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Bibliografia:
“Direito da Família”, Margarida Silva Pereira, 2ª edição
“Direito da Família Contemporâneo”, Jorge Duarte Pinheiro, 5ª edição
“Curso de Direito da Família” Vol. II, Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira
“Filiação”, Francisco Pereira Coelho
Jurisprudência/Legislação:
Lei nº21/98 de 12 de maio
Acórdão do Tribunal Constitucional de 10 de janeiro, Nº23/2006, processo nº885/05
Acórdão do Tribunal Constitucional de 22 de setembro, Nº401/2011, processo
nº497/10
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-2010, processo nº495/04
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-02-2014, processo nº
9388/10.4TBCSC.L1-2
Acórdão do Tribunal Constitucional nº413/98
1. Colocação do problema
Ora, com este tema o meu objetivo será de abordar a existência de um limite temporal para o
pretenso filho (o investigante) propor a ação de investigação da sua maternidade e, por
remissão do art. 1873º, da sua paternidade. Assim, irei abordar o art. 1817º e o seu regime
jurídico, e depois verificar se aquele viola (ou não) os artigos 26º nº1 (especialmente no que
toca ao direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade) e 36º (já que o
conhecimento da maternidade e da paternidade é relevante para “constituir família”), ambos
da Constituição; ou seja, se o artigo é ou não inconstitucional.
Em primeiro lugar, irei analisar o artigo 1817º do Código Civil e o seu regime jurídico.
Nº2: no caso de a maternidade já ser conhecida, mas não constar do registo, como não é
admitida a fixação da maternidade que não seja conforme ao registo (segundo o 1815º),
impõe-se um prazo de 3 anos após a retificação, nulidade ou cancelamento do tal registo.
Assim, ao haver suspeitas fundadas que o registo se encontra incorreto, deve-se corrigi-lo.
Após esta análise do regime jurídico do art.1817º, deparamo-nos agora com o facto de
a previsão de um prazo para a propositura de ação de reconhecimento judicial da
maternidade suscitar duvidas de constitucionalidade. A professora regente pergunta,
aliás, em relação ao direito da identidade pessoal do indivíduo e de conhecer as suas
raízes familiares (passo a citar): “Sendo a constitucionalidade material de tal direito
indiscutível, como poderá o legislador impedir que a pessoa se conheça enquanto
pessoa, fixando um limite temporal para o exercício da ação de reconhecimento da
maternidade (ou paternidade)? Que razões de justiça e de segurança jurídica poderão
prevalecer sobre o direito à identidade pessoal? A segurança deve pesar mais do que a
consciência pela pessoa da sua identidade genética?”
4. Evolução da perceção da constitucionalidade do sobredito artigo
Ora, em relação ao artigo 1817º, nem sempre o prazo-regra de 10 anos após a maioridade ou
emancipação do investigante vigorou. Ouve, portanto, uma evolução relativamente ao regime
e à constitucionalidade do artigo em questão.
Ora, na redação desta Lei nº21/98, a norma do art.1817º, nº1, previa, para a caducidade do
direito de investigar a paternidade/maternidade, um prazo de dois anos, a partir da
maioridade do investigante (em vez dos atuais 10 anos).
Importa aqui referir o Acórdão do Tribunal Constitucional nº413/98, que conclui que o
estabelecimento de prazos não restringe o conteúdo do exercício do direito fundamental ao
conhecimento e ao reconhecimento, mas é apenas uma condição de exercício, ou que,
independentemente de constituir uma restrição ou apenas condicionamento ao exercício, não
se traduz num limite contrário ao principio constitucional da proporcionalidade. Isto porque
haveria outros direitos ou interesses para alem do direito ao reconhecimento da paternidade
(ou maternidade), que mereciam tutela: o interesse do pretenso progenitor em não ver
indefinida ou demasiado protelada uma situação de incerteza quanto à sua própria
paternidade; para além do interesse por parte dos herdeiros do investigado; e do interesse da
paz e harmonia da vida familiar do pretenso pai.
Ora, o acórdão 23/2006 demarcou-se deste pensamento, e teve o cuidado de não negar a
constitucionalidade de qualquer limite temporal ao reconhecimento judicial da paternidade.
Mas, renunciando à ideia de inconstitucionalidade de qualquer prazo, paradoxalmente, o
Tribunal Constitucional defendeu a inconstitucionalidade do nº1 do 1817º (na redação da Lei
nº21/98), usando os argumentos de quem defende a inconstitucionalidade de qualquer limite
temporal (na opinião do professor Jorge Duarte Pinheiro). As justificações foram: o risco de
incerteza das provas; o valor da segurança jurídica do alegado pai e dos seus herdeiros; e o
perigo de se estimular uma “caça às heranças”. Ainda para mais, as justificações avançadas
usadas para a redação da lei 21/98 foram rebatidas pelo Tribunal constitucional em 2006,
usando a argumentação de Guilherme de Oliveira contra a constitucionalidade de todos os
prazos estabelecidos. Logo, as justificações por detrás deste Acórdão aproximavam-se
bastante das da inconstitucionalidade dos prazos em geral.
5. Posições doutrinárias
1º: Os métodos científicos de hoje apresentam uma fiabilidade elevada, não dependendo da
passagem do tempo; 2º: O direito à identidade pessoal do filho deve prevalecer sobre o direito
à reserva da intimidade da vida privada e familiar do pai, sendo vedado ao pai “esquivar-se à
sua responsabilidade inalienável. Acrescentam também que “não podemos exagerar o direito
à reserva da intimidade da família do suposto progenitor, sob pena de se estabelecerem outras
limitações do direito de agir contra supostos progenitores casados que foram conhecidas do
nosso sistema jurídico e, obviamente, foram consideradas discriminatórias contra os filhos
adulterinos.
Importa, por fim, referir que Guilherme de Oliveira, defensor da imprescritibilidade do direito
de investigação, sugere que se aplique a figura geral do abuso do direito (art.334º) para que,
em casos extremos, o autor da ação “possa ser tratado como se não tivesse o direito que
invoca” – nomeadamente, quando não pretende mais do que faturar no seu ativo patrimonial”
(ou seja quando apenas se interessa nos direitos sucessórios).
Jorge Duarte Pinheiro afasta esta aplicação do abuso direito, com base nos argumentos: que
abre uma brecha na imprescritibilidade da ação de investigação, cujo alcance será inicialmente
difícil de apurar; remete para a figura do abuso de direito, quando talvez fosse plausível lançar
mão de possíveis concretizações, assim diminuindo a sua incerteza; reage ao exercício do
abuso do direito paralisando-o por completo, em vez de permitir a produção de alguns dos
seus efeitos; ao paralisar o direito de investigação, não contempla a posição de terceiros que
possam estar legitimamente interessados no estabelecimento da filiação (ex: os filhos do
pretenso filho).
Em primeiro lugar, Jorge Duarte Pinheiro começa por se pronunciar no mesmo sentido que a
posição anterior, ao afirmar que “a ação de investigação da paternidade ou maternidade
constitui o meio que assiste ao pretenso filho para obter o reconhecimento judicial da sua
ascendência biológica” e “que os prazos de caducidade configuram uma restrição
desproporcionada do direito à identidade pessoal, mais precisamente do direito à identidade
pessoal relativa ou à historicidade pessoal, consagrado no art.26º,nº1 da CRP”. Considera,
também, que o art.1817º afeta o direito à família do filho. Finalmente, a sentença positiva da
investigação da paternidade ou maternidade torna exigível a responsabilidade parental na sua
vertente patrimonial, independentemente da vontade do progenitor. O vinculo de filiação
impõe ao pai o dever de prover ao sustento do filho enquanto este for menor, e obriga-o a
prestar alimentos ao filho.
Ora, Jorge Duarte Pinheiro admite que é possível a oposição a esta sua posição através do
argumento que “a caducidade da investigação impede a reclamação de direitos relativos à
herança do pretenso pai, dissuadindo a propositura de ações que visam unicamente a
exigência tardia de bens materiais”.
Fá-lo, no sentido em que propões que os prazos do artigo 1817º deve apenas ser aplicados se
o investigante pretender obter de uma eventual sentença de acolhimento do pedido de
estabelecimento da filiação contra o pretenso pai benefício sucessórios. Ou seja, o prazo só se
aplica aos efeitos sucessórios, das heranças: quanto aos efeitos pessoais da filiação, não há
limitação temporal.
Assim, encontramos nesta posição de Jorge Duarte Pinheiro, uma posição que tenta proteger o
direito à identidade pessoal e historicidade genética e familiar do pretenso filho, mas também
da segurança patrimonial, mais concretamente, sucessória do pretenso progenitor.
Relativamente à posição da Professora Margarida Silva Pereira, penso que será melhor dividi-la
em 3 tempos.
1º, começa por afirmar que o prazo previsto no art.1817º é materialmente inconstitucional,
por violação dos artigos 26º nº1 e 36º da CRP. Isto deve-se, primeiramente, porque o direito à
historia pessoal é um direito fundamental;
Importa também a referência da professora: à discriminação criada pelo prazo entre filhos
nascidos dentro e fora do matrimonio, perfilhados e não perfilhados (já que a perfilhação pode
ser feita a todo o tempo); ao desenvolvimento cientifico dos exames, que podem ser
realizados a todo o tempo e são fiáveis; e também ao interesse que o Estado tem de promover
o estabelecimento da paternidade correspondente à verdade biológica, por razões de
segurança jurídica e ordem publica (ex: perigo de frustração dos impedimentos matrimoniais
que vedam o incesto).
2º TEMPO: a Professora regente rejeita aqui a aplicação do abuso de direito, já que este
implica que haja um exercício de uma situação jurídica eticamente censurável. Ora, no caso do
direito à identidade pessoal, trata-se de um direito pessoal, irrenunciável, pelo que o seu
exercício nunca se deverá, na sua opinião, considerar abusivo. Mesmo que fosse claro que o
objetivo do pretenso filho fosse aceder à herança do progenitor, continua a se integrar no
exercício de um direito próprio, pessoal. Invoca também o nº1 do at.80º do CC, já que a
limitação ao exercício dos direitos de personalidade (neste caso, do conhecimento das origens
genéticas), é nula, se for contraria aos princípios da ordem publica.
A Professora rejeita por completo a possibilidade de um filho poder ser considerado como
filho para uns efeitos e não para outros. Por outro lado, a professora também rejeita a
exclusão dos efeitos sucessórios pela sua natureza patrimonial, já que, nesta linha de
pensamento, também se deve excluir a obrigação de alimentos, o que fará parte da
responsabilidade inalienável dos pais.
Para além do mais, embora seja moralmente criticável a proposição de uma ação de
investigação da paternidade no final da vida do pai, não deverá competir a um interprete
elaborar juízos de caracter nem adivinhar intenções da parte do filho. O filho, sem qualquer
duvida um descendente, não pode ser excluído da sucessão legal dos seus progenitores, no
entendimento da Professora Margarida Silva Pereira.
Ainda, para além do argumento do “envelhecimento da prova” ser afastado pela evolução da
ciência, também o argumento dos “caça-heranças” é neutralizado pelo instituto substantivo do
abuso do direito e pelas sanções adjetivas da lide dolosa ou temerária, no entendimento do
Supremo Tribunal de Justiça.
Para terminar, a Professora defende que se deverá sempre erguer o direito fundamental,
decorrente da dignidade humana, ao conhecimento da origem genética e familiar, e à
identidade pessoal.
6. Posição Adotada
Também, não caberá a um intérprete fazer juízos de caráter nem qualificar as intenções do
filho que procura o estabelecimento da filiação no final da vida do progenitor, já que aqui se
trata de um direito próprio do filho, independentemente das suas razões e objetivos.
Por fim, acrescento o argumento de que, estando o filho, cuja maternidade ou paternidade
não se encontra estabelecida, já numa posição de desigualdade e de indefinição da sua vida
familiar, relativamente aos filhos cuja maternidade ou paternidade se encontra estabelecida
(até porque a nível pessoal e individual, não conhecer o pai ou mãe terá frequentemente
consequências negativas no crescimento da pessoa); será discriminatório estar o tal filho em
pé de desigualdade e inferioridade a nível também patrimonial, havendo por isso, uma
violação ao princípio da igualdade (art. 13º da CRP).