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Capitulo- V

Constitucionalismo Contemporâneo

1-Noção de constitucionalismo e suas dimensões


2- Desenvolvimento da ideia constitucional no quadro das experiências inglesa, francesa e
norte-americana.
3-Génese do constitucionalismo contemporâneo
4- O constitucionalismo liberal do século XIX
5-O constitucionalismo democrático e social do século XX
6- O constitucionalismo de língua portuguesa, Direito Constitucional comparado de língua
portuguesa.
7- A história constitucional de Angola e o constitucionalismo angolano.

1-Noção de constitucionalismo e suas dimensões

A existência do governo cria o seu próprio problema para o indivíduo, o problema de como
travar a arbitrariedade inerente ao governo.

Trata-se de uma praxis ligada ao sistema político que pode ser efectiva, no sentido de ser real
ou meramente simbólica, ou seja, sem qualquer expressão verdadeira. Isto porque
“constitucionalismo significa que o poder coercivo do Estado é controlado” (teoria da
limitação jurísdica do exercício do poder político que se ergue como princípio) e assim sendo
tem que existir um regime político que permite que isso aconteça. (É preciso ter em conta que
sistema de governo é diferente de regime político. Sistema de governo (presidencial, semi-
presidencial e parlamentar) tem que ver com o padrão de doutrina ou escola escolhida para
organizar e exercer o poder político, enquanto que regime político tem que ver com a forma
como se exerce o poder político. Ou seja, de forma ditatorial ou democrática.

Por isso, é correcto atender que o constitucionalismo possui um sentido formal, porquanto
“significa o princípio segundo o qual o exercício do poder político deve estar delimitado por

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regras, que determinam a validade de actos legislativos e executivos, por prescreverem os
procedimentos de acordo com os quais eles devem ser praticados ou por delimitarem o seu
conteúdo permissível.”
É, por isso, de considerar que, “O constitucionalismo torna-se uma realidade viva na medida
em que estas regras travam a arbitrariedade e discrição e são de facto observadas pelos
detentores do poder político, e na medida em que dentro das zonas proibidas às quais a
autoridade não transgrida existe espaço substancial para o gozo da liberdade individual.” É
a isto a que se chama de realidade constitucional.

Nesta senda, pode-se considerar que, “O constitucionalismo é uma forma distinta da ordem
política: (i)-ele assume a dignidade humana como um princípio cardinal, (ii)-enfatiza os
direitos dos cidadãos à participação política, e (iii) sublinha a necessidade de controlos
institucionais sobre assuntos substantivos para evitar o atropelo do governo aos direitos
fundamentais.”

O “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado


indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-
social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma
“técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”. Como técnica jurídica, o
seu objectivo é “o de limitar, equilibrar ou moderar o exercício do poder político, para que
este respeite a autonomia e a liberdade dos indivíduos. Pode-se, por isso, dizer que “o
constitucionalismo é o ideal e a prática do governo limitado para fins de garantia”. Ou
ainda segundo Dworkin, “o constitucionalismo é a teoria segundo a qual a maioria deve ser
restringida para protecção dos direitos individuais”, citado por Jorge Miranda.

Para Pedro Bacelar de Vasconcelos, “o constitucionalismo” recorta um particular domínio do


saber onde se agregam os problemas relativamente à titularidade e exercício do poder
constituinte, a definição entre a fronteira entre o “público” e “privado”, as decisões quanto à
forma de governo, as finalidades colectivas que prossegue e a protecção que confere aos
direitos dos cidadãos”.

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Como técnica ou prática jurídica, não obstante o constitucionalismo abarcar um núcleo
determinado e seguro de postulados, a forma da sua concretização pelas mais variadas
comunidades políticas conduz-nos à constatação da existência de vários constitucionalismos,
como, por exemplo, o constitucionalismo inglês, o constitucionalismo francês, o
constitucionalismo alemão, o constitucionalismo norte-americano, o constitucionalismo
angolano e o constitucionalismo português.
Nos nossos dias existem correntes de opinião que defendem que o constitucionalismo liberal,
desenvolvido em Inglaterra, França e Estados Unidos da América, é completamente estranho
à realidade política africana em geral e em particular em Angola. Todavia, entendido o
constitucionalismo como “uma técnica específica de limitação do poder com fins
garantísticos”, pode-se empreender um estudo comparativo do conjunto das suas técnicas de
limitação do poder relativamente a técnicas que fazem parte de outras culturas políticas, de
forma diagonal, para nos apercebermos de que algumas delas são comuns.

Partindo da ideia de base, a dignidade humana constata-se que não é absolutamente estranha
à cultura política africana, que pode ser apreendida através de vários provérbios e práticas das
quais se destacam alguns direitos iguais aos positivados nas cartas de direitos fundamentais
liberais e também da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ademais, também não é
absolutamente estranha à cultura política africana a ideia de limitação dos titulares de cargos
públicos. Ki-zerbo apresenta o exemplo de determinadas sociedades africanas antes da
colonização ocidental obrigarem monarcas a engolir um ovo de periquito, quando violassem
regras importantes do reino. A ingestão do ovo de periquito causa a morte. Esta prática
constituía uma punição aos monarcas que exerciam o poder com o atropelo das regras
previamente estabelecidas.

No entanto, é preciso ter em conta que a acepção histórico-descriptiva de constitucionalismo


moderno remete-nos para o movimento político, social e cultural que no século XVIII
questionou nos planos político, filosófico e jurídico os fundamentos da legitimidade da velha
ordem e criou novos fundamentos de legitimidade.

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Daí que se deva falar em constitucionalismos e não em constitucionalismo, porque se tratou
de um movimento constitucional que teve lugar em vários países em tempos diversos
enraizados em geografias, histórias e culturas diferentes.
(As dimensões do constitucionalismo têm que ver com as diferentes fases e formas de revelação da sua doutrina, o que, sobretudo nos nossos
dias, atende também às especificidades de certos institutos jusconstitucionais devido as carácteristicas particulares que encerram. Deste
modo, destaca-se que há um:
Constitucionalismo e o construtivismo racionalista: O constitucionalismo tem a sua génese no racionalismo iluminista, fundador da
assumpção de que a razão era capaz de criar uma ordem política através de normas abstractas e gerais (v. Canotilho 2003: 107). “A criação
racional de uma constituição é, por si mesma, uma dedução a-histórica; não tem que ter qualquer ligação histórica com as leis do anterior
regime e nem sempre é conciliável com as correcções da lei positiva, sugeridas pelas doutrinas jusnaturalistas ou pela ideia de reforma da
monarquia em sentido constitucional tal como havia acontecido com a Glorious Revolution inglesa” (Canotilho 2003: 108).
Constitucionalismo e liberalismo: o liberalismo engloba o liberalismo político e o liberalismo económico. A burguesia ascendeu
socialmente por causa do seu sucesso económico e viu consagrados uma série de direitos que estabeleciam o quadro político que lhe
favorecia. Viram assegurada a segurança jurídica, salvaguardando os direitos de propriedade privada, igualdade perante a lei, mínimo de
restrições aos direitos fundamentais. Politicamente, a burguesia ganhou influência por via do parlamentarismo. As funções clássicas do
parlamento, legislação, fiscalização do governo e aprovação dos impostos, conferiam à burguesia as condições de afirmação desta nova
classe (v. Canotilho 2003: 109-110).
Constitucionalismo, individualismo e direitos do homem: consagração de uma esfera própria e autónoma dos cidadãos indisponíveis à
intervenção dos poderes; o indivíduo é proprietário da sua própria pessoa, das suas capacidades e dos seus bens e a capacidade política não
é mais do que a invenção humana para a protecção da propriedade do indivíduo sobre a sua pessoa e sobre os seus bens (v. Canotilho
2003: 110-111).
Constitucionalismo, soberania, legitimidade e legitimação: “(...) Quem detém e exerce o poder soberano; trata-se (...) de obter a
justificação da titularidade e exercício desse poder. A soberania deve ter um título de legitimação e ser exercida em termos materialmente
legítimos (legitimidade); a legitimidade e a legitimação fundamentam a soberania (v. Canotilho 2003: 112-113).
Constitucionalismo e representação política: formação da teoria do governo representativo segundo a qual “o povo governa através dos
seus representantes eleitos, por oposição quer ao regime autoritário ou despótico quer ao governo directo, baseado na identidade entre
governantes e governados” (v. Canotilho 2003: 113-114).
Constitucionalismo e divisão de poderes: artigo 16.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de Agosto 1789, «Toute
société dans laquelle la garantie dês droits n’est pás assurée, ni la séparation dês pouvoirs determinée, n’a point de constitution.» Esta teoria
gerou um mito, por que o rei gozava do direito de veto (executivo interferia no legislativo); o legislativo controlava a execução das leis
pedindo conta aos ministros da sua execução; “o legislativo interfere sobre o judicial quando se trata de julgar os nobres pela Câmara dos
Pares, na concessão de amnistias e nos processos políticos que deviam ser apreciados pela Câmara Alta sob acusação da Câmara Baixa” (v.
Canotilho 2003: 114-115).
Constitucionalismo e direito eleitoral: só os proprietários estariam em condições de formar um público apto a proteger legislativamente a
ordem económica existente; o observador burguês estava convencido da diferença de racionalidade entre os pobres e os homens
proprietários; teoria do eleitorado-função (o voto não é um direito mas uma função) e teoria do eleitorado-direito (reconhecimento a cada
cidadão do direito pessoal de exercer uma fracção da soberania) (v. Canotilho 2003: 117-118).
Constitucionalismo e parlamentarismo: (critério institucional) compatibilidade do cargo de deputado com o de ministro; o primeiro-
ministro é membro do parlamento; responsabilidade do governo perante o parlamento e uma moção de censura ao governo implica a
demissão deste órgão; controlo do governo através de interpelações; investidura do governo, após voto de confiança do parlamento;
dissolução do parlamento pelo chefe do estado, por proposta do chefe de governo, para contrabalançar a dependência. (Critério estrutural)
existência de partidos políticos organizados; alto grau de homogeneidade e acção solidária no gabinete; a existência de um primeiro-ministro
definidor de directivas políticas, a existência de uma oposição legal e a existência de uma cultura favorável ao parlamentarismo (v. Canotilho
2003: 115-116).
Constitucionalismo e «invenção do território»: o Estado liberal teve de inventar o território nacional. A segurança externa e interna do
Estado traduziram-se na organização do exército nacional comandado pelo rei e a organização das milícias provinciais e ulterior
centralização do poder militar, tendo em vista a unidade do Estado. A existência de poderes periféricos como, por exemplo, o poder local ou
o poder administrativo municipal (v. Canotilho 2003: 118-121).
Constitucionalismo e codificação: a necessidade de um limite, racionalidade e calculabilidade para a acção do Estado conduzem à uma
necessidade de estruturação jurídica dos conflitos e às noções de interesse geral, de interesses do comércio, de liberdade contratual (...) os

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códigos civis convertem-se na principal fonte de direito. São eles e não as constituições que estabelecem os princípios gerais do direito (v.
Canotilho 2003: 122-123).
Constitucionalismo e partidarismo: o constitucionalismo começou sem partidarismo e entendia mesmo os partidos como fenómeno
criminal. As razões nas quais se baseava esse entendimento eram as seguintes: (1) a razão transcende os interesses pessoais de facção e eleva
os cidadãos à captação do interesse geral (filosofia racionalista); (2) a sociedade é considerada atomisticamente como adição de indivíduos e
não holisticamente como um conjunto de grupos, classes, organizações ou partidos; (3) as facções ou partidos políticos minavam a vontade
geral e a soberania do povo (ideologia política rousseauniana da vontade geral) (v. Canotilho 2003: 1229).
Constitucionalismo e administração pública: contra a hereditariedade e venalidade dos cargos públicos afirmou-se o princípio de acesso
aos cargos públicos segundo a capacidade dos indivíduos sem outra distinção que não fossem as virtudes e talentos do indivíduo (v.
Canotilho 2003: 123)

Todavia, as raízes do constitucionalismo apontam para as experiências norte-americana,


francêsa, inglêsa e alemã.
Uma vez que a ideia de constitucionalismo tem que ver com a limitação do poder este
procedimento decorre de diversas perspectivas de natureza política, religiosa e jurídico-
filosófica resultando da evolução deste processo o conceito que está na base do
constitucionalismo moderno e que repousa:
a)-na ideia de contrato social derivada da politologia humanista neoaristotélica;
b)-na aceitação de pactos de domínio entre governantes e governados como forma de
limitação do poder (deriva do calvinismo: comunidade humana dirigida por um poder
limitado por leis e radicado no povo);
c)-na ideia moderna de república (res publica mista, separando a majestas realis da
majestas personalis);
d)-nas palavras como poder, soberania, unidade do Estado (Jean Bodin, Les Six Livres de
la Republique, 1576; Hobbes, The Leviathan, 1651) (p. 54)

2-Desenvolvimento da ideia constitucional no quadro das experiências inglesa, norte-


americana e francesa

Atenção:
CRA-Deve-se ler Constituição da República de Angola
LCA- Deve-se ler Lei Constitucional de Angola de 1992
#-Deve-se ler fonte referente à Lei Constitucional de 1992

A. Experiência Inglesa = Modelo historicista

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Este modelo revela a experiência inglesa de uma evolução longa até à institucionalização de
elementos do constitucionalismo moderno destacando-se o seguinte:
1)-Garantia de direitos adquiridos, liberty and property.
2)-Os direitos eram atribuídos aos indivíduos na qualidade de membros de um estamento
(grupo social definido por um estilo de vida comum e corresponde a uma forma de
estratificação social situado entre a casta e o sistema de classes sociais, ou seja, mais que este
último e mais aberto que a casta) estruturação corporativa dos direitos.
3)-Regulação dos direitos (dos indivíduos como membros do estamento) através de contratos
de domínio. Magna Charta, 1215; Petiton of Rights, 1628; Habeas Corpus Act, 1679; Bill of
Rights, de 1689

Contribuição para o constitucionalismo Ocidental:


(a)-liberdade: liberdade pessoal de todos ingleses e como segurança da pessoa e dos bens de
que é proprietário;
(b) -processo justo regulado por lei (due processo of law) regras para a privação da liberdade;
(c) -interpretação das leis reguladoras da tutela das liberdades;
(d) -ideia de representação e soberania parlamentar indispensável à estruturação de um
governo limitado;
(e) -Constituição mista: o poder não está concentrado nas mãos de um monarca, antes é
partilhado por ele e por outros órgãos do governo (rei e parlamento)
(f) -o parlamento passou a deter o poder supremo, que deve ser exercido através da forma de
lei do parlamento. Esta ideia está na base de um dos princípios basilares do
constitucionalismo, the rule of law (governo das leis)

B-Experiência norte-americana= Modelo construtivista


(1) Construtivismo político-constitucional considera a ordem dos homens
uma ordem artificial, constitui-se, inventa-se ou reinventa-se por
acordo dos homens.
(2) Ordem política teve origem na celebração de um contrato social
assente nas vontades individuais

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C- Experiência francesa =Modelo individualista
(1) A Revolução francesa busca a instauração de uma nova ordem baseada
na concepção dos direitos naturais do indivíduo.
(2) Os direitos do homem eram individuais.
C-Processo de assimilação interna do domínio político através dos conceitos de rule of law
(experiência inglesa), the reign of law (experiência norte-americana), état legal (experiência
francesa) e rechtsstaat (experiência alemã).

Rule of law (experiência inglesa)

1-Obrigatoriedade de um processo justo, legalmente regulado quando se tiver de julgar e


punir os cidadãos, privando-os da sua liberdade e propriedade [(aplicação à realidade
angolana arts. 63.º, 64.º da CRA (#art. 36.º ; arts. 37.º, 38.º e 39.º da LCA + art. 41. da
LCA)].
2-Proeminência de leis e costumes perante a discricionariedade do poder real [(aplicação à
realidade angolana art. 6.º/2 da CRA( #art. 54.º/b da LCA 1992)].
3-Sujeição de todos os actos do executivo à soberania do parlamento [(aplicação à realidade
angolana arts. 161.º/c/m, 162.º, 170.º, 172.º, 171.º da CRA (#arts. 105.º e 83.º da LCA
1992)]
4-Igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidadãos a fim de estes aí defenderem os
seus direitos [(aplicação à realidade angolana arts. 23.º e 29.º da CRA (#arts 18.º e 43.º da
LCA 1992)]

Reign of law (experência norte-americana)


(1) Direito do povo fazer uma lei superior, na qual se estabelecem os esquemas
essenciais do governo e respectivos limites + rights and liberties of citizens
[ (aplicação à realidade angolana arts. 161.º/a/b da CRA (# arts. 88.º/a e 158.º/
1 da LCA 1992)].

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(2) O Estado constitucional associa a jurisdicidade do poder à justificação (justifying)
do governo: as razões do governo devem ser razões públicas, consentimento do
povo em ser governado em certas condições [(aplicação à realidade angolana
arts. 1.º e 2.º da CRA (# arts. 1.º [objectivo da República] e 2.º [fundamentos
da República]da LCA 1992)].
2.1-O governo é sempre um governo subordinado às leis (government under law)
[ (aplicação à realidade angolana arts. 6.º, 198.º da CRA (# arts. 54.º/b [órgãos do
Estado submetem-se à lei, à qual devem obediência] # 62.º/3 [juramento PR] da LCA
1992)]
(3) Tribunais exercem a justiça em nome do povo: os juízes desaplicam as leis
desconformes com a constituição [(aplicação à realidade angolana arts. 174.º e
226.º da CRA/arts 120.º {tribunais julgam em nome do povo} (# 153.º
princípio da constitucionalidade, da LCA 1992)]

L’ état legal (experiência francesa)

(1) Construção de um Estado legal concebido como uma ordem jurídica hierárquica
em que a Declaração de 26 de Agosto de 1789 (droits naturels et sacré de l’home).
Tratou-se de uma super-constituição, na medida em que vinculou mesmo a
Constituição de 1791.
(2) O Estado constitucional transmutar-se-ia em Estado legal
(2.1)- Princípio da primazia da lei
2.1.1-a lei só podia ser editada pelo órgão competente para o efeito, a Assembleia (órgão
representativo da vontade geral, cfr. art. 6. da Declaração de 1789)
2.1.2-a lei (obra dos representantes da nação) constitui fonte de direito hierarquicamente
superior.
2.2.3-todas as medidas adoptadas pelo poder executivo (para executarem as leis) deveriam
estar em conformidade com ela
2.2.-Características das leis
2.2.1- As leis são um produto da vontade geral
2.2.2-As leis deveriam ser gerais (generalidade das leis)

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2.2.3-As leis garantiriam a igualdade perante ela

Em suma, o constitucionalismo francês desenvolveu-se com base na construção de um


Estado legal ou Estado de legalidade, impondo à administração o respeito pela legalidade,
mas subalternizando o papel da Constituição. Nesse contexto, diz-se que o constitucionalismo
francês adptou um constitucionalismo com base em pressupostos da supremacia da lei como
lei fundamental e não propriamente na constituição. Ou seja, o sentido de lei fundamental
consome o da constituição.

Da Alemanha colhe-se a partir do século XIX as premissas so Estado de Direito


O Rechtsstaat (experiência alemã)

(1) Estado de direito aparece no início do Século XIX


(2) Constitucionalismo situou-se entre
2.1-constitucionalismo da restauração
2.2-constitucionalismo da revolução
(3) Estado de direito por ser caracterizado como Estado da razão: Estado limitado em
nome da autodeterminação da pessoa
(4) No final do Século XIX estabilizaram-se os traços jurídicos essenciais: o Estado de
direito é um Estado liberal de direito
(5) Estado liberal de direito:
5.1-limita-se à defesa da ordem e segurança públicas;
5.2-(“Estado polícia”, “Estado gendarme”, Estado guarda
nocturno);
5.3-remetem-se os domínios económicos e sociais para os
mecanismos da liberdade e concorrência;
5.4-direitos fundamentais decorriam do respeito por uma esfera de
liberdade individual (liberdade + propriedade) [aplicação à
realidade angolana: arts. 31.º/2 e 37.º da CRA/arts. 20.º (# 14.º
da LCA 1992)];

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5.5-os direitos fundamentais (liberdade e propriedade) só podiam
sofrer intervenções autoritárias por parte da administração quando a
intervenção fosse permitida por uma lei aprovada pela
representação popular [(arts. 57.º e 58.º da CRA (# art. 52.º/1 da
LCA + competência para fazer leis está atribuída à Assembleia
Nacional, art. 161º. da CRA)];
5.6-doutrina da lei protectora dos direitos de liberdade e propriedade
[(arts. 2.º, 37.º, 63.º e 64.º da CRA (# arts. 2.º, 20.º, 14.º da LCA
1992)].
5.7-os poderes públicos deveriam actuar nos termos da lei [(art.
198.º e 226.º da CRA (#54.º/b da LCA 1992)]
5.8-obediência ao princípio da proibição de excesso [(arts. 6.º e
57.º da CRA (#art. 52.º/2 LCA 1992)]
5.9-Controlo judicial da actividade da administração [(arts. 29.º/1,
177.º/1 da CRA (# art. 43.º da LCA + art. 9.º/c da Lei n.º 2/94 de
14 de Janeiro)]
5.10-jurisdição ordinária
-Confiava-se aos tribunais ordinários o controlo da actividade
da administração [(arts. 177.º/1 da CRA (# art. 43.º da LCA
1992)]
5.11-modelo de justiça administrativa
-Atribui aos tribunais administrativos a tarefa de julgar os actos
da administração (modelo adoptado pelas leis da Prússia de
3-7-1875 e da Baviera de 8-8-1878) [arts. 176.º/3 da CRA (#
art. 125.º/3 da LCA)]

3- Génese do constitucionalismo contemporâneo

O constitucionalismo contemporâneo, ligado ao Estado constitutional, é uma herança do


Estado liberal e refere-se a uma organização do poder público estadual que vai desde os fins

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do século XVIII até à actualidade. Nesta travessia, a doutrina, ideia da fenomenologia
constitucional, independentemente da forma como a encaramos, inaugurou diversos aspectos
ligados à referência a um passado anterior, umas vezes mais relevantes que outras e que não
evoluiu homogeneamente no tempo e no espaço.

Este é um período em que se assinalam grandes linhas que marcam a evolução histórica do
Estado contemporâneo, sendo a ideia mais marcante e a ele inerente a sua concepção de
Estado de Direito que significa que o poder político estadual se submete materialmente ao
Direito e que este, efectivamente, contém o respectivo poder. (Bacelar Gouveia p.58).

Ao efectuar um corte com o passado autoritário e livre arbítrio reinante no Estado absoluto
(em que as decisões praticamente correspondiam ao exercício puro do poder, sem um mínimo
de parametrização material- Gouveia, p 58) deu-se um grande salto na estrutura do poder
politico. O poder político formal e materialmente “passou a estar submetido a uma medida de
decisão que lhe calibra os seus efeitos e evita que a mesma esteja submetida aos desejos
caprichosos dos titulares do poder”.

O Estado de Direito, característico do Estado contemporâneo, segundo a ideia geral da


limitação do poder, característica que lhe é inerente, apresenta os seguintes traços
fundamentais (Bacelar Gouveia):
(i)-a afirmação de uma legalidade constitucional, voluntária e escrita, consubstanciada numa
lei escrita, decretada e superior às demais;
(ii)-o reconhecimento de um conjunto de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
anteriores e superiors ao poder político e que este se limitaria a declarar e não a criar;
(iii)-a separação entre o poder político e o fenómeno religioso, com o reconhecimento
específico da liberdade de consciência e de religião, ainda que com momentos de perturbação
recíproca;
(iv)-a origem liberal e democratica do poder político, com base na soberania popular, numa
democracia de índole representativa, funcionando a frente do governo representativo,
juntamente com a proclamação da teoria da separação de poderes do Estado, contra a
concentração absolutista dos mesmos. Este é um entendimento que abarca a proposta do

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princípio republicano na perspectiva de que projecta uma chefia do Estado democraticamente
designada.

O início do constitucionalismo liberal estabeleceu a ideia de constituição na ordem jurídica


estadual. Os primeiros exemplos de textos constitucionais escritos registaram-se nos Estados
Unidos, a CAN de 1789, e na Europa, a Constituição de 3 de Maio de 1791 da Polónia
(aprovada pela dieta dos quarto anos) seguida da primeira constituição francesa de 1791.

Esta ideia de constituição surge doptada de um duplo significado, pois nela salienta-se a
importância tanto da vertente formal como da vertente material da constituição, como
elementos a ter em conta na limitação do arbitrio do poder político. Isto é, do ponto de vista
formal porque sendo a constituição escrita e legal e aprovada por um processo formal
tornava-se rigída, e assim não podia ser facilmente modificada nem revogada. Do ponto de
vista material entendia-se que sendo a constituição em substancia caracterizada pelos
princípios da separação de poderes, da representação liberal da soberania nacional e da
proclamação dos direitos fundamentais liberais, fazem com que melhor proteja a esfera do
indíviduo contra a acção do Estado.

No que tange às relações entre o Estado e os cidadãos, o constitucionalismo contemporâneo


evidenciou-se pela ideia original da consagração dos direitos humanos nos textos
constitucionais.

Esta é uma materia que se ficou a dever ao Iluminismo durante o século XVIII,
fundamentalmente em França, resultado da existência de direitos fundamentais no âmbito da
concepção universal da protecção do homem perante o Estado e de acordo com os
postulados da razão raciocinante. Também em França se ficou a dever a constatação, a
propósito dos preceitos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, DDHC,
aprovada em plena Revolução francesa, em 26 de Agosto de 1979 de que “Qualquer
sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a
separação dos poderes, não tem Constituição”.

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O facto de os direitos serem deduzidos a escrito (positivação dos direitos fundamentais)
possibilitou a representação de novos espaços de autonomia individual e incluiu uma noção
de segurança juridica. Mas maior impacto teve a concepção jusnaturalista (defensora dos
direitos naturais inerentes ao homem) através do reconhecimento dos direitos da pessoa, como
ser humano e como cidadão activo resultando daí uma localização em abstracto acima da
vontade do Estado a quem compete, com as declarações dos direitos, o seu reconhecimento e
não já a sua criação. Portanto, o Estado tem uma atitude passiva em matéria de direitos
fundamentais estando obrigado a respeitá-los já que a sua criação não depende dele.

Uma outra nota do constitucionalismo contemporâneo tem que ver com reformulação do tipo
de relações existentes entre o poder político e o fenómeno religioso, passando a existir uma
secularização decorrente da laicidade do Estado em que ocorre a separação entre o plano da
governação e o plano dos assuntos de natureza religiosa, como consequência do princípio
democrático. Na trajectória entre o relacionamento entre constitucionalismo contemporâneo e
o fenómeno religioso ao longo de dois séculos, destacam-se três linhas a saber:
• De combate do fenómeno religioso por parte do poder político, numa visão
laicista do Estado;
• De separação colaborante ou cooperativa entre o poder político e o fenómeno
religioso, apresentando uma perspectiva mais sedimentada dessas relações.
• De separação neutral, sem intervenção, entre o poder político e o poder
religioso, com um tratamento igual das confissões religiosas.
Uma última nota é referente à organização política, na qual deve-se assinalar o facto do
constitucionalismo contemporâneo ter mudado radicalmente a concepção acerca da origem do
poder, que passa a ser construído com base no princípio da soberania popular. A grande
máxima é que os cidadãos deixam de ser súbditos e passam a ser titulares do poder político
do Estado sendo que esta transformação deu lugar à democracia representativa (Num
primeiro momento deu-se mais atenção à representação do que à democracia).

Representação porque o poder político deixa de ser entendido em nome próprio ou de uma
fundamentação transcendental, como acontecia no Estado absoluto, para passar a ser exercido
em nome dos interesses dos cidadãos que integram a comunidade política, ou seja, os

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cidadãos activos enquanto titulares da soberania. Resultou desta ideia de poder representativo
o nascimento de diversos particulares direitos fundamentais ligados à afirmação da cidadania,
os chamados direitos fundamentais de natureza política, através dos quais se exercia a
soberania. Deste modo a soberania popular passou a ser exercida:
(i) -num momento constituinte quando as constituições são votadas democraticamente ou
quando referendadas;
(ii) -construção quotidiana da vida da comunidade política, quando a legislação é
elaborada por parlamentos democraticamente eleitos.

É ainda de assinalar nesta nota referente à organização política, o facto do constitucionalismo


contemporâneo trazer por arrasto o alargamento do princípio republicano e por declínio o
princípio monárquico. Significa isto que paulatinamente a chefia do Estado cedeu aos
argumentos do princípio democrático (designação democrática e não já de forma dinástica)
acrescentando-se a isto o desenvolvimento do princípio da separação de poderes, apesar das
diversidades que possui durante toda idade contemporânea.

Do ponto de vista doutrinário, a concepção democrática ficou a dever-se muito a Jean-


Jacques Rousseau que adoptou uma concepção totalitária de democracia, ou seja, um conceito
absoluto de democracia.

4-O constitucionalismo liberal do século XIX

O constitucionalismo contemporâneo decorre dos tempos do iluminismo e do liberalismo. Por


sua vez o Estado Liberal para ser compreendido na íntegra tem que estar compatível com a
doutrina do liberalismo. Trata-se de uma doutrina político, económica e filosófica que surgiu
com o propósito de romper com o passado absolutista e monárquico e com isto concretiza um
esforço de muitas décadas de discussão doutrinária que já ocorrera antes e durante o Ancien
Régime.

!14
O liberalismo nasceu na Europa e na América do Norte nos finais do século XVIII, atravessou
todo o século XIX e entrou pelo século XX, fazendo vingar uma nova concepção de pessoa e
de sociedade com base em duas ideias:
(i)-o individualismo enquanto doutrina de afirmação do homem e do cidadão em si mesmo;
(ii)-o indivíduo como centro da acção política, separado, autónomo e livre do Estado.

O Estado liberal confirmou algumas das suas instituições numa resposta imediata, e no dizer
de Jorge Bacelar, de certo modo reactiva, ao período anterior com o qual efectua uma ruptura,
com três grandes parâmetros:
a)-a positivação dos direitos fundamentais de defesa, em reconhecimento da anterioridade do
Homem em relação ao Estado;
b)- a ideia de um poder estadual com separação de poderes, numa concepção orgânica e
material das funções jurídico-públicas, acrecentando-lhes a implantação do governo liberal e
representativo restrito, mas em que a participação dos cidadãos não era intensa em face das
fortes limitações introduzidas no sufrágio político;
c)- a organização económica liberal de cunho fisiocrático, libertando a economia das peias da
sociedade estratificada em que estava integrada.

No que aos direitos fundamentais diz respeito, é de assinalar que sendo a primeira conquista e
versão do constitucionalismo contemporâneo, faz um enquadramento mínimo, revestido nos
direitos de defesa por via do qual pretendia fundamentalmente garantir uma não intervenção
do Estado nos espaços de autonomia dos cidadãos.
Verificou-se também o aparecimento de um conjunto de direitos civis que passaram a
identificar as as pessoas nos seus atributos, referentes à capacidade e personalidade jurídicas e
em simultâneo verifica-se a humanização do Direito Penal e do Direito Processual Penal, uma
vez que são consagradas diversas garantias neste âmbito de natureza substantiva e processual

Verifica-se, por seu turno, o aparecimento dos primeiros direitos de natureza política,
estreitamente ligados ao novo modelo da representação política em que o cidadão em nome da
soberania popular passa a ser sujeito activo e actua pelo voto nas eleições e pelo exercício das
liberdades públicas como a liberdade de expressão, a liberdade de reunião e a liberdade de

!15
associação. Portanto é com este quadro que se dá a afirmação individual negativa, o que
significa que o Estado assumia um dever geral de abstenção face ao reconhecimento de uma
liberdade de acção dos cidadãos, liberdade política e sobretudo liberdade económica.

Quanto à organização política, o constitucionalismo liberal basicamente centrou-se na adesão


plena ao princípio da separação de poderes, numa lógica orgânico-funcional, cabendo a cada
órgão uma função do poder público (concebido por Charles Secondat de Montesquieu). É
nesta altura também que os órgãos parlamentares abandonam o princípio aristocrático para
abraçar o princípio democrático com todas as consequências que irradiaram para os critérios
de escolha dos governantes parlamentares na perspectiva de governo representativo. Ou seja,
os deputados passaram a ser deputados que representavam o povo, titular da soberania,
escolhidos por actos eleitorais, na base de um sufrágio, apesar dos constrangimentos que se
verificavam a certos níveis (de natureza censitária e capacitária).

Do ponto de vista económico, o constitucionalismo liberal apresenta uma organização


económico-social baseada no liberalismo económico consubstanciada no fisiocratismo.
(Trata-se de uma doutrina que advoga a abstenção do poder público no plano económico uma
vez que esta se mantinha bem fora da manipulação e intervenção do Estado). Devido ao grau
de ausência do Estado a todos níveis da economia (concepção de finanças públicas neutras,
sem recurso ao crédito e sem sectores públicos apreciáveis, como numa tributação dispersa
baseado em critérios de proporcionalidade) passou a ser designado por LASSALE de Estado
guarda-nocturno, na medida em que estava confinado a funções policiais, ficando desprovido
de quaisquer funções sócio-económico.

5- O constitucionalismo democrático e social do século XX

A transição do século XIX para o século XX, é marcada por uma crise de pressupostos, dos
valores e da ideologia em que assentava o modelo de Estado liberal. As novas experiências
que surgem a partir da I guerra mundial trouxeram uma nova dimensão para o
constitucionalismo contemporâneo com vista a superação do legado liberal. Tratou-se de uma

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experiência que já não se contenta apenas com uma sociedade liberal, mas preconiza uma
outra que atendesse a uma realidade plural, o que implicava uma superação do legado liberal
e, por sua vez, uma outra intervenção do Estado. É que, a preocupação pelo pluralismo, numa
sociedade de cariz mais democrático implicava uma intervenção do Estado.

Jorge Reis Novais chama atenção para o facto de se verificar nessa altura o fascismo (Itália),
nacional-socialismo (Alemanha) de um lado, e a revolução soviética, do outro, que destruíam
a possibilidade da própria subsistência do Estado de Direito.

Nesta conformidade, desenvolve-se uma outra alternativa que procura recuperar e prosseguir
o ideal do Estado de Direito, mas nas condições do século XX. É a este fenómeno que se
passa a designar genericamente de Estado social democrático de direito e corresponde ao
aparecimento de um novo modelo de Estado.

O Estado social democrático de direito como novo modelo de Estado começou a ser
desenhado na Constituição mexicana de 1917 e na Constituição Alemã de Weimar de 1919
(na esteira do previdencialismo bismarkiano). Com a abolição do fascismo na Itália e na
Alemanha, depois de derrotados na segunda guerra mundial, é retomado o ideal da
limitação jurídica do Poder e da preservação das garantias individuais, por muitos países
que o assumem na integridade. Embora o ideal da limitação jurídica do Poder e a preservação
das garantias individuais sejam um legado do Estado liberal, todavia dá-se, agora, num quadro
de profunda reavaliação dos fins do Estado e de reconstrução das relações entre o
Estado e a sociedade.

Assim é que o Estado social democrático de Direito põe termo à convicção liberal numa
justiça natural e marca, consequentemente, a crise de uma visão baseada na separação radical
entre o Estado e a sociedade. Ou seja, a confiança liberal nas potencialidades de um livre jogo
das leis da concorrência actuando num mercado livre da intervenção do Estado passa a ser
posta em causa de forma radical com a crise generalizada e gerada a partir dos países
capitalistas desenvolvidos.

!17
Por seu turno, esta é uma perspectiva que preconiza um Estado mais prestador e regulador
que propiciasse ao cidadão uma liberdade de participação na definição de governação através
de um estatuto activo. Significa isto que a sociedade deixava de ser concebida como uma
realidade auto-suficiente para passar a ser vista como um objecto que o Estado deveria
estruturar, regular e transformar com vista a prossecução da justiça social e do progresso
económico.

Assim é que contrariamente a ausência do Estado que se verificava na sociedade liberal do


século XIX, no século XX surge o Estado social nascido na Europa e que rapidamente se
expande um pouco por toda a parte. Este modelo de Estado, o Estado social, aprofundou e
aperfeiçoou as instituições oriundas do liberalismo com base numa nova realidade que se
constrói a partir de uma questão remota relacionada com a questão social do século XIX.

Do ponto de vista ideológico o constitucionalismo liberal resultou da confluência de vários de


vários pontos remete para a Questão Social que se levanta no liberalismo, replecto de
contradições do ponto de vista político e jurídico, sem que o Estado pudesse ser
responsabilizado socialmente devido a sua ausência na sociedade. À estas contradições
somaram-se diversas correntes do pensamento social católico e que têm a ver com a doutrina
social da igreja. Esta doutrina está virada para a melhoria das condições sociais dos cidadãos,
preconiza, sobretudo, uma melhor distribuição da riqueza proporcionando melhores condições
de vida entre todos os membros da sociedade, com base numa igualdade material e não
apenas formal.

Numa visão mais imediatista, o Estado Social apresenta-se como o produto pragmático de um
conjunto de circunstâncias que se verificaram na Europa depois da II guerra mundial e que
devastaria muitas partes do mundo, com principal incidência para a Europa. Por isso, foi
encarado como o único caminho a seguir para que a Europa se pudesse erguer.

O Estado social, na perspectiva do Estado democrático de direito implica desde logo a sua
realização, o que pressupõe a preservação dos valores e princípios que independentemente da
época, permitem classificar um Estado como Estado de direito. Significa isto que a garantia

!18
dos direitos fundamentais dos cidadãos continua a ser considerada como o fim essencial do
Estado. Isto pressupõe a manutenção do núcleo essencial do Estado de Direito: a divisão de
poderes, o princípio da legalidade da administração e a tutela jurisdicional dos direitos dos
particulares.

O Estado social tendo subjacente a questão social, decorre da sua natureza uma preocupação
não apenas com a manutenção da segurança jurídica, mas também com a criação das
condições materiais que permitam a cada um o livre desenvolvimento da sua personalidade e
uma existência condigna. Resultam daí alterações sensíveis no entendimento, quer dos
direitos fundamentais quer das técnicas jurídicas associadas à respectiva protecção, conforme
alerta Jorge Reis Novais.

Segundo aponta Jorge Reis Novais, o Estado social implica novos paradigmas em três
aspectos fundamentais da definição de Estado:
1-No aparecimento de novos direitos fundamentais, em nome de uma igualdade social e
reduzindo a liberdade individual que se orientam em cinco direcções principais:
a)-verifica-se o processo de fundamentalização dos chamados direitos sociais (incluindo os
direitos económicos, sociais e culturais) que ao lado dos direitos e liberdades clássicos (direito
de manifestação, de reunião, liberdade de expressão etc), passam a ser considerados como
direitos fundamentais, os direitos positivos de carácter social.

b)- Reavaliação dos direitos, liberdades e garantias e com isto passam a ser condicionados por
uma nova perspectiva de integração comunitária e vinculação social, determinadas pelo
objectivo de garantir uma vinculação a uma igualdade material entre todos os cidadãos e não
já uma mera igualdade formal. A vinculação material afecta á área das relações de produção e
em especial a concepção de propriedade que deixa de ser um direito absoluto posição que é
substituída pela concepção de dignidade de pessoa humana, que é independente do grau de
riqueza ou da posição social de cada um.

c)-em função da desvalorização do direito de propriedade, assiste-se a uma generalização da


atribuição dos direitos políticos, particularmente o direito de voto, e a um aprofundamento e

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consolidação das regras da democracia política como condição indispensável à existência do
Estado de Direito.

d)-surgem novos tipos de direitos virados para a integração e corresponsabilização social de


todos, acompanhados de exigências de solidariedade geracional e universal, como os direitos
próprios de certas categorias sociais tais como: direitos das crianças, das mulheres, de
minorias sociais, étnicas, sexuais, ao que se acrescentou recentemente o direito ao ambiente e
os direitos dos povos ao desenvolvimento.

e)-a compreensão dos direitos fundamentais não apenas como direitos de defesa contra os
abusos e violações praticadas pela autoridade pública, mas também como valores que se
impõem genericamente a toda a sociedade.

2-Na sofisticação de diversos mecanismos de organização do poder político, com a abolição


do dogma da separação rígida de poderes entre os poderes executivo, legislativo e judicial
que deixam de ser repartidas de forma mecânica e estanque e passam a ser o favorecimento
de mecanismos de participação democrática.
Nesta senda a repartição de poderes passa a ser entendida como um processo de distribuição e
integração racionalizadas das várias funções e órgãos do Estado, de forma a limitar as
possibilidades de exercício arbitrário. Concretamente verifica-se:
a)-uma progressiva diluição de fronteiras entre as áreas do legislativo e do executivo que se
traduz no aumento considerável da actividade legislativas dos Governos e a contrapartida dos
Parlamentos a invadirem à área reservada aos governos (Ex. leis-medida destinadas a
responder a situações e necessidades governamentais concretas ou as chamadas leis
individuais que configuram actos administrativos sob a forma de lei).

b)-verifica-se o reforço da separação, independência e relevância do poder judicial no


conjunto dos poderes do Estado.
b.1)- assiste-se a uma reavaliação das relações entre política e jurisdição com a consequente
atribuição ao poder judicial do controlo da verificação da conformidade constitucional dos
actos legislativos e de alguns actos políticos.

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b.2) a manutenção dos direitos fundamentais e as garantias constitucionais, não apenas das
eventuais violações praticadas pela Administração, mas também das derivadas dos órgãos
legislativos e políticos e actuadas através da forma de lei, resultando daí o reconhecimento do
carácter formalmente superior das normas constitucionais relativamente às leis ordinárias e,
consequentemente, , a exigência do controlo da constitucionalidade das leis pelos tribunais
comuns ou por tribunais especialmente criados para o efeito: os Tribunais Constitucionais, o
que deu lugar à chamada justiça constitucional que é o baluarte ou guardião do Estado de
Direito.

c)- Desenvolvem-se novos mecanismos de limitação efectiva do exercício do poder político,


que não se verificavam no Estado liberal, como é o caso:
c.1)- do reconhecimento e encorajamento do pluralismo, dos direitos da oposição e das
minorias, do direito de alternância política, da importância da opinião pública e de uma
imprensa livre;
c.2)- o caso da chamada divisão vertical ou territorial de funções, através da regionalização e
descentralização política e administrativa;
c.3)- a repartição social de funções, com o aprofundamento dos mecanismos de democracia
participativa e de integração dos cidadãos e das suas associações na vida política e no próprio
exercício das funções estatais;
c.4)- valorizam-se novos mecanismos de racionalização da democracia representativa e de
limitação do poder, como sejam a limitação temporal de certas funções públicas, a instituição
de sistemas de governo mais complexos e a valorização de escolhas institucionais decisivas
para a vida política, como sejam as do sistema eleitoral e do sistema de partidos.

3-A criação de uma organização constitucional de economia domínio relevante para levar à
prática vários objectivos de intervenção social.

1)-A ideia de se atingir uma nova organização económica passa a pertencer ao programa
constitucional, que inclui a novidade de inserir capítulos sobre a estruturação da economia: as
chamadas constituições económicas, matéria inexistente nas constituições liberais.

!21
2)-A intervenção económica do Estado como sujeito ordenador da actividade económica em
substituição da concepção não intervencionista do Estado.
3)- A tributação molda-se ao princípio da progressividade, ao mesmo tempo que se assiste ao
crescimento do sector público, perante o aumento assinalável das funções sociais do Estado,
na satisfação dos novos direitos fundamentais económicos e sociais.

6- O constitucionalismo de língua portuguesa. Direito Constitucional comparado de língua


portuguesa.

Fala-se num constitucionalismo de língua portuguesa para se aferir os traços comuns no


domínio do Direito Constitucional, numa perspectiva não apenas normativa como também
cultural, comum aos países que integram à Comunidade do Países de Língua Portuguesa,
CPLP.

Para isso é preciso considerar, como lembra Peter Haberle, que a constituição não é um mero
texto normativo, sendo antes expressão de um estado de desenvolvimento cultural. Ela é, por
outras palavras, expressão viva de um status quo cultural e em permanente evolução e, por
isso, em última análise, um meio através do qual o povo se encontra a si mesmo através da
sua própria cultura. É neste sentido, segundo Rui Medeiros, que se ultrapassa as fronteiras de
um Direito Constitucional da cultura em sentido estrito; a Lei Fundamental pode ser vista
como espelho fiel da herança cultural de um povo e seu fundamento de esperança, sendo que
a cultura pode ser inclusivamente projectada como um dos elementos configuradores do
Estado constitucional.

Assim, a tentativa de se conhecer o desenvolvimento do Direito Constitucional comparado de


língua portuguesa, só parece interessar a meso-comparação constitucional, na medida que está
em causa a observação conjunta e organizada dos Direitos Constitucionais, não cabendo
apreciar soluções jurídicas para certos institutos jurídicos, por mais importantes que sejam,
dando atenção às grandes coordenadas que podem caracterizar o Direito Constitucional de
língua portuguesa.

!22
Partindo de duas premissas base, em primeiro lugar, a do plano dos valores para assinalar o
sentido que as Constituições dão ao significado da pessoa humana e à constatação, tal como
acontece noutros espaços constitucionais, pode-se afirmar também que na Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa- o chamado espaço cultural lusófono- o papel dos intérpretes da
Constituição não se esgota nas fronteiras de cada Estado de lingua portuguesa. Nesta
conformidade Gomes Canotilho que “é importante dar um contributo positivo à edificação de
uma comunidade de gentes, de uma comunidade de olhares, interesses e projectos múltiplos,
que possibilite aos respectivos povos e nações um diálogo comunicativo em prol da justiça e
do desenvolvimento económico e social”.

Deste modo é possível à semelhança de se falar de um património constitucional europeu,


também se pode falar de um espaço constitucional alemão que compreende a Alemanha, a
Áustria e a Suiça ou de um constitucionalismo de matriz espanhola que abrange múltiplos
países não europeus, ou de uma comunidade latino-americana de nações, também se verifica a
existência de uma comunidade lusófona, ius commune lusófono. (Rui Medeiros). Trata-se
também, como afirma este autor, de um caminho facilitado devido aos processos de
transformação constitucional que se verificaram nos cinco países africanos de língua
portuguesa.

Na busca de traços identitários do constitucionalismo de matriz lusófona, independentemente


das particularidades constitucionais de cada Estado, é importante localizar os traços comuns
ao conjunto de Estados. Mas isto significa que se deve-se apenas análisar os elementos
comuns das constituições dos diversos países da lusófonia como, deve-se igualmente, na
mesma linha, analisar os elementos comuns à jurisprudência de cada um dos países para se
aferir em que medida é que sofrem influência recíproca na argumentação interpretativa ou
pelo menos avaliar o grau de intensidade e de evolução quer do princípio do Estado de Direito
quer do princípio democrático.

O caminho da comparação tem como ponto de partida a Constituição portuguesa de 1976 que
consagra os traços estruturantes do Estado de Direito Democrático que historicamente é a

!23
primeira das actuais constituições em vigor e, consequentemente, a primeira fonte de
inspiração dos novos textos constitucionais dos países de língua portuguesa. Isto implica a
busca de um paradigma de Direito Constitucional dos Estados de Língua Portuguesa para se
descortinar o que nela se pode oferecer de comum. Para além disso, procurar-se também
atender as influências vindas do Brasil (Constituição de 1988).

I-São as seguintes as semelhanças a partir de uma visão específica do Estado de Direito (Rui
Medeiros):

a)-Uma ordem de liberdade materializada num catálogo extenso e alargado de direitos


fundamentais.

Verifica-se que a Constituição portuguesa para além de muito extensa apresenta o âmbito dos
direitos fundamentais como um programa normativo bastante ambicioso. Esta é uma situação
que também se verifica noutras ordens constitucionais que apresentam não apenas uma
progressiva intensificação e alargamento dos direitos fundamentais como uma generalização
ou tendencial universalização, o que leva a caracterizar o tipo do Estado constitucional como
sendo o Estado dos direitos fundamentais.
Nos outros países lusófonos observa-se a tendência da Constituição Portuguesa de 1976, em
sede de extensão do âmbito dos direitos fundamentais, com destaque para a Constituição
Brasileira, caracterizada por uma forte profusão de posições subjectivas nas mais variadas
áreas da actividade humanas; a enumeração exaustiva da Constituição angolana de 2010 e o
sistema de direitos fundamentais consagrados na Constitução de Timor Leste, incluindo na
parte referente aos direitos económicos, sociais e culturais.

b) - A abertura do sistema de direitos fundamentais

A Constituição portuguesa tem uma dupla abertura em materia de direitos fundamentais. (i)
admite a existência de direitos fundamentais não consagrados no texto constitucional, mas
constantes das leis e das normas de Direito Internacional e (ii) determina que os preceitos

!24
constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais sejam interpretados e integrados
de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Esta abertura, que se estende para além das fontes de direito interno que Peter Haberle chama
de novos horizontes e novos desafios do constitucionalismo, verifica-se também nas
constituições dos países de língua portuguesa com destaque para a Constituição brasileira
evidenciada nos §§ 2, 3, e 4 do artigo 5º da Constituição de 1988. A Constituição da
República de Angola, CRA, consagra no artigo 26º.

c)- O princípio da socialidade e uma visão solidarística da dignidade da pessoa humana


concretizada num conjunto diversificado de direitos económicos, sociais e culturais.

Jorge Miranda refere a este propósito que “na Assembleia Constituinte, liberdade significa
também libertação da miséria, da insegurança e da necessidade”.

A ideia de justiça social ou de solidariedade e o princípio do Estado social tendem a integrar


hoje os elementos fundamentais do Estado constitucional europeu, apesar de existirem
grandes diferenças não só quanto ao modo de consagração dessa ideia ou princípio, mas
também quanto à força normativa dos preceitos que os consagram. Deve-se isto ao facto de
não existir nenhuma enumeração taxativa neste domínio, quanto à extensão de um catálogo de
direitos sociais, mas também quanto à força normativa dos preceitos que os consagram.

A Constituição portuguesa de 1976 a este respeito apresenta uma inequívoca especificidade


porquanto, associa os aos direitos sociais de um conjunto importante de políticas públicas;
insiste num catálogo extensor de direitos sociais, optando desta feita por entender as
pretensões jusfundamentais de natureza social muito para além do universo dos direitos
sociais. Esta é também a opção fundamental dos textos constitucionais de língua portuguesa
em vigor ainda que no caso da Guiné Bissau, a sua Constituição no que tange aos direitos de
natureza económica e social surjam dispersos no título respeitante aos direitos liberdades e
garantias e deveres fundamentais. Rui Medeiros cita Reginaldo Oscar de Castro e refere a este
respeito que a opção dos países lusófonos em apostar nos direitos sociais constitui uma

!25
reacção a uma realidade económica-social em que se verifica uma imensa turma dos sem-
emprego, dos sem-terra, dos sem-pápeis, dos sem- tecto, dos sempátria, dos sem-o-que-comer,
dos sem-eira-nem-beira, em suma dos excluídos da abastança.

Todavia, no caso concreto de Angola não pode deixar de ser feita menção a um passado
recente muito marcante da sua história atinente à 1ª República em que se fez opção por um
modelo socialista de Estado baseado na ideologia do proletariado e na economia planificada.
Sem dúvida que este modelo de Estado é apanágio dos direitos sociais, pelo que esta realidade
é muito actual e marcante na história política de Angola e no constitucionalismo angolano.

d)-O Estado como promotor das transformações sociais e como actor economico numa
economia de mercado.

A Constituição portuguesa de 1976 consagrou uma ordem económica apostada na realização


da democracia económica, social e cultural e na promoção do bem-estar e da qualidade de
vida do povo e da igualidade real entre os portugueses, bem assim como na efectivação dos
direitos económicos, sociais e culturais, aposta numa economia de Mercado. Com isto
desligou-se não apenas do princípio socialista, como repudia quer o sistema puro de economia
liberal quer uma constituição dirigente económica ou um sistema de direcção central de
economia.
As diversas constituições dos Estados lusófonos apontam igualmente no sentido de uma
economia social de marcado.

e)-Um sistema alargado de justiça constitucional

Este ponto pode ser entendido de diversas formas sendo que o entendimento sobre o sistema
de fiscalização será tratado na parte especial. Aqui debruçamo-nos apenas no facto da justiça
constitucional ser assegurada também por tribunais comuns na parte referente à aplicação de
normas inconstitucionais e especificamente pelo Tribunal Constitucional que efectua a
fiscalização da constitucionalidade.

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Dos países da CPLP, Portugal e Angola criaram logo Tribunais Constitucionais e mais
recentemente foi criado em Cabo-Verde (2015). Na Guiné-Bissau, São Tomé e Principe e
Timor- Leste as funções de controlo da constitucionalidade são efectuadas pelo Tribunal
Supremo.
Moçambique é o que optou pelo modelo francês que vigorou até 2009. Moçambique criou um
Conselho Constitucional que é o órgão encarregue de zelar pela fiscalização da
constitucionalidade e o Brasil onde apesar de se designar Supremo Tribunal Federal, porém
trata-se de um Tribunal Constitucional.

f)- O reforço da garantia da força normativa da Constituição através de um sistema


hiper-rígido de revisão constitucional.

A Constituição portuguesa de 1976, não só constitui uma Constituição rígida, como também
se apresenta, ao combinar uma interdição tendencial de revisão da Constituição antes de
decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária com a
exigência de que as alterações da Constituição sejam aprovadas por maioria de dois terços dos
Deputados em efectividade de funções e com a consagração de uma vastíssima cláusula de
limites materiais expressos de revisão constitucional, como um texto constitucional doptado
de um elevado grau de rigidez.

A hiper-rígidez está também presente na cláusula de revisão das Constituições dos países
africanos de língua portuguesa que apresentam para além dos limites temporais, (que impõem
que uma revisão constitucional apenas ocorra de cinco em cinco anos. Timor-Leste fixou em
seis anos), apresentam limites orgânicos (concentrando a aprovação exclusivamente nos
órgãos parlamentares, poder legislativo não partilhado com outros órgãos legislativos),
apresentam limites materiais (forçando a que a revisão da constituição não ponha em causa
certas matérias, valores ou princípios considerados como o núcleo identitário da constituição,
proibindo a revisão da constituição durante o estado de excepção) e limites procedimentais
exigindo maioria de 2/3 para se alterar a Constituição, (imposição que obriga a um maior
empenho democratico).

!27
No Brasil que adopta a designação de emenda constitucional, pode esta ocorrer em qualquer
época e carace de ser aprovada por três quintos dos membros do Congresso. Mas ainda assim
subsistem algumas semelhanças importantes decorrentes das chamadas cláusulas pétreas que
são limites materiais.

II-Características a partir de uma visão do Estado democrático

a)- Os membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, CPLP, incluindo os que


integram os PALOP, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, têm como princípio
democrático como um princípio central, embora existam especificidades políticas próprias de
cada Estado, que conferem à organização do poder politico nas diferentes Constituições
lusófonos traços particulares. Isto torna mais difícil descortinar, uma matriz comum no
domínio organizatório.

De qualquer modo, pode-se neste âmbito assinalar importantes influências que se cruzam,
sendo de assinalar que um dos domínios em que uma parte da doutrina tende a acentuar as
divergências ou as descontinuidades é o do sistema de governo.

Assim é que no que diz respeito ao sistema de governo assinala-se um percurso que tem sido
traçado de forma diferente da Constituição portuguesa de 1976. Pelo contrário, esta é uma
matéria em que se evidencia a influência central que o sistema de governo consagrado na
Constituição brasileira de 1988 também tem desempenhado.

Como contraste, Rui Medeiros assinala o sistema presidencialista consagrado no Brasil e na


Constituição de Angola e os sistemas semi-presidenciais nos demais países de língua
portuguesa. Por seu turno, dentro dos sistemas formalmente de matriz semi-presidencial,
verifica-se que a prática política não é unidireccional. Em Cabo-Verde acentua-se a direcção
parlamentarizante, mas em São Tomé e Princípe mantém-se o equílibrio semi-presidencial
enquanto que na Guiné-Bissau e em Moçambique verifica-se o acentuar da direcção
presidencializante, sendo o Presidente da República o chefe efectivo do governo, apesar de
existir, mas com escassa autonomia política, a figura do Primeiro-Ministro. Em Timor-Leste,

!28
o sistema de governo que resulta das várias articulações constitucionais aponta para uma
concepção próxima do semipresidencialismo, tal como vigora em Portugual, segundo Jorge
Bacelar Gouveia in Manual de Direito Constitucional, I, Coimbra, 2ª ed., 349-350 e 368-369.
Jorge Bacelar Gouveia alerta para o facto de a opção angolana, guineense ou moçambicana
apresentarem-se mais próximos de uma concepção mais monárquica do que republicana do
sistema político, suspeitando, da “inadequação geral da concepção republicana europeia ao
mundo africano, que encara o papel do Chefe – seja ele nacional, seja ele local, num sentido
monárquico”.

Os traços que susbsistem revelam uma marca lusófona, tais como os numerosos requisitos de
elegibilidade do Chefe de Estado, a eleição do Presidente da República por sufrágio universal,
directo, secreto e periodico (ainda que no caso de Angola, na mesma eleição em que se
procede à escolha dos Deputados da Assembleia Nacional) ou a difusão do sistema de
representação proporcional na eleição dos membros do parlamento.

b)- Uma característica comum às diversas Constituições de língua portuguesa tem que ver
com os princípios da autonomia e da descentralização, como uma preocupação comum
partilhada pelos diversos legisladores constitucionais lusófonos. Significa que para os
membros da CPLP a separação dos poderes (um fenómeno que já foi baptizado como o
milagre da multiplicação dos poderes) assume igualmente uma dimensão vertical, que mais
não é do que o reconhecimento de uma vontade geral para a prossecução de interesses
próprios diferentes do interesse nacional. Estes concretizam uma maior aproximação entre o
autor e o destinatário da norma, dá maior abertura à participação e influência das forças
sociais, assim como à libertação do poder público (nacional) do encargo, que nem sempre
estaria em condições de cumprir adequadamente, de ponderar as circunstâncias específicas
de entidades infra-estaduais de população e território.

O sistema brasileiro consagra o modelo federal e a Constituição distingue quarto categorias


doptadas de poder político: (i) a União (Estado Federal ou Federação), (ii) os Estados
(Federados), (iii) o Distrito Federal (equiparado a Estado) e (iv) os municípios.

!29
Os outros membros da CPLP consagram o princípio do Estado unitário que consagraram
igualmente um Estado unitário descentralizado. Todavia, não se ignora que em muitos casos a
efectividade da autonomia está ainda longe de ser realidade, porquanto muitas vezes a
tendência é de prevalecer uma forte concepção unitarista do poder, que muito dificilmente
aceita distribuir poder, mesmo que administrativo por outras instituições (Bacelar Gouveia in
sistemas…138 e 141).

➢ As diferentes posições da doutrina portuguesa

Posição de Carlos Blanco de Morais (in Tópicos sobre a formação de uma comunidade
constitucional lusófona), “não existem elementos de homologia que, sob um ponto de vista
dogmatico, permitam falar na existência de uma família constitucional lusófona existente, ou
mesmo em génese”. Para o efeito o autor aponta o facto que não existe de entre as diversas
constituições lusófonas um ponto homólogo de referência a partir das matrizes clássicas
norte-americana, francesa e britânica, como também se regista que as suas ordens jurídicas
mais desenvolvidas, a portuguesa e a brasileira, pertecem a famílias constitucionais distintas:
a primeira agrega-se à família francesa e a segunda à norte-americana. Por seu turno, os
Estados africanos, sobretudo os que foram dilacerados por guerras civis, ainda não reunem
condições materiais para uma democracia praticada, pelo que apresentam um fenómeno da
“nominalização ou falta de consolidação dos regimes democráticos”. Aponta ainda as
diferenças de sistemas de governo existente entre os diversos países da CPLP e no domínio
económico refere que embora formalmente se consagre a economia mista, materialmente
verifica-se no Brasil e em Portugal predomina uma economia de mercado e nos restantes
países uma economia colectivista ou dominada pelo sector publico.

Nesta mesma linha, situa-se Paulo Ferreira da Cunha que considera uma comunidade
constitucional da lusófonia uma utopia, apesar de considerar bem-vindas as relações
existentes aos diversos níveis.

Posição de Jorge Bacelar Gouveia é no sentido eclético. Ou seja, reconhece que os textos
constitucionais dos PALOP espelham influência da Constituição portuguesa de 1976 tanto no

!30
estilo adoptado como na sistematização seguida e adianta que a influência se reflecte em
algumas das instituições jurídico-constitucionais que foram escolhidas, como consequência da
participação de técnicos portugueses na elaboração das constituições. Mas conclui que a
aproximidade entre as Constituições dos estados de língua portuguesa é meramente textual,
histórica e cultural, sublinhando que fora deste plano não se pode afirmar a existência de um
sistema constitucional de matriz portuguesa, com instituições próximas, tanto é que há
importantes elementos de distanciação e até de adulteração.

Posição de Rui Medeiros (Constitucionalismo de matriz lusófona: Realidade e projecto- 1ª


Assembleia da Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua
Portuguesa, Lisboa, 20 de Maio de 2010) que assume como pano de fundo uma aproximação
tipológica, adiantando, desde logo, que o tipo tem fronteiras por natureza fluídas. Para este
autor que cita Oliveira Ascensão, o tipo resulta de um elenco de características relevantes,
mas figuras que ocorrem podem conter um número maior ou menor dessas características,
sem deixarem de poder ser referidas a ele. Por isso, neste sentido tipológico, sobretudo na
perspectiva do Estado de Direito, há hoje uma matriz constitucional lusófona.

Rui Medeiros aponta a este respeito que a Constituição portuguesa de 1976 e a Constituição
brasileira de 1988 apresentam muitos traços em comum: a extensão das matérias com
relevância constitucional, o cuidado posto na garantia dos direitos de liberdade, a
consagração de numerosos direitos sociais, a descentralização, a abundância de normas
programaticas. Ainda o autor, citando Jorge Miranda refere que a Constituição brasileira
consagra regras ou institutos indiscutivelmente provindas da portuguesa: a definição do
regime de Estado Democrático de Direito, alguns direitos fundamentais, o estimulo ao
cooperativismo, o alargamento dos limites materiais da revisão constitucional, a fiscalização
da constitucionalidade por omissão. Mas apesar das semelhanças, reconhece o Autor que o
Brasil pela sua longevidade e diversificada experiência constitucional, tem recebido
múltiplas influências jurídico-culturais de outros sistemas, a começar pelo sistema jurídico
norte-ameriacano, nomeadamente em materia de sistema de governo e de fiscalização da
constitucionalidade.

!31
Quanto aos PALOP, Rui Medeiros reconhece igualmente, apesar das especificidades
decorrentes das diferentes formas de institucionalização dos países e das culturas particulares,
que apresentam uma certa homogeneidade. Adianta a este respeito que ainda que os PALOP
tenham elaborado originariamente uma normatização constitucional com traços autoritários,
com concepções monistas de poder, com a consagração de partidos únicos (…), com a
compressão de liberdades públicas e altos níveis de intercencionismo estatal, é correcto
afirmar que após os processos de transição constitucional ocorridos, esses regimes passaram
a sofrer um influx directo da experiência institucional da antiga metrópole. O actual
constitucionalismo dos novos países de língua oficial portuguesa revela, assim, uma
marcante influência do constitucionalismo português e harmonização de princípios segundo
paradigmas fundamentais equivalentes.

➢ Em termos formais, as Constituições dos PALOP são hoje muito idênticas:

-Todas prevêem de um Estado de Direito democratico;


- Todas prevêem de um Parlamento unitário;
-Todas prevêem um poder judicial independente;
-Todas prevêem possibilidade de um referendo nacional;
-Todas prevêem um Parlamento como tendo competência legislativa;
-Todos Estados são unitários aliados a uma forte previsão de poder local;
-Todas prevêem fiscalização jurisdicional da constitucionalidade à excepção de Moçambique
que tem uma fiscalização política;
-Todas prevêem os direitos, liberdades e garantias do cidadão em 1º lugar e depois os direitos
económicos e sociais, com excepção de Moçambique onde se verifica a situação inversa;
-Todas são rigídas, têm uma forma especificamente prevista para serem alteradas.

7- A história constitucional de Angola e o constitucionalismo angolano.

!32
Ao abordar-se o constitucionalismo angolano é necessário atender-se à sua história política
inserida na rota dos descobrimentos portugueses da idade moderna bem assim como não se
pode descorar a sua ancestralidade cultural que procederam a colonização.

Deste modo o itinerário histórico-político angolano permite divisar quarto fases, apesar de se
concordar que não há uma única divisão historico-política de Angola, mas tal como refere
Jorge Bacelar Gouveia, esta periodificação tem o mérito de atender aos tópicos mais
relevantes para o Direito constitucional angolano, porquanto estão relacionados com a
organização do poder publico angolano. São as seguintes fases:
(i)- a fase colonial, da descoberta e ocupação portuguesa;
(ii)- a fase da 1ª República, com a independência política no exercício do direito à
autodeterminação contra o país colonizador e posterior adopção de um regime inspirado no
socialismo soviético;
(iii)- a fase de transição para um regime jurídico-constitucional de Estado de Direito
democratico, após os Acordos de Bicesse, (também apelidada de 2ª República) com a abertura
ao pluralismo político-social, a realização das primeiras eleições pluripartidárias presidenciais
e legislativas;
(iv)- a fase de aprovação da Constituição da República de Angola, CRA, que formalmente é
de consolidação politico-constitucional.
O constitucionalismo angolano reporta-se à data colonial (1482-1974), todavia devemos
entender que nem sempre se pode falar de limitação do poder político pelo direito,
independentemente do reconhecimento do exercício da governação centralizado numa
constituição.

Assim considerando julgamos não ser incorrecto considerar que as fases da história
constitucional de Angola não coincidem necessariamente com a da doutrina do
constitucionalismo como uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.
Este é o nosso ponto de vista. Todavia há autores que denfendem o contrário designadamente
Jorge Bacelar Gouveia, autor do livro: Direito Constitucional de Angola, Faculdade de
Direito, Universidade Nova de Lisboa, 2014 (99-127).

!33
Relativamente aos períodos da história constitucional em Angola, temos que:
(i)- Angola foi constituída colónia em 1575, com a a chegada de Paulo Dias de Novais que se
instalou numa localidade que a partir de 1576 passou a chamar-se de Luanda. Nesse período
colonial Angola foi sempre objecto da constitucionalização seguindo a indicação geográfica
de Portugal de enumeração das possessões ultramarinas de que se destaca na África Ocidental
Angola, Benguela, e sua dependências Cabinda e Molembo, no período da monarquia: o art.
20º, III, da Constituição; o art. 2º, §2º, da Constituição de 1826; o art. 2º, §, da Constituição
de 1838.
- O acto adicional de 1852 (revisão constitucional da Constituição de 1826, marcou uma nova
fase no regime jurídico-constitucional na medida que Angola é considerada uma das
provínciais ultramarinas. Estabelecia o artigo 15º que as províncias ultramarinas podiam ser
governadas por leis especiais.
- A Constituição de 1911 através de uma orientação resulta para as províncias ultramarinas
que na Administração passa a predominar o regime da descentralização, com leis especiais
adequadas ao estado de “civilização” de cada uma das colónias. Mais tarde uma revisão
constitucional da Constituição de 1911, aprova a Lei nº 1005, de 7 de Agosto de 1920 altera o
conceito inicial de colónia e estabelece que, “As colónias portuguesas gozam, sob a
fiscalização da metrópole, da autonomia financeira e da descentralização compatíveis com o
desenvolvimento de cada uma, e regem-se por leis orgânicas especiais e por diplomas
coloniais nos termos deste título”.
-Do Estado novo, que teve na Constituição de 1933 o seu fundamento jurídico-constitucional,
resulta para as colónias uma nova organização administrativo e no caso de Angola retoma as
possessões, tais territórios que ainda eram considerados colónias passam com a aprovação do
Decreto-Lei º 22 465 a ser considerados domínios ultramarinos de Portugal. Mantém o
mesmo valor, mas acrescenta-se que “Os domínios ultramarinos de Portugal denomiam-se
colónias e constituem o Império Colonial Português. Devido a pressão e evolução da política-
internacional, sobretudo depois do reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos
pelo Conselho das Nações Unidas verifica-se uma alteração no regime jurídico-constitucional.
Passaram a designar-se de “provínciais ultramarinas”.
-A revisão constitucional de 1951 revogou o Acto Colonial, integrou alterações à Constituição
de 1933 por via da Lei nº 2048, de 11 de Junho.

!34
-Em 1953 foi aprovada a Lei Orgânica do Ultramar Português, a Lei nº 2066, de 7 de Junho
de 1953, diploma que é alterado pela Lei nº 2119, de 24 de Junho de 1963.
-Antes tinha sido publicado o Decreto-Lei (DL) nº 39666, de 20 de Maio de 1954, que
aprovou o “Estatuto dos Indígenas Portugueses da Guiné, Angola e Moçambique. ( o Estuto
dos Indígenas Portugueses era uma lei discriminatória que estratificava os cidadãos, sendo
que aos considerados indígenas eram cerceados os mais elementares direitos de cidadania no
campo político, económico e social. Não tinham direitos. Assim não podiam de dispor do seu
direito de propriedade, não tinham direito de acesso à escola pública e no campo da justiça
não tinham o direito de acesso aos tribunais, nem o direito de constituirem advogado e para
além disso, eram sujeitos a um regime de trabalho forçado que era arregimentado por meio do
“contrato”, instalado com carácter obrigatório pela máquina repressora do quadro
administrativo colonial).
- A partir da década de sessenta, a luta de libertação nacional assume-se como luta armada a
partir de 4 de Fevereiro de 1961 e isto teve impacto no regime colonial português. Verificou-
se uma revisão à Constituição de 1933 pela Lei nº 3/71 de 16 de Agosto cujo objectivo era
salvar a situação colonial. Assim Angola passou a chamar-se de Estado de Angola. Resulta
esta da atribuição às províncias ultramarinas do estatuto de regiões autónomas, com a
aprovação da Lei Orgânica do Ultramar Português (Lei nº 5/72 de 23 de Junho). Esta lei
esclarece que, “as provínciais ultramarinas são parte integrante da Nação, com estatutos
próprios como regiões autónomas, podendo ser designadas por Estados, de acordo com a
tradição nacional, quando o progresso do seu meio social e a complexidade da sua
administração justifiquem essa qualificação”.
- O DL nº 544/72 de 22 de Novembro aprovou o Estatuto Político-Administrativo da
Província de Angola que entrou em vigor no dia 1º de Janeiro de 1973 e defeniu Angola nos
seguintes termos: “Angola é uma região autónoma da República Portuguesa, doptada de
personalidade juridica de direito publico interno e usa a designação de Estado. Estabeleceu
como orgãos do governo próprio: o Governador-geral, a Assembleia Legislativa e a Junta
Consultiva.

(ii)- O processo da independência de Angola e a instauração da 1ª República.

!35
O golpe de Estado de 1974 dirigido pelo Movimento das Forças Armadas que ocorreu no dia
25 de Abril marcou um programa com um dos três grandes objectivos a alcançar a
descolonização dos territórios ultramarinos. A lei nº 7/74, de 27 de Julho, lei com valor
constitucional provisório, estabelecia:
a) o princípio da solução política e a rejeição da solução militar( Decorre daqui que a
solução da guerra no ultramar é política e não militar);
b) o reconhecimento da plenitude do princípio da autodeterminação dos povos
(reconhecimento que implicava uma independência total e imediata das colónias)
c) a titularidade da correspondente competência no Presidente da República (Competia
ao Presidente da República Portuguesa, ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o
Conselho de Estado e o Governo provisório, concluir os acordos relativos ao exercício
do direito reconhecido à autodeterminação).
Em consequência a Lei nº 6/74, de 24 de Julho fixou um regime transitório de governação
comum para os Estados de Angola e Moçambique.
Os Governadores-gerais deveriam ser substituídos por uma Junta Governativa, composta
por quarto a sete membros, incluindo o Presidente, nomeados e exonerados pelo
Presidente da República, sob proposta da Junta de Salvação Nacional.
O Presidente da Junta era equiparado a Ministro e tinha como competência coordenar e
fiscalizar a execução das deliberações tomadas pela Junta. Para além disso, deveria
também exercer funções de Comandante –chefe das Forças Armadas.
Esta foi uma solução que não vingou e com a Lei nº 11/74, de 27 de Novembro desenhou
de outro modo a governação de Angola, como se referiu atrás.

Recapitulando: passou a ter a seguinte configuração:


-Um alto-comissário (representação da soberania portuguesa no Estado de Angola)
-Um Conselho de Defesa e Segurança (com a incumbência de estabelecer e coordenar
directrizes sobre a defesa interna e a segurança do Estado de Angola)
-Um Governo Provisório (constituído pelo Alto-Comissário e por Secretários e
Subsecretários de Estado, com o exercício das funções legislatives e executiva).

!36
A 15 de Janeiro de 1975, assinou-se o Acordo de Alvor entre Portugal e os três
movimentos de libertação que participaram na guerra de libertação nacional: FNLA,
MPLA e UNITA. No essencial este Acordo estabelecia:
-o carácter unitário e indivisível de Angola, incluindo Cabinda (art. 3º);
-A proclamação da independência para 11 de Novembro de 1975 (art 4º);
-o governo de transição até à independência constituído pelo Alto-comissário e pelo
Governo de Transição, presidido e dirigido pelo Colégio Presidencial (art. 5º);
-a aceitação de um cessar-fogo geral entre todas as partes com efeitos imediatos (art 6º);
-marcação de eleições gerais para a Assembleia Constituinte de Angola no prazo de nove
meses (art. 40º).

Com a assinatura do Acordo do Alvor revogou-se a Lei nº11/74 e fixou-se uma nova
estrutura de governo pela Lei nº 1/75, de 30 de Janeiro. A nova estrutura passou a ter um
Governo de Transição, uma Comissão Nacional de Defesa e um Estado- Maior Unificado.

Devido a guerra que se instalou entre os movimentos de libertação nacional consignatários


do Acordo de Alvor a Lei Fundamental não chegou a ser eleborada e na data anunciada
para a independência foi a mesma proclamada pelo Comité Central do MPLA a 11 de
Novembro de 1975 e com isso nasceu a República Popular de Angola na capital do país.
Os outros dois movimentos, a FNLA e a UNITA proclamaram no Huambo, a República
Democrática de Angola que teve uma duração muito breve.

A Lei Constitucional de 1975 passou a designar-se de Lei Constitucional da República


Popular de Angola e vigorou na sua essência de 1975-1991 e corresponde à 1ª República.

O primeiro texto constitucional angolano no confronto com os textos constitucionais


africanos lusófonos da sua geração apresentava uma grande influência da União soviética.
Este caracterizava-se por uma ditadura do proletariado como programa ideológico e uma
economia planificada e em termos de objectivos visava a construção do socialismo
ciêntifico rumo ao comunismo. Do ponto de vista jurídico assentava no princípio da

!37
legalidade socialista, o que significava que as leis só tinham validade desde que se
destinassem em fazer valer o socialismo.

A primeira Lei Constitucional consagra Angola como uma república popular e um Estado
soberano, independente e democratico cujo primeiro objectivo é a total libertação do povo
angolano dos vestígios do colonialismo e da dominação e agressão do imperialismo e a
construção de um país próspero e democratico, completamente livre de qualquer forma de
exploração do homem pelo homem, materializando as aspirações das massas populares.

O MPLA assumiu a direcção económica, social e cultural do país com base na sua
legitimidade revolucionária.

Do ponto de vista da estrutura do Estado, previa-se os seguintes órgãos:


a)-O Presidente da República (Chefe de Estado e Presidente do Conselho da Revolução e
era por inerência o Presidente do MPLA, com funções politico-representativas);
b)-O Conselho da Revolução órgão de carácter transitório que antecede a Assembleia do
Povo. É o órgão supremo do poder do Estado);
c)-O Governo (presidido pelo Primeiro-Ministro e composto por Ministros e Secretários
de Estado, era o órgão executivo e tinha a incumbência de conduzir a política interna e
externa do Estado sob a orientação do Conselho da Revolução e do Presidente da
República e superintender no conjunto da administração pública, podia ainda partilhar a
função legislativa que lhe fosse delegada pelo Conselho da Revolução)

d)-Os tribunais (a organização, composição e competência era remetida para a lei, dispunham
do exercício da função jurisdictional, visando a realização de uma justiça democrática).
Ao longo da 1ª República, a Lei Constitucional foi sendo sucessivamente revista
pontualmente por forma a corresponder aos momentos históricos e ambiência política. São as
seguintes as revisões operadas:
➢ Lei nº 71/76, de 11 de Novembro (reforçou o papel do MPLA através do Comité
Central);

!38
➢ Lei nº 13/77, de 16 de Agosto (reforçou os poderes do Presidente e reduziu o papel do
Conselho da Revolução);
➢ Lei Constitucional revista a 7 de Fevereiro de 1978 (reforçou o papel do MPLA-
Partido do Trabalho que passou de movimento a partido marxista-leninista);
➢ Lei nº 1/79, de 16 de Janeiro (alterou a estrutura organica do Estado com a extinção
dos cargos de Primeiro-Ministro e Vice-Primeiro-Ministro)
➢ Lei Constitucional de 23 de Setembro de 1980 (apresentou-se como uma das
principais revisões. Alterou o título III da Lei Constitucional da República Popular de
Angola de 1975; extinguiu o Conselho da Revolução e criou a Assembleia do Povo
ao nível nacional. Surgiram também as Assembleias do Poder Popular sendo
definidas como órgãos do Estado, a Assembleia do Povo, o Presidente da República,
o Governo, os órgãos locais do Estado e os Tribunais e a Procuradoria-Geral da
República, aplicando-se à sua organização e funcionamento os princípios da unidade
do poder e do centralismo democratico)
➢ Lei nº1/86, de 1 de Fevereiro (Cria o novo cargo de Ministro de Estado para as
principais áreas de actividade governativa
➢ Lei nº 2/87, de 31 de Janeiro (recompôs a Comissão Permanente da Assembleia do
Povo no sentido de se conferir uma maior representatividade em função da
remodelação que ocorrera nos mandatos da Assembleia do Povo). (Aqui)

(iii)- A fase de transição para um regime jurídico-constitucional de Estado de Direito


democratico, após os Acordos de Bicesse. (A partir desta fase da história constitucional
pode-se já introduzir-se a etapa do constitucionalismo angolano, na medida que se criam
mecanismos para a limitação jurídica do exercício do poder político).

A Guerra civil que se instalou em Angola, logo depois da proclamação da independência


unilateralmente pelo MPLA e que opôs o Governo de Angola, por um lado, e, por outro lado,
a UNITA, como factor interno e a queda do sistema socialista a nível internacional, como
factor externo, levou a que se assinasse os Acordos de Bicesse a 31 de Maio de 1991 entre os
beligerantes.

!39
Os Acordos de Paz de Bicesse, assinados em Portugal sob mediação daquele país,
representavam não apenas o fim da guerra civil, como e sobretudo o lançamento de bases para
a construção de um Estado democratico de Direito e marcou um período de grandes
transformações a nível da política, do direito, da economia e do social que no essencial deu
lugar ao sistema pluripartidário e abriu-se o país à economia de mercado.

Estes acordos foram precedidos da Lei nº 12/91, de 6 de Maio (Lei de Revisão


Constitucional) que tratou de efectuar uma revisão profunda à Lei Constitucional de 1975 e
foi efectuada ainda pela Assembleia do Povo e numa situação de monopartidarismo.
A Lei Constitucional de 1975 foi profundamente alterada pois foram introduzidas alterações
estruturais na ordem constitucional, mudando-lhe radicalmente a identidade, pela consagração
de um Estado de Direito democrático.

A Lei nº12/91 não foi apenas uma Lei de Revisão Constitucional, mas um novo texto
constitucional, exprimindo um novo poder constituinte. Assinala no preâmbulo que os
principais objectivos consistia na consagração do multipartidarismo e a despartidarização das
forças armadas e dar dignidade constitucional às transformações introduzidas na área
económica nos últimos anos. Para além disso, assinala-se como traços de fundo:
- A abolição à referência ao papel do MPLA como partido único de vanguarda e à
construção do socialismo científico;
- A alusão ao pluripartidarismo e ao sufrágio directo e universal na escolha dos titulares
dos órgãos politicos;
- O reconhecimento do pluralismo de sectores de propriedade, contra o anterior
predomínio da propriedade socialista ou da economia planificada.
Paralelamente à Lei Constitucional de 1991 foram criados importantes diplomas legais,
complementares à nova ideia de Direito estabelecida:
. Lei da Nacionalidade (Lei nº13/91, de 11 de Maio);
-Lei das Associações (Lei nº14/91, de 11 de Maio);
-Lei dos partidos Políticos (Lei nº15/91, de 11 de Maio);
-Lei sobre o direito de reunião e de manifestaçãp (Lei nº 16/91, de 11 de Maio);

!40
-Lei sobre o estado de sítio e o estado de emergência (Lei nº17/91, de 11 de Maio);
-Lei de Imprensa (Lei nº22/91, de 15 de Junho);
-Lei da Greve (Lei nº23/91, de 15 de Junho).

A Lei nº12/91 cumpriu a missão histórica de estabelecer as bases jurídico-constitucionais que


permitiram equacionar a questão da transição política e constitucional, mas não deixou de ser
insuficiente em face das exigências sociopolíticas de momento e isto justificou uma segunda
revisão que ocorreu em 1992, a Lei nº23/92, de 16 de Setembro. Esta teve como objectivo a
clarificação do sistema político, separação de funções e interdependência dos órgãos de
soberania, assim como a explicitação do estatuto e garantias da Constituição, em
conformidade com os princípios já consagrados de edificação em Angola de um Estado
democrático de direito.
Para além disso, a necessidade de uma revisão à Lei Constitucional em 1991 tinha também o
objectivo geral de aprofundar a legislação constitucional e nesta via assegurar a estabilidade
do país, consolidar a paz e a democracia que os órgãos de soberania e funcionamento do
Estado exigiam, incluindo a eleição da Assembleia Nacional, que sairia das eleições gerais,
que cuidaria do processo até à aprovação da Constituição da República de Angola.

São as seguintes as mudanças introduzidas pela Lei Constitucional de 1992:


➢ Suprimento da expressão “popular” na designação da República. Passou a
designar-se “República de Angola”.
➢ Adopção em geral do paradigma do Estado de Direito Democrático.
➢ O reforço da protecção dos direitos fundamentais.
➢ A separação dos poderes de Estado, adoptando-se um semipresidencialismo
presidencializante.
➢ A criação de um Tribunal Constitucional, com funções de fiscalização da
constitucionalidade.
A Lei de Revisão Constitucional devidas as alterações profundas que efectuou à Lei
Constitucional vigente, alterando a base dos princípios em que se alicerçava, configura uma
nova Constituição quer do ponto de vista material quer do ponto de vista formal, pois não só
se afirma como uma descontinuidade formal como introduz um elemento novo até aí

!41
desconhecido. A Lei de Revisão Constitucional de 1992 muito mais complete que a de 1991,
na medida em que acrescenta novos institutos e adiciona mais direitos, bem como altera
aspectos simbólicos, todavia não comporta alterações estruturais. Com esta lei dá-se a revisão
complementar ao mesmo tempo que se coloca na posição de texto constitucional de transição
para uma ordem constitucional definitiva.

A este respeito Jorge Bacelar Gouveia refere que a Lei de Revisão Constitucional de 1991
cabe no conceito de “Constituição intercalar”, uma vez que assumiu-se como poder
constituinte material e formal de curta duração com a determinação de iniciar uma transição
constitucional que só terminaria com a aprovação da Constituição definitivo da República de
Angola.

Devido a guerra civil que reiniciou logo após as eleições gerais realizadas a 29 e 30 de
Setembro de 1992, com a alegação por parte da UNITA de fraude eleitoral não se realizaram
as eleições de forma períódica como estava previsto. Todavia, iniciou-se os trabalhos
preparatórios para aprovação da Constituição da República de Angola.

Em 1996, efectuou-se a primeira revisão à Lei Constitucional de 1992, aprovada pela Lei
nº18/96, de 14 de Novembro e que incidiu sobre quatro questões fundamentais com vista a
assegurar a continuidade do processo político em curso:

prolongar o mandato dos Deputados à Assembleia Nacional perante a situação de


Guerra civil;
reconhecer o GURN- Governo de Unidade e Reconciliação Nacional;
diante da impossibilidade objectiva de realização de novas eleições legislativas no
prazo constitucional devido a Guerra pós-eleitoral devia-se assegurar esse
compromisso insdispensável em democracia;
Atender ao interesse nacional e com o objectivo de promover e garantir a plena
normalidade constitucional assim como o de assegurar a paz e reconciliação nacionais.

!42
Nesta conformidade, a Lei nº 18/96 de 14 de Novembro, Lei de Revisão Constitucional,
estabelece concretamente que a realização das próximas eleições legislativas na República de
Angola teriam lugar logo que estivessem preenchidas as condições militares, políticas, de
segurança e materiais previstas na Lei Constitucional e demais legislação vigente na
República de Angola, designadamente:
a)-a extensão dos órgãos do estado a todo o território nacional e a garantia do livre
funcionamento da actividade administrativa e do reassentamento das populações em todo o
país;
b)-a garantia de segurança e de livre circulação de pessoas e bens em todo o território
nacional;
c)-a garantia das liberdades fundamentais dos cidadãos em todo o território nacional;
d)- a alteração da lei eleitoral;
f)-o censo da população angolana em todo o território nacional;
g)-o novo registo eleitoral em todo o território nacional.

O Acordo de paz foi assinado a 4 de Abril de 2002, na sequência da morte em combate do


lider da UNITA, Dr Jonans Malheiro Savimbe. Mas em 2005 efectuou-se uma nova revisão
que aconteceu a 21 de Setembro, Lei nº 11/05.

A Lei nº11/05, de 21 de Setembro fundamentou a sua existência na necessidade urgente de se


rever pontualmente a Lei nº18/96, em virtude da mesma se ter tornado nalguns aspectos
desajustada da realidade, tendo, em consequência, disposto que a realização das eleições
teriam lugar quando estivessem criadas as condições militares, políticas, de segurança e
materiais previstas na Lei Constitucional e demais legislação vigente na República de Angola,
nomeadamente. Nesta conformidade manteve as alíneas a), b), c) e g) da Lei nº18/96 e
suprimiu a exigência da aprovação da futura Constituição da República de Angola antes da
realização das próximas eleições, a alteração da Lei Eleitoral e o censo da população angolana
em todo o território nacional, como estava previsto:

Mas, esta lei foi revogada três meses depois da realização das eleições legislativas de 2008.
No entanto, aprovou-se uma nova Lei Eleitoral, a Lei nº 6/05 de 10 de Agosto.

!43
(iv)- A fase de aprovação da Constituição da República de Angola, CRA, que
formalmente é de consolidação politico-constitucional.
A aprovação da Constituição da República de Angola em 2010, CRA,depois de realizadas
eleições legislativas em 2008, não foi um acto consensual, porquanto foi a mesma aprovada
com 186 votos a favor e 2 abstenções dos 220 Deputados à Assembleia Nacional.

A UNITA, principal partido da oposição não participou na votação, apesar de ter sido o factor
determinante na componente interna que obrigou à transição política e constitucional em
1991. Em causa estava o facto de não ter concordado com o procedimento adoptado e com a
falta de consenso sobre algumas questões que considerou de fulcrais no exercício do poder
constituinte derivado que coube à Assembleia Nacional.

É que na legislatura que iniciou em 2008 a Assembleia Nacional criou, através da Lei nº2/09,
de 6 de Janeiro, uma Comissão Constitucional representativa dos partidos no Parlamento,
tendo em vista a elaboração de um projecto de Constituição.

Devido a falta de entendimento a Comissão foi suspensa mas foram produzidos três projectos
de constituição, projectos A, B e C, e prevendo três sistemas de governo diferenciados. O
dado novo é que o MPLA, depois rectificou a sua proposta (proposta A) e introduziu um
sistema atípico designado de presidencialista-parlamentar que foi aprovado pela Assembleia
Nacional.

Com a aprovação da CRA dá-se como findo o periodo de transição constitucional e completa
a manifestação do poder constituinte que iniciará em Angola com a Lei de Revisão
Constitucional de 1992, que consagrou a democracia multipartidária, as garantias dos direitos
e liberdades fundamentais dos cidadãos e o sistema economic traduzido na economia de
mercado.

A aprovação da CRA tem sido referenciada como marcando um segundo momento da


manifestação da constituinte formal em Angola, sendo que o primeiro momento ocorreu em

!44
1992 (material). Apresentando um sistema de governo atípico e um desequilíbrio manifestado
na repartição dos poderes do executive e da Assembleia Nacional, no resto pode-se dizer que
a CRA manteve a identidade constitucional da Lei Constitucional de 1992, tendo-a
aprofundado sobretudo no domínio dos direitos fundamentais.
Uma das questões que se tem levantado com a CRA de 2010 prende-se com a
determinabilidade da sua natureza jurídico-publica tendo em conta o facto de na teoria do
Direito Constitucional apenas fazer sentido falar-se de Constituição quando a mesma resulta
de um poder constituinte, poder prototípico do Estado, qualquer que seja, adstrita à
Assembleia Nacional. Assim considerando, há quem entenda que não houve inovação com a
CRA em relação a Lei Constitucional de 1992, não tendo surgido um poder constituinte com a
virtualidade de esclarecer uma diversa identidade constitucional, pelo que dever-se-ia
contestar a designação de “Constituição” que foi dada ao texto aprovado pela Assembleia
Nacional, só justificável pelo facto do texto constitucional de 1992 nunca se ter assumido
como definitivo tanto é que até evitou a nomenclatura de “Constituição”, usando uma
designação menos comprometedora e mais adequada à sua transitoriedade.

Bibliografia

-Gomes Canotilho, em Memória, in Constituições dos países de lingual portuguesa, Jus


Coninmbrigae, Coimbra, 1997

-Guia da Aula Teórica/Direito Constitucional angolano, de Fernando Macedo.

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