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Matilde Pereira Jesus; 2022

Regência da Professora Maria Fernanda Palma

PENAL II EM ESQUEMAS

Nota: nos momentos de avaliação escrita da Senhora Professora Maria Fernanda Palma terão de analisar os casos
agente a agente e dentro de cada um destes pontos a ponto (os pontos aqui dispostos).

Conteúdo
1) QUAL, OU QUAIS, OS CRIMES QUE PODEM SER POTENCIALMENTE IMPUTADOS AO AGENTE? .............................. 2
2) AÇÃO OU OMISSÃO RELEVANTES? .............................................................................................................................. 2
3) TIPICIDADE.................................................................................................................................................................. 10
3.1) IMPUTAÇÃO OBJETIVA ....................................................................................................................................... 10
3.2) IMPUTAÇÃO SUBJETIVA ...................................................................................................................................... 15
4) ILICITUDE .................................................................................................................................................................... 23
5) CULPA ......................................................................................................................................................................... 28
6) PUNIBILIDADE ............................................................................................................................................................ 29
6.1) Se o crime estiver consumado, tudo se verificar nos pontos acima dispostos, pode não ser necessário ainda
analisar o regime da tentativa. ................................................................................................................................... 29
6.2) TENTATIVA .......................................................................................................................................................... 29
6.3) COMPARTICIPAÇÃO ................................................................................................................................................ 40
Anexos – quadros: .......................................................................................................................................................... 47

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Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

1) QUAL, OU QUAIS, OS CRIMES QUE PODEM SER POTENCIALMENTE IMPUTADOS AO AGENTE?


1. Indicar a base legal

2) AÇÃO OU OMISSÃO RELEVANTES1?


1. Questionar se a ação é penalmente relevante
1. 3 ESCOLAS2 (ver quadros da Maló):
i. Clássica (Belling): quando haja movimento corporal determinante de uma modificação no
mundo exterior, ligada causalmente à vontade do agente.
a. Critica: aparentemente é um conceito de ação muito amplo. TODAVIA, a verdade é
que exigindo um movimento corporal, exclui as omissões e crimes que se dão mesmo
sem como a injuria.
ii. Neoclássica: comportamento humano + modificação exterior + ligada à vontade do agente +
significado social
a. Critica (FDIAS): continua a partir do conceito mecânico-causalista da ação,
esquecendo não ser aí que reside a essência do atuar humano
b. Critica (MFP): despreza a questão de saber qual é a estrutura comportamental que
permite a analogia entre ação e omissão
iii. Finalista (Welzel): o que importa é a intenção, é quererem o fim que aferem ao
comportamento – há ação quando há um processo orientado para a modificação do mundo
exterior
a. Critica: falha nos casos de erro e nos casos de negligencia
iv. MFP: a definição analítica de crime deve ser o ponto de partida numa metodologia de decisão
penal. O facto tem de exibir características que demonstrem haver uma base comportamental
para atribuir responsabilidade: características de objetividade como a exterioridade,
controlabilidade (domínio do percurso do comportamento para dado objetivo) e evitabilidade
(possibilidade, desde início, de se conformar com a norma)3. Apenas os comportamentos
livres e responsáveis poderão ser qualificados como típicos, ilícitos e culposos.
2. Funções do conceito de ação:
1. Sistemática (MFP e FD): conceito de ação é a base que estabelece a articulação entre os vários
elementos do conceito de crime.
2. Delimitativa (MFP e FD): permite destrinçar quais as ações que são ou não penalmente relevantes.
3. Classificatória (FD): o conceito tem de ser amplo de forma a abranger todas as formas possíveis de
aparecimento do comportamento punível.

1
Se o agente estivesse a dormir desde logo qualquer coisa que aconteça não lhe atribui responsabilidade penal, MAS p ex no caso
em que o agente tem um filho de 6 anos, adormece e o filho foge e parte propriedade alheia e depois, na casa, come um bolo
envenenado e morre → há que questionar omissio libera in causa (é o próprio omitente que se coloca em estado de
impossibilidade de proceder à ação, razão pela qual deve ser punido) e a discussão sobre a possibilidade de responsabilizar (ou
não) o agente por negligentemente se ter deixado adormecer, viajando sozinho com um filho de apenas 6 anos de idade. Mesmo
a admitir-se uma resposta positiva, Artur não seria responsável pelo crime de dano (não previsto na forma negligente) (da prop),
nem pelo homicídio negligente do filho, por ser totalmente imprevisível a presença de veneno no bolo. (EXAME DE RECURSO –
COINCIDÊNCIAS – Turmas A e B 28.07.2017)
2
Penso que não seja necessário falar sobre as escolas em sede de avaliação escrita, dado não ter encontrado nenhum critério que
exigisse que delas se falasse.
3
Sendo que a Professora salienta a necessidade de não referir os juízos de controlabilidade e evitabilidade à figura do homem
médio – não é o Direito que determina a evitabilidade e controlabilidade, antes tem, neste ponto, de aceitar as estruturas sociais
e conhecimentos científicos sobre o comportamento humano. Isto, porque apenas os comportamentos livres e responsáveis
poderão ser qualificados como típicos, ilícitos e culposos.
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4. Garantistica (MFP): tem importância no âmbito da tutela das expectativas e da segurança dos cidadãos
contra a arbitrariedade do sistema judicial.
3. Visto isto, há alguma situação que retire a relevância penal do comportamento?
1. Atos reflexos4: reação endógena5 que surge como efeito de uma solicitação exterior que nós não
controlamos e que provoca o mesmo efeito independentemente da pessoa (característica da
universalidade6). Estes atos não podem sequer ser assimilados pela vontade.
i. Distinguem-se dos atos instintivos, nos quais ainda há uma possibilidade, ainda que remota,
de controlo. O agente pode “treinar” para não reagir de determinada forma. Estas ainda são
penalmente relevantes.
2. Automatismos7: saber se, nos casos em que o automatismo intervém em lugar do comportamento
controlado pela consciência, existirá ou não ação – tem de haver uma aceitação do risco para que se
possa falar numa ação.

4
MPJ:
A e B estão de braço dado, a tirar uma selfie. B é picado na mão por uma abelha, faz um movimento defensivo brusco e atinge
a cara de A. A fica com um olho negro → ato reflexo. Importa que se encontre na ação suficiente previsibilidade, objetividade e
controlabilidade. Assim, neste caso ter-se-ia de determinar se era previsível ou não aparecer uma abelha ali. Se fosse um dia de
calor, verão, sabemos que há muitos insetos, ainda que não se tenha total consciência disso (quando estou a andar não preciso
de ter consciência que estou a andar, mas se tiver um obstáculo, desvio-me/ não preciso de estar a pensar estão aqui abelhas e
pode me picar).
Um caso semelhante, mas distinto, é o caso do Tribunal Alemão da Abelha, no qual uma abelha entrou no carro durante a
condução. O tribunal considerou neste caso uma ação instintiva e, por isso, penalmente relevante. Embora não sendo totalmente
consciente, ainda é uma ação final, pois há um scriptdefensivo do agente. O que se tem de discutir é a previsibilidade para o
agente de que fosse ocorrer aquele estímulo externo e de aferir em concreto se aquela interrupção do automatismo (de conduzir)
era difícil de cumprir para aquele agente em concreto e em especial (Porf. Rita do Rosário diz que deve fazer parte do automatismo
de conduzir não se distrair com estímulos externos à condução).
5
Que tem origem no interior.
6
P.e.: bater no joelho e a perna mexer.
7
A, com pouca experiência de condução, num dia de chuva, não conseguiu parar o automóvel num lençol de água e embateu
noutro veículo provocando ferimentos no condutor → automatismo. A condução está associada a um comportamento mais
complexo, fruto da aprendizagem, que corresponde a uma reação preparada do agente, no qual este age segundo guiões de ação
(scripts), em que cada passo do comportamento se vai desencadeando como resposta imediata, associada a um comportamento
rotineiro, no qual não tem de intervir de forma penosa a consciência. Os comportamentos automáticos estão normalmente
associados a uma atuação racional e a um comportamento voluntário e final, em que é possível identificar uma supradeterminação
final do processo causal.
A era um condutor com pouca experiência, o que não afasta o reconhecimento do automatismo da sua conduta. A falta de
experiência da condução não implica prima facie a falta de reconhecimento de ações mecanizadas (como acelerar, travar,
embraiagem ec), que começam a ser interiorizadas pelo agente durante o processo de aprendizagem da condução, permitindo
depois desencadear esse comportamento de forma padronizada e repetida. No caso dos condutores pouco experientes o que
existe, regra geral, não é uma ausência de interiorização da automaticidade do comportamento, mas sim uma falta de
capacidade de reação a circunstâncias externas que podem levar à interrupção da ação automatizada. Por vezes
comportamentos automáticos saem fora da esfera de controlo do agente, ou seja, só haverá comportamento penalmente
relevante quando o comportamento surgir num contexto de previsibilidade de um estímulo externo.
Diz-nos Jakobs, que deverá ter-se em consideração, para aferirmos se existe comportamento penalmente relevante, se era ou
não evitável, de um ponto de vista individual, que o agente reagisse daquela forma - elemento preventivo. Já a prof. Maria
Fernanda Palma diz que devemos recorrer ao critério da previsibilidade do estímulo externo no automatismo. Para concluirmos
se será ou não previsível a interrupção do automatismo, será necessário atender aos sinais de perigo e à possibilidade de evitar
o automatismo. A possibilidade de interromper o automatismo deve ser aferida, primeiramente, segundo um padrão de uma
pessoa média, e depois à luz dos critérios da pessoa concreta (com as suas características).
Neste caso sendo um dia de chuva, é recomendável que os condutores reduzam a velocidade na estrada e tenham mais cuidado
em geral - não referindo o caso nada assumo que A o tenha feito. É previsível que num dia de chuva haja lençóis de água na
estrada, o que para um condutor experiente devia ser um sinal para parar o seu automatismo e ter especial atenção nas suas
ações. Segundo um padrão de uma pessoa média não é difícil admitir que existia uma previsibilidade que possibilitasse a
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Nos automatismos, há uma supressão da consciência, a qual é, na verdade, desejada – são tarefas
em que a consciência não é bem-vinda, porque faz o agente hesitar8, não sendo exigível uma
consciência reflexiva e controladora de todo o processo comportamental (Welzel). Os automatismos
são produto da experiência e aprendizagem, pelo que ainda poderá haver uma ação final, na medida
em que há um controlo possibilitado por essa mesma experiência. Quando treinamos os
automatismos, treinamos também a interrupção dos mesmos.
i. Automatismos instintivos (reações a um fator exterior que têm um cunho essencialmente
reativo, muito embora não sejam marcadas pela universalidade) → mais suscetíveis de não
serem considerados ações (em cenários de concreta imprevisibilidade da ocorrência de um
estímulo exterior)
ii. Automatismos rotineiros (comportamentos determinados pela experiência do agente).
iii. Há ou não há ação penalmente relevante?
a. JAKOBS → possibilidade concreta de evitar o comportamento - salienta que tem de
ser concretamente possível agir para evitar o que sucedeu para que haja ação
penalmente relevante9 (controlo consciente do automatismo).
b. MFP → CRITÉRIO DA PREVISIBILIDADE DO ESTÍMULO EXTERNO/SITUAÇÃO QUE
SUSCITA O AUTOMATISMO
I. Havia sinais/indicações que avisassem sobre o risco?
II. Era possível evitar o automatismo, segundo um padrão de pessoa média
primeiro e, depois, no lugar da pessoa em concreto?
10
3. Hipnose , sonambulismo ou efeito de certas substâncias: nestes casos, há um domínio do corpo
sobre a consciência.
i. Este estado causou uma perturbação total sobre o corpo e a capacidade de reconhecimento
dos atos?
a. Se não11 → ação penalmente relevante
ii. O agente colocou-se de propósito neste estado, pretendendo utilizá-lo para praticar o facto?
→ Esses factos já serão ações penalmente relevantes – doutrina das actiones liberae in causa
(ação livre na causa) → 20º/4 CP.
a. Também podem haver omissões que entram aqui na medida em que alguém deixa de
cumprir com um dever por se ter autocolocado no Estado.
iii. Ainda que não tenha pretendido e tenham sido inconscientes os atos, era previsível que isso
sucederia?
a. Há ação penalmente relevante
b. MAS os comportamentos não podem ser imputados ao agente → 20.º/4 a contrario
CP
c. Deve ser punido pelo ato de autocolocação em estado de embriaguez → 295.º CP
4. ESTAREMOS PERANTE UMA OMISSÃO?
1. Distinguir ação de omissão

interrupção do automatismo, segundo uma avaliação à luz das características individuais de A, devido à sua pouca experiência de
condução era muito difícil conseguir.
8
Como acontece quando conduzimos ou andamos, convém que o movimento seja comandado por uma certa automaticidade
9
Ex.: haver tempo suficiente entre o momento do estímulo e o da verificação do resultado para virar o volante
10
Relativamente ao hipnotismo, os autores tendem a acreditar que ainda existe uma ação penalmente relevante. Há quem não
acredite em estados de hipnose, afirmando que há sempre consciência. ROXIN vê no estado de hipnotismo um comportamento
relevante, uma vez que a prática de aos criminosos sob hipnose só seria possível para pessoas capazes de cometerem esses atos
em estado consciente.
11
Roxin - teoria do conceito pessoal de ação → ainda há, no estado de embriaguez uma manifestação da personalidade. Nos casos
de embriaguez teremos, em princípio uma ação penalmente relevante a não ser que se trate de um estado muito extremo.
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i. Critério de delimitação do tipo naturalista12 (Doutrina Germânica) ou de tipicidade13 (FDias) –


FD: ação quando o agente cria ou aumenta o perigo que se vem a concretizar. Omissão
quando o agente não diminui aquele perigo
ii. Há dois tipos de omissões, as puras e as impuras14
a. Doutrina tradicional: puras quando o tipo objetivo de ilícito se esgota na não
realização da ação imposta pela lei; impuras quando o agente assume a posição de
garante
b. FDIAS: o critério fundamental é que as impuras, diferentemente das puras, não se
encontram descritas num tipo legal de crime, tornando-se indispensável o recurso à
clausula de equiparação do 10.º/2
iii. Omissão através de ação15 - ROXIN dá-nos grupos de casos:
a. Comparticipação ativa em delito omissivo (ex.: A aconselha B a deixar de prestar o
auxílio necessário, nos termos do 200º CP) → nestes casos o agente é punido por
instigação ou cumplicidade pelo crime de omissão
b. Omissio libera in causa (ex.: nadador-salvador embriaga-se até à inconsciência para
tornar impossível socorrer alguém; ou alguém que sabendo que os amigos vão matar
outra pessoa se embriaga até estar sem condições de ir à polícia16)
c. Tentativa interrompida de cumprimento de uma imposição legal17
I. Se o processo salvador ainda não atingiu a esfera da vítima → omissão -
porque não há motivos político-criminais para punir diferentemente quem
interrompe um processo causal salvador, contra o dever, e quem decide
desde o início não intervir na situação
II. Se já tiver atingido a esfera da vítima (a um ponto em que esta já se poderia
valer por si própria) → comissivo.

RANFT: Quando há um terceiro disposto a ajudar e o agente impede-o, temos uma


omissão por fazer?
→ Se o agente interfere numa cadeia causal exclusivamente alheia que evitaria o
resultado:
a. Se o barco for de terceiro e for o único meio disponível18 → ação
b. Se o barco for de terceiro e houver outros meios disponíveis19 → omissão.

12
Existe ação quando há uma introdução positiva de energia por parte do agente. Crítica de ROXIN: este critério não funciona
em casos de omissão através de comissão (ação).
13
Ação quando o agente cria ou aumenta o perigo que se vem a concretizar. Omissão quando o agente não diminui aquele
perigo.
14
Em caso de concurso, pune-se pela omissão impura (princípio non bis in idem e subsidiariedade das omissões puras).
15
Por razões de natureza normativa, o princípio da subsidiariedade é invertido, punindo-se uma ação como omissão; desenvolve
a ideia de que há determinados crimes cuja estrutura comportamental é uma estrutura de violação de dever, sendo indiferente
que sejam levados a cabo por ação ou omissão (por razões teleológicas), devendo ser tratados pelo direito como omissões,
ainda que, ontologicamente, sejam ações
16
Nestes casos ROXIN considera que não será um caso de cumplicididade no homicídio, mas de autoria, punindo-se o agente na
mesma por omissão do dever de denunciar.
17
ex.: pai de uma criança que está em risco de se afogar vai buscar um bote para tentar salvá-la, mas, ao chegar, interrompe os
seus esforços, tendo podido continuá-los
18
ex.: impedir B de utilizar o seu próprio barco, que é o único disponível, para salvar A
19
Se aquele instrumento não for o único disponível (ex.: existirem vários barcos), o comportamento de quem impede a
utilização de um deles é omissivo, uma vez que apenas tem o efeito de negar o auxílio, não impedindo em absoluto que a vida
do náufrago seja salva
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c. Se o barco for da própria pessoa que impede a sua utilização por outrem →
omissão.

ROXIN: Nos casos em que um terceiro está disposto a auxiliar, a propriedade do


instrumento salvador deve ser irrelevante. Seja o barco de quem for (do terceiro que
quer ajudar ou do agente que não quer), haverá sempre aqui um crime comissivo.

d. Interrupção técnica de um tratamento:


I. Omissivo se se tratar de um caso de dever profissional em que ainda era
possível diminuir o risco (p.e. médico parar processo de reanimação)
II. Médico ou um terceiro desligam a máquina de respiração assistida a que está
ligado um moribundo → Apesar de o processo salvador já ter atingido a esfera
da vítima, a continuação do tratamento não era capaz de diminuir o perigo
que atingia o moribundo → omissão através de ação (ROXIN)
i. Se fosse um não-médico a fazê-lo, não haveria dever de tratamento,
pelo que teríamos de considerar ser uma ação.
2. Se houver omissão - antes de seguirmos para a tipicidade:
1. Ver se existe uma OMISSÃO IMPURA (10.º/1 e 2):
a. PRIMEIRO: perceber se a omissão é relevante:
FD:
i. Tem de haver uma possibilidade de agir (ex.: se eu não salvei a pessoa B de se
afogar, porque estava sequestrado, não tinha possibilidade jurídica (nem física) de
agir).
ii. Tenho de ver se há uma norma no CP à qual posso subsumir o comportamento e
tenho de perceber se posso imputar objetivamente a omissão ao resultado punido
– ver se consigo estabelecer um nexo causal penal entre aquela omissão e aquele
resultado. O critério de identificação da ação típica é o critério da forma de criação
do perigo – há ação quando o agente cria ou aumenta o perigo que vem a
concretizar-se no resultado; há omissão quando o agente não diminui o perigo
que, independentemente de si, afeta o bem jurídico. Se tivesse agido, teria evitado
que o bem jurídico tivesse sido violado ou o tivesse sido tão gravemente.
iii. Tem de haver um dever de evitar o resultado, ao qual se chama dever de garante
ou posição de garante. Só onde houver dever de garante é que vou poder ter uma
omissão imprópria. Se não tenho como exigir o cumprimento de um dever, não
posso imputar a responsabilidade pela lesão do bem jurídico.
MFP
i. Critério dos limites gerais de liberdade na configuração do mundo exterior, no
sentido de que estou a agir de forma livre, não há nenhuma restrição física, moral,
técnica/ estou a agir socialmente – estou limitado pela liberdade dos outros. Para
além disso, se tivesse agido não estaria a extravasar a sua esfera de liberdade.
ii. Critério da autovinculação implícita (e não já o dever especial formalizado) – tem
de haver um dever especial resultante de uma autovinculação do agente que não
precisa de resultar da lei ou de um contrato; pode ser implícita20.

20
No caso do médico que não é daquele hospital, a partir do momento em que entra como médico, autovincula-se a proteger
especialmente aquele bem jurídico. Por exemplo, onde não haja uma relação irmão-irmã, mas haja uma amizade tão forte que
mimique a relação irmão-irmã, podemos dizer que houve uma autoviculação por parte do agente. No entanto, temos de ver
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b. Como identificamos se há dever de garante?


4 Teorias que fundamentam as Posições de Garante:
i. Teoria formal (Feuerbach) → só haveria deveres de garante nos casos em que a lei, contrato
ou por ingerência (Stübel) este se desse
ii. Teoria das funções (Kaufmann) → há dever de vigilância quando haja dever de guarda ou
dever de vigilância.
iii. Teoria Mista (Figueiredo Dias) – faz uma lista dos casos em que há dever de garante:
a. Lei
b. Contrato
c. Deveres de proteção e assistência a um bem jurídico carecido de amparo
I. Relações de proteção familiares ou análogas (tem de haver relação de
dependência e de proximidade21):
i. Na relação pais-filhos, enquanto estes estiverem sob o âmbito de
proteção daqueles22.
ii. Na relação filhos-pais - só quando haja uma particular proximidade e
dependência.
iii. Nas outras relações familiares em que se evidencie proximidade e
dependência.
iv. Na relação entre cônjuges ou análogas, por força da comunidade vida
(desde que vivam juntos, há).
Na relação entre namorados ou noivos, já é discutível que haja esse
dever, tudo dependerá do grau de probabilidade.
Não existindo relação de confiança, poderá haver punição por
omissão pura do dever de auxílio (200.º).
II. Aceitação de funções de guarda e assistência a um bem jurídico carecido de
amparo
i. Não interessa aqui o vínculo contratual, mas sim a assunção fáctica
de uma função de proteção materialmente baseada numa relação
de confiança: tem de haver uma tutela imediata daquele bem
jurídico e tem de se gerar uma relação de confiança mútua.
ii. Inclui relações de autoridade e funcionários (públicos p.e.)
III. Comunidade de vida e de perigos
i. Apenas autonomiza a situação da comunidade de perigos. O caráter
arriscado do empreendimento coletivo cria em cada um dos
participantes um dever de garantia face a todos os outros, desde
que haja relações de confiança e de dependência mútuas: a) as
relações sejam efetivas e estreitas, e não meramente dedutíveis; b)
que a comunidade de perigos exista realmente; c) que o perigo já
pese sobre a vítima potencial.
ii. MFP: só haveria um dever jurídico de evitar o resultado quando fosse
expectável que tivesse sido assumido pelo agente o compromisso
de proteger o bem jurídico em questão

qual foi o contexto em que me autovinculei e quais as limitações desse contexto. A pessoa pode ter-se autovinculado a proteger
o bem jurídico, mas não perante uma situação de catástrofe natural, por exemplo.
21
São pressupostos materiais de ilicitude.
22
Note-se que nestes casos os pais assumem tb responsabilidade por dever de vigilância e segurança relativamente a perigos que
deles partam (o filho deles).
7
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No caso dos vizinhos, em princípio, não haverá nenhum dever, senão


ético, que pessoalmente obrigue o agente, não se justificando a
equiparação da omissão à ação.
d. Deveres de vigilância e segurança face a uma fonte de perigos
I. Ingerência → quem cria o perigo que pode afetar terceiros (ingerência) deve
cuidar de que ele não venha a concretizar-se num resultado típico23.
Fundamentos: princípio da liberdade e igualdade24
i. O resultado típico tem de ser objetivamente imputável ao
incumprimento do dever de garante
ii. O facto anterior perigoso deve ter sido uma ação ou omissão
violadora do dever, em que o resultado típico se considere
objetivamente imputável ao incumprimento do dever de garante + a
criação de perigo tem de ser ilícita, embora possa ser não culposa
1. Alguma doutrina entende que em certos casos de licitude se
justifica haver posição de garante:
a. Comportamentos justificados por estado de
necessidade25
b. MFP: uma invasão da esfera alheia como
consequência do normal risco permitido (da vida
social) pode justificar uma assunção de
responsabilidade pelos bens jurídicos alheios26.
c. Situações em que o perigo é criado através de um
comportamento justificado (ex.: legítima defesa –
art. 32º CP) → Também criou um perigo lícito. Estará
também instituído num dever de proteção e de evitar
lesões para o bem jurídico? A doutrina dominante
considera que não devemos associar aqui a
combinação liberdade-responsabilidade, porque o
comportamento, não obstante não ser imposto, é
autorizado pela ordem jurídica. Seria contraditório o
agente poder exercer, nos termos do art. 32º CP, a
legítima defesa, mas estar condicionado a evitar o
resultado que poderia atingir para se defender.
II. Dever de fiscalização de fonte de perigo no âmbito de domínio próprio
i. Quem detém uma fonte de perigo deve atuar no sentido do
afastamento dos riscos que dela resultam para o exterior.
ii. Limites: Causalidade: se havia um aviso, não há responsabilidade

23
P.e. violar regras de transito, criando perigo para outrem.
24
O agente, ao interferir em esfera alheia, limita a liberdade de outrem, que fica reduzida, menos protegida que a sua, transferindo
para ele o domínio sobre uma esfera de ação alheia. O que permite identificar na ingerência um dever jurídico é uma
ultrapassagem da esfera de liberdade de ação própria e a consequente instituição numa posição de responsabilidade sobre os
bens da esfera invadida. Por isso, há uma necessidade de compensar as consequências da intromissão na esfera alheia.
25
FDDIAS → P.e. estado de necessidade, uma vez que a pessoa que está a ser sacrificada não fez nada para sofrer esse sacrifico.
Assim, ainda que a lei permita ao agente agir, este ficará investido numa posição de garante.
26
P.e A provoca acidente inevitável, sem qualquer culpa, pois o automóvel tinha defeito mecânico. A não deixaria de dever tentar
evitar a morte dos sinistrados, socorrendo-os, pois a sua esfera de liberdade de atuação interferiu, involuntariamente, com a dos
outros, deixando-os numa situação de impossibilidade de controlo sobre a sua sobrevivência. A liberdade de ação do agente
transferiu para ele o domínio sobre uma esfera de ação alheia.
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III. Dever de garante face à atuação de terceiros


i. Aqui derroga-se o princípio da auto-responsabilidade:
1. Quando o terceiro não é responsável ou tem a sua
responsabilidade limitada ou diminuída (ex.: menores).
2. Quando haja uma relação de supra/infra ordenação e
consequente autoridade/subordinação.
27
e. Posições de monopólio (situações em que o agente é a única pessoa capaz de evitar
o resultado) – requisitos:
I. Domínio fáctico absoluto e próximo da fonte de perigo
II. O perigo em que incorre o bem jurídico é agudo e iminente
III. O agente pode levar a cabo a ação esperada sem ter de incorrer numa situação
perigosa ou danosa para si mesmo.

MFP: não considera que situações de monopólio gerem dever de garante28 → nestes
casos a Professora pune por omissão pura nos termos do 200.º CP.

1. Teoria da MFP
a. Circunstâncias em que o agente detém fontes de perigo ou é ele próprio fonte de perigo
i. Nestes casos em que o agente domina perigos ou é um perigo, há deveres especiais
de proteção que decorrem de uma ideia de responsabilidade associada às
vantagens que o agente tem ou mesmo ao facto de, apesar de não ter vantagens
nenhumas, estar a extravasar a sua esfera de liberdade e invadir a esfera de outrem.
b. Circunstâncias em que a proteção jurídica está associada às relações de proximidade entre
o agente e a vítima
i. Estes casos são mais difíceis de resolver. Aqui, o perigo de violarmos o princípio da
legalidade, atribuindo responsabilidade penal por um crime de resultado quando
alguém, numa relação de proximidade, não socorre, poderá realmente estar-se a
pôr em causa a segurança jurídica e a normalidade das expectativas que qualquer
pessoa tem de que não haverá uma responsabilidade inesperada, um dever jurídico
que decorra apenas de deveres éticos.
c. Ingerência
o SE HOUVER UM DEVER ENTÃO
o 1) há equiparação da ação à omissão – imputar ao agente:
▪ Verificar se existe um resultado
▪ Capacidade individual de agir (tb nas puras) – tendencialmente capacidade física
▪ Imputação objetiva ao resultado da omissão - juízo de imputação:
• Doutrina e jurisprudência: haverá imputação objetiva nos casos em que a ação
esperada tivesse, com grande certeza, resultado na não produção do resultado
• FD: quando se comprove que a atuação tinha diminuído o perigo para o bem – se
houver dúvida: in dúbio pro reo
o 2) haverá punibilidade nos termos do 10.º/1 e 2 CP

27
O transeunte ocasional numa rua praticamente deserta deve fazer parar um invisual notório que se propõe atravessá-la em
condições em que será provavelmente atropelado.
28
O agente é o único que dispõe dos meios para evitar a lesão do bem jurídico, mas não há nenhum dever institucional nem
nenhum compromisso nem é expectável para o agente que esse dever surja em determinadas circunstâncias. Ex.: agente passeia
pela praia; alguém está a afogar-se e o agente é o único que pode salvar a pessoa. Não há uma geral expectativa de autovinculação
implícita naquela relação social
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2. Se NÃO HOUVER DEVER DE GARANTE → VER SE EXISTE UMA OMISSÃO PURA (nota: nunca existem
nos puros de omissão uma posição de garante!!!)
i. Caso da omissão de auxílio, prevista no Artigo 200º CP
1. Os bens jurídicos protegidos por este art. são a vida, a integridade física (que abrange
a psíquica, intelectual e moral (143.º e 144.º)) e a liberdade (deslocação,
autodeterminação, sexual (153.º e ss))
ii. Caso da recusa de médico, prevista no Artigo 284º CP29
iii. Caso da violação de domicílio, previsto no Artigo 190º/1.

Nunca se pode dizer que violação de dever de auxílio (art. 200º CP) é uma fonte de posição de garante.
Essa violação apenas corresponde à tipicidade de violação do dever de socorro.

3) TIPICIDADE (verificada que houve uma ação/omissão relevante para o Direito, vamos ver se o resultado pode
ser imputado ao agente)

3.1) IMPUTAÇÃO OBJETIVA (nota: é aqui que se vai ver se há tentativa ou consumação (mas não a pena!!!!) +
é aqui que se vê qual é o tipo de participação do agente)

1. Quem é o autor? Foi praticado por um ente individual ou coletivo? (remeto para o esquema da
comparticipação)
2. Qual é o bem jurídico e qual é o objeto da ação
3. Quanto à conduta30:
a. Crime de mera atividade ou crime de resultado?
i. Crimes de mera atividade: a sua consumação (preenchimento integral do tipo) basta-se
com um certo comportamento que está lá descrito31.
ii. Crime de resultado: não basta o agente praticar certa ação (ou omissão), é necessário que
se verifique um determinado resultado (evento típico que se distingue no espaço e no
tempo da conduta do agente e que, contudo, lhe pode ser atribuível) para que o crime se
tenha por consumado32.
1. Neste tipo de crimes é necessário o preenchimento integral de um tipo de ilícito a
produção de um resultado, importa verificar não apenas se esse resultado se
produziu, como também se ele pode ser atribuído (imputado) à conduta.
b. Crime de dano ou de perigo?
4. Teorias da causalidade33:

29
MPJ: no caso dos médicos basicamente é assim:
1) Se estiver em serviço/for um cliente habitual e não houver tempo de chegar ao hospital (assunção de funções de proteção c
vertente profissional) → dever de garante (omissão impura → equipara-se a omissão à ação - 10.º/1 e 2)
2) se não, ver se pode ser omissão nos termos do 284.º → atua caso o médico esteja fora de serviço e saiba o perigo grave para o
bem jurídico e tenha os conhecimentos especiais para tal
3) Se isto não se verificar, ou seja, não possuir conhecimentos especializados, não deixa de ter o dever geral de auxílio do 200.º
de chamar ajuda médica → se não o fizer → omissão pura nos termos do 200.º
30
MPJ: relembre-se que podem haver 4 diferentes conjugações destas classificações
31
É o caso do crime de condução sob estado de embriaguez (art. 292º CP).
32
É o caso dos crimes de homicídio e de ofensa à integridade física e do art. 291º. Apenas estes são relevantes para efeitos de
imputação objetiva.
33
Em critérios está assim:
O resultado “perigo para a vida” (perigo concreto) – que se constata através do facto de E quase ter embatido em outros três
carros – pode ser objetivamente imputado ao comportamento de E, quer pela teoria da causalidade adequada (para um homem
razoavelmente diligente colocado na situação do agente, no momento da prática do facto, seria previsível a colocação dos outros
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Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

a. Conditio sine qua non: supressão da conduta evitaria o resultado?


b. Causalidade adequada (defendida por MFP e imposta pelo 10º/134)
i. Conditio sine qua non (há causalidade?)
ii. Juízo de prognose póstuma: um comportamento será causa adequada sempre que,
colocada uma pessoa média no lugar do agente, antes da prática do crime, seja previsível
aquele resultado como consequência do seu comportamento. Se for imprevisível, ainda
que haja causalidade (ditada pelas leis da natureza), não há imputação. Nem será se
apesar de previsível fosse improvável ou de verificação rara.

Críticas (não é preciso dizer no teste, em princípio):

1. Não consegue identificar o concreto critério de previsibilidade


2. A adequação refere-se a todo o processo causal e não só ao resultado, sob pena
de se alargar em demasia a imputação → aqui suscitam-se problemas da
intervenção de terceiros e da chamada interrupção do nexo causal. (critica só de
FD)
3. Resolve mal os casos da diminuição do risco
c. Teoria do Risco35 (proposta por Roxin seguida por FDias):

condutores naquele estado de perigo), quer pela teoria do risco (o estado de perigo para a vida em que os outros condutores
foram colocados constituía a concretização e materialização daquele mesmo perigo proibido criado por E).
34
FD concorda que é imposta pelo 10.º/1 apesar de não seguir esta teoria
35
Critérios Exame de coincidências de recurso – Turmas A e B - 23.07.2018:
Ao circular a bem mais de 120kms/hora, D criou um risco proibido. Contudo, pela teoria do risco, não basta que o agente crie um
risco proibido para que possa responder, de seguida, por todos e quaisquer resultados que apresentem uma qualquer relação
com aquele risco proibido.
Ao invés, para que o agente possa responder por um resultado que ocorra na sequência da criação de um risco proibido é
necessário que tal resultado constitua a concretização e materialização daquele mesmo risco proibido.
Para verificar se tal concretização e materialização se verificou (análise ex post) a teoria do risco utiliza vários instrumentos, entre
os quais, a figura da esfera de proteção da norma. Considerando que, para existir criação de risco proibido, é necessário que o
agente tenha violado uma qualquer norma de cuidado, então, para que o resultado típico seja a concretização e materialização
daquele risco proibido é também necessário que esse mesmo resultado típico seja um tal que esteja incluído no escopo de
proteção – no fim de proteção – da norma de cuidado violada.
Neste caso concreto, a norma que proíbe circular a mais de 120kms/hora na autoestrada não parece incluir na sua esfera de
proteção a salvaguarda dos bens jurídicos de peões que se movimentem apeados na faixa de rodagem, em sentido contrário à
marcha. Tal circunstância impede a imputação do resultado ao comportamento de D. Caso assim não se entenda (a propósito
do escopo de proteção da norma), em qualquer caso, existiu aqui uma interposição da própria auto-responsabilidade da vítima
que determina a interrupção do nexo de imputação objetiva do resultado ao comportamento de D. Com efeito, neste caso, o
resultado típico é explicado, não tanto (ou pelo menos não só) pelo risco proibido criado pelo D, mas principalmente (ou pelo
menos também) pelo risco criado pela própria vítima.
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i. O agente com o seu comportamento tenha criado36 ou aumentado37 o risco não permitido
para o bem jurídico (ou não diminuição na omissão)
1. Critério de prognose póstuma objetiva (tem em consideração o homem prudente
e cuidadoso, pertencente ao círculo social em que se encontra, e não o homem
médio) + conhecimentos especiais que o autor disponha (saber mais que um
observador objetivo)
2. Não existe uma ação perigosa quando:
a. O risco é juridicamente irrelevante38 (não vai ser nos casos abaixo expostos
no ii) e iii))
b. Diminuição do risco
ii. Esse risco tem que ser genericamente proibido/não permitido (desvalor da ação)39 →
agente tem de violar normas
Casos em que não há desvalor da ação:

36
Carlos, em dia de chuva, não obstante cumprir todas as regras rodoviárias e de manutenção e conservação do veículo, perde o
controlo do seu carro devido a um inesperado lençol de água na estrada e embate violentamente no automóvel de David, que
seguia em sentido contrário e acaba por morrer em consequência do acidente. Pode a morte de David ser imputada à conduta de
Carlos? Não estamos perante a criação de um risco, pois o risco já existia na medida em que as condições climatéricas não
derivam de atuação de C. Também não podemos falar em aumento de risco para o bem jurídico, na medida em que assim
teríamos que afirmar que nenhum condutor poderia sair à rua em dias de chuva por haver sempre o risco de haver acidentes e
que a sua condução iria aumentar o risco de acidentes. É uma ideia inconcebível. Portanto, C não poderá ser jurídico-penalmente
responsável pela morte de D, já que o resultado que se verificou não emerge da criação de um risco proibido, por atuação de C
e desta forma não haverá imputação objetiva do resultado morte a C. Tem se aqui antes de mais um risco geral de vida, em que
todos os condutores, principalmente em dia de chuva incorrem. Se considerarmos que D ia em contramão temos um caso de
autocolocação em perigo, violado as regras de trânsito.
(NOTA: note-se que neste caso tinha de se questionar se se poderia excluir a ação penalmente relevante dado que se tratava de
um automatismo – nos termos da Doutrina da Professora MFP, apesar de haver previsibilidade suficiente que num dia de chuva
houvessem lençóis de agua na estrada, em princípio uma pessoa média não conseguiria evitar o automatismo, sendo que
colocando-nos no lugar do agente, principalmente tendo em conta que o agente seguia todas as regras rodoviárias percebe-se
que realmente ele não conseguiu mesmo evitar o automatismo. Se seguirmos a teoria de JAKOBS, tínhamos de averiguar da
possibilidade concreta de evitar o comportamento - salienta que tem de ser concretamente possível agir para evitar o que
sucedeu para que haja ação penalmente relevante (controlo consciente do automatismo) – o que também me parece que aqui
não era possível).
37
Caso em que o alguém mata outrem que estava já com graves ferimentos.
38
Perigosas só são as ações que gerem uma possibilidade de dano não tão remota que pareça desprezível para um homem
prudente. Nas palavras de Luís Greco, tem de se configurar na tal prognose póstuma objetiva uma possibilidade real de produção
do resultado.
Ex.: Convencer uma criança a ir numa viagem de avião, com o objetivo de esta vir a morrer numa queda do avião não corresponde
a uma criação de um risco relevante. Contudo, se houvesse uma suspeita de que tinha sido colocada uma bomba no avião
(conhecimentos especiais), já teríamos de considerar o risco relevante.
39
Temos de ponderar entre o interesse de proteção de bens jurídicos e o interesse geral de liberdade, ponderação que, em
regra, estará contemplada nas normas penais.
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1. Quando o agente diminui ou atenua o risco40→ sempre que a ação diminua o risco
que já atinge o bem jurídico, ainda que não o anule, não podemos considerar,
paradoxalmente, que tenha havido a criação de um risco41.
2. Quando o resultado tenha sido produzido por ação que não ultrapassou o limite
do risco juridicamente permitido
3. Risco geral de vida, desde que ele se possa considerar, no caso, dotado de uma
medida normal (podia acontecer a qualquer um)42
4. Casos de auto-responsabilização da vítima (FD)43 → se a vítima quis e, de modo
autoresponsável, se colocou em perigo, qualquer contribuição do agente para essa
autocolocação não será alvo de desaprovação jurídica.
a. EXCEÇÃO:
i. Não pode ser excluída a imputação caso a vítima seja irresponsável
(a doutrina diverge quanto a saber se tem de haver uma capacidade
para consentir uma culpabilidade).
ii. Não pode ser excluída a imputação quando haja um dever especial
de proteção.
iii. Concretização do risco não permitido no resultado típico (conexão de risco proibido)
1. Causalidade
2. Realização do risco
a. Nexo de fim de proteção da norma - aquilo que ocorreu, ex post, foi aquilo
que ex ante justificava a proibição?
Grupos de casos (aspeto negativo):
i. Lesão ou curso causal sem qualquer relação com o risco
juridicamente desaprovado
→ Casos de interrupção do nexo causal44
→ Casos de características especiais da vítima45

40
A empurra B, causando-lhe leves lesões, para evitar que este seja atropelado por um veículo que segue na sua direção. Seria
previsível e provável que à ação de A se seguissem aquelas lesões de B e, por isso, seguindo a Teoria da Causalidade Adequada,
estas ser-lhe-iam imputáveis. É verdade que, mesmo seguindo-se a Teoria da Adequação, a responsabilidade penal do agente
acabaria certamente excluída por ter ele atuado ao abrigo de uma Causa de Exclusão da Ilicitude – Artigo 34º, Direito de
Necessidade. Todavia, isso não significa aceitar que o agente, com a sua ação, realizou uma lesão típica do bem jurídico, quando
na realidade a sua atuação se traduziu, pelo contrário, numa melhoria da situação do bem jurídico em perigo | Roxin + Figueiredo
Dias.
41
Ex: A empurra B causando-lhe leves lesões para evitar que este seja atropelado aqui a Doutrina do Risco nega a imputação
por inexistência da criação de um risco não permitido, dado que o agente melhorou a situação jurídica do bem jurídico em perigo.
42
Ex: o medico que receita um antibiótico necessário à cura de um paciente deve informar-se sobre se há alergias, mas não terá
que condicionar a receita à execução de todos os exames complementares para despiste a uma eventual alergia. Se o paciente
vem a morrer depois, a morte não deverá ser imputada ao médico.
43
Ex: C deixa uma porção de droga disponível a um toxico dependente que ao ingeri-la morre.
44
Ex.: O agente dispara sobre a pessoa e fere-a gravemente, de modo que as probabilidades de esta sobreviver são mínimas. A
vítima, ainda viva, é transportada para o hospital numa ambulância, a qual sofre um acidente, causando a morte da vítima.
O comportamento do agente é, de facto, uma condição necessária. Se não fosse transportado para o hospital, não teria havido o
acidente. No entanto, a pessoa vem morrer por um processo causal diferente daquele que foi originado pelo disparo. Temos um
processo causal atípico que interrompe outro processo causal. Assim, do ponto de vista do Direito, teremos de considerar que
apenas houve uma tentativa de homicídio.
Mpj: estreita a causalidade na medida em que A não será culpado pois B morreria na mesma.
45
Ex.: Uma pessoa com uma fragilidade óssea é empurrada e sofre uma fratura gravíssima; hemofílico é ferido levemente e sofre
uma hemorragia tão grave que morre. MAS note-se que se torna tudo diferente se o agente sabia da doença do outro.
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→ Causas paralelas46
o Casos de sobre intensificação da causalidade47
→ Imprevisibilidade
ii. Danos tardios (ex.: a vítima sofre uma lesão e, anos depois, perde
o equilíbrio em razão da lesão nunca completamente curada e cai,
sofrendo várias fraturas) – Punir seria violar o núcleo imponderável
de liberdade.
iii. Danos resultantes de choque (ex.: mãe recebe a notícia de que o
filho morreu e morre com o choque)
iv. Ações perigosas de salvamento (ex.: A incendeia a casa de B na
ausência deste, mas este entra no apartamento para ir resgatar a
sua coleção de livros de Eça de Queiroz)
v. Comportamento indevido posterior de um terceiro (ex.: A fere B
gravemente. B necessita de uma intervenção cirúrgica e vem a
falecer em razão de erro médico grosseiro)
vi. Autocolocação em perigo dolosa (ex.: A e B lançam-se por aposta
numa corrida de motos na autoestrada; em virtude de um erro de
condução exclusivamente seu B perde o domínio do seu veículo e
morre)
vii. Heterocolocação em perigo livremente aceite (ex.: A, que sabe ser
seropositivo, tem relações sexuais não protegidas com B,
perfeitamente conhecedor da situação; B contrai a infeção e morre)
viii. Imputação a um âmbito de responsabilidade alheio (A, por
descuido, provoca o incêndio da sua habitação; B, um dos
bombeiros chamados, para salvar outro habitante da casa acaba
por morrer).
b. Nexo de aumento do risco
i. Casos do comportamento lícito alternativo48 – o agente
comportou-se inadequadamente e veio a verificar-se a produção do

46
Ex.: Duas pessoas, sem conhecimento do que cada uma faz, ministram ambas num copo de leite uma dose de veneno insuficiente
para matar a vítima.
Como cada dose não era suficiente, mas as duas sim, pela teoria da conditio sine qua non, podemos dizer que ambas são conditio
sine qua non. Todavia, do ponto de vista da responsabilidade penal (que é uma responsabilidade individual), embora de um ponto
de vista mais naturalístico cada condição potencie a outra, não há uma capacidade de cada um destes comportamentos explicar
aquele resultado, de forma que este possa este ser imputado ao agente (exceto quando os agentes soubessem um do outro).
47
Ex.: Cada agente põe uma dose de veneno capaz, por si só, de produzir a morte da vítima.
Neste caso, paradoxalmente, a teoria da conditio sine qua non diria que estes comportamentos não seriam causas, na medida em
que, se se suprimisse um ou outro, o resultado continuaria a verificar-se (cada uma, individualmente considerada, não seria causa
necessária à morte da vítima). Isto é errado, porque o comportamento de cada um dos agentes era, por si só, suficiente para
causar a morte da vítima.
48
Nota de aula prática:
Caso em que se afere se ao agente que se esqueceu de colocar o triangulo num acidente de automóvel pode ser imputada a morte
do acidentado devido ao embate de outro carro, cujo condutor ia ao telemóvel, desrespeitando as regras rodoviárias (no sentido
de saber se ali estivesse o triangulo haveria algo de diferente).
Causalidade cumulativa? Discutível. Parece termos 2 eventos que contribuem para a situação, embora a prof ache que o
comportamento ilícito alternativo resolve melhor. Porque a pergunta que fazemos é: se o agente tivesse colocado o triangulo
teria evitado o resultado (morte)? Há dúvidas, o triangulo é a forma mais adequada de avisar os outros condutores, mas um que
esteja tão distraído dificilmente veria o triangulo de sinalização.
Mpj: pelo que entendi, quando falamos de conduta licita alternativa estamos a falar da conduta lícita alternativa à conduta ilícita
do agente, ou seja, no exemplo dado, ele não colocou o triangulo (ilicitude), ter colocado seria a conduta licita
14
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resultado que a proibição pretendia evitar, contudo, circunstâncias


posteriores geram dúvida quanto a saber se o comportamento
correto teria salvo o bem jurídico lesado.
Teoria da evitabilidade (MFP) – só se justifica a punição pelo delito
consumado se, para além de o autor ter criado um risco proibido,
se comprovar que o comportamento correto teria evitado a lesão
– in dubio pro reo - 32.º/2CRP(se houver dúvida, não se poderá
punir pelo crime consumado, mas apenas pela tentativa).
Teoria do aumento do risco (Roxin/FD) – para punir pelo delito
consumado, não é necessário provar que o comportamento
correto teria evitado o resultado, mas apenas que esse
comportamento correto tornasse o resultado menos provável. Se
o comportamento proibido piorar a situação do bem jurídico, terá
de ser imputado o resultado ao autor. Caso contrário, estaríamos a
desobrigar aqueles que participam de atividades perigosas de
respeitar as cautelas necessárias.
Nota: é diferente do agente ter produzido o resultado ainda que
este se viesse a produzir de qualquer forma (por atuação de
terceiro ou causas naturais).
NOTA: CONCLUIR SEMPRE PELA TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA POIS É A QUE
ESTÁ NO ART. 10.º/1. RITA ROSÁRIO: diz para enunciarmos as duas teorias (da
MFP/legal e do FD e dps dizer por qual vamos resolver; ademais se resolverem de
formas diferentes temos de indicar)
3. Chegados aqui (temos de falar sobre a teoria da causalidade adequada e a teoria do
risco) – consumação quanto ao risco?
i. Ele concretizou-se no resultado → Desvalor do resultado – crime
consumado
ii. Ele não se concretizou no resultado → desvalor da ação – tentativa

3.2) IMPUTAÇÃO SUBJETIVA


1. Verificado que há imputação objetiva, há que atribuir o comportamento ao agente, na dimensão da sua
consciência e da sua relação de vontade que revela que o comportamento é um comportamento controlável
pelo agente (imputação subjetiva)
2. Do ponto de vista subjetivo, os comportamentos podem ser imputáveis a título de dolo ou de negligência –
art. 13º CP.
3. Dolo – 14.º CP
a. É constituído por dois elementos:
i. Elemento intelectual: representação dos elementos normativos do tipo
ii. Elemento volitivo: vontade de que esses elementos normativos do tipo se verifiquem49.

Temos uma situação de acidente causada por B a A; perante o acidente B presta auxílio à vítima, mas esquece-se de meter o
triangulo a avisar que havia um acidente na via. Aqui a questão é: será que se ele tivesse colocado o triangulo (conduta licita
alternativa), algo tinha sido diferente? Parece que não, dado que o C (carro que embate no veículo já acidentado) ia ao telemóvel.
Fim da norma de cuidado do triangulo → a norma visa evitar acidentes naquelas situações, mas isto parte do pressuposto que os
outros condutores vão observar as regras rodoviárias, o que aqui não se observou.
O fim de proteção da norma é evitar os acidentes em geral, mas será que também para as pessoas que estão distraídas? A prof
excluiria a imputação objetiva de B quanto ao dano morte de A, na sua conduta de não colocação do triângulo.
49
(FD) Conceitualização do dolo do tipo como conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização
do facto. Sendo certo, em todo o caso, que de um ponto de vista funcional os dois elementos se não situam ao mesmo nível: o
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b. Princípio da congruência: a representação dos elementos normativos e a vontade têm de se dirigir


aos elementos normativos do tipo.
4. ELEMENTO INTELECTUAL - Está em causa alguma situação de erro? (Se sim, qual? Se não então passa-se logo
para o elemento volitivo, já que o intelectual está desde logo verificado).
a. ERRO SOBRE A FACTUALIDADE TÍPICA (16.º/1)50
i. Quando há uma representação positiva errada ou não há representação, haverá erro sobre
a factualidade típica51 (art. 16º/1) → EXCLUSÃO DO DOLO
1. Esta exclusão também vale para (1) as circunstâncias agravantes e para (2) a
aceitação errónea de circunstâncias atenuantes52
ii. Verificados os requisitos do 16.º/353 há negligência
b. ERROS SOBRE A PREVISÃO DO DECURSO DO ACONTECIMENTO
i. ERRO SOBRE O PROCESSO CAUSAL54/55
1. JAKOBS → punido apenas por tentativa
2. FD/MFP:
a. Crime de execução vinculada → há erro sobre a factualidade típica e é
relevante
b. Crime de execução livre:
i. Ver se há imputação objetiva
ii. Erro relevante ou irrelevante?
i. Relevante → Nestes casos de processos causais acidentais e
imprevisíveis o agente apenas deveria ser responsabilizado por
tentativa, sem que restasse sequer imputação a título de
negligência quanto ao resultado produzido dada a inexistência de
Imputação Objetiva. Por isso, nestes casos, o erro sobre o
processo causal releva para efeitos de exclusão do dolo.
ii. Irrelevante – 2 grupos de casos:
1. O risco do processo causal acidental está integrado no
espectro do risco gerado56

chamado elemento intelectual do dolo do tipo não pode, por si mesmo, considera-se decisivo da distinção dos tipos de ilícito
dolosos e dos negligentes, uma vez que também estes últimos podem conter a representação pelo agente de um facto que
preenche um tipo de ilícito. É, pois, o elemento volitivo, quando ligado ao elemento intelectual requerido, que verdadeiramente
serve para indiciar uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento, numa palavra, uma
culpa dolosa e a consequente possibilidade de o agente ser punido a título de dolo.
50
Ex.: A dispara à distância sobre um espantalho, para se entreter. Vem a descobrir que afinal não se trata de um espantalho,
mas sim do seu vizinho, B.
51
Por exemplo: Tanto erra sobre a factualidade típica do crime de aborto (Artigo 139º) a mulher que, usando um medicamento
que atua como abortivo, não sabe que está grávida, como outra que conhece a sua gravidez, mas considera o medicamento
inócuo.
52
Ex.: Se, no crime de furto, o agente não representou que estava a deixar a vítima em difícil situação financeira, não há dolo do
tipo de furto qualificado (204º/1/i), mas apenas dolo do tipo de furto simples (art. 203º/1). Se alguém pediu ao agente que o
matasse e o agente representou erradamente que o pedido fosse sério, matando-o, atuou com dolo do tipo de homicídio a pedido
(134º) e não com dolo do tipo de homicídio (131º).
53
Caso o tipo de crime admita a punibilidade pela negligência e; A negligência se tenha efetivamente verificado.
54
Ex.: O agente pretende matar uma pessoa, atirando-a de uma ponte, representando que ela cairá no rio e morrerá afogada.
Contudo, a vítima bate logo com a cabeça na ponte e morre imediatamente.
55
A questão de saber se qualquer divergência entre o risco conscientemente criado pelo agente e aquele do qual deriva
efetivamente o resultado deve conduzir a que o resultado não mais possa ser imputado ao agente e este só possa, por isso,
responder por tentativa.
56
Trata-se de casos em que o processo causal concreto poderia ser facilmente previsto, desenhando-se ainda como um
desenvolvimento ou sequência do processo posto em movimento pelo agente
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2. Dada a sua raridade só poderia dar-se por força da


conduta57
É necessário haver a seguinte conjugação:
a. No plano da Imputação Objetiva | A necessária
conexão de risco objetiva;
b. No plano da Imputação Subjetiva | A indiferença
pelo modo concreto como se desenvolve o
resultado pretendido; indiferença pelos riscos
produzidos
3. Distinção entre o Dolus Generalis e o Erro sobre o Processo Causal
a. Semelhanças | Em ambos, o agente representa o desfecho do seu
comportamento – o resultado típico – como sendo realizado por uma ação e
por um processo causal diverso do que foi realizado.
b. Diferenças | No Dolus Generalis é o próprio agente que conduz “pelas suas
próprias mãos” o processo causal acidental sem o saber e sem poder sequer
controlá-lo.

ii. DOLUS GENERALIS58 → casos em que o agente erra sobre qual de diversos atos de uma
conexão da ação produzirá o resultado almejado. O agente executa, sem o saber, o facto
típico por um modo diverso do modo projetado ou representado e em que o resultado se
verifica em circunstâncias concretas, tempo, lugar ou modo diversas das representadas.
1. FD → ver se o resultado ainda está no quadro de riscos criados pela ação do agente
a. Se a resposta for afirmativa → crime como consumado;
b. Se a resposta não for afirmativa → tentativa, eventualmente, em concurso
com um crime negligente consumado.
i. E se o agente não praticar a segunda conduta? Ora, nessa situação
«(…) então ou estaremos perante puros atos preparatórios em
princípio não puníveis – ressalvada a punibilidade a título de
negligência –, ou, se a ação tiver alcançado já o limiar dos atos de
execução, deverá considerar-se o crime doloso como consumado.»
2. MFP (segue welzel) – 2 situações:

Por exemplo: no caso em que o agente atira a vítima de uma ponte, prevendo que ela morra na queda ao rio, mas a vítima morre
por bater com a cabeça no pilar da ponte → É irrelevante a alteração do processo causal.
Apesar de esta alteração do processo causal concreto não ter sido prevista, torna-se claro que:
1- Ainda se trata de uma consequência imediata e normal da ação do agente;
2- E de um processo causal que cabe no espaço ou área de risco intenso derivado da conduta do agente e incluído na sua
decisão, que o tipo pretende abarcar.
57
Trata-se de casos em que, embora o processo causal seja acidental, só surge, dada a sua raridade, por força da conduta
desencadeada.
Por exemplo | Contágio com um certo vírus projetado pelo agente para provocar a doença associada ao mesmo vir a desencadear
uma outra doença rara e que não seria desencadeada normalmente, na vida quotidiana, por um outro processo.
Neste caso, o processo causal que gerou a doença é quase único e exclusivo.
58
Ex.: Uma pessoa quer matar outra, enforcando-a. Realiza o enforcamento, pensando que matou a vítima, mas isso não
aconteceu. Para esconder o corpo, atira-o a um rio, onde a vítima acaba efetivamente por morrer afogada. O agente, ao consumar
o homicídio através do afogamento, não tem a representação de que está a realizar o resultado típico, pelo que poderíamos ser
tentados a dizer que não haveria dolo por não se verificar o elemento intelectual do dolo – parece que o dolo não suporta a ação
que desencadeou a morte, mas apenas ação prévia que não foi capaz de causar morte.
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a. Se o agente já tinha projetado o ato59/60 → a ação está incluída na unidade de


ação final projetada pelo agente → erro irrelevante → homicídio consumado
a título de dolo
b. Se só projeta o ato no momento → a ação não está incluída na ação final
global → concurso entre uma tentativa de homicídio (ação: enforcamento)
e um homicídio consumado negligente (ação: atirar o corpo ao rio).
3. Distinção entre o Dolus Generalis e o Erro sobre o Processo Causal
a. Semelhanças | Em ambos, o agente representa o desfecho do seu
comportamento – o resultado típico – como sendo realizado por uma ação e
por um processo causal diverso do que foi realizado.
b. Diferenças | No Dolus Generalis é o próprio agente que conduz “pelas suas
próprias mãos” o processo causal acidental sem o saber e sem poder sequer
controlá-lo.

iii. ERRO NA EXECUÇÃO/ABERRATIO ICTUS → agente, através do seu comportamento, em


virtude de um erro na execução, produz não o resultado que queria, mas um outro da
mesma espécie ou de espécie diferente.
1. Teoria da concretização (Doutrina maioritária): do ponto de vista da ação final, há
aqui uma ação final frustrada (matar A) e uma ação não final que veio atingir o
terceiro (matar B). Nestes casos, o que teremos é um concurso entre uma tentativa
de homicídio (ação: disparar sobre B) e um homicídio consumado negligente (ação:
acertar em C).
2. Teoria da Equivalência (Doutrina claramente minoritária): continua a defender a
punição pelo crime doloso consumado.

iv. ERRO SOBRE A PESSOA OU OBJETO61 (erro de perceção)


1. Quando um objeto concretamente atingido seja tipicamente idêntico ao projetado62
→ erro irrelevante → crime de dolo consumado
2. Se o erro de perceção conduz a um resultado que atinge o objeto típico distinto →
erro sobre qualidades tipicamente relevantes do objeto, pelo que haverá
(possivelmente) concurso entre uma tentativa de praticar crime de dano e um
homicídio consumado negligente.
3. Distinguir aberratio ictus (queria atingir A e atinge B) do erro sobre a pessoa ou
objeto (queria atingir B, atinge B, mas afinal B não era B mas era A):
a. Doutrina alemã → o autor material funciona como uma espécie de
instrumento, devendo-se punir por erro de execução o instigador (haveria
punição por homicídio negligente e por tentativa de homicídio doloso)
b. MFP → punir pela tentativa não é muito acertado, dependendo o dolo do
instigador da possibilidade de inserir o resultado na sua esfera de atuação (o

59
O ato que efetua o resultado pretendido substituindo-se ao ato que o agente achava que criaria o seu resultado
60
O agente tinha previamente projetado matar a vítima por enforcamento e depois atirá-la ao rio para esconder o cadáver
(homicídio encoberto). Aqui estamos perante a figura do dolus generalis – esta alteração do processo causal com a qual se veio
a concretizar a morte da vítima está incluída na ação final global iniciada pelo agente. Este erro é irrelevante, considerando-se
haver um homicídio consumado a título de dolo.
61
Ex.: O agente dispara sobre uma pessoa, pensando ser o seu inimigo. Vem depois a aperceber-se de que afinal se tratava do
irmão gémeo do seu inimigo.
62
Ex.: achar que está a matar a pessoa A, mas matar a pessoa B
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Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

agente não pode deixar de incluir os riscos de erro na sua atuação) → há


erro sobre a pessoa
i. O instigador será punido pelo Crime Consumado executado pelo
autor material, a título de dolo ou de negligência conforme o grau
do seu conhecimento e aceitação prévios do desfecho desviado da
ação. A partilha de responsabilidade entre o instigador e o autor
material justifica esta solução (relacionado com a teoria da
acessoriedade).
c. REGRA DA ACESSORIEDADE → o instigador só pode ser punido pelo que for
feito pelo instigado, sendo que a tentativa de instigação não é punível. Ora,
se o instigado praticou um crime consumado doloso. Nesse sentido, o
instigador deverá ser punido por crime negligente ou doloso, consoante a
previsibilidade da sua conduta.

c. ERRO SOBRE A PROIBIÇÃO LEGAL

I. Ele desconhecia o sentido dos elementos normativos da norma ou desconhecia a proibição e


punição? (vai nos dizer se é erro sobre a factualidade típica ou erro sobre as proibições)

Erro de Direito (16.º/1/1ª parte)→ ele sabe que aquela norma existe, sabe que a conduta proibida
pela norma é punida, só não sabe que a si se aplica porque não compreende o significado normativo
das palavras e, portanto, está em erro achando que está a fazer algo lícito quando na verdade não
está. Só aplicamos o erro de Dto quando efetivamente o agente diz que achava que era x e afinal era
y.

Erro sobre as proibições (16.º/1/2ª parte) → ele não sabe que aquela norma existe, ou não sabe que
proíbe e pune a sua conduta ou acha que há alguma circunstância especial que está a afastar a
ilicitude63. O erro de proibições é somente o agente n saber que a conduta era proibida, ainda que,
ao olhar para a norma percebesse todos os elementos, simplesmente ele n sabia que havia norma
que proibisse e punisse.

“A eventual relevância do erro a que se reporta o art. 16.º/1 e, portanto, do facto apurado ou a apurar
(“o arguido não sabia ser proibida e punida por lei a sua conduta”) assenta em considerações de
natureza jurídico penal ligadas ao tipo de ilícito em causa que permitam concluir ser necessário o
conhecimento da proibição concreta para uma correta orientação do agente para o desvalor do
ilícito, pelo que tal apreciação deve acompanhar a individualização e decisão do facto relativo ao
desconhecimento da proibição”.

II. Vendo-se que é erro sobre proibições (16.º/1/2ª parte): ele tinha ou não o dever de saber?

1. Critério: ver se é um crime natural ou não – ver se o agente tinha um “dever” geral de conhecer da
ilicitude, ou seja, se era normal ou não que ele não soubesse – dois critérios que se complementam:

63
Note to self: no erro sobre a ilicitude tb pode ser no âmbito das causas de exclusão da ilicitude, MAS:
Erro sobre proibições → o erro neste âmbito é o agente achar que há uma desculpa e não haver
Erro sobre ilicitude → o agente sabe que há uma desculpa, sabe o que é que ela quer dizer, mas valora mal a circunstancia
desculpante e a sua conduta - errada valoração dos limites jurídicos de uma causa de justificação (e não errada perceção acerca
da sua existência, tb se distingue dos erros sobre uma situação justificante (Erro sobre a existência ou limites da Legítima Defesa
- 16.º/2) na medida em que nestes últimos é um erro sobre o estado de coisas e não um erro de valoração; o erro de ilicitude no
que toca às causas de exclusão da ilicitude está expresso no 17.º (Erro sobre a existência ou limites da Legítima Defesa) so no
more problemas for distinguir).
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Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

i. 1º critério → FD: Haverá dispensa deste “dever” de saber quando tivermos (1) crime de dto
penal secundário, de (2) crime de conduta de pouca relevância axiológica (relacionado com
o critério de neutralidade do FD) ou (3) nova incriminação que ainda não tem ressonância
ético-social suficiente para se exigir que toda a comunidade conhece a norma

▪ Críticas que a Doutrina tem apontado à Doutrina de Figueiredo Dias:

1. Quanto à relatividade e subjetividade cultural do que se entenda como


eticamente neutro (critica relativa aos crimes (2), já que saber se há ou não pouca
relevância axiológica, através de uma neutralidade ética aferida à conduta,
depende de cultura para cultura, é demasiado subjetivo, depende dos princípios
e valores subjetivos de alguém)

2. Dúvidas quanto à existência de deveres especiais de conhecimento em certas


esferas socioprofissionais64

ii. + 2º critério → MFP: vendo-se que estamos dentro de um destes grupos de casos65 temos
de verificar a existência, ou não, de condições ou oportunidades razoáveis de
conhecimento, pelo agente, do sentido efetivo da sua conduta– através da inserção
profissional do agente, da evidência das regras e a própria perigosidade das condutas em
causa (que se afere, por exemplo, na relevância ou não do licenciamento para praticar a
atividade em causa) poderiam fazer recair no agente um dever de conhecer

O que importa nos casos em que se identifica um “dever de saber” é que o agente não é
surpreendido com o sentido da ação conferida pela regra, que não procura conhecer. Ele
aceita implicitamente o resultado típico que deriva de não procurar conhecer a conduta que
a regra preconiza.

iii. Nos casos em que se entender que não havia dever de conhecer → temos um conhecimento
indispensável à ilicitude, porque não há um “saber geral” na comunidade de que se pune e
proíbe a conduta (Há ilicitude se houvesse conhecimento efetivo. Não havendo, e não se
exigindo que houvesse, não há dolo): aplica-se o 16.º/1/2ª parte, exclui-se o dolo e pune-se
por negligência (16.º/3) verificados os requisitos da mesma, por omissão de deveres de
cuidado, informação etc.

iv. No caso desta apreciação ir no sentido contrário – portanto haver um dever de


conhecimento da proibição – temos um crime natural/crime mala in se, do direito penal
clássico (conhecimento da proibição é dispensável para se conhecer da ilicitude) → há dolo
do tipo; MAS vai-se ao 17.º (ERRO SOBRE A ILICITUDE) para ver se ainda podemos excluir a
dolo da culpa

d. ERRO SOBRE A ILICITUDE (em sede de culpa)

i. Distingue-se dos casos de erro sobre proibição pois o agente não ignora a realidade do
ponto de vista intelectual, percecionando-a fielmente, não lhe faltando tão-pouco
informação quanto ao caráter proibido da conduta. O agente faz suposições quanto à

64
Para a maioria da população certas coisas podem passar-lhes ao lado, mas para certos profissionais há um dever de saberem
(um dever que não é geral mas específico destes grupos), por exemplo no caso (3) se for um legislador a salvaguardar-se com o
facto de que norma é nova e não há ainda uma exigência de conhecimento poe toda a população é balelas porque foi ele que fez
a norma, ele tem o dever de a saber.
65
Que à partida e segundo FD mostrariam logo a indispensabilidade do conhecimento.
20
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

licitude da sua conduta, tendo de haver relevância axiológica (porque se trata de um erro
na medida de uma errónea valoração) para que se trate de erro sobre a ilicitude

ii. Dizer que no caso do ERRO SOBRE A ILICITUDE (17.º), o erro é um erro de valoração ético-
social (na medida em que o agente estará a ir contra os princípios gerais valorativos da
ordem jurídica) e já não um erro por falta de conhecimento (como no 16.º/1). Isto apesar
de em ambos os casos serem erros por ignorância.

iii. Ver se a atuação sem consciência da ilicitude (relembre-se, havendo um dever desse
mesmo conhecimento) lhe era censurável ou não, pois só a falta de consciência da
ilicitude não censurável exclui a culpa:

1. FD – CRITÉRIO DA RETIDÃO DA CONSCIÊNCIA: A falta de consciência da


ilicitude será não censurável sempre que (mas só quando) o engano ou erro da
consciência ética, que se exprime no facto, não se fundamenta em uma atitude
interna desvaliosa face aos valores jurídico-penais, pela qual o agente deve
responder – ou seja, quando seja discutível, principalmente a nível histórico e
filosófico, se a conduta deve ou não ser punida. Falta de consciência do ilícito
não censurável só pode em princípio verificar-se em situações em que a
questão da ilicitude concreta (seja quando se considera a valoração em si
mesma, seja quando ela se conexiona com a complexidade ou novidade da
situação) se revele discutível e controvertida, pois só nestes casos se pode
afirmar que o agente manifestou no facto uma atitude geral de fidelidade a
exigências do direito

2. MFP: CONFLITO EMOCIONAL DESCULPANTE

v. Se for censurável → 17.º/2, conjugado com o 71.º e ss.

vi. Se não for 17.º/1

5. ELEMENTO VOLITIVO → dolo do tipo não pode bastar-se com a representação das circunstâncias de facto,
exigindo ainda que a prática do facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização. É este
elemento que constitui o momento volitivo do dolo do tipo e que pode assumir matizes diversos, permitindo
a formação de diferentes classes de dolo
a. DOLO DIRETO OU DE PRIMEIRO GRAU (ART. 14º/1 CP) - Ex.: O agente quer matar aquela vítima e
dirige o seu comportamento especificamente para esse resultado, atingindo-a a tiro.
b. DOLO NECESSÁRIO OU DE SEGUNDO GRAU (ART. 14º/2 CP) - Ex.: O agente quer receber o prémio de
seguro, incendiando uma casa. Sabe que dentro da casa está um sem-abrigo que lá costuma passar as
noites e mesmo assim incendeia-a.
O agente representa determinado resultado como consequência necessária/ inevitável do seu
comportamento, embora não o deseje especificamente66. Notar que nestes casos, a propósito do
elemento intelectual, teremos de ter concluído que o agente não representou a produção do
resultado como meramente possível, mas sim como certa ou altamente provável.

66
Esta situação é diferente daquela em que A quer assaltar um banco e, para isso, mata B, segurança do banco. Neste caso, matar
B não é uma consequência necessária do assalto ao banco, mas apenas um estádio intermédio necessário para atingir essa
finalidade – nestes casos, ainda estamos perante dolo direto, porque o agente quis efetivamente matar B, ainda que de modo
instrumental para atingir outro fim.
Nos casos de dolo necessário, o agente não chega a desejar o resultado, mas entende-o como uma consequência que advirá da
sua conduta e aceita-a.
21
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

c. DOLO EVENTUAL (ART. 14º/3 CP) - Ex.: O agente do exemplo anterior não tem a certeza de que,
naquele dia, esteja lá a dormir o sem-abrigo.
O agente representa determinado resultado como consequência meramente possível do seu
comportamento e, ainda assim, não deixa de o realizar. O agente conforma-se com a realização do
resultado típico
i. DISTINÇÃO ENTRE DOLO EVENTUAL E NEGLIGÊNCIA CONSCIENTE
Impõe algumas dificuldades, uma vez que também nesta o agente representa a produção do
resultado típico como uma consequência possível da sua conduta.

1) Teorias da conformação (conceção dominante) → Esta é a conceção que consta


expressamente do art. 14º/3 CP. Para que haja dolo eventual, o agente tem de ter tomado
seriamente em conta o risco de possível lesão do bem jurídico e, ainda assim, agido (FD:
salienta que tem que haver uma coordenação com o critério da probabilidade - não devemos
dizer que o agente tomou a sério a possibilidade de realização do facto típico, se esta for
manifestamente remota ou insignificante, a menos que esteja em causa uma decidida
vontade criminosa)

2) Conceção extrovertida da vontade (MFP) → Se o comportamento constitui uma unidade


incindível, é sobre a intencionalidade, que pode ainda ser revelada pelo contexto e pela
tomada de decisão, que devemos fazer incidir a análise.

Assim - indícios:
I. Elevada probabilidade de produção de resultado (típico) – ideia de
intensidade do risco. Se for muito elevado é quase impossível que o agente
não se tenha conformado.
II. Atuação do agente na redução do risco – se agente procurar evitar produção
do resultado é indício de negligência (pois o grau de conformação é menor –
ele não se está a conformar com possível resultado); tomada de medidas de
precaução.
III. Contexto motivacional – Faz-se apelo ao critério MFP e se o agente
sobrevalorizou o seu interesse face à proteção do bem jurídico no contexto
em que se insere. Não tem necessariamente de se aplicar.
d. DOLO ALTERNATIVO - O agente pretende atingir A, sendo-lhe indiferente que venha a atingir B. São
casos em que, mesmo que o agente prefira acertar num agente, conforma-se com a possibilidade de
acertar no outro.
i. MFP: concurso efetivo entre o crime consumado e o tentado
ii. FD: pune-se só pelo consumado
Nota: o dolo alternativo distingue-se, assim, do erro sobre a execução, na medida em que nos casos
de dolo alternativo o agente conforma-se, ainda que num nível mínimo, com a possibilidade de
acertar noutro alvo.
e. PRETERINTENCIONALIDADE (18.º)
i. O CP prevê a figura da agravação pelo resultado (art. 18º CP) que, de alguma maneira,
corresponde a uma área intermédia, em certas configurações típicas, entre o dolo e a
negligência. Essa figura corresponde à conexão entre um crime doloso menos grave (ex.:
ofensas corporais) e um crime negligente mais grave (ex.: homicídio) – ex: A dá um tiro no
ombro a B, este desequilibra-se e cai batendo com a cabeça na esquina do passeio e com isso
morrendo
ii. O CP prevê que, quando resulte de um crime doloso menos grave o resultado mais grave (que
corresponderia a um crime doloso mais grave), haverá a atribuição desse resultado mais grave
22
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

ao comportamento do agente se esse resultado for imputável ao menos a título de


negligência.
iii. Requisitos:
1. A agravação pelo resultado tem de estar prevista na PE
2. Imputação objetiva: Duplo nexo de causalidade
O nexo de causalidade entre o comportamento do agente (ofensas corporais) e o
resultado menos grave no crime doloso (ferimentos)
O nexo de causalidade entre o resultado do crime doloso menos grave (ferimentos)
e o resultado mais grave (morte da vítima)
3. Imputação subjetiva: Negligência
Têm de estar verificados os requisitos do crime negligente. O art. 15º CP refere:
➔ Previsibilidade do resultado (se for consciente)
➔ Evitabilidade do resultado

4) ILICITUDE → vai se ver se há causas de exclusão da ilicitude


1. LEGÍTIMA DEFESA
a. Nos termos do art. 32.º CP, a legítima defesa é a defesa contra agressões ilícitas e atuais a interesses
juridicamente protegidos, tendo fundamento na defesa de uma ordem humanista
b. Pressupostos (31.º/2/a) e 32.º):
i. Agressão → comportamento humano voluntário67 que ameaça um bem juridicamente
protegido.
1. Apesar da LD não servir para agressões por animais etc, pode servir quando os animais
estejam a ser utilizados como instrumento de ação
2. A agressão pode ser cometida sob a forma de omissão: é discutível quanto às
omissões puras; FD – qualquer tipo de omissão68.
ii. Ilicitude → não pode o agressor ter a seu favor qualquer causa de justificação.
1. Não pode haver LD contra LD
2. A conduta tem de ser dolosa? FD: podem ser agressões negligentes. TC não concorda.
3. Não pode ser um risco permitido!!
4. Não é necessário que haja culpa do agressor, mas isso restringe os limites da
necessidade da defesa
iii. Atualidade → situação iminente69 ou que já se iniciou e ainda não terminou.
1. MFP/TC → apelam ao regime da tentativa e definição de atos de execução do 22.º
(ver no esquema da tentativa os critérios) // FDias → não concorda pois assim exclui-
se as agressões que ainda não se iniciaram, mas que são iminentes
2. Legitima defesa preventiva → casos em que a agressão ainda não é iminente, mas
que já se sabe com certezas de que se vai verificar, sendo aquela oportunidade a única

67
O agente não pode estar num estado de inconsciência ou em que vontade esteja completamente ausente.
68
MFP (em critérios): É discutida na doutrina a admissibilidade de legítima defesa contra omissões puras, devendo analisar-se a
possibilidade de a agressão de Bianca constituir legítima defesa contra a omissão de auxílio de Diana. Pode defender-se, com
efeito, que a invocação desta causa de exclusão da ilicitude não tem aqui sentido, dado que assim se permitiria a Bianca atacar
os bens essenciais de Diana apesar de o Direito Penal não responsabilizar esta pelo resultado que se quer evitar (o crime de
omissão de auxílio não é um crime de resultado), e apenas pela sua conduta. Contra isto pode invocar-se que a omissão de
auxílio, mesmo sem ser um crime de dano nem de resultado, não deixa de constituir uma agressão ilícita a bens jurídicos,
verificando-se por isso o pressuposto referido no artigo 32.º (onde, ademais não se faz distinções).
69
P.e. meter a mão ao revólver.
23
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

que tem para exercer a defesa70, sendo que só se admite a lesão de bens jurídicos ou
interesses de valor igual ou inferior aos do defendente:
a. Esta é a figura compensadora do facto de não poder haver analogia legis em
matéria de legítima defesa. A legítima defesa pressupõe a agressão atual e
ilícita. Ora, quando a agressão ilícita não for atual, admitir a analogia
significaria pôr em causa a própria figura da legítima defesa. Será, no entanto,
possível legítima defesa preventiva, a qual já se submete à proporcionalidade
3. Preparação da legítima defesa: p.e. através de aparelhos automáticos –
relativamente a uma agressão eventual
a. Maioria da Doutrina: aceita
b. FDias: este ponto de vista só pode ser aceite desde que se verifiquem os
requisitos da LD
i. No momento da defesa a agressão seja atual
ii. Necessidade de defesa
iii. Defesa preparada para atingir apenas o agressor
4. Término da atualidade da agressão dá-se quando a LD já não serve para recuperar o
bem (no furto, nos restantes casos é fácil de perceber quando cessa a atualidade) –
os factos praticados depois desse momento já não estarão cobertos pela LD mas
poderão estar justificados pela ação direta (336.º), verificados os requisitos
5. Não são consideradas agressões atuais:
a. A mera montagem de dispositivos que virão a ser acionados depois
b. A fuga do agressor após a lesão dos bens do defendente
iv. Interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro → FD: estes interesses podem
ser individuais ou coletivos, e mesmo interesses do Estado quando estejam em causa bens
jurídicos de fruição individual por ele tutelados. MFP: só podem ser bens pessoais
c. Requisitos de legitimidade do exercício de legitima defesa
i. Necessidade de defesa
1. Contrapor as características pessoais do agente, os instrumentos de que dispõe e a
intensidade da surpresa do ataque às características pessoais do defendente e
instrumentos de defesa de que pode lançar mão.
2. A defesa é imprescindível quando estejam em causa bens iminentemente pessoais,
pertencentes ao núcleo essencial da dignidade humana. Por outro lado, deve haver
moderação quando estejam em causa bens do defendente de outra natureza em
confronto com bens pessoais, como a vida e integridade física do agressor
3. Agressões não culposas reduzem a necessidade da defesa.
4. Agressões pré-ordenadamente provocadas não geram necessidade de defesa, mas
as provocadas sem pré-ordenação já geram ainda que com limitações
5. Nunca há necessidade da defesa quando se verifique uma insuportável relação de
desproporção entre essa defesa e a agressão
a. Tem a ver com os bens jurídicos em causa (só se podem ferir bens jurídicos
do núcleo essencial da dignidade humana com a defesa quando fossem esses
os agredidos pela agressão)
b. FD diz que tem a ver com a imagem global do facto
6. Atos de autoridade – nos casos em que atuam, há necessidade de defesa e, portanto,
LD, ou há o cumprimento de um dever?

70
Por exemplo o caso do dono do hotel que ouve no bar um grupo de amigos dizer que vai assaltar o hotel naquela noite e por
isso lhes põe drogas na bebida.
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Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

a. Entre nós a questão deve colocar-se especialmente a propósito do uso de


armas de fogo pelos órgãos de política criminal (art. 1º/al. c) do CPP), objeto
de regulamentação específica pelo D.L. 457/99 de 5 de novembro.
b. O “recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade,
como medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem
ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias” (art. 2º/1); só sendo
de admitir o seu uso contra pessoas quando tal se revele necessário para
repelir agressões que constituam um perigo iminente de morte ou ofensa
grave que ameace vidas humanos (art. 3º/2) → a instrumentalização da OJ à
proteção de dtos fundamentais e a exigência de necessidade, adequação e
proporcionalidade na proteção de dtos à custa de outros dtos constituem
limites ao cumprimento de deveres pela autoridade publica.
c. Note-se ainda que as normas que autorizam a intervenção da autoridade
estão numa relação de especialidade recíproca em relação às da LD,
transformando em dever o que a norma geral da LD consagra como
permissão.
ii. Necessidade do meio empregado para repelir a ação – tem de ser:
1. Idóneo
2. Meio menos gravoso
a. Sem possibilidade de recurso às forças de autoridade
b. A fuga não é imposta como meio
3. Um meio não necessário constitui um excesso (33.º) → não se exclui a ilicitude, mas
pode haver diminuição da culpa (ou até exclusão) e consequente atenuação da pena
nos termos do 33.º/1
d. Elemento subjetivo
i. O elemento subjetivo aqui é extraído da própria definição legal de legítima defesa quando se
diz que “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a
agressão”. Isto significa que tem, pelo menos, de existir consciência da situação justificante.
ii. O que se debate é se, para além disso, é necessário haver um animus defendendi.
1. FD: Responde negativamente: basta a consciência71.
iii. Não se configura como defesa:
1. Quando o agente não sabe que com a sua agressão acaba por se defender de uma
agressão
2. A provocação pre-ordenada pelo defendente de uma situação de LD72
iv. Estando em falta o elemento subjetivo de uma causa de justificação, seria de discutir a
possibilidade de aplicação analógica do artigo 38.º/4 do CP, porque in bonam partem, não se
violando por isso o princípio da legalidade (1.º/3 a contrario do CP).
1. Resta saber se o agente deve ser punido por tentativa, ou seja, de acordo com o
regime legal da punibilidade da tentativa, ou com a pena da tentativa, que
determinará sempre a sua punição. A solução que se defende é a primeira, atentos

71
MPJ: ou seja, é preciso que o agente tenha consciência que se está a defender de uma agressão perante a qual não tem mais
nenhum meio de defesa, ainda que não seja preciso estar a pensar que está a defender x bem jurídico específico. Ou seja, que o
agente saiba que se está a defender, mas que se defenda porque está a ser agredido e não porque está a pensar nos bens jurídicos.
O agente que agrida outra pessoa (que efetivamente iria agredir tal agente, mas ele não o sabe, por isso não sabe que se está a
defender) sem saber que ia por essa pessoa ser agredido, não se defende, por isso não se trata de LD.
72
Ele provocar porque já sabia que o outro se ia virar a ele, para que depois lhe possa bater ao abrigo da LD.
25
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os motivos antes expendidos, o que significa que a punibilidade por tentativa no caso
concreto há de estar sempre dependente da orientação do legislador in casu.
e. Excesso de LD (33.º)
i. Extensivo → quando o agente ultrapassa pressupostos (alguns autores aplicam
analogicamente o 33.º/1 (roxin), nos termos do 1.º/3 a contrario)
ii. Intensivo → ultrapassa-se a necessidade do meio ou a necessidade da defesa (expressamente
previsto no 33.º/1)

iii. Asténico → Corresponde às situações de medo, susto ou perturbação → 33.º/2:


1. Se não for punível (não é punível quando seja impossível para o agente motivar-se
pela norma) → exclui-se a ilicitude
2. Se for punível → atenuação especial nos termos do 33.º1
iv. Esténico → irritação, odio → 33.º/1 analogicamente
f. Erro:
i. Erro sobre os pressupostos/requisitos (LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA) →
ii. Erro sobre a existência e limites da LD
2. DIREITO DE NECESSIDADE (34º CP) → o direito de necessidade corresponde a uma situação em que existe
perigo para os interesses do necessitado (que pode ser o próprio ou um terceiro), perigo esse externo ou
interno, e que só pode ser superado à custa da lesão de interesses de outra pessoa.
a. Pressupostos:
i. Ameaça de perigo a interesses juridicamente protegidos (pessoais ou coletivos (≠LD em que
só podem ser pessoais (MFP), ou no máx. supra pessoais quando a sua proteção proteja bens
pessoais (FD))
ii. Atual (apesar de não precisar de ser sequer iminente, mas haver uma certeza que aquele
estado se vai desenvolver num dano ≠ LD)
iii. Esse perigo não ter sido criado pelo agente73 que vai usar a causa de justificação (34.º/a)
iv. Necessidade de ação e do meio: não haver outra forma de proteger
b. Requisitos de legitimidade
i. Cláusula de adequação
O meio utilizado tem de ser adequado, o que significa que tem de ser idóneo para fazer cessar
o perigo.
ii. Sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado
(b))
Esta é sempre uma superioridade qualitativa que seja percebível por qualquer destinatário
das normas (ex.: interesses pessoais > interesses patrimoniais12). O interesse do necessitado
tem de ser de uma ordem de valor qualitativamente superior ao do lesado. Ex.: Está a chover
e uma pessoa tem um casaco todo estragado, mas tem chapéu de chuva e outra pessoa tem
um casaco caríssimo, mas não tem chapéu: não há sensível superioridade do interesse se este
tirar o chapéu de chuva ao primeiro para proteger o seu casaco que é mais valioso. Há uma
diferença quantitativa, mas não pode haver direito de necessidade, porque, do ponto de vista
da posição de cada um destes interesses na hierarquia dos bens jurídicos, não há uma sensível
superioridade qualitativa.
iii. Razoável exigibilidade de fazer suportar ao lesado o sacrifício do seu interesse (c))
Mais uma vez, não se remete para uma mera ponderação quantitativa. Tem de haver uma
espécie de balanceamento. Nesta alínea ainda se vai corrigir os resultados possíveis da alínea

73
FD: Aqui, não basta que tenha sido por causa de uma conduta do agente que se tenha visto numa situação de necessidade. É
necessário que ele se tenha colocado intencionalmente nessa situação para poder agir ao abrigo de uma causa de justificação
26
Matilde Pereira Jesus; 2022
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b), porque ainda é necessário que, mesmo que o interesse do lesado seja sensivelmente
inferior, se trate de um interesse de uma natureza tal que seja razoável exigir-lhe suportar
esse sacrifício74

Nota: NUNCA PODE ATINGIR O NUCLEO ESSENCIAL DA DIGNIDADE HUMANA (≠LD)


3. CONFLITO DE DEVERES (36.º) – exclui a culpa e a ilicitude
a. Tem de ser impossível a exigência de realização dos dois deveres de igual valor75 (havendo um de
maior valor é esse que deve ser concretizado) – mas é sempre exigível que cumpra pelo menos um
deles
i. Critérios de preferência:
1. Imponderabilidade do bem jurídico vida (são sempre iguais e não se pode estar a
morrer mais ou menos) – são smp iguais
2. Bens pessoais (preferência automática) > bens patrimoniais
3. Deveres jurídico-penais > outros deveres
4. Dever de garante > outro dever (a não ser que este seja superior – p.e. agente que
tem à sua guarda um cão, mas tem de o abandonar para salvar uma pessoa)
5. Maior número de deveres de garante de um lado76
6. Gravidade do dano/perigo77 (único caso em que pode justificar preferir-se bens
patrimoniais a pessoais)
7. Importância individual do dano evitado e causado
b. CONFLITO DE DEVERES DESCULPANTE
i. A situação em que o agente cumpre o dever menos valioso daqueles a que estava obrigado
→ há ainda uma realização da ordem jurídica – há ilicitude, mas não há culpa
ii. Ou aquela outra em que não cumpre nenhum dos deveres78
1. Tem de ser precisamente o sentimento de querer cumprir ambos os deveres que
paralisa o agente que não consegue ou não quer escolher (o cumprimento de um
dever vai causar um sentimento de culpa em relação ao incumprimento do outro
dever)
2. Há desculpa porque o cumprimento da norma leal origina um comprometimento: ele
implica para o agente o assumir de uma responsabilidade com um tal peso ético que
aceitá-la impossibilitaria a identificação com o seu próprio ser, negando em si
mesmo o seu “esforço de existir
c.

74
Mpj: p.e.: caso em que é preciso para salvar a vida de A lesar a integridade física de B; a alínea b) verifica-se, mas a alínea c) não.
Não se podia aplicar o 34.º, ter-se-ia de averiguar a aplicabilidade do 35.º (neste caso, pq está em causa a vida).
75
Brito Neves: se um médico, tem de acorrer a duas pessoas, mas só pode atender uma, correndo as duas igual perigo de vida, e
tendo igual posição de garante em relação a ambas, então o médico tem de ser livre para escolher que pessoa quer acudir. HÁ
TOTAL LIBERDADE DE ESCOLHA, mesmo que choque os critérios de escolha – p.e. Se o agente opta por salvar A em vez de B apenas
porque A tem determinada cor de pele, numa situação em que A e B correm o mesmo risco de perder a vida, o agente não pode
ser censurado, pois tudo o que se lhe pode exigir juridicamente é que ele cumpra o dever que lhe for possível cumprir.
76
O médico que tem de optar entre atender o seu filho e um paciente que não conhece deve atender o seu filho, pois face a este
tem, não apenas a posição de garante de médico, mas também a de pai
77
O agente deve atender, por exemplo, a vítima de um acidente de automóvel cuja vida corre maior risco.
78
Exemplo de Fernanda Palma: mãe que, vendo os dois filhos ameaçados por um tsunami, não consegue (optar por) salvar
nenhum. Enquanto apanha banhos de sol na praia, Sofia ouve os seus filhos pedirem socorro. Percebendo que se estão ambos a
afogar, mas a grande distância um do outro, vê-se obrigada a escolher um deles. Incapaz de tomar tal decisão, Sofia nada faz e os
dois filhos morrem
27
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

4. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO (38.º) - Prevalência do valor da autonomia relativamente ao valor do próprio


bem jurídico para o direito
a. Pressupostos:
i. O bem jurídico lesado tem de ser pessoal.
ii. O bem tem ainda de ser disponível.
- O património é, em princípio disponível.
- A vida é absolutamente indisponível15 (indício: arts. 134º e 135º).
- Os direitos de personalidade mais elementares também parecem ser indisponíveis.
- A integridade física é disponível (art. 149º).
iii. O facto não pode ser contrário aos bons costumes (+ 149.º/2 qd se trate de integridade física)
– a lesão não pode comportar uma gravidade e irreversibilidade tais, que a lei determine a
proteção do bem jurídico prevalecente sobre a autonomia do ofendido (ex.: mutilação).
iv. Consciência de que há consentimento (38.º/4).
b. Requisitos:
i. Seriedade (n.º 2) – não pode ser algo que não corresponda a uma declaração considerada
como verdadeira; não pode ser uma qualquer ironia ou brincadeira.
ii. Liberdade (n.º 2) – no sentido de não ser objeto de nenhuma coação por terceiros.
iii. Esclarecimento (n.º 2) – que reflita a consciência de si mesmo do ofendido.
iv. Tem de ser comunicado objetivamente, por qualquer meio credível e reconhecível por um
destinatário médio.
v. Capacidade do ofendido para consentir (16 anos – n.º 316)
vi. Atualidade do consentimento
c. Havendo erro:
i. Aquele que esteja em erro sobre o consentimento relativamente a uma ofensa corporal está
numa situação de erro sobre a causa de justificação que cabe no art. 16º/2 (exclui o dolo da
culpa).
ii. Se estivermos perante uma situação de erro sobre o consentimento, mas tratando-se de um
crime contra a liberdade (em que o pressuposto da proteção da liberdade é o dissentimento),
estamos perante um erro sobre a factualidade típica que cabe no art. 16º/1 (exclui o dolo do
tipo)
5. CONSENTIMENTO PRESUMIDO (39.º)
a. Pressupostos iguais ao do 38.º
b. Requisitos
i. Atualidade da presunção – a presunção tem de se referir ao momento da prática do facto.
ii. Necessidade da tomada de decisão pelo agente
iii. Impossibilidade da tomada de decisão pelo ofendido

5) CULPA → vai se ver se há causas de exclusão de causas de culpa


1. Quando é que há culpa?
a. FD: quando há liberdade na ação + critério do Homem fiel ao Direito ( - para se afirmar se era exigível
atuar de outra forma ou não)
b. MFP: n há culpa se não podia atuar de outra forma: liberdade da vontade, liberdade do ser, liberdade
de comportamento alternativo
2. Causas de exclusão da culpa:
a. 17.º CP → ERRO SOBRE A ILICITUDE (analisado supra)
b. 19.º CP → INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DA IDADE (menos de 16 anos)
c. 20.º CP → INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DE ANOMALIA PSÍQUICA
28
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

d. 35.º CP → ESTADO DE NECESSIDADE DESCULPANTE (vem se ao 35.º depois de se ir ao 34.º (Direito


de Necessidade - causa de exclusão da ilicitude) e se verificar que os pressupostos deste não estão
preenchidos)
i. Pressupostos:
▪ (1) Perigo atual e não removível de outro modo
Está implícito na exigência da impossibilidade de remoção do perigo doutro modo,
para além da necessidade da ação, a exigência da adequação do meio (escolher o
meio menos gravoso).
▪ (2) Bens suscetíveis de serem lesados
Uma vez que no estado de necessidade desculpante não se procura proteger os bens
jurídicos de maior valor relativo79, a lei delimita os bens jurídicos que podem estar em
perigo de modo a provocar uma situação de estado de necessidade desculpante: vida,
integridade física, honra, liberdade.
▪ (3) Inexigibilidade80
Quando não for razoável exigir do agente comportamento diferente, atendendo às
circunstâncias do caso concreto. Note-se que há casos em que a lei exige que o
agente, atendendo à sua posição jurídica, suporte certos perigos – se estivermos
dentro dessa margem de exigibilidade, não se verificará este pressuposto.
▪ (4) Elemento subjetivo
Para além da consciência, o agente tem de ter tido intenção de proteger o bem.
ii. Erro sobre a verificação do estado de necessidade desculpante:
1. Mesmo estando em erro, não deixava de ser exigível que adotasse outro
comportamento81 → erro sobre a existência de EDN desculpante: erro irrelevante
para efeitos de exclusão de dolo nos termos do 16.º/2 → 17.º (para tentar excluir a
ilicitude)
2. Em virtude do erro, não seria exigível ao agente adotar outro comportamento82 →
erro sobre os pressupostos: exclui-se o dolo da culpa nos termos do 16.º/2/2ªparte,
se o erro não lhe for censurável
e. 37.º CP → Obediência indevida desculpante

6) PUNIBILIDADE
6.1) Se o crime estiver consumado, tudo se verificar nos pontos acima dispostos, pode não ser necessário
ainda analisar o regime da tentativa.
6.2) TENTATIVA
1. Quando é que se dá e onde está prevista a sua punição e qual o fundamento?

79
Se o valor do bem lesado for muito superior ao do bem protegido, isso poderá ter implicações na cláusula de inexigibilidade
80
Suportabilidade do perigo em causa, segundo as forças de resistência de um homem fiel ao Direito, colocado no lugar do
agente e lógica de confrontação do conflito existente (entre a suportabilidade do perigo e a violação da norma) com a estrutura
ético-ofensiva do agente em causa.
Comportamento de acordo com o Direito (pessoa fiel ao Direito) = verificar se era exigível há alguém que costuma de cumprir com
o direito cumprir nesta situação.
A desculpa é sempre negada quando a lei exige aqui o agente de suporte o risco (área típica de perigos do agente + quando o
perigo foi criado pelo próprio (discutível na doutrina).

81
Mpj: mesmo que fosse real a representação do agente, não constituiria uma situação de EDN desculpante.
82
Mpj: ou seja, se fosse real a representação do agente, não seria exigível outro comportamento.
29
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

a. Nos termos do 22.º CP a tentativa corresponde à prática de atos de execução de um crime que o
agente decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
b. A punição da tentativa está prevista nos art. 22.º a 25.º CP e apresenta 2 tipos de fundamentos:
I. Legais: a tentativa é punida porque a lei estende a punibilidade do crime consumado à sua
realização incompleta na parte geral (clausula de extensão da punibilidade)
II. Materiais: realização de um ilícito que consubstancia suficientemente o desvalor da ação
(dolo do facto consumado) e também algum desvalor do resultado (perigo para os bens
juridicos protegidos pela norma).
2. Elementos da tentativa – 22.º/1 e 2:
a. DECISÃO DE COMETER O CRIME (dolo do crime consumado)
I. À decisão de cometer um crime pertence a totalidade das exigências típicas subjetivas:
i. Dolo dirigido à realização objetiva (dolo do tipo) 83;
ii. Eventualmente, especiais elementos subjetivos que a lei requeira no caso.
II. Tentativa negligente? Maioria da Doutrina: não existem tentativas negligentes:
i. Quem tenta, decidiu tentar

ii. Aferir a ilicitude da tentativa exclusivamente na base da criação de um perigo conduziria a renunciar à
tipicidade da ilicitude e à determinação do tipo de ilícito verificado

iii. É possível a colocação não dolosa de bens alheios em perigo, mas isso não é tentativa

III. Tentativa e dolo eventual:


i. Faria Costa: restringe a tentativa aos casos de dolo direto

ii. FD/MFP (doutrina maioritária e jurisprudência): na tentativa o dolo pode assumir qualquer uma das
suas formas (intencional, necessário, eventual) – não existe nenhuma incompatibilidade lógica entre o
tentar cometer um facto doloso e a representação da realização apenas como possível, conformando-se
o agente com ela.

b. PRÁTICA DE ATOS DE EXECUÇÃO DE UM CRIME QUE NÃO SE CHEGA A REALIZAR


I. São atos de execução os previstos no 22.º/2 CP.
i. a) “atos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime” → esta alínea
reporta-se aos crimes de execução vinculada84; teremos de interpretar o elemento
em causa no contexto da realização típica integral conjugada com o plano do agente.

83
MFP não exclui o dolo eventual.
84
P.e. no caso do 221.º: Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa
prejuízo patrimonial, mediante interferência no resultado de tratamento de dados, estruturação incorreta de programa
informático, utilização incorreta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro
modo não autorizada no processamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Para efeitos de tentativa
(punível 221.º/3), apenas interessa que o agente tenha interferido no resultado de tratamento de dados, p.e., para que já se
verifique o preenchimento de um dos elementos constitutivo do tipo de crime – não havendo prejuízo patrimonial para outrem,
temos tentativa do crime de burla informática.
30
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

ii. b) “atos que forem idóneos a produzir o resultado (/facto) típico” → alarga o âmbito
da alínea aos crimes de execução livre85
a. Se for um crime de mera atividade (e, portanto, não de resultado) será os atos
idóneos à “verificação da conduta/atividade punida”86 (ou seja, idoneidade
para a integral realização do tipo)
iii. c) “atos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem
de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas
anteriores” → (são os atos que antecedem os crimes de execução vinculada e/ou
livre) exige-se:
a. FD87 – critério da CONEXÃO DE PERIGO TÍPICA:
i. Conexão de perigo (há uma iminente implicação entre o último ato
parcial e a realização típica – conexão temporal estreita88; é preciso
haver uma proximidade temporal em relação ao que o agente planeia
fazer (ROXIN))
ii. Conexão típica/de risco típico (ato penetra já no âmbito de proteção
do tipo de crime – dá-se sempre que há intromissão do ato na esfera
da vítima89)
iii. Atender sempre ao plano do agente
b. MFP:
i. A alínea c) implica que o ato praticado pelo agente já represente uma
situação de insegurança existencial do bem jurídico, em que, por
inexistência de qualquer barreira de proteção desse mesmo bem
jurídico, a qualquer momento, e salvo situações excecionais

85
MPJ: P.e. o 131.º (homicídio), não interessa como é que o agente pretende obter o resultado previsto, apenas interessa, para
efeitos de tentativa que o meio que utiliza seja idóneo ao resultado que projeta.
86
MPJ: p.e., quando temos o crime de evasão (352.º), se o agente serra as grades da cela, tal serrar das grades é idóneo para a
realização da conduta (de evasão, ou seja, de fugir) – se depois não chegar a conseguir fazê-lo (fugir), há tentativa.
Colocando em comparação com um crime de resultado: p.e. o homicídio, aqui interessava era que a conduta do agente fosse
idónea para o resultado (violação do BJ vida/matar alguém).
87
MPJ: Doutrina que parece decorrer da do ROXIN, com bastantes semelhanças.
88
MPJ: A Doutrina alemã aceita que atos preparatórios ainda sejam aqui incluídos. Mas a Doutrina Portuguesa (FD) descarta que
se incluam aqui todos os atos essenciais à realização do ilícito típico quando não haja a iminente implicação (ou seja, p.e., carregar
a arma quando a compra, não pode se considerado um ato de execução porque ainda está demasiado distante do ato de disparar;
MAS se p.e alguém se senta ao volante do carro de outrem, tendo de esperar tempo indeterminado para que a rua fique vazia e
aí faça a ligação direta, já se trata de um ato de execução).
89
Porém, o facto do ato se intrometer na esfera da vítima só será sinal de intromissão no âmbito da proteção do tipo quando
este (o tipo) tutela bens jurídicos individuais ou de titularidade supra-individual individualizada.
31
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

(conexão de perigo), poder-se-ia verificar a ocorrência do facto que


iria gerar o resultado (conexão típica)90.
II. Tentativa em casos especiais:
i. Relativamente a um tipo qualificado:
a. É necessário que a tentativa já revele – e não só a nível do plano concreto da
realidade do agente, mas também do significado objetivo dos atos de
execução levados a cabo – a sua referência indubitável ao delito qualificado.
Note-se que quando se trate de um crime qualificado a pena a que se refere
o 23.º/1 é a do delito qualificado e não do simples.
b. Quanto à punibilidade da tentativa nos delitos qualificados, a pena aplicável
a ter como critério para determinar a moldura da tentativa tem que se
encontrar a partir do delito qualificado, quer a qualificação opere no plano
do ilícito (como acontece, por exemplo, com o crime de furto qualificado,
previsto e punido pelo CP, art. 204.º), quer opere no plano da culpa (o caso
paradigmático é o do homicídio qualificado, nos termos do CP, art. 132.º),
desde que a tentativa já revele, tanto ao nível do plano concreto de realização
do agente como também do significado objetivo dos atos de execução
levados a cabo, a sua referência ao delito qualificado
Se operar no plano do ilícito basta que se verifiquem os elementos
fundamentais do tipo, pois a qualificação é já pré-existente; se operar no
plano da culpa haverá que se verificar atos de execução do ilícito-típico
conjunto, exigindo-se atos de execução da qualificação.
III. Distinguir tentativa da preparação → FD: resolve-se com o critério da conexão de perigo
típica. MFP: diz que devemos analisar até ao último momento, ver sempre se ainda há
possibilidade do agente se motivar pelas normas e ainda desistir. Por norma os atos
preparatórios não são valorados para a tentativa, mas no caso do terrorismo são91, p.e.
c. Não consumação
I. Tentativa inacabada (agente não chega a praticar todos os atos de execução que seriam
indispensáveis à consumação) ou acabada (o agente pratica a totalidade daqueles atos e,
todavia, a consumação não tem lugar)?92 – para responder temos de recorrer às
representações do agente sobre o estádio alcançado de realização do facto:

90
Retirado dos critérios de avaliação do exame de 12 de junho de 2019.
91
300.º/5, entretanto revogado.
92
O CP submete um e outro tipo de tentativa à mesma moldura penal. A distinção é relevante no âmbito do regime da desistência.
32
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

a. Tentativa inacabada → se o agente, no momento em que abandona o facto,


parte de que o resultado se não verificará93
i. Pode tornar-se acabada quando o agente que começou por pensar
que a sua atuação anterior não poderia produzir o resultado, chega
posteriormente à convicção de que possivelmente se irá produzir o
resultado e nada faz94.
b. Tentativa acabada95 → quando o agente, no momento do abandono da
execução, não sabe se, na base da sua realização anterior, terá ou não lugar
a consumação e conta, por isso, com ambas as possibilidades.
II. Tentativa fracassada/falhada96 → hipóteses em que o agente renuncia à execução do facto
porque crê que a consumação já não pode ser alcançada.
a. Para os autores que aceitam a figura, não havendo verdadeira desistência voluntária nos
casos de tentativa Fracassada, o agente vai ser punido por tentativa
i. ROXIN, avança a propósito da figura da “Tentativa Fracassada”, um
conjunto de casos, por exemplo:
1. Impossibilidade de preenchimento do tipo;
2. Falta de correspondência do objeto da ação ao plano do
facto;
3. Objeto do facto abaixo das expectativas do agente.
b. Para os autores que não aceitam a figura, que de resto nem tem consagração legal, temos
de desconsiderar a existência de tentativas fracassadas, seguindo-se para o regime da
desistência (analisando-se a sua voluntariedade)

93
A pensa, ao abandonar a vítima, que o aperto do pescoço não foi suficiente para lhe causar a morte que inicialmente intentava.
94
Ex: B pensa que o artifício fraudulento usado não é suficiente – embora seja em abstrato idóneo – para causar em C um erro
determinante de uma deslocação patrimonial; mas face à atitude da vítima pensa que poderá ter sido bastante e não prossegue
na execução.
95
É tentativa acabada aquela em que a esposa serve uma sopa com veneno esperando que o marido chegue a casa e se sirva,
sabendo que de acordo com a normalidade ele se serve. De acordo com o plano da agente ela não precisa de fazer mais nada.
96
MPJ: basicamente nestes casos temos apenas de equacionar a existência de tentativa falhada e dps dizer que não existem
tentativas falhadas e seguir para o regime da desistência. Critério de correção do exame de 6 de setembro de 2021:
O recuo devido à falta de coincidência entre a vítima projetada e a encontrada representa, para alguns autores, uma hipótese de
tentativa fracassada, que exclui, à partida, a aplicação do regime da desistência voluntária. Para quem, todavia, não aceite a
figura, que não tem sequer consagração legal, deve analisar-se a voluntariedade da desistência de Arnaldo, visto que este deixou
de prosseguir na execução do crime. Ora, na falta de motivos exteriores que impedissem ou dificultassem a concretização do facto
típico, que era ainda plenamente possível, a decisão pode dar-se por tomada em condições de liberdade suficientes para se afastar
a punibilidade. Embora Arnaldo apenas recue por dar conta do erro sobre a identidade, não se exigindo arrependimento moral,
não parece haver constrangimentos no caso que impeçam ver a opção como expressão da liberdade do agente, ainda senhor da
decisão, de modo que não há razões de necessidade da pena que imponham a punição. Assim, não obstante a punibilidade da
tentativa em face do artigo 23.º, n.º 1, Arnaldo não devia ser punido, por aplicação do artigo 24.º, n.º 1, primeira parte.
33
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

3. Verificado que houve tentativa e qual a sua caracterização através dos seus elementos, há que averiguar da
punibilidade da mesma – 23.º delimita o âmbito da tentativa punível:
a. Só serão punidos por tentativa os casos em que os crimes consumados correspondam a penas
superiores a 3 anos. Salvo estes casos, apenas podem ser punidos por tentativa crimes quando a lei
expressamente o preveja (23.º/1).
b. Seriedade do ataque à ordem jurídica que a tentativa em concreto (no caso concreto) representa
(23.º/3) – tentativa possível ou impossível?
I. Tentativa impossível/inidónea (23.º/3) – (meios inaptos, objeto essencial inexistente, ambas
expressamente previstas no 23.º/3) e autor inidóneo (apenas FD97):
Resulta do 23.º/3 que a nossa lei equipara em geral e em princípio a tentativa inidónea à
tentativa idónea, salvo quando tal idoneidade dos meios ou a carência do objeto sejam
manifestas.
i. Tendo em consideração o princípio da necessidade da pena e a correspondente
necessidade de proteção de bens jurídicos, a tentativa impossível só será punível
quando é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigencia e validade da
norma de comportamento:
a. Teoria da impressão (Cód.Penal/FD): será punível se, razoavelmente,
segundo as circunstâncias do caso e de acordo com um juízo ex ante ela era
ainda aparentemente possível ou não era já manifestamente impossível
(23º/3 CP). NOTA: para este Professor interessa a aparência para terceiros!!
Portanto falar do homem médio colocado no lugar do agente, mas também
na aparência para quem de fora observa.
i. Crítica de MFP: CP foi longe demais com a Teoria da Impressão à luz
de considerações de prevenção geral. A punibilidade da tentativa
absolutamente inidónea é inconstitucional, tanto no caso da
inidoneidade dos meios (ex. aborto com um remédio que se pensava,
devido a erro científico, que era abortivo e, afinal, não era), como no
caso da carência do objeto (ex: meios abortivos utilizados numa
mulher que toda a gente pensava estar grávida, mas que não estava).
A Constituição não equipara os bens jurídicos e a necessidade da sua
proteção à mera aparência de bens. A necessidade de proteção de
bens que sustenta a necessidade da pena não é simbólica, mas

97
O Professor considera que o 23.º/3 consagra uma clausula de punibilidade geral das tentativas impossíveis, consagrando as
únicas exceções em que não são puníveis. Já a Professora MFP considera que se trata de uma analogia proibida (1.º/3 CP).
34
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

efetiva. A aparência de perigo não tem, assim, nenhuma dignidade


ontológica nem corresponde ao princípio constitucional de
proteção de bens e direitos. 18.º/2 CRP exige do ponto de vista da
necessidade da pena a proteção de bens jurídicos, e não a aparência
de perigo.

b. Teoria da relatividade/graduação (MFP): Só uma relativa inidoneidade dos


meios ou inexistência do objeto exprime um perigo ontologicamente
consistente e é equiparável ao perigo concreto efetivo.
Critica de FD: o único critério viável tem de basear-se numa
aparência/impressão objetiva de perigo aferida de acordo com um juízo ex
ante.
Assim, apenas é punível se98:
a) For apenas relativamente inidónea, e não absolutamente99
(normalmente seria eficaz, naquele em concreto caso não foi),
tendo em conta razões de garantia do princípio da ofensividade
b) É necessário que o ato normalmente fosse idóneo (juízo ex ante)
e só não o seja devido as circunstâncias concretas do caso e à sua
conjuntura
c) Têm de existir atos de execução demonstrativos de um
comportamento tipicamente perigoso (juízo ex ante mostraria que
aquela conduta levaria ao resultado pretendido) – OU SEJA, para a

98
Algumas respostas retiradas de critérios de correção poderão ajudar a delimitar o critério que a Senhora Professora MFP segue:
Caso 1: agente pratica atos de execução ao subtrair uma bicicleta alheia. Todavia, afinal essa bicicleta pertence-lhe (problema:
impossibilidade de furtar coisa própria) → Punibilidade: para efeitos de afirmação ou exclusão da punibilidade desta tentativa
impossível, verifica-se uma situação de carência do objeto. Na pressuposição de ser normal haver por ali bicicletas da organização
– ou o agente assumir que elas existem – sem sinais distintivos a identificá-las, não é manifesta a impossibilidade da tentativa.
Todavia, seguindo a posição de Maria Fernanda Palma, em concreto, se as bicicletas não existiam naquele local normalmente,
não há nenhum mundo possível alternativo próximo em que fosse possível utilizar sem autorização de quem de direito usa
uma bicicleta própria, pelo que esta tentativa impossível não é punível, nos termos do art. 23.º, n.º 3.
Caso 2: agente pretende praticar um ato de terrorismo fazendo explodir uma bomba. Todavia, a bomba estava desativada →
Punibilidade: para efeitos de afirmação ou exclusão da punibilidade desta tentativa impossível, verifica-se uma situação inaptidão
do meio utilizado. Tal tentativa impossível era punível, por não ser manifesta, para o observador externo (FD), a referida
inaptidão do meio, também nos termos do artigo 23.º, n.º 3, do CP. A referida punibilidade justifica-se ainda porque, para além
da referida impressão de perigo para o bem jurídico, tal tentativa (impossível) tinha ainda potencial de lesividade, por ser apenas
relativamente impossível (MFP), ou seja, por ser razoavelmente equacionável, em circunstâncias alternativas aproximadas das
reais, que o meio pudesse ser apto a produzir o resultado lesivo (ou seja, uma bomba é apta ao resultado que p agente pretendia
(daí a relatividade da impossibilidade), simplesmente naquele caso em concreto a bomba estava desativada).
99
Aquela que sempre falharia em qualquer mundo paralelo alternativo, com circunstâncias aproximadas ao caso concreto.
35
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

prof MFP temos de passar pelo crivo do 22.º/2 antes daqui chegar
(insegurança do bem jurídico).
ii. Tentativa irreal: agente tenta alcança a sua finalidade delituosa através de meios
sobrenaturais
a. Desde logo, em princípio, falta o dolo, já que não há uma verdadeira vontade de
realização, mas apenas um desejo
b. Quando o dolo se verifique, não se verificam os restantes requisitos da
punibilidade da tentativa impossível punível (relatividade da inidoneidade (é
absoluta); não são atos de execução (não são atos de execução nos termos do
22.º/2 a preparação de um ritual satânico onde se irá pedir ao diabo que mate X)
e é do conhecimento geral que o ato é inidóneo, independentemente das
circunstâncias
c. Se ainda assim houver dúvida e se puder aceitar que havia os requisitos do 22.º/2
→ inclui-se nos casos de tentativa impossível do 23.º/3
iii. A tentativa impossível distingue-se do crime putativo
a. Tentativa impossível → quando o agente acha que está a praticar/a partir de
circunstâncias que na verdade não está, mas se estivesse preencheria um tipo de crime
(p.e. achar que pratica relações sexuais com menor de 14 anos quando na verdade o
menor tem 15) – pode ser punível nos termos acima expostos100.
b. Crime putativo → quando alguém está consciente de todos os elementos do facto,
achando que tal é punível por preencher um tipo de crime (p.e. alguém que pratica
relações sexuais com menor de idade igual 15 anos, achando que tal constitui elemento
típico do 171.º (o que não é verdade pq o elemento típico é ser menor de 14 anos) – nunca
é punível101.
iv. Quanto ao autor inidóneo102 – profunda divergência entre FD e MFP:

100
MJP: Ou seja, se for apenas relativamente impossível, mostrando-se num juízo ex ante que o ato normalmente seria idóneo e
só não o foi devido às circunstâncias concretas, tendo para tal de existir atos de execução. No caso do exemplo dado era um caso
de tentativa impossível por inexistência do objeto essencial (menor de 14 anos), seria punível:
• Para FD se se comprovasse que a inexistência do objeto não era manifesta (MPJ: p.e. porque o menor em causa
andava no 6º ano de escolaridade)
• Para MFP ainda que se pudesse admitir que a inexistência do objeto não era manifesta, haveria depois que
averiguar da relatividade/absolutidade da impossibilidade; ora neste caso era absolutamente impossível – nunca
seria punível.
101
Por duas razões: 1) segundo um juízo ex post, faltaria qualquer perigo de violação de um bem jurídico-penal suscetível de abalar
a confiança da comunidade nas normas jurídicas de tutela (que no caso não existem) – MPJ: p.e. no caso em concreto o menor
tinha 15 anos por isso não haveria aqui um bem jurídico (menor de 14 anos) com necessidade de proteção; 2) a lei não apresenta
a descrição típica do crime consumado que o agente achou que apresentava, não havendo lei que puna a conduta do agente –
nullum crimen, nulla poena sine lege (significa como já sabemos que sem lei que o preveja, não há crime nem pena).
102
Crimes em que, para a realização do facto típico, o autor tem que ter uma certa qualidade típica (por exemplo ser funcionário
público) - mas não a tem, embora tanto o agente, como os outros possam pensar que tem essa qualidade típica.
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Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

i. MFP: NUNCA É PUNÍVEL → a Professora afirma que considerar-se, nesses


casos, que há uma tentativa impossível punível extravasa o sentido dos
arts. 22º e 23º. Os únicos casos em que pode ser feita essa equiparação
(para punir, entre tentativa possível e tentativa impossível) são aqueles
em que há uma inaptidão do meio empregado pelo agente ou uma
inexistência do objeto essencial à consumação do crime não manifestas.
É uma analogia proibida a punibilidade de uma tentativa impossível por
autor que não detém a qualidade típica.
ii. FD: É PUNÍVEL NOS TERMOS DO 23.º/3 → considera que o art. 23º/3
constitui uma cláusula geral de equiparação entre a tentativa possível e a
tentativa impossível, excluindo simplesmente os casos da inaptidão do
meio ou inexistência do objeto aparentes, não punindo nesses casos. OU
SEJA, 23.º/3 diz que toda a tentativa impossível é punível, exceto a
tentativa nos casos de manifesta inaptidão do meio ou inexistência do
objeto.
Critica que faz a Prof. MFP: Esta interpretação é inconstitucional, violando
o princípio da necessidade da pena. Não podemos deixar de entender que
a equiparação é excecional.
II. Desistência
i. Se concluirmos pela desistência → 24.º prevê que a tentativa deixa de ser punível quando
a. O agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime (24.º/1/1ª
alternativa)
b. O agente impedir a consumação (24.º/1/2ª alternativa)
c. Não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no
tipo de crime103 (24.º/1/3ª alternativa)
d. Quando apesar da consumação ou verificação do resultado terem sido impedidas por
facto independente da conduta do desistente, este se tenha esforçado seriamente por
evitar uma ou outra (24.º/2)
ii. 3 fundamentos para a relevância da desistência enquanto elemento que exclui a punibilidade:

103
Pensado para os crimes em que os momentos da consumação formal e da consumação material não coincidem – ex.:
provocação de danos nos crimes de perigo. Não é necessário que os danos se verifiquem para haver tipicidade, no entanto, o
agente vai impedir a provocação dos mesmos. Nestes casos, podemos falar de desistência da tentativa (que aproveita a todo o
comportamento anterior).
Mas, por exemplo, se uma pessoa está a torturar outra, causando danos à sua integridade física, mas planeando matá-la e depois
desiste, é claro que o agente não deixa de ser punido pelas ofensas corporais que já causou.
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(i) Fundamento associado ao PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DA PENA – em determinadas


circunstâncias, se o autor desistiu, anulou o iter criminis, deixa de haver, do ponto de vista
da perigosidade, razão para o influenciar.
(ii) Do ponto de vista vitimológico, é importante dar um estímulo ao agente para que ele não
continue – se tanto fosse punido o agente que desiste como o que continua, estaríamos a
estimular que o agente não tivesse um momento de retrocesso que levasse à salvaguarda
do bem jurídico.
(iii) Razão de culpa – o agente que desiste, embora não deixe de merecer uma censura pessoal
por ter iniciado a prática do crime, ao inverter todo o percurso do seu comportamento,
não tem o mesmo grau de culpa do que aquele que persiste
iii. Relacionar os requisitos da desistência com o estádio alcançado pela tentativa
a. Tentativa inacabada: basta que o agente desista de prosseguir a execução do crime
(24.º/1/1ª alternativa)104
b. Tentativa acabada: não basta a desistência do plano, o agente tem de voluntariamente
impedir a consumação (24.º/1/2ª alternativa) – para tal tem de levar a cabo um
comportamento ativo e com êxito105
c. Desistência em caso de consumação:
i. 24.º/1/3ª alternativa → É necessário que o agente impeça a
verificação do resultado atípico, mas ainda relevante para
caracterização do conteúdo material; obste ativamente, isto é, à
consumação material
ii. 24.º/2 → tal como nos casos de tentativa acabada tem de haver um
esforço sério para afastar o resultado, mesmo que acabe por se
verificar.
d. Desistência em casos especiais
i. Desistência parcial: o agente, já na fase de execução, renuncia
voluntariamente à consumação de uma circunstância qualificadora,
mas consuma, não obstante, o delito fundamental106.
1. Doutrina Dominante + FD → considera relevante a
desistência da qualificação até à consumação do delito
fundamental.

104
P.e.: que o agente não aperte o gatilho da arma que aponta à vítima.
105
P.e.: chamar a ambulância.
106
P.e: A, quando tenta a realização de um furto qualificado, traz consigo uma arma (204º/2, f)). Tomado de um sentimento
inesperado, porém, decide não a usar e lança-a fora, levando, todavia, a cabo o furto intencionado.
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Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

iv. Para haver desistência tem de haver VOLUNTARIEDADE


a. MFP: não tem de existir, como defendem alguns autores, uma espécie de
impulso moral, um ato de liberdade em termos morais (porque conta o
aspeto vitimológico e o princípio da necessidade da pena), mas a desistência
tem de ser ainda expressão de uma liberdade consciente do agente. Mesmo
que haja um certo utilitarismo na desistência, tem de existir ainda a
possibilidade de executar o crime e conseguir o seu intento. Se essa
possibilidade existe e o agente pondera os prós e os contras, mesmo que não
haja um arrependimento moral, essa desistência é voluntária107.
Assim, na falta de forças exteriores a impedirem ou a tornarem muito difícil
a concretização do facto típico, a decisão é ainda atribuível ao agente em
condições de liberdade suficientes para se afastar a punibilidade108.
Em geral a desistência é involuntária sempre que o agente passa a acreditar
já não poder alcançar a sua finalidade.
b. FD: é necessário que a desistência possa ser vista como obra pessoal do
agente e nessa base lhe possa ser imputável. Trata-se de uma unidade de
sentido social, constituída pela tentativa e pela sua desistência, jurídico-
penalmente positiva, como tal previsível e controlável pela vontade; e, por aí,
ligada a um “centro ético de imputação” e só nesta medida aprovada pelo
direito como realização de um agente determinado.
i. Desta forma, Figueiredo Dias parece negar a voluntariedade nos
casos que desiste porque vai ser apanhado pela polícia ou porque a
execução vai ser mais difícil do que ele achava (MFP tb).
v. Relações entre a desistência da tentativa e a comparticipação criminosa
i. Tipo de comparticipação em causa e qual a sua definição
ii. Art. 25º → Se vários agentes comparticiparem no facto, não é punível a tentativa daquele
que voluntariamente:
a. Impedir a consumação ou a verificação do resultado
b. Nem a daquele que se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, ainda que os
outros comparticipantes prossigam na execução do crime ou o consumem.
iii. Nas situações de instigação e cumplicidade, não há domínio do facto, pelo que a desistência
do agente não impede a verificação do resultado, tendo de haver um esforço sério deste
para impedir que o resultado se verifique (ex.: ir ao local do crime e impedir que o assassino
contratado ou a pessoa a quem emprestou a arma dispare sobre a vítima).

107
P.e: na iminência de uma violação, a vítima diz ao agente que tem SIDA e este desiste. MFP considera que aqui ainda poderá
haver desistência voluntária, porque apesar disto, alguns agentes não desistiriam (ou por não acreditarem na vítima ou por não
acreditarem que ficariam infetados ou por a sua violência sexual ser tal que nem se deixam impressionar por esse risco).
108
Exame de Direito Penal, época especial, 6 de setembro de 2021:
O recuo devido à falta de coincidência entre a vítima projetada e a encontrada. Ora, na falta de motivos exteriores que impedissem
ou dificultassem a concretização do facto típico, que era ainda plenamente possível, a decisão pode dar-se por tomada em
condições de liberdade suficientes para se afastar a punibilidade. Embora Arnaldo apenas recue por dar conta do erro sobre a
identidade, não se exigindo arrependimento moral, não parece haver constrangimentos no caso que impeçam ver a opção como
expressão da liberdade do agente, ainda senhor da decisão, de modo que não há razões de necessidade da pena que imponham
a punição.
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iv. Já nas situações de co-autoria, apesar de existir um domínio conjunto do facto:


a. Há casos em que sem a participação do agente, o crime não se consuma
b. Há outros casos em que a participação do agente não é necessária, mas é essencial
(ex.: ficar de vigia à porta do edifício assaltado).
i. Nestes casos, também tem de existir um esforço sério, uma contra-execução
para nos termos da última parte do art. 25º, podermos dar relevância à
desistência.
4. Se se verificar a punibilidade da tentativa → 22.º/2: cabe-lhe “a pena aplicável ao crime consumado,
especialmente atenuada”, nos termos do 73.ºCP, sendo esta atenuação especial obrigatória.

6.3) COMPARTICIPAÇÃO (analisa-se na IO)

1. Autoria
1. Autoria imediata (material) e mediata (26.º/1/2ª alternativa)
a) Autor Imediato → executa o facto por suas próprias mãos, na expressão de Roxin, tem o
domínio da ação.

b) Autor mediato → realização do facto típico através de outrem, tem o domínio da vontade
e pode ter domínio da ação
a. Tem domínio da ação quando o autor material não tem capacidade de ação
i. Causas de exclusão da relevância penal da ação do autor imediato:
Sonambulismo, hipnose, alguém empurra outra pessoa para esta cair
em cima de um bebé e o matar (se não entendermos neste caso que
há autoria imediata por quem empurra)
b. Domínio da vontade (- exclui o dolo do autor imediato):
i. Coação (neste caso o próprio homem da frente está em estado de
necessidade desculpante – 35.º)
ii. Erro
iii. Aparelhos organizados de poder (Roxin)
c) Grupos de casos:
• HF (homem da frente) atua tipicamente (p.e. pq é a própria vítima)
• HF atua sem dolo do tipo por erro sobre a factualidade típica
• HF atua licitamente (situações em que cumpre uma ordem ilícita e não o sabe;
quando o homem de trás provocou uma situação de LD ou de EDN)
• HF atua sem culpa ou intervindo causa de exclusão de culpa (p.e. se houve coação,
inimputabilidade)
• HF se insira em aparelhos de organizados de poder

40
Matilde Pereira Jesus; 2022
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a. O autor material pratica o ato com consciência e vontade, mas podia ser
substituído por qualquer outro, é fungível. Note-se que estas últimas
situações também poderiam caber no art. 26º, in fine (instigação), mas
haveria uma dependência do agente doloso para definir o início da tentativa
e provavelmente o medo é tão elevado que no momento em que é dada a
ordem já poderemos considerar iniciada a tentativa109
b. Para quem vê estes casos como autoria mediata → nestes casos,
verdadeiramente, a pessoa selecionada é fungível – o autor material pratica
o crime porque vive naquele ambiente de medo do superior (tese
minoritária – MFP);
c. quem defende que há instigação diz que a mera ausência de coragem não é
suficiente para consumir a vontade de praticar o crime verificada no autor
material (FD)
d) PRINCÍPIO DA AUTO-RESPONSABILIDADE: não há autoria imediata e mediata quando o
homem da frente seja plenamente responsável – atue a título de culpa dolosa → pode ser
um caso de instigação ou poderá não haver determinação suficiente do homem de trás
ficando este impune
e) Concluindo – haverá autoria mediata quando:
• Autor material não é responsável criminalmente a título de dolo; pode ser a título
de negligencia
• A situação que leva a que não seja responsável criminalmente a título de dolo foi
criada pelo homem de trás ou pelo menos ele aproveitou-se dessa situação
• O autor mediato será punido a título de dolo.
a. Há casos raros em que a Professora Helena Mourão e o Professor Brito Neves,
aceitam a autoria mediata com apenas negligencia110
f) TENTATIVA: Depende. Casos há em que começa só com o instrumento quando este pratica
atos de execução; outros casos, a própria atuação do autor mediato, por si só, já constitui
atos de execução. Tudo dependerá do caso e da aplicação do Artigo 22º
2. Co-autoria (26.º/1/3ª parte) – há um atuar em conjunto
a) Requisitos:
• Decisão conjunta

109
Esta posição adotada por MFP é minoritária. A ela opõe-se FD, argumentando que a mera falta de coragem não é suficiente
para consumir a vontade de praticar o crime.
110
Caso em que o homem de trás diz ao da frente que há uma situação atual de legítima defesa, mas não há; se tb o homem de
trás estivesse em erro, haveria da sua parte negligencia.
41
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

a. Tem de haver um acordo explícito ou, pelo menos, consciência da


contribuição no facto comparticipado
b. A responsabilidade do co-autor só se verifica na precisa medida em que a
execução se encontre coberta pela decisão conjunta.
i. Se ações de singulares co-autores vão além da decisão conjunta –
casos ditos de excesso (sejam essas ações praticadas por dolo ou
negligência) → tal só pode ser imputado ao seu autor111.
• O co-autor tem de tomar parte direta na execução → a atuação de cada co-autor
tem de ser essencial à execução do plano
a. Tomar parte não significa necessariamente praticar atos de execução de
autor singular, mas tomar parte na execução do facto comparticipado (o que
pressupõe uma divisão de tarefas imprescindíveis na cooperação e /ou
contribuição essencial – em suma domínio funcional do facto112)113
b) TENTATIVA:
• Solução Global → basta que comece a Tentativa em relação a um dos co-autores, para
começar em relação a todos, mesmo que os outros não tivessem ainda feito nada.
• Solução individual → temos de ver agente a agente. Cada um só começa quando ele
começar o seu contributo, quando começar o seu ato de execução (seguindo o critério
da professora HM).
2. Participação
1. Instigação (26.º/1/4ªa alternativa) - quem determina dolosamente outrem à prática de um crime,
desde que haja execução ou início da execução; há domínio do facto sobre a forma de domínio da
decisão
2. Requisitos:
• Tem de existir um nexo objetivo de determinação da vontade de outrem à prática
do facto, que de outro modo não se verificaria (se a pessoa já estava determinada, o
apoio que outra dê nesse sentido não constitui uma instigação)

111
A e B acordam matar C; mas depois B rouba a vítima – só o homicídio é cometido em co-autoria, não o roubo.
112
Ou seja, se já não fizer o combinado, o plano falha.
113
Ex.: Crime de roubo. Um assaltante prende a vítima e o outro tira a carteira. Se fossem autores singulares, o que tira a carteira
praticaria o crime de roubo e o que prende a pessoa praticaria o crime de coação ou ofensas corporais. Nenhum deles seria punido
pelo crime mais grave: roubo. No entanto, há aqui um facto comparticipado e esse facto é o crime de roubo, tendo ambos de ser
punidos por ele.
O que caracteriza a co-autoria é existir uma participação essencial para a realização global do facto típico, uma potenciação até
dos factos dos outros agentes, recíproca. Há uma espécie de domínio do facto, na perspetiva de que se o autor fracassar será
comprometido o empreendimento criminoso global.
42
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

• Tem de existir a realização do facto típico e ilícito por outrem (o autor tem, pelo
menos, de ter atingido a fase da tentativa):
a. MFP: é por isto que não podemos considerar que a instigação é uma forma
de autoria; porque existe uma dependência face à atuação do autor material;
a tentativa de instigação não é punível (a instigação da tentativa já será).
b. FD: deliberadamente o legislador português colocou a instigação ao lado da
autoria e da co-autoria, mandando em qualquer dos casos punir os agentes
como autores. Todavia afirma que a instigação, embora seja tida, em termos
de pena, como autoria, tem estrutura material de participação criminosa.
c. PRINCÍPIO DA ACESSORIEDADE (é fundamento da responsabilidade do
participante)
• Qualitativa → O facto praticado pelo autor tem de ser típico, doloso
e ilícito (tese da acessoriedade rigorosa) ou típico e ilícito (tese da
acessoriedade limitada - não sendo necessária a punibilidade do
facto (FD))
• Quantitativa → Haver um certo estado de realização (pelo menos
atos de execução (22.º/2)
Exigência de que o facto principal alcance um certo estádio de
realização: se a cumplicidade é participação no ilícito-típico de
outrem (qualitativa), então aquela não pode existir de um ponto de
vista jurídico-penal e ser punível se o ilícito típico não existir.
• Dolo duplo
a. Tem de haver um dolo de determinação114; E um dolo relativo à realização
do facto pelo autor material, com todas as suas consequências.
b) TENTATIVA:
• Tentativa de instigação não é punível
• Dolo do instigador deve dirigir-se à consumação do facto pelo instigado ou pode
referir-se à sua mera tentativa? Agente Provocador - atua no sentido de determinar
alguém à prática de um facto, com o propósito de que este alcance apenas o estádio

114
Um Domínio da Decisão não é compatível com a produção ou criação de tal decisão por negligência: em tais casos, o que fica
e aberto é, no máximo, uma “autoria paralela negligente”.
Figueiredo Dias → Não se deve excluir à partida qualquer modalidade do dolo (admitindo uma instigação por dolo direto,
necessário ou eventual). Designadamente, não parece de excluir a priori a compatibilidade do propósito do instigador de criar no
instigado aquela decisão com a representação pelo instigador do êxito da tarefa como meramente possível, aliada à sua
conformação com uma tal possibilidade
43
Matilde Pereira Jesus; 2022
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da Tentativa, para logo aí o deter ou denunciar e evitar, deste modo, que a


consumação venha a ocorrer. Figueiredo Dias → não vê razão para que o dolo do
instigador tenha por objeto somente a consumação do crime ou, inclusivamente, a
lesão efetiva do bem jurídico. Há dolo do instigador mesmo quando o autor material
apenas chega à tentativa
3. Cumplicidade (27.º)
a) Há cumplicidade quando o agente contribui dolosamente, através de um auxílio moral115 ou
material (prestações materiais), que, apesar de não precisar de ser necessário em absoluto,
tem de ser pelo menos suficiente para aumentar o risco típico116
b) Momento temporal da cumplicidade
• Momento em que o cúmplice prestará auxílio material ou moral ao facto do autor.
c) Dolo na cumplicidade117
• Exige-se que o cúmplice conheça a dimensão essencial do ilícito-típico a praticar pelo
autor.
• Não é necessário o cúmplice ter informações pormenorizadas
• Alterações do facto do autor, como em caso de excesso, se ainda se mantiverem
dentro da dimensão essencial ilícito-típico representado pelo cúmplice não afetam a
sua cumplicidade
d) Espécies de cumplicidade
• Auxílio material → basta que o cúmplice favoreça materialmente o autor, mesmo
que o autor acabe por utilizar a prestação material (basta que aumente o risco de
consumação do ilícito)
• Auxílio moral → favorecimento ou fortalecimento do autor na sua decisão (a medida
mínima de favorecimento é em casos de aconselhamento técnico, transmissão de
informações e etc., pois são atos efetivo que aumentam o risco e favorecem a prática
do facto).
e) PRINCÍPIO DA ACESSORIEDADE (é fundamento da responsabilidade do participante)
• Qualitativa → O facto praticado pelo autor tem de ser típico, doloso e ilícito (tese da
acessoriedade rigorosa) ou típico e ilícito (tese da acessoriedade limitada - não sendo
necessária a punibilidade do facto (FD segue esta tese mas modificando-a: há casos

115
Favorecer a decisão do autor; retirar-lhe as últimas duvidas
116
Não pode ser um comportamento ainda dentro do risco permitido (ex.: o armeiro que vende a uma pessoa uma arma).
117
Não há cumplicidade omissiva nem negligente, pois isso corresponderia a uma dupla extensão da tipicidade.
44
Matilde Pereira Jesus; 2022
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em que têm de ser consideras as condições objetivas de punibilidade ou causas


materais de exclusão de culpa (p.e. 227.º/1))
• Quantitativa → Haver um certo estado de realização (pelo menos atos de execução
(22.º/2)
Exigência de que o facto principal alcance um certo estádio de realização: se a
cumplicidade é participação no ilícito-típico de outrem (qualitativa), então aquela não
pode existir de um ponto de vista jurídico-penal e ser punível se o ilícito típico não
existir.
f) TENTATIVA:
• A participação na tentativa é em si punível, através do princípio da acessoriedade
• Tentativa de cumplicidade (cumplicidade falhada)118 – não é punível
a. O auxílio acaba por não se verificar e não pode falar-se de cumplicidade;
b. Ou o facto ilícito-típico do autor não chega a concretizar-se, sequer sob a
forma de início de execução, e por isso, segundo o princípio da acessoriedade,
qualquer participação tentada não pode ser punível
3. Alterações ao princípio da acessoriedade nos crimes próprios (28º):
1. Nos crimes em que a qualidade típica pessoal do autor é imprescindível para fundamentar ou agravar
a ilicitude119 (exs.: corrupção passiva e peculato) para que não haja lacunas de punibilidade não é
necessário que a qualidade típica pessoal se verifique no autor material, bastando que um dos
comparticipantes a detenha (por exemplo, a qualidade de funcionário público pode verificar-se até
apenas no cúmplice ou no instigador) bem como se comunica do autor material aos participantes.
2. É o caso das seguintes qualidades fundamentadoras/modificadoras da ilicitude:
a) A qualidade de funcionário | Artigo 155º, nº1, b) + 257º + 350º + 351º + 368º;
b) A qualidade de médico | Artigos 150º + 260º + 284º;
c) A qualidade de advogado | Artigo 370º;
d) A relação de confiança | Artigos 205º + 224º;
e) As relações de cuidado, guarda ou vigilância | Artigo 152º.
3. Apesar disso não se trata de transformar estes crimes em crimes de deveres em que todos seriam
puníveis como autores (conceção extensiva de autoria), mantendo-se as diferenciações entre autores
e participantes; distinguindo-se quem executa o facto e quem o não faz.

118
Estão aqui em causa casos em que alguém presta auxílio à prática por outrem de um facto ilícito típico, todavia, baldadamente,
porque o favorecido ou recusa o auxílio ou acaba por se não decidir pelo facto.
119
E não a culpa!
45
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

4. Também quando esta alteração das regras não seja necessária para evitar lacunas de punibilidade o
agente pode e deve ser punido nos termos em que o seria se tal regra não interviesse. Assim, se o
agente que não é funcionário público puder ser punido por abuso de confiança não terá de ser punido
por peculato (isto resulta do art. 28º/2).

Nota:

Autoria vs. Participação

O autor tem o domínio do facto, controlando as rédeas do acontecimento típico numa perspetiva de ação final. O
fundamento da responsabilidade do autor é diretamente o controle por si da realização do facto típico

O participante apenas contribui, no caso do cúmplice, facilitando material ou moralmente (art 27º) a realização do
facto típico ou, no caso do instigador, gerando a vontade criminosa, mas não dominando o facto típico (artº 26, in
fine). O fundamento da responsabilidade do participante é a realização por outrem do facto típico (isto corresponde
ao princípio da acessoriedade).

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Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

Anexos – quadros:
EDN justificante (34.º) EDN Desculpante (35.º) EDN defensivo
(supralegal)
1. Ameaça de perigo a interesses 1. Perigo atual e não removível Tudo igual ao EDN
juridicamente protegidos de outra forma (meio menos excepto - ≠’s em relação
2. Atual (apesar de não precisar de ser gravoso) ao EDN:
sequer iminente, mas haver uma 2. Só estando a vida, a Aqui a fonte de perigo é a
certeza que aquele estado se vai integridade física, a honra ou a pessoa que vai ser afetada
desenvolver num dano ≠ LD) liberdade em perigo é que há pelo EDN, não tendo essa
3. Esse perigo não ter sido criado pelo aplicabilidade do EDN pessoa disso consciência –
agente120 que vai usar a causa de Desculpante (≠ EDN o lesado é inocente, mas
justificação (34.º/a) Justificante, em que pode ser é uma fonte de perigo (≠
4. Necessidade de ação e do meio: qualquer interesse EDN pq aí o lesado não
não haver outra forma de proteger juridicamente protegido) tem nada a ver com o
Nota: NUNCA PODE ATINGIR O NUCLEO 3. Não ser razoável exigir ao assunto, aqui sim) – sendo
ESSENCIAL DA DIGNIDADE HUMANA (≠LD) agente que se comportasse de o lesado uma fonte de
(34.º/c) + OS BENS JURIDICOS A PROTEGER outra forma121 perigo (e ptt uma fonte de
TÊM DE SER SEMPRE SUPERIORES AOS agressão para os bj,
LESADOS (≠ LD apesar de ter de haver uma assemelha-se a LD:
PRESSUPOSTOS

ponderabilidade que envolve hierarquia de a) Situação de defesa à


direitos) qual falta um pressuposto
indispensável para se
configurar como legítima
defesa – a voluntariedade
e a ilicitude

b) Impossibilidade para o
agente de evitar o perigo
c) necessidade do facto
para o repelir desde que
d) o bem lesado pela
defesa não seja muito
superior ao bem
defendido

Nota: ÚNICO CASO DE


EDN EM QUE SE PODE
ATINGIR O NUCLEO
ESSENCIAL DA
DIGNIDADE HUMANA

120
FD: Aqui, não basta que tenha sido por causa de uma conduta do agente que se tenha visto numa situação de necessidade. É
necessário que ele se tenha colocado intencionalmente nessa situação para poder agir ao abrigo de uma causa de justificação
121
Suportabilidade do perigo em causa, segundo as forças de resistência de um homem fiel ao direito, colocado no lugar do agente
e lógica de confrontação do conflito existente (entre a suportabilidade do perigo e a violação da norma) com a estrutura ético-
ofensiva do agente em causa. Comportamento de acordo com o direito (pessoa fiel ao direito): verificar se era exigível há alguém
que costuma de cumprir com o direito cumprir nesta situação. a desculpa é sempre negada quando a lei exige aqui o agente de
suporte o risco (área típica de perigos do agente + quando o perigo foi criado pelo próprio (discutível na doutrina).
47
Matilde Pereira Jesus; 2022
Regência da Professora Maria Fernanda Palma

Legítima Defesa (32.º) Legítima Defesa Preventiva (supralegal)


1. Agressão humana e voluntária (≠ EDN Tudo igual à legítima defesa exceto - ≠’s em relação à LD:
em que não precisa de ser atuação 2) NÃO HÁ ATUALIDADE → Nestes casos a atuação não é ainda
humana nem voluntária) sequer iminente, mas já se sabe que se vai verificar com
2. Atual (critérios ≠’s do EDN - MFP: atos certezas122
de execução (22.º/2); FD: atos 4) SÓ PODEM SER ATINGIDOS BENS JURÍDICOS DE IGUAL
iminentes) VALOR (enqt na LD normal podem ser atingidos bens jurídicos
PRESSUPOSTOS

3. Ilicitude da atuação (≠ END em que não de valor superior (tendo em conta ponderações de
é preciso haver uma ilicitude para que proporcionalidade), exceto quando esteja em causa bens do
se atue) núcleo essencial da dignidade humana, caso em que só se
4. Interesses juridicamente protegidos forem esses bens a serem agredidos é que pode haver a sua
pessoais (FD: supra-pessoais se ao agressão.
proteger esse se protege pessoais. ≠
EDN em que os interesses protegidos
podem ser de natureza pessoal ou
coletiva)
Nota: PODE ATINGIR O NUCLEO ESSENCIAL DA
DIGNIDADE HUMANA SE FOR ESSE QUE ESTÁ
A SER ATINGIDO PELA AGRESSÃO (≠EDN)

122
Caso do agente que ouve um grupo combinar assaltar a sua casa.
48

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