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Faculdade de Direito na Universidade de Lisboa

Direito
Constitucional
Regente: Luís Pedro Dias Pereira Coutinho

Assistente: Lis Lene D’Alessi Cisz

Lições de Direito Constitucional- Volume I

CAPÍTULO I
O CONSTITUCIONALISMO
4. A ideia de constitucionalismo
O primeiro problema que temos pela frente é o de saber o que devemos entender
por constitucionalismo, uma realidade, segundo alguns autores, constitui uma das
maiores aquisições da humanidade dos últimos mil anos (Pierangelo Schiera).

4.1. Vários prismas sobre o conceito de constitucionalismo


Para Gomes Canotilho existem vários constitucionalismos, designando
constitucionalismo como a teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável
à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma
comunidade; numa maneira mais simples, o constitucionalismo é uma técnica especí ca
de limitação do poder com ns garantísticos. Numa acepção histórica-descritiva divide o
constitucionalismo em:

• Moderno: movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de


meados do século XVIII, questiona nos planos político, losó co e jurídico os
esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a
invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político.

• Antigo: conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçares da


existência de direitos estamentos perante o monarca e simultaneamente
limitadores do seu poder.

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Na perspetiva de Maria Lúcia Amaral, o constitucionalismo tem pelo menos dois


signi cados, (a) um entendido como ideal, que evoca uma certa tradição de
pensamento e que pertence ao domínio da história das ideias, podendo-se falar de um
constitucionalismo no singular; (b) um outro, entendido como prática jurídica, que
pertence à linguagem do Direito, e por isso, devemos falar num constitucionalismo no
plural. Em ambos os signi cados o constitucionalismo tem o mesmo objetivo:
moderar o exercício do poder político, de forma a que este respeite a autonomia e a
liberdade dos indivíduos.

Ao contrário de Miguel Nogueira Brito que tende a identi car o conceito de


constitucionalismo com o conceito de Constituição.

4.1.2

Não se pode identi car o constitucionalismo nem com a Constituição, nem com a
separação de poderes, nem com o Estado de Direito, além de redundante, o conceito
seria sempre redutor e inútil e, por isso, devemos inspirar-nos na tradição anglo-
saxónicas com o autor Charles Howard Mcllwain e, na Europa, na historiogra a
constitucional italiana contemporânea, designadamente em Maurizio Fioravanti.

Segundo Mcllwain, o traço marcante do constitucionalismo é a limitação do


poder político pelo Direito; é uma limitação jurídica do poder; é a antítese da decisão
arbitrária; é o oposto do governo despótico, o governo da vontade e não do Direito.

Na perspetiva de Maurizio Fioravanti (apoiado por Lúcia Amaral e Gomes


Canotilho), o constitucionalismo é um movimento de pensamento que está, desde as
suas origens, orientado a prosseguir nalidades políticas concretas, que se traduzem
essencialmente na limitação dos poderes públicos e na a rmação de esferas de
autonomia normativamente garantidas. Para este professor, o constitucionalismo tem
dois lados que estão indissoluvelmente ligados:

1. O lado do limite (o lado negativo ou de resistência), traduz-se nas ideias de


moderação, de limitação do poder, de garantia dos direitos individuais, de
separação de poderes, de tutela judicial;

2. O outro lado, da construção da unidade política (lado positivo ou de


participação), consolidado com as ideias de consenso, de participação, de
contrato social, de soberania, de vontade geral, de solidariedade, de
racionalização, de e ciência.

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O constitucionalismo tem necessariamente estes dois lados entrelaçados,


uma vez que, a debilitação do poder do Estado corresponde a uma equivalente
debilitação do constitucionalismo, ou seja, um Estado fraco nem consegue garantir
a liberdade nem realizar o bem comum.

4.2 Constitucionalismo antigo e moderno


José Melo Alexandrino concorda com a ideia de que o constitucionalismo
relevante para o Mundo do Direito é um fenómeno essencialmente moderno, estando
como tal ligado ao nascimento do Estado moderno na Europa.

A professora Maria Lúcia Amaral refere que o constitucionalismo moderado é um


herdeiro natural do ideal antigo do governo moderado, mas que traz uma ruptura com a
tradição clássica, na base de 9 postulados:

1. O fundamento do poder político provém da vontade dos seus membros e não de


uma realidade que lhe seja transcendente;

2. A ordem fundamental de uma comunidade política deve constar de uma


constituição escrita que resulta da decisão soberana da nação ou do povo;

3. Os poderes só são legítimos quando exercidos de acordo com o título que lhes
confere a constituição;

4. O título que determina a pertença à comunidade política não é a corporação, mas


a condição de cidadão;

5. Os direitos do homem têm primado sobre qualquer outro valor e devem ser
respeitados pelo poder político;

6. A esfera política é autónoma da esfera religiosa;

7. Os poderes do Estado não devem estar concentrados num único órgão;

8. O mais importante desses poderes deve ser o legislativo, a cargo do Parlamento


que represente a vontade do povo ou nação;

9. As decisões políticas tomadas em nome do povo devem em princípio


corresponder à vontade da maioria.

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Na perspetiva de Maurizio Fioravanti, é possível identi car quatro fases do


constitucionalismo, designados como;

1. Constitucionalismo das origens: decorreu entre o século XIV até à segunda metade
do século XVIII (1776-1789); são-lhe associados grandes nomes do modelo
constitucionalismo inglês (desde Henry Bracton, no século XIII, a Sir Edward Coke
ou James Harrington, no século XVII) mas também guras como Maquiavel, ao
propor a equidade, passando por Althusius com o destaque do papel do pacto,
ligando diversas realidade num só povo, e a terminar, já no século XVIII, com
Montesquieu, que recupera o ideal da forma moderada de governo, inspirado
justamente no exemplo da Inglaterra; Pode ser caracterizado da seguinte forma:

• Parte das realidades sociais e jurídicas existentes de facto;

• Não envolve nem a ideia de poder soberano, nem a de igualdade, nem a


de direitos individuais;

• É um constitucionalismo historicamente fundado;

• Assenta num princípio de moderação, mas também de rmeza ( rmitudo);

• Tem como objetivos a coexistência, a estabilidade, a concórdia e o evitar


as crises;

• Representa o ideal da Constituição mista, assente em leis fundadas na


história.

2. Constitucionalismo das Revoluções: nas suas duas matrizes, a norte-americana e a


francesa, dura menos de um quarto de século (termina, ainda que de modo diferente
nos EUA em 1787 e na França em 1799); esta fase é despertada na loso a política
de Thomas Hobbes (manifestada pelo menos três aspetos- partido de um imaginário
estado de natureza, por ter entendido que os indivíduos eram perfeitamente iguais, e
por ter colocado todos os membros do povo sob o mesmo poder soberano), mais
tarde continuado com Rousseau que lhe acrescenta o elemento democrático;

• A rmação da igualdade dos indivíduos, que deixam de ser entendidos


como parte de grupos e classes diferentes;

• Parte-se de um estado de natureza (que é imaginado de diferentes


formas por Hobbes, Locke e Rousseau) em vez de se partir das
realidades existentes na sociedade;

• Reconhece e proclama os direitos naturais como direitos morais (direitos


do homem);

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• Através da matriz hobbesiana, recusa a moderação e o equilíbrio dos


poderes (Hobbes), valoriza a vontade geral, o princípio da soberania
ilimitada e a democracia direta (Rousseau);

• Através da sua matriz lockeana, há uma visão menos radical da


igualdade, requer a separação dos poderes, nomeadamente a separação
entre o poder de fazer a lei e o poder de governar (Locke), coloca como
m da sociedade política a conservação dos direitos naturais e concebe
ainda a Constituição como um conjunto de princípios de que o primeiro é
a liberdade (Kant).

3. Constitucionalismo da época liberal: dura sensivelmente um século, que decorre


desde 1814 a 1917; tem os seus vultos em nomes como os do irlandês Edmund
Burke e dos franceses Benjamin Constant e Alexis de Tocqueville (inspirado no
exemplo dos EUA);

• Representa uma época de progresso gradual, de estabilidade das


soluções políticas e institucionais;

• In uenciado pelo modelo constitucional inglês;

• Segundo Constant, exprime uma necessidade de uma soberania limitada,


desde logo pelos direitos individuais;

• Perde-se a ideia americana de supremacia da Constituição para se


a rmar a supremacia do Estado e o primado da lei (Estado de legalidade),
excluindo qualquer forma de controlo da constitucionalidade;

• Na Inglaterra, por sua vez, consolida-se o princípio da soberania do


parlamento.

4. Constitucionalismo da democracia constitucional: tem início depois de 1945,


perfazendo por esta altura a bela idade de setenta anos; entre os lósofos que
anteciparam o constitucionalismo da democracia constitucional está Hans Kelsen,
defensor do pluralismo, da democracia representativa, do poder constituinte como
processo aberto e, da supremacia da Constituição.

• Surge uma nova democracia, a democracia constitucional que aceita ser


disciplinada juridicamente pela Constituição;

• Este constitucionalismo recupera a grande ideia da supremacia da


Constituição, acrescentando-lhe o primado dos direitos fundamentais
sobre o poder político do Estado;

• Com a supremacia da Constituição (poderes limitados) é essencial


introduzir o controlo da constitucionalidade;

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• Democracia pluralista;

• Renovação do princípio da igualdade, quer com o sufrágio universal, quer


com a constitucionalizarão dos direitos sociais, quer com a crescente
atenção às diferenças.

4.3. Raízes filosóficas do constitucionalismo: governo moderado

O constitucionalismo inicia-se no século XIV, porque só a partir daí se pode dizer


que passa a haver uma recondução do poder político a regras e a instituições jurídicas,
com m de garantia. Apesar de admitirmos que o constitucionalismo é um fenómeno
moderno, não leva a que o mesmo não tenha raízes losó cas e culturais muito mais
antigas.

Século IV a.c - Platão


Constituição dos antepassados, ideia de que esta não tem uma origem violenta, mas
sim conciliadora e plural, cabendo-lhe ainda a primeira formulação da ideia de
constituição mista, ou seja, de uma constituição (politèia) que concilie democracia,
monarquia e aristocracia.

Aristóteles (discípulo de Platão)


Todas as formas de governo são legítimas (a monarquia, a aristocracia ou a democracia),
o que não se pode aceitar é a degeneração destas formas de governo, que ocorre
quando elas se destinam a servir os interesses particulares de um (tirania), de vários
(oligarquia) ou de muitos (demagogia). A constituição dos antepassados é um modelo da
constituição média.

Ao contrário de Platão, Aristóteles defende um governo de leis e não um governo de


homens.

Século II a.c - Políbio


Antecipa Montesquieu; toda a forma de governo simples e fundada num único centro de
poder é instável daí a necessidade da articulação dos poderes e das várias
magistraturas- magistraturas romanas (elemento monárquico- os cônsules; aristocrático-
senado; democrático- as assembleias).

Século I a.c- Cícero


Acentua a exigência da conciliação, do consenso, da estabilidade e do equilíbrio,
avançando com o conceito de equabilidade.

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Século XII- João de Salisbury


Distinção entre rei e tirano:

• o dever do rei promover a justiça e a equidade é absoluto, sendo a violação


da equidade que produz a tirania; por sua vez, contra o tirano, era possível o
direito de resistência.

Século XIII - S. Tomás de Aquino

Ensinou que o príncipe deve agir para o bem da comunidade, de modo equitativo e justo;
o tirano é aquele que se torna chefe de uma facção que destrói a constituição e contra o
qual se admite também o direito de resistência. Recuperou o ideal da constituição mista
e do poder temperado.

Na transição para o século XIV - Marsílio de Pádua


Reconhece a supremacia da comunidade política ao de nir como legislador o povo ou o
conjunto dos cidadãos ou a sua parte prevalecente, cabendo ainda ao poder legislativo
eleger o poder governativo, que lhe está subordinado.

4.4. Proteção da pessoa humana

O constitucionalismo tem como objetivo a garantia. Do quê? A garantia da proteção da


liberdade da pessoa humana.

Hobbes: o m último, a causa nal e desígnio dos homens (que amam naturalmente a
liberdade e domínio dos votos).

Locke: nenhuma dúvida subsiste de que o Estado é criado para preservar e garantir a
liberdade, a vida e a propriedade.

Montesquieu: doutrina da separação de poderes, está centrada na necessidade de


garantir a todos a liberdade individual, a qual só existe sob os governos moderados.

Rousseau: o contrato social é celebrado para tentar preservar a liberdade primitiva,


continuando, antes como depois, a liberdade a ser o supremo bem (quanto mais o
Estado cresce mais a liberdade diminui).

Kant: vê a liberdade como um direito inato, único e originário- primeiro princípio da


Constituição Republicana.

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Textos Políticos

• Declaração de independência dos Estados Unidos de 1776

• Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789

Sinais da prioridade dos direitos fundamentais sobre qualquer outro valor constitucional:

• Vêm à cabeça das constituições;

• As normas são imediatamente aplicáveis;

• Estão previstos mecanismos internos e internacionais de reação contra violações


cometidas pelos poderes públicos;

• A Constituição alemã de 1949 ou a Constituição sul-africana de 1996 são


exemplares a esse respeito.

4.5. Idem: génese e metamorfoses dos direitos do homem

Na perspetiva de José Melo Alexandrino, os direitos do homem nasceram no nal


do século XVIII como direitos morais e desde essa altura até hoje passaram por duas
metamorfoses: na primeira, transformaram-se em direitos constitucionais (direitos
fundamentais); na segunda, transformaram-se em direitos humanos fundamentais
(direitos humanos), porque com a a II Guerra Mundial veri cou-se que não bastava a
proteção oferecida pelo nível nacional. Quer a soberania dos Estados, quer a ordem
jurídica por estes estabelecida tinham fraquejado na proteção da pessoa humana.

Em suma:

• Direitos teorizados por lósofos (Hobbes, Locke, Rousseau)- Direitos Naturais


(domínio da loso a)

• Direitos morais proclamados no século XVIII- Direitos do Homem (estudados


em várias disciplinas)

• Direitos individuais inscritos nas constituições- Direitos Fundamentais


(estudados no Direito Constitucional)

• Direitos da pessoa humana previstos em normas de Direito Internacional-


Direitos humanos (estudados pelo Direito Internacional).

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4.6. Idem: “Estado de direitos humanos” ou “Estado


constitucional?

Estado de Direitos humanos: É um modelo de sociedade política fundado no


respeito pela dignidade da pessoa humana, na garantia e defesa da cultura da vida e na
vinculação internacional à tutela dos direitos fundamentais, possuindo normas
constitucionais dotadas de e cácia reforçada, um poder político democrático e uma
ordem jurídica axiologicamente justa.

José Melo Alexandrino prefere Estado Constitucional a Estado de direitos humanos:

• Estado de Direitos humanos parte de uma concepção valorativa e antropocêntrica


do direito constitucional. Sendo a concepção do professor Alexandrino
essencialmente formal.

• Não pode acolher a concepção subjacente ao estado de direitos humanos, nem o


seu amplo conteúdo.

• Os direitos humanos estão muito mais desprotegidos do que os direitos


garantidos ao nível nacional (direitos fundamentais), pois só aí por regra podem
ser efectivamente protegidos.

• Prefere falar em Estado Constitucional e não em Estado de direitos humanos, pela


mesma razão que entende que só se pode falar em constitucionalismo nacional e
não em constitucionalismo global.

4.7. b) a finalidade da limitação e da racionalização do poder


político

A pessoa é o m e o Estado o instrumento.

Hobbes: Poder político limitado pelo m de garantir a segurança dos súbditos, mas
também pela equidade.

Racionalização do poder político (igual submissão de todos à mesma lei).

Locke: Poder político limitado pelo m de garantir a vida, as liberdades e a propriedade,


a prossecução do bem comum. Está limitado porque não deve alargar os seus domínios
de intervenção, mas também pela possibilidade de apelo à revolução.

Racionalização do poder político (separação dos poderes, especialmente legislativo e


executivo e com subordinação à lei, separação das Igrejas do Estado).

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Montesquieu: Poder político limitado pelo direito, pelo pluralismo social e pela
moderação, e também pelos controlos recíprocos que devem existir entre os vários
poderes.

Racionalização do poder político (racionalização dos regimes políticos, doutrina da


separação de poderes).

Rousseau: até certo ponto o poder político está limitado pela soberania do povo, que
pode exprimir-se em qualquer momento.

Racionalização do poder político (vontade geral, regra da maioria, democracia directa,


referendo, participação de todos os cidadãos na feitura da lei).

Kant: poder político limitado pelo principio da liberdade, que lhe impõe a garantia dos
direitos, a moderação e recusa do despotismo.

Racionalização do poder politico (principio da maioria, doutrina de separação de


poderes).

4.8. Excurso: desafios do constitucionalismo num sistema de


capitalismo globalizado

No contexto de globalização em que nos encontramos, podemos falar de um


constitucionalismo global? Manifestações das formas de regulação já existentes do
poder politico para além das fronteiras do Estado:

• Normas de ius cogens (matéria de direitos humanos em particular)

• Direito da União Europeia (art 8o/4 CRP)

• O nosso T.C. Ter apreciado em sucessivos acórdãos a validade dos


Memorandos da Troika à luz do Direito Internacional Publico e do Direito da U.E.

• Existência de instituições e das suas estruturas, como: ONU, TJUE, TEDH

• Surgimento de um direito transnacional decretado à margem dos Estados, por


empresas e poderes transnacionais nas mais diversas áreas.

Para o professor José Melo Alexandrino ainda não ha lugar para falar em
constitucionalismo global, uma vez que:

• No plano interno está-se a dar a crise das constituições.

• Di culdade em regular o poder económico à escala global sobre o poder politico


e o jurídico.

• É ainda muito débil a protecção oferecida às normas de Direito Internacional,


como os direitos humanos.

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5. As matrizes históricas do constitucionalismo moderno

5.1. A importância e a superioridade crono-lógica do


constitucionalismo inglês

As três principais matrizes do constitucionalismo ocidental

Gomes Canotilho:

• Chega primeiro, antes do século XIV

• A superioridade deste modelo reside na força dos elementos em que se baseia, nos
principais agentes a que recorre e no m que tem em vista:

a tradição e o pragmatismo, mas também a revolução e a reforma

os agentes são o Rei, Parlamento e a supremacia da lei

o seu m é a expansão da liberdade

Paulo Otero:

• A liberdade/democracia fala Inglês

• O contributo Britânico é anterior e qualitativamente superior ao legado da


Revolução Francesa

• Desde o século XIII: liberdade pessoal, direito de circulação, direito de acesso à


justiça, garantia de proporcionalidade da pena- Magna Carta 1215
• Liberdades são base da constituição, são produto de direito ordinário e aplicadas
pelos juizes.

5.1.1 Gomes Canotilho:

Marcas do constitucionalismo Britânico:

• Liberdade torna-se liberdade pessoal de todos os Ingleses e como segurança da


pessoa e dos bens de que é proprietário (39o Magna Carta)

• Garantia da liberdade e da segurança impôs a criação de um processo justo regulado


por lei

• As leis do País reguladoras das liberdades são reveladas e interpretadas pelos juizes
(common law)

• A partir do século XVII ganha estatuto constitucional a ideia de representação e


soberania parlamentar- Governo moderado
• O poder supremo deve-se exercer através da lei do Parlamento (Rule of law- primado
do direito ou estado de direito)- Governo das Leis e não dos homens.

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5.1.2. Que nomes cam associados a esta matriz

- Henry Bracton: Século XIII; recolha das leis e dos costumes da Inglaterra; o poder
governativo compete ao Rei, e o poder de declarar o direito é obra do Rei no
Parlamento.

- Thomas Smith: Século XVI; Parlamento como lugar de representação de todo o


reino com ascendente sobre o Rei.

- Edward Coke + John Locke: Figuras cimeiras do constitucionalismo Britânico:

Defesa dos ancient common laws and costums of the realm- própria
constituição

Essas leis, pactos e costumes constituem o direito comum, tendo


precedência sobre o parlamento

- James Harrington: De nição do governo de direito- o império das leis e não dos
homens; De nição do governo de facto- império dos homens e não das leis.

- John Locke: Filósofo do constitucionalismo das revoluções; não rompe com a


tradição inglesa de Constituição mista.

5.1.3 Quais são as marcas da constituição inglesa?

• Constituição histórica: repousa na tradição e num longo tempo, preservando a


imagem de Governo Misto- elementos monárquicos, aristocrático, e democrático.

• Não escrita: não há texto/documento chamado de Constituição.

• Em grande medida consuetudinária: Prevalecia de costume como fonte de direito


constitucional, na medida em que uma boa parte das regras sobre organização do
poder politico ou sobre liberdade individual derivam do costume ou de convenções
constitucionais.

Múltiplas leis constitucionais escritas:

Magna carta 1215; Petição de direitos 1628; Lei do habeas corpus 1679; Bill of rights
1689; Acto de estabelecimento 1701; Acto de união com a Escócia 1707; Leis do
Parlamento de 1911 e 1949; Lei dos Direitos humanos 1998; Lei da câmara dos Lordes
1999; Leis sobre a devolução 1998/..; Lei de reforma constitucional 2005;

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5.2. A matriz norte-americana

A revolução começa por ser um acto de protesto das colónias contra a Inglaterra,
por causa da lei do papel selado 1765. A reação da coroa Inglesa e o surgimento das leis
intoleráveis (1774) vão dar lugar à revolta e à guerra das colónias com Inglaterra, guerra
que dura de 1775 até 1782.

Entretanto as colónias em guerra convocam dois congressos (reuniões dos seus


representantes), e a 4 de Julho de 1776, o II Congresso vota a Declaração de
Independência, que apela aos direitos naturais, ao povo e à liberdade.

Em 1777, os novos Estados recém independentes criam uma confederação


(uma associação internacional de Estados, com vista a determinado m, neste caso, o
esforço de guerra).

Perante a fraca estrutura, sob o impulso de nomes como Washington, Madison e


Hamilton, propõe-se a reforma da Confederação. Virá a surgir assim um Estado
federal e uma constituição- Constituição dos Estados Unidos- aprovada na
Convenção da Filadél a em 1787 e posteriormente submetida à rati cação dos
Estados.

5.2.1.

Gomes Canotilho:

Marcas do constitucionalismo norte-americano:

(a) Vontade de a rmar os Direitos que vinham da tradição Britânica e da Glorious


Revolution;

(b) Dirige-se contra um principio do direito constitucional inglês: o principio da


soberania do Parlamento;

(c) Reclama que acima da lei do Parlamento, deve existir uma lei superior;

(d) É ao povo que compete o exercício do poder constituinte;

(e) Poder politico normativamente limitado pela constituição;

(f) Consequências da constituição ser a lei suprema: lei superior torna nula
qualquer lei de nível inferior que contradiga os preceitos constitucionais; essa
proeminência da Constituição levará à elevação dos tribunais a defensores da
constituição (surge scalização da constitucionalidade).

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5.2.2. Que nomes estão associados à matriz norte-americana?

- Edward Coke: Autor Inglês; Leis fundamentais imanentes ao common law;


necessidade das normas fundamentais se tornarem vinculativas e garantidas
pelos tribunais;

- John Locke: Autor Inglês; Novo fundamento racional das leis fundamentais;

- Montesquieu: Separação de poderes;

- Thomas Paine: Defendia que o Rei de Inglaterra tinha abdicado perante os


súbditos americanos; a constituição é uma norma anterior e limitadora do poder
do Estado; a base do governo é um misto de autonomia e consenso.

5.2.3

Marcas da constituição norte-americana:

(a) Escrita

(b) Rígida: só pode ser alterada através de um processo especial que exige 2/3
dos votos do Congresso e a rati cação por 3⁄4 dos Estados, alem de certas
matérias não poderem ser alvo de revisão

(c) Sintética e enriquecida pelo costume e pela jurisprudência

(d) Constituição em sentido formal- texto solene que se distingue das demais leis
ordinárias

(e) Tem apenas 7 artigos, pois adapta-se, através de aditamentos (o ultimo foi à
cerca de 40 anos) e de precedentes, praticas e interpretações do Supremo
Tribunal

(f) A versão inicial não prevê direitos individuais, mas em Setembro de 1789 são
aprovados os 10 primeiros aditamentos (Bill of rights), que procederam à
constitucionalização dos direitos do homem- tendo os direitos do homem que
eram até então apenas morais, passado a ser garantias jurídicas invocáveis
contra o estado federal.

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5.3. A matriz francesa

A matriz francesa começa com a Revolução Francesa, dando-se uma


extraordinária aceleração de movimentos políticos e constitucionais.

5.3.1.Traços:

(a) Constitucionalismo que visa fazer um corte com o passado

(b) Pretende criar uma ordem social e política totalmente nova

(c) Ruptura com a constituição histórica precedente e com os direitos até ai


reconhecidos

(d) Revolução proclama os direitos naturais do homem como direitos individuais

(e) Contrato social assente nas vontades individuais

(f) Poder de fazer a constituição (poder constituinte) é um poder originário


pertencente à nação

5.3.2. Nomes associados à matriz francesa

- François Hotman: tradição de constituição mista anterior, com a qual se quis


romper.

- Montesquieu: tradição de constituição mista anterior, com a qual se quis romper.

- Jean Bonin: tradição de constituição mista anterior, com a qual se quis romper.

- Rousseau: Contrato social.

- Abade de Sieyés: Poder de fazer a constituição (poder constituinte) é um poder


originário pertencente à nação; importante distinção entre poder constituinte e
poder constituído; a rmação de uma soberania originária e incomprimível da
nação; valor da representação política como lugar necessário de formação da
vontade geral; justi cação de um sufrágio não universal; procura de instrumentos
de garantia, de limitação dos poderes constituídos.

- Benjamín Constant: Constitucionalismo liberal século XIX.

- Tocqueville: Constitucionalismo liberal século XIX.

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5.3.3. Quais os traços das Constituições francesas?

Em relação à Constituição Inglesa:

• Constituições Francesas são escritas e rígidas, cortam com a tradição de


constituição mista diferenciando-se;

• Nem em Inglaterra nem na França se pode falar rigorosamente em direitos


fundamentais. Na Inglaterra não ha constitucionalização dos direitos, e na França
ainda vale essencialmente a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão de
1789;

• Nem na Inglaterra nem na França se admitiu o controlo de constitucionalidade das


leis. Na França por força da ideia de lei como expressão da vontade geral. A partir
de 2008, na França admitiu-se um certo controlo de questões que envolvam direitos
e liberdades.

Em relação à Constituição norte-americana:

• A constituição é nos EUA um documento jurídico fundador e uma lei superior, na


França é apenas um texto politico

• A constituição dos EUA é valorativa e pragmática, na França é arti cial e desligada


das realidades

• Nos EUA a constituição esta acima da lei, na França as leis estão acima da
constituição

• Nos EUA há scalização da constitucionalidade, na França é expressamente


recusada a interferência dos juizes nos demais poderes

• Semelhanças: nos dois países fala-se em poder constituinte, do povo ou da nação;


em ambos é um documento escrito com autor e data; em ambos a constituição é
rígida e distinta das leis ordinárias.

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