Você está na página 1de 90

Direitos Reais

2º Semestre

Professora Doutora Liberal Fernandes


Autoria: Patrícia Gilvaz

É importante mencionar que estes apontamentos consistem apenas num guia de estudo, por
isso, não é de modo nenhum dispensável a consulta de bibliografia obrigatória.
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

CAPÍTULO I – PARTE GERAL


1. Noção de direito real: as doutrinas realista e personalista. Posição
adotada.

Noção

O Direito Real é o poder direto e imediato sobre uma coisa atribuída pela ordem jurídica a
uma determinada pessoa para que esta possa satisfazer os seus interesses jurídico-privados
(dentro dos limites fixados pela lei).
Segundo Manuel de Andrade e Mota Pinto será um direito subjetivo propriamente dito
que corresponde a uma obrigação passiva universal ou a um dever geral de abstenção. A par
dos direitos reais de aquisição, o exercício de um direito real não constitui, modifica nem
extingue uma relação jurídica, ao mesmo tempo que os obrigados (todos os não titulares do
referido direito) não têm de suportar as consequências do seu exercício.
Deste modo, trata-se de um poder de domínio/soberania que o titular do direito exerce
direta e imediatamente sobre uma coisa certa e imediata, sem que para isso necessite da
interferência de outros – obrigação de non facere.
O que é que isto significa? Trata-se de um poder que incide sobre um objeto sem que haja
intermediação, ou seja, no plano normativo há uma relação imediata de acesso, fruição
mediata (sem intermediação, colaboração de ninguém).
Contrariamente, na obrigação há essa intermediação, isto é, há uma relação entre um
sujeito e um objeto (não tem necessariamente de ser uma coisa) mas entre o objeto e o titular
intervém uma 2ª pessoa; daí se dizer que na obrigação há um poder mediato sobre coisa
enquanto no direito real há o tal poder direto e imediato.
Aquele que entrega uma coisa a outro, por exemplo, o depositário, só o será na medida em
que o proprietário cedeu ou transmitiu a coisa, o que quer dizer que no depósito, só é
depositário porque há uma intervenção do dono da coisa1.

Natureza jurídica

Embora hajam várias teorias que tendem a precisar esta distinção entre direitos reais e
direitos de crédito/obrigações, destacam-se 2 teorias: a teoria realista/clássica e a teoria
personalista.
No entanto, modernamente, a posição adotada é uma posição eclética que se traduz na
mistura das 2 teorias referidas.

a) Teoria realista/clássica
Segundo esta teoria no direito real há uma relação direta e imediata sobre uma coisa 2 (não
há qualquer intermediação entre o titular e o objeto do direito) e na relação obrigacional uma
relação indireta e mediata sobre a coisa (o titular só tem acesso ao direito através da mediação
de outra pessoa, que será o devedor).

1
Não tem necessariamente de ser dono da coisa, também pode ser o depositante.

2
Porque atinge a coisa e prescinde da colaboração de terceiros.
2
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Contudo, uma relação jurídica é intersubjetiva, logo uma relação real sendo intersubjetiva
requer que haja uma relação entre pessoas. Assim sendo, nesta teoria parece faltar a
intersubjetividade já que encara a distinção entre direito real e direito de crédito a partir de
uma perspetiva da relação do titular com o objeto esquecendo a intersubjetividade.
Defendida até ao século XIX, esta teoria surgiu na Idade Média com a Escola dos Glosadores
e dos Comentadores, a partir do conceito romano de ação real (actio in rem). Para estas
escolas há uma relação entre o titular do direito e a própria coisa, pelo que substituíram o
conceito de ação real pelo de direito e passaram a falar em direito real.
Surgiram críticas no sentido de que considerando que o direito se trata de um fenómeno
social que apenas existe porque os homens convivem, considerar que no direito real existe
uma relação entre uma pessoa e uma coisa tem apenas um valor metafórico.
Assim sendo, o tal poder direto e imediato sobre a coisa mais não será do que uma mera
consequência jurídica do poder de impor uma abstenção a todos os restantes indivíduos.
É ainda de acrescentar que há direitos reais que não atribuem qualquer poder direto e
imediato sobre a coisa, ao mesmo tempo que existem diretos que, apesar de não terem
natureza real, têm este poder direito e imediato possibilitando uma atuação jurídica
semelhante à dos direitos reais (tal como acontece com os diretos pessoais de gozo).
Por todos estes motivos surgiu uma outra teoria – a teoria personalista.

b) Teoria personalista
A teoria personalista surgiu em resposta à teoria realista. Segundo esta, o direito real é um
direito erga omnes, ou seja, impõe-se a todas as pessoas. Por outro lado, os direitos de crédito
opõem-se a pessoas certas e determinadas (credor e devedor).
Foi uma teoria defendida no século XIX pela Pandectística alemã e de inspiração pelo
pensamento kantiano.
Nesta teoria predomina a ideia de intersubjetividade e os seus autores consideram que
esta é um elemento essencial da relação jurídica. Nesta medida, o direito real será como que
um poder atribuído a uma pessoa para que esta possa excluir os demais da ingerência na coisa
que é seu objeto.
Passamos a estar numa relação do homem com os homens sujeitos a uma obrigação
passiva universal.
Surgiram as críticas e que esta teoria representa uma visão jurídica que desconsidera o
conteúdo do direito e sobrevaloriza o momento sancionatório. Para além disso, a obrigação
não tem conteúdo patrimonial e por isso não pode ser a contrapartida do direito real.
Acrescenta-se que ignora que o núcleo da relação real é o domínio do titular sobre a coisa, o
que leva a que o dever geral de abstenção surja como efeito desse poder. Por último, é
absurdo ao considerar que do lado passivo se encontram a generalidade dos homens.

c) Teoria eclética (ou mista)


Esta teoria originária da Alemanha rapidamente se difundiu noutros países europeus, entre
os quais Portugal, e procura conciliar a teoria clássica com a teoria personalista.
Como se distingue o direito real do direito de crédito quanto à sua natureza? O direito de
crédito pode abranger coisas e não coisas, ao passo que o direito real abrange apenas não
coisas. Deste modo, a teoria adotada é o resultado da junção das 2 teorias anteriores.
É adotada uma posição eclética: o direito real é um poder imediato sobre uma coisa que
se opõe à generalidade das pessoas. Esta posição inclui os 2 elementos: o poder sobre a coisa
e o poder sobre os outros.

3
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Quer os direitos reais quer os direitos de crédito são direitos patrimoniais que incidem
sobre bens 3.
Contudo, importa delimitar a eficácia erga omnes. Quando falamos numa relação jurídica
temos de falar na ordem jurídica que a tutela.
Atualmente, os direitos reais são regulados pelas diferentes ordens jurídicas nacionais,
embora não possamos ignorar que esta realidade recebe influências de outras ordens
jurídicas. Nas relações patrimoniais ainda existe a invocação da competência nacional, não
podemos ignorar que o seu efeito erga omnes tem a ver com a ordem jurídica que regula a
relação jurídica. Quando falamos em direitos reais referimo-nos aqueles que se impõem a
todas as pessoas abrangidas pela ordem jurídica que tutela uma determinada relação
jurídica.
Em Portugal quem são as pessoas abrangidas pelo direito real? O direito real abrange
tosas as pessoas sujeitas à ordem jurídica portuguesa, aquelas pessoas que estão no território
português.
Se na obrigação há o dever de fazer, não fazer ou de entregar 4 e é nestes que se
consubstancia a intersubjetividade, então e em relação aos direitos reais? Às pessoas
abrangidas por um direito real na nossa ordem jurídica recai o dever de não interferir naquele
poder direto e imediato, o que se costuma designar como obrigação passiva universal. Há
uma obrigação limitada à respetiva esfera jurídica que regula essa relação real de não
interferência.
A concretização da obrigação passiva universal é uma obrigação pura e simples de não
interferir, de deixar o titular exercer o seu direito, não há qualquer obrigação para com o
titular a não ser uma obrigação de indiferença/abstenção, no sentido de não perturbar a
relação real. Por outro lado, na obrigação de non facere existem deveres específicos de não
fazer determinada coisa.
A teoria clássica/realista exprimia aquilo que era o mais evidente na relação jurídica real.
O que caracteriza a essência do direito real é precisamente o poder direto e imediato sobre a
coisa5. Este é o aspeto nuclear da relação real e que se traduz na teoria realista.
Numa perspetiva mais jurídica surgiu a teoria personalista que levantou a questão da
intersubjetividade. A relação real é intersubjetiva, mas como a intersubjetividade tem um
conteúdo mínimo, inicialmente esta teoria foi desprezada pela teoria realista.
De facto, para distinguirmos o direito real do direito de crédito temos de referir o poder
direto e imediato do direito real. É a imediação que distingue o direito real dos outros direitos,
designadamente dos outros direitos de natureza patrimonial.
Assim sendo, são de salientar 2 aspetos: a relação da pessoa (titular) com a coisa e a relação
do titular com as outras pessoas. Consequentemente, distinguimos 6:
• Lado interno do direito real – poder direto e imediato. O poder direto existe porque há
um dever de abstenção de todos os outros (poder direto e imediato), o que é uma
consequência do facto de sobre as outras pessoas recair uma obrigação passiva de não
interferência. É o plano funcional/instrumental que possibilita distinguir entre os vários
direitos reais;

3
A noção de bens é mais ampla do que a noção de coisas. Deste modo, uma obrigação tem um objeto mais
amplo do que um direito real.
4
É no poder de fazer, não fazer ou de entregar que se consubstancia a intersubjetividade.
5
O acesso do titular às coisas deve ser feito sem qualquer intervenção ou imediação.
6
O lado interno e o lado externo são podem ser dissociados, apenas são tratados em separados por uma
questão pedagógica.
4
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Lado externo do direito real – eficácia erga omnes do direito real. Traduz-se na relação
entre o titular do direito real e as demais pessoas. Diz respeito ao plano estrutural ou
essencial do direito real. Segundo Orlando de Carvalho, o direito real distingue-se do
direto de crédito através do lado interno 7 e do lado externo8.

Nesta teoria alguns autores chamam a atenção para a relação universal, referindo que não
podemos deixar de atender aos poderes sobre a coisa; outros defendem que a relação
universal é um mero reflexo da posição do titular do direito real 9.
Por outro lado, sob pena de não compreendermos o seu funcionamento, não devemos
abstrair-nos da ligação do direito real com o direito de propriedade.
Quando referimos o tal poder direto e imediato sobre a coisa temos de perceber que
estamos perante uma determinada ordem jurídica, em que essa noção tem como protótipo o
direito de propriedade10, que é o direito que confere mais poderes ao titular da coisa. Na sua
plenitude, o poder direito e imediato só existe no direito de propriedade. Por definição, a
propriedade compreende a plenitude dos poderes que se pode exercer sobre uma dada coisa.
É ainda de acrescentar que os direitos reais serão diferentes consoante a natureza do objeto.
Quando falamos de forma abstrato no direito real em geral devemos ter a ideia de que o
poder pleno, direto e imediato se exprime melhor através do direito de propriedade, embora
tenha limites. Não obstante, o direito de propriedade é aquele que confere uma maior
densidade de poderes e faculdades ao respetivo titular.
Por isso, os direitos reais de gozo e os direitos de garantia são sempre derivações do direito
de propriedade (são indissociáveis). Consequentemente, toda a relação dominial gira à volta
do direito de propriedade, sendo uma aproximação ou uma derivação/consequência.
Conclui-se que a noção de direito real não pode ser dissociada da relação dominial em
que se funda a relação entre as pessoas, sendo que essa relação radica no direito de
propriedade.
Para além das críticas apontadas às outras teorias é de acrescentar que a teoria eclética
procura uma harmonia entre as outras 2 teorias que é meramente aparente e verbal.
Atendendo às características dos direitos reais (eficácia absoluta, prevalência, sequela,
sujeição ao princípio da tipicidade), a doutrina eclética expressa com maior fidelidade o
regime jurídico dos direitos reais.

7
No lado interno do direito de crédito o poder do titular incide imediatamente sobre o comportamento de
outrem (prestação); no lado interno do direito real o poder incide imediatamente sobre uma coisa.
8
Aos direitos de créditos confere-se uma tutela relativa, dirigida contra a(s) pessoa(s) certa(s) e
determinada(s), ou seja, o(s) devedor(es); os direitos reais têm uma tutela absoluta erga omnes, dirigida
contra a generalidade das pessoas que podem interferir com o exercício desses direitos.
9
Esta posição é defendida por Henrique Mesquita quando o autor se sustenta na base da relação jurídica
enquanto relação da vida ordenada pelo Direito e, por isso, pode dizer respeito quer a uma relação entre
pessoas quer entre uma pessoa e um determinado objeto.
10
A propriedade distingue-se da posse. A posse não é um direito real, mas não pode dissociar-se dele.
5
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

2. Modalidades dos direitos reais


a) Direitos reais de gozo
Os direitos reais de gozo conferem ao titular a possibilidade de usar, fruir e dispor da coisa;
por outras palavras, traduz-se no poder/faculdade que o titular tem para utilizar (total ou
parcialmente) da coisa que tem por objeto e também, por vezes, de se apropriar (total ou
parcialmente) dos frutos produzidos. Nesta medida, o proprietário é aquele que tem o direito
mais denso, é aquele que tem mais faculdades.
Estes direitos satisfazem uma função económica que se manifesta numa trilogia clássica:
1. Ius utendi (direito de usar) – poder de utilizar a coisa;
2. Ius fruendi (direito de fruir) – poder de retirar as utilidades que a coisa produz
periodicamente (frutos naturais e civis);
3. Ius abutendi (direito de dispor) – poderes matérias (transformação) e jurídicos (alienar,
onerar, renunciar).

Quais são os direitos reais de gozo? O direito de propriedade (artigo 1305º do CC), a
propriedade horizontal (artigo 1414º do CC), o direito de usufruto (artigo 1439º do CC), o
direito de uso e habitação (artigo 1484º do CC), o direito de superfície (artigo 1524º do CC), a
servidão predial (artigo 1543º do CC) e o direito de habitação periódica (DL nº 275/93, de
05/08).
Existem outros direitos reais de gozo que também conferem faculdades, mas fazem-no
numa escala mais reduzida – direitos reais menores.
O direito de propriedade confere a plenitude dos poderes, ao passo que os outros direitos
reais de gozo menores conferem uma densidade de poderes, mas têm como limite o direito
do proprietário.
Quais são os direitos reais menores? O direito de usufruto, direito de uso e habitação,
direito de superfície e a servidão. Todos estes direitos existem porque há um direito de
propriedade na sua origem que não se extingue pelo facto de existir um direito real menor.
Tratam-se de direitos que se confrontam com o direito de propriedade, pelo que têm de
suportar certas faculdades que se mantém no direito de propriedade.

b) Direitos reais de garantia


A noção de direito real de garantia leva-nos a aludir ao contrato-promessa com eficácia
real (promessas reais), às preferências reais (convencionais ou legais) e aos direitos
potestativos.
O que é um direito real de garantia? É de referir o penhor (artigo 666º e seguintes do CC),
a hipoteca (artigo 686º e seguintes do CC), a consignação de rendimentos (artigo 656º e
seguintes do CC), privilégios creditórios (artigo 733º e seguintes do CC) e o direito de retenção
(artigo 754º e seguintes do CC). Podem existir outras garantias, mas são estes os 5 direitos
reais de garantia de 3º.
Os direitos reais de garantia são indissociáveis de uma relação de crédito (credor-devedor),
motivo pelo qual apesar de se tratarem de direitos reais alguns estão previstos no Livro das
Obrigações. Por definição, por estarem ao serviço de um direito de créditos, os direitos reais
de garantias são instrumentais.
Deste modo, não havendo direito de crédito não pode haver direito real, é um direito
acessório no sentido de que para se constituir é necessário que haja uma relação obrigacional
e extinguindo-se obrigação extingue-se imediatamente o direito real de garantia.

6
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Para evitar os efeitos de alguns atos processuais que saiam frustrados podemos recorrer
no processo civil ao direito que resulta do arresto depois da conversão em penhora (âmbito
dos procedimentos cautelares) e ao direito real derivado da penhora (âmbito do processo de
execução).
Podemos ainda referir que o direito real de garantia é o poder que o credor tem sobre uma
coisa de outrem (devedor ou 3º), é o poder do titular se fazer pagar em caso de
incumprimento, ou seja, serve precisamente para garantir o pagamento da dívida, é o valor11
da coisa e não a coisa em si.
O aspeto nuclear do direito real de garantia é o facto de que este se exerce com
preferência sobre os outros credores que não disponham de um direito real de garantia.

c) Direitos reais de aquisição


Em matéria de direitos reais a nossa lei confere algumas situações de aquisição potestativa,
é o direito de adquirir um direito real que se impõe a um sujeito. O direito real de aquisição
é um direito que pelo seu exercício permite a aquisição de um outro direito real, seja de
gozo, seja de garantia e, excecionalmente, de crédito (no âmbito do arrendamento).

Por último, tem-se a dizer que em relação à posse há quem entenda que se trata um direito
real. Contudo, parece tecnicamente errado dizê-lo, já que se trata de uma contradição na
medida em que existe uma norma que determina uma presunção de que a posse é um direito
real. Se dizemos que a posse é um direito como pode presumir-se a si mesma? Nesta medida,
vamos assentar na ideia de que a posse é um poder de facto com tutela jurídica.

3. Obrigações reais e ónus reais.


As obrigações reais e os ónus reais são figuras híbridas e residuais que não encaixam nem
na classificação de direito real nem na de direito de crédito.

Obrigação real

As obrigações reais também se podem designar por obrigações propter rem ou ob rem e
são encargos que recaem sobre o titular do direito real, ou seja, é o vínculo jurídico a que o
titular de um direito real está adstrito para com outra pessoa para a realização de uma
prestação positiva (dare/facere). Assim sendo, o devedor terá de ser o titular de um direito
real, ao mesmo tempo que o credor poderá ou não ser titular de outro direito real12.
Existe uma relação de necessidade jurídica, de implicação jurídica, já que em certas
situações se verifica que quem é titular de um direito real assume uma obrigação por causa
dessa titularidade – acessoriedade.
A acessoriedade deve-se ao facto de existir uma obrigação que é acessória a um direito
real e significa que só existe enquanto existir obrigação, isto é, extinguindo-se a obrigação
também se extingue o direito real.

11
Diz respeito ao valor de bens certos e determinados.
12
Se o credor for titular de um direito real falamos de um crédito propter rem.
7
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Por outro lado, a determinação do sujeito passivo (devedor) é feita pela titularidade do
direito real, é ele que é o devedor. Isto não tem a ver com o conteúdo do direito real, mas sim
com a relação funcional. Também podemos falar numa relação estrutural que tem a ver com
a sua existência, a nível da titularidade, do direito real e da obrigação.
Para perceber esta noção o elemento mais determinante é perceber a relação funcional
porque a obrigação está associada ao exercício de um direito.
Supondo o caso da propriedade horizontal. O pagamento do condomínio é uma obrigação
real imposta por lei que está juridicamente ligada à titularidade da fração.
Também podemos referir o exemplo da compropriedade. Os comproprietários estão
obrigados à administração da coisa e estas também são obrigações reais.
Assim sendo, da definição de obrigação real resulta que:
• Com a transmissão do direito real transfere-se igualmente a obrigação porque o que
determina a transmissão da obrigação, e porque ela é inseparável do direito real, é a
transmissão do direito real. Quer isto dizer que eventuais incumprimentos da obrigação
real não se transferem (exemplo: Se um condómino não pagar num determinado mês as despesas do
condomínio essa dívida não irá transferir-se para o comprador, a sua obrigatoriedade não se transfere
porque diz respeito ao titular do direito real.);
• Transmitido o direito real o adquirente assume obrigatoriamente as obrigações vencidas
na pendência do seu direito. O adquirente passa a ser responsável pelas dívidas do
vencidas a partir de uma certa data;
• Para o proprietário se desonerar das despesas tem de alienar o bem.

É ainda de referir que a obrigação real não deve ser confundida com a obrigação que
resulta da responsabilidade extracontratual, fruto de um dano causado culposamente a um
direito real – são obrigações que incidem em indemnizações13. Por outro lado, as obrigações
reais não pressupõem necessariamente um ato ilícito, culposo e danoso do agente.

a) Exemplos de obrigações reais

São exemplos de obrigações reais:


• No título constitutivo de uma servidão, o proprietário do prédio onerado com a tal
servidão assume a obrigação de pagar as despesas relativas às obras necessárias para o
exercício da servidão (artigo 1567º, nº1 do CC). Trata-se de uma obrigação real porque
quem quer que venha a ser proprietário do prédio onerado com a servidão será obrigado
a suportar as referidas despesas;
• O titular de um direito de habitação periódica está obrigado a pagar anualmente ao
proprietário do imóvel uma prestação pecuniária fixada no título constitutivo ou
calculável segundo o critério indicado (artigo 18º do DL nº 130/89, de 18 de abril). O
titular do direito real, seja ele quem for, será obrigado a satisfazer a prestação;
• O proprietário de um edifício/obra em risco de ruir (e em consequência disso possam
resultar danos para o prédio vizinho), será obrigado a tomar as devidas diligências para
eliminar o perigo (artigo 1350º do CC). Desta obrigação é devedor o proprietário.

Devido ao seu conteúdo negativo não são obrigações reais:

13
Estas obrigações resultam de um ato ilícito, danoso e culposo do agente.
8
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Qualquer proprietário dum prédio tem a obrigação de não construir nem manter no seu
prédio obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas se recear
que estas poderão vir a ter efeitos nocivos não permitidos por lei (artigo 1347º, nº1 do
CC);
• O dono do prédio inferior e o dono do prédio superior não podem fazer obras que,
respetivamente, incomodem ou agravem o escoamento natural das águas (artigo 1351,
nº2 do CC);
• O proprietário não pode abrir, no seu prédio, minas ou poços nem fazer escavações que
impeçam aos prédios vizinhos o apoio necessário para evitar o
desmoronamento/deslocações de terra (artigo 1348º, nº1 do CC).

Por fim são de assinalar situações que decorrem da violação do estatuto de direito real:
1. Sem existir qualquer servidão de escoamento, o proprietário de um prédio rústico
desvia o curso natural das águas pluviais, o que agrava a situação dos proprietários dos
prédios inferiores 14;
2. O proprietário de um prédio urbano abre uma janela virada para o prédio vizinho, a
menos de 1,5 metros da linha divisória 15.

A lei não refere expressamente aquelas obrigações. Há quem entenda que as obrigações
reais são apenas aquelas que a lei direta e expressamente prevê bem como aquelas que
permite criar por negócio; por outro lado, também há quem defenda que são reais as
obrigações que resultam da violação do estatuto de um direito real. Esta é a doutrina que
parece ser a mais adequada aos interesses dos proprietários dos prédios vizinhos – o
proprietário tem o dever de destruir a obra realizada ou de a pôr em sintonia com a lei.
Por último, é de referir que as obrigações reais podem surgir no âmbito das relações de
vizinhança16.

b) Regime jurídico
Estruturalmente, as obrigações reais são verdadeiras obrigações, isto é, são vínculos
jurídicos mediante os quais a pessoa (titular do direito real) fica adstrita para com outra à
realização de uma prestação, embora esta ligação com os direitos reais ofereça alguns desvios
relativamente ao regime geral das obrigações:
1. Subordinação ao princípio do numerus clausus;
2. Prescrição (enquanto se verificarem os seus pressupostos a obrigação real mantém-se
por usucapião, sem prejuízo da constituição de um direito incompatível);
3. Renúncia liberatória (ato pelo qual o devedor põe o direito real à disposição do credor,
extinguindo automaticamente a sua obrigação real17).

Ainda assim importa distinguir as seguintes questões:

14
O proprietário deve repristinar a situação material anterior às obras.
15
O proprietário terá de tapar a janela ou transformá-la numa abertura em que as medidas obedeçam aos
limites estabelecidos por lei.
16
Exemplo: Demolição de uma obra não licenciada ordenada pela CM ao abrigo do Regulamento Geral das
Edificações Urbanas, visto que o proprietário não o fez no prazo fixado. Esta omissão do proprietário traduz-
se numa violação de um dever imposto pelo Direito público e incorre numa contraordenação punível com
coima.
17
É um direito potestativo porque o credor não pode impedir o seu exercício pelo devedor.
9
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• O devedor é comproprietário ou titular de um direito de usufruto, de servidão, de


superfície ou de habitação periódica, ao passo que o credor é ao mesmo tempo
comproprietário, titular da propriedade, proprietário do prédio serviente, proprietário do
solo/edifício. O proprietário adquire automaticamente do devedor a propriedade plena
por força do princípio da elasticidade;
• O devedor é titular de um direito de propriedade, mais precisamente do prédio serviente,
tendo assumido a obrigação de pagar as despesas relativas à reparação da servidão
(artigo 1567º, nº1 do CC). Por um lado, há quem advogue que este direito se transmite
ao credor por mero efeito da declaração da renúncia; por outro lado, há quem rejeite esta
solução, na medida em que contraria o princípio segundo o qual ninguém deve ser
afetado na sua esfera jurídica, ainda que favoravelmente, em consequência de uma
declaração negocial de outrem. Segundo esta doutrina, a declaração negocial libera o
devedor da obrigação real. Deste modo, a renúncia tem 2 funções: liberar o devedor da
obrigação e pôr o imóvel à disposição do credor (poderá adquiri-lo caso seja essa a sua
vontade)

c) Natureza jurídica
A doutrina divide-se em relação à natureza das obrigações reais, sendo que podemos
destacar 2 posições:
• Personalista – a obrigação real é um vínculo obrigacional acessório (e como tal não
autónomo) da relação jurídica real. Esta acessoriedade vem justificar os desvios que se
verificam relativamente ao regime geral das obrigações.
Esta é a doutrina dominante;
• Realista – a obrigação real faz parte do conteúdo de um direito real, muito embora
estruturalmente constitua uma obrigação.
Esta tese é defendida por Henrique Mesquita, segundo o qual o direito real engloba não
só os poderes que são conferidos ao seu titular bem como as restrições/limites da sua
atuação, mas também as vinculações de conteúdo positivo (obrigações reais) a que está
adstrito.

Ónus real

a) Noção. Elementos.
No que diz respeito ao ónus real há a dizer que se define como a relação da qual resultam
situações em que há um encargo sobre uma determinada coisa, que constitui o objeto ou a
causa desse efeito (exemplo: 1. Artigo 959º, nº1 do CC – o doador pode reservar para si o direito de dispor,
mas o donatário aceita ou não. O ónus não tem um caráter de necessidade, há uma relação estrutural que não
se impõe, decorre da vontade das partes; 2. Artigo 2018º do CC – há uma relação estrutural.).
Do lado ativo, o ónus real é constituído pelos seguintes elementos:
• Direito a exigir periodicamente uma determinada prestação ao titular (na data do
vencimento) do direito real de gozo sobre a coisa onerada;
• Em sede executiva, a faculdade de obter a prestação à custa da coisa onerada, com
preferência sobre os credores que não apresentavam melhor garantia.

10
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Daqui se conclui que o devedor é o titular do direito real que versa sobre a coisa onerada
até ao vencimento da prestação. Nesta medida, se o direito real for transferido, o devedor das
obrigações vencidas é o alienante e o das vincendas será o adquirente. Contudo, como o ónus
incide sobre a coisa, o credor pode avançar para a sua execução independentemente do
titular, tendo prioridade sobre os demais credores.

b) Natureza jurídica
Nesta questão a doutrina divide-se. Por um lado, há quem considere que o ónus real é um
direito real de garantia assegurado por uma hipoteca legal; por outro lado consideram-no um
direito real suis generis; outros vêm-no como um direito real de garantia.
Menezes Cordeiro defende que o ónus real é um direito real de aquisição já que
“proporciona ao seu titular o aparecimento de créditos.”
Oliveira Ascensão distingue entre 2 situações:
• Prestação é uma percentagem dos frutos – o titular participa do aproveitamento da coisa,
pelo que se trata de um direito absoluto e inerente, logo um direito real;

• Prestação é fixa – não há qualquer ligação entre o direito e as utilidades da coisa, logo os
ónus reais reduzem-se a créditos, cujo sujeito passivo está mediatamente definido
através da titularidade de um direito real de gozo. Não há ligação entre a prestação e o
aproveitamento da coisa, uma vez que a titularidade do direito real serve somente para
determinar o sujeito passivo. Todavia, é possível que surjam ónus reais como verdadeiros
direitos reais.

As figuras do ónus reais são mais limitadas porque a sua importância tem vindo a diminuir.
O rendimento do ónus advém dos lucros proporcionados pelo objeto em causa. Enquanto nas
obrigações temos uma relação entre 2 direitos, no ónus real temos a ligação entre a obrigação
e uma coisa (serve de garantia), sendo o responsável o titular do direito real sobre a coisa.
Ainda em relação ao ónus real, para além de servir de garantia, é de referir a sua eficácia
erga omnes. Constituído o ónus, há uma eficácia erga omnes, ao contrário do que acontece
numa obrigação.

4. Características dos direitos reais


As características dos direitos reais são corolários da noção adotada. Podemos dividir entre
as características associadas ao lado interno e as características referentes ao lado externo,
sendo estas últimas as mais importantes.
No que toca ao lado interno (poder direto e imediato) temos a dizer que se o direito real
for violado daí que resulte uma consequência da violação e não do conteúdo do direito.
Relativamente ao lado externo (eficácia erga omnes), as características mais importantes
são a eficácia e a sequela.

11
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Eficácia absoluta
O poder direto e imediato de um titular de um direito real tem sobre o seu objeto a
obrigação de todas as pessoas o respeitarem, não devendo elas nada fazer de modo a impedir
o exercício desse mesmo direito – são direitos de exclusão com uma eficácia erga omnes.
A característica da eficácia absoluta é determinante para o princípio do numerus clausus e
a esta ligam-se outras como a sequela e a prevalência.

Sequela

A sequela18 diz respeito ao direito real seguir a coisa que é seu objeto.
Encontramos esta características na ação de reivindicação 19 , que se pode manifestar
através da ação confessória20.
Enquanto o titular do direito o exercer durante o prazo estipulado, o seu exercício é sempre
oponível ao proprietário (exemplo: Usufruto – artigo 1476º do CC.)
A sequela pode ainda manifestar-se noutros domínios quando não haja um contacto
direito com a coisa:
• Hipoteca – possibilidade de o credor hipotecário vender a coisa, quer esta continue a
pertencer ao proprietário, quer esta acabe por pertencer a 3º;
• Direito real de aquisição – possibilidade de o titular adquirir a coisa alienada por quem,
através do contrato-promessa com eficácia real, do pacto de preferência com eficácia real
ou através de lei, esteja vinculado a dar preferência e não cumpra essa obrigação.

Assinalam-se as seguintes exceções à sequela:


• Alienação de imóvel (ou móvel sujeito a registo) – quando seja precedida de um negócio
jurídico cujo vício justifique a sua invalidade, será declarado nulo ou anulado e os direitos
adquiridos por 3º de boa-fé, a título oneroso, mesmo sobre os bens não prejudicados,
desde que:
➢ Nos termos do artigo 291º, nº2 do CC, a ação de declaração da nulidade ou anulação
não seja proposta nos 3 anos seguintes à data da conclusão do negócio;
➢ Como consta do artigo 291º, nº1 do CC, o 3º registe a sua aquisição num momento
anterior ao registo da ação ou do acordo entre as partes relativamente à invalidade
do negócio (exemplo: A vendeu um prédio a B, que vendeu o mesmo prédio a C. Se o 1º negócio
sofrer de um vício de nulidade ou invalidade o regime da retroatividade, constante no artigo 289º, nº1
do CC, leva a que o prédio continue a pertencer a A, pelo que poderá reaver a propriedade. Contudo,
desde que verificados os requisitos do artigo 291º do CC, os referidos efeitos não se podem impor a C,
logo A não poderá reivindicar o prédio.)

Esta solução irá permitir um equilíbrio entre os interesses que legitimam a invalidade do
negócio e os interesses do 3º e do tráfico.

18
Também designada por direito de perseguição e direito de seguimento.
19
Permite ao titular do direito real de gozo obter o reconhecimento do direito à restituição que lhe pertence
(ubi rem meam invenio, ibi vindico).
20
É uma ação declarativa de simples apreciação.
12
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Prioridade do registo – a sequela não existirá se a lei fizer depender do registo a eficácia
do direito no que toca a 3ºs adquirentes da totalidade ou de parte do direito real
incompatível.

É de acrescentar que já não será uma exceção à sequela a aquisição non domino da coisa
móvel, visto que, mesmo que o adquirente esteja de boa-fé, o proprietário poderá reivindicá-
la. Assim sendo, apesar de entre nós não estar consagrado o princípio segundo o qual nas
situações em que há uma aquisição de boa fé ao comerciante, o adquirente se torna
proprietário e a restituição não lhe é exigida, apesar de se verificar uma necessidade de
proteger interesses do comércio.

Nesta medida, embora também não se trate de uma exceção ao direito de sequela,
permite-se que o proprietário exija a coisa a 3º de boa-fé, desde que o preço seja restituído
ao comerciante, assim como gozará do direito de regresso contra aquele que culposamente
lhe causar prejuízo.

Prevalência

Antes de mais, importa distinguir entre direito real e direito real. Sendo o direito real um
direito direto e imediato, isto quer dizer que os 1º s direito reais prevalecem sobre os
sucessivos direitos reais, desde que compatíveis. Não pode existir um mesmo poder direto e
imediato com o mesmo conteúdo sobre a mesma coisa. No entanto. É possível existirem
múltiplos direitos reais sobre a coisa desde que tenham conteúdos diferentes.
Também designada por direito de prevalência esta característica refere-se à prevalência
dos direitos reais sobre os direitos de crédito 21 assim como sobre os direitos reais constituídos
posteriormente (quando sejam total ou parcialmente incompatíveis 22).
No entanto, a doutrina divide-se:
1. Recusam a prevalência enquanto característica dos direitos reais;
2. A favor da prevalência como característica dos direitos reais;
3. Apenas existe preferência nos direitos reais de garantia sobre a mesma coisa. Esta
posição é adotada por Pinto Coelho, já que considera que não existe preferência sobre
uma coisa quando estejam em causa direitos reais de natureza diferente 23, direitos da
mesma natureza, mas espécie diferente24 ou então direito da mesma natureza e cuja
espécie não entre em conflito25.

21
O direito real prevalece sempre sobre o direito de crédito, o que significa que se alguém for titular de um
direito de crédito e o proprietário desse bem transferir a coisa, extingue-se o direito de crédito porque o novo
direito real vai prevalecer sobre o anterior direito de crédito.
22
A titularidade de um direito real, quando é transferida por contrato, tem uma eficácia absoluta que confere
automaticamente preferência sobre outro direito real incompatível cujo objeto seja o mesmo – artigo 408º,
nº1 do CC.
23
Exemplo: direitos de crédito e direitos reais.
24
Exemplo: servidão e usufruto.
25
Exemplo: compropriedade.
13
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Embora a prevalência seja uma das características dos direitos reais não se manifesta
apenas nestes, já que se pode aplicar a alguns direitos de crédito, tais como o privilégio
mobiliário geral ou ainda a concessão a diferentes pessoas (através de contratos sucessivos)
de direitos pessoais de gozo incompatíveis.
São ainda de ressalvar algumas exceções à prevalência:
• Prioridade do registo – quando a lei atribua eficácia ao registo perante 3ºs, se o 1º
adquirente não registar a aquisição então terá preferência sobre o 2º adquirente (quando
tenha registado o seu direito);
• Privilégios creditórios imobiliários – nos termos do artigo 751º do CC, preferem sobre a
consignação de rendimentos, a hipoteca e o direito de retenção (quando constituídos
anteriormente);
• Valor relativo do direito de preferência (artigo 422º do CC) – o direito real que resulte de
contrato cede perante um direito legal de preferência 26.

Inerência

A inerência refere-se à ligação dos direitos reais às coisas que constituem os seus objetos
e através das quais se satisfazem os seus titulares. Deste modo, se o objeto mudar o direito
real também muda, tal como refere Menezes Cordeiro quando diz que “não é juridicamente
possível transferir o mesmo direito real de uma coisa para outra” pois, caso isso acontecesse,
assistiríamos a uma extinção do direito real e constituição de um novo direito real.
É também importante não esquecer que a inerência não se confunde com a imediação
nem com o poder direto, já que nos direitos reais (de aquisição) interessa ao titular adquirir
o direito sobre a coisa sobre que incide a preferência 27.

Outras características

Embora nem haja consenso, há ainda quem considere outras características:


• Violação – quando estejam em causa direitos reais e um comportamento positivo (ação),
a violação dos direitos de crédito manifestar-se-á numa omissão;
• Aquisição por usucapião – a maioria dos direitos reais de gozo podem ser adquiridos por
usucapião;
• Permanência – possibilidade de os direitos reais serem permanentes. Esta característica
deve ser rejeitada porque se se entender que se trata de perpetuidade, existem direitos
reais temporários, caso se considere que está em causa a estabilidade esta será
meramente tendencial pois há direitos reais que se extinguem com o seu exercício.

26
Exemplo: artigo 1409º do CC – os direitos de preferência estão associados a direitos gerais.
27
Por outro lado, nos direitos de garantia o credor tem antes interesse que o crédito seja cumprido pelo valor
da coisa.
14
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Tutela forte

As características dos direitos reais permitem-lhe usufruir de uma tutela forte, pelo que
para existir uma melhor proteção dos créditos podemos recorrer aos seguintes mecanismos:
• Venda com reserva de propriedade – na venda a prestações, o devedor (comprador)
utiliza imediatamente a coisa comprada. O credor (vendedor) mantém o seu direito de
propriedade até pagar a última prestação, evitando sofrer concorrência de outros
credores do devedor;
• Leasing – há uma reserva de propriedade para garantir o pagamento da dívida, ou seja,
uma empresa irá comprar uma coisa (em vez de celebrar um contrato de mútuo) e
ceder o seu uso ao cliente com o compromisso de que após as prestações estarem
pagas a propriedade se transferir para o utente.

5. Noção de coisa
No artigo 202º, nº1 do CC define-se coisa como “tudo aquilo que pode ser objeto de
relações jurídicas”. É uma noção restrita e com um amplo significado, já que englobaria as
prestações, os direitos, as pessoas e tudo o que pudesse ser objeto de direitos e obrigações.
Nesta medida, Carvalho Fernandes define coisas como realidades estáticas, delimitadas e
autónomas, ao mesmo tempo que Mota Pinto vê as coisas enquanto bens estáticos, sem
personalidade e suscetíveis de serem objeto de relações jurídicas.
Desta definição retiramos as seguintes características: existência autónoma ou separada 28,
possibilidade de apropriação exclusiva por alguém29 assim como capacidade para satisfazer
interesses/necessidades humanas30.
Devemos atender ao artigo 1302º do CC, onde dispõe que “as coisas corpóreas, móveis ou
imóveis, podem ser objeto do direito de propriedade regulado neste código.”. Sobre as coisas
incorpóreas não há direitos reais.
Existe uma outra categoria de bem que não é suscetível de se lhe aplicar um direito de
propriedade: as situações economicamente ativas (não autónomas). Tratam-se de bens com
valor de mercado (valor económico) mas são não autónomas porque sobre elas não poe incidir
um direito real. Um caso paradigmático é a clientela de um estabelecimento comercial 31 – o
estabelecimento valerá mais ou menos consoante o número de pessoas que o frequente.
São também de referir as situações em que um direito real pode versar sobre outro direito
– direitos reais sobre direitos. O usufruto, hipoteca ou direito de crédito não são coisas, são
criações jurídicas que podem ser objeto de um direito real, que vai incidir sobre estes direitos
que são situações económicas não autónomas.
Considerando o artigo 688º do CC: a hipoteca é um direito real de garantia que pode ter
diversos objetos. Tomando por exemplo a alínea c) tem-se a dizer que o objeto da hipoteca
é o direito de superfície e não a coisa sobre a qual incide esse direito.

28
Exemplo: A casa é uma coisa, mas as suas telhas ou tijolos já não o serão se foram consideradas no todo.
29
Não podem ser consideradas coisas aquilo que não seja suscetível de domínio humano, tal como
acontece com as estrelas ou a lua.
30
Exemplo: Não pode ser considera coisa uma mera gota de água.
31
Não há um direito real sobre a clientela, mas é certo que o estabelecimento comercial terá um valor maior
ou menor dependendo da clientela.
15
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Assim sendo, podemos dizer que no nosso ordenamento jurídico podemos confrontar-nos
com situações económicas não autónomas ligadas ou ao estabelecimento comercial ou à
titularidade de um direito que versa sobre outro direito.
Relativamente ao direito real sobre outros direitos podemos assinalar 5 situações:
hipoteca, superfície, concessões, penhor e usufruto.
Para além disto, também existem direitos reais sobre coisas incorpóreas. Podemos
atender ao Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (DL nº 65/85, de 14 de março, com
a última alteração pelo DL nº 100/2017, de 23 de agosto). Na leitura de algumas das suas
normas ficamos com a ideia de que o direito incide sobre a obra.
É ainda de chamar a atenção para a Diretiva 2004/48/CE, que se refere aos direitos de
propriedade intelectual. A consideração do objeto da propriedade intelectual faz-se enquanto
coisa.
Por último, é de chamar a atenção que o conceito de coisa não se confunde com
universalidades de facto (multiplicidade de objetos) nem com universalidades de direito
(tratadas como uma sendo uma coisa só).

6. Classificação das coisas


Coisas imóveis e coisas móveis

a) Introdução
O nosso legislador não define coisas imóveis () nem coisas móveis, limitando-se a enumerar
as coisas imóveis (artigo 204º do CC) e a considerar, por exclusão, aquelas que serão as coisas
móveis (artigo 205º do CC).
No entanto, pelo facto de o CC enumerar as coisas imóveis no seu artigo 204º, nº1 leva-
nos a dizer que faz uma enumeração taxativa das mesmas. Ainda assim, a doutrina diverge já
que há quem refira que existem leis avulsas onde se enumeram coisas que podem ser
reconduzidas a bens imóveis e não estão contemplados no CC (exemplo: bibliotecas, museus); por
outro lado, Menezes Cordeiro defende que o artigo 204º do CC não é taxativo, embora
reconheça que são poucos os bens que lá não estão incluídos.
É ainda de acrescentar que para distinguir coisas móveis de coisas imóveis devemos
atende às seguintes circunstâncias da vida jurídica:
• Atos jurídicos – certos negócios podem ter por objeto quer as coisas móveis quer as coisas
imóveis 32, embora alguns digam apenas respeito a coisas móveis 33. É de referir que a
hipoteca pode ter por objeto tanto coisas móveis como coisas imóveis sujeitas a registo
(artigo 686º do CC e artigo 688º do CC). Conforme seja coisa móvel ou coisa imóvel,
incidirá sobre ela privilégios creditórios mobiliários ou imobiliários, respetivamente;
• Formalidade da alienação inter vivos – nas coisas imóveis (em certos contratos) exige-se
escritura pública, que será dispensada quando se trate de coisa móvel não sujeita a
registo;

32
Exemplos: Compra e venda – artigo 874º do CC; doação – artigo 940º, nº1 do CC; sociedade – artigo 980º
do CC; comodato – artigo 1129º do CC; depósito – artigo 1185º do CC; locação – artigo 1022º do CC, sendo
que no artigo 1023º do CC distingue entre arrendamento e aluguer, consoante se trate, respetivamente, de
coisa imóvel ou coisa móvel.
33
Exemplos: Mútuo – artigo 1142º do CC; penhor – artigo 666º, nº1 do CC.
16
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Aquisição por usucapião – nas coisas imóveis dá-se num prazo superior ao das coisas
móveis (artigo 1293º-1300º do CC);
• Determinação de poderes de administração de bens (exemplo: curadores provisório ou definitivo
– artigo 94º, nº3 do CC) e determinação dos poderes de alienação dos cônjuges (artigo 1678º,
nº1, e) do CC + artigo 1682º do CC + artigo 1682º-A, nº1, a) do CC) e dos pais/tutores
enquanto representantes dos filhos (artigo 1889º, nº1, a) do CC) e dos pupilos (artigo
1938º do CC);

• Direitos que só podem ter por objeto coisas imóveis: propriedade horizontal (artigo 1414º
do CC), direito de habitação (artigo 1484º, nº2 do CC), direito de superfície (artigo 1524º
do CC), servidões prediais (artigo 1543º do CC) e o direito de habitação periódica (artigo
1º do Regime Jurídico da Habitação Periódica);
• Registo, que incide sobre factos relativos a direitos sobre coisas imóveis (as coisas imóveis
não são registáveis).

b) Prédios rústicos e prédios urbanos


As primeiras coisas referidas no CC são os prédios rústicos e os prédios urbanos (artigo
204º, nº1, a) do CC).
Os prédios rústicos (imóveis por natureza) definem-se como “parte delimitada do solo e as
construções nele existentes que não tenham autonomia económica” (artigo 204º, nº2 do CC).
Os prédios urbanos (imóveis por influência do homem) dizem respeito a “qualquer edifício
incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro” (artigo 204º, nº2 do CC).
Desta noção retiramos que o edifício é o elemento essencial do prédio urbano, sendo este
uma construção que poderá servir para vários fins, sendo ele constituído essencialmente por
paredes que delimitam o solo, com uma cobertura superior, unido/ligado ao solo e com
caráter de permanência.
A distinção entre prédio rústico e prédio urbano é importante, principalmente no que diga
respeito ao contrato de arrendamento (urbano ou rural) e para efeitos fiscais.

c) Águas
As águas também são referidas enquanto coisas imóveis (artigo 204º, nº1, b) do CC).
Normalmente, são particulares e desintegradas dos prédios por lei ou negócio jurídico.
Contudo, poderá acontecer que sejam partes componentes ou integrantes do prédio que
estejam a integrar.
Mesmo que as águas estejam em movimento consideram-se imóveis já que estão
delimitadas pelas margens.

d)Árvores, arbustos e frutos naturais


As árvores, arbustos e frutos naturais são coisas imóveis quando se encontrem ligadas ao
solo, ou seja, exige-se uma conexão material.
Enquanto estiverem ligadas ao solo terão um regime jurídico unitário, pelo que, no caso de
venda do solo, estes serão abrangidos a não ser que o contrato disponha em sentido oposto.
No entanto, importa atender aos seguintes casos:
1. Venda com permanência no solo – constitui-se um direito de superfície (artigo 1528º do
CC);
2. Venda para abate – sem separação do solo não adquirem autonomia, logo serão
consideradas coisas móveis futuras.

17
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Acresce que a transferência da propriedade só será possível com a separação material, pelo
que o comprador irá adquirir o direito de crédito que lhe vai permitir exigir ao devedor a
separação das árvores do prédio.
(NOTA: Este regime também se aplica à venda de frutos pendentes.)

e) Direitos inerentes a imóveis


Os direitos inerentes a imóveis referem-se a direitos de natureza real e não creditória pois
só estes podem ser considerados como inerentes às coisas.
Menezes Cordeiro considera que a estes é de aplicar o regime dos imóveis, ainda que esses
direitos não digam respeito à propriedade. Consequentemente, a sua alienação precisa de
escritura pública ou documento particular autenticado.

f) Partes integrantes de prédios rústicos e urbanos


Estas partes integrantes são “toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com
caráter de permanência” (artigo 204, nº3 do CC)34.
A doutrina distingue entre partes integrantes e partes componentes, já que pertencem à
estrutura dum prédio que não se poderá considerar completo sem elas ou então será
impróprio ao seu destino. Por outro lado, as partes integrantes não se ligam à estrutura do
prédio, que não deixa de se considerar completo e prestável ao seu uso (apenas aumenta a
sua produtividade – função auxiliar ou instrumental).
É ainda de referir que existem partes integrantes que por diversas razões não deixam de
existir num prédio urbano e, por esse motivo, por força de lei, ganham o estatuto de parte
componente.
Esta distinção é, em grande medida, doutrinal porque o regime das partes integrantes e
componentes é essencialmente o mesmo.
As partes integrantes recuperam o estatuto de coisas móveis quando sejam separadas
materialmente do prédio ou então quando sofrerem uma desmobilização/mobilização.

Coisas simples e coisas compostas

Embora não se refira às coisas simples, o CC refere que “é havida como coisa composta, ou
universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa,
têm um destino unitário” (artigo 206º, nº1 do CC), ao mesmo tempo que considera que “as
coisas singulares que constituem a universalidade podem ser objeto de relações jurídicas
próprias” (nº2 do mesmo artigo).
A doutrina defende que as coisas simples são uma unidade natural ou que têm uma
individualidade corpórea unitária (por natureza, por ação do homem ou por associação de
vários elementos). Para além disto, considera que as coisas compostas se formam por reunião
ou combinação de várias coisas simples, que conservam uma individualidade física sem se
desconsiderar o nexo que existe entre elas.
No entanto, considera-se que o critério físico que distingue as coisas simples das coisas
compostas deve ser substituído por um critério jurídico, que considera que as coisas simples
são uma unidade, ao passo que as coisas compostas são a reunião ou agregação de várias
coisas simples que mantêm a sua individualidade económica.
Quanto ao conceito de universalidade podemos apontar as seguintes características:

34
Esta noção acaba por englobar as árvores, arbustos e frutos naturais quando estejam ligados ao solo,
embora o legislador os tenha autonomizado e considerado em separado.
18
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• As coisas simples globalmente consideradas devem ter individualidade económica


própria;
• As partes que integram o conjunto devem ter individualidade económica, isto é, uma
função e valor próprios do comércio.

Esta figura apresenta algumas dificuldades, tais como o de saber se poderá ser objeto de
uma única relação jurídica. Neste sentido, apontam-se 2 teorias: a teoria unitária35 e a teoria
atomista36.
Por último, há de ter em conta que a universalidade de facto não perde individualidade
caso os seus elementos se venham alterar a qualquer momento.

Coisas corpóreas e coisas incorpóreas

A coisa corpórea é aquela que, por definição, pode ser sentida (exemplo: energia elétrica); pelo
contrário, a coisa incorpórea só será percebida pelo espírito humano, ou seja, são coisas
intelectuais, que não se podem nem tocar nem sentir.
Existem 3 tipos de coisas incorpóreas:
1. Direitos – sejam de que natureza for, são valores jurídicos;
2. Direitos de autor e direito de propriedade industrial;
3. Valores de organização – surge a propósito do estabelecimento comercial que é uma
organização37 de valores, é a organização que atrai, gera eficiência, é um elemento que
constitui a essência do estabelecimento comercial.

É ainda importante referir que todos os bens corpóreos e não corpóreos estão ao serviço
da organização, do funcionamento. É o aspeto organizatório que oferece uma nota corpórea
ao estabelecimento.

Coisas fungíveis e coisas não fungíveis

As coisas fungíveis são definidas pelo CC como aquelas “que se determinam pelo seu
género, qualidade e quantidade, quando constituam objeto de relações jurídicas” (artigo 207º
do CC). A doutrina considera que se podem considerar coisas fungíveis aquelas que intervêm
nas relações jurídicas enquanto identificadas apenas através de notas genéricas (mais ou
menos precisas), ao mesmo tempo que considera que são coisas infungíveis todas as outras.
A fungibilidade ou infungibilidade será aferida através de um critério económico-social, já
que se liga aos usos da vida ou à vontade das partes. Por este motivo, as coisas de um
determinado género que normalmente aparecem como sendo fungíveis, noutros casos
podem apresentar-se como não fungíveis (por vontade das partes)38.

35
A universalidade globalmente considerada pode ser objeto de uma única relação jurídica, logo poderá
existir reivindicação. Esta é a teoria adotada pelo nosso CC.
36
Só as partes podem ser objeto de relações jurídicas, pelo que não poderá existir uma ação universal de
reivindicação.
37
A organização é o núcleo essencial do estabelecimento comercial.
38
Exemplo: em princípio, o dinheiro é fungível, mas nada garante que em determinada relação jurídica o
pagamento da quantia seja feito não por dinheiro, mas sim por espécies monetárias.
19
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
É também de atender ao caráter relativo do conceito, visto que a fungibilidade da coisa
depende da posição jurídica que ocupa na relação jurídica, o que significa que apenas na
situação em concreto poderemos dizer se existe ou não fungibilidade.
É controversa a possibilidade de esta classificação se aplicar a imóveis. Num negócio
jurídico uma coisa imóvel pode assumir-se como fungível. Assim, nos negócios jurídicos esta
classificação tem aplicação pois, enquanto umas apenas podem ser objeto de coisas fungíveis,
outros incidem sobre coisas não infungíveis. Esta é também uma vantagem em relação às
obrigações genéricas, à compensação e ao legado de coisa genérica.

Coisas consumíveis e coisas não consumíveis

As coisas consumíveis são definidas pelo CC como aquelas “cujo uso regular importa a sua
destruição ou a sua alienação” (artigo 208º do CC).
A doutrina defende que são consumíveis as coisas corpóreas cuja utilização se destina ao
consumo (material ou civil/jurídico). O consumo material traduz-se na destruição da
integridade física da coisa; o consumo civil diz respeito à alienação da coisa que sai do
património de quem a usa e se transfere para outra pessoa.
As coisas não consumíveis são aquelas cuja utilização não radica no consumo nem material
nem civil mas sim na deterioração mais ou menos lenta que leva à perda da sua forma.
Na base desta distinção encontramos um critério económico ou social, pelo que uma coisa
naturalmente consumível poderá assumir-se como não consumível e vice-versa.
Importa também referir que a expressão “uso regular” (artigo 208º do CC) pode assumir 2
sentidos:
• Sentido objetivo – sentido económico-social, independentemente da pessoa que detém
a coisa. Posição adotada por Menezes Cordeiro;
• Sentido subjetivo – posição que a coisa ocupa e função que desempenha no património
do seu titular. Esta é a posição defendida por Pires de Lima e Antunes Varela.

Esta distinção tem interesse prático no regime do usufruto, na medida em que falamos em
quase usufruto quando o seu objeto é constituído por coisas consumíveis (artigo 1451º do CC
+ artigo 1468º do CC + artigo 1483º do CC).

Coisas divisíveis e coisas indivisíveis

Para o CC as coisas divisíveis são aquelas “que podem ser fracionadas sem alteração da sua
substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam” (artigo 209º do CC).
São coisas indivisíveis as que não reúnam estes requisitos.
Para a nossa doutrina são coisas divisíveis as coisas corpóreas que se podem dividir em
partes distintas sem alteração da substância nem diminuição de valor. Utilizam um critério
económico-social, visto que do ponto de vista naturalístico ou físico todas as coisas corpóreas
podem ser tidas como divisíveis.
Por indivisibilidade pode assumir-se como:
• Natural ou real – a divisibilidade altera o valor da coisa, o que diminui o seu valor ou
prejudica o seu uso;
• Legal – resulta da lei (exemplo: Proibição do fracionamento de prédios rústicos em parcelas de área
interior a uma determinação superfície mínima, que corresponde à unidade da cultura fixada no país.)
20
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Negocial (pactum ne dividatur) – fixada por acordo dos interessados (exemplo: Indivisão
acordada pelos comproprietários, por tempo não superior a 5 anos – artigo 1412º, nº2 do CC.).

Para além do fracionamento do prédio rústico e indivisibilidade acordada na


compropriedade, o CC utiliza o conceito da indivisibilidade em institutos como as obrigações
indivisíveis, na hipoteca, nas servidões e no património hereditário.
Esta divisão assume uma certa importância quando se pretenda acabar com a
compropriedade, visto que se a coisa for divisível será mais fácil atribuir a cada um dos titular
uma parte de valor correspondente à quota e, pelo contrário, se for indivisível ter-se-á de
adjudicar a cada um dos cotitulares ou então vender.

Coisas principais e coisas acessórias

O CC define as coisas acessórias (ou pertenças) como “as coisas móveis que, não
constituindo partes integrantes, estão afetadas por forma duradoura ao serviço ou
ornamentação de uma outra” (artigo 210º, nº1 do CC). Relativamente às coisas principais
dispõe que “os negócios jurídicos que têm por objeto a coisa principal não abrangem, salvo
declaração em contrário, as coisas acessórias.” (nº2 do mesmo artigo).
Nas coisas acessórias, ao contrário do que acontece nas partes integrantes, estamos
perante uma ligação meramente económica (exemplo: Móveis, adornos e utensílios pertencentes a um
prédio urbano.).
A coisa acessória está ao serviço da coisa principal, motivo pelo qual a sua transmissão
envolve a coisa acessória (salvo acordo pelas partes em contrário).
Há quem defenda que as coisas não principais se devem dividir em:
• Pertenças – coisas móveis sem valor económico e, uma vez que não são componentes
nem integrantes, estão duradouramente associadas ao serviço de outra, da qual não pode
ser separada, sob pena de a coisa principal deixar de ter a sua utilização normal (exemplo:
Acessórios de um automóvel.);
• Coisas acessórias – restantes coisas que estão dependentes de outra, podendo ser
acessórias por natureza (física ou jurídica) ou por estipulação legal. Defendem que a
aplicação do artigo 210º do CC se deve aplicar apenas às coisas acessórias e não às
pertenças.

A distinção legal entre coisas principais e coisas acessórias justifica-se pelo facto de os
negócios jurídicos que tenham por objeto as coisas principais não englobarem as coisas
acessórias, muito embora possa haver acordo em contrário.

Coisas futuras

O CC dispõe que são coisas futuras “as que não estão em poder do disponente, ou a que
este não tem direito, ao tempo da declaração negocial” (artigo 211º do CC).
Esta definição inspira-se em 2 critérios:
1. Critério da existência – a existência da coisa tem em conta as coisas objetiva ou
absolutamente futuras;

21
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
2. Critério da titularidade – a titularidade do direito em conta considera as coisas subjetiva
ou relativamente futuras.

Entre outras situações, esta distinção importa quando a lei admite atos jurídicos sobre
coisa futura obrigando o vendedor a exercer as diligências para que o comprador adquira os
bens vendidos (artigo 399º do CC + artigo 880º, nº1 do CC). É de acrescentar que nos negócios
reais quoad effectum sobre coisas futuras o direito transfere-se apenas quando esteja na
titularidade do disponente (artigo 408º, nº2 do CC).

Frutos

Considera-se que é fruto aquilo que uma coisa produza (periodicamente), sem afetar a sua
substância (artigo 212º, nº1 do CC).
Os frutos podem assumir a seguinte classificação:
• Frutos naturais – aquelas que provêm diretamente da coisa. A doutrina divide-os em
orgânicos e inorgânicos, sendo que os orgânicos podem ser pendentes 39 e separados e,
por sua vez, podem ser percebidos40 e percipiendos 41;
• Frutos civis – rendas ou interesses resultantes da relação jurídica.

A aquisição dos frutos naturais faz-se no momento da colheita (perceptio), pelo que os
frutos percebidos durante a vigência do direito sobre a coisa frutífera pertencerão ao seu
titular (artigo 213º, nº1 do CC). Nesta medida, quem os recolher antes do tempo terá de os
restituir.
No caso dos frutos civis, a partilha é feita proporcionalmente à duração do direito.
É de acrescentar que se o possuidor de boa fé ou o usufrutuário alienar frutos pendentes
e o direito se extinguir antes da colheita, a alienação permanece mas o valor terá de ser dado
ao proprietário (deduzindo as despesas de produção) – artigo 1270º, nº3 do CC + artigo 1448º
do CC.
No que toca às despesas de produção, aquele que estiver obrigado por lei à restituição dos
frutos percebidos tem o direito a ser indemnizado até ao valor dos frutos (artigo 215º, nº1 do
CC). No entanto, esta indemnização não existirá quando se trate de frutos pendentes
(excetuando-se os casos previstos na lei – nº2 do mesmo artigo).

Benfeitorias

Para o CC são benfeitorias “todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”
(artigo 216º, nº1 do CC). Estas podem ser classificadas da seguinte forma42:
• Necessárias – “têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa”;

39
A sua ligação à coisa principal perdura.
40
Frutos separados da coisa frutífera através da colheita (artigo 882º, nº2 do CC). Podem ser existentes ou
consumidos pelo uso, alienação ou especificação.
41
Frutos que deixaram de ser colhidos ou não chegaram a ser produzidos por culpa do possuidor da coisa
frutífera.
42
Esta distinção assume grande relevo no instituto da posse.
22
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Úteis – “as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia,
o valor”;
• Voluptuárias – “as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe
aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.

A doutrina distingue entre benfeitorias e despesas de produção/cultura já que estas têm


por objetivo a preparação direta da colheita. Para além disso, distingue-se ainda as acessões
(naturais ou industriais), na medida em que alteram a substância da coisa, acrescentando-a
ou transformando-a.

Propriedade

A propriedade autoral está regulada no DL nº 63/85, de 18 de março; por outro lado, a


propriedade industrial está prevista no Código da Propriedade Industrial – DL nº 36/2003, de
05 de março, tendo sido objeto de profundas alterações.
O que são ideações? São bens incorpóreos, são apreensões pelo espírito humano (exemplo:
As marcas.). Quando falamos em marcas referimo-nos a bens incorpóreos porque servem para
captar clientela (é este o seu objetivo).
Importa então distinguir entre:
• Marcas (logótipos/patentes) – são instrumentais ao estabelecimento comercial;
• Direitos de autor – são autónomos, sendo-o mesmo em relação ao respetivo criador.

As ideações são conceitos ou formas que uma vez saídas da mente do seu criador adquirem
autonomia jurídica, relativamente ao próprio autor. Quando um autor publica, por exemplo,
um livro, essa criação ganha autonomia face ao autor. Assim sendo, só se torna coisa quando
ganha forma física, quando sai da mente do respetivo criador.
As ideações só são relevantes do ponto de vista editorial porque são bens suscetíveis de
exploração económica, pois é o que está em causa para o autor. Os bens só existem quando
ganham forma e nessa altura autonomizam-se.
Contudo, essas ideações são independentes do corpus mercandi, ou seja, sem a criação
não existe a coisa. Uma vez existente a coisa, esses bens existem de per si, sendo
independentes quer em relação ao autor quer em relação à coisa física em que se manifesta,
pelo que só quando ganha forma corpórea é que existe juridicamente.
O direito de autor não se confunde com, por exemplo, um quadro, está para além dele –
suscetibilidade de os bens serem objeto de exploração que são coisas para o Direito. Nesse
sentido, falamos de coisas incorpóreas, sendo a criação relevante pelo facto de ser suscetível
de exploração económica, seja pelo próprio autor, seja por 3º.

Universalidades de facto

Quando falamos no estabelecimento como coisa incorpórea é uma coisa que existe apenas
quando materializada. Diferentemente dos outros bens incorpóreos, o estabelecimento é
uma ideia inseparável da sua concretização.
É a natureza organizativa que confere ao estabelecimento uma capacidade lucrativa,
motivo pelo qual não o podemos dissociar da ideia de inserção no mercado.

23
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Por definição, é uma ideia associada a um excedente/lucro, que só é possível na medida
em que é um bem inserido no mercado, nas relações económicas.
Por outro lado, o estabelecimento é um bem incorpóreo e, nessa medida, deve ser
considerado um bem móvel, mas dado o seu valor económico muitas vezes é-lhe aplicável o
regime dos bens imóveis – está sujeito, no seu conjunto, a penhor e não a hipoteca, que pode
antes incidir sobre os bens imóveis que integrem o estabelecimento; por sua vez, em termos
de usucapião tem-se entendido que lhe são aplicáveis as normas dos bens imóveis, o que se
explica pela sua importância económica.
Relativamente às restantes classificações das coisas, importa atender importa atender às
universalidades. Estamos perante um conjunto de coisas que devem distinguir-se entre:
• Universalidade de direito – valorações jurídicas;
• Universalidade de facto – conjunto de coisas simples e móveis. Este conjunto
desempenha uma opção económica, própria e complementar da função que cada uma
das coisas que integra o conjunto desempenha. É natural que numa coleção os bens sejam
semelhantes, mas o conjunto desempenhe uma função jurídico-económica diferente de
cada uma das unidades, designadamente em termos de valor.

Enquanto o estabelecimento assenta numa ideia de organização, já a universalidade tem


por base uma ideia de habitação, união, conjunto.
Não obstante a função unitária das universalidades, o valor da universalidade é dado pelo
somatório das unidades (exemplo: Rebanho).
No estabelecimento comercial, a organização tem um valor especial, pois trata-se de uma
organização com fins lucrativos (excedente/lucro). O excedente está dependente de um
conjunto de fatores que estão associados ao estabelecimento comercial, mas que não fazem
parte dele – situações económicas não autónomas (exemplo: fatores de clientela, o bom nome do
estabelecimento…)
O valor do estabelecimento é estabelecido pelo valor do rendimento, sendo que este não
estará diretamente relacionado com o conjunto das coisas, mas sim com os valores de
mercado que podem, em regra, ser maiores ou menores do que o valor do somatório do valor
das coisas. Isto acontece porque a capacidade lucrativa não tem diretamente a ver com o
valor do estabelecimento comercial.
Podemos ter um pequeno estabelecimento comercial que gere lucros superiores ao valor
das coisas que o compõem porque a riqueza produzida vem da clientela, que não é
diretamente proporcional com o valor das coisas (exemplo: empresas tecnológicas.).
Pelo contrário, na universalidade há uma igualdade de valores, isto é, resulta do somatório
de cada uma das unidades, embora isso não signifique que as unidades tenham todas o
mesmo valor.

Enquanto o estabelecimento é uma coisa corpórea, uma coisa única e simples e, portanto,
é objeto de um único direito. Dada a pluralidade de bens que integram o estabelecimento
podem constituir-se relações jurídicas em relação ao estabelecimento como um todo ou em
relação a certas unidades, sem prejuízo da existência desse mesmo estabelecimento que irá
ficar com maior ou menor capacidade lucrativa.
Em matéria de universalidades de facto, importa ainda tentar perceber se a doutrina tem
entendido que a lei as considera objeto de um único direito ou se, pelo contrário, são objeto
de uma relação real.

24
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Se se entender que a lei unifica as universalidades estamos perante a teoria atomista,
baseada no artigo 206º do CC; pelo contrário, podemos defender, no seguimento de Orlando
Carvalho, que o sistema unitário é um elemento de caracterização da existência da servidão.
Quanto muito, poderá dizer-se que o artigo 206º do CC não é conclusivo porque o destino
unitário tanto pode ser visto num plano jurídico ou num plano constitutivo (da própria
existência da universalidade).
Não havendo conclusões, entende-se que devemos adotar a teoria atomista. É de
acrescentar que existem 2 disposições em que as universalidades são tratadas como uma
coisa única, adotando então a lei uma posição unitária da universalidade de facto:
1. Artigo 942º, nº2 do CC (“Incindindo, porém, a doação sobre uma universalidade de facto
que continue no uso e fruição do doador, consideram-se doadas, salvo declaração em
contrário, as coisas singulares que venham de futuro a integrar a universalidade.”) – com
esta norma permite-se a doação da universalidade, considerando-se que o nº de
unidade nessa relação pode aumentar. Não é relevante o nº de unidades mas sim o
conjunto;
2. Artigo 1462º, nº2 do CC (“Se os animais se perderem, na totalidade ou em parte, por
caso fortuito, sem produzirem outros que os substituam, o usufrutuário é tão-somente
obrigado a entregar as cabeças restantes.”).

(NOTA: A par destas disposições entende-se que a nossa lei não é conclusiva em matéria de unificação da
coisa.)

CAPÍTULO II – A POSSE43

1. Distinção entre posse e direito real


O pressuposto principal desta matéria é distinção entre posse e direito real porque muitas
vezes na linguagem comum utilizamos as expressões “posse” e “propriedade” como sendo
sinónimas.
A posse trata-se de uma situação de facto e não de um direito. No entanto, é uma situação
de facto especial. De onde vem essa especificidade? Do artigo 1251º do CC: “Posse é o poder
que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou de outro direito real.”
Assim sendo, referimo-nos a um poder de facto exercido de modo semelhante aos poderes
conferidos a um direito real. É uma situação de facto que no plano jurídico é relevante. A
tutela desta situação de facto decorre da circunstância de ser exercida em moldes
correspondentes ao exercício de um direito real.

43
Ver matéria no “Livro das Coisas”, de Orlando de Carvalho.
25
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Na maioria das situações coexistem no mesmo sujeito a posse e o direito de propriedade.
Ainda assim, estes direitos podem não coexistir e só nesses casos é que a posse se distingue
do direito real (exemplo: 1. Alguém furta uma coisa ao seu proprietário. Aquele que adquire a coisa por furto
vai usá-la, embora não tenha o direito real. Por sua vez, o proprietário continua a sê-lo, mas não tem poderes
para exercer o poder real; 2. Alguém transmite uma coisa, mas o negócio é inválido. Quem transmitiu não perde
o direito e quem adquiriu não tem o poder real, mas tem poderes de facto sobre a coisa sem ser titular.) .
Relativamente ao exercício do direito real, este pode ser concretizado:
• Forma direta – o titular exerce o direito;
• Forma indireta – o titular cede o direito. Neste caso, tanto o direito de propriedade como
a posse se mantêm-se na pessoa. Atribuiu-se com carácter obrigacional a coisa a uma
outra pessoa, o direito foi exercido indiretamente porque permite a outrem utilizar esse
bem. Neste caso, há a vontade de que outrem utilize, a título de direito de crédito, esse
bem.

É também de referir que o possuidor não deixa de o ser. O titular pode usar ou emprestar
a coisa, logo a posse pode ser exercida direta ou indiretamente. Se o possuidor emprestar o
bem a 3º continuará a ser possuidor porque esse 3º não se comporta como sendo titular do
direito real. Nestes casos, o bem continua a manter-se na esfera da disponibilidade empírica.
Conclui-se, portanto, que a posse será um poder de facto exercido que abrange as
situações de disponibilidade empírica (direta ou indireta), o que significa que não se trata de
um poder físico (exemplo: Posso ser possuidor de uma casa que se encontra a 20km do sítio onde moro
habitualmente, isto porque posso vir a ocupar essa casa – não existe disponibilidade física, mas existe
disponibilidade empírica.).
Qual é o papel da posse? As situações mais comuns são aquelas em que as coisas são
reguladas por negócios inválidos.

2. Ordenação positiva e ordenação provisória


Historicamente, o poder dominial confundia-se com a posse das coisas, ou seja, ser dono
de uma coisa significava ter a posse dela. Isto implicava que o poder direto e imediato sobre
a coisa assentava mais no domínio físico e só posteriormente foi criada a figura do direito real
enquanto poder jurídico. Assim, o domínio passou a ser concebido como poder jurídico, em
substituição do poder empírico.
A posse constituiu a 1ª manifestação do direto dominial (real). Assim, do ponto de vista
cronológico, o poder real assenta na posse. Atualmente, embora se tenha desenvolvido o
instituto do registo, podemos dizer que é certo que continua a ser a posse e a usucapião a
constituírem o fundamento último do direito real.
Esta fundamentação tem vindo a perder importância, na medida em que os prédios têm
sido sucessivamente transmitidos por registo. A legitimidade para estas transmissões começa
a fundar-se em registos anteriores e sucessivos. Contudo, quando isto não acontecer
(nomeadamente no domínio rústico) teremos de recorrer sempre à posse e usucapião para
fundamentar o direito. Isto é importante para perceber o fenómeno sucessório.
Por outro lado, a posse é o objetivo do direito real – quem tem um direito real quer usar
e fruir da coisa (aumentar rendimentos e frutos), o que só é possível se essa coisa estiver no
domínio empírico do titular.

26
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Uma outra justificação para a atualidade da posse e usucapião reside muitas vezes
(principalmente nas coisas móveis) na dificuldade de o titular provar o seu direito, já que
poderão existir casos em que direito e posse não coincidem.
A importância da posse também se coloca na grande dificuldade de o titular reclamar o
seu direito. Para afirmarmos a existência de um direito temos de provar que a cadeia que
antecedeu à aquisição é legítima. Daí, a posse destina-se a remediar estas situações.
Nos termos do artigo 1251º do CC, não podemos esquecer que a posse é relevante quando
é exercida em termos de um direito real, o que significa que a posse tende a satisfazer o
mesmo tipo de interesses do direito real.
O direito real visa não só satisfazer um poder direto e imediato mas também um poder
exclusivo (exclusão dos restantes não titulares); na posse, uma vez que está dirigida à
realização de poderes semelhantes ao do direito real também ela satisfaz um poder direto e
imediato com exclusão de todos os outros.
Existe, portanto, uma semelhança entre a posse e o direito real, o que decore do facto de
o direito real ter historicamente derivado da posse e, por outro lado, do facto de o direito real
tender a manifestar-se através da posse (poderes reais e empíricos). Todavia, só quando se
estabelece uma distinção é que os 2 conceitos podem entrar em oposição, situação em que
o instituto da posse ganha relevo jurídico.
Na medida em que a posse tem estas semelhanças com o direito real acaba por enquadra-
se naquilo que Orlando Carvalho defendia: a posse é um sistema de ordenação dominial
provisório, por contraposição ao sistema dominial definitivo que é dado pelos direitos reais.
Por outras palavras, quando se prova um direito real sobre uma coisa esse poder é
indiscutível. Nas relações imediatas essa coisa está ordenada em termos definitivos, é uma
ordenação jurídica através de direitos reais que esgota as relações dominiais e lhes dá uma
segurança que não pode ser posta em causa.
Do ponto de vista funcional, como a posse visa os mesmos objetivos que o direito real,
assume-se como uma ordenação provisória, uma vez que não oferece o mesmo tipo de
segurança conferida pelo poder dado pelos direitos reais. No entanto, é um poder semelhante
do ponto de vista estrutural.
Estamos perante 2 realidades diferentes (o direito e a situação de facto) que têm uma
natureza comum – funcionalmente visam a satisfação dos mesmos interesses.
Embora a satisfação dos interesses possa ser feita quer pelos direitos reais, quer pela posse,
esta faz-se em diferentes graus de segurança.
A posse é um direito que não tem atrás de si um direito que se consiga provar, logo pode
ser excluída quando o titular do direito prove o seu direito sobre a coisa, afastando dessa
forma a situação possessória.
Quando falarmos numa ordenação definitiva e numa ordenação provisória, é óbvio que a
lei dá primazia ao direito em relação à posse. O problema coloca-se quando estas 2 situações
correm em paralelo e não chegam a confrontar-se. Quando isso acontece, a lei concede o
instituto possessório como forma de se reintegrar o domínio definitivo, ou seja, caso se
reúna um conjunto de características e uma determinada duração a posse pode converter-se
num direito real – fenómeno da usucapião.
Por outras palavras, a lei permite que na conflitualidade entre direito real e posse o agente
económico ativo44 seja premiado, visto que pode adquirir o direito real correspondente ao
poder exercido.

44
O agente económico ativo é aquele que exerce os poderes de facto e não o titular.
27
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

3. A tutela possessória e a usucapião


Posto isto, podemos apontar 2 problemas fundamentais relacionados com o instituto da
posse:
1º Porque se protege a posse? Porque é que a posse tem autonomia jurídica face ao
direito podendo ser um fator de substituição desse mesmo direito? Têm sido
apresentadas várias teorias para proteção da posse:
a) A posse é um elemento de paz pública – se sobre uma determinada coisa uma pessoa
exerce o poder de modo exclusivo isso diminui os conflitos, deixa de haver um choque
de vontade relativamente ao exercício de poderes pois, na medida em que os
poderes estão definidos, não existem condições para conflitos;
b) A posse constitui um valor económico45 – quem exerce poderes de facto sobre uma
coisa e no seu exercício está a dar uma continuidade à exploração dessa coisa, o que
significa que esse poder acaba por ser um valor de continuidade. A posse protege-se
porque é um instituto que permite gerar valor económico (manutenção da fruição da
coisa). Num regime subjetivista como o nosso, que assenta na propriedade
individual, a ideia de proteger a manutenção da exploração económica acaba por ir
ao encontro da essência do regime dominial do que propriamente a ideia de paz
pública (exemplo: Se alguém adquire invalidamente uma quinta protege-se através da posse a
continuação da exploração da quinta pela pessoa – é o valor económico que se protege com a tutela
possessória porque do ponto de vista económico gerar-se-ia um dano se a pessoa não tivesse alguma
tutela jurídica na exploração do bem.);

Por razões de segurança jurídica, a lei entende que não podemos ter eternamente um
conflito entre direito real e a posse. Por isso, a nossa ordem jurídica permite que a posse se
possa transformar em direito real, isto é, que a posse seja um caminho para aquisição de um
direito real. Está em causa um problema de definição jurídica de relações dominiais porque a
existência de posse pressupõe sempre um direito e uma dupla titularidade.
Consequentemente, o legislador permite que o possuidor possa transformar o poder em
direito – usucapião.
2º Porque é que a lei permite que através de um poder de facto este se transforme em
direito real, substituindo-se ao anterior direito real? É nestes casos que, residualmente,
existe a “proteção do ladrão”.
Na maioria das situações, a posse corresponde ao direto, ou seja, quem tem a posse
também é titular do direito46.
A usucapião permite ao possuidor incontestado que adquira o direito real. Por detrás disto
está o princípio de que na maioria das situações a posse está associada ao direito, sendo que
um dos efeitos mais relevantes da nossa ordem jurídica assenta no pressuposto da presunção
de que quem tem a posse tem o direito real. Esta presunção assenta na realidade empírica de
que quem tem a posse tem o direito.

45
É este o fundamento adotado, embora também se aceite que a posse é um elemento de paz pública.
46
O que acontece é que ou não pode provar o seu direito ou adquire um poder de facto que não é contestado
por eventuais interessados.
28
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Se o objetivo da usucapião é proteger os possuidores porque é que se protege o ladrão,
já que este também pode adquirir por usucapião? Esta é uma consequência inultrapassável
do regime. É um mal menor em relação ao bem maior de os possuidores se tornarem titulares
incontestáveis. Protege situações que do ponto de vista dos factos são legítimas, embora não
o seja do ponto de vista legal. A única conflitualidade são as formas ilícitas de aquisição.
Tendo em vista o interesse que beneficia a maioria, a tutela do ladrão é uma consequência
inevitável no plano do Direito civil, é um efeito paradoxal que deriva de um benefício para os
titulares que exercem poderes empíricos de uma forma originariamente incontestável.
Destes problemas da usucapião e da tutela, aquele que é genuinamente possessório é o da
tutela porque para existir usucapião é preciso que o titular não exerce o direito e pressupõe
sempre uma inercia do titular do direito real, o que significa que não é um efeito necessário
da posse. Disto se retira que a tutela possessória é o principal problema da posse,
caracterizando o regime possessório. Havendo posse esta deve ser protegida e como a
usucapião não é uma consequência necessária significa que a posse tem uma autonomia
relativamente à usucapião, embora esta decorra necessariamente da posse (não há usucapião
sem posse).

4. Os sistemas possessórios. As extensões objetivas da posse


Existem 2 sistemas que enquadram a posse:
1. Sistema subjetivo – sistema adotado na maioria dos países, com exceção da Alemanha,
Áustria e Suíça. A jurisprudência é unânime no que toca a defender que o nosso sistema
adotou a conceção subjetiva;
2. Sistema objetivo – sistema adotado na Escola de Lisboa.

Sistema subjetivo

No sistema subjetivo entende-se que a posse integra 2 elementos: corpus e animus.


É a partir da noção do artigo 1251º do CC, em articulação com o artigo 1253º do CC que se
vem entendendo que o nosso sistema é subjetivo, ou seja, o corpus e o animus47 têm de estar
reunidos na mesma pessoa para existir posse.
O que é o corpus? De acordo com a 1ª parte do artigo 1251º do CC é o exercício de poderes
de facto sobre uma coisa – momento material da posse.
O que é o animus? É o elemento subjetivo. A 2ª parte do referido artigo refere que se
manifesta quando alguém exerce um poder em termos do direito real.
Isto significa que de acordo com o nosso sistema, para haver posse é preciso que alguém
exerça um poder de facto como se fosse titular do direito real (correspondente ao poder de
facto).
Existem vários tipos de direitos reais que conferem poderes diferentes uns dos outros, o
que nos leva a dizer que a usucapião só vai permitir adquirir o direito real correspondente à
posse, aos poderes de facto e ao direito em termos dos quais os poderes de facto são
adquiridos.

47
A distinção entre os 2 elementos só se faz por razões pedagógicas pois, do ponto de vista jurídico, eles são
indissociáveis.
29
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Sistema objetivo

Neste sistema só é relevante o corpus, ou seja, há posse sempre que alguém exerce um
poder de facto, seja em termos do direito real, seja em relação a um direito de crédito.
Para além disto, pressupõe-se uma certa voluntariedade e um mínimo de estabilidade.
Por outro lado, exclui a posse relativamente aos servidores da posse, que são aqueles que
exercem poderes de facto em nome e no interesse direto de outrem (exemplo: O trabalhador que
exerce poder de facto sobre as coisas pertencentes à entidade empregadora está a fazê-lo em nome da empresa.
O trabalhador não é possuidor, é designado neste sistema como servidor da posse.).
Existe uma diferença de âmbito relevante entre o sistema subjetivo e o sistema objetivo
porque os poderes de facto tutelados por um direito de crédito não são posse para o sistema
subjetivo, embora o sejam para o sistema objetivo. À partida, diferença de âmbito material
relevante. Esta diferença acaba por ser reduzida porque embora não qualifique essas
situações como possessórias, a nossa lei reconhece a tutela possessória a pessoas que
exercem poderes de facto em termos de um direito de crédito – segundo Orlando de Carvalho
são extensões objetivas da posse.
A grande questão que está associada à posse é a tutela. Havendo posse a sua tutela é
universal. A partir do momento em que a lei tutela situações que não são posse, mas sim
situações de detenção, então a diferença de âmbito material está reduzida porque se a nossa
ordem jurídica confere tutela possessória a situações que não posse, isso significa que este
alargamento da tutela possessória às situações protegidas ao nível da posse, as diferenças
entre os sistemas não são assim tão amplas.
São situações de detenção:
1. Parceria pecuária (artigo 1125º, nº2 do CC) – o parceiro pensador é aquele que alimenta
os animais. Estamos no âmbito de uma relação obrigacional (parceria pecuária);
2. Locação (artigo 1037º, nº2 do CC)
3. Comodatário (artigo 1133º, nº2 do CC)
4. Depositário (artigo 1189º do CC)

Se o nosso sistema é subjetivo devemos considerar o artigo 1253º do CC, que se refere à
simples detenção.
Antes de mais, importa não esquecer que as pessoas que no sistema subjetivo exercem
poderes de facto designam-se detentores. A tutela possessória alargada aproxima a nossa
tutela ao sistema objetivo
Conjugando o artigo 1253º do CC com o artigo 1251º do CC reforçam-se as seguintes
ideias:
• Alínea a): não existe qualquer distinção, tanto pode ser um direito de crédito como um
direito real, o que significa que, ao contrário do sistema objetivista, a lei diz que quem
agir sem querer ser beneficiário do direito não será possuidor. Assim sendo, entende-se
que estas pessoas serão chamadas de detentores por ato facultativo;
• Alínea b): são designados por atos de mera tolerância. Referem-se aos casos em que
alguém exerce poderes de facto sem que tenha existido a atribuição de qualquer direito
real, embora haja alguém que o tenha permitido.
(NOTA: Na alínea a) e na alínea b) estamos no âmbito de poderes de facto em que não há qualquer
relação/obrigação jurídica, estamos no domínio empírico.)

30
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Alínea c): “em nome de outrem” refere-se aos casos em que existe uma relação jurídica
com atribuição de poderes de facto (relação obrigacional). A posse é exercida em nome
próprio porque é um poder de exclusão. Neste caso, entende-se que é a própria lei que
afasta que quem tem poderes de facto e os exerce em nome de outrem só acontece nas
relações de crédito, sendo que os direitos de créditos não são posse, mas sim detenção.

5. Noção de posse
a) Distinção entre corpus e animus
Relativamente ao corpus temos de entender que o poder que a ele está associado não deve
ser confundido com um poder físico/material. A posse existe sempre que um bem está na
esfera da disponibilidade empírica do titular/possuidor (exemplo: Uma pessoa tem uma casa a km’s
de distância, mas usa-a para casa de férias.).
A posse também se pode manifestar através de atos jurídicos (exemplo: Promessa de venda.). O
poder empírico abrange atos tipicamente normativos/jurídicos. (NOTA: Muitas vezes vê-se na
jurisprudência uma certa dificuldade em separar a posse do poder físico.)
No que toca ao animus tem-se a dizer que se refere à vontade de se exercer um poder
correspondente a um poder real.

Muitas existem poderes de facto que tanto podem ser exercidos pelo titular do direito de
propriedade como pelo titular de um direito real de gozo. Na dúvida deve-se entender que
esse poder é exercido a título de direito de propriedade. Esta presunção assenta na ideia de
que todo o domínio tende a ser exclusivo e individual, o que significa que havendo dúvidas
deve presumir-se que a posse é exercida em termos do direito de propriedade 48 porque todo
o domínio tende para o direito de propriedade e, para além disso, a noção de direito real é
indissociável da noção de direito de propriedade49.

b) Noção de posse
Na maioria das situações, a posse corresponde ao exercício do direito real, isto é, os
poderes exercidos sobre a coisa decorrem do direito de propriedade. O fenómeno
possessório só é relevante quando é independente do direito real. Por isso, existem 2 noções
a considerar:
• Posse causal – faculdade jurídica secundaria do direito real, a posse não se autonomiza
do direito real, é uma consequência do direito real porque originariamente decorre do
exercício de um direito real. Não tem autonomia jurídica porque é o reflexo de um direito
real;
• Posse formal – traduz a autonomia entre direito real e posse. A posse goza de uma tutela
autónoma, independente da tutela do direito real. Só esta se trata de um instituto distinto
do direito real.

48
O direito de propriedade é um direito real maior.
49
É isto que justifica que o direito real tenha como núcleo o direito de propriedade.
31
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

6. Direitos em termos dos quais se pode possuir


Quais são os direitos nos termos dos quais há animus? Antes de mais, importa não
esquecer que para existir posse precisa de existir corpus e animus. Por definição, isto existe
nos direitos reais de gozo porque pressupõem o exercício de poderes de facto.
Os direitos que não conferem poderes de facto são os direitos reais de aquisição
(promessa, preferência), sendo que estes não conferem posse.
Pelo contrário, os direitos reais de garantia poderão ou não conferir poderes de facto. O
penhor e o direito de retenção são exemplos dos direitos que conferem poderes de facto.
Aliás, a própria constituição destes direitos implica a existência de poderes de facto. Por isso,
havendo uma relação jurídica inválida relativamente a estes direitos e que deu origem à
situação empírica, deve entender-se que há posse.
Pode também referir-se outro direito real de garantia que pode conferir poder de facto:
consignação de rendimento. Nesta figura, as partes podem conferir poderes de facto,
simplesmente a lei expressamente qualifica o credor 50 como sendo o detentor – não há posse
por imposição legal.
Portanto, 2 podem conferir posse quando se verifica a antinomia entre direito e poder real
(), ao passo que na consignação de rendimento é a lei que confere poderes de facto.
É também de considerar, conforme diz a lei, que a usucapião abrange apenas direitos de
gozo.

7. Aquisição da posse
A lei não enumera todas as formas de aquisição da posse. Ainda assim podemos considerar
2 grandes modalidades de forma de aquisição: derivada e originária.

Aquisição originária: ocupação, acessão, prática reiterada, inversão do título da


posse, esbulho

a) Características da posse – ocupação e acessão


Tanto a ocupação como a acessão são formas legítimas de se adquirir o direito dentro dos
estritos limites das normas, originando aquilo a que poderemos chamar de posse titulada.
Nos termos do artigo 1266º do CC, têm capacidade para adquirir a posse “(…) todos os que
têm uso da razão, e ainda os que o não têm, relativamente às coisas suscetíveis de ocupação.”
Partindo da ideia de que a posse é um poder de facto, compreende-se que em termos de
capacidade para adquirir posse não se exigem os mesmos pressupostos do que aqueles que
se exigem para adquirir um direito.
Dada a natureza da posse a lei exige apenas o uso da razão, apesar de não o definir. De
todo o modo, tem-se usado como norma interpretativa da ideia do uso da razão aquela que
se aplica no âmbito da responsabilidade civil.

50
Aquele a que o dono atribui poderes de facto.
32
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Tem-se recorrido ao artigo 488º do CC, no qual se diz que “não responde pelas
consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por
qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou
culposamente nesse estado, sendo este transitório.”. É desta noção de imputabilidade que se
retira a interpretação para o uso na razão, visto que não há no código outra expressão a que
se possa recorrer.
No mesmo artigo estabelece-se uma presunção iuris tantum, o que significa que se pode
afastar essa presunção, no sentido de que quem tem mais do que 7 anos (ou anomalia
psíquica) pode ter capacidade.
No entanto, existem exceções:
• Ocupação (artigo 1266º do CC) – tratando-se de uma mera ocupação material pode
bastar-se com ela mesma pois dada a natureza empírica não exige nenhum discernimento
especial, tem a ver com a sua natureza enquanto facto jurídico;
• Quem não tem uso da razão pode adquirir posse por intermediário, desde que este tenha
uso da razão. Qualquer intermediário, se tiver capacidade, ainda que a pessoa seja
incapaz adquire a posse. É uma das formas de suprir a incapacidade;
• O artigo 1890º do CC tem a ver com a aceitação das liberalidades 51 e refere-se que se os
pais nada declararem dentro do prazo fixado, a liberalidade tem-se por aceite, ou seja, se
existir uma transmissão da posse através da liberalidade, ainda que não se tenha uso da
razão, a lei presume a aceitação (o uso da razão), acabando por suprimir a omissão dos
pais em matéria de intermediação.

No artigo 1258º e seguintes do CC a lei estabelece 4 classificações de posse: posse titulada


(artigo 1259º do CC), posse de boa fé (artigo 1260º do CC), posse pacífica (artigo 1261º do
CC) e posse pública (artigo 1262º do CC).
É de notar que existem umas características absolutas e outras relativas, umas que dizem
respeito a todos os interessados e outras aos possuidores imediatos.
É no momento da aquisição da posse que estas características se manifestam, o que
significa que uma vez constituída a posse com determinadas características umas são
permanentes (posse titulada e posse de boa fé) e outras não permanentes (posse pacífica e
posse pública).

b) Posse titulada
Artigo 1259º do CC
1. “Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do
transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico.”
2. “O título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.”

A posse pode ser titulada ou não titulada.

51
Enquadra-se na responsabilidade parental relativamente aos bens dos filhos.
33
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Independentemente de alguns reparos que se possam fazer à norma transcrita, decorre da
lei que este caracter está dependente da maior ou menor aproximação de um eventual
negócio jurídico ao qual a posse está associada52. No entanto, importa ter em atenção que os
negócios jurídicos não transmitem posse, ou seja, a posse não se adquire por negócio jurídico.
Simplesmente, ao negócio jurídico pode estar associada a posse (exemplo: Situações em que
alguém vende ou doa a outro. mas esse negócio era inválido – a posse não foi adquirida pela compra e
venda/doação, embora a aquisição esteja indiretamente ligada ao negócio jurídico.).
A característica da titularidade da posse tem a ver com a sua maior ou menor relação com
o negócio jurídico que antecede a aquisição da posse, o negócio jurídico pode estar por detrás
de uma forma de aquisição da posse.
Por outro lado, importa também ter em conta a distância entre aquisição do direito e a
aquisição da posse. Quando a posse é titulada, há em relação à posse não titulada há uma
maior aproximação53 dessa forma de aquisição posse ao negócio jurídico.
Relativamente à conexão entre negócio jurídico e aquisição a lei, para confirmar que o
negócio jurídico não transmite a posse, encarrega-se de fazer uma distinção que se prende
com o facto de a posse ser titulada independentemente da legitimidade e/ou validade
substancial do negócio jurídico. A posse diz-se titulada quando é fundada 54.
O artigo 1259º do CC está previsto para as aquisições derivadas da posse. Ainda que o
negócio jurídico em que se funda a posse seja inválido quando à legitimidade do transmitente
ou à validade substancial do ato, a posse será titulada.
Quando é que a posse será não titulada? Embora não seja dito, entende-se que existe
posse não titulada quando há vício de forma.
Porque há esta diferenciação? Enquanto os vícios substanciais podem ser desconhecidos
(incluindo ao transmitente), o mesmo não podemos dizer em relação à forma já que o vício
formal terá de ser do conhecimento obrigatório das partes – transmitente e adquirente. Neste
caso, a aproximação ao negócio jurídico é afastada pela invalidade que é necessariamente
uma consequência da ignorância não desculpável do Direito.
Acrescenta-se ainda que uma vez que a norma abrange as aquisições derivadas, no que diz
respeito às aquisições originárias, a posse será titulada quando se funda em formas de
aquisição originária previstas pelo legislador, tal como a ocupação ou a acessão.
A lei refere ainda a invalidade substancial (onde se inclui a ilegitimidade). O legislador
considera que os vícios que geram a inexistência não estão abrangidos na norma, logo a posse
adquirida de atos que envolvam coação física será tida como posse não titulada.
Ainda no que respeita à invalidade substancial devemos considerar os casos em que existe
simulação do negócio jurídico 55 . Verifica-se que na simulação absoluta não há qualquer
vontade de transmitir, nem o direito nem a posse. Logo, existindo um negócio simulado não
há qualquer transmissão da posse, não há vontade de transmitir (não há animus). No entanto,
a simulação pode ser reativa – negócio obrigacional ou negócio real.
Para analisar a invalidade temos de atender ao negócio dissimulado. Se o negócio
dissimulado for de natureza obrigacional não há aquisição de posse; se o negócio
dissimulado for de natureza real (negócio translativo de direito real) aí já vai haver
transmissão e aquisição de posse e aí a posse já poderá ser titulada ou não titulada.

52
As formas de aquisição da posse são distintas/autónomas. A posse adquire-se de formas muito específicas
e pode acontecer que uma das formas de aquisição da posse esteja ligada a um negócio jurídico (eventual
transmissão de um direito real).
53
É uma simples aproximação, nunca identificação.
54
Fundada não significa que foi transmitida. Estamos na presença da posse fundada tem como fundamento
desencadeante e indireto o negócio jurídico.
55
Tem de se olhar para a realidade que é a posse.
34
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Podemos então concluir que a posse será titulada se o negócio em que se funda a posse
padece de vícios formais ou vícios que geram a inexistência desse negócio. Também será
titulada quando o negócio em que se funda padeça de vícios substanciais, com exceção da
simulação absoluta ou da reserva mental.
O que se passa relativamente às formas de aquisição originária da posse no caso da
ocupação ou da acessão? Em relação à ocupação a posse só se verifica nos casos em que
quem encontra a coisa não conhece o seu dono porque se conhecer e não o comunicar há
uma aquisição de posse que é originária e não por ocupação. Se não conhecer o dono da coisa
achada então está obrigado a comunicar às autoridades e, se não o fizer, pode adquirir posse
por ocupação (é uma forma válida de adquirir posse).
Na acessão56 visa-se resolver a quem pertence a coisa depois de unida. Há aquisição da
posse por acessão quando aquele que junta as coisas estiver de boa fé.

c) Posse de boa fé
Artigo 1260º do CC
1. “A posse diz-se de boa-fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.”
2. “A posse titulada presume-se de boa-fé, e a não titulada, de má-fé.”
3. “A posse adquirida por violência é sempre considerada de má-fé, mesmo quando seja titulada.”

A posse também se pode distinguir pela existência de boa-fé ou má-fé. Boa quando o
adquirir lesava o direito de outrem.
A posse de boa-fé deduz-se do facto de ser titulada quando tem na sua base um negócio
jurídico. Simultaneamente ao negócio jurídico há a entrega da coisa (traditio), que é causa de
aquisição da posse.
Em relação à posse de má-fé é importante não esquecer que a lei se refere à ignorância de
que se lesava um direito e não um interesse. Estamos no âmbito de um conceito psicológico
(ignorância, desconhecimento). Esta característica que está relacionada com a simples
ignorância significa que não há nenhum critério ético-jurídico para determinar a relevância de
boa-fé. Para este efeito, a boa-fé é sempre
A prova desta característica é difícil, já que temos de ponderar o conhecimento da pessoa
que adquiriu. Daí, a lei recorre a presunções, como faz no artigo 1360º, nº2 e nº3 do CC.
A aquisição da posse por violência é uma via de aquisição já que, mesmo no âmbito da
posse, o nosso legislador não tolera. A carga negativa da violência perde-se, pois deixa de ser
violenta.
Para além disso, tem-se a dizer que esta característica é permanente, pelo menos
enquanto durar a posse. No entanto há exceções limitadas e taxativas:
• Artigo 1270º do CC – é um dos casos em que o regime dos frutos se modifica em
consequência do conhecimento posterior à aquisição da posse. Quando o possuidor deixa
de estar de boa fé deixa de ser proprietário dos frutos percebidos. O domínio da posse
dos frutos é do titular/possuidor de boa fé (aplica-se aos frutos naturais e aos frutos civis);
• Artigo 323º do CC – refere a interrupção e diz quando a posse de boa-fé passa a ser
considerada de má fé;
• Artigo 564º do CPC – efeitos da citação relativamente ao possuidor.

56
A acessão é a junção de 2 coisas móveis ou a junção de uma coisa móvel com uma coisa imóvel.
35
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
d) Posse pacífica
Artigo 1261º do CC
1. “Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.”
2. “Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos
termos do artigo 255º..”

A posse pacífica é aquela que se adquire sem violência. Por outro lado, considera-se posse
violenta quando, para obtê-la, o possuidor usa da coação física ou a coação moral são
indicadas como sendo meios de aquisição violenta da posse. No entanto, não estão cobertas
todas as situações de violência, pelo que teremos de recorrer ao artigo 154º do CP, donde se
retira que a posse será violenta quando alguém e desapossado contra sua vontade e por meios
que envolvam o constrangimento da respetiva autonomia.
A coação pode ser exercida por 3º. Quando a lei refere a coação física ou moral refere-se a
pessoas, pelo que o problema se coloca quando a violência recai sobre coisas, ou seja,
alguém não ameaça diretamente a pessoa mas sim que destrói uma coisa da pessoa.
Em termos de posse deve admitir-se que esta ação é posse violenta quando o adquirente
conhece ou deveria conhecer que a ameaça sobre a coisa influencia a vontade do anterior
possuidor, estamos no âmbito do constrangimento, mas é necessário que exista dolo
eventual.
Existem ainda casos de caráter relativo de situações designadas por posse sobre violência,
em alguém adquire com violência (que se mantém) e, entretanto, o adquirente transmite a 3º
pacificamente. Esta situação é relevante para efeitos de usucapião e significa que nas relações
entre o atual e o anterior possuidor são pacíficas, mas por detrás desta relação pacifica existe
uma posse que se mantem violenta. Como esta interfere na usucapião devemos considerar
que o atual adquirente continuará afetada pela violência que se mantém na anterior relação.

e) Posse pública
Artigo 1262º do CC
1. “Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.”

Pela definição de posse pública deve-se entender que o legislador pretende dizer que para
efeitos de usucapião e tutela possessória, quer na posse violenta, quer na posse oculta estas
caraterísticas deixam de ter relevo se a posse passar a pacífica ou a pública – é a forma como
a posse é mantida. Todavia, isto não significa que é no momento da aquisição que se
determina a característica da posse pacífica ou da posse oculta. O que conta é a forma como
a posse é exercida (com ou sem violência).
Porque é que isto é relevante para efeitos de usucapião? Quer na posse violenta quer na
posse oculta, verifica-se que o titular do direito real ou anterior possuidor não têm condições
jurídico-materiais para defender a posse/direito. Nestes casos, por diferentes razões, a lei
determina que só existirá usucapião ou tutela possessória quando o ex-titular tiver condições
para reagir, só as adquirindo quando deixa de se sentir ameaçado ou quando tem condições
para saber quem é o possuidor da coisa que lhe foi subtraída ou onde é que o bem se encontra.
Quando cessa a violência e a ocultação da posse? Na violência estamos perante uma
atitude que compromete a liberdade jurídica da pessoa, que cessa quando o desapossado
deixa de se sentir ameaçado.
Por outro lado, a ocultação cessa quando por qualquer causa o ex possuidor tem
conhecimento de quem exerce a posse, ou pelo menos onde a coisa se encontra para que
possa reagir (pedir a restituição, reivindicação direito).

36
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Também na posse oculta se pode falar numa situação semelhante à posse sobre ocultação
(exemplo: B adquire de A uma posse oculta e transmite publicamente a C, mantendo-se a ocultação anterior.
Para efeitos de usucapião, o C também é influenciado pela ocultação entre A e B.)
Quando a lei diz que a posse pública é aquela que se exerce de modo a ser conhecida, utiliza
uma ideia restritiva que acaba por não contemplar todas as situações em que a posse se deve
considerar pública. A posse também se deve considerar pública quando é cognoscível, ou seja,
quando o interessado podia saber quem era o possuidor ou onde a coisa se encontra. Por este
motivo temos de interpretar a norma de modos mais amplos para podermos interpretar a
cognoscibilidade. Deve-se considerar que a posse é pública quando o ex possuidor tenha a
possibilidade normal de conhecer.

f) Usurpação da posse
A usurpação da posse é uma das formas de aquisição da posse. Nesta modalidade
integramos todas as formas de aquisição que têm lugar contra/sem a vontade do possuidor.
Abrande 3 sub modalidades:
➢ Prática reiterada (artigo 1263º, a) do CC) – à 1ª vista parece que temos uma noção de
posse, mas não é o que acontece. Estamos sim perante uma forma de aquisição da
posse. É através da prática reiterada que se adquire a posse, embora acabe por reunir
os pressupostos que caracterizam a posse.
Trata-se se uma modalidade de aquisição que não é imediata, é uma forma lenta de
aquisição da posse.
Como se caracteriza? Pelo exercício de poderes de facto que têm de ser reiterados, isto
é, não têm de ser constantes embora tenham de ser repetidos. Para além disso, não têm
de ter a mesma natureza, mas têm de ser atos materiais e não meramente formais ou
jurídicos (exemplo: Uma declaração de venda não é suficiente para caracterizar uma prática reiterada.) .
Prática significa o exercício de poderes de facto, sendo que não são estabelecidos
critérios para a sua reiteração, apenas têm de ser atos repetidos. A lei evidencia sim que
têm de ser atos públicos57.
Por outro lado, realça-se a correspondência ao exercício de um direito (real). É de
chamar a atenção para o carácter de exclusividade com que a prática é efetuada. Está em
causa o alguém exercer poderes de facto exclusivos sobre um bem, sendo estes aceites
pela comunidade jurídica envolvente. Quando se reunirem os elementos de facto e o
reconhecimento estamos perante as condições necessárias para se adquirir a posse.
É uma forma originária de aquisição da posse porque a lei não invoca o anterior
possuidor, verifica-se apenas que alguém começa a exercer poderes de facto. Interessa o
facto e a forma como os factos são praticados, ou seja, os poderes de facto exercidos de
modo exclusivo têm de ser reconhecidos pela comunidade envolvente. Pode demorar mais
ou menos tempo, dependendo da reiteração.
Adquire-se a posse através de uma situação que já quase configura a posse – situação
pré possessória.

➢ Inversão do título da posse (artigo 1265º do CC) – se aplicarmos a norma à letra estamos
no âmbito da aquisição derivada e não originária. A inversão pode ser implícita ou
explícita.

57
A publicidade não tem a ver com a característica da posse pública, mas tem sim um sentido mais específico.
Significa que os atos materiais são do conhecimento do círculo social onde são realizados, são cognoscíveis
não dos interessados, mas sim do círculo social sendo aceites sem qualquer contestação.
37
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
O 1º pressuposto para se verificar a inversão é o de que a inversão pressupõe sempre a
detenção da coisa, isto é, só pode inverter quem for detentor.
O detentor exerce poderes de facto através do poder de crédito. A inversão significa que
o detentor deixa de atuar em termos do direito de crédito e passa a atuar em termos do
direito real – é a esta inversão que designamos por inversão do título da posse, significa
uma inversão da esfera psicológica do detentor.
É sempre um ato do detentor, quem altera a causa do exercício dos poderes de facto é
somente o detentor, é ele que se convence que é titular de um direito real e não de um
direito de crédito.
A inversão pode dar-se:
i. Por oposição do detentor – supondo o seguinte caso: A (possuidor) arrenda uma casa
a B (detentor). Por qualquer motivo, o detentor deixa de pagar a renda invocando
que afinal ele é que é o dono da casa. Quando se verifica a inversão do detentor?
Esta é uma inversão explícita pois direta ou indiretamente é levada ao conhecimento
do anterior possuidor. A partir do momento em que o detentor se arroga proprietário
passa a ser possuidor por inversão (de forma explícita por parte do detentor).
Esta inversão também pode ser implícita, ou seja, não há uma declaração que se
dirija expressamente ao anterior possuidor, mas há um ato que inequivocamente
configura uma inversão do título da posse (exemplo: O detentor vende a coisa em nome próprio
a um 3º. Como só pode vender quem for dono da coisa, esta venda em nome próprio pressupõe que
previamente houve uma inversão do título da posse.). A inversão implícita decorre da natureza
do ato praticado, o que quer dizer que a inversão está pressuposta no ato que o detentor
realiza.
Nestas 2 hipóteses a inversão começa e acaba no detentor.

ii. Por ato de 3º – refere a 2ª parte do artigo 1265º do CC que a inversão se pode dar
“por ato de terceiro capaz de transmitir a posse” (exemplo: A arrenda a casa a B mas há um
3º que se dirige ao detentor dizendo ser ele o possuidor da casa e propõe vender-lha.). Desde que
o detentor confie na seriedade do ato declaração do 3º, não tem de ser uma
declaração juridicamente válida, tem apenas de ser uma declaração séria na
perspetiva do detentor (pode não o ser na perspetiva do 3º).
Se o detentor confiar na declaração e aceitar a coisa como sua, a partir desse
momento verifica-se a inversão. Neste caso, a inversão é desencadeada por 3º. O 3º
funda a inversão, mas esta verificasse na esfera do ex-detentor.

➢ Esbulho – é uma modalidade residual que se destina às formas de usurpação que não
se limitem à prática reiterada ou à inversão (exemplo: Aquisição por coação física – não produz
efeitos mesmo ao nível de transmissão da posse, é ineficaz seja a nível jurídico propriamente dito ou de
facto.)

38
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Aquisição derivada: tradição material ou simbólica, constituto possessório


(bilateral, trilateral). Tradição ficta: sucessão mortis causa58

(NOTA: Orlando de Carvalho só refere a aquisição originária. Em relação à aquisição derivada podemos consultar
a restante bibliografia, sendo que o Prof. Liberal recomenda o Código anotado de Antunes Varela. Não é usado
o texto de Santos Justo em relação à matéria da posse).

A aquisição derivada levanta menos problemas do que a originária porque em todas as


formas de aquisição derivada intervêm o detentor e o possuidor

a) Tradição59 real
Há uma verdadeira vontade de transmitir a posse. Na tradição real existem manifestações
de vontade no sentido de transmitir e adquirir a posse.
Os negócios jurídicos não transmitem a posse, mas sim o ato de entrega (traditio/tradição).
Muitas vezes a entrega da coisa pode ser simultânea ao ato de entrega (exemplo: Ato de entrega
na compra e venda.).

➢ Tradição explícita (artigo 1263º, b) do CC) – manifesta-se num ato próprio. À partida
não são situações de conflitualidade no âmbito da posse. Pode ser:
i. Material
❖ Direta (ou mão em mão) – quando se entrega a coisa diretamente. Aplica-se aos
bens móveis simples;
❖ À distância (ou longa manu) – ambos os interessados (transmitente e adquirente)
estão perante uma coisa que está no campo de visão de ambos, mas não
diretamente. Apenas refere qual a coisa que vai ser transmitida… acontece várias
vezes com bens imóveis.

ii. Simbólica – para os bens imóveis ou móveis de elevado valor


❖ Entrega das chaves
❖ Documental

iii. Imissão da posse – não está contemplada no CC. Segundo Orlando de Carvalho tem
lugar relativamente ao estabelecimento comercial.
Neste âmbito, para se transmitir não basta entrar no estabelecimento comercial, é
preciso ter conhecimento de vários elementos (contabilidade, nº de trabalhadores), ou
seja, é preciso um conjunto sucessivo de atos materiais que permitam ao adquirente ter
conhecimento do bem que pretende adquirir. Para adquirir a posse, a pessoa tem de
conhecer a complexidade dos diferentes elementos que compõem a coisa, não basta a
mera entrega da chave para que se exerça a posse.

➢ Tradição implícita – subjacente a uma determinada declaração de vontade (não


negocial).

58
Cfr. documento disponibilizado pelo Prof. Liberal.
59
Tradição = traditio = entrega
39
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
i. Traditio brevi manu – não está referida na lei. A posse é adquirida pelo detentor em
consequência da transmissão da posse pelo possuidor (exemplo: A constituiu um
arrendamento em benefício de B. Se, entretanto, A transmitir a posse a B este, que já era detentor,
tornar-se-á possuidor por acordo do anterior possuidor.). É uma modalidade aceite por toda a
doutrina, logo não levanta problemas quanto à sua admissibilidade;
ii. Constituto possessório (artigo 1264º do CC) – a lei mistura posse com direito. Se se
transmite um direito e a posse estamos no âmbito de uma posse causal que não tem
autonomia jurídica, o que não é o que se pretende.

❖ Bilateral (nº1) – (exemplo: A é possuidor e transmite a coisa a B mas convencionam que o A


continua a deter a coisa, ou seja, a exercer os poderes de facto sobre a coisa. Acontece que,
verdadeiramente, por acordo, o bem não chega a sair da esfera do A. Considera-se que existe uma
aquisição implícita porque para se adquirir posse é preciso reunir corpus e animus e, neste caso, a
lei considera que se adquire a posse, não obstante o bem continuar na esfera do antigo possuidor.)
Este caso não levanta problema porque assenta na vontade de ambas as partes e
é uma forma de economizar atos. Traduz-se num procedimento que economiza
atos que são desnecessários dado o acordo de vontades entre os interessados. O
adquirente passa a ter a posse sem adquirir os poderes de facto dessa posse.
❖ Trilateral (nº 2) – (exemplo: A arrenda casa a B e A convenciona com C transmitir-lhe a coisa
convencionando ambos que o B se mantém em B, que continua a ser o detentor da coisa.) Está
implícita a transmissão da coisa embora, nesse momento, o adquirente não exerça
os poderes de facto porque, por acordo, convencionou-se que o bem continuaria
a ser de 3º.
É ainda de referir a seguinte situação: o bem estava na disponibilidade de A que
transmitiu a B mas ambos convencionam que o arrendatário será C. Isto significa que
o B não chega a exercer poderes de facto porque o bem passa imediatamente para a
esfera de C. Assim se evita que A transmita a B e B a C, tornam-se dispensáveis os
atos que do ponto de vista dos interesses das partes serão inúteis.

b) Tradição ficta
Nesta modalidade a lei ficciona a posse, que assenta tanto num elemento material como
num elemento psicológico. Os factos existem ou não, mas o legislador pode criar factos
(corpus e animus) – factos legais. Assim, falamos em posse ficta quando o TC se refere à
presunção de posse, o que não é correto.

➢ Tradição mortis causa (artigo 1255º do CC) – a lei fala em “continua”, ou seja, não há
interrupção. Para haver aceitação não basta animus, também é necessário o corpus
porque se tratam de elementos dissociáveis.
Se houver apreensão material a posse continua, mas se ela não existir a posse
também continua. Como se resolve isto? Recorrendo ao artigo 2050º do CC.

40
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Entre a morte e a aceitação não há posse (não há corpus nem animus60), o que
significa que poderá ou não haver apreensão, mas só com a aceitação é que se reúnem
os elementos do corpus e do animus. Assim, durante esse tempo o herdeiro pode não
ter tido qualquer contacto com a coisa, logo entre a morte e a aceitação há ficção da
posse, inventa-se porque a vontade de aceitar a herança é manifestada algum tempo
depois da morte.
Os efeitos da aceitação retroagem ao momento da morte, momento em que os
factos são recriados ou inventados por parte do legislador.
No artigo 1268º do CC e no artigo 1283º do CC temos outros casos de posse ficta.
Em relação ao artigo 1268º do CC, se alguém é desapossado deixa de ser possuidor
porque há um 3º que vai exercer os poderes, neste caso o corpus e o animus. O anterior
possuidor pode exercer a posse através da ação de restituição.
A nós interessa o caso da privação da posse pois contra a sua vontade, o possuidor
da coisa deixa de o ser.
No artigo 1283º do CC temos outro caso de ficção de posse – o legislador considera
que nunca se perdeu a posse se esta for restituída judicialmente.
Assim sendo, concluímos que não se tratam de presunções, mas sim de ficções.

8. Conjunções de posse: posse simultânea, composse, posse in


solidum. Acessão na posse e sucessão na posse.
As conjunções de posse traduzem-se na coexistência sobre a mesma coisa de diferentes
posses.
Existem 2 modalidades de conjunção de posse:
1. Posse sincrónica – sobre a mesma coisa podem existir simultaneamente posses que têm
direitos reais diferentes (posse em termos de usufruto, posse em termos de
servidão,…).;
2. Posse diacrónica

Posse sincrónica

Verifica-se a conjunção de posses num determinado período. Assim, estamos perante


várias posses que incidem no mesmo objeto e no mesmo plano temporal.
Esta modalidade pode assumir as seguintes formas:
• Composse – ao nível da posse é a face da compropriedade, traduzindo-se na existência
de diferentes posses que incidem sobre quotas ideias sobre o mesmo bem;
• Posse simultânea – sobre o mesmo objeto podem existir diferentes tipos de posse 61,o
que quer dizer que o mesmo bem pode estar sujeito a diferentes aproveitamentos;
• Posse in solidum – é uma comunhão de direitos, ou seja, 2 ou mais pessoas têm posse
sobre o mesmo direito.

60
O animus só se verifica quando há aceitação da herança.
61
Propriedade, usufruto, superfície…
41
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Posse diacrónica

É uma posse sucessiva, simultânea; por outras palavras, existe uma conjunção de posse em
planos temporais diferentes. Neste sentido, podemos salientar as seguintes formas:
• Sucessão na posse – foi referida nas modalidades de aquisição derivada da posse.
• Acessão na posse (artigo 1256º do CC) – estamos no âmbito da aquisição derivada.
Sucede que a lei, para efeitos de usucapião62, permite que o adquirente possa aproveitar
do tempo de posse do anterior possuidor. Conhecido o prazo da usucapião que se aplica
este poderá encurtar-se. É uma faculdade voluntária que só se verifica entre 2 posses
sucessivas. Assim, ó se posse considerar posse aquela que for anterior, está limitado à
posse imediatamente anterior (posse consecutiva). Se as posses tiverem âmbitos
diferentes a acessão dá-se nos limites daquela que tiver um âmbito menor.

9. Efeitos da posse
Presunção da titularidade do direito real

Artigo 1268º do CC
1. “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada
em registo anterior ao início da posse.”
2. “Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação
respetiva.”

A prova da posse é mais fácil do que a prova do direito, sendo que dada a regra sociológica
de que quem tem a posse é também o titular do direito, é fácil de perceber que quando há
problemas de prova, a lei criou esta presunção tendo em vista tutelar o titular do direito, que
assim irá conseguir provar ser o titular do direito e, por outro lado, goza de uma maior tutela.

Artigo 1252º do CC
1. “A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem.”
2. “Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no nº2 do
artigo 1257º.”

+
Artigo 1254º do CC
1. “Se o possuidor atual possuiu em tempo mais remoto, presume-se que possuiu igualmente no tempo intermédio.”
2. “A posse atual não faz presumir a posse anterior, salvo quando seja titulada; neste caso, presume-se que há posse
desde a data do título.”

Retiramos do artigo 1252º, nº1 do CC que a incapacidade pode ser suprida pela
representação, desde que o representante possa adquirir a posse – é a regra geral do negócio
jurídico e vale para a posse.

62
A usucapião é a utilidade da acessão na posse.
42
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
No nº2 do mesmo artigo estabelece-se uma dupla presunção, em que a lei faz presumir a
posse no mero exercício dos poderes de facto porque há uma correspondência tendencial
entre a posse e direito e entre o exercício de poderes de facto e a posse. O simples exercício
de poderes de facto presume a posse e assim presume-se o direito. Através de uma cadeia de
presunções quase que se pode dizer que quem tem o poder de facto é o titular do direito.
No artigo 1254º, nº1 do CC estabelece-se uma presunção que não levanta grande
dificuldade. Atente-se ao seguinte exemplo: A foi possuidor até 1970. É igualmente possuidor
de 1980 em diante. Presume-se, então, que A foi possuidor entre 1970 e 1980.
Do nº2 deste artigo retiramos que se presume a posse desde a data do título, é uma
presunção com menor amplitude mas que sendo uma posse titulada faz presumir a posse
anterior, ou seja, se alguém conseguir provar que tem uma posse titulada então presume-se
que é esse o possuidor.
Todos os casos se tratam de presunções relativas.
Em matéria de efeitos da posse, para além das presunções e da usucapião podemos
também referir a tutela possessória (artigo 1276º do CC) que se consubstancia nas ações de
defesa da posse. Assim, para além da ação direta e da legítima defesa (que são formas de
tutela dos direitos), no campo da posse remete-se para os critérios gerais – a ação de
prevenção, em que alguém pode reagir para prevenir perturbação ou esbulho.
Pode acontecer que alguém seja perturbado na sua posse. Quando, por exemplo, alguém
que entra com frequência no terreno do possuidor, a posse mantém-se através da ação de
manutenção. Por outro lado, se alguém for desapossado da posse, aí perde a posse e já deve
intentar uma ação de restituição.
É ainda de considerar o artigo 1278º do CC, em especial o nº2: “Se a posse não tiver mais
de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver melhor
posse.”. Esta norma não pode ser interpretada à letra pois parece que se o possuidor for
perturbado na sua posse não poderia recorrer às referidas ações, a não ser contra aqueles que
não tivessem uma melhor posse. No entanto, não pode ser interpretada neste sentido.
No caso de privação da posse, é obvio que se a pessoa é privada da posse, a perdeu
(continua a ser dono, mas não é possuidor). Esta norma parece que se a pessoa não tiver uma
posse por mais de 1 ano não teria legitimidade. A questão não passará por aqui, uma vez que
independentemente do tempo em que a pessoa tenha posse, merecerá a mesma tutela.
Assim, esta norma deve ser interpretada no sentido de que se o possuidor for restituído no
prazo de 1 ano considera-se que não foi desapossado. Portanto, não faz sentido privar da
tutela possessória alguém que tem a posse há menos de 1 ano, a posse pode ser adquirida.
Trata-se de uma ficção de posse.

Usucapião

a) Conceito
Outro efeito da posse é a usucapião.
Se a posse for mantida durante um determinado tempo e reunir um conjunto de
características a lei permite que o possuidor, vencido o prazo, possa adquirir por usucapião.
Contudo, de acordo com o artigo 1297º do CC63, o prazo de usucapião não conta enquanto
a posse se mantiver violenta ou oculta. Estas características não são permanentes, o que
significa que a posse adquirida com violência pode deixar de o ser.

63
Este artigo está previsto para a usucapião de imóveis, mas é aplicado igualmente aos móveis, por força do
artigo 1300º, nº1 do CC .
43
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Enquanto se mantiver a ameaça o prazo para a usucapião não conta, só começa a contar
quando cessarem as ameaças ou quando a posse se tornar pública (cognoscível do
interessado).
Com base nesta norma falamos na posse sobre violência ou ocultação. A usucapião vai
funcionar como aquisição de direito que vai ocasionar uma suspensão da titularidade.
Invocada a usucapião, o anterior proprietário perde o direito por aquisição originária oponível
à respetiva titularidade.
Haja violência ou ocultação, a lei protege o titular porque ele não está em condições de
titularidade nem em condições de facto para defender o direito. Só quando estão reunidas as
condições de liberdade jurídica ou de cognoscibilidade é que o titular tem condições mínimas
para defender a respetiva titularidade; daí, a lei consagra a proibição da posse violenta
(exemplo: B adquire com violência de A, continua a exercer ameaças e, entretanto, transmite a posse para C. A,
que é titular, continua a não ter liberdade ou condições para defender o seu direito.).
Nos casos de posse de imóveis entende-se, por aplicação desta norma, que só com
cessação da violência é que o prazo da usucapião começa a contar para o 3º, que é alheio à
situação de violência/ocultação.
É preciso ter em atenção que o artigo 1287º do CC não define a usucapião, apenas diz que
se a posse tiver durado um determinado tempo e se for pacífica/pública, titulada/não titulada,
isso não tem a ver com o decurso do prazo da usucapião. Invocada a usucapião, esta retroage
ao início da posse.
Em matéria de capacidade para adquirir por usucapião a lei é menos exigente porque será
necessário existir capacidade para adquirir posse, daí que a usucapião aproveita a todos que
possam adquirir. Os incapazes podem adquirir por usucapião, quer por si quer por intermédio
de representante. Ainda que quiséssemos aplicar a norma esta não vale integralmente para
efeitos de usucapião porque a lei permite que o incapaz possa adquirir por usucapião, ou seja,
é mais fácil adquirir por usucapião do que ter a posse, exatamente porque a usucapião já
pressupõe a posse.
No artigo 1293º e seguintes do CC a lei divide entre usucapião de imóveis e usucapião de
móveis. Por outro lado, embora haja posse, não permite as servidões não aparentes64 nem
os direitos de uso e habitação.
Os direitos de uso e habitação têm uma natureza in persona, pelo que se são constituídas
em relação a uma determinada pessoa, a lei proíbe que esse direito possa ser adquirido por
um 3º relativamente ao qual o direito não tinha sido constituído.
Em seguida, a lei também estabelece prazos 65 para adquirir a posse por usucapião.
Havendo título e registo da posse, os prazos são diferentes.

b) Usucapião de móveis
A posse de móveis também pode ser sobre violência ou sobre ocultação. Enquanto se
mantiver a violência/ocultação, a lei protege o bem móvel, fazendo com que o prazo não corra
ou, começando, acabe por se suspender, entretanto.
O problema prende-se basicamente com a circulação dos móveis, mais precisamente no
que se refere ao artigo 1300º do CC em relação aos móveis não sujeitos a registo.
Neste caso, a circulação dos bens é fácil e, por isso, a lei arranjou uma solução intermédia
pondo fim a uma incerteza quanto à titularidade quando se trate de um móvel simples.

64
Podem ser confundidas com atos de mera tolerância, logo pode existir algum desconhecimento por parte
do titular.
65
São prazos taxativos.
44
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Relativamente aos imóveis, a diferença está em que o prazo só começa a contar quando
cessem as ameaças. Nos bens móveis, a lei permite a aquisição por usucapião (artigo 1300º,
nº2 do CC). Conforme consta do artigo 1299º do CC, quando se trate de usucapião de coisas
não sujeitas a registo, os prazos são maiores do que prazo normal.
Relativamente às coisas sujeitas a registo devemos considerar o artigo 1298º do CC.
No artigo 1300º do CC não se faz distinção entre móveis e imóveis sujeitos a registo, refere-
se apenas aos móveis. Se aplicássemos esta norma excecional aos móveis não sujeitos a
registo isso seria absurdo porque este regime excecional seria mais benéfico do que o regime
normal, já que, de acordo com o nº2 do referido artigo, se se aplicasse aos móveis sujeitos a
registo o prazo de usucapião seria, na pior das hipóteses, de 7 anos, ao passo que nas situações
normais será de 10 anos.
Esta contradição normativa leva a que o artigo 1300º, nº2 do CC não seja aplicável aos
móveis sujeitos a registo. Esta exclusão tem a ver com o regime fixado pela lei, ou seja, o
regime excecional não pode ser mais benéfico do que o regime geral. Deve existir uma
proporcionalidade entre os interesses de quem adquire de boa fé e os interesses do titular do
direito. Deve existir uma adequação entre os interesses para que exista facilidade de
circulação dos bens móveis simples, pois esta pode inviabilizar o restabelecimento da
ordenação do domínio, o que o legislador pretende com a usucapião.
Para além das vicissitudes66 do decurso do prazo da usucapião, é de referir o artigo 1292º
do CC, que também condiciona o decurso do prazo.
Porque é que o legislador remete para a prescrição? A usucapião é uma prescrição
aquisitiva, que tem a ver com o decurso do prazo. O tempo é um fator importante, sem o qual
não existe usucapião, daí a importância da acessão industrial imobiliária. Nesta medida, é
compreensível a remissão para o artigo 300º e seguintes.
De acordo com a lei, a prescrição está relacionada com o decurso do prazo e produz

Artigo 300º do CC
“São nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por
outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos.”

determinados efeitos. Os prazos estabelecidos são imperativos, tal como acontece com a
norma do artigo 1292º do CC, no sentido da aplicação do regime da suspensão e prescrição.

Artigo 302º do CC
1. “A renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional.”
2. “A renúncia pode ser tática e não necessita de ser aceita pelo beneficiário.”
3. “Só tem legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha criado.”

Na medida em que estamos no âmbito de um negócio jurídico, é possível as pessoas


abdicarem das vantagens que o tempo lhes dá.
Supondo que o possuidor pode invocar a usucapião e pode renunciar a essa possibilidade,
o que se percebe por se tratar de um ato de autodeterminação que não levanta dificuldades.
A renúncia prévia pode esconder alguma decisão em que pode haver uma certa limitação
da liberdade contratual. Portanto, sendo normas imperativas compreende-se que não possa
existir renúncia na pendência da concretização das normas, mas uma vez vencida a prescrição
já se admite.

66
São vicissitudes de natureza geral, na medida em que valem para todas as situações, isto é, quer nas
relações imediatas quer nas relações mediatas.
45
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
A usucapião, pertencendo ao possuidor, é uma faculdade que pode ou não ser exercida.
É ainda de referir que o nº2 e nº3 não levantam grandes questões.

Artigo 303º do CC
“O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou
extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério
Público.”

É uma norma importante e está muito relacionada com a norma anterior. A faculdade de
adquirir um direito real de usucapião não é automática, pelo que carece de ser invocado.
Isto leva a que o decurso do prazo beneficie alguém em prejuízo de outrem, o que acontece
também com a usucapião. O benefício da usucapião é exercido para prejudicar o anterior
titular.
A obrigação da invocação significa que não basta estar vencido o prazo da usucapião para
se adquirir, o que confere uma margem de intervenção ao titular, ainda que possa existir a
designada defesa por exceção. Com a possibilidade da invocação abre-se uma pequena
hipótese de atuação do titular.

Artigo 305º do CC
1. “A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor
a ela tenha renunciado.”
2. “Se, porém, o devedor tiver renunciado, a prescrição só pode ser invocada pelos credores desde que se verifiquem os
requisitos exigidos para a impugnação pauliana.”
3. “Se, demandado o devedor, este não alegar a prescrição e for condenado, o caso julgado não afeta o direito
reconhecido aos seus credores.”

O que significa esta oponibilidade? Por vezes, os credores têm como garantia o património
do devedor.
Na medida em que a posse faz presumir o direito, o credor pode fazer um empréstimo
convencido que, por exemplo, a pessoa é dono de um determinado objeto. Isto significa que
a lei quer proteger os credores contra eventuais renúncias, que podem prejudicar o credor.
Assim, o credor pode invocar a usucapião caso tenha interesse nisso, pelo que se trata de
proteger os interesses dos credores, na medida que lhes permite através desta faculdade
(secundária) eliminar alguns comportamentos que possam ser de má fé.

Suspensão e interrupção do prazo da usucapião

Em que consiste a distinção entre a suspensão e a interrupção? O termo suspensão


significa que algo está a correr e para, suspende-se por qualquer causa67. Há determinadas
causas que têm como consequência a suspensão do decurso do prazo, o que significa que
extinta esta causa o prazo continua a correr. A suspensão não elimina o prazo já decorrido
para efeitos de usucapião, simplesmente põe uma barreira ao seu decurso, que só recomeça
quando cessar a causa.

67
Dada a taxatividade das normas, só são admissíveis as causas de suspensão previstas pelo CC.
46
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Na interrupção 68 anula-se o prazo já vencido até à data, extingue-o e, depois de
ultrapassado o efeito interruptivo, começa a contar um novo prazo.
A grande diferença entre estes institutos tem essencialmente a ver com os efeitos
interruptivos.
A suspensão assenta nas relações entre possuidor e titular do direito, tem a ver com
determinadas situações que os ligam. A usucapião está diretamente relacionada com uma
titularidade prévia, logo o prazo só suspende quando entre os 2 diretos interessados existem
um conjunto de situações que a lei define.
A interrupção verifica-se nas situações reais contra a situação possessória (visa defender o
direito) e, consequentemente, e vai ser restituído o direito, extinguindo-se a posse ou
continuando a posse com uma nova contagem do prazo.
Ainda no que se refere à suspensão, o prazo recomeça a contar, pelo que podemos
distinguir entre:
1. Suspensão de início – verificada uma das causas, se ao o tempo em que a posse se
adquire se verifica uma das causas, o prazo não começa sequer a correr;
2. Suspensão de curso do prazo – o prazo começou a correr e, entretanto, verificou-se uma
das causas previstas na lei (mantém-se o prazo anterior). É o decorrer do prazo que se
suspende, mantendo-se o anterior que ficou para trás;
3. Suspensão de termo – outras situações em que o prazo corre até ao fim, mas não se
completa, faltava-lhe pouco tempo para que se vencesse.

É também importante referir a distinção que decorre do artigo 318º e seguintes do CC:
• Causas de suspensão bilaterais – dizem respeito ao possuidor e ao titular do direito. Por
razões de estabilidade percebe-se que o legislador não permita a aquisição de direito à
custa do outro cônjuge (alínea a) do artigo 318º do CC);
• Causas de suspensão unilaterais – referem-se apenas ao titular do direito e relativamente
às quais a lei atribui reflexos na esfera jurídica do possuidor.

Quer a suspensão quer a interrupção pretendem proteger o titular do direito. É importante


perceber a natureza destes mecanismos porque são institutos de tutela de proteção do titular
do direito e dos quais quem sai prejudicado é o possuidor.
Compreende-se que o legislador tenha de proteger o titular do direto em detrimento do

Artigo 319º do CC
“A prescrição não começa nem corre contra militares em serviço, durante o tempo de guerra ou mobilização, dentro ou
fora do País, ou contra as pessoas que estejam, por motivo de serviço, adstritas às forças militares.”

possuidor porque o domínio faz-se essencialmente através do direito.


Este artigo trata de uma suspensão unilateral. Nestas situações compreende-se que as
referidas pessoas não estejam em condições de defender os seus direitos, a sua esfera
patrimonial.

68
A interrupção também só se verifica nas causas previstas na lei.
47
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Artigo 321º do CC
1. “A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito por motivo
de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.”
2. “Se o titular não tiver exercido o seu direito em consequência de dolo do obrigado, é aplicável o disposto no número
anterior.”

Estamos perante uma suspensão no decurso do tempo. Nos últimos 3 meses (no máximo)
o prazo suspende-se, de modo a proteger o titular incapacitado e que não pode proteger o
seu direito.
Portanto, enquanto durar essa situação o prazo suspende-se e só recomeça quando a
pessoa já não está sujeita a uma situação “de força maior”.
Através do nº2, na prática, estabelece-se um alongamento do prazo da anulabilidade
relacionado com o dolo. Aqui também há uma suspensão do prazo em caso de dolo, pelo
período de 3 meses, só recomeçando o prazo quando este cessar.

Artigo 322º do CC
”A prescrição de direitos da herança ou contra ela não se completa antes de decorridos seis meses depois de haver
pessoa por quem ou contra quem os direitos possam ser invocados.”

Neste caso estamos perante uma suspensão por termo. Está relacionado com a tutela do
património adquirido por morte e, muitas vezes, pode acontecer que não se conhecem os
herdeiros, pelo que, eventualmente, estes não conhecerão a posse.
Quando isto acontece, e estando provados que se tratam de bens de uma herança, a lei
estabelece uma suspensão de termo, que não se completa antes de decorridos os 6 meses.

Artigo 320º do CC
1. “A prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre os
seus bens, salvo se respeitar a atos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante
legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do
termo da incapacidade.”
2. “Tratando-se de prescrições presuntivas, a prescrição não se suspende, mas não se completa sem ter decorrido um
ano sobre a data em que o menor passou a ter representante legal ou administrador dos seus bens ou adquiriu plena
capacidade.”
3. “O disposto nos números anteriores é aplicável aos interditos e inabilitados que não tenham capacidade para exercer
o seu direito, com a diferença de que a incapacidade se considera finda, caso não tenha cessado antes, passados três
anos sobre o termo do prazo que seria aplicável se a suspensão se não houvesse verificado.”

Este artigo diz respeito à tutela dos menores e interditos quando estes sejam titulares de
um direito real contra o qual a usucapião possa ser invocada.
Se o titular de um direito for um menor, o prazo não começa nem corre enquanto não
tiver representante, ou seja, se há data em que a posse é adquirida o titular for um menor
sem representante o prazo não começa sequer a correr, o que já não acontece se tiver
representante (o prazo corre normalmente).
Se, entretanto, cessar a representação e o titular continuar a ser menor o decurso do prazo
suspende-se novamente, sendo já uma suspensão de curso (o prazo correu durante algum
tempo, enquanto durou a representação). A representação decorre segundo um critério de
normalidade, pelo que se entende que o representante, no exercício dos seus poderes, zele
pelos interesses do seu representado.

48
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Contudo, isto pode não acontecer! A 2ª parte do artigo 320º, nº1 do CC refere que “o
menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não
se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.”. Por outras
palavras, a lei estabelece uma suspensão de termo, ou seja, ainda que o prazo para usucapião
tenha corrido ele não se completa enquanto não decorrer 1 ano a partir da maioridade.
É uma suspensão de termo que vai no máximo até 1 ano, para permitir ao ex-menor atuar
e corrigir o desleixo que poderá ter existido por parte do seu representante.
O que se suspende com o prazo? A faculdade de se invocar a usucapião. O menor só
beneficia de uma suspensão de termo se o prazo da usucapião já decorreu ou se já venceu no
prazo de 1 ano, subsequente à data em que atingiu a maioridade.
É ainda de referir o regime especial de suspensão para os interditos/inabilitados (artigo
320º, nº3 do CC). A questão da representação vale para os inabilitados da mesma forma do
que para os menores, o que se entende por estarem em situações de inferioridade por razões
de anomalia psíquica ainda que sejam maiores.
Quando se é declarado interdito 69 . é necessário que estas pessoas tenham um
representante para que possam exercer os seus direitos.
Ao passo que a menoridade acaba por cessar, a interdição pode não cessar,
nomeadamente quando se trate de uma anomalia psíquica! Assim, coloca-se o problema: e
se a interdição não for levantada? Ou se durar por um longo período de tempo? Estas
situações podem acontecer e é nestes casos que se aplica o nº3 do artigo referido. Na 2ª parte
está em causa a proteção do possuidor (2ª parte). A aplicação desta parte pressupõe sempre
o conhecimento do prazo da usucapião.
A lei estabelece uma presunção de cessão da incapacidade findos os 3 anos, contados a
partir do prazo em que se vence a usucapião. Estes 3 anos funcionam como prazo que é quase
uma ficção. Pode manter-se a interdição, mas isto só se aplica se existir representante, caso
contrário aplica-se a regra geral. Portanto, havendo representante e decorrido o prazo
normal, a lei presume que a incapacidade cessa depois dos 3 anos.
É ainda de referir que será ainda de aplicar o nº1 do mesmo artigo, como se se tratasse de
um menor, ou seja, a usucapião pode ser invocado decorrido mais um ano para além daquele
no qual se deu a cessação do prazo da usucapião – a lei estabelece uma suspensão de 4 anos.

Artigo 324º do CC
1. “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente,
a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
2. “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável
ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”
3. “A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.”
4. “É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê
conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.”

Quanto à interrupção, dispõe o artigo 323º do CC.

O compromisso arbitral (artigo 324º do CC) refere-se a um “direito que se pretende tornar
efetivo”. Naturalmente, tem de se tratar de uma situação litigiosa entre a posse (usucapião) e
a titularidade. Se há 2 partes interessadas no compromisso devem dirigir-se a um árbitro e,
assim, compreende-se que haja interrupção do prazo.

69
A interdição pode surgir a qualquer momento.
49
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
É também de mencionar o reconhecimento (artigo 325º do CC). Quando o possuidor
reconhece o direito de outrem, atribui-se efeitos interruptivos ao reconhecimento.

Relativamente aos efeitos da interrupção aplicar-se-á o artigo 326º do CC.

Artigo 326º do CC
1. “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a
partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nº1 e 3 do artigo seguinte.”
2. “A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º.”

O artigo 327º do CC fixa os critérios de duração da interrupção. Se a questão da posse se


mantiver após o efeito interruptivo começa a correr um novo prazo, pelo que será necessária
esta fixação.

CAPÍTULO III – DOS DIREITOS REAIS

1. Os princípios constitucionais dos direitos reais: introdução


Antes de mais, importa considerar as regras e princípios estruturantes do nosso
ordenamento jurídico, nos quais assenta a constituição, transmissão e extinção dos direitos
reais. Mais precisamente, como nascem, crescem e morrem!
A regra que domina os direitos reais é a imperatividade. Sobre os direitos reais aplicam-se
normas imperativas, para além de que se limita a liberdade dos titulares. Com pequenas
ressalvas os direitos reais são fixados pela lei.
Relativamente ao direito de propriedade fixam-se os limites gerais, não existindo qualquer
limitação de conteúdo. Algumas destas restrições designam-se restrições externas e
relativamente ao cerne (licere) do direito de propriedade apenas se fixam limites externos.

No que toca aos outros direitos de gozo, a lei limita a liberdade de constituição e de
exercício. Portanto, não só a imperatividade, mas também a limitação da liberdade de
exercício dos direitos reais, com a natural ressalva dos limites internos do direito de
propriedade.
Há quem fale numa função social da propriedade, o que poderia constituir um limite ao
exercício do direito de propriedade – o direito de propriedade é exercido através do seu não
exercício. Há quem invoque este não exercício. Embora se fale disto em termos doutrinais, o
Prof. Liberal não vê esta função social no CC pois a lei tipifica os limites.
O direito de propriedade, tal como qualquer outro, não é um direito irrestrito.
Se a lei fixa limites a função social manifestar-se-á nestes limites. Até que ponto é que a
função social pode ser um entrave ao exercício do direito? Não se pode falar numa função
social da propriedade, isto é, poder-se-á falar, embora não tenha autonomia jurídica. Os
direitos não são restritos, visto que até o direto à vida não é ilimitado.
Uma coisa são as limitações estabelecidas pelas partes e outra é existir uma cláusula geral
de limitação que costuma designar-se por função social. Pode-se exercer um direito de
propriedade destruindo ou renunciando ao seu exercício.

50
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Quando falamos da noção de direito real devemos ter em conta a relação da coisa com os
não titulares – lado interno e lado externo do direito real.

(NOTA: Há princípios mais ligados ao licere e outros mais ligados à eficácia dos direitos reais.)

2. Princípios ligados ao lado interno

Princípio da coisificação
Neste artigo reduzem-se os direitos reais às coisas corpóreas, embora se admitam regimes
Artigo 1302º do CC
1. “As coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito de propriedade regulado (…).”
2. “Podem ainda ser objeto do direito de propriedade os animais, nos termos regulados (…).”

especiais (conforme determina o nº2 do artigo).


O artigo 1304º do CC refere-se ao domínio público (privado), mais precisamente às
situações em que o Estado atua como mero contraente ou então pode atuar num plano de
soberania, no qual poderá haver apenas um consentimento por parte do particular visado
(exemplo: expropriação; limites à utilização de bens).
Importa assinalar que o artigo 1302º do CC é contraditório. Podemos dizer que é uma
norma contraditada de forma excecional e que, por isso, não cria uma verdadeira abertura a
esta redução imposta pelo artigo. No entanto, o Prof. Liberal tem dúvidas porque, antes de
mais, se tratam de situações que embora sejam taxativamente fixadas por lei, não deixam de
afetar, dentro do seu âmbito, as relações entre privados; por outro lado, a forma como o
estabelecimento comercial é tratado, seja no âmbito do Direito Comercial ou no do Direito
privado, não deixa de constituir uma superação desta limitação.

Quando falamos no Direito Comercial parece não haver grandes diferenças de


enquadramento, seja das coisas corpóreas, seja do estabelecimento comercial, já que o
próprio CC trata o estabelecimento comercial como um bem suscetível de ser objeto de
transmissões.
Acrescenta-se que o próprio Código assenta numa lógica privatista, o que não significa que
quando seja de aplicar uma lei especial ela não tenha a mesma natureza da lei civil. Parece
não haver uma diferença qualitativa de tratamento, ao contrário do que acontece para as
coisas incorpóreas.
Surge outro problema: a questão da titularidade dos animais. Esta parece uma questão de
meio-termo entre as coisas corpóreas e as coisas incorpóreas, os animais parecem ser neutros
nesta distinção, muito embora o seu reconhecimento jurídico autónomo. No entanto, não têm
o estatuto de pessoas nem o estatuto de coisas. Segundo a lei, visto que são seres com
sensibilidade parece que não poderão ser reduzidos a coisas corpóreas (que não têm
sensibilidade). Nesta indefinição diz-se que é-lhes aplicável o regime das coisas (corpóreas).
Como aplicar o regime das coisas corpóreas a um bem juridicamente sensível? Temos aqui
alguma indefinição que no entender do Prof. Liberal acaba por permitir, consoante a redução
do artigo 1302º do CC, que deve ser considerada ultrapassada. Há uma coisificação corpórea
do animal.

51
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
NOTA: É de considerar a Portaria nº 67/2018, de 07 de março, que dispõe que a transmissão
dos animais está sujeita a registo bem como a comunicar o domicílio. Estabelece as regras a
que obedece a compra e a venda de animais de companhia, bem como as normas exigidas
para a atividade de criação comercial dos mesmos, com vista à obtenção de um número de
registo.

Princípio da especialidade (ou da individualização)

NOTA: É designado por Santos Justo como princípio da totalidade.

Artigo 408, nº2 do CC


2. “Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo
alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações
genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes,
a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação.”

Este princípio associa-se ao princípio da totalidade da coisa, na medida em que nos diz que
o direito real abrange a coisa na sua totalidade.
Este nº2 contém um outro princípio
É a própria lei que autonomiza as partes integrantes. Embora a lei não se refira às partes
componentes 70. Do ponto de vista da teoria das coisas a lei autonomiza as partes integrantes
e as partes componentes.
O artigo 204º do CC dispõe que são coisas imóveis as partes integrantes, não basta a ligação
material é também preciso um caráter de permanência.

Se há uma autonomização o que se retira do artigo 408º, nº2 do CC, no que respeita às
partes componentes? De acordo com o artigo 204º do CC, o direito real que versa sobre a
coisa principal (por exemplo, uma casa), é o mesmo que versa sobre as suas partes
integrantes. Isto acontece por influência do disposto no artigo 408º, nº2 do CC. A 2ª parte
refere-se à alienação de bens que são parte integrante. O direito só se transmite quando a
coisa for separada, transmitindo-se imediatamente.
Juridicamente, a partir do momento em que a coisa deixa de ser parte integrante
transmite-se imediatamente, mas apenas quando existe uma separação material, sem
necessidade de qualquer manifestação de vontade.
Em suma, é isto que o artigo 408º do CC vem determinar: as partes integrantes não têm
autonomia jurídica enquanto tal, o que significa que não são objeto de direito reais específicos
ou autónomos, mas são abrangidas pelo direito que versa sobre a coisa principal. Por este
motivo, só com a sua separação é que podem ser objeto de direitos autónomos. A separação
física provoca consequências jurídicas automáticas se a vontade negocial foi anterior à
separação porque se for posterior já não existe qualquer especificidade jurídica.
Por este motivo falamos no princípio da totalidade, ou seja, o direito que se versa sobre
uma coisa abrange quer as partes integrantes e as partes componentes; contudo, não abrange
as coisas acessórias, logo este regime não se aplica às coisas acessórias de bens móveis
(exemplo: Moldura – é uma coisa móvel que está ao serviço do quadro).
Assim, podemos concluir que esta regra só vale para as partes integrantes e não para as
coisas acessórias de bens móveis. (NOTA: É o próprio CC que determina o regime de transmissão as coisas
acessórias.)

70
São coisas móveis indispensáveis à utilização normal da coisa imóvel. Tem o mesmo regime das partes
integrantes.
52
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Portanto são de destacar 2 aspetos:
1. Não existência de direitos reais sobre partes componentes;
2. Possibilidade das partes componentes ganharem autonomia jurídica, o que só é
possível após a separação porque enquanto isso não acontecer não há transmissão do
direito real – é uma condição da propriedade sobre uma coisa que quando alienada era
parte integrante.

Nestes casos, quando é que o comprador adquire o direito real sobre a coisa? Apenas com
a separação.
Na 1ª parte do artigo 408º do CC, a lei refere-se às coisas futuras e indeterminadas. A noção
oferecida pelo CC relativamente à coisa futura não está totalmente correta. Uma coisa futura.
Antes de mais, é preciso atender à noção de coisa futura, no artigo 211º do CC: “São coisas
futuras as que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da
declaração negocial.”. É algo que se espera adquirir, que pode já existir ou não, mas pertence
a 3º e, como tal, espera-se que venha a ser adquirida. Tem a natureza de coisa esperada, pelo
que quando se aliena fazemo-lo sobre esta condição. Não se aliena coisa própria (que
pertence à esfera do alienante), mas podemos faze-lo embora exista uma norma no âmbito
das doações em que a lei considera que a doação de coisas futuras não é permitida. Todavia,
estamos a falar de um negócio oneroso, pelo que este problema não se coloca.
Quando vendemos uma colheita dos próximos anos vendemos um bem absolutamente
futuro, que não existe, mas que se espera que, em condições normais, venha a existir. Há uma
expectativa de aquisição. Enquanto o bem está em formação continua a pertencer ao dono
do terreno, sendo apenas no momento da colheita em que o bem passa para a esfera jurídica
do adquirente.
Existem bens absolutamente futuros, que não existem de todo mas que se espera que
venham a existir (exemplo: colheita); também existem bens relativamente futuros, na medida
em que apesar de existirem fisicamente ainda não estão na esfera jurídica do alienante, mas
espera-se que venham a estar (exemplo: automóvel). A venda do bem não vai ter efeito real nem
causar danos porque o declaratário sabia da condição do bem (nada impede que as partes
assinem cláusulas onde prevejam o regime da responsabilidade).
Supondo que afinal se consegue comprar o automóvel. A partir do momento em que o bem
entra na esfera jurídica do comprador, automaticamente transfere-se para a esfera do 3º, a
quem o automóvel será vendido. Existe uma transferência meramente hipoteca do alienante
para o comprador porque o bem transfere-se imediatamente para o 3º.
Importa agora considerar o artigo 892º do CC e o artigo 893º do CC. Destes artigos
retiramos que não podemos confundir a venda de coisas alheias com a venda de coisas
futuras. Não podemos falar em bens alheios, mas antes bens futuros, ou se trata de um
negócio sobre coisas futuras, ou se trata de um negócio sobre coisas alheias. Admite-se que
esta norma vá mais além e dizer-se que se houve uma reposição da verdade o negócio é tido
como válido
O artigo 897º do CC estabelece uma obrigação de convalidação. Podemos aplicar esta regra
à norma do artigo 893º do CC, pelo que se se vender uma coisa alheia o negócio é nulo, tendo
o indivíduo que assumir que a coisa é própria.
Se a lei admite que esta situação pode ser sanada com a aquisição da coisa alheia, por
maioria de razão esta convalidação pode aplicar-se à situação do artigo 893º do CC – a
convalidação é posterior à compra e venda.

53
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Princípio da compatibilidade (ou da exclusão)

Havendo um poder direto e imediato esta característica inviabiliza a coexistência de 2


poderes diretos e imediatos com o mesmo conteúdo. Portanto, pode-se dizer que o direito
real é incompatível com um direito constituído posteriormente sobre a coisa, desde que tenha
natureza idêntica. É possível a existência de diferentes direitos reais sobre a mesma coisa,
mas de conteúdo diverso.
Isto verifica-se nos direitos reais de garantias, que têm sempre o mesmo conteúdo (exemplo:
Hipoteca.). Neste caso teríamos uma incompatibilidade que a lei resolve através de uma
hierarquização. A lei admite que, por exemplo, sobre uma casa existam várias hipotecas, mas
hierarquiza-as de acordo com o momento constitutivo. A lei permite diferentes direitos reais
de garantia sobre coisas, mas para isso estabelece regras de prioridade.
O direito real de garantia assegura o cumprimento, estabelecendo uma preferência no
pagamento limitado ao crédito.
Ligada à ideia da compatibilidade são de referir os direitos de gozo. Sobre um bem
corpóreo, para além do direito de propriedade, podem existir outros direitos reais (exemplo:
Direito de superfície, direito de usufruto, direito de servidão) . Estes podem existir simultaneamente.
Isto é possível pelo princípio da elasticidade dos direitos reais. Sobre uma coisa corpórea,
para além do direito de propriedade, podem existir outros direitos reais.
Sendo direitos poderes diretos e imediatos, isto admite-se atendendo à característica da
elasticidade dos direitos reais, ou seja, são direitos que admitem contrações e, por isso,
permitem outro aproveitamento sobre a mesma coisa (exemplo: A constituição de usufruto
pressupõe a contração do direito de propriedade.) . Quer isto dizer que na medida em que os direitos
reais são elásticos, sobre uma determinada coisa podem existir diferentes direitos reais, com
diferente conteúdo.
Todavia, este princípio não se limita apenas à contração, também admite a reexpansão.
Constituindo-se o direito de usufruto, o direito de propriedade contrai-se e sobre a coisa
podem existir direitos de natureza diferentes, ainda que tenham aspetos semelhantes – são
poderes distintos estruturalmente. Enquanto existir o direito de usufruto o direito de
propriedade está contraído. Quer isto dizer que extinto o usufruto, o direito reexpande-se
automaticamente, o direito de propriedade reexpande-se à primitiva forma.
Os direitos reais têm, por isso, uma qualidade de contração e reexpansão – aquisição
derivada constitutiva71.

NOTA: Os princípios referidos têm a ver com a natureza do direito real. Contudo, existem princípios mais ligados
à relação dos direitos reais com a comunidade jurídica.

71
Aquisição derivada constitutiva – a transmissão dá origem a uma nova relação jurídica, que não existia.
Aquisição derivada translativa transfere-se o mesmo direito (verifica-se a translação total ou parcial de um
direito de uma esfera jurídica para outra);
Aquisição derivada restitutiva – adquire-se o conteúdo de um direito que não se possuía, o conteúdo é
readquirido. Quando falamos em direitos reais a restituição não é uma atuação do titular do direito, mas sim
uma consequência da restituição, motivo pelo qual há uma reexpansão automática. Podemos dizer que a
renúncia terá aquela consequência, mas o queu provoca a restituição é a reexpansão do direito real (o
proprietário readquire faculdades). Esta reaquisição não resulta do negócio jurídico.
(NOTA: Confrontar matéria de Teoria Geral, 1º semestre.)
54
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

2. Princípios constitucionais ligados ao lado externo

Princípio da consensualidade

Artigo 408, nº1 do CC


1. “A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas
as exceções previstas na lei.”

Quando falamos em coisa presente referimo-nos a uma coisa que é própria, que está na esfera
jurídica daquele a que pertence.
Esta norma está incompleta, na medida em que depois para além de “determinada”
também se deveria referir “presente”, isto é, coisa determinada e presente.

A regra dos contratos é a regra da consensualidade. Porém, este princípio dos direitos reais,
distingue-se o princípio da consensualidade dos negócios jurídicos – princípio da liberdade de
forma (artigo 219º do CC). ATENÇÃO: Não confundir o artigo 408º do CC com o artigo 219º do CC.
O que se entende por forma da declaração negocial/negócio jurídico? Tem a ver com o
modo de expressão da declaração negocial. Do ponto de vista formal, nos negócios jurídicos
deve-se observar o consenso entre as partes.
A forma geral dos negócios jurídicos é a consensualidade entre as partes. No entanto, a lei
também estabelece algumas exceções.
O mero acordo e a exigência de forma escrita têm a ver com a formalização da declaração
negocial, são aspetos prévios. Sendo válido o negócio jurídico (sendo ou não formalizado), o
direito transfere-se imediatamente por mero efeito do contrato. Nos direitos reais, formula-
se o negócio e estando este completo, o efeito real produz-se automaticamente, não é preciso
nenhum ato de entrega.
Assim, não se deve confundir a manifestação externa do direito real com a transmissão
decorrente do negócio jurídico.
A norma da consensualidade apresenta algumas exceções, em que não basta o negócio
jurídico para se produzir o efeito real. Isto acontece a propósito da hipoteca.
Antes disso, será importante referir o artigo 669º do CC, no qual se estabelece que o
penhor (direito real de garantia) só produz efeitos com a entrega da coisa, não basta o mero
efeito do contrato.
Quanto ao penhor de direitos devemos atentar no artigo 681º, nº2 do CC – “Se, porém,
tiver por objeto um crédito, o penhor só produz os seus efeitos desde que seja notificado ao
respetivo devedor, ou desde que este o aceite, salvo tratando-se de penhor sujeito a registo,
pois neste caso produz os seus efeitos a partir do registo.”. Nesta hipótese, a lei exige a
notificação a constituição do direito.
A propósito da hipoteca é de referir o artigo 686º do CC.
Nestes 3 casos, a lei não se basta com o mero consenso (estando ou não formalizado).
Mesmo havendo consenso o direito real não se constitui, é necessário um ato posterior e
juridicamente autónomo. A entrega da coisa nada tem a ver com a declaração negocial, são
atos autónomos.

55
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

DIREITOS REAIS – aula prática nº 5 (21/03/2018)


1.
móvel
A B C D
furto venda com entrega usufruto

Trata-se de um bem móvel simples, que foi furtado ao dono da coisa. Posteriormente, o B faz uma venda com
entrega a C, que constitui usufruto a favor de D.
Analise as relações jurídicas do ponto de vista possessório (características, formas de aquisição da posse).

• Posse violenta de B;
• O furto é uma forma de aquisição originária da posse, mais concretamente a usurpação –
artigo 1267º, nº1, d) do CC, é de aplicação subsidiária, posse não titulada, violenta e
possivelmente oculta, não titulada;
• Venda com entrega: os negócios jurídicos não transmitem a posse, ela é transmitida pela
entrega, aquisição derivada translativa, tradição real explícita material direta, pub, presume-
se a boa fé, pacífica, direito real de aquisição;
• Usufruto: aquisição derivada constitutiva, material, direta, conjunção de posse sincrónica
simultânea, titulada, pub, boa fé, direito real de gozo
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Princípio da taxatividade (ou da tipicidade ou do numerus clausus)

Artigo 1306º, nº1 do CC


1. “Não é permitida a constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares
deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas
condições, tem natureza obrigacional.”

Este preceito é importante, na medida em que é determinante não só na constituição dos


direitos, mas também no âmbito do respetivo conteúdo (poderes).
Nesta norma fala-se de restrições ao direito de propriedade ou figuras parcelares. São
institutos diferentes que têm a ver com a natureza dos direitos reais.
Como se distinguiam? É de recordar que a propósito da aquisição derivada constitutiva
surge um direito novo. A constituição de qualquer direito real menor (usufruto, hipoteca, …)
envolve sempre uma limitação do conteúdo do direito de propriedade, visto que todos os
direitos têm origem no direito matriz estamos – filiação.
O que acontece é que dada a elasticidade dos direitos reais, estes podem sofrer contrações
sem que isso o desvirtue. Em termos quantitativos fica um direito com menos faculdades,
mas, na sua essência, mantem a mesma natureza. Por este motivo, qualquer direito real fruto
de uma aquisição constitutiva, na medida em que está limitado, é algo que não existia antes,
mas não deixa compreendido, em abstrato no Direito matriz, simplesmente tratavam.se de
direitos que não estavam em função, limitados.
Quando se cria um direito e a lei o delimita, essa delimitação dá origem a novas figuras,
que não deixam de ser derivados, mas são novos porque têm no seu conteúdo uma
delimitação que não existia, ultrapassava em extensão e natureza os poderes que a lei modela
relativamente a cada direito real menor.
56
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Uma figura parcelar no nosso Código era a enfiteuse. Constituída a enfiteuse o direito de
propriedade perdia a sua natureza anterior, dando origem a 2 direitos: o direito encabeçado
pelo foreiro e o do senhorio. Deixava de haver proprietário e outro interveniente, o que
significava que o direito de propriedade se parcelava, daí a designação de figura parcelar. Uma
vez constituída, o proprietário deixava de o ser e assumia a figura de senhorio, com um
conjunto de poderes próximos do direito de propriedade embora com algumas diferenças. O
adquirente podia adquirir o domínio útil, aquilo que restava ao anterior proprietário.
Extinta a enfiteuse não existem figuras parcelares, pelo que esta norma se resume às
restrições ao direito de propriedade.
É a lei que fixa taxativamente os tipos de direitos reais, o que significa que em matéria de
direitos reais a liberdade contratual está limitada porque só se podem constituir os direitos
previstos na lei, apenas esses e com o conteúdo permitido pela lei.
Nalguns casos o conteúdo é flexível (o conteúdo dos direitos menores e determinado pela
natureza do objeto); no entanto, a lei fixa os parâmetros, a liberdade de exercício, gozo e de
fruição de cada um desses direitos, ou seja, fixa tudo aquilo que é essencial.
Há uma abertura diferente relativamente aos outros direitos reais que tem a ver com as
servidões. Há uma indefinição maior, mas os parâmeros não deixam de estar limitados e o
direito mede-se pelos parâmetros definidos, pode haver maior ou menor definição,
mas o direito está tabelado na lei. O que justifica isto? São poucos os países com o princípio
da taxatividade. Na Europa, Portuga é o único.
Contra este princípio da taxatividade tem-se a dizer este pode ser antieconómica porque
limita a liberdade de exploração das coisas e as formas de aproveitamento dos bens (as partes
não podem inventar novas figuras que se adaptassem melhor às circunstâncias do mercado,
que permitiria um melhor aproveitamento dos bens). Apesar das críticas, o nosso legislador
adotou a taxatividade e a doutrina fundamentou-a.
Neste sentido, importa salientar 2 ideias a seu favor:
1. Importância dos direitos reais na organização da sociedade – o direito de propriedade é
que domina a organização da sociedade. Se os direitos reais têm uma importância
crucial na sociedade, isso significa que a intervenção da lei se faz no sentido de clarificar
e ordenar as formas de aproveitamento dos bens. Isto leva o legislador a definir os
moldes de aproveitamento dos bens;
2. Registo/ conhecimento – na medida em que os direitos reais têm uma natureza erga
omnes, a opção pelo numerus clausulus deve-se ao facto de que um regime de abertura
e liberdade da constituição das figuras dos direitos reais, poderia levar a que se
constituíssem direitos reais com eficácia erga omnes que pudessem não ser conhecidos
dos eventuais interessados. Podemos dizer que este último argumento cai se o regime
do registo72 for aperfeiçoado.

Estes 2 argumentos são aqueles que ainda pretendem justificar esta opção legislativa. O
certo é que a importância dos direitos reais no nosso país é a mesma do que nos restantes
países, embora tenham acabado por ter um tratamento diferente. A realidade tem mostrado
nos restantes países que a imaginação das partes não vai além daquilo que o legislador prevê.

72
Há 50 anos o registo era instituto muito primitivo e ainda é de salientar, nos dias de hoje, a sua
insuficiência, pelo menos no que diz respeito à propriedade rústica. Ainda assim, é de salientar que há um
regime de registo semi obrigatório.
57
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Embora se possam criar figuras híbridas constata-se que na maioria das situações, na
prática o regime é também taxativo nos restantes países embora não o seja formalmente.
Assim não se criam grandes problemas.
Deste modo, é importante realçar a limitação da liberdade da constituição dos direitos
reais não só quanto ao tipo de direitos reais, mas também em relação ao próprio conteúdo
dos direitos reais.
A 2ª parte do nº1 é aquela que levanta maiores problemas do ponto de vista jurídico. A
norma não pode ser interpretada literalmente porque é importante recordar a figura da
conversão dos negócios jurídicos.
O artigo começa com a expressão “não é permitido” – é uma norma imperativa. Quer isto
dizer que toda a figura que não seja nas condições definidas tem natureza obrigacional.
O que acontece, por exemplo, se se constitui um usufruto onde se prevê faculdades mas
se ultrapassam os limites previstos na lei, ou seja, se se cria uma figura de usufruto diferente
daquela que está prevista na lei? Sendo uma norma imperativa e na medida em que esta não
o permite, o negócio será nulo, por força do artigo 294º do CC. Há uma contradição em se
dizer que o negócio é nulo e que tem efeitos obrigacionais (um negócio nulo não produz
efeitos de facto).
Nesta medida, a última parte do artigo 1306º do CC deve ser conjugada com o artigo 293º
do CC, onde está prevista a figura da conversão. Não obstante a invalidade existe também o
princípio de aproveitamento dos negócios jurídicos. Então, permite que declarações de
vontade, forma escrita (entre outros) possam ser convertidas noutro negócio jurídico, desde
que seja válido.
Converter é transformar um negócio inválido noutro válido, mas o problema é que vamos
buscar o “material” de um negócio inválido para tentar constituir um negócio válido.
O artigo 293º do CC estabelece o requisito deste processo – regras de forma e substância
e vontade das partes. Um negócio válido tem de reunir um conjunto de requisitos substanciais
e formais.
A lei faz uma referência ao “fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam
querido [o negócio nulo], se tivessem previsto a invalidade”. É óbvio que a vontade real das
partes era formar o negócio nulo. No entanto, a conversão só será possível se aquele que a
fizer tiver elementos que lhe permitam supor que as partes quereriam a conversão se
soubessem antecipadamente que o negócio seria inválido.
Se a conversão não for do interesse das partes, esta não se realizará. As partes têm sempre
a liberdade de afastar a conversão, manifestando que essa não seria a sua vontade. Contudo,
a norma exige que se faça prova destes elementos, isto é, o intérprete tem de concluir que
não há oposição das partes na conversão do negócio. Estas são faculdade que estão inerentes
ao instituto da conversão.
Posto isto, quando se refere no artigo 1306º, nº1 do CC que “toda a restrição (…) tem
natureza obrigacional” trata-se de uma presunção da vontade hipotética73, no sentido de que
as partes querem um negócio obrigacional. A lei facilita a prova da vontade hipotética 74. É
necessário que o requisito de forma/substância seja suficiente para se constituir validamente
o negócio de natureza obrigacional. Para que haja presunção é preciso que haja consciência
de qual teria sido a vontade das partes se não houvesse invalidade porque se não se conseguir
determinar a vontade hipotética não haverá conversão.

73
É uma presunção relativa, na medida em que as partes a podem afastar dizendo que a intenção não seria
aquela que se presume.
74
Não pode haver presunção dos elementos substantivos pois esses existem ou não (exemplo: capacidade,
forma, …). Para o negócio obrigacional pode não se exigir forma escrito como se exige para o negócio real.
58
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Estabelece-se uma presunção do requisito do artigo 293º do CC, mas apenas no sentido de
que as partes queriam o negócio obrigacional. Se for no sentido da presunção do direito real
então já terá de se fazer prova da vontade hipotética. A vontade hipotética é no sentido de o
negócio ser obrigacional porque se for no sentido de as partes terem querido o negócio real,
aí terá de se verificar o regime da nulidade do negócio.
Em todo o caso, com ou sem presunção, as partes têm sempre a faculdade ou de afastar a
presunção ou de afastar a vontade hipotética que eventualmente se formou. Esta presunção
é muito importante na determinação a vontade das partes.
Esta presunção apenas se aplica às restrições, ficam de fora as figuras parcelares. É claro
que as partes atualmente podem criar uma figura que consubstancie uma figura parcelar.
Antes havia um modelo de figura parcelar (com uma função diferente), o que não quer dizer
que as partes não a possam criar. Seja como for, é preciso analisar os limites da presunção,
pois a figura parcelar satisfaz um conjunto de interesses diferentes daqueles que são
satisfeitos através dos direitos reais.
Os direitos obrigacionais acabam por satisfazer um conjunto de interesses bastante similar,
daí que a lei estabeleça a tal presunção. Na prática os interesses são satisfeitos da mesma
forma, pelo menos no seu conteúdo essencial. Como há uma similitude na satisfação de
interesses a lei estabelece uma paridade de interesses, o que não acontece na figura parcelar,
em que existem interesses que não são compagináveis, embora isso não signifique que não
possa existir.

Princípio da causalidade e da publicidade. A tutela dos direitos de terceiro de


boa-fé e dos terceiros para efeitos de registo.

É o princípio que prevalece no nosso ordenamento jurídico no que se refere à transmissão


de direitos (reais) e que pressupõe a validade do ato translativo.
Quando falamos em validade estamos a abranger todos os aspetos – substância e forma.
Relativamente às questões substantivas (capacidade, declaração negocial, reserva,
natureza) não há muito a dizer. No que toca à forma, já há alguns aspetos a considerar.
Em 1º lugar será de referir o DL nº 116/2008, de 04 de julho75 que introduziu alterações
relativamente ao Código do Registo de Notariado. É de destacar o artigo 22º do CRegP, onde
está regulada a matéria da forma da transmissão e constituição de direitos reais assim como
as figuras restritivas. Esta norma comparada com o regime anterior vem simplificar a forma
dos negócios translativos dos direitos reais. Contudo, é fácil de perceber que o documento
particular autenticado facilita em muito os negócios jurídicos.
Em matéria de constituição de diretos reais, podemos dizer que o direito real se transfere
por mero efeito do contrato. Existem exceções, nas quais para além da declaração negocial, a
validade depende de um ato posterior (são referidas na lei). Nestas situações, a validade do
direito real está dependente, cumulativamente, da validade e também desse ato. Isto significa
que, por exemplo, a hipoteca de imoveis sujeitos a registo não se constitui enquanto não
houver registo. O negócio translativo só terá efeito com o registo.
Muitas vezes, a aquisição dos direitos reais segue a regra do princípio da validade do
negócio jurídico. A lei admite que em determinadas situações se possam adquirir direitos reais
ainda que a transmissão não seja válida, mas são situações excecionais ligadas ou à tutela da
boa-fé76 ou aos interesses associados ao registo (e por vezes os 2 cumulativamente).

75
Introduz alterações legislativas ao Código do Registo Predial.
76
Cfr. artigo 243º do CC.
59
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Por vezes, a lei faz ceder a regra da validade em homenagem à tutela da boa-fé, que se
traduz no desconhecimento de que alguém adquire de outrem que não tem legitimidade para
tal.
Os fins do registo predial destinam-se a dar publicidade à situação jurídica dos bens, tendo
em vista a segurança no comércio jurídico. Os direitos reais são eficazes erga omnes. A
questão que se coloca é possibilitar àqueles que têm interesse direto sobre determinada coisa
possam conhecer a situação dominial que existe sobre o imóvel. O registo destina-se a
cadastrar a situação jurídica dominial dos imóveis.
A tutela que se pretendia alcançar sofreu durante algum tempo de certas lacunas, dado
que o registo não era obrigatório. A figura do trato sucessivo (artigo 34º do CRegP) consistia
no seguinte: como era necessário transmitir um imóvel e a validade estava dependente da
escritura ou documento, a lei exigia que para se efetuar a transação o bem teria de estar
registado em nome do titular. Era uma forma indireta de obrigar ao registo embora não tivesse
grande eficácia, na medida em que as pessoas não tinham o hábito de registar.
Assim, introduziu-se o princípio de registo obrigatório (artigo 8º-A do CRegP). A validade
da transmissão ainda não está dependente do registo, caso contrário este acabaria por ser
obrigatório. O registo continua a ser um ato subsequente ao negócio jurídico translativo.
Tendo em conta os interesses de tutela e de segurança do comércio jurídico subjacentes
ao negócio jurídico, percebe-se que a segurança possa conflituar com a questão da validade.
A regra da validade só por si não assegura a segurança do comércio jurídico que o registo
pretende assegurar. Este interesse da segurança conflitua com a regra da validade. Por este
motivo, a lei acaba por sacrificar parcialmente a regra da validade ao interesse da segurança
jurídica. Assim, introduz uma derrogação à regra da validade.
Se o registo visa garantir a segurança, como é que esta se obtém? Através da
oponibilidade ou da possibilidade de conhecimento dos direitos que incidem sobre uma
determinada coisa.
Assim, a lei estabelece um princípio de eficácia que está relacionado com a segurança dos
negócios jurídicos e fá-lo depender não da validade, mas sim do registo.
Entre as partes o registo não é necessário, a questão coloca-se relativamente a 3ºs. O artigo
4º do CRegP estabelece a regra da eficácia dos atos sujeitos a registo (relativamente aos quais
se aplica este princípio).
No artigo 5º do CRegP introduz-se uma prevalência da tutela da segurança em relação
validade da hipoteca. O nº4 contempla uma noção de 3º que é diferente da noção
apresentada no artigo 243º do CC ou do artigo 291º do CC, situações em que o 3º é aquele
que se encontra numa cadeia de transmissões (exemplo: A vende a B, sendo este negócio nulo. B não
tem legitimidade, mas vende a mesma coisa a C, sendo o negócio também inválido. Se C entregar a D, também
será inválido. Conclui-se que a legitimidade nunca foi alcançada, na medida em que os negócios anteriores eram
inválidos.).
Para efeitos do registo, a noção de 3º diz respeito àquele que recebe de mesmo autor ou
transmitente direitos incompatíveis que esse mesmo autor teria transmitido.
Em que se manifesta a diferença? Para se aplicar o princípio da oponibilidade que tem
consequências do ponto de vista da aquisição, o negócio tem de ser válido, por aplicação da
norma (exemplo: A vende a B, sendo esse negócio válido). Nesse sentido existe aquisição, havendo ou
não registo.
Se o B regista pode opor o seu direito a qualquer pessoa (3º e comunidade em geral).
Quando A vende a C aí não se levantam problemas porque o B, que registou o direito, pode
opor o direito a 3º, seja a C ou a qualquer outro a que C aliene posteriormente. A oposição
está garantida na medida em que o direito é oponível erga omnes.

60
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Pelo contrário, se B não registar e A vender a C, esta transmissão será inválida porque
anteriormente houve uma transmissão válida e B passou a ser titular.
No entanto, se C registar antes de B (princípio da prioridade registal77) acontece que “os
factos sujeitos a registo” só serão oponíveis contra 3º s, o que significa que embora B seja o
proprietário e legítimo titular do direito real do bem, não poderá opor o direito a C e, pelo
contrário, tendo C registado poderá opor a B. Isto tem a ver com a garantia da segurança do
comércio jurídico.
Ainda assim, colocam-se outros problemas. Todavia, importa ter em conta que este parece
ser um regime violento.
O registo tem um significado preciso. Com o princípio da eficácia e com a dependência da
eficácia dos direitos reais do registo de 3º isto significa que o interesse da publicidade está
associado um regime específico do registo78: nas relações com 3ºs, na sequência do regime
da eficácia, o registo pode ser atribuído com uma dupla característica – uma negativa e uma
positiva.
Entre 3ºs, a oponibilidade significa que um direito não registado é como se não existisse,
ao passo que um direito registado existe perante 3º e pode ser invocado. Se o direito não
estiver registado não será invocável e, portanto, é como se não existisse perante o 3º. O
inverso acontece com um direito registado. Estamos perante interesses relacionados com a
tutela do negócio jurídico e é por isso que se discute se se protege os 3ºs quando estes estejam
de má-fé (que sabe que não existe legitimidade na aquisição).
Há quem entenda que a boa-fé relava, mas em homenagem aos interesses de publicidade,
neste caso, a boa-fé não é relevante. Pode colocar-se o problema da prova – o 3º está ou não
de má-fé?
A ideia de publicidade poderia ser gravemente posta em causa se este sistema não
funcionasse desta forma. Eventualmente, poderá recorrer-se à figura do abuso do direito,
nomeadamente quando houvesse dolo específico por parte do adquirente, mas tratam-se de
situações muito excecionais.
É pela dimensão negativa e dimensão positiva do registo que se explica porque é que a lei
protege quem adquire invalidamente, em homenagem a interesses que estão além dos
interesses individuais das partes em confronto. Está em jogo a segurança no comércio jurídico
e não interesses individuais. Há um ónus no sentido de tutelar a respetiva dominialidade.
A lei só fala na oponibilidade decorrente do não registo (artigo 5º do CRegP), o que
significa que este regime do registo não interfere com eventuais outras invalidades.
Se o regime do registo só tem a ver com o não registo e subsequente com a falta de
legitimidade daquele que transmitiu a 3º, isso significa que os outros vícios para além deste
não estão abrangidos neste regime.
Por outro lado, o 3º que adquiriu e que regista apenas está protegido contra a falta de
legitimidade do transmitente, visto que este tinha transmitido anteriormente de forma válida.
Este regime pressupõe 2 coisas:

77
Aquele que regista primeiro o seu direito pode opô-lo a quem tenha legitimidade3º. Confere a prioridade
àqueles que mesmo não tendo legitimidade registaram primeiro o bem.
78
Este regime é limitado do ponto de vista subjetivo, na medida em que só é válido para 3º s. Não se aplica
erga omnes.
61
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Não haver vício na transmissão – em 1º, que o negócio (entre A e B) seja válido, caso
contrário C que, entretanto, adquiriu, poderá impugnar a validade, mesmo que não tenha
registado. Se o fizer adquire legitimamente. Se o negócio entre A e B for inválido, se C
impugnar irá adquirir validamente, na medida em que a aquisição por B foi inválida. Neste
caso, não se protegem os anteriores adquirentes (não há campo de aplicação para a regra
da oponibilidade);
• Por outro lado, a transmissão de B para C só pode ter como vício a falta de legitimidade
decorrente de uma anterior transmissão válida. Se o A tiver adquirido invalidamente, se
depois transmitir a B e este transmitir a C não se aplica a regra do registo porque se pode
recorrer à regra da invalidade em geral para afastar as consequências jurídicas. Estamos
apenas perante uma ilegitimidade decorrente de uma alienação válida feita
anteriormente, sendo apenas nesta situação que se o 3º registar poderá opor – aquisição
a domino.

Quando falamos em publicidade dos direitos reais, é óbvio que a forma escrita é uma
forma de publicidade, embora esteja apenas ao alcance dos diretos interessados. Isto não
acontece no que se refere ao registo, já que estará ao alcance e todos.
O DL nº 263-A/2007, de 23 de julho prevê o procedimento especial de oneração,
transmissão e registo de imóveis – atendimento presencial único. São mecanismos que têm
em vista permitir uma transmissão e registo mais fáceis, do ponto de vista jurídico.

4. O direito de propriedade
Neste tema vamos debruçar-nos sobre os direitos reais em gera. Já referimos que existem
vários tipos de direitos reais (gozo, garantia e aquisição) bem como já se falou na classificação
das coisas. Assim, torna-se necessário abordar o direito de propriedade.

Noção

Artigo 1302º do CC
1. “As coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito de propriedade (…).”
2. “Podem ainda ser objeto do direito de propriedade os animais (…).”

O direito de propriedade é o direito matriz, que está na origem de todos os outros e que
esgota o licere do bem. Verdadeiramente, não se define por si mas pelo seu conteúdo, como
resulta do artigo 1305º do CC: “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de
uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com
observância das restrições por elas impostas.”.

62
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Limites (breve referência)

O artigo 1305ºA do CC79 refere-se aos animais, sendo que o direito de propriedade nestes
casos estará limitado por não poder ser exercido no mesmo âmbito que seria relativamente a
bens inanimados e, nesse sentido, temos um regime jurídico em que o direito de propriedade
está sujeito a um conjunto de restrições que estão relacionadas com o objeto desse mesmo
direito. A questão que se coloca é em relação à garantia. E se o proprietário não cumprir a
garantia de acesso a cuidados médicos? Haverá alguma sanção? Do ponto de vista do Direito
Civil não há nenhuma exigência, a não ser que se crie uma forma de tutela e se confira
legitimidade das associações.
No geral, o direito de propriedade não tem restrições. As restrições em matéria de Direito
Civil são aquelas que constam no artigo 1346º e seguintes do CC – são limites decorrentes de
relações de vizinhança e que se prendem com interesses privados.

Aquisição originária: a ocupação e acessão

A ocupação e a acessão são formas de aquisição originárias, são operações jurídicas


materiais às quais se aplicam alguns limites.

a) A ocupação
O regime da ocupação consta do artigo 1318º do CC onde se dispõe que “podem ser
adquiridos por ocupação os animais e as coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram
abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários (…)”). Nesta medida, adquire-
se instantaneamente com a simples apreensão. Não é uma aquisição automática, mas sim
potestativa porque decorre de uma simples apreensão material. O simples ato da apreensão
envolve aquisição.
A ocupação só abrange móveis, as coisas imóveis sem dono conhecido pertencem ao
Estado, conforme consta do artigo 1345º do CC.
É ainda importante referir o artigo 1323º do CC (animais e coisas móveis perdidas) onde
está previsto um regime em que a ocupação não opera imediatamente no momento da
aquisição do bem porque a lei quer preservar um prazo durante o qual o titular possa reaver
essa coisa. Quando estejamos perante coisas perdidas a lei obriga ao achador que este devolva
o achado ao seu dono (ou pelo menos que o avise que a encontrou). Se não o fizer, obriga
ainda a lei que comunique o achado às autoridades e, somente após 1 ano a contar da tomada
destas diligências, se não aparecer o dono, pode adquirir. Se aquele que achou a coisa não
comunicar não adquire por ocupação, mas, eventualmente, por usurpação.
Assim, no que diz respeito às coisas perdidas, a legalidade da ocupação está dependente
dos procedimentos estabelecidos no artigo 1323º do CC pois se não forem feitos dá origem à
aquisição por usurpação.
É importante referir que a aquisição por ocupação é uma forma lícita de o fazer.

79
Este artigo não tem propriamente a ver com direitos reais, mas sim com outras obrigações. Em relação aos
animais existe um poder de disposição.

63
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

DIREITOS REAIS – aula prática nº5 (04/04/2018)


B (empréstimo em 2000)
A
C (venda nula em 2005)
D

Em 2000, A empresta a B uma coisa. Em 2005 vende a mesma coisa a C, sendo esta venda
declarada nula por o bem-estar na disponibilidade de D. Pouco tempo depois, ao tomar
conhecimento, B intenta uma ação possessória.

• O B não adquire posse porque a coisa foi emprestada, logo será um simples detentor (artigo
1253º, c) do CC). Está excluído o direito real, é uma relação obrigacional. Há um vínculo
jurídico, um acordo vinculativo entre A e B.
• O detentor é o tolerado.
• Se há uma relação jurídica não há qualquer ato de tolerância.
• Em relação a A e C, temos uma forma de aquisição derivada (artigo 1264º, nº2 do CC). No
caso da aquisição derivada não deixa de se considerar que há posse ainda que a detenção
haja um 3º.
• E se B quiser defender a sua detenção? Poderá? Artigo 1311º do CC – ação de reivindicação
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

b) A acessão

Artigo 1325º do CC
“Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não
pertencia.”

A acessão está prevista no artigo 1325º e seguintes do CC e é um fenómeno que consiste


na junção de 2 coisas que pertencem a donos diferentes. Pode ser:
• Natural (artigo 1327º do CC) – dá-se por mero efeito da natureza. Decorre do princípio
da totalidade/especialidade que as partes integrantes/componentes não têm autonomia
jurídica, o que significa que o direito real que verse sobre a coisa principal abrange tudo.
• Industrial (artigo 1333º e seguintes do CC + artigo 1339º e seguintes do CC) – por ação
do Homem. Quando diz respeito a bens móveis designa-se por acessão mobiliária, sendo
que há determinadas situações de acessão mobiliária em que é apenas a ação do Homem
que une uma e outra coisa (exemplo: A pessoa que faz vinho com uvas alheias – a lei considera um
caso de acessão. Uma coisa é as uvas e outra é o trabalho. A lei considera o trabalho como coisa, é uma
situação específica. Daqui não se pode extrapolar para outros casos. Estamos perante o trabalho
autónomo.).

O regime será diferente dependendo da boa ou má-fé.


Dos tipos de acessão importa dar especial atenção à acessão industrial imobiliária, que diz
respeito à junção de coisas imóveis ou de coisas móveis a coisas imóveis. Esta junção tem as
características da noção de parte integrante, só aí se colocando o problema, do ponto de vista
jurídico, da confusão entre 2 bens em que um perde a sua individualidade jurídica. Também
neste caso a boa e a má-fé têm regimes diferentes.

64
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Atendendo à noção de boa-fé constante do artigo 1340º, nº4 do CC. Podemos alargar o
âmbito desta noção para a noção de boa-fé a propósito da posse. É mais ampla e,
naturalmente, será mais apta a ser aplicada neste âmbito. O mais correto é invocar a boa-fé
da posse do que aquela que está prevista neste artigo pois parece que a lei reduz a boa-fé ao
conhecimento da propriedade. Todavia, pode haver acessão em prejuízo do usufrutuário, de
um titular da servidão, entre outros.
A ideia de boa-fé é determinante para o regime da acessão, excetuando-se os casos do
artigo 1339º do CC. Contrariamente aos artigos subsequentes, a lei não se refere a boa ou má
fé, estamos perante a regra da especialidade e domínio das coisas das partes integrantes pelo
título que versa sobre a coisa principal
No artigo 1340º do CC já a lei fala em boa fé. Nesta norma consagra-se uma exceção à regra
da especialidade. A aquisição pelo assessor de boa-fé está dependente da regra do menor
valor. Para além da boa-fé, o assessor só adquire se a incorporação valorizar o prédio em
termos tais que o novo valor seja superior ao valor do prédio que tinha antes. Não é o maior
valor, o valor da acessão tem é de ser superior da coisa que tinha antes. Comparam-se os 2
valores e sobra a aquisição se o valor for excedente a valor que a coisa tinha antes.
Dispõe o nº3 no sentido de que se o valor acrescentado for menor obrigação às coisas
incorporadas, o autor do terreno terá de indemnizar o autor da incorporação. Só quando se
verifica incorporação com boa fé, associada à regra do menor valor, é que se aplica o princípio
da não especialidade.
Se a acessão for de má-fé nos termos do artigo seguintes, o dono do terreno/obra tem
direito a que ela seja desfeita à custa do incorporante ou quando a coisa não se possa separar
deve-se indemnizar o incorporante nos termos do enriquecimento sem causa.
A lei prevê ainda a hipótese do artigo 1343º do CC, ou seja, quando alguém prolonga o
edifício para terreno alheio. Este caso pressupõe a boa-fé; caso contrário, havendo má-fé não
haverá possibilidade de aquisição.
Conclui-se então que a acessão é instantânea verificados os seus pressupostos. Não
podemos dizer que acontece quando está em causa a regra do maior valor, sendo necessário
que exista uma certa avaliação da situação. É a prática dos factos que origina a junção (prática
de atos jurídicos materiais).
De qualquer forma, uma coisa é o modo como decorre a acessão. Embora a usucapião seja
uma forma originária de adquirir há uma diferença substancial entre ambas. A usucapião
carece de tempo, necessita de consolidação, pelo que depende do decurso do prazo, ao passo
que a acessão depende apenas da reunião dos diferentes elementos, sejam de facto
(materiais) ou jurídicos (tais como a boa-fé).
A acessão é automática ou carece da vontade do adquirente? No âmbito das relações
individuais e interesses individualistas há alguma dificuldade em se dizer que a acessão é
automática. A acessão não é automática, muito embora seja potestativa. Alguém que
incorpora de boa-fé pode não querer ficar com o bem, logo não se poderá falar de aquisição
automática.
Contudo, a lei dispõe no sentido de que a aquisição é automática, embora a pessoa possa
renunciar.

Ações de defesa (breve referência)

Relativamente às ações de defesa da propriedade ou dos direitos reais, tem-se a dizer que
para além da legítima defesa e da ação direta (são ações de prevenção) podemos falar da ação
de prevenção e da ação de reivindicação (artigo 1311º º e seguintes do CC) por excelência.
65
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
A lei prevê no artigo 1308º do CC e no artigo 1309º do CC a expropriação e a requisição,
respetivamente.
Embora a requisição não seja uma aquisição definitiva do direito de propriedade, é uma
forma de uso da mesma, é uma restrição ao exercício da propriedade. Já a expropriação é um
meio de privação da propriedade.
Também podemos falar do confisco enquanto meio de privação do direito de propriedade,
contra a vontade do seu titular.
A nossa lei constitucional prevê que quer a requisição, quer o confisco, ou seja, qualquer
forma de privação da propriedade (total ou parcial) contra a vontade do proprietário está
sujeita a indemnização. É um princípio geral de tutela da propriedade previsto na nossa CRP.
É com base nisto que se coloca a questão de saber se a usucapião é ou não inconstitucional.
A perda da coisa envolve a falta de objeto e a remissão do direito. Se o direito versa sobre
uma coisa, se esta se perdeu ou foi destruída extingue-se o direito.
Há também o abandono, como já foi referido a propósito da ocupação.
A renúncia também se deve admitir como forma de manifestação de autonomia privada.
Embora esteja prevista relativamente aos direitos menores, no que toca ao direito de
propriedade não está prevista, devendo-se admitir como faculdade jurídica geral que é
entendida como tutela da autonomia privada.
Quando se diz que o direito de propriedade não se extingue pelo não uso, não é bem assim!
A usucapião é uma forma de extinção do direito de propriedade pelo não uso, mas também
devem considerar-se outros elementos.
Atendendo aos móveis, a renúncia pode manifestar-se através do abandono. Já no que
respeita aos bens imóveis isso não será possível. Assim, a renúncia está mais vocacionada para
os móveis.

A compropriedade

Há muitas teorias relativamente à estrutura da compropriedade, sendo que o próprio


Código não ajuda na certeza jurídica.
Entre nós impôs-se uma doutrina que tem sido dominante em Portugal – a teoria clássica.
O que tem de comum a compropriedade e a propriedade horizontal? Existe uma
pluralidade de titulares cuja posição jurídica versa sobre uma única coisa, isto é, têm em
comum: vários titulares, uma coisa.
De acordo com a teoria clássica, cada comproprietário tem o direito real (direito de
propriedade) sobre uma quota ideal da coisa, é uma parte especificada da coisa.
Os direitos reais devem incidir sobre coisas certas e determinadas, daí que do ponto de
vista legal as partes integrantes e as partes componentes não tenham autonomia legal, logo
deixam de ter a individualização que lhes permitiria ser objeto de direitos reais autónomos 80.
Assim, estamos perante um desvio a esta regra. Não sabemos qual é o direito sobre o qual
incide o direito de cada comproprietário.

Artigo 1403º do CC
1. “Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do
direito de propriedade sobre a mesma coisa.”
2. “Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser
quantativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.”

80
Cfr. artigo 1408º, nº2 do CC
66
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Do ponto de vista qualitativo temos um direito sobre uma quota ideal, apesar de % poder
ser diferente.
A lei refere “propriedade em comum ou compropriedade”. De acordo com a doutrina
tradicional na comunhão existe uma plurisubjetividade sobre uma coisa, ou seja, existem
várias pessoas que têm o direito de propriedade sobre uma coisa, mas há apenas um único
direito real – várias pessoas com o mesmo direito sobre a coisa.
Assim sendo, na compropriedade cada comproprietário tem um direito sobre a coisa; na
comunhão os diferentes titulares têm um único direito sobre a coisa.
Importa realçar que a compropriedade tem vantagens e inconvenientes. A lei é mais
sensível aos inconvenientes porque é uma situação que pode gerar conflitos entre os titulares.
A lei teve especial atenção às desavenças, pelo que previu a hipótese de a compropriedade se
poder transformar numa situação antieconómica ou a situação de poder originar conflitos, ou
ser consequência de conflitos.
Quais são as formas que a lei prevê para resolver estes conflitos? A concessão aos
proprietários do direito legal de preferência, o que significa se qualquer um dos
comproprietários quiser alienar a coisa os outros terão um direito de preferência na aquisição
porque esta é uma forma de concentração da propriedade.
Para além deste, podemos também referir a possibilidade de cada um dos
comproprietários pedir a divisão da coisa comum. Este direito é aquele que na essência
carateriza o estatuto da compropriedade, é o reconhecimento ou não deste direito que em
última instância caba por constituir a regra nuclear da caracterização da compropriedade.
Quando um dos comproprietários pretende alienar o outro terá ação de preferência, mas
esta só se exerce se existir conhecimento de que um dos comproprietários quer alienar. Assim,
há um dever de informação, isto é, o dever de comunicar aos outros comproprietários
indicando-lhes os elementos essenciais (do negócio jurídico), pois estes podem ser
determinantes na decisão dos comproprietários.
Se cumprir a obrigação de comunicar a vontade de vender, os comproprietários exercem
ou não a ação de preferência; se não quiserem comprar o outro comproprietário fica com
liberdade para dar seguimento ao negócio.
Se não houver comunicação diz-se que o comproprietário a quem não tenha sido dada a
preferência goza de uma ação de preferência, nos termos do artigo 1410º do CC.
A ação de preferência constitui uma forma de extinção do direito de propriedade
anteriormente constituído.
Sendo um direito de preferência legal não carece de registo para ser oponível a 3º s. Na
medida em que se trata de uma preferência legal, os terceiros ainda que materialmente
ignorem que se trata de uma situação de compropriedade, isso não obsta a que não possa ser
exercida a ação de preferência e, portanto, o direito que tenha sido adquirido caduca em
consequência da ação de preferência. Por isso, uma das formas de extinção da propriedade é
a caducidade que decorre da ação de preferência ou dos outros direitos reais de preferência
(tal como a promessa com eficácia real).

A propriedade horizontal

Artigo 1414º do CC
“As frações
Artigo de do
1415º queCC
um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a
proprietários
“Só podem diversos em de
ser objeto regime de propriedade
propriedade horizontal.”
horizontal as frações autónomas que, além de constituírem unidades
independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via
pública.”

67
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Do ponto de vista da estrutura dominial, a propriedade horizontal caracteriza-se pela
coexistência na mesma pessoa de 2 direitos distintos: sobre os prédios urbanos e sobre as
partes comuns.
Os prédios urbanos são constituídos por um edifício, dentro do qual encontramos frações
(andares).
O aspeto essencial para a constituição deste direito é a individualização física das frações.
As frações têm de ter uma autonomia física e, para além disso, têm de comunicar diretamente
para a via pública ou para uma parte comum. Isto remete-nos para um outro aspeto: a
natureza do objeto. Fala em partes comuns e em fração, o que significa que temos objetos
distintos.
As partes comuns são indicadas no artigo 1421º do CC. A propriedade horizontal pressupõe
um conjunto de requisitos controláveis pelas entidades administrativas responsáveis. A
constituição da propriedade horizontal pressupõe um documento – escritura de propriedade
horizontal – onde estão especificadas as frações e as partes comuns. Para além das partes
comuns que estão definidas na escritura, há partes comuns por força da lei que não
necessitam de ser destacadas.
Resulta da lei que um prédio é composto por 2 objetos: as partes comuns e as frações. Se
a lei individualiza os 2 objetos compreende-se que preveja direitos diferentes para cada um
deles.
Nesta medida, importa destacar a existência de objetos distintos na propriedade horizontal
e a existência de direitos distintos sobre cada um dos objetos.
Assim sendo, do artigo 1420º, nº1 do CC retira-se que “cada condómino é proprietário
exclusivo da fração (…) e comproprietário das partes comuns do edifício” – existência de 2
direitos distintos na mesma pessoa (condómino).
O nº2 acrescenta o caráter da incindibilidade dos 2 direitos, o que significa que a aquisição
de uma fração em regime de propriedade horizontal significa que nenhum dos objetos pode
ser adquirido separadamente, nem será lícito renunciar à parte comum como meio de o
condómino se desonerar das despesas necessárias à conservação.
Esta norma é importante para perceber a incindibilidade dos 2 direitos. A propriedade
horizontal não satisfaria os interesses normais se a fruição das partes comuns simplesmente
não existisse. A lei visa garantir um objetivo de natureza privada. Assim, a incindibilidade tem
como objeto responsabilizar cada condómino pela conservação da fração, sendo que esta
poderá ser feita ou por uma empresa (paga pelos condóminos) ou responsabilizando cada um
dos condóminos pela reparação/conservação (esta última hipótese é mais rara).
Este é um dos casos em que a lei associa uma obrigação à titularidade de um direito – a
obrigação de participar nas despesas de conservação.
Relativamente à fração não se levantam de classificação. Existe um direito de propriedade
individual que versa sobre uma parte componente do prédio. Uma fração é uma parte
componente que está materialmente ligada à coisa principal que é o prédio. As partes comuns
não têm o mesmo valor da fração, mas acabam por ser a coisa principal porque é a estrutura
sobre a qual se vão acrescentando coisas móveis.
Se no regime das partes integrantes ou das partes componentes o direito da coisa principal
versa sobre a parte integrante, neste regime isso não acontece porque estamos perante 2
direitos autónomos. Nesta medida, podemos dizer que se trata de um desvio ao princípio da
especialidade que se abordou a propósito do artigo 408º, nº2 do CC porque temos um direito
autónomo sobre uma parte componente.
68
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
A lei refere-se à propriedade horizontal à qual se chama “propriedade por andares”;
contudo, também existe propriedade horizontal vertical81.
O que é a propriedade horizontal vertical? Diz respeito a frações que não se sobrepõem
em andares, mas sim uma ao lado da outra. Tudo vai depender da escritura, na medida em
que pode existir uma casa ao lado de outra e serem autónomas.
Que direito incide sobre as partes comuns? De acordo com a lei parece tratar-se de um
regime de compropriedade; no entanto, é necessário fazer uma reinterpretação da lei. Na
noção de compropriedade do artigo 1403º do CC vemos que a lei não é muito clara, uma vez
que fala em “propriedade comum”, pelo que ficamos sem saber qual o regime aplicável. Por
vezes, esta imprecisão da lei pode dar origem a certas confusões.
É isto que se passa na propriedade horizontal. O artigo 1420º do CC fala expressamente
em compropriedade, o que significa que se se aplicasse a doutrina clássica adotada, cada
condómino teria propriedade sobre uma quota ideal da coisa de cada uma das partes comuns.
Na própria constituição da propriedade horizontal está indicada a superfície da área em
função de todo o prédio, a chamada permilagem82. Assim, compreende-se que as despesas
sejam suportadas em função da permilagem, ou seja, quem tem andares maiores paga mais.
Daqui decorre a obrigação que a escritura da propriedade horizontal impõe na definição da
área. É em função da permilagem que se determina o valor necessário para a conservação das
partes comuns.
Se atendermos ao artigo 1423º do CC surgem algumas dúvidas. A lei não estabelece
qualquer ideia de compropriedade entre frações, visto que estas são autónomas e versam
sobre uma parte determinada da coisa.
Poder-se-ia entender isto se houvesse preferência na aquisição. Temos uma propriedade
individual em que não há qualquer ideia de partilha em termos dominiais.
Associa-se à obrigação legal de conservação em função da área (artigo 1420º do CC) um
regime legal que diz que ninguém pode pedir a divisão das partes comuns nem renunciar ao
direito sobre a parte comum, pois isso implicaria o condómino se desonerar de participar nas
despesas de conservação.
A lei impõe que quem compra uma fração tem obrigatoriamente de participar nas despesas
das coisas comuns, é um interesse de uma coletividade que acaba por ser um limite que a lei
estabelece em defesa da conservação.
Se não há direito de divisão nem direito de renúncia, a lei impõe uma obrigatoriedade de
participação nas partes comuns, o que significa, do ponto de vista legal, o regime das partes
comuns é um regime de comunhão e não de compropriedade.
Os direitos que versam sobre a parte comum e sobre a fração são direitos incindíveis, não
se podem alienar separadamente83.
Há uma vinculação do regime a um objetivo que embora não se possa caracterizar como
interesse publico não deixam de ter características económicas e do ponto de vista social. O
fim da conservação da coisa que a lei visa garantir justifica o regime da comunhão.
É esta funcionalização que se reflete numa harmonia social e é isso que justifica a
comunhão de direitos e não a compropriedade.

81
Fala-se em propriedade horizontal porque essa é a designação do regime legal.
82
Regra que permite precisar a área.
83
A alienação da fração implica a alienação dos direitos que versem sobre as partes comuns.
69
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

O usufruto: principais características


O artigo 1439º e seguintes do CC prevê o regime do usufruto.
Artigo 1439º do CC
“Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou
substância.”

Todos os direitos derivam do direito de propriedade. Do ponto de vista qualitativo


constituem compressões/limitações/contrações ao direito de propriedade. Isto significa que
a lei permite que uma das formas de o proprietário usufruir do seu direito é permitir que
outrem exerça poderes jurídicos sobre esse bem. Estes poderes estão taxativamente fixados
na lei, é uma liberdade fechada de constituição. O proprietário ao constituir os direitos que a
lei prevê acaba por limitar o seu próprio direito, restringe o licere do seu próprio direito,
apesar de conservar o direito de propriedade.
Qualitativamente o direito é idêntico, mas em termos quantitativos os poderes (de gozo,
fruição) são mais limitados. Se juridicamente não é limitado, então na prática, ao nível do
comércio jurídico, acaba por sofrer alguma limitação (exemplo: Em geral, alguém vende com mais
facilidade uma casa se sobre ela não incidir nenhum direito.) .
Em termos de uso e fruição o valor é menor quando comparado com a propriedade plena.
Se houver direito real de garantia não interfere com a fruição, mas interfere com o valor
económico da coisa, há sempre uma limitação quanto mais não seja de natureza económica,
muito embora as suas características jurídicas se mantenham.
Há uma restrição ao direito de propriedade que se manifesta mais em relação ao valor do
bem, mas também se manifesta com maior ou menor facilidade no que diz respeito à
alienação.
Também podemos referir que é um direito de gozo e fruição pleno. Apresenta as seguintes
características:
• É um direito temporário;
• É um direito de gozo e fruição da coisa pleno, o que significa que constituído o usufruto o
proprietário limita-se nos seus poderes de fruição sobre a coisa porque esta é transmitida
de uma forma plena para o usufrutuário – aplicação do princípio da taxatividade. Se a
transmissão não for plena não existe usufruto e entramos no âmbito do artigo 1306º do
CC;
• O poder de disposição (e de fruição do direito de propriedade) está salvaguardado porque
o usufrutuo não permite a alteração da forma e substância na coisa, pois ainda são uma
forma de preservar a fruição da natureza física da propriedade (exemplo: Se se atribui usufruto
de um automóvel a pessoa não pode alterar a frente do automóvel, tem de ser usado de acordo com a
forma que tem bem como com a pintura). O poder de uso e fruição está limitado pela obrigação
de preservar a natureza das coisas. Se se constituísse um direto se usufruto com a
faculdade de alterar a forma ou substância cairíamos no artigo 1306º do CC, o que
significa que estaríamos a construir um direito fora do elenco da lei. A plenitude,
temporalidade e salvaguardada da forma/substância são elementos essenciais da
caracterização do direito de usufruto (sem eles não há direito de usufruto). Um negócio
destes é nulo por violação do artigo 1306º do CC.

São estes os elementos que interessam destacar no direito de usufruto e que importam
caracterizar:

70
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Temporalidade (artigo 1443º do CC) – a temporalidade é medida pela vida do


usufrutuário ou pela vida da pessoa coletiva. Isto significa que o direito se extingue com
a morte do usufrutuário. A temporalidade não significa que o usufruto não possa ser
constituído por vários anos e dura durante esse tempo, enquanto houver vontade das
partes. Se for em benefício de pessoa coletiva a lei estabelece o limite de 30 anos. A lei
consagra outros critérios relativamente ao caráter temporário do usufruto (artigo 1441º
do CC):
➢ Usufruto simultâneo – A pode constituir usufruto em favor de B, C e D, o que significa
que o usufruto se mantém enquanto todas as pessoas viverem, extinguindo-se com a
morte de um deles;
➢ Usufruto sucessivo – A constitui usufruto em benefício, depois de C, depois de D.
Quando se extinguir o usufruto em benefício de B, este transmite-se para C e assim
sucessivamente. Esta é uma forma de aumentar a temporalidade, na medida em que
o usufruto pode arrastar-se dezenas de anos. De todo o modo, será sempre temporário
porque as pessoas têm de existir ao tempo da constituição do usufruto, seja qual for,
não se pode deixar para os herdeiros não nascidos, isto é, as pessoas têm de ser
especificadas.

• Plenitude – a lei prevê os casos em que o direito real pode ter por objeto um direito.
Podemos atribuir um usufruto sobre uma renda num determinado prédio. A ideia de
corporalidade está expressamente afastada. Relativamente ao gozo da coisa (que é
pleno), é de notar alguma variedade do conteúdo de gozo e simultaneamente de objeto,
o que se compreende.
O artigo 1445º do CC e é aquela que interfere com a configuração do usufruto, devendo
ser lido à luz do princípio da taxatividade. É um limite que se impõe ao proprietário. Todas
as normas seguintes funcionam supletivamente (não são imperativas). Trata-se de uma
configuração de determinados tipos de usufruto (em relação aos quais o poder de usufruto
existe) e configurações relativamente às quais se afere da plenitude dos poderes que têm
de ser conferidos ao usufrutuário (exemplo: A lei permite o usufruto de matas ou de plantas de
viveiro.).
Se o título constitutivo não afastar as normas, estas delimitam o objeto do usufruto e,
por outro lado, delimitam a forma de exercício dos poderes do usufrutuário. Neste
seguimento importa atender ao artigo 1446º do CC, que se aplica se o usufruto não for
afastado por título constitutivo. Estabelecem-se mais limites ao usufruto, embora estes não
façam parte da estrutura e da natureza jurídica essencial e invocável do usufruto. O destino
económico é uma coisa, a manutenção da substância é outra. No usufruto, o poder pleno
vai ao ponto de limitar o destino da coisa.

• Salvaguarda – é um outro dever, que deve ser entendido à luz da boa-fé. A lei introduz
este limite que está para além das cláusulas da boa-fé. Se não for excluído pelo título
constitutivo, a lei obriga o usufrutuário a um dever de prudência, devendo ser exercido
de acordo com o critério de bom pai de família, o que impõe um tipo de
ações/comportamentos que estão para além da cláusula da boa fé.

71
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Por outro lado, importa referir o regime específico do usufrutuo de coisas consumíveis
(artigo 1451º do CC).
O que é uma coisa consumível? Parece haver uma contradição legal. À luz da caracterização
do tipo de usufruto significa que é impossível manter a forma ou substância e, inclusivamente,
o direito de propriedade porque se se pode alienar isso significa que o proprietário ficou sem
o bem.
É um usufruto especial que tem de ser expressamente previsto na lei. Se o usufruto impõe
a manutenção da coisa na sua forma e substância, pelo que se incide sobre coisas consumíveis,
elas poderão ser destruídas ou alienadas, o que é contra a forma e substância –
aparentemente existe uma contradição.
Esta ideia de usufruto de coisas consumíveis dirige-se ao estabelecimento comercial, que
se destina a vender coisas. Como o fim do estabelecimento é vender as coisas, em qualquer
das circunstâncias, a existência dos bens do estabelecimento comercial ao tempo em que foi
constituído destina-se a ser vendido (exemplo: Se se constituição o usufruto de uma vina a favor de uma
pessoa, esta destinar-se-á a destruir as videiras para fazer vinho.) .
Nesta medida, pretende-se facilitar o comercio jurídico, permitindo que, do ponto de vista
económico, as pessoas possam gerir a propriedade de uma forma mais ampla, pois caso
contrário não poderia admitir-se o usufruto, na medida em que a lei só permitia ou a ligação
ou a venda do estabelecimento. A possibilidade de constituir usufruto sobre coisas
consumíveis ainda é uma forma de aproveitamento dos bens.
Nestes casos, a lei não tem em vista a coisa em si, mas sim o valor da coisa.
Do ponto de vista sociológico o usufruto tem a ver com questões familiares. A lei tem em
vista as coisas que constituem o usufruto. O usufruto pode ser gratuito ou oneroso
(geralmente).
Lê-se no artigo 1451º, nº2 do CC que “não importa a transferência da propriedade”, mas
sim o poder da destruição/alienação. Isto revela que o que está em causa são valores de
natureza patrimoniais do que valores inerentes à coisa em si mesma, daí que a lei admita a
constituição de outra espécie de usufruto.
Relativamente ao usufruto de minas, de pedreiras e de águas (artigo 1457º do CC + artigo
1458º do CC + artigo 1459º do CC). Se se constitui usufruto em relação a uma mina estamos
a destruir a sua substância e o mesmo se diz em relação às pedreira e águas pois nesse caso
vai-se permitir que outrem altere/diminua, ou seja, há uma alteração da forma e substância.
Mais do que isso, em relação às aguas estas passam a se propriedade do usufrutuário.
Enquanto que nas coisas consumíveis não há transferência de propriedade, nestes casos esta
já existe.
Isto explica-se porque estes 3 casos a constituição do usufruto envolve o
desmembramento do objeto, desmembra-se a mina/pedreira do terreno, o terreno mantém-
se no proprietário, não acontecendo o mesmo em relação ao seu conteúdo. A concessão de
usufruto pressupõe o desmembramento. Enquanto nas coisas consumíveis ou deteoráveis o
usufrutuário é obrigado a repor o valor, neste caso isso não acontece porque depois da venda
continua a ser paga a renda estipulada. O terreno é uma coisa e o objeto do terreno é outra.
Temos de atender a questões um tanto ou quanto anómalas, que passam pela destruição
da coisa e pelo desmembramento do objeto, em que já não há retro transferência das coisas,
visto que esta só será possível com uma consideração desmembracionista do objeto.
Relativamente a estas 3 situações a lei distingue o que está no terreno (água, mina, pedra)
do terreno onde esses bens existem.

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

72
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

DIREITOS REAIS – aula prática nº5 (04/04/2018)


A B C
Usufruto nulo Venda a domino
(2010) (2012)

A, B, C a transmite a posse em termos de usufruto a B e B vende como sendo dono da coisa


aC

Resposta:
• Refere-se a um bem imóvel;
• A posse de B é um negócio posse titulada se o usufruto for nulo, exceto nos casos em que
existisse vício de forma;
• Relativamente à relação entre B e C: se não há detentor não há inversão
• A transmissão do usufruto envolve poderes empíricos sobre a coisa
• Quando A transmite a B o usufruto a situação possessória dos 2: para coexistir com a posse
do usufruto A é possuidor em termos de propriedade de raiz/despido – nula propriedade e
B é possuidor em termos de usufruto;
• Há inversão porque B é possuidor em termos de usufruto, mas exerce poderes empíricos
sobre a coisa;
• A posse de B em termos de posse de raiz é titulada, é uma posse parcelar com inversão;
• B é detentor em termos da posse de A, isto é, está a inverter o título de posse relativamente
ao proprietário de raiz – aquisição por inversão relativamente à propriedade de raiz;
• Hipótese de invalidade formal.

A B C
Usufruto nulo
Transferência
(2012)
(2010)

Venda nula
(2014)

Resposta:
• B era possuidor em termos de usufruto e detentor em termos de propriedade de raiz;
• B adquire de A, mas qual é a forma de aquisição de C? Trata-se de uma forma de aquisição
derivada;
• Relação entre A e C: A continua a ser possuidor, não haveria inversão do título, age no âmbito
dos seus poderes possessórios continua a ser possuidor;
• A transmite um negócio nulo a C – âmbito da aquisição e transmissão de posse. O C é parte
no negócio;
• C é detentor e B possuidor. É uma posse parcial, não pode transmitir mais nada;
• A distinção essencial entre a inversão e a traditio é a causa de transmissão;

73
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• A diferença entre a posição de B na 1ª hipótese e a posição de C na 2ª hipótese está no


acordo entre as partes, o que do ponto de vista jurídico se manifesta na diferença entre
aquisição originária e aquisição derivada;
• A venda pressupõe uma inversão, mas pode haver inversão sem venda.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

O direito de uso e habitação: aspetos específicos


Artigo 1490º do CC
“São aplicados aos direitos de uso e habitação as disposições que regulam o usufruto, quando conformes à natureza
daqueles direitos.”

Do artigo 1490º do CC retiramos que o padrão normativo do direito de uso e habitação


será o regime aplicável ao usufruto, o que significa que só nos aspetos indicados na lei é que
estes direitos se distinguem do usufruto.
Em matéria de uniões e relações de facto, a lei veio atribuir ao parceiro o direito de uso e
habitação. Tratam-se de 2 direitos com a mesma natureza, mas objeto diferente. A este
propósito importa ter em consideração a Lei nº6/2001 e a Lei nº7/2001.
O direito de uso versa sobre o prédio rústico e o direito de habitação sobre o prédio urbano.
O regime é idêntico, mas têm algumas especificidades.
O direito de uso consiste na faculdade de se servir de coisa alheia e recolher os respetivos
frutos na medida das necessidades do titular e sua família. Estamos perante um direito menor,
é um direito sobre coisa alheia. Se compararmos com o usufruto (direito de gozar plenamente
da coisa), há desde logo uma diferença que se prende com o facto de o uso e a habitação não
poderem versar sobre direitos, apenas sobre coisas imóveis. O direito de uso trata-se de gozar
sobre a medida das necessidades, o que significa que só nas situações de facto é que se
consegue materializar esta distinção, mas do ponto de vista formal o direito de uso e
habitação não é pleno, na medida em que o seu conteúdo está limitado às necessidades do
usuário e respetiva família. Para este efeito, o artigo 1487º do CC define o que é o agregado
familiar.
A constituição e extinção do direito de uso regem-se pelas normas do usufruto.
É também de referir a questão da intransmissibilidade do direito de uso (artigo 1488º do
CC). Nota-se desde logo uma diferença relativamente ao usufruto, pois não existe qualquer
possibilidade de oneração. Recordar-se que também não pode ser adquirido por usucapião,
como consagra expressamente o artigo 1293º, b) do CC. Embora a lei não o diga, o Prof. Liberal
tem algumas dúvidas se a acessão se poderá aplicar. O que é certo é que aquele que constitui
o direito de uso e habitação (proprietário) goza da garantia de que nunca, a não ser por
transmissão derivada, nunca perde o seu direito de propriedade por consequência da
transmissão do direito ou da sua oneração.
Existe esta limitação intrínseca ao direito de uso que faz parte da matriz normativa pelo
seu caráter pessoal, o seu exercício e a sua existência estão condicionados às necessidades do
usuário e da sua família, o que significa que a lei deve limitar transmissões e onerações
deste direito.
Outra questão prende-se com o artigo 1486º do CC. O que dizer acerca desta norma? Esta
norma pode ser inconstitucional ao referir a condição social, na medida em que põe em causa
o artigo 13º da CRP, ou seja, leva a discriminações que põem em causa o princípio da
igualdade.

74
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

O direito de superfície: caracterização


O direito de superfície é um direito que versa sobre prédios (coisas imóveis) e “consiste na
faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio,
ou de nele fazer ou manter plantações” (artigo 1524º do CC).

Nesta noção a lei fala em “terreno alheio”, pelo que parece que só seriam prédios rústicos,
mas a seguir vem ampliar o objeto ao dizer, no artigo 1526º do CC, que é um direito de
construir sobre edifício alheio. As consequências são diferentes mas primariamente pode
constituir-se um direito de superfície quer sobre um terreno quer sobre um edifício, embora
os efeitos sejam diferentes, a lei prevê-o de forma imperativa.
Trata-se igualmente de uma faculdade de construir, plantar e manter a construção e a
plantação, não é só o direito de construir e manter prédio alheio.
No artigo 1525º, nº1 do CC diz-se que “tendo por objeto a construção de uma obra, o direito
de superfície pode abranger uma parte do solo não necessária à sua implantação, desde que
ela tenha utilidade para o uso da obra”, ao que se acrescenta no nº2 que “ (…) pode ter por
objeto a construção ou a manutenção de obra sob solo alheio” 84
O direito de construir sobre edifício alheio (artigo 1526º do CC) está não só sujeito às
disposições do título a que pertence, mas também às limitações impostas pela constituição
da propriedade horizontal, ou seja, levantado o edifício são aplicadas as regras da propriedade
horizontal, passando o superficiário a ser condómino (proprietário) das partes referidas no
artigo 1421º do CC. Quer isto dizer que a superfície originária transforma-se em propriedade
horizontal.
Na sequência deste direito, quando se trate de obra em terreno, o superficiário não tem
direitos de propriedade sobre o subsolo, é apenas um direito de superfície; quando se trate
de prédio alheio (construção de edifício alheio) a lei diz que passa a ser condomínio, o que
significa que é proprietário do que construiu e passa também a ser proprietário das partes
comuns, designadamente do solo. Temos uma transformação do direto de superfície em
propriedade horizontal, imposta pela lei.
Atendendo aos prédios rústicos temos o proprietário que livremente atribui a outro um
direito, o que significa que temos 1º a propriedade e depois lógica e cronologicamente o
direito de superfície. Um aspeto importante implícito na própria noção de direito de superfície
tem a ver com a própria propriedade que se plantou quando se construiu sobre o terreno.
Relativamente aos prédios rústicos, quem constrói ou planta que direito tem sobre a
casa/plantação? Deve entender-se que há um direito de propriedade limitado, que é um
direito sobre a propriedade superficiária, que é precisamente a plantação ou a obra em
terreno alheio abrange apenas essa obra/plantação e não o terreno. O direito de superfície
abrange o direito de construir, que é o conteúdo essencial do direito, mas também a
propriedade do domínio sobre o que se plantou, é uma consequência lógica do exercício do
direito de superfície, que só é exercício nos termos em que há plantação ou construção.
Quando se trate de prédio rústico, a propriedade continua a ser do titular do prédio.

84
No Código originário não existia a redação deste nº2. Em 1966 haviam dificuldades técnicas em se
aproveitar o subsolo, o que contribuía para que o legislador tivesse uma conceção primária do direito de
superfície, muito embora quando se trate de construções estas têm de ter alicerces e a lei já previa a
intervenção no subsolo para a sua instalação. Tirando os casos em que a ocupação do subsolo era uma
necessidade da construção não havia autonomização do subsolo ao nível do direito de superfície. Com as
novas exigências de construção deixou de fazer sentido que o proprietário não pudesse beneficiar do subsolo
ao nível do direito de superfície, pelo que se resolveu esse problema com a introdução do nº2, nos anos 90.
75
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Todavia, há outro processo de constituição do direito de superfície previsto no artigo 1528º
do CC. Nestes casos alguém tem uma plantação/construção em terreno próprio e a lei admite
que se possa vender a construção/plantação sem vender o terreno – o proprietário faz uma
divisão para efeitos de direitos reais, desmembrando o objeto.
Temos a propriedade sobre o solo e, por outro lado, a propriedade sobre a casa/plantação
que pertence ao superficiário.
Se se vende a casa ou plantação separadamente do solo, quem adquire fica com direito
de superfície da plantação/construção. Logicamente, o direito de superfície é posterior
porque resulta no desmembramento permitido pela lei.
O proprietário do solo tem direito de preferência em último lugar (artigo 1535º do CC).
Esta norma só será aplicável se o direito de superfície for exercido, ou seja, se houve plantação
ou construção. Verdadeiramente, a preferência que se consagra é relativamente à venda da
construção/plantação. Tem preferência o proprietário do solo, mas o inverso não acontece (o
superficiário não terá preferência se o proprietário quiser alienar o solo). De certa forma, há
uma discriminação que não deixa de ser antieconómica porque este direito de preferência
impede um certo grau de investimento.
O direito de superfície pode ser temporário ou perpétuo. Quando é um direito de
superfície perpétuo estamos perante uma situação anómala porque temos um proprietário
que continua proprietário do solo, constitui uma superfície perpétua e o superficiário constrói
ou planta. Isto significa que passa a existir uma propriedade perpétua sobre a construção ou
plantação, o que é suscetível de criar conflitos e alguma perda de valor económico porque
temos 2 valores económicos, o da construção e do terreno, que pertencem a 2 pessoas
distintas e isso vai contra a lógica do pleno domínio e individualismo subjacente ao direito de
propriedade. Basicamente, é uma figura semelhante à enfiteuse, mas ainda consegue ser mais
gravosa do ponto do vista económico. A superfície perpétua acaba por ser um
desmembramento entre o direito de propriedade do solo que vai acabar por ter um uso
limitado. Cria uma situação antieconómica porque na prática é o mesmo bem que está
repartido por 2 pessoas, eventualmente com interesses conflituantes.

O direito de servidão: principais características


Artigo 1543º do CC
“Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente;
diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dele beneficia.”

As servidões são designadas pela lei como sendo prediais, o que significa que são objeto
deste direito os prédios. Ressalta que a lei estabelece como sendo sujeitos do direito as coisas,
parece que se trata de um direito de gozo entre coisas.
Porque é que a lei fala de um encargo de um prédio em benefício de outro prédio? Pelas
normas seguintes podemos perceber que:

76
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

• Artigo 1544º do CC (“Podem ser objeto da servidão quaisquer utilidades, ainda que
futuras ou eventuais, suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante,
mesmo que não aumentem o seu valor”) – a propósito da taxatividade, a lei define os
parâmetros dos direitos menores, logo os limites intrínsecos que caracterizam cada tipo
de direito. No entanto, relativamente às servidões há uma diferença porque a lei consagra
um conteúdo aberto ao direito à servidão 85.
A servidão permite o gozo de quaisquer utilidades, o que ajuda a explicar a coisificação
do artigo anterior. Ao referir “(…) quaisquer utilidades, (…) suscetíveis de ser gozadas por
intermédio do prédio dominante”, a lei ignora o sujeito do prédio. As utilidades não são
tipificadas pela lei porque têm a ver com a natureza e tipo de exploração que se faz do
prédio dominante. Para as faculdades poderem ser usufruídas ao nível de um direito real,
as utilidades têm de estar diretamente relacionadas com as necessidades económicas do
prédio dominante, pelo que se o prédio não for explorado não há necessidade de se
constituir uma servidão. Portanto, tem a ver com as necessidades decorrentes de uma
normal exploração do bem, o que interfere não só com o conteúdo da servidão, mas
também com a caracterização jurídica através da qual se podem impor encargos aos
prédios vizinhos.

A coisificação também se manifesta nas normas seguintes – inseparabilidade e


indivisibilidade das servidões86. Está em causa a raiz predialista da servidão enquanto direito
real.
As servidões enquanto direitos reais constituem um encargo que implicam uma
desvalorização do prédio serviente e uma valorização do prédio dominante. Estamos perante
um direito real cujo conteúdo ativo tem a ver com as necessidades normais de exploração
desse bem e passivamente só podem ser objeto de servidão as utilidades que o prédio
serviente enquanto tal possa satisfazer enquanto tal – é uma predialidade recíproca ativa87 e
passivamente88.
A propósito da inseparabilidade das servidões deve-se atender ao disposto no artigo
1545º do CC.
Tomando como exemplo o que acontece nas zonas rurais, relativamente às servidões de
passagem. Há prédio encravados sem acesso à vida pública ou cujo acesso à via pública
envolvem a necessidade de percorrer distâncias consideráveis.
A lei confere ao proprietário do prédio encravado o direto de passar pelo prédio vizinho.
Como se constitui este direito? Define-se um determinado local pelo qual se faz a passagem
para o prédio, ou seja, a servidão de passagem impõe a determinação de um local, sendo
através desse que a servidão pode ser exercida. O prédio serviente (o que cede a área para a
passagem) deixa de ter uma % da sua superfície, logo compreende-se que aquele que vai
passar usufruir da servidão só possa passar na área cedida, de forma a preservar a exploração
económica do prédio serviente.

85
Nos outros direitos a lei tipifica, designadamente em relação ao usufruto.
86
Isto acontece tanto ativa como passivamente, ou seja, tanto dizem respeito ao prédio dominante como ao
prédio serviente.
87
Necessidades económicas do prédio dominante.
88
Só podem ser usufruídas as utilidades que o prédio serviente possa proporcionar ao prédio dominante.

77
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Este princípio da inseparabilidade 89 significa que enquanto se mantiver a situação do
prédio encravado, o direito de servidão não pode ser atribuído ao titular de um outro prédio.
Se a servidão foi constituída em benefício de um determinado prédio não pode ser separada
do mesmo, a inseparabilidade é ativa e passiva. A transferência da servidão envolve a extinção
da servidão anteriormente constituída e a constituição de uma nova.
Quando constituída, esta utilidade está especificamente limitada aos 2 prédios (e seus
titulares). Dado que é a situação predial que justifica e fundamenta a servidão, é claro que
qualquer outra situação envolve uma nova servidão.
Há uma reciprocidade inerente neste direito, uma vez que a vantagem de passar pelo
prédio serviente corresponde a um dever de deixar passar – reciprocidade inerente à
constituição da servidão de passagem.
Conclui-se, portanto, que a posição ativa e a posição passiva têm de estar diretamente
relacionadas com as necessidades económicas dos prédios 90. Por outro lado, importa ter em
conta a inseparabilidade.
Há ainda a realçar o aspeto da indivisibilidade91 – as servidões são indivisíveis. Dispõe o
artigo 1546º do CC que “ (…) se o prédio serviente for dividido entre vários donos, cada porção
fica sujeita à parte da servidão que lhe cabia; se for dividido o prédio dominante, tem cada
consorte o direito de usar da servidão sem alteração nem mudança”. Esta norma destina-se a
proteger os titulares dos prédios servientes.
Se o prédio serviente for dividido por herdeiros não haverá alteração da servidão, de modo
a não onerar os novos proprietários. Se a servidão já estava delimitada geograficamente antes
da divisão compreende-se que não haja alterações e, portanto, a servidão continua da mesma
forma.
Supondo que seria o prédio dominante a ser dividido: inicialmente era o prédio na sua
totalidade a usufruir da servidão. Se este prédio for dividido e não existisse esta norma parecia
que cada um dos novos proprietários poderia constituir a sua própria servidão de passagem.
Daí que se entenda que a lei preveja que se utilize uma só servidão. É óbvio que nada obsta a
que o novo proprietário do prédio dominante possa constituir uma servidão de passagem com
o proprietário do prédio serviente, conta a vontade deste último não se permite que fique
sujeito a várias servidões.
É óbvio que apesar de se estar a falar de prédios rústicos se poderá constituir uma servidão
de passagem sobre prédios urbanos caso se reúnam os pressupostos para tal.
Ainda na situação dos novos proprietários do prédio dominante, cada um dos novos
proprietários não tem acesso à via pública. Por vontade dos novos donos criaram-se mais
situações de incomunibilidade, pelo que a lei pretende que do novo acordo não surjam efeitos
imediatos sobre o novo prédio – está salvaguardada a vontade do titular do prédio serviente.
Relativamente à constituição das servidões (artigo 1547º e seguintes do CC), a lei introduz
limitações ao nível do conteúdo do direito porque estas são impostas.
Dispõe o artigo 1547º do CC que “as servidões prediais podem ser constituídas por
contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família”.

89
Este princípio vem reforçar a ideia de predialidade e a ideia de que a constituição de servidões implica a
consideração do valor do prédio serviente.
90
É claro que se o prédio não estiver encravado não se poderá constituir uma servidão de passagem, pode-
se constituir apenas uma servidão obrigacional porque falta o requisito do encravamento.
91
É um corolário das características anteriores.
78
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Dando especial atenção à constituição por destinação do pai de família deve-se atender
ao artigo 1549º do CC: “Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só
prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem
serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando,
em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, vierem a separar-
se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento.”
Se o prédio for divido considera-se que esse sinal que anteriormente existia e onde se fazia
passagem de uma parcela para a outra, esse é havido como a constituição de uma servidão
por destinação do pai de família – é uma servidão voluntária. Se havia já um local por onde se
fazia a passagem mantém-se a servidão, o que é visto como a situação que menos prejudica
o prédio serviente.
Normalmente numa servidão de passagem fazem-se muros e sebes que delimitam uma
servidão, de modo a que o titular do prédio consiga passar para a via pública, é um sinal visível
e permanente. Supondo que estes sinais não existem, será invocada como servidão não
aparente (artigo 1548º do CC).
As servidões não aparentes podem confundir-se com atos de mera tolerância, pelo que
para prevenir o titular do prédio serviente a lei afasta a possibilidade de aquisição por
usucapião, para evitar que o titular do prédio serviente seja surpreendido com a constituição
por usucapião da servidão quando não existiam sinais que o evidenciassem. No entanto, se
houver um contrato entre os 2 intervenientes não poderá ser invocada esta regra pois já não
será uma servidão não aparente.
Embora a usucapião seja uma aquisição originária pode ter na sua origem manifestações
de vontade, ainda assim tem um tratamento autónomo relativamente às servidões legais.
Quando um prédio tem limitações na sua exploração que podem ser
compensadas/eliminadas aproveitando utilidades dos prédios vizinhos, nestas situações a lei
permite que o titular do prédio dominante possa potestativamente impor a servidão.
Para além das servidões legais de passagem, a lei também determina servidões legais de
águas.
Atendendo ao artigo 1550º do CC, quando são vários os prédios que bloqueiam o acesso à
vida pública, utiliza-se o critério do menor dano/prejuízo. Relativamente ao prédio
dominante coloca-se a questão ou da impossibilidade do mesmo ou de ser excessivamente
incómodo o acesso por outra via; no que diz respeito ao prédio serviente utiliza-se o critério
do menor dano, o que ignifica que a constituição da servidão se deve fazer no prédio em que
se produza um menor dano.
No que respeita ao afastamento da servidão (artigo 1552º do CC), a lei permite que o
titular obste à servidão de passagem adquirindo o prédio. Na medida em que se invoque os
pressupostos para uma constituição potestativa de uma servidão de passagem, a lei confere
um direito potestativo ao titular do prédio serviente.
Quando o entrave seja voluntário pode constituir-se uma servidão, mas aí o preço a pagar
poderá ser mais alto (artigo 1552º do CC).
Para além de um direito potestativo de aquisição confere-se um direito de preferência na
alienação do prédio encravado no artigo 1555º do CC.
No que toca às servidões legais de água (artigo 1557º e seguintes do CC) tem-se a dizer
que pode tratar-se de uma aquisição pode ser potestativa (que não é obrigatória).
Relativamente ao caráter potestativo destas servidões a lei não utiliza uma linguagem
uniforme, como se pode comprovar no artigo 1550º do CC quando comparado com o artigo
1557º do CC. Estas disposições têm o mesmo conteúdo normativo embora pareçam não ser
normas que confiram idênticos poderes ao titular do prédio dominante.

79
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Embora a lei faça referência a uma faculdade, não podemos esquecer-nos que as servidões
são de constituição potestativa.
Em relação ao exercício das servidões, importa recordar o princípio da especialidade.
Neste sentido, importa ter em atenção o disposto no artigo 1566º do CC e o artigo 1567º do
CC.
Em que medida se aplica aqui o princípio da especialidade? Resulta do artigo 1565º do CC
que o direito de servidão engloba tudo o que seja necessário para o seu exercício. O artigo
1566º do CC é uma norma excecional (derrogação ao princípio) pois as partes integrantes
deveriam pertencer ao prédio serviente.
A usucapio libertatis, prevista no artigo 1574º do CC, refere-se à possibilidade de aquisição
do prédio por usucapião. O que se deve entender por liberdade do prédio? A liberdade é a
desoneração do prédio em relação à servidão. Adquire por usucapio libertatis o titular do
prédio dominante. Falando-se em usucapião tem de se falar na posse. Adquire-se por
usucapião se se exercer uma posse que se caracteriza pelo não uso da servidão. No fundo,
traduz-se na perda do direito de servidão por usucapião, adquire-se um direito de usucapião,
ou seja, o titular do prédio serviente exerce uma posse direcionada ao conteúdo da servidão.
O que é que o titular do prédio dominante tem de fazer para evitar esta situação? Pode
recorrer às ações de defesa da posse.

Direito real de habitação periódica: aspetos relacionados com a


dominialidade
O direito real de habitação periódica é também um direito real de gozo. Nesta matéria é
importante considerar o DL nº 275/93.
É desde logo importante o artigo 1º do DL nº 275/93, onde se delimita o âmbito deste
direito. Desde logo, retira-se que o objeto deste direito tem de ter características especiais,
pelo que obedece a outras regras que não as do Direito Civil, nomeadamente normas tem a
de urbanismo e de Direito Administrativo.
Por outro lado, o direito incide sobre frações daqueles aldeamentos/apartamentos, o que
desde logo se manifesta nalguma semelhança com a propriedade horizontal. O direito não
versa sobre o aldeamento, mas sim sobre as suas unidades do aldeamento.
Relativamente ao Direito Civil, o que interessa mencionar é que este é apenas um direito
de usar, o que significa que não afeta a propriedade do imóvel, que continua a pertencer ao
dono da obra. O direito de usar está limitado no tempo, é por um período delimitado, apesar
de o direito em si mesmo poder ser perpétuo 92.
Atendendo ao objeto, podemos dizer que este direito se destinava a situações de gozo de
férias, ou seja, qualquer situação de períodos de descanso. No entanto, o legislador sentiu
necessidade de introduzir algumas alterações no sentido de tutelar o consumidor 93.
O proprietário das frações94 não pode constituir outros direitos reais para não frustrar as
expectativas do consumir (exemplo: Não pode hipotecar.). Esta é uma forma de garantir a
efetividade de uso e habitação.

92
O direito real de habitação periódica pode ser constituído perpetuamente, mas o aspeto que o caracteriza
é que o gozo desse direito está predeterminado.
93
Havia muito gente a comprar frações e que acabavam por ser enganadas, pois o que lhes era vendido não
correspondia aquilo que pensavam que tinham comprado.
94
As frações continuam a pertencer ao dono do apartamento.
80
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Fala-se da duração no artigo 3º do diploma.
Assim, importa realçar que não é um direito que verse sobre um imóvel em si, mas sim um
direito de gozar da unidade dos elementos, adquire-se o direito a habitar uma unidade e não
se comprar a unidade, é apenas o direito de usar o objeto. É um direito de gozo específico.
O artigo 6º fala da forma do negócio. Para que o consumidor garanta o título de
constituição do direto real está sujeito a inscrição registal, que tem em vista garantir a
segurança de quem compra, a transparência de quem compra e do que se compra, ou seja,
pretende-se impedir situações de fraudes.
Outro elemento ligado à segurança (e que está ligado com os direitos reais) está no artigo
10º e diz respeito ao certificado predial. Dentro dos limites do artigo 3º, o direito de gozo
sobre cada unidade está tutelado num certificado predial (é uma novidade do ponto de vista
dominial importante). Este documento contém a especificação do direito e do titular do
direito. Quando alguém compra pela 1ª vez um direito real de habitação periódica, a
conservatória passa numa caderneta no certificado predial relativamente ao direito, com a
indicação do respetivo titular. Quando se compra o direito deve-se ver o título, onde tem de
estar indicado o titular (não pode ser outra pessoa que não o titular a vender o direito de
habitação periódica). É obvio que o titular até pode ser outro, mas não será considerado
enquanto tal até ao nome dele constar no título.
A titulação do direto real de habitação periódica é um aspeto diferenciador deste direito.
Deve também referir-se o regime da transmissão do direito real da habilitação periódica.
Esta é outra especificidade. Neste sentido, dispõe o artigo 12º do diploma que “a oneração
ou a transmissão (…) faz-se mediante declaração das partes no certificado predial, com
reconhecimento presencial das assinaturas do constituinte do ónus ou do alienante,
respetivamente, e está sujeita a registo nos termos gerais”. Trata-se de uma transmissão
anómala dos direitos reais, pois este direito transmite-se por declaração do vendedor e
comprador, no certificado. O direito real de habitação periódica transmite-se da mesma forma
que alguns direitos de crédito, isto é, transmite-se por endosso95 do título/certificado.
Funciona o princípio da abstração, ou seja, o direito é titulado por um documento ainda
que eventualmente não corresponda à liberdade substantiva.

Os direitos reais de garantia: aspetos principais


Os direitos reais de garantia são direitos acessórios do direito de crédito, o que significa
que a sua existência está dependente da constituição do crédito, ainda que futuro, ficando
dependente do evento que dá origem à obrigação; extinta a obrigação, extingue-se o direito
de garantia que lhe está associado. Quer quanto ao nascimento, quer quanto à extinção, estão
dependentes da vida do direito de crédito.
O direito real de garantia consiste num direito atribuído ao credor da relação obrigacional,
versa sobre coisas ou sobre direitos, coisas certas e determinadas que podem pertencer ao
devedor ou ao terceiro, não tem de ser necessariamente o devedor a dar a garantia, pode ser
um terceiro. Consistem num poder que tem o credor de, em caso de incumprimento, se fazer
pagar pelo valor do bem ou dos rendimentos com preferência sobre os demais credores ou
outros direitos reais de garantia, desde que os tenham constituído posteriormente – critério
da prioridade cronológica.

95
Transmite-se o direito de propriedade ou um título a outra pessoa.
81
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

A consignação de rendimentos

É um direito que versa sobre rendimentos, que tem por objeto rendimentos, o crédito é
garantido por rendimentos. Nos termos do artigo 656º do CC, a lei limita o objeto, apenas
rendimentos de bens imóveis, ou de certos bens móveis sujeitos a registo. O que serve de
garantia são os rendimentos que ficam consignados ao credor e não os bens em si.
A consignação pode ser voluntária ou judicial (artigo 658º do CC). As suas modalidades vêm
previstas no artigo 661º do CC - aqui a lei refere-se a um acordo, o chamado pacto anticrético,
no qual se pode convencionar que passe para terceiro, para o credor, ou que se mantenha na
esfera do terceiro. A forma vem prevista no artigo 660º do CC.
Diferentemente de outros direitos reais de garantia, este direito real de garantia pode ser
utilizado como garantia e também como modo de pagamento. O que há aqui de diferente é
que o objeto do direito são os rendimentos e esses rendimentos podem ser consignados ou à
garantia da divida ou também ao pagamento dessa mesma divida, se assim for estipulado,
podendo esses rendimentos ser abatidos à divida, sendo assim uma forma não só de garantir,
como de garantir a divida do qual é acessório.

O penhor

O DL nº 75/2017, de 26 de junho prevê o penhor mercantil, o que está relacionado com o


artigo 675º, nº2 do CC – é um regime especial. Relativamente ao penhor, há vários regimes
especiais, aqui vamos estudar o regime comum. A noção de penhor vem prevista no artigo
666º do CC.
O penhor versa sobre coisas móveis ou sobre direitos que versem sobre coisas móveis. O
penhor também pode ser constituído por terceiro. Muito embora a existência de 2 normas de
natureza geral, o penhor incide sobre coisas ou sobre direitos. É um direito que tem objeto
coisas móveis ou direitos que incidam sobre coisas móveis. É um direito que só pode ser
constituído por quem tenha legitimidade para alienar a coisa.
A consignação de rendimentos incide sobre rendimentos e não coisas, por isso pode ser
constituída por quem tenha legitimidade de dispor dos rendimentos, ainda que não tenha
legitimidade para dispor da coisa (exemplo: usufrutuário que detenha rendimentos dos bens, pode
constituir uma consignação dos rendimentos que aufira. Se não houver cumprimento da dívida, o bem é alienado
para 3º, por isso tem de haver a possibilidade legal de ser alienado, por isso só pode ser constituído por quem
tenha legitimidade para alienar.).
Por outro lado, e no que diz respeito ao penhor de coisas, há um regime aquisitivo especial
relativamente à constituição do penhor e que está indicado no artigo 669º do CC, tem a ver
com o princípio da consensualidade, porque diz aqui a lei que o penhor só produz os seus
efeitos por entrega da coisa empenhada ou documento que confira a exclusiva disponibilidade
dela, ou seja, aqui a lei faz depender a constituição do penhor da entrega da coisa. Temos aqui
uma exceção à regra da consensualidade, segundo a qual o direito se transmite por mero
efeito do contrato, aqui é necessário mais um ato, que é a entrega. Pode consistir na entrega
direta ou num documento que confere plena disponibilidade.
Por outro lado, diz o nº2 que essa entrega pode consistir na atribuição da composse,
porque neste caso o devedor não tem disponibilidade do bem. Se não houvesse a entrega, o
bem móvel simples poderia desaparecer, porque é fácil de alienar e de esconder e se o bem
não existe, desaparece a garantia. Foi isto que levou o legislador a instituir aqui esta entrega
como condição de validade de constituição do penhor.

82
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
No artigo 675º, nº2 do CC vem previsto o chamado pacto marciano, que será um
expediente do credor para ver satisfeito o seu crédito. A lei permite que uma vez vencida a
divida, as partes possam convencionar que a coisa passa para a mão do credor, mas pelo valor
que o tribunal fixar. Muito embora a lei não o diga expressamente, este pacto só se pode
verificar vencida a divida, se for antes disso já será um pacto comissório, que é proibido, nos
termos do artigo 694º do CC.
Quanto ao penhor de direitos (artigo 679º e seguintes do CC), só é admitido quando estes
tenham por objeto de coisas móveis e sejam suscetíveis de transmissão, são os tais direitos
sobre coisas móveis.
A forma vem prevista no artigo 681º do CC. No nº2 temos de ter em conta quando um
penhor versa sobre um crédito, a lei exige que seja notificado o devedor desse crédito e este
aceite a constituição desse mesmo penhor. Compreende-se esta notificação, porque o
devedor confronta-se agora como uma outra entidade. Há como que uma modificação parcial
dos sujeitos, na medida em que sobre aquele crédito passa a existir um direito que não existia,
por isso a lei entende que o devedor seja notificado. Aqui a notificação tem o mesmo valor
jurídico que a entrega de coisa, também uma condição de validade e não apenas de eficácia.
O que está em causa é acautelar o interesse do devedor do crédito que serve de garantia.

A hipoteca

Relativamente à hipoteca, para além da hipoteca de origem contratual/voluntária (artigo


712º do CC), a lei prevê hipotecas legais (artigo 704º do CC) e hipotecas judiciais (artigo 710º
do CC). Os credores beneficiários de hipotecas legais vêm previstos no artigo 705º do CC.
A hipoteca versa sobre bens imoveis ou moveis sujeitos a registo e nisto se distingue do
penhor. A hipoteca não abrange as partes integrantes. Isto porque não possuem autonomia
jurídica. Quanto às contas acessórias (artigo 210º do CC), também não são objeto de hipoteca
porque são móveis simples.

O que levanta problemas é a hipoteca de fábrica. Em nome da tutela dos credores temos
uma norma especial que se estende a todos os estabelecimentos industriais. O que aqui está
em causa é o facto de ser admissível hipoteca de bens móveis ao serviço daquele
estabelecimento comercial. A lei refere-se essencialmente ao edifício. O artigo 691º, nº2 do
CC fala na hipoteca de fábricas. Para além do edifício e respetivo logradouro dever-se-ão
considerar abrangidos os mecanismos e demais móveis inventariados, ainda que não sejam
partes integrantes. E, por isso, bens móveis simples podem ser objeto de hipoteca. Há, deste
modo, um alargamento por extensão do objeto da hipoteca.
O artigo 688º, nº2 do CC estabelece que “as partes de um prédio suscetíveis de propriedade
autónoma sem perda da sua natureza imobiliária podem ser hipotecadas separadamente”.
Relativamente à hipoteca de partes de um prédio apenas podem ser hipotecadas as partes
suscetíveis de propriedade autónoma, isto é, um prédio urbano será abrangido pela hipoteca
se se puder constituir uma fração autónoma e nesse caso abrangerá não só a fração autónoma
como as partes comuns. Quanto aos prédios rústicos não pode ser hipotecada parte do prédio
rústico desde que esta seja inferior à unidade mínima.
Muito embora a redação da lei não seja conclusiva, tem sido entendido que o registo é não
só obrigatório, como condição de validade de hipoteca. Para além do acordo que dá origem à
hipoteca, é necessário o respetivo registo.

83
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
No artigo 687º do CC parece ser condição de eficácia, mas também é condição de validade.
Quando a lei fala em efeitos “mesmo em relação às partes”, isto só pode ter alguma força
jurídica se a lei atribuir ao registo não apenas uma condição de conhecimento, mas algo mais
e esse algo mais é a questão da validade.
O registo é uma condição de validade, se não esta norma quando aplicada às partes não
tinha qualquer sentido, seria um ónus inútil e desnecessário. Daí que, muito embora a lei fale
em efeitos, não tem qualquer sentido, por isso tem um significado para além deste interesse
publicitário, que é aqui desnecessário. Em suma, o registo é condição de validade.
No artigo 686º do CC, a lei já introduz outra regra que tem a ver com a cronologia no
registo, no sentido em que a hipoteca primeiramente registada vai prevalecer sobre a
hipoteca posteriormente registada. Será que podem existir várias hipotecas sobre o mesmo
bem? Nos termos do artigo 713º do CC podemos dizer que sim porque a hipoteca é apenas
um poder de se fazer pagar com prevalência, que não implica qualquer uso do bem e que não
priva o respetivo proprietário.
Por outro lado, sucede que os bens podem ter um valor muito superior ao do mero crédito
que o respetivo titular possa assumir.
A hipoteca é um direito que não priva o respetivo titular do uso e fruição, as hipotecas são
direitos que se consubstanciam numa preferência de pagamento e, por outro lado, porque o
bem pode ter um valor muito superior, sendo suscetível de servir de garantia a vários créditos.
Para além disso, a existência de 2 ou 3 hipotecas que a lei ordena por ordena de registo,
nem todas serão pagas pela venda do bem. A primeira divida garantida com a primeira
hipoteca pode ser paga normalmente, sem necessidade de execução. A existência de várias
hipotecas não significa que sejam todas executadas, podem se esgotar com o simples
cumprimento da divida.
Ao ser registada a hipoteca, o 4º ou 5º credor fica com mais ou menos expectativas
consoante as hipotecas que já tiverem inscritas no registo, por isso, tem liberdade de aceitar
ou não e de conferir o crédito ou não.
O risco vai cair sobre o credor. São interesses de natureza individual, aos quais a lei não se
opõe, mas o juízo de eficácia da hipoteca, a lei remete para o credor, este aceitando ou não
e, aceitando, tem a possibilidade de saber se aquele bem tem uma ou mais hipotecas. Tudo
isto se passa no âmbito da vontade, mas que tem esta segurança jurídica no registo.
O que não está registado, não existe. A divida pode ser anterior, mas se a hipoteca foi
registada depois, prevalece a divida posterior, mas que foi registada primeiramente, isto tem
a ver com a diligência das partes. O que conta como garantia não é a data da divida, mas a
ordem cronológica do registo.
O artigo 678º do CC remete para o artigo 694º do CC. O que é o pacto comissório? É um
acordo, nos termos do qual, credor e devedor convencionam que se o devedor não pagar, o
credor fará sua a coisa sobre que versa a garantia.
Porquê que este pacto é nulo? Este pacto é anterior ao vencimento da dívida e a lei não
faz referência à avaliação do bem pelo tribunal e é aqui que reside a razão de ser desta
proibição, no facto de o crédito que é garantido por aquela hipoteca poder ser de valor muito
inferior ao do bem e, se assim fosse, haveria aqui um enriquecimento por parte do credor.
Muito embora haja acordo entre as partes, esta norma visa proteger o devedor que esteja em
más condições e evitar que este seja explorado por credores menos escrupulosos.
Também pode acontecer o valor da dívida ser superior ao valor do bem dado em hipoteca.

84
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
A lei quer proteger as situações de necessidade e adota uma norma geral e abstrata que
abrange todos os casos, mas quer tutelar os devedores que se encontrem em condições de
necessidade e impedir que hajam credores a exigir a garantia de um bem que valesse muito
mais do que o seu crédito. Se o pacto fosse permitido, haveria a possibilidade de um
enriquecimento injusto por parte do credor e é isso que a lei pretende evitar, muito embora
abranja todas as situações.
As causas de extinção do usufruto vêm previstas no artigo 730º do CC, mas merece
especial relevo o disposto no artigo 699º do CC, uma vez que situação particular ocorre com
o usufruto.
Em relação ao objeto da hipoteca importa considerar o artigo 688º do CC. A hipoteca pode
ter por objeto direitos, apesar de estes serem direitos que versam sobre coisas imóveis ou
coisas móveis sujeitas a registo. É ainda de referir o princípio da especialidade, na medida em
que a hipoteca abrange bens móveis que sejam equiparados por lei aos imóveis.
Relativamente às partes integrantes96, enquanto tal, também a hipoteca que verse sobre a
coisa principal abrange essas coisas.
Também diretamente ligada à propriedade horizontal ou ao direito real de aquisição
periódica, refere-se no nº2 que as partes de um prédio (partes componentes) suscetíveis de
domínio autónomo podem ser objeto de hipoteca, designadamente as frações de propriedade
horizontal ou as frações no âmbito do direito real de habitação periódica.
Num certo desvio ao princípio da especialidade, quando se fale que o direito versa sobre
coisas certas e determinadas (individualizadas), admite-se pelo artigo 689º do CC que a
hipoteca possa abranger uma quota ideal de uma coisa, o que significa que o comproprietário
do imóvel pode dar a sua quota em garantia, pode constituir uma hipoteca sobre essa mesma
coisa.
Quando falamos no objeto nos termos do artigo 688º do CC, a norma é ampliada pelo
artigo 691º do CC, quando falamos na extensão da hipoteca. Para além dos objetos definidos
no 688º do CC, a hipoteca abrange as partes integrantes e as acessões naturais.
O artigo 691º, nº2 do CC fala em fábricas. Antes de mais, tem-se a dizer que juridicamente
não se sabe o que é uma fábrica. Sabe-se que é um estabelecimento comercial no qual se
exerce uma atividade de transformação (conceito empírico e não propriamente jurídico). Se
aceitarmos este conceito parece que o setor dos serviços não serão fábricas por não haver
transformação dos produtos. Independentemente desta indeterminação, a importância desta
norma reside no facto de a hipoteca poder abranger também coisas acessórias, para além de
partes integrantes. Quais são as coisas acessórias que são abrangidos pela hipoteca? “Os
maquinismos e demais móveis inventariados no título constitutivo, mesmo que não seja parte
integrante dos respetivos imóveis”. Quando a hipoteca incida sobre este tipo de
estabelecimentos comerciais tem a particularidade de versar sobre coisas imóveis que não
sejam partes integrantes.
Acrescenta-se um limite que é uma exceção ao direito de propriedade. Não deixa de ser
um caso anómalo que é explicável pelo facto de pretender garantir o exercício da hipoteca.
Qual é o limite? Dispõe o nº3 que “os donos e possuidores (…) abrangidos no registo de
hipoteca dos respetivos imóveis, não os podem alienar ou retirar sem consentimento escrito
do credor (…)”. Este limite tem a ver com a tutela dos credores hipotecárias e pressupõe que
os bens estejam identificados no título constitutivo. Na hipoteca são identificados os bens,
sejam os imóveis e respetivas partes integrantes, sejam os móveis que estejam ao serviço da
exploração e não sejam pertença do dono da fábrica.

96
São coisas móveis, mas do ponto de vista jurídico são consideradas como sendo coisas imóveis.
85
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Pretende-se garantir a segurança e confiança no âmbito da atividade comercial (pressupõe-
se que o dono de uma fábrica é um comerciante).
Há outro aspeto a referir em relação à indivisibilidade da hipoteca (artigo 696º do CC).
Pretende-se evitar que o credor hipotecário possa ser defraudado relativamente à eficácia do
seu direito. É claro que este é o princípio geral, nada impede que o credor aceite, pretende-
se é onerar o bem, quer seja ou não transmitido ao tempo da constituição da hipoteca,
fazendo com que esta verse sobre o valor do bem, conservando-se, independentemente de o
bem ser dividido ou transmitido.
O princípio da elasticidade dos direitos reais significa que o direito real ou se expande ou
se contrai. A expansão é automática. O artigo 699º do CC prevê um desvio a este princípio. A
regra é que se a hipoteca for constituída por usufruto, extinguindo-se a hipoteca passa a ser
exercida sobre a propriedade, como se o usufruto nunca tivesse sido constituído (nº1).
Contudo, diz-se no nº3 que “se a extinção do usufruto resultar de renúncia, ou da transferência
dos direitos do usufrutuário para o proprietário, ou da aquisição da propriedade por parte
daquele, a hipoteca subsiste, como se a extinção do direito se não tivesse verificado”.
No caso de o usufruto se extinguir e a hipoteca se versar sobre a coisa que é objeto do
usufruto, extinguindo-se o usufruto a hipoteca continua. Se a hipoteca versar sobre o usufruto
de coisa imóvel, a extinção deste implica a extinção da hipoteca porque se é o usufruto de um
bem imóvel que é objeto da hipoteca, compreende-se que extinguindo-se o objeto se extingue
a hipoteca. O credor estava obrigado a antever os riscos que ocorriam, nomeadamente o
decurso do tempo.
O usufruto não se extingue apenas por decurso do tempo, também se pode extinguir por
renúncia (exemplo: Alguém é credor e o devedor paga uma hipoteca de usufruto sobre um determinado
imóvel. Supondo que o usufruto tinha uma duração de 10 anos, o credor podia contar com essa garantia. Pode
acontecer que o direito de usufruto se extinga por renúncia, levando a que uma expectativa saia frustrada, a
expectativa de que a garantia tinha uma validade. Logo, a expectativa poderia ser anulada se o credor
renunciasse ao usufrutuo porque extinguia-se a garantia).
Nesta medida, havendo renúncia aplica-se a regra da elasticidade, o que leva à aplicação
do nº3. O direito de propriedade reexpandia-se até à primitiva forma (anterior à constituição
do usufruto). O que é certo é que isto não acontece para garantir as expectativas do credor
hipotecário e é por isso que se prevê a exceção à regra da elasticidade dos direitos reais
maxime do direito de propriedade, no nº3. Como forma de não frustrar as expectativas e a
eficácia do direito de garantia, a lei introduz esta exceção. Quando isto aconteça tem-se a
hipoteca sobre o valor do usufruto (e não da propriedade).
É só ainda de referir a hipoteca legal quando esta resulte da lei. Nesta submodalidade o
direito tem origem na lei e a constituição da hipoteca ocorre por efeito automático.
No caso da hipoteca voluntária só pode hipotecar quem tem legitimidade para alienar,
exatamente na medida em que o exercício da garantia é feito através da venda do bem. Por
vezes o cumprimento é forçado por força de o bem poder ser executado, logo a hipoteca vai
funcionar na sua natureza normal de direito real de garantia.

Privilégios creditórios

O privilégio creditório caracteriza-se por ser um direito de garantia exclusivamente de


fonte legal, o que significa que verificados os pressupostos previstos na lei, assentando na
autonomia das partes, a lei retira da verificação a constituição do benefício do credor dum
direito real de garantia.

86
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Na noção contemplada no artigo 733º do CC diz-se que “(…) é a faculdade que a lei, em
atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de
serem pagos com preferência a outros.”. Estes surgem apenas em relação a determinados
créditos tipificados na lei. A lei não só prevê como também determina as situações que dão
origem à constituição desse direito – princípio da taxatividade. Não há uma vontade
constitutiva porque a lei se sobrepõe-se à vontade das partes.
Compreende-se a desnecessidade do registo porque a publicidade decorre da lei. Portanto,
estão em causa determinados direitos de crédito e determinados credores (junção de 2
aspetos) que a lei privilegia atribuindo um direito real de garantia.
Os privilégios são de 2 espécies (artigo 735º, nº1 do CC):
• Privilégios mobiliários – versam sobre bens móveis;
• Privilégios imobiliários – versam sobre bens imóveis

Podemos ainda distinguir, no seguimento do artigo 735º, nº2 do CC, entre:


• Privilégios especiais – incidem sobre coisas certas e determinadas e quando abrangem o
valor de determinados bens móveis;
• Privilégios gerais – abrangem o valor de todos os bens móveis existente no património
do devedor.

O caráter especial ou geral tem a ver com as coisas que podem ser objeto dos privilégios.
As coisas certas e determinadas que são objeto de privilégios creditórios podem ser móveis
ou imóveis, há privilégios sobre cada um dos imoveis. A lei também vai identificar os objetos,
não só as causas dos créditos – natureza taxativa.
Importa ter em atenção em relação aos privilégios mobiliários gerais que estes são um
desvio à regra dos direitos reais. Quando falamos na prevalência dos direitos reais, vimos que
a regra cronológica. Um direito real primeiramente constituído prevalece sobre um direito
real posteriormente constituído; também os direitos reais prevalecem sobre os direitos de
crédito.
Os privilégios mobiliários gerais não são uma evidência empírica. O privilégio constitui-se
quando a dívida surge, momento em que a lei confere ao credor um direito real de garantia.
O direito real constitui-se no momento em que surge o crédito e, portanto, irá versar sobre o
bem que a lei identifica no momento da constituição do privilégio.
Neste caso, isso não acontece. O privilégio imobiliário geral não tem por objeto as coisas
móveis existentes no património do devedor à data da constituição do débito, mas sim à data
da execução da garantia, o que significa que o objeto pode variar entre o momento da
constituição e o momento da garantia. Se são bens móveis podem acrescer ao património
mais bens móveis e, por outro lado, pode haver diminuição.
Pr vezes, diz-se que há violação do princípio da especialidade pelo facto de a lei referir que
o privilégio versa sobre todos os bens móveis. Se a lei refere que são todos os bens, é evidente
que estes estão individualizados porque todos os bens móveis integram o património do
devedor, logo não haverá violação do princípio da especialidade. A questão da violação coloca-
se pelo facto de o conjunto poder variar entre o momento da constituição e o momento da
execução. São todos os bens móveis existentes à data da respetiva execução e, portanto, é
este objeto que é relativamente indeterminado entre o momento da constituição e o
momento da execução, sendo este último o momento que determina o objeto dos privilégios
mobiliários.
A lei também tipifica os bens, as coisas que vão ser objeto do privilégio.

87
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
É preciso considerar o artigo 736º do CC no que respeita ao privilégio mobiliário geral
referente ai Estado e às autarquias locais. O artigo 737º do CC refere-se a outros créditos,
nomeadamente aos privilégios por despesas do funeral do devedor.
Quanto aos privilégios mobiliários especiais abrangem-se as despesas de justiça bem
como imposto sobre sucessões e doações 97 (artigo 738º do CC), que versam sobre os bens
imoveis que são objeto deste regime. No artigo seguinte refere-se privilégios que versam
sobre os frutos.
Em que se manifesta o privilégio? Temos de ter em consideração o concurso dos privilégios
com os outros direitos reais de garantia. É aqui que se vão verificar exceções ao princípio da
prevalência cronológica. A lei estabelece uma graduação da ordem do pagamento, sendo esta
independente da data da constituição da respetiva garantia que pode conflituar com este
direito.
Por outro lado, esta preferência que a lei estabelece manifesta-se não só entre direitos e
privilégios, mas também entre os próprios privilégios. A regra é que a preferência no
pagamento é fixada pela lei e é independente da regra da prioridade cronológica, sendo esta
uma das situações mais evidentes em que a lei da prevalência é excecionada.
Nos artigos seguintes dispõe-se que em matéria de despesas de justiça a lei assegura uma
primazia quase que absoluta do respetivo pagamento, mesmo a favor do Estado.
Estabelece-se ainda uma ordem de outros privilégios mobiliários no artigo 747º do CC,
sendo que esta ordem não tem nada a ver com a data da respetiva constituição.
No artigo 751º do CC consagra-se outra exceção, na medida em que os privilégios
mobiliários especiais “são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real
sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção,
ainda que estas garantias sejam anteriores”.

Direito de retenção

Tal como os privilégios creditórios, o direito de retenção é de fonte legal. O direito de


retenção trata-se de um direito de apreender. A este propósito dispõe o artigo 754º do CC.
Esta norma contém todos os elementos que são pressupostos da constituição deste direito.
O 1º aspeto a ter em conta é que previamente à constituição do direito real há uma
constituição de crédito. Não é qualquer relação de crédito, mas sim uma que tenha por objeto
uma coisa, uma prestação de dar.
A propósito dos animais, tem-se a dizer que as pessoas por vezes entregam-nos para serem
cuidados durante um período de tempo, Há um contrato nos termos do qual há um dever de
cuidado do animal e um dever de pagar as despesas com esse cuidado. Findo o contrato, se o
dono do animal não pagar as despesas o credor pode reter o animal. Como agora se trata de
um direito pessoal coloca-se a questão se o regime continua a ser este. Temos uma relação
em consequência da qual o devedor está obrigado a fazer despesas para manter ou reparar
as coisas, pelo que há um dever por parte do devedor de as pagar. O pressuposto é uma
relação de crédito.
O 2º aspeto é que o devedor realiza despesas por causa da coisa, sejam contratualizadas,
sejam despesas necessárias (exemplo: Se o animal teve de ser sujeito a uma operação compreende-se que
sejam despesas necessárias para manter o animal, o que irá acrescer à dívida que o dono do animal tem para
com o proprietário do estabelecimento.). São despesas feitas com a manutenção/conservação da
coisa.

97
O beneficiário destes privilégios é o Estado, pelo que está a regular em benefício próprio.
88
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018
Há uma relação: a pessoa entrega uma coisa no âmbito de um contrato, no termo da qual
a pessoa a deve entregar, mas se o devedor realizou despesas para conservar a coisa, goza do
direito de não entregar a coisa enquanto não for ressarcido.
Estão em causa 2 relações diferentes, mas que têm uma ligação intrínseca – o crédito do
devedor tem como causa uma relação obrigacional existente anteriormente. Portanto, a causa
do crédito tem origem numa relação obrigacional, o que significa que o direito de retenção só
existe se o devedor tem poderes legítimos sobre a coisa. Acresce que o bem tem de entrar na
esfera de disponibilidade do devedor por meios lícitos 98. Há uma relação intrínseca entre o
direito de retenção e o crédito anterior, é a relação obrigacional anterior que está na origem
da constituição de um direito de retenção.

Estando o devedor obrigado a entregar a coisa, a lei admite que ele a não restitua enquanto
não for pago pelas despesas que efetuou. O crédito a que tem direito está relacionado com a
coisa que está obrigado a entregar, há uma dupla relação entre o crédito anterior e o crédito
posterior (que atribui o direito de retenção).
O artigo seguinte refere-se a casos especiais de direito de retenção, em que não se
verificam estes pressupostos (exemplo: Se formos dormir a um hotel a despesa tem a ver com o serviço
que foi prestado. Portanto, o crédito tem a ver com o serviço e mais nada. No entanto, se não pagarmos o dono
do hotel pode reter as nossas malas.)
Embora tenha algumas similitudes, é importante referir que o direito de retenção não se
confunde com a exceção de não cumprimento do contrato.
No caso do contrato de transporte, estabelece-se que ou se paga antes ou se paga depois.
Se for depois o transporte já foi efetuado. Mas supondo que as partes convencionam que o
pagamento é realizado antes da realização do serviço, enquanto o dono do bem que tem de
ser transportado não pagar, o transportador pode recusar-se a efetuar o transporte. Temos 2
prestações, mas uma pode ser recusada se a outra não for cumprida e aí invoca-se a exceção
de não cumprimento do contrato. Temos 2 prestações (o dever de pagar e o dever de
transportar). Esta situação é diferente em relação às situações em que se convenciona que o
pagamento seja feito após o transporte, já não se pode verificar a exceção de não
cumprimento do contrato pois este já foi cumprido.
Normalmente são valores relativamente pequenos que estão em causa, mas é natural que
a lei confira este direito real de garantia de modo a evitar ter-se de recorrer à via judicial.
Se o incumprimento se verificar é pago pela alienação da coisa (caso em que se entra no
regime normal), mas como o devedor irá perder um valor superior ao seu débito será mais
favorável liquidar a sua dívida.
Um outro aspeto que se pode referir tem a ver com o artigo 758º do CC (retenção sobre
coisas móveis) e artigo 759º do CC (retenção de coisas imóveis).

98
Quando falamos em meios lícitos não quer dizer que tenha de ser um contrato formalmente valido. Trata-
se de uma licitude quanto ao meio e não propriamente quanto à natureza do negócio jurídico (licitude no
âmbito penal).
89
Direito Reais – 2º Semestre Ano Letivo 2017/2018

Os direitos reais de aquisição


Os direitos reais de aquisição conferem ao respetivo titular um poder de adquirir uma
outra coisa, um direito real ou excecionalmente um direito real de crédito (no caso do
arrendamento).
Em relação ao pacto de preferência com eficácia real e ao contrato-promessa com eficácia
real, a lei prevê um conjunto de formalismos, sejam de natureza quanto à forma do contrato,
seja quanto à essência do registo. São estas as condições indispensáveis à constituição do
direito real.

Direitos reais de preferência

Por outro lado, para além dos pactos e preferência existem direitos legais de preferência,
já referidos a propósito do comproprietário e do fracionamento.
O artigo 442º do CC introduz uma inversão à regra da prioridade cronológica. Não está
expressamente referido, mas deve-se ler eu o direito de preferência tem eficácia real. A
preferência legal prevalece sempre em relação à preferência convencional, seja obrigacional
ou real. Isto verifica-se em homenagem aos interesses que a lei associa a interesses individuais
que estão associados a uma lógica dominial muito específica (melhoria da rentabilidade da
atividade agrícola, promoção da paz social).
Enquanto os pactos de preferência com eficácia real visam interesses especificamente
individuais, compreende-se que nos direitos legais de preferência estão outros interesses
associados a essa individualidade e que, de certa forma, ultrapassam a simples esfera jurídica
dos interessados diretos. Protegem-se os interesses que sendo de natureza privada vão além
dos interesses as partes.

Direitos potestativos

Os direitos potestativos de aquisição foram referidos a propósito da constituição das


servidões legais. As servidões legais podem ser constituídas por contrato, mas a lei limita o
respetivo objeto e sua utilidade (que se pretenda garantir com a servidão), mas também
existem interesses ligados à habitação e à produção que ultrapassam o interesse meramente
subjetivo do titular dos prédios servientes, daí se imponha a constituição da servidão como
forma de permitir a satisfação de outros interesses, dos quais não beneficiam apenas o titular
do respetivo direito, mas também a sociedade em geral.

90

Você também pode gostar