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SUMÁRIO

1. DOUTRINA (RESUMO)................................................................................................... 4
1.1. DIREITO CONSTITUCIONAL: NOÇÕES GERAIS ....................................................... 5
1.2. CONCEITO DE CONSTITUCIONALISMO ................................................................. 8
1.3. NEOCONSTITUCIONALISMO ............................................................................... 27
1.4. CONSTITUCIONALISMO E SOBERANIA POPULAR ............................................... 54
1.5. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DO BRASIL .......................................................... 59
1.6. CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO ......................... 65
1.7. ESTRUTURA DAS CONSTITUIÇÕES ...................................................................... 78
1.7.1. PREÂMBULO .................................................................................................... 78
1.7.2. PARTE DOGMÁTICA ......................................................................................... 78
1.7.3. PARTE TRANSITÓRIA ........................................................................................ 78
1.8. NORMAS CONSTITUCIONAIS PROGRAMÁTICAS ................................................. 79
1.9. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ........................................................................... 79
1.10. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS ............................................. 85
1.11 NORMAS CONSTITUCIONAIS ............................................................................. 87
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1.12 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL ................................................................... 97
1.13 O OLHAR DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A
CONSTITUIÇÃO CIDADÃ ........................................................................................... 104
1.14 DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO .......................................................................... 110
2. QUESTÕES ................................................................................................................. 125
3. GABARITO COMENTADO .......................................................................................... 130
1. DOUTRINA (RESUMO)

Neste ponto, revisaremos conteúdos propedêuticos de direito constitucional


essenciais para nossa melhor compreensão de temas valiosos para o ENAM. Como
poderão perceber ao longo da leitura, faremos uma contextualização das informações
básicas com produções atuais importante para o novo cenário do exame nacional,
inclusive atentos à figura do ministro Luís Roberto Barroso, e da comissão acadêmica,
um grande expoente para nosso estudo neste tópico.
Aos alunos do Mege, grande parte do que será veiculado já foi estudado pelo
clube da magistratura, mas neste material, com olhar mais atento ao ENAM,
ganharemos informações inéditas e alinhadas ao perfil necessário do estudo para nosso
desafio. Nesse sentido, é válido iniciarmos por uma reflexão proposta pelo ministro que
muito parece remeter ao mesmo espírito crítico que culminou na necessidade da nova
prova que precisaremos vencer.
O trecho é extraído de um estudo veiculado sobre “Neoconstitucionalismo e
Constitucionalização do Direito - O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil”
(Revista da EMERJ, v. 9, nº 33, 2006). Os negritos abaixo foram feitos por nossa equipe.

“Chega de ação. Queremos promessas”.


Anônimo
Assim protestava o grafite, ainda em tinta fresca, inscrito no
muro de uma cidade, no coração do mundo ocidental. A
espirituosa inversão da lógica natural dá conta de uma das
marcas dessa geração: a velocidade da transformação, a
profusão de ideias, a multiplicação das novidades.
Vivemos a perplexidade e a angústia da aceleração da vida. Os
tempos não andam propícios para doutrinas, mas para
mensagens de consumo rápido. Para jingles, e não para
sinfonias. O Direito vive uma grave crise existencial. Não
consegue entregar os dois produtos que fizeram sua reputação
ao longo dos séculos.
De fato, a injustiça passeia pelas ruas com passos firmes e a
insegurança é a característica da nossa era. Na aflição dessa
hora, imerso nos acontecimentos, não pode o intérprete
beneficiar-se do distanciamento crítico em relação ao
fenômeno que lhe cabe analisar.
Ao contrário, precisa operar em meio à fumaça e à espuma.
Talvez esta seja uma boa explicação para o recurso recorrente
aos prefixos pós e neo: pós-modernidade, pós-positivismo,
neoliberalismo, neoconstitucionalismo. Sabe-se que veio depois
e que tem a pretensão de ser novo.
Mas ainda não se sabe bem o que é. Tudo é ainda incerto. Pode
ser avanço. Pode ser uma volta ao passado. Pode ser apenas um
movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus. O artigo
que se segue procura estudar as causas e os efeitos das
transformações ocorridas no direito constitucional
contemporâneo, lançando sobre elas uma visão positiva e
construtiva. Procura-se oferecer consolo e esperança. Alguém
dirá que parece um texto de auto-ajuda. Não adianta: ninguém
escapa do seu próprio tempo”.

A mensagem é forte e não deixa de representar um pouco do que será o nosso


próprio estudo do direito para o exame nacional. Em parte, com um olhar na
objetividade de atingir 70% em uma prova. Em outro viés, com informações que
oferecerão uma bagagem crítica e aprofundada em novos tópicos que passam a tomar 5
conta de nossas atenções.

1.1. DIREITO CONSTITUCIONAL: NOÇÕES GERAIS

De acordo com a teoria clássica, o Direito divide-se em dois grandes ramos:


Direito Público e Direito Privado. Modernamente, porém, a divisão do direito em público
e privado vem sendo remodelada, entendendo-se que o direito é uno e indivisível.
Assim, o direito deve ser definido e estudado como um grande sistema, em que tudo se
harmoniza. Dessa forma, a divisão tem efeitos apenas acadêmicos, de forma a facilitar
o estudo de cada ramo do direito.
O Direito Constitucional está incluído no ramo do Direito Público (conforme a
teoria clássica).
Trata-se de um direito público fundamental, tanto se observado na concepção
kelseniana – como fundamento de validade para a estrutura hierarquizada do
ordenamento jurídico – como se tomado na concepção material, consagrador da ideia
de direito que se expande na interpretação e aplicação das normas jurídicas (processo
de constitucionalização do direito).
A noção resumida de direito constitucional indica o estudo da Teoria Geral das
Constituições e os ordenamentos jurídicos de cada Estado.
A noção detalhada de Direito Constitucional compreende a ordenação
sistemática e organizada das normas supremas que estruturam o Estado e as relações
de poder, que como disciplina-síntese, exerce influência sobre todos os ramos do
direito.
O objeto do Direito Constitucional é o estudo sistematizado das Constituições:
organização do Estado, forma de governo, estruturação do poder, liberdades públicas
e princípios.
Ressalte-se que a doutrina afirma a existência de um direito privado
constitucional. Dessa forma, mais adequado seria falar, então, em um Direito Civil-
Constitucional, estudando-se o Direito Civil à luz das regras constitucionais e, em muitos
casos, reconhecendo-se a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas
(eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Para ilustrar a incidência dos direitos
fundamentais nas relações entre particulares, podemos citar o RE n. 201819/RJ, de
relatoria do Min. Gilmar Mendes:
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA
AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO
DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não
ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o
Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas 6
físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos
fundamentais assegurados pela Constituição vinculam
diretamente não apenas os poderes públicos, estando
direcionados também à proteção dos particulares em face dos
poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO
LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem
jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer
associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios
inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por
fundamento direto o próprio texto da Constituição da República,
notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias
fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela
Constituição às associações não está imune à incidência dos
princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos
fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que
encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser
exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e
garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em
sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere
aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o
poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e
definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força
normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de
suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III.
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE
INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL.
ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM
GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO
CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função
predominante em determinado âmbito econômico e/ou social,
mantendo seus associados em relações de dependência
econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de
espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de
Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra
a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada
para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos
autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social
da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do
contraditório, ou do devido processo constitucional, onera
consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de
perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras.
A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal
acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional
do sócio. O caráter público da atividade exercida pela
sociedade e a dependência do vínculo associativo para o
exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso
concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais
7
concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à
ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (g.n).

Fica evidente que, para além da discussão dogmática e doutrinária, a


constitucionalização do direito privado revela efeitos práticos, com reflexos
jurisprudenciais como o citado acima.
Dentro desta perspectiva, autores trazem o Princípio da dignidade da pessoa
humana como núcleo axiológico da Constituição, e por consequência de todo o
ordenamento jurídico, promovendo uma revolução em diversos institutos e conceitos
do direito, tornando-os mais maleáveis ao diálogo com o direito constitucional.
Aspecto salutar e que tende a ser cobrado (sobretudo nas fases mais agudas)
não só em Direito Constitucional, como também em Direito Civil, refere-se justamente
ao movimento de despatrimonialização do Direito Civil, promovido pela força normativa
dos princípios constitucionais, com enfoque na dignidade da pessoa humana.
É que tal princípio funciona como verdadeira matriz de todos os direitos
fundamentais, os quais são responsáveis por alçar a pessoa a um patamar distinto do
que se vislumbrava no Estado Liberal, de modo que o Direito Civil, ao receber esta
influência, passa a se preocupar com o indivíduo não só sob a ótica patrimonial,
passando a tutelar com primazia interesses existenciais. Trata-se, em resumo, de um
movimento de releitura dos institutos tipicamente de direito privado sob a ótica dos
princípios constitucionais.

1.2. CONCEITO DE CONSTITUCIONALISMO

O Constitucionalismo comporta duas acepções:


a) em sentido amplo, relacionado à existência de Constituição
como garantia dos governados (Platão) e estruturação do
sistema de poder. Refere-se à existência de uma Constituição
básica que confere poderes ao soberano, mesmo que
tacitamente.
b) em sentido estrito, técnica jurídica, social, política e
ideológica de tutela das liberdades públicas surgida no final do
século XVIII.

O Constitucionalismo em sentido estrito confunde-se com a própria evolução


do Direito Constitucional, surgindo como técnica jurídica de combate ao absolutismo e
busca pela limitação do poder. Foi a “arma do liberalismo contra o absolutismo”.
Nessa busca, três ideias principais sempre se encontram presentes, que são
conhecidas como “axiomas” do Constitucionalismo: garantia de direitos, separação dos 8
poderes e princípio do governo limitado (art. 16, Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão).
Vejamos alguns conceitos doutrinários de Constitucionalismo em sentido
estrito:
Canotilho – É a teoria que ergue o princípio do governo limitado,
indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante
da organização político-social de uma comunidade. Neste
sentido, o Constitucionalismo moderno representará uma
técnica de limitação do poder com fins garantísticos.
Kildare Gonçalves – Perspectiva Jurídica/Sociológica – O
Constitucionalismo se trata de um sistema normativo, enfeixado
na Constituição, e que se encontra acima dos detentores do
poder; sociologicamente, representa um movimento social que
dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os
governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na
condução do Estado.
André Ramos Tavares – Determina quatro sentidos para o
Constitucionalismo: 1) Limitar o poder arbitrário; 2) Imposição
de que existam cartas constitucionais escritas; 3) Evolução
histórica-constitucional de um determinado Estado; e 4)
Prevalência dos direitos fundamentais como proteção ao regime
autoritário.
Pedro Lenza – O Constitucionalismo é um meio de limitação do
poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais,
afastando-se da visão autoritária do antigo regime (aproxima-se
da posição de Ramos Tavares).
Podemos resumir Constitucionalismo como “a busca do homem político pela
limitação do poder arbitrário” (Karl Loewenstein).

1.2.1. MARCOS NA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSTITUCIONALISMO


A. Constitucionalismo primitivo

O Constitucionalismo primitivo identifica-se com a acepção ampla do termo e


remonta à organização consuetudinária dos povos sem escrita na Antiguidade Clássica.
O principal exemplo é do povo hebreu: os profetas dotados de legitimidade
popular, no Estado Teocrático, fiscalizavam e puniam os atos dos governantes que
ultrapassavam os limites bíblicos. Alguns autores entendem que com o povo hebreu
houve a primeira experiência, ainda que embrionária, de Constitucionalismo, pois os
detentores do poder eram limitados pela lei do “Senhor”.
De maneira geral, as principais características do Constitucionalismo primitivo
são: normas consuetudinárias, influência direta da religião - especialmente pelo influxo
dos valores cristãos - e meios de constrangimento (ordálias). 9
OBSERVAÇÃO: alguns doutrinadores classificam as experiências primitivas, como a do
povo hebreu, conjuntamente com o Constitucionalismo antigo.

ATENÇÃO! CAIU EM PROVA! TJRO (2019):1


O constitucionalismo hebreu, identificado na fase medieval, era representado pela
conduta dos profetas, responsáveis pela verificação da compatibilidade dos atos do
poder público com o texto sagrado.
Alternativa incorreta. O constitucionalismo hebreu verificou-se na Antiguidade
Clássica.

1 Neste tópico, entendemos como importante reprisarmos alguns itens já exigidos em provas
para aguçarmos o seu olhar para situações que podem voltar a ser exigidas.
B. Constitucionalismo antigo

No Constitucionalismo antigo, há duas experiências importantes: Grécia e


República Romana. Autores destacam, no ponto, a organização das cidades-Estado
gregas e o surgimento da democracia direta.
Grécia: O regime político da Grécia se preocupava com a limitação do poder
das autoridades e a contenção do arbítrio, porém essa limitação estava ligada à busca
do bem comum da polis, e não exatamente à garantia de liberdades individuais.
Roma: Também não havia o sentido de Constitucionalismo nas bases modernas
como limitação ao poder do governante e defesa dos direitos individuais. Contudo,
alguns institutos romanos demonstravam certa preocupação com a separação de
poderes, repartindo-o em instituições como o Consulado, o Senado e a Assembleia.
São características do Constitucionalismo antigo:
i) inexistência de uma Constituição escrita;
ii) forte influência da religião; e
iii) supremacia do monarca ou do Parlamento.

No Constitucionalismo antigo não havia controle de constitucionalidade.


Sequer se falava na existência de um Poder Judiciário. As Constituições eram 10
consuetudinárias e os doutrinadores apontam pela “eficácia social zero do
Constitucionalismo”. As normas eram destituídas de obrigatoriedade, formando-se uma
cultura do ceticismo quanto ao valor da Constituição do ponto de vista de sua
concretização.

C. Constitucionalismo medieval

A era medieval, caracterizada pelo feudalismo, pela fragmentação do poder


político e pela separação de classes, foi marcada pelas concepções jusnaturalistas de
limitação do poder, lastreadas no pensamento de que as leis precediam ao homem.
A título de contextualização histórica, vale lembrar que nenhuma instituição
existente à época possuía uma espécie de soberania semelhante ao que se vê nos
Estados Modernos, razão pela qual é difícil falar em Constitucionalismo na Idade Média,
tal qual entendido atualmente.
No entanto, no final da Idade Média, sobretudo na Inglaterra, foram realizados
pactos entre os reis e seus súditos de estamentos mais privilegiados, reconhecendo
certas prerrogativas. Tal concessão de direitos e a respectiva limitação que isto trazia ao
poder do Monarca são traços iniciais do que se passou a entender como
constitucionalismo (em sentido estrito).
Existiram, portanto, alguns documentos garantidores das liberdades públicas:
Magna Carta, Petition of Right; Habeas Corpus Act; Bill of Rights (Inglaterra).
Vejamos um quadro-resumo:

Magna Charta (1215): A Magna Carta de 1215 representou uma limitação


do poder real.

Petition of Rights (1628): Reconhecimento de direitos e liberdades para os


súditos do Rei. – firmada entre o Parlamento e o
Rei Carlos.

Habeas Corpus Act (1679): Anulava as prisões arbitrárias.

Bill of Rights (1689): Submetia a monarquia à soberania popular,


transformando-a numa monarquia constitucional.

Desses documentos, interessante destacar a Magna Carta inglesa de 1215, que,


em suma, limitou o poder do rei, o que é ínsito ao próprio conceito de Constituição,
razão pela qual até hoje verificamos a Constituição de 1988 ser “apelidada” em textos
jurídicos de Carta Magna ou Texto Magno.
São características do Constitucionalismo medieval:
i) Constituições consuetudinárias;
ii) Concepções jusnaturalistas da limitação do poder; 11
iii) Forte influência da religião;
iv) Existência de alguns direitos oponíveis ao Monarca;
v) Supremacia do Parlamento (especialmente na Inglaterra).

Já caiu em prova a seguinte assertiva:


(TJAC/2019) “O constitucionalismo antigo teve início com a
Magna Carta de 1215, não havendo antes desse período indícios
de experiências democráticas que contrastassem com os
poderes teocráticos ou monárquicos dominantes.”
Alternativa ERRADA, pois, como visto, podemos apontar as
experiências democráticas grega, romana e, ainda, do povo
hebreu antes da Carta Magna de 1215, que representa o
Constitucionalismo da Idade Média.

D. Constitucionalismo moderno

O Constitucionalismo moderno é o movimento jurídico, político e cultural do


fim do século XVIII que pregava uma Constituição escrita para frear o arbítrio dos
poderes públicos.
Segundo J.J Gomes Canotilho, o Constitucionalismo moderno é o movimento
político social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona
nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político,
sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de ordenação e
fundamentação do poder político (definição cobrada na prova do TJMT-2009).
Conforme ensina Pedro Lenza, “Dois são os marcos históricos e formais do
constitucionalismo moderno: a Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição
francesa de 1791 (que teve como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789), movimento este deflagrado durante o Iluminismo e
concretizado como uma contraposição ao absolutismo reinante, por meio do qual se
elegeu o povo como titular legítimo do poder”.

CAIU EM PROVA (TJ-SP 2015), alternativa correta: O “constitucionalismo moderno”, com


o modelo de Constituições normativas, tem sua base histórica a partir das revoluções
Americana e Francesa.

O principal diferencial do Constitucionalismo moderno, em relação à fase


anterior, é o aparecimento das primeiras Constituições escritas, rígidas e formais. A
partir delas, surgem as noções de rigidez constitucional (o que define a rigidez das
Constituições é o processo diferenciado de modificação, e não a presença de cláusulas
pétreas) e supremacia da Constituição. 12
Também estavam presentes, simultaneamente, as ideias de limitação do poder
do soberano, com a repartição de poderes, a preocupação com direitos individuais e a
necessidade de legitimação do governo pelo consentimento dos governados.
Assim, alguns autores entendem que somente a partir do Constitucionalismo
moderno, podemos falar em Constitucionalismo propriamente dito (em sentido estrito).

CAIU EM PROVA (TJMT 2009): Movimento político social e cultural que, sobretudo a
partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os
esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de
uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político. Esta definição,
formulada por J. J. Gomes Canotilho, designa:
a) o poder constituinte.
b) o constitucionalismo moderno.
c) o constitucionalismo antigo.
d) a democracia.
e) a autocracia.
Resposta: letra b.
Frisa-se que o Constitucionalismo moderno foi fundamental para o
desenvolvimento da ideia de Estado de Direito, tal qual conhecida hoje: Estado em que
o poder exercido é limitado pela ordem jurídica vigente.
Características do Constitucionalismo moderno:
i) Superação do absolutismo;
ii) Surgimento das primeiras Constituições escritas (constituição
no sentido formal);
iii) Primeiras ideias de rigidez constitucional e supremacia
constitucional;
iv) Influências do Iluminismo, a partir das ideias de John Locke
(ideias de liberalismo), Jean Jacques Rousseau (valorização da lei
como expressão da vontade geral do povo) e Montesquieu
(divisão de poderes);
ATENÇÃO! John Locke, Rousseau e Montesquieu são influenciadores do
Constitucionalismo MODERNO. Já foi considerado errado em provas assertiva no
sentido que os pensadores seriam precursores do Constitucionalismo contemporâneo.
v) Garantia de direitos individuais;
vi) Separação dos poderes;
vii) Limitação do poder estatal. 13
Já foi cobrado em prova:
“A transição da Monarquia Absolutista para o Estado Liberal, em
especial na Europa, no final do século XVIII, que traçou
limitações formais ao poder político vigente à época, é um marco
do constitucionalismo moderno”.
Alternativa CORRETA.
Importante destacar que os marcos do Constitucionalismo moderno são o
absenteísmo estatal (viés liberal do período) e a proteção das liberdades públicas
clássicas (direitos civis e políticos), relacionando-se, portanto, aos direitos fundamentais
de primeira geração/dimensão.
Esse movimento pode ser didaticamente subdividido em duas fases:
Constitucionalismo moderno liberal e Constitucionalismo moderno social.

D.1. Constitucionalismo moderno CLÁSSICO ou LIBERAL

O Constitucionalismo clássico ou liberal começa no fim do século XVIII, com as


revoluções liberais, e estende-se até o fim da Primeira Guerra Mundial (1918).
No Constitucionalismo clássico, duas experiências constitucionais merecem
destaque, com características peculiares: a norte-americana e a francesa.
a) Constitucionalismo norte-americano
A carta americana de 1787 nasceu em substituição aos Articles Of
Confederation, a partir da reunião de onze das trezes colônias norte-americanas que
adquiriram independência. Suas marcas principais estão na instituição do federalismo,
da rígida separação de poderes e do presidencialismo. Seguem alguns pontos principais:
i) Criação da primeira Constituição escrita, elaborada em 1787:
trata-se de uma Constituição sintética e concisa, que contém
apenas os elementos estruturantes do Estado e do poder. Desde
seu nascimento, tratou de um conjunto de NORMAS, que
impunham obrigatoriedade aos poderes instituídos. Constatou-
se, portanto, a existência de uma Constituição dogmática, escrita
e sistematizada por um órgão constituinte soberano.
ii) Surgimento do controle de constitucionalidade difuso: O
controle de constitucionalidade está ligado às ideias de
supremacia e rigidez constitucionais, tendo como parâmetro
uma Constituição escrita, com a diferenciação entre supremacia
formal e material das constituições. O controle de
constitucionalidade DIFUSO, como conhecido hoje, surgiu do
famoso caso Marbury vs. Madison (1803), fruto, portanto, da
experiência do Constitucionalismo norte-americano.
iii) Fortalecimento do Poder Judiciário: Na obra “Os
Federalistas”, Hamilton ensina que o Poder Judiciário é o mais 14
fraco dos poderes, por não possuir nem a espada nem o cofre.
Os norte-americanos tinham bastante medo dos abusos
perpetrados pelo Parlamento inglês, razão pela qual optaram
pelo fortalecimento do Judiciário.
iv) Importante contribuição para as noções de separação dos
poderes, forma federativa de Estado, sistema republicano e
presidencialista e regime democrático.
v) Existência de declarações de direitos: a Declaração de Direitos
da Virgínia é anterior à própria constituição (1776).

b) Constitucionalismo francês
O marco inicial do Constitucionalismo francês é a Revolução Francesa, de 1789.
A primeira Constituição francesa escrita é de 1791. Duas ideias que constam da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 são fundamentais
para a compreensão do Constitucionalismo francês: garantia de direitos e separação
dos poderes.
São características fundamentais do Constitucionalismo francês:

i) Consagração do princípio da separação dos poderes:


Montesquieu foi estudar no direito britânico a separação dos
poderes. Os franceses, que não entendiam esse sistema,
originário de um país de common law, foram buscar inspiração
nos EUA, onde a separação dos poderes foi bem recebida. Na
verdade, os sistemas francês e norte-americano se
interpenetraram reciprocamente em seu surgimento.
ii) Distinção entre poder constituinte originário e derivado: O
francês Abade Emmanuel Joseph Sieyès foi o teórico do poder
constituinte (“Qu’est-ce que le tiers état?” – O que é o terceiro
Estado? A Constituinte Burguesa). Nesta obra, Sieyès, com base
na doutrina do contrato social (John Locke, Jean-Jacques
Rousseau), vislumbrava a existência de um poder imanente à
nação, superior aos poderes ordinariamente constituídos e por
eles imodificáveis: o poder constituinte. Além de legitimar a
ascensão do Terceiro Estado (o povo) ao poder político, a obra
traçou as linhas mestras da Teoria do Poder Constituinte, ainda
hoje relevante para o estudo do Direito Constitucional.
iii) Supremacia do Parlamento: No modelo francês de
Constitucionalismo clássico, o Parlamento era considerado o
poder supremo. Há, portanto, a característica de valorização do
Legislativo, acarretando o enfraquecimento do controle de
constitucionalidade das leis (curiosidade: a primeira vez que um
tribunal francês exerceu o controle repressivo de
constitucionalidade foi em 2010). Isso ocorre, pois, os
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revolucionários franceses viam o Poder Judiciário com
desconfiança, associando-o ao antigo regime monarquista. Além
disso, o Legislativo era valorizado como a expressão da vontade
geral do povo.
iv) Surgimento da escola da exegese, a partir do Código de
Napoleão de 1804: Para a escola da exegese, a interpretação era
uma atividade mecânica, e ao Judiciário cabia somente dizer o
que já estava na lei. O juiz deveria somente expressar o que a lei
continha, e não interpretar. Os adeptos dessa teoria entediam
que o Código de Napoleão já era algo perfeito e acabado e não
tinha de ser interpretado, muito menos complementado.
v) Constituição analítica, extensa ou expansiva: Enquanto a
Constituição dos EUA é concisa ou sintética, a experiência
constitucional francesa demonstrou ser extensa, e regulou
situações que poderiam ser tratadas por normas
infraconstitucionais (não se limitou às matérias
substancialmente constitucionais, que são os direitos
individuais, a separação dos Poderes e a organização do Estado).
CAIU EM PROVA, (TJMT 2018):
Sobre constitucionalismo, responda:
“Nos Estados Unidos, diferentemente da França, a constituição americana deu pouca
relevância ao papel do juiz, dada a aversão à sua figura pelos revolucionários, reduzindo
a função do Judiciário a mero emissor da voz da lei”.
Alternativa errada. Como visto, a experiência norte-americana fortaleceu o papel do
Poder Judiciário.
(TJ-MT 2018) “A Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição francesa de
1791 são os dois marcos mais importantes do Neoconstitucionalismo”.
Alternativa errada. Trata-se de marcos do Constitucionalismo moderno.

D.2. Constitucionalismo moderno SOCIAL

Fase do Constitucionalismo moderno que surge com o fim da 1ª Guerra


Mundial (1918). A crise econômica instaurada e o aumento das desigualdades sociais
levaram à derrocada do liberalismo clássico. Dessa forma, as Constituições passaram a
prever não só limitações ao poder do Estado e garantias individuais, mas também a se
preocupar com o desenvolvimento social das nações.
O movimento do Constitucionalismo social coincide com o surgimento da 16
segunda dimensão de direitos fundamentais e liga-se essencialmente a direitos sociais,
econômicos e culturais. Trata-se de direitos coletivos vinculados à IGUALDADE e que em
geral possuem um caráter positivo, demandando uma atuação estatal (e não somente
o absenteísmo típico dos direitos fundamentais de primeira dimensão e do
constitucionalismo liberal).
Destaca-se, portanto, a ideia de Estado-Social, ou seja, Estado intervencionista,
atuando na produção e distribuição de bens e riqueza, de modo a garantir um mínimo
de bem-estar social.

IMPORTANTE: A doutrina aponta a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição


Alemã de 1919 (Constituição de Weimar) como experiências marcantes do período,
especialmente por imporem ao Estado a obrigação de ofertar prestações positivas aos
indivíduos.

E. Constitucionalismo contemporâneo

No Constitucionalismo contemporâneo, o valor constitucional supremo e


fundamental passa a ser a dignidade da pessoa humana. Essa é a grande mudança de
paradigma: a preocupação com o ser humano e sua dignidade, independentemente de
qualquer condição pessoal. Em outras palavras, todos os homens possuem o mesmo
grau de dignidade, pelo simples fato de sua humanidade (valor apriorístico).
As principais características dessa nova fase são:
a) Reconhecimento definitivo da força normativa da
constituição (Konrad Hesse): ideia de que a Constituição tem o
poder de conformar a realidade social.
b) Rematerialização das constituições: no Constitucionalismo
contemporâneo, as Constituições são mais semelhantes às
Constituições francesas do que à americana (que é concisa,
como visto acima), em termos de assuntos tratados. Os fatores
de origem do fenômeno de rematerialização foram as
experiências autoritárias ocorridas na América e na Europa
(ditaduras militares da América Latina e Regimes totalitários da
Europa). A ideia, então, foi constitucionalizar inúmeros assuntos
com o objetivo de mais proteger – proteção qualificada – certos
assuntos. As Constituições do segundo pós-guerra
(Constitucionalismo contemporâneo) são, em geral, prolixas,
tratando de vários temas e os especificando de maneira mais
pormenorizada.

ATENÇÃO! O Constitucionalismo contemporâneo é visto por alguns autores como uma


amálgama das experiências francesa e americana. A ideia de rematerialização é
inspirada na experiência francesa. A força normativa da Constituição é uma clara
influência da Constituição americana.
17

c) Centralidade da Constituição e dos Direitos Fundamentais, o


que acarreta:
i) consagração de normas de outros ramos do direito no texto
das constituições;
ii) filtragem constitucional, ou seja, interpretação das normas de
outros ramos do direito à luz da Constituição;
iii) eficácia horizontal dos direitos fundamentais (eficácia dos
direitos fundamentais não somente nas relações particular-
Estado, mas também nas relações entre particulares);
iv) fortalecimento do Poder Judiciário e da jurisdição
constitucional, o que tem causado o fenômeno chamado
“judicialização da política e das relações sociais”.
d) Maior abertura da interpretação e aplicação da Constituição.

APROFUNDANDO: Além dessas características principais, identifica-se no


Constitucionalismo contemporâneo a presença de normas programáticas de conteúdo
social (normas que estabelecem um programa de Estado de conteúdo social), o que,
segundo a doutrina majoritária, acarreta os seguintes fenômenos constitucionais:
- Totalitarismo Constitucional - Refere-se à existência de textos
constitucionais amplos, extensos e analíticos, que encarceram
temas próprios da legislação ordinária.
- Dirigismo Comunitário - Refere-se à capacidade do texto
constitucional de fixar regras para dirigir as ações
governamentais.
- Constitucionalismo Globalizado - Refere-se à busca da
expansão e da proteção dos direitos humanos mundialmente.
- Direitos de segunda e terceira dimensão.

Destaca-se que o movimento do Constitucionalismo contemporâneo está


relacionado ao surgimento dos direitos fundamentais de terceira dimensão, ligados à
fraternidade ou solidariedade.
Trata-se de direitos transindividuais, de titularidade difusa ou coletiva, por
exemplo: direito ao desenvolvimento ou progresso, autodeterminação dos povos, meio
ambiente, comunicação, propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade.

F. Constitucionalismo do Futuro (José Roberto Dromi)


18
Para o autor, o Constitucionalismo deve buscar consolidar os direitos de
fraternidade e solidariedade. Baseia-se na esperança de dias melhores da evolução
humana e no encontro do ponto de equilíbrio entre as concepções do
constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo contemporâneo.
Características da Teoria do Constitucionalismo do Futuro - São características
que as Constituições devem observar:
- Verdade (crítica às normas programáticas) - Determina que a
Constituição somente poderá prever aquilo que é possível ser
atingido.
- Solidariedade - Refere-se à igualdade sedimentada na
solidariedade entre os povos, na dignidade e na justiça social.
- Consenso (democrático) - A Constituição do futuro deve ser
fruto de consenso democrático.
- Continuidade - Ao se reformar uma Constituição, não pode
haver um abandono dos direitos já conquistados.
- Participação - Refere-se à efetiva participação dos corpos
intermediários da sociedade, consagrando-se a noção de
democracia participativa e de Estado Democrático de Direito.
- Integração (órgãos supranacionais) - Trata-se da previsão de
órgãos supranacionais para a implementação de uma integração
espiritual, moral, ética e institucional entre os povos
(“transnacionalização dos povos”).
- Universalidade (dignidade da pessoa humana) - Consagra os
direitos fundamentais internacionais nas Constituições futuras,
fazendo prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana
de maneira universal e afastando, assim, qualquer forma de
desumanização.

G. Constitucionalismo abusivo

O conceito de Constitucionalismo abusivo não se relaciona com o movimento


de limitação do poder do Estado, ora estudado, mas é uma classificação doutrinária que
merece nossa atenção, especialmente por já ter sido citada pelo STF.
Constitucionalismo abusivo é uma expressão cunhada por David Landau e que
pode ser conceituada como o uso de institutos de origem constitucional para ceifar a
democracia.
Trata-se de um fenômeno caracterizado pela edição de atos normativos com
aparência de legalidade, mas que provocam retrocessos democráticos, a exemplo de
atos que concentram poderes no chefe do Executivo, retiram a transparência, impedem
mecanismos de controle social e diminuem a esfera de atuação da sociedade civil
organizada.
19
Modernamente, a maioria dos regimes autoritários ou semiautoritários foram
instalados a partir de medidas pontuais, aparentemente válidas do ponto de vista
formal, mas que, em conjunto e progressivamente, corroem a tutela de direitos e
neutralizam outras instâncias de controle e deliberação política.
Em outras palavras, ao contrário dos golpes autoritários experimentados no
século passado (ex.: ditaduras latino-americanas), fala-se, atualmente, em engenhosos
“golpes institucionais”, efetivados por meio do uso abusivo de mecanismos
constitucionais.
A expressão “Constitucionalismo abusivo” foi utilizada pelo Ministro Roberto
Barroso na concessão da medida liminar na ADPF 622, que suspendeu dispositivos do
decreto do Executivo que, na prática, esvaziavam a participação da sociedade civil junto
ao Conselho Nacional da Criança e do adolescente - CONANDA.
H. Constitucionalismo Digital e Democracia

20
🎥 CONSTITUCIONALISMO DIGITAL - GILMAR MENDES (min 5:08)

De acordo com o Ministro Gilmar Mendes, a expressão "Constitucionalismo


Digital" foi inicialmente utilizada em estudos sobre o tema para se referir a um
movimento constitucional que busca limitar o poder privado de atores da internet, em
contraste com a ideia de limitação do poder político estatal. No entanto, em trabalhos
mais recentes, a terminologia passou a abranger diversas iniciativas jurídicas e políticas,
tanto estatais quanto não estatais, voltadas para a afirmação de direitos fundamentais
na internet.
Nesse sentido mais amplo, é possível estabelecer uma equivalência entre a
ideia de "Constitucionalismo Digital" e a noção de "declarações de direitos fundamentais
na internet (Internet Bill of Rights)".
O Ministro Gilmar Mendes emprega a expressão "Constitucionalismo Digital"
para designar uma corrente teórica do Direito Constitucional contemporâneo que se
fundamenta em prescrições normativas comuns de reconhecimento, afirmação e
proteção de direitos fundamentais no ciberespaço.
Essa conceituação está alinhada com definições propostas por autores como
Eduardo Celeste, Claudia Padovani, Mauro Santaniello e Meryem Marzouki, que
atribuem ao constitucionalismo digital a característica de uma verdadeira ideologia
constitucional estruturada em um quadro normativo para a proteção dos direitos
fundamentais e o reequilíbrio de poderes na governança do ambiente digital.
Assim, mais do que uma sistematização de um fenômeno sociopolítico
orientado por diversas iniciativas de enunciação e consagração de direitos fundamentais
no ciberespaço, o constitucionalismo digital antecede tais iniciativas e oferece diretrizes
normativas suficientes para orientar a sua aplicação.
É válido afirmar que, como um movimento teórico com relativa uniformidade,
o constitucionalismo digital herda da literatura sociojurídica de regulação do
ciberespaço a rejeição às abordagens libertárias que negavam a sobrevivência do
critério de jurisdição como régua da ação estatal na internet. Além disso, a internet pode
não apenas alterar o contexto factual de uma determinada tecnologia, levantando
questões sobre como a Constituição se aplica a ela, mas também criar oportunidades
para a realização de liberdades individuais que não são comparáveis às que recebem
proteção constitucional explícita.
Nessa dualidade, a internet claramente amplia as possibilidades de
concretização das garantias individuais, tornando-se, em muitos casos, uma condição
necessária para a realização de direitos básicos. Isso é especialmente visível no campo
da liberdade de expressão, manifestação política e liberdade religiosa, abrangendo
também outras categorias de direitos fundamentais, como propriedade, livre
associação, participação política e até mesmo direitos de segunda geração
relacionados ao trabalho, cultura e saúde.
O processo constitucional no processamento e uso da informação impacta
significativamente o sistema de proteção das garantias individuais. Os avanços
tecnológicos, embora proporcionem novas formas de concretizar direitos fundamentais, 21
também apresentam riscos, como a disseminação de discursos odiosos, cyberbullying,
pornografia infantil e fake news.
Além disso, considerando que os espaços digitais em geral são controlados por
agentes econômicos dotados de alta capacidade de coleta, armazenamento e
processamento de dados pessoais, a intensificação do fluxo comunicacional na internet
aumenta as possibilidades de violação de direitos de personalidade e de privacidade.
Mesmo direitos fundamentais de igualdade e isonomia são colocados em risco
pelo uso de algoritmos e de ferramentas de data analytics, que, promovendo a
classificação e estereotipação discriminatória de grupos sociais, são utilizados por
empresas e governos para automatizar processos de tomadas de decisões estratégicas
para a vida social, como a alocação de oportunidades de acesso a emprego, negócios e
outros bens sociais.
Diante dessas transformações impostas ao regime de proteção de direitos
fundamentais, nos últimos anos, estados nacionais, entidades privadas e organizações
sociais têm se mobilizado para reestabelecer o equilíbrio constitucional nos espaços
digitais.
A partir de estudos como os de Lex Gill, Dennis Redeker e Urs Gasser,
identificou-se que essas reações correspondem, de forma ampla, às mais variadas
iniciativas de instituições públicas e privadas que tentam consagrar um conjunto
abrangente de direitos fundamentais dos usuários da internet, abrangendo leis em
sentido formal, declarações oficiais de organizações intergovernamentais, termos e
regulamentos de uso de plataformas digitais, entre outros.
Tais reações são estruturais para o constitucionalismo contemporâneo porque,
na sua essência, elas projetam valores e princípios constitucionais para a realização de
direitos políticos e para a limitação ao exercício do poder na internet.
Como destacado por Edoardo Celeste, as declarações de direitos fundamentais
na web:
(i) reconhecem a existência de novos direitos fundamentais na internet, como
o direito de acesso à internet, o direito ao esquecimento ou o direito à
neutralidade da rede;

ATENÇÃO! Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o direito ao


esquecimento –incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro – não pode servir
de justificativa para impor exclusão de matéria de site jornalístico. Do mesmo modo,
fixou o STF no tema 786: ‘‘É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao
esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do
tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em
meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no
exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso,
a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da
honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e
específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.’’

(ii) limitam a capacidade de violação de direitos fundamentais na rede, como


22
ocorre com as leis de proteção de dados e ainda
(iii) estabelecem novas formas de controle social sobre as instituições públicas,
como o dever de transparência das informações controladas por governos e
entidades privadas. Como dito, essas reações normativas são difusas e não se
limitam ao âmbito do Estado-Nação.

Nos últimos anos, uma nova onda do constitucionalismo digital tem emergido
no nível dos estados nacionais, particularmente a partir da ação do Poder Legislativo.
Os parlamentos de países como Brasil, Filipinas, Itália, Nova Zelândia e Nigéria
buscam desempenhar as funções essenciais do constitucionalismo clássico no sub-
sistema da Internet, criando medidas para estabelecer e proteger os direitos digitais,
limitar o exercício do poder na rede digital e formalizar os princípios de governança para
a Internet. Suas legislações formais sobre a internet incorporam categorias de direitos,
princípios e normas de governança, restringindo significativamente o poder de
autoridades públicas e atores privados em suas interações com os usuários.
Autores como Lex Gill, Dennis Redeker e Urs observam que algumas dessas
legislações, embora situadas em um plano infraconstitucional, possuem uma natureza
"pré" ou "proto-constitucional", contribuindo para a interpretação das constituições
formais na esfera digital.
Entre nós, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) conferiu centralidade
a cláusulas gerais de proteção da liberdade de expressão (art. 3º, inciso I), da privacidade
(art. 3º, inciso II) e da preservação da natureza participativa da rede (art. 3º, inciso VII),
estabelecendo limites à asseguração desses direitos tanto contra atores públicos quanto
contra atores privados. Por esse motivo, é possível afirmar que o MCI incorpora diversos
elementos da crescente literatura sobre constitucionalismo digital aqui discutida.

• Redefinição da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais

23

A primeira consequência da incorporação do constitucionalismo digital nas


reflexões sobre jurisdição constitucional tem relação com a necessidade de redefinição
da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
A consagração histórica da dimensão objetiva dos direitos fundamentais impôs
à jurisdição constitucional o reconhecimento desses direitos enquanto ordem
principiológica de valores com irradiação para todos os ramos jurídicos. Sobretudo a
partir da segunda metade do século passado, esse fenômeno também ensejaria o
reconhecimento da eficácia dessa ordem principiológica de valores para além das
relações entre Estado e cidadãos.
A questão relativa à eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações
entre particulares marcou o debate doutrinário no direito alemão dos anos 1950 e do
início dos anos 1960. Também nos Estados Unidos, sob o rótulo da State Action, a
aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas passou a ser discutida.
Após anos de debates sobre a eficácia imediata ou mediata dos direitos
fundamentais nas relações privadas, doutrinariamente, o reconhecimento da dimensão
horizontal desses direitos pela jurisdição constitucional passou a se manifestar na
avaliação do papel do legislador diante do dever de proteção.
Dessa forma, compete às Cortes Constitucionais avaliar não apenas a proibição
do excesso (Übermassverbote), mas também a proibição de omissão
(Untermassverbote) por parte do legislador na conformação dos direitos fundamentais
na esfera privada. Entretanto, essa concepção tradicional da teoria da eficácia
horizontal, associada à ideia de dever de proteção, apresenta limitações nas discussões
sobre a adjudicação de direitos fundamentais privados na internet.
A concepção do dever de proteção, enquanto mecanismo de conformação e
controle do papel do legislador, mostra-se limitada para resolver conflitos entre direitos
fundamentais no ciberespaço, especialmente porque, nas normas da autocomunicação
em massa, são os próprios atores privados que estabelecem as regras e condições para
o exercício de liberdades públicas.
Intermediários como redes sociais, ferramentas de busca e plataformas de
conteúdo têm adquirido poderes significativos na adjudicação e conformação de
garantias individuais relacionadas à privacidade, liberdade de expressão, censura,
autodeterminação e acesso à informação. Isso desloca o foco da aplicação dos direitos
fundamentais da esfera pública para a esfera privada.
Essas empresas, em vez de serem agentes passivos na intermediação de
conteúdos, como Facebook, Google e Amazon, interferem ativamente no fluxo de
informações através de filtros, bloqueios e reprodução em massa de conteúdos de
usuários. O uso de algoritmos e ferramentas de Big Data, de forma pouco transparente,
manipula e controla a propagação dos conteúdos privados.
24

Essas peculiaridades evidenciam que os provedores de conteúdo não adotam


uma postura neutra na comunicação em suas redes. As decisões privadas dessas
empresas impactam diretamente nas possibilidades de exercício de liberdades públicas.

• Responsabilidade dos intermediários on-line por conteúdo de terceiro

A ampliação do poder de comunicação das grandes empresas da internet


impõe aos órgãos legislativos e judiciários a necessidade de definir um regime de
respobilidade civil dos intermediadores pelo conteúdo veiculado nessas redes.
Isso porque, no combate a determinados comportamentos ilícitos que são
praticados nos ambientes virtuais – tais como a difusão de discursos de ódio de
manifestações difamatórias ou ainda de notícias falsas (fake news) – a retirada de
conteúdos ilegais das redes depende da ação do próprio detentor do controle do fluxo
informacional.
A questão, no entanto, tangencia o próprio limite da regulação da liberdade de
expressão vis a vis a efetividade do controle do usuário sobre o conteúdo trafegado na
rede. Em geral, as legislações de proteção desses direitos têm estabelecido um regime
de responsabilidade imediata ao provedor, obrigando-o inclusive a implantar
mecanismos de controle a priori da publicação do conteúdo (como os chamados upload
filtering). A definição de um regime rígido de responsabilidade do provedor
independente de ordem judicial expressa, no entanto, traz consigo o risco de
notificações extrajudiciais abusivas ou infundadas comprometerem a liberdade de
manifestação e a pluralidade democrática na rede.
No cenário nacional, a discussão sobre a reponsabilidade dos intermediários
online foi disciplinada pelo art. 19 do Marco Civil da Internet, embora decisões judiciais
anteriores já tivessem enfrentado o tema. O dispositivo legal prevê que, em regra, o
provedor de aplicações de internet “somente poderá ser responsabilizado civilmente
por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial
específica, não tomar as providências para tornar indisponível o conteúdo apontado
como infringente”.
A lei estabelece ainda exceções para hipóteses em que o direito versado é de
natureza autoral (art. 19, § 2º) ou quando a suposta violação do direito envolve a
divulgação não consensual de imagens íntimas (art. 21).
Assim, é possível afirmar que o regime nacional se aproxima ao norte- 25
americano e europeu, consagrando, como regra, a imunidade do provedor pelo
conteúdo de terceiros. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o
tema estabilizou um regime de irresponsabilidade moderada, sendo possível colher das
suas decisões, que os intermediários:

(i) não são diretamente responsáveis pelo conteúdo ilegal produzido pelos seus
usuários;
(ii) não podem ser compelidos a ter que verificar de forma a priori os conteúdos
a serem postados;
(iii) devem remover qualquer conteúdo ilegal das plataformas assim que
tiverem conhecimento disso e
(iv) devem desenvolver e manter mecanismos minimante efetivos de
identificação dos usuários.
26

🔗STJ - PROVEDOR DEVE REMOVER CONTEÚDO OFENSIVO MESMO SEM ORDEM


JUDICIAL

A resposta definitiva sobre o tema, no entanto, será dada pela via da jurisdição
constitucional, quando do julgamento, pelo STF, do Recurso Extraordinário 1.037.396,
representativo do Tema 987 da sistemática da Repercussão Geral.
O debate a ser enfrentado pela Corte consiste em saber se é constitucional ter
que se exigir uma ordem judicial para compelir o provedor a remover determinado
conteúdo ou se o simples descumprimento de uma notificação extrajudicial do usuário
bastaria para caracterizar a responsabilidade do provedor perante a legislação
consumerista.
No caso concreto que deu ensejo à repercussão geral, uma usuária do
Facebook ajuizou ação contra a plataforma pela criação de um perfil falso que utilizava
o nome da autora da ação. No julgamento do recurso inominado, a Segunda Turma
Recursal Cível de Piracicaba/SP determinou não só a remoção do conteúdo, mas
também que o Facebook fosse condenado a pagar danos morais por não ter retirado o
conteúdo logo após a notificação da usuária.
A doutrina tem interpretado que o art. 19 do MCI representa uma escolha do
legislador pelo modelo de responsabilização judicial, visando preservar a liberdade de
expressão na internet, ainda que isso implique em certo sacrifício do controle absoluto
do usuário sobre a informação. No entanto, essa opção não impede que o provedor
remova o conteúdo na ausência de ordem judicial.
Se, a partir de uma notificação extrajudicial de um usuário, a empresa
identificar uma violação dos termos de uso da rede social, por exemplo, poderá
proceder à retirada do conteúdo, mesmo sem ordem judicial. Portanto, o art. 19 do MCI
não estabelece como única condição para remoção do conteúdo a existência de ordem
judicial; ao contrário, explicita que sempre que tal ordem existir, o conteúdo deve ser
removido pela plataforma.
Independentemente da interpretação que o STF possa dar ao MCI nesse ponto,
reconhece-se que o problema da responsabilidade de intermediários pelo conteúdo de
terceiros dificilmente se resolve por uma formulação abstrata da aferição do
cumprimento do dever de proteção dos direitos fundamentais pelo legislador.
Uma vez que as plataformas digitais exercem uma função mediadora e
adjudicatória de direitos que precede a atuação do estado, é fundamental repensar a
teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais para garantir a preservação dos
direitos de personalidade dos usuários, indo além da avaliação da atuação do legislador.
Com a incorporação dos valores do constitucionalismo digital, o controle de
constitucionalidade do art. 19 do MCI deve considerar, em termos factuais, o
comprometimento dos atores privados com o preceito constitucional de liberdade de 27
expressão (art. 5º, inciso IV, da CF/88).
Isso pode eventualmente significar uma abertura da jurisdição constitucional
para a avaliação concreta das práticas de conformação de direitos de personalidade
pelas plataformas digitais. A experiência acumulada do Poder Judiciário no tratamento
dessas questões certamente pode contribuir para a análise dos riscos e benefícios do
regime de responsabilidade subjetiva dos provedores de internet.

1.3. NEOCONSTITUCIONALISMO

Importante iniciarmos este tópico com definições próprias do ministro Luís


Roberto Barroso sobre o conceito de neoconstitucionalismo:
“O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na
acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de
transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional,
em meio às quais podem ser assinalados,
(i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de
direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do
século XX;
(ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade
dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e
ética; e
(iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a
força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição
constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da
interpretação constitucional.
Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e
profundo de constitucionalização do Direito”2.

Em outra definição sobre o tema:


“O neoconstitucionalismo é produto de transformações
profundas no modo como se pensa e se pratica o direito
constitucional. O advento de uma cultura pós-positivista e a
expansão do papel do Judiciário e da jurisdição constitucional
abriram caminho para um constitucionalismo principiológico e
voltado para a concretização dos direitos fundamentais”3.

De início, vale destacar que o termo “Neoconstitucionalismo” não tem sentido


único (alguns doutrinadores identificam, inclusive, como sinônimo de
Constitucionalismo contemporâneo).
28
Tratam-se, em verdade, de “Neoconstitucionalismos”, no plural, em alusão à
obra do jurista Miguel Carbonell. Nesse material, contudo, traçamos algumas diretrizes
gerais do fenômeno, com enfoque especial no que é mais cobrado em provas.
A ideia geral é a Constituição como centro do sistema. A CF passa a ser uma
norma jurídica dotada de imperatividade e superioridade (deixa de ser apenas uma carta
política). Busca-se, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o
Constitucionalismo à ideia de limitação do poder político, mas, acima de tudo, busca-se
a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e
passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização
dos direitos fundamentais.
O Neoconstitucionalismo possui como principais características:
1) Positivação e concretização de um catálogo de direitos
fundamentais;
2) Onipresença dos princípios e das regras;

2
Revista da EMERJ, v. 9, nº 33, 2006.
3
O constitucionalismo democrático no Brasil: crônica de um sucesso imprevisto.
link: https://www.migalhas.com.br/depeso/168919/o-constitucionalismo-democratico-no-brasil--
cronica-de-um-sucesso-imprevisto
3) Inovações hermenêuticas. O formalismo jurídico e a aplicação
automática da lei são substituídos por novos cânones
interpretativos, pela argumentação jurídica e pela ponderação;
4) Densificação da força normativa do Estado; e
5) Desenvolvimento da Justiça Distributiva.

Para o Neoconstitucionalismo, a CF possui uma carga valorativa (axiológica)


fundamentada na dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamentais. Assim, não
se fala apenas em uma simples hierarquia entre a CF, mas sim em uma ponderação de
valores entre suas próprias regras e princípios.
Dessa forma, a CF possui efeito irradiante em relação aos poderes e mesmo aos
particulares. Assim, seus efeitos se aplicam a todos os poderes e às relações entre
particulares (eficácia horizontal).
De acordo com Luís Roberto Barroso, o Neoconstitucionalismo possui os
seguintes marcos fundamentais:
- Marco Histórico – Teve seu início depois do pós-guerra, com o
destaque das Constituições escritas. Dessa forma, foi um
momento de redemocratização e de efetivação do Estado
Constitucional de Direito.
- Marco Filosófico - Teve como marco o Pós-positivismo. Assim, 29
não era suficiente a simples implementação da norma. Esta
deveria ser aplicada e efetivamente cumprida. Com isso, houve
o desenvolvimento das ideias de direitos fundamentais e uma
busca pelo direito mais próximo da ética. Dessa forma, buscou-
se uma concretização dos direitos previstos nas Constituições. A
doutrina aponta que o pós-positivismo foi o fundamento
filosófico de reaproximação entre o Direito e a Moral.
- Marco Teórico - Teve como fundamento as ideias de:
i) Força Normativa da CF, especialmente a partir dos estudos de
Konrad Hesse (buscou-se o seu cumprimento forçado, sua
imperatividade);
ii) Expansão da jurisdição constitucional (supremacia da CF); e
iii) Nova Dogmática de interpretação da CF (voltada para a
implementação de valores e de uma interpretação das normas
conforme a Constituição).

ATENÇÃO! Neoconstitucionalismo NÃO é sinônimo de pós-positivismo. O pós-


positivismo é apenas o marco filosófico do Neoconstitucionalismo (conforme Luis
Roberto Barroso).
O Neoconstitucionalismo pode ser resumido, então, como uma nova
perspectiva de olhar e discutir o direito (em suas dimensões ontológica,
fenomenológica e epistemológica), fundada na força invasiva geral da Constituição e na
centralidade jurídica da tutela dos direitos fundamentais.
Destacam-se, assim, dois conceitos:
- Constitucionalização-inclusão: inclusão na Constituição de
temas anteriormente não tratados, com a incorporação de
valores e opções políticas nos textos constitucionais, como a
tutela do meio ambiente e do consumidor;
- Constitucionalização-releitura: impregnação de todo o
ordenamento jurídico pelos valores constitucionais. Técnica da
interpretação conforme a Constituição e da filtragem
constitucional do direito.

ATENÇÃO! JÁ FOI COBRADO EM PROVAS. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO.


Há razoável consenso doutrinário de que o marco inicial do que é chamado “processo
de constitucionalização do direito” foi estabelecido na Alemanha.
Ali, sob o regime da Lei Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos
doutrinários anteriores, o Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos
fundamentais, além de sua dimensão subjetiva de proteção de situações individuais, 30
desempenham uma outra função: a de instituir uma ordem objetiva de valores.

No campo teórico, o Neoconstitucionalismo “bebe” diretamente da


ressignificação do conceito de norma a partir das lições de Dworkin e Alexy,
especialmente no que tange ao reconhecimento do caráter jurídico e da força cogente
dos princípios.
Todas essas construções serviram de base para um observável
redimensionamento do papel do Judiciário, inclusive com o reconhecimento da
natureza criativa da interpretação e aplicação do Direito.
Isso fundamenta, por exemplo, a determinação de fornecimento de
medicamentos em ações contra o Poder Público que versem sobre o direito à saúde,
ainda que não estejam previstos na lista do SUS (atos normativos infraconstitucionais),
para concretização do direito fundamental à saúde, indissociável do direito à vida (STJ.
1ª Seção. EDcl no REsp 1657156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em
12/09/2018 - recurso repetitivo).
Outros exemplos jurisprudenciais de aplicação prática da força normativa dos
princípios constitucionais:
i) Judiciário pode condenar o Poder Público a realizar obras
emergenciais em estabelecimento prisional (STF. Plenário. RE
592581/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em
13/8/2015).
ii) Poder Judiciário pode condenar o Estado a garantir o direito à
acessibilidade em prédios públicos (STF. 1ª Turma. RE
440028/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/10/2013).
iii) Poder Judiciário pode condenar o Município a fornecer vaga,
em creche, a crianças de até 5 anos de idade (STF. RE 956475,
Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 12/05/2016).

Verifica-se, portanto, uma tendência à chamada judicialização da política e das


relações sociais, de forma que o Poder Judiciário é chamado a intervir, ainda que de
maneira excepcional, para sanar a omissão dos outros poderes, atuando na
concretização de direitos e princípios constitucionais.
Em outras palavras, é como se ao clássico princípio da separação dos poderes
fosse agregada uma interpretação mais flexível, capaz de transpor os rígidos limites da
tradição francesa e admitir o controle jurisdicional de políticas públicas de caráter
fundamental.

1.3.1 NEOCONSTITUCIONALISMO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO (O TRIUNFO


TARDIO DO DIREITO CONSTITUCIONAL NO BRASIL) - MINISTRO LUÍS ROBERTO
BARROSO

31

ADI 4277 e ADPF 132

O artigo "Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O Triunfo


Tardio do Direito Constitucional no Brasil" do Ministro Luís Roberto Barroso,
desenvolvido durante sua estadia na Universidade de San Francisco (USFCA), constitui
uma análise profunda e instigante sobre o papel do neoconstitucionalismo e a
constitucionalização do direito no contexto jurídico brasileiro.
Neste tópico vamos explorar os principais pontos abordados por Barroso,
proporcionando uma análise crítica e reflexiva sobre as complexidades desse
movimento jurídico. Entender a perspectiva do Ministro da Suprema Corte é crucial para
construir uma base sólida diante de possíveis questões no ENAM.
I. Marco Histórico:

• Europa: Após a 2ª Guerra Mundial, especialmente na Alemanha e na Itália,


ocorreu a reconstitucionalização, que redefiniu o papel e a influência da
Constituição nas instituições. A aproximação das idéias de constitucionalismo e
de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende
por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de
direito, Estado constitucional democrático. Seria mau investimento de tempo
e energia especular sobre sutilezas semânticas na matéria. A principal
referência no desenvolvimento do novo direito constitucional se deu na
Alemanha, com a Lei Fundamental de Bonn de 1949 e a criação do Tribunal
Constitucional Federal em 1951. A segunda referência de destaque é a da
Constituição da Itália, de 1947, e a subsequente instalação da Corte
Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a
reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor
e volume ao debate sobre o novo direito constitucional.

• Brasil: No contexto brasileiro, assistimos ao renascimento do direito


constitucional em meio ao processo de reconstitucionalização, particularmente
durante o período de formulação e implementação da Constituição de 1988.
Esta Constituição, apesar das constantes emendas e desafios enfrentados em
32
seu texto, desempenhou um papel crucial ao guiar a nação de um regime
autoritário para um ambiente de Estado democrático de direito. A Constituição
de 1988 foi fundamental para estabelecer um período prolongado de
estabilidade institucional no Brasil, um feito notável em sua história
republicana. Ao longo de sua vigência, o país passou por momentos decisivos,
incluindo o impeachment de um Presidente, escândalos políticos significativos
e mudanças na liderança governamental, todos enfrentados dentro dos limites
da legalidade constitucional. Esses desafios reforçam o respeito crescente pela
Constituição, demonstrando a maturidade do sistema democrático brasileiro.

• Sentimento Constitucional: Sob a égide da Constituição de 1988, o direito


constitucional no Brasil vivenciou uma transformação notável, saindo da
marginalidade para alcançar um patamar de grande relevância em menos de
uma geração. O Ministro Luís Roberto Barroso enfatiza que uma Constituição
transcende seu aspecto técnico; ela deve ser capaz de simbolizar as conquistas
da sociedade e inspirar as pessoas a almejarem progressos futuros. Neste
contexto, o surgimento de um sentimento constitucional no Brasil é um marco
digno de celebração. Este sentimento constitucional, embora incipiente, é
autêntico e profundo, demonstrando um respeito crescente pela Lei Maior do
país, apesar das frequentes mudanças em seu texto. Esse desenvolvimento é
um avanço substancial, indicando a superação da indiferença histórica que
predominava em relação à Constituição. Como Barroso aponta, a verdadeira
antítese do amor não é o ódio, mas sim a indiferença, e o surgimento desse
respeito constitucional representa um passo significativo no fortalecimento dos
valores democráticos e constitucionais no Brasil.

II. Marco Filosófico:

O pós-positivismo emerge como o marco filosófico do direito constitucional


contemporâneo, situando-se na intersecção entre o jusnaturalismo e o positivismo,
duas correntes de pensamento tradicionalmente opostas, mas que ocasionalmente se
complementam. Essa era atual é marcada pela transcendência dos modelos tradicionais
em favor de um espectro mais amplo de ideias, coletivamente denominadas pós-
positivismo.
O jusnaturalismo, que ganhou força a partir do século XVI, associou a lei à razão,
transformando-a na filosofia natural do Direito. Sustentado por princípios de justiça
universal, esse pensamento impulsionou as revoluções liberais, culminando com as
Constituições e codificações escritas.
No entanto, foi marginalizado pela ascensão do positivismo jurídico no final do
século XIX, que, almejando objetividade científica, igualou o Direito à lei e o distanciou
de conceitos como legitimidade e justiça. O positivismo prevaleceu até a metade do
século XX, mas entrou em declínio após os horrores do fascismo e do nazismo, que
utilizaram a legalidade para encobrir atrocidades. 33
O pós-positivismo surge como uma resposta ao declínio histórico do
jusnaturalismo e ao fracasso político do positivismo, propondo uma abordagem mais
ampla e reflexiva do Direito. O pós-positivismo se propõe a transcender a mera
legalidade sem desconsiderar o direito estabelecido; busca uma interpretação moral do
Direito, evitando categorias metafísicas.
A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico devem ser guiadas por
uma teoria de justiça, evitando decisões arbitrárias ou personalistas, especialmente no
âmbito judicial. Dentro deste novo paradigma, que ainda está em formação, incluem-se
a atribuição de normatividade aos princípios, a definição de suas relações com valores
e regras, a revitalização da razão prática e da argumentação jurídica, a criação de uma
nova hermenêutica constitucional e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos
fundamentais baseada na dignidade humana. Este contexto favorece uma reconexão
entre o Direito e a filosofia.

III. Marco Teórico:

No contexto teórico, três transformações fundamentais remodelaram a


aplicação do direito constitucional:
a) o reconhecimento da força normativa da Constituição;
b) a ampliação da jurisdição constitucional;
c) a formulação de uma nova dogmática interpretativa constitucional. Cada
uma dessas mudanças é examinada a seguir.

A) Força Normativa da Constituição

Uma mudança paradigmática significativa no século XX foi a elevação da norma


constitucional ao patamar de norma jurídica, superando a visão anterior na Europa,
onde a Constituição era percebida majoritariamente como um documento político. A
concretização de suas propostas ficava invariavelmente condicionada à liberdade de
conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador. Ao Judiciário não
se reconhecia qualquer papel relevante na realização do conteúdo da Constituição.
Essa transformação começou após a 2ª Guerra Mundial, inicialmente na
Alemanha e, posteriormente, na Itália, Portugal e Espanha. Atualmente, a
normatividade e o caráter obrigatório das disposições constitucionais são amplamente
reconhecidos.
O debate acerca da força normativa da Constituição só chegou ao Brasil, de
maneira consistente, ao longo da década de 80, tendo enfrentado as resistências
previsíveis. Além das complexidades inerentes à concretização de qualquer ordem
jurídica, padecia o país de patologias crônicas, ligadas ao autoritarismo e à insinceridade
constitucional.
Não é surpresa, portanto, que as Constituições tivessem sido, até então,
34
repositórios de promessas vagas e de exortações ao legislador infraconstitucional, sem
aplicabilidade direta e imediata. Coube à Constituição de 1988, bem como à doutrina e
à jurisprudência que se produziram a partir de sua promulgação, o mérito elevado de
romper com a posição mais retrógrada.

B) Expansão da Jurisdição Constitucional

Antes de 1945, predominava na Europa o modelo de supremacia legislativa. A


partir do final dos anos 40, inspirado pelo modelo americano, surgiu um novo
paradigma: a supremacia da Constituição, com o Judiciário assumindo a proteção dos
direitos fundamentais. Esse modelo se difundiu pela Europa, com a criação de tribunais
constitucionais em diversos países.
No Brasil, o controle de constitucionalidade existe, em molde incidental, desde
a primeira Constituição republicana, de 1891. A denominada ação genérica (ou,
atualmente, ação direta), destinada ao controle por via principal - abstrato e
concentrado -, foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 16, de 1965. Nada
obstante, a jurisdição constitucional expandiu-se, verdadeiramente, a partir da
Constituição de 1988.
A causa determinante foi a ampliação do direito de propositura . A ela somou-
se a criação de novos mecanismos de controle concentrado, como a ação declaratória
de constitucionalidade e a regulamentação da argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
No sistema constitucional brasileiro, o Supremo Tribunal Federal pode exercer
o controle de constitucionalidade:
(i) em ações de sua competência originária (CF, art. 102, I);
(ii) por via de recurso extraordinário (CF, art. 102, III); e
(iii) em processos objetivos, nos quais se veiculam as ações diretas.
Para conter o número implausível de recursos extraordinários interpostos para
o Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional nº 45, que procedeu a diversas
modificações na disciplina do Poder Judiciário, criou a figura da repercussão geral da
questão constitucional discutida, como requisito de admissibilidade do recurso.

C) Nova Interpretação Constitucional

A interpretação constitucional é uma modalidade de interpretação jurídica. Tal


circunstância é uma decorrência natural da força normativa da Constituição, isto é, do
reconhecimento de que as normas constitucionais são normas jurídicas, compartilhando
de seus atributos.
Porque assim é, aplicam-se à interpretação constitucional os elementos 35
tradicionais de interpretação do Direito, de longa data definidos como o gramatical, o
histórico, o sistemático e o teleológico. Cabe anotar, neste passo, para adiante voltar-se
ao tema, que os critérios tradicionais de solução de eventuais conflitos normativos são
o hierárquico (lei superior prevalece sobre a inferior), o temporal (lei posterior prevalece
sobre a anterior) e o especial (lei especial prevalece sobre a geral).
Sem prejuízo do que se vem de afirmar, o fato é que as especificidades das
normas constitucionais levaram a doutrina e a jurisprudência, já de muitos anos, a
desenvolver ou sistematizar um elenco próprio de princípios aplicáveis à interpretação
constitucional.
Tais princípios, de natureza instrumental, e não material, são pressupostos
lógicos, metodológicos ou finalísticos da aplicação das normas constitucionais. São eles,
na ordenação que se afigura mais adequada para as circunstâncias brasileiras: o da
supremacia da Constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e atos
do Poder Público, o da interpretação conforme a Constituição, o da unidade, o da
razoabilidade e o da efetividade.
É importante ressaltar que a interpretação jurídica tradicional ainda não foi
totalmente substituída ou superada. De fato, ela permanece sendo a abordagem
predominante na resolução de muitas, se não a maioria, das questões jurídicas.
No entanto, recentemente, operadores jurídicos e os teóricos do Direito
perceberam que as abordagens convencionais de interpretação jurídica não são
completamente eficazes na solução de problemas associados à aplicação da vontade
constitucional. Isso levou ao desenvolvimento de novos conceitos e categorias
doutrinárias, reunidos sob o termo "nova interpretação constitucional".
Esta nova interpretação se beneficia de uma ampla gama teórica e de um
sincretismo metodológico. Em seguida, será feita uma comparação breve entre estes
dois modelos de interpretação.
A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes
premissas:
(i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato
abstrato, a solução para os problemas jurídicos;
(ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no
ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser
resolvido, revelando a solução nela contida.
Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico
e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de
juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras,
enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção .
Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais
se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente
satisfatórias. Assim:
(i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos
problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato
do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a
resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos 36
fatos relevantes, analisados topicamente;
(ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma
função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução
contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se
coparticipante do processo de criação do Direito, completando
o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as
cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.
Estas transformações noticiadas acima, tanto em relação à norma quanto ao
intérprete, são ilustradas de maneira eloquente pelas diferentes categorias com as quais
trabalha a nova interpretação. Dentre elas incluem-se as cláusulas gerais, os princípios,
as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação. Abaixo uma
breve nota sobre cada uma delas.
As denominadas cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados
contêm termos ou expressões de textura aberta, dotados de plasticidade, que fornecem
um início de significação a ser complementado pelo intérprete, levando em conta as
circunstâncias do caso concreto.
A norma em abstrato não contém integralmente os elementos de sua
aplicação. Ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social e boa fé, dentre
outras, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes
na realidade fática, de modo a definir o sentido e o alcance da norma. Como a solução
não se encontra integralmente no enunciado normativo, sua função não poderá limitar-
se à revelação do que lá se contém; ele terá de ir além, integrando o comando normativo
com a sua própria avaliação.
O reconhecimento de normatividade aos princípios e sua distinção qualitativa
em relação às regras é um dos símbolos do pós- positivismo. Princípios não são, como
as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim
normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem
realizados por diferentes meios.
A definição do conteúdo de cláusulas como dignidade da pessoa humana,
razoabilidade, solidariedade e eficiência também transfere para o intérprete uma dose
importante de discricionariedade. Como se percebe claramente, a menor densidade
jurídica de tais normas impede que delas se extraia, no seu relato abstrato, a solução
completa das questões sobre as quais incidem. Também aqui, portanto, impõe-se a
atuação do intérprete na definição concreta de seu sentido e alcance.
A existência de colisões de normas constitucionais, tanto as de princípios como
as de direitos fundamentais, passou a ser percebida como um fenômeno natural - até
porque inevitável - no constitucionalismo contemporâneo.
As Constituições modernas são documentos dialéticos, que consagram bens
jurídicos que se contrapõem. Há choques potenciais entre a promoção do
desenvolvimento e a proteção ambiental, entre a livre-iniciativa e a proteção do
consumidor. No plano dos direitos fundamentais, a liberdade religiosa de um indivíduo
pode conflitar-se com a de outro, o direito de privacidade e a liberdade de expressão
vivem em tensão contínua, a liberdade de reunião de alguns pode interferir com o 37
direito de ir e vir dos demais.
Quando duas normas de igual hierarquia colidem em abstrato, é intuitivo que
não possam fornecer, pelo seu relato, a solução do problema. Nestes casos, a atuação
do intérprete criará o Direito aplicável ao caso concreto.
A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de
ponderação. A subsunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema, por não ser
possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas. Tampouco podem ser úteis
os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos - hierárquico, cronológico e
da especialização - quando a colisão se dá entre disposições da Constituição originária.
Neste cenário, a ponderação de normas, bens ou valores é a técnica a ser
utilizada pelo intérprete, por via da qual ele (i) fará concessões recíprocas, procurando
preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii)
procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais
adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio
instrumental da razoabilidade.
Chega-se, por fim, à argumentação, à razão prática, ao controle da
racionalidade das decisões proferidas, mediante ponderação, nos casos difíceis, que são
aqueles que comportam mais de uma solução possível e razoável.
As decisões que envolvem a atividade criativa do juiz potencializam o dever de
fundamentação, por não estarem inteiramente legitimadas pela lógica da separação de
Poderes - por esta última, o juiz limita-se a aplicar, no caso concreto, a decisão abstrata
tomada pelo legislador.
Para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretação nessas
situações, o intérprete deverá, em meio a outras considerações:

(i) reconduzi-la sempre ao sistema jurídico, a uma norma


constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento - a
legitimidade de uma decisão judicial decorre de sua vinculação a
uma deliberação majoritária, seja do constituinte ou do
legislador;
(ii) utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser
generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de
universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas;
(iii) levar em conta as conseqüências práticas que sua decisão
produzirá no mundo dos fatos.

Em suma: o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção


aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado
e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados,
(i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja
consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX;
(ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos 38
fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e
(iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força
normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento
de uma nova dogmática da interpretação constitucional.
Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de
constitucionalização do Direito.

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

A ideia de constitucionalização do direito empregada por Luís Roberto Barroso


no texto, está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo
conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema
jurídico.
Para o autor, valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos
princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas
as normas do direito infraconstitucional.
Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três
Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais
original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares.
Relativamente ao Legislativo, a constitucionalização
(i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração
das leis em geral e
(ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos
e programas constitucionais.
No tocante à Administração Pública, além de igualmente
(i) limitar-lhe a discricionariedade e
(ii) impor a ela deveres de atuação, ainda
(iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação
direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do
legislador ordinário.
Quanto ao Poder Judiciário,
(i) serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele
desempenhado (incidental e por ação direta), bem como
(ii) condiciona a interpretação de todas as normas do sistema.
Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua autonomia da
vontade, em domínios como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada,
subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais.
39
ORIGEM E EVOLUÇÃO DO FENÔMENO

Há razoável consenso de que o marco inicial do processo de


constitucionalização do Direito foi estabelecido na Alemanha. Ali, sob o regime da Lei
Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos doutrinários que já vinham de
mais longe, o Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais,
além de sua dimensão subjetiva de proteção de situações individuais, desempenham
uma outra função: a de instituir uma ordem objetiva de valores.
O sistema jurídico deve proteger determinados direitos e valores, não apenas
pelo eventual proveito que possam trazer a uma ou a algumas pessoas, mas pelo
interesse geral da sociedade na sua satisfação. Tais normas constitucionais condicionam
a interpretação de todos os ramos do Direito, público ou privado, e vinculam os Poderes
estatais. O primeiro grande precedente na matéria foi o caso Lüth , julgado em 15 de
janeiro de 1958.
A partir daí, baseando-se no catálogo de direitos fundamentais da Constituição
alemã, o Tribunal Constitucional promoveu uma verdadeira "revolução de idéias",
especialmente no direito civil. De fato, ao longo dos anos subseqüentes, a Corte
invalidou dispositivos do BGB, impôs a interpretação de suas normas de acordo com a
Constituição e determinou a elaboração de novas leis.
Assim, por exemplo, para atender ao princípio da igualdade entre homens e
mulheres, foram introduzidas mudanças legislativas em matéria de regime matrimonial,
direitos dos ex-cônjuges após o divórcio, poder familiar, nome de família e direito
internacional privado. De igual sorte, o princípio da igualdade entre os filhos legítimos e
naturais provocou reformas no direito de filiação. De parte isso, foram proferidos
julgamentos interessantes em temas como uniões homossexuais (homoafetivas) e
direito dos contratos.

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO NO BRASIL

a) Direito Infraconstitucional na Constituição Brasileira de 1988

A Constituição Brasileira de 1988 é emblemática por simbolizar a transição


democrática do país e por contribuir significativamente para a estabilidade política mais
duradoura na história do Brasil.
Embora represente um marco importante, ela não é a Constituição de uma
maturidade institucional plena, mas reflete as circunstâncias da época. Seu texto final é
o resultado de uma combinação heterogênea de interesses legítimos de diferentes
grupos, incluindo trabalhadores, classes econômicas e funcionais, além de elementos de
paternalismo, reserva de mercado e privilégios corporativos.
Esta Carta, surgida em um contexto de euforia pós-exclusão da sociedade civil,
se caracteriza por ser mais analítica, prolixa e focada em interesses corporativos. É 40
notável que a Constituição de 1988 aborda diversos ramos do direito infraconstitucional,
variando desde princípios gerais até regras específicas, abrangendo áreas como direito
administrativo, civil, penal, trabalhista, processual civil e penal, financeiro e
orçamentário, tributário e internacional, entre outros.
A Carta também contém um título sobre a ordem econômica, que inclui normas
relacionadas à política urbana, agrícola e ao sistema financeiro, e outro sobre a ordem
social, dividido em vários capítulos e seções, abarcando temas desde saúde até questões
indígenas.
Ainda que o fenômeno da constitucionalização do Direito, conforme discutido,
não seja o mesmo que a inclusão de normas de direito infraconstitucional na
Constituição, existe uma sobreposição entre esses dois aspectos.
Quando princípios e regras específicos de determinada área do direito são
elevados ao status constitucional, a interação dessas normas com outras do mesmo
subsistema é alterada, adquirindo uma natureza subordinante. Isso representa a
constitucionalização das fontes do Direito na respectiva área, um processo que, embora
nem sempre seja desejável, afeta os limites de ação do legislador ordinário e a
abordagem constitucional que o Judiciário deve adotar em relação ao tema
constitucionalizado.
b) A Constitucionalização do Direito Infraconstitucional

A partir de 1988, e especialmente nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição


não apenas manteve sua supremacia formal, mas também alcançou uma supremacia
material e axiológica, fortalecida pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade
de seus princípios.
Com grande vigor e uma força normativa sem precedentes, a Constituição
tornou-se uma figura proeminente no cenário jurídico do país, influenciando
significativamente o discurso dos operadores jurídicos.
O antigo Código Civil, que ocupava o centro do sistema jurídico, foi deslocado.
O direito civil, que desempenhou o papel de um direito geral no Brasil e conferiu certa
unidade dogmática ao ordenamento, perdeu sua influência progressivamente.
Ao longo do tempo, inúmeras leis específicas foram promulgadas, criando
microssistemas autônomos em relação ao Código Civil em áreas como alimentos,
filiação, divórcio, locação, consumidor, criança e adolescente, e sociedades
empresariais. Mesmo com a promulgação de um novo Código Civil em 2002, a
"descodificação" do direito civil já estava em curso.
Nesse contexto, a Constituição não é apenas um sistema por si só, com sua
ordem, unidade e harmonia, mas também se torna uma lente pela qual todos os ramos
do Direito são interpretados. Esse fenômeno, conhecido como filtragem constitucional,
implica que toda a ordem jurídica deve ser interpretada à luz da Constituição para 41
realizar os valores nela consagrados.
Assim, toda interpretação jurídica hoje é também uma interpretação
constitucional. A Constituição exerce sua influência:
o Diretamente, quando uma pretensão é fundamentada em
uma norma do próprio texto constitucional, como no caso de
imunidade tributária ou nulidade de prova obtida ilicitamente;
o Indiretamente, quando uma pretensão é baseada em uma
norma infraconstitucional, envolvendo a verificação de sua
compatibilidade com a Constituição antes de sua aplicação, e
orientando seu sentido e alcance à realização dos fins
constitucionais.
A Constituição agora ocupa o centro do sistema jurídico, irradiando sua força
normativa com supremacia formal e material. Ela atua não apenas como parâmetro
de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de
interpretação para todas as normas do sistema.

c) A Constitucionalização do Direito e seus Mecanismos de Atuação Prática

A influência da constitucionalização do Direito sobre os diversos Poderes


estatais é evidente, como mencionado anteriormente. Tanto ao legislador quanto ao
administrador, são impostos deveres, tanto negativos quanto positivos, para que
respeitem os limites e promovam os objetivos estabelecidos pela Constituição.
No entanto, é crucial destacar que a obra primordial desse processo é realizada
pela jurisdição constitucional, exercida de forma difusa por juízes e tribunais e de
maneira concentrada pelo Supremo Tribunal Federal quando a referência é a
Constituição Federal.
Esta concretização da supremacia formal e axiológica da Constituição envolve
diversas técnicas e possibilidades interpretativas, incluindo:
o O reconhecimento da revogação de normas
infraconstitucionais anteriores à Constituição (ou emendas
constitucionais) quando incompatíveis com esta;
o A declaração de inconstitucionalidade de normas
infraconstitucionais posteriores à Constituição quando
incompatíveis com esta;
o A declaração da inconstitucionalidade por omissão,
convocando a atuação do legislador;
o A interpretação conforme a Constituição, que pode assumir
duas formas: (i) A leitura da norma infraconstitucional de
maneira a melhor realizar o sentido e alcance dos valores e
objetivos constitucionais subjacentes; (ii) A declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, excluindo 42
uma interpretação possível da norma - geralmente a mais óbvia
- e afirmando uma interpretação alternativa compatível com a
Constituição.

Aprofundando esse argumento, especialmente em relação à interpretação


conforme a Constituição, é importante considerar que o controle de constitucionalidade
é uma forma de interpretação e aplicação da Constituição.
Existe consenso de que cabe ao Judiciário pronunciar a invalidade de
enunciados normativos incompatíveis com o texto constitucional, suspendendo sua
eficácia. No entanto, de acordo com a tradição jurídica convencional, ao Judiciário não
cabe inovar na ordem jurídica, criando comandos inexistentes. Em outras palavras, o
Judiciário tem a autoridade para invalidar um ato do Legislativo, mas não para substituí-
lo por um ato de sua própria vontade. As modernas técnicas de interpretação
constitucional, como a interpretação conforme a Constituição, continuam vinculadas a
esse pressuposto, ao qual adicionam um elemento incontornável.
A interpretação jurídica raramente é unívoca, seja porque um mesmo
enunciado pode produzir normas diversas ao incidir sobre diferentes circunstâncias de
fato, seja devido à polissemia dos termos.
A interpretação conforme a Constituição, portanto, pode envolver uma
determinação de sentido da norma, sua não incidência em uma situação específica ou a
exclusão, por inconstitucionalidade, de uma das interpretações possíveis do texto
normativo.
Em todos esses casos, não há uma declaração de inconstitucionalidade do
enunciado normativo, e a norma permanece no ordenamento. Esse mecanismo concilia
o princípio da supremacia da Constituição com o princípio da presunção de
constitucionalidade, sendo seu limite natural as possibilidades semânticas do texto
normativo.

ASPECTOS CONTEXTUAIS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

a) Direito Civil: Evolução das Relações com o Direito Constitucional

Ao longo dos últimos dois séculos, as relações entre o Direito Constitucional e


o Direito Civil passaram por três fases distintas, evoluindo de uma indiferença inicial
para uma convivência mais intensa.
O marco inicial desse percurso remonta à Revolução Francesa, que, em 1791,
conferiu ao direito constitucional a Constituição escrita e ao direito civil o Código Civil
napoleônico, promulgado em 1804. Mesmo coexistentes, esses ramos jurídicos não se
integravam nem se comunicavam.
As fases desse processo de aproximação podem ser delineadas da seguinte
forma:

Mundos Apartados No início do constitucionalismo moderno na Europa, a


Constituição era vista como uma Carta Política, orientada para 43
as relações entre o Estado e o cidadão. Em contrapartida, o
Código Civil era considerado o documento jurídico que
regulava as relações entre particulares, muitas vezes chamado
de "Constituição do direito privado". A Constituição tinha
papel limitado, convocando a atuação dos Poderes Públicos,
enquanto o direito civil, herdeiro do direito romano, era
moldado pelo Código napoleônico para proteger propriedade
e liberdade contratual.

Publicização do Com o advento do Estado social no século XX e a crítica à


Direito Privado desigualdade material, o direito civil deixou de ser
exclusivamente individualista. O Estado começou a intervir
nas relações privadas, introduzindo normas de ordem pública
para proteger a parte mais vulnerável, como consumidores,
locatários e empregados. Esse período, conhecido como
dirigismo contratual, consolidou a publicização do direito
privado.

Constitucionalização Atualmente, a Constituição assume o centro do sistema


do Direito Civil jurídico, atuando como filtro axiológico para a interpretação
do direito civil. Regras específicas na Constituição, como a
igualdade e a função social da propriedade, bem como
princípios difundidos por todo o ordenamento, como a
dignidade da pessoa humana, redefinem as relações no direito
civil. A dignidade humana promove uma despatrimonialização
e repersonalização do direito civil, enquanto a aplicabilidade
dos direitos fundamentais às relações privadas destaca a
ponderação entre autonomia da vontade e direitos
fundamentais. O processo de constitucionalização do direito
civil no Brasil avançou progressivamente, sendo absorvido
pela jurisprudência e doutrina. As resistências,
fundamentadas em visões tradicionalistas, dissiparam-se, e a
sinergia entre direito constitucional e civil potencializa ambos
os ramos, mantendo a tradição da doutrina civilista.

b) Direito Administrativo

Consoante o Ministro Luís Roberto Barroso, na atualidade, três conjuntos de


circunstâncias devem ser considerados no âmbito da constitucionalização do Direito
Administrativo:
a) a presença de uma vasta quantidade de normas
constitucionais direcionadas para a disciplina da Administração
Pública;
b) as transformações ocorridas no Estado brasileiro nos últimos
anos;
44
c) a influência dos princípios constitucionais sobre as categorias
do direito administrativo.
Esses elementos se somam para configurar o modelo atual, no qual diversos
paradigmas estão sendo reavaliados ou superados. O início da inclusão de dispositivos
sobre a Administração Pública nas Constituições modernas deu-se com as Cartas italiana
e alemã, sendo posteriormente ampliado pelos Textos português e espanhol.
A Constituição brasileira de 1988 aborda extensivamente a Administração
Pública, apresentando um nível criticável de detalhamento e um verdadeiro estatuto
dos servidores públicos.
No entanto, contém virtudes, como a dissociação da função administrativa da
atividade de governo e a enunciação expressa de princípios setoriais do direito
administrativo, que, na redação original, eram os da legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade.
A Emenda Constitucional nº 19 acrescentou ao elenco o princípio da eficiência.
Nesse contexto, a tensão entre eficiência, de um lado, e legitimidade democrática, de
outro, destaca-se como uma das características da Administração Pública na atualidade.
Além disso, é necessário assinalar que o perfil constitucional do Estado
brasileiro, nos domínios administrativo e econômico, foi transformado por meio de
amplas reformas econômicas, implementadas por emendas e legislação
infraconstitucional.
Essas reformas podem ser agrupadas em três categorias: extinção de restrições
ao capital estrangeiro, flexibilização de monopólios estatais e desestatização. Essas
mudanças alteraram as bases sobre as quais o Poder Público atuava, tanto no que diz
respeito à prestação de serviços públicos quanto à exploração de atividades
econômicas.
A redução significativa da atuação empreendedora do Estado transferiu sua
responsabilidade principal para o campo da regulação e fiscalização dos serviços
delegados à iniciativa privada e das atividades econômicas sujeitas a regime especial.
Nesse contexto, as agências reguladoras surgiram como uma via institucional pela qual
se concretizou a transformação do papel do Estado em relação à ordem econômica.
Por fim, mais decisivo que tudo para a constitucionalização do direito
administrativo foi a incidência no seu domínio dos princípios constitucionais, não apenas
os específicos, mas principalmente os de caráter geral, que se irradiam por todo o
sistema jurídico.
A partir da centralidade da dignidade humana e da preservação dos direitos
fundamentais, a qualidade das relações entre Administração e administrado foi
alterada, com a superação ou reformulação de paradigmas tradicionais. Dentre esses
paradigmas, destacam-se:
o A redefinição da ideia de supremacia do interesse público sobre o
interesse privado. Em relação a este tema, é necessário, em primeiro
lugar, fazer a distinção entre interesse público primário – o interesse da
sociedade, sintetizado em valores como justiça, segurança e bem-estar 45
social – e interesse público secundário, que é o interesse da pessoa
jurídica de direito público (União, Estados e Municípios), identificando-se
com o interesse da Fazenda Pública, isto é, do erário. O interesse público
secundário jamais desfrutará de uma supremacia a priori e abstrata em
face do interesse particular. Se ambos entrarem em rota de colisão,
caberá ao intérprete proceder à ponderação desses interesses, à vista
dos elementos normativos e fáticos relevantes para o caso concreto.
o A vinculação do administrador à Constituição e não apenas à lei
ordinária. Supera-se, aqui, a ideia restrita de vinculação positiva do
administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade,
pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador
determinasse ou autorizasse. O administrador pode e deve atuar tendo
por fundamento direto a Constituição e independentemente, em muitos
casos, de qualquer manifestação do legislador ordinário. O princípio da
legalidade transmuda-se, assim, em princípio da constitucionalidade
ou, talvez mais propriamente, em princípio da juridicidade,
compreendendo sua subordinação à Constituição e à lei, nessa ordem
o A possibilidade de controle judicial do mérito do ato administrativo. O
conhecimento convencional em matéria de controle jurisdicional do ato
administrativo limitava a cognição dos juízes e tribunais aos aspectos da
legalidade do ato (competência, forma e finalidade) e não do seu mérito
(motivo e objeto), aí incluídas a conveniência e oportunidade de sua
prática. Já não se passa mais assim. Não apenas os princípios
constitucionais gerais já mencionados, mas também os específicos, como
moralidade, eficiência e, sobretudo, a razoabilidade-proporcionalidade
permitem o controle da discricionariedade administrativa (observando-
se, naturalmente, a contenção e a prudência, para que não se substitua
a discricionariedade do administrador pela do juiz).

c) Direito Penal

A repercussão do direito constitucional sobre a disciplina legal dos crimes e das


penas é ampla, direta e imediata, embora não tenha sido explorada de maneira
abrangente e sistemática pela doutrina especializada. A Constituição tem impacto sobre
a validade e a interpretação das normas de direito penal, bem como sobre a produção
legislativa na matéria.
Em primeiro lugar, pela previsão de um amplo catálogo de garantias, inserido
no art. 5º da CF/88. Além disso, o texto constitucional impõe ao legislador o dever de
criminalizar determinadas condutas, assim como impede a criminalização de outras.
Adicione-se a circunstância de que algumas tipificações previamente existentes
são questionáveis à luz dos novos valores constitucionais ou da transformação dos
costumes, assim como podem ser excepcionadas em algumas de suas incidências
concretas, se provocarem resultado constitucionalmente indesejável.
A constitucionalização do Direito Penal suscita um conjunto instigante e
46
controvertido de ideias, a serem submetidas ao debate doutrinário e à consideração da
jurisprudência.
Boa parte do pensamento jurídico descrê das potencialidades das penas
privativas de liberdade, que somente deveriam ser empregadas em hipóteses extremas,
quando não houvesse meios alternativos eficazes para a proteção dos interesses
constitucionalmente relevantes.
Os bens jurídicos constitucionais obedecem a uma ordenação hierárquica, de
modo que a gravidade da punição deve ser graduada em função dessa lógica. A disciplina
jurídica dada a determinada infração ou a pena aplicável não deve ir além nem
tampouco ficar aquém do necessário à proteção dos valores constitucionais em questão.
No primeiro caso, haverá inconstitucionalidade por falta de razoabilidade ou
proporcionalidade; no segundo, por omissão em atuar na forma reclamada pela
Constituição.
Uma hipótese específica de constitucionalização do direito penal suscitou
candente debate na sociedade e no Supremo Tribunal Federal: a da legitimidade ou
não da interrupção da gestação nas hipóteses de feto anencefálico.
Na ação constitucional ajuizada pediu-se a interpretação conforme a
Constituição dos dispositivos do Código Penal que tipificam o crime de aborto, para
declarar sua não incidência naquela situação de inviabilidade fetal.
A grande questão teórica em discussão era a de saber se, ao declarar a não
incidência do Código Penal a uma determinada situação, porque isso provocaria um
resultado inconstitucional, estaria o STF interpretando a Constituição - que é o seu papel
- ou criando uma hipótese de não punibilidade do aborto, em invasão da competência
do legislador.

CONSTITUCIONALIZAÇÃO E JUDICIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

A constitucionalização, conforme o Ministro Luís Roberto Barroso, representa


a disseminação dos valores constitucionais pelo sistema jurídico. Essa difusão da Lei
Maior no ordenamento jurídico ocorre por meio da jurisdição constitucional,
englobando a aplicação direta da Constituição a questões específicas, a declaração de
inconstitucionalidade de normas incompatíveis e a interpretação conforme a
Constituição para atribuir sentido às normas jurídicas em geral.
No contexto brasileiro, é crucial destacar que a jurisdição constitucional é
exercida de forma abrangente, permitindo que desde juízes estaduais até o Supremo
Tribunal Federal interpretem a Constituição e possam recusar a aplicação de leis ou atos
normativos considerados inconstitucionais.
Paralelamente a essa ampla jurisdição constitucional, um fenômeno digno de
destaque se apresenta. Sob a Constituição de 1988, houve um aumento significativo na
demanda por justiça na sociedade brasileira. Isso se deve, em primeiro lugar, à
redescoberta da cidadania e à conscientização das pessoas sobre seus próprios direitos.
Além disso, o texto constitucional introduziu novos direitos, criou novas ações
e ampliou a legitimação ativa para a proteção de interesses, por meio de representação
ou substituição processual. Nesse cenário, juízes e tribunais assumiram um papel 47
simbólico importante no imaginário coletivo. Esse desenvolvimento culmina em um
último aspecto de natureza política, discutido no parágrafo subsequente.
Uma das notáveis evoluções no Brasil nos últimos anos foi a ascensão
institucional do Poder Judiciário. Com a recuperação das liberdades democráticas e das
garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser apenas um departamento
técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, compartilhando
espaço com o Legislativo e o Executivo. Essa mudança substancial na relação da
sociedade com as instituições judiciais impôs reformas estruturais e levantou questões
complexas sobre a extensão de seus poderes.
Diante desse conjunto de fatores - constitucionalização, aumento na demanda
por justiça e ascensão institucional do Judiciário -, o Brasil experimentou uma notável
judicialização de questões políticas e sociais, que agora encontram nos tribunais sua
instância decisória final.
A seguir, são apresentados alguns temas e casos ilustrativos que foram objeto
de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ou de outros tribunais
recentemente:

(i) Políticas públicas: a constitucionalidade de aspectos centrais


da Reforma da Previdência (contribuição dos inativos) e da
Reforma do Judiciário (criação do Conselho Nacional de Justiça);
(ii) Relações entre Poderes: determinação dos limites legítimos
de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (como
quebra de sigilos e decretação de prisão) e do papel do
Ministério Público na investigação criminal;
(iii) Direitos fundamentais: legitimidade da interrupção da
gestação em certas hipóteses de inviabilidade fetal;
(iv) Questões do dia-a-dia das pessoas: legalidade da cobrança
de assinaturas telefônicas, a majoração do valor das passagens
de transporte coletivo ou a fixação do valor máximo de reajuste
de mensalidade de planos de saúde.

Os métodos de atuação e argumentação dos órgãos judiciais são, como se sabe,


jurídicos, mas a natureza de sua função é inegavelmente política, aspecto que é
reforçado pelos exemplos mencionados acima. Apesar de desempenhar um papel
político, o Judiciário difere em suas características dos outros Poderes, uma vez que seus
membros não são escolhidos por critérios eletivos nem por processos majoritários.
Essa distinção é essencial, visto que a maior parte dos países do mundo reserva
uma parcela de poder para ser exercida por agentes públicos selecionados com base no
mérito e no conhecimento específico. Idealmente protegido das paixões políticas, ao
juiz cabe decidir com imparcialidade, baseado na Constituição e nas leis.
Entretanto, o poder de juízes e tribunais, como qualquer poder em um Estado
democrático, é representativo, ou seja, é exercido em nome do povo e deve prestar
contas à sociedade.
Neste ponto, emerge uma questão que recentemente vem despertando
interesse na doutrina brasileira: a legitimidade democrática da função judicial, suas
possibilidades e limites. Já existe alguma literatura recente em relação ao controle de
constitucionalidade das normas.
No que tange ao controle de constitucionalidade de políticas públicas,
48
esse tema está começando a ser explorado. De maneira ampla, a jurisdição
constitucional compreende a interpretação e aplicação da Constituição, sendo um de
seus principais aspectos o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos.
No Brasil, essa possibilidade existe desde a primeira Constituição republicana
(controle incidental e difuso), tendo sido ampliada após a Emenda Constitucional nº
16/65 (controle principal e concentrado).
A existência de um fundamento normativo explícito, aliada a outras
circunstâncias, adiou o debate no país sobre a legitimidade da corte constitucional
desempenhar um papel frequentemente referido como contra majoritário: órgãos e
agentes públicos não eleitos possuem o poder de invalidar ou moldar leis elaboradas
por representantes escolhidos pela vontade popular.
Ao longo dos últimos dois séculos, foram desenvolvidas doutrinariamente duas
grandes linhas de justificação para esse papel das supremas cortes/tribunais
constitucionais.
A primeira, mais tradicional, tem raízes na soberania popular e na separação de
Poderes: a Constituição, como expressão máxima da vontade do povo, deve prevalecer
sobre as leis, manifestações das maiorias parlamentares. Assim, cabe ao Judiciário, no
exercício de sua função de aplicar o Direito, afirmar essa supremacia, negando validade
a leis inconstitucionais.
A segunda, lidando com a realidade mais complexa da nova interpretação
jurídica, procura legitimar o desempenho do controle de constitucionalidade em outro
fundamento: a preservação das condições essenciais de funcionamento do Estado
democrático. Ao juiz constitucional cabe assegurar determinados valores substantivos e
a observância dos procedimentos adequados de participação e deliberação.
A questão do controle das políticas públicas envolve, igualmente, a demarcação
do limite adequado entre matéria constitucional e matéria a ser submetida ao processo
político majoritário. Por um lado, a Constituição protege os direitos fundamentais e
determina a adoção de políticas públicas aptas a realizá-los. Por outro, atribuiu as
decisões sobre o investimento de recursos e as opções políticas a serem perseguidas a
cada tempo aos Poderes Legislativo e Executivo.
Para assegurar a supremacia da Constituição, mas não a hegemonia judicial, a
doutrina começa a voltar sua atenção para o desenvolvimento de parâmetros objetivos
de controle de políticas públicas. O papel do Judiciário, em geral, e do Supremo Tribunal,
em particular, na interpretação e na efetivação da Constituição, é o combustível de um
debate permanente na teoria/filosofia constitucional contemporânea, pelo mundo
afora. Como as nuvens, o tema tem percorrido trajetórias variáveis, em função de
ventos circunstanciais, e tem assumido formas as mais diversas: ativismo versus
contenção judicial; interpretativismo versus não-interpretativismo.

TENSÕES E SOBREPOSIÇÕES ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA

Tensões e sobreposições entre constitucionalismo e democracia são evidentes,


ressaltando que a concepção de democracia vai além do mero princípio majoritário, do 49
governo da maioria. É crucial preservar outros princípios e garantir o respeito aos
direitos da minoria. A distinção entre cidadão e eleitor é fundamental, visto que o
governo do povo não se resume ao governo do eleitorado.
Em linhas gerais, o processo político majoritário é impulsionado por interesses,
enquanto a lógica democrática é inspirada por valores. Em muitas ocasiões, cabe ao
Judiciário a responsabilidade de preservar esses valores, especialmente diante do déficit
democrático decorrente da dificuldade contra majoritária, que não é necessariamente
maior no Judiciário do que no Legislativo, sujeito a diversas disfunções, como o uso da
máquina administrativa, o abuso do poder econômico e a manipulação dos meios de
comunicação.
O papel do Judiciário, em particular das cortes constitucionais e supremos
tribunais, é resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais,
superando eventuais déficits de legitimidade nos demais Poderes, quando necessário.
Essa função deve ser exercida sem desqualificar a própria atuação do Judiciário,
evitando atuações abusivas que expressem preferências políticas em detrimento dos
princípios constitucionais. Além disso, em países com tradição democrática menos
consolidada, cabe ao tribunal constitucional atuar como garantidor da estabilidade
institucional, arbitrar conflitos entre Poderes ou entre estes e a sociedade civil,
cumprindo assim seus papéis fundamentais: resguardar os valores fundamentais,
procedimentos democráticos e assegurar a estabilidade institucional.
No Brasil, estudos recentes começaram a abordar o ponto de equilíbrio entre a
supremacia da Constituição, a interpretação constitucional pelo Judiciário e o processo
político majoritário. A complexidade dessa tarefa é evidenciada pelo texto extenso da
Constituição, pela disfuncionalidade do Judiciário e pela crise de legitimidade que afeta
o Executivo e o Legislativo. Conforme o Ministro, a diversidade de ingredientes na
experiência brasileira afasta o risco de monotonia, embora possa provocar surpresas
paralisantes.
A árdua tarefa de construir as instituições de um país com atrasos históricos
demanda energia, idealismo e imunização contra a amargura, reconhecendo que
ninguém escapa do seu próprio tempo.

Exemplo de decisão do Supremo Tribunal Federal fundamentada no


neoconstitucionalismo:
‘‘EM E N T A: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO - ALTA RELEVÂNCIA
SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES
HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E
QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR:
POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
(ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE
NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO
NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA - O DIREITO À BUSCA DA
FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE
UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA - ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA
50
CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE -
PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR
FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE
GÊNERO - DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À
PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE
OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL - O ART. 226, § 3º, DA
LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE INCLUSÃO - A FUNÇÃO
CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA
CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - O DEVER
CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER
DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF,
ART. 5º, XLI) - A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O
FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM
O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO
AO NEOCONSTITUCIONALISMO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM
PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. -
Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer
restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais,
por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema
político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e
inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a
intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua
orientação sexual. RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA
COMO ENTIDADE FAMILIAR. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa
hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da
pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da
intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a
qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado,
por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como
entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de
cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais,
relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo
previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. - A extensão, às
uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre
pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre
outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da
segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à
busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o
sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art.
3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à
qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do
gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir
família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A
família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe
os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis
a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. A DIMENSÃO
51
CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA
MODERNA. - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza
constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio
conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA
FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa -
considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo
vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o
ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um
dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática
consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio
constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que
se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo
relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais,
qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de
práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até
mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos,
sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado
constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que
deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio
no plano do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias e dos
grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação
material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo
Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe
confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional),
desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às
minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se
sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e
aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes.
Doutrina.’’

1.3.2 CRÍTICAS AO NEOCONSTITUCIONALISMO

Para fins de provas, especialmente de primeira fase, o mais importante é


compreender o conceito de Neoconstitucionalismo e sua influência na jurisdição
constitucional.
Sabe-se, contudo, que alguns excessos interpretativos geraram críticas
doutrinárias, notadamente por fundamentarem um “ativismo” judicial exacerbado.
Daniel Sarmento aponta as principais críticas ao Neoconstitucionalismo como
sendo:
(a) a de que seu pendor judicialista é antidemocrático. Com
efeito, como o Poder Judiciário não é submetido diretamente à 52
soberania popular, por meio do voto, haveria uma espécie de
“déficit” democrático no que tange à concretização de direitos
fundamentais pela via judicial.
(b) a de que sua preferência por princípios e ponderação, em
detrimento de regras de subsunção, é perigosa, sobretudo no
Brasil, em função de singularidades de nossa cultura.

No ponto, destaco que a Lei 13.655/2018 acrescentou o art. 20 à Lei de


Introdução às Normas do Direito Brasileiro, in verbis:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não
se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que
sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

A lei consagrou o chamado princípio da responsabilidade decisória, que obriga


o julgador a avaliar, na motivação, as consequências práticas de sua decisão,
notadamente de natureza econômica, em aproximação à teoria da análise econômica
do direito, de tradição norte-americana.
A ideia é evitar decisões meramente retóricas, que aplicam valores jurídicos
abstratos sem analisar os fatos e seus impactos. Devem ser ponderados, assim, os
efeitos sistemáticos de determinado entendimento judicial, com vocação expansiva
diante de inúmeros casos semelhantes.
A novidade legislativa foi interpretada como uma tentativa de mitigação da
força normativa dos princípios e de frear o ativismo judicial.
(c) a de que ele pode gerar uma panconstitucionalização do
Direito, em detrimento da autonomia pública do cidadão e da
autonomia privada do indivíduo. Com efeito, uma atuação
desenfreada na “microjustiça” (justiça do caso concreto) pode
comprometer a fruição de direitos e a correta alocação de
recursos públicos.

ATENÇÃO! A perspectiva crítica ao Neoconstitucionalismo deve ser abordada em provas


apenas se expressamente perguntada ou direcionada.

Transconstitucionalismo (Marcelo Neves)

Em aprofundamento doutrinário, especialmente para as provas mais


avançadas do concurso, traço a seguir linhas gerais sobre o conceito de
“Transconstitucionalismo”.
Neoconstitucionalismo não se confunde com Transconstitucionalismo.
Transconstitucionalismo é o fenômeno pelo qual diversas ordens jurídicas de
um mesmo Estado ou de Estados diferentes se entrelaçam para resolver problemas
53
constitucionais. O componente novo não é o entrelaçamento entre a pluralidade de
ordenamentos, mas o modo como são travadas as conversações.
É inevitável o fenômeno da “globalização do Direito constitucional”, que não
propugna uma Constituição global ou internacional, mas propõe uma “globalização do
direito constitucional doméstico”.
Não se confunde com Constitucionalismo transnacional, que propugna a
criação de uma Constituição internacional, como forma de solução dos problemas
decorrentes da globalização, ou seja, o Direito Constitucional doméstico estaria
hierarquicamente vinculado a uma Constituição global, nas questões comuns aos
Estados envolvidos.
No Brasil, o principal autor que trata sobre Constitucionalismo é o professor
Marcelo Neves. Ele explica que o conceito de Transconstitucionalismo não tem nada a
ver com o conceito de Constitucionalismo internacional, transnacional, supranacional,
estatal ou local. O conceito está relacionado à existência de problemas jurídico-
constitucionais que perpassam às distintas ordens jurídicas, sendo comuns a todas
elas, como, por exemplo, os problemas associados aos direitos humanos (“questões
transconstitucionais”).
O Transconstitucionalismo propõe, assim, a existência de Constituições que
dialogam entre si, não como precedente, mas como autoridade persuasiva (o que o
autor denomina de “fertilização constitucional cruzada” ou “relação transversal
permanente”).
Um exemplo prático, na jurisprudência brasileira, do diálogo entre
Constituições foi o reconhecimento do “Estado de Coisas Inconstitucional”
relativamente às prisões brasileiras, instituto originário da Corte Constitucional
Colombiana (STF. Plenário. ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em
9/9/2015). Outro exemplo foi a utilização do precedente argentino (caso “Verbitsy”)
como um dos argumentos para legitimar o cabimento de habeas corpus coletivo, mesmo
sem previsão legal expressa (HC 143641).

Multiculturalismo (Boaventura de Souza Santos)

Os conceitos acima tratados (Neoconstitucionalismo, transconstitucionalismo)


também não podem ser confundidos com o fenômeno do multiculturalismo trazido por
Boaventura de Souza Santos.
Em síntese, o autor propõe uma verdadeira “fuga para o Sul” no âmbito da
teoria constitucional, objetivando a construção de um novo Constitucionalismo latino-
americano, por meio do que denomina “hermenêutica diatópica”.
A tônica do autor é a “descolonização do Direito Constitucional”, especialmente
nos países sul-americanos, por intermédio do diálogo intercultural, do enfoque nos
valores dos povos tradicionais, da concepção mestiça de direitos e da valorização da
participação democrática.
54
1.4. CONSTITUCIONALISMO E SOBERANIA POPULAR

De início, destaco que há duas correntes sociológicas principais sobre o papel


da Constituição relativamente ao sistema de representação democrática:
- visão substancialista: a Constituição deve impor ao cenário
político um conjunto de decisões valorativas que se consideram
essenciais e consensuais→ J.RAWLS e DWORKIN.
- visão procedimentalista: cabe à Constituição apenas garantir o
funcionamento adequado do sistema de participação
democrática, ficando a cargo da maioria, em cada momento
histórico, a definição de seus valores e de suas políticas →
HABERMAS.

A Constituição Federal de 1988 dispõe que todo poder emana do povo, que o
exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição. Dessa forma, a titularidade do poder é do povo, podendo seu exercício se
dar de forma direta ou indireta.
A CF prevê como regra a Democracia Indireta (representativa), que é exercida
pelos representantes eleitos pelo voto popular.
Contudo, há mecanismos de exercício da Democracia Direta previstos
constitucionalmente, que possibilitam o exercício do poder diretamente pelo povo. São
estes: o referendo, o plebiscito, a iniciativa popular e a ação popular.
Confiram a previsão contida no art. 14 do texto constitucional:
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.”

1.4.1. PLEBISCITO

Regulado pela Lei 9.709/98, o plebiscito é uma consulta prévia à população,


convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo
voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido.
O plebiscito deve ser convocado por Decreto-Legislativo editado pelo
Congresso Nacional por proposta de no mínimo 1/3 de qualquer das casas.
A votação se dá por maioria simples e não passa por sanção do Presidente 55
(matéria exclusiva do Congresso, conforme art. 49, XV, da CF).
A doutrina diverge sobre a vinculação do Congresso à decisão do plebiscito.
Segundo Ayres Britto:
“O resultado do plebiscito não vincula o poder legislativo. E, de
fato, não vincula porque o Poder Legislativo não pode ser
obrigado a legislar. É diferente do Poder Judiciário, que é
obrigado a julgar. Enquanto no referendo quem dá a última
palavra é a população, a eficácia fica dependendo da aprovação,
no plebiscito, é diferente. O povo dá a primeira palavra, mas a
última é do parlamento”.

São exemplos de PLEBISCITO realizados no Brasil, sob a égide da Constituição


de 88: o plebiscito para escolha entre a forma de governo (República/Monarquia) e o
sistema de governo (Presidencialismo/Parlamentarismo) (1993) - Art. 2º do ADCT; o
plebiscito no Estado do Pará para decidir sobre a formação dos Estados de Carajás e do
Tapajós (2011).

1.4.2. REFERENDO

Também regulado pela Lei 9.709/98, o referendo é uma consulta posterior que
confirma uma decisão já tomada, devendo ser autorizado por Decreto-Legislativo
editado pelo Congresso (art. 49, XV, da CF) por proposta de no mínimo 1/3 de qualquer
das casas.
A votação se dá por maioria simples e não passa por sanção do Presidente
(matéria exclusiva do Congresso).
São exemplos de REFERENDO realizados no Brasil, sob a égide da Constituição
de 88: o referendo para a manifestação do eleitorado sobre a manutenção ou rejeição
da proibição da comercialização de armas de fogo e munição (2005) - Lei 10.826/2003 -
Estatuto do Desarmamento; o referendo no Estado do Acre para decidir sobre o fuso
horário (2010).

1.4.3. INICIATIVA POPULAR

A iniciativa popular se dá por meio de projeto de lei encaminhado diretamente


pelo povo para seus representantes, também regulada pela Lei 9.709/98.
Fundamento:
- Lei Federal - art. 61, § 2º, da CF;
- Lei Estadual e Distrital - art. 27, § 4º, da CF; e
- Lei Municipal - art. 29, XIII, da CF.
56
Procedimento para Lei Federal - O projeto deve ser encaminhado para a
Câmera dos Deputados, por 1% do eleitorado nacional, distribuído em 5 Estados e em
cada um desses estados por 0,3% dos seus eleitores.

ATENÇÃO! Embora esse não seja o perfil do ENAM, segue uma DICA para
memorização: número 1503 (1% do eleitorado, distribuído em 5 Estados, com 0,3%
do eleitorado em cada um deles).

- Limitação de Assunto - art. 13, § 1º, da Lei nº 9.079/98 - O


projeto de iniciativa popular deve circunscrever-se a somente
um assunto.
- Impossibilidade de Vício de Forma - art. 13, § 2º, da Lei nº
9.079/98 - O projeto não poderá ser rejeitado por vício de forma.
A Câmara dos Deputados irá corrigi-lo formalmente. Ressalta-se
que em matéria de iniciativa reservada não cabe iniciativa
popular.
- Início do Processo de Votação e Vinculação - A casa iniciadora
é sempre a Câmara e o Senado é a casa revisora. A Câmara ou o
Senado não são obrigados a aprovar o projeto e o Presidente
pode vetá-lo. Dessa forma, o projeto não vincula o legislativo
nem o executivo.

Procedimento Estadual - A iniciativa estadual e distrital será definida pela Lei.


Normalmente, elas vêm utilizando simetria e aplicando o percentual 1% da mesma
forma que a Lei Federal. Entretanto, seria razoável flexibilizar esse valor.
Procedimento Municipal - No âmbito municipal o projeto deve ser subscrito por
no mínimo 5% do eleitorado municipal (art. 29, XIII, da CF).
OBSERVAÇÕES FINAIS:
PEC de Iniciativa Popular - O §2º do art. 60 da Constituição Federal não prevê
a possibilidade de PEC de iniciativa popular.
Pedro Lenza entende que, embora a Carta Política não tenha admitido de forma
expressa a iniciativa popular para PEC, tal situação é perfeitamente cabível. O
doutrinador em questão valeu-se da interpretação sistemática, fundamentando que o
art. 1º, parágrafo único, da CF, permite o exercício do poder de forma direta pelo próprio
povo, além de que o art. 14, III, da CF, estabelece que a soberania popular será exercida
mediante a iniciativa popular. Tal opinião também é comungada por José Afonso da
Silva, embora se trate de tema que divide a doutrina, sendo opinião doutrinária
minoritária.
Nesse sentido, muitas Constituições Estaduais permitem a propositura de
emenda à Constituição por iniciativa popular, o que foi considerado compatível com a
57
Constituição Federal, conforme recente julgado do Supremo Tribunal Federal:
“A iniciativa popular de emenda à Constituição Estadual é
compatível com a Constituição Federal, encontrando
fundamento no art. 1º, parágrafo único, no art. 14, II e III e no
art. 49, XV, da CF/88. Embora a Constituição Federal não autorize
proposta de iniciativa popular para emendas ao próprio texto,
mas apenas para normas infraconstitucionais, não há
impedimento para que as Constituições Estaduais prevejam a
possibilidade, ampliando a competência constante da Carta
Federal”.
STF. Plenário. ADI 825/AP, Rel. Min. Alexandre de Moraes,
julgado em 25/10/2018.

O julgado, frisa-se, refere-se à compatibilidade de dispositivo de Constituição


Estadual, que prevê PEC de iniciativa popular, com a Constituição Federal. Ainda não
houve o enfrentamento do tema quanto à possibilidade de emenda à própria
Constituição Federal por meio de iniciativa popular. Assim, atenção para o objeto de
eventual questionamento: se a questão se refere à literalidade da Constituição Federal
ou ao entendimento jurisprudencial/doutrinário específico.
Objeto da Iniciativa Popular - A iniciativa popular pode ser aplicada nas
seguintes espécies normativas do art. 59 da CF:
- PEC - Há controvérsia doutrinária, havendo precedente
admitindo para Constituição Estadual, como visto acima;
- LC e LO - Previsão expressa no art. 61, caput, da CF;
- Leis Delegadas - Não cabe, pois a competência é do Presidente;
- Medidas Provisórias - Não cabe, pois a competência é do
Presidente;
- Decretos Legislativos - Não cabe, pois a competência é do
Congresso Nacional;
- Resoluções - Não cabe, pois a competência é privativa do
Senado ou da Câmara.

Exemplos de leis decorrentes de iniciativa popular:


- Projeto do Fundo Nacional para a Moradia Popular - Lei
11.124/2005 - Foi de iniciativa popular;
- Lei da Ficha Limpa - LC 135/2010 - Foi de iniciativa popular.

CONEXÃO COM O ENAM 58


A coordenadora geral do ENAM em sua participação na publicação “Desafios
do Direito no Século XXI - Diálogos Luso-Brasileiros Governação e COVID-19”, já
conhecida em nossa turma pela abordagem da aula inicial do professor Arnaldo Bruno
Oliveira, cita os importantes avanços de uma maior participação digital que auxiliou em
uma transformação rumo ao conceito de “e-governo”, o que oferece maior eficiência na
gestão e no controle na esfera pública também por parte dos cidadão (uma vertente
importante na efetivação do princípio da transparência).

Abaixo segue trecho da obra “Desafios do Direito no Século XXI - Diálogos Luso-
Brasileiros Governação e COVID-19” (Novembro/2021, página 96), em trecho escrito por
nossa coordenadora do ENAM que retrata um viés de participação popular também na
fiscalização da gestão pública.
1.5. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DO BRASIL

Nesse ponto é importante que tenhamos uma noção geral do histórico das
Constituições brasileiras, bem como as principais inovações trazidas por cada uma delas
no cenário nacional.

A. Constituição de 1824
59
i. após a declaração da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, a
Constituição do Império do Brasil foi outorgada em 25 de março de 1824;
ii. forte centralismo administrativo e político;
iii. forma de governo: Monarquia;
iv. forma unitária de Estado, com nítida centralização político-administrativa;
v. além das funções legislativa, executiva e judiciária, estabeleceu-se a função
moderadora. O Poder Moderador era exercido pelo Chefe do Executivo. Paulo
Bonavides, em uma obra clássica sobre história constitucional brasileira, disse que o
Poder Moderador no Brasil era como uma “constitucionalização do absolutismo”.
vi. eleições indiretas;
vii. sufrágio censitário, baseando-se em condições econômico-financeiras para
votar e para ser votado;
viii. a função executiva era exercida pelo Imperador, Chefe do Poder Executivo,
por intermédio de seus Ministros de Estado;
ix. Constituição semirrígida. Isso porque, quanto à alterabilidade, algumas
normas necessitavam de um procedimento mais solene e mais dificultoso para serem
alteradas; outras, contudo, eram alteradas por um processo legislativo ordinário;
x. não estabeleceu qualquer sistema de controle de constitucionalidade.
ATENÇÃO! Pergunta aplicada na prova oral do TJSP.
Como funcionava Estado e religião na Constituição de 1824?
A Constituição garantia liberdade de religião, mas o Brasil tinha religião oficial, que era
a religião católica. A liberdade religiosa era mitigada, de tal forma que outros cultos não
poderiam ser externos.
Os padres eram funcionários públicos remunerados pela Coroa. O imperador nomeava
os bispos, e as decisões religiosas do papa, para terem validade no Brasil, precisavam
ser pré-aprovadas pelo imperador. Portanto, havia certa confusão e interpenetração
entre Estado e religião.
A Constituição de 1824 perdurou até a proclamação da República.

B. Constituição de 1891

i. Primeira Constituição da República;


ii. sofreu forte influência da Constituição norte-americana de 1787;
iii. sistema de governo: presidencialista;
iv. forma de estado federal, abandonando o unitarismo;
v. forma de governo: República em substituição à Monárquica; 60
vi. extinção do Poder Moderador, adotando-se a clássica tripartição de poderes
idealizada por Montesquieu;
vii. o Congresso Nacional era composto por duas casas: a Câmara dos
Deputados e o Senado Federal. Fixou-se, assim, o bicameralismo federativo;
viii. o Presidente da República era eleito por sufrágio direto para mandato de 4
anos, não podendo ser reeleito;
ix. o órgão máximo do Poder Judiciário passou a se chamar Supremo Tribunal
Federal;
x. Constituição rígida. Previu-se um processo de alteração da Constituição mais
solene do que o processo de alteração das demais espécies normativas;
xi. previsão, pela primeira vez no Constitucionalismo brasileiro, do Habeas
Corpus;
xii. inaugurou no direito brasileiro o controle de constitucionalidade difuso.
xii. sufrágio capacitário, excluindo os analfabetos.
A Constituição de 1891, do ponto de vista do desenho institucional, foi um
modelo típico de Constituição liberal. Trouxe um elenco generoso de direitos
individuais, a separação de poderes (extinção de figura do poder moderador), o
controle de constitucionalidade nos moldes norte-americanos, ou seja, concreto e
difuso e o Presidente da República seria eleito por eleições diretas, sem possibilidade
de reeleição.
Vale dizer que a doutrina aponta que no Brasil da época havia uma democracia
completamente formal, ou seja, sem correspondência com a realidade.
No ponto, a Constituição de 1891 aboliu as restrições censitárias para o voto (a
de 1824 estabelecia restrições de ordem financeira à possibilidade de voto, como visto),
mas previu o voto capacitário, ou seja, só votava o alfabetizado. Além disso, o voto não
era secreto, influenciando na liberdade do exercício do voto.
A República Velha tem o seu fim com a Revolução de 1930, que instituiu um
Governo Provisório, levando Getúlio Vargas ao poder. Cabia ao Governo Provisório
exercer as funções e atribuições do Poder Executivo e também do Poder Legislativo, até
que, eleita a Assembleia Constituinte, se estabelecesse a reorganização constitucional
do País.
ATENÇÃO! Em 1932, Getúlio Vargas decretou o Código Eleitoral (Dec. nº
21.076/32), que instituiu a Justiça Eleitoral, e, ainda, adotou o voto feminino e o sufrágio
universal, direto e secreto. O Governo Provisório da República durou até o advento da
Constituição de 1934.

C. Constituição de 1934

i. Sofreu forte influência da Constituição de Weimar da Alemanha, de 1919


(marcas do Constitucionalismo moderno social), evidenciando, portanto, os direitos de
2ª geração /dimensão. Também houve influência do fascismo;
61
ii. mantém como forma de governo a República Federativa;
iii. Constituição rígida;
iv. constitucionalizou o voto feminino, de igual valor ao masculino (direito que
já havia sido assegurado pelo Código Eleitoral de 1932, como visto);
v. constitucionalizou o voto secreto (direito que já havia sido assegurado pelo
Código Eleitoral de 1932);
vi. previsão do mandado de segurança;
vii. previsão da ação popular;
viii. estabeleceu a cláusula de reserva de plenário.
ix) outorga de competência ao senado para suspender as leis que o Supremo
tivesse declarado inconstitucionais.
x) criação da representação interventiva de inconstitucionalidade, por meio
da qual o Supremo analisava a constitucionalidade das intervenções federais.
OBSERVAÇÃO: Se na Constituição de 1891 o grande modelo foi a Constituição
americana, a Constituição de 1934 teve como grande paradigma a Constituição de
Weimar.
Então, a Constituição de 1934 manteve alguns pilares institucionais, que eram previstos,
em sua maior parte, na Constituição de 1891, mas houve a consagração de direitos
sociais como férias, repouso semanal remunerado, ensino fundamental gratuito e
obrigatório com extensão do ensino dos outros níveis.

Já caiu em prova:
TJRJ, 2011: “Na evolução político-constitucional brasileira, o
voto feminino no Brasil foi expressamente previsto pela primeira
vez num texto constitucional na Constituição de 1934”
(alternativa considerada correta).
TJRJ, 2014: “Uma, de fundo puramente liberal, ampliou o
municipalismo e incorporou importante capítulo relativo à
declaração de direitos e suas garantias. Outra mostrou força
renovadora na solução social apresentada em seu contexto, com
capítulos novos inspirados na Constituição alemã de Weimar.
Essas afirmações estão, correta e respectivamente, relacionadas
às Constituições brasileiras de 1891 e 1934” (alternativa
considerada correta). 62
D. Constituição de 1937

i. Constituição outorgada, resultado de golpe ditatorial dado por Getúlio


Vargas, que centralizou o poder e fechou o Congresso Nacional;
ii. influência de ideais autoritários e fascistas, instaurando o chamado “Estado
Novo”. Foi apelidada de “Constituição Polaca”, por conta da influência sofrida pela
Constituição polonesa fascista;
iii. República como forma de governo;
iv. forma de estado: Federação;
v. formalmente foi mantida a tripartição de poderes. Na prática, o Legislativo e
o Judiciário foram “esvaziados”, com grandes períodos sem funcionamento do
Congresso e dos partidos políticos;
vi. eleição indireta para a escolha do Presidente da República.
Um destaque da época foi a edição da Consolidação das Leis do Trabalho (1º de
Maio de 1943) e a consagração de alguns direitos sociais e trabalhistas.

E. Constituição de 1946
i. Inspirou-se nas ideias liberais da Constituição de 1891 e nas ideias sociais da
Constituição de 1934;
ii. forma de governo: República;
iii. forma de estado: Federação;
iv. Tripartição de Poderes foi restabelecida na prática;
v. constitucionalização dos partidos políticos, consagrando-se o
pluripartidarismo;
vi. eleição direta para Presidente da República para mandato de 5 anos;
vii. consagrou o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional;
viii. vedou as penas de morte, salvo em tempo de guerra, além das penas de
banimento, de confisco e de caráter perpétuo;
ix. foi reconhecido o direito de greve;
x. a Emenda Constitucional nº 16/1965 estabeleceu o controle concentrado
genérico no país ao criar a ação direta de inconstitucionalidade, de competência
originária do Supremo Tribunal Federal. A legitimidade era exclusiva do Procurador
Geral da República e poderia ter por objeto tanto lei e ato normativo federal quanto
estadual, possibilitando assim o controle de constitucionalidade concentrado também
em âmbito estadual.
Em linhas gerais, a Constituição de 1946 foi fruto de uma Assembleia 63
Constituinte eleita e manteve os axiomas gerais do modelo da Constituição de 1934,
conjugando direitos individuais e sociais, mas retirando as excrescências autoritárias da
Constituição de 1937.
Obs.: breve experiência parlamentarista no período, instaurado pela Emenda
Constitucional 04 e que durou de 1961 até 1963.

F. Constituição de 1967

i. Constituição outorgada, fruto do golpe militar de 1964;


ii. forma de governo: República;
iii. forma de estado: Federação. No entanto, na prática, mais se aproximou de
um Estado unitário centralizado do que federativo;
iv. a teoria clássica da tripartição de poderes foi formalmente mantida;
v. eleição indireta para Presidente da República;
vi. o Presidente da República legislava por decretos-leis, que poderiam ser
editados em casos de urgência ou de interesse público relevante. Verifica-se uma forte
centralização do poder na figura do Presidente da República;
vii. Houve a previsão de se tornar perdida a propriedade para fins de reforma
agrária, mediante o pagamento de indenização com títulos da dívida pública.
Segundo Daniel Sarmento, a Constituição de 1967 manteve a “fachada” dos
direitos individuais, pois previa direitos sociais e trabalhistas. O doutrinador alerta para
o fato de que a ditadura não foi constada pela Constituição. Ela aconteceu à revelia da
Constituição, como era típico dos regimes autoritários deste período histórico.
O problema, segundo o doutrinador, não estava na Constituição, mas, em
primeiro lugar, nos atos institucionais e, em segundo lugar, no que acontecia à margem
das normas jurídicas.

G. “Constituição” de 1969 - EC nº 1/1969

Foi baixada a EC nº 1/69 pelos militares, fazendo com que a Constituição de


1967 sofresse profundas modificações. Dado o seu caráter revolucionário, alguns
autores consideram a EC nº 1/69 como a manifestação de um novo poder constituinte
originário, outorgando uma nova Carta.
Segundo Daniel Sarmento, como o poder de reforma se baseia na Constituição
vigente, e a “emenda 01” não se baseou na constituição de 1967, ela foi feita com base
nos poderes do AI5, nos poderes que os militares se consideravam investidos por força
da revolução. Contudo, não teve maiores mudanças do ponto de vista estrutural. Ela
piorou a redação na parte de liberdade de expressão, aumentou o mandato do
Presidente da República em 01 ano e, mesmo depois de outorgada, os atos institucionais
continuavam a ser editados. 64
H. Constituição de 1988

Contexto histórico de redemocratização e de pressão popular por eleições


diretas.
i. Forma de governo: República, confirmada pelo plebiscito do art. 2.º do ADCT;
ii. sistema de governo: presidencialista, confirmado pelo plebiscito do art. 2.º
do ADCT;
iii. forma de estado: Federação;
iv. Foi criado o Estado de Tocantins (art. 13 do ADCT), e os Territórios Federais
de Roraima e do Amapá foram transformados em Estados Federados (art. 14 do ADCT).
O Território Federal de Fernando de Noronha foi extinto, e sua área reincorporada ao
Estado de Pernambuco (art. 15 do ADCT).
v. retomada da clássica tripartição de poderes;
vi. Com a edição da EC nº 16/97, permitiu-se uma única reeleição subsequente
do Presidente da República;
vii. o decreto-lei foi substituído pela medida provisória;
viii. Foi criado o Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte responsável pela
uniformização da interpretação da lei federal em todo o Brasil;
ix. Constituição rígida;
x. consagração de rol de direitos fundamentais;
xi. tornou o racismo e a tortura crimes inafiançáveis;
xii. os direitos dos trabalhadores foram ampliados;
xiii. estabeleceu-se o controle das omissões legislativas, seja pelo mandado de
injunção (controle difuso), seja pela ADI por omissão (controle concentrado);
xiv. previu a ADPF - arguição de descumprimento de preceito fundamental;
xv. previu o mandado de segurança coletivo;
xvi. previu o habeas data;
xvii. previsão específica de um capítulo sobre o “meio ambiente” (art. 225);
xviii. ampliou o rol de legitimados para exercício do controle concentrado no
âmbito federal, acabando com o monopólio do Procurador Geral da República;
xix. a EC nº 3/1993 criou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC).
Observe que a ADC não foi fruto do poder constituinte originário (já cobrado em provas).

1.6. CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO

1.6.1. CONCEITOS DE CONSTITUIÇÃO 65


A. Concepções de constituição (doutrina clássica)

São inúmeras as classificações das Constituições. Neste material, vou me ater


às mais cobradas em provas, especialmente considerando o perfil do concurso da
Magistratura.
Sentido Sociológico - Ferdinand Lassale - A Constituição deve refletir as forças
sociais, sob pena de ser apenas uma “simples folha de papel” (sem valor). Dessa forma,
a Constituição é a somatória dos fatores reais do poder (forças econômicas, sociais,
políticas, religiosas), dentro de uma sociedade.
Sentido Político - Carl Schmitt - A Constituição é o documento que determina
as normas fundamentais e estruturais do Estado. A Constituição é decisão política
fundamental do titular do poder constituinte (teoria decisionista ou voluntarista). A
validade da Constituição, nesse sentido, basear-se-ia na decisão política que lhe dá
existência.
Dessa forma, as normas presentes na Constituição que não tratam da
estruturação e dos fundamentos do Estado são apenas uma lei constitucional, mas não
uma Constituição propriamente dita.
Este sentido se aproxima do conceito material de Constituição, que determina
que Constituição é aquilo que tem matéria de Constituição. Entretanto, o Brasil adota o
sentido formal, ou seja, aquilo que está na CF é Constituição, independentemente de
seu conteúdo.
APROFUNDANDO:
Atualmente, conforme parte da doutrina, o Brasil caminha para
um critério misto, assim, depende da forma e da matéria.
Isto ocorreu com a equiparação dos tratados internacionais
sobre direitos humanos aprovados com o quórum de emenda
(art. 5º, § 3º, da CF). Ex.: Decreto Legislativo 186/2008 e Decreto
6.949/2009 - Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e o seu protocolo facultativo (NY em 30 de março de
2007).
Os tratados de direitos humanos aprovados antes da emenda 45
e aqueles não aprovados pelo quórum de emenda constitucional
têm caráter supralegal (Pacto de São José da Costa Rica).
Quaisquer outros tratados que tratem de matéria diferente de
direitos humanos têm natureza de lei ordinária.

Sentido Jurídico - Hans Kelsen - Esse autor aloca a Constituição no mundo do


“dever ser”, e não no mundo do “ser”, caracterizando-a como fruto da vontade racional
do homem. Para ele, o sistema normativo está organizado em uma pirâmide, assim,
cada norma busca sua validade na norma imediatamente superior. Dessa forma, a
concepção de Kelsen toma a Constituição em dois sentidos:
- Plano Lógico-jurídico (plano suposto) - Existência de uma 66
norma fundamental hipotética (plano da norma suposta). Essa
norma é o fundamento lógico transcendental da validade da
norma posta ou positivada.
- Plano Jurídico-positivo - Existência de norma posta, positivada.
A Constituição é a norma positivada suprema, que serve para
regular a criação de todas as outras.

Em resumo, para Kelsen, criador da Teoria Pura do Direito, a validade da


Constituição não se apoia na realidade social do Estado. O fundamento de validade da
Constituição está na norma hipotética fundamental, que é norma posta, pressuposta,
imaginada.
É como se Kelsen fizesse um “corte epistemológico” em sua teoria: cada norma
inferior retira seu fundamento de validade da norma imediatamente superior, em um
sistema escalonado de normas, até a Constituição. Ex.: o decreto regulamentar retira
seu fundamento de validade da lei que retira seu fundamento de validade da
Constituição, topo da pirâmide. E a Constituição, retira seu fundamento de onde? Da
norma hipotética fundamental, que estaria no campo da política e, portanto, não
interessaria ao Direito (Teoria Pura do Direito).
APROFUNDANDO:
A professora Flávia Piovesan sustenta o abandono do sistema
piramidal de Kelsen para a adoção de um sistema em formato
de trapézio. Nesse sistema, a Constituição divide o “topo” com
os tratados internacionais de direitos humanos (Human Rights
Approach).

Sentido Culturalístico - J. H. Meirelles Teixeira - Nessa acepção, a Constituição


é produto de um fato cultural produzido pela sociedade e que sobre ela pode influir. A
Constituição decorre de uma formação objetiva de cultura, incluindo aspectos
econômicos, sociológicos, jurídicos e filosóficos. Segundo o autor, esse conceito conduz
a uma Constituição total, a fim de abranger o seu conceito em uma perspectiva unitária.
Em resumo, para lembrar dessa classificação: “Constituição condicionada e
condicionante da cultura”.
Contraposta à Constituição unitária está a ideia de Constituição aberta. Esta é
a Constituição que permite uma constante atualização por meio de um processo de
interpretação (hermenêutica). Dessa forma, a Constituição evolui para evitar o
desmoronamento da sua força normativa (mutação constitucional - processo informal
de mudança interpretativa).

ATENÇÃO! GANCHO - MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL. Deriva do chamado “Poder


Constituinte Derivado Difuso”. É possibilidade de alteração informal do texto
constitucional (mutação constitucional) de acordo com a evolução histórica, política
e social da comunidade. Em outras palavras, o texto da Constituição permanece o 67
mesmo, não houve emenda ou revisão constitucional, mas a norma resultante de sua
interpretação se alterou ao longo do tempo.
Segundo o STF, três situações legitimam a mutação constitucional:
i) mudança na percepção do direito;
ii) modificação da realidade fática;
iii) consequência prática negativa de determinada linha de entendimento.
Exemplo de mutação constitucional, fruto do poder constituinte derivado difuso, foi
o novo entendimento dado ao art. 52, X, da Constituição Federal. Atualmente,
entende-se que quando o STF declara uma lei inconstitucional, ainda que em controle
difuso, a decisão tem efeito erga omnes e vinculante, cabendo ao Senado Federal
apenas dar publicidade à decisão (ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ).
Segundo Barroso, para que seja legítima, a mutação precisa ter lastro democrático,
isto é, deve corresponder a uma demanda social efetiva por parte da coletividade,
estando respaldada, portanto, pela soberania popular.
Exemplo de como o tema é cobrado em provas:
TJ-SP 2017. “As Constituições retiram certas decisões fundamentais do âmbito das
disposições das maiorias. Todavia não são elas eternas e imutáveis e devem
periodicamente serem alteradas pela via formal, cujo processo se manifesta pela
denominada mutação Constitucional.”
Alternativa incorreta. A mutação é uma alteração INFORMAL da Constituição.
TJ-RS 2018. “No ano de 2017, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso suscitou, no
âmbito do Supremo Tribunal Federal, uma questão de ordem na Ação Penal (AP) 937,
defendendo a tese de que o foro de prerrogativa de função deve ser aplicado somente
aos delitos cometidos por um deputado federal no exercício do cargo público ou em
razão dele. O julgamento se encontra suspenso por um pedido de vistas, mas, se
prevalecer o entendimento do Ministro Relator, haverá uma mudança de
posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao instituto do foro de
prerrogativa de função, que ocorrerá independentemente da edição de uma Emenda
Constitucional. A hermenêutica constitucional denomina esse fenômeno de mutação
da Constituição.”
Alternativa correta. Operou-se a mutação constitucional dos artigos referentes ao
foro por prerrogativa de função.

Constitucionalização Simbólica - Marcelo Neves – O Professor Marcelo Neves


alerta para o fato de que, na atividade legiferante, muitas vezes, há o predomínio da
função simbólica (ideológica, moral e cultural) sobre a função jurídico-instrumental
(força normativa), gerando um déficit de concretização das normas constitucionais. A
legislação simbólica se tipifica de acordo com um modelo tricotômico (Harald
Kindermann):
1) Confirmação dos Valores Sociais - Refere-se à vitória de um
determinado grupo social em relação a outro segmento social 68
conflitante (ex.: protestantes e católicos quanto à Lei Seca nos
EUA). Dessa forma, o grupo prestigiado procura influenciar a
atividade legiferante, fazendo prevalecer os seus valores contra
os do grupo adversário. É uma espécie de “superioridade social”
a partir das vitórias legislativas.
2) Demonstrar a Capacidade de Ação do Estado - Tem o objetivo
de assegurar confiança nos sistemas jurídico e político.
Configura-se por meio da chamada “legislação álibi” (são
respostas rápidas do governo diante de uma insatisfação da
sociedade, com pouca possibilidade de serem efetivas).
- Esta prática pode levar a sociedade a uma descrença no sistema
jurídico.
- Na CF, as normas programáticas podem ser consideradas como
“legislação álibi”, sendo o MI e a ADO um meio de implementar
essas normas.
3) Adiar a solução de conflitos sociais por meio de
compromissos dilatórios - A legislação busca conformar partes
conflitantes (lei aparentemente progressista), mas não acaba
com o conflito, apenas o envia para o futuro (compromissos
dilatórios).
Como base nessas premissas, Marcelo Neves define Constituição como uma via
de prestações recíprocas, um mecanismo de interpenetração entre política e direito.
Atenção para mais uma classificação:
1) Constituição simbólica em sentido negativo: o texto
constitucional, de forma geral, não seria suficientemente
concretizado normativo-juridicamente de forma generalizada.
2) Constituição simbólica em sentido positivo: a atividade
constituinte e a linguagem constitucional desempenhariam
relevante papel político-ideológico, servindo para encobrir
conflitos e problemas sociais.

Já caiu em prova:
TJCE, 2018: “A preocupação com a implementação de
dispositivos constitucionais e, em particular, de suas promessas
sociais, não é central. As controvérsias constitucionais são
decididas com base nos códigos da política e conforme conflitos
de interesse. Nessa luta, acabam preponderando os interesses
dos grupos mais poderosos, dos denominados “sobrecidadãos”,
que conseguem utilizar a Constituição e o Estado em geral como
instrumento para satisfazer seus interesses. A juridicidade da
Constituição fica comprometida pela corrupção da 69
normatividade jurídica igualitária e impessoal, conforme o
binômio legal-ilegal. As controvérsias constitucionais são
decididas com base no código do poder S. Lunardi & D. Dimoulis.
Resiliência constitucional: compromisso maximizador,
consensualismo político e desenvolvimento gradual. São Paulo:
Direito GV, 2013, p. 15 (com adaptações)”
A concepção de Constituição a respeito da qual o texto
precedente discorre denomina-se Constituição simbólica
(alternativa considerada correta).

ATENÇÃO! É importante memorizar os autores das teorias e concepções. Exemplo de


como foi cobrado o tema, na prova do TJ-RO 2019:
“Konrad Hesse adota o denominado sentido sociológico da Constituição e aduz que,
para que possa obter eficácia normativa, é preciso que constituição escrita e
constituição real estejam alinhadas como única substância.”
Alternativa incorreta. O criador do sentido sociológico de Constituição é Lassale.
Sobre Konrad Hesse, lembre-se de “força normativa da Constituição”.
“Hans Kelsen defende a Constituição como uma decisão política fundamental, o que
traz como consequência a obrigação do Estado em respeitar o texto constitucional,
mas permitindo-lhe que, em situações excepcionais, deixe de atender a Lei
Constitucional”.
Alternativa incorreta. A Constituição como decisão política fundamental é defendida
por Carl Schmitt.
“José Joaquim Gomes Canotilho adota uma concepção jurídica sobre o sentido de
Constituição, aduzindo que o fundamento de validade de uma norma apenas pode
ser a validade de outra norma.”
Alternativa incorreta. A concepção jurídica de Constituição é atribuída a Hans Kelsen.

B. Outras concepções de constituição (UADI LAMMEGO BULOS)

As concepções de Constituição vistas no item anterior são as mais cobradas em


provas.
Contudo, importante atentar também para os seguintes conceitos que podem
ser cobrados em provas com maior aprofundamento doutrinário, e também em fases
mais avançadas do concurso.
Concepção jusnaturalista: A Constituição é concebida à luz dos princípios do
direito natural, principalmente no que concerne aos direitos humanos fundamentais.
Concepção positivista (Jellinek): A Constituição é o conjunto de normas 70
emanadas do poder do Estado, positivadas pela ação do homem, independentemente
de qualquer outro critério metajurídico.
Concepção marxista: A Constituição é o produto da superestrutura ideológica
condicionada pela infraestrutura econômica. É o exemplo de Constituição balanço, que
registra os estágios da relação de poder, ou seja, a cada passo da evolução, haverá uma
nova Constituição. É um conceito inverso da Constituição-garantia ou Constituição-
moldura.
Concepção compromissória: É aquela que reflete a pluralidade de forças
políticas e sociais, típica de uma sociedade plural e complexa e de conflitos profundos.
O procedimento constituinte envolve um tumultuado jogo de correntes divergentes,
mas que ao fim encontram o “compromisso constitucional”.
IMPORTANTE! Concepção suave ou dúctil (Zagrebelsky): É aquela que não
contém exageros, não fazendo promessas baseadas na demagogia política, porque tem
ambição de ser efetivamente realizada. As palavras chaves são equilíbrio e moderação.
Constituição-garantia é o principal modelo. Reflete o pluralismo social, político e
econômico.
As Constituições dúcteis veiculam conteúdos tendencialmente contraditórios
entre si, sem que se lhes possa traçar uma hierarquia rigorosa. Pelo contrário, eles
devem ser assim preservados, de modo a conceder ampla margem à configuração
legislativa, além de abertos a possíveis ponderações judiciais. Assim, estabelecem-se
mútuas relações entre legislador e juiz, política e justiça.
CAIU EM PROVA:
TJBA, 2019: A concepção que compreende o texto da
Constituição como não acabado nem findo, mas como um
conjunto de materiais de construção a partir dos quais a política
constitucional viabiliza a realização de princípios e valores da
vida comunitária de uma sociedade plural, caracteriza o conceito
de Constituição:
a) em branco.
b) semântica.
c) simbólica.
d) dúctil.
e) dirigente.
Resposta: Letra D.

Constituição em branco: É aquela que não consagra limitações explícitas ao


poder de reforma constitucional. O processo de sua mudança subordina-se à
discricionariedade dos órgãos revisores. Um exemplo são as Constituições fixas.
Constituição plástica (Raul Machado Horta): É aquela que apresenta uma
mobilidade, projetando sua força normativa na realidade social, política, econômica e 71
cultural do Estado. Revela uma maleabilidade que permite a adequação de suas normas.
Tanto as cartas rígidas como as flexíveis podem ser plásticas, já que a possibilidade de
adequação nada tem a ver com o procedimento de reforma. O seu quid caracterizador
é sempre a adaptação das normas constitucionais às oscilações da vida real.
Interligam-se profundamente com o fenômeno da mutação constitucional.
Constituição como ordem material e aberta da comunidade (Hesse): As
Constituições devem criar fundamentos e normatizar os princípios diretores da unidade
política do Estado, regulando o processo de solução de conflitos da comunidade
historicamente construídos. Possui, nesse viés, um conteúdo vago, impreciso, aberto e
material, que deve se adaptar às necessidades do tempo, garantindo o exercício das
liberdades. O texto aberto, atuando diretamente na realidade social, atribui à
Constituição efetividade e força normativa.
Liga-se ao conceito de “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”,
que pressupõe que todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que
vive com este contexto é, indireta ou até mesmo diretamente, intérprete dessa norma.
Em outras palavras, o destinatário da norma também é participante ativo do processo
hermenêutico, não sendo monopólio dos intérpretes jurídicos.
Constituição dirigente (Canotilho): A Constituição dirigente considera que os
problemas econômicos, sociais e científicos são, simultaneamente, problemas
constitucionais suscetíveis de conformação e resolução por meio de decisões político-
constitucionais vinculativas das decisões tomadas pelo poder político, reconhecendo o
caráter de impulso e incentivo ao bloco normativo-programático contemplado em seu
texto. Contempla definição programático-constitucional dos fins e tarefas do Estado que
não elimina o poder de conformação da maioria simples em que eventualmente se apoia
um governo, nem impede a renovação da direção política e a confrontação
pluripartidária.
Por essa razão, enseja a dedução de pretensões à legislação e o correspondente
direito de ação perante os tribunais, que, todavia, não resultam na substituição do juiz
ao legislador com a consequente emanação judicial de uma norma nem pela correção
incidental da omissão legislativa.
O objetivo, portanto, é dirigir a ação governamental do Estado a partir de um
programa de ação. A Constituição é o “estatuto jurídico político”, que adota uma
filosofia de ação normativa para o Estado e sociedade. Por traçar diretrizes para a
atuação estatal, a constituição-dirigente está relacionada às chamadas normas
programáticas e aos direitos fundamentais de segunda geração/dimensão, que
exigem atuação positiva do Estado.
Constituições subconstitucionais ou subconstituições (Kruger): As
Constituições são programas de integração e representação nacionais, que devem
entrar na consciência dos cidadãos. E por isso, somente devem trazer aquilo que
interessa à sociedade como um todo. O totalitarismo constitucional incha a constituição
e foge do sentido exato da palavra. O autor explica que o excesso de normas
constitucionais forma as subconstituições, que podem ser definidas como conjunto de
normas que, mesmo elevadas formalmente ao patamar constitucional, são limitadas nos
seus objetivos e na sua efetividade. Revelam uma espécie de “constituição necessidade”
preocupada com problemas momentâneos. 72
Constituição como documento regulador do sistema político (Luhmann): A
Constituição é instrumento que serve para reduzir a complexidade do sistema político,
buscando uma reflexão de funcionalidade do direito. Não basta analisar o vínculo de
conformidade das leis com a constituição – juízos de constitucionalidade – sendo
necessário que a constituição funcione como campo de contingência de autofixação do
sistema político.
Constituição como processo público (Haberle): A Constituição é o documento
fundamental de uma sociedade pluralista e aberta, obra de vários partícipes. A
Constituição é uma ordem fragmentária, passível de interpretação e descontínua. É o
reflexo de um processo interpretativo aberto e conduzido à luz da força normativa da
publicidade.
Constituição.com (crowdsourcing): É o projeto que conta com a opinião maciça
dos usuários da internet, permitindo maior participação popular, consciência dos temas
constitucionais e o princípio da transparência. A primeira foi a Carta Islandesa.

1.6.2. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

Quanto à Origem:
a) Promulgadas - São as Constituições que têm origem
democrática. Alguns chamam de votada ou popular (ex.: CF
1891; 1934; 1946; e 1988). Elaboradas por uma assembleia
nacional constituinte em nome do povo, pelo povo e para o
povo.
b) Outorgadas - São aquelas que foram impostas de maneira
unilateral por um agente revolucionário, assim não recebem
legitimidade popular (ex.: CF 1824, 1937, 1967 e emenda 1/69).
c) Cesaristas - Existe uma autorização popular por meio de
plebiscito ou referendo, mas o texto da Constituição é forçado
por um poder ditatorial (ex.: plebiscito napoleônicos e de
Pinochet no Chile). Também chamadas de napoleônicas ou
bonapartistas.
d) Pactuadas - Estas decorrem de um pacto entre os vários
titulares de poder (ex.: Magna Carta de 1215 na Inglaterra -
Decorreu de um pacto entre Realeza e Burguesia).

Quanto à Forma:
a) Escritas (instrumentalizada) - São aquelas sedimentadas em
documentos solenes, formais (ex.: CF 1988). Em algumas
Constituições escritas existe uma grande influência dos
costumes, como nos EUA. Podem ser codificadas ou legais.
b) Não escritas - Estas não trazem regras em um único texto
solene e codificado. É formada por textos esparsos,
73
reconhecidos pela sociedade como fundamentais. Além disso,
baseiam-se nos usos, costumes, jurisprudência e convenções
(ex.: Constituição Inglesa).

Quanto à Extensão:
a) Sintéticas (concisas, breves, sumárias, sucintas, básicas) - O
texto da Constituição é principiológico e não se funda em
detalhes. Esta espécie de Constituição tem maior manutenção
do texto no ordenamento (ex.: EUA).
b) Analíticas (amplas, extensas, largas) - O texto da Constituição
é minucioso. Esta espécie de Constituição está sujeita a uma
maior modificação dada a evolução social (ex.: CF 1988).

Quanto ao Modo de Elaboração:


a) Dogmáticas - Estas se fundam nos grandes dogmas que são
sedimentados no texto escrito (ex.: CF 1988). São escritas,
elaboradas por um órgão constituído para esta finalidade,
segundo os dogmas e valores então em voga.
b) Históricas - São formadas por um processo lento e contínuo
ao longo do tempo, reunindo a história e as tradições de um
povo. Obs.: as Constituições históricas são juridicamente
flexíveis, mas normalmente são política e socialmente rígidas.

Quanto à Alterabilidade (mutabilidade ou estabilidade):


a) Rígidas - Estas são alteradas por um processo mais solene e
mais dificultoso que o processo de alteração das demais espécies
normativas infraconstitucionais (ex.: CF de 1988 - art. 60).
Segundo o STF, a Constituição de 1988 é considerada rígida.
Obs.: A Constituição rígida é sempre escrita, mas a recíproca não
é verdadeira.
b) Flexíveis - Estas são alteradas por um processo igual ao das
espécies normativas infraconstitucionais. Dessa forma, a
Constituição tem a mesma hierarquia da lei. Nesse caso, não
existe controle de constitucionalidade, pois um dos
pressupostos do controle de constitucionalidade é justamente a
rigidez constitucional.
c) Superrígidas - Estas são alteradas por um processo mais
solene e mais dificultoso que o processo de alteração das demais
espécies normativas infraconstitucionais. Além disso, possuem
um núcleo duro imutável (alguns autores afirmam que a CF de
1988 é superrígida). 74
d) Semirrígidas ou semiflexíveis - Estas Constituições possuem
processo diferenciado para algumas normas e processo comum
para outras (CF de 1824 - art. 178).
e) Fixas (silenciosas) - Kildare - Estas somente podem ser
alteradas por um procedimento igual ao que as criou (ex.:
Estatuto do Reino da Sardenha de 1948 e Carta Espanhola). São
consideradas silenciosas, pois não mencionam sua forma de
alteração.
f) Transitoriamente Flexíveis - São aquelas que durante um
período são flexíveis e depois se tornam rígidas (ex.: Carta
Irlandesa de 1937).
g) Imutáveis (permanentes, graníticas) - Aquelas que pretendem
ser inalteráveis e eternas (são apenas históricas).

Quanto à Sistemática (Pinto Ferreira):


a) Reduzidas (unitárias) - São aquelas que se materializam por
meio de um só código básico (ex.: CF de 1988).
- Paulo Bonavides as chama de “Codificadas”.
b) Variadas - São aquelas que se materializam por meio de textos
esparsos (ex.: Inglesa).
- Paulo Bonavides as chama de “Legais” ou “Escritas não
formais”.

Quanto à Dogmática (Paulino Jacques):


a) Ortodoxas - São aquelas formadas por uma só ideologia (ex.:
URSS de 1977).
b) Ecléticas/heterodoxas - São aquelas formadas pela
conciliação de várias ideologias (ex.: CF de 1988).
- Segundo Canotilho, é aqui que reside o caráter compromissório
da CF. Este se evidencia na busca pela conciliação entre
ideologias diferentes (ex.: Liberalismo vs. Estado Social).

IMPORTANTE! Quanto à Essência (Loewenstein) ou correspondência com a


realidade política e social (classificação ontológica):
a) Normativas - O processo de poder está de tal forma
disciplinado que as relações políticas e os agentes do poder
subordinam-se às determinações do seu conteúdo e do seu
controle procedimental (espera-se do texto 1988).
b) Nominalistas (ou nominais) - Contêm disposições de
limitações e controle de dominação política, sem ressonância na 75
sistemática de processo real de poder, e com insuficiente
concretização constitucional.
c) Semânticas - São simples reflexos da realidade política,
servindo como mero instrumento dos donos do poder e das
elites políticas, sem limitação do seu conteúdo (texto de 1937 e
1967).
- Marcelo Neves prefere a expressão instrumentalista.

CAIU EM PROVA:
TJSC, 2019: A respeito das constituições classificadas como
semânticas, assinale a opção correta.
a) São aquelas que se estruturam a partir da generalização
congruente de expectativas de comportamento.
b) São aquelas cujas normas dominam o processo político; e
nelas ocorrem adaptação e submissão do poder político à
constituição escrita.
c) Funcionam como pressupostos da autonomia do direito; e
nelas a normatividade serve essencialmente à formação da
constituição como instância reflexiva do sistema jurídico.
d) São aquelas cujas normas são instrumentos para a
estabilização e perpetuação do controle do poder político pelos
detentores do poder fático.
e) São aquelas cujo sentido das normas se reflete na realidade
constitucional.
Resposta: Letra D.

Quanto ao Sistema (Diogo de Figueiredo Moreira Neto):


a) Principiológicas - Prevalecem os princípios, identificados
como normas constitucionais providas de alto grau de abstração,
consagradores de valores, pelo que é necessária a mediação
concretizadora (ex.: CF de 1988).
b) Preceituais - Prevalecem as regras individualizadoras de
princípios, pelo que é possível a aplicação coercitiva (ex.:
Constituição mexicana).

Classificação de Manoel Gonçalves F. Filho:


a) Garantia - Estas buscam garantir a liberdade limitando o
poder (ex.: CF de 1988). O objetivo da Constituição-garantia é
proteger as liberdades públicas contra a arbitrariedade do 76
Estado (correspondem ao primeiro período de surgimento dos
direitos humanos).
b) Balanço - Estas fazem um balanço de tempos em tempos da
evolução socialista (ex.: URSS). A Constituição-balanço visa reger
o ordenamento durante um certo tempo. Transcorrido esse
prazo, é elaborada uma nova Constituição e seu texto é
adaptado. Também chamada de Constituição-registro.
c) Dirigente - Estas são compostas por normas programáticas
(planos e programas a serem cumpridos) - (ex.: CF de 1988).
- Possui inspiração Marxista, ou seja, preza por um “ideal a ser
concretizado”.

Classificação de Ramos Tavares - Quanto ao Conteúdo Ideológico:


a) Liberais (negativas) - Surgem com o triunfo das ideologias
burguesas (ideias liberais). Dessa forma, privilegiam direitos de
primeira dimensão. São, assim, Constituições negativas
(absenteísmo estatal).
b) Sociais (dirigentes) - São ligadas ao Estado Social de Direito
(ex.: CF 1988). Consagram atuações sociais do Estado.
Privilegiam direitos de segunda dimensão.
Teoria de Raul Machado Horta - Expansividade da Constituição - A
expansividade da CF de 1988, em função dos temas novos e da ampliação conferida a
temas permanentes, como no caso dos direitos e garantias fundamentais, pode ser
aferida em três planos distintos:
a) Conteúdo anatômico e estrutural da CF (anatomia) -
Expansiva é aquela que está bem dividida em capítulos, títulos
etc.
b) Comparação constitucional interna - Considera as
Constituições brasileiras precedentes, considerando a extensão
de cada uma e as suas alterações. A CF de 1988 comparada com
as outras brasileiras é expansiva.
c) Comparação constitucional externa - Considera as
Constituições internacionais. A CF de 1988 comparada com
outras internacionais também é expansiva.

Outras classificações:
a) Constituição-lei: tem status de lei ordinária.
b) Constituição-fundamento: liberdade do legislador é apenas
dar efetividade às normas constitucionais. 77
c) Constituição-quadro/constituição-moldura: legislador só
pode atuar dentro de determinado espaço estabelecido pelo
poder constituinte. Cabe à jurisdição constitucional verificar se
esses limites foram obedecidos.

1.6.3. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO

Definição - São critérios de classificação das normas de José Afonso da Silva.


Buscam agrupar as normas que tenham a mesma origem e a mesma finalidade.
Segundo o autor, a CF tem uma natureza polifacética, pois possui normas que
apresentam valores distintos.
Elementos Orgânicos - São normas que regulam a estrutura do Estado e do
Poder. Ex.: Título III - Organização do Estado; Título IV - Organização dos poderes.
Elementos Limitativos - São normas que estabelecem direitos e garantias
fundamentais limitadores dos poderes estatais. Ex.: Título II - Dos Direitos e Garantias
Fundamentais (excetuando-se os direitos sociais).
Elementos Socioideológicos - Revelam o compromisso da Constituição entre o
Estado Individualista e o Estado Social Intervencionista. Ex.: Capítulo II do Título II - Dos
Direitos Sociais; Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira.
Elementos de Estabilização - Normas que definem mecanismos de
estabilização diante de crises. São destinadas a solucionar conflitos e buscam a defesa
da CF, do Estado e das Instituições Democráticas. Ex.: Art. 102, I, “a”, da CF - ADIN; Art.
34 a 36 da CF - Da Intervenção nos Estados e Municípios.
Elementos Formais de Aplicabilidade - Referem-se às normas de aplicação da
Constituição. Ex.: Preâmbulo, ADCT, Art. 5º, § 1º, da CF.

1.7. ESTRUTURA DAS CONSTITUIÇÕES


1.7.1. PREÂMBULO

O preâmbulo é a parte que antecede o texto constitucional e define as


intenções do legislador constituinte, sintetizando a ideologia do poder constituinte.
Serve de integração e orienta a interpretação.
O preâmbulo, embora parte integrante da Constituição, com a mesma origem
dos demais dispositivos constitucionais, costuma ser diferenciado por sua eficácia e
papel desempenhado.
De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), por ser
destituído de valor normativo e força cogente, o preâmbulo não pode ser invocado
como parâmetro para o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos.
Vejamos: 78
“Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central.
Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de
reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo
força normativa.” (grifo nosso)
[ADI 2.076, rel. min. Carlos Velloso, j. 15-8-2002, P, DJ de 8-8-
2003.]

Segundo o STF, o preâmbulo não tem caráter vinculante, situando-se no âmbito


da política. Adota-se, portanto, a teoria da irrelevância jurídica do preâmbulo.

1.7.2. PARTE DOGMÁTICA

É o texto constitucional propriamente dito, o corpo permanente da


Constituição.

1.7.3. PARTE TRANSITÓRIA

A parte transitória visa a integrar a ordem jurídica antiga à nova. É formalmente


constitucional, embora no texto da Constituição apresente numeração apartada. Assim
como a parte dogmática, pode servir de paradigma para o controle de
constitucionalidade.

1.8. NORMAS CONSTITUCIONAIS PROGRAMÁTICAS

Luís Roberto Barroso destaca que, com o surgimento do Estado


intervencionista e a consequente introdução de normas de cunho social na Constituição,
foram estabelecidos direitos a serem concretizados no presente, que são os
denominados direitos sociais. Contemplaram-se, também, certos interesses, de caráter
prospectivo, orientadores de posições, desde logo observáveis, e foram implantadas
projeções de comportamentos, a serem efetivadas de forma progressiva, dentro das
possibilidades do Estado e da sociedade. Surgiram, assim, as denominadas normas
programáticas. As normas programáticas destinam-se aos órgãos estatais com a
finalidade de fixar os programas que guiarão os poderes públicos, e relacionam-se à
concepção de Constituição Dirigente.
A norma constitucional programática possui eficácia limitada, necessitando de
um ato normativo para sua concretização (lei integrativa infraconstitucional) e para
produzir plenos efeitos. Contudo, mesmo tendo eficácia mediata, as normas
programáticas são dotadas de eficácia jurídica, uma vez que revogam as leis anteriores
com ela incompatíveis, condicionam a atuação da administração pública e a edição de
legislação futura, servem de vetores de interpretação e aplicação das demais leis pelo
Poder Judiciário etc.
79
Assim, apesar de não gerarem imediatamente um direito público subjetivo para
o indivíduo, as normas programáticas consagram um “direito subjetivo negativo”,
resultando na possibilidade de se exigir que o poder público se abstenha de praticar atos
que com elas colidam.

1.9. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A CF/88 consagra, no Título I, os Princípios Fundamentais da República


Federativa do Brasil, os quais estabelecem a forma, a estrutura e os fundamentos do
Estado brasileiro (CF, art. 1.º), a divisão dos poderes (CF, art. 2.º), os objetivos
primordiais a serem perseguidos (CF, art. 3.º) e as diretrizes a serem adotadas nas
relações internacionais (CF, art. 4.º).
A) Princípios Estruturantes:
CF, art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito (...).

Os princípios estruturantes constituem e indicam as diretrizes fundamentais


informadoras de toda a ordem constitucional. Assim, passaremos a analisar os princípios
estruturantes consagrados no caput do artigo 1º da Constituição da República, os quais
expressam as decisões políticas fundamentais do legislador constituinte em relação à
forma e à organização do Estado brasileiro.
i. Princípio republicano
No Brasil, a proclamação da República ocorreu em 15 de novembro de 1889,
resultando no fim do regime imperial. Como já visto, no âmbito constitucional, essa
forma de governo é inaugurada com o advento da Constituição de 1891, tendo todas as
posteriores cartas políticas brasileiras seguido o mesmo caminho.
A República (do latim res publica: “coisa do povo”) surgiu como uma forma de
governo em oposição à Monarquia, com a finalidade de retirar a concentração de poder
das mãos do Rei.
A República se caracteriza pelo caráter representativo dos governantes,
inclusive do Chefe de Estado (representatividade), pela necessidade de alternância no
poder (temporariedade ou alternância) e pela responsabilização política, civil e penal de
seus detentores (responsabilidade). A forma republicana de governo possibilita a
participação dos cidadãos, direta ou indiretamente, no governo e na administração
pública.
ii. Princípio federativo
A forma federativa de Estado tem sua origem a partir de um pacto celebrado
entre Estados que cedem sua soberania para o ente central e passam a ter autonomia
nos termos estabelecidos pela Constituição. Há, portanto, a incidência de mais de uma
esfera de poder sobre a população e dentro de um mesmo território. 80
O princípio federativo, que tem como núcleo essencial o respeito à autonomia
constitucionalmente conferida a cada ente integrante da federação, deve ser observado
tanto no âmbito de elaboração quanto no de aplicação das normas.
iii. Princípio da indissolubilidade do pacto federativo
O princípio da indissolubilidade do pacto federativo tem por finalidade conciliar
a descentralização do poder político com a preservação da unidade nacional. Ao
estabelecer que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos
Estados, Distrito Federal e Municípios, a Constituição veda, aos entes que compõem a
federação brasileira, o direito de secessão.
Caso ocorra tentativa de rompimento da unidade da federação brasileira, é
permitida a intervenção federal com o objetivo de manter a integridade nacional (CF,
art. 34, I).

OBSERVAÇÃO: a forma federativa de Estado é uma cláusula pétrea explícita, prevista no


inciso I do § 4º do artigo 60 da CF/88.

iv. Princípio do Estado democrático de direito


De acordo com a doutrina, a primeira institucionalização, com certo caráter
geral, do Estado de Direito ocorre com a Revolução Francesa. A limitação do Estado pelo
direito com distribuição das funções em órgãos distintos (separação dos poderes) é um
dos aspectos distintivos em relação ao modelo anterior.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, surge um novo modelo de Estado que
tem como notas distintivas a introdução de novos mecanismos de soberania popular, a
garantia jurisdicional da supremacia da Constituição, a busca pela efetividade dos
direitos fundamentais e ampliação do conceito de democracia. A tensão entre a nova
configuração do Constitucionalismo e o conceito meramente formal de democracia,
tradicionalmente associado às forças majoritárias, promove o desenvolvimento de uma
dimensão substancial da democracia, a fim de assegurar que os direitos fundamentais
sejam efetivamente usufruídos por todos, inclusive pelas minorias perante a vontade
majoritária.
A fim de destacar a mudança do paradigma de Estado, anteriormente,
associado à ideia de “império da lei” (Estado de direito), passa-se a ter na supremacia
da Constituição sua característica nuclear (Estado constitucional). No Estado
constitucional de direito, a Constituição é a norma mais elevada, não apenas sob o ponto
de vista formal, mas também substancial.
B) Fundamentos da República Federativa do Brasil:
CF, art. 1.º A República Federativa do Brasil (…) tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
81
IV - os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa;
V - o pluralismo político.

ATENÇÃO! Não é o perfil de prova do ENAM, mas fica uma DICA para memorização
dos fundamentos: So-Ci-Di-Va-Plu.

Os fundamentos de um Estado devem ser compreendidos como os valores


essenciais que compõem sua estrutura. A consagração expressa da soberania, da
cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa e do pluralismo político como fundamentos da República Federativa do Brasil
atribui a esses valores especial significado dentro de nossa ordem constitucional.
Os princípios nos quais esses fundamentos se materializam desempenham um
importante papel, seja de forma indireta, atuando como diretriz para a elaboração,
interpretação e aplicação de outras normas do ordenamento jurídico, seja de forma
direta, quando utilizados como razões para a decisão de um caso concreto.
i. Soberania
Atualmente, a soberania estatal passou a ser definida como um poder político
supremo e independente. Supremo, por não estar limitado por nenhum outro poder na
ordem interna (soberania interna); independente, por não estar submetido, na ordem
internacional, a regras que não sejam voluntariamente aceitas e por estar em igualdade
com os poderes supremos dos outros povos (soberania externa).
Vale ressaltar que o desenvolvimento dos meios de comunicação e de
informação, bem como a globalização política e econômica, fizeram com que o conceito
de soberania fosse flexibilizado, causando uma crise na delimitação deste conceito e
impondo sua reavaliação.
ii. Cidadania
A cidadania decorre do princípio do Estado Democrático de Direito e consiste
na participação política do indivíduo nos negócios do Estado e, até mesmo, em outras
áreas de interesse público.
iii. Dignidade da pessoa humana
Núcleo axiológico do Constitucionalismo contemporâneo, a dignidade da
pessoa humana é considerada o valor constitucional supremo e, enquanto tal, deve
servir, não apenas como razão para a decisão de casos concretos, mas principalmente
como diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a
ordem jurídica.
O reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana pelas
Constituições em diversos países ocidentais tiveram aumento após a Segunda Guerra
Mundial, como forma de reação às práticas ocorridas durante o nazismo e o fascismo,
bem como durante as ditaduras ao redor do mundo.
O fato de a dignidade ter um caráter absoluto - isto é, não comportar gradações
82
no sentido de existirem pessoas com maior ou menor dignidade - não significa que a
dignidade humana seja um princípio absoluto. Apesar de ter um peso elevado na
ponderação, o seu cumprimento, assim como o de todos os demais princípios, ocorre
em diferentes graus, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes.
É possível afirmar que a dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento
da República Federativa do Brasil, possui tripla dimensão normativa:
i. atua como diretriz a ser observada na criação e interpretação
de outras normas;
ii. é um princípio que impõe aos poderes públicos o dever de
proteção da dignidade e de promoção dos valores, bens e
utilidades indispensáveis a uma vida digna; e
iii. é uma regra, a qual determina o dever de respeito à
dignidade, seja pelo Estado, seja por terceiros.

Existe uma relação de mútua dependência entre a dignidade da pessoa humana


e os direitos fundamentais. A dignidade é o fundamento, a origem e o ponto comum
entre os direitos fundamentais, os quais são imprescindíveis para uma vida digna.
Vale ressaltar que existe corrente doutrinária segundo a qual a dignidade da
pessoa humana não seria classificada como princípio, mas sim como postulado
normativo (metanorma), que serve para aplicação e interpretação geral de todo o
Direito. Em alguns julgados do STF, inclusive, verifica-se a adoção da expressão
“postulado da dignidade da pessoa humana”.
iv. Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
Além do reconhecimento dos valores sociais do trabalho como um dos
fundamentos do Estado brasileiro, a Constituição também reconhece o trabalho como
um direito social fundamental (CF, art. 6º), conferindo uma extensa proteção aos
direitos dos trabalhadores (CF, arts. 7º ao 11). A consagração dos valores sociais do
trabalho impõe, ainda, ao Estado o dever de proteção das relações de trabalho contra
qualquer tipo de aviltamento ou exploração.
A livre iniciativa é um princípio básico do liberalismo econômico. Além de
fundamento da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa está consagrada como
princípio informativo e fundante da ordem econômica (CF, art. 170), sendo
constitucionalmente “assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei” (CF, art. 170, parágrafo único). A ordem econômica tem por finalidade
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF, art. 170).
v. Pluralismo político
Consagrado na Constituição de 1988 como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil (CF, art. 1º , V), o pluralismo político, em sentido amplo,
compreende: o pluralismo econômico (economia de mercado; concorrência de
empresas entre si; setor público distinto do privado); o pluralismo político-partidário
(existência de vários partidos ou movimentos políticos que disputam entre si o poder na
83
sociedade) e o pluralismo ideológico (diversas orientações de pensamento; diversos
programas políticos e opinião pública não homogênea).

C) Objetivos Fundamentais (art. 3º)


CF, art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.

Diversamente dos fundamentos (art. 1º), que são valores estruturantes do


Estado brasileiro, os objetivos fundamentais consistem em algo a ser perseguido pelo
Estado na maior medida possível.
De acordo com o professor Novelino, “a construção de uma
sociedade justa e solidária (princípio da solidariedade) e a busca
pela redução das desigualdades sociais e regionais estão
associadas à concretização do princípio da igualdade, em seu
aspecto substancial (igualdade material). Nesse sentido,
legitimam a adoção de políticas afirmativas (ações afirmativas
ou discriminações positivas) por parte do Estado. A promoção do
bem de todos, sem quaisquer formas de preconceito e
discriminação, está diretamente relacionada à proteção e
promoção da dignidade da pessoa humana e ao respeito às
diferenças, como exigência do pluralismo. A erradicação da
pobreza é uma das muitas concretizações do princípio da
dignidade da pessoa humana, por estar indissociavelmente
relacionada à promoção de condições dignas de vida”.

Ainda, vale ressaltar que o rol de objetivos fundamentais constante do artigo


3º da Constituição é apenas exemplificativo.

ATENÇÃO! Dica para provas objetivas: observe que os objetivos fundamentais da


República iniciam-se com verbos, como “construir, garantir, etc.”.

D) Princípio da Separação dos Poderes: 84


CF, art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

No sistema de freios e contrapesos (checks and balances), a repartição


equilibrada dos poderes entre os diferentes órgãos é feita de modo que nenhum deles
possa ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição sem ser contido pelos
demais.
A Constituição de 1988, além de consagrar expressamente o princípio da
separação dos poderes (CF, art. 2º) e protegê-lo como cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º,
III), estabeleceu atribuições de controle recíproco, de forma a garantir a independência
entre os Poderes, bem como evitar o abuso e o arbítrio por qualquer um deles.
Em regra, a aplicação do princípio em questão é casuística, sendo necessário
extrair da própria Constituição a marca essencial para fins de controle de
constitucionalidade.

E) Princípios a serem observados nas relações internacionais (art. 4º)

CF, art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas


relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a
integração econômica, política, social e cultural dos povos da
América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-
americana de nações.

José Afonso da Silva identifica quatro inspirações para este rol de princípios que
devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais: a de caráter
nacionalista, expressa nas ideias de independência nacional, de autodeterminação dos
povos, de não intervenção e de igualdade entre os Estados; a de caráter
internacionalista, revelada na determinação de prevalência dos direitos humanos e de 85
repúdio ao terrorismo e ao racismo; a de caráter pacifista, exteriorizada nos dispositivos
que determinam a defesa da paz, de solução pacífica dos conflitos e a concessão de asilo
político; e a de caráter comunitarista, observada nas ideias de cooperação entre os
povos para o progresso da humanidade e no estímulo à formação de uma comunidade
latino-americana de nações.

1.10. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

Conforme visto acima (item 1.7), a finalidade do ADCT é estabelecer regras de


transição entre o antigo ordenamento jurídico e o novo, instituído pela manifestação do
poder constituinte originário.
Por natureza, portanto, diante de sua eficácia temporária, após produzirem os
seus efeitos, ou diante do advento da condição ou termo estabelecidos, esgotam-se,
tornando-se normas de eficácia exaurida.
De acordo com o doutrinador Raul Machado Horta, "norma permanente nas
Disposições Transitórias é norma anômala”.

1.10.1. CLASSIFICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DO ADCT


Raul Machado Horta identificou as seguintes categorias:
a) normas exauridas: aquelas que já desapareceram, em virtude
da realização da condição ou do ato nela previstos;
b) normas dependentes de legislação e de execução;
c) normas dotadas de duração temporária expressa. Ex.: art. 40
do ADCT, que manteve, por 25 anos, a partir da promulgação da
Constituição, a Zona Franca de Manaus (prazo esse acrescido de
10 anos pela EC n. 42/2003);
d) normas de recepção. Ex.: art. 34, § 5º; art. 66 etc.;
e) normas sobre benefícios e direitos. Ex.: arts. 53 e 54.

Por sua vez, Luís Roberto Barroso, identificando espécies distintas de


disposições transitórias, estabeleceu três categorias:
a) disposições transitórias propriamente ditas: são as
disposições típicas que regulam de modo transitório
determinadas relações, estando sujeitas à condição resolutiva
ou termo.
b) disposições de efeitos instantâneos e definitivos: essas 86
disposições não aguardam uma condição ou um termo,
operando imediatamente ou no prazo estabelecido. Como
exemplo, temos o art. 13, caput, do ADCT, que criou o Estado do
Tocantins, ou o art. 15, que extinguiu o Território Federal de
Fernando de Noronha, reincorporando a sua área ao Estado de
Pernambuco;
c) disposições de efeitos diferidos: são aquelas que “sustam a
operatividade da norma constitucional por prazo determinado
ou até a ocorrência de um determinado evento”. Como
exemplo, temos o art. 5º, caput, do ADCT.

O ADCT tem natureza jurídica de norma constitucional e poderá, portanto,


trazer exceções às regras colocadas no corpo da Constituição.
As normas constantes do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
possuem a mesma hierarquia daquelas consagradas na parte permanente e podem ser
paradigma de controle de constitucionalidade concentrado.
Neste sentido:
“Como cediço, o preâmbulo da CF não pode servir de parâmetro
para o controle de constitucionalidade, ao passo que as normas
que compõem o Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, salvo as que tenham sua eficácia exaurida, podem
ser usadas como paradigma de controle em razão de sua
natureza de norma constitucional.” (STF, RE 215.107/PR,
Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 21/11/2006, p. DJ
02/02/2007)
Assim, em virtude de sua natureza constitucional, a alteração das normas do
ADCT ou o acréscimo de novas regras dependerão da manifestação do poder
constituinte derivado reformador, ou seja, necessariamente por meio de emendas
constitucionais que, por sua vez, deverão observar os limites ao poder de reforma.

1.11 NORMAS CONSTITUCIONAIS

Inicialmente, importa destacar a distinção entre “texto” e “norma” feita pela


doutrina contemporânea. Outrora, acreditava-se que se o texto normativo fosse claro,
não caberia qualquer interpretação por parte do julgador. Ao juiz, caberia revelar tão
somente a vontade do legislador, por meio da subsunção, traduzindo-se em verdadeiro
juiz “boca da lei” (Escola da Exegese, de tradição francesa, como visto anteriormente).
Atualmente, prevalece o entendimento de que ao juiz não basta reproduzir a
lei, sendo certo que não é possível aplicar a lei sem que sobre ela se realize qualquer
processo interpretativo. Assim, diversos teóricos passaram a distinguir os conceitos de
“texto” e “norma”, destacando-se, por todos, Friedrich Müller, que cunhou a máxima
de que “a norma é sempre o sentido atribuído ao texto (jurídico)”.
O “texto” pode ser entendido como o conjunto de caracteres linguísticos
87
organizado de maneira a permitir a formação de disposições normativas, ou seja, é o
objeto da interpretação, ao passo que a “norma” pode ser entendida como o sentido
que se extrai do texto, o que exige atividade interpretativa.
Segundo o Ministro Barroso, texto ou enunciado normativo corresponde “a
uma proposição jurídica no papel, a uma expressão linguística, a um discurso prescritivo
que se extrai de um ou mais dispositivos. Enunciado normativo é o texto ainda por
interpretar”.
Frisa-se que o texto normativo não contém a norma em si. É a partir do texto
que exsurgem as normas. Em outras palavras, a norma é sempre o resultado da
aplicação (interpretação) do texto.
Por sua vez, prevalece o entendimento de que norma é gênero que comporta
duas espécies: regras e princípios (trataremos com mais detalhes adiante).
Para José Afonso da Silva, pode-se dizer que normas “são preceitos que tutelam
situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, por um lado, reconhecem a
pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou
exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades
à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção
em favor de outrem”.
A doutrina destaca, ainda, a possibilidade de que existam normas sem que haja
qualquer dispositivo expresso, a exemplo das normas consuetudinárias e das normas
implícitas.
Vale ressaltar que toda norma constitucional tem eficácia, pois são imperativas
e cogentes, variando em grau de eficácia:

EFICÁCIA MÍNIMA (negativa) - forças: EFICÁCIA MÁXIMA (SOCIAL)

- Paralisante = não recepção das normas - Concretização do comando


anteriores contrárias. constitucional, dependente de fatores
- Impeditivas = inconstitucionalidade das jurídicos, culturais e políticos.
normas supervenientes contrárias (servem
de parâmetro para o controle de
constitucionalidade).
- Efeito vinculativo = gera a obrigação de
regulamentação por parte do legislador
ordinário, sob pena de omissão
inconstitucional.

AÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONA


Quanto à NATUREZA:

FORMALMENTE CONSTITUCIONAIS MATERIALMENTE CONSTITUCIONAIS 88


- Tudo que está no texto constitucional. - Matérias de assuntos tipicamente
constitucionais (limitação do poder,
organização do Estado e direitos e
garantias fundamentais).

Quanto à APLICABILIDADE:
A aplicabilidade se refere ao grau de alcance e realizabilidade dos dispositivos
constitucionais.
O § 1º do artigo 5º da Constituição Federal expressamente prevê que “As
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Entretanto, a doutrina diverge sobre qual a extensão do comando constitucional, tendo
se desenvolvido quatro correntes, a saber:
a) A cláusula é irrelevante: não é possível alternar a natureza das coisas por
mero comando constitucional, haja vista que a aplicabilidade da norma depende não
somente da disposição normativa, mas também de requisitos técnicos e institucionais,
que não são preenchidos de forma imediata por força do comando constitucional.
Assim, a norma deve ser um vetor interpretativo para assegurar a máxima efetividade
dos direitos e garantias fundamentais.
b) A cláusula é regra absoluta: ainda que não haja regulamentação a respeito,
todos estão obrigados a garantir a eficácia plena das normas que dispõem sobre direitos
e garantias fundamentais, seja pela via da integração de lacunas, seja por intermédio de
mandado de injunção.
c) A cláusula é regra, mas não é absoluta: a cláusula deve ser observada dentro
das condições apresentadas pelas instituições estatais para o seu cumprimento, não
podendo ser afastada sempre que for possível o seu cumprimento de acordo com os
recursos existentes.
d) A cláusula é um princípio que deve ser realizado na maior extensão possível.
Como princípio, impõe a máxima otimização da aplicabilidade das normas definidoras
de direitos e garantias fundamentais, mas não afasta situações excepcionais em que não
seja possível a sua observância. Esta é a posição que prevalece e a mais segura a ser
adotada em concursos públicos.
Quanto à EFICÁCIA:
José Afonso da Silva classifica as normas constitucionais, quanto à eficácia, em:

EFICÁCIA PLENA (absoluta ou de mera aplicação). Possuem aplicabilidade direta,


imediata e integral, de modo que não necessitam do legislador ordinário para terem
eficácia máxima (normas autoaplicáveis) e não podem ser restringidas.
Ex.: art. 5º, III, da CF - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano 89
ou degradante.

EFICÁCIA CONTIDA (também chamada de norma de integração restringível,


prospectiva, ou, ainda, de norma de eficácia relativa restringível). Possuem
aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, pois admitem restrição pelo
legislador ordinário. Em outras palavras, estão aptas a produzir efeitos desde a sua
vigência, mas admitem intervenção restritiva, que pode ocorrer por lei, por outra
norma constitucional ou por conceitos éticos-jurídicos indeterminados (ex.: art. 5º,
XIII, da CF - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer). Por isso, são de eficácia redutível
(restringível).

EFICÁCIA LIMITADA (também chamada de norma de integração completável, de


norma de eficácia relativa dependente de regulamentação ou complementação ou de
norma de eficácia diferida). Possuem eficácia mínima, limitada ou reduzida. Para
obterem eficácia máxima, dependem de norma infraconstitucional. Possuem
aplicabilidade indireta, mediata e reduzida (são não autoaplicáveis). Podem ser
subdivididas em:
- Institutivas (organizativa) = concretizam e regulamentam órgãos ou instituições. Ex.:
art. 33 - “a lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios”
e art. 37, VII - “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em
lei específica”, todos da CF). Podem ser impositivas ou facultativas (ex.: justiça militar
estadual é facultativa- art. 125, § 3º, da CF).
- Programáticas = traçam programas (objetivos) de Estado (ex.: art. 3º da CF, que trata
dos objetivos fundamentais da República, e art. 170, III, da CF, que trata dos princípios
da ordem econômica).
Constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, por exemplo,
construir uma sociedade livre, justa e solidária, o que é norma eminentemente
programática, traça uma diretriz, um programa a ser seguido.

ATENÇÃO! Nos últimos anos, com a expansão do neoconstitucionalismo, desenvolvido


sob a perspectiva filosófica do pós-positivismo, cresce entre os doutrinadores a ideia de
que mesmo as normas programáticas podem ter seu cumprimento judicializado, em
razão da eficácia mínima que se extrai de todas as normas jurídicas. Outrora, tais
normas eram entendidas tão somente como diretrizes para a atuação do Estado, que
não impunham qualquer possibilidade de cumprimento pela via judicial. Com a
mudança de paradigma, que objetiva dar “máxima efetividade” ao texto constitucional,
o STF vem admitindo o controle judicial de políticas públicas, de forma a impor aos
demais poderes o cumprimento dos programas estabelecidos na Constituição.

ATENÇÃO! José Afonso da Silva entende que também são normas de eficácia contida as
que preveem restrições a direitos, por motivos de necessidade, de utilidade pública, de
interesse social, de iminente perigo público, de calamidade pública, de manutenção da
ordem, dentre outras da mesma natureza, por meio de atos administrativos.
90

OBS.: Virgílio Afonso da Silva critica a distinção entre normas de eficácia contida
e de eficácia plena, pois, mesmo estas últimas, seriam regulamentáveis (toda
regulamentação importa restrição) – não há direitos absolutos. A maneira de salvar a
classificação seria admitir que as normas plenas seriam restringíveis apenas dentro dos
limites expressa ou implicitamente decorrentes do texto constitucional (limites
imanentes), ao passo que as normas contidas admitiriam restrições adicionais impostas
pelo legislador ordinário.
Apesar das críticas doutrinárias, a classificação de José Afonso da Silva ainda é
bastante utilizada e muito cobrada em provas, razão pela qual deve ser memorizada.
CLASSIFICAÇÕES (nomenclaturas de outros doutrinadores):

MICHEL TEMER JOSÉ AFONSO DA SILVA MARIA HELENA DINIZ

- Eficácia plena - Eficácia plena - Eficácia plena

- Eficácia limitada - Eficácia limitada - Eficácia relativa


complementável
- Eficácia redutível - Eficácia contida - Eficácia relativa
restringível

- Absolutas ou
superficazes¹

¹ Normas imunes ao poder de reforma (cláusulas pétreas).


* Daniel Sarmento destaca, quanto à eficácia das normas constitucionais, que se deve
considerar, também, as normas constitucionais de eficácia exaurida ou esgotada. Trata-
se das normas transitórias que já exerceram seus efeitos (ex.: final do mandato do
primeiro presidente sob a égide da CF/88 - ADCT, art. 4º).
ATENÇÃO! As normas de eficácia limitada, embora não sejam autoaplicáveis,
também geram alguns efeitos imediatos (como visto, toda norma constitucional tem
eficácia, ao menos jurídica):

EFEITOS das normas constitucionais de eficácia limitada

a) Criam deveres para os legisladores = são parâmetros para inconstitucionalidade


por omissão.

b) Força paralisante = provocam a não recepção de leis anteriores colidentes 91


c) Força impeditiva = condicionam a legislação futura, tornando inconstitucionais as
leis que a contrariem.

d) Informam a concepção de sociedade e Estado.

e) Orientam a interpretação e a aplicação das normas infraconstitucionais.

f) Condicionam a atividade discricionária da Administração Pública.

g) Geram direitos subjetivos negativos = é possível exigir do Estado uma abstenção


de ações.

Alguns autores citam ainda a eficácia impeditiva do retrocesso social.


JÁ CAIU EM PROVA:
- Segundo o STF, o desmembramento de município previsto na
CF é norma de eficácia contida” (CESPE. TJ-PR 2017).
Alternativa ERRADA.
O artigo 18, §4º, da CF condiciona o desmembramento de
municípios, dentre outras providências, à edição de Lei
Complementar Federal. Daí porque o STF entende que enquanto
não editada a LC federal não podem os municípios serem
desmembrados, caracterizando-se como norma de eficácia
limitada (e não contida) o artigo 18, §4º, da CF. ADI 4992/RO
(sem prejuízo da convalidação dos Municípios já criados,
incorporados, fundidos ou desmembrados até 31/12/2006, por
força da EC 57/2008).
- As normas de eficácia limitada regulam suficientemente
determinada matéria, havendo margem apenas para a atuação
restritiva por meio de legislação infraconstitucional” (CESPE-
TJ.BA 2019).
Alternativa ERRADA.
O examinador inverteu os conceitos de norma de eficácia
limitada e norma de eficácia contida.

NORMA

PRINCÍPIO REGRA

A doutrina aponta a existência de três fases sobre a concepção dos princípios: 92


i) fase jusnaturalista, em que os princípios eram uma fonte
metafísica de orientação do direito, com caráter transcendental
de orientação do justo e do certo;
ii) fase juspositivista, em que os princípios exerciam somente o
papel de complementação na ausência de previsão normativa;
iii) fase pós-positivista, em que os princípios são considerados
normas por excelência, com caráter jurídico e força cogente.

Existem vários critérios para diferenciar as normas (gêneros) em suas espécies:


princípios e regras. No Brasil, um dos critérios mais difundidos é considerar os princípios
como dotados de maior generalidade ou fundamentabilidade (Celso Antônio Bandeira
de Melo) do que as regras.
Vejamos as distinções, divididas em quantitativas e qualitativas.

DIFERENCIAÇÃO das normas (princípios e regras) - distinções quantitativas (fracas)

a) Indeterminação = os princípios são mais vagos e ambíguos. Há um maior grau de


conformação semântica, podendo ser cumpridos em diferentes níveis e graus.

b) Generalidade = os princípios são gerais e abstratos.


c) Papel do intérprete = a atividade do intérprete é criativa, sendo mais ativa nos
princípios (as regras dão menor margem para valoração subjetiva).

d) Importância na ordem jurídica = os princípios seriam as linhas mestras do sistema


jurídico, normas fundantes e nucleares do ordenamento.

e) Função na ordem jurídica = os princípios servem de guia para a aplicação e para a


interpretação das demais normas. A doutrina também aponta a função
normogenética dos princípios: determinam a criação de leis para sua concretização
(Canotilho).

f) Conteúdo moral = os princípios possuem uma dimensão moral maior, incorporando


e normatizando valores fundamentais.

Distinções qualitativas (fortes):


Ressifignicação do conceito de norma a partir dos trabalhos de Dworkin e Alexy,
resumidos nas seguintes obras:

- Ronald Dworkin - “Levando os direitos a sério” (1977).

- Robert Alexy - “Teoria dos direitos fundamentais” (1986).


93

Dworkin critica Hart (Hart era considerado positivista “soft”, ou seja, acreditava
na relação contingente, mas não necessária, entre direito e moral), que defende que,
nos casos difíceis (“hard cases” não solucionados pela lei), o juiz decidiria com
discricionariedade (criaria uma lei para o caso concreto).
Para Dworkin, os princípios devem ser aplicados, chegando-se a uma decisão
justa e com base em direito preexistente. Assim, para cada caso haveria apenas uma
resposta, mesmo aplicando-se os princípios (ideia de integridade da jurisprudência, que
deve seguir uma lógica, como um “romance em cadeia”).
OBS.: a aplicação especial dos princípios se verifica nos hard cases, aqueles não
solucionáveis pela mera aplicação do raciocínio lógico - subsunção legal (STF, MC no MS
32.326).
DWORKIN (modo de aplicação):

REGRAS PRINCÍPIOS

- Determinam consequências precisas. - Possuem uma “dimensão de peso” em


relação a outros princípios,
- Aplicação por all or nothing, tudo ou preponderando o de peso relativo maior
nada = a regra é válida ou inválida, no caso concreto.
aplicável ou inaplicável.
- São fundamentos de argumentação
- Resolução de conflitos pelos critérios de moral, que devem ser sopesados quando
hierarquia, cronologia ou especialidade. em conflito.
- Para cada caso haveria apenas uma
resposta jurisprudencial correta,
conforme dimensão de integridade da
metáfora do “romance em cadeia”.

ALEXY:
Para Alexy, diante dos “hard cases”, haveria várias respostas
argumentativamente aceitáveis.

REGRAS PRINCÍPIOS

- Comandos definitivos, que devem ser - Comandos prima facie, podendo,


aplicados quando válidos e incidentes. mesmo que válidos, ceder total ou
- Não há cumprimento gradual ou parcialmente em caso de colisão. 94
ponderação. - Mandamentos de otimização, aplicados
- Havendo conflito, uma das regras é em vários graus, conforme a possibilidade
inválida ou afastada por cláusula de fática e jurídica (colisão com outros
princípios).
exceção.

Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto admitem que, em


determinadas hipóteses excepcionais, com pesado ônus argumentativo para a
justificação da medida, sejam as regras também submetidas a um juízo de ponderação
(ex.: regra da prisão parlamentar em relação aos princípios constitucionais - STF, HC
89.417/RO).

Quanto aos TIPOS DE COMANDO:

- Princípios são mandamentos de otimização = normas que exigem que algo seja
cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas (caso
concreto) e jurídicas existentes (normas envolvidas) – Alexy).

- As regras devem ser satisfeitas ou não = se uma regra é válida e não comporta
qualquer exceção, então se deve fazer exatamente o que ela ordena. Não há aplicação
em maior ou menor medida (lógica do “tudo ou nada” – Dworkin).
Quanto à NATUREZA DAS RAZÕES:

- Princípios fornecem razões contributivas para a decisão (prima facie) = são aquelas
que podem ser afastadas por outras razões de peso maior (argumentos favoráveis e
contrários). Em uma colisão de princípios, as razões de um podem prevalecer sobre
os outros (ex.: meio ambiente e saúde x livre iniciativa – interpretação conforme a
Constituição que proibiu a importação de pneus usados – ADPF 101).

- Regras fornecem razões definitivas para as decisões = as razões são consideradas


“decisivas” por serem determinantes para se chegar a uma certa solução (Peczenik).

DWORKIN ALEXY

- Os princípios fornecem sempre - Tanto os princípios quanto as regras


razões prima facie, e as regras possuem um caráter prima facie, ainda que
possuem sempre um caráter no caso das regras este caráter seja
definitivo. essencialmente mais forte (decisivo) que nos
princípios. Apenas quando não possuem
qualquer exceção, é que as regras gozam de
caráter definitivo.
95

Quanto à NATUREZA DO COMPORTAMENTO PRESCRITO:

- Princípios são normas finalísticas = estabelecem um estado de coisas a ser atingido.

- Regras são descritivas = estabelecem obrigações, permissões e proibições.

Quanto ao MODO DE APLICAÇÃO:

- Princípios são aplicados por ponderação = aplicação conforme a ponderação dos


interesses em jogo.

- Regras são aplicadas por subsunção = mera adequação fato-norma.

* Decorrência do tipo de comando e da natureza das razões.

Quanto à DIMENSÃO:
- Princípios possuem dimensão de importância, peso e valor = os princípios são
resolvidos na dimensão da importância, isto é, em um caso concreto de colisão, o
afastamento de um princípio para aplicação de outro não significa que ele seja
inválido ou que não possa prevalecer em outro caso no qual as circunstâncias sejam
diversas.

- Regras possuem dimensão da validade = havendo conflito entre regras, ou uma


delas é inválida (critérios hierárquico, cronológico e de especialidade) ou deve-lhe ser
introduzida uma exceção.

ESQUEMATIZANDO:

PRINCÍPIOS REGRAS

Quanto ao tipo de COMANDO: - Otimização. - Comandos definitivos.

Quanto à natureza das RAZÕES: - Razões prima facie. - Razões definitivas.

Quanto ao modo de - Ponderação. - Subsunção.


APLICAÇÃO:
96
Quanto à DIMENSÃO: - Importância, peso e - Dimensão de validade.
valor.

NORMA REGRA NORMA PRINCÍPIO

- Conteúdo fechado. - Conteúdo aberto.


- Solução apriorística (“a priori”). - Solução casuística.
- Grau de abstração reduzido. - Alto grau de abstração.
- Solução de conflito por tudo ou nada. - Ponderação de interesses.

Panprincipiologismo: para Lênio Streck, a utilização dos princípios sem técnicas


e critérios apenas “colore” a decisão em um ou outro sentido, dando margem ao
subjetivismo do julgador e conferindo insegurança jurídica.
JÁ CAIU EM PROVA:
“Podemos afirmar que não há hierarquia normativa entre
princípios. Na verdade, o que existe é distinção
axiomática/valorativa” (TRT-14ª Região - Juiz do Trabalho).
Alternativa correta.
“A ponderação consiste na técnica jurídica de solução de
conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas
em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas
tradicionais” (TJ-AM 2013 - Juiz de Direito”). Alternativa correta.
“Os princípios são mandamentos de otimização, como critério
hermenêutico, e implicam o ideal regulativo que deve ser
buscado pelas diversas respostas constitucionais possíveis” (TJ-
BA-2019). Alternativa correta.

1.12 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

De forma predominante, a doutrina costuma associar o termo “hermenêutica”


a Hermes, personagem que, de acordo com a mitologia grega, tinha o papel de fazer a
interlocução entre os deuses e os mortais, tornando as mensagens divinas inteligíveis
aos humanos.
De acordo com Luís Roberto Barroso, pode-se entender a hermenêutica
jurídica como uma ciência, “um domínio teórico, especulativo, voltado para a
identificação, desenvolvimento e sistematização dos princípios de interpretação do
direito”; já a interpretação “é a atividade de revelar ou atribuir sentido a textos ou outros
elementos normativos (ex.: princípios, costumes, precedentes) com o fim de solucionar
problemas”. 97
Com Gadamer, a interpretação, compreensão e aplicação não são distintas e
apartadas, de tal forma que a hermenêutica se dá a partir da própria compreensão do
ser no mundo (pré-compreensão).
A atividade de interpretação das normas sempre se constituiu em um grande
desafio à teoria jurídica e constitucional. Em Kelsen, a interpretação se subsumia a um
ato de vontade do julgador. Assim, dentro dos limites da Constituição (Constituição-
moldura), cabia ao legislador atuar e ao Judiciário verificar se (e não “como”) o
legislador agiu dentro dos parâmetros constitucionais. Desta forma, Kelsen divide a
atividade interpretativa em duas espécies: aquela que é realizada pelo órgão que o
aplica (interpretação autêntica) e a que é realizada por pessoa privada, e,
especialmente, pela ciência jurídica (interpretação não autêntica).

Cânones interpretativos de Savigny - surgem por volta de 1850, mas é no final do


século XIX e no início do século XX que a interpretação passa a ser mais sofisticada
(declínio da escola exegética):

- Gramatical - interpretação a partir do sentido literal dos signos linguísticos;


- Histórico - estudo do direito a partir do contexto histórico e das discussões
legislativas;
- Lógico - trata-se aqui da lógica formal;
- Sistemático - interpretação pelo todo, pois a Constituição não se interpreta em tiras
(“Eros Grau”).

A doutrina acrescentou um quinto elemento, o teleológico, que é o critério que


busca alcançar a finalidade da norma. Por esse critério, a interpretação deve sempre
buscar a teleologia do institutivo, as finalidades que a norma objetiva alcançar.
Há, ainda, o método comparativo, proposto por Peter Haberle - interpretação
feita por meio da comparação com outras constituições.
Aos clássicos cânones interpretativos de Savigny foram acrescentadas outras
acepções, próprias à interpretação constitucional. Para tanto, existem dois grandes
grupos de concepções hermenêuticas:

TRADICIONAL ou FORMALISTA CONTEMPORÂNEA

- Norma e texto se confundem. - “O conjunto de textos é apenas um


ordenamento em potência, um conjunto
- O juiz é neutro e passivo.
de possibilidades de interpretação, um
- Prevalência da mens legislatoris. conjunto de normas potenciais” (Eros
- Prevalência da interpretação histórica. Grau).
- Norma é o resultado da interpretação do 98
texto.

INTERPRETATIVISMO NÃO INTERPRETATIVISMO


Os juízes, ao interpretarem a “A possibilidade e a necessidade de os
Constituição, devem limitar-se a captar o
juízes invocarem e aplicarem valores e
sentido dos preceitos expressos na princípios substantivos (princípios da
constituição, ou, pelo menos, nela liberdade e da justiça) contra atos da
claramente implícitos (Canotilho). responsabilidade do legislativo em
Se o juiz pudesse se valer de valores desconformidade com o projeto de
substantivos, substituiria a decisão constituição” (Canotilho).
política do legislador. Admite-se uma função criativa do juiz
(fundamenta o ativismo judicial) = o juiz
não é mais boca da lei, como queria
Montesquieu.

Escola da Exegese (auge de 1830-1880) - surgimento do Código de Napoleão


(1804). A interpretação era uma atividade meramente mecânica, devendo apenas
revelar o sentido da lei = o juiz é a boca da lei.
Modernamente, como visto anteriormente, a norma é resultado do texto legal,
estabelecido pelo legislador, e da avaliação do intérprete, carregada por sua pré-
compreensão, fatos da vida, consequências e ideologias (Gadamer e Heidegger).
Por fim, não confunda:

NORMA JURÍDICA NORMA DE DECISÃO

- Resultado da interpretação em geral. - Resultado da interpretação do juiz.

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

Ernst Wolfgang Böekenforde agrupou os métodos de interpretação


constitucional, classificação adotada por Canotilho e tornada notória no Brasil por Paulo
Bonavides.
A Constituição possui características peculiares, sobretudo na parte dos direitos
fundamentais, que exigem uma interpretação diferenciada, não sendo suficientes
apenas os critérios da hermenêutica clássica, estruturados a partir de Savigny, como
visto (gramatical, sistemático, histórico, lógico e teleológico).
Elementos da Constituição que exigem uma interpretação peculiar:
a) Grande número de princípios;
b) Caráter fortemente político;
99
c) Forte influência da ideologia;
d) Grande variedade de objetos e de eficácia das normas
constitucionais.

Vejamos os métodos de interpretação constitucional, valendo frisar que são


complementares, e não excludentes entre si. O que apresentaremos abaixo já foi
abordado em diversas provas de magistratura (em todas a suas fases).

A. MÉTODO HERMENÊUTICO CLÁSSICO (Forsthoff)

Parte da tese de identidade entre lei e constituição – por ser a Constituição um


conjunto de normas, como todas as demais leis, a sua interpretação deve ser feita por
meio dos elementos tradicionais, desenvolvidos por Savigny (1840):
1) gramatical ou literal;
2) sistemático;
3) lógico;
4) histórico;
5) teleológico;
6) comparativo.
B. MÉTODO CIENTÍFICO-ESPIRITUAL ou INTEGRATIVO

Método apresentado por Rudolf Smend, na obra “Constituição e direito


constitucional”.
Atribui grande relevância ao sistema de valores subjacentes à Constituição
(elemento valorativo), como, por exemplo, a realidade social (elemento sociológico),
pois a Constituição realiza uma integração da vida em sociedade (elemento integrativo),
fazendo prevalecer os valores sociais consagrados (espírito). A interpretação objetiva
compreender o sentido e a realidade da Constituição.

CARACTERÍSTICAS

a) Base de valoração = a Constituição possui uma ordem de valores a ela subjacente


(espírito reinante na sociedade).

b) Elemento integrador = a Constituição é o principal fator de integração política e


social.
100
Em suma, para esse método, a Constituição seria um fenômeno cultural que
positivaria a realidade espiritual da sociedade. Para alguns autores, isso fundamenta a
mutação constitucional - alteração informal da Constituição advinda de mudança na
realidade fática, jurídica, econômica e social.
Perspectiva crítica: parte da doutrina critica o método por ter uma feição mais
política (sociológica) do que jurídica.

C. MÉTODO TÓPICO-PROBLEMÁTICO

Método apresentado por Theodor Viehweg na obra “Tópica e jurisprudência:


uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos”.
Baseia-se em “topos” (“topoi”), que são esquemas de pensamento, formas de
raciocínio, sistemas de argumentação, lugares comuns (podem ser extraídos da
jurisprudência, da doutrina, do senso-comum). Nesse método, há uma argumentação
jurídica em torno de um problema a ser resolvido, com opiniões favoráveis e contrárias,
prevalecendo a que for mais convincente. Em outras palavras, há adequação da norma
ao problema.
FUNÇÃO DOS “TOPOS” (TOPOI)

- Servir de auxiliar de orientação do intérprete.


- Constituir um guia de discussão dos problemas.
- Permitir a decisão do problema jurídico em discussão.

CARACTERÍSTICAS DO MÉTODO

a) Caráter prático da interpretação = voltada a resolver problemas.

b) As normas constitucionais possuem caráter aberto = admitem múltiplos


significados.

c) Preferência pela discussão do problema = as normas não admitem subsunção a


partir delas próprias.

Viehweg foge, assim, do dedutivismo lógico do positivismo, conferindo maior


liberdade ao intérprete, que parte do caso concreto para a norma (memorizar essa
expressão, que costuma cair em prova quando questionado sobre o método tópico-
problemático). 101
As maiores críticas ao método consistem na primazia do problema sobre a
norma (a norma deve se adequar ao problema), que é apenas mais um topos, ao lado
de muitos outros - demasiadamente subjetivista, dando muita liberdade ao intérprete.
JÁ CAIU EM PROVA:
“O método de interpretação científico-espiritual é aquele que
orienta o intérprete a identificar tópicos para a discussão dos
problemas constitucionais” (TJBA, 2019). Alternativa incorreta.
Trata-se do método tópico-problemático.

D. MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR

Método apresentado por Konrad Hesse na obra “A força normativa da


Constituição”.
A obra é fundamental para o desenvolvimento da moderna hermenêutica
constitucional, um dos pilares do que se entende por neoconstitucionalismo, como visto
anteriormente.
Parte da ideia de que interpretação e aplicação consistem em processo unitário
(concretista), com três elementos básicos:
1) a norma a ser concretizada;
2) o problema a ser resolvido;
3) a compreensão prévia do intérprete. A norma é resultado da
interpretação (papel ativo do intérprete) = concretização da
norma.

NÃO CONFUNDA:

TÓPICO-PROBLEMÁTICO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR

- Primazia do problema - parte-se do - Primazia da norma - parte-se da norma


problema para verificar a aplicação da para resolver o problema.
norma.

Elementos do Método Hermenêutico-Concretizador

a) Pressupostos subjetivos = o intérprete possui uma pré-compreensão da


constituição, exercendo um papel criador ao descobrir o sentido da norma.

b) Pressupostos objetivos = o intérprete atua como um mediador entre o texto e a


situação na qual ele se aplica (contexto).
102
c) Círculo hermenêutico = a interpretação é transformada em movimento de ir e vir,
concretizando a norma como resultante da interpretação.

O método hermenêutico-concretizador leva em conta a história, o texto e o


contexto para limitar a atividade interpretativa. A norma seria, portanto, o resultado do
ir e vir entre as pré-compreensões do intérprete e o texto objeto da interpretação.
JÁ CAIU EM PROVA:
“O método hermenêutico-concretizador de interpretação
constitucional embasa-se na técnica do pensamento
problemático, que consiste em interpretar a norma
constitucional a partir do caso concreto” (TJ-RN 2013).
Alternativa errada. Trata-se do método tópico-problemático.

E. MÉTODO NORMATIVO-ESTRUTURANTE

Método apresentado por Friedrich Müller na obra “Métodos de trabalho do


direito constitucional”. A concretização da norma deve ser feita por intermédio de vários
elementos, dentre eles o metodológico (clássicos de interpretação e princípios da
interpretação da constituição), dogmáticos (doutrina e jurisprudência), teóricos (teoria
da constituição), política constitucional (ex.: reserva do possível).
Há uma relação social entre o texto e a realidade – a norma não compreende
apenas o texto, abarcando também um pedaço da realidade social, que é a parte mais
significativa (domínio normativo).

O intérprete deve considerar os elementos resultantes da

- Interpretação do texto (programa normativo);


- Investigação da realidade social (domínio normativo).

O método é concretista, mas entende que a norma não está inteiramente no


texto, sendo resultante da relação entre texto e realidade.
Muller propõe que haveria uma interação dialética entre o fim da norma e a
realidade material. Para Muller, o texto seria apenas a “ponta do iceberg”, sendo a
normatividade advinda da confluência do texto com os fatores extralinguísticos.
JÁ CAIU EM PROVA:
“A busca das pré-compreensões do intérprete para definir o
sentido da norma caracteriza a metódica normativo-
estruturante” (TJSC, 2019). Alternativa incorreta. Trata-se do
método hermenêutico-concretizador. 103
Tabela comparativa:

MÉTODO SÍNTESE

Forsthoff - Métodos tradicionais de Savigny =


HERMENÊUTICO
gramatical ou literal, sistemático, lógico,
CLÁSSICO
histórico, teleológico e comparativo.

Rudolf Smend - Integração da vida em sociedade, fazendo


CIENTÍFICO -
prevalecer os valores sociais consagrados
ESPIRITUAL ou
(constituição positiva a realidade espiritual
INTEGRATIVO
da sociedade).

Theodor - Argumentação jurídica em torno de um


Viehweg TÓPICO - problema a ser resolvido pelos argumentos
PROBLEMÁTICO (topoi) = adequação da norma ao
problema.

Konrad Hesse HERMENÊUTICO - - A norma é resultado da interpretação


CONCRETIZADOR (concretização) = parte-se da norma para
MÉTODO SÍNTESE
resolver o problema (força normativa), por
meio do círculo hermenêutico.

Friedrich Müller - A norma é texto + realidade social (parte


NORMATIVO -
mais significativa). O texto é apenas a
ESTRUTURANTE
“ponta do iceberg”.

Dica: procurem memorizar as palavras-chaves de cada conceito, para


identificar mais facilmente a assertiva correta em provas.

1.13 O OLHAR DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A


CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

104

O OLHAR DOS MINISTROS DO STF SOBRE A CF/88

Na celebração dos 35 anos da Constituição Federal de 1988, neste ano de 2023,


os Ministros do STF participarem da elaboração de uma obra coletiva que merece nossa
atenção. Nesse contexto, os eminentes membros da mais alta corte do país uniram
esforços para produzir uma análise profunda e reflexiva de temas constitucionais, à luz
dos julgados proferidos pelo STF, a quem cabe a guarda de nossa Lei Fundamental por
expressa delegação do Poder Constituinte originário.
Dessa colaboração, emergiu a obra intitulada "O Olhar dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal sobre a Constituição Cidadã". Este compêndio não apenas
representa um marco na trajetória da justiça no Brasil, mas também se revela como um
recurso indispensável para aqueles que almejam ingressar na magistratura.
Oportuno e relevante, os temas abordados na obra refletem a
contemporaneidade e, consequentemente, pode ser objeto de questionamentos de
diversas formas no Exame Nacional da Magistratura (ENAM).
No livro em questão, inicialmente, optamos por abordar o artigo da Ministra
Rosa Weber, que se alinha ao tema que estamos estudando hoje. Sua contribuição
oferece uma visão crítica e fundamentada sobre os desafios e limites enfrentados pelo
Supremo Tribunal Federal na interpretação da Constituição.
Nesta síntese, destacamos os aspectos mais relevantes, cujas análises figuram
como uma referência crucial para a compreensão dos contornos da hermenêutica
constitucional no contexto do Estado Democrático de Direito.

105

🎥 Sessão solene em comemoração aos 35 anos da CF/88 - Min. L.R Barroso (1:02:53)
🎥 A incerteza na e/ou por causa da interpretação constitucional - Min. L.R Barroso

O Supremo Tribunal Federal e os Limites da Hermenêutica Constitucional no Estado


Democrático de Direito
Rosa Maria Pires Weber

A) O desacordo inevitável e o papel institucional do Supremo Tribunal Federal

A aceitabilidade das decisões judiciais proferidas pelas Cortes Constitucionais e


o respeito à sua autoridade – e, em especial, do Supremo Tribunal Federal –, muitas
vezes rotuladas de impopulares e antidemocráticas, derivam de aspecto inerente ao
exercício da jurisdição constitucional.
É que o conceito de democracia não se manifesta, nas sociedades
contemporâneas, pela simples prevalência do princípio majoritário. Vai além,
identificando-se pela conjugação de instituições majoritárias representativas do povo e
instituições não eleitas de tutela dos direitos fundamentais, a desenvolverem funções 106
distintas e complementares para o funcionamento do Estado de Direito.
As sociedades democráticas contemporâneas são marcadas por divisões
culturais e pela pluralidade de percepções sobre os elementos do bem comum, de modo
a importarem, a ausência de consenso e a imprevisibilidade cotidiana presentes na
arena política em que resolvidas como regra as divergências por apertadas maiorias, em
uma sensação de baixa legitimidade do sistema democrático representativo, com
frequência bem maior do que a desejável.
Nesse cenário, ao Poder Judiciário, como elemento estruturante da democracia
constitucional, compete a função de interpretar a legislação e assegurar a supremacia
da própria Constituição, fundamento de validade de todo o sistema jurídico, a lei
fundamental do país.
Essa competência jurisdicional explica-se porque, embora a Constituição seja
o fundamento de validade de todo o sistema e obrigatória aos seus destinatários, o seu
significado, quer em contextos abstratos, quer em situações concretas, comporta
muitas vezes, insisto, compreensões divergentes, em especial pela indeterminação
inerente à linguagem jurídica e ao próprio Direito.
Daí a necessidade da atuação de uma instituição não eleita e imparcial para
resolver os problemas de interpretação e aplicação das leis, do dizer o Direito (jus
dicere).

⁠B) Oscilação jurisprudencial e segurança jurídica


O assunto é objeto de estudo da coordenadora geral do ENAM (Carmen Silvia
Lima de Arruda) e de grande importância para o exercício da jurisdição constitucional:
uma busca de uniformização de decisões para maior segurança jurídica. Sem dúvida,
um dos temas a serem considerados com carinho para exame nacional.
Em múltiplas ocasiões, compreendido o Tribunal como instituição, a simples
mudança de composição não configura fator suficiente para legitimar a alteração da
jurisprudência, como tampouco o são razões de natureza pragmática ou conjuntural.
Para a Ministra Rosa Weber, compete ao magistrado como regra, no exercício da
jurisdição constitucional, preservar a jurisprudência da Corte, ressalvadas as situações
de necessária atualização.
A segurança jurídica consiste em um valor ínsito à democracia, ao Estado de
Direito e ao próprio conceito de justiça, além de traduzir, na ordem constitucional, uma
garantia dos jurisdicionados.
A respeito, finaliza a Ministra:
‘‘Não por outro motivo, minha postura, enquanto magistrada,
sempre foi a de, frente ao estado da arte da jurisprudência do
órgão jurisdicional por mim integrado em dado momento, acatar
o entendimento sedimentado pelo Colegiado, vale dizer, a de
decidir em conformidade com a jurisprudência do tribunal, em
atenção ao dever de equidade que há de nortear a prestação
jurisdicional (treat like cases alike – tratar casos semelhantes de
107
modo semelhante), em respeito ao princípio da colegialidade –
meio de atribuir autoridade e institucionalidade às decisões da
Corte Constitucional enquanto expressão da exigência de
integridade da jurisprudência – hoje positivado no art. 926, caput,
do Código de Processo Civil, e em respeito, ainda, à
impessoalidade e à eficácia das decisões da Corte em processos
de índole objetiva. Ressalte-se, ainda, que o Código de Processo
Civil de 2015 consagrou, no art. 489, VI, a força obrigatória –
horizontal e vertical – dos precedentes.’’

C) As circunstâncias da hermenêutica constitucional no Estado Democrático de Direito

A tutela jurisdicional do regime jurídico das liberdades individuais, imanente à


seara penal, há de ter como pressuposto a primazia da Constituição Federal, instituidora
de um Estado Democrático de Direito marcado pela independência e harmonia entre os
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Isso porque todos os Poderes da República têm a sua origem e fundamento na
Constituição, manifestação da soberania popular representada em momento histórico
pela Assembleia Nacional Constituinte e atualizada pelos procedimentos reveladores da
manifestação do Poder Constituinte derivado.
Além disso, é necessário frisar que um regime constitucional democrático não
prescinde do reconhecimento, senão da soberania, pelo menos da centralidade política
e institucional do Poder Legislativo, expressão que é da vontade popular que representa.
Trata-se, pois, de valorar no plano constitucional o próprio sufrágio, base da
legitimidade de toda decisão política. Na sua obra clássica, já alertava Tocqueville que a
primazia do Poder Legislativo constitui “a barreira mais poderosa contra os descaminhos
da democracia”.
De modo algum se quer, com essa observação, rechaçar a noção de que o
constitucionalismo contemporâneo descortina a exigência de um controle efetivo e
intenso da própria atividade política pelo Poder Judiciário, sendo certo que “a
judicialização da política contribui para o surgimento de um padrão de interação entre
os poderes que não é necessariamente deletério da democracia”. Nessa perspectiva:

‘‘a ideia é, ao contrário, que democracia constitui um requisito


da expansão do poder judicial. Nesse sentido, a transformação
da jurisdição constitucional em parte integrante do processo de
formulação de políticas públicas deve ser vista como um
desdobramento das democracias contemporâneas. A
judicialização da política ocorre porque os tribunais são
chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo
e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórios.
CASTRO, Marcus Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a
judicialização da política. Revista Brasileira de Ciências Sociais,
São Paulo, v. 12, n. 34, jun. 1997’’
108
Em uma época na qual sobeja a desconfiança do povo em relação aos seus
representantes e o descrédito da atividade política entre os brasileiros atinge níveis
lamentavelmente elevados, uma época em que muito se fala em crise de
representatividade, em déficit de legitimidade e diferentes modelos de reformas
políticas são discutidos, não é difícil ficar tentado a interpretações do texto
constitucional que lhe subtraiam garantias e proteções.
Vale lembrar que a história universal é farta de exemplos de que a erosão das
instituições garantidoras da existência dos regimes democráticos, quando ocorre, lenta
e gradual, normalmente tem origem nas melhores intenções – moralidade pública,
eficiência do Estado, combate à corrupção e à impunidade etc.
Sem desconsiderar o caráter eminentemente político das relações entre os
Poderes, tendo em vista o resguardo à própria ideia de democracia, fundamento maior
da República, a interpretação da Constituição, todavia, deve reconhecê-la como
unidade textual, sistema completo (embora não fechado), cujo sentido jurídico e
coerência são encontrados nela própria. Repito: o sentido da norma constitucional há
de ser extraído, primordialmente, dela mesma, tomada como sistema.
O caráter criativo da interpretação do Direito efetuada pelo Poder Judiciário
encontra limites intransponíveis, em primeiro lugar, na necessidade de manutenção
da estrutura de separação de poderes e do princípio do rule of law, instituições ínsitas
ao regime democrático.
Por esse motivo, a integração normativa deve ser determinada – e legitimada
– por um comando constitucional expresso. A hermenêutica constitucional e
normativa, enquanto técnica jurídica, não tem os olhos vendados para os desenhos
institucionais, afirmados na Constituição, que asseguram a própria continuidade da
existência de uma República que se atribui a qualificação de democrática.
Em segundo lugar, há que considerar o fato de que a jurisdição se distingue,
enquanto atividade – e justamente porque escorada na realidade do direito objetivo –,
por atrelar a ideia de verdade às suas afirmações, de modo que “não é meramente
potestativa nem sequer discricionária, mas está vinculada à aplicação da lei aos fatos
julgados, mediante o reconhecimento da primeira e o conhecimento dos segundos”.
Ainda que a interpretação contemporânea tenha expandido o universo das
possibilidades semânticas disponíveis ao intérprete, de modo algum está ele autorizado
a tomar sua própria vontade como absoluta, devendo render reverência ao texto
como realidade objetiva.
A interpretação não pode negar o texto nem o afastar, atribuindo-lhe sentidos
acaso tradutores do desejo do intérprete, por mais louváveis que sejam as crenças
políticas, éticas ou ideológicas a animarem esse desejo e por melhores que sejam as suas
intenções.
Não há como o leitor evitar o significado dos símbolos gráficos marcados com
tinta sobre o papel, ou dos padrões desenhados com pontos de luz na tela. Se a garantia
é assegurada, não há como interpretá-la como se não existisse.
Deve a decisão judicial apoiar-se não nas melhores intenções pessoais do
magistrado, mas na melhor interpretação possível do direito objetivo: a Constituição,
as leis, a tradição jurídica, a prática institucional e os valores de uma sociedade. 109
Na medida em que participa da construção ontológica da norma, a
interpretação assume, reconheço, verdadeiro caráter constitutivo, e não meramente
desvelador, do sentido da norma.
O ato interpretativo, todavia, não é um ato exterior, posterior à norma, que se
impõe sobre ela e cuja incidência produzirá um acréscimo semântico, um novo objeto:
o produto da interpretação. Não se há falar em norma e norma interpretada como dois
momentos fenomênicos distintos, porque é a dinâmica entre o intérprete e o signo que
constitui a própria norma.
Interpretações não podem se fundar no gosto ou na preferência do
hermeneuta. Interpretações adequadas, pelo menos. Em certo sentido, uma
interpretação adequada é uma descoberta.
O texto normativo carrega em si uma intenção significativa que, se não tem o
condão de imobilizar o intérprete, fixa as balizas para o seu movimento, jamais podendo
ser desprezada por ele.
Gostemos ou não das escolhas político-civilizatórias manifestadas pelo Poder
Constituinte, não as reconhecer importa reescrever a Constituição para que ela espelhe
o que gostaríamos que dissesse, em vez de a observarmos.
Tais limites balizam tanto a atividade do Supremo Tribunal Federal, enquanto
guardião do texto constitucional, e não o seu autor, quanto a ação dos demais membros
da chamada sociedade aberta de intérpretes da Constituição, para usar a expressão
consagrada de Peter Häberle, aí incluídos os Poderes Legislativo e Executivo, demais
entes do Estado, e a própria sociedade civil.
Em face de ato normativo editado pelo Poder Legislativo com exegese
plenamente compatível com o parâmetro constitucional de controle, a tônica do exame
de constitucionalidade deve ser a deferência da jurisdição constitucional à interpretação
empreendida pelo ente legislativo.
Não cabe ao Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional da exegese
conferida pelo Legislador a uma garantia constitucional, simplesmente substituí-la pela
sua própria interpretação da Constituição.

1.14 DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO

Teoria formulada por Esmein, seguindo a linha de Karl Schmitt. Aduz que,
quando do surgimento de uma nova Constituição, ocorrem dois fenômenos em relação
à Constituição anterior:
1) as normas que fazem parte da Constituição propriamente
dita (materialmente constitucionais) ficam inteiramente
revogadas;
2) as normas que são apenas leis constitucionais (formalmente)
e que tiverem o conteúdo compatível com a nova Constituição
serão recebidas por ela como normas infraconstitucionais. 110
Apesar de Pontes de Miranda ter defendido essa teoria, é majoritaríssima a sua
não aceitação no ordenamento pátrio.

RECEPÇÃO

Quando do surgimento de uma nova Constituição, as leis infraconstitucionais


anteriores, que forem materialmente (conteúdo) compatíveis, são recepcionadas
(busca-se evitar o vácuo legislativo). Já as materialmente incompatíveis não são
recepcionadas.
A incompatibilidade formal superveniente NÃO impede a recepção e ainda faz
com que a norma adquira uma nova roupagem - um novo “status” (ex.: CTN, aprovado
como LO e recepcionado como LC = ADEQUAÇÃO).

ATENÇÃO! Exceção: quando a incompatibilidade formal for relacionada à


COMPETÊNCIA dos entes federativos, a recepção não deverá ser admitida, sobretudo
quando a competência passar do menor (ex.: município) para o maior (ex.: União).
CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE

Quando do surgimento de uma nova Constituição ou de uma Emenda


Constitucional, as leis infraconstitucionais anteriores, que eram incompatíveis com a
Constituição da época de sua criação, NÃO poderão ser constitucionalizadas:
inconstitucionalidade congênita (STF – ADI 2158 e 2189).
Trata-se do princípio da contemporaneidade: uma lei deve ser compatível com
a Constituição vigente ao tempo da sua edição, não podendo eventual vício de
inconstitucionalidade ser sanado com a edição de uma nova Constituição ou dispositivo
constitucional.
A lei inconstitucional tem natureza de ato NULO (ex tunc) = o ato é natimorto.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de controle de
constitucionalidade, adota o princípio da contemporaneidade, segundo o qual o
parâmetro utilizado para aferir a validade da lei ou do ato normativo impugnado deve
ser a norma constitucional vigente à época em que a lei objeto de impugnação foi
editada, não sendo possível que uma nova Constituição ou mesmo emenda
constitucional convalide vícios de natureza cogente.
Por isso, o STF não tem admitido a constitucionalidade superveniente de
normas. Como exemplo, aquela Corte já declarou a inconstitucionalidade de leis que
instituíam contribuições previdenciárias sobre proventos de aposentadorias de 111
servidores públicos antes da Emenda Constitucional nº 41/2003, a despeito de esta
Emenda ter possibilitado tal cobrança.
Por sua vez, a inconstitucionalidade superveniente pode assumir duas acepções
distintas.
A primeira significa que a lei ou o ato normativo editado antes da Constituição
ou mesmo da promulgação de Emenda Constitucional torna-se inválido mediante a
superveniência do novo parâmetro constitucional, o que não é admitido pelo STF. Para
a Corte, as leis anteriores à Constituição devem ser analisadas sob a óptica da sua
recepção ou não. Caso contrariem a nova Constituição ou a Emenda que lhe altere, serão
tidas como revogadas.
Todavia, o STF admite a inconstitucionalidade superveniente de normas
originariamente válidas, mas que se tornaram inconstitucionais em virtude de alteração
na forma de interpretá-las, em razão de mudanças políticas, econômicas e sociais. Foi o
que aconteceu quando a Corte declarou a inconstitucionalidade da lei que admitia o uso
do amianto (STF, Plenário. ADI 3937/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min.
Dias Toffoli, julgado em 24/8/2017 (Info 874).
Apenas a título de complementação, quanto ao fenômeno da recepcção,
conforme entendimento doutrinário, uma lei só pode ser recepcionada pela nova
Constituição se preencher quatro requisitos:
(i) estar em vigor no momento do advento da nova Constituição;
(ii) não ter sido declarada inconstitucional durante a sua vigência no
ordenamento anterior;
(iii) ter compatibilidade formal e material perante a Constituição sob cuja
regência ela foi editada (ordenamento anterior);
(iv) ter compatibilidade APENAS MATERIAL, pouco importando a
compatibilidade formal, com a nova Constituição.

1.15 PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS E DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS

Como visto, nos primórdios, os princípios eram considerados fora do direito


(situados em esfera metafísica), representando meros conselhos ao legislador,
desprovidos de imperatividade (dimensão ético-valorativa do direito, fase
jusnaturalista).
Com o positivismo, os princípios passam a ter natureza subsidiária, sendo
manejados nas lacunas da lei (não possuem normatividade, mas função de colmatação
de lacunas).
Com o pós-positivismo ou neopositivismo, os princípios passam a ser espécie
do gênero norma, passando, inclusive, a ter hegemonia e preeminência (mandamentos
de otimização).
Classificação dos princípios: 112
PRINCÍPIOS

a) Onivalentes ou universais = comuns a todos os ramos do saber.

b) Plurivalentes = comuns a um grupo de ciências.

c) Monovalentes = aplicáveis a um só campo do conhecimento.

d) Setoriais ou regionais = informam dado setor em que se divida uma ciência.

Os princípios instrumentais também são conhecidos como postulados


normativos ou metanormas ou princípios interpretativos - extraídos especialmente das
obras de Konrad Hesse e Friedrich Müller.

PRINCÍPIOS MATERIAIS PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS

- Estabelecem um estado ideal de coisas a - Utilizados na interpretação e na


ser realizado (ex.: isonomia, liberdades, aplicação de outras normas.
dignidade humana).
Robert Alexy entende que o sistema jurídico é formado por três níveis: (1)
argumentação jurídica; (2) princípios e (3) regras.

* As metanormas (postulados normativos) não estabelecem diretamente o dever de


adotar determinadas condutas (regras) nem de promover o estado ideal de coisas
(princípios), mas, sim, o modo como esse dever há de ser realizado (argumentação
jurídica).
Exemplo de metanorma: princípio da proporcionalidade. No Brasil, verifica-se tal
concepção na obra de Humberto Ávila, que tece críticas ao modelo atual de distinção
entre regras e princípios.

PRINCÍPIOS DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

A. Unidade da Constituição

A Constituição deve ser interpretada de modo a evitar conflitos, contradições


e antagonismos entre suas normas (refinamento da interpretação sistemática). Impõe a
interpretação em conjunto com as demais normas.
Segundo o princípio da unidade da Constituição, não há antinomias reais no
texto da Constituição. As antinomias são apenas aparentes, pois a Constituição é um 113
complexo de normas que mantêm entre si vínculos de essencial coerência.

OBSERVAÇÃO: Matéria questionada na prova oral do TJCE (2019). O princípio da


Unidade da Constituição afasta a tese da hierarquia das normas constitucionais
originárias (tese de Otto Bachoff).
Ex.: foi questionado no STF se a inelegibilidade dos analfabetos (CF, art. 14, § 4º)
violaria o sufrágio universal, a isonomia e a não discriminação.
O STF considerou que NÃO, pois as normas constitucionais originárias estão todas no
mesmo patamar, devendo ser conciliadas (ADI 4097).

B. Efeito integrador

Nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais, deve ser dada primazia


às soluções que favoreçam a integração política e social, produzindo um efeito criador
e conservador da unidade constitucional.
A interpretação deve, portanto, favorecer a unidade política.
JÁ CAIU EM PROVA:
“O princípio da unidade da Constituição orienta o intérprete a
conferir maior peso aos critérios que beneficiem a integração
política e social” (TJBA, 2019).
Alternativa incorreta. Trata-se do princípio do efeito integrador.

C. Concordância prática ou harmonização

Impõe a harmonização de bens jurídicos em caso de conflito entre eles. Cabe


ao intérprete coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, realizando a redução
proporcional de cada um deles, de modo a evitar o sacrifício total de uns em relação aos
outros (ex.: sigilo bancário x arrecadação tributária eficiente – STF, RE 476.361/SC).

D. Relatividade ou convivência das liberdades públicas

Não existem direitos absolutos, pois todos encontram limites em outros


direitos ou em interesses coletivos também consagrados na Constituição (STF, MS nº
23.452/RJ).

ATENÇÃO! Alguns autores consideram absoluta a vedação à tortura e à escravização


(Bobbio). Outros autores também consideram absolutos o direito de o brasileiro nato
não ser extraditado e o direito de não ser compulsoriamente associado.
114
E. Força normativa da Constituição

Na aplicação da Constituição, deve ser dada preferência às soluções


concretizadoras de suas normas, que as tornem mais eficazes e permanentes. Deve
haver, assim, uma primazia das soluções que possibilitem a atualização das normas
constitucionais, garantindo-lhes eficácia e permanência.
Tal princípio, idealizado por Konrad Hesse, empenha-se em demonstrar que
não há de se verificar uma derrota da Constituição quando colocada em oposição aos
fatores reais de poder (opõe-se, no ponto, ao conceito sociológico de Constituição de
Lassale). Deve-se ter em vista a chamada vontade da Constituição. Assim, como norma
jurídica, a Constituição possui força normativa suficiente para, coercitivamente, impor
as suas determinações.

ATENÇÃO! Principal utilização prática - afastar interpretações divergentes, que


enfraqueçam a força normativa da Constituição.

JÁ CAIU EM PROVA:
“A norma constitucional não tem existência autônoma em face
da realidade, e a constituição não configura apenas a expressão
de um ser, mas também de um dever ser. Assim, para ser
aplicável, a constituição deve ser conexa à realidade jurídica,
social, política; no entanto, ela não é apenas determinada pela
realidade social, mas também determinante desta. É correto
afirmar que o texto acima aborda o princípio da força normativa
da Constituição” (TJ-AL 2008). Alternativa correta.

F. Máxima efetividade

A interpretação eleita deve ser a que dá a maior efetividade possível ao direito,


para que cumpra a sua função social (STF, AgRg na Rcl 2600/SE). Trata-se de princípio
vinculado especificamente aos direitos fundamentais (implícito no art. 5º, § 1º, da CF).
NÃO CONFUNDA:

EFETIVIDADE EFICÁCIA VALIDADE

- Eficácia social = a norma - Eficácia jurídica = aptidão - Relação de conformidade


cumpre sua finalidade, da norma para cumprir os de uma determinada
atingindo o objetivo para o efeitos que lhes são norma com aquelas que
qual foi criada - realização próprios. estabelecem o seu
de efeitos concretos. procedimento de
elaboração e limitam o seu 115
conteúdo - Lei – CF.

OBS.: Como já visto, toda norma constitucional possui eficácia, mas nem todas
possuem efetividade.

- Eficácia positiva = aptidão para ser aplicada ao caso concreto, independentemente


de outra vontade intermediadora (ex.: inviolabilidade parlamentar - CF, art. 53).
* Algumas normas constitucionais não possuem eficácia positiva imediata, pois, para
serem aplicadas no caso concreto, dependem de lei regulamentadora - são as normas
de eficácia limitada, conforme classificação de José Afonso da Silva (ex.: direito de
greve do servidor público - CF, art. 37, VII).

- Eficácia negativa = aptidão da norma para invalidar outras normas que lhe sejam
contrárias.
* Todas as normas constitucionais possuem eficácia negativa.
G. Justeza ou conformidade funcional

Tem por finalidade impedir que os encarregados da interpretação


constitucional cheguem a um resultado que subverta ou perturbe o esquema
organizatório-funcional (competências e atribuições) estabelecido pela Constituição.
Cada Poder deve agir conforme a função que lhe foi atribuída pela Constituição,
não podendo ultrapassar seus limites – é dirigido, sobretudo, para o intérprete maior da
Constituição.

INTERPRETAÇÃO DAS LEIS EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO

a) Prevalência da Constituição = entre as várias possibilidades de interpretação, deve-


se escolher aquela que não contraria o texto e o programa constitucional.

b) Conservação das normas = uma norma não deve ser declarada inconstitucional
quando puder ser interpretada em consonância com a constituição.

c) Exclusão da interpretação contra legem = não se pode interpretar a lei


subvertendo o seu sentido.

OBSERVAÇÃO: a técnica da interpretação conforme a Constituição será estudada no 116


ponto sobre controle de constitucionalidade.

H. Princípios das razões públicas

No mundo plural atual, no ambiente público e da discussão jurídica, o debate


deve ser pautado por razões públicas, ou seja, razões aceitáveis pela ordem jurídica
objetiva, independentemente das convicções pessoais de cada um (John Rawls).
Postulado normativo aplicativo são normas de segundo grau (metanormas),
que estabelecem a estrutura de interpretação e a aplicação de outras normas
(Humberto Ávila). Ex.: princípio da proporcionalidade.
Segundo alguns autores, a dignidade da pessoa humana também seria um
postulado normativo, em razão da sua eficácia irradiante para a interpretação de todos
os ramos do ordenamento jurídico.
• normas de 2º grau = regulam a utilização dos princípios, não
postulados resolvendo casos concretos diretamente.

princípios e
• normas de 1º grau = buscam regular os casos concretos.
regras

• caso concreto = situação litigiosa.


casos

I. Princípio da proporcionalidade (Importante para o ENAM!)

Postulado ou máxima que fundamenta a técnica da ponderação ou


sopesamento quando do conflito entre princípios.

ATENCÃO! No Brasil, a jurisprudência e a doutrina (não raramente) tratam a


razoabilidade e a proporcionalidade como sinônimos. Tecnicamente, não são
sinônimos (já foi cobrado em prova discursiva a diferença).
A razoabilidade advém do direito norte-americano e está atrelada ao devido
processo legal substantivo. A razoabilidade, tecnicamente, implica uma razão de
117
equilíbrio do senso comum, uma relação de congruência entre o critério distintivo e a
medida discriminatória.
A proporcionalidade tem origem germânica e é utilizada na colisão de direitos
fundamentais, como técnica de ponderação.

PRINCÍPIO
RAZOABILIDADE
INTERPRETATIVO
PROPORCIONALIDADE
TÉCNICA DE SOLUÇÃO PONDERAÇÃO DE
DE CONFLITOS INTERESSES

O princípio é implícito da Constituição Federal, extraído do devido processo


legal em seu caráter substantivo (ADI 1.158-MC) e expresso nas Leis nº 9.472/1997 (art.
179, § 1º) e nº 9.784/1999 (art. 2º).

MÁXIMAS PARCIAIS DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

a) Adequação = o meio utilizado deve ser apto para fomentar¹ o princípio almejado.
¹ Não necessita atingir, mas apenas fomentar.
b) Necessidade ou exigibilidade = dentre os meios aptos a fomentar o objetivo
perseguido (similarmente eficazes, não necessariamente iguais), deve-se optar pelo
menos oneroso possível ao princípio sacrificado.

c) Proporcionalidade stricto sensu = deve ser aferida a relação custo-benefício entre


as vantagens promovidas pelo meio e as desvantagens que ele provoca.

O princípio da proporcionalidade também se desdobra nas vertentes de


proibição de excesso (Übermassverbot) e proibição da proteção deficiente
(Untermassverbot) (STF, HC 104.410/RS).
Proibição do excesso: é a vedação da atividade legislativa ou administrativa
que é excessiva, que vai além do necessário para fomentar o bem da vida pretendido
e desborda em arbítrio.
Proibição de proteção insuficiente (proibição por defeito): é o contrário da
proibição do excesso. Configura-se a proteção insuficiente quando o Estado não legisla
adequadamente acerca de um determinado direito fundamental que deveria proteger
e fomentar por determinação constitucional. Exige que os órgãos estatais adotem
medidas que sejam adequadas e necessárias para proteger de forma apropriada um
determinado direito fundamental.
Alexy aborda, também, a lei material do sopesamento: quanto maior for o grau
de afetação ou de não satisfação de um dado princípio, maior deve ser o grau de 118
satisfação do princípio oposto, fomentado (Robert Alexy).

PRINCÍPIO PRINCÍPIO
AFETADO FOMENTADO
séria séria

média média

leve leve

Exemplos:
1) afetação média e satisfação leve = inadequação;
2) afetação leve e satisfação séria = adequação - em casos de
empate do grau de afetação e o grau de satisfação, a questão é
resolvida pela “margem de atuação estrutural” conferida ao
legislador, democraticamente eleito = a lei é válida.
J. Princípio da razoabilidade (Importante para o ENAM!)

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são cânones do Estado


de Direito, bem como regras que tolhem toda ação ilimitada do poder do Estado no
quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. A despeito de suas
eventuais diferenças, afiguram-se em princípios fundamentais à noção de Estado
Social e Democrático de Direito4.
Inúmeros fatores impedem a efetivação dos ideais democráticos albergados
na maioria das cartas constitucionais dos Estados denominados formalmente
democráticos e dos Estados em transição para a democracia. Dentre eles, exerce papel
de relevo a desatenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
O Estado Social é aquele que, além dos direitos individuais, salvaguarda os
direitos sociais, sendo obrigado a ações positivas para realizar o desenvolvimento e a
justiça social. A razoabilidade e a proporcionalidade são princípios fundamentais à
concreção do Estado de Direito ou do Estado Social e Democrático de Direito,
entendido este como aprimoramento daquele e não como categoria distinta.
Assumem primordial importância quando da análise de Estado em concreto e da
efetivação do disposto em seu perfil constitucional, já que, sem o atendimento destes
princípios não se realiza, efetivamente, a concepção teórica informadora deste tipo de
Estado.
Weida Zancaner5 destaca que:
"a doutrina, ao se pronunciar sobre o princípio da
119
razoabilidade, ora enfoca a necessidade de sua observância
pelo Poder Legislativo, como critério para reconhecimento de
eventual inconstitucionalidade da lei, ora o apresenta como
condição de legitimidade dos atos administrativos, ora aponta
sua importância para o Judiciário quando da aplicação da
norma ao caso concreto. Isto demonstra de forma cristalina que
a razoabilidade é essencial ao sistema jurídico como um todo e
que sua utilização é essencial à concretização do direito posto."

O cerne do Direito positivo, como leciona Recaséns Siches (grande nome do


conceito de lógica do razoável – critério valioso mencionado pela nossa
coordenadora geral do ENAM, exposto em nossa aula inicial), não é permanecer no
reino das ideias puras, válidas em si e por si, com abstração de toda aplicação real e
situações concretas da vida, mas a sua efetivação.
A importância da "razoabilidade", como delimitação ao exercício legítimo da
atividade legislativa, evidencia que a moderna teoria constitucional tende a exigir que

4 Trecho extraído neste tópico dos escritos de Oriana Piske no artigo: “Proporcionalidade e
Razoabilidade: Critérios de Intelecção e Aplicação do Direito”.
5 ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil
constitucional do Estado Social e Democrático de Direito. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira
de (Org.). Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba: Direito Administrativo e Constitucional.
São Paulo: Malheiros, 1997. v. 2.
as diferenciações normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma
classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés,
operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades
constitucionalmente válidas, Para tanto, há de existir uma indispensável relação de
congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello 6, enuncia o princípio da razoabilidade
"que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios
aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas
equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência
exercida”.
Recaséns Siches7, aponta com brilhantismo a necessidade da observância do
princípio da razoabilidade pelo Poder Judiciário. Os ensinamentos do mestre estão
sintetizados de forma lapidar no seguinte trecho de sua monumental obra intitulada
Nueva Filosofía de la Interpretación del Derecho:

"O juiz, para averiguar qual a norma aplicável ao caso


particular submetido à sua jurisdição, não deve deixar-se levar
por meros nomes, por etiquetas ou conceitos classificatórios,
mas pelo contrário, tem que ver quais são as normas,
pertencentes ao ordenamento jurídico positivo a ser aplicado
no caso concreto, que ao dirimir o conflito estejam em
consonância com os valores albergados e priorizados por este 120
mesmo ordenamento."

O princípio da razoabilidade impõe a coerência do sistema. A falta de


coerência, de racionalidade de qualquer lei, ato administrativo ou decisão jurisdicional
gera vício de legalidade, visto que o Direito é feito por seres e para seres racionais,
para ser aplicado em um determinado espaço e em uma determinada época.
Além da sua compreensão como critério de aplicação das normas jurídicas, o
princípio da razoabilidade deve ser alçado a critério de intelecção de todo e qualquer
sistema jurídico que pretenda se perenizar.
Tal princípio deve ser usado em dois momentos distintos: na estática do
Direito, para a compreensão do sistema jurídico a ser objeto de análise, hipótese na
qual se constitui em um critério de intelecção do Direito; e na dinâmica do Direito,
isto é, quando de sua aplicação, para assegurar que o perfil constitucional do Estado
Social e Democrático de Direito esteja devidamente concretizado.

6
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo:
Malheiros, 1997.
7 RECASENS SICHES, Luis. Nueva Filosofia de la Interpretactión del Derecho. 2 ed. México:
Editorial Porrúa. 1973.
A LÓGICA DO RAZOÁVEL (IMPORTANTE PARA O ENAM!)

Para injetar uma veia humanística, desde já, em nossos alunos(as), tratamos
neste tópico de um tema de grande relevância para o ENAM (sem prejuízo de seu
estudo em outros tópicos em nosso estudo), como desdobramento do princípio da
razoabilidade (outra conexão com nossa aula inicial).
Buscando aperfeiçoar a filosofia jurídica que reputava insuficiente ao
aperfeiçoamento do Direito no século XX. Surge uma nova lógica material para o
Direito, visando substituir a lógica tradicional. Nasce a Lógica do Razoável. Afirma
Siches8, em tradução livre:
“O Direito é segurança; mas segurança no quê? Segurança
naquilo que é considerado justo e que a sociedade de uma
época importa-se fundamentalmente em garanti-lo por
considerar ineludível a seus fins. (...) O que o Direito deve
proporcionar é precisamente a segurança do Justo. (...) O que
o Direito pode nos oferecer é só um relativo grau de segurança
e certeza em um mínimo indispensável para vida social.”

Pode-se dizer que é uma visão de justiça distributiva, mas essa visão encontra-
se em permanente tensão com as exigências de ordem e estabilidade social. Tensão
entre Justiça e Segurança. Desse modo, Recaséns-Siches estabelece uma distinção na
121
Filosofia do Direito que seria acadêmica e não acadêmica.
A primeira, nada mais seria que a Teoria Geral do Direito como é conhecida.
A segunda, mais preocupadas com os problemas de ordem prática na experiência do
Direito, buscaria harmonizar tanto quanto possível a tensão os valores de justiça e
segurança e certeza.

LÓGICA FORMAL E LÓGICA DO RAZOÁVEL

Se a lógica tradicional, trata o Direito como um sistema estanque em que


meramente opera-se a subsunção da norma ao caso concreto, pode-se afirmar que a
Lógica do Razoável condenará esse tipo de raciocínio. Recaséns Siches, ao mencionar
Theodor Viehweg e Chaïm Perelman, que reinventam a Tópica, a Retórica e o método
dialético de Aristóteles, dispõe a importância de trazer a atividade hermenêutica em
Direito para o caso ou problema a ser concretamente analisado como meio de
alcançar a decisão mais prudente para a questão 9.

8 RECASÉNS SICHES, Luis. Nueva filosofia de la interpretatión del derecho. México: Porrúa, 1973.
9 GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Lógica do razoável. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso
Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria
Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André
Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Ao invés de focar-se na norma a ser aplicada, avalia-se a situação-problema.
A partir disso, através da hermenêutica, a decisão judicial atualizaria o sentido da
norma a cada sentença ou acórdão com qualidade de coisa julgada, numa espécie de
movimento inverso.
Não se define o critério de justiça com base apenas na norma posta, mas com
base nos valores sociais e nos fatos que atravessam o caso concreto. A esse método,
Recaséns Siches denomina Lógica do Razoável ou Lógica da Equidade. Portanto, o
jurista não precisa demonstrar que aquele caminho a ser percorrido é de acordo com
a lógica tradicional silogística; o juiz não precisa torcer a técnica para fundamentar
uma decisão de forma dedutiva.
Basta que percorra um caminho tridimensional partindo do fato, atualizando-
o com os valores correspondentes, para assim construir um significado normativo que
dê segurança jurídica ao caso, sempre perpassando sua construção intelectual
pela tópica e pelas retóricas contundentes, construindo assim uma decisão prudente,
equitativa e razoável para o caso, de modo a permitir um eficiente acesso à justiça e
uma maior efetividade do Direito.
O tema é de suma importância nos grandes debates da sociedade brasileira,
especialmente quando, em um olhar mais restrito, algumas decisões são logo
rotuladas como frutos do “ativismo judicial”, que, em boa parte de seus limites em
debate, tem na lógica do razoável um argumento para oferecer amparo à decisões que
não se restrinjam meramente ao silogismo clássico das aplicações positivistas da lei.
122
ASPECTOS CARACTERÍSTICOS DA LÓGICA DO RAZOÁVEL

Para Luís Recaséns-Siches há sete características basilares da


lógica do razoável:

• ser limitada pela realidade concreta do mundo em que opera


– aspecto histórico da lógica do razoável;
• ser impregnada de valores – aspecto valorativo da lógica do
razoável;
• seus valores são concretos, vinculados a uma determinada
situação humana – aspecto concreto da lógica do razoável;
• busca objetivos e finalidades no agir humano – aspecto
teleológico da lógica do razoável;
• as finalidades e os objetivos condicionam-se à realidade
humana – aspecto cultural da lógica do razoável;
• rege-se por razões de congruência e adequação – aspecto
proporcional da lógica do razoável;

2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/62/edicao-1/logica-do-


razoavel
• vincula-se aos ensinamentos extraídos da experiência
humana e histórica – aspecto fático da lógica do razoável.

A interpretação do juiz que decide inclusive da norma correspondente ao caso


deve ser feita de modo a harmonizar aquela referida tensão entre segurança e justiça,
mesmo que, numa particularidade, disponha-se o modo de interpretar aquela situação
de fato na lei. Percebe-se aqui que o caminho a ser percorrido não é o subsuntivo, mas
uma interpretação que visa realizar o acesso à justiça do melhor modo.
Recaséns Siches afirma que a Lógica do Razoável é regida por razões de
congruência e adequação em relação à:

I) realidade social e os melhores valores que devem ser


preferidos em hierarquia para ordená-la;
II) quais os fins e, dentre estes, quais os valiosos a se concretizar
– não por um critério utilitário, mas sempre visando assegurar
a justiça em harmonia com a segurança;
III) se a realização destes fins é possível e conveniente;
IV) quais os meios para realizá-los seguido da correlação ética
devem guardar na execução – a fim de se evitar aquela citação
atribuída a Maquiavel – e se são eficazes para cumprir com seu 123
desiderato.

A rigor, Siches retoma e aprofunda a filosofia prática aristotélica, qual seja a


da consciência como motor da conduta ética e política, vale dizer: a consciência como
práxis.
Importa termos clareza dos critérios que devem ser obedecidos para a devida
aplicação da lógica do razoável. Para se aplicar um critério de decidibilidade à luz da
lógica do razoável é preciso observar as seguintes características:

a) a decisão é exercida em função da ponderação de variantes


circunstanciais;
b) tal decisão não se exerce como expressão da opinião singular
ou da coletiva, mas obedece a parâmetros de entendimentos
jurídicos majoritários;
c) a decisão dá-se em função de necessidades práticas e
ocorrência fenomênica;
d) constrói no uso discursivo e argumentativo a situação de
exercício da razão jurídica;
e) pressupõe intertextualidade.
O tridimensionalismo específico de Recaséns-Siches

Segundo Miguel Reale10, a Teoria Tridimensional do Direito só se aperfeiçoa


quando, de maneira precisa, entende-se a interdependência e correlação necessária
de fato, valor e norma que compõem o fenômeno do Direito como uma estrutura
social necessariamente axiológico-normativa.
A esse aperfeiçoamento chama-se Teoria Tridimensional Específica 11. Nesse
sentido, o próprio Miguel Reale afirma acerca da posição de Recaséns-Siches, em
seu Tratado General de Filosofia del Derecho, que já é aperfeiçoada. Fica evidente,
quando se observa a Lógica do Razoável, que existe uma integração de fato, valor e
norma, de modo que a tridimensionalidade é um aspecto mais do que característico,
mas necessário, ainda mais considerando a metodologia hermenêutica que a aplica,
da experiência do Direito.
Nesse sentido, ambos os trabalhos estão conjugados e pode ser afirmado que
a Lógica do Razoável segue a linha tridimensionalista. A eficácia do Direito, da lei à
sentença de mérito ou ao acórdão, com a qualidade de coisa julgada, é, como ensina
Miguel Reale e, consequentemente, Recaséns Siches, um problema de
correspondência com a própria vida, pois dará rumos a ela e importa que esses rumos
sejam prudentes.
Sobre a prudência que deve observar uma decisão jurisdicional, desde sua
construção interpretativa à normatização, diz-se, com Santo Tomás de Aquino, que ser
prudente significa ver ao longe; pois o prudente é perspicaz e prevê os acontecimentos
124
futuros.
Quem decide de forma prudente fazendo uso do poder jurisdicional deve
considerar as coisas afastadas enquanto próprias a ajudar ou a prejudicar o que se
deve fazer no presente. É evidente que o objeto considerado é um meio para um fim:
a decisão deve querer harmonizar justiça e segurança, que são fim do Direito e só pode
fazê-lo por meio do método interpretativo da Lógica do Razoável.
Somente assim será toda sentença a vivência normativa de um problema,
uma experiência axiológica, na qual o juiz se serve da lei e do fato, mas coteja tais
elementos com uma multiplicidade de fatores, iluminados por elementos intrínsecos,
como sejam o valor da norma e o valor dos interesses em conflito.

10 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.
11 GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Lógica do razoável. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso
Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria
Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André
Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/62/edicao-1/logica-do-
razoavel
2. QUESTÕES

1. (TJSP, Vunesp, 2017) Considerando-se o sistema constitucional brasileiro composto


de regras e princípios, podemos afirmar:
a) havendo omissão legislativa, não é possível conferir-se tutela específica na via
jurisdicional, operando o princípio apenas um vetor hermenêutico.
b) os princípios não prescrevem condutas, mas veiculam opções axiológicas e, embora
não possuam eficácia positiva concreta, operam eficácia negativa, impedindo que se
legisle contra seu conteúdo.
c) por possuírem os princípios eficácia positiva, podem conferir direito subjetivo ante a
inércia do Estado-Legislador e do Estado-Administração e, portanto, conferir a tutela
específica na via jurisdicional.
d) considerando-se que as regras operam comandos objetivos e prescritivos, sua eficácia
será plena, enquanto os princípios reclamarão uma atividade positiva do legislador ou,
na ausência dela, ao menos a atividade regulamentadora do Estado-Administração, sob
pena de diluição da normatividade do direito.

2. (TJSP, Vunesp, 2017) Leia o texto a seguir. “(…) arranca da ideia de que a leitura de
um texto normativo se inicia pela pré-compreensão do seu sentido através do
intérprete. A interpretação da constituição também não foge a esse processo: é uma
compreensão de sentido, um preenchimento de sentido juridicamente criador, em que
125
o intérprete efetua uma atividade prático normativa, concretizando a norma a partir de
uma situação histórica concreta. No fundo esse método vem realçar e iluminar vários
pressupostos da atividade interpretativa: (1) os pressupostos subjetivos, dado que o
intérprete desempenha um papel criador (pré-compreensão) na tarefa de obtenção de
sentido do texto constitucional: (2) os pressupostos objetivos, isto é, o contexto,
atuando o intérprete como operador de mediações entre o texto e a situação a que se
aplica: (3) relação entre o texto e o contexto com a mediação criadora do intérprete,
transformando a interpretação em ‘movimento de ir e vir’ (círculo hermenêutico). (…)
se orienta não por um pensamento axiomático mas para um pensamento
problematicamente orientado”. Da leitura do texto do constitucionalista J.J. Gomes
Canotilho, conclui-se que o autor se refere a que método de interpretação
constitucional?
a) Método tópico-problemático-concretizador.
b) Método científico-espiritual.
c) Método tópico-problemático.
d) Método hermenêutico-concretizador.

3. (TJM-SP, Vunesp, 2016) Acerca da hermenêutica constitucional, é possível afirmar que


para determinado método de interpretação, a realidade da norma e os dispositivos
constitucionais situam-se tão próximos que o caso concreto é regulamentado quando
se dá a implementação fática do comando, ocasião, por exemplo, em que o juiz aplica a
lei ao caso. A normatividade, a que se refere o método, não se esgota no texto, como se
afirma tradicionalmente, mas vai se exaurir nas situações concretas e até no direito
consuetudinário, considerando também os textos doutrinários, já que o texto legal seria
apenas uma das fontes iniciais de trabalho. Para este método não há diferença entre
interpretação e aplicação. A interpretação não se esgota na delimitação do significado
e do alcance da norma, mas inclui, também, sua aplicação. Esse método é denominado:
a) hermenêutico-concretizador.
b) científico-espiritual.
c) hermenêutico-clássico.
d) tópico-problemático.
e) normativo-estruturante.

4. (TJRJ, Vunesp, 2016) No estudo da Hermenêutica Constitucional se destaca a


importância do constitucionalismo contemporâneo de uma Constituição concreta e
historicamente situada com a função de conjunto de valores fundamentais da sociedade
e fronteira entre antagonismos jurídicos-políticos. A Constituição não está desvinculada
da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada,
simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve
ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. O texto ressalta corretamente o
seguinte princípio:
a) hermenêutica clássica.
126
b) nova retórica constitucional.
c) senso comum que norteia a eficácia constitucional.
d) tópico-problemático constitucional.
e) força normativa da Constituição.

5. (TJAM, FGV, 2013) A respeito dos métodos de aplicação e interpretação da


Constituição, assinale a afirmativa INCORRETA.
a) A ponderação consiste na técnica jurídica de solução de conflitos normativos que
envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas
hermenêuticas tradicionais.
b) A interpretação conforme a Constituição é uma técnica aplicável quando, entre
interpretações plausíveis e alternativas de certo enunciado normativo, exista alguma
que permita compatibilizá-la com a Constituição.
c) O princípio da concordância prática consiste numa recomendação para que o
aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência
entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de
todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum.
d) A aplicação do princípio da proporcionalidade esgota-se em duas etapas: a primeira,
denominada “necessidade ou exigibilidade”, que impõe a verificação da inexistência do
meio menos gravoso para o atingimento dos fins visados pela norma jurídica, e a
segunda, chamada “proporcionalidade em sentido estrito”, que é a ponderação entre o
ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na
esfera dos direitos dos cidadãos.
e) O princípio da eficácia integradora orienta o intérprete a dar preferência aos critérios
e pontos de vista que favoreçam a integração social e a unidade política, ao fundamento
de que toda Constituição necessita produzir e manter a coesão sociopolítico, pré-
requisito de viabilidade de qualquer sistema jurídico.

6. (TJMG, Vunesp, 2012) Analise as afirmativas a seguir.


I. As normas que definem os direitos e garantias individuais são consideradas
programáticas.
II. As normas constitucionais chamadas de “eficácia limitada”, de acordo com a doutrina
brasileira, apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
III. Segundo a doutrina e jurisprudência brasileira, o direito de greve, reconhecido ao
servidor público pela Constituição Federal brasileira de 1988, é de eficácia plena.
IV. As normas infraconstitucionais anteriores à promulgação de uma nova constituição,
quando com esta incompatíveis ou não recepcionadas, são tidas como normas
inconstitucionais.
Está correto apenas o contido em:
a) II. 127
b) IV.
c) I e III.
d) II, III e IV.

7. (TJPR, CESPE, 2017) Nossa Constituição, como a maioria das cartas políticas
contemporâneas, contém regras de diversos tipos, funções e naturezas, por postularem
finalidades diferentes, mas coordenadas e inter-relacionadas entre si, formando um
sistema de normas que se condicionam reciprocamente. Algumas delas são plenamente
eficazes e de aplicabilidade imediata; outras são de eficácia reduzida, dependem de
legislação que lhes integre o sentido e determine sua incidência; não são de
aplicabilidade imediata, mas são aplicáveis até onde possam. José Afonso da Silva.
Aplicabilidade das normas constitucionais. 6.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 47
(com adaptações).
Tendo o fragmento de texto de José Afonso da Silva como referência inicial, assinale a
opção correta com relação à eficácia das normas constitucionais e aos princípios e à
interpretação da CF.
a) Segundo o STF, o desmembramento de município previsto na CF é norma de eficácia
contida.
b) Para o STF, a norma que estabelece o direito à aposentadoria especial dos servidores
públicos tem eficácia limitada.
c) De acordo com o princípio da unidade da CF, nenhuma lei ou ato normativo, nacional
ou internacional, pode subsistir se for incompatível com o texto constitucional.
d) A norma que prevê o direito dos necessitados à plena orientação jurídica e à integral
assistência judiciária não autoriza que o Poder Judiciário determine aos estados a
criação de órgãos da defensoria pública.

8. (TJSC, CESPE, 2019) A respeito de métodos de interpretação constitucional e do


critério da interpretação conforme a constituição, assinale a opção correta.
a) A busca das pré-compreensões do intérprete para definir o sentido da norma
caracteriza a metódica normativo-estruturante.
b) O método de interpretação científico-espiritual é aquele que orienta o intérprete a
identificar tópicos para a discussão dos problemas constitucionais.
c) A interpretação conforme a constituição não pode ser aplicada em decisões sobre
constitucionalidade de emendas constitucionais.
d) A interpretação conforme a constituição e a declaração parcial de
inconstitucionalidade sem redução de texto são exemplos de situações constitucionais
imperfeitas.
e) A interpretação conforme a constituição é admitida ainda que o sentido da norma
seja unívoco, pois cabe ao STF fazer incidir o conteúdo normativo adequado ao texto
constitucional.
128
9. (TJBA, CESPE, 2018) A respeito de hermenêutica constitucional e de métodos
empregados na prática dessa hermenêutica, assinale a opção correta:
a) A noção de filtragem constitucional da hermenêutica jurídica contemporânea torna
dispensável a distinção entre regras e princípios.
b) De acordo com o método tópico, o texto constitucional é ponto de partida da
atividade do intérprete, mas nunca limitador da interpretação.
c) Segundo a metódica jurídica normativo-estruturante, a aplicação de uma norma
constitucional deve ser condicionada às estruturas sociais que delimitem o seu alcance
normativo.
d) O princípio da unidade da Constituição orienta o intérprete a conferir maior peso aos
critérios que beneficiem a integração política e social.
e) Os princípios são mandamentos de otimização, como critério hermenêutico, e
implicam o ideal regulativo que deve ser buscado pelas diversas respostas
constitucionais possíveis.

10. (TJMA, CESPE, 2022) No tocante ao neoconstitucionalismo, ao conceito de


Constituição e às normas constitucionais, assinale a opção correta.
a) O neoconstitucionalismo está associado a diversos fenômenos reciprocamente
implicados, seja no campo empírico, seja no plano da dogmática jurídica, como
reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e da separação entre o
direito e a moral.
b) A Constituição Federal de 1988 é considerada exemplo típico de constituição
compromissória, uma vez que, na constituinte, houve a atuação das mais diversas forças
políticas, inspiradas em diferentes ideologias.
c) Nas constituições flexíveis, o conflito entre a norma constitucional anterior e a lei
superveniente resolve-se não pelo critério hierárquico, mas pelo critério de
especialidade.
d) Prevalece a adoção da teoria da dupla revisão no sistema constitucional brasileiro.
e) No sentido sociológico, a constituição é entendida como a decisão política
fundamental do titular do poder constituinte.

129
3. GABARITO COMENTADO

1. C
Com o advento do neoconstitucionalismo, os princípios ganham força normativa e
podem ser fonte de direito subjetivo tanto quanto as regras. Nesse sentido, sabendo-se
que o direito brasileiro confere força normativa aos princípios, a única opção correta
seria a letra “c”, haja vista que as alternativas “a” e “b” afastam a força normativa dos
princípios. A respeito da letra “d”, como visto, as normas constitucionais, que incluem
regras e princípios, não são todas de eficácia plena, havendo também normas de eficácia
contida e limitada, conforme teoria de José Afonso da Silva, o que torna a assertiva
incorreta.

2. D
MÉTODO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR: Método apresentado por Konrad Hesse na
obra “A força normativa da constituição”. Parte da ideia de que interpretação e
aplicação consistem em processo unitário (concretista) - possui três elementos básicos:
(1) a norma a ser concretizada;
(2) o problema a ser resolvido;
(3) a compreensão prévia do intérprete. A norma é resultado da interpretação (papel
ativo do intérprete) = concretização da norma. 130
TÓPICO-PROBLEMÁTICO HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR

- Primazia do problema - parte-se do - Primazia da norma - parte-se da norma


problema para verificar a aplicação da para resolver o problema.
norma.

Elementos do Método Hermenêutico-Concretizador

a) Pressupostos subjetivos = o intérprete possui uma pré-compreensão da


constituição, exercendo um papel criador ao descobrir o sentido da norma.

b) Pressupostos objetivos = o intérprete atua como um mediador entre o texto e a


situação na qual ele se aplica (contexto).

c) Círculo hermenêutico = a interpretação é transformada em movimento de ir e vir,


concretizando a norma como resultante da interpretação.

A questão pode ser respondida pelos três elementos acima: pressupostos subjetivos,
pressupostos objetivos e círculo hermenêutico.
3. E
MÉTODO NORMATIVO-ESTRUTURANTE: Método apresentado por Friedrich Müller na
obra “Métodos de trabalho do direito constitucional”. A concretização da norma deve
ser feita por intermédio de vários elementos, dentre eles o metodológico (clássicos de
interpretação e princípios da interpretação da constituição), dogmáticos (doutrina e
jurisprudência), teóricos (teoria da constituição), política constitucional (ex.: reserva do
possível) = há uma relação social entre o texto e a realidade – a norma não compreende
apenas o texto, abarcando também um pedaço da realidade social, que é a parte mais
significativa (domínio normativo).

O intérprete deve considerar os elementos resultantes da

- Interpretação do texto (programa normativo);


- Investigação da realidade social (domínio normativo).

O método é concretista, mas entende que a norma não está inteiramente no texto,
sendo resultante da relação entre texto e realidade.
Atenção para o trecho da questão: “A normatividade, a que se refere o método, não se
esgota no texto (...)”. Texto + realidade: esse é o segredo do método.
131
4. E
FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO: Na aplicação da Constituição, deve ser dada
preferência às soluções concretizadoras de suas normas, que as tornem mais eficazes e
permanentes.
Tal princípio, idealizado por Konrad Hesse, empenha-se em demonstrar que não há de
se verificar uma derrota da Constituição quando colocada em oposição aos fatores reais
de poder. Deve-se ter em vista a chamada vontade da Constituição. Assim, como norma
jurídica, a Constituição possui força normativa suficiente para, coercitivamente, impor
as suas determinações.

5. D
Item D - Na verdade, são três as etapas, como estudado: necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito.

6. A
Item I – Possuem eficácia plena (aplicabilidade direta, imediata e integral).
Item II – Correto.
Item III – Em verdade, tal direito é de eficácia limitada (depende de lei).
Item IV – Não há que se falar neste caso em inconstitucionalidade. Aqui, fala-se em
recepção ou não-recepção.
Relembrando:
RECEPÇÃO
Quando do surgimento de uma nova Constituição, as leis infraconstitucionais anteriores
que forem materialmente (conteúdo) compatíveis são recepcionadas (busca-se evitar o
vácuo legislativo). Já as materialmente incompatíveis não são recepcionadas (não
recepção = revogação).
A incompatibilidade formal superveniente NÃO impede a recepção e ainda faz com que
a norma adquira uma nova roupagem - um novo “status” (ex.: CTN, aprovado como LO
e recepcionado como LC = ADEQUAÇÃO).

Exceção! Quando a incompatibilidade formal for relacionada à COMPETÊNCIA dos


entes federativos, a recepção não deverá ser admitida, sobretudo quando a
competência passar do menor (ex.: município) para o maior (ex.: União).

7. B
ALTERNATIVA A: INCORRETA
De acordo com o entendimento do STF: “Norma constitucional de eficácia limitada,
porque dependente de complementação infraconstitucional, tem, não obstante, em
linha de princípio e sempre que possível, a imediata eficácia negativa de revogar as
regras preexistentes que sejam contrárias. Município: criação: EC 15/1996:
132
plausibilidade da arguição de inconstitucionalidade da criação de Municípios desde a
sua promulgação e até que lei complementar venha a implementar sua eficácia plena,
sem prejuízo, no entanto, da imediata revogação do sistema anterior. É certo que o novo
processo de desmembramento de Municípios, conforme a EC 15/1996, ficou com a sua
implementação sujeita à disciplina por lei complementar, pelo menos no que diz com o
Estudo de Viabilidade Municipal, que passou a reclamar, e com a forma de sua
divulgação anterior ao plebiscito. [ADI 2.381 MC, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 20-6-
2001, P, DJ de 14-12-2001.]”
ALTERNATIVA B: CORRETA
A aposentadoria especial do servidor público está prevista em norma de eficácia
limitada (art. 40, § 4º, da CF). Nesse sentido, é o entendimento do STF: “A Corte firmou
entendimento no sentido de que a competência concorrente para legislar sobre
previdência dos servidores públicos não afasta a necessidade da edição de norma
regulamentadora de caráter nacional, cuja competência é da União”. (MI 1898 AgR,
Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/2012, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 31-05-2012 PUBLIC 01-06-2012).
ALTERNATIVA C: INCORRETA
O princípio que legitima a afirmativa é o princípio da supremacia da constituição, e não
o princípio da unidade.
ALTERNATIVA D: INCORRETA
Por diversas vezes, o STF já se posicionou em favor da possibilidade de controle
jurisdicional de políticas públicas. O caso em tela foi objeto do seguinte julgado:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO
RECURSO DE AGRAVO – DEFENSORIA PÚBLICA – IMPLANTAÇÃO – OMISSÃO ESTATAL
QUE COMPROMETE E FRUSTRA DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PESSOAS NECESSITADAS
– SITUAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE INTOLERÁVEL – O RECONHECIMENTO, EM FAVOR
DE POPULAÇÕES CARENTES E DESASSISTIDAS, POSTAS À MARGEM DO SISTEMA
JURÍDICO, DO “DIREITO A TER DIREITOS” COMO PRESSUPOSTO DE ACESSO AOS DEMAIS
DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS – INTERVENÇÃO JURISDICIONAL
CONCRETIZADORA DE PROGRAMA CONSTITUCIONAL DESTINADO A VIABILIZAR O
ACESSO DOS NECESSITADOS À ORIENTAÇÃO JURÍDICA INTEGRAL E À ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA GRATUITAS (CF, ART. 5º, INCISO LXXIV, E ART. 134) – LEGITIMIDADE DESSA
ATUAÇÃO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO
EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA
PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA
INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE
PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO – A TEORIA DA
“RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CONTROLE
JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE DE
FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE
CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL,
PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E
PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES – A FUNÇÃO CONSTITUCIONAL
133
DA DEFENSORIA PÚBLICA E A ESSENCIALIDADE DESSA INSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA –
“THEMA DECIDENDUM” QUE SE RESTRINGE AO PLEITO DEDUZIDO NA INICIAL, CUJO
OBJETO CONSISTE, UNICAMENTE, na “criação, implantação e estruturação da
Defensoria Pública da Comarca de Apucarana” – RECURSO DE AGRAVO PROVIDO, EM
PARTE. - Assiste a toda e qualquer pessoa – especialmente àquelas que nada têm e que
de tudo necessitam – uma prerrogativa básica essencial à viabilização dos demais
direitos e liberdades fundamentais, consistente no reconhecimento de que toda pessoa
tem direito a ter direitos, o que põe em evidência a significativa importância jurídico-
institucional e político-social da Defensoria Pública. - O descumprimento, pelo Poder
Público, do dever que lhe impõe o art. 134 da Constituição da República traduz grave
omissão que frustra, injustamente, o direito dos necessitados à plena orientação jurídica
e à integral assistência judiciária e que culmina, em razão desse inconstitucional
inadimplemento, por transformar os direitos e as liberdades fundamentais em
proclamações inúteis, convertendo-os em expectativas vãs. - É que de nada valerão os
direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em
que eles se apoiam – além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por
particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato
institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua,
por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar
efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do
Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são
as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito
consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição da República. - O desrespeito à
Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia
governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um
comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o
que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela
se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um “facere” (atuação
positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as
medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a
torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o
dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto
constitucional. Desse “non facere” ou “non praestare” resultará a inconstitucionalidade
por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial,
quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. Precedentes (ADI 1.458-
MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Doutrina. - É lícito ao Poder Judiciário, em face
do princípio da supremacia da Constituição, adotar, em sede jurisdicional, medidas
destinadas a tornar efetiva a implementação de políticas públicas, se e quando se
registrar situação configuradora de inescusável omissão estatal, que se qualifica como
comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante
inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos
que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas
concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei
Fundamental. Precedentes. Doutrina. - A função constitucional da Defensoria Pública e
a essencialidade dessa Instituição da República: a transgressão da ordem constitucional
– porque consumada mediante inércia (violação negativa) derivada da inexecução de
programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação
134
jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, LXXIV, e art. 134) –
autoriza o controle jurisdicional de legitimidade da omissão do Estado e permite aos
juízes e Tribunais que determinem a implementação, pelo Estado, de políticas públicas
previstas na própria Constituição da República, sem que isso configure ofensa ao
postulado da divisão funcional do Poder. Precedentes: RTJ 162/877-879 – RTJ 164/158-
161 – RTJ 174/687 – RTJ 183/818-819 – RTJ 185/794-796, v.g.. Doutrina. (AI 598212 ED,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/03/2014, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-077 DIVULG 23-04-2014 PUBLIC 24-04-2014)

8. D
(A) INCORRETA. “A Metódica jurídica normativo-estruturante trabalha com a concepção
de que a norma jurídica não se identifica com seu texto (expresso), pois ela é o resultado
de um processo de concretização. Portanto, o texto da norma não possui normatividade,
mas sim, apenas validade. (...) Metaforicamente, o texto de uma norma deve ser visto
apenas como a ‘ponta do iceberg’” (Bernardo Gonçalves Fernandes, Curso de direito
constitucional, 7ª ed, Juspodivm, 2015, p. 191). Em verdade, o conceito trazido no item
mais se aproxima do método desenvolvido por Gadamer, e não o normativo-
estruturante, desenvolvido por Muller.
(B) INCORRETA. Trata-se do método tópico-problemático. O método de interpretação
científico-espiritual atesta que a Constituição deve ter em conta as bases de valoração
(ou ordens de valores) subjacentes ao texto constitucional. (Bernardo Gonçalves
Fernandes, Curso de direito constitucional, 7ª ed, Juspodivm, 2015, p. 191).
(C) INCORRETA. Não há óbice a que se utilize referida técnica de interpretação em
decisões que reconheçam a constitucionalidade de emendas constitucionais, conforme
doutrina majoritária.
(D) CORRETA. Trata-se, para a doutrina majoritária, de exemplos de situação
constitucional imperfeita, pois há uma atenuação de declaração da nulidade, haja vista
que preserva uma interpretação possível que se mostra compatível com o texto
constitucional. É dizer, pelo fato de não ter sido declarada a inconstitucionalidade da
norma como um todo – o que deveria acontecer - tem-se uma situação constitucional
imperfeita. Obs.: tal posicionamento foi considerado correto na prova objetiva do TJ/CE,
pela mesma banca CESPE.
(E) INCORRETA. Necessário para utilização da técnica que a norma seja plurívoca.

9. E
(A) INCORRETA. Filtragem constitucional: passar a lei no filtro da Constituição para
extrair dela o seu sentido mais correto. Não tem nada a ver com princípios x regras e
não enseja o efeito indicado.
(B) INCORRETA. Método apresentado por Theodor Viehweg na obra “Tópica e
jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos”.
Baseia-se em “topos” (“topoi”), que são esquemas de pensamento, formas de
raciocínio, sistemas de argumentação, lugares comuns (podem ser extraídos da
jurisprudência, da doutrina, do senso-comum) – há uma argumentação jurídica em
torno de um problema a ser resolvido, com opiniões favoráveis e contrárias,
135
prevalecendo a que for mais convincente = adequação da norma ao problema (parte-
se dele, não do texto).
(C) INCORRETA. Método apresentado por Friedrich Müller na obra “Métodos de
trabalho do direito constitucional”. A concretização da norma deve ser feita por
intermédio de vários elementos, dentre eles o metodológico (clássicos de interpretação
e princípios da interpretação da constituição), dogmáticos (doutrina e jurisprudência),
teóricos (teoria da constituição), política constitucional (ex: reserva do possível) = há
uma relação social entre o texto e a realidade – a norma não compreende apenas o
texto, abarcando também um pedaço da realidade social, parte mais significativa
(domínio normativo).
(D) INCORRETA. O princípio da unidade da Constituição impõe que a Constituição deve
ser interpretada de modo a evitar conflitos, contradições e antagonismos entre suas
normas (refinamento da interpretação sistemática) = interpretação em conjunto com as
demais normas. Ele, justamente, afasta a tese da hierarquia das normas constitucionais
(Otto Bachoff). O STF já considerou que as normas constitucionais originárias estão
todas no mesmo patamar, devendo ser conciliadas (ADI 4097).
(E) CORRETA. Os princípios, na teoria de Robert Alexy, são mandados de otimização,
aplicados em vários graus, conforme a possibilidade fática e jurídica (colisão com outros
princípios). Alexy, seguindo a teoria da argumentação de Chaïm Perelman, afasta-se da
teoria da correspondência de Aristóteles. Seu critério da verdade, então, não é a
correspondência com a realidade, mas o fruto da construção discursiva – a verdade não
está no mundo, é uma produção cultural humana subordinada à refutabilidade
(falseabilidade) e que, por ser histórica, pode ser negada e substituída por um novo
argumento racional que lhe sirva de fundamento. Justamente por não se basear em
conceitos absolutos, mas em noções de probabilidade e verossimilhança (melhor tese
possível), diferentemente de Dworkin, Alexy refuta a possibilidade de uma única
resposta correta a um caso controverso (hard case) – haveria uma multiplicidade de
opções (respostas constitucionais possíveis), devendo a escolha ser pautada segundo
critérios de correção do discurso (decisão aproximadamente correta).

10. E
(A) INCORRETA.
A assertiva se equivoca ao dizer que existe separação entre o direito e a moral. O
neoconstitucionalismo é uma nova forma de se interpretar o Direito, que aproximado
da Moral, passa a contemplar juízos de valor com a finalidade de preservar, garantir e
promover os direitos fundamentais, que por estarem prescritos em regras ou princípios
constitucionais faz com que o Direito Constitucional se aloque no centro do sistema
jurídico irradiando sua forma normativa.
(B) CORRETA.
Constituições pluralistas ou compromissórias são aquelas que possuem normas
inspiradas em ideologias diversas. Geralmente resultam de um compromisso entre os
diversos grupos participantes do momento constituinte.
(C) INCORRETA. 136
A assertiva se equivoca ao dizer que nas constituições flexíveis, o conflito entre a
norma constitucional anterior e a lei superveniente resolve-se não pelo critério
hierárquico. Flexíveis são aquelas Constituições que não possuem um processo
legislativo de alteração mais dificultoso do que o processo legislativo de alteração das
normas infraconstitucionais. A dificuldade em alterar a Constituição é a mesma
encontrada para alterar uma lei que não é constitucional.
(D) INCORRETA.
O Brasil não adotou a teoria da dupla revisão, sendo inclusive entendido como uma
limitação implícita ao poder de reforma constitucional.
(E) INCORRETA.
No sentido sociológico, a Constituição, segundo a conceituação de Lassalle, seria a
somatória dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade.

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