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2020

Regimes Jurídicos
Internacionais
RESUMOS
GUILHERME LARANJEIRA LIMA
Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

Índice
CAPÍTULO I – USO DA FORÇA E DIREITO INTERNACIONAL .................................................................... 4

1. INTRODUÇÃO E ANTECEDENTES ................................................................................................................... 4


2. A PROIBIÇÃO ........................................................................................................................................... 4
2.1. Apresentação. Direito consuetudinário, norma imperativa e Carta das Nações Unidas ............. 4
3. O SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA ............................................................................................................ 5
3.1. Apresentação ............................................................................................................................... 5
3.2. Ameaça à paz, rutura da paz ou ato de agressão ....................................................................... 6
3.3. Adoção de medidas não militares................................................................................................ 7
3.4. Adoção de medidas militares....................................................................................................... 8
3.4.1. Um sistema de “autorização” ............................................................................................................... 8
3.4.2. A manutenção da paz (peacekeeping) ................................................................................................ 10
3.5. Conselho de Segurança: uma ação sem limites? ....................................................................... 12
4. LEGÍTIMA DEFESA ................................................................................................................................... 14
4.1. Um direito inerente.................................................................................................................... 14
4.2. O pressuposto do ataque armado ............................................................................................. 14
4.2.1. A forma mais grave do uso da força ................................................................................................... 14
4.2.2. Tendencial “aproximação” entre uso das força, ataque armado e agressão ..................................... 15
4.2.3. A doutrina da acumulação dos eventos .............................................................................................. 16
4.2.4. Ataques “picada de alfinete” .............................................................................................................. 17
4.3. Os “outros” requisitos para o exercício da legítima defesa ....................................................... 17
4.3.1. Da necessidade à adequação .............................................................................................................. 17
4.3.2. A comunicação ao Conselho de Segurança......................................................................................... 18
4.4. A legítima defesa coletiva.......................................................................................................... 19
4.5. Os “novos” tipos da legítima defesa .......................................................................................... 19
4.5.1. Legítima defesa preventiva e legítima defesa preemptiva ................................................................. 19
4.5.2. Legítima defesa contra Estados, sem ataque armado ........................................................................ 21
4.5.3. Uso da força contra atores não estaduais .......................................................................................... 22
4.5.4. Proteção de nacionais no estrangeiro ................................................................................................ 27
4.5.5. Represálias armadas, represálias armadas “defensivas”, salvaguarda de interesses coletivos ......... 29
5. AS “NOVAS”, “VELHAS”, EXCLUSÕES DA PROIBIÇÃO ....................................................................................... 31
5.1. A “razão” humanitária............................................................................................................... 31
5.1.1. Uma “velha” exceção que nunca o foi ................................................................................................ 31
5.1.2. A (i)legalidade da intervenção humanitária ........................................................................................ 32
5.2. A responsabilidade de proteger (propriamente dita) ................................................................ 33

CAPÍTULO VIII – DIREITO DE AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS ........................................................ 36

1. INTRODUÇÃO. OS ANTECEDENTES .............................................................................................................. 36


2. O DIREITO DE AUTODETERMINAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS .............................................................................. 37

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3. A AUTODETERMINAÇÃO-DESCOLONIZAÇÃO .................................................................................................. 38
3.1. As grandes resoluções da Assembleia Geral e a sua aplicação ................................................. 38
3.2. Povo colonial e território colonial .............................................................................................. 39
3.3. A conservação territorial (ou o princípio do uti possidetis) ....................................................... 41
3.4. A representação através do MLN (movimento de libertação nacional) .................................... 42
4. O “FIM” DA AUTODETERMINAÇÃO E A INTEGRIDADE TERRITORIAL DOS ESTADOS ................................................. 43
5. DA AUTODETERMINAÇÃO EXTERNA À AUTODETERMINAÇÃO INTERNA ................................................................ 44
5.1. As hipóteses ............................................................................................................................... 44
5.2. As minorias étnicas, religiosas, linguísticas e culturais.............................................................. 44
5.3. Povos indígenas ......................................................................................................................... 45
5.4. “Direito” à democracia .............................................................................................................. 48
6. SECESSÃO E DIREITO DE AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS.............................................................................. 50

CAPÍTULO IX – RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL ......................................................................... 54

1. INTRODUÇÃO E DELIMITAÇÃO DO OBJETO .................................................................................................... 54


2. PRINCÍPIOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR FACTOS INTERNACIONALMENTE ILÍCITOS
.............................................................................................................................................................. 56
3. O FACTO GERADOR DE RESPONSABILIDADE................................................................................................... 56
3.1. Apresentação: os elementos do facto internacionalmente ilícito.............................................. 56
3.2. O elemento subjetivo: a imputação ou atribuição..................................................................... 56
3.2.1. A regra da imputação funcional: princípio geral ................................................................................. 57
3.2.2. A atuação do órgão de um Estado que responsabiliza outro Estado.................................................. 58
3.2.3. Condutas de entidades particulares legalmente autorizadas a exercer prerrogativas de autoridade
pública por um Estado e nesse âmbito ......................................................................................................... 58
3.2.4. Condutas “ultra vires”, em excesso, ou contra instruções ................................................................. 59
3.2.5. A conduta dirigida, controlada ou sob instruções específicas do Estado (mesmo se aparentemente
particulares) .................................................................................................................................................. 59
3.2.6. A conduta de particulares na ausência ou carência das autoridades públicas ................................... 61
3.2.7. Os atos dos movimentos insurgentes ................................................................................................. 62
3.2.8. A possibilidade de o Estado alterar a natureza de um comportamento particular, reconhecendo-o e
adotando-o como seu ................................................................................................................................... 62
3.3. A ilicitude ................................................................................................................................... 62
3.3.1. Desconformidade com obrigação jurídico-internacional.................................................................... 62
3.3.2. O caráter contínuo e não contínuo do facto internacionalmente ilícito ............................................ 63
3.3.3. O caso específico da violação da obrigação de prevenção de eventos .............................................. 63
3.3.4. O facto ilícito composto ...................................................................................................................... 63
3.3.5. As circunstâncias de exclusão de ilicitude .......................................................................................... 64
4. AS CONSEQUÊNCIAS DO FACTO INTERNACIONALMENTE ILÍCITO (O CONTEÚDO DA RESPONSABILIDADE) ..................... 66
4.1. O regime base ............................................................................................................................ 66
4.2. O facto ilícito de especial gravidade .......................................................................................... 68

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5. A IMPLEMENTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE ................................................................................................. 70


5.1. O Estado lesado ......................................................................................................................... 70
5.2. Estados terceiros que não o Estado lesado................................................................................ 73

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Capítulo I – Uso da Força e Direito Internacional


1. Introdução e antecedentes

A proibição da ameaça e do uso da força está consagrada no art. 2º/4 CNU.


Nos termos do nº3 do art. 2º CNU: devem ser utilizados meios pacíficos de
resolução de conflitos.
Este princípio surge no período posterior à Primeira Grande Guerra, em que
Pactos Internacionais (como o Pacto da Sociedade Das Nações) restringiram a
possibilidade discricionária de recorrer à força.

Como é sabido, a Sociedade Das Nações, não consegui preservar a paz


internacional. Desde logo: o Japão abando a SDN e a Itália toma decisão idêntica.

Surge a Carta das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial; esta Carta
teve um papel fundamental no capítulo do uso da força, daí a muitos Estados considerar
a Carta com importância constitucional.
Em extrema importância estão os arts. 1º e 2º da CNU.

2. A proibição
2.1. Apresentação. Direito consuetudinário, norma imperativa e Carta das Nações
Unidas

A interpretação do art. 2º/4 CNU deverá ser interpretado em associação ao


sistema de segurança coletiva – restrição, quanto possível, do recurso à força unilateral
– procurando-se um novo equilíbrio nas relações internacionais.
Este artigo não é autónomo, sendo depois completado pelos arts. 2º/5 e 6, 25º,
e 39º e ss’ CNU.
Hoje, a proibição do uso da força é considerada norma consuetudinária, e com
eficácia erga omnes, sendo ainda uma norma imperativa.

O facto de ser uma norma jus cogens implica, desde logo, um primeiro efeito:
não é derrogável por ato de vontade de sujeitos internacionais – art. 53º CV’69.

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Em segundo lugar: por ser uma norma imperativa, acarreta consequências


negativas aos Estados que não a cumpram – de qualquer modo, é necessário que essa
ameaça seja grave e persistente, para que possa acarretar responsabilidade
internacional de um Estado.
A estas situações, e pela ratio da própria norma, parece que se aplica também a
situações de ameaça de uso da força.

Deverá ter-se presente que, apesar da natureza imperativa da norma, esta


especial qualificação não implica a sua vigência ou real efetividade; cfr: Acórdão
Nicarágua, o TIJ aqui afirma que o incumprimento desta norma não implica,
necessariamente, a sua falta de vigência da mesma, para além do mais, e tal como se
defende o Estado em questão, por vezes o uso da força pode ser visto como legítimo.

Uma das consequências principais da violação desta norma é a recusa jurídica


(nula e de nenhum efeito) de vantagens para o infrator, nomeadamente no que se refere
à aquisição de território.

3. O sistema de segurança coletiva


3.1. Apresentação

A CNU institui um sistema de segurança coletiva inovador, pois institucionalizou


a noção de responsabilidade coletiva de manutenção da paz.
Um sistema de segurança é em princípio autossuficiente pois não pressupõe um
inimigo.
O pressuposto da Carta, ainda que fale em “Estados inimigos”, será o da
participação de todos os Estados na mesma.
A vocação universal da ONU interniza o sistema de segurança coletiva, sendo que
o eventual infrator é, em princípio, interno à organização.

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Os sistemas de segurança militar distinguem-se das alianças político-militares –


por exemplo, a NATO – na medida em que estas surgem por existir uma relação entre
adversários.

Às Nações Unidas foi estabelecida uma missão fundamental de “preservar as


gerações vindouras”, dos acontecimentos das Primeira e Segunda Guerras Mundiais.
O art. 1º da CNU deixa claro qual o objetivo primário: que será o de manter a paz
e a segurança internacionais, e prevenir qualquer tipo de ato que vá contra ou que
ponha em causa essa paz e segurança.

O Conselho de Segurança é o órgão que, na estrutura da ONU, leva a cabo esse


objetivo primário de manutenção da paz e segurança internacionais – art. 24º/1 CNU –
sendo que os Estados aceitam que o Conselho “aja em nome deles”.
Sistema de representação: vontade clara dos Estados que desenham este
sistema de não voltar a cair nos erros das experiências passadas.
Por outro lado, por razões práticas e de eficiência, é um órgão aristocrático.

3.2. Ameaça à paz, rutura da paz ou ato de agressão

A CNU reserva ao CS um papel muito destacado na ONU


Art. 39º CNU: “[o] Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer
ameaça à paz, rutura da paz ou ato de agressão e fará recomendações ou decidirá que
medidas deverão ser tomadas de acordo com os arts. 41º e 42º, a fim de manter ou
restabelecer a paz e a segurança internacionais”.
Assim, o Conselho encontra-se adstrito a uma das três hipóteses – trilogia do art.
39º CNU. Atribui-se ao Conselho, nestas situações, uma ampla margem de
discricionariedade.
Em regra, o Conselho atuando ao abrigo do art. 39º CNU, terá alcançado um
consenso significativo da comunidade internacional – art. 27º/3 CNU.
Já sucedeu que, mesmo em situações em que aparentemente não haveria
grandes dúvidas quanto à existência de um ato de agressão, o Conselho não utilizou
aquela qualificação.

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No quadro da ampla discricionariedade, a qualificação como “ameaça à paz e


segurança internacionais”, permite alcançar situações diversas. Nomeadamente, no
caso da antiga Jugoslávia, em que se adotou o Estatuto do Tribunal Penal Espacial; e
depois do 11 de Setembro, em que considerou que todos os atos de terrorismo
constituem uma ameaça à paz e à segurança internacionais.

Conceito de agressão e seus pressupostos – resolução da Assembleia Geral da


ONU nº 3314, 14 de dezembro de 1974.

A Assembleia pode ainda fazer recomendações ao Conselho de Segurança,


relativo aos princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança
internacionais – art. 11º/1 CNU – estes pareceres, em princípio não vinculativos, mas
poderão assumir certa relevância, até porque são tomadas pelo órgão em plenário.

O Conselho de Segurança, em caso de ameaça, pode adotar uma das medidas


previstas nos arts. 40º e 41º CNU.
Art. 40º CNU: “[a] fim de evitar que a situação se agrave, o Conselho de
Segurança poderá, antes de fazer as recomendações ou decidir respeito das medidas
previstas no art. 39º, instar as partes interessadas a aceitar as medidas provisórias que
lhe pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os
direitos ou pretensões nem a situação das partes interessadas. O Conselho de Segurança
tomará devida nota do não cumprimento dessas medidas”.
Plasticidade do conceito de ameaça à paz e segurança internacionais: pode ser
uma situação internacional, como formalmente interna; não implica apenas o uso de
forças armadas internacional ou não-internacional, como pode ser uma situação de
epidemia ou de pandemia.
Para além do mais, os poderes do Conselho, e em especial o conceito de ameaça
à paz e segurança, encontram-se intrinsecamente conexionados com a proteção dos
direitos humanos.

3.3. Adoção de medidas não militares

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Art. 41º CNU: “[o] Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem
envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas as
suas decisões [...]”.
O Conselho de Segurança possui ampla discricionariedade na aplicação de
medidas não militares; sendo de notar que, as elencadas neste artigo são meramente
exemplificativas e não taxativas – é exemplo disto, as sanções económicas ou
institucionais, que não se encontram elencadas mas que são normalmente aplicáveis.

Estas podem ser dirigidas a Estados ou a indivíduos.


De referir que estas medidas não militares, não assumem necessariamente,
medidas sancionatórias. Além de que estas medidas não pressupõem a ação ou omissão
de um Estado.
A imposição de sanções a entidades não estaduais ou indivíduos, tem sido cada
vez mais um instrumento preciso e eficiente para a realização dos fins prosseguidos.
Atualmente, na luta contra o terrorismo, as sanções individuais, têm dado
origem a uma interessante discussão sobre a garantia dos direitos dos indivíduos.

3.4. Adoção de medidas militares


3.4.1. Um sistema de “autorização”

A CNU permite, no seu art. 42º, a adoção de medidas militares: “Se o Conselho
de Segurança considerar que as medidas previstas no artigo 41 seriam ou demonstraram
ser inadequadas, poderá levar a efeito, por meios de forças aéreas, navais ou terrestres,
a ação que julgar necessária para a manter ou restabelecer a paz e segurança
internacionais, tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios, e outras
operações por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações
Unidas”.
Nota: não há obrigação de ser adotada, primeiramente, uma medida não militar
face a uma medida militar.

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O art. 43º CNU, de certo modo, apela à criação de umas “forças armadas” do
Conselho de Segurança – ideia que nunca foi concretizada – pelo que, na verdade, na
prática, a aplicação do art. 42º CNU, nunca foi conseguida.
Porém, o CS tem autorizado, de uma forma mais ampla, que os Estados-
membros recorram à força militar para o restabelecimento da paz e segurança
internacionais.
O facto de o CS autorizar os Estados a adotarem “todos os meios necessários”,
evidencia a centralidade na tomada de decisões por parte do Conselho. Tal foi notório
com a invasão do Kuwait pelo Iraque, com a crise do Golfo.

Na verdade, isto trata-se de uma autorização do Conselho.


Assim, a competência do Conselho de Segurança permanece intocada em dois
planos:
1.º Este avalia a situação nos termos do art. 39º CNU, sendo competente
para declarar a existência de uma situação de ameaça à paz e
segurança internacionais.
2.º O CS é que autoriza os Estados a usarem a força; em princípio, porque
considera que foram esgotadas todas as possibilidades de
restaurarem a paz e a segurança internacionais, nomeadamente
através de meios não militares.
Ainda há outra vantagem desta autorização: os Estados, quando devidamente
autorizados pelo CS, ao usarem a força, têm como garantia de que a sua atuação é
conforme ao Direito.

Questão / problema: a Resolução 1441, adotada no caso da intervenção militar


no Iraque, possuía um mecanismo automático que autoriza o uso da força.
Neste aspeto surgem duas divergências:
1. EUA, Reino Unido e Espanha: afirmam que a resolução é
autossuficiente, pelo que não seria necessária uma segunda
resolução do CS para legitimar intervenção militar.

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2. Rússia, China e França: a resolução não operava automaticamente,


pelo que seria necessária uma segunda resolução que permitisse a
intervenção militar (no Iraque).
Num período imediatamente anterior à intervenção militar, mudando de
opinião, os EUA, Reino Unido e Espanha, optaram por aceitar uma segunda resolução.
Isto, por dois argumentos:
1.º Dizem que, concordando ou não, que iriam “adaptar” a sua posição à
daqueles que persistiam defender que a resolução não dava uma
“carta branca” à intervenção militar.
2.º Os três Estados mostraram que atribuíam importância à possibilidade
de contarem com a maioria do Conselho a apoiar a ação militar contra
o Iraque – “maioridade moral”.
A maioria dos Estados opunha-se a esta legitimação automática de intervenção
automática no Iraque, sendo que a Resolução 1441 deveria estar ancorada nas
Resoluções 678 e 687.
Na verdade, a “mudança de opinião” tinha uma implicação tanto jurídica como
política, isto porque, três membros permanentes (França, Rússia e China), mostravam-
se irredutíveis na recusa em viabilizar uma tal resolução.

Relativamente às medidas não militares, o CS não possui um mecanismo para


garantir a implementação daquelas medidas, são os Estados-membros quem, através
da sua ação, podem garantir esse resultado.
Porém, os Estados concordam em conferir ao CS que atue em seu nome – art.
24º CNU –, e, por outro lado, concordam e aceitam aplicar as medidas tomadas pelo CS
– art. 25º CNU.
De igual modo, acontece no caso das intervenções militares; há então uma ideia
de relação de subordinação entre aqueles Estados a quem é autorizado o uso da força
e o CS, isto até porque, em princípio, o uso da força será ilícito exceto em casos de
legítima defesa coletiva.

3.4.2. A manutenção da paz (peacekeeping)

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As forças de manutenção da paz – “capacetes azuis” – surgem num processo


como forma de resposta possível a situações em que o CS não podia atuar de forma
musculada.
Deste modo, a sua atuação será pacífica, sendo que o papel da ONU não será
visto como inimigo, tendo em vista a cessação das hostilidades e, em princípio, não
podem usar a força, exceto em casos de legítima defesa (individual).

Tendo em conta a sua origem, distinguem-se duas alterações principais:


a) Deixaram de ter apenas uma componente militar, podendo
comportar componentes de polícia e civil;
b) A utilização militar pode ir para além da legítima defesa,
nomeadamente em casos de proteção da civilização.
A definição destas missões de manutenção de paz possui um conceito bastante
amplo, sendo definidas como: “uma técnica destinada a preservar a paz, mesmo que
frágil, quando cessaram os combates, e dar assistência na implementação de acordos
alcançados por aqueles que celebraram a paz [...] [incorporam] um modelo complexo
de muitos elementos – militares, polícia e civis – que trabalham em conjunto para lançar
as bases para uma paz sustentável”.
De salientar que há uma imposição de paz sendo lançadas com o objetivo de
restaurar a paz e segurança internacionais.

Ora, na verdade, maior parte das operações da ONU, tem como missão
fundamental a proteção dos civis, o que, na verdade, as coloca numa posição hibrida
entre peacekeeping e peace enforcement.
Aspetos relevantes desta distinção:
1.º A manutenção da paz pretende aplicar acordos de paz vigentes;
enquanto que a imposição de paz pretende fazer cessar as
hostilidades através do uso da força.
2.º Num caso de imposição de paz, as atuações das unidades militares
vão para lá de meras ações defensivas.
3.º Por fim, nas operações de peacekeeping há uma habitual participação
grande de Estados.

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No que se refere ao uso da força das forças militares da ONU, há várias


tendências que parecem estar consolidadas.
1. O conceito de “manutenção da paz”, hoje, é tido como mais complexo
do que a simples abordagem militar.
2. Continuam a servir como referência três princípios:
a) Consentimento;
b) Imparcialidade;
c) Limitação do recurso à força.
3. Independentemente disso, não parece haver uma desconexão total
entre a manutenção da paz e um não uso da força, na medida em que
têm de ser cumpridos os objetivos da Missão – ainda que ponha em
causa dificuldades sérias quanto à sua qualificação.

Relativamente à questão de proteção dos civis: a ONU considera-se obrigada a


tal; como tal, as missões deverão ser dotadas de poder militar quando estejam em causa
ameaças graves e iminentes contra a população civil; para além que não se afigura
“aceitável” à ONU, nem que a mesma assista passivamente, a ameaças ou ataques
contra civis.

3.5. Conselho de Segurança: uma ação sem limites?

O facto de o CS possuir uma ampla flexibilidade, tal pode dar origem ao seu uso
abusivo.

Genericamente, o CS tem de agir nos termos da Carta e, em princípio, de acordo


com o direito internacional. Assim, o CS encontra-se delimitado pelas próprias regras
da ONU, sendo que os arts. 1º e 2º CNU, representam limites funcionais aos poderes do
CS.
Por outro lado, encontram-se delimitadas pela finalidade que pretendem atingir
(paz e segurança internacionais), devendo haver um juízo de adequação.

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Acrescentando que uma decisão do CS não pode ignorar o impacto das suas
decisões noutras dimensões e o direito internacional a esse respeito – sendo as normas
de direito internacional humanitário e de direitos humanos tidos como limites
materiais às sanções institucionais.

Devido ao que aconteceu no caso do Iraque, em que as sanções institucionais se


mantiveram durante 11 anos, pois não eram estabelecidos prazos para as mesmas, o CS
alterou a sua forma de agir.
Atualmente, as sanções são adotadas durante um determinado período – 12
meses – findo o qual cessam. Exceto: CS aprova com 9 votos (incluindo nenhum voto
contra de um dos membros permanentes) que conduza à adoção de uma resolução no
sentido da sua manutenção.

O TIJ também se pronunciou diversas vezes relativamente às limitações do CS na


aplicação de sanções institucionais:
• Caso Nicarágua: afirmou que as competências do TIJ não rivalizam com as do
CS, podendo o TIJ apreciar essas sanções nos termos das suas competências
do Capítulo VII.
E antes do Caso Nicarágua:
• Parecer da Namíbia, 1971: aqui, no entanto, o TIJ afirma não dispunha de
poderes de controlo de decisões tomadas pelos órgãos da ONU.
• Caso Tadic, 1995: TIJ considera que o CS não possui poderes ilimitados,
estando sujeitos a limites impostos, nomeadamente, pela CNU.

Ora, o CS está, em princípio, vinculado às regras de direito internacional, sendo


essa obrigação muito nítida nos casos do Capítulo VI – solução pacífica de controvérsias
–, estando a questão, à priori, resolvida, pois não deverá de forma coerciva, apenas
através de recomendações.
Porém, o mesmo não pode ser dito nos casos do Capítulo VII – em casos de
ameaça à paz e segurança internacionais – pois possui um caráter excecional, e não
confinado a uma apreciação de direito internacional. Não obstante, para aplicação desta

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medida deverão ser tomadas diversas considerações e, claro está, tal não significa que
o CS possa atuar arbitrariamente ou ultra vires.

4. Legítima defesa
4.1. Um direito inerente

No art. 51º da CNU encontra-se a previsão, e descrição, da legítima defesa em


direito internacional. Este direito representava no sistema de segurança coletivo uma
zona intocável, em que os Estados se reservavam sempre no direito de defesa perante
o agressor. Esse direito é qualificado como inerente – para alguns inerente encontra-se
intrinsecamente conexionado à própria condição de estadualidade.
Assim, a existência deste direito não se conexiona com a CNU, resultando do
direito internacional consuetudinário.

No Caso Nicarágua, o TIJ deixou claro que há uma relação umbilical entre os
pressupostos de legítima defesa da CNU.
Por outro lado, afirmou que a CNU não regula exaustivamente a situação de
legítima defesa, pelo que, nada se opunha à aplicação do art. 51º CNU juntamente com
o direito consuetudinário.

4.2. O pressuposto do ataque armado


4.2.1. A forma mais grave do uso da força

O exercício de legítima defesa não é o “espelho” ou o inverso da ameaça ou uso


da força.
Assim, um Estado não pode acionar, “sem mais nem menos”, o instituto da
legítima defesa, devendo ser primeiro acionado o sistema de segurança coletiva.

Esta construção assenta num princípio de confiança: os Estados estão dispostos


a restringir a possibilidade de usarem a força em legítima defesa, se o CS pudesse, sem
falhas, substituir-se à ação unilateral defensiva.

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Desde logo, o conceito de força inclui o de ataque armado. Em segundo lugar,


ficam de fora todas as situações ditas de legítima defesa preemptiva (ameaça, mas
inevitável concretização futura) – fora do alcance da legítima defesa.
Lido o art. 51º CNU, literalmente, parece que a legítima defesa coletiva só pode
ser acionada como reação a um ataque armado; é lógico que, iniciado o ataque armado,
há sempre possibilidade de usar a legítima defesa.
O objetivo deste art. 51º CNU, é a procura de objetividade, porém, não define
certos conceitos importantes como o que é legítima defesa e o que é ataque armado.
Isto, porque compete ao próprio CS, em apreciação concreta, avaliar o uso da força
defensiva.

O “ataque armado” representa, na Carta da ONU, a porta de entrada para a


legítima defesa; sendo que o conceito de “uso da força” é evidentemente mais estrito,
na medida em que não é qualquer uso da força que permite o uso da legítima defesa.
Posição do TIJ no caso Nicarágua: “se um Estado usar a força contra o outro,
com fundamento de que esse Estado praticou um ato de força ilícito contra um terceiro
Estado, esse facto só é considerado lícito, a título excecional, quando o facto ilícito que
provoca a resposta é um ataque armado”.
Mais tarde, o TIJ no caso das Atividades armadas no território do Congo,
considerou afastada a legítima defesa do Uganda pois não fizeram prova de quaisquer
ataques armados por parte da República Democrática do Congo.

4.2.2. Tendencial “aproximação” entre uso das força, ataque armado e agressão

Um dos problemas colocados foi, evidentemente, o que seria a diferença entre


os conceitos de uso da força e de ataque armado.
E ainda, mais tarde, o problema evidenciava-se mais com a entrada do conceito
de agressão.

Há então uma decisão da Assembleia Geral que dá uma especial importância ao


conceito de agressão.

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De referir que a Resolução é cuidadosa, na medida em que evidencia que será


sempre o CS a determinar se estamos perante uma situação de agressão.
A Assembleia Geral afirma que: “a agressão é a forma mais grave e perigosa do
uso ilícito da força”. Com isto, a Assembleia Geral consegue atingir vários objetivos: a)
a identificação entre a gravidade associada ao “ataque armado” e à “agressão”,
garantindo, desde logo, mais flexibilidade na aplicação do art. 51º CNU; e b) o CS poderá
avaliar com um pouco de mais discricionariedade a reação defensiva ao abrigo daquele
preceito.
Este processo verifica-se em dois planos:
1.º plano: Concebe-se de modo mais amplo “agressão” do que
“ataque armado” (cfr. Resolução 3314, em específico, o art. 3º).
2.º plano: Por outro lado, uma vez que o CS está limitado pela própria
CNU, a tendencial aproximação entre ameaça e ataque armado
permitia uma mais fácil invocação do art. 51º CNU. E depois ainda,
uma aproximação entre a proibição do art. 2º/4 CNU e a esfera de
legitimação do art. 51º CNU.

4.2.3. A doutrina da acumulação dos eventos

A doutrina da acumulação dos eventos tem sido apresentada como forma de


justificar a legítima defesa, no art. 51º CNU.
Esta pressupõe que se avalie o comportamento do Estado “agressor”, não à luz
do comportamento(s) atual, mas também tendo em conta outros comportamentos
passados.
Do que se trata, é a integração de comportamentos ilícitos, que constituem uma
violação do art. 2º/4, agregando-os numa unidade. O problema é que, por vezes,
ataques reiterados e sucessivos, analisados isoladamente, poderão não justificar o uso
da legítima defesa.

O TIJ, já em diversas situações indiciou poder aceitar a construção jurídica da


acumulação dos eventos, nomeadamente no caso Nicarágua, no caso das Plataformas
Petrolíferas, e no caso das Atividades Armadas.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 16


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4.2.4. Ataques “picada de alfinete”

Em princípio, podia afirmar-se que os ataques picada de alfinete seriam idênticos


à doutrina da acumulação de eventos; porém distinguem-se em alguns aspetos.
Isto porque, a doutrina da acumulação de eventos pretende alcançar o patamar
de ataque armado integrado num conjunto de ações; os ataques picada de alfinete, por
outro lado, possuem outra génese, sendo que cada um desses ataques já pressupõe o
uso da legítima defesa, porém, reage apenas no fim de um conjunto de
comportamentos desta natureza.

4.3. Os “outros” requisitos para o exercício da legítima defesa


4.3.1. Da necessidade à adequação

Em tese, não se discute que o uso da legítima defesa deverá ser necessária.
Esta apreciação deverá ser verificada em concreto.

Caso Nicarágua: TIJ afirma que tanto a necessidade como a proporcionalidade


são normas consuetudinárias; e que se tratava de um requisito necessário e que não
dependem do juízo subjetivo do Estado.
Caso das Plataformas: na ponderação destes critérios, o TIJ afirma que entrava
a natureza dos alvos escolhidos para o exercício da legítima defesa.
Ainda, acrescentou que quando é necessária, tem que ser imediata, devendo ser
proporcional ao ataque armado contra o qual se verifica a reação.

É ao Estado-vítima que deve demonstrar que não possui outra forma senão o uso
à força armada.
Notório é ainda o pressuposto das possibilidades de resolução pacífica do
conflito (ainda que na prática, tal não seja tão evidente).
Por conseguinte, é necessário seja essa legítima defesa seja imediata, e não
diferida no tempo.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 17


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É mais difícil a avaliação se estivermos perante uma situação de legítima defesa


individual (em que o CS não intervém), ou as situações em que o Estado-vítima não
possui forças militares capazes de neutralizar o ataque e os sues efeitos.

A exigência da proporcionalidade é um problema que não é fácil de resolver,


sem ser nos casos em concreto; no entanto, o TIJ afirmou no Parecer sobre as Armas
Nucleares, que a proporcionalidade é uma restrição, inerente à própria noção de
legítima defesa.
Em regra, não existe uma obrigação de reciprocidade estrita, até porque essa
regra garantiria vantagem ao agressor.

4.3.2. A comunicação ao Conselho de Segurança

O art. 51º CNU reconhece que um Estado possa sempre recorrer ao seu direito
de legitima defesa, não só pela Carta, mas como norma consuetudinária.
Postulado principal efeito é de que a legitima defesa possui um caráter
transitório, sendo a ação conduzida pelo CS – legitimidade institucional.
Essa legitimidade não assume apenas uma aprovação do CS, sendo também
preciso que as medidas adotadas sejam efetivas.

As medidas tomadas em legitima defesa deverão ser imediatamente


comunicadas ao CS – ideia de que os Estados estão sobre a alçada do centro institucional
da segurança coletiva, sujeitas a avaliação pelos membros do CS, para além de que essa
comunicação reforça perante a comunidade internacional a posição do Estado.
De qualquer modo, a falta dessa obrigação de comunicação, não leva a que o
Estado não possa atuar ou que não atue sob legitima defesa nos termos do art. 51º CNU.
Porém, a não comunicação ao CS, para o TIJ, funciona como um reforço de outros
elementos que não confirmem a atuação em legítima defesa, funcionando como indício
desfavorável à avaliação dessa legítima defesa.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 18


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4.4. A legítima defesa coletiva

Encontra-se prevista no art. 51º CNU. Esta pressupões o envolvimento de dois


ou mais Estados em legítima defesa.
Deverão estar preenchidos os requisitos da legitima defesa individual – como
adequação, necessidade e proporcionalidade – porém, acrescem ainda mais requisitos
específicos da legítima defesa coletiva.

A primeira exigência será a declaração, por parte do Estado vítima, de um ataque


armado, identificando o Estado agressor.
Assim, não é lícito um Estado invocar que outro foi agredido e que vai agir em
seu auxílio; nem nos casos em que numa ação similar que se inicie e executar antes de
o Estado “beneficiário” declarar que está a ser alvo de um ataque armado.

• O TIJ não exige uma forma formal particular à declaração de Estado-vítima –


bastando-se por exemplo, pelo pedido de ajuda.
• O Estado tem que solicitar auxílio a outros Estados, identificando-os de forma
individualizada.
• Por fim, o Estado deve identificar o tipo de auxílio que solicita aos Estados que
aceitam participar na legítima defesa coletiva.

De referir que não existe uma obrigação internacional a participar numa legítima
defesa coletiva.

4.5. Os “novos” tipos da legítima defesa


4.5.1. Legítima defesa preventiva e legítima defesa preemptiva

É a questão temporal que tem suscitado para zonas de tensão entre aquilo que
a CNU dispõe e a prática dos Estados.
Uma primeira questão será a legítima defesa preventiva – seria necessário
esperar pelo ataque armado para o exercício da LD?

Guilherme Laranjeira Lima 2020 19


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Uma segunda questão seria a de saber qual o lapso temporal que permite o uso
da LG.
No seio da ONU, foi feita uma (re)leitura do art. 51º, em que se afirma que “[o]s
ataques iminentes estão plenamente cobertos pelo artigo 51, que salvaguarda o direito
de os Estados soberanos se defenderem de um ataque armado”. Porém, a simples
invocação não é suficiente, sendco necessário dever reforçado de prova.
Assim, há uma necessidade de adaptação (que foi conseguida) do sistema de
segurança coletiva de modo a tornar-se plenamente efetivo a novas circunstâncias.

Outra situação colocada foi a questão da legítima defesa intercetiva, em que o


Estado já desencadeou o seu ataque, e o Estado-alvo inicia a sua defesa antes de aquele
desencadear os seus efeitos – isto por exemplo, no caso de ataque nuclear ou de drones
armados. Porém, a situação seria diferente se fosse um caso de aeronaves militares, na
medida em que essas se encontram tripuladas.
Tudo visto, a interpretação elementar, e de bom sendo, é que o ataque inicia
quando o Estado o desencadeia, sendo a produção de efeitos relativamente incerta.
Estes dois conceitos são dificilmente diferenciados.

De qualquer modo, diferente destes dois conceitos, será a legítima defesa


preemptiva. Neste caso, não existiria sequer uma ameaça de uso da força, sendo uma
ameaça difusa e complexa.
Esta LD preemptiva também não se confunde com a LD contra o terrorismo; na
medida em que a primeira exige a existência de Estado, enquanto que a segunda implica
uma reação militar contra entidades não estaduais.
Pode dizer-se que há uma rejeição da LD preemptiva, principalmente com o
sucedido no caso do Iraque, em que os EUA iniciam guerra contra o Iraque pois este
Estado, ao “comando” de Saddam Hussein, pelo seu historial de incumprimento,
violência e agressividade iria levar a cabo, em qualquer momento, um ataque contra os
EUA ou contra os seus amigos e aliados.
O uso da força, tendo em conta uma LD preemptiva é então violador do princípio
que proíbe o uso da força e, eventualmente, pode ser considerado como um ato de
agressão a outro Estado.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 20


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4.5.2. Legítima defesa contra Estados, sem ataque armado

Nesta hipótese, está em causa uma medida de legítima defesa sem ataque
armado.
Este costuma ser associado a ataques terroristas; porém, não da organização
terrorista em si, mas antes a do Estado que comete um facto ilícito de especial gravidade
por permitir que o seu território sirva de abrigo a uma ou mais organizações terroristas.
Existem cada vez mais situações em que os Estados invocam a legítima defesa
contra Estados que protegem organizações terroristas, acabando por adotar a esses
Estados represálias armadas.

Como o Caso do Afeganistão.


Ora, a Resolução 3314, no seu art. 3º al. f) afirma que pode ser qualificado como
ato de agressão “[o] facto de um Estado aceitar que o seu território, posto à disposição
de outro Estado, seja utilizado por este para penetrar um ato de agressão contra um
terceiro Estado”.
Porém, no caso em questão, ainda que os atentados do 11 de Setembro tenham
sido de extrema gravidade, de efeitos equivalentes a um ato de agressão, não poderá
ser qualificado como um ato de agressão pois foi praticado por uma organização
terrorista.
Assim, não era possível imputar ao Afeganistão (regime talibã) a organização,
financiamento ou execução dos ataques. Na medida em que Al-Qaeda e o regime talibã
consubstanciam duas realidades distintas.
O CS, na Resolução 1368, reconheceu um direito de LD aos EUA; por duas razões:
1. Efetivamente, porque os ataques do 11 de setembro foram
uma brutalidade;
2. Porque independentemente da Resolução do CS, os EUA iam
na mesma proceder ao exercício da legítima defesa, fora dos
mecanismos que a CNU prevê.
O Afeganistão, na verdade, nunca atacou os EUA, porém, não pode ser de ignorar
o facto de o mesmo, por diversas vezes, durante vários anos, ter ignorado as resoluções

Guilherme Laranjeira Lima 2020 21


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do CS; além de que havia um comportamento de apoio à Al-Qaeda que punha em causa
a paz e seguranças internacionais.
De referir que o CS, nunca afirma que o Afeganistão é o autor dos atentados,
apenas fica sujeito à reação armada devido a uma série de omissões que lhe são
imputáveis, pelo CS.

Ainda no mesmo Caso, mas posteriormente ao atentado do 11 de setembro, o


Afeganistão tem continuamente assumindo comportamentos graves, e tem continuado
a viabilizar a Al-Qaeda a possibilidade de fazer novos ataques.
Isto mostra-nos que, na verdade, a LG sem ataque armado é quase indistinguível
da (impropriamente) chamada LG contra o terrorismo.

Teoria dos dois conflitos: (defendida pelos EUA), há um primeiro conflito – com
a organização terrorista – que fica associado a um Estado que permite ou apoia essa
atividade.

4.5.3. Uso da força contra atores não estaduais

Situação em que o Estado reclama legitimidade para usar a força contra autores
não estaduais – organizações terroristas, pirataria ou até formas extremas de crime
organizado.
Tratar-se-ão então de entidades que agem ilicitamente, em desacordo com o
Direito, por maioria de razão, Direito Internacional.

Relativamente à pirataria, na Convenção das Nações Unidades sobre o Direito do


Mar, no seu art. 100º, declara-se que “no mar-alto ou em qualquer outro lugar que não
se encontra sob a jurisdição de qualquer Estado”, há um dever de cooperação dos
Estados face a essa pirataria.
Na génese do art. 101º da Convenção, a pirataria possui natureza privada não
estadual.
Aqui, pode também acontecer que haja pirataria quando está em causa navios
ou aeronaves de um Estado, porém, há uma exigência de qua tripulação se tenha

Guilherme Laranjeira Lima 2020 22


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amotinado, devendo os seus atos serem “equiparados atos cometidos por um navio ou
aeronave privados”.
Isto é importante pois faz excluir a responsabilidade internacional do Estado em
questão.
A questão é que o art. 105º da Convenção em, nada se refere à utilização da
força, confinando apenas uma possibilidade de apresamento.

Porém, devido ao surto de pirataria na costa da Somália, este conceito foi


ligeiramente atualizado:
a) Em primeiro lugar, porque seria difícil de lidar com a pirataria
contemporânea quando se encontre em território sujeito à jurisdição
de um Estado;
b) Em segundo lugar, mostrou como a fragilidade de um Estado pode
influenciar a proliferação desses atores;
c) Por fim, se esse sucesso “pirata” poderia pôr em causa a navegação e
o comércio internacional.
O CS neste Caso da Somália, foi protagonista na evolução. Desde logo, afirmou
que os Estados poderiam reagir, se fosse necessário utilizando a força, pois poderão
essas pôr em causa a paz e segurança internacionais – passando os Estados a poder
atuar em águas sob a jurisdição de outro Estado, ainda, poderiam atuar até em terra,
caso tal fosse considerado mais eficiente.
De qualquer modo, esta Resolução 1851 salienta notas importantes:
• A solução não é generalizável;
• Não constituía precedente;
• Teria que ser renovada, com regularidade, pelo CS.
Deste modo, não poderá ser acionado o instituto da LG do art. 51º CNU; e mesmo
quando à aplicação do art. 39º CNU (ameaça à paz) nestas situações, é duplamente
excecional (situação excecional e meios excecionais).

Relativamente à LG contra o terrorismo, após o 11 de setembro, é indiscutível a


diferença estrutural, quando ao financiamento, aos meios e ao recrutamento,
constituindo uma ameaça temível à segurança dos Estados e dos seus nacionais.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 23


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Na verdade, o direito internacional já tinha reconhecido a hipótese de agressão


indireta, no art. 3º al. g) da Resolução 3314. O problema é que nunca se presumiu que
estas agressões poderiam ser tão ou mais agressivas do que o ataque de um Estado.
A pergunta é saber se um Estado poderá defender-se contra atores não
estaduais, nomeadamente organizações terroristas.

Ora, tendo em conta a gravidade dos ataques já sofridos recentemente (nos EUA,
Paris, Bruxelas, Madrid) afirmar-se-á que se podem equiparar a ataques armados.
Porém as questões suscitadas são:
1.º Saber se esse ataque pode ser qualificado com um “ataque armado”.
2.º Saber se o Estado pode ser considerado “Estado-vítima” e invocar a LG
prevista no art. 51º CNU, não contra o Estado, mas contra um entidade
privada não-estadual.

O TIJ, no Parecer sobre o Muro da Palestina, relativamente à primeira questão,


respondeu que não.
Porém, depois dos ataques a França, a 13 de novembro de 2015, França falou
num “ataque armado contra a França”; situação idêntica foi a anteriormente adotada
pelos EUA depois dos atentados de 11 de setembro; a diferença é que, na altura do 11
de setembro, a expressão “ato de guerra” ainda era desconhecida e não se conhecia
quem seria o autor do ataque.
Alguma doutrina tem integrado esta LD na CNU; recorrendo primeiramente ao
art. 2º/4 CNU, afirmando que refere por duas vezes os Estados, e que ainda afirma a
expressão “relações internacionais”, isto, integrado com o art. 51º CNU, na medida em
que este artigo apenas fala no Estado que sofre o ataque, mas não refere o ator que o
pratica, podendo perfeitamente um ator não estadual.
Esta solução parece resolver a situação; porém suscita alguns problemas
práticos. Isto porque, ao existir uma relação entre o art. 2º/4 e o art. 51º da CNU, na
verdade, o que há é uma LG contra um outro Estado. Além de que não se deve confundir
a capacidade de violência com a com a qualificação jurídica dessa violência. Ora, nada
impede que um Estado exerça o uso da força contra um Estado, ou noutro Estado, contra
uma organização terrorista; porém, que parece não ser razoável é que o Estado atue em

Guilherme Laranjeira Lima 2020 24


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LG através de dois títulos, ambos sustentados no art. 51º CNU: (i) contra a organização
terrorista, (ii) e contra o Estado que de certo modo apoiou essa organização terrorista.
A Resolução 2249: importante pois, após sucessivos ataques terroristas, e de
haver capacidade para serem exercidos mais, o CS não considerou que houvesse LG,
pois, no caso, o Daesh, possuía controlo de parte do território do Estado, na medida em
que o Daesh dominava parte do território, ainda que transitoriamente, e sujeito à
jurisdição do Estado, pelo que não se observa um comportamento ativo ou passivo do
Estado em causa; não obstante, o CS permitiu aos Estado que utilizassem a força contra
o Daesh.

Uma abordagem intermédia é aquela que refere que o art. 51º CNU refere-se,
no essencial, a um ataque armado por um autor estadual.
Porém, o critério da participação (adotado pela Resolução 3314) seria adotado
de uma forma mais ampla – passam a ser integradas as situações em que um Estado,
pela circunstância de apoiar o grupo terrorista, ver serem-lhe imputados os
comportamentos violentos que esse venha adotar.
Assim, a violência terrorista, quando equivalente à forma mais grave de uso da
força (ataque armado), passaria a ser imputada, quase que automaticamente, a um
Estado.

Fica por solucionar as situações em que a um Estado não pode ser atribuído
apoio ou tolerante relativamente à organização terrorista – casos em que é contra a
vontade do Estado, ou até sem o seu conhecimento.
Ora, desde logo, se houver consentimento do Estado, a ação, mesmo que militar,
em princípio será lícita, desde que respeite os próprios limites do consentimento.
Linha mais fina, serão as situações em que o Estado, ainda que não coopere com
a organização terrorista, não aceite que haja uso da força por Estado terceiro no seu
território.
Vários aspetos devem ter-se assentes:
1.º Ninguém contesta que o direito internacional teve que se adaptar a
ameaças novas.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 25


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2.º Parece haver consenso relativamente à possibilidade de um Estado de


um Estado exercer a sua força num certo território para evitar este tipo
de ameaças.
3.º Também, não é convincente a aplicação do art. 51º CNU omnívoro; capaz
de abarcar indistintamente ou em simultâneo Estados e atores não
estaduais – ficando por resolver se o direito internacional proíbe o
recurso à força militar contra organizações terroristas.
4.º As propostas que associam um Estado a uma organização terrorista, por
haver uma flexibilização das normas internacionais, pode levar a
resultados esdrúxulos.

Existe na comunidade internacional um acordo em que, além de outros


mecanismos, o uso da força é um dos meios ao dispor do Estado – discutido é saber se
esse recurso é lícito, considerando a proibição do art. 2º/4 CNU. Isso acontece porque,
em determinadas circunstâncias, o Estado territorial não pode invocar a proteção da sua
soberania se isso comportar proteção, ou imunidade, para si e para a organização
terrorista que beneficia de abrigo no seu território. Na verdade, a questão trata de
obrigações primárias de direito internacional, pelo que o Estado, em princípio, poderá
invocar a sua soberania perante o outro e proibir o uso da força no seu território.
Resolução 1373 – após o 11 de setembro: o CS integra terrorismo como ameaça
à paz e segurança internacionais; obrigando os Estados a adotar comportamentos
positivos, com vários efeitos significativos, nomeadamente, a consequência do uso lícito
da força por outro Estado. Sensivelmente, os Estados não podem compactuar com
organizações terroristas, sendo que a mera abstenção é considerada uma atuação
compactualista.

Fica por apreciar situação em que os Estados territoriais não compactuam com a
organização terrorista e / ou os seus elementos; porém, também não possui capacidade
para a enfrentar.
Mas nestes casos, o Estado vítima, sempre que pretenda usar a força, poderá
sempre exigir que esse Estado coopere, ou que lhe permita, de forma circunscrita e

Guilherme Laranjeira Lima 2020 26


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exclusivamente contra a organização terrorista ou os seus responsáveis, uma ação no


seu território.
A primeira vez que foi aceite este princípio foi no caso da Síria, em que o Daesh
encontrava-se em território Sírio, e que a Síria não conseguiria impedir o ataque ao
Iraque, invocando a LD coletiva de modo a invadir a Síria.

Há porém um situação a ser discutida: a cada vez mais frequente utilização de


drones de combate para eliminar alvos em Estados terceiros.

4.5.4. Proteção de nacionais no estrangeiro

Cada vez são mais frequentes os casos em que um Estado se vê confrontado com
o perigo iminente a que estão os seus nacionais, noutro Estado.
Ainda hoje se mantêm os mesmos requisitos, apresentados por Waldock:
i. Ameaça iminente de lesão dos nacionais;
ii. Ausência de proteção ou incapacidade por parte do Estado
territorial;
iii. Medidas estritamente necessárias à proteção dos mesmos.

Como integrar juridicamente esta factualidade? Uma coisa é indiscutível: um


Estado pode usar o direito de proteção contra uso da força contra outro Estado, ou
noutro Estado.
Em princípio, tal direito encontrar-se-á sobre a alçada do art. 2º/4 CNU; exceto
se:
1. Se se considerar que este direito representa uma exceção autónoma ao
princípio proibitivo do uso da força na CNU; considerando-se que há uma
norma de direito internacional geral anterior à CNU.
2. Também uma norma consuetudinária, mas de formação posterior à CNU.
3. Aplicar-se o art. 51º CNU – nos termos da LD. Neste caso: haverá que
considerar a possibilidade de o ataque a nacionais ser tido como um
“ataque armado”; ainda, e do ponto de vista técnico, a LD é um direito

Guilherme Laranjeira Lima 2020 27


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inerente, preexistindo-se à CNU, sendo uma norma de direito


consuetudinário.
Esta, é de mais difícil aplicabilidade, na medida em que o TIJ, no caso
Nicarágua, afirmou que para o exercício de LD será necessário um ataque
armado ao Estado.

De qualquer modo, convém salientar que são muito frequentes as situações de


uso da força militar, tendo em conta o direito de proteção dos seus nacionais num
Estado terceiro.

Porém, existem situações em que é invocada a LD associando-a à proteção dos


seus nacionais, primeiro, como resposta a um ataque e, em segundo lugar,
relativamente a ataques planeados, mas não executados.
Nestes casos, apreciar-se-á, não como LD, mas sim como represálias armadas.

Pressupostos essenciais: (i) são sempre ações unilaterais, efetuadas sem ou


contra o consentimento do Estado territorial e, se necessário, contra este, quando há
perigo iminente para os nacionais por factos imputáveis a esse Estado; (ii) ação que
deverá ser enquadrada na atuação institucional do CS.
A licitude será sempre um ponto fulcral na situação.
Ora, questão diferente, será quando o Estado territorial consente ou solicita a
atuação do Estado desses nacionais – aqui, há direta exclusão da ilicitude.

Será ainda necessário haver licitude e esta deverá ser enquadrada no instituto
da LD.
Também, será necessário serem um alvo específico do agressor.
Assim, um ataque aos nacionais de um Estado (população), será também um
ataque contra o Estado, podendo ser invocada a LD. Tanto é que, nada obsta que, em
situações de especial gravidade, os Estados possam defender os seus nacionais.
De referir que esta opinião não é partilhada pela maioria significativa dos
Estados; até porque teria que se qualificar esse ataque aos nacionais como um “ataque
armado”, e como tal, deverá ser feito um teste de gravidade.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 28


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Ainda quanto à licitude da ação militar para proteger ou recuperar nacionais no


estrangeiro, quando há uma violação ilícita do Estado territorial, quer dizer que este
viola as regras importantes de direito internacional (violando discricionariamente os
direitos desses estrangeiros).
Os casos EUA em Granada, EUA no Panamá e Rússia na Geórgia, não são casos
que legitimam o uso de uma ação militar para proteção de nacionais.
No Caso EUA em Granada: não foi provada iminência ou perigo de nacionais dos
EUA; estes nacionais não eram alvos específicos do novo poder em Granada; mesmo
que tal ficasse provado, a ação não era proporcional.

4.5.5. Represálias armadas, represálias armadas “defensivas”, salvaguarda de interesses


coletivos

As represálias armadas possuem “má reputação” no direito internacional, na


medida em que é dada uma conotação negativa de punição ou castigo.

Desde logo, encontram-se no plano do jus ad bellum (direito do uso da força), e


não no plano do jus in bello (direito de prevenção à guerra); no primeiro caso são
represálias armadas, e no segundo, represálias beligerantes.
Uma represália armada consiste numa ação (ou conjunto de ações) por parte de
um Estado, que envolvem o uso da força circunscrito, dirigido a um (ou vários) Estado(s),
sem conexão temporal e com uma finalidade sancionatória, punitiva e dissuasora
(preventiva).
Não se destina a repelir ou fazer cessar um ataque armado, na medida em que
esse não existe; está então na sua génese a desproporcionalidade, na medida em que
esse efeito punitivo e dissuasor se verifique será necessário um custo maior para o
Estado infrator superior à vantagem associada ao seu comportamento.

Relativamente às represálias armadas defensivas: são um instrumento ao dispor


do Estado vítima.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 29


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Problema: na medida em que se acrescenta o termo “defensivas”, passam a


integrar-se na LD, no art. 51º CNU.
Este conceito radica nas ameaças modernas, que são mais complexas, difusas,
sem conhecimento total (por vezes) dos seus sujeitos, armas de destruição massiva, etc.,
em que a atitude dos Estados como resposta “defensiva” deve ser medida muito mais
pelo resultado do que pelos meios empregues e intencionalidade a eles subjacente.
Assim, se a resposta “defensiva” consistir numa medida retaliatória ou até
punitiva, aquilo que realmente importa é verificar se o Estado infrator cessa
futuramente os “ataques” lançados contra o Estado vítima, por ter noção do “custo”
que isso levará.
Assim, estaríamos perante um âmbito de nova qualificação do que seria atuar
em LD.

Ora, acontece que, recentemente, se tem enquadrado este regime de duas


maneiras: (i) como LD; (ii) como justificação no conceito de intervenção humanitária,
como resposta a violações graves e sistemáticas de direitos humanos.
A ver-se, como os últimos bombardeamentos na Síria, decido ao regime de
Bashir Al-Assad, que utilizou armas químicas na população civil – em regra, os Estados
apoiaram ou não criticaram esses bombardeamentos.

Na prática, a distinção entre LD e represálias armadas é difícil manter uma


distinção clara.
Assim, por vezes, é tida como represália armada, como tal, violado o art. 2º/4
CNU; existem casos em que os Estados invocam a LD, pelo que esta é aceite; e existem
ainda casos em que os Estados invocam a sua atuação como representação de um
interesse coletivo fundamental (direitos humanos).
No Caso já mencionado na Síria, os ataques aos civis foram feitos em 2013, e os
bombardeamentos ocorreram em 2017 e 2018 e, de salientar que, foi tentado que o CS
aprovasse as resoluções, mas foram sempre vetadas pela Rússia.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 30


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5. As “novas”, “velhas”, exclusões da proibição

5.1. A “razão” humanitária

5.1.1. Uma “velha” exceção que nunca o foi

A intervenção humanitária sempre foi a forma apontada como exceção à


proibição do uso da força.
A premissa fundamental é sempre o da proteção da parte mais fraca, dos que
sofrem, à mão do Estado ou de entidades não estaduais que esse não consegue
controlar ou o permite.
Preenchidos certos pressupostos, um número razoável de Estados não se opõe
a certas ações militares com fundamento humanitário.
Estamos perante uma “figura híbrida”, na medida em que até o próprio TIJ não
consegue consagrar um verdadeiro direito de intervenção humanitária.

Alguma doutrina é critica à não inclusão no conceito de intervenção humanitária


de todos os agentes ou organizações, ou movimentos não estudais que atuem na área
do humanitário. Por isso, argumentam, reduzir a intervenção humanitária apenas aos
autores mais tradicionais, os Estados.
Isto desperta alguns problemas...
1.º A intervenção humanitária é apenas exercida, exclusivamente, por um
Estado, ou uma OI, ou ambos. Isto, na medida em que mais do que
“humanitário”, tratar-se-á de uma “intervenção” – que envolve o uso da
força. De referir que se trata de uma intervenção humanitária, e não de uma
assistência humanitária.
2.º A razão de ser de estas discussões sobre a intervenção humanitária centram-
se na inequívoca unilateralidade da ação. Não se encontram no sistema
típico de segurança coletiva.
a. Este ponto é importante pois: evita inequívocos na apreciação de
situações que poderiam parecer equivalentes.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 31


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b. Se o CS autorizar o recurso à força com fundamentação humanitária,


não deverá ser tomada como uma como uma intervenção
humanitária em sentido estrito ou rigoroso.
c. Até porque, surgem muitas tentativas de resolução que pretendem
regular este tipo de situações; porém, nenhuma é aprovada.

5.1.2. A (i)legalidade da intervenção humanitária

O debate sobre a legalidade de uma intervenção coerciva com fins humanitários


desdobra-se em três aspetos:
1.º Interpretação do art. 2º/4 CNU e do princípio da não ingerência.
2.º Eventual articulação do art. 2º/4 e do art. 51º CNU – porém, estes em
articulação, não dão admissão direta ao uso da força num quadro
humanitário.
3.º Direito internacional consuetudinário.

Simplificadamente, pode fundamentar-se em favor da intervenção humanitária


de três meios:
1.º Interpretar o art. 2º/4 CNU como se não proibisse o uso da força contra a
integridade territorial e a independência política de um Estado quando a
razão desse uso da força for compatível com os objetivos e fins da CNU.
• Problema: a CNU não pretende promover ou justificar um ato de
agressão.
2.º Criação de uma norma de direito consuetudinário, que legitima essa atuação
quando estão em causa violações grosseiras e sistemáticas de direitos
humanos.
• Problema: não é apoiado em qualquer pronúncia do TIJ.
3.º Apoiar a legalidade com recurso a considerações de natureza “moral” (para
alguns, acima do direito).

Guilherme Laranjeira Lima 2020 32


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De qualquer modo, é de assentar que quando um Estado recorre à força, por


norma não invoca o conceito de “intervenção humanitária”, não devendo a doutrina
substituir-se e dar esse fundamento.
De qualquer modo, por parte de Estados terceiros, há um “ar” de tolerância e/ou
compreensão. Mas também não há uma aceitação.

5.2. A responsabilidade de proteger (propriamente dita)

Reflexão que foi desencadeada pelo SG da ONU em 99.


Disse, a propósito do caso do Kosovo (ocorreu em território sérvio e como algo
infraestruturas no Kosovo).
Há alguns Estados que apoiaram a intervenção; e que consideravam que
estávamos perante um retrocesso – política de força que tinha como consequência
favorecer movimento secessionistas que queriam provocar uma intervenção militar pois
essa favoreceria as suas pretensões de aceder à independência.
O que pode a CI fazer uma vez que a grande maioria dos Estados era contra um
reconhecimento de intervenção.
Pode não se aceitar a intervenção humanitária, mas como travar / enfrentar
estas violações graves de direitos humanos?

Canadá + comissão: relatório (2001) com impacto universal. Responsabilidade de


proteger.
Referência muito clara da guerra justa: proporcionalidade, força em último
recurso, fim legítimo e justa, razoabilidade. Intervenção institucional do CS, ou se não
conseguir, da própria AG da ONU.
2 pontos: (1) no relatório nunca se defendeu um direito unilateral de uso deste
direito; aquela comissão admitiu que se o CS se encontre bloqueado (como veto), podia
a AG da ONU, por apelo a uma resolução (novembro 1950), poderia ser a AG a adotar
essa resolução.
Hoje: quando da cimeira da ONU em 2005 esta questão é enfrentada pela
primeira vez, tenha caído imediatamente a possibilidade de recurso supletivo à AG; só
podia haver uso da força se o CS autorizasse.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 33


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No fundo, trata-se de repor os limites da legalidade das ações militares, e daquilo


que ela estabelece nos arts. 24º, 25º, 39º e ss’ CNU.
Nunca foi aprovado.
Esta a grande novidade do instituto da responsabilidade de proteger: o eixo deixa
de ser a reação militar, e vai a montante tentar definir de que maneira o estado
territorial pode ser obrigado a assumir a sua responsabilidade de uma maneira mais
clara: como medidas de formação, treino, auxílio de outros Estados para no fundo
desenvolver uma sistema institucional interno de garantia e proteção dos direitos, e a
seguir uma responsabilidade da CI para impedir que a situação se agrave ao ponto de
catástrofe humanitária, e só em última instância, é que entrará o uso da força.

Cada vez mais Estados discutem de maneira positiva o que é a responsabilidade


de proteger; António Guterres, tem exprimido a sua preocupação, tem-se procurado
pouco prevenir situações graves de direitos humanos.

Houve um caso em que se foi até ao fim, o CS conseguiu adotar uma Res. 1973,
em que o CS reage de forma decidida para enfrentar a situação na Líbia.
O Chefe de Estado Líbio (Gaddafi), que estava a utilizar forma brutal para
enfrentar grupos que procuravam derrubá-lo, isto levou a que o CS autorizasse a que
Estados pudessem usar a força para proteção da população civil, podendo usar força
aérea para destruir posições ou forças que não respeitavam a população civil.

Muitos consideraram que os Estados que usaram a força ultrapassaram o


mandato que o CS tinha autorizado; mais, consequência dramática, Rússia e China,
nunca mais iriam votar uma resolução deste tipo; isto veio colocar de a possibidade de
proteger apenas sotuaçoes compatíveis de situações de urgência .

Ponto de vista jurídico: é defensável que houve um uso da força que já desde o
início se pretendia que resultasse no derrube no governo de kadaffi. É verfade tb que a
russia defendeu uma interpretação muito mais restritiva das situações em que a força
podia ser legitima nos termos da Rel 1973.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 34


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É defensável dizer-se que se as duas posições aqui em presença (mais e menos


restritivas) podiam ser defendidas, nenhuma era incompatível com o sentido da
Resolução 1973. Mais valeria que os Estados que usaram a força deveriam ter negociado
melhor trazer para o seu lado os membros do CS, pois se conseguiram alcançar o
objetivo, da mesma maneira alienaram a possibilidade de, efetivamente, a
responsabilidade de proteger, nesta faceta mais extrema que envolve o uso da força
autorizado pelo CS puder ser efetivado de uma maneira institucional e enquadrada
dentro do direito da ONU.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 35


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Capítulo VIII – Direito de Autodeterminação dos Povos


1. Introdução. Os antecedentes
O direito da autodeterminação dos povos (DAP) é um dos instrumentos mais
importantes da transformação do direito internacional contemporâneo. Promove e
realiza a liberdade e a justiça, tomando como referência entidades coletivas, mas
assumindo como última direitos e liberdades individuais.
Para alguns, este direito-princípio deveria extinguir-se (para sempre) a cessando
a questão da descolonização, fechando-se portas.
Até à sua afirmação e consolidação contemporâneas, foi invocado pelos Estados
(que nomeadamente possuíam colónias), a ingerência em assuntos internos por aqueles
Estados que a exigiam a aplicação do DAP.

Na sua dimensão anticolonial, o DAP consolidou-se na esfera da ONU, através da


ação concreta desta organização e dos seus membros de independência; isto, muito
mais do que através da própria CNU.

Os primeiros passos deste princípio foram dados pola Assembleia Geral da ONU
– nomeadamente através da Resolução 2625, de 1970.

De qualquer modo, é aceite com caráter generalizado que o direito de


autodeterminação dos povos tem:
• Por um lado, uma conexão próxima com os direitos humanos, podendo ser
encarado até como um pressuposto do gozo dos direitos fundamentais.
• Por outro lado, as suas expressões vão para lá da referência anticolonial.
a. Por exemplo: Parecer Consultivo do TIJ relativo ao Arquipélago dos
Chagos: “[o] Tribunal tem presente que, como direito humano
fundamental, o direito da autodeterminação tem um alcance de
aplicação amplo (...)”. – DOC 369
O mais importante será de salientar que foi superada a discussão de saber se a
autodeterminação dos povos se resumia e era limitado pela descolonização; a AG

Guilherme Laranjeira Lima 2020 36


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considera que o DAP “é uma condição fundamental para a garantia efetiva e para a
observância de direitos humanos e para a preservação e promoção desses direitos”,
sendo que se amplia em bastante o seu alcance, atribuindo-se uma função cúpula de
relevo no sistema jurídico-internacional e, por outro lado, será uma expressão tanto
coletiva como individual.

2. O direito de autodeterminação das Nações Unidas

Depois da 2ª Guerra Mundial, o princípio da autodeterminação dos povos


assumiu uma especial relevância, principalmente no tocante ao processo de
descolonização.
Logo no preâmbulo, a CNU estabelece “[n]ós, os povos das Nações Unidas”.
Sendo tal depois explorado pelo art. 1º/2 CNU, que descreve como objetivo da
ONU “desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do
princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos”.
Ainda, o art. 55º CNU, acrescenta a necessidade de “criar condições de
estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações,
baseadas no princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos [...]”.
De referir que, para a época, esta não era considerada a autodeterminação-
descolonização, que mais tarde vem a ser constituído direito, em resultado da prática
da Organização.
Os artigos mencionados supra têm por objeto as relações amigáveis entre
Estados e a promoção do direito ao governo próprio de cada Estado, relativamente a
ingerências externas de outros sujeitos estataduais.

Relativamente ao art. 73º CNU, que trata a situação do território não autónomo,
permite que os Estados assumam responsabilidade pela a administração de territórios
cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos.
Problema deste artigo: nunca foi de grande proveito; isto porque os Estados
coloniais não queriam, evidentemente, sujeitar-se a um controlo internacional e, por
outro lado, não queriam uma obrigação de acesso daqueles territórios à independência.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 37


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Porém, a al. e) do art. 73º CNU já teve grande importância (especialmente no


caso de Portugal com a Resolução 1542, de 1960), isto porque: o Estado tinha que
reportar a situação das suas colónias – ainda que, como Portugal sustentou, esses
territórios ultramarinos sejam considerados territórios nacionais (não coloniais),
conforme dita o direito interno e constitucional. Assim, cabe referir que para o Direito
Internacional, há irrelevância do direito interno, na medida em que esses territórios
passariam a ser considerados coloniais.
Consequência: os Estados coloniais estavam obrigados a enviar esses relatórios,
até para que se pudesse compreender como estava a ser gerido o território autónomo,
prevenindo-se retrocessos. i.e.: o Direito Internacional passou a proibir a manutenção
do status quo por parte dos Estados coloniais.

3. A autodeterminação-descolonização

3.1. As grandes resoluções da Assembleia Geral e a sua aplicação

Na década de 70’, houve a transformação de um princípio político, para um


verdadeiro direito de autodeterminação.
Isto deve-se ao processo gradual da AG, com um papel de peso importante das
Nações que reiteradamente passaram a aceder à independência.

O processo da AG evolutivo foi mais de rutura, dando a independência como


forma normal do exercício do DAP; el, por outro lado, estabeleceu um dever jurídico de
descolonização.
A primeira consequência: incompatibilidade, com o DI, de largas parcelas do
globo adquiridas a título dum “direito” de ocupação e conquista.
Resolução 1514, de 1960 – Declaração sobre a Concessão da Independência aos
Países e aos Povos Coloniais: relevo importante pois formou-se uma opinio juris sobre
os direitos sobre os povos coloniais e da ilicitude da manutenção da relação colonial.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 38


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Resolução 163, de 1961: após isto, o CS determinou uma nova doutrina,


precisamente contra Portugal, sendo que a maioria dos Estados votou a favor desta
resolução na AG.

Se a Resolução 1514 aponta, formalmente, para o caráter universal do direito de


autodeterminação dos povos (p. 2), o seu objeto acaba por ser mais restrito, sendo
apenas aplicável aos povos coloniais.
Assim, esta Resolução abarca situações de autodeterminação interna, quando
esses povos se encontram já integrados (e dentro) do Estado. Porém, nada impede que
exerçam esse direito em momento oportuno, nomeadamente antes dessa “integração”
(povos já constituídos).
Poderá dizer-se que, no interesse desta Resolução, dir-se-á que o DAP está
diretamente conexionado com a descolonização, identificando-se como um acesso à
independência (p. 3 e 5)

No dia seguinte a esta Resolução, entre a Resolução 1541, de 1960, em vigor:


que vem estabelecer a definição de território colonial, e que, certamente, irá determinar
se ao Estado colonial será aplicado o art. 73º al. e) CNU.

Pelo adotado nestas duas Resoluções, o direito de autodeterminação dos povos


passou a ter caráter imperativo – jus cogens.

3.2. Povo colonial e território colonial

Território colonial, é aquele que está “separado geograficamente, e [é] étnica ou


culturalmente distinto do país que o administra”.
Deste modo, o povo colonial é definido a partir do território sob administração
do Estado colonial.

Resolução 1541: concetualiza que o território como natureza híbrida, que


integra elementos físicos a partir de uma dimensão híbrida.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 39


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A ver-se: há uma separação geográfica entre a metrópole e a colónia – critério


“água salgada”. Acrescentando-se ainda a distinção étnica ou cultural.
Assim, não é o território que é distinto do ponto de vista étnico ou cultural, mas
sim a população que o integra.
De referir ainda que, nas situações coloniais, não é necessária uma constituição
de um “povo” do Estado com entidade homogénia – veja-se, por exemplo, os casos do
Burundi e do Ruanda, e da República Democrática do Congo.
Assim, a construção do “ex-povo” colonial, ocorre após o processo de
independência, e não depois.
Os órgãos da ONU recusaram sempre uma definição de “étnica” (e bem), sendo
que, de forma diferente, insistiram muito mais na enumeração de situações em que
davam por assente a existência de um “povo”. Porém, também tal não foi definido; na
verdade, o que se deu mais ênfase foi ao facto de existir um povo colonial, e apurar-se
o que significa “colonial”.

Caso de Timor-Leste – situação mais complicada pois existia ao mesmo tempo:


1. Legimidade do povo timorense que exigia a independência, de forma
indiscutível, pelo que se afirmou supra.
2. A legitimidade da CNRT (enquanto papel de MLN timorense)
3. Por fim, a legitimidade da comunidade internacional, representada no CS,
perante uma situação que representava ainda uma ameaça à paz e
segurança internacionais.
Ora, é evidentemente que existia um direito à autodeterminação do povo
timorense, porém, uma transição rápida, poderia desencadear consequências negativas,
até para o próprio povo timorense.
Relativamente à legitimidade do povo enquanto “povo”, considerou-se como
povo, aqueles que praticavam o exercício concreto da expressão da vontade.
Houve então um referendo.

Caso Muro da Palestina: TIJ afirmou “no que se refere ao princípio do DAP”, “a
existência de um ‘povo palestiniano’ já não é posta em causa” – é um argumento
perplexo, até porque se estava a discutir se existiam dois Estados (Israel e Palestina).

Guilherme Laranjeira Lima 2020 40


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Doc. 354

3.3. A conservação territorial (ou o princípio do uti possidetis)

A jurisdição do Estado colonial, é feita de forma arbitrária, incidindo sobre um


povo, que se encontra num território cujo Estado colonial possui ocupação efetiva.
Há assim, uma conexão física, a um território específico, e não de outro – é a
barreira física e histórica – que vai reafirmar o princípio uti possidetis, ou princípio de
conservação territorial.
Este é o melhor método de prevenção de conflitos, para que não se “dispute”
para se chegar a uma fronteira – é um método consensual, e que teria sido aplicado no
caso da descolonização das colónias espanholas na América Latina.
São assim lógicas e sensatas as decisões tomadas pela Organização da Unidade
Africana (OUA), desde logo, em 1964.
Doc 358

A OUA fá-lo com os seguintes argumentos:


1.º Estávamos perante um processo massivo de independências
sucessivas;
2.º Os Estados coloniais exerciam, efetivamente, a sua soberania
naqueles territórios;
3.º Os limites transfronteiriços de acesso à independência deviam ser
feitos nos mesmos termos das fronteiras internacionais previamente
definidas;
4.º Os limites não deixavam de ser internacionais, continuando a existir
juridicamente;
5.º O acesso ao poder soberano já consubstancia um exercício válido do
DAP e acesso à independência de uma colónia.

Caso do Diferendo de Burkina Faso e Mali: houve um diferendo transfronteiriço,


em que ambos os Estados concordaram em alterar / tentar alterar as suas fronteiras,
invocando um acordo especial entre as partes.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 41


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O TIJ, em resposta, afirma a importância excecional que o princípio ‘uti possidetis’


tem para o continente africano, mas também para os Estado em questão.
De seguida, o TIJ afirma que não se trata de uma norma consuetudinária que se
havia formado após a descolonização em África; mas sim, estabelece um fio condutor
desde a descolonização hispânica.
O TIJ afirma que o princípio do ‘uti possidetis’, é um princípio de natureza geral,
necessariamente ligado à descolonização; mas geral no sentido de estar única e
exclusivamente ligado à descolonização (podendo, por exemplo, aplicar-se em situações
de sucessão de Estados).
O problema da questão é que, nada impede que os Estados possam livremente
escolher as suas fronteiras porém, estas foram as escolhidas / deliberadas e aceites
uniformemente.
Para além disso, afirma que a descolonização dá-se no território colonial, e não
no povo colonial, e é isso que justifica o princípio do ‘uti possidetis’.
Não obstante, afirma-se que o uti possidetis não impede os Estados de,
livremente, acordarem redesenhar as suas fronteiras, até para melhor responderem ao
seu DAP; porém, a autodeterminação não lhes impõe isso.
Doc 359 p 19 – 26 em especial p 24.

3.4. A representação através do MLN (movimento de libertação nacional)

Uma das questões resolvidas foi, que durante este período de descolonização, o
povo colonial deveria ser representado internacionalmente através de movimentos de
lobertação nacionais (MLN).
No caso da descolonização africana, este processo afirma-se em dois níveis:
1. Reconhecimento pela organização regional respetiva – a Organização da
Unidade Africana (OUA).
2. Reconhecimento pelas Nações Unidas, através da Assembleia Geral.
Isto reconhecimento por entes internacionais impedia, ou tinha o objetivo de
impedir, disputa entre vários movimentos de libertação nacional, sendo apenas legítimo
um (em princípio o “mais forte”).

Guilherme Laranjeira Lima 2020 42


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Ora, a relação entre MLN e de DAP não é automática; isto porque, por um lado
existem movimentos que efetivamente lutaram pela independência, noutros casos,
foram autodesignados MLN, que nem sempre representavam a generalidade da
população.
Por outro lado, na verdade, não é necessário reconhecimento pela ONU; porém,
esse reconhecimento facilita a legitimidade, deixando de ser tão fáctica, e sendo mais
jurídico-política, deixando de ser necessário reconhecimentos individuais.
De qualquer modo, estas situações são raras, e acontecem mais em casos de
secessão, como no caso do Kosovo.

Definição de movimento de libertação nacional baseada em três aspetos


comuns:
1. O fim prosseguido, consiste na realização do direito de autodeterminação de
um determinado povo;
2. Os elementos que o compõem, em princípio, uma população autóctone ou
indígena;
3. A natureza do regime contra o qual o MLN exerce a sua ação
(tradicionalmente, coloniais, racistas e os que ocupam ilicitamente
determinado território).
No caso português verificar Vol II doc 360 p 6 e 7

4. O “fim” da autodeterminação e a integridade territorial dos Estados

Após o acesso à independência e para a salvaguarda da sociedade internacional,


surge o princípio da integridade territorial.
Isto quer dizer que os Estados não podiam invocar um “direito à independência”,
conexionado com o DAP, para que haja uma separação unilateral, na medida em que
estas estão excluídas do âmbito do direito de autodeterminação.

Caso da Índia, houve um confronto entre uma tese muito restritiva do DAP
contemporâneo.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 43


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O Estado indiano desclarou addum que “os termos ‘o direito de


autodeterminação’ que surgem [neste artigo 1º do PIDCP] aplicam-se apenas aos povos
sob domínio estrangeiro, e estes termos não se aplicam a Estados soberanos
independentes ou uma parte de um povo”.

O que é certo é que um Estado é um “pilar fundamental”, pelo que para sua
proteção, não se poderia permitir o acesso à estadualidade de qualquer fragmento,
como grupo minoritário, étnico, religioso ou linguístico. Isto foi dito na Agenda para a
paz, de 1992.

Resolução 2625: possui uma capacidade notável para se adaptar à evolução.


Esta Resolução acaba por apontar algumas das formulações presentes na Carta
das Nações Unidas, nomeadamente, o princípio de autodeterminação dos povos como
proteção dos povos a qualquer ingerência interna.
Porém, no final do diploma, é afirma a proteção da integridade territorial e a
unidade política de qualquer Estado soberano e independente que aja em conformidade
com o princípio da igualdade e de direitos ao autodeterminação.
Assim, o princípio da integridade territorial, fica sujeito a uma condição: a
existência de um governo representativo do “conjunto do povo pertencente ao
território, sem distinção de raça, credo ou cor”.
De referir que, este preceito, vai para além dos processos de descolonização, tal
como afirmou o TIJ no Parecer Consultivo do Arquipélago dos Chagos: “[o] Tribunal tem
presente que o direito de autodeterminação como direito humano fundamental, tem um
alcance de aplicação amplo”.

5. Da autodeterminação externa à autodeterminação interna

5.1. As hipóteses

5.2. As minorias étnicas, religiosas, linguísticas e culturais

Guilherme Laranjeira Lima 2020 44


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5.3. Povos indígenas

Os povos indígenas foram conquistando um espaço próprio no Direito


internacional, não se confundem com os povos colonizados, nem com as minorias,
encontrando-se especialmente carecidos de proteção.
Estes encontram-se dispersos por 90 países, representam 5% da população
mundial, sendo que constituem 15% dos pobres do planeta e um terço das pessoas que
vivem em situação de pobreza extrema.
O reconhecimento dos Direitos Humanos dos elementos dos povos indígenas só
recentemente é que ganhou protagonismo, primeiro no quadro da OIT, e depois na ONU
– isto, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos povos indígenas, em 2007.

Primeiras referências às “populações indígenas”:


1. Art. 6º/1 da Ata Final da Conferência de Berlim – 1884-1885.
Esta resultou na legitimação das pretensões territoriais destas populações
no continente africano, e a promoção de um plano jurídico do princípio da
ocupação efetiva.
Da leitura do artigo: é evidente a demonstração da superioridade das
civilizações europeias, parecendo estes povos “inferiores”. Ainda, não
incluíam aqui indígenas de origem europeia, como os Boer de África do Sul.
2. Art. 22º do Pacto da SND: ao afirmar que os Estados-Membros possuem a
tarefa de promover o bem-estar e desenvolvimento das populações
indígenas – “indígenas”, seriam aqueles que se encontravam sujeitos a uma
relação de domínio de tipo colonial.
3. Conferências da União Pan-Americana:
3.1. 1933: reunião internacional com vista a examinar o “problema das raças
nativas e das tribos nas grandes selvas”.
3.2. 1938: declaram que os índios são os descendentes dos primeiros
colonos, devendo possuir um estatuto próprio de proteção pelas
autoridades públicas, tendo em vista a compensá-los.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 45


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Com isto, começa a desenhar-se diferentes perspetivas, desde logo, a


anterioridade histórica (tanto território, como língua e/ou cultura), uma cultura distinta
e uma posição não-dominante.
Historicamente, foram observadas diversas violações graves e sistemáticas de
Direitos Humanos a estas populações, desde logo, considerando-os como selvagens,
atrasados e não civilizados.
Mesmo nas fases iniciais, depois deste período, não havia uma verdadeira
proteção, mas sim um registar a desigualdade económica e social, fazendo-o através de
standards.
Exemplo mais flagrante – Convenção 107, de 26 de junho de 1957: afirma que
essas populações não estão integradas na “comunidade nacional”, e a “situação social,
económica ou cultural” impedia-os de “beneficiarem plenamente os direitos e
vantagens gozados pelos outros elementos da população”; sendo que a solução seria
integrá-los progressivamente nas comunidades nacionais.

O interessante nesta perspetiva, seria o objetivo de transformar e integrar


progressivamente as populações indígenas nas comunidades civilizadas – “missão de
civilização”, que salvaria os povos não-europeus da ignorância e do atraso.

Atualmente, a perspetiva é diferente – principalmente na OIT, Convenção n.º


169, de 27 de Junho de 1989 – em que se defende a proteção dessas populações a nível
do Direito internacional, acarinhando as suas opções identitárias.
A intenção desta Convenção será de radicar os standards anteriores.
Deste modo, têm, direito a exercer o controlo das suas instituições, modos de
vida e de desenvolvimento económico e a desenvolver as suas entidades, línguas e
religiões.

No plano universal, um passo importante nesta matéria foi a Declaração das


Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, de 2007. Ora, ainda que seja uma
Declaração, não possui caráter vinculativo, não obstante, esta Declaração estabeleceu
um standard que hoje é tido como referência (cfr.: Declaração Americana sobre os
Direitos dos Povos Indígenas).

Guilherme Laranjeira Lima 2020 46


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O processo de autoidentificação é muito importante para a definição do que seja


elemento de um povo indígena.
Não há uma capacidade de heteroidentificação pelo Estado desses elementos;
essa identificação cabe ao povo em questão. Além de que não pode o Estado retirar,
discricionariamente, a qualidade de indígena a uma pessoa, principalmente quando essa
se identifique como elemento daquele povo.

Caso Sandra Lovelace c. Canadá, de 1961:


Autora, nascida e registada no Canadá, como índia Mahseet; perde
direitos por ter casado com “não-índio”. Tal sanção não se encontrava prevista.
Perdendo os seus direitos, deixaria de poder viver numa reserva índia,
deixando de ver a sua comunidade e família.
Se se casasse com um índio de outra tribo, perderia o direito de viver na
sua tribo e passaria a viver na do seu cônjuge.
Caso houvesse dissolução do casamento do divórcio, não poderia voltar
novamente à reserva da sua tribo, pois tal dá prioridade aos índios já registados.
Comité de Direitos Humanos:
Alcance da Lei canadiana Vs. art. 27 do Pacto (PIDCP) – Pacto não se
sobrepõe, e o Estado não está impedido de atuar; desde que sejam razoáveis e
objetivas e têm que respeitar as ligações das pessoas com as reservas com que
mantiveram laços.
ComDH considerou que o Canadá violou o art. 27 da PIDCP.

O elemento mais destacado de salvaguarda é: relação muito especial do povo


indígena com um território determinado, com um espaço físico que é determinante na
construção da sua própria identidade coletiva como individual.
O art. 8º/2 al. b) da Declaração da ONU, afere que os Estados deverão possuir
mecanismos que previnam atos que privem essas populações das suas terras, territórios
ou recursos – evita a assimilação dos povos indígenas ou destruição da sua cultura.
O art. 10º da Declaração proíbe a retirada forçada dos povos indígenas das suas
terras ou territórios.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 47


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O Comité dos Direitos Humanos, como outras jurisdições, receberam inúmeras


queixas de elementos desses povos, ou representantes, sendo que a maior parte tinha
que ver com território, terras ou recursos explorados por aqueles grupos.
Caso Kitok c. Suécia, de 1988: ComDH reconheceu a relação entre direitos do
grupo e território.

No Caso Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos povos c. República do


Quénia, de 2017, o Estado Queniano pretendeu, num prazo de 30 dias, expulsar uma
povoação indígena da Floresta Mau.
O Tribunal Africano dos Direitos Humano e dos povos, definiu os principais
elementos que constituem um povo indígena (passando a possuir âmbito internacional,
e não apenas africano), que são:
a) Ocupação e uso de território específico;
b) Distinção cultural;
c) Autoidentificação, e também heteroidentificação por outros grupos,
ou até pelo Estado;
d) Experiência de subjugação, marginalização, despossessão, exclusão
ou discriminação.
Aspeto relevante deste caso: Tribunal considera que houve uma violação dos
Direitos do povo indígena e, mais relevante, aceita que a discriminação pode ser aferida
não só nestes termos, mas também poderá acontecer de um povo indígena contra outro.
Para além do mais, o próprio Tribunal reconheceu os Ogiek como um povo.
Art. 21º/1 Carta de Banjul: “os povos têm a livre disposição das suas riquezas e
dos seus recursos naturais”, então aquela privação, corresponde a uma violação dos
direitos daquele povo.
Muito importante é que o Tribunal admite, pela primeira vez, que os povos
indígenas entraram no capítulo do direito de autodeterminação dos povos.

5.4. “Direito” à democracia

Guilherme Laranjeira Lima 2020 48


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No quadro da autodeterminação interna, além dos direitos das minorias e dos


povos indígenas, tem vindo a ser invocado um direito à democracia, em que o titular
será o povo do Estado no seu conjunto.
Aqui não se trata de democracia apenas como um modelo de sistema político,
mas sim como um direito.
Assim, terá que se definir, por um lado, o conceito de democracia, e por outro
lado, quem são os titulares desse direito, quem o exerce em concreto, e quem tem
legitimidade para “sancionar” os infratores.

Foi através da Resolução da Comissão de Direitos Humanos 1999/57, que se


afirmou, pela primeira vez, a democracia como um direito.
Ainda, afirmou-se que o Direito à democracia se encontra conexionado aos
direitos humanos e liberdades fundamentais.

Duas décadas depois desta resolução, não parece que se tenha consolidado um
verdadeiro direito à democracia de que seja titular o povo dentro de um Estado – isto
até porque poderia traduzir-se em processos disruptivos ou, no limite, numa tolerância
tácita da secessão ou de apoio à ingerência externa.
Nota: não será coincidência que a doutrina defensora de um direito à
democracia, seja a mesma que defende para a aceitação da intervenção militar
democrática.

No caso da Venezuela: houve um não reconhecimento internacional dos


resultados de diferentes processos eleitorais, na medida em que não foram
consideradas (nomeadamente pela OEA e pela UE) pelo que o Presidente Nicolás
Maduro fosse o legítimo Presidente.
Em janeiro de 2019, a UE, lançou um ultimato ao regime ao Governo
venezuelano: ou fariam novas legislações (credíveis), ou a organização anunciaria o
reconhecimento de uma nova liderança na Venezuela.
Primeiro ponto: o impulso destas iniciativas foi sempre institucional, sendo o
papel da ONU meramente secundário.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 49


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

Um segundo ponto: nenhum Estado reconheceu qualquer movimento que


representasse o povo venezuelano e, por outro lado, não reconheceu que seria algo que
se assemelhasse aos movimentos de libertação nacionais.
Em terceiro lugar: não houve um desreconhecimento do Governo de Nicolás
Maduro, apenas não houve sequer um reconhecimento. Quando a Juan Guaidó, apenas
foi reconhecido como presidente interino com o encargo de convocar eleições
presidenciais livres.

6. Secessão e Direito de autodeterminação dos povos

Há um princípio fundamental a que os Estados atribuem um valor particular, esse


é o caso da integridade territorial e da sua indivisibilidade.
Ou seja, o Estado em princípio será aquele com que tal qual se formou.
Assim, parece haver um desvalor nítido relativamente a tudo aquilo que ponha
em causa a integridade de um Estado, desde logo, tentativas unilaterais de destacar uma
parcela territorial de um Estado para emergir um novo Estado.

O primeiro caso, terá sido o caso de tentativa de secessão do Katanga, província


da República do Congo; na Resolução 169, o Conselho pronunciou-se a favor da
preservação da integridade territorial, reprovando essa tentativa de secessão.
Da mesma maneira, não aceitou a declaração unilateral de independência da
Rodésia (hoje, Zimbabué); isto porque, a Rodésia era um Estado não colonial, sendo que
o Reino Unido era uma potência administrante. Sendo que, a vontade de independência,
era alegada por uma minoria branca racista, nunca podendo ser um exercício legítimo
de autodeterminação dos povos.
Um outro caso foi a alegada criação da República Turca de Chipre do Norte,
porém, não foi também um caso de verdadeira secessão, na medida em que houve uso
proibitivo da força.
Já no fim da Guerra Fria, houve o caso da ex-Jugoslávia. Os Estados europeus
queriam reconhecer essa independência. Aqui, a Comissão poderia optar por duas
teses: a da República da Sérvia, que defendia que estávamos perante um caso de

Guilherme Laranjeira Lima 2020 50


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

secessão de Estados, e a tese das restantes Repúblicas, que afirmavam estarmos


perante um caso de desintegração de um Estado.
A Comissão inclinou-se para este segundo caso, afirmando haver dissolução de
um Estado, extinguindo-o,
A afirmação de um desfavor internacional relativamente à secessão, não é
incompatível com a posição do TIJ no Parecer Consultivo sobre o Kosovo, quando
afirmou que o princípio da integralidade territorial apenas se refere às relações entre os
Estados, e não o que se passa no interior de um Estado.

Ora se o direito de autodeterminação dos povos tem expressões que vão para lá
das relações coloniais, não integra na sua esfera um direito de separação unilateral, ou
seja, um “direito” de secessão.
Direito da figura da secessão, é o direito de separação, fundado no direito
internacional.

Elementos (cumulativos) do conceito de secessão:


1. Vontade de separação territorial;
2. Unilateral / contra vontade do Estado;
3. Em princípio, para constituição de um novo Estado.

Tribunal do Canadá no caso relativo à secessão do Quebeque: secessão é o


esforço de um grupo ou de parte de um Estado de se libertar da autoridade política e
constitucional desse Estado, tendo em vista formar, no plano internacional, um novo
Estado numa nova unidade territorial.

Secessão é diferente de irredentismo. Na sua essência é idêntico porém, não se


pretende constituir novo Estado, mas sim fundir-se a um já existente.
Em regra, estará em causa um envolvimento (ilícito) do Estado beneficiado; tal
como aconteceu no caso da Rússia, ao violar a integridade territorial ucraniana,
através do uso de forças armadas.

Nos casos de guerras de unificação, parece ser idêntico à definição de secessão.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 51


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

Aqui, o grupo encontra-se presente em vários Estados; sendo que a ideia é


separá-los desses Estados e juntá-los num só Estado.

O separatismo não envolve em si uma separação de território, mas pode ter que
ver com reivindicações, por exemplo, de mais autonomia local e/ou territorial.

Vários exemplos de secessão na história mostram que a separação e constituição


de novo Estado, em regra, geram conflitos armados; como os casos do Bangladesh e do
Sudão do Sul.

Também não se confunde a figura da secessão com situações insurgência ou


beligerância, na medida em que nestes casos o objetivo será o de substituir o Governo
e não de secessão.

Caso do Parecer de Kosovo pelo TIJ:


TIJ não se refere à secessão, apenas declarou ilícita a sua declaração unilateral
de independência.
O TIJ apresentou duas exceções a esta “regra” de “não violação” da declaração
unilateral de independência:
a) A declaração unilateral de independência viola uma obrigação de jus
cogens.
b) Aquela em que a declaração em causa é condenada pelo Conselho de
Segurança.

Ora, ao contrário da descolonização, em que se baseia a independência face a


situações de domínio e subjugação; a hipótese da secessão tem sido sempre vista como
“anómala” e nunca como “regra”; falar-se-ia nestes casos, não numa secessão, mas
numa secessão-remédio.

Em que condições poderá reconhecer-se a um grupo o direito de se separar de


um Estado, de acordo com princípios de “moralidade institucional internacional”?

Guilherme Laranjeira Lima 2020 52


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

Genericamente: aceita-se nos casos em que esse grupo se encontre a medidas e


ações que se descrevam como lesivas e injustas – resposta à “tirania seletiva” – e como
forma de combater a violência ou injustiça.

Ora, de qualquer modo, é exigida uma condição fundamental: só são garantidas


a integridade territorial e a unidade política dos Estados que respeitem o direito de
autodeterminação (interna) e que, por conseguinte, representem o conjunto do povo
pertencente ao território, sem distinção de raça, credo ou cor.

Difícil é perceber-se quando é que a teoria da secessão-remédio, poderá ser


acionada.
Desde logo, não se aplicará tal teoria nos casos de grupos, num certo território;
mas sim, em situações em que as violações sejam graves, sistemáticas e irreversíveis.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 53


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Capítulo IX – Responsabilidade internacional


1. Introdução e delimitação do objeto

O tema da responsabilidade internacional é um tema clássico, mas complexo.


A responsabilidade internacional resulta um facto internacionalmente ilícito
praticado por um Estado; isto, independentemente da natureza dessa obrigação
jurídico-internacional.

Deste modo caberá distinguir-se normas primárias de normas secundárias.


Normas primárias: são normas substantivas, de natureza convencional,
consuetudinária ou outra, que impõe obrigações, reconhecem direitos, estabelecem
regras de conduta (exemplo: proibição do uso da força). As violações destas normas
primárias originam responsabilidade internacional do Estado infrator.
Normas secundárias: são as normas que regulam o facto gerador da
responsabilidade, as consequências jurídicas, mecanismos de reação, no caso de violado
o ilícito internacional – normas primárias.

O principal instrumento jurídico de estudo é o Projeto de Artigos sobre


Responsabilidade Internacional do Estado (PARI) que, essencialmente, possui normas
secundárias, sendo que a sua maioria é aceite por todos os Estados – ainda que o seu
caráter consuetudinário (particularmente em situações mais complexas e controversas)
seja contestado.

De referir que este não é único instrumento jurídico que aborda a temática da
responsabilidade internacional por factos ilícitos; temos ainda outros instrumentos
como a Responsabilidade Internacional das Organizações Internacionais relativamente
à qual a Comissão de Direito Internacional produziu também um projeto de artigos.
Por outro lado, também não se encontram esgotados os mecanismos em matéria
de responsabilidade, até pela existência de outros regimes jurídicos internacionais que
adotam outras consequências e procedimentos distintos – por exemplo: Direito

Guilherme Laranjeira Lima 2020 54


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

Internacional dos Direitos Humanos e a Convenção Europeia dos Direitos Homem, etc..
Todos estes possuem regimes e consequências distintos.
Por outro lado, existem situações em que há responsabilidade dos Estados por
danos causados por atos não proibidos pelo Direito (cfr: projetos de prevenção de Danos
Transnacionais derivados de atividades perigosas e Responsabilidade internacional no
caso de danos provocados por atividades perigosas).

O regime da responsabilidade internacional dos Estados por factos ilícitos é um


sistema de garantia e efetividade do direito internacional.
A responsabilidade internacional é um corolário da ordem jurídica internacional
na medida em que fecha o ciclo.

O direito internacional e a sua responsabilidade são sensíveis e complexos do


ponto de vista político; como tal a qualificação de um comportamento como estadual
e ilícito, invocação da responsabilidade e a reação a esses ilícitos terá que ser
severamente ponderada.

O regime jurídico da responsabilidade internacional dos Estados pressupõe:


1. Comissão de um facto internacionalmente ilícito; como consequência da
violação de uma obrigação – ilicitude.
2. Ao Estado lesado reconhecem-se direitos com intuito de garantir a
implementação dessas obrigações.
3. O surgimento das obrigações a serem cumpridas pelo Estado infrator não
dependem da invocação do direito pelo Estado lesado.
Deste modo, o regime da responsabilidade assentará numa relação bilateral;
isto porque, por um lado, deverá existir um facto que seja passível de responsabilização
e, por outro lado, a invocação desse direito (ainda que sejam autónomos).

Guilherme Laranjeira Lima 2020 55


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

2. Princípios gerais da responsabilidade internacional dos Estados por factos


internacionalmente ilícitos

Art. 1º PARI: a responsabilidade internacional é originada pela comissão do facto


internacionalmente ilícito.
Art. 2º PARI: define o que é o facto internacionalmente ilícito, subdividindo-o em
dois elementos: um elemento subjetivo, a conduta, podendo ser uma ação ou omissão,
tem de ser estadual (i.e.: atribuição); um elemento objetivo, esse comportamento tem
que violar a norma primária (i.e.: a ilicitude).
Art. 3º PARI: afirma irrelevância do direito interno, na medida em que estamos
perante uma relação internacional. Tal princípio encontra-se também consagrado no
art. 27º da CV69.

3. O facto gerador de responsabilidade


3.1. Apresentação: os elementos do facto internacionalmente ilícito

Os dois elementos referidos, têm de ser analisados separadamente. O elemento


subjetivo (atribuição ou imputação) e o elemento objetivo (ilicitude).

3.2. O elemento subjetivo: a imputação ou atribuição

Um facto internacionalmente ilícito pode consistir numa ação ou omissão,


devendo ser uma conduta do Estado.
O mais relevante é perceber-se quando estamos perante a atuação de um
Estado.
Ora, as condutas meramente particulares não são imputáveis ao Estado. Apenas
podem ser aquelas condutas que possuam um vínculo jurídico, funcional ou factual, ou
através de um órgão desde que agindo na capacidade de Estado.

Assim, a definição do conceito de Estado torna-se bastante importante para


saber quando é que estamos perante a atuação do Estado.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 56


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

Nos dias de hoje, existem três situações que dificultam tal:


1.º Frequente “privatização” de atividades que envolvem o exercício claro de
poderes públicos;
2.º Proliferação da ação de autores não estaduais – terrorismo, multinacionais,
grupos de interesse – nas relações internacionais;
3.º Os Estados movimentam-se em vários e domínios e várias formas, nem
sempre passíveis de ser imputadas de “Estado” – falamos aqui no domínio
da não-intervenção de assuntos e internos.

Art. 4º PARI: apresenta como princípio geral de imputação as condutas levadas


a cabo pelo Estado ou seus órgãos.
Arts. 5º a 11º PARI: imputação enquanto Estado, mesmo quando esses órgãos
não pertençam ao Estado, mas são condutas que vão ser imputadas a esse Estado,
quando ilícitas e passíveis de responsabilidade internacional.

3.2.1. A regra da imputação funcional: princípio geral

Art. 4º PARI: princípio geral de atribuição de condutas ao Estado.

Art. 4º/1 PARI: dois aspetos específicos deste artigo. Em primeiro lugar, os
diferentes domínios de ação de um Estado são igualmente relevantes; em segundo
lugar, não interessará a organização do Estado.
Estes dois aspetos concretizam o princípio da unidade do Estado; pelo que, o
Estado é responsabilidade como uma unidade, pelo que não serão uns órgãos
responsabilizados e outros não.
Art. 4º/2 PARI: estabelece uma presunção de que se o Estado reconhece um
órgão como parte integrante do Estado, é automaticamente estadual.

O problema surge quando se quer atribuir estadualidade de acordo com o direito


internacional a entidades em condições diferentes – quando o direito interno não as
considera estaduais enquanto tal.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 57


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

O comportamento de uma entidade que seja materialmente órgão do Estado –


mesmo que não o seja organicamente – pode ser atribuível ao Estado de acordo com o
art. 4º PARI.

3.2.2. A atuação do órgão de um Estado que responsabiliza outro Estado

Art. 6º PARI: “[o] comportamento de um órgão do Estado posto à disposição de


um Estado por outro Estado considerar-se-á ato do primeiro Estado segundo o direito
internacional se esse órgão tiver atuado no exercício de poderes de autoridade pública
do Estado à disposição do qual tiver sido colocado”.
Constitui uma exceção ao regime falado anteriormente na medida em,
aparentemente, aplicaríamos o art. 4º PARI mas, como esse órgão foi colocado à
disposição de um outro Estado, a responsabilidade transfere-se para esse.
Funciona como exceção ao princípio geral de imputação desde que:
1. Haja ação do órgão de um Estado colocado à disposição de outro;
2. Atuação no exercício dos poderes de autoridade pública do Estado à
disposição;
3. Consequência: alteração da imputação para o Estado à disposição.

3.2.3. Condutas de entidades particulares legalmente autorizadas a exercer prerrogativas


de autoridade pública por um Estado e nesse âmbito

Art. 5º PARI: operação de imputação de uma conduta ao Estado no caso em que


as pessoas ou entidades que atuam exerçam poderes de autoridade pública.
São necessários três requisitos:
1. Essas entidades não têm estatuto de órgão ou agente estadual;
2. Há uma habilitação por parte do Estado para que exerçam determinadas
prerrogativas de autoridade pública;
3. A ação a ser colocada enquadra-se no âmbito dessas prerrogativas.

Porém, o art. 5º PARI não define o que são prerrogativas de autoridade pelo que
deverá ser analisado em particular caso a caso.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 58


Regimes Jurídicos Internacionais - Resumos

Porém, um elemento fundamental é que não é necessária a existência de


instruções específicas ou de um grau de controlo por parte do Estado na atividade
concreta daquela pessoa ou entidade.

3.2.4. Condutas “ultra vires”, em excesso, ou contra instruções

O art. 7º PARI, desde logo, não poderá ser aplicado isoladamente, devendo estar
em consonância com os artigos anteriores, consoante cada caso. Assim “o
comportamento de um órgão do Estado ou de uma pessoa ou entidade a que seja
conferida a faculdade para exercer poderes de autoridade pública considerar-se-á facto
do Estado segundo o direito internacional se o órgão, pessoa ou entidade tiver atuado
nessa qualidade mesmo que tenha excedido as suas competências ou desrespeitado
instruções relativas ao seu exercício”.
Há uma atuação de um órgão, entidade ou pessoa que exerçam poderes de
autoridade, em excesso de poder ou contra instruções, sendo que essa atuação será
imputável ao Estado.
Finalidade: proibir que o Estado se exima de responsabilidade.

3.2.5. A conduta dirigida, controlada ou sob instruções específicas do Estado (mesmo se


aparentemente particulares)

Art. 8º PARI: sempre que uma pessoa ou grupo de pessoas tiver atuado, de facto,
sob as instruções ou sob direção ou controlo de um Estado, então, essa atuação será
imputada ao Estado. Tal tem suscitado divergências jurisprudenciais e doutrinais,
essencialmente no significado das expressões “sob as instruções”, “sob direção” e “sob
controlo”.

Caso Atividades Militares e Paramilitares no Nicarágua: Estado do Nicarágua


pede ao TIJ que os EUA sejam responsabilizados pelo assassinato, rapto e ferimento que
tinham sido levadas a cabo pelos contra (grupo armado contra regime do Nicarágua).
Porém, para tal, era necessário imputar a ação desses agentes aos EUA.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 59


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No caso, ainda que os EUA estivessem a financiar os contra, o TIJ considerou que
seria necessário estes atuarem sob instruções dos EUA. Devendo haver, na verdade, um
controlo efetivo.
O TIJ conclui que não podem esses ataques serem imputados aos EUA por faltar
esse elemento; não obstante, não retirou a hipótese de os EUA serem responsabilizados
por ingerência nos assuntos internos de um Estado.
No Caso Tadic, o TPEJ (Tribunal Penal Especial para a Ex-Jugoslávia) contradiz o
TIJ: dizendo que “basta provar o apoio financeiro, logístico e outro tipo de assistência
[...]”, não havendo necessidade de haver um controlo efetivo.
No Caso do Genocídio, por haver a divergência mencionada, o TIJ é novamente
chamado para debruçar-se sobre a questão.
O TIJ, aqui, distinguiu três situações diferentes:
1.º As pessoas quer praticaram os atos tinham, de acordo com o direito
interno do Estado, estatuto de seus órgãos;
2.º Apesar de não gozarem desse estatuto de acordo com o direito
interno, podiam ser consideradas órgãos de facto do Respondente;
3.º Essas pessoas não sendo órgãos do Estado, de direito ou de facto,
atuaram sob instruções, ou sob direção, ou sob controlo do
Respondente.
Utilizando este último critério, o TIJ conclui que a Sérvia não foi responsável pela
comissão de genocídio, nem através dos seus órgãos, nem daqueles que poderiam. Estar
em seu controlo, direção ou instrução.

O TIJ distinguiu duas situações capazes de originar responsabilidade do Estado:


(i) quando o grupo atua como órgão de facto (do Estado em questão) – imputação ao
abrigo do art. 4º PARI –, (ii) quando o Estado em causa deu instruções específicas para
a perpetuação de determinados atos – imputação ao abrigo do art. 8º PARI.

Notas importantes:
• O TIJ afirmou que a responsabilidade deve-se ao facto de terem dado as
instruções, ordens ou controlo da atividade; porém, não seria isso que se

Guilherme Laranjeira Lima 2020 60


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pretenderia na medida em que o que se pretende imputar ao Estado é o


ilícito praticado por esse grupo.
• O art. 8º PARI pretende imputação das condutas ao Estado – se fosse visto
como o parágrafo anterior, o artigo seria desnecessário.
• A questão colocada pelo art. 8º PARI é distinta da identificada pelo TIJ.

Relativamente ao conceito de direção e controlo, nos Casos Nicarágua e


Genocídio, considerando a letra do art. 8º PARI, é condição necessária a existência de
instruções específicas, mesmo que ainda haja um apoio logístico e financeiro.
O TPEJ, no Caso Tadic, considera que quando haja apoio logístico e financeiro e
uma coordenação no planeamento de atividades, e estejamos perante um grupo
organizado, não são necessárias instruções específicas.

Posições não unânimes.


Existem três “opiniões”:
1. O art. 8º PARI possui uma certa flexibilidade, podendo aplicar-se tanto a
controlo global como controlo efetivo.
2. Há quem considere que a necessidade de provar instruções específicas, no
caso de controlo efeito é muito exigente e pode levar à não responsabilização
do Estado.
3. Por fim, quem considere que o controlo global é muito abrangente,
preferindo-se o controlo efetivo.

3.2.6. A conduta de particulares na ausência ou carência das autoridades públicas

Se uma pessoa ou grupo de pessoas que (i) não tem qualquer ligação ao Estado,
(ii) exercem poderes de autoridade pública, (iii) na ausência ou carência de autoridades
oficiais, (iv) em circunstâncias que justifiquem o exercício dessas prerrogativas, esse
comportamento será considerado um comportamento estadual – art. 9º PARI (4
requisitos).

Guilherme Laranjeira Lima 2020 61


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Trata-se de um comportamento levado a cabo por uma pessoa ou grupo de


pessoas que não possuem relação com o Estado mas que, em situações excecionais, em
que não haja uma autoridade pública, temporariamente, realizam esse tipo de poderes.

3.2.7. Os atos dos movimentos insurgentes

No caso de movimento insurgente presente num Estado.


Art. 10º/1 PARI: se vierem a assumir o Governo central do Estado, os
comportamentos desses insurgentes serão atribuídos a esse Estado.
Art. 10º/2 PARI: caso o movimento insurgente conseguir criar um Estado novo,
os comportamentos são atribuídos a esse Estado novo Estado.
Nota: quando o Estado reconhece essa insurgência, logicamente não controla
essa parcela territorial, eximindo-se de responsabilidade internacional.
O PARI não faz referência no caso de esses movimentos forem malsucedidos.

3.2.8. A possibilidade de o Estado alterar a natureza de um comportamento particular,


reconhecendo-o e adotando-o como seu

Art. 11º PARI: prevê a possibilidade de qualquer Estado reconhecer e adotar


como seus comportamentos totalmente privados, passando a serem-lhe imputados
esses factos.

3.3. A ilicitude
3.3.1. Desconformidade com obrigação jurídico-internacional

A ilicitude, como elemento objetivo do facto internacionalmente ilícito –


desconformidade objetiva com uma norma primária.
Primeiro, verifica-se qual o comportamento exigível ao Estado de acordo com a
norma primária; seguidamente, confrontar com o comportamento adotado com o
exigível. Existirá desconformidade caso não seja o exigido, portanto ilicitude.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 62


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É indiferente para a ilicitude a intencionalidade, culpa, ou até necessidade


absoluta de dano.
A norma primária pode ainda ser de qualquer natureza, desde que esteja em
vigor no momento dessa violação.

3.3.2. O caráter contínuo e não contínuo do facto internacionalmente ilícito

Art. 14º/1 e 2 PARI: mostra a existência e diferença de factos ilícitos contínuos e


não contínuos.
Num ilícito não contínuo “[a] violação de uma obrigação internacional ocorre no
momento em que o facto se produz, ainda que os seus efeitos se prolonguem no
tempo”; num ilícito contínuo “[a] violação de uma obrigação abrange todo o período
durante o qual o facto se mantenha e não esteja em conformidade com a obrigação
internacional”.

3.3.3. O caso específico da violação da obrigação de prevenção de eventos

A ilicitude pode consistir na violação de uma norma que estabelece a obrigação


de prevenir um determinado evento.
Tal caracteriza-se por ser uma obrigação de meios, uma obrigação de diligência
devida, e não de resultado.
Assim, para haver ilicitude no caso de violação do evento (que deveria ser
prevenido) te de ter ocorrido esse evento, e a ilicitude do comportamento do Estado
subsistirá enquanto o evento decorrer – art. 14º/3 PARI.

3.3.4. O facto ilícito composto

Situações em que a ilicitude decorre de um acumular de eventos, pelo que, cada


um destes, individualmente, não consubstanciariam ilicitude – art. 15º/2 PARI.
Quando assim for, “a violação abrange todo o período que se inicia com a
primeira das ações ou omissões da série e mantém-se enquanto essas ações ou

Guilherme Laranjeira Lima 2020 63


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omissões da série e mantém-se enquanto essas ações ou omissões se repetirem e não


estejam em conformidade com a obrigação internacional referida”.

3.3.5. As circunstâncias de exclusão de ilicitude

Existem seis circunstâncias de exclusão de ilicitude:


1. Consentimento – art. 20º PARI.
2. Legítima defesa – art. 21º PARI.
3. Contramedidas – art. 22º PARI.
4. Força maior – art. 23º PARI.
5. Perigo extremo – art. 24º PARI.
6. Estado de necessidade – art. 25º PARI.

Um Estado, agindo nestas circunstâncias, encontra-se isento de invocação de


responsabilidade por parte de outros Estados.
Não obstante, cessa esta exclusão a partir do momento em que essa
circunstância também cessar, sendo que se mantém sempre a obrigação de indemnizar
por qualquer prejuízo causado por esse facto – art. 27º PARI.
Ainda, nos termos do art. 26º PARI, nunca poderá ser excluída ilicitude quando
estamos perante uma norma imperativa de direito internacional geral.

Consentimento – art. 20º PARI


“[O] consentimento validamente prestado por um Estado para a comissão, por
outro Estado, de um facto determinado exclui a ilicitude de tal facto relativamente a
esse Estado na medida em que o facto permaneça no âmbito do dito consentimento”.
Consentimento tem que ser validamente prestado (órgão competente e sem
vícios de vontade). Deve ainda ser anterior ou contemporâneo ao facto.
Há responsabilidade quando o facto for para além do permitido pelo
consentimento.

Legítima defesa – art. 21º PARI

Guilherme Laranjeira Lima 2020 64


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Primeiramente, terá que “[ser] adotada em conformidade com a Carta das


Nações Unidas”.
O PARI não regula a legítima defesa, remete-a para a CNU.

Há ainda compatibilização entre o art. 26º PARI (impossibilidade de invocação de


uma circunstância de exclusão de ilicitude relativamente a obrigações decorrentes de
normas imperativas) e a própria natureza imperativa do princípio proibitivo do uso da
força nas relações internacionais. Com efeito, existem situações em que o uso de forla
em encontra-se isento de ilicitude (nomeadamente nos casos de LD), pelo que, apesar
dos art. 2º/4 CNU, é admitia essa exclusão.

Contramedidas – art. 22º PARI


São, simultaneamente, uma circunstância de exclusão da ilicitude e mecanismo
de implementação da responsabilidade.
Os Estados lesados podem, a propósito da implementação da responsabilidade,
adotar medidas contra o Estado infrator desconformes com aquilo que resultaria das
suas obrigações internacionais.

Força maior – art. 23º PARI


Casos em que os Estados não podem prever ou caso seja materialmente
imprevisível o Estado cumprir tal obrigação.
O Estado não escolheu não cumprir, simplesmente é materialmente impossível
o seu cumprimento.

Perigo extremo – art. 24º PARI


Acontece nas situações em que a violação da obrigação internacional decorre de
factos indispensáveis ou que são o único meio razoável e disponível ao Estado infrator
para salvar a sua vida ou das pessoas confiadas à sua guarda.
É necessário ainda que o Estado não tenha contribuído para a criação da situação
de perigo; ainda, é necessário um juízo de proporcionalidade.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 65


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Estado de necessidade – art. 25º PARI


A invocação do estado de necessidade é muito restrita – de notar até pela
formulação pela negativa do próprio artigo.
Com efeito: “o Estado não pode invocar o Estado de necessidade como causa de
exclusão de ilicitude de um facto não conforme com as suas obrigações internacionais,
salvo se: a) constituir para o Estado o único meio de proteger um interesse essencial
contra um perigo grave e iminente; b) não afetar nenhum interesse essencial de
terceiros, i.e.: do(s) Estado(s) lesado(s) ou da comunidade internacional. Tem ainda se
ser o único meio possível.
Não há definição de “interesse essencial” pelo que deverá ser averiguado caso a
caso.
Do entendimento da CDI (Comissão de Direito Internacional) resulta que o perigo
tem que estar demonstrado objetivamente, não podendo ser apreendido como possível.
É exigida também a proporcionalidade da atuação.

4. As consequências do facto internacionalmente ilícito (o conteúdo da


responsabilidade)
4.1. O regime base

A mera comissão de um facto internacionalmente ilícito faz surgir na esfera


jurídica do Estado infrator um conjunto de obrigações jurídicas – art. 28º PARI.

Primeiro, tem que se afirmar que havendo responsabilidade internacional, o


Estado infrator tem que cumprir as obrigações impostas – art. 29º PARI.
Essas são:
1. Cessar o facto ilícito, se se tratar de um facto ilícito contínuo – art. 30º al. a)
PARI – não tem que existir sempre, só existindo se o facto for contínuo.
2. Oferecer garantias de não repetição adequadas, se as circunstâncias o
exigirem – art. 30º al. b) PARI – não tem que existir sempre.
3. Reparar o prejuízo causado – art. 31º PARI – esta já existe sempre que se
comete um ilícito internacional, sendo a consequência por excelência.

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A reparação do prejuízo tem que ser integral – art. 31º/1 PARI – incluindo todos
os danos, nomeadamente morais – art. 31º/2 PARI – podendo ainda incluir lucro
cessante – art. 35º/2 PARI.
Esta reparação integral pode assumir três formas – art. 34º PARI.
Restituição – art. 35º PARI: restituição da situação que existia antes do ilícito;
sendo assim, é a forma prioritária de restituição, na medida em que é devida sempre e
na medida em que essa restituição: (a) não seja materialmente impossível, (b) não
implique um encargo desproporcional relativamente ao benefício que resultaria da
restituição em vez da indemnização.
Ora, nos casos em que é materialmente impossível e nos casos em que é possível,
mas consubstancia um encargo desproporcional para o infrator, a restituição terá lugar
através da indemnização – art. 35º/1 PARI.
Indemnização: consiste na forma de reparação do dano quando a restituição não
é materialmente possível ou é excessivamente desproporcional e quando o dano é
suscetível de ser avaliado pecuniariamente – art. 35º/2, 1ª parte, PARI.
Duas notas:
i. Há lugar a indemnização quando a restituição é demasiado onerosa,
ainda que seja possível;
ii. A indemnização pode ser cumulada com a restituição, quando esta se
afigura insuficiente a reparar o dano causado.
Satisfação: será a forma de reparação nos casos em que o dano causado não
possa ser reparado através de restituição ou indemnização – art. 37º/1 PARI – podendo
consistir num reconhecimento da violação, numa expressão de pesar, num pedido de
desculpas formal ou em qualquer outra forma adequada – art. 37º/2 PARI.
Nos termos dos arts. 35º e 35º PARI, conclui-se que a vocação própria da
satisfação é a reparação do dano moral (que não seja avaliado pecuniariamente).
De qualquer modo, não pode assumir uma forma humilhante para o Estado
responsável pelo ilícito – art. 37º/3 PARI.

Nota final: por um lado, são devidos juros na reparação do prejuízo, por outro
lado, poderá ser descontado caso o Estado tenha contribuído para o seu próprio
prejuízo, ou seja, se o Estado tiver de alguma forma contribuído, por ação ou omissão,

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intencional ou negligência, tiver contribuído para o dano / prejuízo, então é feita uma
espécie de acerto de contas pelo que o estado infrator não deverá ser onerado na
medida em que o próprio estado lesado tenha contribuído para o seu próprio prejuízo
ou dano.

4.2. O facto ilícito de especial gravidade

O facto ilícito de especial gravidade consiste na violação grave de uma obrigação


decorrente de uma norma imperativa de direito internacional.
Nestas situações há o surgimento de novas obrigações para o Estado infrator
perante todos os Estados da comunidade internacional.

Definição:
1. Ação ou omissão;
2. Atribuível ao Estado de acordo com o direito internacional;
3. Comportamento que consiste numa violação internacional (independente de
natureza, conteúdo normativo, qualificação de acordo com hierarquia).
Requisitos:
1. Norma ser imperativa de direito internacional – jus cogens.
2. Violação em causa é uma violação grave – art. 40º/2 PARI – incumprimento
flagrante (tem que ver com a intensidade) e sistemático (levado de forma
organizada e deliberada).

Assim, a responsabilidade é duplamente restritiva, daí aplicar-se um regime


agravado de responsabilidade – arts. 40º e 41º PARI.

Obrigação que surgem na esfera jurídica de todos os Estados da comunidade


internacional – art. 41º/1 e 2 PARI:
1. Dever de cooperação, desde que lícito, para cessar o ilícito;
2. Obrigação de não reconhecer como lícita a situação criada;
3. Obrigação de não prestar ajuda ou assistência na manutenção da situação.

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Assim, esta obrigação, não criada por esses Estados, vai criar obrigações para
esses; razão: reside no interesse tutelado por toda a comunidade internacional.

Dever de cooperação: estes meios de cooperação, não mencionados no PARI,


tem de ser lícitos.
Nenhum Estado pode ficar indiferente com essa violação e são obrigados a agir
na cessação do ilícito ou pelo menos oferecer a sua cooperação
Obrigação de não reconhecimento: nenhum Estado deve reconhecer a situação
ilícita; aplicando-se o mesmo ao Estado infrator, não devendo declarar ou reconhecer
juridicamente tal situação.
Obrigação de não ajuda ou assistência: trata-se de uma norma primária na
medida em que qualquer auxílio na manutenção de uma situação de violação grave
implica o aparecer de um ilícito autónomo.

As obrigações impostas ao Estado infrator não irão variar muito para além
daquelas impostas a todos os Estados da comunidade internacional – art. 41º/3 PARI.
Porém, surgem uma consequência inevitável, o isolamento do Estado infrator.

Problema: o PARI define o que é uma violação grave uma norma imperativa
internacional e estabelece as suas consequências, porém, não define quem é
competente para determinar e julgar a questão. Falta a questão da competência.
A qualificação pode ser determinada tanto em justiça pública como privada.
Assim, seriam competentes órgãos como o Conselho de Segurança, o TIJ ou outros
tribunais internacionais, ou pela Assembleia Geral das Nações Unidas; podendo, por
outro lado, essa qualificação ser feita unilateralmente por um Estado.
Notas:
i. O art. 41º/3 PARI deixa “porta aberta” a outras consequências para
determinadas violações de normas jus cogens.
ii. A situação passa a ser multilateral, invés de bilateral.
iii. Afastou-se o instituto do crime internacional.

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5. A implementação da responsabilidade

A implementação da responsabilidade corresponde ao terceiro momento da


responsabilidade internacional (o primeiro é o facto gerador de responsabilidade e o
segundo as consequências).
Ira ver-se quais os mecanismos para garantir o cumprimento das obrigações
impostas fruto do ilícito de direito internacional.

5.1. O Estado lesado

A invocação da responsabilidade consiste num direito substantivo de fazer valer


os direitos constituídos pela comissão do facto internacionalmente ilícitos, fazendo o
Estado infrator cumprir as obrigações decorrentes do ilícito, que são: cessar o ilícito
contínuo, prestar garantias de não repetição, e reparar integralmente o dano causado.
A definição de Estado lesado encontra-se consagrada no art. 42º PARI –
importante para saber quem pode invocar essa responsabilidade. Um Estado é
diretamente lesado quando essa violação se lhe dirige individualmente; ou Estados
lesados quando está em causa um grupo de Estados ou a comunidade internacional.

Pode invocar essa responsabilidade:


1. Os Estados especialmente afetados – art. 42º al. b), i), PARI.
2. Todos os Estados a quem a obrigação era devida se a violação da obrigação
é de tal natureza que modifica radicalmente a posição de todos os outros
Estados em relação aos quais essa obrigação existe enquanto ao
cumprimento ulterior dessa obrigação – art. 42º al. b), ii), PARI.
No segundo caso, tratar-se-ão de Estado que não diretamente e individualmente
lesados. Aplica-se nos casos em que a obrigação não é bilateral.

A ideia subjacente ao primeiro caso – Estados especialmente afetados – é a de


que uma obrigação violada, ainda que seja a um conjunto de Estados ou à comunidade
internacional, pode afetar especialmente um determinado Estado; assim, quando

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estamos perante obrigações coletivas, esse Estado é afetado pela violação de forma
distinta dos restantes Estados, sendo que também a esses Estados a obrigação é
igualmente devida.
Na segunda categoria – al. b), ii) – a obrigação violada (que origina a ilicitude) é
uma obrigação interdependente. Deste modo, o(s) Estado(s) a quem tal obrigação é
devida, é considerado lesado. Note-se que não basta que a norma tenha natureza erga
omnes, terá de ter uma natureza própria.

Assim, poderá dizer-se que existem três tipos de Estados lesados:


1. Os individualmente afetados pelo facto internacionalmente ilícito.
2. Os especialmente afetados pela violação de uma norma devida a um grupo
de Estados ou à comunidade internacional no seu conjunto.
3. Aqueles Estados que virem a sua posição quanto ao cumprimento ulterior
dessa obrigação modificada de forma radical se a obrigação for devida a um
grupo de Estados ou à comunidade internacional no seu conjunto.

Art. 43º PARI: o Estado lesado que invoca a responsabilidade deverá notificar o
Estado infrator identificando o ilícito que está na origem daquela reclamação e também
a forma de reparação que considera adequada à reparação devida.
Tem de ser respeitadas as regras de nacionalidade e esgotadas as vias de recurso
internas, caso contrário é inadmissível essa reclamação – art. 44º PARI.
Art. 45º PARI: situações de renúncia do direito de invocar responsabilidade –
expressa ou tácita.

Isto pressupõe um direito individual de um Estado; sendo que quando estão em


causa vários Estados, podem tanto invocar a responsabilidade individualmente – art.
46º PARI – como coletiva, sendo que a responsabilidade é invocada a cada um dos
Estados – art. 47º PARI.

Quando se é um Estado lesado, além de invocação da responsabilidade, podem


ainda ser adotadas contramedidas contra o Estado infrator – art. 49º PARI.

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As contramedidas são condutas adotadas contra o Estado infrator que são


materialmente desconformes com o direito internacional, mas gozam de exclusão de
ilicitude – art. 22º PARI.
Finalidade: induzir ao cumprimento das obrigações decorrentes da comissão
daquele facto, (cessar o ilícito, prestar garantias e exigir reparação) – art. 49º/1 PARI.
Como tal, é condição prévia das contramedidas a existência de um facto ilícito;
cessando com a cessação do ilícito – arts. 52º/3 e 4 e 53º PARI.
A adoção de contramedidas deverá ser temporária – arts. 49º/2 e 53º PARI –
devendo adotá-las de modo a que não impeça o Estado infrator a retomar o
cumprimento das obrigações – art. 49º/3 PARI.
Para além do mais, estas encontram-se limitadas pelo Direito, pelo que não será
possível como contramedida o uso da força, a não proteção de direitos fundamentais,
obrigações de caráter humanitário, etc. – art. 50º/1 PARI.
Ainda, deverão estas medidas ser proporcionais ao prejuízo sofrido – art. 51º
PARI.
Por fim, a adoção de contramedidas encontra-se sujeita a um procedimento –
art. 52º PARI: notificação ao Estado infrator e solicitar o cumprimento das suas
obrigações, dispondo-se a negociar com ele; não obstante, poderão ser adotadas
contramedidas urgentes de modo a salvaguardar os direitos do Estado lesado.

Comparação e distinção das contramedidas como forma de reação a um ilícito


com outras formas de reação.
1. Medidas coercivas institucionais (por exemplo: exercidas pelo CS)
a. Estas são multilaterais; as contramedidas são unilaterais.
b. Finalidade: medidas coercivas institucionais são para manutenção da
paz e segurança; as contramedidas pretendem obter a cessção do ato
ou a sua reparação.
c. A nível jurídico: as contramedidas são um instrumento ao dispor do
Estado pelo que o Estado infrator não é obrigado a respeitar; as
medidas coercivas institucionais são obrigatórias, senão, há violação
perante a instituição em causa.
2. Medidas de retorsão

Guilherme Laranjeira Lima 2020 72


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a. Contramedidas são materialmente ilícitas ainda que gozem de


exclusão de ilicitude; as medidas de retorsão são lícitas ainda que
pouco amigáveis.
b. Ao contrário das medidas de retorsão, as contramedidas não advêm
de um ilícito específico e não permitem o uso da força.

As contramedidas são ainda distintas de outros meios de exclusão de ilicitude.


Primeiro, advêm de um facto ilícito anterior, tal como a legítima defesa, mas
esta pressupõe um ilícito concreto – ataque armado.
Ao contrário do consentimento enquanto exclusão da ilicitude; este
consentimento é sempre lícito – pressupõe atuação lícita do Estado.
Quando ao estado de necessidade, força maior e perigo extremo, a invocação
desta exclusão de ilicitude não depende de atuação de terceiros.

Em suma, para que possam ser adotadas estas contramedidas, será necessário
um ilícito prévio e que o Estado infrator não cumpra com as obrigações jurídicas de
cessar o ilícito, prestação de garantias de não repetição e reparação do dano; só assim
pode ser utilizada a contramedida enquanto autotutela.

5.2. Estados terceiros que não o Estado lesado

O art. 48º PARI estabelece que quando a norma violada pelo facto
internacionalmente ilícito for uma norma erga omnes ou erga omnes interpartes, é
possível a invocação da responsabilidade por parte do infrator por um outro Estado que
não o Estado lesado.
Duas situações de aplicação:
1. Violação existe em relação a um grupo de Estados; inclui esse Estado terceiro;
sendo que a norma foi estabelecida para proteção de um interesse coletivo
– art. 48º/1 al. a) PARI;
2. Obrigação violada existe em relação à comunidade internacional no seu
conjunto – art. 48º/2 al. b) PARI.

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Assim, o Estado terceiro que não foi lesado pode exigir a cessação do ilícito,
prestação de garantias de não repetição, bem como a reparação do dano – art. 48º/2
PARI.
Na verdade, o que acontece é que há uma tutela em que o Estado terceiro não
lesado pode invocar a responsabilidade do infrator em nome do Estado lesado ou do
beneficiário da norma violada (e não em nome próprio como acontece com os Estados
lesados).
Relativamente à norma erga omnes não existe nenhum requisito adicional;
porém, quando estamos perante uma norma erga omnes interpartes será necessária
uma maior exigência, uma vez que a norma tem como objetivo a proteção de um
interesse coletivo das partes. A atuação deste será enquanto membro do grupo de
Estados aos quais essa obrigação é devida, ou enquanto representante da comunidade
internacional.
A solução consagrada no art. 43º/3 PARI é a possibilidade de um Estado terceiro
não lesado poder invocar a responsabilidade do Estado infrator, direito esse que tem
como finalidade reforçar indiretamente a posição do lesado perante o infrator, sendo
então exercido em favor ou benefício do Estado lesado.

Trata-se, neste caso, de uma agravação da responsabilidade, e de uma


multilateralização da invocação da responsabilidade, para além de que se trata de uma
norma erga omnes ou erga omnes interpartes.
Assim, quebra-se novamente a lógica clássica da bilateralidade do regime
jurídico da responsabilidade internacional.

Ora, convém ainda salientar que uma norma jus cogens é sempre erga omnes;
porém, uma norma erga omnes não é sempre uma norma jus cogens.
Enquanto que uma violação grave de uma norma jus cogens aplicar-se-á o regime
dos arts. 40º e 41º PARI; enquanto que nestes casos, aplicar-se-á o regime dos arts. 42º
e 48º PARI.

Ora, na medida em que uma norma imperativa de direito internacional é sempre


uma norma erga omnes, conclui-se que quando estiver em causa a comissão de um facto

Guilherme Laranjeira Lima 2020 74


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ilícito de especial gravidade, todos os Estados poderão invocar a responsabilidade do


infrator, mesmo se como Estados não lesados. Tal é compreensível pois na medida em
que se onera terceiros Estados ao cumprimento de certas obrigações (que são: 1.
cooperação em fazer cessar o ilícito, 2. não prestar ajuda ou auxílio, 3. nem reconhecer
nenhuma situação criada por esse facto), faria sentido que também houvesse a
possibilidade de invocação da responsabilidade por parte de qualquer Estado.
Por outro lado, é importante ser invocada essa responsabilidade também por
Estados não lesados na medida em que a violação de especial gravidade por vezes pode
não originar implicar um Estado lesado, nem mesmo indiretamente. Assim, se não se
permitisse a aplicação do art. 48º PARI, poderia haver situações de impunidade.

Para além disso, a invocação da responsabilidade não é o único mecanismo:


poderão ser impostas contramedidas, porém, na letra do art. 49º PARI, a aplicação
dessas contramedidas é exclusiva dos Estados lesados.
Problema: não há possibilidade de induzir o Estado infrator a conformar o seu
comportamento com as suas obrigações internacionais – impossibilidade de
implementação.

Neste contexto, é importante verificar-se o art. 54º PARI – Medidas adotadas por
outros Estados que não o Estado lesado.
De acordo com este preceito, os Estados terceiros que não lesados, poderão
sempre adotar medidas lícitas contra o infrator, no sentido de o levar a cessar e a
reparar no interesse do Estado lesado ou dos beneficiários da obrigação violada.
Assim, o Estado terceiro terá que ter um interesse jurídico na norma violada, podendo
agir, utilizando medidas lícitas, em nome do Estado lesado ou de beneficiários da norma
violada.

De todo modo deverão ser comparadas estas medidas lícitas com as


contramedidas – art. 48º PARI.
Aqui surgem dois aspetos essenciais:
1. Possuem a mesma finalidade: são medidas que visam o cumprimento de
obrigações pelo Estado infrator.

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2. Os sujeitos já divergem: as contramedidas apenas podem ser invocadas pelos


Estados lesados (pense-se que as contramedidas são ilícitas na ordem jurídica
internacional, porém gozam de exclusão de ilicitude) – art. 42º PARI –; por
outro lado, as medidas lícitas, poderão ser adotadas por qualquer Estado da
comunidade internacional que não o Estado lesado – art. 48º PARI.
Deveriam ser reguladas essas medidas lícitas? Em princípio não, na medida em
que os Estado poderão fazer tudo, exceto aquilo que se encontra proibido pela ordem
jurídica internacional. Ora, então se são medidas lícitas, porque se encontram
reguladas? Ainda para mais, reguladas no mesmo âmbito que as contramedidas.
De qualquer modo, deverão ser respeitados os mesmo limites que são impostos
às contramedidas a estas medidas lícitas: nomeadamente a proporcionalidade da
medida.

De acrescentar: como se sabe se uma determinada medida adotada pelo Estado


terceiro, que não Estado lesado, é lícita nos termos do art. 54º PARI?
Os Estados substituem-se como beneficiários da norma, com prerrogativas de
Estado lesado, fazem aquela qualificação e reação de modo unilateral, porém,
submetem-se ao escrutínio da sua qualificação e reação por parte da restante
comunidade internacional de Estados.

Guilherme Laranjeira Lima 2020 76

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