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CONSTITUIÇÃO

Atualizado em 22.07.2019

SUMÁRIO
1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO ................................................................................................. 1

1.1. Concepções Clássicas e Modernas da Constituição .............................................................. 3


1.2. Concepção Cultural de Constituição – Constituição Total ...................................................... 6
1.3. Constituição Aberta ................................................................................................................ 6
1.4. Constituição Simbólica ........................................................................................................... 7

2. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES ................................................................................. 11

a. Quanto ao conteúdo................................................................................................................ 12
b. Quanto à forma ....................................................................................................................... 13
c. Quanto à origem ..................................................................................................................... 13
d. Quanto à estabilidade ............................................................................................................. 14
e. Quanto à extensão .................................................................................................................. 14
f. Quanto à finalidade .................................................................................................................. 15
g. Quanto à ideologia ou objeto ideológico .................................................................................. 15
h. Quanto à dogmática ................................................................................................................ 17
i. Quanto à correspondência com a realidade ou classificação ontológica.............................................. 17

3. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO ............................................................................................ 18

4. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL ............................................................................ 20


Direito Constitucional – Constituição

1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

Juridicamente, Constituição é o documento que estabelece a disciplina e o conjunto de ele-


mentos essenciais ao Estado. Trata-se da lei fundamental do Estado, que contém normas referentes
à estrutura, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar,
distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos etc.

De acordo com Canotilho, uma Constituição deve (conceito ideal de Constituição):

a) TER UM SISTEMA DE CONSAGRAÇÃO DE GARANTIAS DA LIBERDADE;

No Séc. XX, surgiu a ideia da RACIONALIZAÇÃO DO PODER: já não basta a previsão


dos direitos fundamentais, é preciso garantir condições mínimas para que um poder demo-
crático possa subsistir em momentos de crise (crise econômica, minorias raciais em conflito,
agitação extremista, ausência de tradição liberal e outros).

b) CONTER O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES;


1
c) SER ESCRITA.

Esses elementos irradiaram por todo o mundo, com algumas variações: constituições não
escritas, estados fundamentalistas etc.

Entretanto, isso não é suficiente para se determinar o que seria uma Constituição, haja vista
existirem constituições não escritas.

Há muito tempo, alguns pensadores já tinham a concepção de algo similar à Consti-


tuição. É o caso de Aristóteles, que distinguia a nómoi da politéia, respectivamente, leis ordi-
nárias e lei constitucional (normas fundamentais de organização das cidades-estado).

A constituição como é vista hoje é resultante de uma evolução histórica, que tem como base
o movimento constitucionalista, com marco na Magna Carta (no ano de 1215). É possível verificar
que esse documento influenciou determinados aspectos da própria CR/88, como o devido processo
legal, o princípio da legalidade tributária etc. Foi o primeiro instrumento de limitação de poder
do governante.

Antes disso, não havia constituição. Havia, na verdade, um conjunto de influências


judaico-cristãs que, no período do Iluminismo, convergiram para a formação do constitucio-
nalismo moderno (nasce com as constituições americana e francesa).
Direito Constitucional – Constituição

Loewenstein identificou, entre os hebreus, um primeiro embrião do constitucionalismo ao


perceber que os profetas detinham poder para fiscalizar os atos governamentais que extrapolassem
os limites divinos. A segunda influência vem da Grécia e de Roma. A Grécia contribuiu com a ideia
de igualdade/dignidade do ser humano, que influencia, posteriormente, o iluminismo no início do
constitucionalismo moderno. Também contribuiu ao introduzir a ideia de democracia, um regime po-
lítico que se preocupava com a limitação do poder das autoridades e com a contenção do arbítrio
através da participação política dos cidadãos. No entanto, esta limitação visava antes à busca do
bem comum do que a garantia de liberdades individuais. A liberdade, no pensamento grego, era
restrita ao direito de tomar parte nas deliberações públicas da cidade-Estado. Roma contribuiu com
o início das codificações. Também foi em Roma que despontaram os primeiros direitos do indivíduo
frente a coletividade, despontando a valorização da esfera individual e da propriedade.

Passando para os marcos do constitucionalismo moderno, na doutrina francesa, houve o sur-


gimento de leis fundamentais do reino, que seriam impostas ao próprio rei contra as suas fraque-
zas, protegendo-se, assim, a Coroa.
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No séc. XVII, surgiram as denominadas doutrinas do pacto social, baseadas no contratua-
lismo, de Hobbes (Leviatã) e Locke (Segundo Tratado sobre o Governo Civil).

No séc. XVIII, desenvolveu-se o pensamento iluminista, que defendia a supremacia do indi-


víduo com a não intervenção do Estado (laissez-faire). Montesquieu reavivou e fortaleceu a noção
de separação dos poderes. Os marcos do pensamento constitucional iluminista são a Constituição
dos Estados Unidos1 (1.787) e a Revolução Francesa (1.789). Somente depois disso é que surge a
noção de constituição escrita.

A partir do séc. XIX, começou-se a desenvolver o que se chama de conceito ideal de cons-
tituição (Canotilho), conforme já visto.

No séc. XX, surgiu a ideia de racionalização do poder, não bastando somente a previsão dos
direitos fundamentais; é preciso também garantir condições mínimas para que um poder democrático
possa subsistir.

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Profunda preocupação em romper com o absolutismo, que confundia a noção de Estado com monarca.
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1.1. CONCEPÇÕES CLÁSSICAS E MODERNAS DA CONSTITUIÇÃO

Antes cabe ressaltar que as várias concepções possuem muito mais função acadêmica do
que prática. Infelizmente, despencam em concurso, motivos pelos quais devem ser bem conhecidas.

São as seguintes as principais concepções clássicas:

a) Concepção sociológica: visão formulada por Ferdinand Lassalle, enxerga as constitui-


ções como um fato social, como a soma dos fatores reais de poder de um país, resultado concreto
do relacionamento entre as forças sociais. Para ele, existe uma Constituição real e uma escrita. A
Constituição escrita somente terá validade se coincidir com a Constituição real, ou seja, deve refletir
os fatores reais de poder ou será mera “folha de papel”. Tem como principais características:

1. A Constituição é vista mais como fato do que como norma, prioriza-se a perspectiva do ser
e não a do dever ser;

2. A Constituição não está sustentada numa normatividade superior transcendente, não se


baseia num direito natural, e sim nas práticas desenvolvidas na sociedade.
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b) Concepção política: formulada por Carl Schmitt, constituição seria uma decisão polí-
tica fundamental, a qual não se apoia na justiça de suas normas, mas sim no que nela foi
politicamente incluído. Para ele, existe a Constituição em si e normas ou leis constitucionais,
as quais, apesar de integrarem o texto escrito, não seriam materialmente constitucionais. Para ele,
faria parte da Constituição, efetivamente, a disciplina da forma de Estado, do sistema de governo, do
regime de governo, da organização e divisão dos poderes e o rol de direitos individuais. As leis cons-
titucionais são todas aquelas normas inscritas na Constituição que não tratam desses temas funda-
mentais e que poderiam vir tratadas em legislação ordinária.

c) Concepção jurídica: formulada por Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito), Constituição é
o paradigma de validade de todo o ordenamento jurídico de um Estado e instituidor de sua estrutura.
Sua concepção é estritamente formal. Daqui resultou a teoria da construção escalonada do
ordenamento jurídico. Para ele, constituição é norma pura, é um dever ser, não há fundamento
sociológico ou político, apenas caráter normativo.

Para Kelsen, o único critério para analisar uma norma jurídica é outra norma jurídica superior.
Significa que o direito tem que ser estudado dentro do próprio direito (autopoiesis). Assim, o intérprete
não pode analisar se a norma é boa ou má, justa ou injusta, ou ainda se é moral, amoral ou imoral,
porque entrar nessas questões demandaria do intérprete a análise a partir de um parâmetro fora do
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próprio direito. Surge daí a teoria pura do direito, que impede a valoração do direito – pensamento
positivista. O CESPE, numa prova do TRF da 5ª Região, considerou correta a seguinte assertiva:
“De acordo com o positivismo de Hans Kelsen, a escolha de uma interpretação dentro da moldura
de possibilidades proporcionada pela norma jurídica realiza-se segundo a livre apreciação do tribu-
nal, e não por meio de qualquer espécie de conhecimento do direito preexistente.”

Kelsen dá dois sentidos à palavra Constituição:

1. JURÍDICO-POSITIVO: direito positivo é norma escrita ou posta pelo homem (pirâmide das
leis – princípio da compatibilidade vertical entre as normas superiores e inferiores). Logo, Consti-
tuição seria norma escrita;

Nessa concepção, constituição e lei são figuras ontologicamente iguais, ou seja, são iguais
quanto à natureza, e a única diferença é sua hierarquia. Isso leva a uma ideia de que o processo e
os métodos de interpretação da Constituição não são diferentes dos processos e dos métodos de
interpretação das leis

2. LÓGICO-JURÍDICO: a norma inferior encontra seu fundamento de validade na norma que 4


lhe for superior. A Constituição encontra o seu fundamento de validade não no direito posto, mas no
plano pressuposto lógico, ou seja, em valores metajurídicos, já que seu fundamento não seria de
cunho constitucional. Nesse conceito, a Constituição representa uma norma fundamental hipotética
que serve de fundamento lógico transcendental da Constituição jurídico-positiva.

Nessa esteira, a norma hipotética fundamental não pode ser considerada um valor (porque
contradiria a teoria pura do direito que proíbe a análise externa do direito), mas mero imperativo que
determina “cumpra-se a constituição e as leis”.

São as seguintes as principais concepções modernas:

a) Teoria da Força Normativa da Constituição2: formulada por Konrad Hesse, trata-se de uma
resposta a Lassalle. A Constituição escrita não necessariamente será reflexo dos fatores de

2
A Constituição tem uma força normativa, não sendo somente uma folha de papel. As questões jurídicas
somente serão convertidas em questão de poder caso não haja a satisfação de determinados pressupostos.
Lassalle reconhece a existência de uma vontade da Constituição, não só a vontade do poder. Deve ser
reconhecida a força normativa da Constituição, sob pena de ser confundida com a Sociologia ou com a Ciência
Política. Não pode haver o isolamento entre a norma e a realidade, como propõe o positivismo. A cons-
tituição jurídica e a constituição real complementam-se, condicionam-se mutuamente, mas não depen-
dem, pura e simplesmente, uma da outra.
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poder, porque pode ser que a Constituição escrita seja capaz de redesenhar a soma dos fato-
res reais de poder. Logo, ela não seria somente um resultado sociológico da sociedade, mas tam-
bém, e principalmente, teria o poder de modificar o conjunto de forças, moldar a sociedade
como ela é. Para Konrad Hesse, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação
e preservação da força normativa da Constituição. Assim, para ele, a Constituição teria o poder
de moldar a realidade. Por isso que se diz que a concepção da força normativa é uma resposta à
concepção sociológica: pois nesta, a concepção apenas reflete a soma dos fatores reais de poder,
enquanto naquela, a Constituição efetivamente tem o condão de moldar a realidade.

b) Constituição simbólica: formulada por Marcelo Neves, a utilização da norma constitucional


como símbolo advém da intenção do legislador. Este ou queria realmente concretizar o que escrevia
ou tinha a intenção somente de entregar um símbolo à sociedade. Seria, para ele, o que acontece
em constituições outorgadas em regimes ditatoriais.

c) Constituição aberta: formulada por Peter Häberle, para ele o objeto da constituição é sem-
pre dinâmico. A constituição deve ser o documento dinâmico que não se enclausure em si
mesmo, mas que acompanhe as modificações e necessidades da sociedade, sob pena de ficar 5
ultrapassada e como consequência, não se ajustar aos novos problemas que ela apresenta no de-
correr do tempo. Por isso que é importante que ela seja redigida com conceitos jurídicos mais aber-
tos, com normas de caráter mais abstrato, de forma a permitir, mediante a interpretação, sua ade-
quação à realidade.

Não obstante Peter Häberle é apresentado pelos doutrinadores brasileiros como o precursor
da Constituição aberta, o jurista Paulo Bonavides também trabalhou essa temática, e, desenvolveu
o método concretista da Constituição aberta. Na verdade, Bonavides seguiu a mesma linha de
Häberle, contudo, acrescenta que a interpretação de uma constituição, de acordo com as vicissitudes
de uma sociedade, se deve respaldar em um lógica e coerência para evitar a quebra de sua unidade.
Caso contrário, teríamos um enfraquecimento da força normativa constitucional e interpretações di-
vergentes. Assim, para Bonavides, ao dar interpretação constitucional, deve haver um sólido con-
senso democrático, com instituições fortes e uma cultura política desenvolvida. Ao nosso sentir, nada
mais seria que evitar interpretações abusivas e incoerentes, além de defender mecanismos de con-
trole para tanto.
Direito Constitucional – Constituição

1.2. CONCEPÇÃO CULTURAL DE CONSTITUIÇÃO – CONSTITUIÇÃO TOTAL

Uma concepção culturalista de Direito, como destaca J. H. Meireles Teixeira, conduz à ideia
de Constituição Total, ou seja, um conjunto de normas fundamentais, condicionadas pela Cul-
tura total, e ao mesmo tempo condicionantes desta, emanadas da vontade existencial da uni-
dade política, e reguladoras da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício
e limites do poder político.

Com este conceito de Constituição, sua interpretação só pode ser feita por métodos que
levem em conta as modificações que ocorrem na Cultura total da sociedade, como o método cientí-
fico-espiritual de Rudolf Smend, que parte da realidade social dos valores subjacentes ao texto da
Constituição, de forma que ela deve ser interpretada como algo dinâmico e que se renova constan-
temente, ao compasso das modificações da vida em sociedade. Nesse sentido, tanto o direito quanto
o Estado e a Constituição são vistos como fenômenos culturais ou fatos referidos a valores, de modo
que podem mesmo ser considerados meros instrumentos para a realização desses valores. Isto não
significa que os outros métodos de interpretação não possam ser considerados, porque o importante
é que o resultado da interpretação represente os ideais de justiça da sociedade, suportados nos 6
valores que ela elegeu como seus pilares.

A Constituição total busca fazer uma síntese das concepções política, jurídica e socio-
lógica já analisadas. De acordo com esta concepção, a Constituição é fruto da cultura exis-
tente dentro de determinado contexto histórico, em uma determinada sociedade, e ao mesmo
tempo, é condicionante dessa mesma cultura, pois o direito é fruto da atividade humana. José
Afonso da Silva é um dos autores que defendem essa concepção. Meirelles Teixeira, a partir dessa
concepção cultural, cria o conceito de Constituição Total, segundo o qual: "Constituição é um con-
junto de normas jurídicas fundamentais, condicionadas pela cultura total, e ao mesmo tempo condi-
cionantes desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, e reguladoras da existência,
estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do poder político".

1.3. CONSTITUIÇÃO ABERTA

Para Paulo Bonavides e Celso Ribeiro Bastos, a Constituição é um sistema normativo aberto,
dinâmico, não podendo se constituir num documento estático, sob pena de ruptura. A dinamicidade
da Constituição se dá através da aprovação de emendas constitucionais e da mutação cons-
titucional. Clèmerson Clève ressalta a contínua comunicação da Constituição com a realidade
histórica. A baixa densidade normativa da Constituição e a alta abstração de seus comandos
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constituem meios adequados para garantir a constante evolução de seu significado e o ajus-
tamento de seu sentido às exigências da realidade, sem a necessidade de se convocar a todo
instante a manifestação do Poder Constituinte Derivado. Essa abertura constitucional permite
o que a doutrina vem chamando de mutação constitucional: o evoluir permanente do sentido
da ordem constitucional para o efeito de acompanhar a história e o seu progresso.

A constituição deve ser o documento dinâmico que não será enclausurado em si mesmo. As
necessidades sociais vão se espalhar por outros ramos, sob pena de ficar ultrapassada e ser conde-
nada à morte. Está repleta de conceitos abertos: casa, meio ambiente ecologicamente equilibrado etc.

1.4. CONSTITUIÇÃO SIMBÓLICA

Mediante a distinção (típico-ideal) entre funções instrumentais, expressivas e simbólicas da


legislação, Marcelo Neves define a legislação simbólica como aquela em que há o predomínio ou
hipertrofia da função simbólica (essencialmente político-ideológica) em detrimento da função jurídico-
instrumental (de caráter normativo-jurídico). Nesse sentido, a marca distintiva da legislação
simbólica consistiria na “produção de textos cuja referência manifesta à realidade é
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normativo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de
caráter não especificamente normativo-jurídico.” Definida, portanto, a legislação simbólica como
aquela em que, em razão da prevalência da dimensão político-ideológica, há um déficit de concreção
normativa. Marcelo Neves, baseando-se em Harald Kindermann, propõe uma tipologia tricotômica
que, em seu entendimento, seria expressiva de seu conteúdo. Nesse sentido, a legislação simbólica
serviria a diversos propósitos:

a) Confirmação de valores sociais;

b) Demonstração da capacidade de ação do Estado (legislação-álibi, na qual se cria uma


imagem favorável do Estado no que concerne à resolução de problemas sociais);

c) Fórmula de compromisso dilatório (adiamento de solução dos conflitos).

Após tratar o problema da plurivocidade do termo “Constituição” na semântica social e


política, recuperando seu uso em diversas concepções - sociológica, jurídico-normativa, axiológico-
ideal e dialético-cultural – Marcelo Neves, apoiando-se no modelo sistêmico proposto por Niklas
Luhmann, define “Constituição” em termos de acoplamento estrutural entre os sistemas
político e jurídico e como mecanismo que permite a autonomia operacional do direito na
sociedade moderna. A Constituição, enquanto mecanismo que permite a autonomia operacional do
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sistema jurídico, permite que o mesmo se desvencilhe de apoios externos, tais como o direito natural.
Por essa razão, a Constituição aparece como condição da reprodução autopoiética do direito
moderno, pois possibilita seu fechamento normativo e operacional, fornecendo o limite interno para
a capacidade de aprendizado do direito positivo. Isso significa que a Constituição, definida nesses
termos, impede que o sistema jurídico seja bloqueado por diversas expectativas conflitantes de
comportamento que emanam do contexto hipercomplexo da sociedade moderna.

Esse conceito de Constituição, fundado no modelo sistêmico de Luhmann, associa-se à noção


moderna de “constitucionalização” e permite ao autor enfrentar a questão relativa à relação entre texto
e realidade constitucionais, que é abordada em termos de “concretização” das normas constitucionais.
Partindo da recuperação dos aspectos essenciais dos modelos de Friedrich Muller e Peter Häberle, na
teoria constitucional alemã, Marcelo Neves define, negativamente, a constitucionalização
simbólica em termos de déficit de concretização jurídico-normativa do texto constitucional, que
faz com que o mesmo perca sua capacidade de orientação generalizada das expectativas
normativas. Entretanto, o autor também observa que, no plano da fundamentação político-ideológica,
a constitucionalização simbólica desempenharia um papel ativo no sentido de encobrir problemas
sociais, obstruindo transformações efetivas e consequentes da sociedade.
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Entretanto, Marcelo Neves ressalta que essa capacidade de encobrimento da


constitucionalização simbólica apresentaria limites que poderiam ensejar consequências de difícil
previsão. Nesse sentido, o distanciamento em relação à realidade social pode conduzir a um
desgaste das constituições simbólicas. O resultado seria a eclosão de movimentos sociais e
políticos que buscam transformações efetivas no sistema constitucional. Entretanto, também
é possível que conduza à apatia das massas e ao cinismo das elites, não ficando descartada a
possibilidade de emergência de posturas autoritárias que simplesmente instrumentalizem a
constituição de modo a excluir ou limitar drasticamente o espaço de crítica em relação à “realidade”
do poder.

Por fim, o conceito de constitucionalização simbólica é tratado em termos de “alopoiese” do


direito (definida em termos reprodução do sistema jurídico a partir de critérios, programas e códigos
provenientes de seu ambiente), o que demanda que o autor recupere aspectos essenciais de sua
análise anterior acerca dos limites da concepção luhmanniana de diferenciação e autonomia
operacional do sistema jurídico em sociedades complexas. É nesse sentido que Marcelo Neves
problematiza a possibilidade de descrever genericamente o direito da sociedade moderna como
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autopoiético (ou seja, capaz de se autoproduzir consistentemente a partir de seus próprios critérios,
códigos e programas).

Mediante a ênfase no caráter heterogêneo que marca a sociedade moderna, definida


enquanto sociedade mundial (ou seja, sem barreiras territoriais à comunicação), Marcelo Neves
distingue uma bifurcação que leva à sua divisão em uma modernidade central e outra periférica.
Trata-se de uma distinção, já explorada pelo autor em sua tese de doutorado, que constitui um
esforço significativo para a superação de uma visão homogeneizada e empiricamente limitada da
sociedade moderna.

Indicadas as diferenças entre esses dois contextos (central e periférico), Marcelo Neves
ressalta que a constitucionalização simbólica, enquanto sobreposição do sistema político
sobre o jurídico, seria um problema específico dos países que compõem a modernidade
periférica, nos quais seria recorrente o problema da autorreferência deficitária do sistema
jurídico. Desse modo, a constitucionalização simbólica consistiria essencialmente no
bloqueio político destrutivo que obliteraria a reprodução operacionalmente autônoma do
sistema jurídico, acarretando, com isso, a perda da relevância normativo-jurídica dos textos 9
constitucionais na orientação das expectativas normativas. Aliás, nesse contexto, a própria
autonomia do sistema político é comprometida tornando-o suscetível a influências imediatas de
interesses particularistas. O bloqueio particularista reiterado do processo de concretização
constitucional que decorre da sobreposição destrutiva dos códigos binários de outros sistemas
sociais (especialmente o código ter/não-ter da economia e o código poder/não-poder da política), ao
engendrar a perda de nitidez dos contornos diferenciadores do sistema jurídico em relação ao seu
ambiente, acarreta uma “politização desjuridicizante” da realidade constitucional com efeitos
profundamente deletérios.

Segundo Marcelo Neves, tais efeitos seriam típicos da modernidade periférica, caracterizada
pela “heterogeneidade estrutural” que se expressa numa sobreposição intrincada de códigos e
programas, tanto entre os diversos subsistemas sociais quanto no próprio interior deles. É nesse
contexto que se colocam os problemas decorrentes das relações de “subintegração” e
“sobreintegração”, que fazem recrudescer os bloqueios à reprodução autopoiética do sistema
jurídico. Por essa razão, a Constituição, nos países da modernidade periférica, não funcionaria como
mecanismo de “acoplamento estrutural” entre os sistemas político e jurídico e sim como um fator de
bloqueio e politização do sistema jurídico, encobrindo, ademais, relações concretas de
“subcidadania” e “sobrecidadania.
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1.5 SÍNTESE (TABELA)

SENTIDOS DAS CONSTITUIÇÕES

Sentido SOCIOLÓGICO As Constituições somente seriam legítimas se refletissem


os fatores reais de poder. Caso contrário, não passariam
(Ferdinand Lassalle) de uma descartável “folha de papel”.

Distingue Constituição de lei constitucional, sendo que


aquela somente se refere às decisões políticas funda-
mentais (estrutura e órgãos do Estado, direitos fundamen-
Sentido POLÍTICO tais, democracia e etc.), e estas dizem com os dispositivos
despidos de fundamentalidade material.
(Carl Schmitt)
Do pensamento de Schmitt, criou-se a classificação das
Constituições materiais (=Constituição) e Constituições
formais (=leis constitucionais).
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A Constituição é norma pura, puro dever-ser, sem qual-
quer pretensão filosófica, sociológica ou política. A Consti-
tuição possui dois aspectos: 1) lógico-jurídico, signifi-

Sentido JURÍDICO cando norma fundamental hipotética, que serve de funda-


mento lógico transcendental para a validade da Constitui-
(Hans Kelsen) ção jurídico-positivo (2), que equivale ao conjunto positi-
vado de normas constitucionais que repousa no mais alto
grau da pirâmide normativa. A primeira norma é suposta;
as segundas, postas.

No sentido culturalista, encontra-se o conceito de consti-


Sentido CULTURALISTA tuição total, representando, entre outros, os aspectos jurí-
dicos, sociológicos e filosóficos. Segundo essa teoria, a
constituição deve ser percebida como realidade social,
decisão política fundamental e norma suprema positi-
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vada, ou seja, abarca todas as anteriores teorias. Seus pro-


pulsores foram Konrad Hesse, Peter Haberle e, no Brasil,
Paulo Bonavides e José Afonso da Silva.

2. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

MATERIAIS OU SUBSTANCIAIS
CONTEÚDO
FORMAIS

Codificadas

ESCRITAS OU DOGMÁTICAS
Não codifi-
FORMA cadas

NÃO ESCRITAS, COSTUMEIRAS, CONSUETUDI- 11


NÁRIAS OU HISTÓRICAS

PROMULGADAS, DEMOCRÁTICAS OU POPULA-


RES

OUTORGADAS OU IMPOSTAS
ORIGEM

CESARISTAS OU PLEBISCITÁRIAS

PACTUADAS

IMUTÁVEL

RÍGIDA
ESTABILIDADE
SEMI-RÍGIDA

FLEXÍVEL

CONCISAS OU BREVES
EXTENSÃO
EXTENSAS OU LONGAS
Direito Constitucional – Constituição

CONSTITUIÇÕES-GARANTIA, NEGATIVAS OU DE
TEXTO REDUZIDO

FINALIDADE
DIRIGENTES

CONSTITUIÇÕES-BALANÇO

LIBERAIS

IDEOLOGIA SOCIAIS

SOCIALISTAS

ORTODOXA
QUANTO À DOGMÁTICA
HETERODOXA

NORMATIVAS

CORRESPONDÊNCIA COM A REALIDADE 12


NOMINATIVAS
OU ONTOLÓGICA

SEMÂNTICAS

A. QUANTO AO CONTEÚDO

1. Materiais ou substanciais: são as normas constitucionais escritas ou costumeiras, estejam


ou não codificadas em um único documento, que regulam a estrutura e organização do Estado e os
direitos fundamentais. Elas têm conteúdo essencialmente constitucional. Todas as normas que cui-
dam da organização do Estado e dos Direitos Fundamentais, mesmo que não estejam na
Constituição Formal, formarão a Constituição material do Brasil.

Se o Brasil adota uma Constituição formal, escrita e rígida, na prática, qual é o interesse de
saber quais são as normas materialmente constitucionais? Qual é a utilidade? Só é possível vislum-
brar uma utilidade: a possibilidade da construção do conceito do que é preceito fundamental
para uso de ADPF.
Direito Constitucional – Constituição

2. Formais: documento escrito, estabelecido de modo solene pelo poder constituinte


originário e somente modificável por processos e formalidades especiais nela própria estabe-
lecidos. A CR/88 é formal, todas as suas normas têm caráter constitucional independentemente
de seu conteúdo.

B. QUANTO À FORMA

1. Escritas ou dogmáticas: fruto de um trabalho racional ou sistemático. Pode ser codificada


num único texto, ou não codificada, espalhada por textos diversos, como tem ocorrido com nossa
Constituição, que já não é mais codificada em decorrência da quantidade de normas constitucionais
que se encontram apenas nas emendas.

2. Não escritas, costumeiras, consuetudinárias ou históricas: é o exemplo da Constituição


Inglesa, que se baseia nos costumes e na jurisprudência. Porém, pode ter textos escritos, os quais
se incorporam à Constituição. Há uma ligação natural entre a Constituição histórica, que tra-
duz a evolução do pensamento político, com a Constituição não escrita. A Constituição não
escrita, na parte que é escrita, se apresenta em vários documentos, como ocorre no Reino 13
Unido: uma parte ainda é da Carta do João Sem Terra (Carta Magna) de 1215, que é conside-
rado um documento constitucional; a Lei do Habeas Corpus, que é de 1689, também é consi-
derada uma Lei constitucional; e de igual modo, a Lei que organiza o Parlamento.

C. QUANTO À ORIGEM

1. Democráticas, populares ou promulgadas: são elaboradas por representantes do povo, ou


seja, são fruto de uma assembleia constituinte que foi criada para isso. No Brasil, foram desse tipo
as constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988.

2. Outorgadas ou impostas: impostas verticalmente, sem participação popular, pelos deten-


tores do poder. No Brasil, temos as constituições de 1824, 1937, 1967 e 1969.

3. Pactuadas: quando o poder constituinte não está na mão de seu titular, o povo, nem total-
mente na mão dos detentores de poder. Há uma divisão de poderes entre ambos, sendo parte da
constituição decidida pelos detentores do poder e outra parte pelo povo. A Constituição nasce de um
pacto entre setores da sociedade. O poder constituinte, nesses casos, tem mais de um titular. Foi
um tipo de Constituição bastante difundido no seio da monarquia estamental da Idade Média, em
que o poder aparecia cindido entre o monarca e as ordens privilegiadas.
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4. Cesaristas ou plebiscitárias: na verdade, deveria classificar-se como referendada, já


que a Constituição é submetida a um referendo após elaborada pelos constituintes. A participa-
ção popular, nesses casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar a vontade do deten tor
do poder constituinte. Os referendos são utilizados como instrumentos de autocracia (regime do
chefe), não democracia.

D. QUANTO À ESTABILIDADE

1. Imutáveis: não passíveis de modificações. Nesse tipo de constituição, há rápida ruptura


entre a realidade social e a norma constitucional, perdendo esta a efetividade.

2. Rígidas: exige quórum mais rígido do que as demais normas infraconstitucionais para ser
modificada. Trata-se de um dos pilares do controle de constitucionalidade, já que para se fazer o
controle há de se ter a supremacia da constituição, e para se ter a supremacia, essa deve ser rígida.

3. Semirrígidas: parte é rígida e parte flexível, como ocorreu com a Constituição de 1824.

4. Flexíveis: a lei ordinária tem a mesma natureza jurídica de emenda constitucional, não 14
havendo divergência no processo legislativo de uma e de outra. Nas constituições flexíveis mostra-
se inviável o controle de constitucionalidade.

5. Super-rígidas: Alexandre de Moraes defende que a Constituição de 1988 deve ser consi-
derada super-rígida porque, além de prevê um método de alteração mais dificultoso que aquele pre-
visto para normas infraconstitucionais, ainda possui matérias consideradas imutáveis (cláusulas pé-
treas). O STF, no entanto, não adota esse entendimento. A Corte considera que as matérias
das cláusulas pétreas podem ser alteradas, desde que a reforma não tenda a abolir os precei-
tos ali resguardados e dentro de uma ideia de razoabilidade e ponderação.

E. QUANTO À EXTENSÃO

1. Concisas, breves, curtas ou sintéticas: preveem somente princípios e normas gerais, mas
não se preocupam em definir todos os aspectos da sociedade, sendo típica dos estados liberais.
Geralmente tem caráter eminentemente negativo. Exemplo: Constituição norte-americana.

2. Longas, analíticas ou prolixas: típicas de estado de bem-estar social, visam a garantir uma
série de direitos e deveres aos indivíduos e os limites da atuação estatal, de forma bem definida.
Direito Constitucional – Constituição

F. QUANTO À FINALIDADE

1. Negativas, garantias, liberais ou de texto reduzido: é aquela que na relação entre o Estado
e o Indivíduo, se preocupa apenas em garantir o indivíduo contra o Estado. Ela recebe esse nome
porque quanto ao relacionamento do indivíduo, cidadão e o Estado, se preocupa apenas em garantir
o indivíduo contra o Estado.

2. Dirigentes, plásticas ou programáticas: estabelecem programas e definem os limites e a


extensão de seus direitos; são sempre analíticas. Seu principal teórico foi Canotilho. É o modelo das
Constituições Sociais. Dirigente porque quando o Estado intervém na ordem econômica e
social, pretende nesse aspecto dirigir as atividades da sociedade. O Estado intervém através
de um gerenciamento da vida privada. A Constituição brasileira aderiu ao modelo dirigente, mas um
dirigismo que já foi bastante atenuado com várias emendas constitucionais que alteraram a previsão
da intervenção na ordem econômica. Foi o que ocorreu, por exemplo, na época do primeiro governo
de Fernando Henrique, com as privatizações de empresas. Esse movimento, feito na primeira me-
tade da década de 90 até 1995/1997 foi um movimento liberalizante que tornou a nossa Constituição
menos dirigente, com um Estado menos interventor. 15

3. Constituições balanço: é a denominação que se dá à Constituição que meramente des-


creve e sistematiza a organização política do Estado. Destina-se a espelhar certo período político,
um dado estágio das relações de poder no Estado. Tem inspiração na doutrina de Lassale.

G. QUANTO À IDEOLOGIA OU OBJETO IDEOLÓGICO

1. Liberais: consolidam o pensamento liberal político e econômico. São, portanto, constitui-


ções que não pregam a intervenção do Estado na ordem econômico e social. Marca o Estado Mínimo,
ou seja, aquele que deve ter uma participação mínima, cuidando apenas da coisa pública, não
devendo reger a sociedade, pois essa usa das suas próprias forças, o mercado tem suas próprias
forças. A sociedade progride com a busca pelo lucro e isso faz com que pessoas e empresas queiram
produzir mais e melhor. É a Lei do mercado. É o exemplo da Constituição norte-americana. Geral-
mente as Constituições liberais são negativas e concisas.

2. Sociais: preveem a intervenção do Estado na ordem econômico-social ao regular o mer-


cado. Isso faz com que o mercado seja menos livre na autorregulação e na redução da desigualdade.

Uma característica das constituições sociais, portanto, é valorizar mecanismos de


intervenção na ordem econômica, por exemplo, empresas públicas, regulação da ordem
Direito Constitucional – Constituição

econômica também através do sistema tributário, por meio da criação de impostos com
natureza extrafiscal, que são aqueles impostos que não são imaginados para arrecadar, até
arrecadam, mas não é o objetivo deles, e sim regular o mercado, como acontece no Brasil
com os impostos de importação e exportação.

E, na ordem social, tende a valorizar no âmbito dos Direitos Fundamentais também os Direitos
Sociais, o que não é muito valorizado em constituições liberais, pois nessas, no âmbito dos Direitos
Fundamentais, acabam valorizando o direito de liberdade (física, religiosa, de imprensa etc.).

Então, os Direitos Fundamentais numa Constituição Liberal basicamente se resumem


aos Direitos Individuais. Já numa Constituição Social, passam a ser integrados também por
Direitos Sociais (educação, saúde, previdência, assistência).

3. Socialistas: mais do que intervir na ordem econômica e social, pretende planificar a


sociedade. Então, ela acaba retirando da sociedade a sua liberdade de buscar o sucesso indivi-
dual. O Estado não apenas planifica as suas ações no interesse público, mas se apropria dos
meios de produção.
16
Fica muito clara a diferença de abordagem dessas três diferenças de ideologia na Constitui-
ção, quando se trabalha com um valor constitucional determinado, como o valor da igualdade. A
igualdade numa Constituição Liberal é uma igualdade formal. O Estado não pode discriminar
as pessoas, têm que tratar a todos como iguais. Mas se as pessoas estão desigualadas materi-
almente na vida, isso não é um problema do Estado, pois esse é um Estado Mínimo: ele não pode
discriminar mas não pode fazer nada quanto à desigualdade natural entre as pessoas.

Na visão da igualdade no Estado Social, além de o Estado não poder discriminar, o


Estado pode intervir na sociedade para reduzir a desigualdade. Então, quando o Estado se de-
para com uma situação de miséria, é legítimo que intervenha na sociedade, mas só nesses casos.
Quando o desequilíbrio material entre as pessoas é suportável, o Estado não deve se meter, devendo
intervir somente em situações extremas.

A igualdade num Estado Socialista é uma igualdade material, ou de resultado. Como o


Estado pretende planificar a própria economia, a própria ação da sociedade, ele retira muito a liber-
dade das pessoas. O que ele pretende é que as pessoas basicamente tenham o mesmo padrão. A
questão é que alguns países socialistas conseguem dar o mesmo padrão alto a todos, como a Fin-
lândia e a Noruega. Outros apenas conseguem igualar por baixo.
Direito Constitucional – Constituição

H. QUANTO À DOGMÁTICA

1. Ortodoxa ou comprometida: é aquela comprometida com uma determinada ideologia, que


não pode ser alterada pelos governos que se alternarem no Poder.

2. Heterodoxa, eclética ou compromissória: aquela que permite o convívio ideológico, sem


promover exclusão prévia de formas de pensamento e de ideias sociais e políticas. A Constituição
brasileira é uma Constituição Social, mas ela é compromissória. É aberta. Isso fica claro,
quando no artigo 3º, além daquela previsão da redução de desigualdades sociais e regionais,
garante a autonomia privada, livre iniciativa, que é um valor do liberalismo. E isso fica mais
claro ainda no rol de princípios da ordem econômica. É interessante notar que praticamente não
há emenda alterando a Constituição até o artigo 4º, que do 1º ao 4º é o que o Estado Brasileiro é,
são os princípios fundamentais. NÃO HÁ ALTERAÇÃO DISSO POR EMENDA. POR QUÊ? POR-
QUE É UMA CONSTITUIÇÃO ABERTA. SE ENTRAR UM GOVERNO MAIS DE DIREITA, O
TÍTULO 1º DA CONSTITUIÇÃO SUPORTA, POIS TEM ABERTURA PARA UMA INTERPRETA-
ÇÃO. SE ENTRAR UM GOVERNO DE ESQUERDA, A CONSTITUIÇÃO SUPORTA TAMBÉM. Se
fosse uma Constituição ortodoxa, ia ser difícil a passagem do governo Collor, que era um 17
governo bem liberal, para o governo Fernando Henrique e depois para o governo Lula. A Cons-
tituição ortodoxa não suportaria essas mudanças ideológicas.

I. QUANTO À CORRESPONDÊNCIA COM A REALIDADE OU CLASSIFICAÇÃO ONTOLÓGICA

Trata-se de importante classificação, que despenca em concursos públicos, desenvolvida por


Karl Lowenstein.

1. Normativas: são aquelas constituições que conseguem regular a vida política de um Es-
tado, por estarem em consonância com a realidade social. O processo de poder está disciplinado de
forma que as relações políticas e os agentes do poder subordinam-se às determinações do seu con-
teúdo e do seu controle procedimental. O poder é limitado, e essa limitação é implementada na prá-
tica, porque a Constituição tem valor jurídico legítimo. Conforma o processo político. A Constituição
brasileira se diz normativa.

2. Nominativas: são aquelas constituições que não conseguem regular a vida política de um
Estado, pelo descompasso com a realidade. Contêm disposições de limitação e controle de domina-
Direito Constitucional – Constituição

ção política, sem ressonância na sistemática de processo real de poder, e com insuficiente concreti-
zação constitucional. A Constituição não tem valor jurídico, mas social, apenas. Tem intenção de ser
efetiva, mas não é.

3. Semânticas: é a constituição elaborada como mera formalização do Poder Político domi-


nante. É exemplo a constituição nazista. Veja que, constitucionalmente, todas as medidas adotadas
durante o Reich foram legítimas. As Constituições são simples reflexos da realidade política, servindo
como mero instrumento dos donos do poder e das elites políticas, sem limitação do seu conteúdo.
Apenas conferem legitimidade formal aos detentores do poder, em seu próprio benefício, ou melhor,
é criada apenas para justificar a existência de um poder não democrático. Tem a intenção apenas
de manter o poder político no grupo detentor deste poder.

A Constituição de 1988 é rígida, dogmática, programática, normativa (em tese), social,


promulgada, escrita, heterodoxa e analítica.

CLASSIFICAÇÃO ONTOLÓGICA CARACTERÍSTICAS 18


(KARL LOEWESTEIN)

Constituições com efetivo valor jurídico. É normativa


Constituições normativas porque a Constituição é reputada norma jurídica coge-
nte.

Constituições sem valor jurídico. São “fechadas”, por-


Constituições nominais
que não espelham os anseios e valores da sociedade.

Constituições como documento destinado apenas a jus-


Constituições semânticas
tificar juridicamente o exercício do poder autoritário.

3. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO

Não há consenso doutrinário sobre quais são os elementos; entretanto, a generalidade das
leis fundamentais revela, em sua estrutura normativa, cinco categorias de elementos, conforme se-
gue (de acordo com Pedro Lenza):
Direito Constitucional – Constituição

a) Orgânicos: são normas que dão estrutura ao Estado. Cuidam dos órgãos do Estado,
suas funções, atribuições de poderes. Então, como exemplo, nós temos o artigo 44 da Constituição
que trata das atribuições do Poder Legislativo;

b) Limitativos: assim denominados porque limitam a ação dos poderes estatais e dão a
tônica do Estado de Direito, consubstanciando o elenco dos direitos e garantias fundamentais: direi-
tos individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e direitos políticos e democráticos;

c) Socioideológicos: consubstanciados nas normas socioideológicas, normas que revelam o


caráter de compromisso das constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado Social,
intervencionista; que tratam da intervenção do Estado na ordem econômica e social. Ao contrário
das normas limitativas, que limitam o poder do Estado, as normas socioideológicas disciplinam a
intervenção do Estado, o poder do Estado na vida privada, regulando a vida da sociedade e até
mesmo desenvolvendo atividade econômica através de empresas públicas. Esse tipo de norma não
costuma ser encontrada em constituições liberais;
19
d) De estabilização constitucional: destinam-se a dar perenidade às instituições, a dar
segurança ao funcionamento das instituições; consagrados nas normas destinadas a asse-
gurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa da Constituição, do Estado e das institui-
ções democráticas, premunindo os meios e as técnicas contra sua alteração e infringência, a não
ser nos termos nela própria estatuídos (ações concentradas de controle, intervenção, Estado de
Sítio e de Defesa etc.);

e) Formais de aplicabilidade: são normas de aplicação da Constituição, vão tratar de vigência,


eficácia de normas constitucionais. Vão tratar de quando a Constituição entra em vigor, o que ela
revoga. Consubstanciadas nas normas que estatuem regras de aplicação das constituições, assim,
o preâmbulo, o dispositivo que contém as cláusulas de promulgação e as disposições transitórias3.

Essa classificação também é feita por José Afonso da Silva. Aliás, o Pedro Lenza se baseou
nele, já que o José Afonso da Silva adotou ela ainda em 1960.

3
Exemplo: ADCT Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês
seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação
dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. Então, o sistema tributário nacional não entrou em vigor
em outubro de 1988, porque foi objeto de vacatio legis setorial.
Direito Constitucional – Constituição

ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Cuidam da estrutura do Estado e do Poder. São os títulos: “Da


Organização do Estado”; “Da organização dos Poderes e do Sistema
Elementos orgânicos
de Governo”; “Das Forças Armadas e Da Segurança Pública”; “Da
Tributação e do Orçamento”.

Normas que compõem o acervo de direitos e garantias fundamen-


Elementos limitativos tais negativos ou de 1ª dimensão, que limitam o Poder do Es-
tado.

Normas que veiculam o compromisso da Constituição com o Es-


Elementos tado Social, ponderando os valores liberais com a necessidade do
socioideológicos bem comum. Constituem o rol de direitos fundamentais de 2ª ge-
ração.

Conjunto de normas destinadas a assegurar a solução de conflitos


constitucionais, a defesa da Constituição, do Estado e das institui-
20
ções democráticas. São exemplos, as Ações Diretas de Inconsti-
Elementos de tucionalidade; a intervenção federal; os processos de emenda a
estabilização CF; a jurisdição constitucional*; estado de defesa e de sítio.
constitucional
*ATENÇÃO: para fins de prova, embora seja função de um Poder, a
Jurisdição Constitucional não é elemento orgânico, mas sim de es-
tabilização constitucional.

Regras de aplicação da Constituição, tais como preâmbulo;


Elementos formais de
ADCT; art. 5, §1º, que estabelece ser de aplicabilidade imediata as
aplicabilidade
normas de direitos fundamentais.

4. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL

O Brasil é um país sui generis sob vários aspectos. Os outros países da América, quando
declaram sua independência, destituíram do Poder os representantes da metrópole e fundaram a
República, colocando alguém deles lá dentro. No Brasil a independência foi feita e o “cara” que era
representante da metrópole ficou como governante. A coisa já começou com um “jeitinho”.
Direito Constitucional – Constituição

A primeira Constituição brasileira, de 1.824, foi outorgada por Dom Pedro I, como conse-
quência do 7 de setembro de 1822.

Vivia-se um momento curioso na Europa. Napoleão havia sido derrotado e as monarquias


absolutistas estavam começando a reagir depois do Congresso de Viena. Acontece que não dava
para apagar o avanço democrático e liberal resultado da Revolução Francesa: a ideia da igualdade,
limitação do poder etc. Então, havia uma espécie de tentativa de conciliação entre o elemento do
absolutismo e o elemento novo (constitucional liberal). Isso se refletiu muito na Constituição de 1824.

Dom Pedro convocou uma Assembleia Constituinte que estava indo no sentido da Constitui-
ção liberal, com uma Monarquia parlamentarista limitada. Dom Pedro não gostou disso e dissolveu
a Assembleia, outorgando em seguida a Constituição de 1824. Era uma Constituição em que se
mantinha uma certa fachada liberal (garantindo direitos individuais, Poder Legislativo), mas incorpo-
rava elementos fortemente centralizadores que tinham um viés para com o fisco.

Temos a ideia do Poder Moderador, que entra no Brasil com os sinais trocados. Benjamin
Constant imaginou um Poder para controlar e limitar, mas aqui no Brasil veio como Poder maior do
21
que os outros, pois ele, o Rei, poderia dissolver o legislativo, suspender os juízes etc. O Senado era
vitalício e a maior parte deles era escolhido pelo rei.

Então, era modelo de conciliação entre elementos absolutistas e elementos liberais. Mas era
marcada pela falta de sinceridade normativa. A parte de direitos fundamentais começava com igual-
dade, num país com escravidão, com voto censitário e nobreza. O modelo de alguns países da
Europa era no sentido de optar pelo Estado Laico. O Brasil não se enveredou por esse caminho,
consagrando a liberdade religiosa, mas havia uma religião oficial (católica). As eleições eram indire-
tas e só podiam votar aqueles que tivessem determinada renda. Era um Estado unitário com
descentralizações administrativas (desconcentração).

O “parlamentarismo” brasileiro no 2º Reinado foi uma experiência costumeira, porque a Consti-


tuição de 1.824 não era Parlamentarista. Dom Pedro I governou pouco tempo; Dom Pedro II era menor;
houve o tempo da regência; quando Dom Pedro II finalmente assumiu, passou a governar de uma forma
mais liberal. Ele compunha o gabinete dele com a força que havia saído vitoriosa nas eleições.

A proclamação da República ocorreu aos 15 de novembro de 1889. Um historiador chamado


José Murilo de Carvalho da UFRJ tem um livro em que ele diz que o povo brasileiro assistiu bestiali-
zado a proclamação da República. Quer dizer, não havia um movimento republicano no Brasil. Ela
resultou do Decreto nº 1, que introduziu a República e a Federação no Brasil.
Direito Constitucional – Constituição

E aí é convocada uma Assembleia Constituinte, mostrando que essa ideia de Poder Constituinte
Originário ilimitado é uma balela. Nosso primeiro Poder Constituinte republicano nascia limitado,
pois o ato de convocação dizia que ele não poderia discutir a República e a Federação.

Essa Constituição de 1891 foi toda baseada na Constituição norte-americana, ao contrário da


Constituição de 1824, que era uma mistura de elementos absolutistas com uma experiência liberal
do modelo constitucional francês. A partir de 1891, o constitucionalismo brasileiro passou a se orien-
tar pelo constitucionalismo norte-americano.

A Constituição americana tinha criado o presidencialismo, a federação, o federalismo bica-


meral, o judicial review (controle de constitucionalidade), eleições diretas (não havia mais voto cen-
sitário) e a Constituição brasileira de 1891 pegou tudo isso e importou.

Aliás, a questão das eleições diretas e não haver voto censitário é discutível. Os livros que
fizeram pesquisas empíricas sobre as eleições no Brasil mostraram que, depois da proclamação da
República, o voto se tornou mais censitário do que era antes. Isso porque se introduziu o elemento
capacitário: só os alfabetizados podiam votar. E o analfabeto era exatamente o pobre. Menos gente
22
passou a votar depois da Constituição de 1891.

Além disso, durante o período que durou a Constituição de 1891 (até 1930), as eleições eram
sistematicamente fraudadas. Não havia código eleitoral. O Poder Legislativo ficava refém das oligar-
quias locais – o coronelismo. Então, existia uma democracia exclusivamente formal; sem nenhum
conteúdo real.

Na Constituição de 1891, havia um elenco de direitos individuais inspirados no constituciona-


lismo da época: igualdade, liberdade de religião, liberdade de profissão, propriedade, etc. O Estado
brasileiro era laico.

Em 1930, tem a revolução rompendo com a lógica da República Velha. É o movimento tenen-
tista. De 1930 até 1934 vai se instalar o Governo Provisório de Vargas que promete convocar uma
Assembleia Constituinte, mas não o faz. O país só vai se constitucionalizar em 1934.

Nessa década de 30 o cenário no mundo já era muito diferente de 1891, que predominava a
visão do Estado Liberal. Os problemas sociais eram problemas de polícia. O Estado no modelo europeu
era o laissez faire laissez passer, que nunca existiu no Brasil. Mas o cenário na década de 30 era outro:
houve a quebra da bolsa de Nova Iorque, nos EUA o intervencionismo econômico vai se firmando, na
Direito Constitucional – Constituição

Europa os regimes de força vão surgindo (Fascismo e Nazismo). Então, era um momento antiliberal,
de valorização do Estado: importavam mais as instituições do que as pessoas.

E a Constituição de 1934 vai se inspirar um pouco nisso. São convocadas eleições para
eleger uma Assembleia Constituinte e a Constituição é elaborada. Apesar de ela manter-se fiel ao
constitucionalismo norteamericano, virão alguns ingredientes do constitucionalismo social. A
Constituição passa a ter um capítulo tratando da Ordem Econômica, prever direitos traba-
lhistas, agregar a representação corporativa (parte dos deputados não é eleita diretamente pelo
povo, mas sim indiretamente pelas corporações: profissionais liberais, gente da agricultura etc.). O
Senado foi transformado num órgão de colaboração entre os Poderes. Ele só participava do
processo legislativo em alguns casos.

A Constituição de 1934 teve vida curtíssima. O regime de Vargas vai se firmando cada vez
mais e em 1937 é outorgada outra Constituição, elaborada pelo Francisco Campos de Souza Costa.
Foi inspirada na Constituição da Polônia, que vivia um regime totalitário na época. Então, todos aque-
les elementos do Estado forte, de restrição das liberdades, que o Poder Executivo podia quase tudo,
foram implementados nessa Constituição. 23
Há quem sustente que ela, formalmente, nunca entrou em vigor, porque ela foi outorgada,
mas o art. 187 previa que ela deveria ser submetida a um plebiscito: “esta Constituição entrará em
vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presi-
dente da República”. Só que esse plebiscito nunca aconteceu.

Nem vale a pena analisar o que seu texto dizia, porque, durante a sua vigência, o Brasil viveu
sob o regime de Estado de Sítio (estado de emergência, segundo o art. 186). Getúlio Vargas havia
dissolvido o Poder Legislativo, exercendo todos os poderes desse Poder. Então, o que se tinha era
uma ditadura e a Constituição não desempenhava papel algum.

Depois que os aliados venceram a 2ª Guerra Mundial, o regime se desfaz, porque todo o
discurso legitimador daquela situação perde a razão de ser. Vargas é afastado numa espécie de
golpe preventivo. Surge uma Assembleia Constituinte e é elaborada a Constituição de 1946. Essa
Constituição retomava o modelo de 1934, tirando os temperos corporativos. O Brasil vive um período
de certa normalidade institucional até 1964, quando ocorreu o golpe militar.

Antes do golpe, ainda se tentou uma saída constitucional. Um dos defeitos que essa Cons-
tituição de 1946 tinha era que o Presidente e o Vice-Presidente não precisam pertencer à mesma
chapa. O candidato eleito para suceder o Juscelino Kubitschek foi o Jânio Quadros e o candidato
Direito Constitucional – Constituição

a Vice-Presidente foi o João Goulart. Eram chapas diferentes que representavam ideologias distin-
tas. Jânio Quadros – em episódio até hoje inexplicável – renuncia depois de alguns dias de
Governo e o João Goulart está na China para condecorar o Mao Tsé Tung. O pessoal da UDN
(União Democrática Nacional) e os militares já não gostavam dele. O fato de ele estar na China
seria uma ótima oportunidade de não o permitir assumir o poder. Só que existia uma movimentação
legalista no Rio Grande do Sul, que garantiu a ele posse na presidência. Fez-se uma emenda
constitucional na Constituição de 1946 que introduz o parlamentarismo no Brasil, fazendo
com que o Presidente da República não concentre poderes nas mãos. O parlamentarismo
dura um ano no Brasil, sendo restabelecido o presidencialismo, mas em 1964 ocorre o golpe militar.

Depois do golpe militar a gente começou a ter uma situação curiosa no Direito Constitucional
brasileiro, que perdurou até a década de 80. Era o convívio em paralelo de duas institucionalidades
diferentes: uma representada pela Constituição e outra pelos Atos Institucionais.

O AI nº 1 foi elaborado pelo Francisco Campos e dizia que a Constituição de 1946 continuaria
em vigor naquilo em que não conflitasse com o AI. Esse discurso foi utilizado para legitimar todos os
Atos Institucionais. 24
Bom, a Constituição de 1946 foi retalhada por Atos Institucionais e foi seguida pela Cons-
tituição de 1967. Os manuais dizem que essa Constituição de 1967 foi criada por uma Assembleia
Constituinte. Ocorre que o Poder Executivo fez um projeto e encaminhou para uma Assembleia,
que não atuava livremente. Os parlamentares da oposição eram caçados; se falassem algo con-
trário ao regime poderiam ser presos etc. O prof. Oscar Dias Correa, da UERJ, foi constituinte
em 67 e disse que o Congresso só assinou o projeto do executivo. Então, a Constituição foi mais
outorgada do que promulgada.

Essa Constituição ainda mantinha a fachada liberal com a garantia de alguns direitos, como
a proibição da censura. Introduziu no Brasil o bipartidarismo, diferente do que ocorria nos EUA ou na
Inglaterra, por conta do modelo eleitoral. Essa Constituição exigia que, para que um partido existisse,
tivesse 1/3 dos representantes da Câmara e 1/3 do Senado.

O regime se preocupava com uma fachada. Mas, em determinado momento, os segmentos


mais extremados passam a prevalecer em relação aos moderados. O jornalista Márcio Moreira Alves
era deputado e fez um discurso chamado “Operação Lysistrata”. Inspirado na comédia grega de
Aristófanes, o parlamentar propunha que elas boicotassem seus maridos até que eles suspendessem
Direito Constitucional – Constituição

a repressão. Os militares acharam que isso era questão de segurança nacional e pediram autoriza-
ção para processar o Márcio Moreira Alves. A autorização foi negada. Os militares se reuniram e
decretaram o AI-5. O congresso é fechado. Essa junta militar faz uma Emenda Constitucional
(Emenda nº 01/69), que era uma verdadeira Constituição.

No final da década de 70, o presidente Geisel começa a fazer uma abertura lenta e gradual,
combatendo um pouco a tortura. No início do governo de Figueiredo veio a lei de anistia. Em
1979, houve uma nova lei de organização dos partidos políticos, sendo o início do surgimento de
vários partidos políticos como o PT, PDT, etc. Em 1982, já ocorrem eleições para governadores.
Nessa mesma época, os Atos Institucionais são revogados e a sociedade começa a ser regida pela
Constituição de 1967 com a Emenda de 1969.

A Emenda Constitucional nº 1 de 1969 é considerada Constituição, porque não teve a


pretensão normal de uma emenda de somente alterar a Constituição, pois reescreveu a Consti-
tuição toda.

Com essa pequena abertura, a população já começa a aspirar uma nova ordem constitucio-
25
nal. Começa a haver fortes mobilizações populares pelo voto direto. O Governo tenta criar uma
Emenda Constitucional para proibir as manifestações populares, mas não atinge os 2/3 necessários.
É feito um acordo com a Rede Globo para não haver muita divulgação. E esse foi o estopim da
Assembleia Constituinte.

A ARENA aponta o Paulo Maluf como candidato para a sucessão. Isso vai gerar um rompi-
mento na ARENA. Desse rompimento, e com a liderança de Sarney, surge outro partido, que é o
PFL. O PFL vai se juntar à aliança liberal, liderada por Tancredo Neves, que é eleito, mas vem a
morrer. Uma das promessas do Tancredo era convocar uma Assembleia Constituinte e o Sarney
cumpre isso através da Emenda Constitucional nº 26. Na época, havia uma corrente muito expressiva
na sociedade brasileira, capitaneada pela OAB, que queria uma eleição dos membros da Assembleia
Constituinte. Só que prevaleceu a tese de atribuição de Poderes Constituintes para o Congresso que
estava funcionando (isso era mais conveniente para o regime).

O processo de elaboração foi complexo. O pluralismo era patente: você tinha ali da extrema
direita à extrema esquerda. E aí seria normal que a Constituição refletisse esse caráter pluralista,
compromissório, ora refletindo uma ideologia, ora refletindo outra.

Se isso, de um lado, é uma virtude da Constituição, de outro também responsável por um dos
maiores defeitos da Constituição. Todo mundo queria colocar sua impressão digital nela, então as
Direito Constitucional – Constituição

corporações queriam consagrar em sede constitucional os direitos que elas almejavam. Ninguém
queria deixar isso para o legislador ou para a jurisprudência. Então, acaba sendo criada uma Cons-
tituição que é muito corporativa. Então, há normas que dizem que “delegado tem direito a não sei o
quê”, “procurador da república que tomou posse antes de 1988 pode advogar” etc. Isso não tem nada
a ver com matéria constitucional.

A culpa da quantidade de Emendas é da própria Constituição, porque há questões ali


de política ordinária, que não têm o menor caráter constitucional. O núcleo que trata da estru-
tura básica do Estado e dos direitos fundamentais quase não foi alterado. Não existe Constitui-
ção no mundo que entre em detalhes sobre previdência, administração, etc. Isso é quase provocar
a necessidade permanente de emendas.

Apesar disso, é uma Constituição que tem qualidades incríveis. Em primeiro lugar, é
uma Constituição verdadeiramente democrática. Além da sua força normativa, ela tem um
caráter simbólico: o retorno do Estado de Direito no país. Garante o voto direto, secreto uni-
versal e periódico e torna isso cláusula pétrea. Introduz também instrumentos de democracia
participativa (Plebiscito, Referendo e Iniciativa de Lei). Introduz mecanismos populares de 26
controle do Estado: fortalece a ação popular, o direito de petição, etc. Tem, ainda, os direitos
fundamentais: direito ao meio ambiente, por exemplo, e instrumentos processuais para
garantir aplicabilidade a esses direitos. A atual Constituição coloca a pessoa no centro do
sistema jurídico.

Então, a Constituição da República de 1988 tem muitos defeitos, como a representação de


interesses corporativos, mas, por outro lado, tem essa qualidade básica, que é o compromisso for-
tíssimo com os direitos humanos e com a democracia. É sua principal virtude e tem a ver com seu
processo de elaboração.

Como vem sendo a vivência dessa Constituição de 1988 de lá para cá? A doutrina brasileira
se divide em duas linhas. Uma linha, capitaneada pelo Fábio Konder Comparato e Celso Antônio
Bandeira de Mello que diz que está horrível. Comparato, inclusive, escreveu um artigo dizendo que
a Constituição já morreu e que ela foi desfigurada pela quantidade de emendas. Outra linha, que
vem defendida por autores como o Barroso, é no sentido de que a Constituição de 1988, como fim
institucional, é um sucesso. Embora alguns autores digam “mas a Constituição fala que o salário
mínimo tem que dar para alimentação, saúde, vestuário, moradia etc., essa é uma visão bacharelista.
Apenas a norma não resolve todos os problemas. Não se pode colocar expectativa demais na
Constituição. O Direito vai até um ponto. Se bastasse uma norma para resolver o problema,
Direito Constitucional – Constituição

uma comissão de constitucionalistas para resolver os problemas da África, por exemplo. Não
há como resolver séculos de injustiça e assimetria nas relações com a Constituição. O pro-
blema é que a Constituição de 1988 promete mais do que pode fazer o Estado. É claro que não
chegamos a um constitucionalismo ideal, mas se pensarmos na trajetória constitucional do Brasil de
1988 para cá, o momento é bom.

EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL

➢ Consagrou ideias do constitucionalismo liberal, identificadas


com um importante rol de direitos civis e políticos. Todavia, esta lista de
direitos era deficitária, haja vista a manutenção da escravidão e do voto
censitário;

➢ Forma Unitária de Estado;

➢ Constituição semirrígida (único exemplo na história das


Constituições brasileiras), isto é, o processo de alteração era mais
dificultoso apenas para parte do texto constitucional. 27
Constituição de ➢ Eleições indiretas para o Legislativo;
1824
➢ Sufrágio censitário, ou seja, para votar e ser votado, era neces-
sário ser atingida determinadas condições econômicas.

➢ Religião oficial católica;

➢ Poder Moderador;

ATENÇÃO: A CF Imperial, embora tenha tutelado a garantia da livre


locomoção, não trouxe em seu texto o instituto do habeas corpus,
que surgiu somente em 1830, e no plano infraconstitucional, com o Có-
digo Criminal. A primeira Constituição a tratar sobre o HC foi a de 1891.

Influenciada pela Constituição dos EUA, de 1787, a CF/1891 foi mar-


cada pelo (a):
Constituição de
1891 ➢ Sistema de governo presidencialista;

➢ Forma de Estado Federal;


Direito Constitucional – Constituição

➢ Forma de governo republicana;

➢ Constituição rígida;

➢ Aprimoramento da declaração de direitos, consagrando-se, no


plano constitucional, a garantia do habeas corpus;

➢ Consagração pela primeira vez do Estado laico: não há mais


religião oficial;

➢ Tripartição de Poderes clássica e extinção do Poder Moderador;

➢ Poder Legislativo bicameral, tanto na esfera federal quanto na


estadual;

➢ Voto direto. Todavia, é bom que se atente que a primeira eleição


para Presidente da República foi indireta, nos termos das disposições
transitórias da CF/1891;
28
Influenciada pela Constituição de Weimar, de 1919, a CF/1934 foi
marcada pelo(a):

➢ Democracia Social ou Estado Social de Direito, com a consa-


gração de direitos fundamentais de 2ª dimensão;

➢ Constituição rígida;

➢ Garantia do voto feminino com igual peso ao masculino e do voto

Constituição de secreto;

1934 ➢ Surgimento do Mandado de Segurança e da Ação Popular;

➢ Poder legislativo permanece bicameral, mas as casas passam a


desempenhar funções distintas (bicameralismo desigual), em contra-
partida ao paradigma anterior, marcado pela identidade das funções bá-
sicas das duas casas (bicameralismo rígido ou paritário). O Senado Fe-
deral passa a colaborar com a Câmara dos Deputados, motivo por que
José Afonso da Silva afirma tratar-se de unicameralismo imperfeito,
já que o SF era mero colaborador.
Direito Constitucional – Constituição

Influenciada pela Constituição Polonesa de 1935, a outorgada


CF/1937 recebeu o apelido de Constituição Polaca e foi marcada
pelo(a):

➢ Retrocesso de direitos e garantias fundamentais: foi instituída a


censura; extinguidos o MS e a ação popular; proibidos a greve e o lock-
out; elastecidas as hipóteses de pena de morte, para alcançar crimes
políticos e homicídio cruel;

➢ Avanços na economia e conquistas de direitos trabalhistas.


Porém, CUIDADO: a greve era vedada.

Constituição de ➢ Forma federal de Estado apenas nominal, ou seja, sem corres-


1937 pondência com a realidade, já que os Estados-membros tiveram sua
autonomia reduzida, havendo, por exemplo, a constante assunção de
governos estaduais por interventores federais;

➢ O Senado Federal deixou de existir durante o chamado Es- 29


tado Novo; foi substituído pela figura do Conselho Federal, que atuava
ao lado da Câmara dos Deputados;

➢ Sufrágio indireto nas eleições para Câmara dos Deputados e


Presidência da República;

➢ Posterior dissolvição do Parlamento federal, estadual e munici-


pal;

➢ Inspirando-se nas ideias liberais da CF/1891 e nas ideias sociais


da CF/1934, a CF/1946 buscou harmonizar a livre-iniciativa com a jus-
tiça social;

Constituição de ➢ Retorno do voto direito, do MS e da Ação Popular;

1946 ➢ Reconhecimento do direito de greve;

ATENÇÃO: durante a vigência da CF/1946, em 1961 foi instaurado o


sistema de governo parlamentarista, cuja principal novidade foi a duali-
dade das funções do Executivo, as quais passaram a ser exercidas pelo
Direito Constitucional – Constituição

PR e por um Conselho de Ministros, a quem incumbiu a responsabili-


dade pelo Governo.

➢ Outorgada. Obs.: há quem entenda, todavia, que, do ponto de


vista formal, a CF/64 tenha sido promulgada, já que foi votada e apro-
vada pelo Congresso Nacional, mas essa tese não prevalece para fins
de concurso.

➢ Forma de governo republicana;

➢ Forma de Estado federal, conforme o texto constitucional. Entre-


tanto, tal dispositivo é apenas nominal, já que, a bem da verdade, o
Constituição de modelo de Estado brasileiro mais se aproximava de um Estado unitário,
1967 com forte concentração de poder da esfera federal.

➢ Voto indireto para Presidência da República e direto para o Par-


30
lamento;

➢ AI-5 trouxe, dentre outras restrições, a impossibilidade de apre-


ciação judicial dos atos praticados de acordo com o seu texto, bem
como a suspensão da garantia do HC para crimes políticos, contra
a economia popular ou contra a ordem econômica e social.

➢ Destaca-se que, embora editada sob a forma de Emenda Cons-

Constituição de titucional, a doutrina considera que tal emenda é, a bem da verdade,

1969 – EC 1/69 manifestação do Poder Constituinte Originário, dado o seu caráter


revolucionário.

Constituição de ➢ Constituição Cidadã ora vigente.


1988

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