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CONSTITUCIONALISMO e NEOCONSTITUCIONALISMO

Considerações Gerais e Peculiaridades


Atualizado em 12.02.2019

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 2
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSTITUCIONALISMO ............................................................ 3
2.1 Constitucionalismo Durante a Antiguidade ............................................................................. 3
2.2 Constitucionalismo durante a Idade Média ............................................................................ 4
2.3 Constitucionalismo durante a Idade Moderna ........................................................................ 4
2.4 Constitucionalismo Norte-Americano ..................................................................................... 5
3. NEOCONSTITUCIONALISMO .................................................................................................... 6
3.1 Introdução.............................................................................................................................. 6
3.2 Marcos Fundamentais do Neoconstitucionalismo ................................................................ 10
3.3 Ativismo Judicial .................................................................................................................. 12
3.4 Reserva do Possível ............................................................................................................ 14
3.5 Teoria dos Custos dos Direitos ............................................................................................ 15
3.6 Tese das ‘Escolhas Trágicas’ .............................................................................................. 16
3.7 Críticas ao Neoconstitucionalismo no Ordenamento Jurídico Brasileiro ............................... 18
Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

1. INTRODUÇÃO
No tocante ao Constitucionalismo, a Doutrina adota vários conceitos. Segundo André
Ramos Tavares apud Pedro Lenza1, o constitucionalismo pode ter 4 conceitos:

CONCEITOS DO CONSTITUCIONALISMO

a) Movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o
poder arbitrário;

b) É a imposição de que haja cartas constitucionais escritas;

c) São os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades;

d) É a evolução histórico-constitucional de um determinado Estado.

Dessa forma, partindo da ideia de que todo Estado deva possuir uma Constituição, é possível
identificar duas características essenciais que correlacionam a existência de uma Constituição e o
Poder vigente: garantia da limitação ao poder autoritário e da prevalência dos direitos
2
fundamentais, afastando-se da visão opressora do antigo regime.

(CESPE/TJ-BA – Juiz de Direito/2019) “O Estado constitucional, para ser um Estado


com as qualidades identificadas com o constitucionalismo moderno, deve ser um Estado de
direito democrático. Eis aqui as duas grandes qualidades do Estado constitucional: Estado
de direito e Estado democrático. Estas duas qualidades surgem muitas vezes separadas.
Fala-se em Estado de direito, omitindo-se a dimensão democrática, e alude-se a Estado de-
mocrático, silenciando-se a dimensão do Estado de direito. Essa dissociação corresponde,
por vezes, à realidade das coisas: existem formas de domínio político em que esse domínio
não está domesticado do ponto de vista de Estado de direito, e existem Estados de direito
sem qualquer legitimação democrática. O Estado constitucional democrático de direito pro-
cura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de direito”. (J. J. Gomes
Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2003,
p. 93 - com adaptações).

Tendo o texto precedente como referência inicial, assinale a opção correta, a respeito do
Estado democrático de direito.

1
Lenza, Pedro, Dlreito constitucional esquematizado/ Pedro Lenza. – 21. ed. - São Paulo ; Saraiva, 2017.
(Coleção esquematizado), p. 64
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a) A domesticação do domínio político pelo Estado de direito referida no texto não implica a sujeição
dos atos do Poder Executivo ao Poder Legislativo.

b) A existência do controle judicial de constitucionalidade das leis é garantia inerente ao Estado de


direito.

c) Por legitimação democrática entendem-se a eleição dos representantes do povo e a obrigatorie-


dade de participação deste na deliberação pública das questões políticas.

d) No Brasil, as exceções ao princípio da legalidade no Estado de direito admitidas incluem o estado


de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal.

e) No Estado constitucional, os direitos políticos implicam limites à maioria parlamentar.

GABARITO: Letra E

É válido destacar que a referida visão advém do Constitucionalismo clássico (sendo


posteriormente complementada pelo Neoconstitucionalismo, que será analisado
pormenorizadamente adiante). Nesse ponto, é pertinente analisarmos a evolução histórica do
Constitucionalismo, buscando entender como os textos constitucionais adquiriram as características
3
mencionadas.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSTITUCIONALISMO

2.1 CONSTITUCIONALISMO DURANTE A ANTIGUIDADE

A doutrina de Karl Loewenstein2, aponta que entre os hebreus houve um tímido surgimento
de algo semelhante ao Constitucionalismo, estabelecido com base em um Estado teocrático, no
qual as limitações ao poder político advinham da legitimidade dos profetas para fiscalizar os atos
governamentais que extrapolassem os limites bíblicos.

Posteriormente, o mesmo autor cita como um segundo exemplo de Constitucionalismo


rudimentar a experiência das Cidades-Estados gregas, que adotaram uma “democracia
constitucional”, pois o modelo de democracia direta, particular a elas, consagrava o único exemplo
conhecido de sistema político com plena identidade e entre governantes e governados, no qual o
poder político está igualmente distribuído entre todos os cidadãos ativos.

2
Karl Loewenstein, Teoria de la Constitución, fl. 154/155.
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2.2 CONSTITUCIONALISMO DURANTE A IDADE MÉDIA

Durante a Idade Média, a Magna Carta de 1215 representa o principal marco no


Constitucionalismo Medieval, estabelecendo formalmente a proteção de importantes direitos
individuais.

2.3 CONSTITUCIONALISMO DURANTE A IDADE MODERNA

O constitucionalismo moderno pode ser entendido como um movimento que traz consigo
objetivos que, sem dúvida, irão fundar (constituir) uma nova ordem, sem precedentes na história da
constituição das sociedades, formando aquilo que Rogério Soares chamou de "conceito ocidental
de Constituição".

Aqui surgem efetivamente os dois principais objetivos do Constitucionalismo, a saber:

1) A limitação do poder com a necessária organização e estruturação do


Estado (Estados nacionais que já eram, mas a partir daí se afirmam como, não
mais absolutos). Em consequência disso, se desenvolveram teorias
consubstanciadas na praxis, como a "teoria da separação dos poderes", além de 4
uma redefinição do funcionamento organizacional do Estado;

2) A consecução (com o devido reconhecimento) de direitos e garantias


fundamentais (num primeiro momento, com a afirmação em termos pelo menos
formais da: igualdade, liberdade e propriedade de todos).

Dessa forma, o constitucionalismo moderno, com esses traços marcantes, se apresenta,


conforme já salientado, de forma diferenciada na tradição inglesa (e também na tradição francesa
e americana, embora ambas trabalhem de forma semelhante com o que chamaremos, logo a seguir,
de constituições formais).

Nesse sentido, o constitucionalismo moderno (com seu intitulado conceito ocidental de


constituição) é também defensor de uma "dimensão histórico-constitucional" de viés inglês (English
Constitution) que se desenvolveu por meio de momentos constitucionais que incluem a Petition
of Rights, de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689, que acabaram por
sedimentar "dimensões estruturantes" de um Constitucionalismo ocidental.
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2.4 CONSTITUCIONALISMO NORTE-AMERICANO

Nas palavras de Marcelo Alexandrino3, “a Constituição dos Estados Unidos, de 1787, e a


Constituição da França, de 1791 são exemplos de Constituições escritas e rígidas, inspiradas nos
ideais de racionalidade do Iluminismo do século XVIII e, sobretudo, na valorização da liberdade
formal (laissez faire) e do individualismo, marcas nucleares do Liberalismo, corrente de pensamento
hegemônica nos campos político, jurídico e econômico dos séculos XVIII, XIX, e primeiro quartel do
século XX”.

A prova para Procurador do Trabalho, elaborada pelo MPT, considerou correta a se-
guinte assertiva: “considerada a evolução histórico-legislativa do constitucionalismo, pode-
se afirmar que o Estado Liberal Originário, inerente às revoluções liberalistas do século XVIII
e desenrolar do século XIX, nos Estados Unidos da América e Europa Ocidental, caracteri-
zava-se, em linhas gerais, entre outros aspectos, pelos seguintes pontos: afirmação da liber-
dade individual em sentido formal; afirmação das liberdades de pensamento e de expressão;
presença de mandatos representativos temporários no Parlamento; presença de sistema
5
eleitoral censitário; restrição do poder político aos limites da lei”.

O conteúdo dessas primeiras Constituições escritas e rígidas, de orientação liberal, resumia-


se ao estabelecimento de regras acerca da organização do Estado, do exercício e transmissão do
poder e à limitação do poder do Estado, assegurada pela enumeração de direitos e garantias fun-
damentais do indivíduo.

A prova para Procurador do Trabalho, elaborada pelo MPT, considerou correta a se-
guinte assertiva: “considerada a evolução histórico-legislativa do constitucionalismo, pode-
se afirmar que o Estado Liberal Originário, seja na Europa Ocidental, seja nas Américas, não
estabeleceu regras firmes e claras com relação à liberdade em sentido real e com relação à
igualdade em sentido material. Tais regras somente começaram a ingressar, ainda que em
parte, no constitucionalismo a partir das primeiras décadas do século XX, com a Constituição
do México, de 1917, e a Constituição de Weimar, de 1919, além do papel de impacto, nessa
área, cumprido pela Organização Internacional do Trabalho, a partir de 1919”.

Nesse sentido, a concepção liberal (de valorização do indivíduo e afastamento do Estado)


gerará concentração de renda e exclusão social, fazendo com que o Estado passe a ser chamado

3
Paulo, Vicente, 1968-Direito Constitucional descomplicado, Vicente Paulo, Marcelo Alexandrino. - 15. ed.
rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forer.se; São Paulo: MÉTODO: 2016, fl. 2.
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para evitar abusos e limitar o poder econômico. Surge daí o doutrina chamou de direitos de segunda
geração (ou dimensão) de direitos e que teve como documentos marcantes a Constituição do
México de 1917 e a de Weimar de 1919, influenciando, profundamente, a Constituição brasileira
de 1934 (Estado Social de Direito).

A prova para Procurador do Trabalho, elaborada pelo MPT, considerou correta a se-
guinte assertiva: “no Brasil, o constitucionalismo social inicia-se com a Constituição de 1934
que, à diferença das Constituições de 1824 e de 1891, ressalvou que o direito de propriedade
não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma determinada por lei,
além de ter incorporado, em seu texto, regras de Direito do Trabalho e de Direito Previdenci-
ário”.

3. NEOCONSTITUCIONALISMO

3.1 INTRODUÇÃO

No tocante ao Neoconstitucionalismo, também chamado de constitucionalismo pós-moderno 6


ou pós-positivismo, é um constitucionalismo em que além da ideia de limitação do poder político,
busca-se a eficácia da Constituição, especialmente diante dos direitos fundamentais.

Pode-se citar como características ínsitas ao Neoconstitucionalismo:

CARACTERÍSTICAS DO NEOCONSTITUCIONALISMO

a) positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais;

b) onipresença dos princípios e das regras;

c) inovações hermenêuticas;

d) densificação da força normativa do Estado;

e) desenvolvimento da justiça distributiva.

No Brasil, os estudiosos que se destacam a respeito da temática são, dentre outros, Luís
Roberto Barroso, Ana Paula de Barcellos, Daniel Sarmento e Humberto Ávila. As teorias e teses
que circundam o problema específico da concretização de políticas públicas via judicial são o “ati-
vismo judicial”, “mínimo existencial”, a “reserva do possível”, a “teoria dos custos dos direitos” e as
“escolhas trágicas”, que abordaremos em tópicos específicos.
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(CESPE/PGE-PE/2009) Chega de ação. Queremos promessas. Assim protestava o gra-


fite, ainda em tinta fresca, inscrito no muro de uma cidade, no coração do mundo ocidental.
A espirituosa inversão da lógica natural dá conta de uma das marcas dessa geração: a velo-
cidade da transformação, a profusão de ideias, a multiplicação das novidades. Vivemos a
perplexidade e a angústia da aceleração da vida. Os tempos não andam propícios para dou-
trinas, mas para mensagens de consumo rápido. Para jingles, e não para sinfonias. O direito
vive uma grave crise existencial. Não consegue entregar os dois produtos que fizeram sua
reputação ao longo dos séculos. De fato, a injustiça passeia pelas ruas com passos firmes e
a insegurança é a característica da nossa era.

Na aflição dessa hora, imerso nos acontecimentos, não pode o intérprete beneficiar-se do
distanciamento crítico em relação ao fenômeno que lhe cabe analisar. Ao contrário, precisa
operar em meio à fumaça e à espuma. Talvez esta seja uma boa explicação para o recurso
recorrente aos prefixos pós e neo: pós-modernidade, pós-positivismo, neoliberalismo, neo-
constitucionalismo. Sabe-se que veio depois e que tem a pretensão de ser novo. Mas ainda
não se sabe bem o que é. Tudo é ainda incerto. Pode ser avanço. Pode ser uma volta ao 7
passado. Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus. (L. R.
Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. O triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil. In: Internet: - com adaptações).

Tendo o texto acima como motivação, assinale a opção correta a respeito do constituciona-
lismo e do neoconstitucionalismo.

a) O neoconstitucionalismo tem como marco filosófico o póspositivismo, com a centralidade dos


direitos fundamentais, no entanto, não permite uma aproximação entre direito e ética.

b) A democracia, como vontade da maioria, é essencial na moderna teoria constitucional, de forma


que as decisões judiciais devem ter o respaldo da maioria da população, sem o qual não possuem
legitimidade.

c) No neoconstitucionalismo, a Constituição é vista como um documento essencialmente político, um


convite à atuação dos poderes públicos, ressaltando que a concretização de suas propostas fica con-
dicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador.

d) O constitucionalismo pode ser definido como uma teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do
governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade. Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representa uma
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técnica de limitação do poder com fins garantísticos.

e) O neoconstitucionalismo não autoriza a participação ativa do magistrado na condução das políti-


cas públicas, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes.

GABARITO: Letra D

No plano jurisprudencial, destacam-se os julgados relatados pelo Ministro Celso de Mello, a


exemplo da ADPF 45 e do ARE 745.745 AgR/MG, cuja ementa pedimos vênia para reproduzir:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – MANUTENÇÃO DE REDE


DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DEVER ESTATAL RESUL-
TANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE
OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO
PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) – COMPORTAMENTO QUE TRANS-
GRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) – A QUESTÃO
DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE
A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALI-
FICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLE-
MENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS 8
PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TE-
ORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR
O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONAL-
MENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU
DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM
DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º,
196 E 197) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES IN-
CONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO
AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURIS-
PRUDENCIAL DO DIREITO – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO
PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECES-
SIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE
RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO IN-
SUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRI-
BUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220) – EXIS-
TÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO. (ARE 745745 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em
02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014)

Assim, antes de adentrarmos nas teses que circundam o Neoconstitucionalismo e o ativismo


judicial, é pertinente destacar o que distingue o constitucionalismo pós-moderno do constituciona-
lismo moderno:
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CONSTITUCIONALISMO MODERNO CONSTITUCIONALISMO PÓS-MODERNO

- Hierarquia entre as normas. - Hierarquia entre as normas ultrapassa o simples


aspecto formal, sendo também axiológica (valora-
tiva).

- Limitação do poder. - Concretização dos Direitos Fundamentais.

Dessa forma, a Constituição deixa de ser o simples topo da pirâmide hierárquica normativa,
passando a figurar no centro do sistema, dotada de intensa carga valorativa. A lei e, de modo
geral, os Poderes Públicos, devem não só observar a forma prescrita na Constituição, mas, acima
de tudo, estar em consonância com o seu espírito, o seu caráter axiológico e os seus valores
destacados.

A Constituição, assim, adquire de vez, caráter de norma jurídica, dotada de imperatividade,


superioridade (dentro do sistema) e centralidade, vale dizer, tudo deve ser interpretado a partir
da Constituição. Reproduzindo quadro extremamente didático que consta na obra do Professor Pe-
dro Lenza4, temos: 9

4
Ob. Cit. p. 71.
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3.2 MARCOS FUNDAMENTAIS DO NEOCONSTITUCIONALISMO

Os marcos fundamentais do Neoconstitucionalismo são extraíveis de artigo do professor Luís


Roberto Barroso que introduziu a questão, sendo esse texto considerado um dos principais sobre o
tema. Em suma, é possível enumerar três grandes marcos do Neoconstitucionalismo: o marco his-
tórico, o marco filosófico e o marco teórico.

(FMP/DPE-PA/2015) É correto afirmar que o neoconstitucionalismo, que pode ser en-


tendido tanto como uma teoria do Direito, quanto como uma teoria do Estado, na primeira
das acepções apresenta como uma de suas características essenciais:

a) a sobreinterpretação constitucional, forma de integração constitucional, assim entendida como


uma interpretação extensiva da constituição, de forma que de seu texto se possam extrair normas
implícitas de molde a se afirmar que ela regula todo e qualquer aspecto da vida social e política,
disso resultando a inexistência de espaços vazios de normatização constitucional relativamente aos
quais a atividade legislativa estaria previamente regulada ao nível constitucional.
10
b) a sobreinterpretação constitucional, que permite pelo raciocínio da subsunção, a aplicação direta
de toda e qualquer norma constitucional aos casos concretos, fazendo desnecessária qualquer
forma de interposição entre aquelas e os fatos da vida.

c) a sobreinterpretação constitucional, forma de integração constitucional, assim entendida como


uma interpretação extensiva da constituição, de forma que de seu texto se possam extrair normas
implícitas de molde a se afirmar que ela regula todo e qualquer aspecto da vida social e política,
disso resultando a existência de espaços vazios de normatização constitucional relativamente aos
quais a atividade legislativa não estaria previamente regulada ao nível constitucional.

d) a sobreinterpretação constitucional, a qual pressupõe uma interpretação literal do texto cons-


titucional.

e) a sobreinterpretação constitucional, identificada com a atuação do legislador infraconstitucional


no preenchimento dos espaços normativos do sistema jurídico com discricionariedade política fun-
dada no princípio democrático.

GABARITO: Letra ‘a’


Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

Ao tratar do marco histórico, o celebrado autor e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal
aponta que “o marco histórico do novo direito constitucional, na Europa continental, foi o constitu-
cionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a Constituição
de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar”.

Percebe-se, a partir dessa informação, que os movimentos neoconstitucionais pretenderam


instaurar novos modelos de Estado, a fim de que fossem superados momentos históricos de tensão
institucional (2ª Guerra Mundial e ditadura militar).

No tocante ao marco filosófico, o Ministro Barroso aponta que “o marco filosófico do novo
direito constitucional é o pós-positivismo”. A filosofia pós-positivista, como o nome sugere, bus-
cou superar as premissas teóricas do positivismo clássico, que equiparava o Direito à lei e sob cuja
égide Alemanha e Itália justificaram o nazismo e o fascismo. “Ao fim da 2ª Guerra, a ética e os
valores começam a retornar ao Direito”.

Por fim, o marco teórico tem por base três grandes transformações que subverteram o co-
nhecimento convencional relativamente à aplicação do direito constitucional: i) o reconhecimento
de força normativa à Constituição; ii) a expansão da jurisdição constitucional; iii) o desen-
11
volvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional”.

Portanto, em resumo, os marcos que caracterizam o neoconstitucionalismo podem ser assim


esquematizados:

NEOCONSTITUCIONALISMO

MARCO HISTÓRICO MARCO FILOSÓFICO MARCO TEÓRICO

1. No mundo: 1. O pós-positivismo: 1. Força normativa da CF:

O constitucionalismo do pós- Reaproximação do Direito à ética Normas constitucionais como nor-


guerra, especialmente na Alema- e aos valores de Justiça. mas jurídicas e não como simples
nha e Itália; convite à atuação dos poderes
majoritários;

2. No Brasil:
2. Jurisdição constitucional:
A CF/88 e a redemocratização do
país. Habilitação do Poder Judiciário
como coparticipante da criação do
Direito Constitucional;
Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

NEOCONSTITUCIONALISMO

MARCO HISTÓRICO MARCO FILOSÓFICO MARCO TEÓRICO

3. Nova hermenêutica constitu-


cional:

Interpretação com novas catego-


rias, como as cláusulas gerais, os
princípios, as colisões de normas
constitucionais, a ponderação e a
argumentação.

Nesse contexto, em que o Poder Judiciário passa a ser coparticipante do processo constitu-
cional, com destaque para o chamado “ativismo judicial”, que merece uma análise específica.

3.3 ATIVISMO JUDICIAL

Com efeito, em razão da supremacia da Constituição e de sua força normativa, de fato, é


possível a intervenção judicial na implementação de políticas públicas ligadas a direitos fundamen- 12
tais, notadamente os de cunho prestacional. Todavia, é importante ao candidato às provas de Pro-
curadoria saber que a legitimidade de tal ativismo judicial se restringe às hipóteses em que
ele é exercido de forma excepcional e condicionada.

A excepcionalidade do ativismo judicial está ligada ao fato de que compete primariamente aos
poderes majoritários as decisões sobre a realização de políticas públicas, homenageando-se, desta
feita, o princípio da Separação dos Poderes. Assim, caso o Poder Executivo ou Legislativo eleja
determinada política pública, comprovadamente idônea à satisfação de direitos, não poderá o Poder
Judiciário atuar em sentido diverso, sob pena de afronta ao princípio citado.

Endossa o quanto exposto o voto do Ministro Celso de Mello, no já citado ARE 745.745
AgR/MG:

“É certo – tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF
nº 345/2004) – que NÃO se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder
Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar
políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e
Executivo”.

Como dito, o ativismo judicial, para ser legítimo, além de excepcional, deve respeitar uma
condicionante insuperável: o dever de argumentação. Deveras, ao passo em que o voto chancela
a atuação dos poderes majoritários, é a racionalidade exarada nas decisões judiciais que lhes con-
fere legitimidade. Decisão não (ou mal) fundamentada é, então, decisão ilegítima.
Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

Segundo Luís Roberto Barroso, para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua inter-
pretação, o intérprete deverá, em meio a outras considerações:

a) Reconduzi-la sempre ao sistema jurídico, a uma norma constitucional ou legal


que lhe sirva de fundamento – a legitimidade de uma decisão judicial decorre de
sua vinculação a uma deliberação majoritária, seja do constituinte ou do legislador;

b) Utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser generalizado aos casos


equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não de-
vem ser casuísticas;

c) Levar em conta as consequências práticas que sua decisão produzirá no


mundo dos fatos.

Assim, pode-se sistematizar a legitimidade do ativismo judicial da seguinte maneira:

ATIVISMO JUDICIAL

Excepcional Condicionado
13
Incidência do postulado da Separação dos Pode- Dever de argumentação:
res: cabe, primariamente, aos Poderes Executivo e
1. A decisão judicial deve sempre remeter a uma
Legislativo a definição de políticas públicas.
norma constitucional ou legal, pois esta, sim, foi
constituída sob deliberação majoritária;

2. A decisão judicial deve ter pretensão de universa-


lidade, sendo vedado o casuísmo judicial;

3. A decisão judicial deve considerar as suas conse-


quências no mundo real, pois o Direito serve para
resolver problemas e não para criá-los em maior di-
mensão.

Dica 1: A partir dos requisitos para legitimidade do ativismo judicial, é possível que o advogado público
erija tese em sentido contrário, defendendo que a atuação judicial, na espécie, é ilegítima, por: 1) violar o
postulado da Separação dos Poderes; 2) não se sustentar em norma constitucional ou legal; 3) ser casu-
ística; ou 4) descambar em problema ainda maior do que o veiculado na lide.
Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

Dica 2: O grande nome da argumentação jurídica é Chaim Perelman, que escreveu a obra “Tratado da
argumentação: A nova retórica”. Portanto, ao abordar o tema da legitimidade das decisões judiciais, a partir
do dever de argumentação, recomenda-se ao candidato fazer menção ao autor referenciado.

Cumpridas a excepcionalidade e condicionantes para legitimidade do ativismo judicial, impõe-


se ao intérprete, ainda, tomar em consideração as limitações orçamentário-financeiras a que se
sujeita o Estado para efetivar as ditas políticas públicas.

Desta feita, as teses fazendárias, em geral, compõem-se de argumentos tangentes à insufi-


ciência de recursos para concretização dos direitos sociais postulados em juízo. Em outras
palavras, não se nega a força normativa da Constituição, tampouco a sujeição do Estado em prestá-
los, mas sim que, no caso concreto, o Estado não possui, comprovadamente, os recursos financei-
ros necessários à materialização da faculdade exigida em juízo.

3.4 RESERVA DO POSSÍVEL

Na esteira de Ana Paula de Barcellos, “a limitação de recursos existe e é uma contingência


que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser 14
exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado”.
Construiu-se, a partir dessa ideia, a tese da reserva do possível, inicialmente abordada na década
de 70, por ocasião do julgamento do caso “numerus clausus” pela Corte Constitucional Alemã, que
discutiu a limitação do número de vagas nas universidades públicas daquele país.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem erguido como óbice à aplicabilidade da cláu-
sula da reserva do possível o respeito ao mínimo existencial, entendido como o conjunto de
elementos fundamentais à dignidade da pessoa humana. É dizer que a tese fazendária não tem
sido acolhida, quando não demonstrada a satisfação do referido mínimo existencial.

Por essa razão, ao invocar a tese da reserva do possível em uma eventual defesa da Fazenda,
o candidato deve mencionar que o mínimo existencial foi satisfeito, por meio de outras polí-
ticas públicas, menos gravosas ao Estado, mas igualmente eficazes (ex.: caso da postulação
de medicamentos que não constem na lista do SUS, quando há no estoque outro avalizado pelo
sistema).

A prova para Defensor Público da União, elaborada pelo CESPE, considerou errada a
seguinte assertiva: “os direitos sociais previstos na Constituição, por estarem submetidos
ao princípio da reserva do possível, não podem ser caracterizados como verdadeiros direitos
subjetivos, mas, sim, como normas programáticas. Dessa forma, esses direitos devem ser
Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

tutelados pelo poder público, quando este, em sua análise discricionária, julgar favoráveis
as condições econômicas e administrativas”.

Atendido o mínimo existencial, Ingo Sarlet anota que a tese da reserva do possível deve ser
acolhida, quando restarem comprovadas:

1) a impossibilidade fática de o Estado satisfazer materialmente o direito prestaci-


onal exigido: inexistência de recursos financeiros para atender a demanda;

2) a impossibilidade jurídica: inexistência de dotação orçamentária;

3) a desproporcionalidade da demanda: sendo possível ao Estado prestar o direito


por outros meios, não há motivos para que o faça pelo mais gravoso.

No mesmo sentido, assentou o Ministro Celso de Mello na ADPF 45:

“O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é


capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível. Vê-se, pois, que os condicionamentos
impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de se-
gunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende,
de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e,
de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações 15
positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tor-
nar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes
do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem
configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer
desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos”.

A cláusula da “reserva do possível” é endossada pela “teoria dos custos do direito” e pela tese
das “escolhas trágicas”, todas elas relacionadas a argumentos de ordem orçamentário-financeira.

3.5 TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS

A “teoria dos custos dos direitos”, pensada pelos autores Stephen Holmes e Cass Sustein
na obra “The cost of rigths” (“O custo dos direitos”), propõe uma análise econômica do Direito. Se-
gundo os autores, o direito nasce a partir de sua previsão orçamentária: antes disso, não há
direito a ser vindicado, pois o Estado não pode proteger direitos sem recursos.

A prova para Advogado da União, elaborada pelo CESPE, considerou errada a seguinte
assertiva: “a reserva do possível pode ser sempre invocada pelo Estado com a finalidade de
exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais que impliquem custo finan-
ceiro”.
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Assim, a jurisdição constitucional restaria limitada aos parâmetros orçamentários definidos


pelos poderes majoritários. Ou seja, fora das balizas referenciadas, não poderia o Poder Judiciário
agir, a pretexto de satisfazer direitos, pois, inexistindo recursos orçamentários para tanto, não seria
possível vincular a norma garantidora ao titular da faculdade reclamada.

No ARE 745.745 AgR/MG, o Ministro Celso de Mello registrou:

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se
pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inesca-
pável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal,
desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata
efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

3.6 TESE DAS ‘ESCOLHAS TRÁGICAS’

A tese das “escolhas trágicas”, apresentada pelos autores Guido Calabresi e Philip Bobbit na
obra “Tragic Choices” (ou “Escolhas Trágicas”) exprime “o estado de tensão dialética entre a ne-
cessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pes-
soas, de um lado; e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros,
16
sempre tão dramaticamente escassos, de outro” (Min. Celso de Mello, ARE 745.745 AgR/MG).

Em outras palavras, a tese mencionada revela ao intérprete o problema da escassez de


recursos, em face das múltiplas demandas sociais. Nesse sentido, cotidianamente o Judiciário
é chamado a decidir se, por exemplo, concede tratamento médico de R$ 100.000,00 (cem mil reais)
a um único paciente, ou preserva os referidos recursos para resguardar o tratamento de outras cem
pessoas. Eis o contexto das “escolhas trágicas”: alguém deverá sucumbir, bastando ao poder pú-
blico escolher quem.

Nesse ponto, retoma-se a ideia de ilegitimidade das decisões judiciais que não levam em
conta as suas consequências no mundo real. Demais disso, a Fazenda Pública deve defender que,
em um contexto de “escolhas trágicas”, a atuação judicial não pode, a pretexto de realizar a justiça
do caso concreto (microjustiça), influir negativamente na distribuição de justiça social por meio de
políticas públicas coletivas (macrojustiça), definida, ordinariamente, pelos Poderes majoritários.

O STF possui vários julgados sobre o dilema examinado, mencionando-se, por oportuno, tre-
cho do julgado prolatado na STA 748 MC/AL:

“O caso sob comento, o relatório médico de fls. 10 é bastante claro ao aduzir que o demandado
procurou o médico subscritor do referido relatório para “submeter-se a tratamento com estimulação
magnética transcraniana, técnica inovadora e revolucionária”. Em momento algum afirma a necessi-
dade insofismável da utilização deste tratamento específico e a inexistência de outro tratamento apto
a preservar a saúde do demandante. Nesta senda, seria por demais injusto com os demais cidadãos
necessitados relativizar o princípio da reserva do possível para conceder um tratamento alternativo
Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

de R$ 68.000,00 (sessenta e oito) mil reais, notadamente porque este valor causaria abalos injustifi-
cáveis às finanças municipais, o que certamente refletiria no fornecimento de tratamentos específicos
a outros administrados mais necessitados”.

Portanto, as teses da Fazenda Pública, destinadas a limitar a jurisdição constitucional em


tema de efetivação de políticas públicas, podem ser assim esquematizadas:

TESE AUTOR/ORIGEM CONTEÚDO

Caso “numerus clausus”, julgado Respeitado o mínimo existencial,


pela Corte Constitucional Alemã a efetivação de direitos funda-
na década de 70, em que se dis- mentais positivos depende da: 1)
Reserva do possível
cutiu a limitação do número de va- possibilidade fática: existência de
gas nas universidades públicas recursos financeiros; 2) possibili-
da Alemanha. dade jurídica: existência de previ-
são orçamentária; 3) razoabili-
dade da pretensão reclamada.

Stephen Holmes e Cass Sustein, Análise econômica do Direito: os


na obra “The cost of Rights” ou “O direitos condicionam-se à previ- 17
custo dos direitos”. são orçamentária de seus custos.
Teoria dos custos dos direitos
Em outras palavras, apenas há di-
reito, se houver orçamento. Pro-
põe a adequação da atividade ju-
risdicional aos parâmetros orça-
mentários: fora deles, não pode o
Judiciário atuar na implementa-
ção de políticas públicas.

Guido Calabresi e Philip Bobbit, Apresenta o estado de escassez


na obra “Tragic Choices” ou “Es- de recursos, para satisfação de
colhas trágicas”. todas as demandas sociais.
Escolhas trágicas
Nesse contexto, analisa quem
deve decidir sobre macrojustiça,
devendo-se apontar, para tanto,
os Poderes Executivo e Legisla-
tivo, pois o Poder Judiciário é vo-
cacionado para resolver casos
concretos (microjustiça).
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TESE AUTOR/ORIGEM CONTEÚDO

Dica: Recomenda-se ao candidato mencionar, se possível, as obras e autores que sustentam as teses ora
estudadas. Isso demonstrará conhecimento ao examinador, que tenderá a pontuar o espelho com genero-
sidade.

3.7 CRÍTICAS AO NEOCONSTITUCIONALISMO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASI-


LEIRO

Consignadas as limitações elencadas nos tópicos anteriores, vê-se, portanto, que o ativismo
judicial não pode descambar para o arbítrio judicial, que, a pretexto de imprimir juridicidade às nor-
mas constitucionais, especialmente os princípios, finda por relegar a um segundo plano a segurança
jurídica e a democracia. Este o ponto de reverberação das críticas à recepção distorcida do neo-
constitucionalismo no Brasil. Os principais autores que cuidam do tema são Daniel Sarmento, Hum-
berto Ávila e Marcelo Neves.

(MPE-MA/Promotor de Justiça/2014) No que se refere à efetividade na aplicação dos 18


direitos sociais, conforme previsão do art. 6º da Constituição Federal é incorreto afirmar que:

a) Os direitos fundamentais e sociais configuram trunfos contra a maioria, pois num Estado lastre-
ado na dignidade da pessoa humana, como é o Brasil, cada pessoa tem a si assegurada uma esfera
de autonomia e liberdade individual que não pode ser comprimida nem restringida pelo só fato de
um ato normativo ou política pública ser decorrente de uma decisão majoritária;

b) Em caso de constatada omissão estatal na efetivação de políticas públicas sociais, a ausência


ou insuficiência de medidas legislativas infraconstitucionais não deverá consistir em limite intrans-
ponível à atuação judicial integradora, mesmo porque ao Judiciário não é dado responder com o
non liquet;

c) A real disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos sociais, a disponibilidade
jurídica dos recursos materiais e humanos, conectada com a distribuição das receitas e competên-
cias tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas e o problema da proporcionalidade da
prestação, em seu aspecto exigível e razoável, de acordo com a peculiaridade do titular do direito,
caracterizam a tríplice dimensão da chamada “reserva do possível”;

d) A garantia do mínimo existencial através da efetivação dos direitos sociais admite que esse con-
teúdo mínimo não ultrapasse a noção de um mínimo meramente vital ou de sobrevivência que vise
resguardar tão somente a vida humana em si, não constituindo, portanto, um de seus elementos
nucleares a ser desenvolvido e respeitado, a dimensão sociocultural;
Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

e) A jurisprudência dos Tribunais Superiores admite e reconhece a exigibilidade dos direitos sociais
a prestações tanto como direitos derivados, quanto como direitos originários priorizando, todavia,
especialmente neste último caso, prestações indispensáveis à sobrevivência da pessoa e vincula-
das à garantia do mínimo existencial.

GABARITO: Letra ‘d’

Segundo Daniel Sarmento, “no Brasil, uma crítica que tem sido feita à recepção do neocons-
titucionalismo – eu mesmo a fiz em vários textos, bem como outros autores, como Humberto Ávila
e Marcelo Neves – é a de que ele tem dado ensejo ao excessivo arbítrio judicial, através do que
chamo de “carnavalização dos princípios constitucionais”. Os princípios constitucionais, de teor
mais vago, acabam servindo para tudo, no contexto de uma cultura jurídica que vê como mais cult
a sua invocação do que o recurso às regras legais. Com frequência, tais princípios são empregados
sem a devida fundamentação. Paga-se por isto um preço caro em termos de SEGURANÇA JURÍ-
DICA – já que as decisões judiciais se tornam imprevisíveis – e de DEMOCRACIA – pois os cida-
dãos ficam sujeitos aos gostos e às preferências de magistrados não eleitos. Além disso, no cenário
de “cordialidade assimétrica” em que vivemos, o recurso indiscriminado a princípios fluidos pode
19
ser uma forma oblíqua de se legitimar o uso do “jeitinho”, em favor dos amigos e dos mais podero-
sos. Estes, porém, são problemas da recepção do neoconstitucionalismo em nossas práticas judi-
ciais, e não da teoria neoconstitucional, que não endossa este uso abusivo e pouco fundamentado
de princípios abertos”.

No mesmo sentido, Humberto Ávila assenta a incorreção da tendência jurídica brasileira de


se imaginar a superação: 1) das regras, pelos princípios; 2) da subsunção, pela ponderação; 3) da
justiça geral, pela justiça particular; 4) da atuação dos poderes eleitos (Executivo e Legislativo), pela
atuação do poder contramajoritário (Judiciário). Pontua o autor que, a bem da verdade, as regras,
a subsunção, a justiça geral e o debate nas arenas majoritárias são tão importantes quanto os
demais, diferenciando-se em relação a estes tão só pelas suas funções.

Luís Roberto Barroso, analisando o neoconstitucionalismo a partir do seu marco filosófico,


afirma que “o pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto;
procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A
interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça,
mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais”.

Em arremate, conquanto não se negue as transformações promovidas pelo neoconstituciona-


lismo, sobretudo, em relação à força normativa da Constituição e ao engrandecimento do Poder
Direito Constitucional - Constitucionalismo e Neoconstitucionalismo

Judiciário como coparticipante do processo de criação do Direito Constitucional, o candidato à ad-


vocacia pública deve voltar os olhos, principalmente, para os limites de atuação deste poder con-
tramajoritário.

Deve defender, por isso, que o ativismo judicial não pode desaguar em arbítrio judicial, em
desrespeito à separação dos poderes, à segurança jurídica e aos valores inerentes à democracia.

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