Você está na página 1de 9

Teresa Ramos Ascensão

IMPUTAÇÃO OBJECTIVA (juízo positivo de ilicitude)

1. Ver se o resultado é imputável/atribuível à conduta do agente. Tem de haver uma relação de


causalidade entre o resultado e a conduta – aquele advém desta. Atribuição do facto à esfera
de controlo/poder do agente. Apenas relevante para crimes de resultado (há evento espácio-
temporalmente destacável do comportamento) – nos crimes de mera actividade, a consumação
do crime (preenchimento do tipo) dá-se com o comportamento – ver só se se violaram os
deveres emanados da norma (facto corresponde ao facto típico) e se, no caso de ser crime de
perigo concreto, se consubstancia num perigo para o bem.

2. Há 3 teorias de imputação:

 Teoria das condições equivalentes/da conditio sine qua non – resultado (facto descrito
na norma) imputa-se à conduta se, sem esse comportamento, o resultado não se teria
verificado. Necessário fazer juízo de supressão mental do comportamento. Para a
omissão: pura – conduta é o tipo – se praticou a conduta prevista no tipo, não se coloca
a questão da imputação objectiva; impura – se o agente tivesse agido, resultado não se
teria produzido – imputa-se – conceito de acção potencial.

Causas hipotéticas, causas paralelas – não imputa. Características especiais da vítima


(ex. só morre porque era alérgica), interrupção do nexo, causas imprevisíveis ou não
habituais, intervenção dolosa de outrem (ex. agente fere mas vítima morre porque
alguém impede salvamento) – imputa. Crítica: admite condições muito remotas.

 Teoria da causalidade adequada (KRIES) – resultado imputa-se à conduta se era


previsível que o mesmo ocorresse como consequência daquele comportamento. Tem-
se em conta apenas as causas relevantes, não todas. Necessário fazer juízo de prognose
póstuma; ex ante – juiz coloca-se na situação do agente, no momento da acção, e indaga
da previsibilidade de produção do resultado, a partir daquela acção. Num juízo de
prognose póstuma, não era previsível que, num plano ex ante, de acordo com juízos de
experiência comum e de normalidade, o resultado se verificasse. Princípio da culpa – só
se pode ser responsável pelo que se podia prever, porque só em relação ao que se pode
prever é que se pode orientar a conduta. Pessoa média.
Para FIGUEIREDO DIAS, trata-se do juízo do concreto agente, com os conhecimentos
especiais correctos/reais/verdadeiros que tenha – juízo de previsibilidade subjectiva.
Conhecimentos especiais interferem objectivamente na realidade e são elemento
fundamental na motivação. Não é tornar subjectivo, mas individualizador – juízo de
prognose póstuma deve tê-los em conta, porque tal circunstância foi efectivamente
considerada pelo agente, o dado integrou objectivamente a realidade. MFP discorda –
conhecimentos especiais do agente só entram para imputação subjectiva, aqui
previsibilidade é objectiva. Representação errada do agente não releva aqui.

Resolve casos de interrupção do nexo causal e características especiais da vítima , mas


não resolve os de causas hipotéticas nem os de causas paralelas. Críticas: não estabelece
um concreto critério de previsibilidade e não resolve casos de diminuição do risco.
Interrupção/intervenção de 3º - exclui imputação, salvo se for previsível e provável.
10º/1 aponta neste sentido.

1
Teresa Ramos Ascensão

 Teoria do risco (ROXIN) – imputa-se/comportamento é objectivamente típico quando se


preencham 3 requisitos: criação ou aumento de um risco para o bem jurídico (juízo ex
ante de aparência de perigo) + risco é proibido (práticas ilícitas ou violação de deveres
de cuidado) + conexão de risco entre conduta e resultado – risco proibido específico
concretiza-se/materializa-se no resultado típico (juízo ex post). Para saber se há criação
de risco proibido (nos casos em que não há regra expressa que proíba o
comportamento) é necessário usar o critério da previsibilidade – se era previsível que
actuação resultasse em lesão de bem jurídico – isto já é uma correcção à teoria.
Faltando a conexão – análise como tentativa (há desvalor objectivo da acção mas não
há desvalor do resultado).

3. Casos típicos de estudo:

3.1. Interrupção do nexo causal/intervenção de 3.º no processo causal

Nestes casos, o agente cria um risco proibido. No entanto, o risco concretizado não é o risco
concreto que o agente criou. O risco que o agente criou acabou por não se concretizar num
resultado, pois houve uma quebra do nexo causal. Exemplo: A atropela B mortalmente, mas B
morre por incêncido no hospital. A criou o risco de morte por atropelamento, mas o que se
materializou no resultado foi o risco de morte por incêndio. Respostas das diferentes teorias:

 Conditio sine qua non – há imputação objectiva, pois, sem o atropelamento, B nunca
teria ido para o hospital e não seria vítima do incêncido. Juízo de supressão mental: sem
o comportamento de A, o resultado ter-se-ia verificado? Não, pelo que há imputação
objectiva.
 Causalidade adequada – não se pode incluir na previsibilidade todas as circunstâncias
que podem advir do comportamento. No entanto, pode haver uma extensão de
imputabilidade a riscos tipicamente associados ao risco criado pelo agente. Assim, no
exemplo dado, à partida não haveria imputação objectiva (risco de incêndio não é
previsível e não é tipicamente associado ao risco que agente criou). Contudo, se B
morresse porque apanhou uma infecção no hospital, já haveria imputação objectiva: o
risco é tipicamente associado ao risco criado pelo agente.
 Teoria do risco – não há imputação objectiva, pois falta o requisito da conexão de risco:
o resultado não é a concretização/materialização do risco criado pelo agente. Só se pode
imputar aquilo que o agente estritamente fez. Se surge um evento alheio ao
comportamento do agente, este não podia controlar o processo causal que levou ao
resultado.

Nota: interrupção do nexo pode ser feita por omissão – ex. médico não socorre. Nestes casos, é
necessário ver se o resultado se deve à acção inicial ou à omissão. Quanto aos tratamentos
médicos pós-acidentes, ROXIN apresenta critério de substituição dos riscos:

 Quando há um comportamento activo do médico:


- Se o comportamento do médico substitui o risco, criando um novo risco originário,
será o médico a responder pelo resultado.
- Se comportamento do médico simplesmente não consegue evitar risco inicialmente
criado, é o agente originário que responde.
 Quando há um comportamento omissivo do médico:

2
Teresa Ramos Ascensão

- Se existe negligência grosseira (não leve) do médico, havendo uma intensificação do


risco não atribuível ao agente originário, será o médico a responder, pois há uma
interrupção da cadeia de eventos.
- Se não há negligência grosseira, responde o agente originário, salvo se houver
interposição de um risco novo – nesse caso, pune-se ambos a título negligente.
Importante discutir: omissão foi lícita (não tinha meios) ou ilícita? Se ilícita, pura ou
impura? Se impura, só não se imputa se faltar nexo/conexão de risco entre omissão e
resultado; se não faltar, pune-se por homicídio por omissão (131º + 10º/2). Se tivesse
agido, resultado não se teria verificado – imputa-se resulado ao comportamento do
médico (importa discutir se médico está obrigado a evitar resultado ou se apenas tem
de diminuir risco de verificação). Agente originário não seria responsabilizado, pois não
podia contar com o comportamento ilícito de 3º. Se tivesse agido, resultado ter-se-ia
verificado à mesma – não se imputa resultado ao comportamento do médico. Então
vamos ver omissão pura – tinha de actuar, mas não quebra nexo causal – imputa-se ao
agente originário pelo resultado e ao médico pelo crime de omissão pura em causa.

3.2. Causas cumulativas

Casos em que o evento típico tem mais do que uma causa e cada uma delas, só por si, seria
insuficiente para produzir o resultado. O resultado deve-se à conjugação dos comportamentos.
Exemplo: A e B, sem saberem do comportamento um do outro, dão dose de veneno não mortal
a C, mas as duas doses juntas matam C.

Respostas das diferentes teorias:

 Conditio sine qua non – há imputação objectiva, pois sem o comportamento do agente
o resultado não se teria verificado (juízo de supressão mental do comportamento).
 Causalidade adequada – não há imputação objectiva, pois o resultado morte não é
previsível para um agente que dá dose não mortal de veneno.
 Teoria do risco – nestes casos, a responsabilidade de A e de B deve ser analisada
individualmente. Cada um deles criou um risco proibido, mas de ofensa à integridade
física – resultado verificado (morte) não é a concretização do risco que cada um deles
criou (de ofensa á integridade física). Resultado é, na verdade, a concretização dos risco
conjugado dos dois comportamentos – agente não pode responder por risco alheio, mas
apenas por risco que cria.
Assim, falha a conexão de risco, pelo que se vai punir pela tentativa de homicídio (se
agente tinha dolo de homicídio – caso de tentativa impossível de homicídio) ou por
ofensa à integridade física (que aconteceu, mas houve um resultado a mais não
controlável pelo agente). Solução que se baseia no princípio da confiança: cada pessoa
age confiando que os outros não vão violar normas – repartição da responsabilidade.

Nota: a lei pode resolver o problema criando crimes de dever e crimes de perigo que prescindam
da imputação do resultado.

Será um caso diferente se B viu A a põr a dose não mortal e foi lá acrescentar outra dose por si
não mortal. Neste caso, é previsível que o dano se concretize (tenho em conta os seus
conhecimentos), e já hverá imputação objectiva. Necessário avaliar a razoável previsibilidade
pelo agente de uma causa cumulativa do comportamente ilícito de 3.º - aí, há conexão de
previsibilidade, havendo uma potenciação ou controlo do efeito de um outro comportamento
alheio.

3
Teresa Ramos Ascensão

3.3. Causas alternativas/paralelas

Casos em que o evento típico tem mais do que uma causa, mas cada uma delas, só por si, seria
suficiente/idónea para produzir o resultado. Exemplo: A e B dão, cada um deles, uma dose
mortal de veneno a C.

A responsabilidade de A e de B deve ser analisada individualmente. Cada um dos agentes criou


um risco previsível de se concretizar no resultado que ocorreu. O resultado é explicado pelo
comportamento concreto do agente individual. Há um outro comportamento que reforça o
efeito, mas para explicar a ocorrência do resultado, esse outro comportamento não seria
necessário. Assim, haverá imputação objectiva quanto a ambos os comportamentos e ambos os
agentes irão responder pelo crime em causa.

3.4. Causas virtuais/hipotéticas

Nestes casos, o bem jurídico em questão já iria ser lesado por uma outra causa, mesmo que o
comportamento do agente não se tivesse verificado. Exemplo: A mata B que estava prestes a
entrar num avião em que uma bomba explodiu.

Independentemente do que aconteceria, o risco proibido criado pelo agente concretizou-se no


resultado típico, pelo que foi a causa real do mesmo. A causa virtual não justifica a não
responsabilização do agente, pois que os requisitos da teoria do risco estão preenchidos apesar
disso. O bem jurídico em causa não deixa de merecer tutela por estar duplamente em risco e
por ter uma duração limitada. Bem jurídico merecia tutela à mesma naquele momento e o que
efectivamente provocou o resultado foi aquele risco criado. Estamos diante Direito Penal do
facto – temos de analisar o comportamento que efectivamente levou ao resultado. Assim, há
imputação objectiva.

KAUFMANN discorda desta orientação: se resultado ia produzir-se à mesma, apesar de haver


desvalor da acção, não há desvalor do resultado. Neste caso, a norma é inútil, pois o seu
cumprimento não evitaria o resultado. Só poderá haver punição por tentativa.

No entanto, argumento de KAUFMANN não procede: para haver desvalor do resultado basta
que haja conexão entre risco proibido e resultado, na medida em que o resultado se explique
pela conduta do agente.

3.5. Causalidade alternativa incerta

Nestes casos, o bem jurídico esteve exposto a dois riscos diferentes e não se sabe ao certo qual
desses riscos levou em concreto ao resultado. Exemplo: dois caçadores disparam uma
espinguarda no meio do mato e não se sabe qual das balas atingiu e matou a vítima.

Não se sabendo qual dos riscos levou ao resultado tipico, não se deve imputar o resultado a
nenhum dos comportamentos, pois a conexão (3.º requisito da teoria do risco) não é certa.
Trata-se de Direito Penal do facto – é preciso ter-se a certeza que agente provocou o facto, não
se pode punir apenas pelo risco. Mesmo para a teoria da causalidade adequada, a causalidade
falha, pois não se sabe qual foi a causa do efeito. Nem se passa para o critério da previsibilidade
porque a falha logo na causa, não se sabe sequer se houve conexão.

Este é o entendimento de MARIA FERNANDA PALMA: na dúvida, não se imputa – princípio in


dubio pro reo + princípio da legalidade (tem que haver conexão de risco) + Direito Penal do facto.
Caso contrário, estaríamos a transformar todos os crimes de resultado em crimes de perigo (e
não de dano). Não se deve confundir o desvalor da acção com o desvalor do resultado – se não

4
Teresa Ramos Ascensão

é certo se o resultado se produziria à mesma ou não sem o comportamento do agente, não se


imputa.
Faltanto a conexão, pode-se analisar se cada um dos agentes é responsável prlo crime na forma
tentada.

ROXIN, STRATENWERTH e FIGUEIREDO DIAS discordam: há imputação objectiva. Não se deve


paralisar a eficácia da norma. Teoria do incremento do risco – agente aumentou o risco (duas
balas aumentam a probabilidade do resultado se verificar). Existe conexão de risco – segundo
juízo ex post, sabemos que agente aumentou o risco. Probabilidade próxima da certeza da
verificação do resultado em função do aumento do risco.

Nota: caso diferente é aquele em que estão 3 reclusos numa cela à noite e não dia a seguir
apenas 2 estão vivos. Aqui, nem por tentativa podem ser punidos (problema de prova) – não se
sabe quem agiu.

3.6. Comportamento lícito alternativo

Casos em que, mesmo que se agente tivesse cumprido a norma, o resultado ter-se-ia verificado
à mesma – o resultado era inevitável para o agente. O agente criou um risco proibido, mas se
comportamento fosse lícito, teria criado risco permitido que levaria ao mesmo resultado.
Imputar seria impor dever cuja observância seria inútil, que não evitaria em concreto aquele
resultado. No caso em concreto, a norma (e a sua observãncia) era ineficaz. Norma era inútil,
pois a sua observância não protegeria o bem jurídico, pelo que perde a sua função (como
afirmam FIGUEIREDO DIAS e ROXIN). Houve desvalor da acção mas não houve desvalor do
resultado.

Como defende MARIA FERNANDA PALMA, não há conexão de risco, pois que não é o risco
proibido que explica o resultado, pois o permitido levaria ao mesmo resultado. Assim, resultado
não é a materialização do carácter proibido do risco, mas de uma fatalidade – resultado não se
explica pela conduta do agente. A conduta que ultrapassa o risco permitido não explica o
resultado típico. ROXIN apresenta a teoria da elevação do risco – resultado típico não é
consequência específica da acção anti-jurídica, pelo que não há uma verdadeira potenciação do
risco – sem comportamento do agente, risco seria o mesmo. Há uma impossibilidade de controlo
da produção do resultado.

Estes casos diferem dos casos da causa virtual, pois nos casos da causa virtual o cumprimento
da norma evitaria o resultado (naquele momento concreto, mesmo que no futuro resultado
fosse ocorrer por outra razão). O que os distingue é o princípio da legalidade e o princípio da
culpa – na causa virtual, os comportamentos de terceiros não devem influenciar a motivação do
agente pela norma, neste casos, o agente que se motive pela norma produziria resultado à
mesma. Nos casos de comportamento lícito alternativo, não faz diferença o comportamento do
agente, nas causas virtuais faz (mesmo que por breves momentos) – a norma é eficaz. Na causa
virtual, não se põe em causa a conexão de risco. Na causa virtual, comportamento é suficiente
para explicar resultado. Nos comportamentos lícitos alternativos, comportamento não é
suficiente para explicar resultado – resultado deve-se a factor externo que aconteceria mesmo
que fosse cumprida a norma.

HELENA MORÃO invoca também o princípio da culpa para justificar esta solução: nos casos de
causa virtual, o agente pode optar livremente entre criar ou não o risco proibido e entre produzir
ou não o resultado. No comportamento lícito alternativo, agente só pode optar entre criar ou

5
Teresa Ramos Ascensão

não o risco proibido, mas não entre produzir ou não o resultado. Não há liberdade quanto ao
resultado – não há desvalor do resultado.
No entanto, ser era apenas provável (e não certo) que o resultado se verificasse à mesma caso
a norma tivesse sido cumprida, a doutrina diverge quanto à solução a dar:

 MARIA FERNANDA PALMA e HERZERBERG – na dúvida, não se imputa. Há hipótese de


que a norma tenha sido inútil, pelo que se deve valorar essa hipótese em benefício do
agente. Problema probatório (de matéria de facto) – in dubio pro reo, dúvida razoável
– não se pode valorar a dúvida contra o arguido. Não se prova a potenciação do risco
pelo comportamento do agente. Caso se prove, comportamento lícitio alternativo é
irrelevante e haverá imputação – princípio da potenciação do risco de STRATENWERTH.
 FIGUEIREDO DIAS e ROXIN – teoria do aumento do risco – há imputação objectiva. Há
hipótese de cumprimento da norma ser suficiente para proteger o bem e agente violou
a norma, pelo que criou riscos típicos que advêm da violação de uma norma. Não se
pode paralisar a eficácia da norma. Agente aumentou/potenciou o risco de verificação
de qualquer maneira, e isso basta – responsabilidade pelo risco. Só não se imputa se se
provar com certeza que comportamento lícito não evitaria o resultado. Prescinde da
causalidade.

3.7. Esfera de protecção da norma (de cuidado)

Nestes casos, o agente viola a norma, mas o resultado não é o resultado que a norma pretende
evitar/prevenir. A norma não visa evitar o risco que foi criado pelo agente. Exemplo: A conduz
do lado errado da estrada e B cai de uma árvore e é atropelado. Se A cumprisse a norma,
resultado não se teria verificado, mas objectivo da norma não é evitar morte de quem cai de
uma árvore. A norma não foi pensada para esta situação. Risco que agente criou não foi o que
levou ao resultado. Conexão de risco é elemento normativo – perigo que se concretizou no
resultado tem de ser um dos em vista dos quais a acção foi proibida. Risco concretizado não
corresponde ao risco que se visa acautelar/proteger, ex ante. Risco proibido não é proibido para
proteger bem jurídico das pessoas que caem das árvores – sai do âmbito de protecção da norma.
Caso concreto tem de corresponder ao caso abstracto pensado pela norma – tipicidade. Falha
requisito da conexão – resultado tem de ser a materialização de um risco que caiba na esfera de
protecção da norma. Não se imputa – isso seria ampliar esfera da norma.

Um outro exemplo típico é aquele em que o agente está a conduzir em excesso de velocidade e
depois, quando volta a conduzir na velocidade permitida, atropela um pedestre que atravessa a
rua sem tomar o devido cuidado. Neste caso, se o motorista não tivesse ultrapassado a
velocidade máxima permitida, ele não chegaria ao local do acidente no momento em que o
pedestre atravessava a rua e, portanto, não o teria atropelado. Contudo, o resultado encontra-
se foram do fim de protecção da norma que define a velocidade máxima, que visa evitar colisões
enquanro se está na velocidade não permitida e não em momento posterior.

Outro exemplo proposto por JESCHECK: “dois ciclistas conduzem as suas bicicletas, uma atrás
da outra, à noite e sem os obrigatórios faróis de iluminação; um terceiro ciclista, em razão da
inexistência de iluminação, choca com o primeiro deles e produz um acidente. O acidente,
porém teria sido evitado se o segundo ciclista contasse com um farol de iluminação na sua
bicicleta”. De facto, o segundo ciclista, ao conduzir sem iluminação, elevou substancialmente o
risco de o primeiro causar um acidente. Mas a finalidade da norma de iluminação infringida é
de evitar choques que decorram imediatamente da própria bicicleta e não a de iluminar outras
bicicletas, impedindo colisões entre elas e terceiros. Disso decorre que apesar de a superação
6
Teresa Ramos Ascensão

do risco permitido ter claramente elevado o perigo de que ocorresse um determinado curso
causal, estará afastada a imputação do resultado.
ROXIN avança 3 situações em que o resultado não está compreendido no fim/âmbito de
protecção da norma, pois que a norma está direccionada a acautelar facto ou objecto diverso
do efectivamente lesao, pelo que se afasta a imputação:

 Não realização do risco não permitido.


 Autocolocação em perigo – a norma não pretende evitar casos em que vítima
consente/colabora na colocação em risco. Se a vítima conhecia o perigo e tinha,
portanto, condições para aceitar e colabora na criação do risco, o mesmo não é proibido.
Se aceita mas não colabora na lesão, ainda haverá imputação objectiva, pois apenas há
consetimento na ilicitude (a analisar aquando a análise desse pressuposto). MARIA
FERNANDA PALMA discorda: consentimento é um problema de ilicitude, e não de
imputação objectiva.
 Transferência do risco para um âmbito de responsabilidade alheio.

3.8. Diminuição do risco

Casos em que a conduta do agente melhora a situação do bem em perigo. A lesão que se
efectivou é mal menor relativamente à que teria ocorrido se agente não tivesse intervindo.
Exemplo: A atira uma pedra á cabeça de B (bem vida fica em perigo); C empurra B e pedra bate
no braço em vez de na cabeça (bem integridade física fica em perigo). Respostas das diferentes
teorias (quanto à imputação do crime de ofensa à integridade física):

 Conditio sine qua non – há imputação objectiva, pois sem a conduta do agente,
resultado de ofensa à integridade física não se teria verificado, mas sim outro resultado.
 Causalidade adequada – há imputação objectiva, pois o agente podia prever que a sua
conduta ía levar àquele resultado.
 Teoria do risco – não há imputação objectiva, pois o comportamento do agente diminui
o risco, não o criou (SCHRÖDER). Deve-se olhar para o significado social da acção (que é
de salvamento, não de ofensa à integridade física). O comportamento foi conforme à
tutela do bem. (ROXIN ressalva que é diferente de casos de substituição (e não
diminnuição) do risco – aí, imputa-se.)

Na opinião de HELENA MORAÃO e PAULO SOUSA MENDES, o comportamento do agente diminui


o risco para a vida, mas cria risco para a integridade física. Deste modo, deve haver imputação
e a questão será tratada em sede de causa de justificação. Houve uma ofensa à integridade física
e dolo directo para tal – conduta é típica a (apesar de não ser ilícita porque quis evitar morte).
Afirma-se o desvalor objectivo da conduta, remetendo a ponderação entre lesão ocorrida e
lesão potencial para a análise da justificação. Só se sabe que há diminuição ex post, e requisito
é ex ante.

3.9. Risco permitido

Nestes casos, o resultado é produzido por uma acção que não ultrapassou o limite do risco
juridicamente permitido. Exemplo: A conduz em respeito por todas as normas, mas há dilúvio e
perde o controlo do carro, atropelando B. Pela teoria da codnitio sine qua non, haveria
imputação. Mas para a teoria do risco, não há imputação: o agente não criou nem aumentou
um risco proibido, mas sim um risco normal e permitido.

3.10. Omissão/comportamento doloso de outrem (que interrompe salvamento)

7
Teresa Ramos Ascensão

 KAUFMANN, WELSEL – não é possível falar de imputação objectiva nas omissões.


 ENGISCH, ROXIN, STRATENWERTH – comportamento devido não levado a cabo assume
força causal potencial ou hipotética – se tivesse actuado, resultado teria sido evitado,
comportamento era idóneo para diminuir risco – imputa-se resultado à omissão.
 JESCHECK – tem de se provar que seguramente resultado não se teria verificado para
que haja imputação.
 FIGUEIREDO DIAS – não há dever de agir apenas quando é certo que se vai evitar dano
– comportamento só tem de ser idóneo em abstracto para tentar obstar à verificação
do resultado para que se impute, não tem de ser certo que vá evitar o resultado.
 STRATENWERTH – tem de se comprovar que o comportamento diminuiria risco, não a
certeza de não verificação do resultado – probabilidade.
 ROXIN – se por juízo ex ante comprova-se que acção teria determinado a diminuição do
risco, imputa-se, a menos que por juízo ex post se comprove que diminuição não se teria
verificado. Se se comprova num juízo ex post que o comportamento lícito alternativo de
nada teria servido, não se imputa.

Deixou que risco criado se concretizasse – não se imputa. Aumentou risco e esse aumento é que
levou ao resultado – imputa-se (ex. atropelamento não era mortal). Só os dois conjugados
causam a morte – causas cumulativas.
Começa-se por analisar o posterior (normalmente, a omissão). Começa-se por ver a omissão
impura:
 Se há imputação objectiva – homicídio por omissão. Vai-se analisar o anterior – acção
em relação à morte – não se imputa porque houve interrupção do nexo por causa da
omissão. Analisa-se acção como ofensa à integridade física ou tentativa de homicídio.
 Se não há imputação objectiva – vai-se analisar a omissão pura. Pode haver ou não
imputação objectiva quanto à omissão pura. Depois, vai-se ver acção – pode haver
imputação objectiva por homicídio.

3.11. Crimes de perigo

Crimes de perigo concreto – são crimes de resultado, mas resultado é de perigo, e não de dano
(apesar de FARIA COSTA defender que são de dano). O agente cria o risco de haver perigo para
o bem jurídico.

Crimes de perigo abstracto – depende se a norme referencia ou não como seu elemento
constitutivo (ratio essenci) um efeito espácio-temporalmente cindido da acção. Regra geral, são
de mera actividade (imputação objectiva irrelevante).

Exemplo – art. 283.º e o COVID:

 Criação do risco proibido: sair de casa (isso já é propagar, criando perigo de pôr em
perigo). Conexão de risco: contactar com pessoa (o que a põe em perigo). DAMIÃO
CUNHA discorda deste entendimento: propagar implica atingir várias pessoas.
 Se não há um momento autónomo em que há perigo da pessoa apanhar a doença. Isto
é, se ela é automaticamente contagiada – caso de ofensa à integridade física. Se há esse
momento autónoma de perigo – caso do 283.º.

3.12. Sociedade de risco

8
Teresa Ramos Ascensão

Casos de criminalidade de massas (ambiental, responsabilidade pelo produto, corrupção).


Possível imputar a condutas extremamente distanciadas no tempo e espaço e que
singularmente consideradas são irrelevantes? Sim, se previsível e provável que outros agentes
pratiquem a mesma conduta – tipos aditivos ou acumulativos. MARIA FERNANDA PALMA:
tendencialmente, há incapacidade de ressonância do Direito Penal à acumulação.

4. MARIA FERNANDA PALMA: defende que a teoria do risco, nas versões mais normativistas,
prescinde em absoluto da causalidade como ponto de partida, pelo que confunde a definição
do facto como acção do agente com o puro interesse em fazer vigorar as normas na sua
dimensão preventiva, dispensando a materialidade contada pelos factos – porque se preenchem
requisitos, vai-se imputar algo que não se enquadraria na previsibilidade subjectiva. Deve-se
partir da causalidade adequada e o risco proibido e a sua concretização no resultado devem ser
usados de modo correctivo e limitativo dos resultados da causalidade adequada, nas situações
de diminuição do risco ou de risco permitido. 1º - causalidade adequada – previsibilidade. 2º -
se aquela não resolver a situação, teoria do risco. Imputação objectiva é essencialmente um
problema de legalidade.

10º/1 e regime da tentativa vão em favor da teoria da causalidade adequada. Princípio da


legalidade e Direito Penal do facto vão contra a teoria do risco – impedem que a atribuição do
resultado à conduta seja uma antecipação da censurabilidade (censurar pelo risco e não pelo
dano). Partindo da causalidade adequada, recusa a imputação em casos de resultado
imprevisível (ao contrário da teoria do risco). Incremento do risco não significa que tenha havido
controlo do processo causal.

5. Tipicidade inclui os problemas de concurso de normas. O concurso efectivo/real de crimes só


se trata no final.

Você também pode gostar