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Direitos Trabalhistas Constitucionalizados: De 1824 a

1988 e 25 anos depois


Autor:
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa

RESUMO: O autor examina a evolução dos direitos trabalhistas nas Constituições brasileiras desde a de
1824, ressaltando as conquistas decorrentes da Constituição de 1988, apontando, também, os eventuais
equívocos e retrocessos e os pontos de avanço desses direitos durante os 25 anos de vigência dessa Lei
Fundamental.

PALAVRAS CHAVE: Constituição. Direitos trabalhistas. Direito Constitucional.

INTRODUÇÃO
Pretendo desenvolver nesta exposição um breve escorço acerca dos caminhos que as nossas sete
Constituições trilharam até o momento presente no sentido de proporcionar garantias mínimas aos que
desenvolvem sua atividade laborativa no Brasil.

De pronto, devo situar que os direitos trabalhistas foram constitucionalizados primeiro pela Constituição
mexicana de Querétaro de 1917 e, em seguida, pela alemã de Weimar de 1919.

Aqui, percorrerei a evolução constitucional dos direitos trabalhistas no Brasil, examinando a Constituição
Imperial de 1824 e as republicanas de 1889, 1934, 1937, 1946 e 1967 até chegar a CF/88.

A partir daí, caminharei a este ano jubilar de 2013 para verificar o que concretamente foi tornado a efeito
ou não em favor de melhorar as condições de trabalho no Brasil.

EVOLUÇÃO DE 1824 A 1988


O Brasil, como Estado soberano e independente, adotou sete constituições nacionais. A seguir, passo a
análise de cada qual, no que refere aos direitos trabalhistas.

CONSTITUIÇÃO DE 1824
A Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo
Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824, tinha 179 artigos. Foi nosso primeiro Código Político Máximo. Não
contemplava regras protetoras de direitos trabalhistas. À época, predominava a escravidão e, recém-
independentes, ainda estávamos sob a influência das Ordenações portuguesas.

O último artigo da Carta Imperial cuidava, dentro outros aspectos, da inviolabilidade dos direitos civis e
políticos (art. 179, caput), garantia qualquer gênero de trabalho, cultura, indústria ou comercio, desde que
não ofendesse costumes públicos, segurança e saúde dos cidadãos (inciso XXIV) e abolia, certamente a
nota mais relevante, as Corporações de Ofícios, seus Juízes, Escrivães e Mestres (inciso XXV), medida
que na Europa ocorrera com a Lei Le Chapelier, em 1791.

CONSTITUIÇÃO DE 1891
Sobreveio a República e com ela nossa segunda Constituição, a da República dos Estados Unidos do
Brasil, de 24.2.1891, elaborada por um congresso constituinte e contemporânea à Encíclica Rerum
Novarum, de Leão XIII, que lançou as bases da doutrina social da Igreja. Silenciou, contudo, sobre direito
do trabalho. Profundamente individualista, nos moldes da Constituição americana que a influenciou, limitou-
se apenas a permitir a livre associação (art. 72, § 8º) e a garantir o livre exercício de qualquer profissão
moral, intelectual e industrial (§ 24), direitos conservados pela Emenda Constitucional de 3.9.1926,
praticamente uma nova constituição.

CONSTITUIÇÃO DE 1934
A Assembleia Constituinte convocada durante a ditadura Vargas elaborou a Constituição promulgada a
16.7.1934, de conotação social-democrática, e, no art. 113, garantia a inviolabilidade de direitos, inclusive
aquele concernente à subsistência, com o n. 34 afirmando que a todos cabe o direito de prover à própria
subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto, amparando o Poder público as pessoas
indigentes.
Constituição evoluída para a época, a de 1934 introduziu o título IV tratando Da ordem econômica e social,
admitindo o reconhecimento de sindicatos e associações profissionais (art. 120). Para os direitos
trabalhistas foi dedicado o art. 121, devendo a lei promover o amparo à produção e estabelecer condições
de trabalho na cidade e no campo, para proteger socialmente o trabalhador e os interesses econômicos do
país.
Esse art.121 foi muito expressivo. Seu § 1º contemplava a isonomia salarial, o salário mínimo, a jornada de
trabalho de oito horas/dia, restrições ao trabalho do menor, repouso semanal, férias anuais remuneradas,
indenização por dispensa sem justa causa, assistência e previdência a maternidade, velhice, invalidez,
acidente de trabalho e morte, regulamentação de todas as profissões e reconhecimento das convenções
coletivas de trabalho.
Além desses direitos, outros temas foram tratados, como o trabalho agrícola (§ 4º), a organização de
colônias dessa natureza (§ 5º) e a situação do trabalhador migrante (§§ 6º e 7º).
O grande fruto da Constituição de 1934 foi a criação da Justiça do Trabalho, ainda integrante o Poder
Executivo (art. 122), com seus órgãos com composição paritária, sequer exigida formação jurídica, bastante
ser pessoa de experiência e notória capacidade moral e intelectual (parágrafo único).

CONSTITUIÇÃO DE 1937

A Constituição de 1934 teve, porém, vida curta. Vargas implantou um regime ditatorial e outorgou uma
Carta, a 10.11.1937, conhecida como Polaca. Durante quase cinco anos, vigeu em plenitude, apesar de ser
profundamente restritiva da liberdade. A partir do Decreto nº 10.358, de 31.8.1942, quando foi declarado
estado de guerra no Brasil contra as potencias do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o dispositivo que tratava
dos direitos trabalhistas (art. 137) foi suspenso, mantido apenas o art. 136, que considerava o trabalho um
dever social, que deveria ser exercido honestamente, da mesma forma com o de livre circulação no território
brasileiro e o de a pessoa poder exercer de sua atividade regular (art. 122, § 2º).
Antes da suspensão, o art. 137 conservava vários artigos do Diploma de 1934, sendo que repouso semanal
foi fixado aos domingos, foi criada licença anual remunerada por ano de serviço, estabilidade no emprego,
garantia do contrato de trabalho em caso de sucessão e reconhecida a assistência administrativa e judicial
por entidade de classe.
O art. 138, também suspenso em 1942, reconhecia a liberdade de associação profissional e sindical,
devendo o sindicato ser reconhecido formalmente pelo Estado, exercendo funções delegadas pelo Poder
Público.
Ademais, foi mantida, ainda fora do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho (art. 139), que havia sido criada
na Constituição anterior, tendo a greve e o lock out sido declarados recursos antissociais nocivos ao
trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.

CONSTITUIÇÃO DE 1946

Finda a segunda guerra mundial e redemocratizado o Brasil, a Assembleia Constituinte reunida no Rio de
Janeiro, aprovou nova Constituição a 18 de setembro de 1946, que encerrava um conteúdo social que a
colocava entre as mais completas do mundo, conforme Segadas Vianna, um dos constituintes de então(1).
A Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário (art. 94, V), e os direitos trabalhistas foram
tratados, exemplificativamente no art. 157: salário mínimo regionalizado, isonomia salarial, adicional
noturno, participação nos lucros das empresas conforme lei, limitação da jornada diária em oito horas,
repouso semanal agora remunerado, férias anuais remuneradas, higiene e segurança do trabalho, proteção
ao trabalho do menor e à mulher gestante, percentagem entre trabalhadores brasileiros e estrangeiros,
estabilidade e indenização por dispensa imotivada, reconhecimento das convenções coletivas de trabalho,
assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva e aos desempregados; previdência social, seguro
contra acidente de trabalho, igualdade entre trabalho manual, técnico e intelectual.
Por outro lado, foi reconhecido o direito de greve (art. 158) e a livre associação profissional ou sindical,
mantida, nesse aspecto, à semelhança da Carta de 1937 (art. 159).

CONSTITUIÇÃO DE 1967

Em 1964, um golpe militar instituiu regime de exceção no Brasil. Apesar disso, um congresso constituinte
aprovou, a 24 de janeiro de 1967, nova constituição, que viria a ser modificada pela Emenda Constitucional
nº 1, de 17.10.1969, editada pelos membros da Junta Militar, que muitos chamam de Constituição de 1969.
Entre o art. 158 e 159 da Constituição de 1967 e os arts. 166 e 167 da Emenda Constitucional nº 1/69 as
diferenças são mínimas. O seguro acidente de trabalho do inciso XVII do art. 158 da primeira não
permaneceu com a Emenda nº 1. E a Emenda Constitucional nº 18, de 1981, acrescentou o inciso XX
relativo a aposentadoria de professores.
Os direitos trabalhistas eram os mesmos da Constituição de 1946, com raras e não profundas modificações.
A grande alteração, de efeitos profundos nas relações de emprego no Brasil, foi a criação do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS, que acabou substituindo a indenização por antiguidade e, por
corolário a estabilidade decenal.
Não houve nenhuma modificação expressiva quanto à atividade sindical (arts. 159 e 166).

AS CONQUISTAS DE 1988

Uma Assembleia Constituinte, depois de demorados debates e prolongadas discussões, adotou um texto
longo, de mais de 300 artigos, demasiadamente analítico, e que conservou muitos direitos trabalhistas,
ampliou outros e criou diversos.
O art. 7º cuida predominante de direitos individuais, eliminando diferenças entre trabalhadores urbanos e
rurais, não cabendo também entre nacionais e estrangeiros, a teor do art. 5º, caput. Não se trata de um
elenco taxativo, porquanto outros podem ser, por normas infraconstitucionais, criados a fim de melhorar a
condição do trabalhador. Apesar de exemplificativo, são pelo menos 34 direitos, superando, em muito, todos
os Diplomas Constitucionais anteriores.
Muitos desses direitos já existiam no ordenamento constitucional anterior e outros foram acrescentados ou
constitucionalizados, como a proteção da relação de emprego contra despedida arbitraria ou sem justa
causa; a proporcionalidade do piso salarial; 13º salário; salário-mínimo garantido para quem recebe
remuneração variável; salário família; a criminalização da retenção dolosa do salário, que é irredutível, salvo
negociação coletiva; jornada semanal reduzida para 44 horas; adicional de horas extras de no mínimo 50%;
turno ininterrupto de revezamento com jornada de seis horas; licença paternidade; atividades insalubres,
perigosas e penosas; assistência gratuita em creches e pré-escolas; proteção decorrente da automação;
fixação de prazo prescricional; garantia de acesso ao emprego para o portador de deficiência; dentre outros.
Demais disso, o parágrafo único do mesmo art. 7º distinguiu, em numerus clausus,(números fechados) os
direitos do trabalhador doméstico, elenco de nove direitos ampliados recentemente, com a Emenda
Constitucional nº 72 de 2013, para 25 direitos, o que, data vênia, conserva, pela via do constituinte derivado,
a mesma discriminação que já vinha desde o texto original. Voltaremos ao assunto adiante.
Importante ressaltar o art.8º, garantindo a livre associação profissional ou sindical, sem a necessidade de
autorização do Estado, que não pode interferir nem intervir em sua organização, e, consequentemente, a
liberdade de filiação. Porém, foram mantidos resquícios desnecessários do corporativismo: apenas um
sindicato por base territorial mínima que é um município (não se estendendo à região metropolitana),
sindicalização por categoria, contribuição sindical, além da contribuição confederativa. Foi conservada a
prevalência do sindicato como legítimo representante dos trabalhadores para fins de negociação coletiva e
defesa de direitos e interesses individuais ou coletivos, o que afasta a participação das centrais sindicais,
da mesma forma como garantido o emprego do dirigente sindical desde o registro de sua candidatura até
um ano após terminado seu mandato.
Adiante, o art. 9º garante o direito de greve, devendo lei ordinária tratar da sua prática em serviços e
atividades essenciais, devendo sofrer penalidades aqueles que abusarem desse direito.
Por fim, assegurou a participação das categorias profissional e econômica em colegiados de órgãos
públicos, como os Conselhos Curadores do FAT, FGTS e Previdência Social (art. 10), da mesma forma
como previu a existência, mediante eleição em empresas com mais de 200 empregados, de um
representante destes.

AVANÇOS

Quanto aos avanços, relativamente ao salário mínimo, a partir da Lei nº 12.382, de 15.2.2011, pode ser
reajustado e aumentado por decreto do Poder Executivo, tendo esse dispositivo sido declarado
constitucional pelo STF (ADIn n. 4.568-DF, de 3.11.2011, Rel.: Min. Carmem Lúcia). Um avanço, porque
desburocratizou esse processo legislativo.
Outro avanço foi o aumento da idade do trabalhador menor. Antes era proibido o trabalho ao menor de 14
anos, salvo como aprendiz, e, a partir da Emenda nº 20 de 1988, a idade passou a ser 16 anos, com a
mesma exceção.

RETROCESSOS

A mesma Emenda nº 20, de 1998, passou a restringir o salário família, antes devidos a todos os
dependentes, apenas em razão daqueles de trabalhadores de baixa renda.
A Emenda nº 53, de 2006, reduziu de seis para cinco anos o direito à assistência gratuita aos filhos e
dependentes em creches e pré-escolas.
Quanto ao prazo prescricional para ajuizamento de ações na Justiça do Trabalho, a Constituição havia,
inicialmente, adotado dois critérios: um para o trabalhador urbano, de 5anos até o limite de dois após a
extinção do contrato e outro para o trabalhador rural de dois anos após a extinção do contrato. A Emenda
nº 28, de 25.5.2000, modificou essa regra e unificou o prazo prescricional tornando menos benéfico para o
rurícola que, agora, somente poderá haver os últimos dois anos de trabalho, esquecendo-se da realidade
do campo no Brasil.

CONCLUSÃO

Acredito que esses eram os pontos mais destacados que deseja trazer a consideração de todos.
Por ser muito analítica, presta-se a frequentes emendas, uma verdadeira colcha de retalhos que é alterada
a cada movimento temerário da economia, devendo, nesse particular, ser destacado que se trata de um
texto demasiadamente modificado. Afinal, até outubro de 2013, 75 emendas ordinárias e mais seis de
revisão, no total de 81 emendas, alteraram a Constituição, o que representa a média anual de 3,24 emendas
por ano, ou uma por cada quadrimestre.
Debalde esse aspecto, trata-se de um dos textos mais democráticos que tivemos e bastante liberal, o que
justifica plenamente ser comemorado efusivamente o seu jubileu de prata.
Belém, 03.11.2013.
Notas
(1)VIANNA, Segadas et alii. Instituições de direito do trabalho (I). 22ªed., São Paulo, LTr, 2005, p. 77.
(2)COSTA, Orlando Teixeira da. O direito do trabalho na sociedade moderna. São Paulo, LTr, 1999,
p. 97 passim.

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