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DIREITO CONSTITUCIONAL

APLICADO I

autora
MARIANA DE FREITAS RASGA

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2019
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autora do original  mariana de freitas rasga

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  andré lage, luís salgueiro e luana barbosa da silva

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  maria de fátima alves são pedro

Imagem de capa  viorel sima | shutterstock.com

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Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento


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Sumário
Prefácio 7

1. Teoria Geral do Direito Constitucional 9


Introdução 10

O constitucionalismo 10

Constituição 15
Sentido sociológico 16
Sentido político 17
Sentido jurídico 18
Sentido culturalista 19

Classificação de Constituição 20
Quanto à forma 20
Quanto ao conteúdo 21
Quanto à origem 21
Quanto à estabilidade, alterabilidade ou mutabilidade 22
Quanto à extensão 23
Quanto à finalidade 23
Quanto ao modo de elaboração 24
Quanto à ideologia 24
Quanto ao modo de ser ou à correspondência com
a realidade (ontológica) 25

Poder constituinte 25
Titularidade 27
Natureza jurídica do poder constituinte 28
Espécies de poder constituinte 28

2. Teorias das normas constitucionais e


dos direitos fundamentais 41
Introdução 42
Aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais 43
Evolução classificatória da aplicabilidade e eficácia
das normas constitucionais 47

Teoria dos Direitos Fundamentais 64


A questão terminológica: Direitos fundamentais, direitos
humanos ou direitos do homem? 65
Dimensões dos direitos fundamentais 66
Características dos direitos fundamentais 68
Espécies de direitos fundamentais na Constituição de 1988 69
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais 70

3. Direitos fundamentais 75
Introdução 76

Direitos e garantias individuais 77


Direitos individuais em espécie 77

Direitos Sociais 94
Direitos sociais individuais do trabalhador 95
Direitos sociais coletivos do trabalhador 99
A questão da reserva do possível e do mínimo existencial 99

Nacionalidade 101

Aspectos gerais sobre a Nacionalidade 101


Critérios atributivos da nacionalidade 103
A quase nacionalidade 106
As hipóteses de perda da nacionalidade brasileira 107

Direitos Políticos 108


Plebiscito e referendo 109
Elegibilidade 110
Direitos políticos negativos 110

Partidos Políticos 114


4. Organização do Estado e
Poder Legislativo 121
Introdução 122

Organização do Estado brasileiro 122


União Federal 124
Estados-membros 127
Municípios 130
Distrito Federal 133
Territórios 134

Separação dos Poderes 135


Aspectos gerais sobre a separação dos poderes 136
Poder Legislativo 137
Comissão Parlamentar de Inquérito 141
Imunidades parlamentares 143
Perda do mandato parlamentar 149

Processo Legislativo 150


Espécies de Processos Legislativos 150
Processo legislativo ordinário 151
Processo legislativo sumário 157

Processo legislativo especial 158


Emenda à Constituição 158

5. Poder Judiciário e Poder Executivo 167


Introdução 168

Poder Judiciário 169


Estatuto da Magistratura 170
Garantias do Poder Judiciário 172
Estrutura do Poder Judiciário 174
Poder Executivo 189
O Poder Executivo na Constituição Federal de 1988 189
Atribuições do Presidente da República 193
Vice-Presidente da República 194
Impedimento do Presidente da República e
Vacância do cargo 196
Ministros de Estado 198
Imunidades do Presidente da República 198
Responsabilidade do Presidente da República 200
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

O presente livro foi planejado para apresentar os principais elementos teóricos


da disciplina Direito Constitucional Aplicado I.
Com esse intuito, foram elaborados cinco capítulos que abordam três grandes
eixos epistemológicos do direito constitucional contemporâneo, quais sejam: a
teoria do direito constitucional, a organização político-administrativa do Estado
brasileiro e a separação dos poderes.
Assim sendo, o primeiro capítulo examina a evolução histórica do constitucio-
nalismo, da antiguidade até as concepções atuais desse fenômeno, além de analisar
as diferentes acepções do termo “constituição”. Esse estudo será importante, na
medida que existem sentidos diversificados da constituição, como os sentidos so-
ciológico, político e jurídico, que foram concebidos por diferentes teóricos. Ainda
dentro deste capítulo, examinaremos a teoria do poder constituinte, ou seja, o
fenômeno que possui a capacidade de elaborar uma constituição ou implementar
mudanças em seu texto.
Na sequência dos estudos, daremos ênfase à teoria das normas constitucionais
e, nesse sentido, perceberemos que, no Brasil, a doutrina de José Afonso da Silva
contribuiu para o desenvolvimento dessa temática ao adotar a premissa de que
toda e qualquer norma constitucional produz efeitos. Além disso, vamos examinar
os direitos e garantias fundamentais.
A organização político-administrativa do Estado brasileiro também será um
tema explorado no livro. Logo de início perceberemos que o sustentáculo do
Estado brasileiro é fornecido pela adoção da sua forma federativa. Nesse sentido,
destacaremos a existência dos entes da federação, ou seja, a União, os Estados, os
Municípios e o Distrito Federal. Além disso, apresentaremos os Territórios Federais
que, apesar de não serem entes da federação, podem ser criados pela União.
Por último, estudaremos os poderes do Estado, ou melhor, as funções desem-
penhadas por ele: o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo.
Perceberemos que a nítida separação dessas funções estatais são garantias essenciais
para a configuração do Estado Democrático de Direito.

Bons estudos!

7
1
Teoria Geral
do Direito
Constitucional
Teoria Geral do Direito Constitucional
Introdução

Neste capítulo, você estudará as bases teóricas que fundamentam o Direito


Constitucional, cuja origem remonta aos primórdios da Revolução Francesa de
1789. A partir desse grandioso evento, a Constituição passa a ser percebida como
norma de caráter superior, colocando-se acima de todos os poderes constituídos
do Estado. Nasce assim o constitucionalismo democrático e, na sua esteira, o con-
ceito de Estado de Direito como uma resposta ao absolutismo monárquico.
Da mesma maneira, neste capítulo, será necessário definir a constituição, pa-
lavra que designa inúmeros significados. Esse estudo é importante, na medida que
existem sentidos diversificados da constituição, como os sentidos sociológico, po-
lítico e jurídico. Serão também estudadas as classificações da constituição, levando
sempre em consideração a realidade constitucional brasileira a partir da elaboração
da Constituição de 1988.
Por fim, no presente capítulo, você estudará a teoria do poder constituinte e
reconhecerá suas origens, espécies e titularidade. Nesse sentido, perceberá que o
poder constituinte originário possui a capacidade de elaborar uma constituição,
enquanto o poder constituinte derivado tem a atribuição de alterar e implementar
as constituições dos Estados-membros.

OBJETIVOS
•  Compreender a evolução histórica do constitucionalismo, da antiguidade até as concep-
ções atuais desse fenômeno;
•  Analisar as diferentes acepções do termo “constituição”;
•  Examinar a classificação da constituição de maneira geral e a classificação da Constituição
de 1988;
•  Identificar o conceito de poder constituinte, suas características e espécies.

O constitucionalismo

Para compreender a teoria do Direito Constitucional você deve estudar em


linhas gerais a evolução histórica do constitucionalismo, termo que comporta

capítulo 1 • 10
vários significados, mas que na perspectiva jurídica denota o sistema normativo
reunido em uma constituição. Assim, em verdade, não existe uma única espécie de
constitucionalismo, mas várias formas de expressão ao longo do tempo, contem-
pladas nos diversos modelos de regimes políticos.
A doutrina costuma falar em vários movimentos constitucionais ao longo da
história, não sendo pacífica em determinar uma nomenclatura específica, pois o
constitucionalismo ocorre de modo particular e em período de tempo nos diversos
Estados. É por isso que numa primeira compreensão, o termo constitucionalismo
apresenta-se como um movimento político-social, com origens históricas remo-
tas, cuja finalidade era limitar o poder arbitrário do governante. Posteriormente,
o fenômeno passa a ser identificado como o dever de o Estado possuir um
documento escrito.
Então, é possível reconhecer uma atividade constitucional desde a Antiguidade
clássica. Os hebreus, por exemplo, estabeleceram um Estado teocrático de limi-
tação do poder através da denominada “Lei do Senhor”. Da mesma maneira, na
Grécia antiga, a partir do século V a.C., destacaram-se as Cidades-Estados, forma
de organização que possibilitou a participação democrática dos cidadãos ativos e a
distribuição de funções estatais.
Na Idade Média você pode encontrar referências de uma ordem constitucio-
nal contida no Foral de Leão, isto é, um pacto político civil entre os nobres e o
monarca, aceito desde 1128. Esse documento reconhecia diversos direitos, como
a inviolabilidade do domicílio e o direito de propriedade.
É também na Idade Média que o constitucionalismo inglês avançou para ou-
torgar, em 1215, a Magna Carta do Rei João sem Terra. O contexto que culminou
com a elaboração da Magna Carta, considerada um dos documentos jurídicos
mais importantes da história, foi o aumento de tributos pelo Rei João sem Terra
com o propósito de financiar as guerras contra a França.
O autoritarismo e a arbitrariedade do Monarca levaram os barões ingleses a
não concordar com os gastos e pressionar o rei a aceitar um acordo conhecido pelo
nome em latim: Magna Charta Libertatum, seu Concordiam inter regem Johannen
at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das
liberdades ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades
da Igreja e do rei Inglês). Esse documento importantíssimo do século XIII limitou
o poder do monarca e estabeleceu uma série de direitos individuais. Esta fase pode
ser caracterizada de pré-constitucionalismo.

capítulo 1 • 11
Figura 1.1  –  João Sem Terra assina a Magna Charta. Fonte: Cassell's
History of England - Century Edition - published 1902.

É na baixa Idade Média que surge também a obra Defensor Pacis, de Marsílio
de Pádua, de 1324, na qual se extrai que o poder legislativo pertencia ao povo. Por
outro lado, a função executiva deveria ser exercida pelo príncipe.
No século XVII, já na Idade Moderna, surgem vários documentos voltados
para a restrição do poder estatal e, consequentemente, para a proteção do indi-
víduo, sobretudo a partir da luta entre o monarca e o Parlamento. Assim, nessa
época sobressaíram o Petition of Rights, de 1628, no qual parlamentares ingleses
impuseram ao rei Carlos I, o respeito a diversos direitos, especialmente a consa-
gração das liberdades públicas; o Habeas Corpus Act, de 1679 bem como o Bill of
Rights, de 1689.

Por mais que todos esses movimentos tenham marcado profundamente a teoria evo-
lutiva do constitucionalismo, foi apenas a partir do século XVIII, através das revoluções
americana e francesa, que deram origem respectivamente à Constituição americana de
1787 e a Constituição francesa de 1791, que nos aproximamos do significado atual do
termo. Ou seja, a partir da consolidação desse constitucionalismo moderno, a constitui-
ção do estado passa a ser o documento escrito e formal de suplantação do absolutismo
e, nesse sentido, instrumento jurídico limitador da atuação do governante, que a essa
altura deve ser submetido ao império da lei.

capítulo 1 • 12
Assim, esse constitucionalismo moderno apoia-se em um documento escrito,
consubstanciado através de normas constitucionais, que possibilitaram o conhe-
cimento de todos e a consagração, por isso mesmo, dos direitos individuais. Mas
perceba com atenção que o seu desencadeamento se deu através de movimentos
revolucionários ocorridos nos Estados Unidos e, posteriormente, na França.
De qualquer maneira você já pode perceber que o constitucionalismo liberal
se destacou como um movimento jusfilosófico que teve como finalidade limitar o
poder do Estado, adotando a separação de poderes e o estabelecimento de um rol de
direitos do homem através de um documento denominado Constituição. Não foi
à toa que o conceito de Constituição foi firmado pelo artigo 16, Declaração fran-
cesa de 1789, ao dispor que: “Toda sociedade na qual não está assegurada a garan-
tia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem constituição”.
Segundo Canotilho, o constitucionalismo pode ser definido como a "teoria
que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos
em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.
Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica especí-
fica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constituciona-
lismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria nor-
mativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo".
(CANOTILHO, 1993, p. 51 e 218)
No primeiro momento a concepção moderna do constitucionalismo preco-
nizou o liberalismo, gerador do individualismo e do absenteísmo estatal, que por
isso mesmo, promoveu desigualdades sociais que exigiram mais tarde do Estado
um atuar limitador do abuso econômico.
Num grande salto para o final do século XX e início do século XXI, alguns ju-
ristas começaram a desenvolver uma nova concepção de constitucionalismo. Isso
ocorreu devido aos horrores vivenciados pela Segunda Guerra Mundial e a busca
da centralidade da Constituição no ordenamento jurídico do Estado. Daí despon-
ta o denominado neoconstitucionalismo, sustentado cientificamente, na opinião
de Luís Roberto Barroso, por três marcos: o histórico, o filosófico e o teórico.
(BARROSO, 2005, p. 3)
No esforço de reconstruir a trajetória do constitucionalismo europeu e brasi-
leiro, o mesmo autor sustenta que o marco histórico do neoconstitucionalismo,
“na Europa continental, foi o constitucionalismo do pós-guerra, especialmen-
te na Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a Constituição de 1988 e o processo
de redemocratização que ela ajudou a protagonizar” (BARROSO, 2005, p. 3).

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Dessa maneira os principais documentos de referência na Europa foram a Lei
Fundamental de Bonn, de 1949, e a Constituição da Itália, de 1947.
Em relação ao marco filosófico, o novo direito constitucional se apoia no pós-
-positivismo jurídico, como terceira via superadora do embate entre jusnaturalis-
mo e positivismo jurídico e é, nesse sentido, que no dizer de Luís Roberto Barroso:

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram


caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do direito, sua
função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita,
mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas
sem recorrer a categorias metafísicas. (BARROSO, 2005, p. 6)

Para finalizar, o neoconstitucionalismo apresenta teoricamente três transfor-


mações, a primeira relativa ao reconhecimento da força normativa da Constituição,
a segunda, a expansão da jurisdição constitucional e, por último, o incremento de
uma nova interpretação constitucional.
Atualmente há quem defenda constitucionalismo do futuro, no qual a cons-
tituição deve possuir certos valores como a verdade, a solidariedade, o consenso, a
continuidade, a participação, a integração e a universalização.
Por outro lado, surge também no ambiente acadêmico uma doutrina voltada à
construção científica do denominado novo constitucionalismo Latino-Americano.
Tal modelo é identificado a partir da promulgação da Constituição do Equador,
em 2008, e a promulgação da Constituição da Bolívia, em 2009. Tais constitui-
ções reconhecem a diversidade cultural e consequentemente promovem a maior
participação do povo no processo de escolhas possíveis.
Por tudo que você viu até aqui é possível destacar várias fases do constitucio-
nalismo, que são sintetizadas na tabela abaixo:

PERÍODO CARACTERÍSTICAS
Hebreus e Cidades-Estados gregas; Cons-
ANTIGUIDADE CLÁSSICA tituições não escritas.
Foral de Leão; Magna Carta, de
IDADE MÉDIA 1215; Pré-constitucionalismo.
Constituições escritas; Revoluções liberais;
IDADE MODERNA Constituição dos Estados Unidos, de 1787;
Constituição francesa, de 1791.

capítulo 1 • 14
PERÍODO CARACTERÍSTICAS
Origem histórica: Constituições do México,
de 1917 e Constituição da República de
IDADE CONTEMPORÂNEA Weimar, de 1919; Valorização dos direi-
tos fundamentais; Constituições escritas e
rígidas; Neoconstitucionalismo.

Tabela 1.1  –  Características das fases do constitucionalismo.

CONEXÃO
•  Para melhor compreensão da Revolução Francesa, como marco importante do constitu-
cionalismo moderno, sugerimos assistir ao documentário produzido pelo History Channel,
denominado “Revolução Francesa”.
•  Para a percepção do constitucionalismo contemporâneo e seus novos desafios, sugerimos
a leitura da obra de LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. How
democracies dies. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

Constituição

Definir a palavra “constituição” é tarefa das mais árduas. Você pode perceber
que há inúmeros significados para o termo. A constituição pode referir-se tanto
ao ato de estabelecer, ordenar ou dispor, como o de regulamentação estabelecida.
Pode também exprimir a composição ou a forma de algo.
Para o autor português, José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição "é
uma ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada num
documento escrito, mediante o qual se garantem os direitos fundamentais e se
organiza, de acordo com o princípio da divisão de poderes, o poder político".
(CANOTILHO, 1993, p. 12)
De qualquer maneira, há várias acepções para o termo “constituição”. É im-
portante ressaltar que os autores cuidam do tema como “sentidos” de Constituição,
palavra que pode também ser sinônima de “concepções” de Constituição. Por isso
é comum se falar em sentido sociológico, sentido político, sentido jurídico e sen-
tido culturalista. Para você entender melhor essas acepções, vamos analisar cada
uma delas em separado, inclusive destacando o autor de sua formulação.

capítulo 1 • 15
Sentido sociológico

O alcance sociológico foi atribuído ao teórico prussiano Ferdinand Lassalle


(1825-1864), contemporâneo de Karl Marx e partícipe em 1848, em Düsseldorf,
da Revolução Prussiana. Mais tarde, no ano de 1862, proferiu uma conferên-
cia que serviu como base para a elaboração de uma obra famosa denominada
“Que é uma Constituição?”, também traduzida para a língua portuguesa como “A
Essência da Constituição”.
Ferdinand Lassalle disse à época:

Inicio, pois, minha palestra com esta pergunta: que é uma Constituição? Qual é a ver-
dadeira essência de uma Constituição? Em todos os lugares e a todas horas, à tarde,
pela manhã e à noite, estamos ouvindo falar da Constituição e de seus problemas cons-
titucionais. Na imprensa, nos clubes, nos cafés e nos restaurantes, é este o assunto
obrigatório de todas as conversas. (LASSALE, 1933, p.7)

Para Lassalle a Constituição de um Estado não seria uma norma jurídica, mas
sim o somatório dos fatores reais de poder, sem os quais ela não passaria de uma
mera folha de papel. Interessante notar o exemplo dado pelo teórico para com-
preender os fatores reais de poder.
Para o autor dessa concepção existiriam duas espécies de constituição, a escri-
ta, que não possui força jurígena, não sendo mais do que mera folha de papel e,
a real, que resultaria do somatório dos fatores reais de poder. Assim, Lassalle nos
mostra com agudeza a sua reflexão:

Podem meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu tronco um
papel que diga: “Esta árvore é uma figueira”. Bastará esse papel para transformar em
figueira o que é macieira? Não, naturalmente. E embora conseguissem que seus cria-
dos, vizinhos e conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição
existente na árvore, a planta continuaria sendo o que realmente era e, quando desse
frutos, estes destruiriam a fábula, produzindo maçãs, e não figos. O mesmo ocorre com
as Constituições. De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se jus-
tificar pelos fatores reais e efetivos do poder. (LASSALLE, 1933, p. 38-39)

Ele supôs também, para a compreensão do seu raciocínio, um grande incên-


dio que destruísse todos os exemplares de leis dos arquivos do Estado, de modo
que não fosse possível achar um único exemplar das leis do país. Ele conclui que
nem por isso a sociedade deixaria de reconhecer as instituições existentes, reais
e efetivas.

capítulo 1 • 16
À época, na Prússia de Ferdinand Lassalle, os fatores reais de poder eram a
Monarquia, a grande burguesia, a aristocracia, os banqueiros, o Exército, a peque-
na burguesia e a classe operária. Assim, a constituição escrita que não representasse
esses fatores seria considerada uma mera folha de papel, sem qualquer relevância.
Podemos explicar melhor o pensamento de Lassalle ao adotarmos o seguinte
exemplo: a nossa Constituição de 1988 dispõe que é direito dos trabalhadores ur-
banos e rurais o salário-mínimo capaz de atender suas necessidades vitais básicas e
às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, hi-
giene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem
o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (artigo 7º, IV).
Entretanto, sabemos que é impossível o trabalhador conseguir manter o padrão
imaginado pelo constituinte. Em consequência, para Lassalle essa regra não seria
mais do que uma mera folha de papel.
A teoria de Lasssalle não é imune às críticas, já que a Constituição somente
seria relevante quando refletisse as relações de força ou relações de poder. Do con-
trário, inexistiria Constituição.

Sentido político

Carl Schmitt (1888-1985) foi o grande teórico alemão da formulação da


constituição com o cunho político. Em sua obra “Teoria da Constituição”, Carl
Schmitt afirma que a Constituição é o produto de uma decisão política funda-
mental do poder constituinte.
Além disso, esse importante constitucionalista do século XX, contribuiu para
o desenvolvimento do conceito de cláusula pétrea, da noção de norma material-
mente constitucional e norma formalmente constitucional, da problematização
do caráter político da jurisdição constitucional, entre outros temas relevantes para
o Direito Constitucional.
Você deve lembrar que Carl Schmitt se engajou na causa nacional-socialista
e ingressou no Partido Nazista, em 1933. Foi por isso, aliás, que até hoje é lem-
brado como um “jurista maldito” (GUERRA, 2017, p. 65). Assim, diante desse
contexto e da sua teoria, você pode associar a ideia de que essa decisão política fun-
damental caberia ao Führer, soberano que decide sobre a exceção. Assim, para ele:

capítulo 1 • 17
Toda normatividade reside numa decisão política do titular do poder constituinte, ou seja,
do Povo na Democracia e do Monarca na Monarquia autêntica. Assim, a Constituição
Francesa de 1791 envolve a decisão política do povo francês a favor da Monarquia com
dois “representantes da Nação”, o Rei e o Legislativo. A Constituição belga de 1831
contém a decisão do povo belga a favor de um Governo monárquico (parlamentar) de
base democrática (Poder constituinte do povo), ao modo do Estado burguês de Direito.
A Constituição prussiana de 1850 contém uma decisão do Rei (como sujeito do Poder
constituinte) a favor de uma Monarquia constitucional ao modo do Estado burguês de
Direito, com o que resta conservada a Monarquia como forma de Estado (e não apenas
como forma do Poder Executivo). A Constituição francesa de 1852 contém a decisão do
povo francês a favor do Império hereditário de Napoleão III, etc. (SCHMITT, 2008, p. 47)1.

Sob a ótica política, pouco importa saber se a Constituição representa ou não


aos fatores reais de poder, o imprescindível é que ela reflita a vontade do gover-
nante, ou seja, estampe a decisão política fundamental. Por isso, o conceito de
Constituição de Carl Schmitt não se sustenta a partir de um fundamento de jus-
tiça ou racionalidade, mas sim da vontade do poder constituinte ou governante,
portanto, de alto teor decisionista.
O autor distinguiu Constituição de leis constitucionais, a primeira como de-
cisão política fundamental que expressa os aspectos fundamentais do Estado vin-
culados à decisão política fundamental e, a segunda, como dispositivos inseridos
no texto constitucional, mas sem relevância constitucional e que não comportam
a decisão política fundamental.
Assim sendo, constitucionais seriam as normas ligadas à decisão política fun-
damental e, por outro lado, as demais normas inseridas no texto da Constituição,
são simplesmente leis constitucionais, indiferentes aos temas fundamentais.

Sentido jurídico

A compreensão jurídica da Constituição foi produzida através das formula-


ções teóricas na obra “Teoria Pura do Direito” ou “Reine Rechtslehre”, do jurista
austríaco Hans Kelsen (1881-1973).
O filosofo procurou excluir do conceito da ciência do Direito quaisquer refe-
rências estranhas, especialmente as de cunho sociológico, associada à ideia de valor
e justiça. Por isso, essa concepção jurídica de constituição contrasta diretamente
com o sentido sociológico de Ferdinand Lassalle.
1  Tradução livre do trecho da obra de SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Alianza Editorial. Madrid: 2003,
p. 47.

capítulo 1 • 18
Além disso, se propõe a separação completa entre a norma ao mundo dos
valores e da ética e ao mundo dos fatos. Assim, para ele as outras áreas do conhe-
cimento como a psicologia, a sociologia, a filosofia, a economia e a política, por
exemplo, não poderiam influenciar o direito. Assim, Kelsen limitou o campo do
direito ao estudo da norma, do puro dever ser.
O ordenamento jurídico, segundo essa visão, deveria ser estruturado através
de normas que buscariam validade em outra norma hierarquicamente superior, re-
velando, por isso, um escalonamento hierárquico entre elas. A Constituição daria
suporte de validade a todas as demais normas do sistema jurídico.
Se perguntássemos a Kelsen “o que é a Constituição?”, certamente obteríamos
a seguinte resposta: constituição é o fundamento de validade das demais normas
que integram o ordenamento jurídico.
Mas qual é, afinal, a norma que dá fundamento de validade à própria
Constituição? Nesse aspecto, Kelsen responde que a justificativa é encontrada a
partir da norma hipotética fundamental ou Grund Norm, como algo pressuposto,
segundo o qual as normas constitucionais devem ser obedecidas.
A norma hipotética fundamental era desprovida de conteúdo, traduzindo-se
apenas na seguinte frase: “cumpra-se a Constituição”.
Sem dúvida, ao dizer que a Constituição busca fundamento de validade numa
norma hipotética, Kelsen abre espaço para inúmeras críticas. Mas, de qualquer
forma, a teoria kelseniana amparou a ideia de supremacia da Constituição e até
hoje encontra respaldo nos vários tribunais, sobretudo em razão da existência do
controle de constitucionalidade das normas.

Sentido culturalista

Esse sentido de constituição foi desenvolvido por J. H. Meirelles Teixeira.


Para ele, a constituição é o produto de um fato cultural, que levaria ao conceito de
Constituição Total, por ser ao mesmo tempo resultado da complexidade das áreas
econômicas, sociológicas, jurídicas e filosóficas.
Você deve ter percebido que essa concepção de constituição abarca todos os
sentidos estudados anteriormente. Por isso, se fala em Constituição Total, ou
seja, aquela que possui aspectos econômicos, sociológicos, jurídicos, filosóficos
e políticos.

capítulo 1 • 19
A partir disso você pode comparar na tabela abaixo todas os sentidos de cons-
tituição e seus autores estudados até agora:
SENTIDO SOCIOLÓGICO SENTIDO POLÍTICO SENTIDO JURÍDICO SENTIDO CULTURALISTA
(FERDINAND LASSALLE) (CARL SCHMITT) (HANS KELSEN) (MEIRELLES TEIXEIRA)
A constituição real A Constituição é A Constituição A Constituição é
resulta do somatório uma decisão política é o fundamento produto de um fato
dos fatores reais fundamental do de validade das cultural, que leva
de poder. Poder Constituinte. demais normas do ao conceito de
ordenamento jurídico. Constituição Total.

Se a constituição Há diferença entre A Constituição, como A Constituição é a


não representar o Constituição e Leis norma jurídica, é nor- conjugação de todos
somatório dos fatores Constitucionais. ma pura, sem qual- os sentidos anteriores,
reais do poder, não A primeira resulta quer interferência de o sociológico, o políti-
passará de uma mera da decisão política outras áreas, como a co e o jurídico.
folha de papel. fundamental. A política, a filosofia ou
segunda são meras a sociologia.
leis, incluídas no
texto constitucional.

Tabela 1.2  –  Comparação entre os sentidos de Constituição.

Classificação de Constituição

Nesse momento, após ter aprendido os sentidos de constituição e seus auto-


res, é importante que você estude, de maneira objetiva, as principais classificações
das Constituições. Mas, lembre-se: cada autor pode apresentar sua tipologia, não
havendo uniformidade na doutrina.

Quanto à forma

Quanto à forma as Constituições podem ser escritas ou não escritas.


A Constituição escrita, também denominada instrumental, é aquela reunida
em um único documento, ou seja, sistematizada ou organizada em um único do-
cumento escrito. Você deve lembrar que as primeiras constituições escritas foram
frutos das Revoluções Americana e Francesa, que originaram respectivamente, a
Constituição dos Estados Unidos, de 1787 e, a Constituição Francesa de, 1791.
Por outro lado, a Constituição não escrita, também denominada costumeira,
é aquela formada por diversos documentos esparsos, pela jurisprudência ou pelos
costumes. Ela não é sistematizada em um único documento, como ocorre com a

capítulo 1 • 20
Constituição escrita, mas é produto dos usos, costumes, tradições, jurisprudência
e diversos textos (escritos).
Você deve perceber que a Constituição não escrita, a exemplo, da Constituição
Inglesa, é formada a partir de diversos textos escritos, bem como pelos usos, cos-
tumes e precedentes, mas que não se encontram sistematizados ou reunidos em
um único documento. Daí, a rigor, inexiste Constituição inteiramente não escrita.
Assim, a Constituição Inglesa, mais uma vez, é formada por uma parte escri-
ta, através das leis elaboradas pelo Parlamento e, uma parte não escrita, formada
pela jurisprudência.

Quanto ao conteúdo

Quanto ao conteúdo a Constituição pode ser classificada em material ou for-


mal, sempre levando em conta o teor de suas disposições.
Assim, a Constituição material, também denominada substancial, é aquela
que trata de temas estritamente constitucionais, como a organização do Estado,
a divisão dos poderes e um rol de direitos fundamentais. Ela pode ser escrita ou
não escrita.
Por outro lado, a Constituição formal ou procedimental, é aquela que além
de possuir normas constitucionais, especificadas em um texto escrito e solene, tra-
ta de temas diversos e, por isso, considerados formalmente constitucionais.
No Brasil, por exemplo, o artigo 242, § 2º, da Constituição Federal, cujo
teor é: “o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido
na órbita federal”, pode ser considerado formalmente constitucional, pois tal re-
gra não dispõe sobre a organização do Estado, a divisão dos poderes ou sobre os
direitos fundamentais.

Quanto à origem

A Constituição quanto à origem pode ser classificada como promulga-


da ou outorgada. Há ainda quem afirme existirem dentro dessa classificação a
Constituição cesarista e a Constituição pactuada.
A promulgada, também denominada de popular, votada ou democrática,
é aquela concebida a partir da participação popular, resultante de um processo
democrático de escolhas. No Constitucionalismo brasileiro são consideras pro-
mulgadas as Constituições elaboradas em 1891, 1934, 1946 e a atual, de 1988.

capítulo 1 • 21
Por outro lado, a Constituição outorgada ou também chamada de imposta
é aquela decorrente de uma decisão autoritária do governante, sem que haja a
participação popular na sua origem. São exemplos de constituições outorgadas
no Brasil as elaboradas em 1924, 1937, 1967 e 1969 (Emenda Constitucional
nº 1/69).
A Constituição cesarista ou plebiscitária é aquela que advém da vontade do
governante, mas se submete a um referendo popular como forma de escamotear
o interesse do governante. Há autores que afirmam se tratar de uma subespé-
cie de Constituição outorgada, já que o que importa é o desejo do detentor do
poder político.
Por sua vez, a Constituição pactuada é aquela resultante de um acordo de
vontade entre dois ou mais agentes, podendo o poder constituinte se estabelecer
nas mãos de mais de um titular. É nesse sentido que se trata de um modelo anacrô-
nico, utilizado no seio da monarquia medieval entre o rei e as ordens privilegiadas.
A Magna Carta, de 1215, celebrada entre o Rei João Sem Terra e os barões ingleses
ilustra essa espécie de Constituição (BULOS, 2015, p. 114).

Quanto à estabilidade, alterabilidade ou mutabilidade

Talvez essa seja a mais complexa e importante classificação da Constituição.


Nesse aspecto, a Constituição pode ser imutável, super rígida, rígida, flexível ou
semirrígida (ou semiflexível).
A Constituição imutável, de todas as que foram apresentadas anteriormente
(super rígida, rígida, flexível ou semirrígida) é a única que não pode ser alterada.
A rigor, tal modelo não existe, já que as transformações constantes da sociedade,
impactarão toda e qualquer Constituição “imutável”.
A Constituição super rígida é aquela que pode ser modificada, mas que pos-
sui as denominadas cláusulas pétreas, insuscetíveis de alterações. O Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, classifica nossa Constituição de
1988, como super rígida. Entretanto, sua posição é quase isolada doutrinariamente.
Dessa maneira, a Constituição de 1988 é classificada quanto à estabilidade
como rígida, ou seja, aquela que pode ser modificada, mas que necessita de um
processo legislativo mais dificultoso ou mais oneroso.
É importante ressaltar que quando destacamos que o procedimento para
a mudança é mais oneroso, você deve comparar com o processo de alteração
da legislação infraconstitucional. Assim, o processo de modificação de uma

capítulo 1 • 22
Constituição rígida é mais oneroso quando confrontado com o processo para al-
terar a legislação infraconstitucional.
Já a Constituição flexível é aquela que também pode ser alterada, mas o pro-
cedimento para a sua modificação é simplificado, tal como o procedimento para
alteração de toda e qualquer lei. Então, nessa espécie de Constituição qualquer lei
posterior que com ela conflite, revoga seus termos. Por isso, tal Constituição não
possui estabilidade, pois sujeita a processo constante de mudança.
Por fim, a Constituição semiflexível, também denominada semirrígida, é
aquela que congrega os conceitos das Constituições rígidas e flexíveis. Como as-
sim? Você deve perceber que a Constituição semiflexível possui uma parte que
pode ser alterada por um processo mais dificultoso e outra parte por um processo
mais simplificado de mudança.

Quanto à extensão

Essa classificação leva em conta a dimensão da Constituição. Por isso, ela po-
derá ser sintética ou analítica.
A Constituição sintética, também denominada concisa, breve, sumária, su-
cinta ou básica, é aquela que cuida dos assuntos substancialmente constitucio-
nais, vale dizer, da organização do Estado, da divisão dos poderes e dos direitos
fundamentais. Os temas paralelos são deixados para a complementação pela le-
gislação infraconstitucional. A Constituição dos Estados Unidos é um exemplo
clássico de Constituição sintética. Ela possui sete artigos originários e vinte e sete
emendas constitucionais.
Já a Constituição analítica, também chamada de longa, larga, extensa,
prolixa, desenvolvida ou ampla, é aquela que esmiúça os temas, detalhando
e especificando os assuntos, sem a preocupação de tratar apenas de matérias
estritamente constitucionais.
A Constituição de 1988 é um exemplo de Constituição analítica, já que pos-
sui mais de trezentos e sessenta artigos, entre as disposições permanentes e as
transitórias e quase uma centena de emendas constitucionais.

Quanto à finalidade

Essa classificação identifica três espécies de Constituições e é de extrema im-


portância: Constituição-garantia, Constituição-balanço e Constituição dirigente.

capítulo 1 • 23
A Constituição-garantia tem por finalidade limitar o poder estatal e, por isso,
tem caráter negativo, na medida que impõe barreira para atuação do Estado. Nessa
medida, ela garante a liberdade individual, daí a origem do termo “garantia”. Essa
espécie de Constituição é típica dos Estados liberais, porque estabelece limitações
à atuação estatal, sendo geralmente de natureza sintética.
Finalmente, a Constituição dirigente estabelece metas e programas que devem
ser alcançados futuramente pelos governos. Assim, o Estado se dirigirá para aten-
der e concretizar as demandas estipuladas pelo Poder Constituinte.
Como você estudará mais a frente, a Constituição dirigente possui inúmeras
normas programáticas, sobretudo de caráter social. Por isso, tal Constituição é
típica do Estado do bem-estar social ou Welfare State.

Quanto ao modo de elaboração

Quanto a esse aspecto, a Constituição pode ser dogmática ou histórica. Essa


classificação leva em conta a existência de um órgão criado para a elaboração
da Constituição.
A Constituição dogmática, sempre de natureza escrita, é elaborada por um
órgão especificamente criado para essa finalidade. Além disso, essa espécie de
Constituição é produzida segundo os dogmas e ideais reinantes no momento. A
Constituição de 1988 é considerada dogmática, uma vez que foi elaborada por
um órgão específico, a Assembleia Nacional Constituinte e estabeleceu os dogmas
daquele momento.
Por outro lado, a Constituição histórica, também denominada costumeira,
não escrita, é formada de maneira lenta e gradual, representando uma síntese his-
tórica dos padrões assentados na sociedade.

Quanto à ideologia

A Constituição pode ser ortodoxa ou heterodoxa. A primeira, também de-


nominada de Constituição simples, é formada por uma única ideologia. Já a
Constituição heterodoxa, também conhecida por eclética ou compromissória, é
fundada através de várias ideologias que são conciliadas e acomodadas no texto
constitucional.
A Constituição de 1988 é exemplo de Constituição eclética ou heterodoxa.

capítulo 1 • 24
Quanto ao modo de ser ou à correspondência com a realidade (ontológica)

Essa classificação foi desenvolvida pelo jurista alemão Karl Loewenstein


(1891-1973) que investigou profundamente, durante sua vida, a tipologia de di-
ferentes Constituições. Nesse aspecto o que se leva em conta com essa classificação
é a correspondência efetiva entre a Constituição e a realidade política do Estado.
Algumas Constituições conseguem reproduzir efetivamente a existência
do Estado. Por outro lado, existem Constituições que não conseguem alcançar
o seu intuito e espelhar a realidade política do Estado. Por fim, existem ainda
Constituições que sequer possuem o objetivo de normatizar essa realidade, tendo
por fim apenas a manutenção do poder.
Diante desses fatores, a Constituição pode ser classificada em três grupos distin-
tos: Constituição normativa, Constituição nominativa e Constituição semântica.
A Constituição normativa é aquela que consegue efetivamente estabelecer a
correspondência entre as realidades política e social com o seu texto.
A Constituição nominativa, também denominada nominalista ou nominal, é
aquela que embora tenha sido elaborada para regrar a vida política, não consegue
alcançar esse intento, havendo uma disparidade com aquilo que se quis e o que se
é de fato.
Para finalizar, a Constituição semântica é aquela que foi elaborada para bene-
ficiar o detentor do poder e, por isso mesmo, não tem a preocupação em regular,
de fato, a vida política. Ela é mera formalização para que o governante continue a
exercer poder sobre os governados.

Poder constituinte

Antes de você conhecer o conceito de poder constituinte, é preciso saber que


a teoria sobre o poder constituinte foi concebida inicialmente pelo abade francês
Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836), pouco antes da Revolução Francesa. Na
obra “O que é o Terceiro Estado?”, tradução do original “Qu’est-ce que le Tiers-
État?”, o autor procurou responder ao anseio da burguesia em contraposição aos
interesses da Monarquia Absolutista.
O contexto histórico do Antigo Regime, em pleno declínio, por atravessar
uma crise política e econômica, possibilitou a ascensão da teoria de Sieyès. À épo-
ca, os impostos pagos pelo Terceiro Estado, que correspondia a 97% de todo povo
francês, não eram suficientes para custear os gastos do clero e da nobreza. Para se

capítulo 1 • 25
ter uma ideia, veja a figura abaixo que retrata bem a pressão sofrida pelo Terceiro
Estado na França do século XVIII.

Figura 1.2  –  Autor desconhecido. O Terceiro-Estado carregando o Primeiro e o


Segundo Estados nas costas. Fonte: gallica.bnf.fr / Biblioteca Nacional da França

Por isso, logo no início da obra, o abade afirma que o plano de trabalho era
bem simples e consistia em responder a três indagações: o que é o Terceiro Estado?
Tudo. O que é que tem sido até agora na ordem política? Nada. O que é que pede?
Tornar-se alguma coisa. (SIEYÈS, 2001, p. 1)
Sieyès criou a distinção entre poder constituinte e poder constituído. O pri-
meiro está acima do segundo, com a capacidade de fundar a base do direito. Além
disso, possui apenas limite no direito natural, sem limitações impostas pelo direito
positivo. A partir do poder constituinte surge o poder constituído, capaz de alterar
o direito nos limites determinados por seu criador. Para ele a diferença pode ser
explicada da seguinte maneira:

Os representantes ordinários de um povo estão encarregados de exercer, nas formas


constitucionais, toda essa porção da vontade comum que é necessária para a manuten-
ção de uma boa administração. Seu poder se limita aos assuntos do governo.
Os representantes extraordinários terão um novo poder que a nação lhes dará como lhe
aprouver. Como uma grande nação não pode, na realidade, se reunir todas as vezes que
circunstâncias fora de ordem comum exigem, é preciso que ela confie a representantes
extraordinários os poderes necessários a essas ocasiões. (SIEYÈS, 2001, p. 52)

capítulo 1 • 26
Nesse momento você já é capaz de compreender a diferença entre poder cons-
tituinte e poder constituído. Ou seja, o poder constituinte é a manifestação so-
berana da vontade política de um povo cuja tarefa é elaborar a Constituição do
Estado, enquanto o poder constituído se revela como resultado dessa construção.

Titularidade

Na concepção de Sieyès o titular do poder constituinte seria a Nação, uma vez


que ele nasceu da contraposição da soberania popular ao Estado absoluto. A nação
reveste-se de “um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e represen-
tados pela mesma legislatura” (SIEYÈS, 2001, p. 4). O fundamento repousava
na ideia de soberania nacional sustentada pelo abade e que foi predominante no
pensamento doutrinário francês. O Terceiro Estado abrange tudo o que pertence
à Nação e, por via de consequência, tudo que não poderia ser qualificado como
Terceiro Estado não pode ser considerado nação.
Para os clássicos, a Constituição não seria elaborada diretamente pelo povo,
que representava uma entidade puramente numérica, mas por seus representantes
eleitos que expressavam a vontade da nação na Assembleia Constituinte. Como
esse órgão era considerado soberano, a Constituição elaborada não necessitava
passar pela ratificação popular.
Atualmente, é comum que se designe o povo como titular do poder consti-
tuinte e não a nação. Isso porque o povo constitui elemento do Estado e não a
nação, conceito ligado à sociologia. Além disso, a soberania pertence ao povo,
conforme anunciado no preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, “Nós, re-
presentantes do povo brasileiro” e no seu artigo 1º, parágrafo único, “Todo poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição”.
Dessa maneira, o povo exerce a titularidade do poder constituinte através
de uma Assembleia Nacional Constituinte, órgão que possui a incumbência de
elaborar uma nova ordem constitucional. A partir disso, é possível ter em men-
te que toda vez que surge uma nova Constituição, nasce um novo Estado, no
sentido jurídico do termo, ainda que geograficamente haja coincidência. Assim,
desde 1824, quando pela primeira vez foi elaborada uma Constituição para o
Brasil, tivemos a formação de vários Estados nos anos de 1891, 1934, 1937, 1946,
1967, 1969 (através da EC nº 1) e, finalmente, 1988, ano da elaboração de nossa
Constituição atual.

capítulo 1 • 27
Natureza jurídica do poder constituinte

Já se discutiu muito sobre a natureza jurídica do poder constituinte.


Dependendo da concepção filosófica que se adote, a natureza jurídica pode variar.
Para a teoria original, desenvolvida pelos jusnaturalistas, o poder constituinte
seria fundado no direito natural e, portanto, considerado um direito de criação do
Estado. Nessa perspectiva o poder constituinte caracteriza-se como permanente,
inalienável e incondicionado, sendo algo que existe antes mesmo da Nação.
Por outro lado, em contraposição a esse pensamento, para os juspositivistas,
seria inconcebível a existência do direito antes do Estado. Assim, o poder consti-
tuinte seria um poder de fato, uma vez que antes do Estado nada existiria juridi-
camente, somente fatos decorrentes do fenômeno social.
O quadro abaixo sintetiza a compreensão dessas duas concepções sobre a na-
tureza jurídica do poder constituinte:

JUSPOSITIVISTAS JUSNATURALISTAS
Fundamento do direito pressupõe a exis- Fundamento do direito é idealizado através
tência do Estado. do direito natural e da razão.
Por isso, o poder constituinte seria um Dessa forma, o poder constituinte deriva do
poder de fato e não de direito, afinal não direito natural e inerente do povo criar um
existe direito antes do Estado. Estado, ou seja, um poder de direito.

Tabela 1.3  –  Comparação das correntes de pensamento


sobre a natureza jurídica do poder constituinte.

Espécies de poder constituinte

O poder constituinte pode ser subdivido em poder constituinte originário e po-


der constituinte derivado. Esse último ainda pode ser subdivido em poder reforma-
dor e poder decorrente. O esquema abaixo ajuda compreender melhor essas espécies:

ORIGINÁRIO

PODER CONSTITUINTE
REFORMADOR
DERIVADO
DECORRENTE

Figura 1.3  –  Esquema das Espécies de Poder Constituinte.

capítulo 1 • 28
Poder constituinte originário

Também denominado de poder constituinte de primeiro grau ou genuíno ou


primário, é aquele que tem por finalidade elaborar a constituição e criar o Estado,
inaugurando um novo ordenamento jurídico.
É possível se falar em um poder constituinte originário histórico, verdadeiro
poder constituinte, que estrutura pela primeira vez o Estado, como aconteceu por
exemplo a partir das desintegrações da antiga União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas - URSS e da Iugoslávia, que deram origem a novos Estados. Da mesma
forma, é possível reconhecer um poder constituinte revolucionário, formado pos-
teriormente ao histórico, que rompe a antiga ordem constitucional e funda um
novo Estado soberano.
A doutrina classifica o poder constituinte originário como inicial, ilimitado,
incondicionado, permanente e político. Observe com atenção o quadro abaixo
com a respectiva explicação sobre essas características.

CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO


O poder constituinte inaugura um novo ordenamento jurídico, substi-
tuindo completamente a ordem jurídica anterior pela nova constituição.
INICIAL Assim, o poder constituinte originário cria um novo Estado a partir da
constituição. Perceba que o Estado somente passa a existir com o
advento da Constituição elaborada pelo poder constituinte originário.

O poder constituinte não precisa se submeter aos limites estabele-


cidos pelo direito anterior. Desta maneira, o poder constituinte origi-
ILIMITADO nário não tem a necessidade de respeitar os limites estipulados pelo
direito precedente.

O poder constituinte originário não se submete a qualquer forma


predeterminada para exteriorizar a sua vontade. Assim, o procedi-
INCONDICIONADO mento para a elaboração de constituição futura não se condiciona
a nenhuma forma. Portanto, o poder constituinte é livre de qualquer
formalidade preestabelecida.

A tarefa do poder constituinte não se acaba com a elaboração da


constituição. Dessa maneira, ele permanece latente, contínuo e
PERMANENTE atemporal, esperando para que no futuro possa se manifestar no-
vamente. Isso significa que ele estará pronto para ser acionado a
qualquer oportunidade.

É assim considerado porque faz nascer a ordem jurídica através


APOLÍTICO de uma força social, metajurídica, capaz de fazer eclodir um novo
ordenamento jurídico.

capítulo 1 • 29
Poder constituinte derivado

Também denominado de poder constituinte constituído ou secundário ou de


segundo grau ou instituído, é aquele criado pelo poder constituinte originário para
proceder as reformas constitucionais e elaborar constituições dos estados-membros.
Não há controvérsias quanto à natureza jurídica do poder constituinte deri-
vado, sendo ele um poder de direito, uma vez que decorre da vontade do poder
constituinte originário. A própria constituição estabelecerá limitações expressas e
implícitas, conforme você verá mais adiante.
As características do poder constituinte derivado são opostas às características
de seu criador. Assim, a doutrina costuma afirmar que ele é não inicial, limitado,
condicionado e contínuo. Para facilitar a sua compreensão, veja abaixo o quadro
explicativo sobre as características dessa espécie de poder constituinte:

CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO


O poder constituinte derivado não inaugura nenhum ordena-
mento jurídico, pois a criação do Estado decorreu da elabo-
NÃO INICIAL ração da Constituição, fruto do poder constituinte originário.
Assim, o poder constituinte derivado não existe por si só.
O poder constituinte derivado, por ter sido criado pelo poder
constituinte originário, sofre limitações impostas por ele. As-
LIMITADO sim, o poder constituinte derivado precisa se submeter aos
limites estabelecidos pelo direito. Perceba que você estudará
em item próprio essa característica.
O poder constituinte derivado se submete a forma prede-
terminada pelo poder constituinte originário para poder se
manifestar. Portanto, note que o poder constituinte derivado
CONDICIONADO não é livre. Para alterar a constituição o poder constituinte
derivado deve observar os parâmetros impostos pelo poder
constituinte originário.
A tarefa do poder constituinte derivado é atualizar a consti-
tuição, mantendo a obra sempre próxima à realidade social.
CONTÍNUO Entretanto, isso não significa que ele poderá alterar toda
a constituição, uma vez que é limitado pelo próprio poder
constituinte originário.
O poder constituinte derivado encontra-se estabelecido na
JURÍDICO própria constituição, ou seja, ele é regulado por uma norma
jurídica criada pelo poder constituinte originário.

capítulo 1 • 30
É importante destacar que o poder constituinte derivado se subdivide em
poder constituinte reformador e poder constituinte decorrente, conforme você já
percebeu quando analisou a figura 3.

Poder constituinte derivado reformador

O poder constituinte derivado reformador tem capacidade para alterar a cons-


tituição de acordo com as regras estabelecidas pelo poder constituinte originário.
Percebe-se assim, que o poder de reforma inclui o poder de emenda como o poder
de revisão do texto (MENDES & BRANCO, 2017, p. 113). Como você verá a
Constituição de 1988 prevê esses dois mecanismos para alteração do seu texto, isto
é, a revisão constitucional e a emenda à constituição.
A revisão constitucional, prevista no artigo 3º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT), foi realizada pelo Congresso Nacional, em
sessão unicameral, através do voto da maioria absoluta dos seus membros, após
cinco anos, contados da promulgação da Constituição. Com efeito, foram elabo-
radas seis emendas constitucionais de revisão, todas no ano de 1994, conforme
demonstra o quadro abaixo:

NÚMERO DA EMENDA EMENTA


CONSTITUCIONAL DE REVISÃO
1, de 01.03.1994 Acrescenta os arts. 71, 72 e 73 ao Ato das
Publicado no D.O.U. 02.03.1994 Disposições Constitucionais Transitórias.
2, de 07.06.1994 Altera o caput do art. 50 e seu § 2º, da
Publicado no D.O.U. 09.06.1994 Constituição Federal.
Altera a alínea "c" do inciso I, a alínea "b" do
3, de 07.06.1994
inciso II, o § 1º e o inciso II do § 4º do art. 12
Publicado no D.O.U. 09.06.1994
da Constituição Federal.
4, de 07.06.1994 Altera o § 9º do art. 14 da
Publicado no D.O.U. 09.06.1994 Constituição Federal.
5, de 07.06.1994
Altera o art. 82 da Constituição Federal.
Publicado no D.O.U. 09.06.1994
6, de 07.06.1994 Acrescenta o § 4º ao art. 55 da
Publicado no D.O.U. 09.06.1994 Constituição Federal.

Tabela 1.4  –  Tabela 3: Apresentação das Emendas Constitucionais de Revisão.

capítulo 1 • 31
Na elaboração das emendas constitucionais de revisão foram observadas as
limitações impostas no artigo 60, § 1º e § 4º, da Constituição Federal:

Art. 60 (...)
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de
estado de defesa ou de estado de sítio.
(...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

É importante observar que, realizada a tarefa de revisão constitucional, o ar-


tigo 3º, do ADCT, teve sua aplicabilidade esgotada ou exaurida. Assim sendo,
não há mais possibilidade de convocação para alterar a Constituição através da
revisão constitucional.
O segundo mecanismo que possibilita alterar a Constituição de 1988, é a
emenda constitucional prevista no seu artigo 60. Como fruto do poder consti-
tuinte originário o poder de reforma sofre limitações e restrições para elaborar
uma emenda à constituição. É nesse sentido que a Constituição de 1998 esta-
belece quórum diferenciado de 3/5 e em dois turnos em cada casa do Congresso
Nacional para sua aprovação (CF, art. 60, § 2º).
Além disso, não é qualquer pessoa ou órgão que possui capacidade para propor
uma emenda à constituição. Somente 1/3, no mínimo, dos membros da Câmara
dos Deputados ou do Senado Federal; o Presidente da República e mais da metade
das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada
uma delas, pela maioria relativa de seus membros possuem essa atribuição (CF,
art. 60, I, II e III).
De igual maneira, existe a limitação que veda a reapresentação de proposta de
emenda rejeitada ou prejudicada na mesma sessão legislativa (CF, art. 60, § 5º).
Com efeito, proíbe-se também a elaboração de emenda constitucional diante
de certos eventos, como a intervenção federal, o estado de sítio ou o estado de de-
fesa (CF, art. 60, § 1º). Nesse aspecto você deve lembrar que durante a intervenção
federal imposta pela União sobre a Segurança Pública no Rio de Janeiro, no ano
de 2018, não foi possível aprovar a reforma da previdência.

capítulo 1 • 32
Figura 1.4  –  Capa do Jornal “O Globo” de 17 de fevereiro
de 2018. Fonte: Acervo do Jornal “O Globo”

Cumpre observar que mesmo não sendo possível aprovar nenhuma emenda
constitucional, diante da regra expressa de vedação prevista no artigo 60, § 1º,
da Constituição Federal, nada impediria sua tramitação, conforme entendimento
do Ministro Dias Toffolli. Veja abaixo a notícia publicada na página do Supremo
Tribunal Federal do dia 5 de julho de 2018 sobre esse assunto:

Ministro nega MS que pretendia proibir tramitação de PEC durante intervenção federal
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, negou pedido de parlamentares
que buscavam proibir a tramitação da reforma da Previdência em razão da intervenção
federal decretada no Rio de Janeiro. Na decisão tomada no Mandado de Segurança
(MS) 35535, o ministro explicou que a Constituição veda a aprovação de emenda cons-
titucional na vigência de intervenção, mas não proíbe expressamente a tramitação de
propostas de emenda constitucional no mesmo período.
No MS 35535, o deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PT/SP) e o senador Paulo
Paim (PT/RS) sustentavam que, após a intervenção, representantes do Executivo e do
Legislativo anunciaram a intenção de revogação proposital do Decreto Presidencial
9.288/2018, que estabeleceu a intervenção. O objetivo seria propiciar a aprovação da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, relativa à reforma da Previdência.

capítulo 1 • 33
Para os parlamentares, essas manifestações representariam burla à proibição de emen-
dar a Constituição na vigência de intervenção federal (artigo 60, parágrafo1º) e de colo-
car termo à intervenção federal antes dos motivos que a originaram (artigo 36, parágrafo
4º). No seu entendimento, não apenas a aprovação da emenda, mas qualquer tramitação
(“discussões, deliberações, votações e promulgações”) relacionada a projetos de emen-
das à Constituição estaria impedida enquanto não cessados os motivos que ensejaram
a intervenção federal.
Com esses fundamentos, o deputado e o senador pediam que o STF proibisse toda e
qualquer tramitação e realização de sessões destinadas à análise da Proposta de Emen-
da à Constituição (PEC) 287 e de qualquer outra proposta de emenda durante a inter-
venção. Pediam ainda que a decisão impedisse o Executivo e o Legislativo de revogar
ou suspender o decreto de intervenção enquanto perdurarem os motivos que levaram à
sua edição e de reeditá-lo após a tramitação de PECs.

Para finalizar, existem ainda limitações relativas ao conteúdo da proposta de


emenda constitucional. Como você viu acima, essas limitações também são dirigi-
das à elaboração da revisão constitucional.
Assim, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abo-
lir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a
separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Essas limitações são
denominadas de cláusulas pétreas, ou seja, cláusulas de intocabilidade, já que não
podem ser suprimidas da Constituição de 1988, formando o núcleo intangível da
Constituição Federal.
Com base no que foi estudado acima podemos dizer que existem no siste-
ma constitucional atual três espécies de limitações expressas ao poder de reforma:
circunstancial (artigo 60, § 1º), formal (artigo 60, I, II e III, §§ 2º, 3º e 5º) e
material (artigo 60, § 4º). Na teoria geral do direito constitucional existe também
a limitação temporal, não prevista na sistemática do direito brasileiro. Essa última
restrição tem o propósito de impedir modificações na constituição durante um
período de tempo.
A doutrina costuma também apontar para a existência de limitações implícitas
ao poder de reforma constitucional, ou seja, aquelas não explicitadas no texto, mas
que se apresentam a partir da interpretação sistemática da Constituição.
Para Nathalia Masson são limitações implícitas: a) a proibição do poder de-
rivado de reforma alterar a titularidade do poder constituinte originário; b) a im-
possibilidade de qualquer alteração do artigo 60 da Constituição e c) o impedi-
mento de supressão dos fundamentos do Estado brasileiro descritos no artigo 1º
da Constituição Federal (MASSON, 2016, p. 140-141).

capítulo 1 • 34
De tudo o que se viu, a figura a seguir esquematiza e sintetiza tais ideias:

FORMAS artigo 60, I, II e III, §§ 2°, 3° e 5°

EXPLÍCITAS CIRCUNSTANCIAIS artigo 60, § 1°


OU
MATERIAIS artigo 60, § 4°
EXPRESSAS
TEMPORAIS Não previstas na Constituição de 1988
LIMITAÇÕES
AO PODER
CONSTITUINTE PROIBIÇÃO DE ALTERAÇÃO DA TITULARIDADE
REFORMADOR DO PODER CONSTITUINTE

IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO
IMPLÍCITAS
ARTIGO 60 DA CONSTITUIÇÃO

VEDAÇÃO DE SUPRESSÃO DOS FUNDAMENTOS


DO ESTADO BRASILEIRO

Figura 1.5  –  Figura 5: Esquema das limitações ao Poder Constituinte Reformador.

Há ainda que mencionar que diferentemente da reforma e da revisão consti-


tucional, existe a possibilidade de se alterar o texto constitucional através de um
mecanismo informal, sem alterar o seu texto original. Essa modificação é conheci-
da por mutação constitucional e deriva de um processo interpretativo realizado
pelo poder judiciário.
Como exemplo de mutação constitucional sobressai a súmula vinculante 26:
"Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime he-
diondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do
art. 22 da Lei nº 8.072/1990, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar
se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefí-
cio, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de
exame criminológico".
Tal súmula vinculante permitiu reinterpretar o inciso XLVI do art. 5° da
Constituição Federal para possibilitar a progressão de regime no cumprimento de
pena por crime hediondo ou equiparado.

Poder constituinte derivado decorrente

Inicialmente é importante perceber que a forma de Estado adotada pelo Brasil


é a federação. Isso significa que o Estado brasileiro é caracterizado pela descentra-
lização política com a criação de Estados-membros dotados de autonomia.

capítulo 1 • 35
Assim sendo, os Estados-membros possuem capacidade conferida pelo po-
der constituinte originário para criar suas próprias constituições. Nesse sentido,
o artigo 11 do ADCT, dispõe que “Cada Assembleia Legislativa, com poderes
constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado
da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta”.
Essa tarefa de elaborar a constituição estadual, decorre da autonomia do
Estado-membro para se auto organizar. Nada obstante, o poder constituinte de-
rivado decorrente também sofre limitações impostas pela Constituição Federal.
Essa limitação tem a ver com respeito ao princípio da simetria, ou seja, em-
bora a Constituição Estadual não seja mera cópia da Constituição Federal, deve
reproduzir normas obrigatórias, como os princípios constitucionais sensíveis (arti-
go 34, VII, da CF/88); os princípios constitucionais extensíveis, ou seja, que inte-
gram a estrutura da federação brasileira, como por exemplo, as regras relativas ao
sistema eleitoral, imunidades e processo legislativo; e os princípios constitucionais
estabelecidos, que limitam a autonomia do Estado-membro, como por exemplo,
as regras constitucionais sobre a repartição de competência, regras atinentes ao
sistema tributário, os direitos fundamentais etc.

CONEXÃO
A sugestão feita anteriormente para melhor compreensão da Revolução Francesa, como
marco importante do constitucionalismo moderno, também se aplica para a compreensão
da origem do poder constituinte originário. Por isso, novamente indicamos o documentário
produzido pelo History Channel denominado “Revolução Francesa”.

REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou as bases teóricas que informaram a evolução do constitu-
cionalismo. Além disso, analisou os sentidos de Constituição, como o sociológico, atribuído
à Ferdinand Lassalle; o político, formulado por Carl Schmitt; o jurídico, idealizado por Hans
Kelsen e, finalmente, o culturalista desenvolvido por Meirelles Teixeira. Posteriormente, você
estudou as principais classificações das Constituições. Da mesma forma foi possível com-
preender e estudar a teoria clássica de formação do Poder Constituinte, sua natureza jurídica,
sua titularidade, suas espécies e características.

capítulo 1 • 36
ATIVIDADES
01. Leia o texto abaixo para posteriormente responder à questão:
“Em seu ‘Quest-ce que Le tiers état?’, um dos célebres manifestos deflagradores da Re-
volução Francesa, publicado em 1788, o abade Emmanuel-Joseph Sieyès trouxe à baila as
reivindicações da burguesia contra os privilégios da nobreza e do Absolutismo Monárquico,
sistema de governo despótico e centralizador que imperava no Velho Continente há mais de
um milênio. De acordo com a formulação de Sieyès, o Terceiro Estado era representado pela
nação ou pelo povo, incumbido de suportar todos os ônus do processo de produção, exercen-
do, ainda, os cargos subalternos na Administração Pública, eis que os cargos honoríficos e
lucrativos eram exercidos pela nobreza e pelo clero, privilegiados sem mérito, segundo o seu
entender.” (SILVA E NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008)
Assim, escrevia o abade: o que é o terceiro estado? Tudo. O que é que tem sido até agora
na ordem política? Nada. O que é que pede? Tornar-se alguma coisa.
Considerando as reflexões contidas no texto acima, é correto afirmar sobre o
Poder Constituinte:
a) deve-se distinguir a titularidade, isto é, aquela conferida aos representantes do povo; e o
seu exercício, outorgado ao povo para elaboração do texto constitucional;
b) divergem os autores sobre a sua natureza jurídica. Para os positivistas trata-se de um
fato, pois não se reconhece qualquer direito antes e fora do Estado sendo, portanto,
metajurídico; já para os jusnaturalistas, o poder constituinte é um direito, pois emana da
própria natureza;
c) segundo Sieyès, os poderes constituídos são ilimitados e incondicionados sendo, no
entanto, subordinados ao poder constituinte;
d) inexiste distinção entre poder constituinte derivado e poder constituinte originário.

02. Teste os seus conhecimentos com o caça palavras abaixo, respondendo às


seguintes indagações:
a) Autor que formulou o sentido político de Constituição.
b) Constituição que pode ser modificada, mas exige um processo rigoroso para
sua alteração.
c) Espécie de poder constituinte que possui capacidade para elaborar a Constituição do
Estado nacional.

capítulo 1 • 37
d) Constitui uma hipótese de limitação circunstancial ao poder de reforma constitucional.
e) Sentido de constituição atribuída a Ferdinand Lassalle.
f) Sentido de constituição como produto de um fato cultural, que leva ao conceito de Cons-
tituição Total.

I E L C U L T U R A L I S T A O F T
T A W V O N T A D E P O L I T I C A
I N T E R V E N Ç Ã O F E D E R A L
S N O O I E W E L F A R E S T A T E
S E N T G P D S O C I O L Ó G I C A
H I Y H I E B U R G U E S I A D M F
W C P E N L E G I S L A Ç Ã O U A S
P I G A Á T H D S C D O G M A S B T
O U T O R G A D A H T O H K F E R U
E G A T I H A N S K E L S E N A B P
H T T A O O C I S H F R A N Ç A S C
T R C A R L S C H M I T T F L H O C

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo
tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 240:
1-42, Abr./Jun. 2005.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:
Livraria Almedina, 1993.
DROMI, José Roberto. La Reforma Constitucional: El Constitucionalismo del “por-venir”. In: El Derecho
Público de Finales de Siglo: Una Perpectiva Iberoamericana. Madrid: Fundación BBV, 1997.
Bibliografia: 107-16.
GUERRA, Elizabete Olinda. Vida e pensamento político de Carl Schmitt: Breves Considerações
Profanações (ISSNe – 2358-6125). Ano 4, n. 1, p. 64-75, jan./jul. 2017.
LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição? Edições e Publicações Brasil, São Paulo: 1933.

capítulo 1 • 38
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. How democracies dies. Rio de
Janeiro: Zahar, 2018.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Bahia: JusPODIVM, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2017.
SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madrid: Alianza Editorial, 2003.
SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa. Qu’est-ce que le Tiers État? Tradução Norma
Azevedo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
SILVA E NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

capítulo 1 • 39
capítulo 1 • 40
2
Teorias das normas
constitucionais
e dos direitos
fundamentais
Teorias das normas constitucionais e dos
direitos fundamentais

Introdução

Inicialmente, neste capítulo, você estudará a aplicabilidade e eficácia das nor-


mas constitucionais. No Brasil, seguindo a doutrina de José Afonso da Silva, que
muito contribuiu para o desenvolvimento dessa temática, adota-se a premissa de
que toda norma constitucional possui eficácia, já que, ao menos, qualquer norma
constitucional produz dois efeitos: a) positivo - capacidade de recepcionar as leis
anteriores à elaboração da nova constituição, desde que compatíveis materialmen-
te com ela; e b) negativo - capacidade de proibir que o legislador ordinário elabore
leis incompatíveis com a Constituição.
Dentro dessa perspectiva você estudará o desenvolvimento da teoria da nor-
ma constitucional, a partir de uma evolução histórica das tipologias de normas,
segundo doutrinadores importantes, como Thomas Cooley, Pontes de Miranda,
José Afonso da Silva, Maria Helena Diniz, Luís Roberto Barroso e outros.
Na sequência dos nossos estudos, vamos examinar a teoria geral dos direitos
fundamentais. Lembre-se que, como já foi visto, toda e qualquer constituição
prevê um rol de direitos fundamentais e, nessa medida, é importante reconhecer
quais são as suas características, dimensões e sua aplicabilidade, especialmente no
que tange aos direitos individuais e aos direitos sociais, a partir da vivência da
Constituição de 1988, que consagra um Estado Democrático de Direito.

OBJETIVOS
•  Identificar as espécies de normas constitucionais, em razão de sua aplicabilidade e eficácia;
•  Examinar a evolução histórica da teoria da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais;
•  Compreender a teoria geral dos direitos fundamentais, sobretudo no que diz respeito às
suas características e dimensões.

capítulo 2 • 42
Aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais

O estudo da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais é um dos mais


tormentosos para a ciência do direito, isso porque a constituição encontra-se no
topo da pirâmide normativa, irradiando seu poder por todo ordenamento jurídico.
Assim, vamos iniciar este capítulo realizando estudo de três casos concretos
para, ao final, podermos solucioná-los. Os casos que serão apresentados a seguir
tratam de situações cotidianas, que podem ocorrer com o cidadão comum e que,
de fato, ocorreram e devem ser elucidados a partir da utilização da teoria da apli-
cabilidade e eficácia das normas constitucionais. Daí a importância desse assunto.
Inicialmente você deve apenas tomar conhecimento dos episódios para, de-
pois, no momento certo, conciliando com o estudo teórico do tema, resolvê-los,
ou pelo menos, conhecer o raciocínio utilizado para sua solução. Vamos a eles:

ESTUDO DE CASO
Caso 1
João das Neves, após ter sido aprovado em todas as disciplinas da faculdade de Direito,
concluiu o curso. No entanto, para exercer a profissão esbarrou no Exame da Ordem dos
Advogados. Entendeu que encontra-se em “sério prejuízo moral, econômico e social: a) mo-
ral, dada a frustração de realizar todos atos necessários para conseguir o Bacharelado em
Direito e, ao final, não poder exercer a advocacia; b) econômico, pois a Carteira Profissional
abre portas do caminho profissional; c) social, pois a participação efetiva na sociedade, como
conhecedor e aplicador do Direito, resta obstaculizada em razão da omissão da Ordem dos
Advogados do Brasil - OAB que se nega a conceder a Carteira Profissional ao Bacharel em
Direito antes de prévia aprovação no Exame de Ordem.”
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei nº 8.906/94, dispõe em seu artigo
8º, IV, que para a inscrição como advogado, entre outros requisitos, é necessário a aprovação
em Exame de Ordem.
Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5º, XIII que: “é livre
o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais
que a lei estabelecer”.
Ao interpretar esses dois dispositivos, João entende que “as qualificações profissionais
seriam aquelas obtidas na Universidade, que qualifica para o trabalho. A lei não poderia,
segundo sua visão, estabelecer um Exame de Ordem para verificação dessas qualificações
profissionais, porque estaria invadindo a competência da Universidade (para qualificar) e a do

capítulo 2 • 43
Estado, do poder público, do MEC (para avaliar)”. Portanto, João compreende que o artigo 8º,
IV, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei nº 8.906/94 seria inconstitucional.
Diante disso, sob a ótica da teoria da eficácia e da aplicabilidade das normas constitu-
cionais, no que diz respeito precisamente ao artigo 5º, XIII, da Constituição (“é livre o exer-
cício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que
a lei estabelecer”), poderia a Lei nº 8.906/94, em seu artigo 8º, IV, restringir o alcance da
norma constitucional?

ESTUDO DE CASO
Caso 2
Maria das Neves foi admitida na Empresa Ziblatt de cosméticos em 12/08/2008. Em
06/08/2014 foi dispensada e, no dia seguinte à dispensa, propôs ação trabalhista em face
da Empresa cobrando tudo o que era devido desde 12/08/2008.
Pugnou a Empresa pela declaração da prescrição quinquenal, nos termos do artigo 7º,
XXIX, da Constituição Federal que dispõe: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIX - ação, quanto aos
créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para
os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de
trabalho”, referentes aos créditos anteriores a 07/08/2009.
No entanto, o juiz considerou que o inciso XXIX, referente ao direito de ação, “quando
limita seu alcance ao período de cinco anos, foi idealizado em um sistema de estabilidade de
emprego, em que vedava a despedida arbitrária, segundo o inciso I, do artigo 7º, o qual perdu-
ra desde 1988 sem a regulamentação devida (Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos
e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego
protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar,
que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos). Reconheceu, portanto, o di-
reito de Maria cobrar todos os créditos trabalhistas anteriores aos cinco anos.
Inconformada a Empresa de cosméticos, insurge-se contra sentença que acolheu a pre-
tensão da trabalhadora.
Diante do caso apresentado, o Tribunal, sob a ótica da teoria da eficácia e da aplicabilida-
de das normas constitucionais, deve dar provimento ao recurso da empresa? Ou seja, o inciso
XXIX, destacado acima, está condicionado a elaboração de uma “lei complementar” prevista
no inciso I, do artigo 7º, da Constituição Federal?

capítulo 2 • 44
ESTUDO DE CASO
Caso 3
José das Neves, servidor público civil federal que desempenha suas atividades profis-
sionais em órgão vinculado ao Ministério da Defesa (Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro),
sempre esteve submetido a condições insalubres.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 prevê a aposentadoria especial, mas nos
termos definidos em leis complementares, da seguinte maneira: “Artigo 40 (...) § 4º É vedada
a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos
abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis
complementares, os casos de servidores: I. portadores de deficiência; II. que exerçam ativida-
des de risco; III. cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física.”
Ressalta-se que até hoje, apesar da previsão desse direito, o artigo 40, § 4º, da Consti-
tuição Federal, não foi regulamentado para a efetivação da aposentadoria especial dos servi-
dores públicos que exercem atividade de risco ou sob condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, o que evidencia a mora legislativa.
Paradoxalmente, para os trabalhadores celetistas, ou seja, para aqueles que não são
servidores públicos, a Lei 8.212/91, prevê a aposentadoria especial, nos seguintes termos:
“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei,
ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser
a lei. § 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa
renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. (...) § 5º O tempo
de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas pre-
judiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo
de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da
Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.”
Assim sendo, diante da regra do artigo 40, § 4º, incisos I, II e III, da Constituição Federal,
sob à luz da teoria da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais, José das Neves
pode concretizar o seu direito à aposentadoria especial prevista no dispositivo constitucional?

Como você percebeu, pela leitura acima desses episódios, esses casos represen-
tam situações corriqueiras, que podem afetar a vida de qualquer cidadão comum.
Com isso mostramos a importância deste estudo.

capítulo 2 • 45
Entretanto, antes de conhecer a evolução e as classificações das normas cons-
titucionais, é preciso se atentar para a presença de termos como “eficácia”, “efeti-
vidade”, “aplicabilidade”, “validade”, “vigência”, “vigor” e “existência” da norma.
Tais expressões podem parecer sinônimas, mas como veremos a seguir, merecem
distinções técnico-jurídicas.
Como se sabe, nem todos os fatos da vida são relevantes para o Direito. A
existência de um ato jurídico verifica-se quando nele estão presentes os elementos
de sua constituição previstos na lei (BARROSO, 2009, p. 79).
Verificada a existência do ato, passa-se para o próximo plano de verificação,
qual seja, o da sua validade. Nesse instante, busca-se verificar se os elementos que
preenchem os requisitos exigidos pela lei. A ausência desses elementos leva à inva-
lidade do ato, que deverá sofrer sanção de nulidade ou anulabilidade, de acordo
com a gravidade da violação. Nesse aspecto, a validade não deve ser confundida
com a vigência da lei, que é a validade técnico-formal, que atesta a existência jurí-
dica e aplicabilidade de uma lei.
Por outro lado, a eficácia consiste na aptidão da norma produzir seus efeitos.
Assim, eficaz é o ato capaz de alcançar a finalidade para a qual foi criado.
Desta forma, uma norma pode ser perfeita, porque existe, válida, preenche
os requisitos determinados na lei e eficaz, além de produzir seus efeitos regulares.
Mas pode acontecer de uma norma ser perfeita, inválida e eficaz, como por exem-
plo no caso de uma lei declarada inconstitucional. Perceba que ela existe, porque
entrou no ordenamento jurídico, pode produzir efeitos, mas não atentou para as
regras estabelecidas na constituição. Nesse caso seria nula.
Da mesma maneira, a norma pode existir, ser válida, porém, ineficaz, como
por exemplo na hipótese de vigência diferida ou vacatio legis. Isso tudo demonstra
que existem os planos da existência, da validade e da eficácia da norma.
Observe, com atenção, que neste capítulo vamos dar ênfase ao plano da efi-
cácia e, como tal, perceberemos que nesse aspecto, a norma constitucional possui
gradações distintas.
Hans Kelsen contribuiu para a distinção dos termos, da seguinte forma:

Como a vigência da norma pertence à ordem do dever ser, e não à ordem do ser, deve
também distinguir-se a vigência da norma da sua eficácia, isto é, do fato real de ela ser
efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme
à norma se verificar na ordem dos fatos. Dizer que uma norma vale (é vigente) traduz
algo diferente do que se diz quando se afirma que ela é efetivamente aplicada e respei-
tada, se bem que entre vigência e eficácia possa existir uma certa conexão. Uma norma
jurídica é considerada como objetivamente válida apenas quando a conduta humana que

capítulo 2 • 46
ela regula lhe corresponde efetivamente, pelo menos numa certa medida. Uma norma
que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que - como
costuma dizer-se - não é eficaz em uma certa medida, não será considerada como norma
válida (vigente). Um mínimo de eficácia (como sói dizer-se) é a condição da sua vigência.
(...) Porém, uma norma jurídica deixará de ser considerada válida quando permanece
duradouramente ineficaz. A eficácia é, nesta medida, condição da vigência, visto ao esta-
belecimento de uma norma se ter de seguir a sua eficácia para que ela não perca a sua
vigência. (KELSEN, 1998, p. 8)

Perceba que a aplicabilidade constitucional significa a possibilidade de inci-


dência da norma no caso concreto que, por sua vez, apresenta a potencialida-
de de produzir efeitos no mundo dos fatos. Mas, para que isso ocorra, adota-se
como premissa que a norma constitucional seja vigente e válida no momento de
sua aplicação.
Assim, a aplicabilidade está relacionada com a incidência da norma constitu-
cional. Enquanto a eficácia está ligada à capacidade de a norma constitucional ge-
rar efeitos. Esses efeitos variam em grau e profundidade (BULOS, 2015, p. 477).
É importante frisar que se adota a premissa de que toda norma constitucional
possui eficácia. Por conseguinte, toda e qualquer norma constitucional é impe-
rativa e cogente e, por isso, não existe norma constitucional despida de eficácia
jurídica. Até a norma constitucional mais fraca apresenta uma mínima eficácia.
Por óbvio, isso não se confunde com ausência de efetividade, ou seja, a falta de
aplicabilidade da norma por parte dos órgãos do Estado ou dos cidadãos. Melhor
dizendo: a transgressão da Constituição. Nesse caso, paradoxalmente, a norma
possui eficácia jurídica, mas não efetividade (eficácia social).
Nesse sentido, a efetividade ou eficácia social de uma Constituição ocorre
quando a norma constitucional é empregada e obedecida, se aproximando daquilo
que você estudou no capítulo anterior sobre o sentido sociológico de constituição,
que se apresenta a partir os fatores reais de poder.

Evolução classificatória da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais

Observados os sentidos de termos importantes para a compreensão da temá-


tica desenvolvida neste segundo capítulo, podemos iniciar o estudo das diversas
classificações propostas por vários teóricos sobre à aplicabilidade e à eficácia das
normas constitucionais.
Entretanto, é importante anotar mais uma vez que, cada norma constitucio-
nal possui uma gradação distinta, cujos efeitos podem variar em profundidade e

capítulo 2 • 47
extensão (BULOS, 2015, p. 478). Dessa maneira, umas terão maior eficácia que
outras e, é por isso mesmo que surgiram inúmeras classificações doutrinárias a
respeito das normas constitucionais.
Para facilitar o seu estudo, vamos dividir essa seção em três partes distintas,
segundo as visões dos teóricos referentes à evolução da teoria da aplicabilidade e
eficácia das normas. Essa fragmentação busca agrupar tais classificações de acordo
com a similitude do pensamento doutrinário.

Visão clássica das normas constitucionais

A obra denominada A treatise on the constitutional limitations which rest upon


the Legislative Power of the States of the American Union, de autoria do norte-ame-
ricano Thomas Mclntyre Cooley, publicada em 1868, inaugurou o estudo sobre a
teoria da eficácia da norma constitucional.
Thomas Cooley ao examinar a 15ª Emenda da Constituição americana, que
dispõe que o direito de voto não pode ser negado pela União ou por qualquer
Estado em razão de raça, cor ou de prévio estado de servidão e, ainda, que o
Congresso dos Estados Unidos, através de legislação apropriada terá compe-
tência para executar esse direito, percebeu a existência de dois tipos de normas
constitucionais.
Segundo Cooley, a primeira parte da 15ª Emenda, que garante o direito de
voto, assume caráter auto operativa. No entanto, em relação a segunda parte da
referida Emenda, o autor constatou que o direito ao voto necessitava de regula-
mentação complementar do Congresso, sendo insuficiente para a consagração da
igualdade do direito ao voto.

CURIOSIDADE
A Constituição dos Estados Unidos, composta por sete artigos, foi aprovada pela Con-
venção da Filadélfia em 17 de setembro de 1787. Apesar de mais de duzentos anos de
existência, essa Constituição, até hoje, sofreu apenas vinte e sete emendas. É considerada a
mais curta constituição escrita em vigor.
Por outro lado, a atual Constituição do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988,
possui 250 artigos em seu corpo acrescidos de 114 artigos do Ato das Disposições Consti-
tucionais Transitórias, totalizando 364 artigos. Além disso, como você estudou no capítulo 1,
possui 6 emendas constitucionais de revisão e 99 emendas constitucionais.

capítulo 2 • 48
Dessa simples observação, Cooley começou a classificar as normas constitu-
cionais em self-executing provisions e not self-executing provisions.

SELF–EXECUTING PROVISIONS

NORMAS
CONSTITUCIONAIS

NOT SELF–EXECUTING PROVISIONS

Figura 2.1  –  Classificação proposta por Thomas Cooley.

As primeiras seriam aquelas que possuem suficientemente qualidade para as-


segurar todo o comando do dispositivo constitucional, ou seja, desde sua entrada
em vigor as normas self-executing provisions estariam aptas a produzir todos os seus
efeitos. Por outro lado, seriam consideradas normas not self-executing provisions
quando indicassem princípios, sem força auto operativa.
Essa teoria clássica, aqui no Brasil, foi encampada por Rui Barbosa, que pas-
sou a classificar as normas constitucionais em auto executáveis e não auto exe-
cutáveis. As primeiras correspondiam às normas constitucionais self-executing
provisions e, as normas constitucionais não auto executáveis equivaleriam às not
self-executing provisions, propostas por Thomas Cooley.

AUTOEXECUTÁVEIS

NORMAS
CONSTITUCIONAIS

NÃO AUTOEXECUTÁVEIS

Figura 2.2  –  Classificação proposta por Rui Barbosa.

Posteriormente, Pontes de Miranda, aperfeiçoou a teoria, distinguindo as re-


gras jurídicas em normas bastantes em si, normas não-bastantes em si e regras
programáticas, embora essas últimas pudessem estar abarcadas nas primeiras.
Segundo o autor, regras bastantes em si seriam aquelas que se bastavam por si
mesmas. Seriam as self-executing, self-acting, self-enforcing dos norte-americanos.
Por outro lado, se a norma necessita de regulamentação posterior, sem a qual não

capítulo 2 • 49
pode ser aplicada, não se basta em si mesma. Daí a denominação normas consti-
tucionais não-bastantes em si.
Finalmente, para Pontes de Miranda, tanto as regras bastantes em si como as
não-bastantes em si poderiam ser reveladas como regras programáticas, ou seja,
aquelas que traçam linhas diretoras, metas ou programas que orientarão a atuação
do Estado.

Visão reestruturada das normas constitucionais

Como você deve ter percebido, a partir da evolução teórica quanto à existência
de normas programáticas, típicas do constitucionalismo do século XX, a dicoto-
mia proposta por Cooley, em self-executing provisions e not self-executing provisions,
não mais respondia aos anseios da nova realidade constitucional.
Assim, nos idos da década de 40, do século XX, o italiano Gaetano Azzaritti
propôs a divisão das normas constitucionais em preceptivas e diretivas. As pri-
meiras se subdividiriam em a) de aplicação direta e imediata, sem a necessidade
de atuação posterior do legislador ordinário e b) de aplicação direta, mas não
imediata (ou mediata), como aquelas dependentes de integração posterior pela
legislação. Já as normas diretivas imporiam um atuar futuro do legislador. Mais
tarde, Azzaritti as denominou de normas programáticas.

DE APLICAÇÃO DIRETA
E IMEDIATA
PRECEPTIVAS
DE APLICAÇÃO DIRETA,
NORMAS MAS NÃO IMEDIATA
CONSTITUCIONAIS

DIRETIVAS

Figura 2.3  –  Classificação proposta por Gaetano Azzaritti.

Coube a outro italiano, Vezio Crisafulli, aprimorar e reformular a teoria da apli-


cabilidade e eficácia da norma constitucional. É que, diferentemente de Gaetano
Azzaritti, o jurista Crisafulli conferia eficácia jurídica às normas programáticas a
fim de buscar a concretização da Constituição. Para isso, Crisafulli propôs três

capítulo 2 • 50
espécies de normas constitucionais distintas: normas de eficácia plena, normas
de eficácia limitada de legislação e normas de eficácia limitada programáticas.

DE EFICÁCIA PLENA

NORMAS DE EFICÁCIA LIMITADA


CONSTITUCIONAIS DE LEGISLAÇÃO

DE EFICÁCIA LIMITADA
PROGRAMÁTICAS

Figura 2.4  –  Classificação de Vezio Crisafulli.

As normas de eficácia plena nada se afastariam das já conhecidas self-executing


provisions, de Cooley. Assim, tais normas, desde sua criação, seriam aptas a produ-
zir todos os efeitos esperados, promovendo, de imediato, potencialidade jurídica.
Por outro lado, as normas de eficácia limitada de legislação dependeriam da
edição de lei para produzir seus efeitos. E, para finalizar, as normas de eficácia limi-
tada programáticas corresponderiam aos enunciados preceptivos, que vinculariam
os órgãos públicos na busca dos objetivos fundamentais do Estado.
No Brasil, Meirelles Teixeira seguiu os passos de Crisafulli, se afastando da
clássica bipartição das normas constitucionais em auto executáveis e não auto exe-
cutáveis, já examinadas.
Você deve perceber que o autor brasileiro partiu da premissa de que não existe
norma constitucional sem eficácia e, nesse sentido, propôs duas categorias distin-
tas: a) as normas constitucionais de eficácia plena e b) as normas constitucio-
nais de eficácia limitada ou reduzida.

DE EFICÁCIA PLENA

NORMAS
CONSTITUCIONAIS

DE EFICÁCIA LIMITADA
OU REDUZIDA

Figura 2.5  –  Classificação de Meirelles Teixeira.

capítulo 2 • 51
Na mesma linha de Crisafulli, para Meirelles Teixeira, a norma de eficácia ple-
na, desde sua criação já ostenta normatividade bastante à sua incidência, produ-
zindo aplicabilidade direta e imediata. Ao contrário, a norma de eficácia limitada
não produz todos os seus efeitos, porque depende da tarefa positiva e futura do
legislador ordinário que terá o encargo de torná-la integral.
Com base também em Crisafulli, José Afonso da Silva, em monografia escrita
no ano de 1968, intitulada de Aplicabilidade das Normas Constitucionais dissemi-
na no Brasil a existência da seguinte classificação: a) normas constitucionais de
eficácia plena; b) as normas constitucionais de eficácia contida; e c) normas
constitucionais de eficácia limitada, essas subdivididas em normas constitu-
cionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de princípio programático.
(SILVA, 2003)

DE EFICÁCIA PLENA

NORMAS DE PRINCÍPIO
DE EFICÁCIA CONTIDA
CONSTITUCIONAIS INSTITUTIVO

DE EFICÁCIA LIMITADA
DE PRINCÍPIO
PROGRAMÁTICO

Figura 2.6  –  Classificação de José Afonso da Silva.

Para José Afonso da Silva, as normas constitucionais de eficácia plena dispõem


rigorosamente sobre o conteúdo contemplado e como deverá se conduzir o desti-
natário da norma. Tais normas não necessitam de edição de lei, uma vez que pos-
suem todos os elementos imprescindíveis para sua executoriedade direta e integral.
Por isso, a aplicabilidade da norma constitucional de eficácia plena é direta,
imediata e integral, pois ela pode ser aplicada diretamente por prescindir de
atuação do legislador ordinário para alcançar os seus efeitos. São exemplos des-
sas normas os seguintes dispositivos constitucionais: art. 95, I, II e III (garan-
tias dos magistrados); art. 5º, III (vedação da tortura e de tratamento desumano
ou degradante).

capítulo 2 • 52
Podemos citar outros exemplos dessa tipologia, como os artigos: 2º; 14, §
2º; 16; 17, § 4º; 28, caput; 30; 37, III; 46, § 1º; 226, §1º, todos da Constituição
Federal de 1988.
É nesse momento que você deve retomar o estudo de caso 2 e aplicar a teoria
da eficácia e aplicabilidade, segundo a visão de José Afonso da Silva. Vamos lá!

ESTUDO DE CASO
Caso 2
Maria das Neves foi admitida na Empresa Ziblatt de cosméticos em 12/08/2008. Em
06/08/2014 foi dispensada e no dia seguinte propôs ação trabalhista em face da Empresa.
Pugnou a Empresa pela declaração da prescrição quinquenal, nos termos do artigo 7º,
XXIX, da Constituição Federal que dispõe: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIX - ação, quanto aos
créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para
os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de
trabalho”, referentes aos créditos anteriores a 07/08/2009.
No entanto, o juiz considerou que o inciso XXIX, referente ao direito de ação, “quando
limita seu alcance ao período de cinco anos, foi idealizado em um sistema de estabilidade de
emprego, em que vedava a despedida arbitrária, segundo o inciso I, do artigo 7º, o qual perdu-
ra desde 1988 sem a regulamentação devida (Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos
e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego
protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar,
que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos). Reconheceu, portanto, os
créditos anteriores aos cinco anos.
Inconformada a Empresa de cosméticos, insurge-se contra sentença que acolheu pre-
tensão da trabalhadora.
Diante do caso apresentado, o Tribunal sob a ótica da teoria da eficácia e da aplicabili-
dade das normas constitucionais, deve dar provimento ao recurso? Ou seja, o inciso XXIX,
destacado acima, está condicionado a elaboração de uma “lei complementar” prevista no
inciso I, do artigo 7º, da Constituição Federal?

Resolução do caso 2:
A resposta nesse caso é muito simples. A empresa tem razão, pois o juiz deveria ter
considerado o inciso XXIX, do artigo 7º, da Constituição Federal como norma constitucional
de eficácia plena, ou seja, autoaplicável. Assim, deveria ter aplicado diretamente a regra do

capítulo 2 • 53
inciso XXIX, do artigo 7º, que dispõe sobre a prescrição quinquenal, deixando de reconhecer
os créditos cobrados por Maria antes de 07/08/2009.
Com efeito, o Tribunal Regional do Trabalho, da 12ª Região, no Recurso Ordinário Traba-
lhista, nº 0004265-93.2014.5.12.0002 SC, 3ª Turma, Acórdão publicado em 06/05/2016,
Relatora: Ligia Maria Teixeira Gouveia, assim se manifestou:
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 7º, XXIX, DA CF/88. NORMA DE EFICÁCIA PLE-
NA. O inciso XXIX, do art. 7º, da CF/88 é autoaplicável, dotado de eficácia plena por conter
todos os elementos necessários à sua incidência, sem estipular qualquer regulamentação
infraconstitucional. Logo, não há falar na normatização do inciso I do mesmo artigo como
fator condicionante da possibilidade de pronúncia da prescrição quinquenal.
Perceba que o marco prescricional está situado em 07/08/2009, porque proposta a
ação por Maria em 07/09/2014.
Em maio de 2018, no mesmo sentido, o Tribunal Regional do Trabalho, da 4ª Região,
no Recurso Ordinário 0020426-04-2017.5.04.0292 RO, 1ª Turma, Acórdão publicado em
16/05/2018, Relator: Manuel Cid Jardon, assim se pronunciou:
PRESCRIÇÃO. ART. 7º, XXIX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NORMA DE EFI-
CÁCIA PLENA. A prescrição quinquenal dos créditos resultantes da relação de trabalho,
prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição da República, é norma constitucional de eficácia
plena, que não está subordinada à regulamentação da proteção prevista no inciso I de tal
dispositivo contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.

Outra espécie de norma constitucional existente, segundo a visão de José


Afonso da Silva, é a norma constitucional de eficácia contida. Essa norma é muito
parecida com a norma constitucional de eficácia plena, ou seja, ela possui aplica-
bilidade direta e imediata, porém, pode ser restringida, contida ou reduzida pelo
legislador ordinário. Mas, como assim?
Nesse caso, é a própria Constituição quem autoriza o legislador ordinário
no futuro restringir o alcance e o conteúdo da norma constitucional, sem que
com isso essa norma seja considerada inconstitucional. Perceba que, enquanto não
sobrevier norma ordinária restritiva, a norma constitucional vigora plenamente,
como se fosse uma norma constitucional de eficácia plena. Ou seja, a norma cons-
titucional de eficácia contida possui aplicabilidade direta e imediata (tal como
a norma constitucional de eficácia plena), porém, possivelmente não integral.
Um exemplo de norma dessa espécie pode ser encontrado no artigo 5º, XIII,
da Constituição Federal de 1988, que dispõe ser “livre o exercício de qualquer

capítulo 2 • 54
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei es-
tabelecer”. Repare bem que o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão é
livre até que o legislador (no futuro) restrinja essa liberdade. Dessa forma, você
pode desempenhar qualquer profissão, desde que lícita, até que o legislador impo-
nha restrições a esse exercício.
São também exemplos de normas dessa natureza os seguintes dispositivos
constitucionais: artigo 5º, VII, VIII, XII, XV, XXV, XXVII, XXIX; artigo 15, IV,
artigo 84, XXVI, artigo 170, parágrafo único.
Observe com atenção que as normas de eficácia contida muito se parecem
também com as normas constitucionais limitadas, pois ambas permitem regula-
mentação legislativa ordinária. Entretanto, são inconfundíveis, já que as normas
de eficácia contida podem ser restringidas por lei, enquanto as normas de eficácia
limitada podem ser ampliadas por lei posterior.
Chegou a hora de testar nosso conhecimento. Você lembra do estudo de caso
1? Vamos finalmente resolvê-lo?

ESTUDO DE CASO
Caso 1
João das Neves, após ter sido aprovado em todas as disciplinas da faculdade de Direito,
concluiu o curso. No entanto, para exercer a profissão esbarrou no Exame da Ordem dos
Advogados. Entendeu que encontra-se em “sério prejuízo moral, econômico e social: a) mo-
ral, dada a frustração de realizar todos atos necessários para conseguir o Bacharelado em
Direito e, ao final, não poder exercer a advocacia; b) econômico, pois a Carteira Profissional
abre portas do caminho profissional; c) social, pois a participação efetiva na sociedade, como
conhecedor e aplicador do Direito, resta obstaculizada em razão da omissão da Ordem dos
Advogados do Brasil - OAB que se nega a conceder a Carteira Profissional ao Bacharel em
Direito antes de prévia aprovação no Exame de Ordem.”
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei nº 8.906/94, dispõe em seu artigo
8º, IV, que para a inscrição como advogado, entre outros requisitos, é necessário a aprovação
em Exame de Ordem.
Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5º, XIII que: “é livre
o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais
que a lei estabelecer”.
Ao interpretar esses dois dispositivos, João entende que “as qualificações profissionais
seriam aquelas obtidas na Universidade, que qualifica para o trabalho. A lei não poderia,

capítulo 2 • 55
segundo sua visão, estabelecer um Exame de Ordem para verificação dessas qualificações
profissionais, porque estaria invadindo a competência da Universidade (para qualificar) e a do
Estado, do poder público, do MEC (para avaliar)”. Portanto, João compreende que o artigo 8º,
IV, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei nº 8.906/94 seria inconstitucional.
Diante disso, sob a ótica da teoria da eficácia e da aplicabilidade das normas constitu-
cionais, no que diz respeito precisamente ao artigo 5º, XIII, da Constituição (“é livre o exer-
cício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que
a lei estabelecer”), poderia a Lei nº 8.906/94, em seu artigo 8º, IV, restringir o alcance da
norma constitucional?

Resolução do caso 1:
O raciocínio utilizado para resolver esse caso é o seguinte: O artigo 5º, XIII, da Constitui-
ção Federal de 88 é classificado, segundo José Afonso da Silva, como norma constitucional
de eficácia contida. Assim sendo, a lei ordinária pode restringir o alcance e o conteúdo da
liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Foi o que aconteceu a partir
da edição da Lei nº 8.906/94, que em seu artigo 8º, IV, prevê como requisito para inscrição
como advogado, a aprovação no Exame de Ordem.
Com efeito, o Recurso Extraordinário 603.583 questionou a obrigatoriedade do Exa-
me da OAB para que bacharéis em Direito pudessem exercer a advocacia. Nesse sentido,
assim se manifestou o Supremo Tribunal Federal: “TRABALHO - OFÍCIO OU PROFISSÃO
- EXERCÍCIO. Consoante disposto no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal, “é livre
o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais
que a lei estabelecer”. BACHARÉIS EM DIREITO - QUALIFICAÇÃO. Alcança-se a qualifi-
cação de bacharel em Direito mediante conclusão do curso respectivo e colação de grau.
ADVOGADO - EXERCÍCIO PROFISSIONAL - EXAME DE ORDEM. O Exame de Ordem,
inicialmente previsto no artigo 48, inciso III, da Lei nº 4.215/63 e hoje no artigo 84 da Lei
nº 8.906/94, no que a atuação profissional repercute no campo de interesse de terceiros,
mostra-se consentâneo com a Constituição Federal, que remete às qualificações previstas
em lei. Considerações.”

Para finalizar, José Afonso da Silva ainda menciona uma terceira categoria de
norma constitucional: a de eficácia limitada. Embora apresente eficácia jurídica
desde sua criação, essa norma não produz todos seus efeitos, por falta de efetivida-
de, pois depende de lei para regulamentá-la. Daí possuir aplicabilidade indireta,
mediata e reduzida, ou para alguns autores, aplicabilidade diferida.

capítulo 2 • 56
ATENÇÃO
É comum a Constituição utilizar termos como “na forma da lei”, “nos termos da lei”, “de
acordo com a lei”, “disporá em lei”, “fixada em lei”, “lei regulará” etc. Isso não identifica uma
norma constitucional de eficácia limitada, pois o constituinte utilizou tais expressões para
designar também as normas de eficácia contida, como por exemplo nos artigos 5º, XXVIII,
(nos termos da lei) e 37, I (estabelecidos em lei).

A norma constitucional de eficácia limitada, segundo a visão do mesmo autor,


pode ser subdividida em: a) norma constitucional de eficácia limitada de princípio
institutivo e b) norma constitucional de eficácia limitada de princípio programático.
A primeira espécie, ou seja, a norma constitucional de eficácia limitada de
princípio institutivo, visa dar corpo ou forma a órgãos ou pessoas do Estado,
como por exemplo, a regra prevista no artigo 18 § 4º, da Constituição Federal,
que prevê a criação de municípios através de leis (complementar federal e esta-
dual), da seguinte maneira:

Artigo 18 § 4º, Constituição Federal/88 - A criação, a incorporação, a fusão e o des-


membramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado
por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito,
às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade
Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

Perceba que o dispositivo menciona “lei estadual”, dentro do período determi-


nado por “Lei Complementar Federal”, e “na forma da lei”, deixando claro que a
norma constitucional necessita ser complementada por outra de caráter ordinário.
Daí porque, repita-se, tal norma tem aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
Podemos ainda apresentar os seguintes exemplos de normas constitucionais
de eficácia limitada de princípio institutivo: arts. 22, parágrafo único; 37, VII;
37, XI; 88, 91, § 2º; 109, VI; 109, § 3º; 113; 121; 128, § 5º; 146, todos da
Constituição Federal de 1988.
A norma constitucional de eficácia limitada de princípio programático é ine-
rente às constituições modernas, vez que representa uma meta ou um programa do
Estado a ser atingido no futuro. Como exemplo, podemos lembrar dos seguintes
dispositivos constitucionais: arts. 6º; 196; 205; 215 e 218.

capítulo 2 • 57
Que tal retomarmos agora o estudo de caso 3? Nesse momento, você será
capaz de resolver e verificar o aprendizado em relação a essa espécie de norma
constitucional, segundo a visão de José Afonso da Silva. Mãos à obra!

ESTUDO DE CASO
Caso 3:
José das Neves, servidor público civil federal que desempenha suas atividades profis-
sionais em órgão vinculado ao Ministério da Defesa (Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro),
sempre esteve submetido a condições insalubres.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 prevê a aposentadoria especial, mas nos
termos definidos em leis complementares, da seguinte maneira: “Artigo 40 (...) § 4º É vedada
a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos
abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis
complementares, os casos de servidores: I. portadores de deficiência; II. que exerçam ativida-
des de risco; III. cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física.”
Ressalta-se que até hoje, apesar da previsão desse direito, o artigo 40, § 4º, da Consti-
tuição Federal, não foi regulamentado para a efetivação da aposentadoria especial dos servi-
dores públicos que exercem atividade de risco ou sob condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, o que evidencia a mora legislativa.
Paradoxalmente, para os trabalhadores celetistas, ou seja, para aqueles que não são
servidores públicos, a Lei 8.212/91, prevê a aposentadoria especial, nos seguintes termos:
“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a
saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei. § 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33
desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-
-de-benefício. (...) § 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam
ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado,
após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo
critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de
concessão de qualquer benefício.”
Assim sendo, diante da regra do artigo 40, § 4º, incisos I, II e III, da Constituição Federal,
sob à luz da teoria da aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais, José das Neves
pode concretizar o seu direito à aposentadoria especial prevista no dispositivo constitucional?

capítulo 2 • 58
Resolução do caso 3:
Não há dúvidas de que o artigo 40, § 4º, incisos I, II e III, da Constituição Federal é
classificado pela doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como norma
constitucional de eficácia limitada, ou seja, depende de regulamentação para alcançar todos
os efeitos esperados.
Por ser norma constitucional de eficácia limitada, como você já estudou, possui aplicabili-
dade mediata, indireta e reduzida ou, segundo alguns autores, aplicabilidade diferida.
A princípio a resposta à pergunta formulada seria no sentido negativo, ou seja, que José
não teria direito à aposentadoria especial, afinal, o dispositivo constitucional até o momento
não foi regulamentado pelas “leis complementares”.
Nesse ponto a questão se torna complexa, pois desde a previsão da aposentadoria es-
pecial na Constituição Federal não houve a edição das leis complementares sobre o assunto,
capazes de regulamentar esse direito básico do servidor público.
Devido essa mora legislativa, muitos servidores públicos questionaram no Judiciário a
falta de legislação específica e pediram que fosse aplicada, por analogia, a legislação exis-
tente para os celetistas.
No Mandado de Injunção nº 5469 DF, Ministra relatora Cármen Lúcia, o Supremo Tri-
bunal Federal entendeu que deveria ser aplicado o artigo 57, da Lei 8.212/91, dirigida aos
celetistas, no que couber.
Assim, em 2014, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante nº 33, que
possui o seguinte enunciado: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do
regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, §
4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”

Como percebemos as normas constitucionais de eficácia limitada possuem


as seguintes características: a) indicam o dever de agir do legislador ordinário; b)
condicionam a legislação futura, sob pena de inconstitucionalidade; c) asseveram
o sentido para a interpretação das normas jurídicas; d) condicionam a atuação do
Executivo e do Judiciário; e) criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou
desvantagem. (SILVA, 2003, p. 262)

Outras perspectivas acerca das normas constitucionais

Nesse tópico você conhecerá outras perspectivas de uma gama de auto-


res brasileiros em relação à eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.

capítulo 2 • 59
Começaremos pela proposta apresentada por Maria Helena Diniz, que divide as
normas constitucionais em: a) normas com eficácia absoluta ou supereficazes;
b) normas com eficácia plena; c) normas com eficácia relativa restringível; e
d) normas com eficácia relativa complementável ou dependentes de comple-
mentação (DINIZ, 2001, p. 98).
Para a autora, as normas com eficácia absoluta ou supereficazes equivalem às
cláusulas pétreas, previstas no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal, ou seja, as
cláusulas de intocabilidade, que não podem ser suprimidas pelo poder constituin-
te derivado. Como você estudou no capítulo anterior, trata-se de uma limitação
ao poder de reforma.
Importa destacar que, como vimos anteriormente, as normas constitucionais
possuem gradações distintas. Nesse sentido, vale a pena destacar as observações de
Uadi Lammêgo Bulos, para quem:

Seria ingênuo admitir normas constitucionais de idêntica eficácia, sempre prontas para
serem aplicadas, porque as constituições são diplomas incompletos. Albergam múltiplos
interesses, que derivam de forças antagônicas. Elaboradas em ambientes conturbados,
a realização de suas promessas e de seus compromissos fica sob os cuidados do legis-
lador ordinário, que, numa etapa futura da vida constitucional do Estado, irá implementar
as aspirações cristalizadas no texto supremo. (BULOS, 2015, p. 478)

Perceba que a diferença entre normas constitucional de eficácia plena e norma


absoluta, está no fato de que essa última não pode ser suprimida por emenda cons-
titucional, enquanto as normas de eficácia plena podem ser objeto de alteração
pelo poder constituinte derivado reformador.
Maria Helena Diniz não faz nenhuma distinção em relação às normas de efi-
cácia plena apresentadas por José Afonso da Silva. Por outro lado, para ela as nor-
mas de eficácia “contida” merecem uma nova designação, qual seja: norma com
eficácia relativa restringível pois, em verdade, o termo “eficácia contida” denota
falsamente a ideia de que a norma constitucional já se encontra delimitada por lei
ordinária. Como você percebeu, a norma constitucional de eficácia contida possui
aplicabilidade direta e imediata, tal como uma norma constitucional de eficácia
plena. A sua distinção está no fato de que ela pode, através do legislador infracons-
titucional, ser restringida.
Por fim, Maria Helena Diniz refere-se às normas com eficácia relativa comple-
mentável, subdivididas em normas de princípio institutivo e princípio programá-
tico, da mesma maneira que foi proposta por José Afonso da Silva.

capítulo 2 • 60
À vista do que foi revelado, você deve ter compreendido que Maria Helena
Diniz apresentou algumas mudanças em relação à classificação desenvolvida por
José Afonso da Silva, ou seja: a) a existência de normas supereficazes ou abso-
lutas; b) alteração de nomenclatura das normas constitucionais de eficácia con-
tida para “norma com eficácia relativa restringível”; c) alteração de nomencla-
tura das normas constitucionais de eficácia limitada para normas com eficácia
relativa complementável.

COM EFICÁCIA ABSOLUTA


OU SUPEREFICAZES

COM EFICÁCIA PLENA


NORMAS
COM EFICÁCIA RELATIVA
CONSTITUCIONAIS
RESTRINGÍVEL
DE PRINCÍPIO
INSTITUTIVO
COM EFICÁCIA RELATIVA
COMPLEMENTÁVEL OU
DEPENDENTES DE
COMPLEMENTAÇÃO DE PRINCÍPIO
PROGRAMÁTICO

Figura 2.7  –  Classificação de Maria Helena Diniz.

Ao lado dessa classificação, Uadi Lammêgo Bulos reconhece também a exis-


tência de normas constitucionais de eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada.
(BULOS, 2015, p. 479).
A norma constitucional de eficácia esvaída é aquela que sua eficácia jurídica
já se esgotou por completo. Mas, é possível que essa norma produza eficácia so-
cial. Ou melhor, a norma constitucional de eficácia esvaída ainda pode produzir
efeitos sociais, apesar de ter seu esgotamento eficacial jurídico. O autor exem-
plifica essa situação a partir da análise do artigo 22, do ADCT, que dispõe o
seguinte: “É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data da
instalação da Assembleia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira,
com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único,
da Constituição”.
O autor explica que o dispositivo “(...) mesmo depois de esvaído, continuou
sendo aplicado, para não deixar sem tutela certas situações particulares, que

capítulo 2 • 61
precisavam ser equacionadas.” Dessa maneira, é plenamente possível que uma nor-
ma esvaída possa permanecer efetiva, isto é, produzindo efeitos sociais (efetividade).
É importante salientar que a norma de eficácia esvaída corresponde a um está-
gio anterior da norma constitucional de eficácia exaurida. A partir do momento em
que uma norma constitucional de eficácia esvaída se esgota tanto jurídica, como
socialmente, se transforma em uma norma constitucional de eficácia exaurida.
A norma de eficácia esvaída e uma norma no caminho do seu exaurimento.
Veja por exemplo o que aconteceu com o artigo 26 do ADCT, que dispõe que “No
prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional
promoverá, através de Comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos
geradores do endividamento externo brasileiro”.
Assim, um ano após a promulgação da Constituição o artigo 26, do ADCT, se
esvaiu. Porém, apenas no início da década de 1990 passou a ser de eficácia exaurida.
As normas constitucionais de eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada são
aquelas em que todos os seus efeitos foram produzidos e extintos. Como exemplo
dessa espécie podem ser mencionados os seguintes artigos do ADCT: arts. 1º, 2º,
14, 20, 25 etc.

CURIOSIDADE
O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, que faz parte do texto cons-
titucional, situado ao final da sua composição principal, até o fechamento dessa edição conta
com 114 artigos. Somente ele é quase do tamanho de toda a Constituição da China, de
1982, que rege o Estado mais populoso do mundo, contendo 138 artigos.

São características das normas constitucionais de eficácia exaurida e aplicabili-


dade esgotada: a) não apresentam eficácia jurídica nem eficácia social (efetividade)
e b) assemelham-se às disposições constitucionais transitórias, que desempenha-
ram sua função, não sendo mais aplicáveis; c) não podem mais ser aplicadas, pois
seus efeitos foram esgotados.

capítulo 2 • 62
COM EFICÁCIA ABSOLUTA
OU SUPEREFICAZES

COM EFICÁCIA PLENA

COM EFICÁCIA RELATIVA


RESTRINGÍVEL
NORMAS DE PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAIS INSTITUTIVO
COM EFICÁCIA RELATIVA
COMPLEMENTÁVEL OU
DEPENDENTES DE
COMPLEMENTAÇÃO DE PRINCÍPIO
PROGRAMÁTICO
COM EFICÁCIA ESVAÍDA

COM EFICÁCIA EXAURIDA

Figura 2.8  –  Classificação de Uadi Lammêgo Bulos.

Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto apresentam uma classificação dis-
tinta das demais. Para os referidos autores, existem normas de mera aplicação,
que desde o seu nascimento estão aptas a produzir seus efeitos, sem a necessida-
de de lei ordinária para sua complementação. Essas normas são bipartidas em:
a) irregulamentáveis, ou seja, incidem diretamente sobre os fatos regulados, não
havendo necessidade de regulamentação por parte do legislador; b) regulamen-
táveis, isto é, as normas que permitem o seu desdobramento através de outras
normas regulamentadoras.
Por outro lado, tais autores vislumbram ainda a existência das normas de
mera integração, que são aquelas que não possuem auto-operatividade e, por
isso, necessitam de integração por outra norma. Essa espécie subdivide-se em:
a) normas complementáveis, ou seja, quando a própria constituição exige re-
gulamentação legislativa posteriormente; e b) normas infringíveis, quando a
constituição permite que o legislador infraconstitucional diminua a sua ampli-
tude e conteúdo, como por exemplo a norma já estudada do artigo 5º, XIII, da
Constituição Federal.

capítulo 2 • 63
IRREGULAMENTÁVEIS
DE MERA APLICAÇÃO

NORMAS REGULAMENTÁVEIS
CONSTITUCIONAIS
COMPLEMENTÁVEIS
DE MERA INTEGRAÇÃO

INFRINGÍVEIS

Figura 2.9  –  Classificação de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto.

Para finalizar, apresenta-se a sistematização das normas constitucionais pro-


posta por Luís Roberto Barroso.
Segundo o autor, as normas constitucionais enquadram-se na seguinte tipolo-
gia: a) normas constitucionais de organização; b) normas constitucionais de-
finidoras de direito; e c) normas constitucionais programáticas (BARROSO,
2009, p. 90).

DE ORGANIZAÇÃO

NORMAS
DEFINIDORAS DE DIREITO
CONSTITUCIONAIS

PROGRAMÁTICAS

Figura 2.10  –  Classificação Luís Roberto Barroso.

As normas de organização têm por finalidade organizar o exercício do poder


político. As normas definidoras de direito têm como objeto estabelecer direitos fun-
damentais inerentes às pessoas. Por derradeiro, as normas constitucionais progra-
máticas têm como escopo traçar os fins públicos a serem perseguidos pelo Estado.

Teoria dos Direitos Fundamentais

Na sequência dos nossos estudos, após ser examinada a teoria da eficácia e


aplicabilidade das normas constitucionais, vamos dar início à análise da teoria dos
direitos fundamentais.

capítulo 2 • 64
Antes de tudo, porém, é preciso estabelecer a diferença entre direitos e
garantias fundamentais. Com efeito, os direitos são vantagens prescritas na
Constituição, ao passo que as garantias são instrumentos que visam possibilitar o
exercício do direito.
Da mesma maneira, o termo garantias constitucionais não se confunde com
a expressão remédios constitucionais.
Os remédios constitucionais são espécies do gênero garantias. São eles: o ha-
beas corpus, o habeas data, o mandado de injunção, o mandado de segurança e a
ação popular.

A questão terminológica: Direitos fundamentais, direitos humanos ou direitos do


homem?

Em que pesem os termos direitos fundamentais e direitos humanos serem uti-


lizados como sinônimos, existe uma imprecisão doutrinária abundante na utiliza-
ção das terminologias empregadas, tais como direitos do homem, direitos públicos
subjetivos, direitos humanos, liberdades públicas, direitos fundamentais, direitos
humanos fundamentais entre outras.
A própria Constituição Federal brasileira, à semelhança de outras constitui-
ções, faz referência a inúmeras terminologias a fim de designar o conteúdo do
direito a ser protegido.
É preciso, assim, reconhecer que a confusão entre as denominações não se
revela como intolerável. Da mesma forma, o tratamento dos direitos humanos não
segue uma uniformidade e, por isso, é concebido de variadas maneiras, de acordo
com o paradigma científico vigente, bem como o modelo sócio-econômico-ideo-
lógico predominante (DORNELLES, 1993, p. 6).
A doutrina brasileira geralmente acentua que a expressão direitos humanos é
mais usada nos documentos internacionais. Mas há também quem faça a distinção
entre direitos naturais e direitos fundamentais.
Contudo, na atual quadra da evolução dos direitos fundamentais, cada vez
mais se rechaçam termos como liberdades fundamentais, direitos individuais, di-
reitos civis e liberdades públicas para o conjunto de direitos expressos em uma
constituição que tomam o nome de direitos fundamentais.
Na tentativa de uma definição, os direitos humanos seriam os direitos naturais
que foram positivados em instrumentos jurídicos provenientes do direito inter-
nacional. Guardariam relações com os documentos supranacionais, válidos para

capítulo 2 • 65
toda humanidade, por se referir àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao
ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada or-
dem constitucional. Por conseguinte, há uma conexão entre os direitos humanos
e os documentos positivados pelo direito internacional, por aspirarem à validade
universal para todos os povos e tempos.
Por sua vez, o conceito de direitos naturais do homem tem significação atrela-
da ao jusnaturalismo e não a uma concepção positivista. Seriam, pois, direitos não
positivados e que antecedem ao reconhecimento pelo direito positivo, assumindo
um caráter pré-estatal.
Com efeito, as diferenças terminológicas entre direitos do homem e direitos
humanos pode ser até despicienda, pois ambos são sempre direitos inerentes à
condição humana, sejam positivados ou não.
De toda sorte, sem embargo da divergência doutrinária, é preciso entender
que tanto a expressão direitos do homem quanto a direitos humanos sempre esta-
rão fundidas às ideias de universalidade e atemporalidade.
Tais particularidades trazem, em si, a distinção da noção de direitos funda-
mentais. Esses possuem um conceito mais restrito e específico de cada realidade
constitucional. Em razão disso, cabe ao Estado escolher, dada a sua realidade cul-
tural, regional, econômica, quais seriam os direitos a serem alçados à proteção
máxima. Os direitos fundamentais se atrelam a um catálogo eleito como impor-
tante e reconhecido pelo governo local. São aqueles positivados na Constituição
do Estado.
Para simplificar, os direitos fundamentais seriam os direitos humanos consti-
tucionalizados, ou seja, positivados em dada constituição nacional.

Dimensões dos direitos fundamentais

O avanço dos direitos fundamentais não se deu de uma hora para outra. Ao
contrário, foi fruto de conquistas alcançadas gradativamente ao longo da história.
É nesse sentido que a doutrina costuma classificar os direitos fundamentais em
gerações ou dimensões.
Tradicionalmente os direitos fundamentais são classificados em três gera-
ções, representado cada uma delas o clássico ideário da Revolução Francesa, ou
seja, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Mas alguns autores se referem tam-
bém à quarta e quinta gerações dos direitos fundamentais. Vamos examinar cada
uma delas.

capítulo 2 • 66
ESTUDO DE CASO
A Bandeira Nacional da França possui três faixas verticais cujas cores simbolizam os três
ideários da Revolução Francesa de 1789, Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
O quadro denominado “A Liberdade Guiando o Povo”, do pintor Eugène Delacroix, exi-
bido em 1833, impressionou o mundo inteiro ao refletir a bandeira francesa tremulando nas
mãos de uma liberdade resoluta e destemida.

Por fim, cabe ressaltar que, o termo “geração” de direito não significa supera-
ção de uma geração anterior, mas tão-somente está ligado à cronologia do surgi-
mento do direito na esfera jurídica. Aliás, a doutrina moderna rejeita a terminolo-
gia “gerações”, preferindo o emprego da palavra “dimensão”.

Primeira dimensão dos direitos fundamentais

Via de regra, os direitos fundamentais surgem como aspirações políticas-filo-


sóficas. Os direitos fundamentais de primeira dimensão surgem no contexto das
revoluções liberais do século XVIII.
Como estão associados ao lema da Revolução Francesa, liberdade, limitam o
poder do Estado e dizem respeito às liberdades públicas, aos direitos políticos e civis.
Eles surgem como resposta ao absolutismo monárquico e objetivavam prote-
ger o homem na sua esfera individual contra a interferência abusiva do Estado. São
direitos de cunho meramente negativo, que visam garantir as liberdades públicas.
O direito de propriedade é um exemplo típico de direito de primeira geração,
pois se proíbe a violação da propriedade pelo Estado, salvo, mediante regular pro-
cesso expropriatório, com prévia e justa indenização, o que denota uma caracterís-
tica negativa desse direito.

Segunda dimensão dos direitos fundamentais

Os direitos de segunda dimensão, atrelados ao lema igualdade, despontam a


partir da Revolução Industrial, do século XIX. Deve-se notar, que a partir do cres-
cimento desenfreado do capitalismo, desperta-se a preocupação do Estado com as
condições mínimas para a subsistência do homem, evitando-se com isso as deno-
minadas desigualdades sociais.

capítulo 2 • 67
Os direitos sociais, culturais e econômicos são categorizados como direitos de
segunda dimensão.

Terceira dimensão dos direitos fundamentais

Os direitos de terceira dimensão, associados à fraternidade, surgem no con-


texto da sociedade de massa, transformada a cada momento em virtude do cresci-
mento tecnológico e científico.
Tais direitos transcendem ao indivíduo e, é por isso, que são chamados de
direitos transindividuais.
São exemplos de direitos de terceira dimensão: direito ao meio ambiente eco-
logicamente equilibrado, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da
humanidade, direito ao desenvolvimento e direito de comunicação.

Outras dimensões dos direitos fundamentais

Sem embargo da classificação dos direitos fundamentais em três dimensões,


há autores que consideram a existência da quarta e da quinta dimensões dos
direitos fundamentais.
Paulo Bonavides, por exemplo, cria uma quarta dimensão que se liga à ideia
de globalização, composta pelo direito à democracia, ao pluralismo e à informação
(BONAVIDES, 1999, p. 580-593). Da mesma forma, a manipulação genética,
como a fertilização in vitro e a clonagem, poderia ser agrupada nessa dimensão dos
direitos fundamentais.
Por outro lado, Augusto Zimmermann enxerga uma quinta dimensão de direitos
fundamentais atrelada à realidade virtual (ZIMMERMANN, 2002). O direito à paz
também é incluído na quinta dimensão por Bonavides (BONAVIDES, 1999, p. 580-
593). Segundo essa visão, o direito à paz seria condição ao progresso dos Estados.

Características dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais apresentam algumas características, como a histo-


ricidade, a universalidade, a limitabilidade, a concorrência, a irrenunciabilidade,
inalienabilidade e imprescritibilidade. Vamos examinar cada uma delas.
A historicidade significa que os direitos fundamentais possuem caráter histó-
rico e atravessam diversos contextos, desde revoluções até períodos de estabilidade

capítulo 2 • 68
política e, por isso, sofrem variações de alcance, conteúdo e extensão ao longo
do tempo.
A característica da universalidade determina que os direitos fundamentais se
destinam a todo e qualquer ser humano.
Por limitabilidade dos direitos fundamentais entende-se que não há direitos
fundamentais absolutos, ou seja, no confronto entre dois direitos fundamentais,
como por exemplo, o direito à informação e o direito à privacidade, o juiz deverá
analisar as circunstâncias específicas do caso concreto, sem dizer de antemão qual
direito deve prevalecer.
Os direitos fundamentais podem ser exercidos cumulativamente, isto é, uma
pessoa pode ser proprietária de um imóvel (direito de propriedade) e ao mesmo
tempo possuir direito de intimidade e direito à privacidade no interior de sua
propriedade. Essa possibilidade evidencia a característica da concorrência dos
direitos fundamentais.
Nenhuma pessoa pode renunciar à titularidade de um direito fundamental.
Daí decorre a irrenunciabilidade dos direitos fundamentais. Você deve ter em
mente que a pessoa pode deixar de exercer o direito fundamental, mas jamais
renunciar à sua titularidade.
A inalienabilidade dos direitos fundamentais decorre de sua irrenunciabi-
lidade, ou seja, a titularidade de um direito fundamental não pode ser alienada,
pois é indisponível.
Para finalizar, os direitos fundamentais são imprescritíveis, na medida em que
não sofrem a ação do tempo.

Espécies de direitos fundamentais na Constituição de 1988

A Constituição de 1988, em seu Título II, “Dos direitos e garantias funda-


mentais”, determina como espécies dos direitos fundamentais: a) os direitos e de-
veres individuais e coletivos (artigo 5º); b) os direitos sociais (arts. 6º ao 11); c) à
nacionalidade (art.12); d) os direitos políticos (arts. 14 ao 16) e, finalmente, e) os
partidos políticos (art. 17).
O rol acima é de extrema importância, pois como você estudou no capítulo
anterior, inexiste constituição sem um elenco de direitos fundamentais.
Também é importante observar que os direitos e garantias fundamentais não
se restringem ao famoso artigo 5º, da Constituição Federal, podendo ser encon-
trados em todo o texto.

capítulo 2 • 69
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais

O tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também denomina-


do de eficácia privada, direta ou externa, surge para determinar que em algumas
hipóteses os direitos fundamentais devem ser invocados também nas relações jurí-
dicas entre particulares, pois não há a menor dúvida de que nas relações jurídicas
entre o Estado e o indivíduo, sempre incidirá os direitos fundamentais.
A questão nodal do estudo reside em saber com que intensidade os direitos
fundamentais são aplicados nas relações privadas, já que vigora como regra em
ditas relações a autonomia da vontade.
A doutrina do state action, criada pelo direito norte-americano, estabelece que
não há vinculação dos particulares nos direitos fundamentais. Assim, para essa
concepção não haveria incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas,
já que o Estado seria o único sujeito passivo desses direitos.
Entretanto, em meados da década de 40 do século passado, a Suprema Corte
americana passou a entender que em algumas relações privadas, em que se pu-
desse determinar a predominância de atividade de natureza estatal, estariam tam-
bém sujeitas a observar os direitos fundamentais. Passou-se então a adotar Public
Function Theory.
Exemplo da aplicação da teoria da função pública ocorreu no caso Marsh v.
Alabama, 326 U.S. 501 (1946). Com efeito, Marsh, uma testemunha de Jeová,
foi presa por distribuir panfletos no interior de uma vila de propriedade de uma
empresa para abrigar seus funcionários. Invocou-se, à época, o direito à liberdade
religiosa, tese encampada pela Suprema Corte norte-americana.
Outro caso de aplicação da teoria da eficácia horizontal, ocorreu em Burton
v. Wilmington Parking Authority, 365 U.S. 715 (1961), no qual um restauran-
te, situado em local público, recusou-se a servir comida à uma pessoa negra. A
Suprema Corte norte-americana, com base no princípio da isonomia, proibiu o
restaurante de discriminar por motivos raciais.
No Brasil, há vários precedentes que demonstram a aplicação da teoria, como:
a) RE 161.243-6, no qual em decorrência da discriminação de empregado brasi-
leiro em relação a empregado francês em empresa estrangeira, o judiciário deter-
minou a aplicação do princípio da isonomia; b) HC 12.547, do STJ, em virtude
de prisão civil por descumprimento de contrato, o judiciário determinou a apli-
cação do princípio da dignidade da pessoa humana; c) RE 160.222-8 analisou o

capítulo 2 • 70
constrangimento ilegal em decorrência de revista íntima em mulheres em fábrica
de lingerie, embora o recurso tenha sido julgado prejudicado.
O Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário 201.819 tam-
bém teve a oportunidade de fazer incidir a teoria da eficácia direta. Na hipótese, a
União Brasileira de Compositores (UBC) interpôs recurso extraordinário visando
à reforma do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que
invalidou seu ato de exclusão de associado, ao argumento de que a recorrente não
teria respeitado o princípio constitucional da ampla defesa. Vejamos a ementa do
acórdão do Recurso Extraordinário (RE) 201.819-8 RJ:

“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITO-


RES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRA-
DITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.
RECURSO DESPROVIDO”.
I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As vio-
lações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o
cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurí-
dicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição
vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à
proteção dos particulares em face dos poderes privados.
II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA
DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qual-
quer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis
e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da
Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garan-
tias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às as-
sociações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram
o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que
encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou
com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positi-
vados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particu-
lares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as
restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa
também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema
de liberdades fundamentais (...)”.
Recurso Extraordinário (RE) 201.819-8 RJ. Supremo Tribunal Federal. Relatora
originária Ministra Ellen Gracie. Relator par o Acórdão Ministro Gilmar Mendes.
Julgamento em 11 de outubro de 2005.

Desta forma, fica evidenciado que em algumas situações os direitos funda-


mentais podem ser aplicados nas relações privadas.

capítulo 2 • 71
ATIVIDADES
01. Preencha as palavras-cruzadas abaixo, de acordo com o enunciado sobre a teoria da
eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.
Horizontais: 2.
1. Pontes de Miranda 1.
entendia que essa es- 3.
pécie de norma não 5.
necessita de regula- 4.
mentação posterior.
6.
4. Norma constitu-
cional limitada que
7.
visa instituir órgão ou
8.
pessoa.
9. 10.
6. Nome do autor ita-
liano que aperfeiçoou 11.
as ideias do jurista 12.
Gaetano Azzaritti.
7. Toda norma
constitucional possui. 13.
8. Norma constitucio-
nal limitada que visa
implementar metas ou
programas do Estado.
12. Rui Barbosa di-
zia que tal espécie de
norma equivaleria a sel-
f-executing provisions, de Thomas Cooley.
13. Norma que necessita de complementação pelo legislador ordinário.
Verticais:
2. Norma constitucional que já extinguiu a produção de seus efeitos.
3. Norma apta a produzir todos os seus efeitos, segundo a classificação de Celso Ribeiro Bastos e
Ayres Britto.
5. Autor da classificação da norma constitucional em self-executing provisions e not self-executing provisions.
8. Possui aplicabilidade direta, imediata e integral: Norma constitucional de eficácia "...".
9. Denominação de norma constitucional de eficácia contida dada por Maria Helena Diniz.
10. Número de dispositivos constitucionais da Constituição dos Estados Unidos.
11. Diz-se da norma constitucional que pode ter seus efeitos restringidos pelo legislador ordinário.
12. Sinônimo de norma constitucional supereficaz.

capítulo 2 • 72
02. Leia o trecho da ementa do seguinte acórdão, para posteriormente responder o que
se segue:
“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES.
EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁ-
CIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.
I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As viola-
ções a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão
e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito
privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamen-
te não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particula-
res em face dos poderes privados. (...)” Recurso Extraordinário (RE) 201.819-8 RJ. Supremo
Tribunal Federal. Relatora originária Ministra Ellen Gracie. Relator par o Acórdão Ministro
Gilmar Mendes. Julgamento em 11 de outubro de 2005.
Em relação à teoria da eficácia dos direitos fundamentais, cite outros exemplos de ca-
sos semelhantes julgados no Brasil e estabeleça a diferença entre direitos fundamentais e
direitos humanos.

CONEXÃO
Para demonstrar a conquista dos direitos fundamentais, indicamos o mesmo documentá-
rio produzido pelo History Channel denominado “Revolução Francesa”, feito para compreen-
der também o constitucionalismo moderno.

REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou o perfil de evolução da teoria das normas constitucionais,
e percebeu que cada uma delas possui gradação distinta, cujos efeitos podem variar em
profundidade e extensão. Em decorrência dessa gradação, surgiram inúmeras classificações
doutrinárias a respeito das normas constitucionais.
Num primeiro momento, foi examinado o pensamento de Thomas Mclntyre Cooley, através
de sua obra publicada em 1868, que inaugurou o estudo sobre a teoria da eficácia da norma
constitucional, dividindo as normas self-executing provisions e not self-executing provisions.
Em seguida você percebeu que a doutrina brasileira, à sua maneira, sobretudo
a partir de Rui Barbosa, desenvolveu a teoria a respeito da aplicabilidade e eficácia das
normas constitucionais.

capítulo 2 • 73
Além disso, você constatou que a teoria de José Afonso da Silva é a mais adotada atual-
mente no Brasil, e é aquela que classifica as normas constitucionais em: a) de eficácia plena;
b) de eficácia contida; e c) de eficácia limitada, essas subdivididas em normas constitucionais
de eficácia limitada de princípio institutivo e de princípio programático
Na sequência, vimos a relevância do estudo da teoria dos direitos fundamentais e perce-
beu que direitos fundamentais são, em verdade, os direitos humanos constitucionalizados, ou
seja, positivados na constituição do Estado.
Finalmente, você analisou as dimensões e algumas características dos direitos funda-
mentais, como a historicidade, a universalidade, a limitabilidade, a concorrência, a irrenuncia-
bilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Concluímos o capítulo através do estudo da
relevante teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que permite o estabeleci-
mento dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de
Janeiro: Renovar, 2009.
BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Aires. Interpretação e Aplicabilidade das Normas
Constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Ed. Malheiros, 1999.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015.
COOLEY, Thomas Mclntyre. A treatise on the constitutional limitations which rest upon the
Legislative Power of the States of the American Union. New York: Library of Congress, 1972.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:
Livraria Almedina, 1993.
DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus Efeitos. São Paulo: Saraiva, 2001.
DORNELLES, João Ricardo W. O que são direitos humanos? São Paulo: Brasiliense, 1993.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Bahia: JusPODIVM, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2017.
SILVA E NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003.
ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2002.

capítulo 2 • 74
3
Direitos
fundamentais
Direitos fundamentais
Introdução

Neste capítulo, você dará continuidade ao estudo dos Direitos Fundamentais.


Dessa maneira, após o conhecimento da teoria geral dos direitos fundamentais, é
preciso consolidar o entendimento também das espécies desses direitos, que foram
amplamente consagrados pela Constituição de 1988.
De início, será necessário examinar os direitos e garantias fundamentais, que
estão sedimentados, em sua grande maioria, nos incisos do artigo 5º, da Carta
da República. Assim sendo, você dará ênfase aos direitos mais apreciados pela
doutrina e jurisprudência brasileiras. Nesse sentido, não se pode deixar de lado a
análise dos tratados internacionais de direitos humanos e a regra de submissão ao
Tribunal Penal Internacional, dever assumido pelo Brasil através do Estatuto de
Roma e por meio da Emenda Constitucional 45/2004.
Na sequência serão desenvolvidos temas cruciais relacionados aos direitos so-
ciais e o direito à nacionalidade, esse último como o principal vínculo jurídico que
une a pessoa ao Estado.
Para finalizar, será imprescindível o estudo sobre os direitos políticos, consa-
grados como primordiais para o exercício da democracia plena. Foi por isso que
a Constituição de 1988, apelidada de “cidadã”, garantiu o sufrágio universal e
o exercício da soberania pelo voto direto e secreto, mediante referendo, plebis-
cito e a iniciativa popular. Os partidos políticos também serão analisados nesse
contexto de pluralismo principiológico, como bastiões do Estado Democrático
de Direito.

OBJETIVOS
•  Analisar as espécies de direitos fundamentais previstas no ordenamento jurídico brasileiro;
•  Examinar os direitos individuais, os direitos sociais e o direito à nacionalidade;
•  Identificar os direitos políticos e os partidos políticos como fundamentais para o exercício
da cidadania.

capítulo 3 • 76
Direitos e garantias individuais

Antes de iniciarmos esse tópico de estudo, você precisa saber que os direitos
individuais, os direitos sociais, o direito à nacionalidade, os direitos políticos e os
partidos políticos são espécies de direitos fundamentais.
É por isso que a Constituição Federal de 1988 em seu Título II, denominado
“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, prevê em seus cinco capítulos esses
direitos do artigo 5º ao artigo 17. A figura abaixo sintetiza essa tipologia dos
direitos fundamentais:

DIREITOS INDIVIDUAIS

DIREITOS SOCIAIS
DIREITOS
FUNDAMENTAIS DIREITO Á NACIONALIDADE

DIREITOS POLÍTICOS

PARTIDOS POLÍTICOS

Figura 3.1  –  Espécies de Direitos Fundamentais.

Feitas essas observações iniciais, passaremos a estudar uma série de direitos


individuais previstos no artigo 5º, da Constituição Federal.

Direitos individuais em espécie

Como já foi observado, o Título II da Constituição Federal contempla as es-


pécies de direitos fundamentais. O primeiro capítulo cuida dos direitos e deveres
individuais e coletivos, rol exemplificativo que conta com setenta e oito incisos.
Além dos direitos individuais, são contemplados os remédios constitucionais,
que visam garantir o exercício dos direitos fundamentais, como o habeas corpus, o
mandado de segurança individual, o mandado de segurança coletivo, o mandado
de injunção, a ação popular e o habeas data.
Você deve perceber que o Constituinte de 1988 ampliou significativamente
o elenco dos direitos fundamentais. Mas, em decorrência da proposta acadêmica
dessa obra, vamos dar ênfase aos principais direitos individuais contemplados pelo
artigo 5º, da Constituição Federal.

capítulo 3 • 77
a) Direito à vida (artigo 5º, caput)
O Supremo Tribunal Federal já discutiu sobre o direito à vida em alguns pre-
cedentes, como por exemplo, em relação às pesquisas com células-tronco embrio-
nárias, disciplinadas pela Lei de Biossegurança - Lei nº 11.105/2005.
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 3510, o STF
reconheceu a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança e, por isso,
entendeu que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito
à vida.
Em outra ocasião o STF examinou a antecipação do parto do feto anencefá-
lico (aborto do feto anencefálico). Na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental - ADPF 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Saúde, foram questionados dispositivos do Código Penal brasileiro que não
preveem a possibilidade do aborto de feto anencefálico.
Como você sabe, a anencefalia é a falta total ou parcial do cérebro, que con-
siste em uma malformação do tubo neural, que exclui toda potencialidade de
vida. Em consequência desse fenômeno, um feto anencefálico resiste pouquíssimo
tempo fora do útero.
A ADPF 54, por maioria de votos, foi julgada procedente pelo Supremo
Tribunal Federal e, nessa perspectiva, foi declarada a inconstitucionalidade da in-
terpretação na qual se considere crime o aborto praticado de feto anencefálico.
Nos dois exemplos citados acima, ou seja, das pesquisas com células-tronco e
do aborto do feto anencefálico, percebemos com clareza que até mesmo o direito
à vida pode ser relativizado.
Conforme estudamos no capítulo 2, inexiste hierarquia entre os direitos fun-
damentais. Nenhum direito fundamental é absoluto. Perceba que em relação a esse
mesmo direito (direito à vida), a própria Constituição Federal de 1988, possibilitou
a pena de morte em decorrência de guerra declarada, na forma do artigo 84, XIX.

ATENÇÃO
É importante destacar que a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em 17 de março
de 2017, no julgamento do Habeas Corpus - HC 124.306, considerou que a criminalização
do aborto no primeiro trimestre de gravidez, naquele caso concreto, viola diversos direitos
fundamentais da mulher, tais como sua autonomia, seu direito de reproduzir e sua integridade
física e psíquica. Perceba com atenção que esse julgamento de Habeas Corpus não deixou
de considerar o aborto um crime. É que esse julgamento não teve caráter vinculativo.

capítulo 3 • 78
Para finalizar, é importante ter em mente que nada impede a análise poste-
riormente pelo Poder Judiciário brasileiro de outras questões relativas ao direito à
vida, como por exemplo, a eutanásia e o aborto.

b) Princípio da igualdade (artigo 5º, caput)


O artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, dispõe que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Tal igualdade (perante a
lei) é consagrada formalmente. Entretanto, o que se busca, na atual quadra, é a
igualdade material, pois cabe ao Estado adotar medidas para equilibrar as profun-
das desigualdades sociais estruturais.
Nessa lógica, a própria Constituição Federal destaca diversas regras que bus-
cam alcançar a igualdade material, como por exemplo: art. 3.º, I, III e IV; art. 4.º,
VIII; art. 5.º, I, XXXVII, XLI e XLII; art. 7.º, XX, XXX, art. 39 XXXI, XXXII
e XXXIV; art. 12, §§ 2.º e 3.º; art. 14, caput; art. 19, III; art. 23, II e X; art. 24,
XIV; art. 37, I e VIII; art. 43, caput; art. 150, II; art. 183, § 1.º, art. 208, III; art.
226, § 5.º.
É nesse contexto que surgem as ações afirmativas. Sobre esse ponto, podemos
observar que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, ao aplicar as denomi-
nadas discriminações positivas, ou seja, medidas de desigualdade com o propósito
de igualar, como forma de remover barreiras que impeçam a igualdade.

EXEMPLO
1. Política de cotas para a seleção para o ingresso em Universidade Pública - ADPF 186
2. Reserva de vagas para negros em concursos públicos - ADC 41
3. Inserção social promovida pelo PROUNI - ADIs 3.314, 3.379, e 3.330.
4. Proteção da mulher e violência doméstica - ADC 19

Vamos conhecer um pouco mais sobre esses casos que foram analisados pelo
Supremo Tribunal Federal.
O primeiro deles diz respeito ao julgamento da ADFP 186, na qual o STF
considerou constitucional a política de cotas raciais, pelo prazo de 10 anos, para a
seleção dos candidatos às vagas na Universidade de Brasília.

capítulo 3 • 79
Em 2014 foi editada a Lei nº 12.990, que prevê a reserva 20% das vagas para
negros nos concursos públicos, no prazo de 10 anos, para provimento de cargos
efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública Federal, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de eco-
nomia mista controladas pela União.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC 41, julgada pelo STF
em 8 de junho de 2017, por unanimidade, reconheceu a constitucionalidade
da Lei nº 12.990/14, considerando válida a reserva de 20% para os negros em
concurso público.
No âmbito do Poder Judiciário, vigora a Resolução nº 203/2015, do Conselho
Nacional de Justiça - CNJ, dispondo que 20% das vagas oferecidas em concurso
público para cargos efetivos e para ingresso na magistratura são reservadas aos
negros. No mesmo sentido foi editada a Resolução nº 170/2017, pelo Conselho
Nacional do Ministério Público.
Outra questão enfrentada pelo STF disse respeito ao Programa Universidade
para todos - PROUNI, instituído pela Medida Provisória nº 213, de 10 de setem-
bro de 2004, e posteriormente convertida na Lei nº 11.096/2005. O primeiro
instrumento legal foi objeto de questionamentos no STF através das ADIs 3.314
e 3.379, apensadas posteriormente à ADI 3.330.
Por maioria, o STF julgou constitucional a Lei que instituiu o PROUNI e
promoveu a igualdade material, por ser a Lei uma medida de inserção social e
cumprimento do artigo 205 da Constituição Federal.
Em outro caso, relacionado à proteção às mulheres, o STF entendeu no julga-
mento da ADC 19, que a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha,
tem caráter de política de Ação Afirmativa, pois desestimula à prática de violência
doméstica, promovendo a igualdade.
É importante salientar ainda que no julgamento da ADI 4.424, o Supremo
Tribunal Federal deu interpretação conforme alguns dispositivos da Lei Maria da
Penha, para declarar a natureza de ação penal incondicionada em caso de crime de
lesão corporal praticado contra a mulher no ambiente doméstico.
Mas é importante salientar que alguns dos mais flagrantes afastamentos da
“cegueira às diferenças” são medidas de discriminação reversa, que oferecem às
pessoas, de grupos antes desfavorecidos, uma vantagem competitiva. Essa práti-
ca tem sido justificada a partir do fundamento de que a discriminação histórica
cria um padrão no âmbito do qual os desfavorecidos lutam com desvantagem.
(TAYLOR, 2000, p. 252)

capítulo 3 • 80
CURIOSIDADE
A Índia é o berço originário das Ações Afirmativas, sendo o seu patrono idealizador Mah-
atma Gandhi. De fato, diante das graves desigualdades sociais, era preciso atenuar o rigo-
roso sistema de castas, o que foi feito através das ações afirmativas. Assim, certos grupos
puderam ser admitidos no Parlamento, nas instituições de ensino e no serviço público. (BU-
LOS, 2015, p. 557)

De qualquer sorte, é preciso esclarecer que qualquer política pública que vise
promover a igualdade ou a discriminação reversa deve ser absolutamente tempo-
rária e não uma meta para o cultivo eterno do distintivo.

c) Princípio da legalidade (artigo 5º, II)


O artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1988, consagra o princípio da
legalidade da seguinte maneira: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”.
A rigor o princípio da legalidade não se distingue da reserva legal, mas, do
ponto de vista científico, é possível estabelecer diferenças.
Assim, a legalidade contempla a sujeição das pessoas, órgãos e entidades à lei.
Por outro lado, o princípio da reserva legal, veicula normas constitucionais que
determinam os temas que serão regulamentados pela legislação infraconstitucional
(BULOS, 2015, p. 565).

d) Proibição da prática da tortura (artigo 5º, III)


A Constituição veda a tortura ao dispor que ninguém será submetido à tor-
tura, nem a tratamento desumano ou degradante e a lei considerará a sua prática
crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (artigo 5º, XLIII).
Manoel Jorge Silva e Neto destaca a razão da escolha pela constitucionalização
em 1988 da proibição da tortura, valendo, pois, reproduzir suas palavras:

O repúdio à tortura é resultado do processo histórico brasileiro, quando governos au-


tocráticos se utilizaram da nefanda prática a fim de desarticular os contestadores do
regime, tal como aconteceu com a maioria dos governos militares pós-1964.

capítulo 3 • 81
Mas a previsão constitucional que reprova o recurso à tortura também respon-
de a clamor mundial para incorporação da repulsa aos sistemas internos de cada
país. (SILVA E NETO, 2006, p. 535)
É importante ressaltar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos,
órgão independente que compõe o sistema americano de proteção dos direitos
humanos, ao fazer uso do controle de convencionalidade, condenou o Estado
brasileiro no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) e no caso Vladimir
Herzog. A Corte entendeu que em ambos o Brasil deve ser responsável pela falta
de investigação, de julgamento e de punição dos agentes pela tortura, além de
outras práticas.

LEITURA
Para uma ideia geral sobre memória, esquecimento e controle de convencionalidade leia
os seguintes artigos científicos:
RASGA, Mariana de Freitas; VALIM, Morgana Paiva. O Caso Gomes Lund: um debate
sobre direito e memória histórica no Tribunal Brasileiro e na Corte Interamericana de Direitos
Humanos. In Estudios Sociales.Memoria del 56º Congreso Internacional de Americanistas.
Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2018, p. 1907-1916.
RASGA, Mariana de Freitas; VALIM, Morgana Paiva. Desafios e alcances do Controle de
Convencionaliadade: Herzog vs. Brasil. XXVII Encontro Nacional do CONPEDI Salvador - Di-
reito Internacional II, 2018, p. 233-248.

e) Liberdade de expressão
A Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade de manifestação de pen-
samento, mas veda o anonimato (artigo 5º, IV e V). A liberdade de expressão
engloba diversas espécies de manifestações, como a liberdade de pensamento (ar-
tigo 5º, IV e V e artigo 220), de expressão artística (artigo 5º, IX e artigo 215),
de ensino e pesquisa (artigo 206, II), de comunicação e de informação (artigo 5º,
XIV) e liberdade religiosa (artigo 5º, VI).
É importante conhecer, nesse ponto, o caso Ellwanger que foi debatido pelo
STF no julgamento do HC 82.424-2.

capítulo 3 • 82
LEITURA
Através da leitura do parecer técnico do jurista Celso Lafer, incluído no Habeas Corpus
82.424-2, como Amicus Curiae, você perceberá a tensão entre os direitos fundamentais
expostos no caso Siegfried Ellwanger Castan e o direcionamento do parecer no sentido da
prática de racismo.
Assim, indicamos a leitura do capítulo 3 da obra: LAFER, Celso. A Internacionalização dos
Direitos Humanos. Constituição, Racismo e Relações Internacionais. Baueri: Manole, 2005.

Com efeito, Siegfried Ellwanger Castan publicou várias obras com conteúdo
antissemita. Diante disso, em 1996, Ellwanger foi condenado por unanimidade
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Contudo, Ellwanger
recorreu da decisão alegando que os judeus não constituem uma raça, mas sim um
povo e, por isso, não poderia ser condenado pela prática de racismo.
Finalmente, o Supremo Tribunal Federal, em 2003, enfrentou a questão di-
zendo que apesar de não constituir crime contra a raça, no caso de publicação de
ideias discriminatórias contra judeus, a prática configura crime de racismo e o
condenou de forma definitiva.
Observe, com atenção, que o preâmbulo da Constituição sustenta os valores de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos e contempla, entre os objeti-
vos da República, a promoção e o bem de todos sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Da mesma maneira, a
Constituição consagra os princípios da igualdade e o da não-discriminação.
Perceba que o evento debatido no Habeas Corpus 82.424-2 ainda é polêmico
porque cuida de dois direitos fundamentais, a liberdade de expressão e a proi-
bição do racismo. A questão é muito complexa e não possui uma resposta sim-
ples. Por isso o caso Ellwanger é considerado um marco na jurisprudência dos
direitos fundamentais.

MULTIMÍDIA
Assista ao programa “Grandes Julgamentos do STF: “Racismo contra judeus”, exibido
pela TV Justiça e disponibilizado no YouTube em 4 partes:
https://www.youtube.com/watch?v=h8oS6Llj_T4 Parte 1
https://www.youtube.com/watch?v=gohsSv4TPA8 Parte 2

capítulo 3 • 83
https://www.youtube.com/watch?v=MJ-SgHwBsdU Parte 3
https://www.youtube.com/watch?v=JtOzvBybNvU Parte 4

f ) Intimidade, privacidade, honra e direito à imagem (artigo 5º, X)


O artigo 5º, X, da Constituição Federal dispõe que são invioláveis a intimida-
de, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurando o direito a indeni-
zação pelo dano material e moral decorrente de sua violação.
A privacidade é gênero que abrange a vida privada, a intimidade, a honra e a
imagem. A honra consiste na reputação do indivíduo em relação ao meio social
em que transita ou a sua própria estima.
A imagem também é protegida pela Constituição Federal, sendo dividida em
imagem-retrato e imagem-atributo. A primeira é a reprodução gráfica da pessoa,
enquanto a segunda, se revela como o conjunto de atributos cultivados pela pessoa
e reconhecido pela sociedade.
A vida privada tem a ver com a relação da pessoa como o meio social, sem
haver interesse público na sua divulgação, como por exemplo, informações bancá-
rias. Já a intimidade, se refere ao modo de ser da pessoa.

EXEMPLO
Um bom exemplo de proteção ao direito à intimidade pode ser encontrado na Lei nº
13.271 editada em 2016, que dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos
locais de trabalho, asseverando que as empresas privadas, os órgãos e entidades da adminis-
tração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima
de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino, sob pena de multa.

Assim, a intimidade tem a ver com as informações pessoais, que só digam


respeito a ela própria, como por exemplo, a sua sexualidade.
Outra questão interessante sobre violação à intimidade e à privacidade diz
respeito à interceptação telefônica e a gravação clandestina. Mas, antes de qual-
quer coisa, é preciso conhecer a diferença entre interceptação telefônica e
gravação clandestina.

capítulo 3 • 84
CONCEITO
A interceptação telefônica é a captação da conversa feita por um terceiro, sem que os
interlocutores saibam dessa prática. A Constituição exige que a prova obtida por esse meio
seja colhida por intermédio de ordem judicial.
Já na gravação clandestina a captação da conversa é realizada por um dos interlocu-
tores, sem que o outro saiba dessa prática.

Apesar de alguns sustentarem que a gravação clandestina fere o direito à inti-


midade e à vida privada, o STF tem admitido sua utilização.
Para finalizar, apresentamos outra questão que diz respeito às biografias. Na
ADI 4.815 DF, o Supremo Tribunal Federal asseverou que é inexigível o consen-
timento da pessoa biografada, sendo desnecessária a autorização dos retratados
como coadjuvantes ou de familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes.

g) Inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, XI)


O artigo 5º, XI, da Constituição Federal dispõe que: “A casa é asilo inviolável
do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador,
salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante
o dia, por determinação judicial”.
Assim, somente pode penetrar no domicílio, sem o consentimento do mora-
dor, a) por determinação judicial, durante o dia; b) em caso de flagrante delito; c)
em caso de desastre e, finalmente, d) para prestar socorro.
Entende-se por casa qualquer compartimento habitado e, segundo a jurispru-
dência, o termo “casa” revela-se abrangente para compreender também quarto de
hotel, oficinas e escritórios profissionais.

h) Sigilo de correspondência e das comunicações (artigo 5º, XII)


Quanto ao sigilo de correspondência e das comunicações, a Constituição dis-
põe em seu artigo 5, XII que “É inviolável o sigilo da correspondência e das co-
municações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal.”

capítulo 3 • 85
O dispositivo constitucional possibilita a quebra da comunicação telefônica,
desde que seja determinada por ordem judicial e para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal.
Nesse passo, veja o que já foi estudado no item sobre o direito à intimidade, à
privacidade, à honra e ao direito à imagem.

i) Liberdade de locomoção (art. 5.º, XV e LXI)


O direito de locomoção é assegurado pela Constituição Federal que dispõe ser
livre a locomoção no território nacional em tempo de paz. É possível, a qualquer
pessoa, nos termos da lei, entrar, permanecer ou sair do território nacional.
Com efeito, em relação aos estrangeiros, existe a Lei de Migração - Lei nº
13.445/17, regulamentada pelo Decreto nº 9.199/17, que estabelece requisitos
para a entrada e permanência no território nacional.
Como veremos, o direito de locomoção pode ser limitado durante o estado de
defesa ou durante o estado de sítio.

j) Direito de reunião (art. 5.º, XVI)


O artigo art. 5.º, XVI, da Constituição Federal assegura o direito de reunião,
desde que possua caráter pacífico, sem armas, em locais aberto ao público, in-
dependentemente de qualquer autorização, desde que não frustre outra reunião
anteriormente agendada para o mesmo local. Exige-se apenas o prévio aviso à au-
toridade competente para que essa, evidentemente, possa prestar todas as medidas
de segurança necessárias.
Cabe aqui lembrar que o Supremo Tribunal Federal, em 2011, através da
ADPF 187 entendeu que a “marcha da maconha” era manifestação legítima de
dois direitos fundamentais, o direito de reunião (liberdade-meio) e o direito à livre
manifestação do pensamento (liberdade-fim).

l) Direito de petição e obtenção de certidões (art. 5.º, XXXIV)


Todos possuem direito de petição e obtenção de certidões, segundo a previsão
do art. 5.º, XXXIV, da Constituição de 1988, independentemente do pagamento
de taxa.
O direito de petição pode ser exercido por qualquer pessoa, seja natural ou
jurídica, nacional ou estrangeira contra o Poder Público em defesa de direito ou
contra ilegalidade ou abuso de poder. O seu objetivo é levar ao conhecimento do
Estado notícia ou relato de um ato ilegal ou abusivo para as providências cabíveis.

capítulo 3 • 86
É importante não perder de vista que o direito de petição não se confunde
com o direito ao acesso ao Poder Judiciário. Nesse, a parte deve demonstrar lesão
ou ameaça ao direito e, em raras exceções, deve postular em juízo através de um
advogado.
Já a obtenção de certidões é dirigida também ao Estado, mas para a defesa e
esclarecimento de situações de interesse pessoal.
Com efeito, a Lei nº 9.051/95, dispõe sobre a expedição de certidões para
a defesa de direitos e esclarecimentos de situações e prevê nos artigos 1º e 2º,
o seguinte:

Art. 1º As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas


aos órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às so-
ciedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias,
contado do registro do pedido no órgão expedidor.
Art. 2º Nos requerimentos que objetivam a obtenção das certidões a que se refere esta
lei, deverão os interessados fazer constar esclarecimentos relativos aos fins e razões do
pedido.

Assim sendo, o prazo para a expedição da certidão requerida pelo cidadão é de


15 dias. Além disso, o interessado deve fazer constar esclarecimentos relativos aos
fins e razões do pedido, ou seja, afasta pedido genérico de certidão.
Para finalizar, o não atendimento do pedido de certidão configura ato ilegal
ou abuso de poder, sanado através de mandado de segurança e não o habeas data.

m) Princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5.º, XXXV)


Segundo o art. 5.º, XXXV, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito. Trata-se do princípio da inafastabilidade do Poder
Judiciário ou do acesso à Justiça.
Desta maneira, salvo exceções, não há necessidade de esgotamento prévio das
vias administrativas para a obtenção do acesso ao Judiciário. Como exceção a essa
regra, podemos apresentar o artigo 217, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, que
prevê a Justiça Desportiva.
O STF também, nesse mesmo sentido, editou a súmula vinculante 28, se-
gundo a qual “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito
de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de
crédito tributário.”

capítulo 3 • 87
n) Princípio do juiz natural (art. 5.º, XXXVII e LIII) e Princípio do pro-
motor natural (art. 5.º, LIII)
De acordo com a Constituição Federal, não haverá juízo ou tribunal de exce-
ção, não podendo ninguém ser processado ou sentenciado senão pela autoridade
competente.
O princípio do juiz natural abarca a ideia de que o juízo deve ser estabelecido
e formado previamente aos acontecimentos. Isso resguardará a imparcialidade ne-
cessária para a formação da convicção do juiz.
Desse princípio, nasce o princípio do promotor natural que, da mesma forma,
garante ao indivíduo um acusador independente e preestabelecido. Veja para isso
trecho da ementa do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do HC 67.759:

"HABEAS CORPUS" - MINISTÉRIO PÚBLICO - SUA DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL


- PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS - A QUESTÃO DO PROMOTOR NATURAL EM FACE
DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 - ALEGADO EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DE
DENUNCIAR - INOCORRÊNCIA - CONSTRANGIMENTO INJUSTO NÃO CARACTERI-
ZADO - PEDIDO INDEFERIDO. - O postulado do Promotor Natural, que se revela ima-
nente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações
casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse
princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro
do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente
do seu oficio, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de
ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a
partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei.

o) Vedação de extradição (artigo 5º, LI e LII)


A Constituição Federal dispõe em seu artigo 5º, LI, que: “nenhum brasileiro
será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes
da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpe-
centes e drogas afins, na forma da lei.”
Tal regra impede que o Estado brasileiro promova a extradição passiva do
brasileiro nato. Cabe recordar que a extradição passiva ocorre quando um Estado
receber pedido de outro Estado para que efetue a remessa de pessoa para o exterior,
a fim de julgá-la ou puni-la pela prática de crime. Exemplo: Caso Cesare Battisti,
no qual a Itália solicitou ao Brasil a extradição de Battisti a fim de puni-lo por
crime praticado.

capítulo 3 • 88
ATENÇÃO
Nada impede que o Estado brasileiro solicite ao país estrangeiro a extradição de bra-
sileiro nato. Perceba, com atenção, que nessa hipótese estaremos diante da denominada
extradição ativa, ou seja, aquela que ocorre quando um Estado solicitar a outro Estado a
medida de cooperação jurídica internacional. Em conclusão, o artigo 5, LI, da Constituição
Federal não trata dessa espécie de extradição. Como exemplo desse tipo podemos citar os
casos de Salvatore Alberto Cacciola e Henrique Pizzolato, dois brasileiros natos que foram
extraditados por Estados estrangeiros a pedido do Brasil.

A Constituição também veda a extradição de estrangeiro pela prática de crime


político ou de opinião e, não havendo a Constituição definido o crime político, ao
Supremo Tribunal Federal cabe dizer se a infração se constitui de natureza política
ou não.
Para finalizar essa seção, é importante que você saiba que existem outros di-
reitos individuais previstos no artigo 5º, tão importantes como esses destacados
nessa obra, como por exemplo, o devido processo legal (artigo 5º, LIV), as prer-
rogativas dos presos (artigo 5º, XLIX, L, LXII a LXVI, LXXV), direito de herança
(artigo 5º, XXX), função social da propriedade (artigo 5º, XXIII), contraditório
e a ampla defesa (artigo 5º, LV). Note que são imprescindíveis a leitura e o es-
tudo de todos os incisos do artigo 5º, da Constituição Federal, para um bom
desempenho acadêmico.

Cláusula de Abertura dos Direitos Fundamentais

Após a análise de alguns direitos individuais, chegou a hora de você conhecer


a Cláusula de Abertura dos Direitos Fundamentais, fixada no parágrafo § 2º, do
artigo 5º, da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, a Constituição assevera que: “Os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte.”
Dessa forma, a Carta brasileira possibilitou a aquisição de novos direitos con-
sagrados fora do texto constitucional. Você deve perceber que tal regra não é no-
vidade em nosso sistema, pois a cláusula de abertura dos direitos fundamentais já

capítulo 3 • 89
havia sido incorporada implicitamente na primeira constituição republicana, em
1891, por forte influência da IX Emenda da Constituição estadunidense.

O artigo 5º, § 2º, consagra uma concepção material de direitos fundamentais e, nesse
aspecto, existe dificuldade de determinar quais direitos, consagrados ou não no texto
constitucional, podem ser considerados fundamentais, já que esse sistema possibilita
uma permanente aquisição de novos direitos.

Não se olvida que os direitos individuais são abrangidos pela fundamentali-


dade material, assim considerados aqueles de caráter negativo, opostos ao Estado
para que se abstenha de agir e intervir e que abrangem, sobretudo, os direitos civis
e políticos.
A cláusula não abrange apenas os direitos e garantias individuais, mas qualquer
espécie de direitos e garantias fundamentais, notadamente previstos no Título II
da Constituição Federal, como os direitos individuais, sociais, da nacionalidade e
políticos, bem como suas garantias e outros que se desdobram em outros tópicos
da Constituição, fora o Título II, como os direitos à saúde, à cultura, à educação,
direitos das crianças e dos adolescentes (SILVA, 2009, p. 179).
O poder constituinte originário foi abrangente ao considerar os direitos “de-
correntes do regime e dos princípios”, quer escritos ou positivados, quer os não-
-escritos, isto é, os que podem ser deduzidos a partir da exegese extraída da leitura
dos direitos fundamentais.
Portanto, podemos afirmar que foi reconhecido no sistema brasileiro a funda-
mentalidade material dos direitos expressos no texto constitucional ou em qual-
quer outro texto, bem como os não expressos, isto é, os implícitos que não foram
positivados.
Extrai-se a partir dessa afirmação que o art. 5º, §2°, possui uma amplitude
elevada no sentido de considerar os direitos materialmente fundamentais não es-
critos, por não estarem positivados expressamente na Constituição, bem como
os direitos fundamentais previstos em outros itens do texto constitucional e nos
tratados internacionais.
Neste contexto, podem ser visualizadas duas categorias de direitos fundamen-
tais, ou seja, aqueles expressamente positivados ou escritos, quer na Constituição
ou sediados em tratados internacionais e, por isso, facilmente identificáveis e, de
outro lado, aqueles direitos fundamentais não escritos, ou seja, que não foram
objetos de positivação.

capítulo 3 • 90
Os tratados internacionais de direitos humanos

Uma vez que a cláusula de abertura de direitos fundamentais abriu espaço


para os tratados, como você já viu, devemos agora compreender como as conven-
ções internacionais podem ser internalizadas no ordenamento jurídico e, a partir
disso, qual posição hierárquica que podem ocupar na escala normativa brasileira.
De maneira geral, antes de tudo, é preciso ter em conta que o tratado poderá
ser classificado como: a) genérico ou b) de direitos humanos - TIDH. Tal obser-
vação é de suma importância, pois ao identificá-lo por seu conteúdo, poderemos
conhecer seu grau de hierarquia no ordenamento jurídico.

Extrai-se o conceito de tratado genérico por exclusão, isto é, todo acordo internacional
que não cuidar da proteção do ser humano. Ao contrário, se o tratado tiver como eixo
a proteção do homem, será considerado um tratado internacional de direitos humanos.

O Brasil, após a Constituição de 1988, ratificou vários tratados de direitos


humanos, tais como, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis,
Desumanos ou Degradantes de 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança
de 1990, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1992, o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1992, a Convenção
Americana de Direitos Humanos de1992, conhecida como Pacto de São José da
Costa Rica.
Segundo a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, os tratados so-
bre direitos humanos sempre terão destaque no ordenamento jurídico, ora equi-
parados às Emendas Constitucionais, quando internalizados na forma do pro-
cedimento similar ao da emenda constitucional, previsto no artigo 5º, § 3º, da
Constituição Federal, ora com força de norma infraconstitucional, por estarem
abaixo da Constituição Federal, mas acima das leis comuns.
Nessa última hipótese, segundo a jurisprudência do STF, os tratados interna-
cionais de direitos humanos possuem a natureza de supralegalidade.
O quadro abaixo sintetiza a ideia do escalonamento hierárquico do trata-
do internacional de direitos humanos e do tratado genérico no ordenamento
jurídico brasileiro.

capítulo 3 • 91
TIDH
Incorporado depois de 2004, com
a formalidade do art. 5°, §3°, CF

TIDH
SUPRALEGALIDADE Incorporado antes de 2004, ou
incorporado depois de 2004, sem
a formalidade do art. 5°, §3°, CF

TRATADO GENÉRICO
=
LEI ORDINÁRIA

Figura 3.2  –  A posição hierárquica dos Tratados Internacionais


de Direitos Humanos - TIDH e os Tratados Genéricos.

Assim sendo, existem duas maneiras de incorporar o tratado de direitos huma-


nos no Brasil, isto é, através da observância ou não do rito preconizado pelo artigo
5º, § 3º. Essa escolha também marcará a posição hierárquica que o tratado sobre
direitos humanos ocupará no ordenamento jurídico brasileiro.

Tribunal Penal Internacional

Durante séculos de existência da humanidade, massacres de povos inteiros,


violações generalizadas, estupros e crimes de alta potencialidade, foram uma
constante. No século XX, diante das barbáries cometidas no decorrer da Segunda
Guerra Mundial, os Estados integrantes da Aliança, resolveram criar o primeiro
órgão para julgar os crimes praticados pelos nazistas. Dessa maneira, em resposta
ao Holocausto foi firmado o Acordo de Londres, de 1945, que aprovou a criação
do Tribunal de Nuremberg.
Posteriormente, também em decorrência dos crimes praticados durante a
Segunda Guerra Mundial, foi criado o Tribunal Militar Internacional de Tóquio
ou Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente.
Mais recentemente, foram criados, por deliberação do Conselho de Segurança
da ONU, dois outros tribunais internacionais, de caráter temporário e ad hoc, a

capítulo 3 • 92
fim de julgar crimes de alta gravidade praticados na antiga Iugoslávia, no período
da Guerra dos Balcãs, e em Ruanda, em decorrência do genocídio perpetrado no
ano de 1994.
Diante das fortes críticas a esses tribunais especiais e do alcance da Carta da
Nações Unidas em relação à legitimidade do Conselho de Segurança para criar
tribunais internacionais, a sociedade internacional convencionou a elaboração
do Estatuto de Roma, em 1998, instrumento que criou formalmente o Tribunal
Penal Internacional - TPI.
No ano 2000 o Brasil aderiu ao Estatuto de Roma e com o advento da
Emenda Constitucional nº 45, acrescentou o § 4º ao art. 5º da Constituição
da República e confirmou definitivamente sua sujeição à jurisdição do Tribunal
Penal Internacional.
Em síntese, o Tribunal Penal Internacional constitui uma corte criminal per-
manente, com personalidade jurídica internacional própria, de jurisdição global,
com competência para julgar indivíduos acusados de terem cometido crimes tipi-
ficados em seu Estatuto.
Com efeito, os crimes sujeitos a julgamento pelo do Tribunal Penal
Internacional são os: a) de genocídio; b) de ameaça; c) de guerra e, d) chamados
crimes contra a humanidade.
Existem várias penas que podem ser aplicadas pela prática dos crimes, são elas:
a) a pena de prisão, até o limite máximo de 30 anos; b) a pena de prisão perpé-
tua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o
justificarem.

REFLEXÃO
Existem vários questionamentos a respeito da constitucionalidade do Estatuto de Roma,
como i) às exceções ao princípio da coisa julgada; ii) à desconsideração das imunidades e
prerrogativas previstas pelo direito interno; iii) à imprescritibilidade dos crimes internacionais;
iv) à possibilidade de entrega de nacionais para julgamento perante o Tribunal Penal Interna-
cional; v) à previsão de prisão perpétua. Esse é um assunto que deve ser refletido academi-
camente e que os juristas têm buscado uma resposta.

Além das duas previsões sancionatórias, o Tribunal poderá aplicar: a) uma


multa, de acordo com os critérios previstos no Regulamento Processual; b) a perda

capítulo 3 • 93
de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, do crime, sem
prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa-fé.
Por fim, em relação à estrutura, o Tribunal Penal Internacional possui quatro
diferentes órgãos: a Presidência, as Seções, o Gabinete do Promotor e a Secretaria.
Sua sede é em Haia, nos Países Baixos. Possui dezoito juízes, que serão escolhidos
dentre as pessoas de alto caráter moral, integridade e de reconhecida competência
nas áreas de direito processual, direito internacional, direito penal e direitos hu-
manos. O mandato de cada juiz será de nove anos, não sendo possível a reeleição.

MULTIMÍDIA
Para saber mais sobre os tribunais internacionais aqui mencionados, assista aos
filmes indicados:
PROSECUTOR. Direção: Barry Stevens. Produção: White Pine Picture. Canadá, 2010.
94 min., son., col., 35mm.
JULGAMENTOS DE GUERRA. Direção: Charles Binamé. Produção: Imagem Filmes. Es-
tados Unidos. 2005, 92 min., son., col., 35mm.
O COMBATE DOS JUÍZES. Direção: Yves Billy. Produção: Zaradoc Films. França. 2000.
55 min., son., col., 35mm.
JULGAMENTO EM NUREMBERG. Direção: Stanley Kramer. Produção: Stanley Kramer.
Estados Unidos. 1961. 186 min., son. S/I.
A LISTA DE CARLA. Direção: Marcel Schupbach. Produção: CAB Productions. França,
Suiça. 2006. 100 min., son., col., S/I.

Direitos Sociais

Na sequência dos nossos estudos, após examinarmos os direitos individuais


constantes no artigo 5º, da Constituição Federal, vamos dar início à análise dos
direitos sociais.
Como você já estudou, os direitos sociais são categorizados como direitos de
segunda dimensão e, nesse sentido, exigem uma atuação positiva do Estado, isto
é, um dever de dar ou fazer.
Portanto, todos os direitos previstos no artigo 6º, da Constituição Federal,
pressupõem um atuar positivo do Poder Público, que devem ser atendidos
mediante à implementação de políticas públicas, como a educação, a saúde, a

capítulo 3 • 94
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdên-
cia social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.
A figura a seguir retrata as espécies de direitos sociais:

Educação
Assistência aos
Saúde
desamparados

Proteção á
maternidade e Alimentação
á infância
DIREITOS
SOCIAIS
Previdência
Trabalho
social

Segurança Moradia

Transporte

Figura 3.3  –  Espécies de Direitos Sociais.

Em conclusão, como evidencia a figura acima, podemos agrupar os direitos so-


ciais em algumas características: a) os direitos sociais dos trabalhadores; b) os direi-
tos sociais da seguridade social; c) os direitos sociais de natureza econômica; d) os
direitos sociais da cultura e; e) os direitos de segurança (TAVARES, 2017, p. 730).
Diante da proposta dessa obra didática, iremos concentrar nossos estudos na
primeira categoria dos direitos sociais, isto é, nos direitos sociais dos trabalhadores.

Direitos sociais individuais do trabalhador

A Constituição Federal de 1988 foi bastante generosa no trato dos direitos so-
ciais individuais do trabalhador. Nesse sentido, o artigo 7º, da Carta da República,
prevê direitos relacionados: a) ao contrato de trabalho; b) ao salário; c) à duração do
trabalho; d) à discriminação no trabalho e; e) à segurança e medicina do trabalho.

capítulo 3 • 95
Direitos alusivos ao contrato de trabalho

A Constituição proporciona o direito contra a despedida arbitrária ou sem


justa causa (artigo 7º, I), o seguro-desemprego (artigo 7º, II), o fundo de garantia
por tempo de serviço (artigo 7º, III), o aviso prévio proporcional ao tempo de
serviço, nos termos da lei (artigo 7º, XXI).
Além disso, o artigo 10, do ADCT, prevê que até que seja promulgada a
lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição, ficará a dispensa
arbitrária ou sem justa causa: a) do empregado eleito para cargo de direção de
comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura
até um ano após o final de seu mandato; b) da empregada gestante, desde a con-
firmação da gravidez até cinco meses após o parto.
É importante ressaltar quanto a essa última hipótese que a Lei Complementar
nº 146, de 2014, estende essa estabilidade provisória nos casos de morte da ges-
tante a quem detiver a guarda de seu filho.

Direitos concernentes ao salário e à remuneração

O trabalhador no Brasil possui direito a um salário mínimo, fixado em lei,


nacionalmente unificado, e capaz de atender as suas necessidades básicas e às de
sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o po-
der aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

ATENÇÃO
É importante destacar a existência de várias súmulas vinculantes editadas pelo Supremo
Tribunal Federal relacionadas ao salário mínimo, tais como:
Súmula vinculante 4 - Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não
pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de
empregado, nem ser substituído por decisão judicial.
Súmula vinculante 6 - Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração
inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.
Súmula vinculante 15 - O cálculo de gratificações e outras vantagens do servidor pú-
blico não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo.
Súmula vinculante 16 - Os arts. 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/1998), da Cons-
tituição referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público.

capítulo 3 • 96
Observe, com muita atenção, que o salário mínimo não se confunde com o
piso salarial, também direito do trabalhador. Com efeito, o artigo 7º, estabelece
que o piso salarial será proporcional à extensão e à complexidade do trabalho.
O piso salarial se distingue do salário mínimo porque é destinado a certas
categorias profissionais, ao passo que, o salário mínimo é definido por lei e unifi-
cado para todos os trabalhadores. Por fim, você pode concluir que nenhum piso
salarial fixado no Brasil pode ser inferior ao salário mínimo (SILVA NETO, 2006,
p. 616).
Ainda cabe assinalar que a Lei Complementar nº 103/2000 autoriza, por
aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 22 da Constituição Federal,
os Estados e o Distrito Federal a instituir o piso salarial para o trabalhador que
não tenha piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo
de trabalho.
Além da previsão do salário mínimo e do piso salarial, o artigo 7º, da
Constituição Federal prevê: a) o direito à irredutibilidade do salário; b) o direito
a um salário nunca inferior ao mínimo para os que percebem remuneração variá-
vel; c) direito ao décimo terceiro salário; d) direito à remuneração pelo trabalho
noturno em valor superior ao do diurno; e) proteção do salário na forma da lei,
constituindo crime sua retenção dolosa; f ) direito de participação nos lucros da
empresa e, excepcionalmente, em sua gestão; g) direito ao salário-família, pago em
razão do dependente do trabalhador de baixa renda, nos termos da lei; h) direito
a uma remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% da
normal; i) direito de adicional de remuneração nos casos de atividades penosas,
insalubres ou perigosas.

Direitos pertinentes à duração do trabalho

Em relação aos direitos básicos do trabalhador no Brasil pertinentes à duração


do trabalho, a Constituição Federal assegura: a) o direito a uma jornada diária não
superior a oito horas e quarenta e quatro semanais; b) o direito a uma jornada
de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento,
salvo orientação diversa decorrente de negociação coletiva; c) o direito ao repouso
semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; d) o direito a férias anuais
remuneradas com pelo menos um terço a mais do salário.

capítulo 3 • 97
É importante observar que o Supremo Tribunal Federal decidiu em 2016 que: “É consti-
tucional o art. 5º da Lei 11.901/2009 [A jornada do Bombeiro Civil é de 12 (doze) horas
de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de descanso, num total de 36 (trinta e seis) horas
semanais]. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente
o pedido formulado em ação direta que questionava o referido dispositivo. Segundo o
Tribunal, a norma impugnada não viola o art. 7º, XIII, da CF/1988 (...). A jornada de 12
horas de trabalho por 36 horas de descanso encontra respaldo na faculdade conferida
pelo legislador constituinte para as hipóteses de compensação de horário. Embora não
exista previsão de reserva legal expressa no referido preceito, há a possibilidade de
negociação coletiva. Isso permite inferir que a exceção estabelecida na legislação ques-
tionada garante aos bombeiros civis, em proporção razoável, descanso de 36 horas para
cada 12 horas trabalhadas, bem como jornada semanal de trabalho não superior a 36
horas. Da mesma forma, não haveria ofensa ao art. 196 da CF/1988. A jornada de tra-
balho que ultrapassa a 8ª hora diária pode ser compensada com 36 horas de descanso
e o limite de 36 horas semanais. Ademais, não houve comprovação, com dados técnicos
e periciais consistentes, de que essa jornada causasse danos à saúde do trabalhador, o
que afasta a suposta afronta ao art. 7º, XXII, da CF/1988.” (ADI 4.842, Ministro Relator
Edson Fachin, julgamento em 14-9-2016)

Cumpre observar, antes de passarmos para a outra categoria que, o repou-


so semanal remunerado, preferencialmente aos domingos já estava previsto na
Constituição de 1946 e foi suprimido pela Constituição de 1967. O repouso
hebdomadário tem origem religiosa, estendendo-se nos feriados (BULOS, 2015,
p. 822).

MULTIMÍDIA
A Coordenadoria de Rádio e TV do Tribunal Superior do Trabalho disponibiliza em seu
site oficial (http://www.tst.jus.br) a Rádio Justiça - Brasília - 104,7 FM, com diversas repor-
tagens, informações, programas especiais e spots de rádios sobre o direito do trabalhador.

Direitos relacionados à discriminação no trabalho

Como não poderia deixar de ser, a Constituição Federal vedou a discrimina-


ção no trabalho em vários incisos do artigo 7º. Assim sendo, dispôs sobre o direito
à não discriminação salarial, ou de exercício de funções ou de admissão por moti-
vo de sexo, idade, cor, estado civil ou deficiência.
Mas a Constituição também possibilitou as discriminações positivas, como
por exemplo, a) o direito de licença para a gestante distinto do direito de

capítulo 3 • 98
licença-paternidade; b) o direito de proteção do mercado de trabalho da mulher,
mediante incentivos específicos.
Além disso, a Carta da República veda o trabalho noturno, perigoso ou insalu-
bre aos menores de dezoito anos, e de qualquer trabalho aos menores de dezesseis
anos, salvo, neste caso, na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.

Direitos atinentes à segurança e medicina do trabalho

Os direitos relacionados à segurança e medicina do trabalho visam a redu-


ção dos riscos inerentes à atividade desempenhada, seja pelo estabelecimento
de normas atinentes à saúde, à higiene e à segurança, como por meio de legis-
lação que regule o seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador,
sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo
ou culpa.

Direitos sociais coletivos do trabalhador

Os direitos sociais coletivos são exercidos pelos trabalhadores, coletivamente


ou no interesse de uma coletividade. Portanto, nessa perspectiva, a Constituição
Federal assegura: a) o direito de associação profissional ou sindical; b) o direito de
greve; c) o direito de substituição processual; d) o direito de participação e; e) o
direito de representação classista.

A questão da reserva do possível e do mínimo existencial

O alto custo de implementação dos direitos sociais associado à escassez de


recursos orçamentários, inviabilizam o atendimento pleno para a garantia de uma
vida digna a todos os cidadãos.
Isso se torna problemático também porque o Poder Público deve realizar “es-
colhas trágicas” (CALABRESI & BOBBITT, 1978), através de opções políticas,
para atender as prioridades do cidadão.
No contexto de escassez orçamentária, entra em cena a denominada reserva
do possível, como limitadora à concretização dos direitos sociais.

capítulo 3 • 99
A origem da reserva do possível repousa numa decisão proferida pelo Tribunal Constitu-
cional Federal alemão em 1972, quando se discutia a quantidade de vagas para alunos
da faculdade de medicina. Trata-se do caso conhecido como Numerus Clausus (Bverf-
GE n.º 33, S. 333). Naquela ocasião o direito alemão assegurava o acesso universal ao
ensino superior.
No entanto, algumas faculdades de medicina estabeleceram um número limitados de
vagas para o seu ingresso, contrariando a regra do acesso universal. O Tribunal germâ-
nico entendeu que deveria ser mantido o sistema de numerus clausus, já que não havia
estrutura suficiente para atender toda aquela demanda de alunos, caracterizando uma
limitação fática. Mas, o judiciário alemão determinou que essas faculdades, na medida
do possível, aumentassem o número de vagas.

A teoria da reserva do possível foi transformada no Brasil em “reserva do fi-


nanceiramente possível” (MASSON, 2016, p. 290). Sob esse aspecto, a teoria
apresenta três dimensões: a) a disponibilidade fática, relacionada à existência de
recursos financeiros capazes de efetivar os direitos sociais; b) a disponibilidade
jurídica, relativa aos recursos materiais e humanos a serem empregados e; c) a
proporcionalidade da prestação.
Ressalta-se ainda que, a reserva do possível tem sido usada como subterfúgio
pelo Estado para não concretizar os direitos sociais. Foi no contexto de buscar a
harmonia entre a finitude dos recursos orçamentários e o dever de cumprir e efe-
tivar os direitos sociais, que a doutrina forjou o conceito de mínimo existencial. É
nesse âmbito também que sobrevém o ativismo judicial, mas que, de acordo com
Guilherme Góes e Mariana Rasga:

A resolução dos problemas constitucionais do tempo presente demanda - sem nenhuma


dúvida - o ativismo judicial proporcional, que, no entanto, não pode extrapolar os limites
dos limites impostos pelo núcleo intangível dos direitos fundamentais. A garantia desse
núcleo mínimo de direitos, bem como o controle intersubjetivo da sociedade aberta de
intérpretes da Constituição, tal qual vislumbrada por Peter Häberle, irão imprimir legiti-
midade democrática para as decisões judiciais aditivas. (GÓES & RASGA, 2014, p. 417)

O mínimo existencial deve ser compreendido como o conjunto de bens mais


básicos e fundamentais à vida digna. Entretanto, a parte da doutrina parece não
ter encontrado ainda a solução para definir qual é o conteúdo do mínimo existen-
cial. Por outro lado, há quem afirme que o mínimo existencial alcança a saúde, a
educação, a alimentação e o acesso à justiça. (MASSON, 2016, p. 294)
Dessa maneira o Estado, segundo alguns autores, não poderia alegar a reserva
do possível para se afastar da concretização do mínimo existencial, cabendo ao
Poder Judiciário reconhecer esses direitos, imprescindíveis a uma vida digna.

capítulo 3 • 100
Nacionalidade

A nacionalidade associa-se ao ser humano, direito garantido pela Declaração


Universal dos Direitos Humanos. É nesse sentido que esse importante instrumen-
to internacional proclama em seu artigo XV que “todo homem tem direito a uma
nacionalidade e que ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade,
nem do direito de mudar de nacionalidade”.
A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969, conhecido
como Pacto de San José da Costa Rica também ressalta, em seu artigo 20, que
“toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver
nascido se não tiver direito a outra”.
A Constituição Federal de 1988 reservou capítulo próprio no Título II para
disciplinar sobre a nacionalidade, que representa, como já vimos, uma espécie do
gênero direitos fundamentais, ao lado dos direitos individuais e coletivos, direitos
políticos e direitos sociais.

CONCEITO
Compreende-se por Nacionalidade o vínculo jurídico-político que se estabelece entre o
indivíduo e o Estado e que permite fazer a distinção entre o nacional e o estrangeiro para
determinados fins.
Segundo Pontes de Miranda a "nacionalidade é o vínculo jurídico-político de Direito Pú-
blico interno, que faz da pessoa um dos elementos componentes da dimensão pessoal do
Estado". (MIRANDA, 1935, p. 16)

Antes de aprofundarmos o estudo constitucional sobre a nacionalidade, va-


mos analisar alguns aspectos sobre esse tema.

Aspectos gerais sobre a Nacionalidade

Há que se considerar a proximidade dos conceitos de nacionalidade, povo,


nação e cidadania, sendo certo que tais noções estão intimamente ligadas.
A definição de povo está relacionada ao conjunto de pessoas que faz parte de
um Estado, constituindo o seu elemento humano. Diferencia-se, por sua vez, do
conceito de população, termo mais abrangente, cujo caráter é predominantemente

capítulo 3 • 101
demográfico, ou seja, o número de residentes no território, sejam nacionais
ou estrangeiros.
Por outro lado, a nação é o agrupamento de pessoas nascidas em um território,
ligadas por traços em comum, como o idioma, a cultura, as tradições e os costu-
mes, providas da comunhão de ideias coletivas e aspirações de futuro (MORAES,
2000, p. 3).
A cidadania, por fim, vincula-se ao gozo dos direitos políticos em um Estado.
Assim, cidadão, para efeitos constitucionais, é aquele detentor de direito político.

CURIOSIDADE
Existe uma certa confusão a respeito dos termos “nacionalidade” e “cidadania”. Essa
imprecisão que parece advir do direito norte-americano, uma vez que a Emenda XIV da Cons-
tituição dos Estados Unidos confere “cidadania” aos nascidos ou naturalizados nos Estados
Unidos. Não é à-toa que juristas, como Hans Kelsen, confundiam os dois termos, isto é,
citizenship e nationality, entendendo que se tratam do mesmo instituto. No Brasil, de maneira
geral, é comum referir-se ao termo “dupla cidadania” na hipótese de a pessoa cumular duas
nacionalidades. O termo técnico correto para essa possibilidade seria “dupla nacionalidade”.

Em verdade, a cidadania é considerada um plus à nacionalidade pois, em regra,


a cidadania pressupõe a nacionalidade. A exceção no direito brasileiro diz respeito
aos portugueses, que em certas hipóteses poderão exercer os direitos políticos.
Celso de Mello afirma que a nacionalidade pode ser analisada sob dois aspec-
tos distintos: um sociológico e outro jurídico. Neste sentido, para ele:

Nacionalidade, em sentido sociológico, corresponde ao grupo de indivíduos que possuem


a mesma língua, raça, religião e possuem um ‘querer viver comum’ (...) A nacionalidade em
sentido jurídico, (...) é a de vínculo jurídico-político que une o indivíduo ao Estado.

Nesse sentido, é possível traçar duas dimensões da nacionalidade: a) dimensão


vertical e b) dimensão horizontal.
A dimensão vertical está ligada à noção de vassalo e suserano com a qual se
vincula o nacional ao Estado. Daí decorrem certos deveres, como por exemplo, a
lealdade e a prestação de serviço militar. Por outro lado, o Estado tem o dever de
oferecer proteção diplomática ao nacional onde quer que se encontre. Esta dimen-
são da nacionalidade é caracterizada em seu sentido jurídico.

capítulo 3 • 102
A dimensão horizontal compreende à relação de coordenação entre pessoas do
mesmo grupo. Esse aspecto é aferido em seu sentido sociológico, o que significa a
presença de identidade de vários fatores, como por exemplo, o idioma comum, o
assento cultural e os costumes.

Critérios atributivos da nacionalidade

Cada Estado, como expressão da soberania, tem a responsabilidade de definir


critérios atributivos da nacionalidade às pessoas. Em decorrência do poder sobe-
rano, cada Estado dispõe de liberdade para definir a forma para a concessão, a
perda e reaquisição da nacionalidade. Quanto à aquisição, a nacionalidade pode
ser originária ou derivada, conforme estudaremos abaixo.

Nacionalidade Originária

A nacionalidade originária, também conhecida como primária, natural ou de


origem, leva em consideração um fato natural, ou seja, o nascimento.
Essa espécie de nacionalidade pode ser estabelecida através do critério sanguí-
neo ou pelo critério territorial. O importante é saber que o Estado pode livremen-
te, como expressão de sua soberania, escolher qual critério atribuirá a nacionalida-
de originária à pessoa.
Se o Estado adotar o critério sanguíneo, também denominado de ius sangui-
nis, significa que, independentemente do local do nascimento, o que importará
será a nacionalidade dos pais. Por esse critério será nacional todo descendente de
nacionais, pouco interessando o lugar do nascimento.
Por outro lado, se o Estado escolher o critério territorial, conhecido também
por ius soli, a atribuição da nacionalidade originária será feita a partir do local do
nascimento. Isto que dizer que será nacional, por esse critério, toda pessoa nascida
no território desse Estado.

PERGUNTA
Se uma pessoa nascer em um Estado que adote o critério do ius soli (critério territorial)
e seus pais pertencerem a um Estado que acolhe o critério do ius sanguinis (critério sanguí-
neo), qual será sua nacionalidade?

capítulo 3 • 103
Neste caso, haverá um conflito positivo de nacionalidade, diante do que
se convencionou denominar polipatrídia. Isso significa que mais de um Estado
atribui ao indivíduo seu critério de nacionalidade.
Em resposta à questão formulada, essa pessoa possuirá duas nacionalidades:
a) uma atribuída pelo Estado em que nasceu, decorrente do critério do ius soli,
por ele adotado; b) e outra em decorrência da sua filiação, ou seja, possuirá a
nacionalidade de seus pais, em virtude da adoção do critério do ius sanguinis por
outro Estado.

PERGUNTA
Imaginemos a seguinte situação: uma pessoa nasce em um Estado que adota o critério
do ius sanguinis (critério sanguíneo) e seus pais pertencerem a um Estado que acolhe o cri-
tério do ius soli (critério territorial). Haveria atribuição da nacionalidade originária?

A resposta é negativa. Não haveria atribuição de nacionalidade originária.


Ocorre o fenômeno inverso daquele analisado anteriormente. Nessa hipótese des-
ponta o conflito negativo da nacionalidade.
Trata-se da apatridia. Em resumo, diante da existência e da dessemelhança dos
critérios atributivos da nacionalidade originária, uma pessoa pode ser considerada
apátrida, ou seja, sem nacionalidade.
Várias são as causas do fenômeno do conflito negativo de nacionalidade,
como por exemplo, quando alguém nasce num Estado que acolhe o critério do
ius sanguinis e seus pais carregam consigo a nacionalidade de um país que adota o
critério do ius soli.
Essa anomalia é repudiada pelo Direito e o Brasil, através da sua recente Lei
de Migração, Lei nº 13.445/17, não só reconhece a figura dos apátridas como
também fornece proteção jurídica a eles.

MULTIMÍDIA
Para estabelecer uma conexão sobre a apatridia e suas consequências, assista aos fil-
mes indicados abaixo:
O TERMINAL. Direção: Steven Spielberg. Produção: Amblin Entertainment. Estados Uni-
dos, 2004. 128 min., son., col., 35mm.

capítulo 3 • 104
APATRIDE (Stateless). Direção: Narjiss Nejjar. Produção: La Prod. (Maroc), Moon & Deal
Films (France). Marrocos, França, Qatar. 2018. 94 min., son., col. e p/b, 35mm.
IVÁN. Direção: Guto Pasko. Produção: Petrobras. Brasil. 2015. 109 min., son., col.

Você deve observar que o Estado escolherá um desses dois critérios ou ambos,
de acordo com a estratégia constitucional adotada. No Brasil, por exemplo, ado-
tamos os dois critérios de nacionalidade originária, ou seja, o ius sanguinis e o ius
soli, de acordo com o disposto no artigo 12, I, da Constituição Federal.
O artigo 12, I, “a”, da Constituição Federal, adota o critério do ius soli para a
atribuição da nacionalidade originária. O brasileiro nato, em regra geral, é aquele
que nasce no território brasileiro, mesmo de pais estrangeiros, desde que estes não
estejam a serviço de seu País.
O art. 12, I, ‘b’, da Constituição Federal, em total sintonia a alínea anterior,
dispõe que também será brasileiro nato o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro
ou de mãe brasileira, desde que qualquer um deles esteja a serviço da República
Federativa do Brasil.
A terceira hipótese de aquisição da nacionalidade originária está disciplinada
no art. 12, I, ‘c’, da CRFB, que sofreu várias modificações ao longo do processo
constitucional brasileiro e atualmente possui a seguinte redação: (são brasileiros
natos) “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde
que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na
República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a
maioridade, pela nacionalidade brasileira.”

Nacionalidade Derivada

A nacionalidade derivada se perfaz mediante a vontade do indivíduo e a


aquiescência do Estado. Portanto, para aquisição da nacionalidade derivada faz-se
necessária a vontade da pessoa em obtê-la. Evidentemente essa nacionalidade é
adquirida após o nascimento.
No que diz respeito à nacionalidade derivada, a Constituição prevê no art. 12,
II, casos de aquisição da nacionalidade via processo de naturalização, permitindo
que o legislador infraconstitucional disponha sobre o tema, ressalvando, todavia,
as causas de modificação e extinção da nacionalidade, cabendo à lei apenas regu-
lamentar as hipóteses previstas.

capítulo 3 • 105
O artigo 12, II, da Constituição prevê duas hipóteses de naturalização. A
primeira, contida na alínea “a”, que a doutrina convencionou chamar de natura-
lização ordinária, remete à lei infraconstitucional a previsão de requisitos para a
sua aquisição sendo, portanto, ato discricionário do governo brasileiro conferi-la.
A segunda espécie é denominada de naturalização extraordinária e encontra
respaldo na alínea “b” do dispositivo constitucional. Em relação a essa última, bas-
ta o preenchimento dos requisitos constitucionais para a aquisição da nacionalida-
de brasileira, a saber, a residência no Brasil por mais de quinze anos ininterruptos,
ausência de condenação penal e requerimento da nacionalidade brasileira. Por
isso, o ato do governo brasileiro é considerado vinculado.

A quase nacionalidade

O direito constitucional brasileiro prevê a hipótese do português com residên-


cia no país, se houver reciprocidade em relação ao brasileiro, possuir os mesmos
direitos inerentes aos brasileiros naturalizados. Tal regra é conhecida como quase
nacionalidade e está prevista no 12, § 1°, da Constituição Federal.
O STF reconhece a figura da quase nacionalidade nos seguintes termos:

“A norma inscrita no art. 12, § 1°, da Constituição da República - que contempla, em seu
texto, hipótese excepcional de quase-nacionalidade - não opera de modo imediato, seja
quanto ao seu conteúdo eficacial, seja no que se refere a todas as consequências jurídi-
cas que dela derivam, pois, para incidir, além de supor o pronunciamento aquiescente do
Estado brasileiro, fundado em sua própria soberania, depende, ainda, de requerimento
do súdito português interessado, a quem se impõe, para tal efeito, a obrigação de preen-
cher os requisitos estipulados pela Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres
entre brasileiros e portugueses.” (STF, Extradição 890, Min. Rel. Celso de Mello, DJ de
28/10/2004)

Em 2011, o STF também reconheceu o instituto da quase nacionalidade no


julgamento do HC 100.793, impetrado pelo Consulado Geral de Portugal em
São Paulo em favor de paciente português submetido à expulsão pelo governo
brasileiro, embora tenha denegado a ordem no caso concreto.
Não se trata de atribuição de nacionalidade brasileira ao português, mas um
tratamento favorecido a ele. Nesse aspecto, o Tratado de Amizade, Cooperação e
Consulta entre Brasil e Portugal, celebrado em 2000, na cidade de Porto Seguro,
internalizado pelo decreto nº 3.927, de 19 de setembro de 2001, veda a extradição
de português equiparado a brasileiro para outro país que não seja Portugal.

capítulo 3 • 106
As hipóteses de perda da nacionalidade brasileira

Quanto à perda da nacionalidade brasileira, o artigo 12, § 4°, da Constituição


Federal, prevê duas hipóteses. Entretanto, é bom lembrar que a perda da nacionali-
dade de um membro de determinada família não se estende aos seus descendentes.
A primeira hipótese de perda da nacionalidade brasileira, está prevista no artigo
12, § 4°, I, da Constituição e destina-se tão-somente ao brasileiro naturalizado que
tiver cancelada a sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade
nociva ao interesse nacional. A doutrina denomina essa espécie de perda-punição.
Nesse caso, o autor da ação será o Ministério Público e o foro competente será
a Justiça Federal. Cabe destacar que se trata de processo de natureza civil, não cri-
minal, que visa uma sanção administrativa, sendo necessário o trânsito em julgado
da sentença para efetivação da perda da nacionalidade.
A segunda hipótese de extinção do vínculo jurídico-político pode atingir tan-
to o brasileiro nato, quanto o naturalizado em caso de aquisição de outra naciona-
lidade, por naturalização voluntária. Essa possibilidade está prevista no artigo 12,
§ 4°, II, da Constituição Federal e é conhecida como perda-mudança.
Ressalta-se que a perda da nacionalidade não se dá com a declaração, mas
com a aquisição da nova nacionalidade, tendo em vista que há ruptura do vín-
culo primitivo, sendo, após, declarada a perda da nacionalidade por Decreto do
Presidente da República.
Nesse sentido, é importante destacar que a primeira Turma do STF reconhe-
ceu a perda da nacionalidade de brasileira nata que adquiriu outra nacionalidade
e possibilitou sua extradição, em virtude de crime praticado no exterior. Veja a
ementa do julgamento:

Brasileira naturalizada americana. Acusação de homicídio no exterior. Fuga para o bra-


sil. Perda de nacionalidade originária em procedimento administrativo regular. Hipótese
constitucionalmente prevista. Não ocorrência de ilegalidade ou abuso de poder. (...) A
Constituição Federal, ao cuidar da perda da nacionalidade brasileira, estabelece duas
hipóteses: (i) o cancelamento judicial da naturalização (art. 12, § 4º, I); e (ii) a aquisição
de outra nacionalidade. Nesta última hipótese, a nacionalidade brasileira só não será
perdida em duas situações que constituem exceção à regra: (i) reconhecimento de outra
nacionalidade originária (art. 12, § 4º, II, a); e (ii) ter sido a outra nacionalidade imposta
pelo Estado estrangeiro como condição de permanência em seu território ou para o
exercício de direitos civis (art. 12, § 4º, II, b). No caso sob exame, a situação da impe-
trante não se subsume a qualquer das exceções constitucionalmente previstas para a
aquisição de outra nacionalidade, sem perda da nacionalidade brasileira. [MS 33.864, rel.
min. Roberto Barroso, j. 19-4-2016, 1ª T, DJE de 20-9-2016.]

capítulo 3 • 107
De qualquer maneira, a própria Constituição Federal prevê duas hipóteses de
exceção à regra de perda da nacionalidade: 1) quando a lei estrangeira reconhecer a
nacionalidade originária. Neste caso ocorrerá a chamada “dupla nacionalidade” e 2)
quando a norma estrangeira impuser ao brasileiro residente no exterior a naturalização
como condição de permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

Direitos Políticos

Os direitos políticos, como espécies de direitos fundamentais, expressam o


conjunto de normas determinadas a regulamentar o exercício da soberania popular.
O termo “direitos políticos” em sentido genérico, é empregado para caracterizar: a)
o direito dos cidadãos para participar de atividades políticas desenvolvidas pelo Estado;
b) o direito eleitoral e c) a regulamentação dos partidos políticos (TAVARES, 2017,
p. 694). A figura abaixo fornece a visão panorâmica da expressão “direitos políticos”:

DIREITOS
POLÍTICOS

Direito de Regulamentação
participar das Direito Eleitoral dos Partidos
atividades políticas Políticos

Figura 3.4  –  Expressão Partidos Políticos

O artigo 14, caput, da Constituição assevera que a soberania popular será


exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto e, nos termos da lei,
mediante o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.
O sufrágio apresenta dois aspectos distintos: a) a capacidade eleitoral ativa, ou
seja, o direito de votar e b) a capacidade eleitoral passiva, representada pelo direito
de ser votado.

ATENÇÃO
As expressões sufrágio, voto e escrutínio não se confundem. É importante perceber que
o sufrágio é um direito público subjetivo de participar da vida política. Enquanto o voto é o
exercício de escolha. Por fim, o escrutínio e o modo de exercício do direito político.

capítulo 3 • 108
O alistamento eleitoral é condição para o exercício do direito político. Segundo
a Constituição Federal, o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os
maiores de 18 anos e facultativos para os analfabetos, os maiores de 70 anos e os
maiores de 16 e menores de 18 anos. Por outro lado, a Constituição Federal veda o
alistamento os estrangeiros e os conscritos, estes últimos apenas durante o serviço
militar obrigatório.

Plebiscito e referendo

As consultas populares, segundo a Constituição, serão realizadas mediante


plebiscito e referendo. Ambos, instrumentos da democracia direta, são consultas
à população sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, le-
gislativa ou administrativa. A Lei nº 9.709/98 regulamenta essa importante forma
de participação política.
Conforme dispõe o artigo 49 da Constituição Federal, cabe privativamente ao
Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito.
A diferença entre plebiscito e referendo pode ser estabelecida por conta do
momento de sua realização.
O plebiscito é uma consulta prévia feita à população, a ser, futuramente, deli-
berada pelo Congresso Nacional. Portanto, o plebiscito é convocado com anterio-
ridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou
denegar o que lhe tenha sido submetido.
A consulta feita pelo plebiscito se revela através de perguntas diretas feitas pelo
Congresso Nacional ao povo, que responde, simplesmente, sim ou não.
Já o referendo, se traduz na consulta posterior para fins de ratificação ou rejei-
ção de determinado ato legislativo ou administrativo. Portanto, é uma confirma-
ção de tema já tratado em lei.
Nesse caso, o povo responde sim ou não sobre matéria anteriormente aprova-
da pelo Legislativo. A primeira experiência brasileira com o referendo foi realizada
com o Estatuto do Desarmamento, a Lei nº 10.826/03, que dispôs em seu artigo
35 o seguinte:

Artigo 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território


nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei.
§ 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo
popular, a ser realizado em outubro de 2005.

capítulo 3 • 109
O referendo foi realizado em 23 de outubro de 2005 e o seu resultado foi no
sentido de rejeitar a proibição proposta pelo artigo 35 da Lei nº 10.826/03.
É importante ressaltar que a Constituição Federal exige a realização de plebis-
cito para algumas matérias, como por exemplo, a escolha da forma de governo e
sistema de governo, prevista no artigo 2º, do ADCT. Da mesma forma, no artigo
18, § 4º, há exigência da consulta plebiscitária para criação, incorporação, fusão e
desmembramento de Municípios.

Elegibilidade

A elegibilidade é a capacidade eleitoral passiva que permite ao cidadão concor-


rer a mandatos políticos, desde que preencha algumas condições.
A Constituição estabelece idade mínima para ser eleito, como a de: a) trinta
e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; b) trinta
anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) vinte
e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-
Prefeito e juiz de paz e; d) dezoito anos para Vereador.
Além disso, são condições de elegibilidade I - a nacionalidade brasileira; II - o
pleno exercício dos direitos políticos; III - o alistamento eleitoral; IV - o domicílio
eleitoral na circunscrição e V - a filiação partidária.

Direitos políticos negativos

Os direitos políticos negativos constituem uma restrição ao direito de parti-


cipação no processo político. São expressos através das regras a respeito das inele-
gibilidades e as causas que levam a perda ou a suspensão dos direitos políticos.
Observe, aqui, com muita atenção, que a eliminação arbitrária dos direitos
políticos, sobretudo por perseguição de natureza político-ideológica, configurada
através da cassação de direitos políticos, é vedada pela atual Constituição, con-
forme a regra estabelecida no artigo 15, tendo sido, entretanto, um instrumento
de manobra utilizado durante o período autoritário.

capítulo 3 • 110
Inelegibilidades

A inelegibilidade é causa obstativa para o exercício da capacidade eleitoral


passiva. Assim sendo, impede a condição de ser votado numa eleição.
Com efeito, a Constituição no seu artigo 14, §§ 4º ao 7º, cuida de diversas
causas de inelegibilidade. Algumas regras desse dispositivo são consideradas nor-
mas constitucionais de eficácia plena, que como já estudamos no capítulo 2, pos-
suem aplicabilidade direta, imediata e integral. Entretanto, a própria Constituição
permite que através de lei complementar possam ser estabelecidas novas hipóteses
de inelegibilidades.

COMENTÁRIO
É importante que você saiba que a inelegibilidade pode ser absoluta, hipótese taxativa-
mente prevista na Constituição, e ocorrerá quando a pessoa é impedida de concorrer para
qualquer cargo eletivo em razão de determinada característica pessoal.

São dois casos que levarão a inelegibilidade absoluta: a) a condição de inalistá-


vel, ou seja, aquele que não pode ser eleitor também não pode ser candidato e b)
a condição de analfabeto, embora possa realizar o alistamento eleitoral e exercer o
direito de voto.
Da mesma forma, a inelegibilidade pode ser relativa, a qual não se vincula a
qualquer circunstância pessoal, mas sim às restrições para determinados pleitos e
mandatos.
Então, preste atenção, o inelegível relativo detém a elegibilidade genérica.
Entretanto, para alguns cargos não poderá se candidatar, seja por motivo funcio-
nal, por motivo de casamento, parentesco ou afinidade, por ser militar ou qual-
quer outra previsão legal.

capítulo 3 • 111
O quadro a seguir sintetiza as espécies de inelegibilidades, que serão abordadas
a seguir:

ANALFABETOS
ABSOLUTA
INALISTÁVEIS
INELEGIBILIDADE

POR MOTIVOS
FUNCIONAIS

EM VIRTUDE DE
CASAMENTO,
RELATIVA
PARENTESCO OU
AFINIDADE

MILITARES

POR MOTIVOS
LEGAIS

Figura 3.5  –  Tipos de Inelegibilidade.

Quanto à inelegibilidade relativa por motivo funcional, vale mencionar


que os únicos cargos geradores dessa restrição são os cargos de chefia do Poder
Executivo, ou seja, de Presidente da República, Governador de Estado e do
Distrito Federal e Prefeito de Município.
Segundo dispõe o artigo 14, § 5º, da Constituição, o Presidente da República,
os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver
sucedido, ou substituído no curso dos mandatos, poderão ser reeleitos para um
único período subsequente. Nesse caso, o chefe do executivo pode concorrer à ree-
leição uma vez, sendo vedado ocupar o mesmo cargo por três vezes consecutivas.
Assim, nada impede que o chefe do executivo possa exercer o cargo posteriormente.
O Ministro do Supremo Tribuna Federal, Alexandre de Moraes, sintetiza bem
essa ideia ao anotar que:

(...) não se proíbe constitucionalmente que uma mesma pessoa possa exercer três ou
mais mandatos presidenciais, mas se proíbe a sucessividade indeterminada de manda-
tos. Assim, após o exercício de dois mandatos sucessivos, o Chefe do Poder Executivo
não poderá ser candidato ao mesmo cargo, na eleição imediatamente posterior, inci-
dindo sobre ele a inelegibilidade relativa por motivos funcionais para o mesmo cargo.
(MORAES, 2017, p. 196)

capítulo 3 • 112
No entanto, observe com atenção que, quando a intenção do chefe do execu-
tivo for ocupar outro caso, diversa será a solução.
Assim, o artigo 14, § 6º, da Constituição assevera que “para concorrerem a
outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito
Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses
antes do pleito”.
Nesse caso, o chefe do executivo deve renunciar ao mandato, pelo menos seis me-
ses antes da eleição. A denominação dada a essa hipótese é desincompatibilização.
Em relação à inelegibilidade relativa por motivos de casamento, parentes-
co ou afinidade, podemos afirmar que atinge apenas o cônjuge, parente ou afim
do chefe do executivo.
Assim, de acordo com o que dispõe o artigo 14, § 7º, da Constituição Federal:
“São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes
consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da
República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito
ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se
já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.

COMENTÁRIO
É importante conhecer o teor da súmula vinculante 18, segundo a qual “A dissolução
da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade pre-
vista no § 7º do art. 14 da CF.”

No que diz respeito à inelegibilidade relativa diante da condição de militar,


a Constituição Federal determina em seu artigo 14 § 8º, que é elegível, atendidas
as seguintes condições: I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afas-
tar-se da atividade; II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela
autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação,
para a inatividade.
Por fim, a última hipótese, inelegibilidade relativa por motivos legais,
ocorrerá quando a própria Constituição Federal autorizar a elaboração de Lei
Complementar para dispor sobre outros casos de inelegibilidade relativa. Nesse
sentido, vigora a Lei Complementar 64/90, alterada pela Lei Complementar
135/10, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”.

capítulo 3 • 113
Perda e suspensão dos direitos políticos

As causas de privação dos direitos políticos são reveladas através da perda e da


suspensão dos direitos políticos, hipóteses taxativamente dispostas no artigo 15 da
Constituição Federal. Ocorre que a nossa Carta não aponta os casos de perda ou
de suspensão dos direitos políticos. Por isso, o quadro abaixo sinaliza as hipóteses
de privação:

Cancelamento da naturalização por


setença judicial transitada em julgado
PERDA
Alegação de escusa de consciência
DOS DIREITOS POLÍTICOS
HIPÓTESE DE PRIVAÇÃO

(divergência dessa causa como sendo


perda ou suspensão dos direitos políticos)

Declaração de incapacidade civil absoluta

SUSPENSÃO Condenação criminal transitada em


julgado

Condenação por improbidade


administrativa

Figura 3.6  –  Causas de perda e suspensão dos Direitos Políticos

A perda ocasionará a privação definitiva e permanente dos direitos políticos e


ocorrerá na hipótese de perda da nacionalidade brasileira, através do cancelamento
da naturalização por meio de sentença transitada em julgado. Perceba que, embora
o texto constitucional não contemple, expressamente, a perda da nacionalidade
como causa de perda dos direitos políticos, essa se verificará caso ocorra a perda do
vínculo jurídico com o Estado brasileiro (MENDES & BRANCO, 2017, p. 669).
A doutrina diverge se a alegação de escusa de consciência é causa de perda ou
de suspensão dos direitos políticos.
Por outro lado, a suspensão dos direitos políticos assume caráter de tempora-
riedade de privação no processo político quando incidir uma das causas previstas
no artigo 15.

Partidos Políticos

O tema referente aos partidos políticos é de suma importância, pois esses


entes desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da democracia

capítulo 3 • 114
ao possibilitar a expressão de seus membros, a representação política e o exercício
da cidadania.
Para Uadi Lammêgo Bulos (2015, p. 912) “os partidos políticos são associa-
ções de pessoas, unidas por uma ideologia ou interesses comuns, que, organizadas
estavelmente, influenciam a opinião popular e a orientação política do país”.

CURIOSIDADE
O cientista político e sociólogo francês Maurice Duverger asseverava que os verdadeiros
partidos políticos datam de 1850. É que não se pode confundir o sentido que atualmente
possuem com os igualmente denominados “partidos” que tiveram início a partir de qualquer
agrupamento humano, como as facções que dividiam as Repúblicas antigas, os clãs que se
juntavam em torno de um condottiere na Itália renascentista, ou os clubes de deputados das
assembleias revolucionárias (DUVERGER, 1951, p. 19). A existência de partidos políticos
no Brasil ao longo da história é acidentada e marcada por rupturas em certos momentos de
instabilidade política.

Dado o valor desse instrumento de preservação do Estado Democrático de


Direito, a Constituição brasileira resguardou a liberdade de criação, fusão, incor-
poração e extinção dos partidos políticos, como um tipo especial de associação
privada, traçando normas mínimas para o seu bom funcionamento. Essa é a con-
sagração do princípio da liberdade partidária, que é relativa, na medida em que
está condicionado à preservação da soberania nacional, ao regime democrático, ao
pluripartidarismo e aos direitos da pessoa humana.

CONEXÃO
Para se ter uma ideia do surgimento dos partidos políticos no Brasil, da instituição das pri-
meiras legendas à criação das novas siglas, assista ao Programa Brasil Eleitor do Tribunal
Superior Eleitoral que pode acessado a partir do seguinte link: <http://www.tre-df.jus.br/
videos/brasil-eleitor-estreia-serie-sobre-a-historia-dos-partidos-politicos>.
Tenha atenção apenas com as modificações estabelecidas pela legislação brasileira, es-
pecialmente a Emenda Constitucional 97 de 2017, que alterou a Constituição Federal para
vedar as coligações partidárias nas eleições proporcionais, estabelecer normas sobre acesso

capítulo 3 • 115
dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito
no rádio e na televisão.

O artigo 17 da Constituição Federal proibiu o recebimento de recursos finan-


ceiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; determinou
a prestação de contas à Justiça Eleitoral e o funcionamento parlamentar de acordo
com a lei.
Da mesma maneira a Constituição assegurou a autonomia dos partidos polí-
ticos para definir sua estrutura, funcionamento e organização. Dentro dessa pers-
pectiva, os partidos políticos poderão adotar o regime de suas coligações eleitorais,
sem a necessidade de vinculação entre as candidaturas no plano nacional, estadual,
distrital ou municipal.
O estatuto de constituição do partido político deve ser registrado no Tribunal
Superior Eleitoral e sobre essa formalidade o Supremo Tribunal Federal assim
se pronunciou:
O procedimento de registro partidário, embora formalmente instaurado perante órgão do
Poder Judiciário (TSE), reveste-se de natureza materialmente administrativa. Destina-se
a permitir ao TSE a verificação dos requisitos constitucionais e legais que, atendidos
pelo partido político, legitimarão a outorga de plena capacidade jurídico-eleitoral à agre-
miação partidária interessada. A natureza jurídico-administrativa do procedimento de re-
gistro partidário impede que este se qualifique como causa para efeito de impugnação,
pela via recursal extraordinária, da decisão nele proferida. (STF, RE 164.458 AgR, rel.
min. Celso de Mello, j. 27-4-1995, P, DJ de 2-6-1995)

O artigo 17, § 1º, da Constituição Federal determina que os estatutos de


criação dos partidos políticos devem contemplar regras de disciplina e normas
referentes à fidelidade partidária.
Observe com atenção que, os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito
privado e possuem legitimidade para postular em juízo, inclusive podendo impe-
trar mandado de segurança coletivo (artigo 5º, LXX), além de serem considerados
legitimados universais para a propositura das ações de controle concentrado de
constitucionalidade, desde que possuam representação no Congresso Nacional,
por força do artigo 103, VIII, da Constituição Federal.
Muito embora sejam considerados de natureza privada, não se questiona a
relevante função de mediação entre o povo e o Estado, que confere características
especiais e diferenciadas transitando entre o público e o privado, portanto, de
natureza complexa (MENDES & BRANCO, 2017, p. 678).

capítulo 3 • 116
Os partidos políticos possuem direito ao recurso do fundo partidário, bem
como acesso gratuito ao rádio e à televisão, conhecido como “direito de antena”,
na forma da Lei. Essa matéria está disciplina na Lei nº 9.096/95, que sofreu alte-
rações pela Lei 13.165/2015.
Por fim, é importante ressaltar que no Brasil não se admite a candidatura avul-
sa ou autônoma, pois como você já estudou, exige-se a filiação partidária como
condição de elegibilidade.

ATIVIDADES
01. Exercício 1. Preencha as palavras-cruzadas abaixo de acordo com o enunciado:

Horizontais:
1. Espécie de perda da na-
cionalidade de brasileiro 1.
naturalizado que tiver can-
celada a sua naturalização, 2.
por sentença judicial, em vir-
tude de atividade nociva ao 3. 4. 5.
interesse nacional.
2. Espécie de nacionalidade
adquirida após o nascimento
6.
via processo de naturalização.
6. A proibição de extradição
7.
passiva de brasileiro nato,
consiste em qual espécie de 8.
direito fundamental?
7. Situação na qual a pessoa
não possui qualquer nacio-
nalidade. É o caso de conflito 9.
negativo de nacionalidade.
8. O direito ao salário mínimo 10.
é considerado que espécie de
direito fundamental?
9. Quando o STF decidiu a respeito do Programa Universidade para todos - PROUNI, instituído pela Me-
dida Provisória nº 213 de 10 de setembro de 2004 e posteriormente convertida na Lei nº 11.096/2005,
procurou assegurar que tipo de direito?
10. A Constituição veda essa prática e diz que a lei considerará a sua prática crime inafiançável e insus-
cetível de graça ou anistia.

capítulo 3 • 117
Verticais:
1. Direito individual que tem a ver com a relação da pessoa como o meio social, sem haver interesse
público na sua divulgação.
3. Direito social individual pertinente à duração do trabalho.
4. Essa espécie de extradição não está garantida pelo artigo 5º, da Constituição em relação aos brasilei-
ros natos e aos brasileiros naturalizados.
5. Hipótese em que uma pessoa possui mais de uma nacionalidade.

02. Nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil são brasileiros naturalizados:
a) a) os que, na forma de lei complementar, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos
originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto.
b) b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do
Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requei-
ram a nacionalidade brasileira.
c) c) os que, na forma de lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários
de países de língua portuguesa comprovação de idoneidade moral e de inexistência de
condenação penal com trânsito em julgado.
d) d) os portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor
de brasileiros, a quem são atribuídos todos os direitos inerentes a brasileiros, sem limita-
ções, exceto o exercício de cargos de chefia no executivo, no legislativo e no judiciário.

REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou os direitos fundamentais em espécie, consagrados essen-
cialmente no Título II, da Constituição Federal.
Num primeiro momento, foram examinados direitos individuais, previstos no artigo 5º, da
Carta da República. Naquela oportunidade, você examinou a hierarquia dos tratados interna-
cionais de direitos humanos e a submissão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional, criado
pelo Estatuto de Roma.
Em seguida você percebeu que além dos direitos individuais, a Constituição de 1988
também se dedica um capítulo aos direitos sociais, que são considerados direitos de segun-
da dimensão e, por isso, demandam prestações positivas do Estado. Assim, se destacam os
direitos à saúde, à educação, à segurança, à moradia, ao transporte e outros. Diante dos pro-
pósitos acadêmicos dessa obra, optou-se por estudar os direitos sociais dos trabalhadores.
Na sequência, você constatou a dificuldade para a efetivação dos direitos sociais, so-
bretudo em virtude da utilização da reserva do possível. Foram ainda examinados o mínimo
existencial e o ativismo judicial.

capítulo 3 • 118
Em relação à nacionalidade você estudou suas espécies, os critérios de atribuição, os
aspectos constitucionais da nacionalidade originária e da nacionalidade derivada, além de
verificar quais são as hipóteses de perda da nacionalidade.
Finalmente, nesse capítulo, você analisou os direitos políticos e os partidos políticos,
ambos instrumentos à serviço da democracia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CALABRESI, Guido; BOBBITT, Philip. Tragic Choice. New York: WW Norton & Company, 1978.
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Livraria Almedina, 1993.
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DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970 [1951].
GÓES, Guilherme Sandoval; RASGA, Mariana de Freitas. Limites exegéticos do ativismo judicial:
por uma estratégia hermenêutica de preservação do Estado Democrático de Direito. In.
CONPEDI (Org). Hermenêutica: XXIII Encontro Nacional do CONPEDI/UFSC (23: 2014:
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internacionais. Baueri: Manole, 2005.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Bahia: JusPODIVM, 2016.
MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15 ed. Vol. II, Rio de
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MIRANDA, Pontes. Tratado de direito internacional privado. José Olympio: Rio De Janeiro, 1935.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2017.
MORAES, Guilherme Pena de. Nacionalidade. Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da
Naturalização Extraordinária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
MOURÃO, Gerardo Mello. História dos partidos políticos no Brasil. Estudos Eleitorais, Brasília,
DF, v. 3, n. 1, p. 47-63, jan./abr. 2008.
RASGA, Mariana de Freitas; VALIM, Morgana Paiva. O Caso Gomes Lund: um debate sobre direito
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In Estudios Sociales.Memoria del 56º Congreso Internacional de Americanistas. Salamanca: Ediciones
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capítulo 3 • 119
______. Desafios e alcances do Controle de Convencionaliadade: Herzog vs. Brasil. XXVII
Encontro Nacional do CONPEDI Salvador – Direito Internacional II, 2018, p. 233-248.
SILVA E NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2009.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017.
TAYLOR, Charles. Argumentos Filosóficos. A política do reconhecimento. São Paulo: Edições
Loyola, 2000.

capítulo 3 • 120
4
Organização do
Estado e Poder
Legislativo
Organização do Estado e Poder Legislativo
Introdução

Neste capítulo, você estudará a organização político-administrativa do Estado


brasileiro. Para isso perceberá, logo de início, que o sustentáculo dessa estrutura é
fornecido pela adoção da forma federativa de Estado, que inclusive é considerada
uma cláusula pétrea.
Nesse sentido, você estudará os entes da federação brasileira, ou seja, a União,
os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Além disso, aprenderá que os
Territórios Federais, apesar de não serem entes da federação, por ausência do atri-
buto da autonomia, podem ser criados pela União.
Na sequência, serão desenvolvidos temas cruciais relacionados à separação dos
poderes. Para tanto, você estudará a estrutura do Poder Legislativo Federal e a
competência do Congresso Nacional e das suas Casas, Senado Federal e Câmara
dos Deputados.
Por fim, analisará o processo legislativo de elaboração das espécies normativas
existentes no ordenamento jurídico brasileiro. É nesse sentido que ganham relevo
o exame relativo às Emendas Constitucionais, às Leis Complementares, às Leis
Ordinárias, às Leis Delegadas, às Medidas Provisórias, aos Decretos Legislativos e
às Resoluções.

OBJETIVOS
•  Compreender a organização político-administrativa do Estado brasileiro;
•  Analisar a estrutura e competência do Poder Legislativo federal brasileiro;
•  Identificar os processos legislativos e espécies normativas existentes no ordenamento
jurídico brasileiro.

Organização do Estado brasileiro

Antes de iniciarmos o estudo sobre a organização político-administrativa do


Estado brasileiro, é preciso saber que nosso país se constitui de uma federação.
Como tal, é composto por unidades autônomas capazes de decidir sobre seus
assuntos e interesses, quer através de leis, quer por meio de atos administrativos
ou governamentais.

capítulo 4 • 122
A capacidade política que confere a autonomia aos entes federados deve ser
outorgada pela Constituição através de uma cláusula de intocabilidade. É exata-
mente isso que ocorre com o Estado brasileiro, ou seja, a Constituição Federal
prevê como cláusula pétrea, em seu artigo 60, § 4º, I, a forma federativa de Estado.
O artigo 1º da Constituição brasileira dispõe que “A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...).”
O artigo 18 da Carta política estabelece que “a organização político-administra-
tiva da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

ATENÇÃO
Você deve ter atenção ao analisar as redações dos artigos 1º e 18 da Constituição Fe-
deral. Perceba que o artigo 1º anuncia que a República Federativa do Brasil é formada pela
união (com inicial minúscula) indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Já o artigo 18, dispõe que a República Federativa do Brasil compreende a União (com inicial
maiúscula), os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Note que a República Federativa do Brasil, nome oficial do nosso Estado e pessoa ju-
rídica de direito público internacional, não se confunde com a União, pessoa jurídica que
compõe o estado brasileiro, ao lado dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Os artigos em comento não podem ser interpretados isoladamente, sob pena


de reduzir a União à mera conjugação dos demais entes federados.
Com isso fica claro que, o Estado federal brasileiro é composto pelos seguintes
entes: a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal. A figura
abaixo mostra com precisão a existência desses quatro entes que não possuem
hierarquia entre si:

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

DISTRITO
UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS
FEDERAL

Figura 4.1  –  Organização Política do Estado brasileiro.

capítulo 4 • 123
Por fim, é importante salientar que, segundo Alexandre de Moraes (2017,
p. 220), para ser determinada a forma federativa de Estado, a Constituição deve
possuir regras que estabeleçam:
a) que os cidadãos dos Estados-membros devam possuir a mesma nacionalidade;
b) a existência de um sistema de repartição de competências entre a União, os Esta-
dos-membros, o Distrito Federal e os Municípios;
c) a necessidade de que cada ente possua poder para arrecadar e repartir tributos, a
fim de garantir renda própria;
d) a existência de autonomia a cada ente federativo, que comporte o poder de auto-or-
ganização, autogoverno e autoadministração;
e) a possibilidade de decretação de intervenção federal, como medida excepcional e
taxativamente prevista, a fim de garantir o equilíbrio federativo;
f) a representação dos Estados-membros no Poder Legislativo federal, de forma a
permitir sua ingerência na vontade emanada pelo poder central;
g) a possibilidade de criação de novos Estados-membros ou modificação territorial, a
depender da vontade da população local e;
h) a existência de um órgão de cúpula do Poder Judiciário capaz de interpretar e titu-
larizar a guarda da Constituição.

União Federal

A União é pessoa jurídica de direito público interno e, como tal, é figura


central da federação. É uma unidade federada autônoma e, por isso, detentora de
auto-organização, autogoverno e autoadministração.
Como ente da federação, desempenha um duplo papel, o de representar a
República Federativa do Brasil em suas relações internacionais e o de ser o órgão
central interno. Diante da importante missão realizada pela União, não só inter-
namente como no exterior, José Afonso da Silva ressalta que
São os órgãos da União que representam o Estado federal nos atos de Direito Interna-
cional, porque o Presidente da República (Federativa do Brasil) é, há um tempo, Chefe
do Estado brasileiro e Chefe do Governo Federal (Governo da União - Chefe do Poder
Executivo da União (art.2º). Não é, realmente, a União que aparece nos atos interna-
cionais, mas a República Federativa do Brasil, de que ela é apenas uma das entidades
componentes (art. 18). (SILVA, 2014, p. 498)

Em resumo, a União possui personalidade bastante singular, pois ao mesmo


tempo que atua como pessoa jurídica no plano interno, também representa a

capítulo 4 • 124
República Federativa do Brasil em suas relações internacionais. Note assim que,
o Presidente da República, ora atua como chefe de governo, representando a
União, ora atua como chefe de Estado, agindo em nome da República Federativa
do Brasil.

COMENTÁRIO
Como ente da federação a União é detentora da autonomia. Enquanto a República Fe-
derativa do Brasil, como pessoa jurídica de direito público internacional, possui o atributo da
soberania, elemento essencial à existência de um Estado.

No plano legislativo a União elabora tanto leis nacionais, que repercutem na


esfera de toda população brasileira, como leis federais, que incidem sobre os servi-
dores federais e todos os órgãos pertencentes a ela.

Bens da União

Sendo pessoa, a União é dotada de personalidade jurídica, podendo adquirir


direitos e contrair obrigações. Nessa perspectiva pode ser titular de direitos reais
e pessoais.
Assim sendo, o artigo 20, da Constituição Federal estabelece quais são os bens
da União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e
construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental,
definidas em lei.

Os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que ba-
nhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a territó-
rio estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais,
também são bens da União.

São também considerados bens da União: I - as ilhas fluviais e lacustres nas


zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as cos-
teiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas
áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no
art. 26; II - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômi-
ca exclusiva; III - o mar territorial.

capítulo 4 • 125
ATENÇÃO
Observe, com muita atenção, que a Constituição Federal dispôs que o mar territorial é
bem da União. Esse compreende uma faixa de 12 milhas marítimas de largura, contadas a
partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro.
Repare que no inciso seguinte a Constituição menciona dois outros domínios marítimos,
a plataforma continental e a zona econômica exclusiva. Entretanto, não os inclui como bens
da União, mas sim os recursos naturais que provêm dessas áreas.

Da mesma forma, são bens da União: I - os terrenos de marinha e seus acres-


cidos; II - os potenciais de energia hidráulica; III - os recursos minerais, inclusive
os do subsolo; IV - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e
pré-históricos; V - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
É interessante observar que o artigo 43 da Constituição Federal estabelece que
“para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo
complexo geoeconômico e social, visando ao seu desenvolvimento e à redução das
desigualdades regionais”.

EXEMPLO
Como exemplos dessas ações podemos citar a criação da Superintendência do De-
senvolvimento da Amazônia - SUDAM, da Superintendência da Zona Franca de Manaus -
SUFRAMA, e da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste - SUDECO.

Competência da União

Como princípio básico para a distribuição de competências, adota-se a predo-


minância de interesses. Em outras palavras, se o interesse for predominantemente
nacional, a competência será atribuída à União; por sua vez, se o interesse for predo-
minantemente regional a competência será atribuída aos Estados e, por último, se
o interesse for dominantemente local, a competência será atribuída aos Municípios.

Dentro dessa lógica, a Constituição Federal de 1988 possui um sistema complexo de


distribuição de competência para os entes federativos. É nesse sentido que, a União
possui competência exclusiva, privativa, comum e concorrente.

capítulo 4 • 126
A competência exclusiva da União, prevista no artigo 21, da Constituição
Federal, resulta em atividades administrativas, sendo indelegáveis.
Dentro da competência privativa, disciplinada no artigo 22, da Carta, po-
demos perceber que a tarefa a ser desempenhada pela União será a de elaborar
leis, como por exemplo, legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.
No entanto, observe, com muita atenção que, a competência prevista no arti-
go 22 pode ser delegada pela União através de Lei complementar aos Estados e ao
Distrito Federal, mas não aos Municípios.
A competência comum está prevista no artigo 23 da Constituição Federal e
possibilita a atuação de mais um ente na realização de uma tarefa administrativa.
Assim, a competência é cumulativa, na medida em que a atuação de um ente não
exclui a atuação de outro.
Por fim, a competência concorrente, própria para a elaboração de leis, é não
cumulativa, uma vez que a atuação de um ente excluirá a do outro. Nessa tarefa a
União estabelecerá normas gerais sobre as matérias relacionadas no artigo 24, da
Constituição Federal.

Estados-membros

Como já foi observado, todos os entes da federação são dotados de autonomia.


Assim, a Constituição Federal garante a autonomia dos Estados que se expressa por
meio da sua capacidade de auto-organização, de autogoverno e de autoadministração.
A auto-organização está prevista no artigo 25, da Carta da República, que
consagra que os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios da Constituição Federal.
Por sua vez, o autogoverno dos Estados está previsto nos artigos 27, 28 e 125,
que dispõem sobre o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário.
Para finalizar, a capacidade de autoadministração resulta das normas referentes
à distribuição de competências administrativas, legislativas e tributárias.

Formação dos Estados

De acordo com o que dispõe o artigo 18, § 3º, da Constituição Federal há três
maneiras de formação dos Estados, a incorporação (fusão), a subdivisão (cisão)
e o desmembramento:

capítulo 4 • 127
Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para
se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante
aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso
Nacional, por lei complementar.

Por meio da fusão dois ou mais Estados se unem geograficamente, formando


um novo Estado ou Território Federal. Os Estados anteriores são extintos e, por
isso, perdem sua personalidade jurídica. A figura abaixo, esquematiza a hipótese
de fusão entre Estados:

FUSÃO

ESTADO OU
ESTADO ESTADO
TERRITÓRIO
“A” “B”
“C”

PERDERÃO SUA PERSONALIDADE SURGIMENTO DE UM


OCORRE A SUA EXTINÇÃO NOVO ESTADO

Figura 4.2  –  Fusão entre Estados.

Já a cisão será utilizada com o propósito de dividir o Estado para formar dois
ou mais Estados ou Territórios Federais. O Estado primitivo que sofre a cisão dei-
xa de existir. A figura abaixo sintetiza essa ideia:

CISÃO

ESTADO ESTADO
ESTADO “B” “C”
PRIMITIVO
“A” ESTADO ESTADO
“D” “E”

PERDE SUA PERSONALIDADE SURGIMENTO DE NOVOS


OCORRE A SUA EXTINÇÃO ESTADOS OU TERRITÓRIOS

Figura 4.3  –  Cisão de Estado.

capítulo 4 • 128
No desmembramento há a possibilidade de duas ocorrências: a) desmem-
bramento anexação - quando um ou mais Estados cedem parte de seu território
geográfico para formar um novo Estado ou Território, que antes não existia ou
b) desmembramento formação - quando um ou mais Estados cedem parte de
seu território geográfico para um Estado que já existia.
Em linhas gerais, as figuras a seguir mostram as duas hipóteses de desmem-
bramento de Estados:

DESMEMBRAMENTO A PARTE DO ESTADO “A” PASSA


ANEXAÇÃO A INTEGRAR O TERRITÓRIO DO
ESTADO “B” QUE JÁ EXISTIA

ESTADO ESTADO ESTADO


“A” “A” “B”

ESTADO ORIGINÁRIO O ESTADO “B” AUMENTA


NÃO PERDE SUA PERSONALIDADE, O SEU TERRITÓRIO E A
MAS PERDE TERRITÓRIO E POPULAÇÃO SUA POPULAÇÃO

Figura 4.4  –  Desmembramento anexação.

Como podemos perceber, no desmembramento anexação, o Estado originário


não perde sua personalidade jurídica, isto é, não deixa de existir. Entretanto, perde
território e também população. Note também que a parte desmembrada passa a
compor outro Estado, que já existia anteriormente.
DESMEMBRAMENTO
FORMAÇÃO

ESTADO
“B”
ESTADO ESTADO
“A” “A”

ESTADO ORIGINÁRIO A PARTE DO ESTADO “A” PASSA


NÃO PERDE SUA PERSONALIDADE, A FORMAR UM NOVO
MAS PERDE TERRITÓRIO E POPULAÇÃO ESTADO

Figura 4.5  –  Desmembramento formação.

capítulo 4 • 129
No desmembramento formação, o Estado originário também não deixa de
existir, mas da mesma maneira que a hipótese anterior, perde parte do seu territó-
rio e população. No entanto, a parte desmembrada passa a formar novo Estado.
Portanto, há formação de um Estado a partir do desmembramento de outro.

Competência dos Estados

Entre as tarefas administrativas, os Estados detêm a competência comum,


prevista no artigo 23, da Constituição Federal e a competência residual ou rema-
nescente, que são aquelas que não lhes sejam vedadas ou as que sobrarem.
As tarefas legislativas impõem aos Estados-membros as seguintes competên-
cias constitucionais:
a) a competência expressa, prevista no artigo 25, caput, da Constituição
Federal;
b) a competência residual, disposta no artigo 25, § 1º, ou seja, aquilo
que não for competência expressa de outros entes da federação;
c) competência delegada da União, que pode ocorrer quando esse ente
federativo autorizar, por Lei Complementar, que os Estados legislem sobre
questões específicas das matérias constantes no artigo 22 e;
d) competência concorrente, a qual incumbe a União legislar sobre
normas gerais e aos Estados, sobre normas específicas, de acordo com o
artigo 24, da Constituição Federal.

Bens dos Estados

O artigo 26 da Constituição Federal inclui entre os bens do Estado: a) as águas


superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste
caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; b) as áreas, nas ilhas oceâ-
nicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da
União, Municípios ou terceiros; c) as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à
União; e d) as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

Municípios

A Constituição de 1988 incluiu os Municípios no enlace federativo, conferin-


do-lhes personalidade jurídica de direito público interno e dotados de autonomia.

capítulo 4 • 130
A autonomia dos Municípios no Brasil demonstra uma peculiaridade em relação
as demais federações existentes.
José Afonso da Silva chega a colocar em dúvida a inserção dos Municípios
como entes da Federação brasileira, da seguinte forma:

Município, entidade federada?


A característica básica de qualquer Federação está em que o poder governamental se
distribui por unidades regionais. Na maioria delas, essa distribuição é dual, formando-se
dias órbitas de governo: a central e as regionais (União e Estados federados) sobre o
mesmo território e o mesmo povo. Mas, no Brasil, o sistema constitucional eleva os Mu-
nicípios à categoria de entidades autônomas, isto é, entidades dotadas de organização
e governos próprios e competências exclusivas. Com isso, a Federação brasileira ad-
quire peculiaridade, configurando-se, nela, realmente três esferas governamentais: a da
União (governo federal), a dos Estados Federados (governos estaduais) e a dos Mu-
nicípios (governos municipais), além do Distrito Federal, a que a Constituição agora
conferiu autonomia. E os Municípios transformaram-se mesmo em unidades federadas?
A Constituição não o diz. Ao contrário, existem onze ocorrências das expressões unida-
de federada e unidade da Federação (no singular ou no plural) referindo-se apenas
aos Estados e Distrito Federal, nunca envolvendo os Municípios. (SILVA, 2014, p. 647)

De qualquer maneira, a autonomia dos Municípios é garantida pelos artigos


18 e 29, da Constituição Federal.
A auto-organização dos Municípios é exteriorizada pela capacidade de se re-
ger por sua Lei Orgânica, que deverá obedecer aos princípios estabelecidos na
Constituição Federal e na Constituição de seu respectivo Estado.
A capacidade de autogoverno pode ser extraída a partir da liberdade de escolha
do Prefeito, do Vice-prefeito e dos vereadores.
A autoadministração pode ser visualizada a partir da capacidade desse ente
prestar serviços de natureza local.
Se por um lado, não pode mais discutir a autonomia dos Municípios, não há
como negar que no federalismo brasileiro sua existência configura uma anomalia,
isto porque não possuem representatividade na esfera federal, como ocorre com os
Estados-membros. Nesse aspecto, Uadi Lammêgo Bulos destaca que:

a anomalia reside no fato de o Município não possuir representatividade no poder cen-


tral, porque o nosso sistema é o bicameralista, ou seja, a Câmara dos Deputados, for-
mada pelos eleitos proporcionalmente, representa o povo, ficando o Senado incumbido
de representar os Estados e o Distrito Federal. O Município, portanto, não logra tal re-
presentação, ainda que, para alguns, o ato representativo se afigure implícito. (BULOS,
2015, p. 941)

capítulo 4 • 131
De toda a sorte, a Carta de 1988 considera os Municípios partes integrantes
da federação brasileira e eleva a autonomia municipal à categoria de princípio
constitucional sensível, conforme dispõe o artigo 34, VII, “c”.

Formação dos municípios

O artigo 18, § 4º, da Constituição Federal dispõe sobre a criação, a incorpora-


ção, a fusão e o desmembramento de Municípios, da seguinte maneira:

A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão


por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e depen-
derão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos,
após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na
forma da lei.

Como você pode notar, a formação dos Municípios requer a observância de


alguns requisitos que aqui são enumerados cronologicamente: a) a edição de uma
Lei Complementar Federal; b) Estudo de Viabilidade Municipal; c) consulta pré-
via, mediante plebiscito e d) edição de lei estadual.

Competência dos municípios

A competência dos Municípios está prevista na Constituição e abarca as atri-


buições administrativas e legislativas. Conforme já foi estudado, a competência
comum, de cunho não legislativo, está prevista no artigo 23 e pertence a todos os
entes da federação.
A competência enumerada também é de feição administrativa e abarca, por
exemplo, a tarefa de instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem
como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e
publicar balancetes nos prazos fixados em lei. Nessa espécie de competência, des-
tacam-se o artigo 30, III a IX, da Constituição Federal.
O artigo 29, caput, da Constituição prevê a competência expressa, que pos-
sibilita aos Municípios elaborarem suas leis orgânicas.
A competência local dos Municípios está prevista no artigo 30, I. Já a com-
petência suplementar, está disposta no inciso II, do mesmo artigo. Essa espécie
de competência visa permitir aos Municípios suplementarem a legislação federal e
estadual no que couber, dentro da perspectiva do “interesse local”.

capítulo 4 • 132
Distrito Federal

O Distrito Federal tem origem no antigo Município neutro, que constituía


sede do governo e capital do Império.
É um ente federativo híbrido, não sendo Município nem Estado, mas um
pouco de cada. Ele é sede do governo federal e nele que se situa Brasília, capital
do Estado brasileiro, conforme dispõe o artigo 18, § 1º, da Constituição Federal.

COMENTÁRIO
O artigo 18, §1º, da Constituição Federal dispõe que a Capital Federal é Brasília, situada
no Planalto Central do Brasil. De acordo com o disposto no artigo 6º, da Lei Orgânica do Dis-
trito Federal, além de Brasília ser Capital da República Federativa do Brasil, também é sede
do governo do Distrito Federal.

Como unidade federada, o Distrito Federal é detentor da autonomia e, por


isso, possui a capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração.
A auto-organização do Distrito Federal é fixada pela possibilidade desse ente
se estruturar através da edição de Lei Orgânica, que será promulgada atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal.
Com efeito, a Lei Orgânica do Distrito Federal, fruto da auto-organização desse
ente federado, equivale às Constituições elaboradas pelo Estados-membros. Esse é
inclusive o entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, como pode-
mos perceber do trecho do Acórdão de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 980:

(...) Lei Orgânica do Distrito Federal. (...) A Lei Orgânica tem força e autoridade equivalen-
tes a um verdadeiro estatuto constitucional, podendo ser equiparada às Constituições
promulgadas pelos Estados-Membros, como assentado no julgamento que deferiu a
medida cautelar nesta ação direta. [ADI 980, rel. min. Menezes Direito, j. 6-3-2008, P,
DJE de 1-8-2008.]

A capacidade de autogoverno pode ser extraída das regras atinentes à estru-


turação dos poderes, a partir da liberdade de escolha do Governador, do Vice-
governador e dos deputados distritais através de eleição.
A autoadministração pode ser visualizada a partir da capacidade des-
se ente legislar e dispor sobre competências tributárias, que são reservadas aos

capítulo 4 • 133
Estados e aos Municípios, conforme dispõem os artigos 32, §1º, 147 e 155, da
Constituição Federal.
Observe, com atenção, que a Constituição Federal, no caput do artigo 32,
veda expressamente a divisão do Distrito Federal em Municípios.
Perceba também que, a Casa legislativa do Distrito Federal é denominada
Câmara Legislativa, composta por Deputados Distritais, eleitos em número que
corresponda ao triplo de sua representação na Câmara dos Deputados.
Como o Distrito Federal é um ente híbrido o nome da Casa do legislativo é
Câmara Legislativa, ou seja, a junção de partes das denominações das Casas legis-
lativas dos Estados e dos Municípios. Veja a figura abaixo que sintetiza essa ideia:

NOME DA CASA NOME DA CASA NOME DA CASA


LEGISLATIVA DOS LEGISLATIVA DOS LEGISLATIVA DO
MUNICÍPIOS ESTADOS DISTRITO FEDERAL

Câmara Assembleia Câmara


Municipal Legislativa Legislativa

Figura 4.6  –  Denominação da Casa Legislativa do Distrito Federal.

Em relação ao Poder Judiciário e ao Ministério Público do Distrito Federal


você deve compreender que, nos termos do artigo 21, XIII, da Constituição
Federal, compete à União organizá-los e mantê-los. Diante disso, a autonomia do
Distrito Federal parece sofrer mitigação.

Territórios

Atualmente não existem Territórios no Brasil, pois os antigos Territórios do


Amapá e de Roraima foram transformados em Estados, conforme dispõe o artigo
14, do ADCT. O Território de Fernando de Noronha, na forma do artigo 15, do
ADCT, foi incorporado ao Estado de Pernambuco.

O artigo 12, do ADCT, dispôs que no prazo de noventa dias da promulgação da Consti-
tuição, deveria ter sido criada uma Comissão de Estudos Territoriais, com a finalidade de
apresentar estudos sobre o território nacional e anteprojetos relativos a novas unidades
territoriais, notadamente na Amazônia Legal e em áreas pendentes de solução. Entre-
tanto, jamais foi empregada essa tarefa, o que tornou esse dispositivo prejudicado.

capítulo 4 • 134
Embora inexistam Territórios Federais nos dias de hoje, a União pode, se
entender necessário, criar por lei novos Territórios. De qualquer maneira, se for
criado um novo Território, será possível sua divisão em Municípios, aos quais se
aplicarão as regras relativas a esses entes, conforme dispõe o artigo 33, § 1º, da
Constituição Federal.
Se forem concebidos, terão natureza de pessoas jurídicas de direito público
interno, mas não possuirão autonomia, atributo exclusivo de um ente federado.
Em síntese, o Território não pode ser considerado ente da federação, por não
possuir autonomia, tal como ocorre com a União, os Estados-membros, o Distrito
Federal e os Municípios. Por ser desprovido de qualquer autonomia, suas contas
devem ser submetidas à fiscalização do Congresso Nacional, com parecer prévio
do Tribunal de Contas da União.

Como consequência da falta de autonomia, a Constituição prevê que nos Territórios


Federais com mais de cem mil habitantes, o Presidente da República nomeará, após a
aprovação do Senado Federal, os seus governadores, além da criação de órgãos judiciá-
rios, membros do Ministério Público e defensores públicos federais.

Além disso, a Constituição Federal prevê que lei específica disporá sobre as
eleições para a Câmara Territorial e sua competência deliberativa.
Você deve perceber, por tudo isso, que o Território não possui autonomia
política, sendo apenas uma descentralização administrativo-territorial da União,
que terá natureza de uma verdadeira autarquia integrante da União. É por isso
que o artigo 18, § 2º, da Constituição dispõe que os Territórios Federais integram
a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de
origem serão reguladas em lei complementar.

Separação dos poderes

A partir de agora você estudará as regras sobre a separação dos poderes.


Perceba, desde logo, que o Título IV, da nossa Constituição é denominado como
“Da Organização dos poderes”.
Nos capítulos seguintes do Título IV, a Constituição trata do Poder Legislativo,
do Poder Executivo e do Poder Judiciário.
Para facilitar nossa aprendizagem, por uma questão de ordem didática, ire-
mos estudar em primeiro lugar, o Poder Legislativo. Em seguida, analisaremos o

capítulo 4 • 135
processo legislativo para a elaboração das espécies normativas existentes no orde-
namento jurídico brasileiro, essencialmente realizadas pelo Poder Legislativo.
Se o Poder Legislativo tem como função precípua a tarefa de legislar, mostra-se
coerente conhecer e estudar logo em seguida como se dá o processo para a elabora-
ção das leis. Por isso, em virtude de uma preferência didática, deixaremos o estudo
relativo ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo, para ser realizado no capítulo 5.

Aspectos gerais sobre a separação dos poderes

É preciso ter em mente que o poder é uno e, por consequência, indivisível. Da


mesma forma, o poder é indelegável. Assim sendo, tecnicamente seria equivocado
manifestar a ideia de “separação de poderes” estatais. Com efeito, a fim de alcançar
sua finalidade, o Estado deve desempenhar funções legislativa, executiva e judi-
ciária. Dentro dessa perspectiva, o poder do Estado permanece inalterado e uno.
Dessa maneira, é correto afirmar que, a divisão ocorre entre as funções do
Estado e não entre os poderes estatais. De qualquer sorte, por uma questão de
comodidade acadêmica, iremos, ao longo dessa obra, denominar de “poder” a
função a ser desempenhada pelo Legislativo ou pelo Executivo ou pelo Judiciário.

É importante ressaltar que o artigo 2º, da Constituição Federal, estabelece a indepen-


dência e mecanismo de fiscalização recíproca ao dispor que: “São Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Dentro dessa concepção, os poderes exercem funções típicas, caracterizadas


como cotidianas, predominantes e tradicionais e funções atípicas, que são dire-
cionadas à uma atuação secundária.
Assim sendo, cabe ao Poder Legislativo a função típica de legislar e fiscalizar
os atos dos demais poderes. Secundariamente, exerce também função atípica, de
administrar e julgar. Por sua vez, o Poder Judiciário presta jurisdição como função
típica. Entretanto, como função atípica pode administrar serventias e legislar, ao
elaborar o regimento interno dos tribunais.
Por seu turno, como função típica, o Poder Executivo exerce atos de adminis-
tração. Mas, como funções atípicas, o Presidente da República pode adotar medi-
das provisórias e julgar recursos administrativos, que seriam consideradas funções
cotidianas do poder legislativo e do poder judiciário, respectivamente.

capítulo 4 • 136
Poder Legislativo

Como vimos acima, o Poder Legislativo tem função típica de elaborar leis
e fiscalizar os demais poderes. Entretanto, como papel atípico, também julga e
administra.
Administrará, por exemplo, quando der provimento a cargos, elaborar con-
cursos públicos, organizar a estrutura interna de seus órgãos. Julgará, por sua vez,
atos de improbidade que configuram crimes de responsabilidade do Presidente da
República, no processo de impedimento, como nos casos de impeachment dos Ex-
presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff.

Estrutura do Poder Legislativo federal

O Brasil adota no âmbito federal o bicameralismo, ou seja, o Congresso


Nacional é composto por duas Casas legislativas, a Câmara dos Deputados e o
Senado Federal.
Esse modelo difere do Poder Legislativo das demais unidades da federação,
pois nos Estados, nos Municípios e no Distrito Federal a fórmula é unicameral,
sendo o poder exercido através das Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais
e Câmara Legislativa, respectivamente.

Ao adotar o bicameralismo, temos a certeza de que uma lei para ser aprovada deve pas-
sar pelas duas Casas legislativas. É importante ressaltar que, nesse ponto, inexiste hie-
rarquia entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, sendo certo que, por outro
lado, a Constituição atribuiu certa primazia à Câmara dos Deputados, no que diz respeito
à iniciação do processo legislativo, conforme prescrevem os artigos 61, § 2º, e 64, caput.

A Câmara dos Deputados é composta por Deputados Federais, eleitos pelo


sistema proporcional e que representam o povo dos Estados. Por sua vez, o Senado
Federal compõe-se de Senadores, eleitos através do sistema majoritário, e que pos-
suem a incumbência de representar seus respectivos Estados ou o Distrito Federal.
Cada Deputado Federal será eleito para o exercício de 4 anos de mandato.
De acordo com o artigo 45, §1º, da Constituição Federal, o número total de
Deputados pode variar proporcionalmente ao número da população, de forma
que nenhum Estado ou o Distrito Federal tenha menos de 8 ou mais de 70 depu-
tados. Atualmente, são 512 Deputados Federais.

capítulo 4 • 137
A figura abaixo demonstra a atual representatividade por Deputados Federais
de cada Estado e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados:

Figura 4.7  –  Número de Deputados Federais por Estado.

O Senado Federal, por sua vez, é composto por 81 Senadores, eleitos através
do sistema majoritário. Ao contrário do que ocorre na Câmara dos Deputados,
no Senado Federal cada Estado e o Distrito Federal são representados por
três Senadores.
Cada Senador é eleito com dois suplentes, para o mandato de 8 anos.
Entretanto, haverá renovação no Senado a cada 4 anos, na proporção alternada
de 1/3 e 2/3. Assim sendo, numa eleição o povo de um Estado elegerá 1 senador
e na eleição seguinte 2 senadores, alternando assim na proporção de 1/3 e 2/3, de
quatro em quatro anos.

Atribuições do Poder Legislativo federal

De acordo com o artigo 48, da Constituição Federal, cabe ao Congresso


Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre todas as matérias
de competência da União, especialmente, sobre: I - sistema tributário, arrecadação
e distribuição de rendas; II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento
anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado; III - fixação
e modificação do efetivo das Forças Armadas; IV - planos e programas nacionais,
regionais e setoriais de desenvolvimento; V - limites do território nacional, espaço
aéreo e marítimo e bens do domínio da União; VI - incorporação, subdivisão ou des-
membramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembleias
Legislativas; VII - transferência temporária da sede do Governo Federal.

capítulo 4 • 138
Além disso, cabe ao Congresso Nacional dispor sobre: VIII - concessão de anistia; IX
- organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública
da União e dos Territórios e organização judiciária e do Ministério Público do Distrito
Federal; X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas,
observado o que estabelece o art. 84, VI, b; XI - criação e extinção de Ministérios e
órgãos da administração pública; XII - telecomunicações e radiodifusão; XIII - matéria
financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações; XIV - moeda,
seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal; XV - fixação do subsídio
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º;
150, II; 153, III; e 153, § 2º, I.

Entretanto, o artigo 49, da Constituição Federal, cuida das matérias de com-


petência exclusiva do Congresso Nacional sendo, portanto, dispensada a partici-
pação do Presidente da República através do veto ou sanção.
Como exemplo dessa competência, podemos citar: I - resolver definitivamente
sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compro-
missos gravosos ao patrimônio nacional; II - autorizar o Presidente da República a
declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo
território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos
previstos em lei complementar.

Dentro dessa competência destacam-se também: III - autorizar o Presidente e o Vice-


-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze
dias; IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio,
ou suspender qualquer uma dessas medidas; V - sustar os atos normativos do Poder
Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
VI - mudar temporariamente sua sede.

Em relação às atribuições da Câmara dos Deputados, a Constituição prevê,


no artigo 51, que são matérias de competência privativa dessa Casa legislativa:
I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o
Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; II - proce-
der à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao
Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa;
III - elaborar seu regimento interno; IV - dispor sobre sua organização, funciona-
mento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções
de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, ob-
servados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; V - eleger
membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII.

capítulo 4 • 139
Por fim, as matérias de competência privativa do Senado Federal estão pre-
vistas no artigo 52, da Constituição: I - processar e julgar o Presidente e o Vice-
Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros
de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes
da mesma natureza conexos com aqueles; II - processar e julgar os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do
Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e
o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; III - aprovar pre-
viamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de: a) Magistrados,
nos casos estabelecidos na Constituição; b) Ministros do Tribunal de Contas da
União indicados pelo Presidente da República; c) Governador de Território; d)
Presidente e diretores do banco central; e) Procurador-Geral da República; f ) titu-
lares de outros cargos que a lei determinar.

Além disso, é de competência privativa do Senado Federal: IV - aprovar previamente, por


voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplo-
mática de caráter permanente; V - autorizar operações externas de natureza financeira,
de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da
dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - dis-
por sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais
entidades controladas pelo Poder Público federal; VIII - dispor sobre limites e condições
para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno.

Da mesma maneira, ainda dentro dessa competência, cabe privativamente ao


Senado Federal: IX - estabelecer limites globais e condições para o montante da
dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; X - suspen-
der a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal; XI - aprovar, por maioria absoluta e por
voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do
término de seu mandato; XII - elaborar seu regimento interno; XIII - dispor sobre
sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos
cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da res-
pectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias; XIV - eleger membros do Conselho da República, nos termos do
art. 89, VII e XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário
Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das adminis-
trações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.

capítulo 4 • 140
Comissão Parlamentar de Inquérito

A Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, prevista no artigo 58, § 3º, da


Constituição Federal, pode ser criada em conjunto ou separadamente e tem como
propósito averiguar fatos determinados e por prazo certo.
A atividade de investigação realizada por uma CPI é autêntica função típi-
ca do Poder Legislativo, pois se enquadra na missão de fiscalização desempenha-
da cotidianamente por esse poder. Mas é importante que você saiba que, a CPI
não pode promover a responsabilidade civil ou criminal das pessoas investigadas,
pois as conclusões serão encaminhadas ao Ministério Público, órgão incumbido
de acusar.

CURIOSIDADE
A Comissão Parlamentar de Inquérito não é novidade trazida pela Constituição de 1988.
A primeira Constituição brasileira que tratou do tema foi a de 1934 que em seu artigo 36
dispunha que: “A Câmara dos Deputados criará comissões de inquérito sobre fatos determi-
nados, sempre que o requerer a terça parte, pelo menos, dos seus membros".

Existem três requisitos para a criação de uma CPI, todos previstos no artigo
58, § 3º, da Constituição Federal, sendo eles: a) a subscrição por requerimento
de, no mínimo, 1/3 dos Deputados Federais ou dos Senadores, se separados ou,
1/3 dos membros do Congresso Nacional, se atuarem conjuntamente. Nessa úl-
tima hipótese, estamos diante de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
- CPMI; b) a existência de um fato determinado e c) o prazo certo para a apuração
do fato determinado.
Em relação ao requisito do “fato determinado”, o regimento Interno da
Câmara dos Deputados considera que está presente esse requisito quando se tratar
de acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitu-
cional, legal, econômica e social do Brasil. Não se considera fato determinado
questões de natureza privada, sem relevância pública.
Portanto, a CPI somente pode ser instaurada para apurar fato preciso, o que
não significa dizer que não possa, no decorrer da investigação, averiguar fatos não
previstos no requerimento inicial.

capítulo 4 • 141
Quanto ao “prazo certo”, o Supremo Tribunal Federal definiu que o período
de funcionamento de uma CPI deve ser aquele estipulado no requerimento de
sua abertura, podendo ser prorrogado até o limite máximo do final da legislatura.
Uma das questões interessantes sobre a CPI é o estabelecimento dos poderes
e limites dos seus membros.
Em primeiro lugar, a Constituição estabelece que as Comissões Parlamentares
de Inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.
Entretanto, a expressão é bastante criticada, pois a função do juiz não é investigar,
tarefa essa atribuída a outros órgãos. Dessa maneira, não cabe a interpretação lite-
ral do artigo 58, § 3º, da Constituição Federal.
O fato é que, a Comissão Parlamentar de Inquérito possuirá poderes instru-
tórios cotidianos dos juízes que não estejam incluídos na chamada reserva de
jurisdição, ou seja, atos que somente podem ser tomados por magistrados.

Assim sendo, são vedados às CPIs os seguintes atos:

a) a concessão de medidas cautelares, como o sequestro, o arresto, a indisponibilida-


de de bens, a proibição de afastamento do país ou de qualquer localidade;
b) a determinação de busca e apreensão em domicílio, tendo em vista que o artigo 5º,
XI, da Constituição Federal, além de outros casos permite a violação de domicílio apenas
durante o dia, por determinação judicial;
c) a determinação de quebra de sigilo das comunicações telefônicas, que de acordo
com o artigo 5º, XII, da Constituição Federal, depende de ordem judicial;
d) a decretação de prisão preventiva, pois a própria Constituição Federal estabelece
que salvo a prisão em flagrante e as advindas de transgressões disciplinares militares,
a prisão somente pode ser decretada por autoridade judicial, mediante ordem escrita
e fundamentada.

Da mesma maneira, no seio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito de-


vem ser observados direitos e garantias fundamentais, como por exemplo:
a) direito à assistência de um advogado, pois a própria Constituição
Federal proclama a indispensabilidade desse profissional em seu artigo 133;
b) direito ao silêncio, que consiste no fato de qualquer pessoa ficar calada
e, consequentemente, não produzir provas contra si mesma;
c) direito ao sigilo profissional, podendo o profissional manter-se em si-
lêncio diante de perguntas que possam revelar segredo obtido em razão da
atividade que desempenha.

capítulo 4 • 142
Por outro lado, a Comissão Parlamentar de Inquérito pode determinar, desde que fun-
damentada a decisão:
a) a quebra de sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos. A quebra de dados tele-
fônicos importa exigir das companhias telefônicas que revelem a origem e o destino da
chamada, a duração, a hora e a data da ligação telefônica;
b) a determinação de certas diligências, como análises contábeis, auditorias, exames
grafotécnicos e busca e apreensões que não sejam domiciliares;
c) oitivas de testemunhas e indiciados, bem como realizar acareações, se necessário
para desvendar contradições.

Finalmente, cabe assinalar que, em homenagem ao princípio da simetria, po-


dem ser criadas Comissões Parlamentares de Inquérito estaduais e municipais,
desde que obedeçam aos requisitos estabelecidos na Constituição Federal e se li-
mitarem a exercer poderes reservados a essas esferas, embora as comissões de inves-
tigações municipais sofram em suas atuações maiores restrições.

Imunidades parlamentares

Denomina-se Estatuto dos Congressistas o conjunto de regras atinentes às


prerrogativas, às proibições e os impedimentos dirigidos aos parlamentares. Assim
sendo, as imunidades são produto desse conjunto de normas que visam proteger
a função parlamentar.
Observe, com muita atenção, que essas regras protetivas tem o condão de
oferecer maior liberdade de atuação ou a autonomia necessária aos membros do
legislativo federal, a fim de assegurar o livre exercício do seu mandato. Não im-
portam em privilégios pessoais, mas sim prerrogativas que decorrem do relevante
cargo que exercem.
Nessa perspectiva, tais prerrogativas não abrigam os suplentes que não exer-
çam a função parlamentar.
É importante assinalar também que, por decorrer do cargo e não de atribui-
ções pessoais, as imunidades são irrenunciáveis.

A Constituição garante as imunidades, mas não a impunidade. Consubstanciam aquelas


garantias institucionais especiais e não se tratam, repisa-se, de privilégios concedidos
à pessoa por alguma condição, mas tem o propósito de impedir que aquele que exerce
a função seja perseguido por motivo político para que consiga livremente desempenhar
sua atividade.

capítulo 4 • 143
As imunidades são divididas em dois grupos, a saber: a) imunidade material
ou real ou substantiva, ou freedom of speech (liberdade de palavra), também co-
nhecida como inviolabilidade e b) imunidade formal ou processual ou adjetiva. O
quadro abaixo sintetiza a existência das duas espécies de imunidades que, a partir
desse momento, serão estudadas:

MATERIAL OU
SUBSTANTIVA OU
INVIOLABILIDADE
IMUNIDADE
PARLAMENTAR PROCESSO
FORMAL OU
PROCESSUAL OU
ADJETIVA
PRISÃO

Figura 4.8  –  Espécies de imunidades.

Imunidade material

A imunidade material, prevista no caput do artigo 53, da Constituição Federal,


garante aos Deputados e Senadores a inviolabilidade pelas opiniões, palavras e vo-
tos, no exercício de suas funções. Portanto, tais parlamentares não serão responsa-
bilizados civil ou penalmente.
Em resumo, a imunidade material tem o propósito de assegurar ao congressis-
ta total liberdade de manifestação, seja através da expressão de seu pensamento ou
debate para votar, desde que proferidos no exercício do ofício parlamentar.
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal reconhece a imunidade material por
manifestação do parlamentar nas redes sociais. Mas, é importante frisar também
que, o reconhecimento da inviolabilidade decorre exclusivamente do desempenho
das atribuições do congressista.

ATENÇÃO
Você deve ter percebido que a proteção através da inviolabilidade se dá em razão do
exercício do mandato legislativo. Por isso, fique atento para notar que, não importa o local em
que é proferida a manifestação do congressista. O que interessa é saber se seu pronuncia-
mento guarda conexão com o ofício parlamentar.

capítulo 4 • 144
A prerrogativa constitucional da inviolabilidade defende o Deputado ou
Senador em suas manifestações, em razão do cargo que exerce, ainda que fora do
recinto parlamentar. Caso contrário, não estará protegido pela imunidade real.

EXEMPLO
Todos nós lembramos que em 2014, o então Deputado Federal Jair Bolsonaro, manifes-
tou no Congresso Nacional e, posteriormente, em entrevista concedida ao jornal Zero Hora,
que “não estupraria a Deputada Federal Maria do Rosário porque ela não merece”. Em 2016,
por maioria de votos, no Inquérito nº 3.932 DF, o STF recebeu a denúncia contra o então
parlamentar, pois entendeu a ausente conexão entre o desempenho da função legislativa e
as palavras ofensivas.

Observe também com atenção que, a imunidade material não protege o par-
lamentar enquanto ostentar a condição de candidato. Assim sendo, a inviolabili-
dade não pode servir como uma vantagem do congressista candidato sobre seus
concorrentes políticos a mandatos eletivos.
Para finalizar, embora o artigo 53, caput, da Constituição Federal, relacione
apenas à inviolabilidade civil e criminal, a doutrina diverge sobre o âmbito po-
lítico-administrativo, ou seja, a impossibilidade ou não de o congressista sofrer
sanções disciplinares ou destituição do mandato.

Imunidade formal

A prerrogativa da imunidade formal somente incidirá se a inviolabilidade ou


imunidade material não repercutir no caso, pois se houver aplicação da regra da ex-
clusão do crime, não há o porquê de discutir a ocorrência da imunidade processual.
Ao contrário da imunidade material, na imunidade formal não há exclusão
do crime. É por isso que a imunidade formal está relacionada à possibilidade de
suspensão do processo criminal e a prerrogativa do parlamentar não ser preso.
De toda sorte, a imunidade formal recairá sobre o processo criminal e a prisão
do parlamentar. Vamos estudar cada uma delas.

capítulo 4 • 145
Imunidade formal relativa ao processo criminal contra o Parlamentar

A imunidade formal que se relaciona ao processo penal está prevista no artigo


53, §§ 3º ao 5º, da Constituição Federal.
Assim, recebida a denúncia contra parlamentar, por crime ocorrido após a
diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por
iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus
membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
A regra prevista no artigo 53, § 3º, permite ao Supremo Tribunal Federal re-
ceber a denúncia contra o congressista que cometeu crime após a diplomação, sem
a necessidade de solicitar prévia licença da casa respectiva.
Se um partido político solicitar a suspensão do processo, a casa respectiva tem
o prazo de quarenta e cinco dias a partir do seu recebimento pela Mesa Diretora
para decidir sobre o pedido. De qualquer forma, de acordo com os parágrafos 4º e
5º, do artigo 53, da Constituição, a sustação do processo suspenderá a prescrição,
enquanto durar o mandato.
A imunidade processual não aproveita ao eventual corréu que não for congres-
sista, a teor do que dispõe a Súmula 245, do STF. Dessa maneira, se a Casa legis-
lativa suspender o processo em relação ao Deputado ou Senador, essa prerrogativa
não será estendida ao corréu não parlamentar.

Imunidade formal relativa à prisão do Parlamentar

De acordo com o artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, “desde a expedição


do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo
em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro
de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus
membros, resolva sobre a prisão”.
Portanto, a imunidade formal também está relacionada à prisão, que desde a
expedição do diploma, ou seja, antes da posse, impede que o Deputado Federal ou
Senador seja preso, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável.
De qualquer maneira, ocorrendo a prisão, os autos devem ser remetidos à
Casa respectiva para que essa resolva sobre o assunto, isto é, se mantém ou afasta
a prisão, expedindo o alvará de soltura.

capítulo 4 • 146
Foro por prerrogativa de função

Um dos temas mais polêmicos na atualidade inclui o foro por prerrogativa de


função dos parlamentares, previsto no artigo 53, § 1º, da Constituição Federal.
Em decorrência do aumento de casos no Brasil, que envolvem corrupção de
parlamentares federais, Ministros de Estado e empresários, o Supremo Tribunal
Federal tem sido demandado a resolver questões atinentes às imunidades em geral
e, especialmente, definir sua competência jurisdicional originária. Dentro dessa
dinâmica atual, cada vez mais se torna frequente o debate acerca da continuidade
das ações penais de competência da Corte.

COMENTÁRIO
Desde 2012, por ocasião do julgamento da Ação Penal 470, conhecida como “Mensalão”, o
Supremo tornou-se o grande protagonista na busca pela resposta penal mais ajustada ao com-
bate à corrupção. Sua atuação chama a atenção da imprensa e é acompanhada com interesse
por toda a população brasileira. Ganha também destaque o fato de que o televisionamento das
sessões de julgamento ao vivo facilita e proporciona um clima de tensão peculiar no cenário polí-
tico brasileiro, tornando os Ministros da Corte verdadeiros heróis nacionais ou popstars judiciais.

A partir da diplomação, o STF passa a ser o juiz natural, ainda que provi-
soriamente, enquanto durar o mandato, dos parlamentares envolvidos em co-
metimento de crimes, não importando se o crime foi praticado antes ou depois
da diplomação.

PERGUNTA
Mas o que acontecem com o inquérito e a ação penal em trâmite no Supremo se o
parlamentar perder o cargo ou cessar o seu mandato? E quanto à renúncia, impactará no
andamento do processo?

Até agosto de 1999, a súmula 394 do STF advertia que a ação penal deve-
ria permanecer no próprio tribunal, ainda que cessado o exercício parlamentar.
Todavia, na questão de ordem levantada no Inquérito 687-SP, a referida súmula

capítulo 4 • 147
foi cancelada e, por consequência, os processos em andamento no Supremo deve-
riam ser baixados à instância ordinária, órgão que, a partir daí, deveria ser consi-
derado o juiz natural para a causa.

Não é novidade que em 2002 foi editada a Lei 10.628, que restaurou o teor da sú-
mula 394 do STF. Mas o Supremo, chamado a se manifestar nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade 2.797 e 2.897, que questionavam a malfadada lei ao reintroduzir
a perpetuatio jurisdictionis, declarou a sua inconstitucionalidade e manteve a coerência
dos seus julgados.

Dessa forma, sedimentou-se o entendimento de que a cessação da atividade


parlamentar determina a descontinuidade do julgamento perante à Corte. Na li-
nha desse entendimento, no Inquérito 2.277-DF, o plenário do Tribunal decidiu,
por maioria, que se iniciado o julgamento e deixando o detentor da prerrogativa
de foro o cargo que o motivou, cessa a competência do Supremo. Portanto, não
ocorreria a perpetuação da competência do Tribunal em virtude do início do jul-
gamento, porque diante uma causa de incompetência absoluta que deságua neces-
sariamente na declinação ao juízo de primeira instância.

Demonstrando que não há posições firmes em relação à continuidade ou não do pro-


cesso na Corte, no julgamento do Inquérito 2.295-MG, o Supremo Tribunal Federal esta-
beleceu, por maioria, entendimento de que o processo permaneceria no Tribunal. Assim,
uma vez iniciado o julgamento do congressista na Corte, a superveniência do término do
mandato eletivo não deslocaria a competência para outra instância, ou seja, permanece
o julgamento do Tribunal.

Ocorre que essa regra simples sofreu inúmeras variações, principalmente quan-
do se trata de formalização de renúncia pelo parlamentar antes do julgamento da
ação penal em curso. Por ocasião do julgamento da Ação Penal 333, firmou-se o
entendimento de que a renúncia do réu ao mandato produz efeitos no plano pro-
cessual, o que implica a declinação da competência do Supremo Tribunal Federal
para o juízo criminal de primeiro grau.

No entanto, a questão de ordem levantada no julgamento da Ação Penal 396 ressus-


citou a dúvida e mais ainda o resgate da súmula 394 que consagrava a perpetuatio
jurisdictionis. Mais especificamente se a renúncia do réu ao mandato parlamentar tem
o condão de afastar a competência do Supremo Tribunal Federal para prosseguir no
julgamento.

capítulo 4 • 148
As circunstâncias muito peculiares do caso, no qual o processo se arrastava por
longos catorze anos e a renúncia se formalizou menos de 24 horas do julgamento,
levou o Supremo a reconhecer a tentativa do réu de manipular as instâncias em seu
próprio benefício, já que a prescrição do crime mais grave se daria em poucos meses.
A renúncia, nesse caso, mostrou-se como instrumento destinado a obter fim
pouco ético e lícito, um estratagema inteligente, mas ineficaz, uma vez que escan-
carou verdadeira fraude processual e abuso de direito. Por isso, o Tribunal, por
maioria, resolveu a questão de ordem no sentido de reconhecer a subsistência da
competência do Supremo Tribunal para o deslinde da causa.
Entretanto, não se delineou a adoção de qualquer critério como marco para a
renúncia surtir efeitos no plano processual, apesar de aventadas duas soluções, o
do fim da instrução criminal ou da colocação em pauta do processo de julgamen-
to. Nesse momento, o Supremo marcou encontro com essa questão.

Em agosto de 2014, já em vigor a Emenda Regimental 49, que alterou dispositivos do


Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a competência para o julgamento de
infrações penais contra parlamentares passou a ser das turmas do Tribunal e não mais
do Plenário, apenas mantendo-se essas para os presidentes das duas Casas do legis-
lativo federal. Diante dessa alteração, a Primeira Turma do STF entendeu que havendo
renúncia antes do final da instrução criminal, declina-se a competência para o juízo de
primeiro grau.

Em 2018 o Supremo Tribunal Federal resolveu reduzir o alcance do foro por


prerrogativa de função, para contemplar apenas os crimes praticados durante o
mandato parlamentar e relacionados ao exercício do cargo.
Em março de 2019, no julgamento de recurso no Inquérito 4435, o Plenário
do STF confirmou o entendimento de que é de competência da Justiça Eleitoral
processar e julgar crimes comuns conexos com os crimes eleitorais, quando os
fatos não estiverem vinculados ao mandato de parlamentar.

Perda do mandato parlamentar

As hipóteses de perda do mandato estão previstas no artigo 55 da


Constituição Federal.
Conforme o dispositivo constitucional, o Deputado ou o Senador pode per-
der o mandado quando: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no
artigo 54; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro par-
lamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte

capítulo 4 • 149
das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta
autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quando o
decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer
condenação criminal em sentença transitada em julgado.

Processo Legislativo

O processo legislativo consiste no conjunto coordenado de atos que discipli-


nam o procedimento a ser observado para a elaboração das leis.
Assim sendo, a Constituição de 1988 regula o processo para a elaboração
das espécies normativas previstas no artigo 59, ou seja, para a produção das
Emendas Constitucionais, das Leis Complementares, das Leis Ordinárias, das Leis
Delegadas, das Medidas Provisórias, dos Decretos Legislativos e das Resoluções.

Espécies de Processos Legislativos

Existem três tipos de processos legislativos que devem ser seguidos para a ela-
boração das espécies normativas previstas no artigo 59, da Constituição Federal,
os processos legislativos ordinário, sumário e especial.
O processo legislativo ordinário é aquele destinado à criação das leis ordiná-
rias, e é caracterizado por sua maior duração.
Por sua vez, o processo legislativo sumário é aquele utilizado pelo Presidente da
República naqueles assuntos que exigem menor duração de tramitação legislativa.
Finalmente, o processo legislativo especial é o fixado para a elaboração de
emendas constitucionais, leis complementares, leis delegadas, medidas provisó-
rias, decretos legislativos, resoluções e leis financeiras.
O quadro abaixo sintetiza a existência dos três processos legislativos e as espé-
cies normativas que são elaboradas a partir de sua observância:

capítulo 4 • 150
Destinado á elaboração
ORDINÁRIO das Leis Ordinárias

PROCESSO Caracterizado por sua


SUMÁRIO menor extensão
LEGISLATIVO

Destinado ás Emendas
ESPECIAL
Constitucionais, leis
complementares, leis
delegadas, medidas
provisórias, decretos
legislativos, resoluções
e leis financeiras

Figura 4.9  –  Espécies de Processos Legislativos.

Processo legislativo ordinário

Como você já sabe, o processo legislativo ordinário, também denominado de


comum, compreende o conjunto de atos destinado à elaboração das leis ordiná-
rias. Caracteriza-se por ser um procedimento básico e mais demorado, dada a total
ausência de prazo para a sua conclusão. Esse processo desdobra-se em três fases
distintas, fase introdutória, fase constitutiva e fase complementar.
Para alguns autores, o processo legislativo comum, por ser o de maior ampli-
tude, seria o adequado para a elaboração das leis complementares. De fato, são ba-
sicamente duas distinções entre as leis complementares e as leis ordinárias. Como
veremos, o quórum para aprovação da lei complementar é de maioria absoluta,
enquanto para a lei ordinária, o quórum é de maioria simples.
Outra diferença diz respeito ao conteúdo de cada uma dessas espécies nor-
mativas. O importante, nesse momento, é que você compreenda a inexistência
hierárquica entre elas e que não fará diferença a inclusão da lei complementar no
estudo do processo legislativo comum ou no especial.
A figura abaixo apresenta a visão panorâmica das fases do processo legislativo
ordinário, que será melhor detalhado a seguir:

capítulo 4 • 151
INTRODUTÓRIA INICIATIVA
DISCUSSÃO
DELIBERAÇÃO
PARLAMENTAR VOTAÇÃO
FASES DO
PROCESSO CONSTITUITIVA
ORDINÁRIO DELIBERAÇÃO SANÇÃO
EXECUTIVA
VETO
PROMULGAÇÃO
COMPLEMENTAR
PUBLICAÇÃO

Figura 4.10  –  As fases do processo legislativo ordinário.

A fase introdutória está relacionada a quem ou qual órgão possui atribuição


para iniciar o projeto de lei a ser apresentado ao Poder Legislativo. Portanto, é
através do ato de iniciativa, ocorrido na fase introdutória, que se deflagra o pro-
cesso legislativo.
Nesse sentido, o artigo 61, da Constituição Federal, confere a iniciativa das
leis ordinárias a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados,
do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da
República e aos cidadãos.
Com efeito, a Constituição Federal pode reservar a algumas pessoas ou órgãos
a atribuição privativa ou exclusiva para iniciar projetos de lei. A sua inobservância
caracteriza vício formal de iniciativa e, como consequência, a inconstitucionalida-
de do ato normativo.

EXEMPLO
Como exemplo, a Constituição Federal dispõe que compete privativamente ao Presiden-
te da República, de acordo com o artigo 61, §1º, as leis que: I - fixem ou modifiquem os efe-
tivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos
públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organiza-
ção administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal
da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime
jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério

capítulo 4 • 152
Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do
Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto
no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos,
promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.

É importante observar que, a Constituição confere ao Ministério Público a


iniciativa concorrente com o Presidente da República, para deflagrar o processo
legislativo de projeto de Lei Complementar que regulamente sua organização,
conforme dispõe o artigo 61, § 1, II, “d”, combinado com o artigo 128, § 5º.
De acordo com o artigo 127, § 2º, da Constituição, é de iniciativa privativa do
Ministério Público propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos
e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e
títulos, a política remuneratória e os planos de carreira.
A Constituição também possibilita a iniciativa popular de lei. Conforme
preceitua o artigo 61, § 2º, a iniciativa popular pode ser exercida pela apresenta-
ção à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por
cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não
menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

CURIOSIDADE
Diante dos rigorosos requisitos para a deflagração de projeto de lei por iniciativa popular,
previstos no artigo 61, § 2º, da Constituição Federal, existem poucas leis que resultaram des-
se processo. A Lei nº 11.124/2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social e cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, conhecida como
“fundo nacional para a moradia popular” e a Lei Complementar nº 135/2010, conhecida
como "Lei da Ficha Limpa", são fruto de iniciativa popular.

A fase constitutiva do processo legislativo é estabelecida a partir da reali-


zação de três atos: a deliberação, a votação e a sanção ou veto do projeto pelo
Presidente da República.
Conforme você já estudou, o Poder Legislativo federal é composto por duas
Casas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Assim, todo projeto de lei

capítulo 4 • 153
deve ser apreciado por ambas e uma funcionará como Casa iniciadora e a outra
como Casa revisora.
Convém assinalar que, como regra geral, a Câmara dos Deputados será a Casa
iniciadora do processo legislativo, conforme se depreende da leitura do artigo 64,
da Constituição Federal. O Senado, por sua vez, como regra, será a Casa revisora.
Observe, com atenção que, o Senado será a Casa iniciadora tão somente quan-
do o projeto de lei for apresentado por Senador ou quaisquer de suas comissões.
Nesse caso, a Câmara dos Deputados fará o papel de Casa revisora.
Após a deflagração do processo legislativo, o projeto de lei será submetido à
deliberação, que nada mais significa do que a discussão do projeto de lei.
Devemos lembrar que, em razão do disposto no artigo 58, § 2º, I, da
Constituição Federal, o projeto de lei, dependendo do assunto versado, poderá ser
discutido e votado pela comissão temática.
Se não for o caso de deliberação pela comissão temática, o projeto será votado
pelo Plenário da Casa legislativa, devendo ser observado o quórum de maioria
absoluta para a instalação da sessão.
Em se tratando do Senado, o quórum para instalação deverá alcançar o nú-
mero mínimo de 41 Senadores. Se tratar da Câmara, o quórum para instalação da
sessão será de 257 Deputados Federais.
Uma vez alcançado o quórum para instalação da sessão, exige-se para a apro-
vação de uma lei ordinária a maioria simples, conforme dispõe o artigo 47, da
Constituição Federal.

O projeto de lei poderá ser rejeitado ou aprovado, como ou sem emenda. Sendo apro-
vado, o projeto será encaminhado à casa revisora para a deliberação e votação. Por
outro lado, sendo rejeitado, o projeto será encaminhado ao arquivo e não poderá ser
apresentado na mesma sessão legislativa, salvo mediante proposta da maioria absoluta
dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional (artigo 67, da Constituição
Federal).

Se o projeto de lei for aprovado sem emendas, será encaminhado para a deli-
beração executiva para sanção ou veto do Presidente da República.
Se o projeto for aprovado como alterações, devido às emendas formuladas
pela Casa revisora, deverá retornar à Casa iniciadora para a deliberação exclusiva
das emendas. A figura abaixo procura sintetizar e esquematizar as possibilidades
procedimentais do projeto de lei:

capítulo 4 • 154
APROVAÇÃO Se não houver emendas, o projeto será
DO PROJETO encaminhado ao Presidente da República
DE LEI para a sanção ou veto.

REJEIÇÃO O projeto será arquivado e não pode ser


CASA INICIADORA CASA REVISORA DO PROJETO apreciado na mesma sessão legislativa,
DE LEI salvo se houver pedido da maioria absoluta.

APROVAÇÃO Sendo apresentada emenda, o projeto deve


DO PROJETO retornar á casa iniciadora para á apreciação
COM EMENDAS das emendas.

Figura 4.11  –  Andamento do projeto de lei após deliberação da casa revisora.

Como você já sabe, se o projeto for aprovado nas duas Casas do Congresso
Nacional, será encaminhado para a deliberação executiva, ou seja, para a aprecia-
ção do Presidente da República.
O prazo máximo para a análise do projeto de lei pelo chefe do Executivo, atra-
vés da sanção ou do veto, será de 15 dias úteis, contados da data do recebimento
da proposição legislativa.
A sanção corresponde à aquiescência ou concordância do Presidente da
República com o texto do projeto de lei e poderá ser de dois tipos: a) sanção ex-
pressa, quando o Presidente da República, durante o prazo dos quinze dias úteis,
concordar deliberadamente com o projeto de lei; e de acordo com o artigo 66, §
3º, da Constituição, b) sanção tácita, quando o Presidente da República deixar de
se manifestar favoravelmente ou contra o projeto de lei, no prazo de 15 dias úteis.
Assim, o silêncio do Presidente da República importará sanção tácita.
A sanção ainda poderá ser total, quando o chefe do Executivo concordar com
a totalidade do projeto de lei ou parcial, no caso da aquiescência de parte do pro-
jeto e veto a outro segmento do projeto de lei.
Por outro lado, se o Presidente da República discordar do projeto de lei, pode-
rá vetá-lo total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis.

O veto sempre será expresso e representa a antítese da sanção, ou seja, corresponde


a recusa do Presidente da República ao projeto de lei. Essa faculdade do chefe do
Executivo pode ser fundamentada através da inconstitucionalidade do projeto ou pela
contrariedade ao interesse público. No primeiro caso, estamos diante do veto jurídico;
no segundo do veto político.

capítulo 4 • 155
Da mesma forma que na sanção, o veto poderá ser total ou parcial. O veto
total abrangerá a totalidade do projeto. Enquanto o veto parcial, demonstrará
a discordância presidencial sobre parte do projeto de lei. De qualquer maneira,
conforme o disposto no artigo 66, § 2º, da Constituição Federal, o veto parcial
somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
O veto do Presidente da República não importa em arquivamento do pro-
jeto de lei, pois o Congresso Nacional o apreciará em sessão conjunta, dentro
de 30 dias a contar do seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da
maioria absoluta dos Deputados e Senadores em sessão aberta (artigo 66, § 4º, da
Constituição Federal).
Se o veto não for apreciado no prazo de 30 dias, a pauta da sessão conjunta
ficará trancada, até sua análise definitiva.

Há dois caminhos possíveis na sessão conjunta: a) se o veto for rejeitado, ou seja, derru-
bado, o projeto seguirá para a promulgação; b) se não for alcançada a maioria absoluta,
o projeto será encaminhado ao arquivo.

Finalmente, a fase complementar do processo legislativo é destinada à pro-


mulgação e à publicação da lei ordinária.
A promulgação é o ato que atesta formalmente a existência da lei no ordena-
mento jurídico. Em outras palavras, a promulgação atesta que o projeto de lei se
transformou em lei, seja no momento da sanção pelo Presidente ou da derrubada
do veto, pelo Congresso Nacional.
Cabe ao Presidente da República promulgar a lei, em até 48 horas, contadas
da sanção ou da comunicação da rejeição (derrubada) do veto, conforme se de-
preende do artigo 66, § 7º, da Constituição Federal.
Se o Presidente não promulgar a lei, caberá ao Presidente do Senado fazê-lo,
no prazo também de 48 horas. Entretanto, se o Presidente não o fizer, caberá ao
Vice-Presidente do Senado promulgar a lei imediatamente.
Após a promulgação a lei segue para a publicação, que é o ato que proporciona
o conhecimento do conteúdo da lei.
Apesar de não previsto no ordenamento jurídico brasileiro, a publicação é de
atribuição e responsabilidade da autoridade que promulgou a lei.

capítulo 4 • 156
Processo legislativo sumário

O processo sumário, também conhecido como abreviado, é muito parecido


com o processo ordinário, mas dele se distingue por exigir a observância de prazo
para a sua conclusão.
Tal processo é deflagrado por vontade do Presidente da República, que pos-
sui a atribuição de solicitar do Congresso Nacional urgência na tramitação dos
projetos de lei de sua iniciativa. O prazo para a manifestação sucessiva das casas
legislativas será de quarenta e cinco dias. A figura abaixo sintetiza essa ideia:

O Presidente da
Projeto de Lei de República solicita
iniciativa do urgência
Presidente
da República

PRAZO DE 45 DIAS
Casa iniciadora PARA DELIBERAR
CÂMARA DOS E VOTAR O PROJETO
DEPUTADOS DE LEI

PRAZO DE 45 DIAS
Casa revisora PARA DELIBERAR
SENADO E VOTAR O PROJETO
FEDERAL DE LEI

Figura 4.12  –  Prazo sucessivo para a manifestação das casas legislativas.

De acordo com o artigo 64, § 2º, da Constituição Federal, se a Câmara dos


Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre o projeto de lei de ini-
ciativa do Presidente da República, cada qual sucessivamente, em até quarenta e
cinco dias, a pauta da casa será trancada, salvo as que tenham prazo constitucional
determinado, até que se ultime a votação do projeto de lei.

Observe com atenção que, a Casa revisora, ou seja, forçosamente o Senado Federal,
poderá apresentar emendas, que nesse caso, serão apreciadas pela Câmara dos Depu-
tados no prazo máximo de dez dias (artigo 64, § 3º, da Constituição Federal).

Dessa maneira, o prazo máximo para ultimar o processo sumário é de 100 dias,
ou seja, 45 dias em cada casa para fins de deliberação e votação, mais 10 dias, para
a apreciação da Câmara dos Deputados de emendas propostas pelo Senado Federal.
Com isso, o processo legislativo sumário difere sensivelmente do processo ordinário.

capítulo 4 • 157
Finalmente, durante o recesso parlamentar, os prazos previstos para o processo
sumário não correm (artigo 64, § 4º, da Constituição Federal).

Processo legislativo especial

O procedimento especial é utilizado para a elaboração da Emenda à


Constituição, da Lei Complementar, da Lei Delegada, da Medida Provisória,
do Decreto Legislativo e das Resoluções. Vamos estudar cada uma dessas
espécies normativas.

Emenda à Constituição

Como você já estudou no capítulo 1, a própria Constituição Federal admite


sua alteração e, para isso, prevê um processo legislativo especial, dificultoso em
comparação ao previsto para a modificação das leis em geral (TAVARES, 2017,
p. 1066).

A emenda constitucional é o instrumento normativo que modifica a Constituição brasi-


leira. Entretanto, existem limites para a alteração da Constituição, que são impostos pelo
Poder Constituinte Originário.

A fase inciativa da Proposta de Emenda à Constituição - PEC, difere de qual-


quer outra espécie normativa, pois se exige qualidade própria. Dessa maneira,
nos termos do artigo 60, da Constituição Federal, somente poderão apresentar
proposta de emenda: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da
metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se,
cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
A discussão e votação da proposta de emenda constitucional apresentada será
realizada em dois turnos em cada casa do Congresso Nacional, conforme dispõe o
§ 2º do art. 60 da Constituição Federal.

ATENÇÃO
Observe com muita atenção que, no processo especial de elaboração da Emenda Consti-
tucional, não há deliberação executiva. Ou seja, o Presidente da República não sanciona nem
tampouco veta a Proposta de Emenda Constitucional. Dessa maneira, uma vez aprovada nas

capítulo 4 • 158
duas Casas do Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição segue para fase
de promulgação e publicação.

O artigo 60, §3º, da Constituição Federal, dispõe que a Emenda à Constituição


será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
com o respectivo número de ordem. Assim, você também deve ficar atento para
perceber que o Presidente da República não participa dessa fase complemen-
tar. Ou seja, o Presidente da República não está autorizado a promulgar uma
Emenda Constitucional.
Por outro lado, a Constituição foi silente quanto à publicação da Emenda
à Constituição. O entendimento é no sentido de que as Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal sejam responsáveis pelo ato.

Como você já sabe e já foi estudado no capítulo 1, não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto,
secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias
individuais. São as denominadas cláusulas pétreas.

Por fim, é importante ressaltar que durante a intervenção federal, o estado


de defesa ou o estado de sítio, a Constituição Federal não pode sofrer alteração
através de emenda constitucional. Trata-se, como já vimos no capítulo 1, de uma
limitação circunstancial ao poder de reforma da Constituição.

Lei Complementar

A Constituição Federal não anunciou qual o procedimento para a elaboração


das Leis Complementares. O artigo 69 apenas se limita a mencionar que a maioria
absoluta representa o quórum para a sua aprovação. Preferimos, por isso, inserir
as leis complementares no estudo do processo legislativo especial. Contudo, como
já sabemos, não trará qualquer diferença prática o seu estudo dentro do processo
legislativo comum, junto com a lei ordinária.
No que diz respeito à matéria, a Constituição reserva expressa e taxativamente
os assuntos que poderão ser regulados por lei complementar.

Mesmo diante dessas duas peculiaridades, a Lei Complementar não é hierarquicamente


superior a Lei Ordinária. Ao contrário, ambas são consideradas espécies normativas pri-
márias, pois derivam diretamente da Constituição e possuem o mesmo status hierárquico.

capítulo 4 • 159
Entretanto, se uma Lei Ordinária dispuser de assunto reservado à Lei
Complementar, será inconstitucional, por vulneração à Constituição Federal. No
entanto, se uma Lei Complementar disciplinar questão relativa à Lei Ordinária,
não haverá inconstitucionalidade.

Lei Delegada

A Constituição Federal prevê a edição dessa espécie normativa a partir da de-


legação do Poder Legislativo para o Poder Executivo exercer a função legiferante.
Trata-se de uma delegação externa corporis, pois se diferencia daquela dada às co-
missões permanentes prevista no artigo 58, § 2º, I (§ 2º Às comissões, em razão da
matéria de sua competência, cabe: I - discutir e votar projeto de lei que dispensar,
na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um
décimo dos membros da Casa).

Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Na-


cional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a
matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: I - organização do Poder
Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; II - nacio-
nalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais e III - planos plurianuais,
diretrizes orçamentárias e orçamentos. (artigo 68, § 1º, CRFB)

De acordo com o artigo 68, § 2º, da Constituição Federal, a delegação ao


Presidente da República será feita através de resolução do Congresso Nacional,
que deve especificar seu conteúdo e os termos de seu exercício.

ATENÇÃO
Observe com atenção que, em primeiro lugar, o Presidente da República deve solicitar
a delegação e, posteriormente, se o Congresso discricionariamente decidir, expedirá uma
resolução para especificar a matéria e os termos da Lei Delegada.

É importante assinalar que existem duas modalidades de delegação a ser


adotada:
a) a delegação típica, que decorre da autorização através de resolução do
Congresso Nacional para que o Presidente da República possa elaborar a
lei, sem qualquer participação posterior do Poder Legislativo no processo
de criação da lei delegada;

capítulo 4 • 160
b) a delegação atípica, está prevista no artigo 68, §3º, da Constituição
Federal. Nessa modalidade há inversão do processo legislativo, na medi-
da em que o Congresso Nacional autoriza, por resolução, o Presidente da
República a elaborar a lei, mas impõe que o Presidente elabore um projeto
que será analisado em votação única pelo Congresso Nacional.

No caso de delegação atípica, o Congresso Nacional poderá apenas aprovar ou rejeitar


o projeto de lei delegada, vedada qualquer emenda. Se aprovar o projeto, o Presidente
está autorizado a promulgar e publicar a lei delegada. Por outro lado, se o projeto for
rejeitado, ocorrerá o seu arquivamento.

Por fim, cabe ressaltar que se o Presidente da República extrapolar os limites


da delegação legislativa, o Congresso Nacional poderá sustar, através de decreto
legislativo (artigo 49, V, da Constituição Federal) os atos do Chefe do Executivo
que exorbitem os limites de delegação legislativa.

Medida Provisória

A Medida Provisória tem previsão no artigo 62, da Constituição Federal e po-


derá ser adotada, com força de lei, em caso de relevância e urgência pelo Presidente
da República, que deve submetê-la de imediato ao Congresso Nacional.
Segundo André Ramos Tavares, a posição do Supremo Tribunal Federal sobre
os requisitos da “relevância e urgência” não são firmes.

o Supremo Tribunal Federal tem variado seu posicionamento acerca do controle de mé-
rito desses requisitos, tendo já declarado que “os conceitos de relevância e urgência a
que se refere o artigo 62 da Constituição, como pressupostos para a edição de Medidas
Provisórias, decorrem, em princípio, do juízo discricionário de oportunidade e de valor do
Presidente da República, mas admitem o controle judiciário quanto ao excesso de poder
de legislar”. (TAVARES, 2017, p. 1080)

De fato, o STF há algum tempo somente admite o exame jurisdicional do


mérito dos requisitos da “relevância e urgência” na adoção de medida provisória
em casos excepcionalíssimos. Apesar das fortes críticas doutrinárias, esse entendi-
mento do Supremo pode ser sintetizado no trecho a seguir:

capítulo 4 • 161
Conforme entendimento consolidado da Corte, os requisitos constitucionais legitimado-
res da edição de medidas provisórias, vertidos nos conceitos jurídicos indeterminados de
"relevância" e "urgência" (art. 62 da CF), apenas em caráter excepcional se submetem
ao crivo do Poder Judiciário, por força da regra da separação de poderes (art. 2º da CF)
(ADI 2.213, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-4-2004; ADI 1.647, Rel. Min. Carlos
Velloso, DJ de 26-3-1999; ADI 1.753-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-6-
1998; ADI 162-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19-9-1997).[ADC 11 MC, voto do
rel. min. Cezar Peluso, j. 28-3-2007, P, DJ de 29-6-2007.] ADI 4.029, rel. min. Luiz Fux,
j. 8-3-2012, P, DJE de 27-6-2012.

O prazo de duração da medida provisória adotada pelo Presidente da República


é de sessenta dias, contados da sua publicação e prorrogáveis uma vez por igual
período (artigo 62, § 7º, da Constituição Federal), se não tiver a sua votação en-
cerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. Entretanto, tal prazo será suspen-
so durante os períodos de recesso parlamentar (artigo 62, § 4º, da Constituição).

ATENÇÃO
Perceba, com muita atenção que, o prazo máximo de uma medida provisória é de 120
dias. Se nesse prazo, a medida provisória não for convertida em lei, perderá sua eficácia des-
de sua edição, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações
jurídicas delas decorrentes, de acordo com o artigo 62, § 3º, da Constituição Federal.

O artigo 62, § 6º, da Constituição determina que se a medida provisória não


for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entra-
rá em regime de urgência, seguidamente, em cada uma das Casas do Congresso
Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais delibe-
rações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
Entretanto, o entendimento da Câmara dos Deputados era no sentido de
que a pauta não ficaria sobrestada ou travada em relação aos projetos que não
podem ser objetos de medida provisória. Contra essa inteligência foi impetrado o
Mandado de Segurança nº 27.931. Mas, o Supremo Tribunal Federal decidiu que
o trancamento da pauta da Câmara dos Deputados por conta de medidas provi-
sórias não analisadas no prazo de 45 dias, contados de sua publicação, só alcança
projetos de lei sobre temas passíveis de serem tratados por MP.
Por fim, é importante destacar que é expressamente vedada a adoção de medi-
das provisórias sobre matéria.

capítulo 4 • 162
I - relativa a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos polí-
ticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias,
orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no
art. 167, § 3º;
II - que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou
qualquer outro ativo financeiro;
III - reservada a lei complementar; e
IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e
pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

Em relação à matéria tributária, não há óbice para ser disciplinada por medida
provisória, desde que não seja hipótese em que a própria Constituição exige Lei
Complementar e não afete à anterioridade tributária. Esse inclusive é o entendi-
mento do Supremo Tribunal Federal.

Decreto Legislativo

O Decreto Legislativo é a materialização dos atos de competência exclusiva do


Congresso Nacional, prevista no artigo 49 da Constituição Federal, que possuem
efeitos externos.
O processo para a elaboração dessa espécie normativa é previsto no Regimento
Interno do Congresso Nacional. Assim, aprovado o Decreto Legislativo pela
maioria simples, será promulgado pelo Presidente do Senado Federal, que tam-
bém tem a atribuição de determinar sua publicação.
Cumpre salientar, no entanto, que excepcionalmente o quórum será de 2/5
quando se tratar da desautorização de renovação de concessão ou permissão de
serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens. De fato, o artigo 223, § 2º, da
Constituição dispõe que:

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e auto-
rização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio
da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
(...)
§ 2º A não-renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no míni-
mo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.

capítulo 4 • 163
Como você deve ter percebido até aqui, o Presidente da República não par-
ticipa do processo de elaboração do Decreto Legislativo. Por isso inexiste sanção
ou veto presidencial no processo de formação dessa espécie normativa primária.

Resoluções

As resoluções são atos normativos expedidos pelo Congresso Nacional ou por


uma de suas Casas. Geralmente possuem efeitos internos, ao contrário dos decre-
tos legislativos, que possuem efeitos externos.
Entretanto, em algumas hipóteses as resoluções apresentarão efeitos externos,
como por exemplo, a resolução expedida pelo Congresso Nacional que autoriza o
Presidente da República a editar leis delegadas.
Embora a Constituição Federal não especifique o procedimento para a expe-
dição de resolução, a Carta prevê que, em regra, o quórum para aprová-la é de
maioria simples. Contudo, a Constituição exige quórum de 2/3 para aprovação
de resolução para algumas matérias.

EXEMPLO
É exigido o quórum de 2/3, por exemplo, nos seguintes dispositivos constitucionais:
a) artigo 53, § 7°, que trata da suspensão das imunidades parlamentares durante o
estado de sítio;
b) artigo 51, I, que trata da autorização de instauração de processo contra o Presiden-
te e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;
c) artigo 155, § 2°, V, "b", que cuida da fixação de alíquotas máximas nas opera-
ções internas com a finalidade de resolver o conflito específico que envolva interesse
dos Estados.

O Presidente da República não participa do processo de elaboração das reso-


luções, seja para o ato de sancionar ou vetar, bem como para complementá-las,
através da promulgação e da publicação. Por isso, a Casa legislativa que expedir a
resolução será responsável por sua promulgação e também sua publicação.

capítulo 4 • 164
ATIVIDADES
01. O Presidente da República, amparado pelo artigo 68 da Constituição da República, soli-
cita delegação ao Congresso Nacional para legislar sobre direito civil, matéria não vedada a
tal espécie normativa. Após apreciação da solicitação feita pelo Presidente da República, o
Congresso Nacional editou a Resolução competente (delegação externa corporis), na forma
do art. 68, § 2.º, da Constituição da República, autorizando que o Presidente da República
disciplinasse a matéria, sem, contudo, tratar de questões relativas a relações contratuais
entre particulares.
A despeito da reserva feita pela Resolução do Congresso Nacional, o Presidente da
República disciplinou mediante lei delegada questões relativas a relações contratuais entre
particulares, extrapolando, pois, os limites da delegação legislativa recebida.
A partir da situação descrita, responda justificadamente às perguntas adaptadas da
obra de GÓES, Guilherme Sandoval. Direito constitucional avançado. Rio de Janeiro: SESES,
2018. p. 40-41.
a) Poderia o próprio Congresso Nacional tomar alguma providência contra o ato
do Presidente da República (providência motu proprio) ou deveria o Congres-
so Nacional recorrer ao Poder Judiciário para que este tome as providências que
forem necessárias?
b) A delegação legislativa feita mediante Resolução do Congresso Nacional, está de
c) acordo com a Constituição de 1988?
d) O ato que susta a lei delegada também seria uma Resolução do Congresso Nacional?

02. Ao disciplinar a Organização do Estado brasileiro, a Constituição Federal estabelece que:


a) São entes da federação a União, os Estados-membros, os Municípios, o Distrito Federal
e o Território Federal.
b) Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se ane-
xarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação
da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional,
por lei complementar.
c) Os Estados organizam-se e regem-se pelas Leis Orgânicas e leis que adotarem, obser-
vados os princípios da Constituição Federal.
d) Compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e tributário.
e) São bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu
domínio, ou que banhem mais de um Município.

capítulo 4 • 165
REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou a organização político-administrativa do Estado brasileiro.
Percebeu que nosso país adota a forma federativa de Estado e, por isso, possui entes autô-
nomos para o desempenho de suas funções.
Assim sendo, você observou a existência da União, dos Estados-membros, do Distrito
Federal e dos Municípios. Estudou também a formação dos Estados e dos Municípios através
dos institutos da incorporação (fusão), da subdivisão (cisão) e do desmembramento. Além
disso, percebeu que os Territórios não podem ser considerados entes da federação, por não
possuírem autonomia, que é característica das pessoas jurídicas que compõem a federação.
Posteriormente, você se dedicou ao estudo das funções ou separação dos poderes do
Estado, e percebeu que existem funções típicas, caracterizadas como cotidianas, predomi-
nantes e tradicionais; e funções atípicas, do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.
Neste capítulo demos ênfase também ao estudo do Poder Legislativo federal e sua es-
trutura constitucional. Para manter a coerência didática, foram examinados os processos
legislativos consagrados pelo direito pátrio: o ordinário, o sumário e o especial.
Na sequência dos seus estudos e por fim, você constatou a dinâmica de formação das espé-
cies normativas existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Assim sendo, verificou como se ela-
boram a Lei Ordinária, a Lei Complementar, a Emenda Constitucional, a Lei Delegada, a Medida
Provisória, o Decreto Legislativo e as Resoluções expedidas pelas Casas do Congresso Nacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:
Livraria Almedina, 1993.
GÓES, Guilherme Sandoval. Direito constitucional avançado. Rio de Janeiro: SESES, 2018.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Bahia: JusPODIVM, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2017.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2017.
SILVA E NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2009.
______. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2014.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017.

capítulo 4 • 166
5
Poder Judiciário e
Poder Executivo
Poder Judiciário e Poder Executivo
Introdução

Inicialmente, neste capítulo, você estudará as regras atinentes ao Poder


Judiciário nacional, como o estatuto da magistratura e as garantias constitucionais
conferidas aos membros do Poder Judiciário brasileiro, divididas em garantias ins-
titucionais e garantias funcionais, essas últimas destinadas aos magistrados. Como
você verá, a Constituição Federal prevê três garantias a eles: a vitaliciedade, a ina-
movibilidade e a irredutibilidade de subsídio.
Dando sequência aos estudos, você verá a estrutura organizacional do Poder
Judiciário brasileiro, composto pelos seguintes órgãos:
a) o Supremo Tribunal Federal;
b) o Conselho Nacional de Justiça;
c) o Superior Tribunal de Justiça;
d) o Tribunal Superior do Trabalho;
e) os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
f ) os Tribunais e Juízes do Trabalho;
g) os Tribunais e Juízes Eleitorais;
h) os Tribunais e Juízes Militares e
j) os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

No Brasil, como você já sabe, o Supremo Tribunal Federal é o guardião da


Constituição Federal e, além disso, possui um vasto catálogo de atribuições. Por
isso, daremos ênfase ao estudo sobre esse importante órgão do Poder Judiciário
nacional. Além disso, você estudará o Conselho Nacional de Justiça, órgão cria-
do pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que apesar de integrante do Poder
Judiciário, não possui função jurisdicional. Ainda dentro do estudo do Poder
Judiciário, finalizaremos essa primeira parte do capítulo, ao analisarmos as re-
gras sobre o Superior Tribunal de Justiça, que também adveio da criação da
Constituição de 1988.
Para finalizar, também nesse capítulo, você analisará o funcionamento do Poder
Executivo e focará os estudos no Poder Executivo federal, chefiado pelo Presidente
da República. Nesse sentido, perceberá que o artigo 84, da Constituição Federal,
prevê as atribuições do Presidente da República, ora no exercício das atividades de
Chefe de Estado, ora como Chefe de Governo.

capítulo 5 • 168
OBJETIVOS
•  Identificar as regras relativas ao Poder Judiciário brasileiro e compreender a sua
estrutura organizacional;
•  Examinar as funções exercidas pelo Poder Judiciário e seus principais órgãos;
•  Conhecer as regras sobre o Poder Executivo Federal e as atribuições do Presidente
da República.

Poder Judiciário

Dando continuidade à separação dos poderes, ao lado da função de legislar


é possível destacar o poder que tem como propósito prestar jurisdição, isto é, a
função de resolver conflitos de interesses.
Mas é importante observar, como assevera Ana Paula de Barcellos, que o Poder
Judiciário não é o único órgão encarregado do exercício da função jurisdicional.

No âmbito da Administração Pública há diversas estruturas que levam a cabo um pro-


cesso, com observância do devido processo legal, no qual são decididos conflitos entre
os particulares e a própria Administração Pública, nos quais se discutem atos da Admi-
nistração com os quais os particulares não estejam de acordo: são os chamados meca-
nismos de contencioso administrativo. (BARCELLOS, 2018, p. 467)

Da mesma maneira, a Constituição Federal, conforme você já estudou no


capítulo 4, atribui ao Senado Federal o processo e julgamento do Presidente e
do Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como dos
Ministros de Estado e dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica
nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, de acordo com o artigo 52, I.
Igualmente, no artigo 52, II, cabe ao Senado Federal, processar e julgar os
Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de
Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da
República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade.
Ao Poder Judiciário, órgão concebido dentro do Estado democrático,
são garantidas a autonomia e independência, além da imparcialidade. As re-
gras relativas ao Poder Judiciário estão previstas no artigo 92 ao artigo 126, da
Constituição Federal.

capítulo 5 • 169
Como funções atípicas o Poder Judiciário possui atribuições administrativa
e legislativa. Dessa maneira, ao conceder férias aos serventuários e aos magistra-
dos, o Poder Judiciário exerce função administrativa. Por outro lado, a edição
de normas regimentais é um exemplo de função legislativa desempenhada pelo
Poder Judiciário.

Estatuto da Magistratura

O artigo 93 da Constituição Federal dispõe que Lei Complementar, de inicia-


tiva do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, que
necessariamente deverá obedecer aos princípios estabelecidos no referido disposi-
tivo. Dessa maneira, você deve conhecer alguns desses princípios.
A denominada quarenta de entrada exige do bacharel em direito três anos de
atividade jurídica para o ingresso na magistratura, cujo cargo inicial será o de juiz
substituto, e se dará mediante concurso público de provas e títulos, com a partici-
pação da Ordem dos Advogados do Brasil.

O artigo 59, da Resolução nº 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça, considera


como atividade jurídica: I - aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;
II - o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual
mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado em causas ou questões distintas; III - o
exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a
utilização preponderante de conhecimento jurídico; IV - o exercício da função de conci-
liador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados
especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante
1 (um) ano; e V - o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição
de litígios.

Da mesma maneira, o parágrafo único, do artigo 59, da Resolução nº 75/2009


do Conselho Nacional de Justiça veda, para efeito de comprovação de atividade
jurídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à
obtenção do grau de bacharel em Direito.
A aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o
disposto no artigo 40, da Constituição Federal. Com efeito, em 2015 foi promul-
gada a Emenda Constitucional nº 88, conhecida como Emenda Constitucional da
Bengala, mantendo a aposentadoria compulsória dos servidores públicos aos 70
anos, permitiu que Lei Complementar estabeleça condições para que o servidor
público se aposente aos 75 anos de idade.

capítulo 5 • 170
Entretanto, o artigo 100, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
- ADCT, dispõe que até que entre em vigor a lei complementar de que trata o
inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União
aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas
condições do art. 52 da Constituição Federal.

ATENÇÃO
A ADI 5.316 posposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, pela Asso-
ciação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA e a Associação dos
Juízes Federais do Brasil - AJUFE, ataca a Emenda Constitucional nº 88/2015 em vários
pontos. O plenário do Supremo Tribunal Federal, em maio de 2015, julgou medida cautelar e
consubstanciou o entendimento que:
1. O princípio constitucional da separação dos Poderes (CRFB, art. 2º), cláusula pétrea
inscrita no art. 60, § 4º, III, da Constituição República, revela-se incompatível com arranjos
institucionais que comprometam a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário,
predicados necessários à garantia da justiça e do Estado de Democrático de Direito.
2. A expressão “nas condições do art. 52 da Constituição Federal” contida no art. 100 do
ADCT, introduzido pela EC nº 88/2015, ao sujeitar à confiança política do Poder Legislativo
a permanência no cargo de magistrados do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Supe-
riores e de membros do Tribunal de Contas da União, vulnera as condições materiais neces-
sárias ao exercício imparcial e independente da função jurisdicional.
3. A aposentadoria compulsória de magistrados é tema reservado à lei complementar nacional,
de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, nos termos da regra expressa contida no artigo 93, VI,
da Constituição da República, não havendo que se falar em interesse local, ou mesmo qualquer
singularidade que justifique a atuação legiferante estadual em detrimento da uniformização.
4. A unidade do Poder Judiciário nacional e o princípio da isonomia são compatíveis com
a existência de regra de aposentadoria específica para integrantes do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais Superiores, cujos cargos também apresentam peculiaridades para o
seu provimento.
5. É inconstitucional todo pronunciamento judicial ou administrativo que afaste, amplie ou
reduza a literalidade do comando previsto no art. 100 do ADCT e, com base em neste funda-
mento, assegure a qualquer agente público o exercício das funções relativas a cargo efetivo
ou vitalício após ter completado setenta anos de idade.

capítulo 5 • 171
Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fun-
damentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a pre-
sença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente
a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado
no sigilo não prejudique o interesse público à informação. Já as decisões adminis-
trativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares
tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.
A Constituição Federal também prevê que nos tribunais com número superior
a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo
de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições
administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, pro-
vendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo
tribunal pleno.
A Reforma do Judiciário feita pela Emenda Constitucional nº 45/2004 esta-
beleceu que a atividade jurisdicional deve ser ininterrupta, sendo vedadas as férias
coletivas nos juízos ou tribunais de segundo grau, funcionando juízes em plantão,
nos dias em que não houver expediente forense.
É importante que você saiba que para garantir a imparcialidade dos mem-
bros da magistratura, são estabelecidas, no artigo 95, parágrafo único, IV e V, da
Constituição Federal, as seguintes proibições: a) vedação aos juízes de receber, a
qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades
públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; b) instituição da
denominada quarentena de saída, proibindo membros da magistratura de exercer
a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram por aposentadoria ou exo-
neração pelo prazo de 3 anos. Essas vedações também são dirigidas aos membros
do Ministério Público.

Garantias do Poder Judiciário

A fim de conferir independência e autonomia ao Poder Judiciário, a


Constituição Federal prevê garantias institucionais e garantias funcionais. Pedro
Lenza apresenta esquematicamente essas duas espécies de garantias:

capítulo 5 • 172
Autonomia orgânico-administrativa – art. 96

INSTITUCIONAIS
Autonomia financeira – art. 99

GARANTIAS Independência vitaliciedade


DO JUDICIÁRIO dos órgãos
judiciários – inamovibilidade
art. 95, Irredutibilidade
FUNCIONAIS p. único. I–V de subsídios
OU DE ÓRGÃOS
Imparcialidade
dos órgãos
judiciários – vedações
art. 95,
p. único. I–V

Figura 5.1  –  Espécies de Garantias do Poder Judiciário.


Fonte: Pedro Lenza (2018, p. 783).

As garantias institucionais estão relacionadas à proteção de todo judiciário no


trato com os demais poderes. Dessa forma, o artigo 99, da Constituição Federal dis-
põe que ao Poder Judiciário é assegurada a autonomia administrativa e financeira.
As garantias administrativas possibilitam a gestão, administração e funcionamento
dos Tribunais, sem qualquer ingerência dos demais poderes. Já a autonomia finan-
ceira garante ao Poder Judiciário a elaboração de suas propostas orçamentárias.
Em relação às garantias funcionais ou de órgãos do Poder Judiciário, desti-
nadas aos magistrados, a Constituição Federal prevê a vitaliciedade, a inamovibi-
lidade e a irredutibilidade de subsídio.
A vitaliciedade é a garantia de que o magistrado não pode perder o cargo
senão por decisão judicial transitada em julgado.

ATENÇÃO
Como abrandamento dessa regra, a Constituição Federal permite que os Ministros do
Supremo Tribunal Federal e os membros do Conselho Nacional de Justiça (artigo 52, II)
possam ser processados e julgados pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade.
Portanto, através de decisão do legislativo, tais magistrados podem sofrer impeachment pela
prática de infrações político-administrativas contrárias à Constituição Federal.

capítulo 5 • 173
Segundo o artigo 95, I, da Constituição a vitaliciedade, no primeiro grau, só será
adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de
deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença
judicial transitada em julgado. Perceba que durante os dois anos de estágio probatório,
o juiz poderá ser demitido por deliberação do tribunal ao qual está vinculado.
Os magistrados nomeados para compor os tribunais superiores ou que ingres-
sam pelo quinto constitucional, adquirem a vitaliciedade no momento da posse.
A garantia da inamovibilidade, prevista no artigo 95, II, da Constituição
Federal significa que o magistrado não pode ser promovido ou removido, sem a
sua anuência. Essa regra possui uma exceção que permitirá a mobilidade por mo-
tivo de interesse público e pelo voto da maioria absoluta do respectivo Tribunal
ou do Conselho Nacional de Justiça, sendo assegurada a ampla defesa, conforme
dispõe o artigo 93, VIII, da Constituição.
A irredutibilidade de subsídios também é uma garantia funcional do ma-
gistrado consistente na vedação de estabelecer redução de sua remuneração. Para
Alexandre de Moraes, “o salário, vencimentos, ou como denominado na Emenda
Constitucional nº 19/98, o subsídio do magistrado não pode ser reduzido como
forma de pressão, garantindo-lhe assim o livre exercício de suas atribuições”
(MORAES, 2017, p. 369).

Estrutura do Poder Judiciário

A Constituição Federal assevera no artigo 92 que são órgão do Poder Judiciário:


a) o Supremo Tribunal Federal;
b) o Conselho Nacional de Justiça;
c) o Superior Tribunal de Justiça;
d) o Tribunal Superior do Trabalho;
e) os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
f ) os Tribunais e Juízes do Trabalho;
g) os Tribunais e Juízes Eleitorais;
h) os Tribunais e Juízes Militares e
j) os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

Para os propósitos específicos dessa obra acadêmica, você estudará o funcio-


namento do Supremo Tribunal Federal, o exercício desempenhado pelo Conselho
Nacional de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça.

capítulo 5 • 174
Convém ressaltar que o artigo 98, II, da Constituição Federal, estabelece que
a União, no Distrito Federal e nos territórios, e os Estados criarão a Justiça de Paz
com competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou
em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribui-
ções conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.
No quadro abaixo você pode observar a estrutura organizacional do Poder
Judiciário nacional:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


CNJ

SUPERIOR TRIBUNAL TRIBUNAL SUPERIOR TRIBUNAL SUPERIOR SUPERIOR TRIBUNAL


DE JUSTIÇA DO TRABALHO ELEITORAL MILITAR

TJ TRF TJM TRT TRE

Juízes Juízes Juízes


Juízes de Juízes Juízes
Militares do Militares
Direito Federais Eleitorais
Estaduais Trabalho Federais

Figura 5.2  –  Organização do Poder Judiciário brasileiro.

Cumpre salientar que, de acordo com o disposto no artigo 92, § 2º, da


Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores,
ou seja, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal
Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar, têm sede na Capital Federal e exer-
cem jurisdição sobre todo território nacional.
O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal
Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal Militar
são considerados órgãos de convergência, na medida em que funcionam como
órgãos de cúpula de cada uma das Justiças especiais da União, sendo os responsá-
veis pela decisão definitiva no âmbito de sua atuação, com exceção do controle de
constitucionalidade, exercido com exclusividade pelo Supremo Tribunal Federal
(MASSON, 2016, p. 914).
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça também são
considerados nacionais, porque não pertencem à nenhuma justiça especializada e,
por isso, são encarados como órgãos de superposição, pois suas decisões se sobre-
põem às decisões proferidas pelos órgãos que lhe são inferiores das justiças comum
e especial. Dessa maneira, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal se

capítulo 5 • 175
sobrepõem as decisões tomadas por todas as Justiças e Tribunais, enquanto as de-
cisões do Superior Tribunal de Justiça se sobrepõem às decisões da Justiça Federal
comum, das Justiças dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
O artigo 94, da Constituição Federal prevê o denominado quinto consti-
tucional, segundo o qual 1/5 dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos
Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de mem-
bros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de
notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva
atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação
das respectivas classes.
Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder
Executivo, que, nos vinte dias subsequentes, escolherá um de seus integrantes
para nomeação.
A regra do quinto constitucional também se aplica aos tribunais do trabalho,
conforme dispõem os artigos 111-A, I, e 115, I, da Constituição Federal.

ATENÇÃO
É importante ressaltar que, nem todos os tribunais obedecem à regra do quinto constitu-
cional. Um terço e não um quinto dos membros do STJ, por exemplo, serão escolhidos dentre
advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territó-
rios, alternadamente. Trata-se, portanto, da regra do “terço” e não do quinto constitucional. Da
mesma forma, os membros do Supremo Tribunal Federal são nomeados pelo Presidente da
República. O Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais contam com 2/7
dos membros advindos da advocacia e nenhum representante do Ministério Público (artigos
119, II e 120, III, da Constituição Federal). Em relação ao Superior Tribunal Militar, um quinze
avos dos membros da carreira do Ministério Público da Justiça Militar e três quinze avos pro-
venientes da advocacia (artigo 123, parágrafo único, I e II, da Constituição Federal).

A fim de compreendermos a estrutura do poder judiciário brasileiro e dado


o intuito acadêmico dessa obra, vamos examinar a partir de agora regras referen-
tes ao Supremo Tribunal Federal, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Superior
Tribunal de Justiça.

capítulo 5 • 176
Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, sediado na Capital Federal, é órgão de cúpula


do Poder Judiciário e exerce sua competência sobre todo território nacional. Na
feliz síntese de Uadi Lammêgo Bulos:

O Supremo Tribunal Federal é o oráculo de nossas Constituições, sendo a mais delicada


instituição do regime republicano.
Instituição moderadora, limitadora, que cerca as demais instituições, como uma garantia
de todas, o Supremo foi criado para ser inacessível às influências da desordem, das
paixões, dos interesses e das inclinações corruptíveis.
Por isso, é joia da República, como o é no regime dos Estados Unidos, de onde para aqui
o trouxemos. (BULOS, 2015, p. 1310)

O Tribunal é composto por onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos bra-


sileiros natos, com mais de trinta e cinco anos e menos sessenta e cinco anos de
idade, de notável saber jurídico e de reputação ilibada. Tal composição não se
submete à regra do quinto constitucional.
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal são escolhidos e nomeados pelo
Presidente da República, após a aprovação pela maioria absoluta (artigo 101, pa-
rágrafo único, da Constituição Federal), através de voto secreto, após arguição
pública, pelo Senado Federal (artigo 52, III, “a”, da Constituição Federal).

CURIOSIDADE
Gilmar Ferreira Mendes nos informa que durante o Governo de Floriano Peixoto (1891 a
1894), portanto durante a República, o Senado Federal rejeitou cinco escolhas para Ministro
do Supremo Tribunal Federal: de Barata Ribeiro, de Innocencio Galvão de Queiroz, Ewerton
Quadros, Antonio Sève Navarro e Demosthenes da Silveira Lobo. (MENDES & BRANCO,
2017, p. 867)

MULTIMÍDIA
Assista parte da sabatina realizada pelo Senado Federal, em 2013, que aprovou a esco-
lha do Ministro Luís Roberto Barroso para o Supremo Tribunal Federal:

capítulo 5 • 177
•  https://www.youtube.com/watch?v=jeQQRm2lC4w
•  https://www.youtube.com/watch?v=tEoQg7pqiHo

A competência do Supremo Tribunal Federal está prevista no artigo 102,


da Constituição Federal. Entretanto, conforme preceitua o caput, desse dispo-
sitivo constitucional, cabe ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda
da Constituição.
O artigo 102, da Constituição Federal prevê três espécies de competências do
Supremo Tribunal Federal: a) competência originária (artigo 102, I, “a” até “r”); b)
competência recursal ordinária (artigo 102, II, “a” e “b”); e c) competência recursal
extraordinária (artigo 102, III, “a”, “b” e “c”).
É importante salientar que, em relação à competência originária da Corte, a
jurisprudência é antiga no sentido de que o rol do artigo 102, I, é exaustivo, isto
é, fixado em numerus clausus, sem a possibilidade de extensão a situações ali não
previstas. (LENZA, 2018, p. 807)

A competência originária do STF, por qualificar-se como um complexo de atribuições ju-


risdicionais de extração essencialmente constitucional - e ante o regime de direito estri-
to a que se acha submetida -, não comporta a possibilidade de ser estendida a situações
que extravasem os limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art.
102, I, da Constituição da República. Precedentes. O regime de direito estrito, a que se
submete a definição dessa competência institucional, tem levado o STF, por efeito da
taxatividade do rol constante da Carta Política, a afastar, do âmbito de suas atribuições
jurisdicionais originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que
não se acham inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas,
ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares), mesmo
que instauradas contra o presidente da República ou contra qualquer das autoridades,
que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a
Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição
imediata do Tribunal (CF, art. 102, I, d). [Pet 1.738 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 1º-9-
1999, P, DJ de 1º-10-1999.] = Pet 4.223 AgR, rel. min. Cezar Peluso, j. 18-8-2010, P,
DJE de 2-2-2011.

Entretanto, Gilmar Mendes afirma que o Supremo Tribunal Federal também


exerce uma série de competências implícitas. No seu entendimento, a jurispru-
dência da própria Corte admite a possibilidade de “extensão ou ampliação de sua
competência expressa quando esta resulte implícita no próprio sistema constitu-
cional” (MENDES & BRANCO, 2017, p. 877).
É importante salientar que em relação à competência originária, em 2019, no
Inquérito nº 4435 o Supremo Tribunal Federal adotou e reafirmou o entendimento

capítulo 5 • 178
de que processos relacionados à prática de Caixa dois devem ser enviados à Justiça
Eleitoral. Dessa maneira, segundo o entendimento do STF, a competência não
seria da Justiça Federal quando o processo envolver crimes comuns e Caixa 2 de
campanha eleitoral.
Em relação à competência recursal extraordinária é importante que você tenha
em mente que a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 acrescentou o § 3º, ao artigo
102, da Constituição Federal, segundo o qual: “No recurso extraordinário o recor-
rente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas
no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,
somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.
A demonstração da repercussão geral foi regulamentada pela Lei nº
11.418/2006. Trata-se de verdadeiro limitador ao acesso à Corte, a fim de evitar
que esse órgão julgue questões menos importantes do ponto de vista sociológico.
A lei estabeleceu como critério objetivo para a demonstração da repercussão
geral a existência de decisão contrária à súmula ou à jurisprudência dominante do
Tribunal. Já o Código de Processo Civil determina que:

Artigo 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do re-
curso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão
geral, nos termos deste artigo.
§ 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões
relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os
interesses subjetivos do processo.
§ 2º O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação
exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal.
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que:
I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal;
II - Revogado (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016);
III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos
do art. 97 da Constituição Federal.

Conforme disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o


Presidente da Corte será eleito diretamente pelos seus pares para um mandato de
dois anos, sendo vedada a reeleição. Tradicionalmente, são eleitos para os cargos
de Presidente e Vice-Presidente os dois Ministros mais antigos que ainda não exer-
ceram o cargo.
A Constituição Federal de 1988 ampliou de maneira significativa a compe-
tência originária do Supremo Tribunal Federal, especialmente no que concerne ao

capítulo 5 • 179
controle de constitucionalidade (MENDES & BRANCO, 2017, p. 875). Nesse
aspecto, ao aumentar as atribuições do Supremo Tribunal acerca do controle de
constitucionalidade, o sistema constitucional permitiu o ativismo judicial.
Segundo Oscar Vilhena Vieira, o STF está no centro do nosso sistema político,
fato que demonstra a fragilidade e sensibilidade do nosso sistema representativo
(VIEIRA, 2008, p. 441). O mesmo autor alerta que a hiper-constitucionalização
da vida contemporânea, no entanto, é consequência da desconfiança na democra-
cia e não a sua causa (VIEIRA, 2008, p. 443).
A resolução dos problemas constitucionais do tempo presente deman-
da - sem nenhuma dúvida - o ativismo judicial proporcional, que, no entanto,
não pode extrapolar os limites dos limites impostos pelo núcleo intangível dos
direitos fundamentais.
A garantia desse núcleo mínimo de direitos, bem como o controle intersub-
jetivo da sociedade aberta de intérpretes da Constituição, deve ser pautado por
um ativismo judicial proporcional desempenhado, sobretudo, pelo Supremo
Tribunal Federal.
É nesse sentido que surge a necessidade de uma nova teoria da eficácia consti-
tucional, mais consentânea com a leitura moral do direito e dentro de um quadro
dogmático complexo que envolve temas sensíveis da interpretação constitucional
contemporâneo, tais como: (i) dimensão retórica das decisões judiciais e a segu-
rança jurídica, (ii) limites hermenêuticos do ativismo judicial, (iii) jusfundamen-
talidade material dos direitos sociais submetidos à reserva do possível, (iv) existên-
cia de um núcleo essencial intangível dos direitos constitucionais, e (v) colisão de
normas constitucionais de mesma hierarquia (GÓES & RASGA, 2014, p. 418).
Entretanto, é importante ressaltar que, esta nova visão da hermenêutica cons-
titucional não se confunde com o mero decisionismo judicial, desprovido de
qualquer controle científico-metodológico. Muito pelo contrário, sob a égide da
dogmática pós-positivista, o ativismo judicial é submetido à rigorosa fiscalização
por parte da sociedade aberta de intérpretes da Constituição (GÓES & RASGA,
2014, p. 420).
A escolha final da norma-decisão ou norma-resultado do Supremo Tribunal
Federal depende, sob os influxos do neoconstitucionalismo pós-positivista, de
uma estratégia de interpretação constitucional que leve em consideração os ele-
mentos fáticos do caso concreto (fatos portadores de juridicidade). Em sentido
metafórico, a letra da Constituição é a trilha, mas, nunca o trilho do processo de
tomada de decisões do magistrado ou exegeta constitucional.

capítulo 5 • 180
LEITURA
Sugere-se a leitura do artigo: GÓES, Guilherme Sandoval; RASGA, Mariana de Freitas.
Limites exegéticos do ativismo judicial: por uma estratégia hermenêutica de preservação do
Estado Democrático de Direito. In. CONPEDI (Org). Hermenêutica: XXIII Encontro Nacional
do CONPEDI/UFSC (23: 2014: Florianópolis, SC), p. 416-440. O artigo pode ser lido a partir
de: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=e7803c8c6041d459>;

Conselho Nacional de Justiça

Introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o Conselho Nacional


de Justiça apesar de ser integrante da estrutura do Poder Judiciário, não possui
função jurisdicional. Esse órgão tem por atribuição o exercício do controle da
atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário. Além disso, possui função
fiscalizatória das atividades dos juízes no cumprimento de seus deveres funcionais.
O Conselho Nacional de Justiça é composto por quinze membros, com man-
dato de dois anos, sendo permitida uma única recondução.
Os membros são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprova-
dos pela maioria absoluta do Senado Federal (artigo 103-B, § 2º, da Constituição
Federal). Essa regra não se aplica, entretanto, ao Presidente do Conselho Nacional
de Justiça, que é o Presidente do Supremo Tribunal Federal, e não se submete à
sabatina do Senado Federal.

De acordo com o artigo 103-B, da Constituição Federal, os membros que integram o


Conselho Nacional de Justiça: I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal; II - um Mi-
nistro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal; III - um Ministro
do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal; IV - um desembarga-
dor de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; V - um juiz estadual,
indicado pelo Supremo Tribunal Federal; VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indica-
do pelo Superior Tribunal de Justiça; VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal
de Justiça; VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior
do Trabalho; IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; X - um
membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República;
XI - um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da

República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição esta-
dual; XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil; XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um
pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

capítulo 5 • 181
De acordo com a mudança feita pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009,
nas ausências e impedimentos do Presidente do Conselho Nacional de Justiça pre-
sidirá o órgão o Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal (artigo 103-B, § 1º).
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Ministro-
Corregedor e ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, com-
petindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da
Magistratura, as seguintes: I - receber as reclamações e denúncias, de qualquer
interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários; II - exercer funções
executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral; e III - requisitar e desig-
nar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou
tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios.
O Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil devem oficiar perante o Conselho Nacional de
Justiça (artigo 103-B, § 6º, da Constituição Federal). Entretanto, no julgamento
do Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 25.879, o Supremo Tribunal
Federal entendeu que a ausência destes às sessões do Conselho não importa em
nulidade das mesmas.
Possui atribuição de controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. De acordo com o
artigo 103-B, § 4º, a competência do Conselho Nacional de Justiça não é exaus-
tiva, pois outras atribuições podem ser conferidas pelo Estatuto da Magistratura.

Constitucionalmente são previstas as seguintes atribuições ao Conselho Nacional de


Justiça: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto
da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência,
ou recomendar providências; zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou
mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou
órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que
se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência do Tribunal de Contas da União.

Uma das questões controvertidas que envolvia o Conselho Nacional de Justiça,


dizia respeito à sua competência disciplina e correcional, ou seja, o desempenho de sua
atividade censória em relação a mesma incumbência desempenhada pelo Tribunal local.
É que a Constituição Federal atribui ao Conselho Nacional de Justiça a compe-
tência de receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder
Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores
de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou

capítulo 5 • 182
oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais,
podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a dis-
ponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao
tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa
(artigo 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal).

PERGUNTA
Assim, havia uma discussão em torno da incidência do Princípio da Subsidiariedade
como requisito de atribuição do Conselho Nacional de Justiça em matéria disciplinar, ou seja,
se o órgão atuava complementarmente ao exercício correcional da justiça local.
Enfim, o Conselho Nacional de Justiça atua.

Na visão do Ministro Celso de Mello o exercício, pelo Conselho Nacional


de Justiça, da competência disciplinar que lhe foi atribuída dependeria,
para legitimar-se:

Da estrita observância do postulado da subsidiariedade, de tal modo que a atuação ori-


ginária desse órgão central resultasse, dentre outras situações anômalas, (a) da inércia
dos Tribunais na adoção de medidas de índole administrativo-disciplinar, (b) da simula-
ção investigatória, (c) da indevida procrastinação na prática dos atos de fiscalização e
controle ou (d) da incapacidade de promover, com independência, procedimentos ad-
ministrativos destinados a tornar efetiva a responsabilidade funcional dos magistrados.
(MS 28.801 MC-AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 13-6-2012, P, DJE de 26-11-2012)

Segundo essa visão, em virtude da competência constitucional atribuída ao


Conselho Nacional de Justiça e a previsão de autonomia dos Tribunais, em nome
do Princípio da Unidade da Constituição, é forçosa a conciliação entre a atividade
correcional de ambos órgãos.
Entretanto, no julgamento da ADI 4.638 - DF, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal entendeu que a competência originária do Conselho Nacional
de Justiça advém da Constituição e não se revela subsidiária.
Sobre o tema Nathália Masson assevera que:

capítulo 5 • 183
O STF deixou consignado que a EC nº 45/2004, ao constituir o CNJ, não se limitou a
criar mais um órgão para exercer, concomitantemente, atribuições que estavam sendo
exercidas com deficiência por outros órgãos. A emenda constitucional requalificou, de
maneira substantivam uma dada função, ao atribuir ao novo órgão (o CNJ) posição de
proeminência em relação aos demais.
Essa primazia seria decorrência da circunstância de a própria Constituição ter concedido
ao CNJ extraordinário poder de avocar processos disciplinares em curso nas corregedo-
rias dos Tribunais. (MASSON, 2016, p. 903)

Dessa forma, não faria sentido a aplicação do Princípio da Subsidiariedade


ao Conselho Nacional de Justiça, órgão hierarquicamente superior, que detém a
prerrogativa de avocar, segundo o texto constitucional, processos disciplinares em
curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios
ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções adminis-
trativas aos juízes.
Convém ressaltar que, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se sub-
metem às deliberações do Conselho Nacional de Justiça quanto ao regime polí-
tico-disciplinar, uma vez que a própria Constituição da República prevê normas
especiais para o processo criminal, a ser julgado pelo próprio Supremo (artigo
102, I, “b”) e para o crime de responsabilidade, a ser julgado pelo Senado Federal
(artigo 52, II).
Além das atribuições estudas por você acima, compete ao Conselho Nacional
de Justiça, representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a adminis-
tração pública ou de abuso de autoridade; rever, de ofício ou mediante provoca-
ção, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos
de um ano.
Finalmente são atribuições do Conselho Nacional de Justiça elaborar semes-
tralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade
da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário, e também elaborar rela-
tório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do
Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar men-
sagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso
Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

Superior Tribunal de Justiça

capítulo 5 • 184
O Superior Tribunal de Justiça foi criado pela Constituição de 1988. Trata-se,
como você já estudou, de órgão jurisdicional de convergência e superposição, com
sede na Capital Federal.
É composto, de no mínimo, trinta e três Ministros, que serão nomeados pelo
Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de
sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de apro-
vada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: I - um terço dentre
juízes dos Tribunais Regionais Federais; II - um terço dentre desembargadores dos
Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal;
e III - um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério
Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indi-
cados na forma do art. 94.
Como podemos perceber, ao contrário do que ocorre com os membros do
Supremo Tribunal Federal, a Constituição exige que os Ministros do Superior Tribunal
de Justiça possuam graduação em Direito, uma vez que todos serão, obrigatoriamente,
magistrados, membros do Ministério Público ou advogados.
O artigo 105, da Constituição Federal enumera a competência do Superior
Tribunal de Justiça. A competência do tribunal pode ser dividida em a) originária,
quando o STJ é acionado diretamente, sendo o primeiro órgão a examinar a matéria e
b) recursal, quando o STJ aprecia o caso em grau de recurso, seja ordinário ou especial.
No âmbito da competência originária, compete ao STJ processar e julgar:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes


e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados
e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito
Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do
Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do
Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;
c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencio-
nadas na alínea “a”, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de
Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a compe-
tência da Justiça Eleitoral;
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art.
102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados
a tribunais diversos;

capítulo 5 • 185
e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;
f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de
suas decisões;
g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União,
ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito
Federal, ou entre as deste e da União;
h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atri-
buição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta,
excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da
Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às
cartas rogatórias.

O artigo 105, II, da Constituição Federal prevê a competência recursal


do Superior Tribunal de Justiça, através do recurso ordinário para julgar as
seguintes matérias:
a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais
Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a deci-
são for denegatória;
b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais
Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando dene-
gatória a decisão;
c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de
um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.

Para finalizar, o artigo 105, III, da Constituição da República prevê a com-


petência recursal do Superior Tribunal de Justiça, mediante recurso especial, as
causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais
ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão
recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar
válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal
interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 estabeleceu, no que tange à estrutura
do Superior Tribunal de Justiça, que irão funcionar junto a ele os seguintes ór-
gãos administrativos: I - a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais
para o ingresso e promoção na carreira; e II - o Conselho da Justiça Federal, ca-
bendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da

capítulo 5 • 186
Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com
poderes correcionais, cujas decisões terão caráter vinculante.
É interessante observar também que, a Emenda Constitucional nº 45/2004
introduziu no ordenamento brasileiro o Incidente de Deslocamento de
Competência. Através desse instituto o Superior Tribunal de Justiça poderá trans-
ferir investigações ou processos da Justiça Estadual para a Justiça Federal, nos casos
de graves violações aos direitos humanos. O artigo 109, § 5º, da Constituição
prevê que:

Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República,


com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante
o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de
deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Tal regra tem sido denominada de “federalização” dos crimes contra direi-
tos humanos, já que a competência para o processo e julgamento passa a ser da
Justiça Federal. O primeiro pedido de deslocamento de competência suscitado
pelo Procurador-Geral da República foi o caso da missionária norte-americana
Dorothy Stang, morta em razão de sua atuação contra grileiros de terras no Pará.
Entretanto, o pedido de Incidente de Deslocamento de Competência foi indefe-
rido pelo Superior Tribunal de Justiça, sob o fundamento de que as autoridades
locais, segundo o tribunal, estavam empenhadas na resolução do crime.

EXEMPLO
Outro exemplo de Incidente de Deslocamento de Competência foi o caso de Manoel
Mattos, advogado e Vereador, morto em 2009, após várias ameaças e atentados. Manoel
era conhecido como defensor de direitos humanos e atuava contra grupos de extermínio na
divisa dos Estados da Paraíba e Pernambuco. Esse foi o primeiro Incidente de Deslocamento
de Competência deferido pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo a competência deslo-
cada para a Justiça Federal da Paraíba. Em 2015 dois réus foram condenados pela morte
do advogado.

Apesar de ser um importante instrumento de combate às graves violações dos


direitos humanos e a efetivação dos tratados internacionais assumidos pelo Estado

capítulo 5 • 187
brasileiro, o Incidente de Deslocamento de Competência carece de regulamenta-
ção legal ou regimental que disponha sobre o seu trâmite e processamento. Além
disso, o Superior Tribunal de Justiça, na maioria dos casos, tem indeferido pedidos
de deslocamentos para a Justiça Federal, como por exemplo, no IDC 14, julgado
no final de 2018 pelo STJ, que envolveu a greve de policiais militares do Estado
do Espírito Santo, em 2017, deixando a sociedade capixaba exposta à criminali-
dade causando “insegurança, pânico, intensa violência e caos urbano”. Além da
ocorrência de saques e arrombamentos de estabelecimentos comerciais, atos de
vandalismo e depredação do patrimônio, roubos, queimas de ônibus, tiroteios,
homicídios e conflitos sociais.
Até o presente momento, a jurisprudência do STJ tem construído seus ele-
mentos principais. Nesse sentido, conforme entendimento do próprio tribunal,
o Incidente de Deslocamento de Competência possui natureza processual, com
características de excepcionalidade e de caráter subsidiário.
Conforme você já estudou, o Brasil adota a forma federativa de Estado e, por
isso, é constituído pela união de diversos entes. Em decorrência da denominada
cláusula federal, prevista no artigo 28 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), o Estado brasileiro não pode alegar a
autonomia desses entes federados para se imiscuir de responsabilidade internacio-
nal assumida através de tratado.

Artigo 28 - Cláusula federal


1. Quando se tratar de um Estado-parte constituído como Estado federal, o governo na-
cional do aludido Estado-parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção,
relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial.
2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das
entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as
medidas pertinentes, em conformidade com sua Constituição e com suas leis, a fim de
que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições
cabíveis para o cumprimento desta Convenção.
3. Quando dois ou mais Estados-partes decidirem constituir entre eles uma federação
ou outro tipo de associação, diligenciarão no sentido de que o pacto comunitário respec-
tivo contenha as disposições necessárias para que continuem sendo efetivas no novo
Estado, assim organizado, as normas da presente Convenção.

Observe, com muita atenção, que os requisitos para que o Procurador-Geral


da República possa suscitar o Incidente de Deslocamento de Competência, se-
gundo revela a jurisprudência do Tribunal, são: a) a grave violação de direitos
humanos previsto em tratado internacional do qual signatário o Brasil; b) o risco

capítulo 5 • 188
de responsabilidade internacional do Brasil, em virtude do descumprimento de
obrigações assumidas em tratados internacionais; e c) a evidencia da incapacidade
dos órgãos estaduais para realizar a investigação ou julgamento das graves viola-
ções de direitos humanos.

Poder Executivo

O Poder Executivo, ao lado do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, é in-


dependente e autônomo. Possui, como função típica, a administração do Estado.
Mas, o Poder Executivo também tem atribuições atípicas, ou seja, aquelas que
não compõem sua natureza intrínseca. Nesse sentido, o Poder Executivo desem-
penha atribuições atípicas quando, por exemplo, julga processos administrativos
ou legisla através de medidas provisórias.
Convém perceber que o Poder Executivo Federal, além de desempenhar a
chefia de governo, realiza também a chefia de Estado.
Não resta dúvida que na prática brasileira prestigiamos e damos destaque ao
Chefe do Poder Executivo. Por isso, Gilmar Ferreira Mendes evidencia que:

É recorrente na realidade política brasileira certa hiperpotencialização do executivo, cen-


trado na figura do Presidente da República. Tem-se verificado, eventualmente, instantes
históricos nos quais o Poder Executivo exerce certo predomínio na vida política nacional,
o que é uma das características construídas em nosso modelo político. (MENDES &
BRANCO, 2017, p. 826)

Dessa forma, para fins didáticos também daremos ênfase à função exercida
pelo Presidente da República, pois sendo o chefe do Poder Executivo realiza di-
versas atividades, que englobam desde os atos típicos de chefia de Estado até atos
relativos à chefia de governo.

O Poder Executivo na Constituição Federal de 1988

O artigo 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispôs que:


“No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma
(república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo
ou presidencialismo) que devem vigorar no País.” Realizado o plebiscito, o elei-
torado brasileiro optou por manter o sistema de governo presidencialista, ficando
bem mais caracterizada a separação dos poderes.

capítulo 5 • 189
O exercício do Poder Executivo no Brasil, consagrado pela Constituição de
1988, é partilhado entre todos os entes da federação. É por isso que você estudará
a partir do próximo tópico como isso funciona em nosso Estado.

Poder Executivo no âmbito Federal

O artigo 76 da Constituição Federal assevera que o Poder Executivo da União


é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.
Portanto, o Poder Executivo é cargo unipessoal, desempenhado unicamente pelo
Presidente da República.

Não há dúvidas que o Presidente da República cumpre uma gama de atividades, que
envolvem atos de chefia do Estado, como por exemplo, a personificação da República
Federativa do Brasil em suas relações internacionais e a celebração de tratados interna-
cionais; bem como atos relativos à chefia de governo e da administração em geral, como
o estabelecimento de diretrizes políticas, a participação no processo legislativo através
da iniciativa de projetos de leis e edições de medidas provisórias, a sanção e o veto
aos projetos de leis, a direção das Forças Armadas e o controle das despesas públicas
(MENDES & BRANCO, 2017, p. 826).

Dessa maneira, o Chefe de Estado, no caso brasileiro, incorporado na figura


do Presidente da República, tem a tarefa de representar o Brasil no âmbito inter-
nacional. Como Chefe de Governo, o Presidente da República é o responsável por
comandar a Administração Pública.

O Presidente da República e o Vice-Presidente tomarão posse em sessão do Congres-


so Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição,
observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integrida-
de e a independência do Brasil (artigo 78, da Constituição Federal).

Conforme preceitua o parágrafo único, do artigo 78, da Carta da República, se,


decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente ou o Vice-Presidente,
salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago.

Poder Executivo no âmbito estadual

No âmbito estadual a chefia do Poder Executivo compete ao Governador de


Estado, eleito juntamente com o Vice-Governador, que o substituirá, na hipótese
de impedimento, ou o sucederá, ocorrendo a vacância do cargo.

capítulo 5 • 190
A eleição para do Governador de Estado e seu Vice, será realizada no primeiro domingo
de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se
houver, do ano anterior ao término do mandato. A posse ocorrerá no dia 1º de janeiro,
sendo observado o disposto no artigo 77, da Constituição Federal. O mandato do Gover-
nador é de quatro anos, sendo permitida a reeleição para um único período subsequente.

O Governador de Estado será auxiliado pelos Secretários de Estado, de livre


escolha de nomeação e de exoneração.
Caso ocorra o impedimento simultâneo do Governador e do seu Vice, da
mesma forma que também no caso de vacância dos cargos, de acordo com o prin-
cípio da simetria, a doutrina assevera que serão chamados para ocupar os cargos,
sucessivamente, o Presidente da Assembleia Legislativa e o Presidente do Tribunal
de Justiça estadual.
A Constituição Federal ainda prevê que o Governador do Estado pode propor
perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a
Ação Declaratória de Constitucionalidade, além da legitimidade para propor outras
ações de controle de constitucionalidade previstas na legislação infraconstitucional.

Poder Executivo no âmbito distrital

Da mesma maneira que o ocorre com os Estados, o Distrito Federal terá como
chefe do executivo, um Governador e um Vice-Governador, que serão eleitos, ob-
servadas as regras estabelecidas no artigo 77, da Constituição Federal.
Caso ocorra o impedimento simultâneo do Governador do Distrito Federal
e do seu Vice-Governador, ou até mesmo no caso de vacância desses cargos po-
líticos, da mesma forma que ocorre no âmbito estadual, seguindo o princípio da
simetria, seriam chamados a ocupara o cargo de chefia do executivo, sucessiva-
mente, o Presidente da Câmara Legislativa e o Presidente do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal.
A Constituição Federal prevê expressamente, após a Emenda Constitucional nº
45 de 2004, que o Governador do Distrito Federal pode propor perante o Supremo
Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de
Constitucionalidade, além da legitimidade para propor outras ações de controle
de constitucionalidade, previstas na legislação infraconstitucional. De qualquer
maneira, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, apesar de pos-
suir capacidade postulatória para tanto, ou seja, de não necessitar de um advogado

capítulo 5 • 191
para deflagrar as ações de controle de constitucionalidade, o Governador deve
provar a pertinência temática.
O mandato do Governador distrital e seu Vice será de quatro anos, também
sendo permitida a reeleição para um único período subsequente.

Poder Executivo municipal

No âmbito municipal, o chefe do Poder Executivo será o Prefeito, eleito com


o Vice-Prefeito, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País, para
o mandato de quatro anos.
Em caso de impedimento simultâneo do Prefeito e do Vice-Prefeito ou, em
caso de vacância desses cargos, seria chamado ao exercício da função o Presidente
da Câmara Municipal. A Lei Orgânica do Município deve dispor sobre quem na
sequência, sucederia ao Presidente da Câmara Municipal.
O artigo 29, II, determina que a eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito será rea-
lizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato
dos que devam suceder, aplicadas as regras do artigo 77, no caso de Municípios
com mais de duzentos mil eleitores. A posse do Prefeito e do Vice-Prefeito ocorre-
rá no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição.

Poder Executivo do Território Federal

Como você já estudou anteriormente, o Território Federal não pode ser con-
siderado ente da federação, pois falta a ele o autogoverno, atributo da autonomia
do ente federado. Sendo assim, o chefe do Território Federal será um Governador
nomeado pelo Presidente da República, após a aprovação pelo Senado Federal.

Observe com atenção que o Governador do Território Federal será nomeado e não elei-
to, diferentemente do que ocorre nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, nos
quais são eleitos através de eleições majoritárias.

Perceba também que sob a égide da Constituição de 1988, até o presente mo-
mento, a União não viu a necessidade de criar Territórios Federais que existiam, no
instante da promulgação da Carta da República, isto é, Roraima e Amapá, foram
transformados em Estados Federados, mantidos seus limites geográficos (artigo
14, do ADCT) ou extinto, como o Território Federal de Fernando de Noronha,
sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco (artigo 15, do ADCT).

capítulo 5 • 192
Atribuições do Presidente da República

A chefia do Poder Executivo é unipessoal, ou seja, exercida unicamente pelo


Presidente da República. Como você já sabe, daremos destaque ao Poder Executivo
da União e, por isso, é preciso estudar quais são as funções desempenhadas pelo
Presidente da República.
Com efeito, o artigo 84, da Constituição Federal prevê as atribuições do
Presidente da República, ora no exercício das atividades de Chefe de Estado,
ora como Chefe de Governo. Nesse sentido, ao descrever essa dupla função do
Presidente da República, Alexandre de Moraes explica que:

Assim, como chefe de Estado, o presidente representa, pois, nas suas relações interna-
cionais (art. 84, VII e VIII, XIX), bem como corporifica, a unidade interna do Estado.
Como chefe de Governo, a função presidencial corresponde à representação interna, na
gerência dos negócios internos, tanto os de natureza política (participação no processo
legislativo), como nos de natureza eminentemente administrativa (art. 84, I, II, III, IV, V, VI,
IX a XXVII). Assim, o Chefe de Governo exercerá a liderança da política nacional, pela
orientação das decisões gerais e pela direção da máquina administrativa. (MORAES,
2017, p. 347)

Assim, compete privativamente ao Presidente da República, nomear e exo-


nerar os Ministros de Estado; exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a
direção superior da administração federal; iniciar o processo legislativo, na forma
e nos casos previstos na Constituição; sancionar, promulgar e fazer publicar as leis,
bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; vetar projetos
de lei, total ou parcialmente.
Além disso, dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funciona-
mento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem
criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públi-
cos, quando vagos; e manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus
representantes diplomáticos.

Da mesma maneira, compete ao Presidente da República celebrar tratados, convenções


e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; decretar o estado de
defesa e o estado de sítio; decretar e executar a intervenção federal; remeter mensagem
e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legisla-
tiva, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias;
conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos
em lei; exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da

capítulo 5 • 193
Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los
para os cargos que lhes são privativos.

Também compete ao Presidente da República nomear, após aprovação pelo


Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais
Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o
presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determina-
do em lei; nomear, observado o disposto no artigo 73, os Ministros do Tribunal de
Contas da União; nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição,
e o Advogado-Geral da União; nomear membros do Conselho da República, nos
termos do artigo 89, VII.

Da mesma forma, compete ainda ao Presidente, convocar e presidir o Conselho da Re-


pública e o Conselho de Defesa Nacional; declarar guerra, no caso de agressão estran-
geira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no
intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcial-
mente, a mobilização nacional.

Por fim, o Presidente tem a atribuição de celebrar a paz, autorizado ou com


o referendo do Congresso Nacional; conferir condecorações e distinções honorí-
ficas; permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras
transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; enviar
ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamen-
tárias e as propostas de orçamento previstos na Constituição; prestar, anualmente,
ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislati-
va, as contas referentes ao exercício anterior; prover e extinguir os cargos públicos
federais, na forma da lei; editar medidas provisórias com força de lei, nos termos
do artigo 62 e exercer outras atribuições previstas na Constituição.

Vice-Presidente da República

A existência da Vice-presidência da República advém da construção do direito


norte-americano e a sua função foi tratada, inicialmente, como pouca deferên-
cia, sendo o ocupante do cargo denominado de “homem esquecido da América”
(forgotten man in America), “Sua Alteza Supérflua” (Superfluous Highness) ou “peça
decorativa das constituições” (BULOS, 2015, p. 1248).

capítulo 5 • 194
Na visão de Alexandre de Moraes, tanto nos Estados Unidos como no Brasil,
o cargo de Vice-Presidente da República sempre fomentou críticas, pois segundo
o autor, a função não apresentaria grande importância política momentânea e a
sua escolha não despertaria interesse do eleitorado, servindo apenas como um
personagem para conciliação de interesses partidários ou de acerto de coligações
políticas (MORAES, 2017, p. 351).

Entretanto, a Constituição de 1988 imprimiu relevância à função desempenhada pelo


Vice-Presidente, ao destacar que ele substituirá o Presidente da República, no caso
de impedimento, e será o seu sucessor, na hipótese de vacância definitiva do cargo. O
parágrafo único do artigo 79, da Constituição dispõe que além de outras atribuições que
lhe forem conferidas por lei complementar, o Vice-Presidente da República auxiliará o
Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais.

Não resta dúvida que o Vice-Presidente da República favorece composições


políticas e fornece maiores condições de governabilidade. Mas não são somente
esses fatores que determinam a importância do cargo. De fato, o Vice-Presidente
precisa ser pessoa de alta confiança do Presidente da República.
Curioso notar que na vigência da Constituição de 1946, o Presidente e o Vice-
Presidente da República eram eleitos separadamente, porém, simultaneamente em
todo o país.

CURIOSIDADE
Na prática recente do constitucionalismo brasileiro, vimos o Vice-Presidente João Gou-
lart assumindo o cargo de Presidente diante da renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Em
virtude da morte do Presidente Tancredo Neves, em 1985, assumiu o Vice-Presidente, José
Sarney. Em 1992, em decorrência do impeachment sofrido por Fernando Collor, o Vice-Pre-
sidente Itamar Franco assumiu o cargo. Da mesma maneira, em 2016, em razão do impeach-
ment de Dilma Rousseff, assumiu a Presidência o seu Vice, Michel Temer.

Portanto, a existência do cargo de Vice-Presidente da República tem demons-


trado, na prática, sua relevância, seja para auxiliar o Presidente da República, em
missões especiais (artigo 79, parágrafo único, da Constituição Federal), seja para
substituir ou suceder o Presidente, no caso de impedimento ou vacância respecti-
vamente (artigos 79, caput e 80, da Constituição Federal). Por isso, não faz qual-
quer sentido enxergar o Vice-Presidente como figura decorativa ou desnecessária.

capítulo 5 • 195
A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele
registrado (artigo 77, §1º, da Constituição). Isso significa que o Vice-Presidente
deve ser registrado com o Presidente para ser eleito. O Vice-Presidente ainda par-
ticipará dos Conselhos da República e da Defesa Nacional, como membro nato.

Impedimento do Presidente da República e Vacância do cargo

Os afastamentos temporários do Presidente da República são denominados


impedimentos. Eles ocorrem quando, por exemplo, o chefe do executivo está em
viagem ou em tratamento de saúde. Por sua vez, a vacância do cargo de Presidente
da República ocorre quando se torna impossível exercer a função em decorrência,
por exemplo, de morte, renúncia ou perda do cargo.

CURIOSIDADE
Na história recente do constitucionalismo brasileiro, a vacância se deu por morte dos
Presidentes Getúlio Vargas e Tancredo Neves. Por renúncia, podemos lembrar de Jânio Qua-
dros e Fernando Collor de Mello, que renunciou no momento que se submetia ao primeiro
processo de impeachment no país. Em 2016, Dilma Rousseff tornou-se a segunda pessoa a
sofrer impeachment no Brasil enquanto exercia o cargo de Presidente da República.

O Vice-Presidente da República, como você já sabe, é o substituto e o sucessor


natural e primário do Presidente da República.
Entretanto, Gilmar Ferreira Mendes levanta a hipótese de o Vice-Presidente
ser nomeado como Ministro de Estado, já que inexiste óbice para tal designação.
Entretanto, evidentemente, caso tenha de substituir o Presidente da República,
o Vice-Presidente ocupante do cargo de Ministro de Estado, deverá se licenciar
dessa função (MENDES & BRANCO, 2017, p. 830).
Uma outra questão levantada pela doutrina é saber quem sucede ou substitui
o Vice-Presidente da República em caso de impedimento ou vacância do cargo.
Nesse sentido, Nathália Masson assevera que:

se somente o Vice-Presidente precisa se ausentar provisoriamente de suas funções,


não há nenhum dispositivo na Constituição determinando assunção interina do cargo
por outrem, o que nos permite concluir que o Presidente governará sozinho enquanto

capítulo 5 • 196
durar o afastamento do Vice. Do mesmo modo, se o Vice deixa o cargo vago, o Presi-
dente seguirá governando, sozinho, até o encerramento do mandato, sem que novas
eleições sejam feiras para preencher o cargo de Vice. (MASSON, 2016, p. 832)

No caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância


dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência
os Presidentes da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo
Tribunal Federal, conforme determina o artigo 80, da Constituição Federal.
Observe, com atenção que, a linha de substituição presidencial deve ser acionada
na exata ordem determinada pela Carta da República.
Observe também que, como o Vice-Presidente é o único legitimado para
suceder o Presidente da República, ou seja, ocupar o cargo definitivamente, os
Presidentes da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo
Tribunal Federal somente assumirão o cargo de Presidente da República provi-
soriamente, até que o Presidente ou o Vice-Presidente da República retornem
ao cargo.
Entretanto, no caso de vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente
da República, deverá ser realizada eleição noventa dias depois de aberta a última
vaga (artigo 81, caput, da Constituição Federal). Da mesma maneira, até que seja
realizada a eleição, assumirão provisoriamente o cargo de Presidente da República,
sucessivamente os Presidentes da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e
o do Supremo Tribunal Federal. É por isso que essas autoridades são denominadas
substitutos eventuais do Presidente da República, afinal não podem assumir o
cargo de Presidente da República definitivamente.
Se, no entanto, a vacância se der nos últimos dois anos do período presiden-
cial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo
Congresso Nacional, na forma da lei. Em qualquer dos casos, os eleitos deverão
completar o período de seus antecessores.

É importante asseverar que o artigo 83, da Constituição Federal, dispõe que o Presiden-
te e o Vice-Presidente da República não poderão, sem licença do Congresso Nacional,
ausentar-se do País por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo.

Segundo o entendimento dominante, a ausência do país pelo prazo superior a


quinze dias, sem a devida licença do Congresso Nacional, equivale à renúncia do
cargo. Em homenagem ao princípio da simetria, o Supremo Tribunal Federal tem
considerado que tal regra deve ser observada também em âmbito estadual.

capítulo 5 • 197
Ministros de Estado

Na realidade constitucional brasileira, os Ministros de Estado são auxiliares do


Presidente da República, de livre nomeação e exoneração.
Para ser Ministro de Estado, a Constituição Federal prevê alguns requisitos.
Inicialmente, ser brasileiro nato ou naturalizado, incluindo aqui os portugueses
equiparados. Em relação ao cargo de Ministro da Defesa, a Constituição exige que
seja ocupado por brasileiro nato.
Além disso, segundo a regra estabelecida no caput do artigo 87, da Constituição
Federal, para ser Ministro de Estado é necessário ser maior de vinte e um anos e
estar no pleno exercício dos direitos políticos.
As atribuições dos Ministros de Estado estão previstas no artigo 87, parágrafo
único, em um rol exemplificado. Assim, compete ao Ministro de Estado, além de
outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei: exercer a orientação,
coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área
de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da
República; expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;
apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério;
praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas
pelo Presidente da República.
De acordo com a Constituição da República, podem ser julgados por crimes
de responsabilidade em algumas situações, quando: a) convocados pela Câmara
dos Deputados, pelo Senado Federal ou qualquer de suas Comissões, para prestar,
pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado e inerentes às
suas atribuições e deixarem de comparecer, salvo justificação adequada (artigos 50,
caput, e 58, III) ou b) as Mesas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal
encaminharem pedidos escritos de informação aos Ministros de Estado e estes se
recusarem a fornecê-las, não atenderem ao pedido no prazo de 30 dias, ou pres-
tarem informações falsas (artigo 50, § 2.º) e c) praticarem crimes de responsabili-
dade conexos e da mesma natureza com os crimes de responsabilidade praticados
pelo Presidente da República (artigo 52, I, c/c o artigo 85).

Imunidades do Presidente da República

A Constituição Federal não prevê para o Presidente da República as mesmas


imunidades concedidas aos congressistas, como por exemplo, a inviolabilidade

capítulo 5 • 198
em relação às palavras e opiniões. Contudo, estipula uma série de prerrogativas
relacionadas à prisão, ao processo e à imunidade temporária de responsabili-
dade penal, em virtude de atos estranhos à função presidencial, durante a vigência
do mandato.
Em relação à prisão, a Constituição dispõe que enquanto não sobrevier sen-
tença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará
sujeito a ela, qualquer que seja a modalidade processual existente, como a prisão
em flagrante, provisória ou temporária.
No que diz respeito ao processo, para que seja admitida a acusação contra o
Presidente da República, seja pela prática de crime comum como pela prática de
crime de responsabilidade, há necessidade da autorização, por 2/3 dos membros
da Câmara dos Deputados.
Quanto à imunidade temporária de responsabilidade penal, a Constituição
prevê que o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser
responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (artigo 86, § 4º).
Dessa maneira, não pode o Presidente da República ser responsabilizado pela prá-
tica e crimes que nada tem a ver com o exercício de suas funções. Por isso, não
havendo conexão entre o crime e a função desempenhada pelo Presidente, a res-
ponsabilidade somente pode ser apurada após o término do mandato.
Observe com a devida atenção que, a regra sobre a imunidade temporária de
responsabilidade penal não significa ausência de responsabilidade do Presidente
da República, pois ao final do mandato responderá pelos crimes praticados.
É importante destacar que, segundo entendimento do Supremo Tribunal
Federal, não se aplicam aos Governadores dos Estados as prerrogativas da imunida-
de temporária de responsabilidade penal previstas para o Presidente da República,
pois tais prerrogativas decorrem da função de Chefe de Estado desempenhada
pelo Presidente.

Os Estados-membros não podem reproduzir em suas próprias Constituições o conteúdo


normativo dos preceitos inscritos no art. 86, § 3° e 4°, da Carta Federal, pois as prer-
rogativas contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental - por serem unicamente
compatíveis com a condição institucional de Chefe de Estado - são apenas extensíveis
ao presidente da República. (Supremo Tribunal Federal, ADI 978-PB)

Entretanto, quanto ao processo, relativamente à autorização do Poder


Legislativo para a admissibilidade da acusação contra o Chefe do Executivo, o
Supremo Tribunal Federal entende que tal prerrogativa foi concedida ao Presidente

capítulo 5 • 199
da República, enquanto Chefe de Governo e não Chefe de Estado. Por isso, nada
impede que tal imunidade seja extensível aos Governadores dos Estados e do
Distrito Federal.

Responsabilidade do Presidente da República

Inerente à característica da República, a responsabilidade do governante deve


estar presente, tanto pela prática de crimes comuns, como pelo cometimento de
crimes de responsabilidade.

CONCEITO
Entende-se por crime comum qualquer infração penal, desde a contravenção penal ao
crime doloso contra a vida, inclusive os crimes eleitorais. Por crime de responsabilidade, com-
preende-se a infração político-administrativa que acarreta o impeachment do Presidente da
República, como por exemplo, previstos no artigo 85, da Constituição Federal. De fato, tal
dispositivo constitucional prevê que são crimes de responsabilidade os atos do Presiden-
te da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a
existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Minis-
tério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos
direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na
administração; VI - a lei orçamentária; e VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

O Supremo Tribunal Federal é órgão competente para processar e julgar, nas


infrações penais comuns, o Presidente da República e o Vice-Presidente. Trata-se
de foro por prerrogativa de função.
Perceba que, se o Supremo Tribunal Federal receber a denúncia ou queixa
contra o Presidente da República, em conformidade com o artigo 86, § 1º, I, da
Constituição Federal, o Chefe do Executivo ficará suspenso de suas funções por
até cento e oitenta dias. Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamen-
to não estiver concluído no Supremo Tribunal Federal, cessará o afastamento do
Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
Somente se a decisão do Supremo Tribunal Federal for condenatória, poderá o
Presidente da República ser preso, pois como você já sabe, de acordo com a regra
estabelecida no artigo 86, § 3º, da Constituição Federal, enquanto não sobrevier

capítulo 5 • 200
sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não es-
tará sujeito à prisão.
No que concerne ao crime de responsabilidade, de acordo com o que dis-
põe os artigos 86, caput combinado com o artigo 52, I, da Constituição Federal,
compete ao Senado Federal, no exercício de função atípica, processar e julgar o
Presidente da República.
Iniciado o processo no Senado Federal, após a denúncia ter sido admitida em
juízo político por 2/3 da Câmara dos Deputados, o Presidente da República ficará
suspenso de suas funções pelo prazo de até cento e oitenta dias. Se, decorrido esse
prazo, o julgamento não estiver concluído no Senado Federal, cessará o afastamen-
to do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
O Senado Federal atuará como um órgão julgador híbrido, pois conforme
preceitua o parágrafo único do artigo 52, da Constituição Federal, no processo e
julgamento do Presidente da República pelo Senado Federal, nos crimes de res-
ponsabilidade, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limi-
tando-se à condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do
Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício
de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

ATIVIDADES
01. É possível que Lei Estadual obrigue o Presidente do Tribunal de Contas do Estado e
do Município, assim como o Presidente do Tribunal de Justiça, a prestar esclarecimentos ao
Poder Legislativo local sobre fatos ocorridos, importando a recusa em crime de responsabili-
dade? Fundamente integralmente sua resposta.

02. Sobre os temas Poder Executivo e Poder Judiciário, assinale a alternativa que contém
os itens corretos:
I. Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente a extradição
solicitada por Estado estrangeiro;
II. O Supremo Tribunal Federal é composto por 15 Ministros, escolhidos dentre cidadãos
brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos e menos sessenta e cinco anos de idade,
de notável saber jurídico e de reputação ilibada;
III. O quinto constitucional, significa que 1/5 dos lugares dos Tribunais Regionais Federais,
dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do
Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídi-

capítulo 5 • 201
co e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados
em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes;
IV. Compete privativamente ao Presidente da República nomear, após aprovação pelo Se-
nado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Go-
vernadores de Territórios, o Procurador-Geral da República e o Procurador-Geral do Ministé-
rio Público estadual.
a) Apenas os itens I e II estão corretos. d) Apenas os itens II, III e IV estão corretos.
b) Apenas os itens I e III estão corretos. e) Apenas o item IV está correto.
c) Apenas os itens I, II e IV estão corretos.

03. Peruíbe foi eleito deputado federal em 2018 pelo Estado de Mato Grosso. Entretanto,
logo após o início da atual legislatura, foi nomeado Ministro de Estado pelo Presidente da Re-
pública. Ocorre que, através de interceptações telefônicas autorizadas pelo Poder Judiciário,
para investigar a suposta prática de tráfico de influência em licitações federais e a realiza-
ção de “Caixa 2”, pelo então candidato, nas campanhas eleitorais. Surgiram também indícios
de que sua campanha foi parcialmente financiada com dinheiro ilícito, caracterizando crime
eleitoral. Diante da situação hipoteticamente descrita, deverá o Ministério Publico oferecer
denúncia à justiça eleitoral?

REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou o perfil do Poder Judiciário nacional, composto por vários
órgãos, dentro de uma vasta estrutura organizacional. Na sequência verificamos as regras
estabelecidas pelo estatuto da magistratura e as garantias constitucionais conferidas aos
membros do Poder Judiciário brasileiro, divididas em garantias institucionais e garantias fun-
cionais. Em decorrência dessa disposição do sistema constitucional brasileiro, percebemos
que ao Supremo Tribunal Federal é conferida à guarda da Constituição Federal. Portanto, há
inúmeras atribuições a esse órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Percebemos ainda que dentro dessa vasta estrutura, existe o Conselho Nacional de Justi-
ça, órgão criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que apesar de integrante do Poder
Judiciário, não possui função jurisdicional. Foi examinado na sequência o funcionamento do
Superior Tribunal de Justiça, órgão resultante da criação trazida pela Constituição de 1988.
Na segunda parte do capítulo, estudamos o Poder Executivo na Constituição de 1988.
Vimos o desempenho das funções típicas e atípicas desse poder. Percebemos claramente
que o Poder Executivo Federal, além de desempenhar a chefia de governo, realiza também
a chefia de Estado.

capítulo 5 • 202
Demos ênfase ao estudo do Poder Executivo federal, sem negligenciar à menção aos
poderes executivo distrital, estadual, municipal, bem como o territorial. Vimos que o Poder
Executivo federal é chefiado pelo Presidente da República e que a Constituição Federal,
prevê as suas atribuições do Presidente da República.
Observamos também a atuação do Vice-presidência da República, que é peça fundamental
e que favorece composições políticas, fornecendo maiores condições de governabilidade.
Estudamos os afastamentos temporários do Presidente da República que são deno-
minados “impedimentos” do Chefe do Poder Executivo. Tratamos também dos Ministros de
Estado, como auxiliares do Presidente da República, de sua livre nomeação e exoneração. Na
sequência enumeramos suas atribuições constitucionais.
As imunidades do Presidente da República também foram objeto de nosso estudo nes-
se último capítulo. Por isso, vimos as prerrogativas relacionadas à prisão, ao processo e à
imunidade temporária de responsabilidade penal, em virtude de atos estranhos à função
presidencial, durante a vigência do mandato. Finalmente, estudamos a responsabilidade do
Presidente da República na estrutura imposta pelo regime constitucional vigente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:
Livraria Almedina, 1993.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Bahia: JusPODIVM, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2017.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2017.
PIRES, Antonio Fernando. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2016.
SILVA E NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2014.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017.
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista GV, São Paulo, v. 8, n. 4. p. 441-464, jul./dez. 2008.

capítulo 5 • 203
GABARITO
Capítulo 1

01. Letra b. Para os jusnaturalistas o poder constituinte seria fundado no direito natural e,
portanto, considerado um direito de criação do Estado. Nessa perspectiva o poder constituin-
te caracteriza-se como permanente, inalienável e incondicionado, sendo algo que existe an-
tes mesmo da Nação. Por outro lado, em contraposição a esse pensamento, para os jusposi-
tivistas, seria inconcebível a existência do direito antes do Estado. Assim, o poder constituinte
seria um poder de fato, uma vez que antes do Estado nada existiria juridicamente, somente
fatos decorrentes do fenômeno social.

02. As palavras destacadas abaixo constam no caça palavras e respondem às indaga-


ções feitas.
a) O teórico que formulou o sentido político de constituição foi Carl Schmitt.
b) Rígida é a Constituição que pode ser modificada, mas exige um processo rigoroso para
sua alteração.
c) O poder constituinte originário possui capacidade para elaborar a Constituição do
Estado nacional.
d) No caça palavras essa hipótese é a intervenção federal que constitui uma espécie de
limitação circunstancial ao poder de reforma constitucional.
e) Ferdinand Lassalle foi o responsável por elaborar o sentido de Constituição sociológica.
f) O sentido culturalista de constituição surge como produto de um fato cultural, que leva
ao conceito de Constituição Total.

capítulo 5 • 204
Capítulo 2

01. Preencha as palavras-cruzadas abaixo, de acordo com o enunciado sobre a teoria da


eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.

2.
1. B A S T A N T E E M S I
X 3.
5. A A
4. I N S T I T U T I V A P
H R L
6. V E Z I O C R I S A F U L L I
M D C
7. E F I C Á C I A A A
8. S Ç
P R O G R A M A T I C A 9. 10. Ã
L O R S O
E 11. O E E
N 12. C L S T
A A U T O E X E C U T Á V E L
B N Y R
S T 13. L I M I T A D A
O I N
L D G
U A I
T V
A E
L

Respostas comentadas

Horizontais:
1. Pontes de Miranda entendia que essa espécie de norma não necessita de regulamentação posterior.
Resposta: Seguindo os passos de Thomas Cooley, Pontes de Miranda dizia que a norma bastante
em si não necessitava de lei posterior.
4. Norma constitucional limitada que visa instituir órgão ou pessoa.
Resposta: Essa é uma espécie de norma constitucional de norma constitucional de eficácia limi-
tada. Portanto, a resposta é: institutiva. Nesse caso, a norma constitucional visa dar corpo a órgão ou
pessoa, como por exemplo, a regra do artigo 18, §4º, da Constituição Federal de 1988, que tem por
propósito instituir os municípios. Perceba que essa regra depende de complementação, como qualquer
norma que se caracterize como norma constitucional de eficácia limitada.

capítulo 5 • 205
6. Nome do autor italiano que aperfeiçoou as ideias do jurista Gaetano Azzaritti.
Resposta: Vezio Crisafulli. Esse jurista constitucionalista italiano nasceu em Gênova, em 1910. Foi
professor de direito público, direito constitucional e justiça constitucional nas Universidades de Urbino,
Trieste, Pádua e Roma. Em 1968 foi nomeado membro do Tribunal Constitucional. Morreu aos 75 anos
em Roma.
7. Toda norma constitucional possui.
Resposta: Como estudado, toda e qualquer norma constitucional possui eficácia, ou seja, capacida-
de para operar todos os seus efeitos no mundo.
8. Norma constitucional limitada que visa implementar metas ou programas do Estado. Resposta:
Essa é uma espécie de norma constitucional de norma constitucional de eficácia limitada. Portanto a
resposta é: programática. Nesse caso, a norma constitucional visa alcançar no futuro um programa ou
meta do Estado.
12. Rui Barbosa dizia que tal espécie de norma equivaleria a self-executing provisions, de
Thomas Cooley.
Resposta: Rui Barbosa, estudioso do direito norte-americano, foi o responsável por trazer para o
Brasil a teoria de Thomas Cooley. Assim, ele afirmava que a norma auto executável equivaleria à self-
-executing provisions, do americano Thomas Cooley.
13. Norma que necessita de complementação pelo legislador ordinário.
Resposta: Seguindo a teoria de José Afonso da Silva, a norma que necessita de complementação
é a de eficácia limitada, ou seja, o legislador ordinário (infraconstitucional) tem a tarefa de complementar
o seu conteúdo.

Verticais:
2. Norma constitucional que já extinguiu a produção de seus efeitos.
Resposta: Segundo Uadi Lammêgo Bulos, existem normas esvaídas e normas de eficácia exaurida,
que é aplicabilidade esgotada, ou seja, aquelas que já produziram completamente todos os seus efeitos.
3. Norma apta a produzir todos os seus efeitos, segundo a classificação de Celso Ribeiro Bastos e
Ayres Britto.
Resposta: Segundo esses autores, a norma de aplicação, desde o seu nascimento estaria apta
a produzir seus efeitos, sem a necessidade de lei ordinária para sua complementação. Essa norma é
bipartida em: a) irregulamentável, ou seja, incide diretamente sobre os fatos regulados, não havendo
necessidade de regulamentação por parte do legislador; b) regulamentável, isto é, a norma que permite
o seu desdobramento através de outras normas regulamentadoras.
5. Autor da classificação da norma constitucional em self-executing provisions e not
self-executing provisions.
Resposta: É o norte americano Thomas Cooley, nascido em Nova York, em 1824. Thomas Mclntyre
Cooley, publicou em 1868 a obra referencial intitulada de “A treatise on the constitutional limitations whi-
ch rest upon the Legislative Power of the States of the American Union”, na qual classificou as normas
constitucionais em self-executing provisions e not self-executing provisions, influenciando a doutrina nos
países de tradição constitucionalista.

capítulo 5 • 206
8. Possui aplicabilidade direta, imediata e integral: Norma constitucional de eficácia “...”
Resposta: Plena. Tal denominação foi o resultado da teoria de José Afonso da Silva, para quem
essa norma não necessita de complementação posterior.
9. Denominação de norma constitucional de eficácia contida dada por Maria Helena Diniz.
Resposta: Maria Helena Diniz foi responsável aperfeiçoar a teoria de José Afonso da Silva. Além
de perceber a existência de normas absolutas, ou seja, as denominadas cláusulas pétreas, alterou a
nomenclatura “eficácia contida” para “eficácia restringível”.
10. Número de dispositivos constitucionais da Constituição dos Estados Unidos.
Resposta: Como estudado, a Constituição dos Estados Unidos é composta por sete artigos e foi
aprovada pela Convenção da Filadélfia em 17 de setembro de 1787. Por isso, é considerada a mais curta
constituição escrita em vigor.
11. Diz-se da norma constitucional que pode ter seus efeitos restringidos pelo legislador ordinário.
Resposta: Essa espécie de norma, segundo a classificação de José Afonso da Silva, é a contida, ou
seja, a própria Constituição autoriza o legislador infraconstitucional restringir o alcance e o conteúdo da
norma constitucional, sem que com isso haja qualquer espécie de inconstitucionalidade. Como exemplo
podemos citar o artigo 5º, XIII, da Constituição.
12. Sinônimo de norma constitucional supereficaz.
Resposta: Segundo a classificação de Maria Helena Diniz, a norma absoluta é sinônimo de
norma supereficaz, ou seja, é aquela norma que não pode ser suprimida pelo poder constituinte
derivado reformador.

02. No Brasil, há diversos precedentes que demonstraram a aplicação da teoria da eficácia


horizontal dos direitos fundamentais, como: a) RE 161.243-6, no qual em decorrência da
discriminação de empregado brasileiro em relação a empregado francês em empresa estran-
geira, o judiciário determinou a aplicação do princípio da isonomia; b) HC 12.547, do STJ, em
virtude de prisão civil por descumprimento de contrato, o judiciário determinou a aplicação
do princípio da dignidade da pessoa humana; c) RE 160.222-8 analisou o constrangimento
ilegal em decorrência de revista íntima em mulheres em fábrica de lingerie, embora o recurso
tenha sido julgado prejudicado.
Existe um número considerável de terminologias empregadas como sinônimas de direi-
tos fundamentais, como por exemplo, direitos do homem, direitos públicos subjetivos, direitos
humanos, liberdades públicas, direitos fundamentais e direitos humanos fundamentais. A
própria Constituição Federal brasileira utiliza inúmeras nomenclaturas a fim de designar o
conteúdo do direito a ser protegido.
De qualquer maneira, a expressão “direitos humanos” é mais usada nos documentos
internacionais. Mas há também quem faça a distinção entre direitos naturais e direitos funda-
mentais. O importante é perceber que os direitos fundamentais são direitos humanos consti-
tucionalizados, ou seja, positivados em dada constituição nacional.

capítulo 5 • 207
Capítulo 3

01.

1. P U N I Ç Ã O
R
2. D E R I V A D A
V
3. 4. A 5.
F A C P
É T I O
R I 6. I N D I V I D U A L
I V A I
7. A P A T R I D I A P
S E 8. S O C I A L
T
R
I
9. I G U A L D A D E
I
10. T O R T U R A

Respostas comentadas

Horizontais:
1. Espécie de perda da nacionalidade de brasileiro naturalizado que tiver cancelada a sua naturaliza-
ção, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional.
Resposta: PUNIÇÃO. Quanto à perda da nacionalidade brasileira, o artigo 12, § 4°, da Constituição
Federal, prevê duas hipóteses. O artigo 12, § 4°, I, da Constituição destina-se ao brasileiro naturali-
zado que tiver cancelada a sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao
interesse nacional.
2. Espécie de nacionalidade adquirida após o nascimento via processo de naturalização.
Resposta: DERIVADA. Essa nacionalidade é adquirida após o nascimento e está prevista no art. 12,
II, da Constituição casos de aquisição da nacionalidade via processo de naturalização. A nacionalidade
derivada se perfaz mediante à vontade do indivíduo e à aquiescência do Estado.
6. A proibição de extradição passiva de brasileiro nato, consiste em qual espécie de
direito fundamental?
Resposta: INDIVIDUAL. Trata-se de direito individual previsto no artigo 5, LI, da Constituição Fede-
ral. Essa espécie de cooperação jurídica internacional denomina-se extradição passiva.

capítulo 5 • 208
7. Situação na qual a pessoa não possui qualquer nacionalidade. É o caso de conflito negativo
de nacionalidade.
Resposta: APATRIDIA. Diante da existência e da dessemelhança dos critérios ius soli e do ius san-
guinis, adotados livremente pelos Estados, em decorrência do seu poder soberano, uma pessoa pode ser
considerada apátrida se não concorrer para qualquer nacionalidade.
8. O direito ao salário mínimo é considerado que espécie de direito fundamental?
Resposta: SOCIAL. O salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, e capaz de atender
as suas necessidades básicas e às de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo é considerado um direito social individual do trabalhador.
9. Quando o STF decidiu a respeito do Programa Universidade para todos - PROUNI, instituído
pela Medida Provisória nº 213 de 10 de setembro de 2004 e posteriormente convertida na Lei nº
11.096/2005, procurou assegurar que tipo de direito?
Resposta: IGUALDADE. Quando o STF julgou, constitucional a Lei que instituiu o PROUNI, promo-
veu a igualdade material, por ser a Lei uma medida de inserção social e cumprimento do artigo 205 da
Constituição Federal.
10. A Constituição veda essa prática e diz que a lei considerará a sua prática crime inafiançável e
insuscetível de graça ou anistia.
Resposta: TORTURA. Textualmente o artigo 5º, III, da Constituição Federal dispõe que: “ninguém
será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e no artigo 5º, XLIII “a lei con-
siderará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo
os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.”

Verticais:
1. Direito individual que tem a ver com a relação da pessoa como o meio social, sem haver interesse
público na sua divulgação.
Resposta: PRIVACIDADE
A privacidade é gênero que abrange a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem. A intimida-
de tem a ver com as informações pessoais, que só digam respeito a ela própria, como por exemplo, a
sua sexualidade.
3. Direito social individual pertinente à duração do trabalho.
Resposta: FÉRIAS. As férias serão anuais e remuneradas com pelo menos um terço a mais do
salário. Podemos incluir essa espécie na categoria de direito social individual pertinente à duração
do trabalho.
4. Essa espécie de extradição não está garantida pelo artigo 5º, da Constituição em relação aos
brasileiros natos e aos brasileiros naturalizados.
Resposta: ATIVA. Ocorre a extradição ativa quando um Estado solicitar a outro Estado a medida de
cooperação jurídica internacional de entrega da pessoa para fins de aplicação da lei penal.
5. Hipótese em que uma pessoa possui mais de uma nacionalidade.
Resposta: POLIPATRÍDIA. A polipatrídia ocorre quando mais de um Estado atribui ao indivíduo seu
critério de nacionalidade. Trata-se de conflito positivo de nacionalidade.

capítulo 5 • 209
02.
Respostas comentadas:
a) A Constituição Federal não exige Lei Complementar para estabelecer os requisitos de
obtenção da nacionalidade derivada.
b) Essa é a opção correta. Trata-se da hipótese de naturalização extraordinária, prevista no
artigo 12, II, “b”, da Constituição Federal. Nesse caso, o ato do governo brasileiro será
vinculado, ou seja, preenchidos os requisitos constitucionais, o estrangeiro fará jus a
nacionalidade brasileira.
c) A Constituição estabelece para a aquisição da naturalização ordinária a idoneidade mo-
ral, a fixação de residência por um ano ininterrupto, ser o requerente originário de país
que adote a língua portuguesa. Não há o requisito, portanto, da inexistência de condena-
ção penal com trânsito em julgado.
d) Os portugueses, na hipótese da quase nacionalidade, se equiparam aos brasileiros natu-
ralizados. Portanto há limitação no exercício de certos direitos.

Capítulo 4

01.
Respostas comentadas:
a) A resposta deve ser no sentido de que o Congresso Nacional pode tomar medida
motu próprio, ou seja, sustar o ato do Presidente da República sem recorrer ao
Poder Judiciário, nos termos do art. 49, V, da Constituição. Isso porque, naquele
particular, o Chefe do Executivo Federal extrapolou os limites fixados pela delega-
ção concedida pelo Congresso Nacional. Trata-se de hipótese de controle político
repressivo feito pelo Poder Legislativo. Não há, portanto, necessidade de recorrer
ao STF mediante uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN). Com efeito, o
artigo 49, inciso V, da Constituição de 1988, estabelece que é da competência
exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo
que exorbitem do poder regulamentar (decreto regulamentador de lei) ou dos li-
mites de delegação legislativa (lei delegada). De fato, o artigo 49, inciso V, é um
dispositivo que compõe o sistema de freios e contrapesos no Brasil. Foi adotado
pelo poder constituinte originário, como forma de equilibrar o exercício dos pode-
res, transformando-se, pois, numa das modalidades de controle político repressivo
de constitucionalidade.
Tal controle é denominado pela doutrina de “veto parlamentar” ou “veto legislativo”, na
medida em que simboliza o controle político de constitucionalidade feito pelo poder legislati-
vo contra atos normativos do poder executivo.

capítulo 5 • 210
b) Sim. Está correta a delegação legislativa feita mediante uma Resolução. É o que
preconiza o art. 68, § 2.º, da Constituição da República que estabelece que a delega-
ção ao Presidente da República terá a forma de Resolução do Congresso Nacional.
c) Não. O instituto jurídico adequado para sustar a lei delegada do Presidente da Re-
pública não seria uma Resolução, mas, sim, um Decreto Legislativo. Como visto an-
tes, é o próprio Congresso Nacional que deve editar o Decreto Legislativo sustando
o ato normativo presidencial que extrapolou os limites da delegação concedida.
Portanto, não confundir a Resolução da delegação legislativa feita ao Presidente
com o Decreto Legislativo que susta a lei delegada.

02.
Respostas comentadas:
a) A alternativa está errada, pois o Território não pode ser considerado ente da federa-
ção, por não possuir autonomia, que é típica de entes que compõem essa espécie
de unidade política. Assim sendo, por ser desprovido de qualquer autonomia, suas
contas devem ser submetidas à fiscalização do Congresso Nacional, com parecer
prévio do Tribunal de Contas da União.
b) A alternativa está correta, pois o artigo 18, § 3º, da Constituição Federal dispõe que
“Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se
anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante
aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Con-
gresso Nacional, por lei complementar”.
c) A alternativa está errada, pois de acordo com o que dispõe o artigo 25, da Cons-
tituição Federal, os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis
que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal. Assim sendo, os
Estados não elaboram leis orgânicas.
d) A alternativa está errada, pois o artigo 22, I da Constituição Federal dispõe que
compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, pro-
cessual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial, mas não sobre direito tri-
butário. Perceba que, o artigo 24, I, da Constituição Federal, dispõe que compete
à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre essa
matéria e não apenas privativamente a União.
e) A alternativa está errada, pois o artigo 20, III, não inclui entre os bens da União os
lagos e os rios que banhem mais de um Município, mas sim mais de um Estado e
sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele
provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais.

capítulo 5 • 211
Capítulo 5

01. A norma estadual fere o princípio da separação de poderes previsto no artigo 2º, da
Constituição Federal de 1988: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Ocorreu, na hipótese, a interferência indevida
notadamente na autonomia do Poder Judiciário. Neste sentido, ver decisão da ADI 2911/
ES, cuja ementa segue abaixo:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUG-
NAÇÃO DA EXPRESSÃO “PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA”, CONTIDA NOS §§
1º E 2º DO ART. 57 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Os dispositivos
impugnados contemplam a possibilidade de a Assembleia Legislativa capixaba convocar o
Presidente do Tribunal de Justiça para prestar, pessoalmente, informações sobre assunto
previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência injustificada
desse Chefe de Poder. Ao fazê-lo, porém, o art. 57 da Constituição capixaba não seguiu o
paradigma da Constituição Federal, extrapolando as fronteiras do esquema de freios e con-
trapesos - cuja aplicabilidade é sempre estrita ou materialmente inelástica - e maculando o
Princípio da Separação de Poderes. Ação julgada parcialmente procedente para declarar a
inconstitucionalidade da expressão “Presidente do Tribunal de Justiça”, inserta no § 2º e no
caput do art. 57 da Constituição do Estado do Espírito Santo.
Além disso: As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais con-
feridas ao Poder Executivo, incluída a definição de políticas públicas, importam em contrarie-
dade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.
[ADI 4.102, rel. min. Cármen Lúcia, j. 30-10-2014, P, DJE de 10-2-2015.]

02. A resposta correta é a letra b, ou seja, apenas os itens I e II estão corretos.


O item I está correto, pois o artigo 102, I, “g”, da Constituição Federal dispõe que Com-
pete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente a extradição solicitada
por Estado estrangeiro.
O item II está errado, pois o Supremo Tribunal Federal é composto por 11 Ministros,
escolhidos dentre cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos e menos ses-
senta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e de reputação ilibada, de acordo com
o artigo 101, da Constituição Federal.
O item III está correto, pois artigo 94 da Constituição Federal dispõe que “Art. 94. Um
quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito
Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez
anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais

capítulo 5 • 212
de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de
representação das respectivas classes.”
O item IV está errado, pois conforme previsão constitucional compete privativamente
ao Presidente da República nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros
do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios,
o Procurador-Geral da República, mas não a nomeação do Procurador-Geral do Ministério
Público estadual.

03. O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que processos relacio-


nados à prática de Caixa dois devem ser enviados à Justiça Eleitoral. Assim, o Ministério
Público deveria ter apresentado a denúncia na Justiça Eleitoral. Dessa maneira, segundo
o entendimento do STF, a competência não seria da Justiça Federal quando o processo
envolver crimes comuns e caixa 2 de campanha eleitoral. O Inquérito nº 4435 dá conta que:
“O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), no
que foi acompanhado pelos Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar
Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli (Presidente), manteve sua jurisprudência e deu par-
cial provimento ao agravo interposto pelos investigados para: i) no tocante ao fato ocorrido
em 2014, reconsiderar a decisão recorrida e assentar a competência do Supremo Tribunal
Federal; e ii) quanto aos delitos supostamente cometidos em 2010 e 2012, declinar da
competência para a Justiça Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro; e julgou prejudicado o
agravo regimental interposto pela Procuradoria-Geral da República, no que voltado à fixação
da competência da Justiça Federal, relativamente ao delito de evasão de divisas, vencidos
os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que
davam parcial provimento aos agravos regimentais interpostos pela Procuradoria-Geral da
República e pelos investigados para cindir os fatos apurados neste inquérito e determinar a
remessa de cópia dos autos à Justiça Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro para apuração,
mediante livre distribuição, dos supostos crimes de falsidade ideológica eleitoral ocorridos
nos anos de 2010, 2012 e 2014 (sendo que, quanto aos fatos ocorridos no ano de 2014, os
Ministros que divergiram do Relator negavam provimento ao recurso por entenderem ser in-
competente o STF) e, ainda, determinar o encaminhamento dos autos à Seção Judiciária do
Rio de Janeiro para apuração, mediante livre distribuição, dos supostos crimes de corrupção
ativa, corrupção passiva, lavagem de capitais e evasão de divisas ocorridos no ano de 2012.
Plenário, 14.03.2019.”

capítulo 5 • 213
Como percebemos, favoráveis à manutenção das investigações na Justiça Federal: mi-
nistros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Por
outro lado, reafirmam entendimento que prevalece há décadas na jurisprudência da Corte:
ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes,
Celso de Mello e Antonio Dias Toffoli.

capítulo 5 • 214
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 215
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 216

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