao indivíduo. Há uma norma que tem interpretações distintas e se
escolhe a mais favorável.

Critério da primazia da norma mais favorável ao indivíduo: há mais de uma


norma para ser aplicada e escolhe a mais favorável.

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