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Teresa Ramos Ascensão Direito Penal II

CULPA

Comportamento não deixa de ser ilícito, mas pode não ser censurável.

1. Inimputabilidade – 19º + 20º, em especial, nº4. Causa de exclusão da culpa.


Inimputabilidade = incapacidade de culpa. Anomalia psíquica que leva agente a não compreender o
significado ilícito do seu comportamento.
Nº1 – dá os 2 elementos da culpa: avaliação da ilicitude + determinação de acordo com essa avaliação.
Anomalia psíquica pode ser instantânea: alteração/perturbação da personalidade do agente no
momento.
Nº2 – semi-inimputável/inimputável só naquele momento (problema do momento e de grau) –
inimputabilidade diminuída (psicoses, síndromes maníaco-depressivos, estados de afectos que
toldem). Faz parte da constituição do próprio agente, não é acidental – anomalia psíquica
constituicional (doença mental). Basta sensível diminuição das capacidades.
Nº3 – não tem condições de ser motivado pelas penas – indicia que sofre de anomalia psíquica grave.
Nº4 – acção livre na causa – coloca-se no estado com o intuito de agir ilicitamente. No momento da
prática do facto, agente é inimputável, mas faz-se retroagir a imputabilidade ao momento em que se
colocou nesse estado de inimputabilidade. A contrario, se acidental – nº1 – inimputável.

Psiquiatrização do DP vs juridicização da psiquiatria:


 EMIL KRAEPELIN – há um padrão de sintomas que permite diferenciar e classificar as doenças/as desordens
psiquiátricas/mentais. Doenças psiquiátricas são biológicas, não meramente psicológicas.
 JASPERS – paradigma compreensivo. Há uma diferença entre compreensão e explicação dos fenómenos psiquiátricos. Certos
comportamentos ainda podem ser compreendidos, outros só podem ser explicados. Há delírios que emergem de afectos
precedentes que ainda são compreensíveis – é possível identificarmo-nos com o agente, compreendendo as suas vivências
subjectivas. Os delírios em sentido próprio são psicologicamente irredutíveis, incompreensíveis e inalcançáveis – não dá para
experienciar a vivência do paciente. Se ainda é possível compreender o que agente viveu, ele é imputável. Avaliação das
conexões reais e objectivas de sentido da acção. MEZGER, FD: juiz deve reconstruir objectivamente (em vez de revivenciar
subjectivamente o facto como o psiquiatra) as conexões de sentido do facto para ver se há conexões reais objectivas. Ver o
significado que o comportamento vai ter na sociedade – como vai a sociedade representar a intencionalidade do agente. Se não
conseguimos encontrar pontos de contacto entre a experiência de uma pessoa normal e o comportamento do agente, já não
estamos no plano da compreensão, mas sim no da explicação e agente é inimputável.
Problemas: delírio colectivo – pode haver delírio sem haver uma ruptura com o significado normal (da sociedade), pois que esta
está também em delírio – normalidade e racionalidade do próprio anormal; forma como se trata inimputável é também opção
política – ver aquilo que é adequado a tratar o problema; até no campo científico a teoria é discutível.
Deve haver diálogo entre juiz e perito – perito caracteriza a situação mental do ponto de vista médico e juiz vê se a perturbação
vivida exclui a força motivadora potencial das normas na relação do agente com o mundo; juiz questiona se agente é sensível
às penas – se poderá reorientar o seu comportamento como efeito do cumprimento da pena ou se só é controlável a sua
perigosidade pelo tratamento médico, e perito responde.

2. Causas de desculpa – 33º/2, 35º, 37º.


2.1. Excesso asténico – 33º/2 – excesso derivado do medo que não é censurável. Medo será ou não
censurável conforme a concepção de culpa que se adopte – ver ponto 4.
2.2. EN desculpante – 35º - pressupostos: perigo para certos bens, meio adequado a proteger esses
bens (relação quase directa entre conduta e remoção do perigo), não razoável exigir
comportamento diferente – critério da exigibilidade. Inexigibilidade consoante conceito de culpa
que se adopte – ver ponto 4. FD: exigível outro comportamento se pessoa normalmente fiel ao
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direito realizasse esse outro comportamento. MFP: não exigível se pessoa se guiou por um
sistema/código ético-afectivo e não pelos valores abstractos do Direito; se circunstâncias
exógenas que levam qualquer pessoa a poder não se motivar pela norma. Pessoa tem de estar
em situação de conflito interior e ao não praticar o facto típico pessoa negaria as condições
essenciais para a sua própria existência
2.3. Obediência indevida desculpante – 37º. Ordem a que agente está vinculado não é configurada
como conducente à prática de um crime e não é manifesto que de facto conduza ao mesmo.
2.4. Erros sobre as causas de exclusão da culpa – 16º/2 – exclusão do dolo da culpa.

3. Critérios da censurabilidade do erro do 17º (erro sobre valoração subjacente à proibição; pode incluir
LD preventiva – achar que é lícita (não é erro de pressuposto de achar que já há actualidade, mas sim
de achar que a mesma não é necessária) ou acha que aborto é até às 20 semanas – erro sobre a
permissão). FD: questão da ilicitude não é óbvia/é controvertida, agente protege o outro ponto de
vista (o não consagrado, mas que ainda tem algum valor para o Direito), agente actua directamente
para proteger esse ponto de vista (é o que o motiva). Assim, agente ainda revela uma personalidade
de pessoa habitualmente fiel ao Direito. Apesar da consciência de ilicitude errónea, tem consciência
da ilicitude recta (rectitude da consciência errónea).
Conhece o estado de coisas, mas não conhece os limites da causa de justificação.
Tem de haver algo axiologicamente relevante no comportamento – se neutro, 16º/1.

4. Concepção de culpa de MFP e FD + princípio da culpa de MFP.

EC: culpa pelo carácter/na formação da personalidade/pela condução da vida – não preparou a sua
personalidade para evitar lesar bens, culpa por se ter tornado quem é. Exclui-se culpa quando
circunstâncias exteriores roubam ao agente a possibilidade de se comportar de outra maneira, em
termos de pessoa média (e não em termos psicológicos pessoais). Homem médio como medida ou
personalidade correspondente aos valores protegidos em cada tipo legal de crime (MEZGER).
STRATENWERH: culpa como capacidade de motivação pela norma – duplo fundamento de desculpa:
forte pressão psíquica que leva a uma falta de liberdade ou poder + colisão de valores e interesses
em que agente dá preferência aos com que tem maior proximidade.

FD, na sua construção da culpa, parte do pressuposto de que o ser humano é livre, visto que essa
liberdade é algo inerente, caracterizador e constitutivo do próprio ser humano. Assim, se agente é
humano, é livre e, logo, responsável e capaz de culpa. Seguindo a lógica de ARISTÓTELES e EDUARDO
CORREIA, defende que a liberdade é elemento essencial constitutivo do ser humano. O agente deve
então responder pelas qualidades juridicamente desvaliosas da personalidade que são
reveladas/manifestadas no facto típico – culpa pela atitude, que se revela no comportamento. Culpa
pela personalidade que fica expressada no facto. Fundamento de exclusão de culpa por
inexigibilidade: sensível desconformidade entre a censurabilidade externo-objectiva do facto e a
essência de valor da personalidade plasmada no facto tal como resulta da atitude global. Pessoa bem
formada que geralmente tem boa atitude perante normas vive situação excepcional em que a
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maneira como se exprimiu no facto é diferente daquilo que ela é. Circunstâncias exógenas levaram-
na a agir de uma maneira que qualquer pessoa formada agiria. Há uma ruptura entre o que a pessoa
é e o que a pessoa foi no facto, pois este não é produto da sua atitude mas das circunstâncias.

MFP critica FD e EC afirmando que é necessário distinguir dois momentos de liberdade. De facto, em
abstracto e como pressuposto, todo o ser humano é livre – é o momento das possibilidades em
abstracto do agente enquanto ser em desenvolvimento que tem capacidade de ser livre. No entanto,
há um segundo momento: o momento das possibilidades em efectivas e concretas. O facto de ser
inerente ao ser humano ter a capacidade de desenvolver um comportamento livre não significa que
em concreto não tenha tido obstáculos inultrapassáveis a que essa capacidade se tenha concretizado.
Estas capacidades existem como potencialidade e formam o significado de ser pessoa. Mas, em
concreto, perante os factos experienciados, nem sempre essas capacidades são plenamente
desenvolvidas e o agente pode não ter experienciado no momento concreto a liberdade. Para afirmar
a culpa, é preciso verificar se agente experienciou na conduta essa liberdade suficientemente de
forma a que tenha tido capacidade de motivação adequada pelas normas, e que não houve uma falta
de oportunidade nem obstáculos exteriores/exógenos incontroláveis. Tripla confirmação de
liberdade:
 Liberdade do querer/da vontade experienciada na acção
 Liberdade de se ser quem se é, de identificação/reconhecimento e consciência de si mesmo
no acto/na decisão
 Liberdade de alternativas propostas pelo contexto – igualdade justa de ter oportunidade de
poder agir de acordo com o Direito

A culpa resulta da vivência concreta e é a censura da pessoa pelo facto a partir da capacidade de
motivação pela norma. Duplo fundamento da desculpa: sistema ético-afectivo para além dos valores
jurídicos abstractos que privilegia as ligações imediatas de proximidade + razões de justa
oportunidade no acesso a valores na situação concreta e no desenvolvimento da identidade pessoal.
Para haver culpa tem de ter havido uma avaliação da ilicitude e liberdade de determinação de acordo
com essa avaliação.

Há limites tendo em conta os bens jurídicos em causa (ex. em causa bens essenciais de outras
pessoas) – em vez de excluir culpa, deverá no máximo mitigar/atenuar.

Pontos a lembrar:

 FD: homem médio, valores gerais/personalidade que agente demonstra na acção – ainda são
protegidos pelo Direito?, censura da pessoa em geral, qualidades desvaliosas que revela no
comportamento, inexigibilidade: personalidade manifestada no facto não é a sua habitual
personalidade (decisão pontual motivada por circunstâncias exógenas), sensível
desconformidade entre a personalidade real e a revelada no facto típico, decisão ainda
traduz protecção de um bem relevante

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 MFP: censura da pessoa no facto concreto, capacidade concreta de motivação pela norma e
de avaliar ilicitude, liberdade experienciada no momento, 3 liberdades – não existiram ou,
existindo, pessoa manifesta concordância com sistema ético-afectivo (prefere proteger em
concreto um bem em vez de proteger um abstracto) ou não teve oportunidade (social) de
motivação pela norma (sistema de valores que conhecia; tendo oportunidade, se decidiu
contra por razões “legítimas”, poder-se-á atenuar a culpa – era exigível outro
comportamento, mas não muito censurável)

PUNIBILIDADE

Verificar condições objectivas de punibilidade e causas de extinção da pena.

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