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IMPUTAÇÃO OBJETIVA

A imputação objetiva corresponde à atribuição do resultado ao comportamento do agente, de


modo juridicamente relevante.
Da conclusão sobre a dupla imputação (objetiva e subjetiva) depende a verificação da tipicidade.

1. Teoria da conditio sine qua non

Fórmulas da conditio sine qua non:


Positiva – A conduta será causa do resultado quando, suprimindo mentalmente essa
conduta, o resultado não se teria verificado.
Negativa – A conduta não será causa do resultado quando, suprimindo mentalmente
essa conduta, o resultado se teria ainda verificado.

Há mais unanimidade quanto à fórmula positiva do que quanto à fórmula negativa.


PAULO MENDES → Dizer-se que uma conduta não é causa quando sem a mesma o
resultado ainda se teria verificado é mais difícil, porque subsistem muitas dúvidas sobre
se o resultado, mesmo sem a conduta, se poderia ter verificado por outras
circunstâncias (abre espaço ao princípio da dúvida).

A teoria da conditio sine qua non associa a sua ideia de condição-causa (na perspetiva das
condições equivalentes) à ideia de que cada condição é como se fosse uma condição necessária
e, no entanto, podem não ser condições suficientes.

Isto levanta muitas limitações que tornam difícil a adoção da mesma no Direito:
• Regresso ao infinito – iríamos admitir como causa, condições muito remotas como o
facto de a pessoa ter nascido. Temos de nos limitar às condições mais próximas e que
são operativas no contexto de um certo comportamento.

• Apresenta dificuldades nos casos das causas paralelas.


Ex.: Duas pessoas, sem conhecimento do que cada uma faz, ministram ambas num copo
de leite uma dose de veneno insuficiente para matar a vítima.
Como cada dose não era suficiente, mas as duas sim, pela teoria da conditio sine qua
non, podemos dizer que ambas são conditio sine qua non. Todavia, do ponto de vista da
responsabilidade penal (que é uma responsabilidade individual), embora de um ponto
de vista mais naturalístico cada condição potencie a outra, não há uma capacidade de
cada um destes comportamentos explicar aquele resultado, de forma a que este possa
este ser imputado ao agente1.

• Também não resolve bem os casos em que há uma sobre-intensificação da causalidade.


Ex.: Cada agente põe uma dose de veneno capaz, por si só, de produzir a morte da
vítima.
Neste caso, paradoxalmente, a teoria da conditio sine qua non diria que estes
comportamentos não seriam causas, na medida em que, se se suprimisse um ou outro,
o resultado continuaria a verificar-se (cada uma, individualmente considerada, não seria
causa necessária à morte da vítima). Isto é errado, porque o comportamento de cada
um dos agentes era, por si só, suficiente para causar a morte da vítima.

1
É óbvio que isto não vale quando as causas estejam coordenadas.
• Situações de causalidade hipotética/causalidade virtual.
Ex.: Uma pessoa dispara sobre outra e esta morre em virtude do disparo (segundo a
peritagem), mas a verdade é que a pessoa já ia morrer, porque tinha sido envenenada.
A teoria da conditio sine qua non levar-nos-ia ao paradoxo de considerar que o disparo
não era causa. Esta solução é inaceitável, porque (até em termos periciais) o resultado
resultou do comportado do agente e não podemos atribuir uma relevância excludente
da causalidade a uma coisa que não chegou a ocorrer.

• Casos de interrupção do processo causal.


Ex.: O agente dispara sobre a pessoa e fere-a gravemente, de modo que as
probabilidades de esta sobreviver são mínimas. A vítima, ainda viva, é transportada para
o hospital numa ambulância, a qual sofre um acidente, causando a morte da vítima.
O comportamento do agente é, de facto, uma condição necessária. Se não fosse
transportado para o hospital, não teria havido o acidente. No entanto, a pessoa vem
morrer por um processo causal diferente daquele que foi originado pelo disparo. Temos
um processo causal atípico que interrompe outro processo causal. Assim, do ponto de
vista do Direito, teremos de considerar que apenas houve uma tentativa de homicídio.

• Casos de características especiais de debilidade da própria vítima.


Ex.: Uma pessoa com uma fragilidade óssea é empurrada e sofre uma fratura gravíssima;
hemofílico é ferido levemente e sofre uma hemorragia tão grave que morre. A teoria da
conditio sine qua non diria que a chapada foi causa da morte do hemofílico. É excessivo,
do ponto de vista do Direito, considerar uma chapada como a causa da morte da vítima.

• Casos de uma intervenção dolosa de terceiro.


Ex.: Pessoa está numa cadeira elétrica, condenada à morte. Permite-se que o pai da
vítima entre na sala da execução e acione a cadeira em vez de um carrasco.
A teoria da conditio sine qua non também não resolveria bem este caso, porque
atribuiria a causação deste resultado a essa pessoa e não ao Estado.
2. Teoria da causalidade adequada
Para corrigir a teoria da conditio sine qua non, surgiu a teoria da causalidade adequada, a qual é
uma teoria fundamentalmente jurídica e que se baseia em critérios de racionalidade comum.

Segundo esta teoria, o intérprete terá de fazer um juízo de prognose póstuma:


• Prognose – O juiz coloca-se, ex ante, na posição que o agente tinha, mas não se
identificando com o agente. Coloca-se numa posição, ex ante, pensando como uma
pessoa média com os conhecimentos normais da experiência da vida. Será previsível
para uma pessoa média, colocada no momento do comportamento do agente que
aquele resultado ocorra? Se sim, a condição será causa. Se não, não será. Resolve aqui
bem os casos da interrupção do processo causal e os casos de características especiais
de debilidade da vítima2.

• Póstuma – Apesar de tomar em consideração apenas os factos conhecidos pela pessoa


média colocada no momento da ação, o a prognose não deixa de ser realizada pelo juiz,
ou seja, posteriormente à prática do facto.

Críticas:
• Esta teoria permite que o juiz coloque a pergunta de forma variada, não nos dá a
indicação de como a formular.
Ex.: Comer antes da anestesia. Se o juiz perguntar ao médico médio se é previsível que
a pessoa morra se comer antes da anestesia, o médico dirá que sim. Mas se perguntar
se é possível que um determinado médico preveja que o seu paciente iria comer antes
da operação quando já tinha sido operado outras vezes, talvez a resposta já seja
diferente.
A teoria é, nesta medida, muito manipulável.

• Resolve mal os casos da diminuição do risco.


Ex.: Uma pessoa, para evitar que outra atinja com um disparo a vítima, atira esta ao
chão e ela parta o braço. Quando se atira uma pessoa ao chão, é previsível que a pessoa
parta o braço. No entanto, aquele comportamento destinou-se (e foi eficaz) a diminuir
um risco muito superior.
A teoria da causalidade adequada diria que havia causa, mas não tem sentido dizer que
estamos aqui perante uma ofensa corporal típica, porque este comportamento tem um
sentido de diminuição do risco e não de criação ou aumento do risco.

2
Nestes casos, há uma conditio sine qua non, mas que não é adequada, não sendo o resultado imputado
ao agente.
3. Teoria do risco
A partir de certo momento a tendência no pensamento jurídico, um pouco por força do
pensamento de Larenz e de uma certa compreensão do papel do direito numa sociedade de
risco foi a de substituir totalmente a imputação objetiva a partir de ideias de causalidade para o
fazer com recurso a ideias puramente normativas, associadas ao fim da norma.

O resultado deve ser considerado típico quando o perigo criado ou aumentado pelo
comportamento do agente é aquele que a norma pretende evitar. O mais importante não é o
nexo de causalidade, mas sim que aquele comportamento seja, na sua globalidade, o
comportamento proibido.

Mas também têm havido teorias mais prudentes que combinam os dois critérios, limitando as
teorias da causalidade com a teoria do risco.

A formulação mais próxima da causalidade é a fórmula segundo a qual haverá imputação


objetiva quando o comportamento do agente cria ou aumenta o risco que se concretiza no
resultado.

ROXIN
1. Criação ou aumento3 de um risco não permitido (EX ANTE)
É útil aqui dividir a análise, como faz LUÍS GRECO:
▪ A criação do risco
Aspeto positivo – O Direito Penal só proíbe ações perigosas para os bens
jurídicos. Como sabemos se estamos perante uma ação perigosa?
A doutrina tem apontado o critério da prognose póstuma objetiva. Objetiva
porque, não tem por referência simplesmente o homem médio, mas sim o
homem prudente e cuidadoso, pertencente ao círculo social em que se encontra
o autor. Face a algumas situações gritantes de impunidade, a doutrina tem
acrescentado a necessidade de incluir os conhecimentos especiais (saber mais
do que o observador objetivo) de que o autor disponha.

Aspeto negativo – Quando não existe uma ação perigosa?

o Risco juridicamente irrelevante


Perigosas só são as ações que gerem uma possibilidade de dano não tão
remota que pareça desprezível para um homem prudente. Nas palavras
de Luís Greco, tem de se configurar na tal prognose póstuma objetiva
uma possibilidade real de produção do resultado.
Ex.: Convencer uma criança a ir numa viagem de avião, com o objetivo
de esta vir a morrer numa queda do avião não corresponde a uma
criação de um risco relevante. Contudo, se houvesse uma suspeita de
que tinha sido colocada uma bomba no avião (conhecimentos
especiais), já teríamos de considerar o risco relevante.

+ Princípio da insignificância
+ Princípio da inadequação social

3
Nas situações em que o risco anormal não permitido já está criado, prévio à ação do agente, o resultado
ser-lhe-á imputável se, em situações de cognoscibilidade do agente, este, com a sua conduta, aumentou
ou potenciou o risco já existente, piorando, em consequência, a situação do bem jurídico ameaçado.
o Diminuição do risco
Sempre que a ação diminua o risco que já atinge o bem jurídico, ainda
que não o anule, não podemos considerar, paradoxalmente, que tenha
havido a criação de um risco4.
NOTAS:
1) A diminuição do risco é diferente da substituição do risco por outro
menor.
Imaginando que A se prepara para disparar sobre B, mas C empurra
B antes disso, partindo este o braço em consequência da queda.
Neste caso, há uma diminuição do risco.
Pelo contrário, se C tivesse empurrado A, provocando a fratura no
braço, não haveria nenhuma diminuição do risco, porque o bem
jurídico (integridade física ou vida de A) não estava em risco. O que
há é uma substituição do risco por outro menor, o que terá de ser
analisado à luz dos requisitos estritos do estado de necessidade.

2) A diminuição do risco tem de ser avaliada ex ante. Ou seja, temos


de ver se, para um observador médio colocado na posição do
agente, era previsível que aquela ação estivesse a diminuir um risco.
Por exemplo, se A atropela B (ficando este ferido), sendo que este
atravessava a estrada para entrar no aeroporto e apanhar o voo X
e depois esse avião acaba por cair, ex post houve de facto uma
diminuição do risco, mas ex ante não se podia considerar o mesmo.
O que houve verdadeiramente foi uma substituição do risco por um
menor.

▪ A desaprovação jurídica do risco (desvalor da ação)


Aspeto positivo – Temos de ponderar entre o interesse de proteção de bens
jurídicos e o interesse geral de liberdade, ponderação que, em regra, estará
contemplada nas normas penais.
o Existência de normas de segurança (jurídicas ou tácitas) – notar,
contudo, que temos de atender ao risco que foi concretamente criado
e não ao abstrato, que é o que nos é dado pela norma.

o Violação do princípio da confiança – Ninguém, ao agir, tem de se


preocupar com a possibilidade de outra pessoa se comportar
erradamente e, assim, concorrer para a produção do resultado típico,
desde que não haja motivos para isso (como o facto de se estar
incumbido com deveres de vigilância ou de a outra pessoa ser um
menor ou um maior acompanhado).

o Comportamento contrário ao standard geral dos homens prudentes –


O homem prudente (com os conhecimentos especiais que o agente
tenha), mesmo considerando-a perigosa, praticaria aquela ação?

4
Contra, Paulo de Sousa Mendes. Só considero que empurrar alguém é diminuir o risco, porque estou a
comparar a outra situação. Desloca o problema para a ilicitude, quando a tipicidade (contradição do
comportamento com a norma imperativa) contém apenas um indício de ilicitude (contradição do
comportamento com o ordenamento jurídico no seu conjunto).
Aspeto negativo – Quando não há desaprovação jurídica?
o Risco permitido
Por aplicação dos critérios anteriores.

o Contribuição para uma autocolocação em perigo


Se a vítima quis e, de modo autoresponsável, se colocou em perigo,
qualquer contribuição do agente para essa autocolocação não será alvo
de desaprovação jurídica.
NOTAS:
1) Não pode ser excluída a imputação caso a vítima seja irresponsável
(a doutrina diverge quanto a saber se tem de haver uma capacidade
para consentir uma culpabilidade).
2) Não pode ser excluída a imputação quando haja um dever especial
de proteção.

2. Que esse risco tenha conduzido à produção do resultado típico (EX POST)
• A causação do resultado (causalidade)

• A realização do risco (desvalor do resultado)


Aspeto positivo – Por que será necessário um desvalor do resultado como
componente do injusto? O fundamento do Direito Penal é a proteção de bens
jurídicos, procurando alcançar esse objetivo através da proibição de ações. Se a
ação proibida que lesa o bem jurídico recebesse o mesmo tratamento que a
ação proibida que não o faz, estaríamos a punir a mera desobediência.
A exigência da realização do risco prende-se com a necessidade de o resultado
se ter produzido por ações que guardem alguma relação com os motivos que
levaram à proibição das mesmas.

Critérios:
Nexo do fim de proteção da norma
A norma proibitiva visa evitar que um certo bem jurídico seja afetado
de certa maneira (por meio de determinado curso causal). O bem
jurídico visado foi afetado e da maneira referida.
Temos de perguntar: Aquilo que ocorreu, ex post, foi aquilo que ex
ante justificava a proibição?
Ex.: Nas regras relativas ao excesso de velocidade, o bem jurídico que
se pretende proteger é a vida/integridade física das pessoas que se
encontrem ali próximas.
Nas regras relativas ao homicídio, o que se pretende evitar é que a
vítima venha a morrer em razão das lesões produzidas pelo tiro/
esfaqueamento etc., como a hemorragia ou a infeção (estes são os
cursos causais que legitimam a proibição).

Grupos de casos (aspeto negativo):


✓ Lesão ou curso causal sem qualquer relação com o risco
juridicamente desaprovado
✓ Danos tardios (ex.: a vítima sofre uma lesão e, anos depois,
perde o equilíbrio em razão da lesão nunca completamente
curada e cai, sofrendo várias fraturas) – Punir seria violar o
núcleo imponderável de liberdade.
✓ Danos resultantes de choque (ex.: mãe recebe a notícia de que
o filho morreu e morre com o choque)
✓ Ações perigosas de salvamento (ex.: A incendeia a casa de B,
na ausência deste, mas este entra no apartamento para ir
resgatar a sua coleção de livros de Eça de Queiroz)
✓ Comportamento indevido posterior de um terceiro5 (ex.: A
fere B gravemente. B necessita de uma intervenção cirúrgica e
vem a falecer em razão de erro médico grosseiro)

Nexo de aumento do risco


Casos do comportamento lícito alternativo – o agente comportou-se
inadequadamente e veio a verificar-se a produção do resultado que a
proibição pretendia evitar, contudo, circunstâncias posteriores geram
dúvida quanto a saber se o comportamento correto teria salvo o bem
jurídico lesado (caso do camionista e do ciclista).

Abordagens:
➔ Teoria da evitabilidade6 – Só se justifica a punição pelo delito
consumado se, para além de o autor ter criado um risco proibido,
se comprovar que o comportamento correto teria evitado a lesão
– in dubio pro reo (se houver dúvida, não se poderá punir pelo crime
consumado, mas apenas pela tentativa).

➔ Teoria do aumento do risco (Roxin7) – Para punir pelo delito


consumado, não é necessário provar que o comportamento correto
teria evitado o resultado, mas apenas que esse comportamento
correto tornasse o resultado menos provável. Se o
comportamento proibido piorar a situação do bem jurídico, terá de
ser imputado o resultado ao autor.
Caso contrário, estaríamos a desobrigar aqueles que participam de
atividades perigosas de respeitar as cautelas necessárias.

5
Roxin – Se estivermos perante um comportamento ativo, temos de ponderar se estaremos perante uma
substituição do risco ou não. Se o médico tiver criado um risco novo, não se imputa o resultado ao agente;
se não tiver criado um risco novo, mas simplesmente não consegue salvar a vítima, imputa-se o resultado
ao agente.
Se estivermos perante uma omissão, temos de distinguir consoante haja culpa grave ou leve. Se houver
negligência grosseira por parte do médico, tendo este o dever de agir, não se imputa o resultado ao agente
→ Princípio da confiança: em sociedade, podemos, razoavelmente, esperar que as pessoas cumpram
aquilo que devem.
6
Doutrina alemã dominante. MFP parece aderir → Um sistema desenhado como defende Roxin com a
teoria do aumento do risco teria um grande obstáculo, o princípio da legalidade (estaríamos a dizer que
matar é criar um grande perigo para a vida de outrem e não produzir efetivamente a morte de outrem –
isto é contra a linguagem social e contra o nosso entendimento do que sejam as ações nos crimes de
resultado).
Esta via reduz muito a convergência entre a linguagem do Direito e a linguagem da Ciência. Aumenta o
espaço da responsabilidade, transfigurando crimes de resultado em crimes de mera atividade e crimes
de dano em crimes de perigo, chegando ao ponto de transformar todos os crimes em violações de
deveres.
7
FD adere.
Nexo de adequação
Corresponde à previsibilidade do resultado → não tem aplicação
autónoma.

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