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TEMA: da constitucionalidade da previsão de um prazo para a propositura da ação de

investigação de maternidade e de paternidade


Índice:
1. Colocação do Problema
2. Prazo para a propositura de ação de investigação da maternidade e da
paternidade – análise do artigo 1817º CC
3. Questão controversa: será inconstitucional haver um prazo para a propositura
da ação de investigação da maternidade e da paternidade?
4. Evolução da perceção da constitucionalidade do sobredito artigo
4.1. Lei nº21/98 e o Acórdão do Tribunal Constitucional nº23/2006
4.2. Acórdão do Tribunal Constitucional nº401/2011
5. Posições doutrinárias
5.1. Professores Guilherme de Oliveira e Francisco Pereira Coelho
5.2. Professor Jorge Duarte Pinheiro
5.3. Professora Regente Margarida Silva Pereira
6. Posição adotada

Bibliografia:
“Direito da Família”, Margarida Silva Pereira, 2ª edição
“Direito da Família Contemporâneo”, Jorge Duarte Pinheiro, 5ª edição
“Curso de Direito da Família” Vol. II, Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira
“Filiação”, Francisco Pereira Coelho

Jurisprudência/Legislação:
Lei nº21/98 de 12 de maio
Acórdão do Tribunal Constitucional de 10 de janeiro, Nº23/2006, processo nº885/05
Acórdão do Tribunal Constitucional de 22 de setembro, Nº401/2011, processo
nº497/10
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-2010, processo nº495/04
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-02-2014, processo nº
9388/10.4TBCSC.L1-2
Acórdão do Tribunal Constitucional nº413/98

1. Colocação do problema
Ora, com este tema o meu objetivo será de abordar a existência de um limite temporal para o
pretenso filho (o investigante) propor a ação de investigação da sua maternidade e, por
remissão do art. 1873º, da sua paternidade. Assim, irei abordar o art. 1817º e o seu regime
jurídico, e depois verificar se aquele viola (ou não) os artigos 26º nº1 (especialmente no que
toca ao direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade) e 36º (já que o
conhecimento da maternidade e da paternidade é relevante para “constituir família”), ambos
da Constituição; ou seja, se o artigo é ou não inconstitucional.

2. Prazo para a propositura de ação de investigação da maternidade e da paternidade –


análise do artigo 1817º CC

Em primeiro lugar, irei analisar o artigo 1817º do Código Civil e o seu regime jurídico.

Nº1: “A ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do


investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.” Aqui,
estabelece-se o prazo para a proposição da ação, sendo este, no máximo, de 28 anos.

Existem, contudo, prazos excecionais para a tempestividade da ação de reconhecimento da


maternidade, previstos nos nºs 2 e 3.

Nº2: no caso de a maternidade já ser conhecida, mas não constar do registo, como não é
admitida a fixação da maternidade que não seja conforme ao registo (segundo o 1815º),
impõe-se um prazo de 3 anos após a retificação, nulidade ou cancelamento do tal registo.
Assim, ao haver suspeitas fundadas que o registo se encontra incorreto, deve-se corrigi-lo.

Nº3: imposição semelhante, de 3 anos posteriores à ocorrência destes factos:

a) “Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante”. O


prazo adicional só se aplica se a ação de impugnação tiver sido proposta por terceiro
(isto é, por quem tiver interesse moral ou patrimonial, como se refere no 1807º. NOTA:
esta restrição justifica-se, pois, o terceiro não tem legitimidade para propor ação de reconhecimento da maternidade,
apenas para impugnar a maternidade estabelecida.
b) “Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no
nº1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente
quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe”. A realidade de facto (de
ordem objetiva – na medida em que haja comportamentos que, de acordo com a
normalidade da vida societária, tornem improvável ou duvidoso que a mãe seja a
pessoa indicada no registo ou reputada socialmente <ex. ausência do país da mãe
quando a criança nasceu> - ou subjetiva – os factos que justificam a duvida podem vir
de condutas da própria mãe <ex da alínea>). Aqui, tutela-se o direito fundamental do
filho em conhecer as suas raízes genéticas, determinando a sua identidade pessoal e o
seu direito a constituir família (artºs. 26ºnº1 e 36º CRP).
De acordo com o nº4 do artigo, na invocação destes factos/circunstâncias como
justificação da investigação, a lei faz recair o ónus da prova da cessação voluntaria do
tratamento como filho nos 3 anos anteriores à propositura da ação ao réu, ou seja, à
pretensa mãe. Isto vai de acordo com o nº1 do 342º CC. Aqui, já que foi a conduta da
própria mãe que justificou a investigação, será esta que tem interesse a
admissibilidade da ação judicial e na clarificação do seu próprio estado família, logo,
cabe-lhe a ela o ónus de prova. Também se aplica, claro, aos restantes réus, ao marido
e perfilhante, no caso do nº1 do 1822º.
c) “Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha
tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e
justifiquem a investigação”. Para se evitar situações de maternidade omissa, permite-
se que se recorra à via judicial para determinar a maternidade do filho. Compete aqui
ao investigante invocar tais factos e proceder à respetiva prova (logo, ónus da prova
pertence ao investigante); cabe ao tribunal decidir se justificam a aplicação do prazo
suplementar de 3 anos, e, se for admitido, proferir decisão sobre a filiação do
investigante.

3. Questão controversa: será inconstitucional haver um prazo para a propositura da ação de


investigação da maternidade e da paternidade?

Após esta análise do regime jurídico do art.1817º, deparamo-nos agora com o facto de
a previsão de um prazo para a propositura de ação de reconhecimento judicial da
maternidade suscitar duvidas de constitucionalidade. A professora regente pergunta,
aliás, em relação ao direito da identidade pessoal do indivíduo e de conhecer as suas
raízes familiares (passo a citar): “Sendo a constitucionalidade material de tal direito
indiscutível, como poderá o legislador impedir que a pessoa se conheça enquanto
pessoa, fixando um limite temporal para o exercício da ação de reconhecimento da
maternidade (ou paternidade)? Que razões de justiça e de segurança jurídica poderão
prevalecer sobre o direito à identidade pessoal? A segurança deve pesar mais do que a
consciência pela pessoa da sua identidade genética?”
4. Evolução da perceção da constitucionalidade do sobredito artigo

Ora, em relação ao artigo 1817º, nem sempre o prazo-regra de 10 anos após a maioridade ou
emancipação do investigante vigorou. Ouve, portanto, uma evolução relativamente ao regime
e à constitucionalidade do artigo em questão.

4.1. Lei nº21/98 e o Acórdão do Tribunal Constitucional nº23/2006

Ora, na redação desta Lei nº21/98, a norma do art.1817º, nº1, previa, para a caducidade do
direito de investigar a paternidade/maternidade, um prazo de dois anos, a partir da
maioridade do investigante (em vez dos atuais 10 anos).

O Tribunal Constitucional, através do seu acórdão nº23/2006, declarou a inconstitucionalidade


desta mesma norma, pois restringia, em termos excessivos, o direito à identidade pessoal do
investigante, já que “o prazo de dois anos em causa se esgota normalmente num momento em
que, por natureza, o investigante não é, ainda, naturalmente, uma pessoa experiente e
inteiramente madura” e também importa que “tal prazo pode começar a correr, e terminar,
sem que existam quaisquer possibilidades concretas de – ou apenas justificação para –
interposição da ação de investigação”.

Contudo, embora o Tribunal Constitucional tivesse esclarecido que o juízo de


inconstitucionalidade se reporta apenas ao prazo de dois anos, e não a um limite temporal
qualquer, teve um importante impacto no estabelecimento da filiação, ao invalidar a norma
que se referia ao prazo-regra para o reconhecimento judicial quer da maternidade quer da
paternidade.

Importa aqui referir o Acórdão do Tribunal Constitucional nº413/98, que conclui que o
estabelecimento de prazos não restringe o conteúdo do exercício do direito fundamental ao
conhecimento e ao reconhecimento, mas é apenas uma condição de exercício, ou que,
independentemente de constituir uma restrição ou apenas condicionamento ao exercício, não
se traduz num limite contrário ao principio constitucional da proporcionalidade. Isto porque
haveria outros direitos ou interesses para alem do direito ao reconhecimento da paternidade
(ou maternidade), que mereciam tutela: o interesse do pretenso progenitor em não ver
indefinida ou demasiado protelada uma situação de incerteza quanto à sua própria
paternidade; para além do interesse por parte dos herdeiros do investigado; e do interesse da
paz e harmonia da vida familiar do pretenso pai.

Ora, o acórdão 23/2006 demarcou-se deste pensamento, e teve o cuidado de não negar a
constitucionalidade de qualquer limite temporal ao reconhecimento judicial da paternidade.
Mas, renunciando à ideia de inconstitucionalidade de qualquer prazo, paradoxalmente, o
Tribunal Constitucional defendeu a inconstitucionalidade do nº1 do 1817º (na redação da Lei
nº21/98), usando os argumentos de quem defende a inconstitucionalidade de qualquer limite
temporal (na opinião do professor Jorge Duarte Pinheiro). As justificações foram: o risco de
incerteza das provas; o valor da segurança jurídica do alegado pai e dos seus herdeiros; e o
perigo de se estimular uma “caça às heranças”. Ainda para mais, as justificações avançadas
usadas para a redação da lei 21/98 foram rebatidas pelo Tribunal constitucional em 2006,
usando a argumentação de Guilherme de Oliveira contra a constitucionalidade de todos os
prazos estabelecidos. Logo, as justificações por detrás deste Acórdão aproximavam-se
bastante das da inconstitucionalidade dos prazos em geral.

4.2. Acórdão do Tribunal Constitucional nº401/2011

Em decisão posterior ao Acórdão nº23/2006, o Tribunal Constitucional entende legitimo o


estabelecimento de prazos para a propositura da ação de investigação da paternidade, de
modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude
desinteressada do investigante, fazendo recair sobre o titular do direito um ónus de diligência
quanto à iniciativa processual para definir a filiação. Assim, segundo o Acórdão “o prazo
revela-se suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a
instauração pelo filho duma ação de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste
em que ele poderá ainda não ter a maturidade, experiencia de vida e autonomia suficientes
para sobre este assunto tomar uma decisão”. Assim, na opinião do Aresto, o prazo previsto no
art.1817º revela-se conforme à Constituição. Pretende-se evitar a “caça às heranças” (a
obtenção de benefícios patrimoniais). Pode-se considerar que o legislador efetuou, nesta
situação, uma ponderação constitucionalmente conforme de 2 direitos em conflito:1º o direito
à identidade pessoal do filho e 2º o interesse do pretenso progenitor em não postergar uma
situação.
NOTA: a opinião maioritária na doutrina é de que a jurisprudência do Tribunal Constitucional peca por
timidez nas conclusões (ex. JDP)

5. Posições doutrinárias

5.1. Professores Guilherme de Oliveira e Francisco Pereira Coelho


Guilherme de Oliveira: defende a imprescritibilidade do direito de propor a ação de
investigação da maternidade/paternidade. Fá-lo com base no facto de o interesse na
manutenção da certeza jurídico-familiar do pai (neste caso) não dever pesar mais do que o
direito do filho em conhecer as suas raízes biológicas. Aliás, o pai tem sempre o dever de
«assumir as responsabilidades» em relação ao filho.

Relativamente ao argumento das sucessões (a caça às heranças), o Professor refuta-o, já que


não poucas vezes autores e réus dispõem de meios de fortunas semelhantes. O objetivo da
propositura desta ação seria, na verdade, forçar o progenitor a assumir as suas
responsabilidades, descobrir o lugar no sistema de parentesco como meio de combater a
solidão; e num momento em que o filho não tem pretensões patrimoniais (de natureza
sucessória).

Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira acrescentam dois argumentos adicionais:

1º: Os métodos científicos de hoje apresentam uma fiabilidade elevada, não dependendo da
passagem do tempo; 2º: O direito à identidade pessoal do filho deve prevalecer sobre o direito
à reserva da intimidade da vida privada e familiar do pai, sendo vedado ao pai “esquivar-se à
sua responsabilidade inalienável. Acrescentam também que “não podemos exagerar o direito
à reserva da intimidade da família do suposto progenitor, sob pena de se estabelecerem outras
limitações do direito de agir contra supostos progenitores casados que foram conhecidas do
nosso sistema jurídico e, obviamente, foram consideradas discriminatórias contra os filhos
adulterinos.

Importa, por fim, referir que Guilherme de Oliveira, defensor da imprescritibilidade do direito
de investigação, sugere que se aplique a figura geral do abuso do direito (art.334º) para que,
em casos extremos, o autor da ação “possa ser tratado como se não tivesse o direito que
invoca” – nomeadamente, quando não pretende mais do que faturar no seu ativo patrimonial”
(ou seja quando apenas se interessa nos direitos sucessórios).

Jorge Duarte Pinheiro afasta esta aplicação do abuso direito, com base nos argumentos: que
abre uma brecha na imprescritibilidade da ação de investigação, cujo alcance será inicialmente
difícil de apurar; remete para a figura do abuso de direito, quando talvez fosse plausível lançar
mão de possíveis concretizações, assim diminuindo a sua incerteza; reage ao exercício do
abuso do direito paralisando-o por completo, em vez de permitir a produção de alguns dos
seus efeitos; ao paralisar o direito de investigação, não contempla a posição de terceiros que
possam estar legitimamente interessados no estabelecimento da filiação (ex: os filhos do
pretenso filho).

5.2. Professor Jorge Duarte Pinheiro

Em primeiro lugar, Jorge Duarte Pinheiro começa por se pronunciar no mesmo sentido que a
posição anterior, ao afirmar que “a ação de investigação da paternidade ou maternidade
constitui o meio que assiste ao pretenso filho para obter o reconhecimento judicial da sua
ascendência biológica” e “que os prazos de caducidade configuram uma restrição
desproporcionada do direito à identidade pessoal, mais precisamente do direito à identidade
pessoal relativa ou à historicidade pessoal, consagrado no art.26º,nº1 da CRP”. Considera,
também, que o art.1817º afeta o direito à família do filho. Finalmente, a sentença positiva da
investigação da paternidade ou maternidade torna exigível a responsabilidade parental na sua
vertente patrimonial, independentemente da vontade do progenitor. O vinculo de filiação
impõe ao pai o dever de prover ao sustento do filho enquanto este for menor, e obriga-o a
prestar alimentos ao filho.

Ora, Jorge Duarte Pinheiro admite que é possível a oposição a esta sua posição através do
argumento que “a caducidade da investigação impede a reclamação de direitos relativos à
herança do pretenso pai, dissuadindo a propositura de ações que visam unicamente a
exigência tardia de bens materiais”.

Assim, após afastar a aplicação do abuso de direito (Guilherme de Oliveira), com os


argumentos que já referi, Jorge Duarte Pinheiro propõe “um caminho que será de uma
interpretação que permita extrair do art.1817º um sentido compatível com os arts. 26º nº1 e
36º nº1 da CRP, com o princípio do aproveitamento das disposições legais e com o principio da
rejeição do exercício inadmissível de situações jurídicas (subjacente ao 334º).”

Fá-lo, no sentido em que propões que os prazos do artigo 1817º deve apenas ser aplicados se
o investigante pretender obter de uma eventual sentença de acolhimento do pedido de
estabelecimento da filiação contra o pretenso pai benefício sucessórios. Ou seja, o prazo só se
aplica aos efeitos sucessórios, das heranças: quanto aos efeitos pessoais da filiação, não há
limitação temporal.

Esta interpretação não seria incompatível, na opinião do professor, com o principio da


indivisibilidade ou unidade do estado familiar, pois este principio não deve ser
sobrevalorizado, podendo por isso alguém ser considerado filho de uma pessoa para uns
efeitos e não para outros (sucessórios).

Assim, encontramos nesta posição de Jorge Duarte Pinheiro, uma posição que tenta proteger o
direito à identidade pessoal e historicidade genética e familiar do pretenso filho, mas também
da segurança patrimonial, mais concretamente, sucessória do pretenso progenitor.

5.3. Professora Regente Margarida Silva Pereira

Relativamente à posição da Professora Margarida Silva Pereira, penso que será melhor dividi-la
em 3 tempos.

1º, começa por afirmar que o prazo previsto no art.1817º é materialmente inconstitucional,
por violação dos artigos 26º nº1 e 36º da CRP. Isto deve-se, primeiramente, porque o direito à
historia pessoal é um direito fundamental;

E segundo, porque o interesse público invocado para justificar a restrição ao direito


fundamental do filho em conhecer as suas raízes biológicas não é legitimo. Isto deve-se, pois, a
tentativa de evitar as “caças às heranças não é um interesse tutelado pela Constituição
(embora relevante para o art.18º), e porque os interesses patrimoniais se encontram
subordinados aos direitos pessoas dos cidadãos: o direito à identidade pessoal, prevalece
sobre o interesse do Estado de evitar a busca aos interesses sucessórios pelos cidadãos.

Importa também a referência da professora: à discriminação criada pelo prazo entre filhos
nascidos dentro e fora do matrimonio, perfilhados e não perfilhados (já que a perfilhação pode
ser feita a todo o tempo); ao desenvolvimento cientifico dos exames, que podem ser
realizados a todo o tempo e são fiáveis; e também ao interesse que o Estado tem de promover
o estabelecimento da paternidade correspondente à verdade biológica, por razões de
segurança jurídica e ordem publica (ex: perigo de frustração dos impedimentos matrimoniais
que vedam o incesto).

2º TEMPO: a Professora regente rejeita aqui a aplicação do abuso de direito, já que este
implica que haja um exercício de uma situação jurídica eticamente censurável. Ora, no caso do
direito à identidade pessoal, trata-se de um direito pessoal, irrenunciável, pelo que o seu
exercício nunca se deverá, na sua opinião, considerar abusivo. Mesmo que fosse claro que o
objetivo do pretenso filho fosse aceder à herança do progenitor, continua a se integrar no
exercício de um direito próprio, pessoal. Invoca também o nº1 do at.80º do CC, já que a
limitação ao exercício dos direitos de personalidade (neste caso, do conhecimento das origens
genéticas), é nula, se for contraria aos princípios da ordem publica.

3º, e finalmente, a Professora Margarida Silva Pereira considera insustentável a tese, do


professor Jorge Duarte Pinheiro, que defende que a ação de reconhecimento judicial de
filiação é admissível a todo o tempo, mas limitada aos efeitos pessoais, excluindo-se os efeitos
sucessórios.

A Professora rejeita por completo a possibilidade de um filho poder ser considerado como
filho para uns efeitos e não para outros. Por outro lado, a professora também rejeita a
exclusão dos efeitos sucessórios pela sua natureza patrimonial, já que, nesta linha de
pensamento, também se deve excluir a obrigação de alimentos, o que fará parte da
responsabilidade inalienável dos pais.

Para além do mais, embora seja moralmente criticável a proposição de uma ação de
investigação da paternidade no final da vida do pai, não deverá competir a um interprete
elaborar juízos de caracter nem adivinhar intenções da parte do filho. O filho, sem qualquer
duvida um descendente, não pode ser excluído da sucessão legal dos seus progenitores, no
entendimento da Professora Margarida Silva Pereira.

Ainda, para além do argumento do “envelhecimento da prova” ser afastado pela evolução da
ciência, também o argumento dos “caça-heranças” é neutralizado pelo instituto substantivo do
abuso do direito e pelas sanções adjetivas da lide dolosa ou temerária, no entendimento do
Supremo Tribunal de Justiça.

Para terminar, a Professora defende que se deverá sempre erguer o direito fundamental,
decorrente da dignidade humana, ao conhecimento da origem genética e familiar, e à
identidade pessoal.

6. Posição Adotada

Em primeiro lugar, acerca da inconstitucionalidade da previsão de um prazo para a propositura


da ação de investigação, defendo que esta norma viola claramente os artigos 26º nº1 e 36º da
CRP. Apoio, em especial, os argumentos de, havendo dois direitos em conflito, se deverá
sobrepor o direito e norma constitucional e fundamental, relativamente ao interesse de evitar
a “caça às heranças”. Concordo também, com o objetivo de forçar o progenitor a assumir as
suas responsabilidades parentais (tanto pessoais como patrimoniais), não se devendo nunca
proteger o interesse do investigado para se “esquivar” destas. Importa aqui referir que os
tribunais superiores têm decidido no sentido da desconformidade do artigo 1817º com a
Constituição, como por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2014,
sob o argumento de o prazo de 10 anos restringir “de forma injustificada um direito individual,
qual seja o direito o direito à história pessoal”. Chama ainda atenção ao facto de este prazo,
relativo a um direito pessoal, ser inferior ao prazo geral de prescrição, que corresponde a 20
anos (309ºCC).

Discordo, ainda, da aplicação do instituto do abuso de direito (334ª), devido especialmente ao


facto do direito à identidade pessoal e ao conhecimento das origens ser um direito pessoal,
irrenunciável, cujo exercício não poderá nunca ser abusivo, e por se tratar,
independentemente das intenções do investigante, de um direito próprio, não havendo base
para a aplicação da figura do abuso de direito.

Finalmente, relativamente à discórdia entre o Professor Jorge Duarte Pinheiro e a Professora


Margarida Silva Pereira, embora seja de louvar a posição intermédia do Professor, ao conciliar
o direito à historia e identidade pessoal com o direito do progenitor à definição das suas
relações familiares e de evitar a “caça às heranças”, os argumentos dados pela Professora
Regente demonstram que, na prática, esta interpretação da exclusão dos efeitos sucessórios
não fará sentido. Entre estes, destaco a posição de que um filho não deverá ser considerado
como tal para uns efeitos (pessoais), mas não para outros (patrimoniais), não fazendo sentido
exclui-lo da sucessão legal dos seus progenitores.

Também, não caberá a um intérprete fazer juízos de caráter nem qualificar as intenções do
filho que procura o estabelecimento da filiação no final da vida do progenitor, já que aqui se
trata de um direito próprio do filho, independentemente das suas razões e objetivos.

Por fim, acrescento o argumento de que, estando o filho, cuja maternidade ou paternidade
não se encontra estabelecida, já numa posição de desigualdade e de indefinição da sua vida
familiar, relativamente aos filhos cuja maternidade ou paternidade se encontra estabelecida
(até porque a nível pessoal e individual, não conhecer o pai ou mãe terá frequentemente
consequências negativas no crescimento da pessoa); será discriminatório estar o tal filho em
pé de desigualdade e inferioridade a nível também patrimonial, havendo por isso, uma
violação ao princípio da igualdade (art. 13º da CRP).

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