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Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL II


Prof.ª Maria Raquel Rei
NEGÓCIO JURÍDICO
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Aula teórica 23-02-2020

FACTO JURÍDICO é todo o acontecimento da vida real que tem eficácia jurídica / que
produz efeitos jurídicos (efeitos que se encontram indissociavelmente ligados ao surgimento,
à modificação, à transmissão ou à extinção de situações jurídicas).
CARVALHO FERNANDES: “o facto jurídico é todo o evento a que o Direito reconhece
relevância como fonte de eficácia jurídica” e “o facto jurídico constitui a concretização de
uma situação que, sob forma hipotética, a norma faz depender a produção de efeitos de
direito”.

Quando falamos de facto jurídico, temos de fazer uma distinção (a distinção é importante
para determinados efeitos que o ordenamento jurídico faz depender da vontade humana).

No facto jurídico em sentido amplo (que corresponde a todo o acontecimento que produz
efeitos jurídicos, como já referido), temos: facto jurídico em sentido estrito e ato jurídico .

—> facto jurídico em sentido estrito - facto que, para efeitos de eficácia jurídica, é
independente da vontade humana, ou seja, a vontade humana não é determinante na
produção de efeitos de direito.
Exemplos: (1) a morte (os efeitos jurídicos desencadeados pela morte - extinção da
personalidade jurídica e abertura da sucessão - são independentes da vontade humana; se a
morte foi fruto de suicídio, continuamos a falar de um facto jurídico em sentido estrito, visto
que, ainda que o facto seja causado pela própria pessoa, os seus efeitos não são
determinados pela vontade humana (2) o nascimento (com ele, nasce um novo centro de
imputação de normas jurídicas) (3) um incêndio que acione um contrato de seguro (4) um
desastre de automóvel que acione responsabilidade civil (5) ganhar a lotaria (nasce o direito
de receber o prémio e a obrigação de o entregar).

—> ato jurídico (em sentido amplo) - facto humano que, para efeitos de eficácia jurídica, é
uma manifestação da vontade humana / facto humano em que interfere, de modo relevante
na produção de efeitos jurídicos, a vontade humana
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(Uma distinção feita por MC: dentro dos atos jurídicos, temos atos lícitos e ilícitos; o ato lícito
é o ato praticado ao abrigo de uma permissão normativa específica ou de uma permissão
genérica, e é também o ato que é irrelevante para o Direito; o ato ilícito é o ato desconforme
ao Direito, o ato que viola uma disposição normativa).

ATO JURÍDICO

SEGUNDO PAULO CUNHA E MENEZES CORDEIRO, dentro do ato jurídico em sentido amplo,
temos (1) ato jurídico em sentido estrito - ato jurídico que assenta apenas na liberdade de
estipulação (2) negócio jurídico - ato jurídico que assenta, simultaneamente, na liberdade de
celebração e de estipulação.
LIBERDADE
—> De celebração: consiste na permissão de dizer “sim” ou “não” (exemplo: perfilhação - ou
aceito ou não; não posso modelar o conteúdo da perfilhação, os efeitos por ela originados).
—> De estipulação: possibilidade de modelar o conteúdo do ato (não é apenas dizer “sim” ou
“não” a determinados efeitos jurídicos —> é também intervir no seu conteúdo).

MRR não concorda com a distinção feita por MENEZES CORDEIRO.


- Pensa que a tese de MC não está de acordo com o direito positivo, não devendo ser
adotada. Defende que nas normas jurídicas, não existe nada que evidencie uma fronteira
entre atos com muita e pouca liberdade de estipulação. refere que a categoria dos atos
jurídicos em sentido estrito não desaparece, devido ao artigo 295.º, mas não concorda
com a posição atrás defendida.
PARA MRR:
— > Ato em sentido estrito: facto da vida, humano e voluntário (senão não seria ato), mas em
que não existe uma auto-regulação de interesses - apenas se valoriza a vontade de praticar o
ato.
Exemplos de atos jurídicos em sentido estrito:
1. Interpelação para cumprimento: uma pessoa que é credor de outra interpela-a para o
cumprimento —> existe vontade, mas não existe auto-regulação de interesses.
2. Ocupação (artigo 1318.º CC): instituto que consiste em alguém se apropriar fisicamente
de uma coisa que não tem dono (existe vontade no ato de apropriação, mas os efeitos
jurídicos não dependem da vontade, não são ocasionados pela vontade — são
produzidos em virtude do estipulado no ordenamento jurídico)
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Exemplo típico de ocupação —> apanho uma concha na praia (voluntariamente, aproprio-me
de uma coisa que não tem proprietário, mas os efeitos jurídicos que se seguem,
designadamente o nascimento do direito de propriedade, não dependem da minha vontade,
mas do estipulado no ordenamento).

—> Negócio jurídico: os efeitos jurídicos são produzidos tendo em conta a vontade humana,
tendo em conta uma auto-regulação de interesses (temos um ato praticado voluntariamente
e que é praticado com a intenção de produzir efeitos jurídicos)
O negócio é, assim, o instrumento de excelência da autonomia privada (para além de existir
vontade humana para celebrar o ato, essa vontade repercute-se nos efeitos).

Negócio jurídico como “ato de autonomia privada pelo qual as partes regulam os seus
interesses”.
PARA MC: a autonomia privada exprime a liberdade de constituir e de conformar situações
jurídico-privadas, de acordo com a livre vontade do sujeito, sem necessidade de
fundamentar ou de explicar as suas opções.
Autonomia privada como o espaço onde aos particulares é reconhecida a possibilidade de
conferir eficácia jurídica ao que corresponde à sua vontade.

Dentro do FACTO JURÍDICO em sentido amplo, podemos fazer as seguintes classificações,


que se prendem com a natureza da eficácia jurídica, com a natureza dos efeitos jurídicos
desencadeados pelo facto:
1) Facto constitutivo: facto que dá origem a uma situação jurídica antes inexistente na
ordem jurídica —> ex: nascimento (início da personalidade jurídica).
2) Facto modificativo: facto que conserva uma situação jurídica, mas que altera o seu
conteúdo —> ex: modificação da renda de uma casa (a obrigação de pagar a renda da
casa mantém-se, mas altera-se a sua substância); o negócio jurídico que, nos termos do
artigo 288.º seja confirmado, altera-se por ter sido sanado.
3) Facto transmissivo: facto que provoca a transmissão de dada situação jurídica —> ex:
contrato de trespasse; contrato de compra e venda (com ele, dá-se a transmissão do
direito de propriedade sobre uma coisa).
4) Facto extintitivo: facto que provoca a extinção de uma dada situação jurídica —> ex: o
decurso do tempo que caduca um contrato feito a prazo ou o cumprimento de uma
obrigação (pois se cumpro a obrigação, esta extingue-se).
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Dentro do FACTO JURÍDICO em sentido amplo, podemos fazer outra classificação, que diz
respeito ao ramo do Direito a que os efeitos do facto se reportam.
Temos:
— Facto com eficácia pessoal: a situação jurídica que nasce, que se transmite, que se
modifica ou extingue não tem natureza patrimonial.
— Facto com eficácia real: facto que produz efeitos no âmbito do Direito das Coisas/ Direitos
Reais —> constituição, transmissão do direito de propriedade, por exemplo.
— Facto com eficácia obrigacional: facto que produz efeitos no âmbito do Direito das
obrigações —> do facto, resulta a vinculação das partes, ou de alguma delas, à execução de
prestações.

Esta distinção leva à distinção entre negócios pessoais, obrigacionais e reais quod effectum.
Negócios reais…
Negócios reais quod effectum —> negócios que têm uma eficácia real (os efeitos do negócio
reportam-se ao âmbito dos Direitos Reais, havendo a constituição, a modificação, a
transmissão ou a extinção de direitos reais) —> exemplos: compra e venda (há uma
transmissão do direito de propriedade, sendo que este se transmite por simples celebração
do contrato, ainda que não exista a entrega da coisa); usufruto
Negócios reais quod constitutionem —> negócios cuja celebração depende da tradição
(entrega) de uma coisa/a lei exige, para além das declarações negociais das partes, a entrega
da coisa que constitui o objeto do negócio —> exemplos: o penhor (art. 669.º), o mútuo (art.
1142.º), depósito (art. 1185.º)
(“Os negócios reais quod constitutionem caracterizam-se pela circunstancia, de a sua
validade depender, para além de uma manifestação de vontade, da prática de um ato de
entrega da coisa que é objeto do negócio”).

Características dos Direitos reais (direito real é o direito sobre uma coisa): 1) erga omnes (um
direito real é oponível perante perante todas as pessoas/o direito real atinge todos os
indivíduos) 2) sequela (o direito real persegue a coisa - o titular de um direito real tem “poder
de seguir a coisa, independentemente de onde esta se encontre”) 3) Inerência (o direito real
é inerente à coisa, corpórea ou incorpórea) 4) Prevalência - quando existe um conflito entre
direitos reais, incompatíveis (por ex: direito de propriedade sobre uma mesma coisa),
prevalece o que foi constituído em primeiro lugar.
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Negócio obrigacional — negócio que produz efeitos de natureza obrigacional, havendo a


constituição, a transmissão, a modificação ou a extinção de direitos obrigacionais (exemplos:
ver o capítulo das obrigações — artigo 397.º a 1250.º —> mútuo, comodato…
Características dos Direitos obrigacionais: 1) o direito obrigacional não é erga omnes - só é
eficaz para as partes 2) Par condition creditorum - todos os credores de um devedor são
iguais perante a lei.

NEGÓCIO JURÍDICO, que é atualmente o paradigma do Direito Privado, DIFERE DE


CONTRATO.

Negócio singular (negócio em que participa apenas uma pessoa) VS Negócio plural (negócio
em que intervêm duas ou mais pessoas) é diferente de Negócio unilateral VS Negócio
plurilateral.

NEGÓCIO pode ser…


Unilateral: negócio em que existe uma ÚNICA PARTE
Exemplos: procuração, testamento
Multilateral: negócio em que existem DUAS OU MAIS PARTES
O negócio multilateral corresponde ao contrato, que é um acordo de vontades juridicamente
relevante. Geralmente, o contrato envolve duas partes, tendo uma natureza bilateral -
contrato de compra e venda/contrato de arrendamento/contrato de trabalho. Contudo,
existem contratos que envolvem mais do que duas partes - contrato de sociedade, por
exemplo.

O QUE É UMA PARTE?


O conceito de parte não se identifica com o conceito de pessoa (daí que negócio unilateral,
negócio em que há apenas uma parte, não seja sinónimo de negócio singular, negócio em
que intervém apenas uma pessoa) —> podem num certo negócio várias pessoas estar
interligadas de modo a constituir uma única parte (ato de instituição de uma fundação por
parte de cinco pessoas: temos um negócio plural, pois conta com a intervenção de mais de
uma pessoa, mas unilateral —> UMA PARTE PODE SER CONSTITUÍDA POR MAIS DE UMA
PESSOA).
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Vários autores debruçam-se sobre a fixação do conceito de “parte”, a fim de distinguirem os


negócios unilaterais dos multilaterais.
1) Aproximar a ideia de parte da ideia de declaração - nos negócios unilaterais, existe uma
única declaração, ainda que eventualmente feita por várias pessoas; nos negócios
plurilaterais, existem várias declarações.
MENEZES CORDEIRO rejeita esta ideia - afirma que “distintas declarações podem dar azo a
um negócio unilateral, desde que se encontrem ordenadas de modo paralelo”. No mesmo
sentido, CARVALHO FERNANDES diz “tal como no negócio jurídico unilateral, podem intervir
várias pessoas, também nele podem ser identificadas várias declarações, uma por cada um
dos seus autores”.
2) Aproximar a parte da ideia de interesse
CABRAL MONCADA define parte como “pessoa, ou conjunto de pessoas, que representam no
ato o mesmo interesse” —> assim, no negócio unilateral, o interesse seria único, ainda que
compartilhado por várias pessoas, ao passo que no negócio multilateral, no contrato,
existiriam diferentes, ou até opostos, interesses. MENEZES CORDEIRO discorda —> afirma
que pode suceder que os vários intervenientes num negócio unilateral tenham, sem prejuízo
pela sua posição comum, interesses objetiva e subjetivamente diversos.

Qual o critério usado por MENEZES CORDEIRO? “A distinção entre negócios unilaterais e
contratos não pode repousar no número de pessoas, de declarações negociais ou de
interesses presentes, mas sim nos efeitos que venham a ser desencadeados pelo negócio”.
Negócio unilaterais — os efeitos do negócio não diferenciam as pessoas que, eventualmente,
nele tenham intervido —> não há um tratamento diferenciado e a inexistência de um
tratamento diferenciado permite-nos considerar que existe uma única parte.
Negócio multilateral: os efeitos do negócio diferenciam duas ou mais pessoas (fazem surgir,
a cargo de cada interveniente, regras próprias, que devem ser cumpridas e que podem ser
violadas, independentemente umas das outras).

Qual o critério usado por CARVALHO FERNANDES? “Quando, num negócio jurídico, uma ou
mais pessoas manifestam vontades representativas dum mesmo interesse, logo orientadas
num mesmo sentido, constituem uma parte” —> assim, numa compra e venda pura, temos
duas partes, pois temos vontades representativas de dois interesses opostos.
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A doutrina comum, com base no artigo 457.º, entendo que os negócios unilaterais são
dominados por um princípio da tipicidade —> MC discorda - considera esta tipicidade
somente aparente.

Classificação de negócios jurídicos (para além da distinção já feita):

Negócios formais/solenes VS Negócios consensuais


Num negócio, a vontade tem de ser exteriorizada —> a declaração negocial, que
corresponde à manifestação da vontade, é um elemento essencial do NJ.
Artigo 219.º do CC: “a validade da declaração negocial não depende da observância de
forma especial, salvo quando a lei a exigir” —> a regra geral é o princípio da liberdade de
forma.
— Quando a declaração negocial não tem de respeitar determinada forma —> negócio
consensual (MC: “são consensuais os negócios que, por não caírem sob a estatuição de
normas dominadoras de forma especial, sejam suscetíveis de conclusão por simples
consenso”; PPV: “são negócios consensuais aqueles para cuja celebração é suficiente o
consenso, não sendo necessária uma forma especial de declaração negocial”).
— Quando a validade do negócio depende da observação de certa forma, determinada por
lei —> negócio formal (art. 875.º - contrato de compra e venda de bens imóveis, por ex).
As exigências legais de forma são excepcionais, mas quando existam, a consequência da sua
violação é a nulidade (artigo 220.º).

Negócio oneroso VS Negócio gratuito


— Negócio é oneroso quando implica esforços económicos para ambas as partes (há um
sistema de contrapartidas), em simultâneo e com vantagens correlativas. O tipo
paradigmático do negócio oneroso é a compra e venda —> exemplo: compra e venda (X
vende o seu Código Civil a Y: X tem um esforço económico, pois abdica/renuncia a uma
coisa que tem valor patrimonial e obtém uma vantagem, que é o direito receber uma quantia
monetária; Y tem um esforço económico, o dever de pagar um preço, e obtém uma
vantagem, que consiste na obtenção do direito de propriedade sobre o código).
— Negócio é gratuito quando uma das partes tem apenas vantagens e a outra apenas
encargos (“no negócio gratuito, o empobrecimento do património de uma das partes
corresponde, em regra, ao enriquecimento do património da outra”). O tipo paradigmático
do negócio gratuito é a doação—> ex: doação (A doa a sua casa de praia a B: A, o doador tem
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um sacrifício patrimonial, ao passo que B, o donatário, obtém uma vantagem patrimonial e


não tem qualquer sacrifício).

MENEZES CORDEIRO: “Um negócio pode vir a revelar-se como imensamente lucrativo para
uma das partes e ruinosa para a outra; nem por isso haverá gratuitidade: se as partes não o
tiverem querido como tal, estamos perante um negócio oneroso em desequilíbrio” —> no
verdadeiro negócio gratuito, a vontade livre do sacrificado, determinou-se pela vontade de
dar - o animus donandi.

Contrato sinalagmático/ não sinalagmático


— Os contratos sinalagmáticos são, por vezes, chamados de contratos bilaterais e os
sinalagmáticos de contratos unilaterais—> esta designação não é correta, na medida em que
suscita equívocos (exemplo: doação é negócio bilateral — duas partes — mas é um contrato
unilateral, pois é não-sinalagmático).
O critério de distinção entre negócios sinalagmáticos e não sinalagmáticos radica na
existência de um vínculo de reciprocidade entre as partes — este vínculo é o sinalagma. O
sinalagma liga as prestações e as contraprestações que, no mesmo negócio, são a causa
jurídica e o fundamento uma da outra -> sem uma prestação não se pode exigir a outra.
— Contrato sinalagmático — existe um nexo de reciprocidade/um laço de correspetividade
entre as obrigações dos contraentes, que são interdependentes, sendo cada uma a causa da
outra —> exemplos: 1) contrato de compra e venda: o vendedor fica obrigado a entregar a
coisa, porque o o comprador ficar obrigar o preço (uma obrigação só se justifica
juridicamente em função da outra) 2) contrato de arrendamento: a obrigação de atribuir a
disponibilização da coisa imóvel durante um certo período tem como causa a obrigação de
pagar a renda - não há obrigação de pagar a renda se a coisa não for disponibilizada.
— Contrato não sinalagmático — as obrigações emergentes do contrato vinculam apenas
uma das partes (doação pura).

Negócio de administração VS Negócio de disposição


(Relembrar a diferença entre atos de administração e atos de disposição; dentro dos ato de
administração, temos atos de conservação — atos destinados a conservar a coisa (execução
de benfeitorias necessárias) — e atos de fruição, e dentro dos atos de disposição, temos atos
de alienação e de oneração).
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— Negócio de administração - negócio que não atinge em profundidade, na globalidade


uma esfera jurídica (patrimonial) (“implica modificações secundárias ou periféricas no seu
conteúdo).
— Negócio de disposição - negócio que afeta, em profundidade, uma esfera jurídica
patrimonial (“o negócio de disposição põe em causa a própria subsistência da situação”) —>
em princípio, os atos de disposição só podem ser livremente praticados pelo próprio titular
da esfera jurídica que vai ser atingida.

Negócios típicos VS atípicos e negócios nominados VS inominados


— O negócio é típico quando a sua regulação/o seu regime conste da lei.
— O negócio é atípico quando tenha sido engendrado pelas partes (não é estabelecido na
lei; é estabelecido pelas partes).
— Negócio nominado: negócio cuja designação é referida pela lei —> o negócio típico, o
negócio que é regulado pela lei, é, em princípio, nominado (contrato de compra e venda, de
doação, de sociedade); contudo, podemos ter um negócio atípico, um negócio que não vem
regulado na lei, mas que é nominado (os contratos de hospedagem e de transporte são
referidos pela lei, mas não vêm nela regulados).
— Negócio inominado: negócio cuja designação não é referida pela lei —> podemos ter um
negócio típico e inominado: o contrato de associação é regulado nos artigos 167.º e 168.º do
CC, mas a sua designação não consta da lei, é fruto da atividade da doutrina.

* MC fala dos negócios “mistos” - pode acontecer que as partes introduzam num negócio
que celebrem elementos típicos (elementos que vêm previstos na lei) e atípicos.

Negócio comutativo vs Negócio aleatório


O risco está presente em todos os negócios, mas existem uns que se celebram por causa do
risco, e outros que se realizam por causa da expetativa das partes.
Negócio comutativo: negócio que se celebra não por causa do risco, mas por causa de uma
expetativa de equilíbrio entre as partes (a atribuição patrimonial de uma das partes
corresponde uma atribuição patrimonial da outra parte de valor, pelo menos, equivalente) —>
ex: compra e venda (compro um livro, não por causa do risco - se achar que existe risco de
este vir defeituoso, o mais provável é que nem o compre)
Negócio aleatório: negócio que se celebra por causa do risco/da álea, e não por uma
expetativa de equilíbrio entre as partes —> contrato de seguro (MC afirma que um negócio é
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aleatório quando, no momento da sua celebração, são desconhecidas as vantagens


patrimoniais que dele derivem para as partes, e PPV refere que “ao decidirem a celebração
de um negócio aleatório, que é um negócio de risco, as partes assumem voluntariamente o
risco da eventualidade do desequilíbrio patrimonial).

Negócios causais vs abstratos (esta distinção radica na distinção entre obrigações causais e
abstratas).
Todos os negócios têm uma fonte jurídica.
Negócio causal — indaga-se a fonte do negócio, a causa, para dar origem aos efeitos
jurídicos.
A exige a B o pagamento de 5000 euros. Não basta que afirmar que é credor dessa
importância —> tem de explicar que essa quantia lhe é devida por via de um contrato,
comprovando-o, ou a título de indemnização, invocando e demonstrando que se verificam os
pressupostos.
Não é possível comunicar os efeitos da compra e venda sem referir o competente contrato.
Negócio abstrato — negócio com autonomia relativamente à fonte, relativamente à causa.
Um cheque é apresentado ao banco e pago (o cheque também uma causa, uma fonte, mas
esta não é averiguada e o cheque é pago na mesma)
——> MRR AFIRMA que não conhece nenhum negócio abstrato no Direito Civil —> estes
existem mais no âmbito do Direito Comercial.

Negócios inter vivos VS negócios mortis causa


Numa primeira abordagem: os negócios inter vivos destinam-se a produzir efeitos em vida
dos seus celebrantes; os negócios mortis causa, pelo contrário, destinam-se a produzir
efeitos apenas depois da morte do seu autor. Esta visão é errada, pois as partes, ao abrigo da
sua autonomia, podem estipular que os seus negócios produzam efeitos com a morte de
algumas delas (o contrato de seguro de vida, que produz efeitos com a morte do segurador,
não é mortis causa).
A generalidade dos negócios são inter vivos. O verdadeiro negócio mortis causa é concebido
pelo Direito para reger situações jurídicas desencadeadas com a morte de uma pessoa —>
âmbito do Direito das sucessões
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Aula teórica de 02-03-2020

O NEGÓCIO JURÍDICO permite que se realize, no mundo do Direito, sempre com


determinados limites, aquilo que cada pessoa pretende (negócio como ato de autonomia
privada, através do qual as partes regulam os seus interesses).

No negócio jurídico, cada pessoa tem de manifestar a sua vontade —> tem de existir uma
exteriorização da vontade, sendo que a mera vontade é o elemento psíquico/interno.
A manifestação/exteriorização da vontade é feita através da declaração negocial (também
chamada de declaração de vontade), que tem já um carácter externo, e não interno.

MC: “O negócio jurídico assenta em declarações de vontade: uma ou mais. Efetivamente,


apenas a vontade declarada, isto é, exteriorizada, de modo a poder ser reconhecida, como
tal, pelos operadores jurídicos e pelo próprio sistema, pode provocar efeitos no Direito”.
CF: “A vontade não pode valer por si só. A mera vontade não pode ser atendida, enquanto
não for, de algum modo, exteriorizada, por um elemento objetivo - a declaração”.

A declaração negocial é a parcela mais pequena da autonomia privada —> é com um


conjunto de declarações negociais que toda a atividade jurídico-privada, assente na autoria
privada, se vai desenvolvendo. O Direito Civil é o Direito em que domina a liberdade dos
sujeitos, pelo que tudo radica na vontade das pessoas, e, portanto, na declaração negocial,
que é a forma de acesso à vontade.

A declaração negocial, que se encontra regulada nos artigos 217.º e 218.º do CC, é um
comportamento humano, portador de um sentido e, destinado pelo seu autor, a produzir
efeitos jurídico-privados de acordo com esse sentido.

Dimensões na figura da declaração negocial:


—> dimensão do comportamento; (a declaração negocial é um COMPORTAMENTO, ficando
excluídos do âmbito da declaração eventos que, embora ligados à pessoa humana, não se
possam considerar ações).
—> o comportamento, que consubstancia a declaração, não é um mero comportamento: este
é portador de um sentido;
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—> dimensão da produção de efeitos jurídicos - o ordenamento jurídico associa a esse


comportamento determinados efeitos jurídicos, os efeitos jurídicos pretendidos pela pessoa
(o autor da declaração pretende atingir e produzir certos efeitos).

A dimensão do comportamento que consubstancia a declaração:


— Um comportamento é algo que acontece no mundo físico.
— O comportamento é absolutamente imprescindível na declaração negocial, visto que não
existe telepatia (não conseguimos saber o que as pessoas querem se elas não se
manifestarem através de certo comportamento —> é preciso um comportamento da pessoa
para que os outros percebam o que ela pretende, o que corresponde à sua vontade).
— O sentido consiste na descodificação/interpretação do comportamento, de modo a que a
comunidade jurídica perceba qual foi, efetivamente, vontade do declarante — extrair do
comportamento observado um sentido, que permita ter acesso à vontade do autor do
comportamento.

Muitas vezes negócio e declaração são usados como sinónimos.


MC: “O negócio jurídico distingue-se claramente da declaração, quando seja multilateral, isto
é: quando requeira, para a sua compleitude, mais de uma declaração de vontade. Fora isso, o
negócio surge como o efeito ou a resultante da declaração”.
— Podemos dizer que a procuração corresponde a uma declaração de vontade (só existe
uma declaração, pelo que declaração e negócio são a mesma coisa). Nos contratos, que
correspondem à maioria e aos mais importantes negócios jurídicos, temos duas ou mais
declarações de vontade, pelo que é mais correto falarmos do contrato como um negócio e
não como o conjunto de declarações.
“Contrato é um acordo, pelo que corresponde ao o conjunto de declarações das pessoas que
se colocam em acordo”.

2 grandes tipos de declarações negociais (ver art. 217.º)


EM AMBAS EXISTE UMA CONDUTA HUMANA E VOLUNTÁRIA (pois a declaração é,
desde logo, um comportamento!)
—> As declarações são expressas quando constituem um modo direto de manifestação de
vontade (o declarante manifesta a sua vontade diretamente/“a exteriorização é feita de modo
direto, por forma a dar, da vontade, uma imagem exterior imediata”.)
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—> As declarações são tácitas quando constituem um modo indireto de manifestação de


vontade (declarante manifesta a sua vontade de modo indireto) —> “a declaração é tácita
quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam” (CF: “para haver uma
declaração tácita, basta que o declarante haja praticado certos factos dos quais se possa
deduzir, com segurança, a vontade de emitir certa declaração. Os factos de que a vontade se
deduz, com toda a probabilidade, na declaração tácita, são chamados de factos
concludentes”).

Um mesmo comportamento pode valer como manifestação expressa e tácita de duas


vontades distintas —> alguém chamado à sucessão do pai, escreve num documento “vendo a
X a casa de campo que pertence ao meu pai” —> a vontade de vender a casa a X é
manifestada diretamente; das mesmas palavras, deduz-se, com toda a probabilidade, a
vontade de aceitar a herança.

Não deve confundir-se declaração tácita com inação ou com ausência de declaração!!!

MRR considera o artigo 217.º infeliz: o que é relevante não são os exemplos dados no n.º 1 do
artigo (“a declaração negocial é expressa quando feita por palavras, escrito(…)”), mas o facto
da declaração ser ou não um meio direto de manifestação de uma vontade —> os exemplos
que o artigo dá para as declarações expressas não devem ser valorizados. Neste sentido, CF
afirma que “a declaração expressa não é necessariamente feita por palavras, orais ou
escritas, podendo ser feita por meio de um gesto, e a declaração tácita pode ser feita
oralmente ou por escrito”.

Exemplos:
—> “Queres comprar o meu telefone por 50€?” é uma declaração expressa, pois o seu autor
transmite diretamente o que pretende, o que corresponde à sua vontade - vender o seu
telemóvel. Se a outra pessoa disser “Sim, quero”, seja oralmente, seja por escrito, estamos,
também, perante uma declaração expressa. Em Portugal, se a pessoa disser “sim” com a
cabeça (só o gesto, sem palavras), estamos, ainda, perante uma declaração expressa, pois,
de acordo com a nossa cultura, esse comportamento é um código que significa diretamente
“sim (é um comportamento que, no meio considerado é imediatamente reconhecido como
manifestando a vontade negocial).
— “Queres comprar o meu telemóvel” e a outra pessoa diz “Toma 50€ e passa-o para cá”
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Estamos perante uma declaração tácita - a pessoa não diz “sim”, não diz claramente que
aceita a proposta; ao invés, tem um comportamento que pressupõe, com toda a
probabilidade e segurança, a vontade de comprar o telemóvel, de celebrar o contrato (“toma
os cinquenta euros” - paga o preço, um dos efeitos do contrato e “passa para cá o contrato” -
exige o cumprimento do contrato, e podemos deduzir deste comportamento a sua vontade).
PPV: “Sempre que aquele a quem foi feita uma proposta contratual, sem que tenha declarado
expressamente aceitá-la, dê início à execução do contrato proposto, deduz-se desse
comportamento, com toda a probabilidade, que aceitou a proposta” - declaração tácita
MRR afirma que no nosso ordenamento jurídico, e em quase todos, é indiferente se as
declarações são tácitas ou expressas —> ambas têm o mesmo valor.

Em raros casos, o legislador exige que a declaração seja expressa. No entanto, podemos ver
esta exigência em vários casos — ver o artigo 628.º (para haver uma fiança, tem de existir
uma declaração expressa do fiador, isto porque a fiança é um negócio com consequências
bastante graves para quem o celebrar e o legislador quer ter a certeza que quem o celebra
sabe mesmo o que está a fazer) e o artigo 731.º/1 (renúncia à hipoteca).
Hoje em dia, na área do Direito do Consumo, muitos diplomas legais exigem declarações
expressas dos consumidores.

MC: “Em geral, podemos considerar que a exigência legal de uma declaração expressa
ocorre perante cláusulas perigosas ou graves para o declarante. A exigencia de uma
declaração expressa destina-se a consciencializar o declarante, visando a sua proteção”.

“Silêncio”
— O silêncio consiste na ausência de um comportamento e, portanto, na ausência de uma
exteriorização da vontade (e, se não temos o comportamento, não temos o sentido desse
comportamento e a produção de efeitos jurídicos).
MC: “Em direito, diz-se silencio a total ausência de comunicação por parte do sujeito
considerado”.

Pode o silêncio valer como declaração negocial?


O legislador não adotou nenhuma das posições extremistas —> não seguiu a ideia de que o
silêncio não pode ter valor jurídico, pois consiste na omissão de um comportamento —> não
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

seguiu a ideia “Quem cala consente”, isto é, a ideia de que o silêncio vale como manifestação
de vontade positiva, em relação ao comportamento de outrem.
— O artigo 218.º afirma que o silêncio só vale como declaração se a lei, as partes ou um uso o
disserem —> não é muito vulgar o silencio valer como declaração, pois é relativamente
perigoso que uma ausência de comportamento e, portanto de uma vontade exteriorizada,
produza efeitos jurídicos, mas temos exemplos.

— Valor declarativo do silêncio por força da lei — artigo 31.º, n.º 9 do Novo Regime de
Arrendamento Urbano (a falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda,
bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio(…) - é atribuído valor
ao silêncio/à omissão do comportamento); artigo 1054.º do CC (o contrato de arrendamento
considera-se renovado findo o prazo, se nenhuma das partes o denunciar).
—Valor declarativo do silêncio por acordo das partes — o silêncio pode valer como
declaração se as próprias partes lhe atribuirem esse contrato (ex: num contrato de
fornecimento, as partes estabelecem que ele se renova quando no final de cada prazo não
houver conversação entre ambas)
— Valor declarativo do silêncio por uso — usos regionais, profissionais ou de certa atividade.
MC afirma que o mero uso não pode atribuir a determinado comportamento valor declarativo
— refere o artigo 3.º do CC (“Os usos que não forem contrários ao princípio da boa-fé são
juridicamente relevantes quando a lei o determine”) —> Para MC, o silêncio vale como
declaração negocial quando um uso, devidamente juspositivado, o determine.

O “silêncio” é diferente das declarações presumidas (por vezes, a lei associa a determinado
comportamento o significado de uma declaração negocial; contudo, admite prova em
contrário: o interessado pode demonstrar que essa vontade não existiu —> é uma presunção,
nos termos gerais, e é ilidível (art. 350.º, n.º 2 do CC).
Exemplos: artigo 926.º, artigo 2225.º

Temos também as declarações fictas (a lei associa a determinado comportamento o


significado de uma declaração e não é possível demonstrar que não há declaração —
estamos perante uma presunção inilidível (o comportamento corresponde necessariamente
a certa vontade, não se podendo mostrar o contrário) —> tenta-se que isto não aconteça.
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Podemos ainda fazer uma distinção dentro das declarações negociais: declarações
recipiendas e não recipiendas.
MC: “as declarações negociais são recipiendas ou não recipiendas, consoante tenham ou
não destinatário”.
MRR prefere dizer que as declarações recipiendas são aquelas que precisam de ser
comunicadas ao destinatário para se produzirem efeitos e que declarações não recipiendas
são aquelas que produzem efeitos, independentemente de serem comunicadas ao
destinatário.

Artigo 224.º do CC — “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo
que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se
manifesta na forma adequada”
Ao olhar para o artigo 224.º, MRR afirma que é mais correto dizer que as declarações são
recipiendas ou não recipiendas consoante a comunicação ao destinatário é necessária ou
não para a produção de efeitos jurídicos (e não consoante o facto de esta ter ou não um
destinatário, pois vivemos numa comunidade jurídica e, tendencialmente, todas as
declarações têm um destinatário — exigimos uma declaração porque a vontade tem de ser
manifestada a outras pessoas).

PPV prefere dizer: “A declaração negocial pode ter um declaratário específico a quem é
dirigida, ou ser dirigida a uma ou mais pessoas indeterminadas. Quando tenha um
destinatário específico, chama-se declaração negocial recipienda. Quando não tenha um
destinatário específico, dirigindo-se a um número indeterminado de pessoas da comunidade
jurídica, chama-se declaração recipienda”.

O artigo 224.º pressupõe a classificação de cada declaração como recipienda ou não


recipienda, mas, na maior parte dos casos, não sabemos em concreto se uma declaração é
ou não é recipienda.

Todas as declarações que reclamam uma resposta são recipiendas —> quero comprar os
óculos ao António: a minha proposta, a minha declaração, tem um destinatário específico,
porque visa-se chegar um acordo, e os efeitos jurídicos dependem da comunicação da
proposta (não vou conseguir comprar os óculos, se não comunicar a proposta ao António).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Normalmente, as declarações em que a lei pretenda proteger o interesse de terceiros são


recipiendas —> nos termos do artigo 266.º, a revogação da procuração é uma declaração
recipienda, pois é exigida a sua comunicação a certas pessoas.

Atentando melhor no artigo 224.º, respeitante à eficácia da declaração negocial:

— As declarações recipiendas vêem a sua eficácia condicionada pela ligação particular que
visam estabelecer com o seu destinatário.
N.º 1: “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu
poder ou é dele conhecida”
— Nas declarações recipiendas, a regra geral é a da teoria da receção: a declaração produz
efeitos quando chega ao poder do destinatário. Geralmente, o momento da receção da
declaração é também o momento do conhecimento da declaração, o entanto, se o
conhecimento da declaração for anterior ao momento da receção, ganha relevo a teoria do
conhecimento (a declaração ganha eficácia não quando chega ao poder do destinatário,
mas quando, por outra via, seja por ele conhecida) —> exemplo: António escreveu uma carta
ao Bento. A carta ainda não chegou e a secretária de António telefona a Bento e diz-lhe “O
António escreveu-lhe uma carta que ainda não chegou. Nesta carta, faz-lhe uma proposta ,
proposta onde lhe propõe ….” . Bento tem conhecimento da proposta, antes desta chegar ao
seu poder, tendo a proposta eficácia desde o momento em que Bento tomou dela
conhecimento através da Secretária.

N.º 3: “a declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder
ser conhecida, é ineficaz” — relevância negativa da teoria do conhecimento —> a proposta
é recebida, mas quem a recebe, sem qualquer culpa, não pode ter dela conhecimento
(exemplo: António envia propostas para pessoas de vários países, tendo todas elas o mesmo
conteúdo. A secretária de António engana-se e envia para Bento, que só sabe falar português
e inglês, uma carta na língua alemã. Bento, sem culpa sua, não consegue compreender a
carta, pelo que, apesar de a carta ter sido recebida, esta não produz efeitos).

N.º 2: “é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi
por ele oportunamente recebida” (exemplo: Devo 1000€ ao António e calculo que o António
me vai escrever uma carta, exigindo o pagamento no prazo de X dias. Arranjo esquemas para
não receber a carta, para a declaração não produzir efeitos (estragar a caixa de correio, por
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

exemplo). Neste caso, basta que o declarante envie a declaração para que esta tenha eficácia
— releva a teoria da expedição (a declaração não foi recebida, é certo, mas a sua mera
expedição produz efeitos neste caso).

Declarações não recipiendas (declarações que têm eficácia, que produzem efeitos jurídicos,
independentemente de serem comunicadas ao destinatário).
ART. 224.º, N.º1: “As outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma
adequada” — teoria da exteriorização: assim que há exteriorização, há produção de efeitos
jurídicos (assim, toda a declaração que não careça de ser manifestada, produz efeitos).

A FORMA é o suporte físico da exteriorização da vontade. Por definição, as declarações têm


todas uma forma —> as declarações são exteriorizações da vontade e para existir uma
exteriorização, tem de existir uma materialização.
No nosso ordenamento, a regra geral é a de que a declaração negocial vale com qualquer
forma —> o artigo 219.º consagra o princípio da liberdade de forma: “a validade da
declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a
exigir” (existem exceções à regra, mas falamos mesmo de EXCEÇÕES e estas têm de
decorrer da lei, da vontade do declarante ou da convenção das partes).

Falamos da forma legal quando a lei exige uma forma para a validade da declaração
negocial.
Por norma, os negócios de alienação relativos a bens imóveis requerem uma forma especial
(artigo 875.º - “o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado
por escritura pública ou por documento particular autenticado - e 947.º - “a doação de
coisas imóveis só é válida quando for celebrada por escritura publica ou por documento
particular autenticado”), mas temos outros exemplos (artigo 1710.º e o artigo 2204.º).
A consequência da não observância da forma legal é, em princípio, a nulidade —> artigo
220.º.
O artigo 221.º regula o âmbito da forma legal — qual o âmbito das estipulações contratuais
que têm de estar contidas dentro da forma exigida por lei.

O que leva o legislador a requerer uma determinada forma?


3 razões:
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—> Solenidade (o negócio é realizado com uma certa solenidade, o que permite fixar, com
fidedignidade, o efetivo conteúdo do negócio):
—> Prova (facilidades de prova; é muito mais fácil provar com um documento escrito —> na
presença de um documento, torna-se mais fácil demonstrar a existência de um negócio)
—> Reflexão (quando a lei exige uma escritura, não há dúvidas que as pessoas pensam mais
no que estão a fazer, pois a escritura demora mais tempo a celebrar, é cara —> MC: “é fácil
dizer sim perante uma proposta; todavia, a circunstância de se apor uma assinatura num
documento ou de fazer a declaração, perante um notário, aumenta a reflexão e a ideia de
auto-vinculação).

Hoje em dia, muitos autores colocam em causa que estas três razões sejam, efetivamente,
válidas. Existem figuras jurídicas que são construídas a partir da negação destas razões da
forma, como inalegabilidades formais, interpretações restritivas e reduções teleológicas das
regras de forma. PARA MRR: É errado negar estas três razões como razões da forma. É
verdade que as três em conjunto podem não se verificar em todos os casos, mas é possível
identificar ao nível do ordenamento jurídico, a predominância das razões de solenidade, de
prova e de forma como regras da limitação da forma.
As críticas da doutrina à forma não se prendem com as razões da forma. A própria exigência
de forma é também muito criticada, principalmente por PPV —> para MRR, esta crítica é
muito injusta pois, ainda que a exigência de uma forma possa ter desvantagens (ser mais
oneroso, por ex), a forma evita muitos problemas futuros (cria certeza jurídica, facilidades de
prova, obriga as partes a pensarem mais no que estão a fazer).

Artigo 222.º: a forma voluntária é uma opção espontânea do declarante (o declarante, sem a
isso estar obrigado por lei, adota uma forma mais solene do que a que seria necessária —>
ex: negócio podia ser oral e é celebrado por documento particular, negócio podia ser por
documento particular com conhecimento de assinaturas e é celebrado por escritura)
CF: “só há forma legal se, para além da hipótese referida na lei, não houver também
convenção das partes sobre a forma do negócio —> negócio com forma livre, isto é, não
sujeito a forma legal nem a forma imposta por convenção das partes”.

Artigo 223.º: forma convencional - temos dois acordos: acordo quanto à forma e acordo
propriamente dito.
Acordo/Convenção da forma para realizar certo negócio —> não é exigida uma forma
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

(exemplo: quero comprar uns óculos ao António, mas quero que o negócio seja feito por
escrito, pois tenho de justificar a despesa; digo ao António que quero comprar os óculos,
mas que quero fazer o negócio por escrito —> a forma não é legalmente prescrita, resulta do
acordo das partes (determinada forma torna-se obrigatória pela vontade das partes).
A adoção da forma convencional leva à presunção de que as partes não se querem vincular
senão pela forma exigida.
Tradicionalmente, a forma distingue-se em…
Forma ad substantiam — é exigida para a própria validade do negócio e sem essa forma, o
negócio é nulo (MC: “é exigida pelo Direito para a própria consubstanciação do negócio em
si e na sua falta há nulidade”; CF: “a forma ad substanciam é insubstituível, pois só com ela o
negócio se constitui validamente).
Forma ad probationem - a forma é exigida pela lei, mas se não for observada, temos apenas
um problema de forma: as partes vão ter mais dificuldade em provar o negócio, pois a forma
em questão é exigida para o reconhecimento do negócio (CF: “forma ad probationem é
apenas exigida como meio de prova”).

O art. 220.º sugere que a forma legal é, em princípio, ad substanciam (sem a forma legal, há
nulidade” —> forma exigida para a própria validade do negócio). Contudo, no art. 364.º, n.º2,
está consagrada a forma ad probationem (“se, porém resultar claramente da lei que o
documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão
expressa, judicial ou extrajudicial, contando que, neste último caso, a confissão conste de
documento de igual ou superior valor probatório”).
Se a forma for meramente ad probationem e faltar, aplica-se o art. 364.º/2 — a prova torna-se
muito mais difícil, pois é preciso uma confissão que prove o negócio, mas a declaração não é
nula (se a forma em falta fosse ad substantiam, isto é, exigida para a própria validade do
negócio, o negócio seria nulo).

Exemplo de forma ad probationem no Código Civil: artigo 1069.º, n.º 1 e n.º 2 do CC


1 - O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito.
2 - Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao
arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito,
demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o
pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses —> forma ad
probationem, que não segue o regime geral do 364.º, n.º2, mas o regime especial previsto
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

neste número (o contrato de arrendamento não é nulo se se verificar a forma escrita, mas a
prova tem de ser feita da forma estabelecida).

Por vezes, encontra-se na doutrina a afirmação de que determinada forma é uma forma
meramente ad probationem com o objetivo de tentar “salvar” o negócio —> a nulidade é um
vício fortíssimo e não há nada a fazer quando um negócio é nulo, pelo que vários autores,
para tentarem que o negócio não seja nulo, defendem a existência desta modalidade forma.
MRR:
— Tem de se mostrar que uma determinada forma é meramente uma forma ad probationem e
isso é bastante difícil (no Código Civil, o único exemplo que parece ser o de uma forma ad
probationem é o artigo 1069.º, que foi introduzido em 2019).
— Se uma forma for ad probationem, temos o problema da confissão, prevista no artigo
364.º/2 —> é muito difícil extrair uma confissão (a confissão é um meio de prova pelo qual a
pessoa que vai ser prejudicada com a prova declara algo contra si própria).

Em conclusão — em regra, a forma é ad substantiam, pelo que faltando a forma, o negócio é


nulo.

Nas últimas décadas, surgiu uma forma nova —> falamos da forma eletrónica.
A forma eletrónica constitui um desafio para as categorias do Direito Civil.
No âmbito da forma eletrónica, em Portugal, em 1999, foi adotado o Decreto-Lei 290-D/99
de, 2 de agosto. Este DL tem sido sucessivamente modificado e, mais recentemente, foi
alterado e republicado pelo Decreto-Lei 88/2009, 9 de Abril.

Este Decreto-Lei equiparou os documentos eletrónicos aos documentos escritos, mas não
falamos de todos os documentos eletrónicos (não falamos de um e-mail enviado através da
plataforma gmail) —> é preciso que o documento contenha uma assinatura digital, que
mostre a autenticidade do documento. Assim, o documento eletrónico vale como
documento escrito desde que esteja assinado.

O que é um documento? Artigo 362.º —> Qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim
de reproduzir ou representar uma pessoa, uma coisa ou um facto.
No âmbito das declarações negociais, falamos de um documento que consubstancie a
vontade de um sujeito.
Os documentos podem ser de vários tipos…
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

—> os documentos mais solenes são os documentos autênticos (um documento diz-se
autêntico quando é emanado de uma autoridade com fé pública — uma certidão e uma
escritura, por exemplo).
CF: “Os documentos autênticos que, com maior rigor se diriam públicos, são os elaborados,
com observância das formalidades legais, por autoridades públicas, como sejam o notário ou
outro funcionário público provido de fé pública, dentro do círculo de atividade que lhe é
atribuída”.

Aos documentos autênticos contrapõem-se todos os outros —> documentos particulares


(documentos que são elaborados pelos particulares, sem intervenção de agentes públicos;
uma folha de papel, um guardanapo, qualquer coisa onde a pessoa possa gravar uma
manifestação de vontade).

Os documentos particulares, aqueles que qualquer um elabora, aqueles que não são
emanados de uma autoridade com fé pública, podem ser:
Simples —> aqueles que o particular, sozinho e independentemente, faz.
Autenticados —> o documento é elaborado pelo particular, que depois leva esse documento
a um cartório notarial ou a um advogado e, perante essa entidade, confirma o documento; o
notário faz questões ao particular e elabora outro documento — um termo de autenticação —
e junta esse documento ao documento que foi elaborado pelo particular).
CF: “os documentos particulares autenticados são documentos que ganham um valor
particular por serem confirmados pelas partes, perante notário, com observância das normas
notariais”.

Os documentos simples podem ter as assinaturas reconhecidas —> o particular vai a um


notário ou advogado, e neste caso, o notário ou o advogado limita-se a olhar para a
assinatura e a garantir que aquela assinatura foi feita pela pessoa que diz que a fez (não se
preocupa com o conteúdo do documento — não quer saber se se trata de uma procuração,
se o particular está ciente; limita-se a pedir o cartão de cidadão ao particular, averigua e
escreve, ou no próprio documento ou numa folha à parte, “A assinatura que consta do
documento em anexo foi elaborada pela pessoa X, titular do cartão de cidadão n.º….”).
Menores quando viajam para o estrangeiro —> é necessário que os pais emitam uma
autorização e essa autorização tem de ter as assinaturas reconhecidas.

Os documentos têm uma hierarquia:


Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Documentos autênticos (os mais solenes) - escritura, certidão…


Documentos particulares autenticados
Documentos particulares com reconhecimento de assinaturas
Documentos particulares simples
Esta hierarquia é importante ——> art. 364.º, n.º 1: quando a lei exige determinada forma de
declaração negocial, as partes podem adotar aquela forma ou uma mais solene (menos é que
não!) — se a lei exige um documento com reconhecimento de assinaturas, as partes podem
fazer uma escritura e o negócio é válido, mas não podem apresentar um documento
particular simples (pois este é de força probatório inferior relativamente ao do documento
com reconhecimento de assinaturas).

A forma distingue-se da formalidade.


A forma é o suporte físico de exteriorização da vontade da pessoa. A formalidade é o
procedimento que acompanha a declaração negocial, mas que não corresponde à
exteriorização da vontade.
A declaração negocial é a exteriorização da vontade, pelo que, por definição, esta tem de ser
feita pelo autor da declaração. O reconhecimento das assinaturas é um exemplo de
formalidade.
Exemplo:
1) Vou celebrar um contrato-promessa de compra de uma casa. A lei exige as assinaturas
reconhecidas, conforme consta no artigo 410.º do CC. Quem reconhece as assinaturas é o
notário, mas quem profere a declaração sou eu —> o reconhecimento das assinaturas não é a
forma, pois esse reconhecimento não corresponde ao suporte físico da exteriorização da
vontade; ao invés, o reconhecimento é uma formalidade, é um procedimento que, para
validade do negócio, tem de acompanhar a declaração negocial.
2) Antigamente, os documentos escritos tinham de pagar o imposto de selo (colava-se no
documento um selo, comprado em papelarias, e assinava-se por cima). Os selos fiscais eram
uma formalidade, um procedimento que tinha de acompanhar os documentos, as
declarações negocial.

A lei portuguesa flutua na utilização das palavras “forma” e “formalidade” —> às vezes chama
forma ao que, na verdade, é formalidade, e vice-versa — vemos esta confusão claramente no
artigo 458.º/2 (“A promessa ou o reconhecimento deve, porém, constar de documento
escrito, se outras formalidades não forem exigidas).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

A distinção entre forma e formalidade é claríssima na doutrina, mas na lei não —> assim, não
obstante a clara distinção da doutrina, o regime jurídico da forma e da formalidade é o
mesmo (assim, o artigo 219.º diz também que, regra geral, não existem formalidades exigidas
por lei e o artigo 220.º refere-se também à consequência da falta de observância de uma
formalidade).

Como já referido, a declaração negocial é um comportamento que possui um significado, um


sentido (a declaração negocial é o comportamento humano, portador de um sentido e,
destinado pelo seu autor, a produzir efeitos jurídico-privados de acordo com esse sentido).
Para extrairmos o significado da declaração, temos de interpretar a declaração, que é
geralmente linguística (feita por palavras, orais ou escritas).

A interpretação da declaração negocial consiste na obtenção do significado inerente à


declaração, ao comportamento (por outras palavras, “é a atividade dirigida a fixar o sentido
da declaração”). A interpretação é uma atividade fundamental do jurista, pois determina tudo
o que acontece ao negócio —> a declaração produz efeitos de acordo com o seu sentido.

Quando falamos da interpretação da declaração, várias perguntas surgem — o que deve o


intérprete visar: o correspondente à vontade real do declarante (conceção subjetiva -
interpretação como a exata determinação da vontade do autor, valendo o sentido que o
autor quis imprimir à declaração) ou ao sentido objetivo da declaração? (conceção
objetivista - a declaração deve ser interpretada objetivamente, e não de acordo com a
vontade de quem a emitiu; como a interpretaria uma pessoa de qualidades médias, colocada
na real situação em que se encontra aquele a quem a declaração foi feita).

A atribuição de um sentido à declaração negocial não é feita “ao calhas”, pois o modo de
apurar o sentido da declaração vai condicionar o resultado, vai determinar o sentido da
declaração. Temos de saber o que vamos interpretar e como vamos interpretar.
É muito comum dizer-se que a interpretação de uma declaração corresponde a uma “arte”.
De certo modo, é verdade, pois na interpretação há sempre alguma subjetividade, uma
intuição. Contudo, esta “arte” é regulada —> a interpretação tem de ser desenvolvida de
acordo com as regras que o ordenamento jurídico estabelece (as normas de interpretação
estabelecem regras sobre a operação de interpretação do negócio, a que o intérprete deve
obedecer no apuramento do sentido da declaração).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Regime jurídico da interpretação — artigo 236.º a 239.º - a nossa lei divide a matéria da
interpretação em interpretação e integração das lacunas do negócio.

MC defende “interpretação integrada” —> uma forma de interpretar muito influenciada pela
doutrina alemã: no BGB temos duas normas diferentes, uma que regula a interpretação da
declaração negocial e outra que regula a interpretação do negócio (não existem normas para
a integração de lacunas). Os alemães misturam estas duas normas e dizem que a
interpretação e a integração, que não têm, deve fazer-se de forma integrada. Para além disso,
uma das regras que têm para interpretar o negócio é a regra da boa-fé.

MRR não concorda com a interpretação integrada, assim como CF.


— Não há razão para adotarmos uma técnica de interpretação que parte de pressupostos que
são diferentes dos nossos: temos um ordenamento jurídico completamente diferente do
alemão, temos regras sobre integração de lacunas…
— Do ponto de vista dos resultados, esta tese é má —> o negócio jurídico é a manifestação,
no mundo jurídico, da vontade das pessoas e se vamos fazer uma interpretação integradora,
vamos interpretar também de acordo com a boa-fé, estamos a dar menos relevância à
autonomia (pois a boa-fé é um critério objetivo).

O nosso sistema tem três regras no que toca à interpretação: artigo 236.º, artigo 237.º e
238.º.

Artigo 236.º é a regra geral.

N.º2: Sempre que o declaratário (o que recebe a declaração) conheça a vontade real do
declarante (o autor da declaração), é de acordo com essa vontade real que vale a declaração.
— Se o destinatário conhecer a vontade real do declarante, a declaração vale de acordo com
a vontade real do declarante —> assim, sendo a vontade real do declarante conhecida do
declaratário, ela prevalece sempre sobre o sentido objetivo da declaração.
PPV: “Ainda que o sentido objetivo das declarações negociais não coincida com o seu
sentido subjetivo, é de acordo com o sentido subjetivo que a declaração negocial deve valer,
sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante”.

Exemplo: Gosto muito da Cinderela e chamo ao meu carro “abóbora”, sendo que os meus
amigos e familiares sabem disso, pois digo-o frequentemente. O António é meu amigo e eu
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

envio-lhe uma carta onde digo “Queres comprar a minha abóbora por 15 000€?” —> à luz do
artigo 236.º, n.º2, o sentido da declaração é “Queres comprar o meu caro por 15 000€?”,
pois a minha vontade real é conhecida pelo António, prevalecendo sobre o sentido objetivo.

Existem casos em que o declaratário não conhece a vontade real do declarante (porque não
há proximidade entre ambos, porque a declaração não é clara - digo a uma pessoa “Vendo-
te o meu veículo por 15 000 euros, mas tenho várias coisas que podem ser classificadas
como veículo, não sendo certo a que me refiro).
—> Quando a vontade real do declarante não é conhecida pelo declaratário, vale a regra
prevista no n.º 1 do artigo 236.º —> conceção objetivista, teoria da impressão do
destinatário: a declaração negocial vale com o sentido que um declatário normal, colocado
na posição do real do declatário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se
este não puder razoavelmente contar com ele” — a alusão ao “declaratário normal” é uma
alusão à figura do homem médio, do bom pai de família.

Exemplo: envio uma carta a dizer “vendo-te a minha abóbora por 15 000€” ao António, que
não sabe que é assim que chamo ao meu carro, ao contrário do que eu esperava —> imagino
que uma pessoa de normal diligência recebeu a minha carta; penso no que essa pessoa, nas
exatas circunstâncias do António, ia depreender dessa carta e isso corresponde ao sentido
da declaração negocial.
Não interessa o que o António entendeu —> interessa o que um declaratário normal,
colocado na posição real do António, entenderia (um sentido normativo, não um sentido
subjetivo).

CF: “com o n.º 1 do artigo 236.º, o legislador pretende significar que, quando a vontade real
do declarante não é conhecida pelo declaratário, releva o sentido que seria considerado por
uma pessoa normalmente diligente em face dos termos da declaração e de todas as
circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo
que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer”.

Artigo 236.º, n.º 1 tem uma salvaguarda no seu final…


—> o sentido que é apurado através da regra estabelecida no n.º 1 não vale em definitivo,
pois esse sentido objetivo não pode ser atendido se “o declarante não puder razoavelmente
contar com ele” (por outras palavras, é necessário que o declarante devesse contar com a
possibilidade de ao seu comportamento ser atribuído aquele sentido objetivo).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Esta salvaguarda final é muito discutida.


MC defende que a mesma não tem aplicação —> se um declaratário normal, colocado na
posição do declaratário real, entender X da declaração, então é porque X devesse ser
considerado pelo declarante (o declaratário normal não entenderia uma coisa que o
declarante não devesse esperar razoavelmente da declaração)

MRR: na maior parte dos casos, MC tem razão, mas existem casos em que não tem - caso de
regionalismos e de jargões profissionais
Exemplo: em Portugal Continental, quando se fala de “mel”, fala-se do mel de abelhas. Na
Madeira, o mel mais vulgar é o mel de cana, pelo que a palavra “mel” tem esse significado. Se
António enviar uma carta para a ilha da Madeira a pedir a alguém que lhe venda 3 litros de
mel, a outra pessoa não vai conhecer a sua vontade real - vai achar que António pretende 3
litros de mel de cana, e não 3 litros de mel de abelha. Como o declaratário não conhece a
vontade real de António, não se aplica o artigo 236.º, n.º 2, segundo o qual o sentido da
declaração é o sentido correspondente à vontade real do declaratário. Contudo, não
podemos considerar que a declaração tem o sentido objetivo estabelecido através da regra
estabelecida no artigo 236.º/1, pois este não pode ser imputado ao declarante
(razoavelmente, António não tinha o dever de contar com a possibilidade de ao seu
comportamento ser atribuído aquele sentido objetivo).

No artigo 237.º, o legislador admite que a interpretação da declaração negocial pode ser
duvidosa quanto ao sentido a atribuir à declaração, e diz-nos o que fazer em de dúvidas
quanto ao sentido da declaração:
“Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece nos negócios gratuitos, o
menos oneroso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das
prestações”
—> Em primeiro lugar, temos de classificar o negócio (temos de saber se este é gratuito ou
oneroso). Em função da classificação, aplicamos a regra presente no artigo.

PPV:
Este critério é razoável e funciona sem dificuldades sempre que se trate de negócios
perfeitamente gratuitos ou onerosos: no caso de uma doação pura, a dúvida quanto à
declaração negocial é resolvida no sentido que for menos oneroso para o doador e, no caso
de uma compra e venda pura, a dúvida na declaração é resolvida no sentido que maior
equilíbrio económico consiga entre o vendedor e o comprador.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Contudo, nem todos os negócios são perfeitamente gratuitos ou onerosos (ANTUNES


VARELA afirma que não está demonstrado que a gratuitidade e a onerosidade sejam
conceitos irredutíveis, exclusivos, pelo que a determinadas relações podem ser aplicáveis
alguns princípios próprias da onerosidade e outros próprios da gratuitidade).
Este artigo não vale para todos os negócios: se não levanta problemas quanto a uma doação
pura ou a compra e venda pura, levanta problemas para negócios atípicos, insuscetíveis de
serem perfeitamente classificados como onerosos ou gratuitos.

Artigo 238.º - este artigo contém uma regra especial para a interpretação dos negócios
formais/solenes, e diz o seguinte no seu n.º 1:
“Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um
mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente
expresso” —> grande paralelismo com o preceito contido no artigo 9.º, n.º 2 do CC, relativo à
interpretação da lei (“não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que
não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal”).

Nos negócios formais, a observância de uma forma é um requisito para a validade do


negócio, pelo que não se compreende que este possa valer com um sentido que não tenha
um mínimo de expressão no documento —> MOTA PINTO afirma que se a vontade não estiver
manifestada em termos de se verificar aquele mínimo de correspondência, isso significa que
quanto a ela não foram respeitados os formalismo legais e, portanto, o negócio é nulo.

OLHAR PARA O N.º 2


Resulta do n.º 2 do artigo que um sentido subjetivo, um sentido não traduzido minimamente
no documento exigido para o negócio (formal), pode ser atendido/considerado se
corresponder à vontade real das partes e se não valerem, quanto a ele, as razões
determinantes da forma legal .
—> estamos perante um sentido do negócio que não tem no documento a correspondência
exigível; todavia, se esse sentido corresponder à vontade real das partes e se para esse
sentido, não relevarem as razões determinantes da forma legal (estão em causa estipulações
não abrangidas pela forma legal), a lei admite que o negócio valha com tal sentido.

O que fazer com as declarações não recipiendas?


— Se lermos o artigo 236.º, vemos que este, nos seus dois números, pressupõe a existência
de um declarante e de um declaratário. Acontece que nas declarações recipiendas não existe
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

um declaratário. Assim, podemos perguntar: como se interpreta uma declaração não


recipienda?
LACUNA DA LEI —> a lei não estabeleceu um regime jurídico para a interpretação das
declarações não recipiendas.
Como preencher a lei? Existe uma norma que podemos aplicar por analogia, relativamente à
qual se verificam as razões justificativas do caso omisso - artigo 2187.º (que regula a
interpretação do testamento)
Interpretação do testamento —> pendor mais subjetivista (tem mais relevo a vontade do
testador — “observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme
o contexto do testamento”.

Há grandes discussões relativamente à interpretação dos negócios jurídicos


Negócios normativos —> negócios que estabelecem normas jurídicas (ex: negócios de
constituição de pessoas coletivas)

Aula teórica de 9 de Março

Para recorrermos à integração de lacunas do negócio jurídico, é necessário que o negócio


tenha uma lacuna —> aqui, a lacuna existe no negócio e não na lei (diferentemente do que
vai ser estudado em IED, vamos falar das lacunas do negócio e não das lacunas do lei).

Quanto é que temos lacuna no negócio?


—> Para existir uma lacuna negocial, é preciso que exista uma omissão na regulamentação
do negócio // IMPORTANTE: não é uma qualquer omissão no negócio que constitui uma
lacuna; é necessário que exista uma omissão, e que o próprio negócio reclame o que foi
omisso, isto é, a regulamentação que as partes não estabeleceram.

É muito difícil existirem verdadeiras lacunas no negócio, pois as partes, ao abrigo da


autonomia privada, são livres de estabelecer o regime jurídico (as cláusulas) que entenderem
para o seu negócio.

—> As lacunas negociais ocorrem sobretudo nos casos em que a execução do negócio
reclama uma certa estipulação negocial, e essa estipulação não existe —> as partes
combinaram X e para que X possa acontecer, era necessário que as partes também tivessem
estipulado Y, o que não aconteceu (X não é possível de acontecer sem Y) — se não existir um
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

mecanismo para resolver a lacuna contratual, o contrato fica impossibilitado de produzir os


efeitos desejados pelas partes.

MC: “Sucede que por vezes a área lacunosa tenha de ser preenchida para permitir a
execução global do negócio: seja por razões de pura ordem prática — sem as regras em falta,
o negócio torna-se inexequível — seja por razões de justiça — sem elas, torna-se injusta”:
MANUEL DE ANDRADE quanto à legitimidade da tarefa de integrar lacunas do NJ: “quando a
regulação do ponto lacunoso for indispensável para se dar execução ao restante conteúdo
das declarações contratuais”.

É vulgar os juristas assumirem lacunas onde elas não existem.

—> Se existirem normas legais supletivas, relativamente às matérias que não foram reguladas
pelas partes, não há qualquer lacuna negocial.
Exemplo: O A empresta a B 50 000 euros, mas não combinam a data em que o montante de
dinheiro há-de ser devolvido. Isto não é uma lacuna, pois existem normas no Código Civil
que resolvem este problema —> o artigo 777.º do CC estabelece que quando não é
estipulado um prazo, qualquer das partes pode interpelar a outra para que a outra cumpra a
obrigação.
É de notar que, propositadamente, as partes podem não ter combinado a data da devolução
do dinheiro, pois sabiam da existência deste artigo —> existe a hipótese de as partes,
conhecendo a solução supletiva da lei, a terem por conveniente e entenderem não ser
necessária ou adequada a sua reprodução no negócio (o que enfatiza o facto de não
estarmos perante uma lacuna).

Para existir uma lacuna, não pode existir uma norma supletiva.
MC: A verdadeira lacuna negocial terá de apresentar os seguintes requisitos: (1) representa
um ponto que devesse ser regulado pelo contrato (o contrato reclama essa regulamentação);
(2) são inaplicáveis regras supletivas, existentes ou a encontrar nos termos do artigo 10.º (3)
não obstante o ponto omisso, o negócio é válido”.

Admitindo que estamos perante uma lacuna, como é que integramos uma lacuna?/como é
que construímos uma regra que vai resolver o problema da lacuna?

Artigo 239.º:
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

—> “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia
com a vontade que as partes teriam tido se houvesse o ponto omisso, ou de acordo com os
ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”.

“Na falta de disposição especial” — norma legal supletiva


Sendo o negócio omisso quanto a certo ponto, ponto que é reclamado pelo próprio negócio,
temos de, primeiramente, ver se uma norma legal supletiva regula essa matéria. Só na falta
de tal norma, será lícito recorrer à determinação do que as partes teriam querido se
houvessem previsto o ponto omisso.

“A vontade que as partes teriam tido se houvesse o ponto omisso” - pretende-se que o jurista
que está a interpretar a lacuna como que prolongue a vontade das partes (isto é, com base
nos elementos que tem à sua disposição, o jurista deve imaginar o que as partes teriam
combinado, se tivessem previsto o ponto X).

VONTADE DAS PARTES


Vontade real —> a vontade que, efetivamente, existiu.
Vontade declarada —> a vontade que as partes declararam (pode ser diferente da vontade
real — ex: A está Inglaterra e pede a “bottle of water” num café, esperando que lhe
entreguem uma garrafa de sumo, pois crê que “water” significa sumo. A vontade real é
diferente da vontade declarada ao empregado).
Vontade conjetural - vontade que não existiu, mas que poderia ter existido (“a vontade que
as partes teriam tido” é uma vontade conjetural).

MC chama à vontade conjetural “vontade hipotética das partes” e afirma que esta não se
confunde com a vontade real, que está no artigo 236.º, n.º 2.
—> O artigo 239.º fala das partes, o que aponta para um negócio bilateral, para um contrato;
no entanto, se o negócio for um negócio unilateral, não consideramos as “partes”, mas a
parte.
—> Num contrato, temos de ter em atenção a vontade de ambas as partes: por vezes, existe a
tentação para dizermos “a lacuna deve ser integrada de acordo com X, porque era o que o
António teria pretendido se tive previsto o ponto omisso” (isto não chega, porque o António
não está sozinho no contrato — não é possível integrar uma lacuna contratual somente de
acordo com a vontade conjetural de uma das partes).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— Para além disto, na integração de uma lacuna contratual, não interessa o que as partes
querem atualmente, mas o que elas queriam querido quanto celebraram o negócio.

—> Neste critério está, então, em causa a vontade conjetural apurada, fundamentalmente, a
partir do conteúdo concreto do negócio celebrado pelas partes (a integração trata de
preencher um vazio deixado pelas partes na regulamentação do negócio, logo o apuramento
da vontade conjuntural deve ser feito com base no conteúdo do negócio tal como as partes
o fixaram).

“Ou, de acordo, com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”
— A boa-fé é um limite à vontade conjetural —> se a vontade que as partes teriam querido se
tivessem previsto o ponto omisso contrariar a boa-fé, vale aquilo que a boa-fé determinar
(“quando a vontade conjuntural não se harmonize com os ditames da boa-fé, é de acordo
com a boa-fé que a regulamentação do ponto omisso de deve fazer”.

Daí, podermos dizer que a boa-fé tem prevalência sobre a vontade conjetural —> “a vontade
conjetural das partes só seria considerada quando fosse, na solução prenunciada, idêntica à
da boa-fé ou, muito dificilmente, caso a boa-fé fosse indiferente ao problema”.

Isto significa que a interpretação das lacunas pode ser, para além de um instrumento de
prolongamento das partes, um instrumento de harmonização/equilíbrio dos negócios
jurídicos, pois se a vontade conjetural for contrária à boa-fé, atendemos aquilo que a boa-fé
ditaria para o caso concreto (a boa-fé, nos limites do possível, procura atender à vontade das
partes, mas até onde não for violada).

ERRO BASTANTE COMUM: não confundir “boa-fé” com culpa ou dolo.


—> A boa fé é o conjunto de princípios fundamentais do ordenamento jurídico, destinados a
intervir no caso concreto (hoje em dia, é integrada de acordo com o princípio da tutela da
confiança e de acordo com o principio da materialidade subjacente).
—> A culpa é um juízo de censura que o ordenamento jurídico faz sobre um sujeito que,
podendo comportar-se de acordo com a lei, opta por se desviar.

A boa fé manda atender à confiança que as partes tenham depositado no funcionamento e


na adequação do contrato, não podendo fixar soluções que defrontem essa confiança.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Os desvalores do negócio jurídico

— Quando alguém pratica um ato que fere os valores fundamentais do sistema jurídico
(matar uma pessoa ou roubar, por exemplo), a consequência que recai sobre essa pessoa é
uma sanção (que, em alguns ordenamentos jurídicos, pode ser extrema —> é caso da pena
de morte).
Por serem atos que ferem os valores basilares do sistema jurídico, os crimes têm as sanções
mais graves do ordenamento jurídico, sendo cada uma proporcional à violação em causa.

Quando violamos um direito (uma situação jurídica ativa), a consequência é uma


indemnização (artigo 483.º), que é uma consequência civil — regra geral.
Pela sua gravidade, o caso de violação de direitos de personalidade implica, em regra geral,
uma indemnização e a possibilidade de solicitar as providências adequadas à situação (um
pedido de desculpas, por exemplo).

E o que acontece quando se exerce autonomia privada para além dos limites da lei? O ato
praticado não produz os efeitos que a pessoa queria que ele produzisse.

A autonomia privada consiste na possibilidade de cada pessoa produzir efeitos jurídicos no


mundo do direito, na possibilidade de cada pessoa revestir de juridicidade os seus desejos e
vontades. No entanto, a autonomia privada tem limites e se estes são ultrapassados, os
efeitos que a pessoa quis produzir não se vão produzir —> a barreira da produção de efeitos
jurídicos corresponde aos “desvalores dos negócios jurídicos”.

Temos muitas possíveis classificações de “desvalores”.


PROFESSORA MRR divide os desvalores em três grandes grupos: ineficácia, invalidade e
irregularidades

1) Ineficácia stricto sensu


— Por vezes, a ineficácia é usada em sentido lato, abrangendo todos os desvalores (o
desvalor do negócio jurídico é a não-produção de efeitos, ou seja, a não eficácia do negócio).
Não nos vamos referir ao conceito lato de ineficácia.
— A ineficácia em sentido estrito é a característica do negócio que, pura e simplesmente,
não produz efeitos.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Para CF: “o negócio que é somente ineficaz (ineficácia stricto sensu) é, em si mesmo, válido
e, em princípio, apto a produzir efeitos jurídicos; verifica-se, porém, em relação a ele,
qualquer circunstância que impede essa produção”.
Existem casos de ineficácia que são desvalores (há um pendor negativo), mas há casos
outros que não são.
—> é um desvalor a ineficácia prevista no artigo 268.º/1, relativo à representação sem
poderes — eficácia sancionatória, com pendor negativo.
—> existem casos de ineficácia que não têm nada que ver com desvalores — é o caso do
termo, que é o momento até ao qual, ou a partir do qual, determinada coisa acontece
(exemplo: preciso de uma secretária para a época de exames, que vai decorrer do dia 1 de
junho ao dia 31 de julho; contrato a Maria para ser minha secretária a partir do dia 1, mas
como ela é muito solicitada, contrato-a já hoje —> o contrato é ineficaz desde o dia 6 de
março até ao dia 1 de junho, mas é ineficaz porque eu e a Maria o quisermos — aqui, a
eficácia não é negativa, não é um desvalor, resulta de algo que foi acordado pelas partes.
— Uma modalidade de ineficácia é a inoponibilidade, que se caracteriza por alguém ser
imune a determinado negócio ou desvalor (CF: “falamos de inoponibilidade quando os
efeitos de certo negócio ou desvalor não podem ser invocados contra certas pessoas”).
Vemos a inoponibilidade no artigo 243.º, n.º 1 — oponibilidade relativamente ao terceiro de
boa-fé (aqui a oponibilidade visa proteger o terceiro; falamos de uma inoponibilidade
relativamente à nulidade).

2) Invalidade
— Um negócio inválido é um negócio que está “doente” — tem um problema interno, e não
apenas um problema de não produção de efeitos. Assim, as invalidades correspondem a
vícios que são considerados tão graves que o negócio fica “contaminado”, “doente”.

Podemos dividir as invalidadas em 3 categorias: nulidade, anulabilidade e invalidades mistas.

—> NULIDADE
— Invalidade mais grave do ordenamento jurídico-civil.
Artigo 294.º: “os NJ celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos,
salvo nos casos em que outra solução resulte da lei” —> vemos que a regra geral da
invalidade é a nulidade — ou resulta da lei outra solução (anulabilidade), ou o negócio
celebrado contra disposição legal de carácter imperativo é nulo.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— Assim, sempre que o negócio violar determinada disposição legal, temos de ver se a
mesma disposição é supletiva ou imperativa. Se a disposição for supletiva, afasta-se a norma
e considera-se a vontade das partes. Se for imperativa, ou a norma estabelece a
consequência da anulabilidade ou a consequência é a nulidade, nos termos do artigo 294.º.
1. Quem pode arguir a nulidade?
—> “Qualquer interessado pode invocar a nulidade” (artigo 286.º). Como vemos, não é
qualquer pessoa, é qualquer interessado, devendo este ser entendido como “o sujeito de
qualquer relação jurídica afetada, na sua consciência jurídica ou prática, pelos efeitos a que o
negócio se dirigia” (MOTA PINTO).
Exemplo: A e B celebram um contrato nulo de compra e venda, por falta de forma. A seguir, A
vende o prédio que foi objeto da compra a C. Tanto A, como B, como C podem arguir a
nulidade. A e B podem fazê-lo enquanto partes do negócio celebrado e C, terceiro, tem
também legitimidade, uma vez que lhe importa destruir o negócio (para que sobre a sua
compra deixe de pairar a sombra da venda feita por A a B). Como é referido mais à frente, a
nulidade também pode ser oficiosamente declarada pelo tribunal.
2. Existe um tempo para arguir a nulidade?
—> A nulidade é invocável a todo o tempo (artigo 286.º). Assim, o negócio nulo é nulo
sempre (a nulidade é imprescritível, ou, dito de outro modo, não se sana pelo decurso do
tempo).
3. A nulidade carece de ser declarada ou opera por si só?
—> O negócio nulo não produz efeitos desde o momento em que é celebrado, sendo uma
mera-aparência (exemplo: celebro uma escritura de compra de uma casa, e, por algum
motivo, o negócio é nulo; apesar de ter feito a escritura e o registo, a propriedade não se
transmitiu para a minha esfera-jurídica, ainda que passe a habitar a casa).
“A nulidade vale por si, independentemente de qualquer declaração, no sentido de o
negócio não poder substituir na vida jurídica” —> isto não significa que não possa ter lugar
a declaração judicial ou extrajudicial da nulidade; só quer dizer que tal declaração não é
necessária para a nulidade operar — MC: “embora a invocação da nulidade produza certos
efeitos, designadamente no campo processual, deve entender-se que a nulidade opera
independentemente de qualquer vontade” (não é a declaração da nulidade que destrói os
efeitos do negócio; não há produção de efeitos jurídicos desde o momento em que o
negócio nulo é celebrado).
5. Para além de poder ser arguida por qualquer interessado, a nulidade pode ser “declarada
oficiosamente pelo tribunal”— significa isto que, ao contrário do que é regra no Direito
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Processual Civil, a nulidade não carece de ser alegada pelas partes para ser conhecida pelo
juíz —> importante voltar a frisar: o Tribunal não constitui a nulidade, limita-se a declará-la.

—> Anulabilidade
A forma de invalidade menos grave.
— A anulabilidade “contamina” o negócio quando são violadas normas que associam o efeito
“anulabilidade” a sua violação (já vimos que nulidade é a regra geral).
1. Quem pode arguir a anulabilidade?
—> Em regra, aqueles que podem requerer a anulabilidade são as pessoas em cujo interesse
a lei estabelece (artigo 287.º/1). Como vemos, este regime é mais restrito que o da nulidade
(que pode ser arguida por “qualquer interessado”). Saber quem pode arguir a anulabilidade
implica que, em relação a cada vício, se indague no interesse de que parte do negócio o
legislador estabelece a anulabilidade.
A pessoa que pode arguir a anulabilidade tem o direito potestativo de anular.
Exemplo: Quando uma pessoa é vítima de de coação moral para celebrar um certo negócio,
o negócio é anulável (artigo 256.º). Este desvalor foi introduzido pela lei para proteger a
vitima da coação moral, sendo o interesse da vítima o interesse que levou o legislador a
estabelecer a anulabilidade. Assim, é a vítima que pode invocar a anulabilidade.
2. Existe um tempo para arguir a anulabilidade?
Em contraste com a nulidade, a anulabilidade não é invocável a todo ao tempo. Ao invés, a
anulação só pode ser pedida “dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe
serviu de fundamento” (artigo 287.º/1). Findo o prazo, cessa o direito de arguir a
anulabilidade e a invalidade sana-se (por decurso do prazo).
CARVALHO FERNANDES alerta: na aplicação da norma que estabelece o prazo, há que ter em
conta o tipo de vício —> exemplo: no erro da formação da vontade, a cessação do vício
ocorre no momento do conhecimento do facto de a vontade se ter formado mal”.
IMPORTANTE: N.º 2 do artigo 287.º: a anulabilidade pode ser arguida, sem quer qualquer
limite de prazo, enquanto o NJ não estiver cumprido.
3. Anulabilidade carece de ser declarada ou opera por si só?
Diferentemente do que acontece com a nulidade (negócio nulo não produz efeitos desde
que é celebrado), a anulabilidade não opera por si só — só há destruição dos efeitos do NJ
quando o negócio é anulado (dito de outro modo, o NJ anulável vai produzir efeitos até ao
momento da sua anulação).
“É necessária a anulação do negócio para que tenha por constituída a situação de negócio
anulado, ao passo que, na situação de nulidade, mesmo quando o juíz, a pedido dos
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

interessados ou agindo oficiosamente, afirma a existência da nulidade, a correspondente


sentença não constitui tal situação, apenas a declara” —> contraste entre Declaração de
nulidade e anulação.
4. A anulabilidade é sanável mediante confirmação (artigo 288.º). Com a sanação da
anulabilidade, o negócio anteriormente anulável deixa de ser suscetível de ser anulado —
convalescença do NJ
5. Anulação por via judicial ou extrajudicial?
DOUTRINA
— MC: "A necessidade de recorrer ao Tribunal, para exercer um direito, é uma formalidade
pesadíssima, que só se impõe quando prevista por lei - artigo 219º. O CC não tem qualquer
norma que obrigue à invocação judicial das invalidades — os artigos 286.º e 287.º falam em
arguir a nulidade e a anulabilidade sem inserirem rasto da necessidade de invocação judicial.
A invocação de nulidades ou a anulação surgem como atos secundários subordinados aos
principais: os próprios negócios viciados. Assim, elas deverem seguir a forma exigida para
esses negócios — mal se entenderia que para invocar um vício que atingisse um negócio
corrente, verbalmente concluído, houvesse que recorrer ao tribunal ou outra fórmula solene”.
— CF considera que não está admitida no ordenamento português a declaração de nulidade
ou a anulação por via extrajudicial.

MC pensa que é infeliz que a “anulabilidade” tenha um nome tão parecido com a “nulidade”,
pois são vícios muito diferentes. Crê que a anulabilidade devia ser chamada de
“impugnabilidade” (negócio impugnável, destrutível, por certa pessoa).

—> INVALIDADES MISTAS OU ATÍPICAS


— Existem invalidades que apresentam desvios ao regime estatuído nos artigos 284.º a 294.º,
isto é, ao regime da nulidade e da anulabilidade — falamos das invalidades mistas/atípicas.
Quando estamos perante uma invalidade mista, temos de, por via da interpretação,
compreender os exatos contornos do seu regime.

3) Irregularidade
— A eficácia do negócio jurídico depende do seu enquadramento dentro da autonomia
privada (a autonomia privada tem limites). Pode, no entanto suceder que, perante um
negócio, tenham aplicação, além das regras da autonomia privada, outras regras.
A inobservância dessas outras regras provoca a irregularidade do NJ, sem prejudicar a sua
eficácia (e validade).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Exemplo: artigo 1649.º — o menor que casar sem a autorização dos pais ou do tutor (regra
que vem no artigo 1612.º) celebra um casamento válido, mas fica sujeito a várias “sanções”
quanto aos bens (não obtém plena capacidade de exercício).
— As irregularidades respondem a problemas muito variados, sendo normalmente adaptadas
ao problema que visam resolver.

O que acontece quando um negócio é declarado nulo ou anulado?


—> Artigo 289.º estabelece as consequências da declaração de nulidade e da anulação.

— Segundo este artigo, a declaração de nulidade e a anulação do NJ têm efeito retroativo.


O que significa aqui a retroatividade? Significa que tudo se deve passar como se o ato não
existisse, pelo que em regra são destruídos ab initio, isto é, desde o momento da celebração,
todos os efeitos que, por ventura, tenham sido produzidos por ele.

MRR alerta:
— No caso da nulidade, não existe uma verdadeira retroatividade, pois o negócio nulo não
chega a produzir efeitos jurídicos (NJ nulo não produz efeitos desde o momento da sua
celebração). No caso da anulabilidade, verifica-se mesmo uma retroatividade: com a
anulação, os efeitos jurídicos já produzidos pelo NJ são, retroativamente, destruídos (negócio
anulável produz efeitos jurídicos até ao momento da sua anulação).

Desde o momento em que há declaração de nulidade ou existe anulação, estabelece-se uma


relação de liquidação entre as partes do negócio —> Art. 289.º/1: “Deve ser restituído tudo o
que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie, não for possível, o valor
correspondente” (Exemplo: A e B celebraram um contrato de compra e venda de um imóvel,
não tendo sido respeitada a forma exigida para compra e venda de bens imóveis. O negócio
é nulo. Em junho, o Tribunal declara a nulidade do negócio. A, o comprador, deve devolver a
casa ou, apenas se tal não for mesmo possível, o valor monetário a ela correspondente.

Quando os negócios são sinalagmáticos, e quando uma das prestações não é corpórea, é
frequente, na prática, ficar tudo na mesma (MC: “nos contratos de execução continuada, em
que uma das partes beneficia de uma coisa - como no arrendamento - ou de serviços - como
na empreitada ou depósito - a reconstituição em espécie não é, evidentemente, possível.
Nessa altura, há que restituir o valor correspondente que, não poderá deixar de ser o da
contraprestação acordada”).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Exemplos:
(1) Contrato uma pessoa que não tem autorização de residência em Portugal, sendo o
contrato nulo. Contudo, a pessoa trabalhou para mim durante um mês. Neste cenário, o
trabalhador consegue restituir o salário, aquilo que recebeu, cumprindo-se o estatuído no
artigo. Ao invés, eu não consigo dar ao trabalhador o que ele trabalhou, pelo que lhe dou o
salário —> na prática, fica tudo, aproximadamente, igual.
(2) Contrato de arrendamento —> Celebro um contrato de arrendamento e este, por alguma
razão específica, é declarado nulo ou anulado. O senhorio pode restituir a renda, que é o que
lhe foi prestado, mas o inquilino não pode restituir a fruição da coisa móvel, pelo que vai ter
de dar ao senhorio o valor correspondente à fruição da coisa móvel, que corresponde às
rendas —> na prática, fica tudo igual.

N.º3 do artigo 289.º — “É aplicável em qualquer dos casos anteriores, diretamente ou por
analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes”. Artigos 1269.º e seguintes —> efeitos da
posse
Na compra e venda nula por falta de forma, pode ter-se constituído, a favor do comprador,
uma situação de posse da coisa. Ocorre a declaração de invalidade da compra e venda. Que
tutela merece a posse? Artigo 1269.º e seguintes — frutos, benfeitorias e perda ou
deterioração da coisa.
Professor JAV acerca do n.º 3 do artigo 289.º:
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Existem efeitos para proteger o terceiro dos efeitos devastadores provocados pela
invalidade. Alguns desses efeitos —> artigo 1269.º, artigo 291.º

Artigo 291.º
“A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis,
ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a
título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da
acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da
invalidade do negócio”.

—> Desde o século XIX, em Portugal, o Estado tem um sistema público de registos. Este
sistema visa dar a conhecer a toda a gente a situação jurídica de certos bens, considerados
relevantes (bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sendo que estes, são em regras,
bens que se “mexem” e que têm valor, como automóveis, navios e aviões). Se o Estado tem
um sistema de registo, tem de proteger aquilo que está no registo (se o registo não
beneficiar de uma certa dose de fé pública, não faz sentido existir um registo, visto que este
é bastante dispendioso).

—> O artigo 291.º estabelece limites à eficácia destrutiva da nulidade e da anulabilidade,


tendo em conta a fé pública que o registo proporciona —> se um certo negócio for registado
e se, além disso, respeitar a um negócio jurídico oneroso e existir um terceiro de boa-fé que
tenha adquirido direitos acreditando no registo que vem a ser destruído, a nulidade ou
anulabilidade não é oponível a terceiro de boa-fé.

Exemplo: Em janeiro de 2010, António ameaçou-me, dizendo “Ou me vendes a casa, ou mato
toda a tua família”. Vendi a casa ao António. Fizemos uma escritura, e António fez o registo
do imóvel. Em 2012, dois anos depois, o António recebeu uma proposta de Bento, que lhe
queria comprar a casa pelo dobro do preço. António aceitou e Bento comprou-lhe a casa,
tendo-se dirigido ao cartório. Bento celebrou o contrato e mudou-se para a casa no dia
seguinte. Em janeiro de 2014, sei por um conhecido que António morreu, e com isso, deixo
de ter receio de ele matar a minha família. Quatro anos após a conclusão do negócio com
António, dirijo-me ao tribunal para recuperar a minha casa, e descubro que a casa já não é do
António, mas do Bento. Consigo provar que existiu coação moral e o juíz anula o negócio que
eu celebrei com o António. Se o juíz anular o negócio, o Bento comprou a casa a uma pessoa
que não era proprietária, pois a anulação tem eficácia retroativa (os efeitos do negócio são
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

retroativamente destruídos: assim, quando António vendeu a casa, estava a vender uma casa
que era minha), O Bento foi ao registo e não encontrou nada de suspeito — informou-se bem
e não descobriu a existência da coação moral por parte de António, sendo um terceiro de
boa-fé.
Neste caso, e tendo em conta que a ação de anulabilidade foi proposta e registada quatro
anos depois da conclusão do negócio com António (n.º2), os efeitos da anulabilidade são
inoponíveis ao Bento.

A boa-fé prevista é uma boa-fé subjetiva ética —> artigo 291.º, n.º 3

— Apesar das consequências da nulidade e da anulabilidade serem gravíssimas, como vemos


no artigo 291.º, o legislador dá preferência a à eficácia da normas imperativas. Apesar desta
preferencia, o legislador consagrou dois grandes mecanismos para tentar, mesmo assim,
aproveitar os negócios jurídicos (“salvar os negócios jurídicos das invalidades que os possam
contaminar”).
— Na generalidade dos ordenamentos jurídicos, os negócios são vistos como algo de bom —
pretendem dar juridicade aos desejos, às vontades das pessoas e, nessa medida, são bem
encarados (os negócios dão às pessoas um espaço de liberdade, de realização pessoal no
mundo jurídico) —> isto é o que justifica a tentativa de, através da lei, conferir a máxima
eficácia ao negócio e, portanto, é o que justifica os dois mecanismos de aproveitamento de
negócios jurídicos inválidos: a redução (artigo 292.º) e a conversão (artigo 293.º).

Artigo 219.º
Redução: “A nulidade ou a anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio,
salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”.

— A redução é um instrumento de aproveitamento dos negócios jurídicos, mas não de todos


os negócios jurídicos —> só permite aproveitar os negócios cujas estipulações sejam
divisíveis, separáveis umas das outras — é preciso que o conteúdo do negócio seja divisível,
ou dito por outras palavras, é preciso que a invalidade seja parcial.

Exemplo:
No início de pandemia, o Estado decretou que só se vendiam 10 máscaras a cada pessoa.
Tenho uma família grande e quero comprar 30 máscaras. Dirijo-me ao supermercado e
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

compro as 30 máscaras. O negócio é nulo, mas não é totalmente nulo, é parcialmente nulo,
pois eu podia comprar 10 máscaras, mas não as 30.
Nesta situação, reduz-se o negócio (o negócio ficava reduzido a 10 máscaras; quanto a 10
máscaras é válido, mas quanto às restantes 20 é inválido, pelo que posso ficar com 10
máscaras, e, ao abrigo do artigo 289.º/1, tenho de devolver as 20 máscaras ao supermercado
e têm de me restituir o dinheiro que gastei com elas. Se eu não quiser ficar só com 10
máscaras, se eu não quiser que o negócio subsista (ainda que reduzido), tenho de
demonstrar que eu não teria celebrado a compra se fosse só para ficar com 10 máscaras
(regra geral, o negócio é redutível, mas se mostrar que este não teria sido concluído sem a
parte viciada, não).

Artigo 293.º
Conversão: “O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou
conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma,
quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem
previsto a invalidado”.

—A conversão é um instrumento de aproveitamento dos negócios jurídicos em que todo o


negócio é afetado pela invalidade. No entanto, é possível transformar aquele negócio
inválido noutro negócio, o qual contenha os requisitos essenciais da substância e de forma e
quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se
soubessem a invalidade.
Raciocínio inverso à redução —> na redução, o negócio em princípio subsiste (regra geral é a
subsistência; se alguma das partes não quiser que subsista, tem de demonstrar que o
negócio não teria sido celebrado sem a parte viciada); na conversão, a parte que quer
converter o negócio de X para Y, tem de de demonstrar que ainda existia, nas partes, a
vontade de celebrar esse outro negócio.

Exemplo:
A Maria tem um grande terreno perto do distrito de Beja e quer vender o seu terreno ao
António. O António entusiasma-se com uma visita ao terreno e diz “Eu fico com o terreno”. A
Maria e o António estabelecem um valor para o terreno, e o António diz “Eu vou para o
estrangeiro e, devido à pandemia, não vou voltar cedo. Celebramos já o negócio”. Os dois
celebram o negócio por escrito particular, sem recurso a escritura, e o António passa um
cheque. O negócio é nulo, por não ser respeitada a forma exigida (escritura), e não é
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

suscetível de redução (o negócio está todo contaminado, não é divisível). No entanto, existe
um contrato que pode ser celebrado por escrito particular e que as partes poderiam ter
querido, se soubessem que a compra e venda não se podia celebrar por escrito particular - o
contrato-promessa (artigo 410.º). Tudo indica que, se a Maria e o António soubessem que o
negócio era nulo, teriam querido celebrar um contrato-promessa —> vamos converter o
negócio num contrato-promessa de compra e venda.

Na conversão —> temos de “pegar” no negócio inválido e transformá-lo num que está bom,
mas para isso os requisitos essenciais da substância e da forma do “bom” têm de se verificar
no que não está bom.

Formação do contrato

—> Os contratos são os negócios jurídicos habituais, pois o ser humano é um ser social:
precisa dos outros no seu dia-a-dia.
—> O contrato é a figura tradicional do negócio jurídico, sendo um acordo entre duas ou
mais pessoas — por exigir o acordo entre duas ou mais pessoas, o contrato tem uma
formação mais complexa que um negócio unilateral (procuração, por exemplo).
No nosso ordenamento-jurídico, e na generalidade dos ordenamentos jurídicos, vivemos de
acordo com o princípio do contrato —> artigo 405.º e artigo 457.º

UMA DIFERENÇA ABISSAL


Artigo 405.º —> liberdade contratual — a autonomia é máxima quanto aos contratos!
Artigo 457.º —> para os negócios unilaterais, temos o oposto do que existe para os contratos:
nos negócios unilaterais, temos um princípio de tipicidade // a autonomia privada é muito
mais estreita quanto aos negócios unilaterais!

A revogação unilateral de contratos bilaterais só pode ocorrer nos casos previstos na lei e por
acordo entre as partes. Uma pessoa que celebra um negócio unilateral, assim como o
celebra, pode-o revogar livremente. Assim, do ponto de vista social, os negócios unilaterais
são muito instáveis!

No contrato, há um processo de celebração do negócio, que exige negociação/conversa.


Este processo evita precipitações/impulsos. Já, no negócio jurídico unilateral, há um
processo muito pouco complexo, que pode desencadear precipitações.
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Aula teórica de 17-03-2020

Negócio jurídico unilateral —> basta uma declaração de vontade


Contrato (“acordo juridicamente relevante”) —> duas pessoas têm de se colocar de acordo
quanto a determinado regime jurídico — cada pessoa tem determinada vontade e tem de
transmitir à outra essa mesma vontade, para existir a formação de um acordo.
É pelas pessoas terem interesses contraditórios que celebram contratos —> jurista não
celebra contrato com outro jurista pois sabe resolver os problemas que eventualmente tenha
na área do Direito; em contrapartida, o jurista celebra contratos com médicos, empreiteiros,
comerciantes…

MC:
O modelo básico de formação do negócio jurídico, consagrado no CC, assenta no processo
de formação do contrato —> o processo de formação do contrato postula uma situação na
qual entre as declarações de vontade dos dois intervenientes, medeia um lapso de tempo
juridicamente relevante —> falamos, portanto, de um contrato entre ausentes: as pessoas
não estão, necessariamente, fisicamente separadas uma da outra; apenas se verifica que a
proposta não é seguida de uma imediata aceitação.
Assim, o esquema de formação de contrato entre ausentes é o único previsto no CC.

COMO SE FORMA O CONTRATO? Como é que se chega à confluência de vontades que é o


contrato?
A ordem jurídica portuguesa desinteressou-se pelo processo de formação do negócio
jurídico, com uma única exceção (a lei portuguesa regulou apenas a existência do acordo,
que é o “coração” do contrato)!

ARTIGO IMPORTANTE — 232.º: “o contrato não fica concluído enquanto as partes não
houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado
necessário o acordo"
Assim, para que exista um contrato, é necessário que o acordo abranja tudo aquilo que
cada uma das partes pretendeu incluir no acordo — não há contratos parciais.

Exemplo: A e B vão celebrar um contrato para comprar uma sociedade. O contrato é muito
complexo: A e B têm de chegar a acordo quanto a 100 aspetos que pretendem incluir. A e B
já chegaram a acordo em 99 aspetos —> se não chegarem a acordo quanto ao aspeto que
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

falta, e que foi desejado por uma das partes, não há contrato, porque, nos termos do artigo
232.º, o acordo tem de existir sobre todas as cláusulas, todos os aspetos que cada uma das
partes queira incluir no acordo.

Nos países anglosaxónicos, a regra que consta do artigo 232.º tem a designação de “all or
nothing rule” —> ou há contrato, e as partes estão totalmente vinculadas, ou ainda não há
contrato, e as partes são totalmente livres.

PPV:
“A delimitação do âmbito material do contato, sobre o qual é necessário acordo para que
este se tenha por concluído, é feita pelas partes. Cada uma das partes envolvidas no
processo de contratação pode suscitar questões sobre as quais deva ser alcançado o
acordo. Enquanto subsistir uma qualquer matéria sobre a qual uma das partes julgue
necessário o acordo, o processo de contratação não está concluído”.

“Se as partes em negociação não chegarem a acordo sobre uma que seja das questões sobre
as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo, o contrato não se conclui”
—> houve DISSENSO entre as partes (dissenso é a ausência de consenso).
— “À medida que uma negociação vai progredindo, as áreas de consenso vão aumentando e
as áreas de dissenso, aquelas em que não existe acordo, vão correspondentemente
diminuindo, até ser alcançado o consenso total, que provoca a conclusão do contrato.
Enquanto subsistir algum dissenso não há consenso e, portanto, não pode haver a conclusão
do contrato”:

— O dissenso pode ser provisório (“Enquanto a negociação se mantém, existe dissenso, mas
ele é entendido pelas partes como provisório e como destinado a ser removido. As partes
não perderam ainda a esperança em chegarem a um acordo e concluírem o contrato”).
— Pode também ser definitivo (“As partes chegam à conclusão de que não chegarão a
acordo e interrompem definitivamente as negociações, pelo que cessa a relação de
negociação entre as partes e os correspondentes deveres de boa-fé pré-negocial”).

Existe ainda a contraposição entre dissenso patente/dissenso oculto


—> o dissenso é patente sempre que as partes têm dele consciência (as partes sabem que
não estão ainda de acordo, ou que definitivamente esse acordo não será alcançado).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

—> o dissenso é oculto quando as partes estão falsamente convencidas de terem alcançado
o acordo sobre o contrato sem que todavia assim tenha acontecido.

O dissenso oculto resulta normalmente de três circunstâncias:


1) deficiente entendimento de expressões ditas na contratação oral —> na contratação oral,
pode suceder que uma das partes não tenha ouvido, ou tenha ouvido mal, uma ou mais
palavras da outra e tenha dado o seu acordo a uma proposta ou a uma contraproposta
sem que com ela estivesse de acordo.
2) utilização de expressões inequívocas no contrato —> contrato celebrado entre um
francês e um suíço com o preço estipulado em francos — uma das partes entende como
francos franceses e outra como francos suíços (partes pensam chegar a acordo quanto
ao preço sem que assim tenha acontecido):
3) desconformidade ou não correspondência entre as declarações das partes —> ambas as
partes interessadas no fornecimento de uma mercadoria chegam a acordo sobre o preço,
sem dizerem se querem comprar ou vender (ambas ficam com a ideia de que venderam a
mercadoria).

“Em caso de dissenso, o contrato não foi celebrado. O consenso e o próprio contrato existem
apenas aparentemente. Não obstante a aparência de celebração do contrato e apesar até da
falsa condição das partes, não houve conclusão do contrato, pelo que este não existe”.

Com frequência, as negociações de contrato são demoradas — há negociações que


demoram meses ou anos e, outras que independentemente de durarem ou não meses ou
anos, têm muitas diligências (visitas dos negociadores, existência de intermediários,
existência de obras - se quero vender a minha casa, posso fazer uma obra para minha casa).

A manifestação de vontade pela qual uma pessoa propõe a outra um contrato (pela qual uma
pessoa tenta suscitar na outra a vontade chegar a acordo com ela) —> proposta

PROPOSTA
MC: “proposta pode ser definida como a declaração feita por uma das partes e que, uma vez
aceite pela outra, dá lugar ao aparecimento do contrato”.

O conceito jurídico de proposta é mais restrito do que o sentido com que o termo é
geralmente utilizado na linguagem comum.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Na linguagem comum —> a proposta é qualquer ato destinado a abrir um processo de


contratação (inclui proposta e convite a contratar) // No sentido jurídico —> a proposta é a
oferta cuja simples aceitação determina a conclusão do contrato

A proposta contratual, para o ser efetivamente, deve reunir três requisitos:


— A compleitude/ a proposta deve ser completa —> para uma declaração ser uma
proposta, é necessário que contenha todos os elementos necessários para a formação do
contrato, que contenha todas as matérias que devam ficar estipuladas no contrato.
—> se não tiver os elementos necessários para a formação do contrato, estamos perante
uma mera declaração preparatória/preliminar (e não perante uma proposta, uma declaração
cuja simples aceitação dá surgimento a um contrato, tal como querido pelo proponente).
MC: “Deve ser completa no sentido de abranger todos os pontos a integrar no futuro
contrato: ficam incluídos quer os aspetos que devam, necessariamente, ser precisados pelos
contratantes — objeto a vender e montante do preço, no caso da compra e venda — quer os
que, podendo ser supridos pela lei através de normas supletivas, as partes entendam moldar,
segundo a sua autonomia”.
PPV: “Da proposta deve constar o projeto completo do contrato querido pelo proponente. A
proposta defe incluir todas as estipulações que sejam necessárias para que, ocorrendo a
simples aceitação, o contrato se conclua tal como projetado pelo proponente”-

Por vezes, na doutrina, a declaração preliminar (que não é proposta por não conter todos os
requisitos necessários) é designada de “convite a contratar”.
Exemplo: Quero comprar uma camisola a uma amiga. Sou alérgica a certos materiais.
Pergunto à minha amiga “Qual é a composição da camisola?” —> declaração que é feita já
com vista à celebração do negócio — mas falamos de uma mera declaração preparatória
(para ser uma proposta, teria de dizer, por exemplo, “Estou interessada em comprar a tua
camisola. Ofereço-te 20 euros por ela” — todos os elementos necessários estão reunidos).
Imaginemos que a camisola custava 100 euros. De momento, não tenho disponíveis os 100
euros, pelo que pretendo pagar a peça às prestações. Na declaração que faço, não digo que
quero que o pagamento da camisola seja feito a prestações —> em rigor, não estamos
perante uma proposta, pois, para mim, ainda era preciso chegar a acordo quanto à matéria
das prestações.

— A proposta deve ser firme/deve relevar uma intenção inequívoca de contratar


Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

MC: “A proposta deve revelar uma intenção inequívoca de contratar: não há proposta quando
a declaração do proponente seja feita em termos dubitativos ou hipotéticos: a proposta deve
ser firme, uma vez que a sua simples aceitação dá lugar ao aparecimento do contrato”.
PPV: “A declaração deve ser firme, no sentido de que deve exprimir uma vontade séria e
inequívoca de contratar nos precisos moldes projetados pela proposta”.

Exemplo:
“Esta camisola é tão confortável e quente para os dias de Inverno. Secalhar, qualquer dia,
ainda a compro” —> não é uma proposta, porque não existe uma intenção inequívoca de
comprar, ou melhor, a declaração é feita em termos dubitativos (“secalhar” e “ainda”
mostram que a pessoa não está certa acerca da vontade de comprar a camisola).
“Esta camisola é tão gira. Aceitas 20€?” — a declaração não é linguisticamente clara (não se
diz “Quero comprar a tua camisola por 20€”) , mas há uma vontade firme e inequívoca de
contratar (percebe-se que o declaratório tem mesmo a vontade de comprar a camisola)

— Por último, é essencial que a proposta revista a forma do contrato que se pretende
celebrar.
“O contrato é o conjunto de duas (ou mais) declarações, pelo que, para que uma proposta dê
origem a um contrato, esta tem de revistir a forma que é necessária para o negócio”.
—> a forma do contrato não é mais do que a forma das declarações em que ele assenta;
LARENZ: “A proposta deve surgir de tal modo que uma simples declaração de concordância
do seu destinatário faça, dela, um contrato”.
Exemplo:
— A quer vender a sua casa por 400 000 euros a B. B visita a casa de A três vezes. Na
terceira visita, B faz uma contra-proposta do preço e, após algumas negociações, A aceita
vender a casa por 370 000 euros.
— A e B combinam fazer a escritura quinze dias a contar da data. B chega a casa e telefona
aos amigos a dizer “Comprei uma casa”.
—- B não comprou a casa e, em rigor, não há proposta, nem aceitação, pois não é satisfeito o
requisito da forma —> existem declarações, mas estas não valem como proposta e aceitação
para efeitos do Código, visto que a proposta de compra e venda de imóvel carece da forma
prevista no artigo 875.º (escritura ou documento particular autenticado).

PPV: “A proposta deve revestir uma forma que satisfaça a exigência formal do contrato. Se o
contrato proposto for informal, a proposta poderá revestir qualquer forma. Se o contrato
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proposto, estiver por lei ou convenção, sujeito a determinada forma — forma escrita, por
exemplo — a proposta terá de ser formulada numa forma que seja, pelo menos, suficiente
para satisfazer a forma exigida para o contrato. Se assim não fosse (se a proposta não
respeitasse a forma exigida para o contrato), a proposta teria como consequência a
conclusão de um contrato nulo por falta de forma” (visto que a forma do contrato é a forma
das declarações que o consubstanciam).

* A compleitude da proposta tem o sentido de ela dever comportar tudo o que as partes
decidam levar ao contrato. Daí não resulta:
- nem que o contrato só contenha o que conste da proposta
- nem que não possa haver espaços em branco, a completar por
outras fontes (normas supletivas).
- nem que o proponente não possa remeter, para o destinatário, a
faculdade de completar a proposta
- nem que se vedem lacunas

MC: Perante o artigo 232.º, a proposta fica “fechada” quando a contra-parte não suscite a
necessidade de acordo sobre qualquer outro ponto.

PPV:
— A proposta que não revista os três requisitos apresentados (que não seja completa, que
não seja firme ou que não revista a forma exigida para o negócio em causa) não é
juridicamente qualificável como proposta contratual, mas antes como um simples convite
a contratar. O convite a contratar é uma declaração pela qual uma pessoa se manifesta
disposta a iniciar um processo de negociação com vista à futura eventual conclusão de um
contrato, mas sem se vincular, nem à sua conclusão, nem a um conteúdo já completamente
determinado.
O autor do convite a contratar mantém uma liberdade que não tem na proposta de contrato
— pode modificar o conteúdo do projeto contratual apresentado e pode desistir de contratar.
O convite a contratar não constitui no seu autor uma posição de sujeição, visto que não
confere ao seu destinatário o direito potestativo de aceitando o convite, dar origem a um
contrato. A aceitação do convite a contratar tem como simples consequência o iniciar de
um processo de negociação, que pode culminar ou não na conclusão de um contrato.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Outra das características da proposta, não quanto à sua materialidade (requisitos), mas
quanto aos seus efeitos é a seguinte: a proposta tem como efeito criar na esfera jurídica do
destinatário (declaratário) o direito potestativo de, pela aceitação, fazer nascer o contrato
proposto.
Por isso é que a proposta tem de conter os elementos já referidos —> a proposta tem de ser
firme, completa e revestir a forma necessária, uma vez que, se não for assim, o declaratário,
ao aceitar a proposta, não dá origem ao contrato.

Proposta tem uma duração —> essa duração vem prevista no artigo 228.º do CC.
Por que razão tem a proposta uma duração, um prazo?
A proposta negocial cria, na esfera jurídica do declaratário, um direito potestativo e,
consequentemente, cria na esfera jurídica do proponente uma situação de sujeição — o
proponente fica à mercê do declaratário e pode ver a formar-se, a qualquer momento, na sua
esfera jurídica, um contrato.

Ao estabelecer um prazo para a proposta, o artigo 228.º visa proteger o proponente (sem o
prazo, poderia ficar muito tempo numa situação de sujeição —> o declaratário poderia ficar
muito tempo sem dar uma resposta ao proponente, criando incerteza na esfera deste).
O proponente fica vinculado durante o prazo previsto no artigo 228.º e, passado esse prazo,
“está livre” (já não está numa situação de sujeição —> passado o prazo da duração da
proposta contratual, a regra geral é a de que a aceitação não pode levar ao surgimento do
contrato).
ARTIGO 228.º
— N.º 1, alínea a): se for fixado um prazo para a aceitação, pelo proponente ou por convenção
das partes, a proposta mantém-se até ao termo desse prazo.
E se o proponente não fixar um prazo ou este não for convencionado pelas partes?
— N.º 1, alínea b): se não for fixado o prazo, mas o proponente pedir resposta imediata, a
proposta mantém-se até que, em condições normais, ela e a aceitação cheguem ao seu
destino (tempo que, em condições normais, a proposta demora a chegar ao seu
destinatário + tempo que, em condições normais, a aceitação demora a chegar ao
proponente)

— N.º 1, alínea c): se não for fixado o prazo e o proponente não pedir resposta imediata, a
proposta subsiste pelo período que, em condições normais, possibilite que a proposta e a
aceitação cheguem aos seus destinos, acrescidos 5 dias (tempo que, em condições
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

normais, a proposta demora a chegar ao seu destinatário + tempo que, em condições


normais, a aceitação demora a chegar ao proponente + 5 dias)

A chave da duração das propostas contratuais (quer quando o proponente pede resposta
imediata, quer quando nada diga esse respeito) anda em torno do conceito indeterminado
de período até que, “em condições normais, proposta e aceitação chegam ao seu destino”.
—> este período deve ser determinado em abstrato e tendo em conta o meio utilizado pelo
proponente para enviar a sua declaração!
— será mínimo se for utilizado um meio de comunicação rápido — fax, telegrama ou correio
eletrónico.
— será maior se se recorrer ao correio, havendo que distinguir o tipo de correio (aéreo,
terrestre ou marítimo) e a distância percorrida!

Tempo que, em condições normais uma carta demora a chegar ao seu destino — como
determinar?

— MC recorre por analogia ao sistema de notificações postais judiciais dirigidas a advogados


(atual art. 249º do CPC) —> segundo este sistema, a receção presume-se ocorrida no terceiro
dia posterior ao do registo da carta (ou, no primeiro dia útil seguinte, quando o terceiro dia
posterior ao do registo da carta seja a um domingo ou a um feriado).

MC: “A inexistência de regras civis sobre o “tempo normal” necessário para uma expedição
postal e a imperiosa vantagem, no plano da segurança, associada a uma duração fixa levam-
nos a manter o prazo de três dias como o período para que, em condições normais, uma
carta chegue ao seu destin”.
——> Assim, salvo em casos de carta registada ou de situação certificada, quando o
proponente use o correio e peça resposta imediata, a aceitação deverá chegar nos seis
dias subsequentes (3 dias para a carta com a proposta chegar ao declaratário + 3 dias para
aceitação chegar ao proponente). Se o proponente não pedir resposta imediata, a
aceitação deverá chegar nos onze dias seguintes (6 dias das deslocações + 5 dias):

Em qualquer dos casos, o prazo que termine em domingo ou feriado transfere-se para o
primeiro dia útil seguinte.

O decurso do prazo extingue, por caducidade, a proposta atingida.


Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Outras formas de extinção da proposta (para além do decurso do prazo):


— a revogação (artigo 230.º)
— a aceitação e rejeição
— outros modos

Revogação da proposta
Artigo 230.º
IMPORTANTE: a revogação só é possível quando não houver contrato —> se já existir contrato
(fusão da proposta com aceitação), já não haveria uma mera revogação da proposta, mas a
revogação do próprio contrato, que só é possível através de acordo.
N.º 1:
— Uma vez tornada eficaz nos termos do artigo 224.º, a proposta vincula o proponente nos
seus termos e sujeita-o à celebração do contrato (se existir a aceitação do destinatário).
Assim, o proponente não pode desvincular-se após a proposta se ter tornado eficaz.
REGRA GERAL: a partir do momento em que a proposta se torna eficaz, a proposta é
irrevogável.
EXCEÇÃO (“salvo disposição em contrário”): o proponente ter reservado o direito à
revogação da proposta —> “a irrevogabilidade da proposta após a sua eficácia depende do
proponente ter ressalvado para si o direito de revogar a proposta, na própria proposta, por
acordo com o destinatário ou em convite a contratar prévio”.

Casos em que a proposta pode ser revogada:


—> Se o proponente tiver reservado o direito de revogar (como já referido).
—> Se, ao mesmo tempo ou antes da proposta, o destinatário receber a declaração da
proposta ou tiver por outro meio conhecimento dela — N.º 2
N.º 2
Às 17 horas do dia de hoje, mando uma carta a uma pessoa a propor-lhe a venda de um anel
valioso por 10 000 euros. Vou ao correio e a carta vai ser enviada.
Às 22 horas do dia de hoje, arrependo-me e ligo à pessoa a quem fiz a proposta a dizer “Não
quero vender o meu anel. Arrependi-me da proposta que fiz. Fica sem efeito a carta que vais
receber” —> aqui há revogação da proposta (antes da proposta ser recebida pelo
destinatário, o destinatário tem conhecimento da revogação; destinatário ainda nem teve
tempo para pensar sobre o assunto e, consequentemente, ainda não criou uma expetativa
legislativa acerca da proposta).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Exemplo CF: “O A remete a B uma proposta negocial por correio normal. Entretanto,
verificado que lhe não convém mantê-la, envia um telegrama ou um fax com a revogação.
Sendo o fax um meio de comunicação mais expedito que o primeiro, torna-se possível que a
revogação chegue ao destinatário antes da proposta”.

PODEMOS ENTÃO CONCLUIR QUE, SE A REVOGAÇÃO DA PROPOSTA CHEGAR ANTES DA


PROPOSTA, há revogação (a irrevogabilidade é só depois da proposta ser recebida pelo
destinatário!).

O n.º 2 do artigo 230.º diz-nos que a revogação da proposta pode chegar ao mesmo tempo
que a proposta —> há um problema quanto à interpretação da expressão “ao mesmo tempo”.
Há, no entanto, um consenso: o tempo a que o artigo se refere não é um tempo cronológico,
mas um tempo juridicamente relevante!

Exemplo 1
Todos os dias, recebo, em média, 30 cartas. Em primeiro lugar, abri uma carta com proposta
de compra e venda de um anel e depois abri uma com a revogação da mesma proposta.
É certo que abri a carta da proposta antes da carta com a revogação, mas podemos
considerar que as recebi o mesmo tempo (o carteiro colocou-as ao mesmo tempo na caixa
de correio) —> para além disso, não houve qualquer formação de expetativas acerca da
proposta
— Variação do exemplo 1
Continuo a receber as 30 cartas ao mesmo tempo, e uma delas com a proposta de compra e
venda do anel e outra com a revogação dessa mesma proposta.
A primeira carta que leio é a carta com a proposta. Fico tão entusiasmada com a proposta
que, assim que a acabo de ler, telefono para o banco e celebro um contrato de empréstimo.
Momentos depois, o dinheiro que pedi ao banco entra na minha conta. De seguida, mando
um e-mail ao proponente, dizendo-lhe que aceito a proposta e que já tenho o dinheiro.
Passado uns minutos, o proponente responde-me que enviou uma carta com a revogação da
proposta (revogação está numa das cartas que não li por ter ficado muito entusiasmada com
a proposta e ter deixado de ler as cartas).
—> Nesta circunstância, se a revogação for eficaz, vou ter prejuízos —> já perdi dinheiro no
empréstimo que fiz.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

“Ao mesmo tempo” é um tempo jurídico —> um tempo que tem que ver com a possibilidade
de construir ou não expetativas sobre uma determinada declaração
Se este “ao mesmo tempo” se verificar —> a revogação não é eficaz — protege-se o terceiro
no artigo 230.º, contrariamente ao que vemos no artigo 228.º do CC.

— Aceitação da proposta faz desaparecer a proposta, promovendo a sua integração no


contrato. A rejeição, a renúncia do destinatário ao direito potestativo de aceitar a proposta
em jogo, também leva à extinção da proposta.

— Outras formas de extinção da proposta


Artigo 231.º
— A extinção da proposta contratual pode se dar por morte ou incapacidade do proponente,
havendo fundamento para presumir ser essa a sua vontade (artigo 231.º/1) — se não existir
fundamento para presumir essa vontade, “não obsta à conclusão do contrato a morte ou
incapacidade do proponente”.
— A extinção da proposta dá-se também por morte ou incapacidade do destinatário,
conforme consta do artigo 231.º/2.

Recebida a proposta, o declaratário tem 4 hipóteses

1. O declaratário pode nada fazer —> a proposta acaba por caducar por decurso do prazo
(artigo 228.º).
O declaratário nada fazer não é uma declaração tácita (a ausência de uma aceitação, o “nada
dizer” não pode valer como uma aceitação da proposta). O declaratário nada dizer é silêncio
(artigo 218.º).
2. O declaratário pode fazer uma contra-proposta.
O que é uma contra-proposta? Proposta que tem a particularidade de ter sido antecedida por
uma proposta.
Quando há uma contra-proposta, inicia-se o processo de formação do negócio (“volta-se à
casa de partida), mas aquele que era o declaratário passa a ser o proponente e o que era o
proponente (aquele que anteriormente fez a proposta) passa a ser o declaratário.
3. O declaratário aceita a proposta —> neste caso, forma-se o contrato (o efeito da
aceitação é a formação do contrato; “a aceitação é a declaração que falta para haver
contrato”).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— À semelhança da proposta, a aceitação é uma declaração recipienda (*declaração que não


é eficaz por si mesma; declaração que para ser eficaz, tem de ser comunicada a um
destinatário específico/concreto). Assim, a aceitação só se torna eficaz no momento em que
é recebida, ou conhecida, pelo destinatário (artigo 224.º/1, 1ª parte).
— O contrato só se pode formar no momento em que a aceitação se torna eficaz. Podemos
então concluir que o contrato só se forma “no momento e no lugar da receção da aceitação”.

“O contrato é a fusão da proposta com a aceitação. A aceitação é uma declaração


recipienda, pelo que produz efeitos nos termos do artigo 224.º CC: torna-se eficaz no
momento em que é recebida ou conhecida pelo declaratário (que é o proponente). O
contrato só se forma quando a aceitação produz efeitos”.

Outra hipótese que o declaratário tem a seu dispor:


4. Aceitar a proposta, mas com modificações (mais à frente explicada).

Características da aceitação:

— A aceitação também tem de ser apresentar conformidade —> para falarmos de uma
aceitação, de uma declaração cuja eficácia faz surgir um contrato, tem de existir uma
adesão total e completa à proposta — uma aceitação com alterações ou modificações ao
que foi proposto não pode valer como aceitação, na medida em que não opera a conclusão
do contrato, visto que não existe o acordo negocial, que tem de existir sempre (só se forma
contrato quando existir um acordo quanto a todos os aspetos que as partes procuraram
acordar).

— Tal como a proposta, a aceitação tem de ter um carácter firme —> uma aceitação
dubitativa (que suscite dúvidas relativamente à vontade do seu autor) não é uma
verdadeira aceitação (MC: Da aceitação resulta o contrato; não pode haver, pois, verdadeira
aceitação, quando a competente declaração, seja dubitativa).
Exemplo: A pergunta a B “Queres comprar a camisola?” e B responde “É muito gira. Acho que
a vou querer. Em príncipio, acho que vou mesmo a querer.” É a declaração de B uma
aceitação? Não. Parece que B quer comprar a camisola, mas não há uma manifestação
inequívoca da vontade (a vontade de B não está sólida, suscita dúvidas).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— Tal como proposta, a aceitação tem de revestir a forma necessária para o contrato. Se
assim não fosse, não existiria contrato — MC: “O contrato mais não é do que o encontro das
declarações confluentes das partes; a forma dele é a forma das declarações”.
MRR refere o seguinte:
A aceitação é uma metade do contrato (a proposta é a outra metade do contrato).
Determinado contrato tem de revestir forma escrita. Se a proposta é escrita e a aceitação
não o forem —> não existe contrato ou, mais precisamente, temos um contrato nulo (art.
220.º).

Aceitação com modificações


Artigo 233.º: ”A aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações importa
rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova
proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração”.

Artigo 233.º, 1ª parte (”a aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações
importa rejeição da proposta”).
Regra geral, uma aceitação com modificações equivale a uma rejeição da proposta. Mas por
que razão? Como já referido, para a conclusão do contrato, tem de existir um acordo sobre
todos os pontos em que alguma das partes tenha manifestado interesse. Numa aceitação
com modificações, não existe esse acordo entre as partes! (e, consequentemente, não se
pode originar um contrato).

JAV: “A aceitação da proposta contratual deve ser pura e simples, ou seja, deve revelar um
propósito inequívoco de contratar de acordo com o teor integral da proposta”.
MC: “A aceitação deve traduzir uma total aquiescência/adesão quanto à proposta;
qualquer alteração introduzida na proposta pelo destinatário bloqueia a imediata
formação do contrato, como bem se compreende: trata-se de um ponto sobre o qual não
houve consenso entre as partes” (como já foi referido, o contrato não fica concluído
enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer
delas tenha mostrado interesse)
Exemplo:
A diz a B: “Gostas muito dessa camisola. Eu vendo-te a camisola por 100 euros”. B responde
“Era mesmo o que queria. Aceito a camisola, mas não tenho 100 euros. Vou te pagar 10 euros
por mês”.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Nesta situação, há uma aceitação com modificações e há ou não contrato? Não se forma um
contrato —> A pode não querer o pagamento a prestações — não existiu acordo
relativamente a esse aspeto.

— 2ª parte do artigo (“mas, se a modificação da proposta for suficientemente precisa,


equivale a nova proposta, contando que outro sentido não resulte da declaração”):
Mas e se a modificação da proposta for suficientemente precisa? Aí, a aceitação não vale
como rejeição da proposta (como referido na 1ª parte do artigo), levando à sua caducidade.
Ao invés, vale como contra-proposta ou, como diz MC, como “proposta formulada pelo
destinatário de uma primeira proposta contratual”.
“A contraproposta é uma proposta contratual, que tem como particularidade o
implicar a rejeição de uma primeira proposta contratual.
A contraproposta fica sujeita ao regime da proposta, quer quanto à eficácia, quer
quanto à duração”
Para uma aceitação com modificações valer como contraproposta é necessário que ela seja
suficientemente precisa —> O que é ser “suficientemente precisa”? —> Satisfazer os
requisitos da proposta: ser completa, traduzir a intenção inequívoca de contratar e assumir a
forma requerida para o contrato de cuja celebração se trate.
Em suma —> se a aceitação com modificações cumprir os requisitos exigidos para a
proposta, vale como contraproposta (e a sua aceitação, por parte do anterior declarante, leva
à conclusão do contrato); se a aceitação com modificações não cumprir os requisitos
exigidos para a proposta, há a rejeição da proposta.

— Apesar de não ter uma duração, a aceitação, para ser eficaz, para dar origem ao contrato,
tem de ser tempestiva —> tem de chegar dentro do prazo de duração da proposta (tem de
produzir efeitos/ganhar eficácia dentro do prazo da duração da proposta, ou, dito de outro
modo, tem de ganhar eficácia quando o proponente ainda se encontra num estado de
sujeição).

— MRR: Para existir contrato, temos de ter uma aceitação que “case” com a proposta. O
declaratário está a pensar sobre a proposta que lhe foi feita e, entretanto, o prazo da
proposta termina (sem que qualquer aceitação tenha sido expedida). Com o fim do prazo, a
proposta caduca, deixa de existir. Se a proposta caduca, a aceitação já não pode “casar” com
a proposta e, portanto, já não pode existir contrato.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

JAV: “Regra geral, o contrato forma-se quando a aceitação se torna eficaz durante o prazo de
eficácia da proposta, ou seja, durante o estado de sujeição do proponente. Se a aceitação
apenas se tornar eficaz depois da proposta ter cessado os seus efeitos, e se foi expedida já
fora do período de eficácia da proposta, o contrato não se chega a concluir, dependendo a
sua conclusão da emissão de uma nova proposta e de nova aceitação, conforme
estabelecido na 2ª parte do artigo 229.º/2”.

Em suma —> Se a aceitação for expedida fora de prazo de duração da proposta pode o
proponente aceitar a declaração? Não —> A formação de contrato depende de nova proposta
e aceitação.

Ainda que a aceitação só se tenha tornado eficaz após o decurso do prazo de duração da
proposta, a lei portuguesa dá ao proponente o direito de dar o contrato por celebrado se a
aceitação houver sido expedida enquanto a proposta se encontrava eficaz (“O proponente
pode, todavia, considerar eficaz a resposta tardia, desde que ela tenha sido expedida em
tempo oportuno”):
Exemplo:
O prazo da proposta termina na segunda-feira. Na quinta-feira anterior, envio uma carta, com
a aceitação da proposta, pelos CTT Azul (geralmente, a entrega é muito rápida e, portanto,
em condições normais, a proposta chegaria antes de segunda-feira). Contudo, o carteiro está
com COVID e a minha carta só chega terça-feira — a aceitação foi enviada antes do prazo de
duração da proposta contratual terminar, mas chega ao poder do proponente depois desse
prazo (quando a proposta já não é eficaz) —> nos termos do artigo 229.º/2, 1ª parte, o
proponente pode, se assim o entender, considerar eficaz a proposta (já não poderia, se a
aceitação fosse enviada na segunda-feira e chegasse quarta-feira).
Tal como a proposta, a aceitação pode ser revogada —> ir ao artigo 235.º
—> Art. 235.º/2: A aceitação da proposta contratual pode ser revogada se a declaração
revogatória chegar ao poder do proponente, ou for dele conhecida, em simultâneo com a
aceitação ou antes dela (logo, a declaração de revogação que chega depois da aceitação
ser recebida ou conhecida pelo destinatário não pode revogar a aceitação —> a aceitação já
se tornou eficaz e já levou ao surgimento do contrato, não podendo ser revogada).

Art. 235.º/1: A aceitação da proposta pode ter lugar mesmo quando o destinatário a haja
primeiro rejeitado, desde que a aceitação chegue ao poder do proponente, ou seja dele
conhecida, ao mesmo tempo que a rejeição, ou antes dela.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Se não for este o caso (se a aceitação da proposta chegar ao poder do proponente ou for
dele conhecida depois da rejeição chegar ou ser conhecida) —> a rejeição da proposta
provoca a caducidade da proposta e a formação do contrato depende de nova proposta e de
nova aceitação.

Dispensa da declaração de aceitação (artigo 234.º) —> um artigo que suscita grandes
dificuldades e divergências.
MC: entende que este artigo é uma consagração das declarações tácitas.
MRR não concorda com MC:
1) Seria uma péssima técnica legislativa (no artigo 217.º, já temos a definição da declaração
tácita e até a equiparação das declarações expressas e tácitas, pelo que não faria sentido
este artigo específico consagrar as declarações tácitas)
2) Existe uma interpretação possível e útil para este artigo — as declarações negociais,
sobretudo as recipiendas, têm uma dimensão de exteriorização de vontade, mas também
têm uma dimensão de notificação/comunicação a uma pessoa; neste artigo, o que temos
é não a dispensa da aceitação, mas a dispensa da notificação — há claramente uma
aceitação, que é manifestada através de um comportamento; aquilo que o artigo
dispensa é a declaração de aceitação (esta declaração não é a exteriorização da vontade,
mas a notificação)
Exemplo:
— Gosto muito da camisola que estou a vestir e quero uma igual. Vou ter com a Maria, a
pessoa que fez a minha camisola e digo-lhe que quero cinco camisolas exatamente iguais à
que tenho.

— A Maria diz que não tem tempo para estar a fazer as camisolas. Eu digo-lhe “Não digas já
que não. Faz-me as camisolas. Não precisas de me dizer nada, faz só o que te peço”.
— A Maria ainda não aceitou as camisolas. Eu, na própria proposta, que ainda se encontra em
vigor (prazo ainda não terminou), disse que a Maria não tinha de me dizer nada, não tinha de
comunicar a aceitação. Imaginemos que a Maria, sem me dizer nada, começa a fazer as
camisolas e passado um mês diz “Tenho as camisolas. Podes vir buscá-las e pagar”.
Forma-se o contrato a partir do momento em que conduta da outra parte mostre a intenção
de aceitar a proposta, ou seja, a partir do momento em que a Maria começou a fazer as
camisolas.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Cláusulas Contratuais Gerais

Até aqui, falámos da forma “tradicional” de celebração de contratos —> o regime do Código
Civil assenta numa posição de paridade das partes que, no uso da sua liberdade de
celebração e de estipulação, por aproximações sucessivas, vão conformando o conteúdo
do negócio a celebrar.

Com a revolução industrial, ocorrida no século XIX e, particularmente, após a 2ª guerra


mundial, assistimos à progressiva massificação da economia —> há uma maior circulação de
bens e de serviços, acompanhada de dois importantes elementos que alteraram o quadro
tradicional da formação do negócio jurídico: aumento do número de negócios (na vida social
moderna, a satisfação de determinadas necessidades passa a interessar à generalidade das
pessoas) e uma maior celeridade na sua celebração (negócios são celebrados com uma
grande rapidez).

— Esta massificação da economia deu-se não só em setores menos significativos do ponto


de vista jurídico, por respeitarem a atos da vida corrente, mas também quanto a domínios de
grande relevância económica e jurídica (ex: fornecimento de bens essenciais do consumo,
como água, eletricidade, gás).

O esquema clássico de formação do negócio jurídico dificilmente se adapta a esta nova


realidade, marcada pela celebração massiva de negócios, celebrados com grande rapidez.
CF: “As entidades fornecedoras de certos bens ou serviços, estando em contacto com um
número muito significativo de clientes não podem, sem comprometer gravemente o êxito da
sua própria atividade, dispor-se a negociar individualmente contratos com cada um deles ou
aceitar estipulações diferentes para os múltiplos contratos que celebram. Por razões de
operacionalidade, facilitadas pela posição dominante que ocupam no mercado, estas
entidades tendem a impor modelos negociais pré-estabelecidos”.
MC: “A negociação de um contrato pode ser algo de muito demorado. Compreende-se que,
em muitas situações da vida económico-social, tudo deva ocorrer de modo instantâneo ou
muito célere: havendo fila para aceder ao balcão de um banco, mal ficaria que cada
potencial cliente pudesse discutir o clausulado”.

O legislador apercebeu-se que o regime tradicional, constante do Código Civil, não era
adequado para regular a celebração massiva de negócios —> em 1985, foi publicado em
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Portugal um Decreto-Lei (DL n.º 446/85 de 25 de outubro) com o regime das cláusulas
contratuais gerais. Este DL é designado por Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (L.C.C.G).
— O regime das cláusulas contratuais é introduzido no sistema jurídico-português em 1985,
tendo sofrido várias alterações desde essa altura.

No preâmbulo da L.C.C.G, podemos ler:


“A negociação privada, assente no postulado da igualdade formal das partes, não
corresponde muitas vezes ao concreto da vida”.
“O comércio jurídico massificou-se: continuamente, as pessoas celebram contratos não
precedidos de qualquer fase negociatória”.
“A prática jurídico-económica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas
uniformizam os seus contratos, de modo a acelerar as operações necessárias à colocação
dos produtos e a planificar, nos diferentes aspetos, as vantagens e as adstrições que lhes
advêm do tráfego jurídico”.
“Apresentam-se as cláusulas contratuais gerais como algo de necessário, que resulta das
características e amplitude das sociedades modernas”.

O que são cláusulas contratuais gerais?


“Disposições negociais pré-elaboradas, isto é, elaboradas sem prévia negociação
individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou a
aceitar”.
Seguindo a linha de pensamento de MC, CF refere como características identificadoras das
CCG:
—> São pré-elaboradas— “existem antes da sua eventual inclusão num contrato” e, daqui
decorre, a indeterminação dos proponentes ou dos destinatários.
—> São rígidas (característica que está intimamente ligada com a sua pré-elaboração). Mas
por que razão são as CCG rígidas? “Destinam-se a ser incluídas no negócio jurídico, no seu
conjunto, em “bloco”, e não a ser, por seu turno, negociadas entre as partes”.

MRR diz que é uma rigidez tendencial —> neste sentido, CF refere “Cabe porém, esclarecer
que a rigidez não exclui, em absoluto, a possibilidade de, no negócio celebrado com
recurso a cláusulas contratuais gerais, se conterem cláusulas particulares, que sejam
objeto de negociação específica entre as partes”.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Características naturais…
—> Desigualdade entre as partes — “O utilizador das CCG (isto é, a pessoa que só faça
propostas nos seus termos ou que só as aceite quando elas as acompanhem) goza, em
regra, de marcada superioridade em relação ao aderente” // “a parte que recorre às CCG
ocupa, regra geral, uma posição dominante do negócio jurídico”.
—> Complexidade — “As CCG alargam-se por um grande número de pontos; por vezes,
elas cobrem, com minúcia, todos os aspetos contratuais” // “os conjuntos de cláusulas
cobrem, com frequência, todo o conteúdo do contrato, pelo que se compreende ser a sua
complexidade uma característica natural”.
—> Natureza formulária — precisamente por tenderem, em regra, a cobrir, com rigidez, todo
o conteúdo do contrato, as cláusulas contratuais apresentam natureza formulária -
constam de documento escrito, por se destinarem a ser aceites em bloco, sem necessidade
de elementos individualizadores próprios (o aderente só tem de colocar o nome e os dados
num cabeçalho, o resto do contrato é formado pelas cláusulas).
— Com frequência, em contratos mais complexos, costumam haver nestes contratos dois
formulários: condições gerais (iguais para um conjunto indeterminado de pessoas) e
condições particulares (nome, idade, morada, opções para meter cruz — opções que já estão
determinadas).

Qualquer conjunto de disposições negociais pré-elaboradas, isto é, elaboradas sem prévia


negociação, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a aceitar ou
subscrever, está sujeito ao regime das CCG —> o art. 2.º da L.C.C.G consagra a irrelevância
da forma de comunicação, extensão, conteúdo e autoria das CCG.
Este princípio sofre limitações —> nem todos os conjuntos de disposições negociais pré-
elaborados e abertos a proponentes ou destinatários indeterminados ficam sujeitos ao
regime das CCG — exceções estão referidas no artigo 3.º da L.C.C.G

Artigo 3.º —> As CCG visam regular relações privadas patrimoniais que tenham a ver com o
fenómeno de circulação de bens e serviços. Retiram-se, por isso, do seu âmbito de aplicação
situações jurídicas públicas, assim como situações familiares e sucessórias.

Por que razão são as cláusulas contratuais utilizadas?


—> Este tipo de contratação é bastante rentável
Exemplo: A Vodafone celebra um milhão de contratos em todo o país. Seria absurdo a
Vodafone ter de negociar um milhão de contratos — teria de ter equipas gigantes,
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

distribuídas pelas várias zonas do país (para efeitos de negociação), teria enormes despesas
e isso teria repercussões no preço a pagar pelos clientes. A Vodafone tem um gabinete
jurídico, que estuda os pacotes, elabora uma ou duas minutas e são estas, já com as
cláusulas (pré-estabelecidas), que são utilizadas na contratação.
—> O uso de cláusulas contratuais gerais permitem rapidez na contratação (negociação é
um processo demorado).

Os contratos celebrados segundo cláusulas contratuais gerais são contratos e, portanto, são
acordos. Não existe um contrato celebrado segundo cláusulas contratuais gerais se não
existir um acordo quanto às cláusulas —> as cláusulas contratuais gerais são uma
particularidade na formação do negócio; não é por existirem cláusulas que há negócio, tem
sempre de existir acordo (daí eu assinar um formulário).
— A, funcionário da Vodafone, entrega ao consumidor B uma proposta de contrato, mais
precisamente, três páginas de cláusulas contratuais gerais (cláusulas pré-elaboradas, que
não são fruto de negociação). Por lapso, A não entregou a B uma última página de cláusulas
(contrato segundo CCG tinha quatro páginas).
— B aceitou contratar nos termos definidos pela Vodafone. A quarta página não lhe foi
entregue, pelo que não existiu qualquer acordo quanto às cláusulas que constam dessa
página. Como sabemos, para existir contrato é necessário que exista acordo sobre todos os
aspetos em que uma das partes manifestou interesse —> assim, só há contrato quanto às três
páginas entregues por A (as cláusulas que constam da quarta página não podem valer).

Não valem como aceites as cláusulas que apareçam depois da assinatura, porque se
presume que não foram lidas (a assinatura aparece sempre no fim das cláusulas).
Não valem as cláusulas que, entretanto, sejam alteradas (celebro um contrato com a EDP em
1995; houve cláusulas que, naturalmente, foram alteradas; não faria sentido que as novas
cláusulas valessem para mim —> as cláusulas do meu contrato são as cláusulas do contrato
que eu assinei em 1995, pois foi sobre elas que houve acordo).

A Sociedade A elabora um conjunto de cláusulas contratuais gerais X e dirige a B,


consumidor final, uma proposta de contrato de fornecimento dos seus serviços, segundo
esse conjunto. O contrato celebra-se quando B aceita a proposta, passando o conjunto X a
integrar o conteúdo do contrato — art. 4.º, L.C.C.G.
—> Neste exemplo, B tem o risco acrescido de celebrar contratos cujo conteúdo domine mal.
Para atender a este risco, a lei impõe a observância de uma série de regras, que se traduzem
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

em deveres impostos à sociedade A e no afastamento de certas práticas negociais, que ela


poderia ser tentada a impor.

Art. 5.º e 6.º da L.C.C.G


Perante a delicadeza do modo de formação do negócio com recurso a CCG, não basta a
mera aceitação: é necessário que as pessoas pessoas que utilizam cláusulas contratuais
gerais cumpram deveres específicos.
— Art. 5.º: Dever de comunicação —> o utilizador das CCG tem o dever de as comunicar, na
integra, ao aderente — IMPORTANTE: a comunicação deve ser feita de molde a possibilitar
ao aderente, que use de média diligência, um conhecimento completo e efetivo das
cláusulas.
O cumprimento do dever de comunicação não se presume —> a prova de que o dever
foi cumprido cabe ao contraente que tome a iniciativa do recurso a CCG.
O conteúdo do dever de informação deve ser aferido em função do conteúdo das CCG,
levando em conta a sua extensão e complexidade.

Artigo 6.º: Dever de informação —> “esclarecimento de pontos que justifiquem aclaração” ou,
dito de outra forma, esclarecer o aderente acerca do conteúdo de certas cláusulas — o
utilizador das CCG deve conceder a informação necessária ao aderente, prestando-lhe todos
os esclarecimentos solicitados, desde que razoáveis”|.

As cláusulas não comunicadas são excluídas do contrato, assim como as cláusulas


comunicadas com a violação do dever de informação.
— Para além de impor dever particulares, a lei ocupa-se ainda de certas práticas habituais,
que podem colocar em causa um efetivo conhecimento, pelo aderente, do conteúdo do
contrato que vai celebrar —> proibição das cláusulas de surpresa — “Com frequência, são
formuladas propostas negociais referidas a CCG incluídas em formulários que desencorajam
a sua leitura. Isto acontece quer pelo tipo de letra usado ser muito pequeno, quer pelos
formulários serem muito extensos e impressos em cores pouco percetíveis”.
“Cláusulas de surpresa” são excluídas do contrato, consoante o critério do
contraente normal, na posição do contraente real—> artigo 8.º
Como já referido, as cláusulas contratuais são rígidas.
Esta rigidez é, como já foi dito, apenas tendencial —> não podemos dizer que não há
liberdade de estipulação — o que acontece é que uma das partes não quer negociar, quer ver
o contrato formado de acordo com o que já está definido.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— Se, na celebração de um contrato com a EDP, um indivíduo quiser alterar as cláusulas do


contrato —> a EDP “não vai querer saber” (“se o indivíduo não quer as cláusulas pré-definidas,
o problema é dele”).
— Se uma empresa que consuma elevadíssimos valores de energia entrar em contacto com a
EDP e quiser alterar certas cláusulas —> a EDP, para não perder um grande cliente, vai “se
sentar à mesa” com a outra empresa e podem ser negociais cláusulas.

— Prova de que pode existir negociação quanto a cláusulas contratuais gerais —> Artigo 7.º
da L.C.C.G: “As cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas
contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes”.

+ sobre CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS


CF:
— É corrente verificar-se, no uso de cláusulas contratuais gerais, uma desigualdade entre as
partes —> é necessário prevenir o risco de a parte mais forte se aproveitar dessa situação
para impor à outra soluções injustas ou excessivas.
— A complexidade e a rigidez dos conjuntos de cláusulas, também em regra muito extensos
e pormenorizados, podem constituir fatores de dificuldade no seu conhecimento e na
compreensão do regime contratual a que as partes efetivamente se vinculam.
É necessário dotar o regime das CCG de meios específicos de tutela do aderente:
—> proibição de inclusão de cláusulas com conteúdo típico inadequado
— Falamos de cláusulas contratuais gerais proibidas (Capítulo V, L.C.C.G).
Estatuem-se regimes diferentes para cláusulas proibidas, consoante os contratos se formam
entre “empresários ou entidades equiparadas” (situações de potencial igualdade) ou entre
estes e consumidores finais (situações de potencial desigualdade).
Contudo, temos cláusulas proibidas em absoluto (“disposições comuns por natureza”),
qualquer que seja a relação entre as partes do contrato.
São proibidas em absoluto cláusulas contrarias à boa-fé (artigo 15.º da L.C.C.G)
Artigo 16.º L.C.C.G estabelece os critérios a observar no apuramento da contrariedade
das cláusulas à boa-fé.
Art. 12.º, L.C.C.G: as cláusulas contratuais gerais proibidas, qualquer que seja a sua
modalidade, são nulas.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Logo no início da aula, MRR disse que a lei portuguesa se desinteressou da formação do
contrato —> apenas regulou o “coração do contrato”.
No entanto, existe outra matéria sobre com a qual a lei portuguesa se preocupou —> artigo
227.º: culpa na formação do contrato (culpa in contrahendo)
—> culpa in contrahendo é um instituto que nasce a partir de uma construção doutrinária
(JHERING, 1961).

CULPA IN CONTRAHENDO

Na formação do negócio jurídico, vigora o princípio da autonomia privada, que se


concretiza quer em termos positivos, quer em termos negativos. Em termos positivos, a
autonomia privada concretiza-se na liberdade de escolher um contrato. Em termos
negativos, na liberdade de não contratar.
Pergunta-se se, no período anterior ao da efetiva conclusão do contrato, já existem regras a
observar ou se, pelo contrário, as partes são totalmente livres —> a tendência atual vai no
sentido de afirmar a existência de limites na fase negocial.
As regras pré-negociais podem apresentar algumas das seguintes origens:
— Origem contratual —> têm origem contratual na medida em que as partes hajam decidido
concluir pactos preparatórios (perante contratos preparatórios, as partes ficam vinculadas)
— Origem legal específica —> as regras pré-negociais legais específicas surgem em diversos
campos - L.C.C.G (artigos 5.º a 9.º —> deveres de comunicação e de informação) e leis de
defesa do consumidor.
— Origem legal genérica —> a regra pré-negocial legal genérica consiste no dever de
proceder segundo as regras da boa-fé (art. 227.º, culpa in contrahendo, que, como já
referido, foi uma descoberta de JHERING)
JHERING —> Na presença de contratos nulos por anomalias verificadas na sua formação,
podem ocorrer danos cujo não-ressarcimento seja injusto. Perante tal situação, o
responsável, por via das regras gerais sobre danos e culpa, deveria indemnizar pelo interesse
contratual negativo, colocando o prejudicado na situação em que ele se encontraria se
nunca tivesse ocorrido o contrato nulo”:

CULPA IN CONTRAHENDO foi desenvolvida e hoje está consagrada no CC português.


Art. 227.º
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

“Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares
como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder
pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
MC: “Parece claro que o legislador (objetivo) pretendeu colocar todo o espaço que
precede a conclusão de um negócio, sob a égide do sistema. Assim, perante qualquer
negócio, mesmo unilateral, funcionam as regras da CIC”.
“A CIC não se manifesta apenas perante negociações. Negociar deve ser tomado em
sentido amplo. Não se requerem negociações formais ou informais: a simples
proximidade negocial é suficiente”:
— Discute-se o que são os preliminares a que o artigo se refere —> não há duvida que é com
a fusão da proposta e da aceitação que forma o negócio, pelo que os preliminares são tudo o
resto (“toda a troca de informações necessárias para se alcançar um acordo”).

— Os negociadores devem proceder segundo as regras da boa-fé. A boa-fé aqui referida é


objetiva, presente em preceitos como o artigo 334.º do CC (abuso de direito).
O que é a boa-fé objetiva? — MC: “O conjunto de princípios fundamentais do ordenamento
jurídico vocacionados para intervir no caso concreto”; estes princípios densificam-se em dois
grandes sub-princípios: princípio da tutela da confiança e da primazia da materialidade
subjacente”.
1. Princípio da tutela da confiança — as partes não devem suscitar situações de confiança
que, depois, venham a frustar; por exemplo, se um dos intervenientes não tem intenção de
contratar, não deve convencer outra pessoa do contrário.
— 4 pressupostos: criação da situação de confiança (que se traduz numa situação de boa fé
subjetiva ética - a pessoa cria confiança quanto ao comportamento da outra parte, depois de
informar-se devidamente), justificação da confiança (presença de elementos objectivos
capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível; a partir desses mesmos
elementos, o homem médio criaria a situação de confiança), imputação de confiança (os
elementos objetivos razoáveis que criaram a situação de confiança têm de ser imputados à
pessoa que os forneceu) e investimento na confiança (a situação de confiança levou a pessoa
(que criou a situação de confiança) a ter despesas ou a organizar a sua vida em torno dela).

2. Princípio da primazia da materialidade subjacente - serão contrárias à boa fé as atuações


que apenas respeitem a exterioridade formal do Direito, desprezando a sua substância. Ex: A
é empreiteiro de B. B pede para A colocar X tijolos dentro do prédio. Se A colocar os tijolos
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

dentro do prédio, mas dentro de um poço a sua atuação respeita a forma, mas não respeita a
substância, uma vez que, B não poderá utilizar os tijolos.

MRR: No artigo, os dois princípios estruturantes, particularmente o da tutela da confiança,


dão origem a dois tipos deveres: deveres de informação
deveres de lealdade
—> Assim, as partes agirem de boa-fé na negociação significa que trocam entre si as
informações necessárias para o negócio e são leais uma com a outra.
— Deveres de informação: estamos perante uma questão de comunicação. Há a necessidade
de circulação entre as partes de toda a informação necessária na contratação
—- Deveres de lealdade: estamos perante uma questão de atuação. Estes deveres são
violados quando, por exemplo, alguém convence a contraparte a celebrar um contrato e
depois recua.

MC refere que existem, para além de deveres pré-contratuais de informação e de segurança,


deveres de proteção —> dever de cada um dos negociadores proteger o património e a
pessoa do outro.
MRR não concorda com os deveres de proteção —> afirma que o artigo 227.º é
particularmente focado na celebração do contrato, e não na proteção do património e
pessoa do outro.
___
Intervenção da CIC:
1. Vulnerabilidade pré-contratual — quando, mercê de contratos pré-negociais, uma das
partes fica nas mãos da outra ou, pelo menos, se coloca numa situação de fraqueza.
—> incluem-se situações nas quais uma das partes detém elementos, designadamente
informações, decisivas à outra, mas omite comunicá-las à contraparte, aquando das
negociações.
Há CIC por parte do banco que promove certo negócio na base de informação erradas.
2. Contratação ineficaz — quando se origina um contrato nulo ou anulável, pode originar-se
responsabilidade pré-contratual.
3. Interrupção injustificada das negociações: quando a parte desistente tiver, com a sua
conduta, na contraparte, criado uma confiança justificada de que se iria concluir um
contrato.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

No decurso de negociações, chega-se a acordo quanta a determinada venda; o projetada


vendedor realiza diversas obras, tendo em vista a venda; a contraparte (o projetada
comprador), sem justificação, desiste do acordo —> indemnização por CIC
4. A responsabilidade por atos de terceiros — abrange terceiros que, de algum modo,
estejam envolvidos na conclusão do contrato, na hipótese de quebra de deveres preliminares
que lhes sejam dirigidos.
5. Proteção do contraente débil: o papel da cic intervém na correção de contratos injustos,
através da boa fé e do dever de informar, não levanta dúvidas, embora não possa ser levado
ao ponto de por em causa a autonomia privada.
_____
O que acontece se o negociador não respeitou a boa-fé? —> tem o dever de indemnizar os
danos que culposamente causou à outra parte (danos que resultem da inobservância das
regras da boa-fé, por oposição a todos aqueles que possam surgir).
—> a consequência da culpa in contrahendo não é a invalidade do negócio, mas a
indemnização (por parte da pessoa que não observou os ditames da boa-fé e que, com isso,
causou danos na outra parte):

A matéria da indemnização na culpa in contrahendo é bastante discutida — interesse


contratual negativo (JHERING) vs interesse contratual positivo (MC).

O que deve ser indemnizado?

—> O interesse contratual negativo (que evolui para o interesse da confiança)? —> se tiver
de indemnizar pelo interesse contratual negativo, tenho de pagar aquilo que for necessário
para colocar o lesado na situação em que ele estaria antes do facto ilícito.
— JHERING limitou a indemnização por CIC ao interesse negativo, isto é, ao prejuízo que o
sujeito não teria tido se não tivesse iniciado as negociações prejudiciais —> em termos
práticos, isto significaria que, no cômputo da indemnização, haveria que somar os valores
relativos a despesas e encargos suportados por via das negociações falhadas.

—> O interesse contratual positivo (que evolui para o interesse do cumprimento)? —> se
indemnizar pelo interesse contratual positivo, tenho de colocar o lesado na situação em que
ele estaria depois do facto ilícito, imaginando que tudo tinha corrido bem.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— “A parte lesada tinha o direito à conclusão de um contrato válido: os lucros


proporcionados por tal contrato - e que teriam sido frustrados pela CIC — deveriam constituir
a base para o cálculo de indemnização”.

Coloquei a minha casa de 100 metros quadros, situada em Lisboa, à venda.


No anúncio, não referi a área e, através de imagens, dei a entender que a casa tinha o dobro
da área (200 metros quadrados).
Um senhor vem ver a minha casa e fica estupefacto com a área reduzida.
Ele veio de Santarém e não teria vindo a Lisboa se soubesse que a casa tinha apenas 100
metros quadrados.
Se tivesse sido correta, se tivesse dito ou dado a entender que a casa tinha 100 metros
quadrados, o senhor não teria vindo —> não respeitei o dever de informação - não transmiti à
outra parte a informação necessária para a contratação.

— Interesse contratual negativo —> devo pagar ao senhor a deslocação Santarém-Lisboa


(devo colocar o senhor na situação que ele estaria antes da prática do ato ilícito)
— Interesse contratual positivo —> tenho de colocar o senhor na situação em que ele estaria
depois do ato ilícito, se tudo tivesse corrido bem — alguns autores: “se tudo tivesse corrido
bem, ele teria comprado a casa e, portanto, a indemnização seria muito maior”

“O senhor tem direito a que eu seja séria, mas ele não tem direito a comprar a casa”
MRR: a culpa in contrahendo dá lugar a uma indemnização pelo interesse contratual
negativo, pois o lesado tem direito apenas a um comportamento leal —> tem, portanto, de
ser indemnizado pela falta de lealdade (em sentido amplo: dever de informação e dever de
lealdade).
O senhor não tem direito à celebração do contrato e, portanto, não o podemos tratar como
se ele tivesse chegado a acordo “se tudo tivesse corrido bem”.
Qual o tipo de responsabilidade civil que está aqui em causa?
— MC: estamos perante uma responsabilidade contratual (responsabilidade obrigacional),
porque existe uma relação especial entre os negociadores.
— Outros autores entendem que a responsabilidade extra-contratual/extra-obrigacional
Artigo do Professor ALMEIDA COSTA aborda este conflito.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

O regime da culpa in contrahendo pode aplicar-se mesmo quando o contrato não se celebre,
mesmo quando o contrato seja inválido e mesmo que o contrato se celebre (não é o facto do
contrato se ter celebrado que impede a parte lesada de pedir uma indemnização).

Aula teórica de 27-03-2020

O negócio jurídico é uma ato de auto-regulamentação de interesses, que produz efeitos


jurídicos de acordo com aquilo que foi pretendido pelo declarante ou pelos declarantes.
E se as pessoas que deviam auto-regulamentar os seus interesses cometem alguma falha? Se
alguma coisa não corre bem na determinação das regras jurídicas que as devem reger?
—> falamos de FALTA E VÍCIOS na declaração de vontade.
Temos várias maneiras de organizar e de classificar os vícios (e todas têm vantagens e
inconvenientes). MRR adota uma classificação clássica (admite que, em alguns pontos, essa
classificação está ultrapassada, mas pensa que, do ponto de vista pedagógico, é a melhor).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Falta de vontade —> não há sequer vontade — são os vícios MAIS GRAVES e são aqueles que
têm consequências mais grave: a lei estabelece que o negócio em que há vício de falta de
vontade é inexistente (a inexistência é o vício mais grave do ordenamento jurídico
português).

Vícios de vontade —> existe vontade, mas essa vontade foi mal formada. Pode ter sido mal
formada por 2 principais razões:
—> Falta de liberdade — o declarante estava com medo, não era livre na vontade que
manifestou pois estava constrangido pelo medo.
— Falta de esclarecimento/conhecimento — o declarante não tinha os elementos parara
decidir totalmente e, portanto, estava em regra).
Dentro dos vícios de vontade, temos ainda a incapacidade acidental, que já foi falada no 1.º
semestre (a propósito das incapacidades) —> a incapacidade acidental é um vício residual (é
uma “mistura” da falta de liberdade e da falta de conhecimento).

Divergências entre a vontade e a declaração —> temos uma vontade que foi bem formada,
mas no processo de exteriorização da vontade houve algo que correu mal (temos, então,
uma divergência entre aquilo que se pretendeu e aquilo que disse que pretendeu).

Preciso de comprar um Código Civil. Vou a uma livraria e encontro um amigo à entrada da
mesma. Eu e o meu amigo ficamos a falar um pouco de matéria de Código de Processo Civil.
Depois de me despedir do meu amigo, entro na livraria. Quero comprar um Código Civil (não
tenho qualquer dúvida quanto à vontade de comprar um Código Civil), mas engano-me e
digo ao funcionário que pretende um Código de Processo Civil (estive a falar com o meu
amigo de matéria do CPC e baralhei-me) —> temos aqui um exemplo de divergência entre
vontade e declaração.

Temos diferentes graus de gravidade:


— Falta de vontade —> não há sequer vontade (o mais grave).
— Vícios de vontade —> há vontade, mas esta foi mal formada (intermédio).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Divergência entre vontade e declaração —> há vontade e esta foi bem formada, mas é mal
exteriorizada (menos grave). Muitas vezes, quando se fala em vícios, não se incluem as
divergências.

A propósito da falta de vontade, é importante falar e classificar a vontade.


Tradicionalmente, distingue-se a vontade humana em três níveis. Estes três níveis são
progressivos, no sentido de que só podemos passar para o segundo nível quando existe o
primeiro e assim sucessivamente.

1. Vontade de ação — corresponde ao domínio/controlo do corpo (ex: uma pessoa que fala
durante o sono não tem vontade de ação, pois não tem domínio sobre o seu corpo, não tem
domínio sobre o “abrir” a boca para falar; o mesmo já não acontece com uma pessoa que,
conscientemente, fala)
É muito raro faltar a vontade de ação —> o ser humano caracteriza-se por ter domínio sobre o
seu corpo. Quando não há vontade de ação no NJ, é muito grave.

2. Vontade de declaração (pressupõe vontade de ação).


Grande parte dos nossos comportamentos, tem um sentido e, normalmente, quando
adotamos determinado comportamento, queremos o sentido que esse comportamento tem.
Exemplos:
— Numa aula, um aluno levanta o braço para falar. Temos vontade de ação, pois o aluno
levante o braço porque quis (há domínio do corpo) e, ao levantar o braço, está a dizer ao
professor que pretende falar —> aluno controla o corpo e a declaração — há vontade de ação
e vontade de declaração.
— Imaginemos que um aluno está distraído numa aula e levanta o braço (levanta o abraço
sem querer falar). Há vontade de ação, pois o aluno controla o seu próprio corpo, mas não há
vontade de declaração, pois, no contexto de sala de aula, o sentido de levantar o braço não
foi querido pelo aluno.

3. Vontade funcional ou negocial (pressupõe vontade de ação e vontade de declaração)


O declarante tem vontade de ação e tem vontade de declaração. Para além de querer
declarar aquilo que declara, o declarante tem a vontade que a declaração produza efeitos
jurídicos. A vontade funcional é, então, a vontade de produzir efeitos jurídicos com
determinado comportamento, portador de um sentido.
Exemplo de falta de vontade negocial:
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Numa aula sobre negócio jurídico, MRR diz a um aluno, para dar um exemplo: “Vendo-te os
meus óculos” —> há vontade de ação (tem controlo sobre o que diz), há vontade de
declaração (quer que o comportamento tenha um sentido, expressa através desse
comportamento um conteúdo de pensamento), mas não quer que aquilo que diz produza
efeitos efeitos jurídicos.

CF: “O negócio é um ato voluntário, não só pelos seus efeitos dependerem da vontade do
seu ou seus autores (vontade funcional), mas por eles terem pretendido um determinado
comportamento (vontade de ação) e terem expressado, através desse comportamento, um
determinado sentido ou conteúdo de pensamento (vontade de declaração)”.

VÍCIOS DA FALTA DE VONTADE

COAÇÃO FÍSICA (artigo 246.º)


A coação física consiste na ausência de vontade de ação —> existe uma aparente declaração,
mas a vontade que devia estar na base dessa declaração não existe, porque não há sequer
vontade de ação!
O declarante é coagido, pela força física, a emitir uma declaração (existe um terceiro, uma
outra pessoa que não o declarante, que controla o corpo do declarante —> como é fácil de
perceber, é muito difícil existir este vício, pois é difícil que alguém controle outra pessoa a
um nível tão básico). A coação física também pode decorrer não de uma terceira pessoa, que
controla o corpo do declarante, mas de uma força física ou natural, como sublinha CF*.

CF: “Há coação física quando uma força exterior leva o agente a assumir um comportamento
declarativo independentemente da sua vontade, totalmente excluída por essa força”.

JAV: “Há coação física quando uma pessoa é forçada a exteriorizar um comportamento
declarativo que não controla ou comanda e que, por conseguinte, não é o resultado de uma
decisão de agir sua. Sem uma ação humana, falha o pressuposto mínimo da declaração
negocial, que é um comportamento humano voluntário, pelo que a coação física não gera
mais do que uma aparência de declaração negocial”.

Exemplos:
1 — *CF diz que, numa das suas manifestações mais significativas, a coação física decorre de
uma força física ou natural e dá este exemplo: A fez uma proposta a B, tendo sido
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

previamente acordado entre ambos que o silêncio de B durante os dois dias subsequentes à
receção da proposta significava a aceitação da mesma. No dia em que recebeu a proposta
de A, B tem um acidente de automóvel e fica em estado de coma, perdendo totalmente a
possibilidade de pensar e de controlar o seu corpo O silêncio de B, que está em coma, vai
valer como aceitação da proposta. Estamos perante coação física, pois não existe vontade de
ação (B não tem capacidade de rejeitar a proposta — é coagido, pelo estado em que se
encontra, a ficar em silêncio e, com isso, declara que aceita a proposta).
2 — CASTRO MENDES refere que o ato celebrado em hipnose é viciado de coação física —
imaginemos: A hipnotiza B. Se A for capaz de controlar totalmente B, conseguindo que este
profira a declaração que ordena, estamos perante coação física (B, hipnotizado, emite uma
declaração, mas esta é meramente aparente, pois B não tem controlo sobre o que disse/
escreveu).
3 — A mete uma droga na bebida de B, sendo a droga tão forte que B deixa de ter controlo
sobre o seu corpo e A consegue controlá-lo totalmente. Neste cenário, A consegue que B,
sem qualquer domínio sobre si, emita uma declaração sem ter vontade de ação. Estamos,
novamente, perante coação física.
4 — Numa votação que está a acorrer na Assembleia de uma associação, uma pessoa é
agarrada por outras para não levantar o braço, significando tal comportamento um voto
contra determinado proposta..

Para MRR, que segue a posição de CF, a consequência da coação física é a inexistência,
conforme estabelecido no artigo 246.º. MC entende que, na coação física, o vício é o da
nulidade, porque defende que no nosso ordenamento jurídico só existem dois vícios — a
nulidade e a anulabilidade.

Como vemos, MRR não concorda com MC —> MRR afirma que a lei faz uma distinção notória
nos vícios mais graves — a lei contém, nos casos de falta de vontade (coação física/falta de
consciência na declaração/declarações não sérias), a expressão “não produz qualquer
efeito”, e nos outros casos, estabelece expressamente “nulidade” ou “anulabilidade”, ou
aplica-se a regra geral do artigo 294.º. Olhando para o elemento sistemático da
interpretação, não há dúvida que o legislador quis que a consequência dos vícios de falta de
vontade fosse algo mais grave que a nulidade.

CASTRO MENDES levanta a possibilidade de saber se no caso de coação física pode, em


alguma circunstância, o coagido ser obrigado a indemnizar o declaratário. Defende a
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

existência da obrigação no caso de dolo (mas é muito difícil conceber um exemplo de


coação física acompanhada de dolo do terceiro…)
Generalidade da doutrina defende o seguinte: havendo na coação física uma ausência da
própria vontade de ação, por causa estranha ao declarante, a coação física não gera o dever
de indemnizar o declaratário.

FALTA DE CONSCIÊNCIA NA DECLARAÇÃO (tal como a coação física, é tratada no artigo


246.º).
CF: Falamos de falta de consciência na declaração quando o declarante adota um
comportamento que vale objetivamente, como manifestação de uma vontade, que
efetivamente não tem — o declarante emite uma declaração sem ter a consciência ou
intenção de o estar a fazer!

ASSIM: Contrariamente ao que acontece na coação física, na falta de consciência na


declaração há vontade de ação, mas não existe vontade de declaração —> o declarante
quer o comportamento adotado, mas não quer a declaração que a esse comportamento é
objetivamente atribuída (isso não significa que o comportamento não corresponda a um
sentido declarativo diverso, que em geral não tem valor de negócio jurídico, mas que
também pode corresponder a um negócio de tipo diferente).

Exemplos:
— Num leilão, António, vendo um amigo a entrar na sala, levanta o braço para o
cumprimentar. Este gesto, tomado em si mesmo, nas circunstâncias de lugar e do tempo em
que foi feito, vale como licitação (no contexto de um leilão, é atribuído ao gesto de levantar o
braço o significado de licitar). António teve vontade de ação (levantou o braço porque quis),
mas não teve vontade de declaração (não pretendeu o sentido imputado ao comportamento,
isto é, não pretendeu que ao seu comportamento fosse atribuído o significado de licitar).

— Num espetáculo de angariação de fundos para a associação X, Y entrega o seu casaco no


local habitualmente destinado à guarda dos objetos dos espectadores, sem dar conta que,
naquele evento, tal lugar é destinado à recolha de bens para a associação. Com o
comportamento de entregar o casaco, Y pretende celebrar um contrato de depósito, mas nas
circunstâncias objetivas em que foi feito, o comportamento vale como doação (assim, ao ato
voluntário de entregar a casaco é atribuído um sentido declarativo não pretendido por Y).
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— Estou noutro país de férias e, nesse país, certos comportamentos têm significados que não
conheço. Adoto o comportamento X, que penso que vale X ou que não tem sequer valor,
mas, no país onde estou, o comportamento em causa tem um significado que eu não
domino. Assim, ao comportamento X, que realizo porque quero, é imputado um sentido que
eu não pretendo.

MC faz uma interpretação restritiva do artigo 216.º:


Um comportamento não deixa de ser declarativo pelo facto de o seu autor não ter
consciência disso —> a falta de consciência relevante para este vício não é íntima, no sentido
de corresponder à ausência de vontade da qual, apenas introspetivamente, o próprio
declarante se pudesse aperceber. A falta de consciência relevante é aquela que, como tal,
possa ser percebida por um declaratário normal, na posição do declaratário real —> é aquela
que seja de tal modo aparente que, perante o declarativo normal, ela não possa ser
imputável.

Tal como a coação física, a consequência da falta de consciência na declaração é a


inexistência, a não produção de efeitos.
Novamente, MC tem outra posição quanto a este assunto (pensa que a consequência é a
nulidade), mas MRR considera que essa posição não deve ser acolhida.

“O regime da falta de consciência na declaração não é tão benevolente para o declarante,


como o regime da coação física” —> na coação física, o declarante coagido nunca tem a
obrigação de indemnizar o declaratário; o artigo 246.º diz-nos que se a falta de consciência
da declaração for devida a culpa do declarante, este fica obrigado a indemnizar
declaratário.
Verificamos indemnização quando há, por exemplo, negligência (a pessoa que levanta a mão
num leilão para cumprimentar um amigo e que não se apressa a explicar que o sentido do
comportamento não era licitar é negligente) ou quando uma pessoa se coloca
voluntariamente em situações em que deixa de ter vontade de declaração.
MC: “Se a falta de consciência puder ser censurada ao declarante - portanto, se ele fez a
declaração violando deveres de lealdade ou de informação ou se se colocar voluntariamente
na situação de o fazer - ele fica obrigado a indemnizar o declaratário”.

Tanto na coação física, como na declaração de vontade, há uma grande prevalência da


autonomia privada sobre a segurança jurídica. POR QUE RAZÃO?
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Ao privarmos a declaração da produção de efeitos (a coação física e a falta de consciência


da declaração determinam a inexistência), estamos a desproteger os terceiros que confiaram
na “aparência” que é a declaração e, portanto, estamos claramente a fazer com que a
autonomia privada prevaleça sobre a segurança jurídica —> Se o declaratário estiver no
mesmo espaço que o declarante, percebe que está a haver coação física e, muito
provavelmente, percebe a falta de consciência da declaração por parte do declaratário.
Contudo, o declaratário pode não se encontrar no mesmo lugar que o declarante, pois a
declaração proferida com coação física ou falta de consciência da declaração pode ser
escrita/gravada e aí pode não ser patente o vício —> Não sendo patente o vício, o
declaratário fica desprotegido, pois a declaração não vai produzir quaisquer efeitos.

DECLARAÇÕES NÃO SÉRIAS (art. 245.º).


Vício que se caracteriza pela falta de vontade funcional/negocial — o declarante tem vontade
de ação, tem vontade de declaração, mas não quer produzir efeitos jurídicos.

— Declarações não sérias tendem a verificar-se em contextos didáticos —> Numa aula sobre
negócio jurídico, MRR diz a um aluno, para dar um exemplo: “Vendo-te os meus óculos”; esta
é uma declaração não séria, pois não há vontade funcional, ou, dito de outro modo, quando
diz ao aluno que lhe vende os óculos, MRR não pretende a produção de efeitos jurídicos.

Neste sentido, CF diz “São diversas as circunstâncias de ocorrência de declarações não


correspondentes à vontade real do declarante, feitas em termos de este acreditar que o
declaratário se aperceberá da falta de seriedade do negócio. Em certos casos a falta de
seriedade da declaração revela-se de forma evidente: quando um professor, tomando como
interlocutor um aluno e, para efeitos de ensino, declara vender-lhe o automóvel, é manifesto
que o docente não pretende, com aquela declaração, a celebração de um contrato de
compra e venda/a produção de efeitos jurídicos”.

— Também vemos declarações não sérias no teatro (numa peça de teatro, os atores podem
proferir declarações negociais, mas estas não visam a produção de efeitos (é mera ficção).
— As declarações não sérias tendem também a ocorrer no contexto de brincadeiras entre
amigos.

Regime das declarações não sérias está, como já foi referido, no artigo 245.º.
ART. 245.º:
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Artigo 245.º/1 — regime geral: É necessário que o declarante profira a declaração na


expetativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida do declaratário —> assim, há
declaração não séria quando o declarante manifesta uma vontade que efetivamente não
tem, na convicção de o declaratário se aperceber da falta de seriedade da declaração.

CF: “Na declaração não séria, existe uma declaração sem a correspondente vontade
negocial, situação querida pelo declarante, mas sem o intuito de enganar. Na declaração não
séria, o declarante está convicto de que o declaratário não deixará de se aperceber da não
seriedade da declaração e, espera e deseja que assim aconteça”.

“O declarante pode fazer acompanhar a sua declaração de ingredientes tais que, sem pôr em
causa a falta de seriedade da declaração, podem levar o declaratário a atribuir um razoável
crédito de seriedade ao negócio” —> “graça pesada”.

“Graça pesada” está contida no artigo 245.º/2 —> como já referido, falamos de “graça
pesada” quando uma declaração é proferida na expetativa de que a falta de seriedade não
seja desconhecida do declaratário, mas é feita em circunstâncias que induzem o
declaratário a aceitar justificadamente a sua seriedade (o declarante não controlou
completamente todas as circunstâncias que rodearam a declaração não séria e, apesar de
não ter vontade de negociar e de ter feito a declaração na expetativa de a falta de seriedade
não ser desconhecida, as circunstâncias, justificadamente, induziram o declaratário a ter a
declaração como séria).

Nos casos de graça-pesada, nos casos em que o declaratário é levado a considerar que a
declaração não séria é séria, o declaratário tem direito a ser indemnizado pelo prejuízo que
sofrer (como consta do final do artigo 245.º) —> tal como na falta de consciência de
declaração e coação física, a declaração não produz efeitos; o que se produz na graça-
pesada é um efeito legal, mais precisamente odireito de indemnizar (em vez de ser um
negócio jurídico, a declaração é um mero facto jurídico, pois gera apenas o direito de
indemnizar).

Já vimos os vícios mais graves — os vícios da falta de vontade — e vamos agora ver os outros
grupos de vícios, que, em termos hierárquicos, são menos graves.
—> À medida que descemos nesta hierarquia, cada vez mais o legislador vai ter em conta os
interesses do declaratário (na coação física não há qualquer proteção do declaratário, pois a
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

declaração é sempre ineficaz (e pode acontecer que o declaratário não se aperceba da


coação física e crie uma expetativa quanto a um negócio); a partir da coação física, o
declaratário vai sendo progressivamente protegido — na falta de consciência de declaração,
pode existir indemnização (se a falta de consciência for devida a culpa), na declaração não
séria pode existir indemnização (em ainda mais casos do que na falta de consciência na
declaração), e assim sucessivamente…

VÍCIOS DA VONTADE — existe vontade (os três patamares de vontade — vontade de ação/
vontade de declaração/vontade funcional — estão cumpridos), mas a vontade foi viciada,
isto é, encontra-se “doente”.

Medo/Falta de liberdade— a vontade é viciada porque o declarante não é livre (o medo/o


receio de um mal faz com que o sujeito não seja totalmente livre).
— No Direito Civil, partimos do postulado de que cada pessoa é livre e, portanto, cada pessoa
é tratada como tendo essa liberdade. O medo ou a falta de liberdade é relevante,
precisamente porque se considera que a pessoa é livre e, quando celebra um negócio
jurídico, está a exercer essa liberdade. Assim, se há medo, há um problema com a liberdade,
há um problema no negócio jurídico.

“O medo consiste na intervenção, no processo de formação de vontade, de um fator —


previsão de um certo mal — que determina o declaratário a querer algo que de outro modo
não quereria. Não há exclusão da vontade, mas a sua formação viciada” ou “O medo consiste
na previsão de danos emergentes de um mal que impende sobre o declarante, por virtude do
qual ele emite certa declaração negocial, que noutras circunstancias não quereria”.

Há uma diferença entre provocar o receio do mal noutra pessoa, para obter dela uma
declaração, e estar na origem de um mal que leva outra pessoa a celebrar determinado
negócio, sem ter a intenção de obter, por esse mal, a sua celebração (A celebra um negócio
por força de um enorme incêndio que foi causado pela negligência de B — A celebra um
negócio porque tem medo/receio de um mal, mas esse medo não foi provocado por B com o
fim de obter de A uma declaração e, portanto, como veremos, não estamos perante coação
moral).

O medo foi consagrado no ordenamento jurídico português com a expressão técnica de


COAÇÃO MORAL, consagrada no artigo 255.º do CC.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Artigo 255.º/1 —> a coação moral é o vício que consiste na declaração ter sido determinada
pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter
dele a declaração.
Importante ter em mente: coator é quem ameaça // coagido é quem é vítima da ameaça

Para CF: “A coação moral consiste numa violência ou numa ameaça ilícita de um mal com o
fim de obter uma declaração” —> há, assim, coação moral se A agride B para o levar a
celebrar determinado negócio, ou se A apenas ameaça B de o agredir se não proferir certa
declaração.

A coação moral não se distingue da coação física pela natureza dos meios usados. Na coação
moral podem ser usados meios físicos (bater, torturar), desde que não retirem vontade de
ação (pois aí já estariamos perante coação física), mas perturbem a livre formação da
vontade do coagido, em termos de o levar à celebração de um negócio que, se não fosse o
medo, não quereria.

NÃO CONFUNDIR COAÇÃO MORAL COM COAÇÃO FÍSICA:


Exemplo de coação moral: O António diz ao Bento o seguinte: “Se não me venderes a tua
casa, eu mato-te”. Bento vende a casa —> estamos perante coação moral e não perante
coação física, porque o Bento, o declaratário, tem vontade nos seus três estádios, mas a
vontade está viciada —> Bento só tem a vontade de vender a casa pelo medo da consumação
de um mal (a sua morte).
— Não podemos dizer que Bento não tem sequer vontade, porque não tinha outra opção ao
seu dispor (“só podia vender a casa”). Ainda que ameaçado com um mal gravíssimo, Bento
tem poder de decisão: pode optar por ceder à chantagem e vender a casa, ou pode optar
pela morte do filho em detrimento da venda da casa (menos provável). Assim, o facto da
ameaça feita ao declarante ser muito grave não transforma a coação moral em coação física,
pois há vontade (ainda que viciada).

MC diz que o caso de ameaça de morte (“Ou vendes-me a casa, ou mato X”) pode ser um
caso de coação física —> MRR admite que em certos casos isso possa acontecer, mas em
casos extremamente limitados, pois, para isso acontecer, a pessoa que é ameaçada de morte
tem de perder a vontade de ação, tem de perder o controlo do seu próprio corpo (que é o
que caracteriza a coação física).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— Uma pessoa que, durante o sono, profere oralmente uma declaração —> a pessoa não tem
controlo sobre o seu corpo (não é “dona de si própria”). Para MRR, a pessoa que é ameaçada
de morte tem, em praticamente todos os casos, controlo sobre o seu corpo e possibilidade
de decisão (ainda que a pessoa possa achar que não tem, pelo facto da ameaça ser
extremamente grave).

O MEDO ESPONTÂNEO não é relevante para a coação. O que é relevante é o medo


provocado — sei que o António é muito violento e sei que ele vai reagir mal quando lhe disser
que não lhe vendo comprar os óculos. O António faz-me uma proposta e eu vendo-lhe os
óculos porque tenho medo de ele reagir mal —> não há coação moral.

Requisitos da coação moral: 1. Ameaça de um mal


2. Ilicitude da ameaça
3. Intencionalidade
4. Dupla causalidade

1. Ameaça de um mal — tem de existir uma ameaça de um mal, pois na coação moral é a
ameaça de um mal que leva ao medo, que vai depois levar a uma declaração.

— A ameaça (que tem de ser ilícita, como referida no próximo ponto) pode respeitar quer à
pessoa física ou moral (pessoa ou honra), quer à pessoa patrimonial (património/fazenda) do
declarante. A ameaça pode também ter como alvo um terceiro.

Ao contrário de outras leis, a lei portuguesa não estabelece um limite para esse terceiro —> o
terceiro não tem de ser um familiar ou amigo do declarante coagido; o terceiro pode ser
qualquer pessoa, sendo certo que, se a ameaça tiver como alvo uma pessoa que não tem
qualquer relação com o declarante, é pouco provável que o declarante se sinta ameaçado e,
portanto, que se verifique o duplo nexo de causalidade, que é o que, efetivamente, gera o
vício.
— Para estarmos perante o vício da coação moral, a ameaça tem de ser eficaz e, para o ser,
não pode ser qualquer terceiro ameaçado —> na prática, quando falamos de coação moral
de terceiro, falamos de um terceiro que está ligado ao declarante coagido.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

MRR diz que o que o mal que consubstancia a ameaça pode ser um mal que ainda não foi
desencadeado (“Ou me vendes a tua casa, ou bato-te”) ou um mal que já começou.
— “A ameaça tem de ser sempre para o futuro, porque aquilo que o declarante quer, quando
reage, é evitar a consumação do mal” —> assim, quando o mal já começou, a ameaça tem de
ser dirigida à continuação do mal/ não cessação do mal (“Ou me vendes a tua casa, ou
continuo a bater-te”).
Quando o coator se se pretende tornar credível, começa a executar a ameaça — A ameaça B
que o mata, se este não lhe vender a casa. É normal que, ao início, B não acredite. Para se
tornar credível, A faz um corte com uma faca no pescoço de B —> aí, B acredita na ameaça e,
em princípio, tem receio e profere a declaração.

2. Ilicitude — a ameaça tem de ser ilícita (uma ameaça lícita não é suscetível de causar
coação moral — isto resulta do próprio n.º 1 do artigo 255.º, que refere “ilicitamente”, como
do n.º 3 deste mesmo artigo, que refere “Não constitui coação a ameaça do exercício normal
de um direito nem o simples temor referencial”).

No artigo 255.º, está a expressão “exercício normal de um direito” —> a contrario, isto
significa que constitui coação moral a ameaça do exercício anormal/abusivo de um direito.
O credor ameaça o devedor que não lhe paga dizendo “Ou me pagas, ou meto uma ação
em tribunal” —> não estamos perante coação moral, pois este é o meio normal de o credor
fazer atuar o seu direito. Ao invés, o credor ameaça o devedor que não lhe paga dizendo
“Ou me pagas, ou acuso-te de um crime” —> estamos perante coação moral, pois há
exercício abusivo de um direito (conjugando o artigo 255.º/3 e o artigo 334.º, podemos
considerar que a ameaça do exercício abusivo de um direito é uma ameaça ilícita).

Também não constitui ameaça ilícita o “simples temor reverencial. O temor reverencial é o
respeito que é natural, do ponto de vista social, pela posição de uma pessoa (ou como CF diz
“o temor reverencial consiste no receio de desagradar certa pessoa de quem se é
psicóloga, social ou economicamente dependente, como sejam os pais, o patrão, o
professor ou o superior hierárquico”).
"O temor reverencial só não constitui coação quando seja a mera expressão do dever de
obediência, de respeito ou de subordinação para com a pessoa a quem o receio de
desagradar se refere”.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Exemplo: António, aluno de TGDC da Profª MRR, está na livraria da faculdade a escolhe um
manual de Teoria Geral. Tem nas mãos um manual da MRR, um manual do MC e um do CF.
MRR aparece na livraria, vai ter com o aluno e pergunta “Não tem manual para este
semestre?”. O aluno, que tem mesmo de comprar o livro naquele dia e que quer comprar o
manual do CF, acaba por comprar o manual da MRR, pois sente-se constrangido/tem receio
de desagradar a Professora —> estamos perante um simples temor reverencial — não há
coação e, portanto, António não vai poder anular o negócio (art. 256.º).

Pode haver coação moral exercida por uma pessoa relativamente à qual existe temor
reverencial, mas o simples temor reverencial não é equiparado a ameaça ilícita.

3. Intencionalidade da ameaça — para existir coação moral, é necessário que exista dolo do
coator — dolo, no sentido de que é necessário que o coator tenha o propósito/o objetivo
de, através da ameaça, obter determinada declaração.
A coação moral não é suscetível de um comportamento negligente!

Há uma questão que se coloca muito na doutrina:


António diz a Bento “Se não me venderes os teus óculos, eu esfaqueio-te”. Bento, cheio de
medo, agarra nos óculos e doa-os ao António (diz “Toma, são teus”). Há aqui coação moral?
— António ameaçou Bento e a ameaça é, claramente, ilícita (põe em causa a integridade
física e até a vida de Bento). Contudo, falta um requisito: não existe intencionalidade quanto
à doação feita (temos apenas intencionalidade quanto à compra e venda: a ameaça de
António foi no sentido de Bento lhe vender os óculos e não no sentido de Bento os doar —
não existe uma relação entre a ameaça e a doação, pois Bento excedeu-se — estava
constrangido a vender os óculos, não a doá-los).

CF: “Falta o requisito da intencionalidade se o coagido (a pessoa que é ameaçada) emitir


outra declaração que não aquela a que a ameaça se dirigia”.

MC tem um entendimento diferente e MRR discorda (mais uma vez)

Dupla causalidade — uma ameaça ilícita provocou o receio de um mal — primeiro nexo de
causalidade — e o receio de um mal causou a declaração — segundo nexo de causalidade; se
existir uma interrupção entre os nexos de causalidade, não há coação moral).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Para existir coação moral, é necessário que exista dolo do coator —> a ameaça ´

Ameaça —> Medo/receio de um mal —> Declaração

CF: “Para haver dupla causalidade, é necessário que o medo resulte da ameaça do mal. Por
outro lado, o medo causado pela ameaça de um mal é a causa da declaração, no sentido de
determinar, no agente, a formação de uma vontade negocial que não teria existido se não
fosse a previsão da consumação do mal”.

A 2ª parte do artigo 256.º trata de um caso especial —> coação de terceiro.

Exemplo de coação de terceiro: António faz uma proposta de compra e venda a Bento
(propõe a Bento a venda do imóvel X por 400 000 euros). Carlos, um terceiro (não é parte do
negócio), ameaça o António, dizendo-lhe “Se não aumentares o preço para 600 000 euros,
eu mato-te”.

A coação de terceiro é um problema, porque, no exemplo clássico em que a coação provém


do declaratário (do que recebe a declaração), a lei não tem de se preocupar com a proteção
das expetativas do declaratário, porque este é o “mau da fita” — ameaça ilicitamente outrem
com o intuito de obter uma certa declaração.
No exemplo acima dado, não foi Bento que ameaçou António com o intuito de este baixar o
preço do imóvel (aí seria um caso clássico — declaratário ameaça ilicitamente o declarante
com intuito de obter dele uma declaração). Ao invés, no exemplo, Carlos, um terceiro,
“meteu-se” no negócio, ameaçando uma das partes —> quando formos destruir o negócio,
temos de pensar em Bento, pois ele acaba por ser uma vítima).

A coação moral de terceiro suscita maior preocupação do legislador (exatamente pelo


declaratário ser uma vítima, poder sofrer danos). Por esta razão, há mais requisitos para a
coação moral de terceiro do que na coação moral do próprio declaratário —> “é necessário
que seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação).

2 REQUISITOS EXTRA (que apenas se aplicam à coação moral de terceiro):


1. O mal com que a vítima é ameaçada tem de ser grave (uma ameaça de morte é grave)
2. É necessário que o receio da consumação do mal seja justificado (é pouco credível que a
a ameaça de morte de uma pessoa que não é violenta, que não tem registo criminal, se
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

possa consumar; MRR diz que, em regra, ameaças de morte vindas de pessoas ditas
“normais”/não violentas encontram problemas neste requisito, porque o receio de
consumação de um mal não é justificado.

A consequência da coação moral é a anulabilidade — o negócio em que se verifiquem os


requisitos necessários para existir coação moral é um negócio anulável.
Particularidades da anulabilidade na coação moral: temos de conjugar o artigo 287.º (relativo
à anulabilidade) com o regime geral da coação moral.

Quem pode invocar a anulabilidade do negócio viciado por coação moral?


A lei diz-nos, no artigo 287.º do CC, que a anulabilidade só pode ser invocada pelas pessoas
em cujo interesse a lei a estabelece.
Temos de nos perguntar: qual é a pessoa a favor da qual a lei estabelece a anulabilidade num
negócio viciado por coação moral? Evidentemente, a lei estabelece a anulabilidade em
favor da vítima da coação moral, que é a pessoa que vê a sua vontade viciada pelo receio
de um mal.
Assim, é a pessoa que vê a sua vontade viciada que pode arguir a anulabilidade.

Qual o prazo para requerer a anulabilidade do negócio viciado por coação moral?
Artigo 287.º diz-nos que o negócio pode ser anulado até um ano após a cessação do vício
que lhe serve de fundamento (“só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe
serve de fundamento”).

Na coação moral, o vício é o medo. Para sabermos quanto termina o prazo, temos de nos
perguntar: quando é que cessa o vício da coação moral, isto é, o medo? O vício da coação
moral pode cessar nas alturas mais variadas:
—> Se António ameaça Bento de morte, o medo provocado pela ameaça cessa apenas
quando António for incapaz de matar Bento, quando for patente que António mudou de
ideias e já não quer matar Bento ou, ainda, quando António morrer.
—> MRR ameaça aluno “Se não me venderes o teu telemóvel, chumbas a Teoria Geral”. Em
Junho, aluno passa na cadeira e, nesse momento, cessa o medo (pelo que, a partir desse
momento, em que terminou o receio de chumbar, contamos 1 ano).

MRR faz um alerta para dúvidas típicas dos alunos:


Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

—> “Podem decorrer anos para que o vício cesse?” — Podem decorrer anos até que cesse o
vício e não é injusto que o prazo se inicie só anos depois de o negócio ter sido celebrado,
pois estamos a falar de um problema extremamente grave e o facto de decorrer muito tempo
não faz com que o negócio não possa ser anulado.
—> “Se o negócio já foi celebrado, a pessoa já não tem de ter medo” — Isto está errado, pois
se a pessoa teve medo e o medo determinou a celebração do negócio, a pessoa vai ter
também medo de anular o negócio (ex: A diz a B “se não me venderes a tua casa, eu mato o
teu filho”. O A tem medo e vende a casa. O A continua com medo: tem medo de anular o
negócio, pois com a anulação, B pode matar o seu filho).
—> Em abril, MRR ameaça aluno “Se não me venderes o teu telemóvel, chumbas a Teoria
Geral”. Dois dias depois, o aluno vende o telemóvel. Em maio, antes de saber se chumba (só
sabe em junho), o aluno decide invocar a anulabilidade do negócio que celebrou. É errado
dizer que o aluno não pode invocar a anulabilidade do negócio em maio, por ainda ser
possível executar a ameaça e, portanto, pelo aluno ainda estar sob coação moral — se o
aluno, apesar da ameaça se manter, pedir a anulabilidade é porque o segundo nexo de
causalidade (entre o medo e a declaração) deixou de existir ou, dito de outro modo, o “peso
da ameaça” deixou de constituir um problema para o aluno.

Outro dos vícios de vontade é o erro (falamos aqui do erro como vício e não do erro na
declaração ou erro-obstáculo). Como vício de vontade, o erro corresponde à falta de
esclarecimento, podendo ser definido como “o desconhecimento ou a falsa representação
da realidade” (definição clássica).

Alguns exemplos de erro:


— António compra o carro X, porque está convencido que esse carro atinge os 300 km/hora
e, na verdade, o carro não atinge —> há uma falsa representação da realidade: a realidade
que o António representa (o carro atinge os 300 km/hora) só existe na cabeça do António,
sendo uma falsa realidade.
— António empresta dinheiro ao Bento, porque pensa que Bento é seu primo. Na sua cabeça,
António representa uma relação familiar entre ele e Bento, mas a realidade é diferente (Bento
não é primo de António).
— António compra um carro que atinge os 300 km/hora, porque pensa que pode andar a
essa velocidade nas auto-estradas. Isso não é verdade (o limite nas auto-estradas é de 120
km/h), pelo que também há uma falsa representação da realidade!
Por que razão é o erro um vício?
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— É um vício, por que a vontade das pessoas forma-se a partir de uma série de fatores, que
têm que ver com a realidade —> Exemplo: o meu telemóvel já não está bom: a bateria falha,
as teclas não funcionam, etc. Compro um telemóvel novo, por causa das considerações que
fiz acerca dos aspetos meu telemóvel — considerações que se baseiam na análise da
realidade. Se algum dos aspetos da realidade, que me levou a comprar o telemóvel, é uma
falsa representação da realidade, ou se um elemento não é tomado em conta por
desconhecimento, a vontade forma-se erradamente.

— Porque “a representação da realidade influi na tomada de decisão”, a lei costuma


designar esta realidade por “motivo” (as pessoas têm motivos para celebrar um negócio e,
grande parte desses motivos, prendem-se com a representações que as pessoas fazem da
realidade).

CF: “Para haver vontade, tem de existir, no foro íntimo da pessoa, na sua mente, a formação
de uma deliberação para a qual concorrem vários fatores. Quando alguém declara querer
comprar uma coisa, isso significa que, no campo psicológico, esse alguém ponderou
previamente as vantagens e desvantagens do negócio, os fins que este permite alcançar, as
qualidades da coisa, entre outros aspetos. Se, no fenómeno deliberativo, que ocorre ao nível
psicológico, a pessoa dá como verificado certo elemento, que não existe, ou existe de modo
diferente do que foi mentalmente representando, ou não toma em conta outro elemento, por
desconhecer a sua existência, a vontade formou-se erradamente”.

Por definição, o erro é algo que incide sobre o passado ou sobre o presente.
Sobre o futuro, não há erros, mas previsões (pelo que a expressão “error in futurum” deve
ser evitada).
Exemplo: Compro um guarda-chuva porque penso que vai chover na próxima semana (na
semana seguinte, não chove e está sol) —> isto não é um erro, porque posso ter comprado o
guarda-chuva por ter esta convicção (que se veio a verificar falsa), mas como a convicção diz
respeito ao futuro, é um risco que tenho no momento em que fiz a compra — não faz sentido
penalizar as pessoas com quem contrato pelo facto de as minhas previsões não se terem
verificado!
CF: “O elemento não considerado ou falsamente representado, no curso da formação da
vontade, tem de respeitar a uma realidade passada ou presente em relação ao momento da
declaração. Quanto a factos futuros não pode haver erro; se, no momento da celebração do
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

negócio, o declarante admite a verificação futura de determinado elemento e esta se dá em


sentido diferente, quando ocorrerem, dá-se uma previsão deficiente ou imprevisão”.
— No caso do erro verdadeiro (e não da previsão), a lei permite a anulação do negócio,
porque a pessoa profere uma declaração baseada num motivo que estava errado.

Como já referido: conforme nos vamos afastando da coação física, os vícios vão se tornando
menos graves.
O erro é um vício ainda menos grave que a coação moral, porque no erro não temos, em
princípio, ilicitude — temos uma pessoa que desconhece um elemento da realidade ou
realiza uma falsa representação da realidade!

Regime jurídico do erro —> tal como os outros vícios, o regime é um compromisso entre a
autonomia privada e o princípio da segurança jurídica (em certos pontos, tende + mais para a
autonomia privada e noutros + para a segurança jurídica).

MRR considera que, de todos os vícios que vamos estudar, o erro é o vício mais difícil.
Para além das dificuldades teóricas, MRR considera que, na vida prática, os casos sobre erro
são muito difíceis, pois, por norma, é muito difícil que o declarante consiga provar que
existiu erro —> consegue provar várias coisas, mas, dificilmente consegue provar que, no
momento da prática do ato, estava em erro quando a A, B, C ou D.

O regime do erro varia em função de dois grandes critérios:

— Erro ser espontâneo (erro simples ou espontâneo) ou provocado (erro qualificado por
dolo).
ERRO SIMPLES: Compro o carro X, porque penso que este atinge os 300 km/hora (não me
informei devidamente e tenho essa convicção, que me leva a comprar o carro). Estou
enganada — venho a constatar que o carro só chega aos 180 km/h.
ERRO QUALIFICADO POR DOLO: Quero um carro que ande a 300 km/h. No stand, o
vendedor, que sabe que o carro não atinge os 300 km/h, diz-me que o carro X atinge tal
velocidade. Venho a constatar que o carro só chega aos 180 km/h.

CF: “A falsa representação da realidade ou a ignorância dela podem ter na sua origem fatores
que respeitam apenas à pessoa do declarante. Este formou uma vontade errada, por não ser
diligente (não se informou devidamente sobre circunstâncias relevantes para a decisão de
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

contratar), por ter apreendido mal circunstâncias que lhe foram transmitidas, por não ter
entendido as palavras da declaração —> estamos aqui perante erro simples ou espontâneo.
Casos há em que o autor do negócio é induzido em erro pela atuação de outrem orientada
no sentido de criar ou manter o erro —> neste caso, estamos perante erro qualificado por
dolo.

A segunda distinção (que não a distinção entre o erro simples e o erro qualificado por dolo)
reporta-se ao elemento do negócio a que o erro se reporta.
— Erro espontâneo pode ser classificado em função do seu objeto —> 4 categorias: erro
quanto ao objeto/quanto ao declaratário/quanto aos motivos/quanto à base do negócio. O
erro simples tem vários regimes jurídicos, consoante o seu objeto.
—> Também podemos fazer as distinções quanto ao erro qualificado por dolo, mas tal
distinção carece de sentido, pois quanto ao erro qualificado por dolo, há um único regime.

Aula teórica de 6 de abril


1ª METADE DA AULA
Relembrar —> ERRO: desconhecimento ou falsa representação da realidade (vício que
consiste em alguém desconhecer um aspeto ou pensar que uma realidade é de determinada
forma, quando não o é, no momento da formação da vontade).
___
Complemento Carvalho Fernandes (MRR não falou, mas é importante referir, para se
perceber melhor o erro).

Erro vício —> a relevância anulatória do erro vício não depreende da sua simples
existência. Assim, o negócio em que há erro do declarante não pode ser anulado pelo
simples facto de existir erro, pois é necessário proteger os interesses do declaratário, que
confiou na correção da vontade traduzida na declaração, e garantir a segurança jurídica.

A doutrina aponta vários requisitos para a relevância anulatória do erro, sendo alguns deles
comuns (têm de se verificar qualquer que seja a modalidade ou causa do erro) e outros
específicos (requisitos próprios de determinada modalidade de erro).

Para CF, existem vários requisitos comuns, desde logo a causalidade/essencialidade.


— Causalidade (ou essencialidade) - o erro vício só pode gerar a anulabilidade do negócio
se for causal/essencial —> O que quer isto dizer? Falamos de erro causal quando “a não haver
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

a ignorância ou a falsa representação de certo motivo que interferiu no fenómeno de


formação da vontade, o declarante não quereria celebrar determinado negócio, ou quereria
celebrar um negócio diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto a algum ou alguns dos
seus elementos”.

Exemplos:
O sujeito A comprou o cavalo X por 20 000€, por pensar que ele ganhara certa competição
internacional. Se A soubesse que, afinal, o cavalo ficou em terceiro lugar nessa competição,
não teria comprado o cavalo ou só o compraria por um terço do preço — erro foi essencial.
O sujeito A comprou o carro X porque achava que ele chega aos 300 km/h. Carro só chega
aos 250 km/h, mas o sujeito A teria comprado o carro, pelo mesmo valor, se soubesse que
ele são chegava aos 250 km/h —> erro foi indiferente ou não essencial (porque, se não
tivesse existido a falsa representação da realidade, A teria comprado o carro à mesma) e,
consequentemente, o negócio é válido.
Quando o erro é essencial:
Se não teria querido celebrar o negócio de todo — erro essencial absoluto
Se não teria querido celebrar o negócio tal como foi celebrado — erro essencial
parcial

Como vemos, o apuramento da verificação da essencialidade faz-se diretamente pelo


confronto de duas vontades: vontade efetiva do declarante (vontade real/negocial) e vontade
conjetural ou hipotética (o que o declarante teria querido no momento do negócio, se tivesse
conhecimento de determinado elemento da realidade ou se tivesse representado a realidade
de forma correta).

CF:
“O erro causal/essencial gera sempre anulabilidade, podendo esta ser total ou parcial; se for
parcial (declarante quereria celebrar o negócio, mas de modo diferente), suscita-se um
problema de redução do negócio jurídico a analisar nos termos do artigo 292.º do CC”.
“O verdadeiro requisito de relevância do erro é a causalidade. A existência deste requisito
apura-se através da investigação da vontade que o declarante teria formado se não tivesse
interferido na sua formação o desconhecimento ou a falsa representação da realidade —
vontade conjetural. Consoante o conteúdo da vontade conjetural se afaste mais ou menos da
vontade real (viciada), assim a invalidade é total ou parcial”-
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Para a generalidade da doutrina, a CAUSALIDADE não implica que o erro tenha de ser a única
causa da celebração do negócio — exemplo: A compra a casa X em Beja, porque pensa que
foi colocado no hospital de lá e porque acha a casa bonita —> o erro é causal (ainda que,
para além do erro, a consideração de que a casa é bonita seja causa do negócio).
O erro pode não ser causa exclusiva, mas é causa necessária.

Outro dos requisitos do erro é a propriedade — erro é próprio quando não incide sobre
requisito legal de validade do negócio (se incidir, é impróprio).
- Manuel de Andrade e Mota Pinto negam a relevância da propriedade como requisito do
erro.
- Defensores do requisito afirmam que se alguém pratica certo ato por por pensar que ele é
válido, quando afinal é nulo ou anulável, nomeadamente pelo seu objeto seu idóneo ou o
outro contraente incapaz, o erro não seria relevante, pois a invalidade do negócio resulta já
de outro vício.
PARA CF:
— Se o negócio é nulo por vício relativo a outro elemento (vício de forma, por ex) e anulável
por erro, o erro é relevante, mas não invocável para efeitos de anulabilidade, pois a
anulabilidade é absorvida pela nulidade.
— Se o negócio é anulável por vício relativo a outro elemento (incapacidade do contraente) e
anulável por erro, ambas as anulabilidades são invocáveis.

DESCULPABILIDADE — erro em que o declarante caiu por manifesta falta de conhecimento


ou de relevância não deve ser considerado —> CF não concorda
INDIVIDUALIDADE — erro existir apenas no declarante e não no comum ou geral das pessoas
(este requisito era muito debatido na vigência do Código de Seabra, que tinha o seguinte
preceito “erro, comum e geral, não produz nulidade).
—> Seguindo entendimento de Manuel de Andrade, CF não concorda com este requisito— a
título de exemplo, se existisse este requisito, não podia ser anulável o contrato de compra e
venda de um quadro geralmente atribuído a um pintor célebre, se o comprador vier, depois,
a descobrir que a obra é, afinal, uma cópia.
___
Erro qualificado por dolo — consagrado no artigo 254.º do CC.
— No erro qualificado por dolo, a falsa representação da realidade não é espontânea (não se
deve à pessoa do declaratário; ao invés, é provocada).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— Quando existe erro qualificado por dolo, é indiferente qual o objeto do erro.
Diferentemente, no erro simples, o regime do erro varia consoante o objeto sobre o qual
incidiu o erro/a falsa representação da realidade.
— Se houver dolo e erro, mas o dolo não for juridicamente relevante para o erro, continua a
existir erro, mas apenas erro simples.

Exemplo:
Um senhor estrangeiro comprou um terreno numa zona da Costa da Caparica, com o intuito
de lá construir uma casa. Na zona do terreno, é proibido construir, pois a zona é muito perto
da Arriba Fóssil. O mediador, que, de certeza absoluta, sabia do facto da zona em causa não
poder comportar construções, disse ao senhor que ele podia lá construir uma casa.
Temos erro: o senhor estrangeiro pensa que a realidade é de certa maneira (pensa que pode
construir uma casa no terreno que comprou) e essa convicção foi criada por um terceiro (não
é espontânea —> a convicção foi criada por um terceiro, que montou um esquema para o
senhor comprar o terreno).

Nas palavras do artigo 253.º, n.º 1…

O DOLO é “qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou


consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a
dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”.

Vários elementos a considerar:


— É necessário que exista uma sugestão ou artifício. Essa sugestão/artifício pode ser algo
de elaborado (uma encenação extremamente preparada para criar erro no declarante) ou
algo improvisado —> falamos de qualquer forma de induzir a outra pessoa em erro..
— É necessário que essa sugestão ou artifício tenha sido feita com a intenção ou
consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração. Assim, não falamos de
negligência (quando alguém diz qualquer coisa a outra pessoa e não se apercebe sequer que
a outra pessoa se enganou, não falamos de dolo, mas de um mal entendido). Para efeitos do
artigo 253.º, o dolo tem de ser feito com a intenção ou, pelo menos com a consciência, de se
estar a induzir ou a manter a outra pessoa em erro.
— O autor do dolo pode ser uma de duas pessoas: o declaratário ou um terceiro.
— O erro pode já existir e, assim, o dolo consiste apenas na manutenção do erro, ou o erro
pode não existir e ser criado pelo agente do dolo —> dolo por omissão VS dolo por ação
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

CF faz a seguinte sistematização


O dolo, definido no artigo 253.º, compreende…
1) Condutas positivas intencionais que, sob forma de sugestão ou de artifício, visem um dos
seguintes fins:
a) fazer cair alguém em erro;
b) manter o erro em que alguém se encontre;
c) encobrir o erro em que alguém se encontre;
2) Condutas positivas não intencionais, com os fins mencionados no n.º anterior, desde que
o agente do dolo tenha a consciência de, através dessas condutas, prosseguir esses fins.
3) Condutas omissivas que consistam em não esclarecer o declarante do erro.

Em 1) e 2) —> dolo por ação // Em 3) —> dolo por omissão


“As condutas positivas do n.º 2 caracterizam-se pelo autor do dolo, com o seu
comportamento não visar o erro, mas ter consciência do efeito enganatório do seu
comportamento no declarante, criando, mantendo ou encobrindo o erro deste”:

O grande âmbito do conceito de dolo sofre uma grande restrição, por efeito do disposto no
n.º 2 do artigo 253.º
— Artigo 253.º/2 trata de uma realidade que, em latim, costuma ser designada pelo nome
dolus bonus (e que se contrapõe ao dolus malus): “Não constituem dolo ilícito as sugestões
ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no
comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o
declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas conceções”.

CF: “A distinção entre dolo bom ou dolo irrelevante e dolo mau deixa à jurisprudência uma
pesada tarefa. A fixação dos limites para além dos quais as sugestões ou artifícios dolosos
são relevantes, quando não seja feita com moderação, pode trazer para o campo de Direito a
consagração da má-fé e do arbítrio”.

PROBLEMA DO ARTIGO 253.º/2:


Desde a elaboração do Código Civil, as conceções dominantes no comércio evoluíram muito
e, hoje em dia, atendendo às leis de defesa do consumidor e à filosofia subjacente aos
deveres de informação da culpa in contrahendo (artigo 227.º), o espaço do dolus bonus
diminui muito (o artigo continua vigente, mas viu o seu âmbito de aplicação drasticamente
reduzido).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Não obstante, ainda temos hoje exemplos de dolus bonus (estes são cada vez mais escassos)
—> Exemplo tradicional: A pessoa X vai a uma loja e veste uma peça que lhe fica muito mal.
A pessoa X pergunta a uma funcionária da loja como é que a peça lhe fica e a funcionária diz
“Fica-lhe lindamente”, quando na verdade não o pensa — aqui, a funcionária, que mantém X
em erro, não caiu em dolo ilícito.

Como fazer quando há dolo ILÍCITO (dolus malus), que é o relevante para o regime do erro?
O erro qualificado por dolo tem de preencher um único requisito: a dupla causalidade (é
necessário que o dolo tenha sido a causa do erro e que o erro tenha sido a causa da
declaração — têm de se verificar as seguintes relações: dolo —> erro —> declaração).

Se esta dupla causalidade se verificar, pode-se anular o negócio por erro qualificado por
dolo, conforme previsto no artigo 254.º/1 (“O declarante cuja vontade tenha sido
determinada por dolo pode anular a declaração” — desta fórmula legal, deduz-se o requisito
da dupla causalidade):
E por que razão é isto assim? O negócio celebrado por erro qualificado por dolo é anulável,
porque não existem preocupações com o declaratário, que foi o autor do dolo (“ele é que
agiu mal e, portanto, não merece proteção, podendo o negócio ser anulado, desde que,
efetivamente, se verifique a dupla causalidade”).

“Se o requisito da dupla causalidade é genericamente exigido para todos os casos de dolo,
independentemente de quem for o autor do dolo, isso não significa que a posição do autor
do dolo em relação ao negócio seja indiferente”.

Quando o autor do dolo é o declaratário, o negócio é anulável, desde que se verifique a


situação de dupla causalidade, sem se tornar necessário que o declaratário conheça ou não
deva ignorar a essencialidade do erro.

Se o dolo provier de terceiro (não for provado pelo declaratário)?


Artigo 254.º/2: “Quando o dolo provier de terceiro, a declaração só é anulável se o
destinatário tinha ou devia ter conhecimento dele” —> se o dolo provier de terceiro, é
necessário, para que o negócio seja anulado que, para além do requisito da dupla
causalidade, o declaratário conhecesse ou devesse conhecer o dolo // se o declaratário não
conhecer ou não tiver o dever de conhecimento do dolo, o negócio mantém-se, mas com
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

uma exceção: “se alguém tiver adquirido algum direito por virtude da declaração, esta é
anulável em relação ao beneficiário, se tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou
devia ter conhecido”.

“Quando o dolo provém de terceiro e o declaratário não tem dele conhecimento ou dever
de conhecimento, o negócio não é, em princípio, anulável, ao menos no seu todo.
Contudo, o dolo de terceiro, não conhecido ou cognoscível em relação ao declaratário,
pode ser relevante, quando alguém (que não o declaratário) tire benefício do ato”.

Um mediador imobiliário não é uma parte do negócio (é um terceiro, que arranja


compradores para determinado vendedor). Vamos imaginar que mediador induz A em dolo
(diz-lhe que pode construir uma casa no terreno X, quando isso não é verdade). A, em erro
pela conduta positiva do mediador, compra o terreno X. O vendedor do imóvel não sabia que
o mediador tinha induzido A, o declarante, em erro —> à partida, o negócio não é anulável,
pois o declaratário não conhecia e não tinha o dever de conhecer o dolo. Contudo, temos de
atentar na exceção prevista pela lei, na segunda parte do artigo 254.º/2: “se alguém tiver
adquirido algum direito por virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário,
se tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia ter conhecido”.
O mediador recebeu uma comissão pela venda no terreno. À luz da lei, o negócio em causa é
anulável em relação ao mediador, autor do dolo, que beneficiou com o negócio celebrado.

DOLO de terceiro — EM SUMA:


1. Se o declaratário conhecia ou tinha o dever de conhecer o dolo do terceiro e, havendo o
requisito da dupla causalidade, o negócio é anulável.
2. Se o declaratário não conhecia o dolo ou se este não é cognoscível em relação ao
declaratário, o dolo é irrelevante, contudo… “se alguém tiver adquirido algum direito por
virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário, se tiver sido ele o autor do
dolo ou se conhecia ou devia conhecer o dolo”.
CF: “Estabelece-se aqui um regime de anulabilidade parcial e relativa, traduzida na
impossibilidade de o beneficiário invocar o negócio quanto à aquisição do benefício
dele diretamente emergente”.

Efeito do vício em causa (erro qualificado por dolo) —> anulabilidade.


— Na generalidade dos casos em que há erro qualificado por dolo por parte do declaratário,
temos também problemas de culpa in contrahendo —> se além da anulação, o declarante
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

tiver prejuízos, pode normalmente solicitar uma indemnização, com base no artigo 227.º
(culpa in contrahendo).

Se o dolo não for relevante, porque não se verificam os requisitos do mesmo (acima
enumerados), podemos ainda analisar o negócio na perspetiva do erro simples —> o facto de
não existir dolo relevante, não afasta a existência de erro —> se não há erro por dolo
qualificado, por não se verificar algum dos requisitos, analisamos o negócio sob a perspetiva
do erro simples (“continua a existir erro, mas apenas simples”).

ERRO (simples).
No CC, o regime do erro, que consiste na falsa representação da realidade, é bastante
complexo —> há a divisão entre erro qualificado por dolo e erro simples e, dentro do erro
simples, o erro está dividido em sub-regimes, consoante o objeto do erro (se o erro for sobre
objeto do NJ, o regime é um, se for sobre a pessoa do declaratário, o regime é outro, e assim
sucessivamente).
Há um regime residual — erro sobre os motivos (MRR diz que deveríamos falar antes de “erro
sobre outros motivos”).

4 categorias de erro simples


Erro sobre o objeto/ sobre a pessoa do declaratário/ sobre a base do
negócio/ sobre os motivos.
Há estas 4 categorias, mas apenas 3 sub-regimes, pois o erro sobre a pessoa do declaratário
e o erro sobre o objeto do negócio estão sujeitos ao mesmo regime —> artigo 251.º CC.

1. Erro sobre a pessoa do declaratário


O artigo 251.º inclui erro sobre a pessoa do declaratário — e aqui falamos de erro quanto à
identidade do declaratário e do erro quanto a qualidades objetivas do declaratário (a sua
nacionalidade/as suas qualificações para realizar dada tarefa/entre outras qualidades que
sejam objetivamente relevantes para o negócio).
Estas distinções, dentro da pessoa do declaratário, não constam da lei —> são feitas pela
doutrina e pela jurisprudência!
Exemplo: Uma pessoa só comprou uma casa porque o vendedor tem olhos azuis. Dias depois
da compra, a pessoa que comprou a casa encontra o vendedor e percebe que ele, afinal, tem
olhos castanhos (estava a usar lentes azuis no dia em que vendeu a casa). A pessoa quer
invocar a anulabilidade do contrato de compra e venda.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Há erro (falsa representação da realidade — o comprador representou o vendedor com olhos


azuis) e não há dúvida que o erro foi crucial para a celebração do negócio, pois a pessoa só
comprou a casa pelos olhos azuis do vendedor. Contudo, se olharmos para o regime do
artigo 251.º, vemos que este não foi feito para abrigar situações deste tipo —> no exemplo
dos olhos azuis, estamos a falar de um fetiche, de algo sem relevância objetiva para o
negócio.
Neste sentido, a maioria da doutrina e da jurisprudência (com a qual MRR concorda)
defendem que a anulação do negócio por erro sobre a pessoa do declaratário reporta-se a
aspetos objetivos (identidade do declaratário e aspetos que, para o negócio em causa, sejam
objetivos).

Erro sobre o objeto do negócio — artigo 251.º

Erro sobre o objeto do negócio inclui quer o conteúdo do negócio, quer o objeto
propriamente dito — erro sobre o objeto incide sobre o conteúdo jurídico do negócio e o
conteúdo material (objeto propriamente dito/strictu sensu).

— Num caso em que há erro:


1) Ver se há erro, isto é, desconhecimento ou falsa representação da realidade.
2) Ver se o objeto do erro é a pessoa do declaratário ou o objeto do negócio.
—> se SIM, aplicar o artigo 251.º, que diz que o negócio é anulável, nos termos do artigo 247.º
Artigo 247.º trata do erro-obstáculo (no artigo 251.º, falamos do erro-vício, isto é, do erro que
é uma falsa representação da realidade quanto à pessoa do declaratário ou objeto do
negócio!).

Quando, por remissão do artigo 251.º, aplicamos o artigo 247.º, não podemos aplicar a 1ª
parte deste artigo, porque não estamos perante um caso de erro em que a vontade
declarada não corresponde à vontade real.

Conjugando o artigo 251.º com o artigo 247.º, vamos aplicar o artigo 247.º a partir das
palavras “desde que”.
Assim, o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do
declaratário ou objeto do negócio, torna o negócio anulável, desde que o declaratário
conhecesse ou não devesse ignorar a sua essencialidade, para o declarante, do elemento
sobre que incidiu o erro.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Para aplicar o regime:


1. É necessário que exista essencialidade (que é um requisito comum do erro) — como já
vimos, existe essencialidade, quando, sem o erro, o declarante não teria celebrado o negócio
(aqui falamos de erro total) ou não o teria celebrado daquela forma (aqui falamos de erro
parcial).
(Como já referido, às vezes, os erros não são essenciais, no sentido de que, sem o erro, a
pessoa teria celebrado o negócio ou não o teria celebrado da mesma forma.
Exemplo: Compro uma garrafa, porque acho que a água é água de nascente. Depois de
comprar a água, descubro que ela não é de nascente — há erro (falsa representação da
realidade), mas este não é essencial: prefiro água de nascente, mas a água ser de nascente
não foi um motivo determinante para a compra (mesmo sem o erro, teria feito a compra e,
portanto, falamos de um erro não essencial/meramente acidental).

“Para além da essencialidade, requisito geral da relevância do erro, o erro sobre a pessoa
do declaratário ou sobre o objeto, tem de cumprir o seguinte, para o negócio ser anulável:
o declaratário tem de conhecer a essencialidade, para o declarante, do motivo sobre que
recaiu o erro (tem de conhecer que o declarante não teria celebrado o negócio ou não o
teria celebrado da mesma forma se não fosse X) ou o declaratário, não conhecendo essa
essencialidade, não a deve, contudo, ignorar.

“Não se trata de conhecer o erro, mas de conhecer a essencialidade do elemento que foi alvo
de erro” —> o declaratário tem de saber que, para o declarante, aquele motivo era essencial
no negócio — A comprou o carro X, porque achava que X atingia os 300 km/hora e vem a
descobrir que o carro só chega aos 180 km/h; para o negócio ser anulado com fundamento
em erro sobre o objeto do negócio, B, declaratário tinha de conhecer ou deveria conhecer
que, para A, era essencial que o carro atingisse os 300 km/h.

“Deva conhecer” — normalmente, na compra e venda, o dever de conhecimento está


implícito no preço.
Quem tem legitimidade para arguir a anulabilidade é a pessoa que está em erro e o prazo é
de um ano após a cessação do vício, isto é, um ano desde o momento em que a pessoa
perceba que estava em erro.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

PPV: “A parte que errou tem o ónus de demonstrar que se não tivesse ocorrido o erro, não
teria celebrado o negócio ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou
não devia desconhecer que assim era”.

Erro sobre a base do negócio — regulado no artigo 252.º/2.


Erro que gera bastante discussão. MRR vai apresentar a solução que mais lhe parece ser
correta. Aconselha que estudemos bem e que consultemos outros autores (nomeadamente
MC).

“Base do negócio” —> uma expressão importada do Direito Alemão. A expressão nasceu em
1921, a partir de um estudo publicado por um jurista alemão (Paul Oertmann). Hoje em dia,
MC diz que existem mais de 80 teses sobre a matéria da base do negócio, pelo que estamos,
sem dúvida, perante uma matéria muito complexa.

O legislador português optou por consagrar a doutrina da base do negócio no artigo 437.º
do CC, e depois consagrou um erro sobre a base do negócio no artigo 252.º/2.
Do artigo 252.º/2, remeteu para o artigo 437.º —> se há erro sobre a base do negócio, é
aplicável ao erro do declarante o disposto no 437.º!

O que é a base do negócio? De modo sucinto, a base do negócio são as circunstâncias em


que as partes fundaram a decisão de contratar.
CF diz que a base do negócio são “as circunstâncias, de facto ou de direito, que mais ou
menos determinaram as partes a celebrar determinado negócio e a determinarem o seu
conteúdo”.
Para MC: “A base do negócio será uma representação de uma das partes, conhecida pela
outra, relativa a certa circunstância basilar atinente ao próprio contrato e que foi essencial
para a decisão de contratar”.
PPV: “A base do negócio é algo exterior ao negócio que constitui o seu ambiente
circunstancial envolvente, a realidade em que se insere, o status quo existente ao tempo da
sua celebração, cuja existência ou subsistência tenha influência determinante na decisão
negocial”.

Na opinião de MRR, a base do negócio não se identifica com o objeto do negócio —> para
efeitos de erro, o objeto do negócio está no artigo 251.º. Por sua vez, CF diz que “não vê
obstáculo a que o erro se projecte sobre qualquer outro elemento, nomeadamente o seu
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

objeto, ou a pessoa do declaratário, se ocorrerem, naturalmente, os elementos que


qualificam o erro sobre a base do negócio”.

A base do negócio é uma “coisa” diferente —> é algo que está fora do negócio, mas que, de
alguma forma, o condicionou (o contexto que condiciona o negócio).
MC não segue o entendimento de CF — Para CF: erro sobre a base do negócio é um erro
bilateral sobre condições que patentemente são fundamentais no negócio. Para MC, nada
nada na lei exige a bilateralidade —> “O erro é do declarante, recaindo embora sobre um
elemento decisivo do contrato, conhecido pela outra parte”.
MRR concorda com MC, assim como PPV (“Embora o erro sobre a base do negócio possa
ocorrer “em regra” bilateralmente, nada impõe que assim deva suceder. Para que uma das
partes invoque o erro, basta que ela se encontre em erro”).

Exemplos de base do negócio:


1. Em 1979, aconteceu uma revolução no Irão, tendo sido instituído um regime religioso
islâmico. Com esse regime, passou a ser proibido vender álcool a retalho.
Havia um contrato de fornecimento de cerveja entre uma sociedade comercial iraniana e
uma empresa alemã. Os camiões com toneladas de cerveja, vindos da Alemanha, estavam
quase a chegar ao Irão, quando aconteceu a revolução. Os camiões ficaram detidos e, depois
da revolução, o comprador da cerveja (a sociedade iraniana) não a queria pagar, porque dizia
que o negócio era inválido, pois não ia poder vender a cerveja.
A sociedade iraniana tinha um supermercado — comprou a cerveja para a vender.
Conseguimos perceber que a alteração das leis, mais precisamente a proibição da venda de
álcool, altera completamente a filosofia do negócio —> naqueles moldes (não podendo a
cerveja ser vendida depois pela sociedade iraniana), o negócio perdia grande parte do seu
sentido (MC diz que “pode acontecer que um contrato uma vez celebrado, venha a cair nas
malhas de alterações circunstâncias de tal modo que ganhe um sentido e uma dimensão
totalmente fora do encarado pelas partes, aquando da sua conclusão”).

2. Em 1902, morreu a rainha Vitória. Havia a tradição do rei, no dia da coroação, fazer um
determinado cortejo para ser coroado e as pessoas que tinham casa, ao longo do passeio do
cortejo, alugavam as suas janelas a outras a preços astronómicos.
O aluguer das janelas aconteceu com a coroação do rei que sucedeu a rainha Vitória. Perto
da coroação, o percurso do cortejo foi alterado, sem que tal tenha sido noticiado. Os
contratos de alugueres de janelas foram feitos sem o conhecimento da alteração do percurso
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

(contratos foram celebrados já depois da alteração do percurso, desconhecida) —> é possível


alugar a janela, mesmo que o cortejo não passe pela rua da janela. Contudo, a pessoa que
alugou janela, muito possivelmente, não o teria feito (pelo menos pelo preço X) se não fosse
a coroação, e, muito possivelmente, a pessoa que viu a sua janela alugada, não teria
celebrado os contratos nos mesmos moldes, se não fosse a coroação.

Nos dois exemplos, estamos perante circunstâncias exteriores, circunstâncias que são
externas ao negócio, mas que, no entanto, levaram as partes a celebrar a sua decisão de
contratar —> no exemplo 2: as pessoas que celebraram o contrato de aluguer celebraram-no
em função da coroação (a coroação é a circunstância exterior que levou à decisão de
contratar — é o contexto cuja existência ou subsistência levou à celebração do contrato).

Vamos aplicar o regime jurídico da alteração das circunstâncias ao erro da base do negócio
—> houve um erro (no exemplo 2, houve erro, porque na celebração do contrato de aluguer,
o declarante estava em erro quanto ao percurso do cortejo, que já tinha sido alterado; se a
alteração do cortejo fosse posterior ao negócio, já não havia erro —> para haver erro, as
circunstâncias que condicionaram o negócio têm de ser anteriores ou contemporâneas ao
negócio).

Aplicação do 437.º por via do 252.º:


Se para além do erro sobre a base do negócio, a manutenção do negócio , assim como a sua
execução, afetar os princípios da boa-fé (que se traduzem, grosso modo, num equilíbrio
contratual ) e a alteração não tiver sido coberta sobre os riscos próprios do negócio* —> a
parte lesada tem direito à resolução do contrato!
* Há riscos que são inerentes ao negócio —> quando estamos a falar de erro sobre a base do
negócio, estamos a falar de erro sobre circunstâncias que não são aquelas que fazem parte
do risco das partes — o senhor que alugou a janela não consegue ver o príncipe a ser
coroado rei, porque está muita gente na rua —> não há erro sobre a base do negócio —
ainda que a pessoa que alugou a janela o tivesse feito porque achava que, da janela, iria ver
bem o príncipe, do ponto de vista do negócio, é um risco e, portanto, não há erro.

O regime do erro sobre a base do negócio permite não só a anulação do negócio, mas
também a alteração dele segundo juízos de equidade (como consta do artigo 237.º).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

A parte lesada pode suscitar a anulação do negócio, que no artigo 437.º é chamada de
resolução, ou pode suscitar a sua modificação, segundo juízos de equidade —> alteração
bastante favorável para a parte menos lesada!
IMPORTANTE: 437.º/2 Requerida a resolução pela parte lesada, a parte contrária (a que não
requeriu a resolução) pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato
nos termos do número anterior.

—> Os aspetos referidos suscitam várias divergências:


— Há autores quem defenda que, como estamos perante a aplicação do artigo 437.º a um
erro do negócio, não pode haver a alteração do negócio —> MC — “no erro sobre a base do
NJ há que aplicar o regime comum do erro: a anulabilidade” e “não se verificam valores que
requeiram, para o erro da base do negócio, consequências diferentes das normais para o
erro (fica, assim, excluído o regime da modificação).”
—> MRR não concorda: se o legislador quisesse apenas a anulação te-lo-ia referido no artigo
252.º/2, não teria remetido “em bloco” para o artigo 437.º.
— Discute-se também se há resolução ou anulação —> MRR: aqui estamos perante uma
discussão meramente linguística, pois os efeitos da resolução meu anulação são os mesmos
(o resultado final da resolução e da anulação são iguais).

Erro sobre os motivos


—> Erro sobre os motivos vem previsto no artigo 252.º/1 —> é um erro residual — erro sobre
outros motivos que não o objeto, a pessoa do declaratário e a base do negócio (daí MRR
dizer que o nome do regime deveria ser “erro sobre os outros motivos”).
Os motivos que estão aqui em causa são sobretudo motivos subjetivos —> todos os motivos
possíveis (que não estejam nas outras três categorias de erro) e que podem ter levado
alguém a celebrar determinado negócio.

Quais os requisitos para a anulação do negócio com fundamento em erro sobre os motivos?
Essencialidade —> é necessário que o erro seja essencial para que possa existir anulação
por erro sobre os motivos!
É necessário que as partes hajam reconhecido, por acordo, a essencialidade dos motivos
— este reconhecimento não tem de ser expresso, tem é de existir — o declaratário assumir o
risco do erro.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Exemplo:
A compra um dicionário com 10 volumes. A só comprou o dicionário, pela convicção de ele
ter pertencido a Eça de Queirós. A vem a descobrir que o dicionário nunca pertenceu a Eça.
Estamos perante um erro sobre os motivos — não é um erro sobre o objeto (em sentido
estrito ou em sentido jurídico, de conteúdo do negócio), não é um erro sobre a pessoa do
declaratário, nem é um erro sobre a base do negócio, uma vez que não estamos perante uma
circunstância/um contexto que condicionou o negócio, isto é, que foi essencial para a
decisão de contratar.
Como já dito, A só comprou o dicionário pela convicção de ele pertencer a determinada
pessoa. Assim, há essencialidade — se não fosse o erro, a falsa representação da realidade
(neste caso, quanto ao facto de o dicionário ter pertencido a Eça), A não teria efetuado a
compra.
O vendedor do dicionário, o declaratário, não sabe deste motivo (não sabe que A só
comprou o dicionário pela convicção já referida) e não tem dever de conhecer esse motivo
(não tem o dever de saber se o dicionário já pertenceu a X ou Y, nem tem o dever de saber
que tal motivo é significativo para A).
Para anular o negócio com fundamento em erro sobre os motivos, é necessário que exista,
para além da essencialidade, requisito geral da relevância anulatória do erro, um acordo
quanto a essa essencialidade, que pode ser tácito. Assim, seria necessário que A tivesse
chegado ao vendedor do dicionário e tivesse dito “Só lhe estou a comprar o dicionário por
ele ter pertencido à personalidade X” e que o vendedor, ainda sem certezas de o dicionário
ter pertencido a X, tivesse respondido “Aceito vender-lhe” — com isto, o declaratário estaria
a assumir o risco do motivo passar a ser determinante.

É muito raro anular o negócio por erro sobre os motivos — é fácil de se verificar erro sobre os
motivos (cabem neste regime todos os motivos que não “cabem” nas outras três categorias),
mas é extremamente difícil conseguir anular o negócio com fundamento neste vício (o
declarante tem o ónus de demonstrar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o
erro e o acordo quanto essa mesma essencialidade).

MRR disse há pouco que erro sobre os motivos é residual — o artigo 252.º refere “o erro que
recaia nos motivos determinantes da vontade, mas não se refira à pessoa do declaratário
nem ao objeto do negócio” —> este artigo não fala sobre o erro da base do negócio, mas
também é residual em relação ao erro sobre a base do motivo (se existir erro sobre a base do
negócio, não aplicamos o regime de “erro sobre os motivos”).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Quid juris em relação a todos os erros — o que fazemos se estivermos perante um negócio
que não tenha um declaratário?
— Devemos eliminar os requisitos dos erros que visam proteger os declaratórios (o
conhecimento ou o dever de conhecimento da essencialidade do elemento sobre o qual
incidiu o erro - artigo 247.º - e o acordo - no artigo 251.º).
Nesses casos, além disso, é necessário que a essencialidade resulte do próprio negócio — ao
eliminarmos os requisitos que visam proteger os declaratários e ao sermos um pouco mais
exigentes com o requisito da essencialidade, estamos aplicar o regime do erro que vem
previsto no estamento (artigo 2202.º CC).

2ª METADE DA AULA

Incapacidade acidental - prevista no artigo 257.º do CC


Vício “híbrido”, difícil de encontrar — não há falta de vontade (como existe na coação física,
na falta de consciência na declaração ou nas declarações não sérias), não falamos de um
vício da vontade e também não falamos de uma divergência .

Artigo 257.º
1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava
acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua
vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.
Requisitos:
— Alguém que, por um motivo qualquer, e no momento em que celebra o negócio, tem uma
uma incapacidade/impossibilidade — ou não entende o sentido da declaração ou não se
encontra no livre exercício da sua vontade.
— Para existir anulação do negócio com fundamento em incapacidade acidental, é
necessário que a incapacidade seja notória ou, não o sendo, que seja conhecida do
declaratário —> precisamente para proteger o declaratário.

Exemplo típicos de incapacidade acidental: Alguém que celebra um negócio quando está
embriagado ou drogado.
Incapacidade acidental —> também usada no regime do maior acompanhado (artigo 154.º/3 ,
situado na subsecção “Maiores Acompanhados”, estabelece que “aos atos anteriores ao
início do processo aplica-se o regime da incapacidade acidental).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Artigo aplica-se de forma residual —> quando não conseguirmos enquadrar dada situação
num dos vícios da vontade ou da declaração, podemos sempre tentar ver se esta se
enquadra neste regime, que se aplica qualquer que seja a causa da debilidade.

DIVERGÊNCIAS ENTRE A VONTADE E A DECLARAÇÃO

No capítulo anterior (Vícios da vontade), tínhamos uma vontade mal formada ( “o declarante,
na raíz da sua vontade, tem um problema — ou falta de conhecimento ou falta de vontade —
e por causa desse problema, forma uma vontade viciada, isto é, que não foi corretamente
formada).
Agora, temos uma situação totalmente diferente: existe um problema na passagem da
vontade (campo psicológico) para a exteriorização —> pode existir um problema na formação
da vontade, mas isso não é relevante aqui — quando falamos das divergências, desprezamos
o eventual problema na formação da vontade.

Já foi feita uma distinção, bastante tradicional (vontade de ação/vontade de declaração/


vontade funcional ou negocial). No âmbito das divergências entre a vontade e a declaração,
é necessário fazer outra distinção, também esta bastante “antiquada”, entre 3 tipos de
vontade que se encontram dentro da vontade negocial:
—> Vontade real — vontade que a pessoa, efetivamente, teve.
—> Vontade declarada — vontade que a pessoa declarou (não é o que a pessoa quis dizer,
mas sim o que resulta da interpretação jurídica, a ser feita de acordo com o artigo 236.º)
—> Vontade conjetural — ao contrário das duas anteriores, é uma vontade que não existe — a
que teria existido se o declarante se tivesse determinado, em condições ótimas, de
esclarecimento e liberdade.

Pode acontecer que a vontade conjetural seja igual à vontade real e declarada.
Exemplo: Tenho sede e quero comprar uma garrafa de água sem gás de meio litro. Digo ao
empregado do café que quero “Quero uma garrafa de água natural sem gás de meio litro”.
A vontade real (comprar a garrafa de água sem gás de meio litro) é igual à vontade
declarada, pois fui competente na forma como me exprimi, e a vontade conjetural é
exatamente a mesma (não estou em erro e não fui coagida) .

Quando há vícios na vontade, existem diferenças entre a vontade real e a vontade conjetural
—> A vontade conjetural é a vontade que o sujeito teria tido se se tivesse determinado em
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

condições ótimas de liberdade e de esclarecimento. Se há uma diferença entre a vontade


conjetural e a vontade real, então é porque a vontade real não é ótima — há um vício na
vontade.

Quando há diferenças entre a vontade declarada e a vontade real —> não falamos de um
problema de vício (ainda que este possa existir a outro título), mas de um problema de
divergência entre a vontade real e a declarada.

Exemplo:
O António foi ameaçado pelo Bento — se António não lhe vender o carro, Bento denuncia-o
às finanças por um crime inventado.
— Vontade real do declarante: vender o carro (ainda que com o intuito de evitar a denúncia,
António quer vender o carro —> “preferiu vender o carro à denúncia, pelo que o que quer,
efetivamente, é vender o carro”).
— Vontade declarada: António disse, com clareza, que queria vender o carro, sendo a
vontade declarada igual à vontade real —> não há, portanto, um problema de divergências.
— Vontade conjetural (“Qual teria sido a vontade do António em condições ótimas de
liberdade e de esclarecimento?”): António só quer vender o carro, porque está a ser coagido
por Bento, pelo que, numa situação ótima de liberdade, não venderia o carro —> como a
vontade conjetural é diferente da real, estamos perante um vício da vontade (e, no caso
concreto, como falta liberdade, estamos perante coação moral; se faltasse esclarecimento,
estariamos perante erro).

Este teste da comparação das três vontades é uma boa forma de identificar o vício. Contudo,
temos sempre de verificar o vício e os seus requisitos (requisitos que têm de estar
preenchidos para poder existir a anulação do negócio).

Simulação
Simulação é uma divergência que consiste em alguém, por acordo com o seu declaratário,
declarar uma vontade diferente da sua vontade real, com o intuito de enganar terceiros
(isto é, pessoas que não o declaratário).
Exemplo: O António tem dívidas e tem os seus credores atrás de si. O António tem uma casa
onde mora e, para não perder a casa, o António combina com o amigo Bento que lhe vende a
a casa por 300 000 euros. No entanto, todo o negócio é uma encenação — o António não
quer vender a casa, o Bento não quer comprar a casa, o Bento não paga a quantia monetária
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

acordada, o António não recebe a quantia monetária e não sai de casa, sendo que Bento não
se muda para a casa, ou muda-se sem, no entanto, ser dela proprietário.
É TUDO A FINGIR —> o negócio não passa de uma aparência, pois o que António e Bento
querem é enganar os credores e, no caso apresentado, Bento quer ajudar o amigo.
NÃO CONFUNDIR COM DECLARAÇÕES NÃO SÉRIAS
Em caso de declaração não séria, a declaração é feita na expetativa de que o declaratário
conheça a falta de seriedade da declaração (como já vimos, declarações não sérias ocorrem
muito no contexto de peças de teatro ou brincadeiras). Em caso de simulação, temos um
“teatro” combinado entre o declarante e o declaratário, para enganar terceiros em relação ao
negócio (há um intuito de enganar terceiro
s, que não existe em caso de declaração não séria!).

Em Suma…
Simulação tem de preencher 3 requisitos
—> Intenção de enganar terceiros;
—> Acordo (ou conluio) entre o declarante e o declaratário;
—> Divergência entre a vontade real e a vontade declarada;

— O acordo em causa — acordo simulatório — consiste em o declarante e o declaratário


combinarem, entre si, que vão declarar uma vontade diferente da sua vontade real, para
enganarem um terceiro. Assim, numa simulação temos sempre dois acordos: o acordo
simulatório (“a combinação da mentira entre declarante e declaratário”) e o acordo
aparente (aquilo que o declarante e o declaratário aparentam querer).
Na simulação, temos somente uma aparência de negócio —> podemos ter um registo, uma
escritura pública, mas o negócio não passa de uma mera aparência (não há uma
verdadeira declaração negocial por trás de uma simulação)— o NJ é um ato de autonomia
privada, é uma regulamentação de interesses entre as pessoas que manifestaram a sua
vontade e, por contraste, o negócio simulado é um mero teatro (o declarante e declaratário
fingem que querem o negócio perante o notário, perante o conservador do registo civil,
perante a comunidade jurídica, em geral).

— Sendo o acordo entre as partes um dos elementos do conceito de simulação, logo se


coloca a questão de saber se a simulação é aplicável a negócios unilaterais (particularmente
não recipiendos), uma vez que o referido elemento parece pressupor a existência de duas
partes, como é próprio de negócios bilaterais.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— A simulação tem o seu campo de aplicação no contrato. Contudo, para CF, não existe “um
obstáculo sério à verificação de um acordo simulatório entre quem é parte no negócio
unilateral e quem é seu destinatário ou até, mesmo, beneficiário da correspondente
declaração, no intuito de enganar outros terceiros”. CF acrescente ainda que “o próprio
legislador revela que a noção do artigo 240.º não exclui este entendimento, ao falar em
simulação no testamento, que é um negócio unilateral não recipiendo”.

A simulação não é aquilo que se designa de “negócio jurídico indireto” —> o negócio indireto
é aquele em que as partes celebram um negócio típico (regulamentado por lei), alterando-lhe
um determinado elemento típico, para obterem um efeito prático que é típico de um outro
negócio jurídico (Exemplo: MRR tem um anel que vale 2000 euros e vende o anel, que vale
2000 euros, à aluna Maria, pelo valor de 2 euros. Neste caso, MRR vendeu o anel, entregou o
anel, perdeu a propriedade do anel e a aluna deve a MRR os 2 euros — tem a obrigação de
pagar o preço, obrigação que advém do contrato de compra e venda. Não podemos dizer
que não há negócio, pelo facto de o preço a pagar por Maria não fazer sentido em
comparação com o valor do anel —> há negócio, porque aquilo que foi declarado, tanto por
MRR, como por Maria, é o que correspondente à vontade real, ou, melhor dizendo, não há
qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada (é certo que, de acordo com
o dito “normal”, existe algo no negócio em causa que causa estranheza, que é o facto do anel
valer 2000 euros e ser vendido por 2 euros; contudo, como referido no artigo 405.º do CC,
as partes podem celebrar os negócios como bem entenderem e podem alteraram as
cláusulas dos negócios que constam do Código).

Uma das características da simulação é estarmos perante um vício bilateral — como já foi
dito, na simulação, é preciso um acordo entre o declarante e o declaratário —> ambos estão
“dentro” da combinação e cada um deles profere uma declaração que é contrária em relação
à sua vontade real.

MRR diz que “a simulação é o vício preferido dos portugueses” — com isto, quer dizer que a
simulação é muito vulgar, sobretudo na venda de bens imóveis, para evitar pagar tantos
impostos.
Contudo, hoje em dia, a simulação no âmbito fiscal é menos vulgar do que já foi, pois hoje a
Administração Fiscal é mais eficaz na fiscalização da evasão fiscal e, para além disso, o
sistema de fiscalização é mais sofisticado.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

A simulação pode ser inocente ou fraudulenta.


Inocente —> o objetivo é apenas enganar terceiros.
Fraudulenta —> o objetivo é não só enganar, mas também prejudicar terceiros.
A simulação não tem de ser fraudulenta para ser simulação —> como consta da definição de
simulação, basta o intuito de enganar terceiros (não é preciso que, cumulativamente, se
verifique o objetivo de prejudicar terceiros).

Única relevância da simulação fraudulenta —> artigo 242.º/2 (“A nulidade pode também
ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão
contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar” — se a
simulação for inocente, e não fraudulenta, os herdeiros legitimários não têm legitimidade
para invocar a nulidade.
MRR diz que, tirando este aspeto, o regime da simulação inocente e fraudulenta é o mesmo.

Efeitos jurídicos
O negócio simulado é nulo — artigo 240.º/2.
Até aqui, temos visto vários vícios.
Os primeiros que vimos (coação física/declarações não sérias/falta de consciência na
declaração) têm os efeitos jurídicos mais graves — a inexistência jurídica.
Seguidamente, vimos outros vícios (coação moral/coação moral de terceiro/erro simples/erro
qualificado por dolo) cuja consequência jurídica é a anulabilidade (já menos grave que a
inexistência jurídica).
Agora, a simulação gera nulidade (não apenas anulabilidade, como anteriormente). Estamos,
assim, perante um vício muito grave. Para além disso, é importante referir que alguns casos
de simulação constituem crime, designadamente a simulação fiscal (além das consequências
civis, tem também consequências criminais).

A simulação gera um tipo de nulidade atípica — “a nulidade da simulação tem uma parcela
do seu regime que é típica e uma parcela que é atípica ou mista”.

PARCELA TÍPICA DA NULIDADE— conforme ao artigo 286.º


—> O negócio não produz quaisquer efeitos.
—> O vício é imprescritível, isto é, não existe um prazo para invocar a nulidade do negócio
simulado.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

—> A nulidade da simulação é invocável por qualquer interessado e pode ser declarada
oficiosamente pelo tribunal.
Características típicas, que, em medida ampla, se aplicam à simulação.

PARCELA ATÍPICA DA NULIDADE

—> Artigo 242.º/2 (“A nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que
pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente
feitos com o intuito de os prejudicar”) — o artigo 242.º/2 reconhece a legitimidade aos
herdeiros legitimários para, em vida dos simuladores, arguirem a nulidade do negócio
simulado, desde que a simulação seja fraudulenta.
Isto é algo atípico, pois os herdeiros legitimários não são parte do negócio e, neste
momento, ainda não têm qualquer direito (têm uma mera expetativa jurídica). É difícil
considerar os herdeiros legitimários parte interessada, pois estes têm apenas uma
expetativa, mas o artigo 242.º/2 estabelece que, se a simulação tiver sido fraudulenta,
eles, a título excecional, têm legitimidade para invocar a nulidade do negócio (“O
legislador não quis deixar consolidar o negócio e permitiu aos herdeiros legitimários a
invocação da nulidade, ainda que estes não sejam interessados, pois não se sabe se estes
virão a herdar ou não”).

“A posição dos terceiros, perante o negócio simulado, nem sempre traduz o interesse de o
atacarem, para demonstrarem o seu vício e repor a realidade que ele encobre. Certos
terceiros têm interesse em se valer do negócio simulado, como se ele fosse verdadeiro”.
Pode acontecer que ambos os simuladores, ou algum deles, tenham celebrado novos
negócios com terceiros, incidindo sobre o mesmo bem ou interesse a que o negócio
simulado se reporta. Por exemplo, o simulador vendedor, num contrato de compra e venda
não verdadeiro, pode ter vendido novamente a coisa objeto daquele contrato — há aqui um
terceiro.

“O regime geral dos efeitos da invalidade perante terceiros contém-se no artigo 289.º do CC,
que consagra o princípio geral da sua oponibilidade — apurada a invalidade do negócio, os
seus efeitos são destruídos, situação que se projeta na esfera jurídica de terceiros. A regra
constante do artigo 289.º sofre desvios, nomeadamente por efeito do regime estatuído no
artigo 291.º do CC. No campo da simulação, o legislador fixou um regime próprio para a
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

inoponibilidade da simulação a terceiros (artigo 243.º) —> o regime constante do artigo 243.º
é menos rígido/exigente que o que está no artigo 291.º.

—> Artigo 243.º/1 — “A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo
simulador contra terceiro de boa fé”. Aqui, a boa-fé significa a "ignorância da simulação
ao tempo em que foram constituídos os respetivos direitos”, conforme referido no n.º 2 do
artigo em causa e considerando-se sempre de má-fé “o terceiro que adquiriu o direito
posteriormente ao registo da ação da simulação, quando a este haja lugar”, conforme
estabelecido no n.º 3.
O que o artigo 243.º faz é criar uma oponibilidade a terceiros de boa-fé, que é aqui usada em
sentido ético/subjetivo.
Exemplo_
O António e o Bento simularam a compra e venda do imóvel X, com o intuito de enganarem
colocarem o imóvel ao abrigo dos credores de António. Passado algum tempo, o Bento, que
necessita de dinheiro, resolve enganar o amigo e vende a casa do António ao Carlos. Quando
vai comprar a casa, o Carlos vai ao registo e vê quem é o proprietário da casa (o proprietário
é o Bento — comprou a casa, ainda que o negócio não passe de uma aparência, de um mero
teatro) e, sendo Bento o proprietário, Bento pode vender a casa.
Passado algum tempo, o António vai ter com o Carlos e diz—lhe “Vai-te embora da casa. A
casa é minha, porque o negócio é simulado. Como é simulado, não produz efeitos e
compraste a casa a uma pessoa que não é, efetivamente, proprietária” —> o artigo 243.º
estabelece que a nulidade não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa-fé -
assim, o António e o Bento, que são os simuladores, não podem invocar a nulidade da
simulação contra o Carlos, que não tinha qualquer conhecimento da simulação aquando
do contrato de compra e venda celebrado. Como Carlos é um terceiro de boa-fé, vai ser
protegido pelo artigo 243.º/1 —> isto é uma exceção ao regime geral da nulidade (“O negócio
nulo não produz quaisquer efeitos e a nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer
interessado”), visto que António e Bento são partes interessadas e não podem invocar o
negócio contra terceiro de boa-fé. Assim, cria-se aqui uma pseudo-propriedade a favor do
terceiro de boa-fé.

REGRA DO ARTIGO 243.º/1 SÓ FUNCIONA QUANDO SÃO OS SIMULADORES A ARGUIR A


NULIDADE CONTRA O TERCEIRO DE BOA FÉ.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

1) Contrato de compra e venda simulado entre A e B


— A e B declararam querer celebrar o contrato em causa apenas para enganar um terceiro.
Na verdade, A e B não querem celebrar a compra e venda, nem qualquer outro negócio.
2) Contrato de compra e venda entre D e E (D vende uma casa a E por 300 000 euros).
— Para pagarem menos impostos, D e E declaram, na escritura, que venderam a casa pelo
valor de 200 000 euros. Na realidade, a venda foi feita por 300 000 euros. Aqui, temos
também uma simulação — temos uma divergência entre a vontade real (vender por 300 000
euros) e a a vontade declarada (vender por 200 000 euros), esta divergência entre as
vontades é proferida por acordo (se não houvesse acordo, seria impossível) e o objetivo é,
também o de enganar um terceiro, que é, neste caso, o Estado (pagar impostos apenas sobre
os 200 000 euros e não sobre os 300 000 euros).

No primeiro exemplo, a vontade real é igual a 0 (as partes celebram um negócio que não
corresponde à sua vontade real e não querem celebrar qualquer outro tipo de negócio). No
segundo exemplo, a vontade real não é 0, mas corresponde à vontade de celebrar um
negócio diferente do negócio que foi celebrado.
No primeiro exemplo, temos uma simulação absoluta, e no segundo exemplo, temos uma
simulação relativa.
Simulação relativa: o negócio que corresponde à vontade declarada, apurada por meio da
tarefa de interpretação da declaração, chama-se negócio declarado ou simulado // o
negócio que corresponde à vontade real denomina-se de negócio dissimulado (ou
escondido, pois é “encoberto” pelo negócio simulado).
Regime jurídico — simulação
1. Em primeiro lugar, o negócio simulado é nulo, conforme estabelecido no artigo 240.º/2
(artigo que se aplica quer a simulação seja relativa, quer absoluta).
2. Se a simulação for relativa, temos de analisar o negócio simulado (que é nulo) e o
negócio dissimulado.
Rege o negócio dissimulado o artigo 241.º, que tem a epígrafe “simulação relativa” (na
opinião de MRR, o artigo tem uma epígrafe bastante infeliz, pois, num caso de simulação
relativa, não basta aplicar este artigo —> o artigo em causa deveria ter a epígrafe “negócio
dissimulado”, pois ele regula apenas o negócio dissimulado, não o negócio simulado — ao
negócio simulado, aplica-se sempre o artigo 240.º/2 e, se estivermos perante simulação
relativa, aplica-se o 241.º ao negócio dissimulado (ao negócio que corresponde à vontade
real das partes).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Regime do artigo 241.º — “Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes
quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem
dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”.
Por vezes, os alunos dizem que o negócio dissimulado é válido —> isto está errado — o que o
artigo nos diz é que, quando há uma simulação relativa, temos de esquecer o negócio
simulado, que é nulo, e olhar para o negócio dissimulado, como se não tivesse existido o
outro (“o negócio dissimulado deverá ser examinado como se fosse celebrado isoladamente
e não a coberto de um negócio simulado”).

A nulidade do negócio simulado não afeta o negócio dissimulado, no sentido de que não o
torna automaticamente nulo. O regime aqui é “olhar para o negócio dissimulado sem
preconceitos”, podendo o negócio dissimulado ser válido ou inválido — “o negócio
dissimulado será válido, anulável ou nulo consoante nele se verifiquem todos os requisitos de
validade ou falte algum”.

CF:
“Na simulação relativa, existem dois negócios, pois, para além do fingido, as partes dirigem,
efetivamente, desde o início, a sua vontade a outro negócio. O negócio dissimulado tem de
ser valorado em si mesmo”.
“Na simulação relativa, as partes querem manter uma aparência correspondente ao negócio
simulado, pois não lhes interessa revelar o ato que efetivamente celebraram e a cujos efeitos,
ab initio, a sua vontade se dirige. Por isso, se a aparência não puder manter-se, por ser
descoberta a simulação, o ato dissimulado não deixará de ser invocado para, sendo
juridicamente possível, os seus efeitos subsistirem”.

Normalmente, os negócios simulados fazem-se para enganar pessoas e, grande parte destes
negócios, são formais (por escritura/com registo). Com frequência, temos problemas de
forma no negócio dissimulado — o problema que se coloca muito é “O que fazer com a forma
do negócio dissimulado?”, porque o negócio dissimulado é secreto/oculto e, portanto,
quando a forma exigida por lei é uma forma pública (escritura pública ou documento
particular autenticado) não é possível observar essa forma no negócio dissimulado.

Vendo a casa ao António por 200 00 euros, através de escritura pública. Não posso fazer o
negócio dissimulado também por escritura, pois, se assim fosse, o negócio dissimulado
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

deixa de ser dissimulado (passa a ser público). O que fazer com com a forma dos negócios
dissimulados?
O artigo 241.º/2 diz-nos que “se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é
válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”.
Numa interpretação rigorosa do artigo 241.º/2:
A e B declaram que querem celebrar um contrato de compra e venda do prédio X
(vontade declarada), quando, na verdade, A quer fazer uma doação do prédio X a B.
Da escritura, consta a vontade, não real (diferente da que verdadeiramente existe), de
vender o prédio X. Mesmo que exista um contradocumento, em que A e B declaram,
respetivamente, a sua vontade de doar e de aceitar a doação, esse documento não
pode ser uma escritura pública. A compra e venda é nula por ser simulada e a doação
sê-lo ia por falta de forma, pois incide sobre coisa imóvel e, portanto, está sujeita a
escritura pública.

A doutrina e jurisprudência têm arranjado muitas teses para contrariar este regime, isto é,
para salvar a validade dos negócios dissimulados —> isto é compreensível, pois, até não há
muito tempo, as simulações, nomeadamente de imóveis, eram muitíssimo frequentes (“toda
a gente fazia simulações para fugir aos impostos”).
Neste contexto, arranjaram-se mil maneiras para ultrapassar a invalidade do negócio
dissimulado por falta de forma. MRR diz que, como agora, as finanças são mais aptas no que
toca à fiscalização, menos pessoas fazem simulações, e, portanto, esta atitude benigna vai-se
alterar (há menos tolerância).

MRR defende a seguinte solução:


Um negócio dissimulado formal, que não tenha a forma exigida por lei, é nulo (“é nulo e,
ponto final, nada mais há a fazer”). A lei manda-nos olhar para o negócio dissimulado como
se não existisse negócio simulado e, portanto, considerando que não há simulação, o
negócio dissimulado tem de respeitar a forma que é exigida por lei. Há casos em que é
possível que o negócio dissimulado seja válido — casos em que a forma legal exigida é
uma forma não pública, que tenha sido respeitada (“se se tratar de negócio dissimulado
cuja validade dependa apenas da sua redução a documento particular, a contradeclaração
relativa a este ato é válida”), e casos de negócios em que, por aplicação do disposto no
artigo 221.º, conseguimos dizer que a divergência da vontade real e da declaração diz
respeito a um aspeto que não é um dos elementos pelos quais a lei exigiu determinada
forma.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Exemplo do segundo grupo de casos:


Digo na escritura que a casa é vendida devoluta de bens, quando lá dentro, encontram-se
livros e alguns móveis. Há uma simulação (quanto ao estado do imóvel - a vontade declarada
é vender a casa sem bens, mas a vontade real é vendê-la com bens), mas não há problema
algum, porque, por conjugação dos artigos 875.º e 221.º, as razões determinantes da forma
exigida no 875.º não determinam que a forma seja observada quanto ao estado interior do
imóvel. Aqui, o negócio dissimulado é válido.

Nos negócios típicos de simulação (simulação fiscal — vender por um preço mais baixo do
que o preço real), os negócios dissimulados são nulos por falta de forma, porque as razões
fiscais são uma das razões pelas quais é exigida a observância de determinada forma legal
(um dos objetivos da forma pública é fazer o controlo da circulação de capitais).

Também não é admissível uma simulação em que o negócio simulado seja de um tipo, e o
dissimulado de outro tipo, e ambos os tipos careçam de forma legal.
Exemplo: simulação entre a doação e compra e venda de imóveis —> em príncipio, é
impossível que a forma tenha sido observada no negócio dissimulado.

Um caso típico de simulação é o caso do preferente.


O António tem uma casa que está arrendada ao inquilino Carlos, que tem direito de
preferência (quando uma pessoa tem preferência, o vendedor tem de lhe comunicar lhe vai
fazer a compra, para a pessoa, se quiser, celebrar o negócio).
O António quer vender a casa ao Bento, e não a Carlos, que é quem tem direito de
preferência. O António diz a Bento que Carlos é um pelintra, que não tem dinheiro, e António
e Bento combinam fazer a escritura da casa por 500 000 euros, pois assim Carlos não tem
dinheiro para comprar a casa. Contudo, na realidade António e Bento celebraram o negócio
apenas por 200 000 euros (por este valor, Carlos compraria a casa, mas por 500 000 euros,
que é o “oficial”, o público, não).
Se Carlos descobrir que, afinal, o negócio foi celebrado por 200 000 euros, Carlos,
interessado, pode ir a tribunal invocar a nulidade do negócio e preferir pelos 200 000 euros.
O exercício da preferencia não coloca problemas — o negócio simulado é nulo, o Carlos é um
interessado, porque tem um direito pendente da nulidade da simulação e, portanto, pode
invocar a nulidade. Contudo, coloca-se um problema sério: como o negócio dissimulado é
nulo por falta de forma (não foi celebrado por escritura pública, forma exigida para a compra
e venda de bens imóveis), o Carlos, em rigor, não vai conseguir exercer direito de preferência
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

sobre o negócio dissimulado (o negócio é nulo e, portanto, não produz efeitos e,


consequentemente, Carlos não tem nada para preferir).

Pode acontecer outra coisa:


António diz ao inquilino Carlos que a compra e venda vai ser feita por 500 000 euros, e
Carlos diz que, por esse valor, não quer comprar a casa. Depois, António diz ao Bento que
Carlos não quer comprar a casa e Bento, para fugir aos impostos, sugere a António que
declarem, na escritura pública, a venda da casa por 200 000 euros (a simulação não é para
enganar o preferente, mas para enganar o Estado, com o intuito de pagar menos impostos).
Passado um tempo, Carlos vem a saber que António e Bento declararam, na escritura, que a
casa foi vendida por 200 000 euros. Carlos vai ter com o Bento e diz “Vou ficar com a casa.
O António tinha-me dito que ia vender a casa por 500 000 euros, e aí não queria, mas se for
por 200 000 euros, eu quero” —> O Bento diz que a compra foi feita por 500 000 euros, e
que, na escritura, é que declararam os 200 000 euros, para fugir aos impostos. O Carlos diz
que a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida por Bento, simulador, contra
si, que é um terceiro de boa fé. Assim, para Carlos, o negócio simulado (venda da casa por
200 00 euros produz efeitos) e, consequentemente, Carlos poderá preferir a casa pelo valor
de 200 000 euros.

Desde 1966, assistimos na doutrina portuguesa a imensas teorias para tentar ultrapassar o
problema do preferente no caso em que estamos perante uma simulação —> na posição de
MRR, C tem direito a adquirir pelos 200 000 euros.

Ter em atenção o artigo 394.º/2 — proibição de testemunhas em simulação, mas se houver


um princípio de prova documental, já é possível, e a testemunha pode falar sobre essa prova.

Aula de 13 de abril
1ª METADE — REVISÕES

— Só depois de sabermos se há negócio e qual é o sentido jurídico do negócio (atividade de


interpretação), é que devemos analisar os problemas suscitados pelo vícios do negócio. A
distinção entre os 3 tipos de vontade permite-nos detetar os vícios mais graves:
Falta a vontade de ação —> estamos perante a coação física
Falta a vontade de declaração —> estamos perante falta de consciência na declaração.
Falta a vontade de declaração —> estamos perante declarações não sérias.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Depois desta fase, se verificarmos que não falta nenhuma das três vontades —> temos de
desdobrar a vontade negocial em três vontades:
— Vontade real (o que a pessoa efetivamente quis no momento da declaração)
— Vontade declarada (é a vontade que, por meio da interpretação jurídica, consta do
comportamento que é a declaração negocial)
— Vontade conjetural (a vontade que a pessoa teria se tivesse

ESQUEMA DE APOIO:

NÃO VONTADE REAL NÃO COINCIDÊNCIA — DIVERGÊNCIA


COINCIDÊNCIA VONTADE DECLARADA
— VÍCIO
VONTADE CONJETURAL

1. ESPONTÂNEA
—> ERRO-OBSTÁCULO
DIVERGÊNCIA UNILATERAL - RESERVA
2. INTENCIONAL
MENTAL (digo a X que quero comprar um
SIMULAÇÃO
Código Civil, quando, na verdade, quero
RESERVA MENTAL
um Código de Processo Civil).
DIVERGÊNCIA BILATERAL — SIMULAÇÃO
(combino com X declarar que quero
comprar um Código Civil, quando quero
um Código de Processo Civil, para enganar
um terceiro).

Compro um Código Civil, porque penso que o meu está desatualizado. Contudo, o meu
Código não está desatualizado e se tivesse a par das alterações legislativas, saberia isso e
não teria querido comprar um novo Código.
Divergência entre a vontade real (a que efetivamente existiu) — comprar um código civil — e
a vontade conjetural (a que existiria, se a minha vontade se tivesse formado em condições
ótimas) — não comprar um código civil. Aqui estamos em erro —> foi a falta de
esclarecimento da realidade (mais precisamente, das alterações legislativas) que me levou a
celebrar o negócio.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Se a divergência entre a vontade real e a vontade conjetural se devesse a falta de liberdade


— não queria um Código Civil, mas X ameaçou-me de um mal —> quando falta liberdade,
estamos perante coação de moral.

SIMULAÇÃO —> levanta dois problemas:


Problema do direito de preferência — A diz a C, inquilino que tem direito de preferência, que
vai vender o imóvel por 500 000 euros. Por esse valor, C não quer adquirir o imóvel, não
exercendo a preferência. A e B declaram na escritura a venda do imóvel por 200 000 euros,
mas, na realidade, a venda é realizada por 500 000 euros. Há simulação, na medida em que
existe uma divergência entre a vontade declarada e vontade real, e essa divergência resulta
de um acordo entre A e B e tem em vista enganar terceiros (neste caso, o Estado). Dias
depois, C vem a descobrir a simulação, que desconhecia por completo aquando a
celebração do negócio por A e B. À luz do artigo 243.º/2, C é um terceiro de boa fé.
A e B não podem ir ter com C e dizer “Na escritura está que o imóvel foi vendido pelo
montante de 200 000 euros, mas, na verdade, fizemos o negócio por 500 00 euros. Este
negócio é nulo e, se quiseres preferir, tens de o fazer pelos 500 000 euros”, visto que o
artigo 243.º estabelece a inoponibilidade da simulação a terceiros de boa-fé.
O que é natural que C faça é que proponha uma ação de preferência, sendo ele a ficar com o
imóvel por 200 00 euros!

Até há pouco tempo, era raro não existir simulação num negócio que envolvesse imóveis.
Perante a frequência da simulação, fazia confusão à doutrina a inoponibilidade da nulidade
do negócio perante C —> aquando do início da vigência do Código Civil, os juristas
procuraram arranjar soluções técnicas para que C, a preferir, preferisse pelos 500 000 euros.

4 TESES:

—> Tese do Professor Manuel de Andrade — Defende que no artigo 243.º, devemos fazer uma
interpretação restritiva da locução “terceiro de boa-fé”. O Professor afirma que terceiros de
boa-fé são todos aqueles que ignoram simulação ao tempo em que foram constituídos os
respetivos direitos, conforme estatuído no n.º 2 do artigo em causa e, neste terceiros cabem
tanto aqueles que ignoram a simulação e vão ser prejudicados por esta, como aqueles que
ignoram a simulação, mas que, inversamente, vão ser altamente beneficiados com ela.
Para o Professor de Coimbra, o artigo 243.º destina-se a impedir que os terceiros de boa-fé
sejam prejudicados, não tendo como objetivo fazer com que os terceiros enriqueçam à custa
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

dos simuladores. Consequentemente, é necessário interpretar restritivamente a locução


“terceiros de boa-fé”, em atenção ao elemento teleológico da interpretação — os terceiros de
boa-fé são apenas os que sejam prejudicados com a nulidade proveniente da simulação (só
perante estes é que a nulidade da simulação é inoponível).
No exemplo da simulação entre A e B, quanto ao preço do imóvel — se a nulidade for
oponível ao inquilino C, ou melhor, se C preferir por 500 000 euros (e não pelos 200 000
euros, valor declarado), C não vai ser prejudicado — vai ficar nas mesmas condições que B,
que, na realidade, pagou 500 000 euros pelo imóvel.
O Professor Manuel de Andrade diz que ao interpretarmos o preceito de forma restritiva,
estamos a fazer justiça, estamos a ir ao encontro da vontade do legislador, que quis que não
prejudicássemos o C, não que o beneficiássemos.

2. O enriquecimento sem causa (473.º), instituto do Direito das obrigações, reverte situações
em que alguém tenha aumentado o seu património sem um título jurídico/sem causa —
assim, quando não existe uma justificação jurídica para o enriquecimento, os incrementos
patrimoniais devem ser restituídos.
Alguns autores defenderam que o preferente não podia preferir pelo valor declarado, pois
isso correspondia a um enriquecimento sem causa. Como o ordenamento proíbe os
enriquecimento em causa, o terceiro, a preferir, teria de o fazer pelo valor real.
MRR considera esta tese uma tese fraca, porque existe uma causa — o artigo 243.º/1. O
enriquecimento sem causa proíbe incrementos patrimoniais destituídos de uma fonte, e, na
situação do preferente, temos uma fonte, que é legal (243.º) e que protege o terceiro
relativamente ao vício mais grave do ordenamento: a nulidade.

3. Tese do Professor MC — já foi abandonada e não consta dos manuais mais recentes.
O artigo 243.º/2 diz que “a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que
foram constituídos os respetivos direitos”. O Professor MC focou-se no artigo 243.º/2 para
resolver a questão do preferente — “Qual o tempo em que foram constituídos os respetivos
direitos?” — para MC, o momento é aquele em que o preferente adquire o direito de
propriedade sobre o imóvel.
Exemplo: Em junho de 2020, Carlos foi notificado para a preferência e disse que não queria o
imóvel pelo valor de 500 000 euros. Em junho, A e B celebraram a compra e venda,
declarando, na escritura pública, que o preço do imóvel é de 200 000 euros. Em dezembro,
C descobriu que, afinal a compra e venda, foi feita pelo valor de 200 000 euros e propõe
uma ação de preferência. Quando A e B forem notificados pela ação, vão provar a existência
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

de uma simulação — vão provar que o negócio foi celebrado por 500 00 euros, e não pelos
200 000 euros declarados. No fim do processo, há uma sentença e, nos termos desta, o
tribunal atribui a casa ao C.

O momento relevante para efeitos do artigo 243.º é o momento da sentença, que é quando C
adquire a propriedade sobre o imóvel. No momento da sentença, C já tem conhecimento da
simulação, pois esta vai ser abordada na defesa de A e B, e, portanto, já não é um terceiro de
boa-fé.
MRR diz que a falha da tese do Professor MC é considerar que o tempo em que foram
constituídos os respetivos direitos corresponde ao momento da aquisição do direito de
propriedade —> para MRR, a aquisição do direito de propriedade é uma mera consequência
do exercício do direito pelo preferente - o direito do preferente concretiza-se no momento
em que o A pretende vender o imóvel ao B.

4. Tese atual do Professor MC


Hoje em dia, o professor MC entende que o artigo 243.º/2 consagra a boa-fé subjetiva ética e
defende que só deve haver a proteção do preferente quando este tiver feito um investimento
de confiança.
MRR não concorda com esta tese —> comporta vários problemas:
1. No artigo 243.º/2, a boa-fé está empregue em sentido subjetivo e, portanto, não temos de
considerar os princípios da boa-fé em sentido objetivo (princípio da tutela da confiança e
princípio da materialidade subjacente). O que temos de fazer é ver se, houve ou não houve,
por parte do terceiro, a ignorância de que estava a violar direitos alheios.

Na opinião de MRR, a solução para a questão do preferente é muito simples: C tem direito a
preferir pelo valor de 200 000 euros — A e B é que erraram, ao fazer a simulação, e têm de
arcar com as consequências disso.

Outro problema da simulação —> as partes simulam um preço para pagarem menos
impostos (ex: declaram, na escritura pública, que o valor é de 200 000 euros, quando, na
verdade, é de 300 000 euros).
A maioria da doutrina entendia que o negócio dissimulado era válido, quando estivéssemos
apenas perante uma divergência de valor —> entendia-se que o quantitativo do preço era um
elemento voluntário do negócio (“posso vender o que é meu pelo valor que eu quiser”), e era
razoável entender que o negócio era válido, porque as razões determinantes da forma não se
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

aplicavam ao quantitativo do preço. MRR não concorda mesmo com esta posição, dizendo
mesmo que esta é inaceitável — apesar do quantitativo do preço se tratar não tanto de um
elemento negocial, mas que tem mais que ver com a forma como o Estado se organiza, a
verdade é que uma das razões pelas quais os negócios relativos a imóveis estão sujeitos a
uma forma especial é o controlo da fiscalidade e atualmente existe uma lei que obriga os
notários a dizerem o n.º das contas bancárias de onde saiu e entrou o dinheiro.
Assim, para MRR, mesmo que o negócio dissimulado só tenha uma divergência do preço em
relação ao simulado, este “não tem salvação” por falta de forma.

Terceiro problema da simulação—> há uma simulação e o negócio dissimulado tem um


problema de erro-obstáculo.
Como é que isto se resolve?
Nos casos em que existem vários vícios de vontade (o que é possível), devemos começar
pelas divergências. No caso da simulação, devemos começar pela simulação - o negócio
simulado é nulo e temos de apurar se o negócio dissimulado é nulo ou não (conforme
estabelecido artigo 241.º, a nulidade do negócio simulado não implica a nulidade do
dissimulado, devendo este ser avaliado, e considerado válido ou não, como se o outro ).

Do ponto de vista técnico, não faz sentido começarmos pela análise do negócio dissimulado
— o negócio dissimulado é um negócio “escondido” e só o devemos analisar depois de nos
termos conseguido livrar do negócio simulado (em primeiro lugar, constato que há simulação
e aplico ao negócio simulado o 240.º/2, que estabelece a sua nulidade; depois, fico com o
negócio dissimulado e avalio-o: se há um problema de forma, resolvo-o e se há um vício
(como erro ou coação moral), resolvo-o.

ARTIGO 291.º — consagra a inoponibilidade da nulidade e da anulação —> este artigo não é
específico para a simulação; ao invés, aplica-se a todos os vícios!
291.º/1
REQUISITOS:
— Aplica-se em relação à declaração de nulidade ou a anulação do negócio, com qualquer
causa (podemos nem falar de um vício de vontade, mas de um vício de forma).
— Aplica-se a bens imóveis ou móveis sujeitos as registo.
— A título oneroso (só se aplica aos negócios jurídicos onerosos, isto é, a negócios jurídicos
que implicam esforços económicos para ambas as partes — compra e venda é o paradigma).
— O terceiros tem de ser um terceiro de boa-fé — definição consta no n.º 3.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— O registo da aquisição por parte do terceiro de boa fé tem de ser anterior ao registo da
ação de nulidade ou anulação ou anterior ao registo do acordo entre as partes acerca da
invalidade do negócio.
N.º 2 estabelece — “os direitos de terceiros não são todavia reconhecidos, se a ação for
proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

2ª METADE DA AULA

2 vícios: RESERVA MENTAL e ERRO-OBSTÁCULO.

Reserva mental:
Divergência entre a vontade real e a declaração que é feita com intuito de enganar o
declaratário —> grande diferença para a simulação: a reserva mental é unilateral, pois não há
um acordo (acordo simulatório) entre o declarante e o declaratário, algo lógico pois visa-se
enganar o declaratário (e não um terceiro, como acontece na simulação).
Exemplo: Quero comprar um Código Civil e compro um Código do Trabalho.

Reserva mental está regulada no artigo 244.º do CC.


Artigo 244.º/2 estatui “a reserva não prejudica a validade da declaração, exceto se for
conhecida do declaratário; neste caso, a reserva tem os efeitos da simulação”.
Assim, regra geral, a reserva mental não prejudica a validade da declaração (o que revela o
carácter inofensivo deste vício). Contudo, no caso da divergência entre a vontade real e a
vontade declarada ser conhecida do declaratário, a reserva tem os efeitos da simulação, visto
que o conhecimento por parte do declaratário presume um acordo ou, não havendo acordo,
não é necessário proteger as expetativas do declaratário!
Tendo os efeitos da simulação —> nulidade da declaração proferida.

Em termos práticos, a reserva mental é um vício pouco importante, visto que, regra geral,
não determina a invalidade da declaração negocial —> irrelevância jurídica.
No entanto, é importante percebermos a existência deste vício por razões teóricas, desde
logo para verificarmos que o facto de uma pessoa querer algo, por si só, não faz com que o
direito atribua efeitos jurídicos ao que se quis. Existe aqui uma clara ponderação entre a
autonomia privada e a segurança jurídica, e a segurança jurídica é a vencedora (o legislador
entende que o facto de uma pessoa querer X, mas exteriorizar Y com o intuito de enganar o
declaratário, não faz com que X seja considerado —> vence Y, a aparência de declaração).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Erro-obstáculo

Primeiro problema do erro-obstáculo: em Portugal, adotámos a mesma designação (“erro”)


para o erro-vício e o erro-obstáculo —> duas realidades totalmente diferentes: o erro-vício é
o vício na formação da vontade (a falsa representação da realidade leva o sujeito a ter uma
vontade distinta daquela que teria em condições ótimas) e o erro-obstáculo é um erro na
declaração (uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, mas uma
divergência não intencional, por oposição ao que acontece na simulação e na reserva
mental).

Divergência não intencional —> o declarante enganou-se — queria dizer X, mas, por fruto de
circunstâncias alheias/não intencionais, enganou-se e disse Y (queria um Código Civil, mas
por equívoco pediu um Código do Trabalho no balcão de uma livraria —> não há aqui
problemas de falta de vontade ou de falta de esclarecimento, mas um problema de
divergência entre a vontade declarada e a que realmente existe no declarante!).

Se o erro for patente, normalmente não teremos problemas jurídicos, visto que, nos
termos do artigo 236.º/1, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário
normal, colocado na posição do real destinatário, possa deduzir do comportamento do
declarante” - em caso erros patente na declaração, o declaratário normal, colocado na
posição do declaratário real, compreende o sentido que efetivamente foi querido (e que por
mero lapso não foi transmitido da melhor forma).
Exemplo: Entro na livraria, peço um Código Civil. A empregada de balcão vai buscar o livro e
pergunta “É este?” e eu respondo “Sim, é exatamente esse! Quanto custa o Código do
Trabalho?”). A empregada percebe que eu me enganei, percebe que houve um mero lapso
na linguagem.

Se o erro patente estiver documentado —> ver o artigo 249.º — “o simples erro de cálculo
ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias
em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.

Este artigo permite ao declarante corrigir a declaração, o que pode ser bastante benéfico e
necessário — estando documentada, a declaração pode ser exibida a outras pessoas, que
não tendo em atenção as circunstâncias em que a declaração foi emitida, podem ser
induzidas em erro.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Este artigo é muito usado em peças processuais —> quando os advogados se enganam, mas
resulta claro do articulado ou dos documentos anexos que houve um lapso, os advogados
podem recorrer a este artigo e corrigir a declaração
O mesmo se passa com as escrituras —> é vulgar as partes peçam ao notário que corrija uma
escritura — se o erro for patente, o notário pode, ao abrigo do artigo 249.º, corrigir o lapso
que houve.
__
Para os erros não patentes —> artigo 247.º — “Quando, em virtude de erro, a vontade
declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável,
desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o
declarante, do elemento sobre que incidiu o erro” (aplicado diretamente e já não por
remissão, como acontecia no artigo 251.º).
O que é necessário para o negócio ser anulado por erro-obstáculo?
— Essencialidade (apercebendo-se do erro/lapso que cometeu ao proferir a declaração, o
declarante não teria proferido a declaração).
— É preciso que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para
o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro — requisito mais exigente que o
primeiro! Se o declaratário não conhecer e não tiver maneira de saber que aquele elemento
é essencial para o declarante, o negócio não é suscetível de anulação — se não fosse este
requisito, a anulação do negócio com fundamento em erro na declaração seria muito fácil.

Artigo 248.º —> mais uma manifestação do princípio do favor negoci — tentativa da lei de
salvar negócios jurídicos — “a anulabilidade fundada em erro na declaração não procede,
se o declarante aceitar o negócio como o declarante o queria”
Este artigo permite ao declaratário aceitar o negócio como o declarante o pretendia /
aceitar o negócio com o sentido correspondente à vontade real do declarante — vontade
real do declarante no momento da celebração do negócio. O declarante não tem motivos
para se opor à validação por parte do declaratário, visto que o negócio vai valer com o
sentido correspondente à sua vontade real.

Exemplo: Vou comprar um Código Civil. Engano-me, por distração, a proferir a declaração e
digo que pretendo um Código do Trabalho. A funcionária coloca-me o Código do Trabalho
num saco. Quando chego a casa, vejo que o que está no saco é um Código do Trabalho e
não um Código Civil (que era o que correspondia à minha vontade aquando a compra).
Vamos admitir que o negócio é anulável, porque não teria celebrado o negócio se não fosse
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

para comprar um CC e porque a funcionária sabia da essencialidade do motivo sobre o qual


incidiu o erro (sabia da essencialidade do Código ser um Código Civil). À partida, posso
anular o negócio, mas se a funcionária da livraria aceitar o negócio que corresponde à
vontade real (comprar um Código Civil), já não posso “destruir” o negócio —> se o problema
foi um lapso na emissão da declaração (declarei algo que não queria), mas eu queria algo
(vontade real), se o declaratário aceitar esse algo, não tenho motivos para anular o negócio.

Favor negoci — vemos este princípio no artigo 248.º e no artigo 437.º/2 — “a lei prefere a
manutenção dos negócios, desde que queridos, à sua destruição. Existência do negócio tem
efeitos colaterais na vida de muitas pessoas, pelo que sempre que for possível mantê-los a
prefere-los, deve-se optar pela sua manutenção.

Ainda sobre o erro-obstáculo:


Artigo 250.º
1. A declaração negocial inexactamente transmitida por quem seja incumbido da
transmissão pode ser anulada nos termos do artigo 247.º.
2. Quando, porém, a inexactidão for devida a dolo do intermediário, a declaração é sempre
anulável.z
Este artigo é aplicável ao núncio — a pessoa que está encarregue de transmitir a declaração
de outra —> o núncio não é um representante — o representante é uma pessoa que substitui
a vontade do representado; o núncio não substitui a vontade do declarante — a vontade do
núncio é irrelevante).
Exemplo: Quero comprar um Código Civil. Digo a A para ir à livraria e para transmitir a minha
vontade de adquirir um CC. A única coisa que essa pessoa vai fazer à livraria é transmitir a
minha vontade (vai dizer o que eu lhe disse para dizer). Se constituísse um representante, os
poderes do representante não se limitam a dizer exatamente o que eu quero — o
representante tem uma vontade própria, que tem a virtualidade de produzir efeitos jurídicos
na minha esfera jurídica.

É vulgar misturar a matéria do erro com a matéria da declaração.


Temos de tratar a matéria da interpretação antes de tratar o erro-obstáculo e os vícios, em
geral. É, perante, o sentido jurídico apurado pela atividade interpretativa que os problemas
se colocam (ou não se colocam).
Exemplo: Desde há muitos anos que António quer comprar a 1ª edição de Os Lusíadas. Bento,
alfarrabista, sabe disso, pois conhece bem António. Bento recebeu uma caixa com várias
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

coleções de Os Lusíadas e faz publicidade (anuncia que recebeu essa coleção). Pouco
depois, Bento recebe uma mensagem de António a dizer “Compro-lhe a edição de Os
Lusíadas de 1580”. António pensava que a primeira edição da obra era de 1580, mas a
primeira edição é de 1572. Bento conhece a vontade real do António —> Bento sabe que o
António quer comprar uma primeira edição e sabe que essa primeira edição não é de 1580.
Aplicando o artigo 236.º/2, a declaração vale com o sentido que corresponde à vontade real
do declarante — edição pretendida é a de 1572.
____
CF
No que toca ao erro na declaração (erro que consiste na divergência entre a vontade real e a
declarada), podemos fazer a seguinte divisão:
— Erro na declaração pode ser conhecido (o declarante sabe qual é a vontade real do
declarante, pelo que identifica imediatamente a existência do erro na declaração).
Como se resolve a divergência? Aplicação do artigo 236.º/2 —> uma vez que o declaratário
conhece a vontade real do declarante, detetando automaticamente o erro na exteriorização
da vontade, a declaração vale com o sentido que corresponde à vontade real do declarante,
sendo o erro relevante e o negócio válido.
— Erro na declaração pode ser cognoscível/patente —> o erro não é conhecido do
declaratário, mas é apreensível, através dos próprio termos da declaração ou das
circunstâncias do negócio, por uma pessoa de normal diligência // aplica-se aqui o disposto
no artigo 236.º/1 — a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado
na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
“Não há erro conhecido; contudo, um declaratário de normal diligencia apercebe-se do erro
e não pode atribuir ao negócio outro sentido que não o coincidente com a vontade real do
declarante”.
Erro patente documentado —> 249.º
— Erro não é conhecido nem cognoscível/patente (Ferrer Correia afirma que este é o
verdadeiro erro na declaração).
“É necessário garantir o equilíbrio entre os interesses do declarante, que não se quer manter
vinculado a um negócio que não corresponde à sua vontade real, e os interesses do
declaratário que, não conhecendo o erro e não tendo o dever de o conhecer, confiou na
declaração e quer a manutenção do negócio, tal como consta da declaração”
2 requisitos para a relevância anulatória do erro na declaração:
- Essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que recaiu o erro (o declarante
quer comprar o telemóvel por 100€, mas escreve 1000€ —> existe essencialidade se o
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

declarante só estava interessado em comprar o telemóvel se fosse pelo valor de 100€;


basicamente, existe essencialidade no caso de o declarante, apercebendo-se do erro
que cometeu, não querer celebrar o negócio).
- Conhecimento ou dever de não ignorar a essencialidade, por parte do declaratário.
O negócio jurídico anulável nos termos do artigo 247.º (cumprem-se os dois requisitos) pode
validar-se por iniciativa do declaratário —> artigo 248.º CC.

Aula teórica de 20 de abril

Conteúdo do NJ
MC: “O conteúdo do negócio corresponde à regulação por ele desencadeada: ao conjunto
das regras que, pelo negócio ter sido celebrado, tenham aplicação no espaço delimitado
pelas partes"
MRR adota a definição do professor MC e refere que, de modo sucinto, o conteúdo é “o
ordenamento jurídico específico do negócio”.

Conteúdo é diferente de objeto —> MC diz “o objeto tem a ver não com a regulação em si,
mas com o quid sobre que irá recair a relação negocial propriamente dita”
Exemplo: Celebração de um contrato de compra e venda
—> As regras que são aplicáveis, pelo facto de o negócio ter sido celebrado, constituem o
seu conteúdo — a transmissão da propriedade e as obrigações de entrega da coisa e do
preço.
—> A coisa ou os direitos transmitidos formam o seu objeto.
Doutrina confunde os dois conceitos —> o próprio CC, no seu artigo 280.º, menciona
o objeto negocial com o fim de referenciar quer o seu conteúdo, quer o objeto
propriamente dito.

O conteúdo é muito variado e desde cedo, os juristas procuraram distinguir os vários


elementos do conteúdo do negócio.
MC afirma que o conteúdo do negócio analisa-se, essencialmente, em elementos normativos
e em elementos voluntários, e MRR adota esta tese.

(1) Elementos normativos — regras que o Direito associa à celebração dos negócios,
independentemente de uma expressa vontade negocial nesse sentido.
Elementos normativos podem ser de uma de duas espécies: injutivos ou supletivos.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

—> Elementos normativos injutivos — regras que não estão na disponibilidade das partes,
não podendo, por isso, ser por elas afastadas.
Exemplo: Contrato de compra e venda de um telemóvel — a obrigação de pagar o IVA é um elemento
normativo indutivo (é uma obrigação que não está na disponibilidade das partes, não podendo estas
afastá-la).

—> Elementos normativos supletivos — regras cuja aplicação visa suprir o silêncio ou a
insuficiência do clausulado negocial.
Exemplo: No contrato de compra e venda de um telemóvel, o momento e o lugar do pagamento do
preço resulta do artigo 855.º, que é uma norma supletiva — só se aplica quando não há uma
estipulação das partes quanto a este assunto (as partes podem afastar as normas supletivas
estabelecendo elas certas matérias).

(2) Elementos voluntários — regras que são aprontadas e fixadas pelas próprias partes.
Falamos aqui do “cerne do conteúdo do negócio”, visto que o negócio é, essencialmente,
uma manifestação a autonomia privada.
Elementos voluntários subdividem-se em necessários e eventuais.

—> Elementos voluntários necessários: elementos que, embora resultem da vontade das
partes, tenham de ser, por elas, fixados sob pena de incompleitude no negócio.
Exemplo: No contrato de compra e venda, o preço é um elemento voluntário (este é acordado entre as
partes, não resulta de uma norma legal), mas necessário, visto que sem preço não pode haver compra
e venda.

—> Elementos voluntários eventuais: elementos que resultam da vontade das partes e que
não são necessários, podendo as partes incluí-los no negócio se assim o quiserem. Tendo em
conta o princípio da autonomia privada, existem infinitas estipulações que resultam
exclusivamente da vontade das partes e que podem ou não existir.
Exemplo: A condição.

Estes elementos devem ser separados apenas para efeitos de análise, pois o negócio jurídico
é, no seu conteúdo, uma unidade.

Tipo negocial — conceito que designa o conjunto dos elementos normativos e dos
elementos voluntários necessários.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Curiosidade: o tipo é uma figura própria e habitual dos direitos da Europa Continental e não
dos direitos anglosaxónicos, que repousam muito no direito consuetudinário e, na matéria da
contratação, em conteúdos voluntários eventuais muito extensos.

O “tipo” é um conceito muito prático —> normalmente, quando trabalhamos com negócios
jurídicos, referimo-nos a contrato de compra e venda/arrendamento/contrato de sociedade
— quando fazemos estas referências, estamos a pensar naquilo que é o “normal”, naquilo que
é o típico (aquilo que tem mesmo de ser — elementos normativos injutivos — e aquilo que é
normal — elementos normativos supletivos + elementos voluntários necessários).

Em regra, o tipo corresponde a um modelo básico de justiça e de equilíbrio — o legislador


não tinha necessidade de estabelecer normas supletivas (se as partes nada acordarem,
valem estas normas), mas ao fazê-lo, estabelece um regime que é equilibrado/equitativo.
MRR: normalmente, os regimes supletivos são regimes equilibrados e, por essa mesma razão,
as partes não as afastam.

Um conceito que, por vezes, surge nos Manuais é o de tipo social.


O que é um tipo social? Não é um tipo em sentido próprio, isto é, não é o conjunto de
elementos normativos e elementos voluntários necessários.
Quando falamos do tipo social, falamos de uma modalidade de negócio jurídico, que resulta
dos usos/da prática social — “designamos por tipo social o negócio que não tem um regime
jurídico legal, mas que, na prática, tem uma configuração estável, sendo essa estabilidade
dada pelos usos ou pelos costumes”.

Em Portugal, há poucos tipos sociais —> MRR: “Cada vez que surge um negócio que não tem
regulamentação na lei, o legislador vai logo a “correr” regulamentá-lo. É um “milagre” a
permuta não ter regulamentação legal”.

O tipo negocial é bastante discutido, pois levanta alguns problemas na perspetiva da


interpretação dos negócios e do regime jurídico —> como o tipo é meramente social, não há
qualquer obrigatoriedade e não existem normas supletivas e, portanto, quando um contrato
que pertence a um tipo social foge aquilo que é comum, coloca-se a questão de saber como
interpretar cláusulas que são originais. MRR diz que é necessário interpretar aquilo que as
partes quiseram e não aquilo que faz parte do que é “normal” — era expectável que as partes
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

combinassem X, mas não há uma norma imperativa e não existe um regime supletivo, e,
portanto, tem de se olhar ao que as partes combinaram.

MC: “Num sistema dominado pela autonomia privada, boa parte do conteúdo dos
negócios jurídicos é determinada apenas pela negativa, isto é, mediante a aposição de
limites. Desses limites, os mais característicos são expressos através de requisitos, isto é,
qualidades que os negócios, para serem válidos, devam assumir nos seus conteúdos e nos
seus objetos”.

Requisitos gerais do conteúdo e do objeto do NJ —> artigo 280.º


O CC utilizou, para regular esta matéria, a linguagem da relação jurídica — por objeto
negocial devemos entender o objeto propriamente dito (objeto mediato) e o conteúdo
// as estipulações das partes, os efeitos jurídicos (conteúdo), e o objeto sobre o qual
esses efeitos incidem (objeto mediato).

Artigo 280.º CC é o artigo chave na matéria dos requisitos do negócio.


Requisitos estabelecidos:
(1) possibilidade física
(2) possibilidade legal
(3) licitude/conformidade com a lei
(4) determinabilidade
(5) Conformidade com a ordem pública
(6) Conformidade com os bons-costumes
Consequência da violação de um destes requisitos —> nulidade

Requisitos:

1. Possibilidade física - o objeto negocial (conteúdo + objeto propriamente dito/mediato)


deve ser fisicamente possível.
Quando o objeto negocial é fisicamente impossível (quer o conteúdo, quer o objeto mediato
podem ser fisicamente impossíveis se ou não existirem, ou forem inviáveis na natureza), o
negócio é nulo.
Exemplos:
— Combino com o António vender-lhe um dragão —> este negócio é obviamente nulo, pois
não existem dragões — o objeto mediato é fisicamente impossível, e, portanto, há nulidade.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— Obrigo-me, mediante determinada quantia, a engolir toda a água do mar —> este negócio
é nulo por ser fisicamente impossível, pois apesar de a água do mar existir, não é fisicamente
possível uma pessoa engolir a água do mar, tal é contrário à natureza das coisas.

Impossibilidade diz-se absoluta/objetiva ou relativa/subjetiva


—> Falamos de impossibilidade absoluta quando a impossibilidade atinge o objeto do
negócio, seja quais forem as pessoas nele envolvidas.
—> Falamos de impossibilidade relativa* quando a impossibilidade opera somente perante
os sujeitos concretamente considerados. O sujeito impossibilitado de atuar em certo
negócio poderá, não obstante, celebrá-lo, desde que se faça substituir na sua execução.

Exemplo de impossibilidade física relativa:


Acordei com a minha vizinha passear o cão dela todos os sábados, a troco de uma quantia
monetária paga mensalmente. Certo dia, parto a pena e, consequentemente, não vou
conseguir passear o cão dela (há uma impossibilidade). Contudo, aqui falamos de uma
impossibilidade física relativa: o objeto negocial não é totalmente impossível — para mim, é
fisicamente impossível passear o cão, mas, para muitas outras pessoas do mundo, tal é
possível. Não é totalmente impossível o cumprimento da obrigação e devo arranjar uma
pessoa para me substituir no cumprimento da mesma.

Em princípio, só gera impossibilidade, para efeitos do artigo 280.º, a impossibilidade


absoluta // (Se a impossibilidade for meramente relativa, o devedor tem de arranjar outras
soluções).

* Existem impossibilidade relativas que valem como absolutas, porque, nalguns contratos, a
pessoa do devedor não é fungível e, portanto, se aquela pessoa está impossibilitada de
cumprir a obrigação, o contrato é absolutamente impossível // “Se, no negócio que for
celebrado, existir uma particularidade quanto à pessoa do devedor, então a impossibilidade
relativa transforma-se em absoluta”.
Ex: Um clube contrata o CR7 para jogar; o CR7 parte uma perna — é certo que poderíamos
colocar outro jogador a jogar no ligar de CR7, mas o CR7 não é substituível, pois estamos
perante um jogador infungível (tem características únicas e foi contratado por essas
características). Se ele não pode jogar, o contrato é fisicamente impossível.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— Impossibilidade pode ser temporária ou definitiva. No caso da impossibilidade temporária,


é previsível que ela cesse, ao contrário do que acontece na impossibilidade definitiva.
Para efeitos do artigo 280.º, a impossibilidade tem de ser definitiva — se a impossibilidade for
temporária, o contrato não é nulo, visto que não há uma verdadeira impossibilidade.

Podemos ainda distinguir: impossibilidade efetiva VS impossibilidade meramente


económica
—> Impossibilidade efetiva — MC: “o objeto do negócio é ontologicamente inviável"
—> Impossibilidade meramente económica — MC: “o objeto do negócio é pensável, mas
surge economicamente tão pesado, que se torna injusto ou iníquo” — a impossibilidade deve
ser aferida em termos de normalidade social e não apenas de viabilidade económica.
Exemplo: Alguém obriga-se a entregar a outra pessoa um anel. A pessoa está a andar de
barco no rio Tejo e, sem culpa, o anel caiu no rio. O anel vale 500 euros. Do ponto de vista da
normalidade social, daquilo que é socialmente exigível, não é possível encontrar um anel que
caiu dentro o rio Tejo.

2. Possibilidade legal — o objeto negocial (conteúdo + objeto propriamente dito/mediato)


deve ser legalmente possível.
Falamos de um negócio legalmente impossível quando o seu conteúdo, ou o seu
objeto, são juridicamente (e não fisicamente) inviáveis.
Exemplo:
— Eu quero vender uma coisa que está fora de comércio — o Marquês de Pombal, por
exemplo, que está ligado ao solo. Se o Marquês de Pombal não fosse um monumento
nacional, mas uma estátua que construí no meu terreno, a imitar o monumento em causa,
poderia vendê-lo. Tratado-se de um monumento nacional, património do nosso país, é
legalmente impossível vender o Marquês de Pombal — a lei não admite o monumento
Marquês de Pombal como objeto negocial.
— Não é possível constituir direitos reais que não existam em Portugal, devido à tipicidade
dos direitos reais. Em Portugal, um negócio que assente em direitos reais que não estão
previstos, que fogem à tipicidade, é um negócio legalmente impossível.
— É legalmente impossível hipotecar uma garrafa de água.

3. Licitude — o objeto negocial deve ser lícito, isto é, não deve contrariar a lei.
MC: A autonomia privada tem margens — o espaço dado aos particulares, pelo Direito
Privado, é extenso, mas tem margens.
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A licitude é o requisito dos negócios jurídicos que consiste na não-ultrapassagem dos


limites injutivos do ordenamento.
Exemplos:
— Celebração de um contrato de mediação imobiliária por um particular — a atividade de
mediação imobiliária é exclusiva das sociedades de mediação imobiliária.
— Contrato de trabalho, em que o trabalhador se obriga a trabalhar 50 horas por semana
(contrariedade à lei, pois as horas semanais contrariam o exigido pela lei).

Qual a diferença entre impossibilidade legal e contrariedade à lei?


Na impossibilidade legal, o objeto negocial é legalmente inviável. Na contrariedade à lei, o
objeto negocial não é inviável, mas existem estipulações que violam o disposto na lei!
CONTRARIEDADE À LEI: Contrato de mediação é possível, mas não por um particular (só se
for por uma sociedade de mediação imobiliária). Da mesma forma, é possível a celebração de
um contrato de trabalho, mas o trabalhador não se pode obrigar a trabalhar 50 horas por
semana. Na contrariedade à lei, o negócio não é totalmente impossível, têm é de se fazer
alterações para que este se possa celebrar.
IMPOSSIBILIDADE LEGAL: Quanto ao exemplo do Marquês de Pombal, não consigo comprar e
vender o Marquês de Pombal (o negócio simplesmente não se pode fazer). Da mesma forma,
hipotecar uma garrada de água também é impossível — aqui, contrariamente ao que vemos
na contrariedade à lei, o negócio não tem “pernas” para andar.

4. Determinabilidade
São nulos os negócios cujo conteúdo ou objeto mediato tenha fronteiras indefinidas, isto é,
que não se conseguem definir.
MC: “Um negócio jurídico traduz, antes de mais, um conteúdo comunicativo: quer as partes
quer terceiros tomam conhecimento do que ele significa, de modo a poderem-se comportar
em consonância com o que dele resulte. Quando suceda que, do negócio, não derive uma
informação clara quanto ao seu conteúdo ou objeto estamos perante um negócio
indeterminável”.

Exemplo:
—> António empresta dinheiro ao Bento: o negócio é nulo, por indeterminação — temos um
contrato, mas esse contrato é nulo por indeterminação (não sabemos qual a quantia
emprestada).
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—> Nos contratos-promessa, por vezes, existe nulidade por indeterminação, pois as partes
não souberam redigir o contrato e não se percebe efetivamente a que é que as partes se
obrigam —o contrato, devidamente interpretado, não é suscetível de determinação.

Indeterminabilidade é diferente de indeterminação —> é preciso distinguir entre negócio


indeterminado (negócio que não permite, no momento, apreender o seu objeto ou
conteúdo) e indeterminável (o negócio nunca vai ser determinado).
Exemplos:
— Tenho ações e, em janeiro, combino com António vender as ações pelo preço que estas
tiverem no dia 31/05/2021. Neste momento, ninguém sabe qual vai ser o preço das ações,
sendo o negócio indeterminado. Contudo, o negócio é determinável, sendo, no entanto,
necessário esperar pelo dia 31 de maio —> “o negócio é indeterminado, mas surge
determinável”.
— Se disser ao Carlos “Empresto-te o dinheiro necessário para reabrires a tua loja” — o
negócio é válido: é certo que o negócio é indeterminado (não sei qual o dinheiro que Carlos
vai precisar para reabrir a loja, e ele próprio não o sabe), mas é determinável pois o Carlos vai
fazer contas e vai saber quanto é que precisa para abrir a loja.

Assim:
Negócios de objeto indeterminado, mas determinável, são válidos.
Negócios de objeto indeterminado e indeterminável não são válidos.
MC: “O artigo 280.º/1 veda negócios cujo conteúdo ou objeto não possam ser determinados
no momento da sua conclusão, isto é, que tenham, nessa ocasião, um conteúdo
indeterminável.

5. Conformidade com a ordem pública — é necessário que os negócios sejam conformes à


ordem pública.
Este princípio é difícil, pois lida com princípios e não com normas, visto que a ordem pública
é conjunto dos princípios injetivos da ordem jurídica.
Há uma figura que vamos estudar em DIPrivado — ordem pública internacional (artigo
22.º). Esta figura trata da ordem pública, mas numa vertente internacional. Aqui,
esta figura tem muita utilidade, pois o DIPrivado é o Direito que regula as relações
jurídicas internacionais.
No artigo 280.º, é difícil aplicar o conceito de ordem pública, pois em Portugal aplicamos as
normas imperativas do direito português e, portanto, se houver um princípio imperativo, esse
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princípio resulta de uma ou várias normas e vamos aplicar ao negócio essas normas e não
tanto esses princípios.

6. Conformidade com os bons costumes

“Bons costumes” é um conceito indeterminado e bastante controverso.


Historicamente, os “bons costumes” têm origem nos mores maiorum do Direito Romano, isto
é, numa certa moral social vigente. Ao longo dos séculos, a lei foi-se impondo como fonte de
direito e hoje em dia, depois de uma grande evolução histórica, existe uma separação
praticamente total entre direito e moral, pelo que é difícil densificarmos o conceito de bons
costumes”.

— No Direito Alemão, “bons costumes” é uma noção muito ampla — os alemães não têm o
conceito de ordem pública e concentram nos bons costumes aquilo que, em Portugal,
tratamos na ordem pública e nos bons costumes. Além disso, a noção alargada de bons
costumes que existe na Alemanha é acompanhada na lei de uma previsão muito ampla de
atuações contrárias aos bons costume.

A densificação que MC propõe, e com a qual MRR concorda, é:


“Bons costumes” como o conjunto de regras sociais relativas a comportamentos
familiares, sexuais e deontológicos considerados corretos.
— Regras de comportamento sexual e familiar e, que no fundamental, têm o seguinte
conteúdo: “Não são admissíveis negócios que tenham por objeto prestações que
envolvam relações familiares ou condutas sexuais”.
— Podemos alargar os bons-costumes a regras deontológicas, formuladas por
instâncias profissionais próprias.
Independentemente da noção que adotemos acerca de “bons costumes”, é importante
sabermos que o conceito é extremamente variável ao longo do tempo e o que conta, para
efeitos do artigo 280.º, é o momento da aplicação da lei — “quais os bons costumes
aplicáveis no momento?”.

Exemplo clássico de desconformidade com os bons costumes:


— Contratos de prestação de serviços sexuais (contratos feitos com prostitutas) —
tradicionalmente, diz-se que estes contratos são contrários aos bons costumes (isto pode
mudar e já há diferentes perspetivas acerca destes contratos).
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Uma figura associada à matéria do conteúdo é a da fraude à lei —> novamente, estamos
perante um conceito próprio do DiPrivado (artigo 21.º), que é extrapolado para o direito
material.
Fraude à lei —> forma de contornar a lei (as partes evitam a previsão normativa, conseguindo,
através de outras vias, o mesmo resultado económico-social).
Exemplo:
— Artigo 877.º: Estabelece que os pais e avós podem vender bens aos filhos ou netos, se
tiverem o consentimento/a autorização dos outros filhos ou netos. E se um dos filhos
constituir uma sociedade e o pai vender o bem não a esse filho, mas à sua sociedade? Há
quem diga que há fraude à lei, pois o pai e o filho arranjaram “um esquema” para contornar a
lei.

Na opinião de MC e MRR: No direito material, não há fraude à lei —> a fraude à lei não tem
autonomia, e o que temos de fazer é interpretar bem as normas jurídicas — temos de olhar
bem para o artigo 877.º e perceber se a lei proíbe o resultado ou a apenas a conduta (e não a
obtenção do resultado) — se a lei proíbe a obtenção do resultado, qualquer maneira de
atingir esse resultado é inválida e não há fraude à lei; se a lei apenas proíbe X conduta, se não
se praticar essa conduta, não há violação da lei.

2ª METADE AULA

Fim do negócio —> regulado no artigo 281.º


O negócio é nulo se o seu fim for contrário à lei, à ordem pública ou aos bons costumes.
Aqui, o objeto do negócio não apresenta problemas —> o seu fim/objetivo é que, se for
contrário à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, é que gera invalidade*.
* Para haver invalidade, o fim tem de ser comum a ambas as partes!
Exemplos:
(1) Arrendo uma casa para servir de entreposto de tráfico de droga. Se o senhorio nada
souber, o contrato de arrendamento é válido. Se tanto eu como o senhorio tivermos o
objetivo da casa servir de entreposto de tráfico de droga (fim comum), apesar do
arrendamento ser um contrato sem qualquer problema em si mesmo, o negócio é nulo.
(2) Alguém oferece veneno para ratos a outra pessoa para que essa pessoa mate alguém.
Este negócio só é inválido se o fim (matar X pessoa) for comum a ambas as partes.
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Na teoria, a aplicação do artigo 281.º é simples. Na prática, é difícil saber o que significa o fim
ser comum a ambas as partes, pois com frequência ambas as partes têm interesse no
negócio, mas tal não é suficiente para dizermos que o fim é comum.

Isto acontece sobretudo nos negócios onerosos: se o negócio é oneroso, há interesse de


ambas as partes, pois ambas obtém vantagens com a celebração do negócio; contudo, não
podemos dizer que ambas as partes têm um fim comum (no primeiro exemplo dado: ambas
as partes têm interesse do negócio — arrendatário e senhorio; contudo, supondo que o
senhorio não sabe que o inquilino celebrou o negócio para usar a casa como entreposto de
tráfico de droga, é patente que o fim não é comum; imaginemos agora que o senhorio sabe
que o inquilino comprou a casa com aquele fim e mesmo assim celebra o negócio, pois
pretende receber dinheiro —> aqui já se levantam problemas, porque, apesar de não ser
traficante de droga, o senhorio está a conformar-se com a atividade do inquilino, fazendo seu
o fim daquele).

Nos negócios onerosos, temos de ter cuidado a aplicar o artigo 281.º


Apesar do objeto do negócio não ter problemas, ser perfeitamente válido, o legislador
pensou que o objeto pode ser válido, mas que a finalidade que ele prossegue pode não o ser.

USURA

Vício bastante difícil de situar: CF coloca a usura dentro dos vícios de vontade e, de facto, a
usura tem algumas características próprias dos vícios de vontade; contudo, MRR diz que a
usura também tem características próprias de vícios do conteúdo do NJ.

Usura é uma figura híbrida —> tendo de escolher, MRR insere a usura nos vícios de
conteúdo — para além das razões que vai a seguir referir, há um elemento sistemático: o CC
coloca a usura junto às regras sobre o conteúdo do negócio.

A usura é uma figura muito antiga, mas ao longo do tempo foi flutuando.
Há diferenças muito grandes entre a forma como a usura é tratada hoje, no nosso
ordenamento jurídico, e como já o foi. Com a alteração da figura, a designação também sofre
variações —> por vezes, chama-se à usura “lesão enorme”.
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A usura teve origem no Canonismo (Idade Média) e desenvolveu-se muito a propósito dos
juros.
Desde cedo, os cristãos condenaram os juros — diziam que estes não deviam ser praticados
porque correspondiam a um “aproveitamento do tempo, que era um dom concedido por
Deus a todos os homens”.

Exemplo de negócio usurário:


A tem um filho que está a morrer e, não tendo dinheiro suficiente, precisa de um empréstimo
para pagar um tratamento dispendioso. A pede um empréstimo a B. B sabe que A está
desesperado para obter o dinheiro, pois precisa de salvar a vida do seu filho e pede um juro
altíssimo. A aceita, pois a vida do filho está em causa.

Negócio usurário tem vários elementos —> artigo 282.º

Elemento objetivo — “existência de benefícios excessivos ou injustificados”


— Até 1983, a versão do CC era “existência de benefícios manifestamente excessivos ou
injustificados” —> o advérbio foi eliminado em 1983, pois nesse ano Portugal vivia uma
grande crise e, para tentar facilitar a aplicação da usura, retirou-se este advérbio.

Manual CF: “Para se verificar este requisito torna-se necessário que entre a prestação do
lesado e a contraprestação do beneficiário da declaração haja desproporção excessiva,
não justificada pelas circunstâncias particulares do negócio. Assim, não haverá negócio
usurário, apesar de alguém exigir salários muito elevados por uma operação de
salvamento, se, por exemplo, for muito grande o risco corrido pelo salvador — é certo que
a prestação é muito elevada (salários muito elevados), mas há um equilíbrio proporcional
entre esta e a contraprestação.

A exploração da situação de inferioridade pode provir do declaratário ou de terceiro.


Também o beneficiário da exploração pode ser ou não o autor da usura —> pode o
declaratário explorar a situação de inferioridade do declarante em seu benefício ou em
benefício de terceiro; como pode um terceiro explorar a situação do declarante, para seu
benefício ou de terceiro
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Elementos subjetivos (levam à confusão da usura com os vícios da vontade):

1. Situação de inferioridade do declarante (vítima da usura).


— O CC indica vários exemplos de situações de inferioridade do declarante —> situação de
necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de
carácter de outrem.
— A atual redação do preceito tem origem em 1983 —> neste ano, acrescentam-se às
situações de necessidade, inexperiência e dependência, o conceito de “ligeireza”, e, em
lugar de “situação de deficiência psíquica” passou a falar-se em estado mental ou fraqueza
de carácter.
MRR —> neste contexto, “estado mental” mostra falta de capacidade linguística do legislador
(antes de 1983, estava “situação de deficiência psíquica” no lugar de “estado mental”, o que
faz todo o sentido para MRR; depois de 1983, está “estado mental” e MRR diz que uma
situação de “estado mental” não tem qualquer sentido).

CF: O instituo da usura não ganhou com a alteração de 1983, perdendo antes em rigor
técnico, passando a abarcar situações demasiado amplas, ao menos do ponto de vista
civilístico, que podem ser fonte de conflitos injustificados

MANUAL CF:
—> O artigo 282.º/1 CC começa por se referir à situação de necessidade do declarante.
— exemplo: A só ajuda B, que corre o risco de morrer afogado por causa de uma inundação,
após este lhe prometer uma compensação manifestamente excessiva (há aqui a exploração
de uma situação de necessidade)
—> O segundo caso referido é o de inexperiência do lesado — deve-se abarcar aqui tanto a
inexperiência, em geral, das coisas da vida prática, como a relativa à atividade ou tipo de
negócio a que respeita a declaração — casos em que o declarante tem um imperfeito
conhecimento das circunstâncias que interessam à perfeita valoração dos interesses
envolvidos no negócio.
—> Depois, refere-se a “ligeireza do declarante”, um conceito muito amplo e vago.
Para CF, devem-se abranger nos casos de “exploração de situação de ligeireza” os casos de
exploração, pelo usuário, do facto de o declarante ter propensão para agir sem a
adequada ponderação, precipitadamente (*importante: não deixamos de estar perante
uma situação de ligeireza do declarante se, embora sendo ele, em regra, uma pessoa
ponderada, agiu, no caso concreto com ligeireza. Estão aqui em causa, como é manifesto, as
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circunstâncias contemporâneas da celebração do negócio, podendo o usurário criar, através


do seu comportamento, condições para o declarante, que costuma ser ponderado, agir
precipitadamente).
—> Situação de dependência — temor reverencial

Problema: será que a usura só existe nos casos previstos no artigo (“necessidade,
inexperiência (…) fraqueza de carácter de outrem”)?
MRR considera que há tipicidade. Professor MC é contra —> considera que os casos são
meramente exemplificativos.
MRR: Se lermos o artigo 282.º e 283.º, não encontramos argumentos que indicam que os
casos são exemplificativos. Para MRR, é necessário interpretar com generosidade os quatro
conceitos indeterminados “situação de necessidade”, “inexperiência”, “ligeireza” ou
“fraqueza de carácter”.

PPV:
Para a concretização deste requisito (situação de inferioridade), não deve o intérprete cingir-
se demasiadamente à letra da lei. Deve discernir a ratio legis, a finalidade subjacente à
enumeração que é feita e identificar se o lesado da usura estava numa situação de
inferioridade negocial tal que dessa inferioridade resultasse para ele a inabilidade para
compreender o mau negócio que fazia ou para evitar fazê-lo.
É imprescindível identificar a causalidade desta inferioridade em relação ao negócio —>
ainda que se verifique, a situação de inferioridade é irrelevante se não tiver sido causal da
prática do negócio do qual resultam benefícios excessivos ou injustificados.f

2. Exploração de uma situação de inferioridade (intenção ou consciência do usurário de


explorar aquela situação de inferioridade)

— O negócio usurário implica a exploração da situação de inferioridade de uma pessoa, o


que significa que não existem usuras negligentes —> o que temos aqui é uma pessoa que se
vai aproveitar das circunstâncias de debilidade de outra — no usurário, temos a
“representação mental” da situação de inferioridade do declarante, para a explorar mediante
a obtenção de benefícios excessivos ou injustificados.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

— PPV: “A exploração pelo usurário da inferioridade do lesado exige que haja um


aproveitamento consciente e intencional da vantagem comparativa em que o usurário se
encontra perante o lesado. É necessário que o usurário saiba que a sua vítima está numa
posição de inferioridade, com discernimento ou liberdade diminuída, e que ele próprio está
numa posição de superioridade ou vantagem, que lhe permite obter à custa daquele
benefícios excessivos ou injustificados.

No exemplo acima dado —> se B não soubesse que A estava a pedir o dinheiro porque estava
desesperado para salvar o filho, isto é, se B não soubesse da situação de fragilidade de A, e
mesmo assim, pedisse um juro elevadíssimo, não haveria negócio usurário (não há a
exploração de uma situação de inferioridade)!

Na reforma de 1983, o legislador procurou aligeirar este requisito (no entender de MRR, tal
não resultou):
Até 1983, o CC dizia “explorando conscientemente”. Em 1983, foi eliminado o advérbio
“conscientemente” —> MRR diz que esta reforma não teve impacto no requisito — da palavra
“exploração” subentende-se a consciência.
CF: a ideia de exploração da situação de inferioridade mostra que o usurário tem tanto a
consciência de o declarante estar numa posição de inferioridade, como ainda do benefício
excessivo ou injustificado que vai obter, para ele ou para outrem.

Professor MC parece concordar com a existência de casos de usuras objetivas —> MRR não
concorda: a necessidade de alguém explorar a necessidade de outrem não é compatível
como uma usura objetiva (a exploração exige consciência da situação de fragilidade)

Os benefícios excessivos ou injustificados podem reverter para o usuário ou para um


terceiro —> o usuário pode, com o negócio, não se beneficiar a si próprio, mas a um
terceiro — Não importa, negócio é usurário na mesma.

Um capítulo bastante desenvolvido dos negócios usurários são os casos em que a usura
provém dos juros —> no nosso CC, existe regulamentação específica para os juros usurários
— artigo 559.º A e artigo 1146.º. CC (para além de outras leis).
Durante séculos, juros eram proibidos e, portanto, os comerciantes arranjaram formas de
conseguir os mesmos resultados sem cobrar juros. Depois, os juros passaram a ser
permitidos (primeiro, só em alguns negócios, depois generalizou-se).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Contudo, atualmente, os juros são bastante regulamentados, não podendo as pessoas cobrar
os juros que lhes apetecerem.

Consequência do negócio usurário (artigo 283.º CC)


Dupla sanção: o negócio é anulável ou modificável segundo juízos de equidade.

O lesado pode optar pela anulação ou modificação do negócio. Se o lesado pedir a


anulação, a parte contrária tem a faculdade de se opor, requerendo modificação. A lei não
reconhece, porém, ao usurário ou ao beneficiário da usura a faculdade de pedir
autonomamente a sua modificação —> só pode pedir a anulação em “resposta” à invocação
da anulabilidade (e também não pode pedir a anulação):

É por isto que MRR defende que a usura não é um vício de vontade —> se estivéssemos
perante um vício de vontade, se estivéssemos a dar prevalência à vítima da usura, o negócio
seria anulável. Aqui estamos perante um problema do conteúdo do NJ.

Existem histórias que, à primeira vista, são coação moral —> contudo, quando falta algum
dos requisitos da coação moral (ameaça, ilicitude da ameaça, intencionalidade ou duplo
nexo de causalidade), é conveniente irmos à usura — pois, se o negócio for desequilibrado,
podemos anulá-lo ou modificá-lo.
Com frequência, a usura é uma “irmã” da coação moral.

Cláusulas acessórias típicas

Cláusulas — estipulações (aquilo em que se traduz o acordo das partes) ou partes do negócio
—> se o acordo não for muito simples, divide-se em várias parcelas e cada uma delas é uma
cláusula.

As cláusulas dizem-se acessórias quando fazem parte dos elementos voluntários eventuais
(cláusulas que resultam da vontade das partes, e que, contrariamente às que fazem parte dos
elementos voluntários necessários, podem estar ou não no contrato).

Cláusulas acessórias típicas — típicas porque vêm previstas na lei, não porque são parte do
tipo legal (constituído pelos elementos normativos e elementos voluntários necessários).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

E por que razão vêm estas previstas na lei? Porque são cláusulas muito frequentes e, por
razões de comodidade, o legislador aproveita para tentar estabelecer um regime equilibrado
para elas.

4 CLÁUSULAS — TERMO, CONDIÇÃO, MODO E SINAL


Fazem parte dos elementos voluntários eventuais, o que quer dizer que a generalidade do
regime é supletiva, no sentido que as partes podem afastá-lo.

Termo — cláusula acessória típica pela qual as partes estabelecem que o negócio jurídico
ou uma parte deste apenas produz efeitos ou deixa de produzir efeitos a partir de um
certo facto futuro e certo*
* certo porque não há dúvidas que o facto vai ocorrer

Se os efeitos se começarem a produzir a partir do facto certo e futuro —> termo suspensivo
(“no negócio com um termo suspensivo, os efeitos do negócio só começam a produzir-se
depois de verificado certo facto futuro, mas certo, de que eles dependem”).

Exemplo:
As colocações do Ensino Superior saíram no início de Agosto e o aluno X foi colocado na
FDUL. Esse aluno vive em Viseu e vai ter de ir viver para Lisboa. Durante uns dias, os pais do
aluno X identificam uma casa que lhes interessa arrendar em Lisboa e a 16 de Agosto
celebram o contrato, para produzir efeitos a partir de 1 de outubro (dia em que começam as
aulas na FDUL). O contrato foi celebrado no dia 16 de agosto, mas só começou a produzir
efeitos no dia 1 de outubro — a renda só pode ser paga a partir de dia 1 de outubro e só a
partir desse mesmo dia, o aluno pode começar a habitar na casa —> O CONTRATO EXISTE,
MAS OS SEUS EFEITOS ESTÃO SUSPENSOS.

Se os efeitos deixarem de se produzir a partir do facto certo e futuro —> termo resolutivo
Exemplo:
A Faculdade privada X quer contratar um Professor de TGDC para substituir uma Professora
que está em licença de maternidade o ano inteiro (de setembro a julho). A Faculdade X podia
ter feito o contrato de trabalho com outra pessoa, para substituir a Professora de TGDC em
licença de maternidade, pelo período de 9 meses. Ao fim dos 9 meses, os efeitos jurídicos
resolvem-se/cessam/desaparecem.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

É possível um contrato ter um termo relativamente a certos efeitos e não a outros —> é
celebrado um contrato de trabalho com uma Professora, estipulando este que a Professora
vai lecionar Direito das Obrigações (sem termo) e, durante três meses, vai também dar aulas
de Teoria.

O termo consiste sempre num facto certo, quanto à sua verificação (o facto vai ocorrer!).
Quanto ao momento da sua verificação, o termo pode ser certo ou incerto (MRR referiu
“certo” na definição de “termo”, mas o “termo” pode ser certo ou não quanto ao momento da
sua verificação!).

CF: O termo é certo sempre que, além de haver a certeza da verificação do facto, se sabe
antecipadamente o momento da sua verificação — “os efeitos do negócio começam a
produzir-se no dia 1 de Julho de 2002” ou “dentro de oito dias a contar da celebração do
negócio”. O termo é incerto sempre que é desconhecido o momento da sua verificação,
embora esta seja certa.

Exemplos de termo incerto:


(1) MRR contrata trabalhadora X para substituir a trabalhadora Y que está doente - aqui, o
termo é resolutivo (quando Y deixar de estar doente, o contrato com X deixa de produzir
efeitos jurídicos) e incerto quanto ao momento da sua verificação, pois não sabemos,
antecipadamente, quando é que Y vai ficar bem, sendo certo, no entanto, que isso vai
acontecer.
(2) MRR tem um campo que precisa de ser cultivado e há um trabalho agrícola que tem de
ser feito com chuva. MRR contrata a pessoa para ela, quando estiver chuva, realizar o
trabalho —> aqui o termo é suspensivo (negócio só produz efeitos no dia em que chover)
e incerto quanto à sua verificação — é certo que vai chover, mas não sabemos o
momento em que isso vai ocorrer.

É vulgar designarmos “termo” ao próprio evento —> o termo é a cláusula que subordina os
efeitos do negócio a um evento futuro e certo.
Um contrato com termo não é um contrato promessa —> o acordo existe e o contrato está
celebrado! A única coisa que está suspensa são os efeitos do negócio.

Negócios que não podem ser celebrados a termo: perfilhação (artigo 1852.º/1) e casamento
(artigo 1618.º/2), por exemplo.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

A pendência/o prazo é o conceito técnico que designa o período entre a celebração do


contrato e a ocorrência do facto futuro e certo, que determina a produção ou a cessação de
efeitos jurídicos,
—> no primeiro exemplo dado por MRR (pais alugam a casa para o filho), a pendência é o
período que existe entre o dia 16 de agosto (celebração do negócio) e o dia 1 de outubro
(facto que desencadeia a produção dos efeitos do negócio)

O regime jurídico da pendência do termo (artigos 272.º e 273.º, por via do artigo 278.º CC)
pode ser delicado — o contrato já está celebrado, mas as coisas não estão a 100%.

Grande artigo no regime do termo —> artigo 279.º CC, que se aplica praticamente a todos os
prazos do ordenamento jurídico.

Aula teórica de 27 de abril

Condição — cláusula acessória típica pela qual as partes subordinam a eficácia do


negócio jurídico, ou de uma parte deste, a um evento futuro e incerto quanto à sua
verificação.

Em virtude do princípio da autonomia privada, a regra geral é a da admissibilidade da


inclusão de condições nos negócios jurídicos (não obstante, a lei, por vezes, consagra
explicitamente a possibilidade de serem apostas condições a certos negócios jurídicos).
Fugindo à regra geral, temos, no entanto, negócios que não podem ser celebrados sob
condição —> falamos de negócios incondicionáveis — casamento (artigo 1618.º/1),
perfilhação (artigo 1852.º/1), aceitação testamentária (artigo 2323.º/2)…
É introduzida uma condição num negócio incondicional —> na falta de estatuição
expressa do legislador, a generalidade da doutrina considera que é de aplicar, por
analogia, o regime do artigo 271.º do CC para as condições ilícitas ou impossíveis

CONCEITO DE CONDIÇÃO
— Tal como no termo, temos na condição um facto futuro —> não há condição se o facto a
que se subordine a eficácia do negócio jurídico for contemporâneo ou passado em relação
ao momento da celebração do negócio.
— Outro requisito da condição —> facto incerto (CF: A incerteza avalia-se em termos
objetivos, e não subjetivos, e respeita à verificação ou não verificação do facto. Assim, se a
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

verificação do facto é certa e apenas é incerto o momento em que ele ocorrerá, deixamos de
poder falar em condição, existindo antes um termo incerto).
IMPORTANTE: a condição pressupõe sempre a existência de certo negócio (se numa doação
se estipula que A doa o prédio X a B, se este casar, a doação já está feita —> a condição
projeta-se somente sobre a eficácia do negócio, quer por dela depender o início da produção
dos efeitos quer a sua cessação).

CONDIÇÃO
Modalidades:

—> É celebrado o negócio jurídico, mas os efeitos do negócio só se começam a produzir na


eventualidade do o facto condicionante se verificar — condição suspensiva! (CF: a
condição diz-se suspensiva quando a produção dos efeitos do negócio fica paralisada
enquanto se não verificar o facto futuro e incerto a que subordina a eficácia do negócio).

Exemplo de condição suspensiva:


— O António arrendou uma casa em Lisboa para o caso de entrar na FDL. O António não sabe
se entra na FDL, podendo tanto entrar como não, pois não tem uma média fantástica.
O negócio já está celebrado, mas os efeitos só se produzem se o António entrar na FDL,
evento futuro e incerto —> Há aqui uma CONDIÇÃO SUSPENSIVA.

—> Os efeitos do negócio produzem-se com a celebração do negócio jurídico e se o facto


futuro se verificar (algo que é incerto), estes cessam — condição resolutiva! (CF: celebrado
um negócio sujeito a condição resolutiva, os seus efeitos produzem-se desde logo, mas, se o
facto condicionante vier a ocorrer, esses efeitos são destruídos).
Exemplo:
No dia 2 de maio, X recebe uma proposta ótima para comprar uma mota.
Dias antes da proposta, X comprou uma rifa em que o prédio é uma mota. Quando celebra o
contrato de compra e venda com a pessoa que fez a proposta da mota, X diz “Eu compro-te a
mota e levo-a” (negócio começa logo a produzir efeitos), “mas se, por ventura, daqui a um
mês, sair-me uma mota na rifa, o negócio fica resolvido” —> Há aqui uma CONDIÇÃO
RESOLUTIVA.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Um dos elementos essenciais do conceito de condição é o de facto incerto quanto à sua


verificação (como já referido, um negócio com uma condição é um negócio cuja eficácia
depende de um facto cuja verificação não é um dado garantido).
Não obstante, pode existir a incerteza da verificação e, contudo, o facto, a verificar-se,
ocorrer em momento certo!
A condição, tal como o termo, pode ser certa quanto ao momento da sua verificação!
Exemplo:
A doa um carro a B, “quando B fizer 18 anos”. B faz 18 anos no dia 24 de maio do ano de 2021.
O facto de que depende a eficácia do negócio (B fazer 18 anos) é um facto incerto, pois pode
verificar-se ou não, consoante B venha a fazer anos ou morrer antes. Contudo, o momento da
verificação da condição, caso ocorrer, é certo, pois sabemos o dia em que B atinge 18 anos.

— Por oposição, temos condições duplamente incertas —> não só a verificação da condição
é incerta, como a condição, a ocorrer, dá-se em momento incerto (exemplo: A doa um carro
a C, “quando C casar” — dupla incerteza: o casamento de C é um facto incerto, visto que C
pode ou não casar-se; se o facto se verificar, este é incerto quanto ao momento da sua
verificação (não podemos dizer, antecipadamente, em que momento é que, verificado o
facto condicionante, este vai ocorrer).

ENTÃO: uma condição é sempre incerta quanto à sua verificação (não sabemos se o evento
se vai verificar ou não); quanto ao momento da verificação, uma condição pode ser certa
ou incerta.

ATENÇÃO:
Por vezes, tratar-se de um termo ou de uma condição depende muito da formulação da
cláusula pelas partes.
— Um negócio cuja eficácia esteja subordinada a uma das partes morrer —> TERMO — todas
as pessoas morrem (não podemos estar perante uma condição, pois na condição a
eficácia do negócio está subordinada a um evento futuro e que não se sabe se vai ou não
ocorrer).
— Um negócio cuja eficácia esteja subordinada ao facto de X morrer antes de Y —> aqui já
estamos perante uma CONDIÇÃO — sabemos que ambos vão morrer (isso é certo), mas
não sabemos quem vai morrer primeiro e, portanto, o facto de X morrer antes de Y é
incerto quanto à sua verificação.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Tal como o termo, por vezes chamamos condição ao próprio evento/facto condicional.
Contudo, em sentido rigoroso, a condição é a cláusula.

Um contrato sujeito a condição (assim como um contrato sujeito a termo) não é um contrato
promessa —> as pessoas podem celebrar um contrato promessa em vez de um contrato
sujeito a condição (depende dos interesses que estão em causa e da perícia das partes)
— Em princípio, um contrato sujeito a condição é mais seguro que um contrato
promessa.
GRANDE DIFERENÇA entre um contrato sujeito a condição e um contrato promessa:
— Contrato sujeito a condição: já existe um acordo definitivo —> apenas a eficácia do
negócio é que não é definitiva, no sentido de que ainda não é certo qual vai ser a extensão
dos efeitos daquele negócio.
— Contrato promessa: é um contrato preliminar —> logo após a celebração do negócio,
ainda não existe um contrato definitivo (este só é feito depois); cada parte tem de proferir
duas declarações negociais (ao contrário do que vemos no contrato sujeito a condição).

CATEGORIA DE “PSEUDO-CONDIÇÕES”
“Condições meramente potestativas”
CF distingue:
Condições…
—> Causais: a verificação do facto condicionante é alheia aos participantes (depende de
uma causa natural ou de ato de terceiro) — exemplo: um contrato de doação sujeito à
sobrevivência de X em relação a Y ou sujeito ao pagamento de uma dívida por parte de
terceiro.
— Potestativas: a verificação do facto condicionante depende da vontade de uma das
partes do negócio.

Os meus pais oferecem-me um carro se eu acabar o curso —> negócio sujeito a condição.
Acabar o curso é algo que, em certa medida, depende da minha vontade —> condição
potestativa (em certa medida, depende de mim a verificação do evento de que depende a
produção de efeitos — acabar o curso).
Contudo, interpretando-se o preceito, conseguimos ver que acabar o curso não é algo
arbitrário — a verificação da condição não é algo que só está ligado à minha vontade, há
todo um leque de circunstâncias que podem levar ou não à verificação da condição!
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Condições meramente potestativas são entendidas pela generalidade da doutrina como


condições não verdadeiras.
Condição meramente potestativa —> é a condição que depende em absoluto da liberdade
de uma das partes ou das duas.
Exemplo: “Vendo-te o meu automóvel amanhã, se estiver para aí virada —> isto, devidamente
interpretado, significa que eu não me quis vincular // a dependência absoluta da liberdade
como que contamina a vinculação.

Geralmente, quando temos uma condição meramente potestativa, nem temos um NJ, pois
não existe, geralmente, uma vontade firme de ambas as partes se vincularem.

Tal como o termo, a condição é muito vulgar.


A condição é extremamente útil —> o futuro é uma dimensão incerta e incontrolável, pelo
que é conveniente, quando celebramos negócios, termos em conta, na medida dos nossos
interesses, as variáveis que podem surgir no futuro e que não controlamos. Com a condição,
conseguimos planear o futuro e evitar riscos — exemplo: não sei se vou ser colocada no
Porto a trabalhar; celebro contrato de compra e venda de um imóvel no Porto sujeito à
condição de ser lá colocada a trabalhar —> mais seguro do que celebrar sem a condição!

Artigo 271.º — requisitos da condição (e não do negócio)


Nos negócios condicionais, temos, para além dos requisitos do artigo 280.º, os requisitos do
artigo 271.º — “é nulo o negócio jurídico subordinado a uma condição contrária à lei ou à
ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes” // Violação do artigo 271.º —> nulidade

Sobre a condição contraria à lei — CF distingue entre condições lícitas e condições ilícitas:
— A licitude ou ilicitude da condição não se afere em função da licitude ou ilicitude do
facto condicionante em si mesmo, mas atendendo ao conjunto do conteúdo do negócio
com cujos efeitos ele interfere.
—> A condição “se matares” é lícita como condição resolutiva de uma doação (“a doação fica
sem efeito se matares X”).
—> A condição “se matares” é ilícita se atuar como condição suspensiva (“a doação só
produz efeitos se matares X”).
No primeiro caso, a condição funciona como elemento dissuador da prática de um crime,
sendo lícita. Por sua vez, no segundo caso, a condição funciona como um estímulo à prática
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

de um crime, sendo ilícita —> o que está em causa é a contrariedade à lei da condição e não
do facto condicionante.

Um negócio com uma condição significa que a vontade das partes é uma vontade
condicional —> a condição não é um acessório, visto que modela toda a vontade.
No exemplo da casa do Porto —> celebro um contrato de compra e venda de um imóvel no
Porto, sujeito à condição de ser lá colocada a trabalhar — se não for colocada a trabalhar no
Porto não quero a casa (ser colocada no Porto não é um extra, mas algo que afeta todo o
negócio).
Consequentemente, não podemos separar a condição do negócio total— por norma, não é
possível reduzir um negócio com uma condição contrária à lei, à ordem pública ou aos
bons costumes, pois TODO O NEGÓCIO É AFETADO.

Há uma condição contrária à lei, à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes, ou uma
condição física ou legalmente impossível —> em qualquer um destes casos, a cláusula que
estatui a condição é nula.
Diferente é o modo como a nulidade se projeta no negócio considerado no seu todo:
— Condição contrária à lei, à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes — a nulidade
da cláusula que estatui a condição “contamina” todo o negócio, não sendo possível a sua
redução (é o que mais se verifica).
— Condição física ou legalmente impossível — para sabermos se a nulidade da cláusula
que estatui a condição física ou legalmente impossível afeta o negócio, não permitindo a
sua redução, temos de atentar no artigo 271º/2.

Artigo 271.º/2: “É igualmente nulo o negócio sujeito a uma condição suspensiva que seja
física ou legalmente impossível; se for resolutiva, tem-se a condição por não escrita”.
— Se a condição física ou legalmente impossível for suspensiva —> a nulidade da cláusula
afeta todo o negócio (em consonância com o que se verifica nos casos anteriores)

“Se a condição for resolutiva, tem-se a condição por não escrita”.


Como vemos, um negócio em que a condição é física ou legalmente impossível e,
simultaneamente RESOLUTIVA, não é um negócio nulo —> a condição tem-se por não
escrita, isto é, desaparece e mantém-se o negócio não condicional (exceção à regra do
artigo 271.º/1 e à primeira parte do n.º2)
Exemplo:
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

“Vendo-te o meu vestido, mas o negócio deixa de produzir efeitos quando as galinhas
tiverem dentes” (a condição é fisicamente impossível, visto que a natureza das coisas não
permite que as galinhas tenham dentes; a condição é resolutiva —> o negócio deixa de
produzir efeitos se as galinhas tiverem dentes, sendo que tanto eu, como o meu comprador
sabemos que isso não vai acontecer).
Como a condição é fisicamente impossível e resolutiva, o que eu quero é manter o negócio
indefinidamente —> aplicando o artigo 271.º/2, parte final, o que temos é o negócio não
condicionado (a condição “quando as galinhas tiverem dentes” foi apagada).

Pendência — período que medeia entre a celebração do negócio e a verificação ou não


verificação do facto condicionante.
— No termo, a pendência é um período que sabemos que vai acabar (porque o termo é certo
quanto à sua verificação).
— Na condição, a pendência é um período que não sabemos que vai acabar (porque a
condição não é certa quanto à sua verificação).
Condição suspensiva—> não sabemos se o negócio virá a ganhar eficácia, nem quando,
embora se saiba que assim pode vir a acontecer.
Condição resolutiva —> o negócio é precário — não se sabe se este virá a perder a sua
eficácia, nem quando.

A incerteza associada à pendência da condição é totalmente distinta daquela que existe


quanto ao termo e, portanto, o legislador preocupou-se, de forma muito mais intensa, com a
pendência da condição.

Artigo 275.º/2
“Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem
prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a
quem aproveita, considera-se como não verificada”.
Exemplo MRR:
Negócio cuja produção de efeitos está sujeita à condição de António morrer antes do Bento.
— Carlos é prejudicado com a verificação da condição e dá um tiro em Bento, para a
condição não se verificar (para António não morrer antes de Bento) —> condição tem-se por
verificada
— Carlos beneficia da verificação da condição e dá um tiro em António, para a condição se
verificar (para António morrer antes de Bento) —> condição tem-se por não verificada.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Exemplos do CF:
— Doação de A e B, sob a condição suspensiva de B estar desempregado ao iniciar os seus
estudos superiores (a doação só produz efeitos jurídicos se se verificar que B se encontrava
desempregado quando iniciou os estudos)
B, que seria beneficiado pela verificação da condição, faz com que esta se verifique,
recusando, sem fundamento, uma proposta de emprego. Como B agiu contra os ditames da
boa-fé, provocando com isso a verificação da condição, a condição tem-se por não
verificada.
— Doação de A e B, sob a condição resolutiva de C sobreviver a B (o negócio deixa de
produzir efeitos se C morrer depois de B).
B tira partido da não verificação da condição (a verificação faz com que a doação com A
cesse os seus efeitos) e, para tal, provoca a não verificação, matando C. Como B agiu contra
os ditames da boa-fé, provocando a não verificação da condição, algo que o beneficia, a
condição tem-se por verificada.

Artigos 271.º a 277.º — condição


A precariedade do negócio sujeito a condição exige a tutela da expetativa de quem virá
possivelmente a ser afetado pela verificação da condição.
Compra e venda sujeita a condição resolutiva —> o atual titular do direito não pode ser
totalmente inibido de agir sobre a coisa ou bem de que é titular sobre condição resolutiva,
porque não se sabe se a condição se irá verificar; contudo, a expetativa do condicional
adquirente sob condição suspensiva não pode também deixar de ser protegida.

Artigo 272.º (artigo geral da pendência da condição)


"Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou
adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição,
segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da
outra parte”.

Exemplo:
No dia 01/02/2020 A vende a sua bicicleta a B, sob a condição (resolutiva) de não comprar
uma mota até ao fim do mês (28/02/2020). A vendeu a sua bicicleta a B no dia 01/02/2020,
mas temos uma condição resolutiva (se A não comprar uma mota no final do mês, A volta a
ser proprietário da bicicleta).
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

No dia 02/02/2020, na pendência da condição (período que ocorre entre a celebração do


negócio e a eventual verificação ou não do facto condicionante), B proprietário da bicicleta,
vende-a a um sucateiro, para a mesma ser destruída.
Quid juris?
—> Artigo 272.º/1 diz-nos que não pode ser assim: apesar de ser proprietário da bicicleta, B
tem, no período de pendência da condição, de agir segundo os ditames de boa-fé, a fim de
não comprometer a legítima expetativa de A, eventual titular da bicicleta. Ao destruir a
bicicleta, está a frustrar a expetativa de A.

Na pendência, o direito ainda não é definitivo —> há uma grande incerteza (o adquirente sob
condição suspensiva só se torna definitivo titular do direito se o facto condicionante se
verificar; o alienante sob condição resolutiva retoma o seu direito se a condição se
verificar e perde-o em definitivo se ela não se verificar).

Artigo 272.º — regra geral


Artigos 273.º e 274.º — normas especiais para atos conservatórios e dispositivos.

Artigo 273.º
Ao adquirente (na condição suspensiva) e o alienante (na condição resolutiva) deve ou
não ser permitida a prática de atos conservatórios do respetivo direito, na pendência da
condição?
Atos conservatórios — visam conservar o direito ou a utilidade do direito do titular da
expetativa jurídica (no exemplo da bicicleta, A é o titular da expectativa jurídica de ainda vir
a ser proprietário da bicicleta —> os atos conservatórios podem-se destinar a proteger não a
situação jurídica, mas a viabilidade económica do direito).

— A expetativa é o processo de construção gradual de um direito —> durante esse processo


construtivo, a lei protege a possibilidade de A vir a ser proprietário da bicicleta.

Artigo 274.º
“Os actos de disposição dos bens ou direitos que constituem objecto do negócio
condicional, realizados na pendência da condição, ficam sujeitos à eficácia ou ineficácia do
próprio negócio, salvo estipulação em contrário”.
Exemplo:
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

A adquire a B, por compra e venda sob condição suspensiva, o prédio X. Na pendência da


condição (um período incerto, em que A ainda não é titular definitivo do prédio), A vende
esse mesmo prédio a C. Por aplicação do artigo 274.º/1, e não havendo estipulação em
contrário, o ato dispositivo de A para C fica sujeito à eficácia ou ineficácia da primeira
compra e venda, isto é, à verificação ou não da condição suspensiva (se a condição
suspensiva se verificar, A é titular do prédio e a venda com C tem efeito; se não se verificar, o
prédio X “volta” para B e a condição não ocorre).

A verificação ou não verificação da condição tem em princípio eficácia retroativa (no


termo, não há esta retroatividade!).
O que significa esta eficácia retroativa?
Os efeitos da verificação ou da não verificação da condição têm-se como produzidos desde
a celebração do negócio —> A (doador) e B (donatário) celebraram uma doação, sob a
condição suspensiva de B acabar a licenciatura em Direito na FDUL. Em 2021, B acabou a
licenciatura em Direito na FDUL e, com isso, a doação produz efeitos. Como a verificação da
condição tem, regra geral, eficácia retroativa, é como se a doação tivesse produzido efeitos
desde o momento em que foi celebrada // contrato sujeito a uma condição resolutiva —
verifica-se o facto condicionante e, com isso, dá-se a resolução — retroativamente, é como
se o contrato nunca tivesse existido.

Há uma exceção —> nos contratos de execução continuada ou periódica, aplicam-se as


regras previstas no artigo 434.º/2 (regras que nos dizem que a retroatividade da condição
não ocorre e apenas se deixam de produzir efeitos a partir do momento em que a condição
se verifica).

Retroatividade da condição —> não abrange os atos de administração, nem os frutos (nos
frutos, aplicamos as regras do possuidor de boa fé - artigo 1270.º e seguintes).
Quer quanto aos atos de administração quer quanto aos frutos, o que é natural é que a
pessoa que é titular da coisa no momento em que é necessário praticar um ato de
administração ou no momento em que há se recolhe o fruto, pratique o ato de administração
ou se aproveite do fruto.

Retroatividade da condição —> uma consequência séria — a retroatividade afeta a produção


de efeitos do negócio e o negócio pode ter impacto na esfera de terceiros.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Por norma, a forma abrange, nos termos do artigo 221.º, a condição —> se o negócio é
formal, as regras de forma quase sempre respeitam à produção de efeitos do negócio; se a
condição afeta a produção de efeitos, esta está sujeita à forma exigida para o contrato.

Atos dispositivos — previstos no artigo 274.º


Estes atos são afetados pela retroatividade da condição —> a condição destrói os atos
dispositivos que tenham ocorrido.
Exemplo: Vendo a bicicleta a Ana, estando a venda sujeita à condição resolutiva de eu não
comprar uma mota. A Ana vende a bicicleta a um terceiro. Nos termos do artigo 274.º, se a
condição se verificar, a eficácia da condição vai afetar o terceiro —> o terceiro vai ter de
devolver a bicicleta.
E se o terceiro não tivesse conhecimento da condição resolutiva? Provavelmente, houve
culpa in contrahendo — a Ana não poderia deixar de informar o terceiro de que o negócio
podia ter sido destruído pela verificação de uma condição.

Modo/encargo — cláusula acessória típica que só existe nos negócios jurídicos gratuitos;
cláusula pela qual as partes estabelecem, a cargo do beneficiário do negócio, uma
obrigação.
Exemplo de modo: ofereço um quadro do Júlio Pomar ao António (beneficiário do negócio),
mas o António fica obrigado a todos os anos, no mês de dezembro, emprestar o quadro à
Gulbenkian.

Cláusula modal:
Artigos 963.º a 967.º, inclusive (artigos relativos à doação) — Trabalhamos MAIS!
Artigos 2229.º e seguintes (a propósito dos testamentos)

O que distingue uma condição de um modo?


No modo, há uma obrigação (no exemplo acima dado: o beneficiário do negócio gratuito, o
donatário, tem a obrigação de emprestar o quadro do Júlio Pomar à Gulbenkian).
Na condição, não há uma obrigação.

Exemplos:
(1) No exemplo acima dado (ofereço um quadro do Júlio Pomar ao António, beneficiário do
negócio, mas o António fica obrigado a todos os anos, no mês de dezembro, emprestar o
quadro à Gulbenkian) —> António está obrigado a emprestar o quadro! Se a obrigação não
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

for cumprida, posso pedir uma indemnização, posso pedir ao Tribunal que obrigue António a
cumprir a obrigação — MODO!
(2) Dou o meu quadro ao António, mas combino com ele que se ele não emprestar o quadro,
regularmente, à Gulbenkian, o negócio fica sem efeito —> não estou a dizer que António é
obrigado a emprestar o quadro à Gulbenkian; o que digo é que António pode fazer o que
quiser (pode emprestar ou não o quadro), na certeza, porém, de que se ele não emprestar o
quadro, o negócio deixa de produzir efeitos — CONDIÇÃO!

A condição suspende ou resolve, mas não obriga.


O encargo obriga, mas não suspende ou resolve.

Contudo, é possível as partes combinarem um modo/um encargo, acordando que o não


cumprimento do modo, dê origem ao direito potestativo de resolver o negócio — artigo
966.º
Artigo 966.º — é possível o doador ter o direito de resolver o negócio pelo não cumprimento
do encargo.

Não obstante, teoricamente estamos perante coisas diferentes:


Doação modal — o beneficiário da doação, o donatário, tem a obrigação de fazer X e a
resolução não é automática (trata-se apenas do direito de resolver se o encargo não for
resolvido)
ISTO NÃO É UMA CONDIÇÃO RESOLUTIVA — não há um evento que, ao se verificar, leva
automaticamente à resolução do contrato.

Por vezes, é muito difícil perceber se determinada cláusula é uma condição ou modo.
Se estivermos perante um negócio oneroso (contrato de compra e venda/arrendamento),
evidentemente estamos perante uma condição, pois o modo é uma cláusula exclusiva dos
negócios.
Contudo, a condição pode existir tanto em negócios gratuitos como em negócios onerosos
—> assim, se estivermos perante uma doação ou testamento, por vezes, é difícil sabermos se
é um modo ou condição
— COMO SABER? Solução é sempre a interpretação do negócio, que deve ser feita
com cautela, porque a diferença entre modo e condição exige muita atenção a
pormenores.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

No limite, se não for possível percebermos se é condição ou modo — recorrer ao


artigo 237.º, segundo o qual, na dúvida, a cláusula é uma condição (o artigo 237.º diz
que, em caso de dúvida, nos negócio gratuitos, prevalece o sentido menos gravoso
para o disponente —> para o doador, o sentido menos gravoso é a condição).

Encargo tem um valor residual —> artigo 963.º/2 (ofereço um quadro Vieira da Silva a
António pelo valor de 50 000 euros a António e o encargo é pagar as minhas dívidas que são
no montante de 51 000 euros —> aqui, há dúvidas, quanto ao facto de eu querer beneficiar o
António).
A circunstância de o modo ser algo extremamente importante em relação ao equilíbrio do
contrato é uma pista significativa de afastarmos o modo e de irmos para a condição.

Sinal — cláusula acessória típica que tem a característica de ser uma cláusula real quod
constitutionem, pela qual uma das partes entrega à outra uma coisa, que pode coincidir
ou não com a coisa devida no contrato que estão a celebrar, e essa coisa é havida como
sinal e antecipação do cumprimento —> pode não ser havida como antecipação do
cumprimento, se as partes querem apenas que aquela coisa valha como sinal (artigo
440.º)

O sinal é uma cláusula muito típica nos contratos promessa (mas não é privativa destes
contratos —> pode ser posta na generalidade dos contratos).
Prometo comprar a casa de A por 300 000 euros nos próximos noventa dias e, com a
celebração do contrato promessa, entrego 10% do valor da casa como sinal.
Generalidade dos contratos promessa —> celebrados com sinal.

Se a pessoa que entrega o sinal, deixar de cumprir o contrato, perde o sinal.


Se a pessoa que recebe o sinal deixar de cumprir o contrato, essa pessoa fica obrigada a
entregar à outra o dobro do que recebeu, que é, na prática, o que foi recebido.

Na celebração do contrato promessa:


Entreguei ao António 30 000 euros como sinal.
— Se não cumprir o contrato, perco o sinal (os 30 000 euros que dei).
— Se António não cumprir o contrato, tem de me devolver 60 000 euros —> 30 000
euros eram meus, pelo que aqui o que António me dá “do seu bolso” são 30 000
euros.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Quanto maior é o sinal, menor é a probabilidade de a pessoa que recebeu o sinal não
cumprir o contrato!

Em Portugal, o regime jurídico do sinal resulta de uma confluência de duas tradições


jurídicas diferentes.
— Por um lado, sinal serve como garantia do cumprimento do contrato, reforçando a
probabilidade de este ser cumprido e liquidando antecipadamente os danos —> esta função
do sinal designa-se por sinal confirmatório-penal.
A esmagadora maioria das regras sobre o sinal são regras supletivas, pelo que é
possível que o sinal funcione de outras maneiras.
— Outra função do sinal: o sinal também serve de preço do arrependimento (serve como
uma forma de limitar a responsabilidade civil contratual — artigo 442.º/4).
A pessoa que deixa o sinal sabe que aquele é o dinheiro que tem de pagar para garantir o
negócio e sabe que, se se arrepender, perde aquele dinheiro.

—> Se tiver sido estabelecido um sinal, não há lugar ao pagamento de valores que excedam o
valor do sinal.
Celebrei um contrato promessa e paguei o sinal de 30 000 euros e, por inúmeras razões, tive
danos no valor de 100 000 euros, valor muito superior ao de 30 000 euros —> não há lugar
ao pagamento de valores que excedam o valor de sinal.

Voltando às CCG — a propósito do conteúdo do contrato.

É normal que as CCG, quanto ao seu conteúdo, sejam desequilibradas:


As cláusulas contratuais gerais são elaboradas previamente por uma das partes (utilizador
das CCG), sem qualquer negociação.
O utilizador das CCG para as utilizar não está, em regra, disposta a alterá-las — rigidez (o
utilizador não está disposto a mudar para ir ao encontro da outra parte)
O utilizador das CCG pensou o seu negócio em função da estrutura contratual que elaborou.

Na negociação —> naturalmente, há equilíbrio (as partes vão ajustando os seus interesses
através de inúmeras cedências, até chegarem a um acordo).
Num cenário pré-contratual em que não há negociação —> as partes não vão ajustando os
seus interesses gradualmente.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Sou a EDP e forneço eletricidade a milhões de portugueses. Elaborei uma minuta de contrato,
que é a estrutura do meu negócio, a forma como quero celebrar contratos com as pessoas
que vou contratar —> é natural que as cláusulas contratuais gerais, quanto ao seu conteúdo,
sejam desequilibradas a favor do utilizador das cláusulas.

Porque se apercebeu do desequilíbrio do conteúdo das CCG, o legislador, quando começou


preocupou-se com o seu conteúdo, para repor o equilíbrio.

Metaforicamente, o legislador disse ao utilizador que ele não pode fazer o que bem entender
(desta forma, compensa-se o desequilíbrio e a falta de liberdade do aderente, pessoa que
adere às cláusulas).
Como é que o legislador repôs o equilíbrio das CCG? Qual o esquema de controlo do
conteúdo das CCG? Cláusulas contratuais gerais proibidas.

Este esquema assenta em 2 grandes mecanismos:

(1) Artigos 15.º e 16.º L.C.C.G—> cláusula geral de boa-fé (a lei proíbe todas as cláusulas
contrárias à boa-fé; o artigo 15.º é a regra geral e o 16.º tem duas concretizações da boa-
fé, que, grosso modo, correspondem ao princípio da tutela da confiança e da
materialidade subjacente).
— O que se pretende é que a parte aderente possa confiar que o contrato é efetivamente
aquilo de que ela estar à espera e que o contrato é consentâneo com aquilo que dele próprio
se pretende.
Exemplo:
Contrato de seguro desportivo (boxe), com inúmeras cláusulas —> o contrato não
pode, na cláusula n.º 10 excluir acidentes provocados por murros — o atleta vai fazer
o contrato de seguro desportivo para se proteger na modalidade que ele pratica e o
contrato em causa não pode excluir precisamente o que é o coração do negócio (no
boxe, os acidentes são provocados por murros).
O atleta tinha a obrigação de ler o contrato, mas a cláusula geral de boa-fé permite que o
atleta esteja protegido contra uma cláusula destes.

Artigos 15.º e 16.º podem funcionar sem os artigos seguintes!


Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

(2) Para além da cláusula geral de boa-fé, temos concretizações específicas (artigos 17.º a
22.º L.C.C.G), que assentam em duas distinções:
1 — Distinção entre categoria de empresário e entidade equiparada (17.º a 19.º) e
categoria de consumidor final.
2 — Dentro de cada uma das categorias, temos cláusulas absolutamente proibidas e
cláusulas relativamente proibidas.

Primeira distinção
O que é um empresário ou uma entidade equiparada a empresário?
Artigo 17.º: Aquele que tem uma empresa, uma entidade produtiva ou exerce profissões
liberais, singulares ou coletivas (pessoa singular ou coletiva), quando intervenham apenas
nessa qualidade e no âmbito da sua atividade específica.
Sou médica —> não é por ser médica que todos os contratos com CCG que celebro são
contratos entre empresários — é preciso que esteja a celebrar o contrato no âmbito da minha
atividade específica (se estou a comprar equipamento médico para o meu consultório, eu
sou uma entidade equiparada a empresário // se estou a celebrar um contrato de
arrendamento, não falamos de um contrato entre empresários ou entidades equiparadas).

O que é um consumidor final?


Artigo 20.º: Todo aquele que não cabe no artigo 17.º, isto é, todo aquele que não é
empresário ou entidade equiparada.

Nas relações entre empresários ou entidades equiparadas — proibições da lei são mais
suaves, pois presume-se que o empresário tem maior poder negocial ou está mais
esclarecido relativamente aos negócios que está a celebrar que o consumidor.

Nas relações com consumidores finais — aplicam-se as proibições constantes dos artigos
18.º e 19.º + as que estão nos artigos 21.º e 22.º.
Na parte dos consumidores finais, há uma maior proteção (maior n.º de cláusulas proibidas),
pois presume-se a maior fragilidade do consumidor.

Segunda distinção — cláusulas absolutamente proibidas vs relativamente proibidas

(1) Proibições absolutas —> “não é permitido celebrar contratos segundo CCG com aquelas
cláusulas, e ponto final”.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

(2) Proibições relativas —> mais complicadas que as absolutamente proibidas — uma
proibição relativamente proibida é aquela que, no caso concreto, pode ser proibida ou
não, de acordo com o quadro negocial padronizado (há casos em que X cláusula é
proibida e outros não)
Quadro negocial padronizado — não é o tipo negocial, nem o caso concreto/o contrato
singular.

MRR pensa que o quadro negocial padronizado é o tipo de negócio que as partes celebraram
tendo em conta aquilo que é normal naquele tipo de negócios.
Exemplo MC:
A compra e venda de um automóvel é um tipo de negócio, mas a compra e venda de um
automóvel novo e de um automóvel usado têm particularidades completamente diferentes.
Cada uma das alíneas dos artigos relativos a cláusulas relativamente (19.º e 22.º) tem um
conceito indeterminado — prazo excessivo, cláusulas penais desproporcionais, graves
inconvenientes. Temos de ver cada conceito indeterminado e, se perante o negócio em
causa, essa exigência contratual é ou não justificada.

Alínea e) do artigo 19.º


Exemplos:
—> Compra e venda de um carro novo
— Um carro novo tem garantia de 5 anos. O concessionário só a garante se o interior do do
carro não forem mexido por um terceiro.
Atendendo ao que custa o carro, e atendendo ao valor da garantia do carro, é justificado que
o concessionário faça depender a garantia de um terceiro não mexer no interior do veículo.
—> Tenho um furo e vou consertar o furo. Passado um tempo, tenho um problema e vou ao
concessionário e este diz-me que não me trata do furo pelo pneu não ser original, por este
ter sido trocado por uma entidade que não o concessionário.
Não é razoável — mudar o pneu não interfere com a segurança da mecânica do veículo.

Se determinada cláusula for absolutamente proibida ou sendo relativamente proibida for, no


caso concreto, proibida — Consequência: NULIDADE (artigo 12.º L.C.C.G).

Artigos 13.º e 14.º


Sendo a cláusula nula, o aderente pode optar pela manutenção do contrato, sendo que na
parte afetada ficam vigentes as normas supletivas aplicáveis.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Se não quiser manter o contrato ou se o contrato, sem as cláusulas nulas, ficar totalmente
desequilibrado —> aplica-se a redução dos NJ.

É vulgar os contratos celebrados segundo CCG serem contratos de pequena importância (do
dia a dia) e, portanto, na maioria das vezes, quando há problemas com X cláusula, as pessoas
não recorrem aos tribunais, pois não se justifica.
A lei no artigo 25.º da L.C.C.G consagra uma novidade no ordenamento jurídico —> ação
inibitória — esta ação é própria de esquemas de tutela de consumidores ou de interesses
difusos.
Lei prevê nas ações inibitórias que a legitimidade para propor à ação caiba não a cada um
dos consumidores, mas a associações de defesa daquelas áreas e/ou Ministério Público e o
objetivo não é tratar de um caso concreto, mas proibir cláusulas abstratas (certas minutas).
Os resultados de ações inibitórias são publicados nos jornais e são normalmente
acompanhadas de sanções pecuniárias compulsórias —> pressão para que o utilizador das
CCG deixe de as utilizar (e todos os outros inibem-se de utilizar aquele tipo de cláusulas).

No século XX, surgiram + leis em torno dos consumidores:


— Verificou-se que uma grande categoria de pessoas que celebrava um enorme n.º de
negócios de modo não profissional com outras pessoas, que celebravam esses negócios de
modo profissional.
As pessoas que celebravam negócios e modo não profissional estavam bastante
desprotegidas em relação a outras.
— Os negócios jurídicos cada vez são mais complexos e, como cada pessoa se restringe a
uma área, quando contrata com outras pessoas, nas áreas profissionais dessas outras
pessoais, está em desvantagem.

Em Portugal, surgiu, em 1996, a Lei 24/96 de 31 Julho —> conhecida por Lei de Defesa dos
Consumidores.
De acordo com esta lei (artigo 2.º/1), “consumidor” é todo aquele a quem sejam fornecidos
bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso não profissional
por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a
obtenção desta lei.
Francisca Caldeira Cardoso TGDC II | 2020/2021

Artigos 8.º e 9.ºB, temos um conjunto de deveres pré-contratuais muito mais desenvolvidos
do que no artigo 227.º —> se estivermos perante um contrato celebrado entre um profissional
e um consumidor, temos de aplicar, em primeira linha, o artigo 8.º e 9.ºB.

A violação de deveres de informação gera o direito de retratação do consumidor, no prazo de


sete dias úteis —> violação de deveres de informação dão ao consumidor o direito de se
desfazer do negócio.

Artigo 7.º/5: Artigo Se, numa mensagem publicitária, o profissional publicitar X, X passa a
fazer parte dos contrato, e, portanto, se X não estiver no contrato, há violação do mesmo.

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