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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Objeto e Âmbito do DIP ............................................................................................................... 3

Setores do DIP ........................................................................................................................... 5

Valores do DIP .............................................................................................................................. 9

Método do DIP ............................................................................................................................. 16

Método Substancialista ........................................................................................................... 16

Método Jurisdicionalista .......................................................................................................... 20

Método da Conexão/Método Conflitual.................................................................................. 21

Orientação Lima Pinheiro: a Regulação do Direito de Conflitos .............................................. 23

Adoção do Método Conflitual: síntese .................................................................................... 26

Fontes do DIP ............................................................................................................................... 28

FONTES INTERNACIONAIS ........................................................................................................ 28

FONTES EUROPEIAS.................................................................................................................. 30

FONTES INTERNAS.................................................................................................................... 32

FONTES NÃO-NORMATIVAS ..................................................................................................... 32

LP: FONTES TRANSNACIONAIS .................................................................................................. 33

DIP e Disciplinas Afins................................................................................................................... 34

DIP e Direito Constitucional...................................................................................................... 34

DIPrivado e DIPúblico ............................................................................................................... 36

DIP e DUE ................................................................................................................................. 38

DIP e Direito do Comércio Internacional .................................................................................. 43

DIP e Direito Comparado .......................................................................................................... 43

REGRAS DE CONFLITOS ................................................................................................................ 46

QUALIFICAÇÃO ............................................................................................................................. 55

Resolver Casos Qualificação .................................................................................................... 64

Interpretação e Concretização do ELEMENTO DE CONEXÃO ........................................................ 66

Elemento de Conexão: NACIONALIDADE ................................................................................. 68

REENVIO....................................................................................................................................... 72

Regência: DÁRIO MOURA VICENTE


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Sistema de Reenvio Português ................................................................................................. 81

Ordenamentos Jurídicos Complexos ............................................................................................ 93

Fraude à Lei................................................................................................................................ 100

Cláusulas de Exceção.................................................................................................................. 107

Normas Internacionalmente Imperativas ................................................................................... 113

Estatuto Direito Estrangeiro ....................................................................................................... 121

Reserva de Ordem Pública Internacional .................................................................................... 129

Lei Pessoal das Pessoas SINGULARES.......................................................................................... 137

Lei Pessoal das Pessoas COLETIVAS ............................................................................................ 146

Lei Reguladora das OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS ........................................................................ 159

Lei Reguladora da RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ...................................................... 168

Lei Reguladora da RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL ......................................................... 174

Lei Reguladora do ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA................................................................. 178

Lei Reguladora da GESTÃO DE NEGÓCIOS ............................................................................... 182

Lei Reguladora dos DIREITOS REAIS ......................................................................................... 186

Lei reguladora da PROPRIEDADE INTELECTUAL .......................................................................... 192

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- TEORIA GERAL DIREITO DE CONFLITOS -


Objeto e Âmbito do DIP
Lima Pinheiro: Existe uma pluralidade de sistemas jurídicos estaduais, em que cada um se
desenvolve com autonomia pelo que há uma diversidade de regulação jurídica das mesmas
situações da vida.
• Sociedades contemporâneas estão abertas a relações internacionais e dependem do
comércio internacional devido a fenómenos de integração económica internacional
(Organização Mundial do Comércio) ou de integração regional (UE, Mercosul).
• Dário Moura Vicente: Fenómeno da globalização abre as Sociedades e cria um
entrosamento entre Estados – fazendo surgir situações jurídicas privadas internacionais.

Ferrer Correia: DIP é o ramo da ciência jurídica onde se definem os princípios, se formulam os
critérios, se estabelecem as normas a que deve obedecer a pesquisa de soluções adequadas
para os problemas emergentes das relações privadas de caráter internacional.
➢ Nuno Andrade Pissarra: DIP é o ramo do Direito que tem por objeto situações privadas
internacionais/transnacionais e por função a regulação dessas situações
o Para que o DIP seja chamado a atuar, tem se estar perante esse objeto e função.

Dário Moura Vicente: o DIP regula SITUAÇÕES JURÍDICAS PRIVADAS INTERNACIONAIS


• Sujeitos são Particulares – não têm poderes de autoridade nem vestes de soberania1
• Situações são Plurilocalizadas – localização espacial reparte-se por 2 ou mais Ordens
Jurídicas.
o FC: Situações em que a expressão de uma atividade jurídica não se
comporta nas fronteiras de um único Estado, entrando em contacto,
através dos seus elementos, com diferentes sistemas de direito.
▪ Situações de direito privado que não se apresentam como a
expressão pura e simples da vida jurídica local, encerrando na sua
estrutura elementos estrangeiros (e tais elementos são outros
tantos pontos de contacto com outras conexões com sistemas de
direito diferentes).

Elemento de Conexão pode referir-se a:


• Pessoa dos Sujeitos da Relação Jurídica – nacionalidade, domicílio, etc.
• Facto Jurídico encarado em si mesmo – lugar da celebração, lugar da prática, etc.
• Coisa objeto do negócio jurídico – situação da coisa

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Lima Pinheiro: Também são situações privadas aquelas que estando implicado um Estado ou um ente
público autónomo, este não age na qualidade de sujeito público, mas como se de um particular se
tratasse.
➢ A participação de um sujeito público só obsta ao caráter transnacional da relação quando ela
fique submetida diretamente ao DIPúblico interno ou, por força do DIPúblico, seja uma relação
que se insira exclusivamente na Ordem Jurídica de um Estado estrangeiro, por se tratar de uma
atuação iure imperii, não ter sido celebrada convenção de arbitragem válida nem ter ocorrido
renúncia à imunidade de jurisdição.
➢ DIPrivado é aplicável a todas as relações que, embora implicando Estados ou entes públicos
autónomos estrangeiros, organizações internacionais ou agentes diplomáticos consulares de
Estados estrangeiros, sejam suscetíveis de regulação na esfera interna.

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Lima Pinheiro: o DIP regulação SITUAÇÕES JURÍDICAS PRIVADAS TRANSNACIONAIS


Todas aquelas em que se coloque um problema de determinação do Direito aplicável que deva
ser resolvido pelo DIP.
➢ Situações que transcendem a esfera social de um Estado soberano, entrando em
contacto com outras sociedades estaduais.
o Prefere “transnacionais” e não “internacionais” porque o conceito de
“internacional” está relacionado com DIPúblico.

Essas situações transnacionais carecidas de regulação jurídica são apreciadas segundo o


DIP de uma ordem estadual
➢ Para isso, na perspetiva dessa ordem jurídica tem de haver ELEMENTOS DE
ESTRANEIDADE – laços que ligam a situação a outros Estados.

FC: DIP procura formular os princípios e regras conducentes à determinação da lei/leis aplicáveis
às questões emergentes das relações privadas internacionais.
1. Situações Absolutamente Internacionais
• Ex: Português vende casa no Algarve a Britânico
2. Situações Relativamente Internacionais
• Ex: Dois ingleses compram uma casa em Londres. Um deles não paga o preço e
vem domiciliar-se em Portugal – situação parecia só relacionar-se com a Ordem
Jurídica inglesa mas vem a ser uma situação plurilocalizada
3. Ainda há situações que não sendo propriamente plurilocalizadas envolve o comércio
internacional e a troca de mercadorias entre fronteiras – estão em causa os interesses
do mercado internacional, surgindo no contexto de negócios internacionais ou sendo
financiada por capitais internacionais.
• Ex: Duas empresas Portuguesas importam mercadoria para vender

FC: A norma do DIP não propõe fixar, ela mesma, o regime das relações da vida social e compor
conflitos interindividuais de interesses – é regra de caráter meramente instrumental e limita-se
a indicar a lei que fornecerá o regime da situação (a lei onde se hão de procurar as normas que
venham a orientar a decisão do litígio).
➢ Nem todas obedecem a este esquema.

Cada Estado tem o seu DIP para uso interno – a sua interpretação do DIP.
• Os casos de DIP são resolvidos em cada Estado de acordo com normas do direito desse
Estado.
o Deveria ser a Comunidade dos Estados, agindo concertadamente, a resolver os
problemas de DIP através de uma definição que a todos vinculasse.
o Não existe consenso.
• A resolução do conflito de leis é de acordo com as leis que se tenham por mais
convenientes e mais justas, apuradas tendo em conta as Regras de Conflitos –
propõem-se a resolver um problema de concurso entre preceitos jurídico-materiais
procedentes de diversos sistemas de direito.

• A técnica usada consiste em a regra de conflitos deferir determinada questão ou área


de questões de direito (ou determinada função ou tarefa normativa) ao ordenamento

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jurídico que for designado por certo elemento da situação de facto (o elemento/fator
de conexão).
o Através da concretização do fator de conexão tornam-se conhecidas a lei e a
norma material chamadas a resolver a questão de direito proposta.

• Podem ser chamadas mais do que uma lei. Ex: num contrato podem aplicar-se normas
de 3 sistemas de direito – direito nacional das partes quanto à capacidade, direito
escolhido pelos contraentes quanto à substância e efeitos do negócio jurídico e lei do
lugar da celebração no tocante à forma externa.

LP: DIP regula as situações transnacionais através de um processo conflitual – através das
normas de conflitos, que são proposições que perante uma situação em contacto com uma
pluralidade de sociedades estaduais determinam o Direito aplicável.
• É um Direito de Conflitos2 – mas não conflitos de soberanias (competências legislativas
entre os Estados), não conflitos de leis (no sentido de conflito entre leis/normas da mesma
Ordem Jurídica local), não conflitos de DIP (quando os Direitos dos Conflitos das Ordens
Jurídicas em presença divergem entre si sobre qual delas deve regular o caso) .
• É um Direito com um processo de regulação indireta – regula as situações transnacionais
mediante remissão para o Direito aplicável.

Setores do DIP
O DIP contém regras que regulam:
1. CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO
LP: Direito de Conflitos stricto sensu

DMV: O Direito é um fenómeno cultural – é o produto da ideia de justiça presente em certa


comunidade.
➢ Logo, varia de Ordem Jurídica para Ordem Jurídica.
➢ Isso leva a que haja um conflito de leis no espaço – quais as leis que se aplicam as estas
situações?
o FC: É de elementar justiça e necessidade que toda a relação da vida social seja
apreciada em função dos preceitos de uma lei tida por competente.
▪ Não é diretamente por atenção ao interesse e à soberania dos Estados
que as suas leis civis devem ser reconhecidas e aplicadas além-
fronteiras; é sim, por atenção ao interesse dos indivíduos.
▪ Em DIP, são os interesses relativos aos indivíduos, não ao Estados, que
representam a dimensão jurídica preponderante, o principal critério e
sentido das normas jurídicas.

Ex: Português e Inglês querem fazer compra e venda. Acontece algo de errado e Português diz
que Inglês faltou à boa fé. Inglês diz que não tinha deveres pré-contratuais, pois não existe boa

2
Ferrer Correia: DIP é um Direito de Conflitos – conjunto de normas relativas à aplicação dos diferentes
sistemas jurídico-privados estaduais e aos conflitos de jurisdições (domínio onde se inclui o
reconhecimento de sentenças estrangeiras).

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fé no Direito inglês (Tribunais ingleses chegaram mesmo a dizer, em 1992, que tal ideia é
“repugnante”).
➢ Caso julgado em Portugal: tem dever de indemnizar
➢ Caso julgado em Inglaterra: não tem dever de indemnizar

Solução do caso depende totalmente da lei aplicável ao contrato – tem de se determinar à luz
de qual das leis com que se está em contacto se vai apreciar a situação.
➢ FC: Para resolver problemas deve escolher-se a Ordem Jurídica que seja mais
próxima da situação, i.e., que tenha com elas contacto mais forte ou mais estreito.
o Não seria boa solução sujeitar todos os factos e situações da vida jurídica
internacional à autoridade do direito local.
o Sistema da territorialidade das leis (omnia statuta realia) tem muitos
inconvenientes.

LEX CAUSAE = lei da causa = lei competente


Lei material designada como competente pelo Direito de Conflitos3
vs.

LEX FORI = lei do foro


• Foro – sítio onde a situação privada está a ser resolvida (em Tribunal) ou se prevê que
vá ser resolvida (uma vez que há questões que não chegam a ser discutidas em tribunal
e, apesar disso, são resolvidas).
o Depende do local.

NAP: não se deve confundir Direito dos Conflitos com Direito Internacional Privado
➢ O DIP é muito mais que esse setor4 – Direito de Conflitos é apenas um conjunto de
normas que regula 1 problema do DIP.

O Direito de Conflitos é o setor do DIP que tem por objeto as Situações Privadas
Internacionais e por função a regulação dessas situações através da determinação da
lei aplicável
➢ Nuno Andrade Pissarra: o critério de transnacionalidade relevante varia de setor do DIP
para setor do DIP.

SITUAÇÃO PRIVADA INTERNACIONAL NO DIREITO DE CONFLITOS – quando há contactos


juridicamente relevantes com vários Estados Soberanos.
• É preciso que os contactos fácticos correspondam às normas de conflitos
potencialmente aplicáveis – as do foro dos Estados em contacto com a situação e
eventualmente as dos Estados mais representativos a nível de Direito de Conflitos
o Tem de corresponder aos elementos de conexão utilizados pelas normas de
conflitos – mesmo que haja elementos de estraneidade, eles podem não ser
relevantes

3
Não deve ser confundida com “lei estrangeira”. A lei competente pode ser estrangeira ou nacional
4
Cada setor responde a problemas específicos.
➢ Não se pode utilizar normas de conflitos para saber qual o Tribunal competente.
o Ex: art. 46º CC não diz qual o Tribunal competente, apenas qual a lei competente.

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o Tem de se consultar os elementos de conexão das normas de conflitos para ver


se elas se aplicam.
• Ex: angolano vivem em Portugal há 10 anos e compra um livro em Portugal a um
português. Não se aplica DIP à compra e venda mas já se aplica à capacidade
• Este Conflito não pode ser de leis internas – tem de se ter por objeto as situações
privadas internacionais e não podem ser normas de conflitos interlocais5. Ex: Estados
Federais

Ao se regular Situação Jurídica Privada Internacional, as normas de conflitos podem ser as


processuais ou só as materiais?
➢ Função de regular é só em relação às normas materiais – o processo seria decidido e aplicava-se logo o CPC.
➢ Função de determinar a lei aplicável é a lei material e substantiva.
o Aplica-se imediatamente o Direito Processual do foro e usam-se as normas de
conflitos6 vigentes na Ordem Jurídica do Estado do foro – Tribunal do foro
aplica imediatamente as normas de conflitos vigentes no foro.

E mesmo que os tribunais nacionais apliquem a lei estrangeira, tal não pode colidir com a
Reserva de Ordem Pública Internacional
➢ Mecanismo que conduz à correção das decisões.
➢ Ex: seria estranha um tribunal em Portugal prejudicar uma pessoa cuja boa fé foi lesada
– uma vez que esse princípio é estruturante da Ordem Jurídica portuguesa.

2. CONFLITO DE JURISDIÇÕES
LP: Direito da Competência Internacional

FC: assegurar o reconhecimento no Estado do foro das situações jurídicas puramente


internas, mas situadas na órbita de um único sistema de direito estrangeiro.
➢ Visa fundamentalmente garantir a estabilidade e a continuidade das situações da
vida jurídica dos indivíduos.

O DIP vem clarificar quais os Tribunais que seriam competentes para julgar o caso.
• Não basta aferir qual a lei aplicável, mas, é necessário perceber qual o Tribunal a que a
causa pode ser submetida.
• Os órgãos de aplicação do DIP são os que aplicam o Direito no geral, portanto tem de
haver normas de competência internacional. Ex: Regulamento 1215/2012 UE

5
FC: Conflitos Interlocais – analogia com os conflitos internacionais em que cada um dos sistemas
jurídicos tem o seu território próprio que não coincide com o território do Estado (mas é uma divisão
desse território, uma região ou província).
➢ Visto a nacionalidade ser só uma, o elemento de conexão decisivo será o domicílio e as normas
de conflitos serão, em regra, únicas para todo o território do Estado.
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São aplicadas imediatamente pois não há normas de conflitos a dizer quais as normas de conflitos que
se aplicam – são aplicas imediatamente para determinar qual o direito material aplicável.

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3. REGULAÇÃO DE MECANISMOS DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL7


Para prosseguir os seus objetivos, o DIP pode ter de se socorrer de autoridades judiciárias
estrangeiras, de forma a obter meios de prova, citar pessoas, conhecer o Direito e etc.

4. RECONHECIMENTO E APLICAÇÃO NO FORO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS


LP: Direito do Reconhecimento

DMV: Há uma temática próxima que se agrega a esta categoria: reconhecimento de atos públicos
estrangeiros que tenham efeito em Portugal. Ex: notário, escritura pública, registo civil e etc.

5. ARBITRAGEM INTERNACIONAL?
DMV: os casos que o DIP regula (de 1. a 4.) colocam-se com certas especificidades quando
estamos perante um Tribunal cuja natureza é arbitral.

7
Entendido como uma das situações reguladas pelo DIP apenas por Dário Moura Vicente.

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Valores do DIP
Antes se apurar qual o método que rege a determinação da lei aplicável a situações
internacionais privadas, temos de perceber quais os fins últimos que são visados por esta
disciplina.
➢ DMV: só na base da identificação de valores é que podemos definir uma metodologia
adequada e saber por que processo/de que forma é que disciplinamos as situações
privadas internacionais.

Axiologia do DIP não serve só para determinar o método de regulação das Situações Privadas
Internacionais e tem outras capacidades:
A. Relevância Dogmática – apuramento dos dogmas e fins últimos da disciplina jurídica
B. Relevância Hermenêutica – elementos fundamentais para interpretação de normas
C. Relevância Heurística – tudo tem de atender ao espírito do sistema, tanto no plano da
integração de lacunas como no da correção do resultado

Estes valores são as bases dos princípios8 e são essenciais para toda a tarefa de resolver um caso.

JUSTIÇA FORMAL vs. JUSTIÇA MATERIAL


FERRER CORREIA: DIP dá primazia a valores de certeza e estabilidade jurídica – Justiça
do Direito de Conflitos é predominantemente de cunho formal.
➢ DIP tem como função reduzir a instabilidade das situações jurídicas (em virtude de estas
serem transnacionais) ao assegurar o respeito pelas relações jurídicas onde quer que
um interesse legítimo faça surgir a necessidade de obter para elas a proteção da lei.
➢ No DIP propõe-se finalidades e norteia-se por princípios que não coincidem, em regra,
com os que se afirmam no plano do direito material.
o No entanto, a ordem para que tendem não é arbitrária e cega a valores, é
orientada para certos fins e a justiça conflitual (por conseguinte ao sistema
axiológico do ordenamento jurídico) não é indiferente à aplicação de uma lei
pessoal ou uma lei do foro.
o Não são regras axiologicamente neutras e têm o sentido de servir a justiça.
▪ Uma justiça predominantemente formal: da certeza e estabilidade
jurídica
▪ Pode operar-se a escolha do direito aplicável “de olhos vendados”,
fazendo abstração completa do conteúdo da lei a que submete as
situações multinacionais.
▪ Não é seu intento confiar o caso à melhor lei, a mais adequada à sua
especificidade; senão à que mais próxima estiver da situação concreta.9

Valores do DIP:

8
Expressão normativa dos valores
9
A lei considerada competente tem de ser apta a reger – através dos seus preceitos materiais ajustados
à matéria ou à categoria normativa visada pela regra de conflitos – as situações multinacionais que se têm
em vista, ou determinados aspetos dessas situações.
➢ Mas esta conexão, em princípio, não tem que ver com o conteúdo da lei e sim com a sua posição
espacial – a lei aplicável será a que tiver conexão mais forte/estreita com a relação/situação
jurídica em causa, tendo em conta uma ponderada avaliação dos interesses que se apresentam
como prevalecentes no setor considerado.

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I. Harmonia Jurídica Internacional – vem de Savigny e responde à intenção primeira do


Direito de Conflitos de assegurar a continuidade e uniformidade de valoração das
situações plurilocalizadas.
• Mas se só este princípio fosse tido em conta o conteúdo das normas de conflitos
seria indiferente. A partir deste principio não é possível elaborar um sistema de
regras de DIP.
II. Harmonia Material - exprime a ideia de unidade do sistema jurídico, no sentido de não
tolerar antinomias normativas.
III. Interesse da boa administração da justiça – é mais fácil os tribunais Estaduais decidirem
os litígios que lhes são submetidos tendo em conta o seu próprio direito nacional, em
que são versados – assim facilita-se-lhes a tarefa e garante-se o acerto das decisões
IV. Princípio do Estado com Melhor Competência – aquele que tem melhores condições
para impor o acatamento dos preceitos.
V. Paridade de tratamento dos sistemas jurídicos – DIP deve colocar os sistemas jurídicos
em pé de igualdade, de modo tal que uma legislação estrangeira seja considerada
competente sempre que, se ela fosse lex fori e as mesmas circunstâncias ocorrentes, a
lex fori se apresentasse como aplicável.

LIMA PINHEIRO: Esta justiça10 é maioritariamente formal ou conflitual, por oposição à justiça
material que diz respeito à solução material do caso.
➢ Mas mesmo nas normas de conflito, o DIP não abstrai completamente da solução
material do caso.

As normas de conflitos, ao revelarem soluções materiais, devem fazê-lo de uma forma geral e
abstrata atendendo a valores e princípios e não valorações casuísticas feitas pelo órgão de
aplicação do Direito.
➢ Não há sistema universal de valores e princípios juridicamente válidos para todas as
ordens jurídicas estaduais – por conseguinte não há sistema universal de valores e
princípios do DIP.
o Há grandes núcleos valorativos comuns a muitos sistemas nacionais de DIP,
mas, mesmo entre estes há diferenças importantes ao se atender à Ordem
Jurídica desse Estado a que o DIP não é imune (uma vez que há grandes vetores
que percorrem toda a Ordem Jurídica).
Valores Formais do DIP:
I. Certeza e previsibilidade – normas de conflitos aplicáveis devem poder ser conhecidas
pelos destinatários e devem permitir a determinação do Direito aplicável com facilidade
e certeza.

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Justiça Conflitual pode exprimir a adequação de um Direito supraestadual (DIPúblico) ou Direito
paraestadual (Direito Autónomo do Comércio Internacional) na regência de uma determinada categoria
de situações transnacionais, sem que esteja em causa qualquer laço entre a situação em causa e um
Estado.
Justiça Conflitual pode atender a considerações jurídico-materiais e à adequação material de um Direito
estadual ou não estadual para reger determinada categoria de situações transnacionais ou um seu aspeto.
Só se invoca uma ideia de “justiça conflitual” quando as partes acordem num julgamento segundo a
equidade ou quando não for possível realizar a justiça da conexão por meio de uma norma de conflitos
com conceito designativo indeterminado

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• Aponta para a preferência de se utilizar regras de conflitos gerais e abstratas


com elementos de conexão cognoscíveis por todos os interessados.
II. Harmonia internacional de soluções – sem isto prejudica-se a segurança jurídica.
• Perante a inevitabilidade de divergências entre as soluções dos diversos
Estados, tem de se admitir a devolução nos casos em que tal sirva a obtenção
da harmonia internacional..
III. Tutela da confiança – exigência de limites à aplicação no tempo e no espaço do Direito
de Conflitos
IV. Favorecimento da validade dos negócios e de legitimidade dos estados – enquadrado
na tutela da confiança e na justiça igualitária

Valores Materiais do DIP:


I. Dignidade da Pessoa Humana = DMV
II. Igualdade = DMV
III. Confiança ≠ DMV
IV. Adequação – ínsita na própria ideia de justiça da conexão. Ex: nas matérias de estatuto
pessoal os elementos de conexão devem traduzir laços íntimos e estáveis com os
interessados
V. Equilíbrio – importante nas matérias em que sobreelevam os interesses das partes,
designadamente os contratos obrigacionais.
VI. Ponderação – exige uma harmonização de bens e interesses.
• Importante quando se utilizam conceitos designativos indeterminados e
cláusulas de exceção.
VII. Liberdade – respeito pelas decisões de cada ser humano.
• Tem como corolário a subsidiariedade do DIP (não deve regular situações
privadas e sociais que não careçam dessa regulação)
VIII. Bem comum – tanto da sociedade estadual (tendo em conta interesses públicos do
Estado e políticas para a sua realização) como universal (ao nível do respeito pelo DIP e
valores de Direitos Universais).

DÁRIO MOURA VICENTE: Grandes ideais do DIP são os ideais do Direito Privado e os da Ordem
Jurídica como um todo.
➢ DIP é autónomo por força do seu objeto e método mas não por força dos seus valores,
comuns a toda a Ordem Jurídica
o As projeções desses valores no DIP é que têm um cunho específico

Mas não é uma justiça diferente de outras disciplinas – a justiça no DIP é tão material como
qualquer outra disciplina do direito privado.
➢ O que aqui diverge é o modo como se dá a realização a esses valores.
o Este ramo do Direito não é um ramo puramente formal, um Direito sobre
Direito assente numa justiça formal – o DIP tem função material de prover à
resolução de conflitos de interesses nas situações privadas internacionais, e
essa resolução faz-se em conformidade com os valores fundamentais da nossa
Ordem Jurídica.

Valores do DIP:
1. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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Art. 1º CRP
➢ Toda a Ordem Jurídica tem como objetivo fundamental a realização deste valor.

A. Tem reflexo no DIP em matéria de Estatuto Pessoal: art. 25º CC (remete para art. 31º CC)
Lei pessoal – conceito de lei que acompanha a pessoa; há uma lei da pessoa onde quer que se
encontre, de onde quer que ela provenha e onde quer que aja.
➢ FC: Os indivíduos, os sujeitos das relações de direito privado tiram vantagem de
serem submetidos, em tudo o que respeita ao seu estatuto pessoal, a uma lei a
que podem chamar de sua lei – uma lei a que estejam ligados de maneira estreita
e permanente.

As pessoas não se podem ver despojadas de estados ou qualidades que têm de acordo com a
lei do país de onde são originários.
➢ Exclui que se aplique a lei do lugar onde se encontra – geraria instabilidade muito grande
na regulação do estatuto pessoal e entravaria muito o tráfego jurídico internacional. Ex:
pessoa podia ser casada num Estado e não noutro, maior num Estado e não noutro, filho
num Estado e não noutro.
o Não seria possível estar-se sujeito à mudança de situação jurídica por passar a
fronteira
➢ Seria uma solução contrária à salvaguarda DPH pois estas situações são inerentes à
pessoa – são certos estados e qualidades que a integram e em que ela está investida de
acordo com a lei do país de que é originária.

LP: tem relevância ao nível da escolha das conexões, respeitando a personalidade dos indivíduos,
ligado à noção de estatuto pessoal.
➢ Implica também a conformidade dos elementos de conexão com os direitos fundamentais.

B. Tem reflexo no DIP em matéria de Direito dos Estrangeiros: art. 14º CC (atende ao art. 15º
CRP)
➢ Ideia personalista que rege a Ordem Jurídica portuguesa – estrangeiros são equiparados
a nacionais e são tratados como pessoas.
o Seria contrário à DPH recusar a uma pessoa, pela circunstância de ser nacional
de um país estrangeiro, a suscetibilidade de ser titular de direitos perante a
Ordem Jurídica nacional.

LP: insere na Igualdade Perante a Lei.


➢ Traduz-se no caráter bilateral da norma, aplicação dos mesmos elementos de conexão,
igualdade de tratamento nas situações, exclusão de elementos discriminatórios, paridade
de tratamento entre Direito material estrangeiro e nacional e etc.
➢ Também postula a harmonia internacional de soluções.

2. AUTONOMIA PRIVADA
O DIP reconhece a autonomia da vontade.

A. Possibilidade dos Interessados escolherem a Lei aplicável – art. 3º Regulamento 593/2008 CE


(Roma I) e outros.

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• Quando as partes escolhem a lei aplicável aos contratos de que são parte, está a
favorecer-se a certeza quanto ao Direito aplicável e a segurança jurídica.
o Esta faculdade é muito importante no âmbito do DIP pois permite saber, à
partida, qual a lei que vai reger aquela situação jurídica.
• Ao mesmo tempo reconhece-se aos interessados uma certa esfera de liberdade nas
regulações das situações jurídicas em que intervêm – permite-se às pessoas que
escolham o regime jurídico que têm por mais ajustado a essas situações jurídicas.
o FC: Interesse dos sujeitos reclama um sistema que facilite o
desenvolvimento da sua vida jurídica e lhes conceda o direito de escolher
a lei aplicável às relações que constituem.

B. Possibilidade dos Interessados escolherem o Tribunal competente – art. 25º Regulamento


1215/2012 UE e outros.

3. TUTELA DA CONFIANÇA
Inferido pelo TC do art. 2º CRP – trata-se de salvaguardar as expetativas legítimas das pessoas
nas situações jurídicas.
➢ As situações privadas internacionais, por estarem conexas a mais de uma Ordem
Jurídica, reclamam uma regulação jurídica que acautele o mais possível a tutela das
expetativas legítimas.

Como é isso feito?


A. Reconhecimento em território nacional da eficácia da lei estrangeira – admite-se a
aplicação pelos tribunais portugueses de leis estrangeiras11.
• Ordem Jurídica portuguesa está aberta à aplicação de lei estrangeira, pois tal é
exigido pela tutela da confiança, que traz consigo o reconhecimento de
situações jurídicas constituídas ao abrigo de lei estrangeira
B. Evitar a formação de situações claudicantes – este valor pretende evitar que situações
jurídicas que produzem certos efeitos em determinada ordem jurídica, não sejam depois
reconhecidos noutras ordens jurídicas com as quais têm conexões significativas.
• Art. 31º/1 CC – atos do estatuto pessoal em princípio estão sujeitos à lei
portuguesa.
• Há muitos emigrantes portugueses que quotidianamente celebram negócios
jurídicos referentes ao seu estatuto pessoal e fazem-no de acordo com a lei do
local onde residem (e não de acordo com a lei portuguesa).
• Se em Portugal recusássemos qualquer efeito a esses negócios jurídicos iriamos
violentar as expetativas legítimas dessas pessoas – os emigrantes utilizaram lei
local e quando voltam têm legítimas expetativas que cá também se aplique.
• Art. 31º/2 CC – estabelece que sob certas condições se pode aplicar, a matérias
do estatuto pessoal, a lei da residência habitual desde que ela se considere
competente.
C. Tutela da aparência – favor negotiatis do art. 28º CC.
• O negócio jurídico não é efetivamente válido segundo a lei que lhe deve ser
aplicada, mas, como alguém fundadamente pensou que seria válido de acordo
com certa lei, é reconhecido em território nacional.

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DMV: nos EUA isto não é assim

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

D. Cláusulas de exceção à aplicação de uma lei, que não é a lei que está prevista na regra
de conflitos – art. 17º CC pode fundar-se também na tutela da confiança
E. Reconhecimento em território nacional de sentenças e outros atos públicos
estrangeiros

LP: Importante para a conformação global do sistema de DIP e para a fundamentação de


determinadas conexões (através dos princípios da conexão mais estreita e da personalidade).

4. IGUALDADE PERANTE A LEI


Art. 13º CRP
➢ Situações jurídicas valoradas da mesma forma onde quer que se encontrem.

A. Forum Shopping – fenómeno em que se há vários Tribunais competentes, o autor manipula


onde coloca a ação, porque pode ter vantagens e ser benéfico.
• É possível que mais do que 1 tribunal se considere competente para julgar o litígio – isto
acontece porque não há critérios idênticos para a regulação da competência
internacional.
• Sendo assim, importa evitar que uma das partes vá propor a ação perante o tribunal
onde antevê que conseguirá ter uma solução mais favorável aos seus interesses.
o Lesa a igualdade porque a parte mais expedita, pelas circunstâncias de propor
a ação em primeiro lugar perante os tribunais de certo país, vai conseguir
manipular o desfecho da ação.

Deve evitar-se esse fenómeno e assegurar o mais possível que o resultado da causa seja o
mesmo onde quer que a ação seja proposta – realizar a Harmonia das Regras Internacionais,
em consonância com o princípio importante da Harmonia Jurídica Internacional.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Esta harmonia consegue-se consagrando na legislação de cada país elementos de


conexão, nas regras de conflitos locais, que sejam amplamente aceites na ordem
internacional.

B. Também pode ser conseguido no domínio do Reenvio – quando há um conflito de sistemas,


em que as normas de conflitos resolvem de forma diferente.
• Numa situação em que a nossa lei remete para certa lei estrangeira e esta, por seu turno,
para uma terceira legislação ou a devolve para a lei do foro, ao permitir-se que os nossos
tribunais julguem a causa é assegurar que eles aplicam à questão privada internacional
a mesma lei que seria aplicada pelo tribunal estrangeiro a que essa mesma situação
fosse submetida.
• Ex: Brasileiro vive em Portugal e vai ao Brasil de férias. Há situação privada internacional.
Brasil diz que se aplica a lei Pt e Portugal diz que se aplica a lei Br. Portugal aceita o
reenvio do Br (ao dizer que se aplica lei Pt) pois mesmo que se vá julgar no Brasil eles
vão aplicar lei Pt (que será melhor aplicada em Portugal).
o Ferrer Correia: Interesse da Boa Administração da Justiça

5. VALORES SOCIAIS
Há inúmeras regras no Direito privado que permitem acautelar a posição da parte mais fraca, o
que também se verifica no DIP.
➢ Contratos de Consumo, Contratos de Trabalho, Contrato de Agência
o Ex: art. 6º, 8º Reg Roma I
▪ Pode ter que se fazer balanço e aplicar o mais favorável à parte mais
fraca – limita-se o alcance da lei escolhida pelas partes em benefício da
lei do local que se aplicaria supletivamente e era mais benéfico.

Há um conjunto muito vasto de situações privadas internacionais em que avulta esta


preocupação e se manda aplicar certa lei à questão privada internacional, homenageando o
princípio da proteção da parte mais fraca.

Valores de preocupação com as relações económicas


Art. 46º/1 CC – Lex Rei Sitae – Lei que incide sobre as coisas é a do local das coisas
➢ Assim é mais fácil apurar o estatuto das coisas e é mais intuitivo.

Tem subjacente razões de interesse público: Estado reserva-se a possibilidade de regular os


imóveis que estão no seu território – salvaguardando este elemento de soberania.
➢ Ferrer Correia: princípio do Estado com Melhor Competência

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Método do DIP
Esta é uma disciplina que tem de ser capaz de garantir a livre circulação dos direitos
através de territórios sujeitos a leis diversas, assegurando a estabilidade e continuidade
nas relações jurídicas internacionais.
➢ Alcança-se esse objetivo com o Método do DIP.

A regulação das Situações Internacionais Privadas passa pela distinção do método e, havendo
vários métodos, é pressuposto que se encontre entre eles um critério que não pode ser outro
do que a orientação pelos valores do DIP.
➢ DMV: doutrina que entende um pluralismo de métodos de regulação internacional –
pluralidade de métodos do DIP

LP: A “pluralidade de métodos” tem mais que ver com uma pluralidade de fontes de regulação e
de técnicas de regulação conflitual do que com um verdadeiro problema metodológico.
➢ LP: entende que só há 2 processos de regulação: Direta e Indireta
o Mas dentro destes há várias técnicas.
▪ NAP: mas técnicas também são métodos, daí a pluralidade

DIP atual assume como característica predominante a de procurar atingir os seus


objetivos utilizando diferentes meios ou vias metodológicas.
➢ Ferrer Correia: Método pluralista e multidimensional, sendo essencialmente um
Direito de Conflitos

Método Substancialista
A regulação das situações privadas internacionais deve ser levada a cabo através de normas
materiais, de direito substantivo e que deem a solução para o caso em apreço.
➢ Proposta de formulações de soluções materiais para as situações da vida
internacionais.

Pode ser um único Direito Material aplicado tanto às matérias internas como às situações
jurídicas internacionais.
• Principalmente por via de Convenções Internacionais.
o Para isto muito contribuiu a Comissão das Nações Unidas para o Direito
Comercial Internacional (CNUDCI) e o Instituto para a Unificação do Direito
Privado (UNIDROIT).
o Também os regulamentos da União Europeia
• Principais áreas de unificação: venda internacional de mercadorias, transportes
internacionais, direitos sobre embarcações e aeronaves, Direito Marítimo, Direito da
Propriedade Intelectual, testamentos.

Ex: CC Europeu – DMV critica, pois Direito é fenómeno cultural.


➢ Malta só consagrou o divórcio em 2011 e esse é um direito fundamental noutros
Estados-membros.
➢ Não é possível unificar culturas tão díspares numa única codificação material.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Há outras soluções menos ambiciosas: Convenção Viena 1980 sobre compra e venda de
mercadorias
➢ Portugal não se vinculou

Maior parte do DIP material é incompleto – não há regulação para todas as situações privadas
internacionais, embora, à partida, parecesse ser uma solução boa que tende a garantir a justiça
e a adequação às situações transnacionais, bem como atender à segurança jurídica.
• Âmbito limitado – é moroso, difícil e com custos elevados;
• Pode não vincular todos os Estados soberanos – não tem caráter geral e há domínios de
difícil unificação devido aos valores ético-jurídicos de cada comunidade estadual; não é
universal pois nem todos os Estados são partes nas Convenções de Direito material
unificado (o número e o peso dos Estados contratantes nunca é universal);
• Não se unifica sistemas jurídicos
o Há diversas famílias jurídicas a aplicar o mesmo direito. E se houver lacunas, como se integra? E
quanto à interpretação?
o Divergências de interpretação e integração do Direito unificado (se não houver
Tribunais internacionais devem ser os Tribunais estaduais que têm de ter em
atenção a autonomia e especialidade do Direito unificado, esforçando-se para
favorecer a uniformidade internacional de interpretação).

DMV: pontos que mostram que o DIP material uno não é uma solução

Há mecanismos de Harmonização:
Estabelecimento de regras ou princípios fundamentais comuns – não se visa estabelecer um
regime idêntico nos diversos sistemas nacionais, mas tão-somente aproximar estes sistemas. Ex:
Leis-Modelo, Diretiva da UE, Princípios
➢ Não altera o normal funcionamento do sistema do Direito de Conflitos, uma vez que não
elimina as diferenças entre os ordenamentos em presença, limitando-se a atenuar estas
diferenças mediante uma aproximação das normas de fonte interna que neles vigorem

Há manifestações de Unificação12:
LEX MERCATORIA – direito que regula contratos comerciais internacionais. Criado pelo costume
dos operadores económicos.
• Conceção Maximalista: hoje, a Lex Mercatoria é Ordem Jurídica autónoma,
independente às Estaduais. Art. 3º Reg Roma I seria derrogado pois ao ser operado
económico podia não ser regido por Estados.
• Conceção Minimalista: não tem densidade para ser uma Ordem Jurídica. Apenas
complementa as Ordens Jurídicas estaduais. Não se pode ter todo o contrato regido

12
FC: Criação de normas de direito material especial para as relações internacionais.
• Pode surgir de forma consuetudinária, como no caso das transações comerciais internacionais.
• Pode surgir de forma convencional
o Convenções que estabelecem direito material uniforme – substitui nos Estados
contratantes o direito neles vigente, tanto no que respeita às relações internacionais
como pelo que toca às relações internas.
o Convenções que estabelecem direito material unificado – estabelecem direito
material uniforme para determinada área de relações jurídicas, quando e só estas
assumam natureza internacional.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

pela Lex Mercatoria mas, em certas partes, é possível. Ex: aplica-se Lex Mercatoria ao
lugar do cumprimento. Pode ser usada para afastar as leis supletivas dos Estados.
o DMV: orientação mais adequada, pois falta completude à Lex Mercatoria para
ser uma Ordem Jurídica – afeta a segurança jurídica, uma vez que as partes não
têm a certeza da sua aplicação.
▪ Mas, a Lex Mercatoria pode ainda valer no sentido de Referência
Material – incorporação para substituir as regras supletivas do Estado.
▪ Não é Referência Conflitual, que permite afastar a aplicação de regras
de uma Ordem Jurídica em detrimento da aplicação de regras de outra
Ordem Jurídica (art. 3º Reg Roma I)
o FC: Lex Mercatoria é conjunto extremamente rico, todavia muito incompleto,
de usos, práticas e regras de natureza corporativa que se praticam no comércio
internacional.

PRINCÍPIOS UNIDROIT + DRAFT COMMON FRAME OF REFERENCE


• Tentam impedir a falta de segurança jurídica da Lex Mercatoria e são associações que
tentam criar conjunto de normas que as partes podem voluntariamente aceitar –
impede a incerteza da Lex Mercatoria e esclarecem-na, na ótica dessas associações.
o As associações criam um conjunto de Direito Material que entendem ser o
melhor para reger as situações privadas internacionais.

Lima Pinheiro:
Só em 3 casos se verifica uma regulação DIRETA de situações transnacionais no seio da ordem
jurídica estadual
1. Direito Material Comum do Foro é aplicado a quaisquer situações independentemente
de estas comportarem elementos de estraneidade. Ex: Estado X aplica a todas essas
situações jurídicas transnacionais o direito material comum aplicável às situações
internas
2. Soluções ad hoc ou Direito Material especial de fonte interna são aplicados a situações
que tenham elementos de estraneidade, independentemente dos laços com o Estado
local. Ex: Estado Y cria Direito material especial para regular todos os contratos
internacionais.
3. Direito material especial de fonte supraestadual é aplicado a situações transnacionais,
independentemente de uma conexão entre estas situações e um dos Estados em que
vigora esse Direito. Ex: convenções internacionais para certo tipo de contrato
internacional

Em regra a regulação é indireta.

Uma aplicação direta do Direito material comum pode comprometer a continuidade das
situações transnacionais, colocando em risco a segurança jurídica e a harmonia
internacional de soluções, e seria incompatível com o DIPúblico.
• O Direito a aplicar não seria previsível, porque variaria consoante o Estado em que a
questão se colocasse – a aplicação de um Direito diferente em cada Estado fomentaria
a desarmonia internacional de soluções, o que conduziria à incerteza sobre as situações
jurídicas existentes (o que poderia levar à frustração de expetativas objetivamente
fundadas dos interessados, o que contradiz com o princípio da confiança).

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Técnica de regulação que fomentaria o fórum shopping (escolha do foro mais


conveniente à pretensão) – claro que ainda existe quando há divergências e vários
tribunais são internacionalmente competentes, mas seria facilitado se os tribunais de
cada Estado aplicassem sempre o seu Direito interno.
• Poderia negar, injustificadamente, direitos adquiridos pelos estrangeiros segundo
Direito estrangeiro.

Estados podem criar um Direito material especial aplicável exclusivamente às relações


transnacionais – só é técnica de regulação direta se for aplicável a quaisquer situações que
comportem elementos de estraneidade independentemente de uma ligação com o Estado do foro.
• É criticável mas não quanto a certas questões bem delimitadas – aí justifica-se a
formulação de normas de direito material especial diretamente aplicável (DIPrivado
Material).
o DIP Material: designa a categoria muito específica daquelas regras de Direito
material especial que são aplicáveis a quaisquer situações internacionais que
correspondam à sua previsão, quer limitando a atuação do Direito de
Conflitos, quer complementando o seu funcionamento. Ex: art. 54º/2 CC.
o Há conexão com Estado estrangeiro (ou elemento de estraneidade) e com
Estado do foro – conexão definida por normas de conexão ad hoc (normas de
conflitos unilaterais que se reportam a normas ou conjuntos de normas
materiais individualizadas).
▪ Normas de aplicação dependente do sistema de Direito de Conflitos –
art. 2223º CC (possivelmente derrogado com o regulamento quanto ao
regime sucessório); art. 3º CSC (normas de Direito material especial aí
contidas são aplicáveis no quadro da competência atribuída ao Direito
português pela norma de conflitos do art. 3º/1)
▪ Normas cuja aplicação resulta de normas de conexão espaciais –
normas que estabelecem tratamento específico para os estrangeiros
(investimento estrangeiro, direito de estabelecimento, circulação de
capitais, etc.).

Ferrer Correia:
A tendência para adotar soluções materiais ad hoc não é de condenar absolutamente, ela
deve é ser reservada para casos excecionais.
➢ Não se está a procurar aplicar Direito Material do foro. Procura-se regular, através de
Direito Material especialmente elaborado para o efeito.
o O que é preciso é a existência de critérios que nos permitam distinguir, com
clareza, tais hipóteses.
o Mas ao tentar definir esses critérios não devemos olvidar que o método das
soluções casuísticas é deficiente e poderá conduzir a resultados justos mas à
custa do valor da segurança jurídica.

Usando o método das soluções materiais pode ocorrer:


• Cúmulo Jurídico – concorrência de normas na resolução do caso, aparecendo duas ou
mais normas materiais que podem ser, porventura, contraditórias.
• Vácuo Jurídico – ausência de toda e qualquer norma aplicável

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Isto surge no DIP pois não há conexão de sentido entre sistemas jurídicos
diferentes pois não há um plano ou desígnio unitário em que os preceitos se
ajustam e correspondem mutuamente.

Podem resolver-se com Regras de Conflitos Especiais, do segundo grau/escalão.


➢ Se não se resolver então pode fazer-se uma Adaptação: comparando as normas
das leis em presença, combinam-se e tenta-se encontrar uma solução que lhes
respeite o sentido/ratio e se adapte à singularidade do caso presente.

FC: nas tendências substancialistas insere-se outra


PESQUISA DA MELHOR LEI (BETTER LAW APPROACH)
• Defendida por Cavers (EUA).
• Doutrina que não repudia o sistema de conexão: aplica-se a lei, de entre as que têm
contacto com a situação concreta, que venha regular do modo mais adequado ou mais
justo.
o Utiliza-se para isso princípios de referência para que perceber qual a melhor lei
que, encaradas as coisas do ponto de vista que o DIP institui, nem sempre será
a que melhor convém à situação concreta, dada a sua natureza de relação
plurilocalizada, se não olhar as expetativas dos interesses e os vários fins que o
DIP colima.

Método Jurisdicionalista
Menezes Cordeiro é favorável a que se o tribunal português for competente, então só deve
aplicar o direito português, mesmo que a situações privadas internacionais
➢ Basta, para aplicar uma lei, que a jurisdição seja competente.
➢ Se houver norma a dar competência a órgãos de aplicação do Direito, então eles vão
aplicar direito material do foro.

Vantagens:
• Boa administração da justiça – tribunais de cada país aplicam unicamente a sua própria
lei pelo que será uma justiça tecnicamente mais aperfeiçoada por nessa lei serem mais
versados.
• Tempo do processo e dispêndio de recursos económicos – não há a necessidade de
averiguar qual a lei estrangeira aplicável.

Desvantagens:
• Afeta Tutela da Confiança – o tribunal português, ao aplicar a lei portuguesa a uma
determinada situação privada internacional que com ela não tem quaisquer ligações,
além de ser a jurisdição do foro, viola a confiança legítima.
• Propicia o fórum shopping – que lesa a igualdade entre as partes

LP: O regime da competência internacional também tem de atender a outras considerações


específicas, como a proximidade do tribunal relativamente às partes e às provas e a eficácia
prática da decisão, que são diferentes das considerações que orientam a formulação das normas
de conflitos de leis.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Nuno Andrade Pissarra: A diferença deste método para o do Direito Material Comum é que
aqui há perceção de internacionalidade das questões, enquanto no método de Regulação
Direta não há essa perceção e trata tudo como interno.
➢ Solução é a mesma, mas há esta nuance teórica.

Método da Conexão/Método Conflitual


Solução de coordenação – recorre-se a regras de conexão de lei no espaço.
➢ Procura-se qual a lei que apresenta uma melhor ligação à situação. Procura-se
designar a lei em cuja moldura deverão procurar-se os preceitos materiais
aplicáveis ao caso em questão.
o O que se pergunta é qual dos sistemas é chamado a regular o caso, tendo
em conta as conexões existentes entre as leis interessadas e os factos a
regular.

Utilizam-se Normas de Conflito – normas de regulação indireta.


Não indica qual a solução, indica qual o direito material que vai regular a situação.
➢ Regras que, através de um elemento, apontam a lei em concreto que se vai aplicar à
situação privada internacional.
o Consiste em procurar, para cada situação jurídica típica, o laço que mais
estreitamente a prenda a um sistema de Direito determinado.
o Mas essa conexão tem de ressaltar dos fins do DIP como um todo,
preordenando os seus valores e interesses.

Norma de Conflitos pode ser de fonte interna ou externa. Ex: para o casamento aplica-se o art.
49º CC; para o divórcio já não se aplica o art. 55º CC, mas sim o Regulamento Roma III (dá a
mesma norma de conflitos a regular esta situação jurídica em toda a UE).

O que leva a escolher uma lei em vez de outra?


Interpretação de valores da Ordem Jurídica a que pertence a norma de conflitos.

Doutrina Clássica: deve funcionar através de mecanismos de localização espacial. Tem de


apontar para pontos no espaço.
➢ Savigny – o autêntico problema do DIP é o de procurar para cada relação jurídica, à luz
da sua natureza particular, a sua verdadeira sede. A sede da relação jurídica determina
o direito local a que está sujeita.

Estas regras procuram identificar, na situação em causa, o elemento chave que justamente
servirá de base à determinação da lei aplicável.
• Atendem aonde há uma ligação entre a situação jurídica e determinado ordenamento
jurídico.
o Conexão relevante consiste num elemento da factualidade concreta – ato
jurídico fonte da obrigação, objeto da relação jurídica, sujeitos.
o É por classes/grupos de questões de direito/zonas de regulamentação
normativa que se opera a escolha do elemento de conexão e não por
categorias de relações jurídicas.
o É frequente o DIP distinguir e recortar, numa mesma situação jurídica,
diferentes aspetos/perfis – constituição, efeitos, forma, substância,

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

sujeitos, etc. – que valora autonomamente e conecta com diferentes


sistemas de Direito.

MÉTODO DAS REGRAS DE CONFLITO: função das regras de conflito é indicar o


elemento da factualidade concreta, por intermédio do qual se há de determinar a lei
aplicável às várias situações da vida.

Normas de Conflitos Unilaterais – só consegue regular direito material do foro.


• Ex: art. 28º/1 CC – só é aplicável quando a situação for em Portugal. Solução consagrada
de forma a proteger comerciantes e facilitar as transações.
• Propõe-se apenas delimitar o domínio de aplicação das leis materiais do
ordenamento onde vigora. Ex: art. 3º/3 Code Civil – as questões de âmbito do
estado e da capacidade das pessoas serão resolvidas pelo direito francês desde
que se refiram a cidadãos franceses.
Normas de Conflitos Bilaterais – indica-nos qual a lei competente para dirimir qualquer
questão jurídica concreta que seja subsumível à respetiva categoria conflitual, não sendo
relevante se essa lei é a do foro ou uma lei estrangeira.
• Ex: art. 46º/1, faz localização espacial mas só aplica direito português se a coisa estiver
em Portugal.

Normas de Conflitos Formais – a solução é indiferente, aplicando-se independentemente do


resultado. Não se atende ao resultado. A norma de conflitos opera na base do elemento que
localiza os factos.
• Ex: art. 49º – escolhe-se assim devido ao vínculo íntimo da nacionalidade face à
intimidade do negócio jurídico.
Normas de Conflitos que atendem ao Resultado Material – prosseguem certos objetivos
da Ordem Jurídica. A norma de conflitos opera na base do resultado material que se procura
assegurar.
• Ex: art. 65º CC, art. 8º Reg Roma I
• FC: Existem Normas de Conflitos de Caráter Substancial – operam a escolha da lei em
função do resultado (opondo-se às normas localizadoras do tipo clássico).
• Nelas se enquadram as normas que propõem preservar a validade e eficácia dos
negócios jurídicos. Ex: art. 36º e 65º

Normas de Conflitos Rígidas (hard-and-fast rules) – normas que vinculam o juiz a utilizar
um elemento de conexão predeterminado, ou determinável a partir de critérios enunciados pela
própria norma, sempre que se lhe apresente uma questão jurídica do tipo correspondente à
previsão.
• Ex: se são obrigações contratuais, relações entre cônjuges e etc.; art. 46º e 49º CC
Normas de Conflitos Flexíveis (open-ended rules) – normas que concedem ao julgado
ampla liberdade na fixação, em cada caso, da conexão mais apropriada.
• Ou indicando uma pluralidade de elementos de conexão ou determinando a conexão
mais relevante ou permitindo a aplicação de outra lei, quando se mostre que a situação
concreta sub judice se encontra mais fortemente ligada com ela.
• Tem de se olhar para o caso concreto, pois a própria norma de conflitos pode utilizar
conceitos indeterminados que têm de ser preenchidos.
o Ex: art. 4º/4 Reg Roma I, art. 52º/2 CC.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Em Portugal maioritariamente temos Normas de Conflitos Bilaterais, devido à paridade entre


a Lei do Foro e a Lei Estrangeira.
➢ Há casos em que prevalece a Lex Fori, pois é o quadro de referência para proteger a
Ordem Jurídica (como a Reserva de Ordem Pública Internacional) e seus valores; e para
complementar situações em que é impossível determinar o direito internacional
estrangeiro.

Vantagem deste método é a preservação da dignidade cultural dos Direitos dos vários Estados
soberanos.

FC: Críticas ao método tradicional (conflitual)13


• Dificuldade de se apurar qual a conexão mais estreita/significativa da relação jurídica.
Ex: em matéria de lei pessoal, é o domicílio ou a nacionalidade?
• Impropriedade das normas de direito interno regularem situações internacionais, cujos
problemas específicos ignoram pois não foram elaboradas tendo em conta tais
problemas.
• Problemas no processo de aplicação da regra de conflitos. Ex: qualificação, reenvio,
adaptação, ordem pública e etc.

Orientação Lima Pinheiro: a Regulação do Direito de Conflitos


REGULAÇÃO PELO DIREITO ESTADUAL
Situação que é em primeiro linha resolvida pelo Direito vigente na Ordem Jurídica estadual em
causa e este é o Direito aplicado pelos tribunais estaduais ou por outros órgãos estaduais de
aplicação do Direito.
➢ Na medida em que numa ordem jurídica estadual vigorem, a par das normas de fonte
interna, normas de fontes supraestaduais, esta regulação pode ser feita tanto por
normas internas, como por normas internacionais ou europeias – caso de Portugal.

Normas de Direito comum do foro “autolimitadas”


Norma material que, apesar de incidir sobre situações reguladas pelo DIP, tem uma esfera de
aplicação no espaço diferente da que resultaria da atuação do sistema de Direito de Conflitos.
Ex: art. 38º DL 178/86 (contrato de agência – só se aplica legislação diversa da portuguesa no
que respeita ao regime da cessação se tal for vantajoso para o agente).

13
Há uma outra tendência que critica este método: Perspetiva do interesse do Estado – teoria de
Brainerd Currie
• Nega o sistema da regra de conflitos e rompe com o método da conexão.
• A solução do conflito de leis deve ser na perspetiva do interesse do Estado e não na do
interesse dos sujeitos das relações jurídicas e do comércio internacional.
• Solução é dada por uma governamental interest analysis. A cada lei corresponde um espaço ou
domínio de aplicação que se delimita em função do interesse (estadual) que a tenha
determinado.
o FC: Teoria é insustentável e autor parte da ideia falsa de que é sempre possível deduzir
dos fundamentos ou da “policy” do preceito jurídico os limites do seu âmbito de
aplicação espacial.
o O DIP dá primazia aos interesses dos indivíduos.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Ferrer Correia: Têm uma conexão específica – a conexão requerida (e suficiente)


não coincide com a fixada pela norma de conflitos relativos à matéria em causa.

Elas demarcam o seu campo de aplicação, sendo constituídas por preceitos de direito
material, público ou privado, cujo objetivo reside na tutela de interesses de grande
relevância da comunidade local.
Essas normas são aplicadas sempre que entre a situação e o respetivo ordenamento
jurídico exista uma conexão estreita que essas próprias normas definem e derivam do
seu escopo.
➢ Norma de conflitos unilateral que alarga a competência atribuída à lei portuguesa pelas
normas de conflitos gerais.

Lima Pinheiro: Em certos sistemas, admite-se que essa autolimitação possa ser o produto de
uma valoração casuística, feita pelo intérprete face ao conjunto das circunstâncias do caso.
➢ Em Portugal, isso só pode acontecer mediante a revelação de uma lacuna que deve ser
integrada mediante a criação de uma solução conflitual ad hoc, sendo excecional.

Conclusões LP:
• A regulação do DIP é indireta ou conflitual.
o A aplicação direta de Direito material só se justifica excecionalmente
relativamente a certas regras de DIP material.
• Por conseguinte, as alternativas que se colocam ao sistema de Direito de Conflitos dizem
fundamentalmente respeito à técnica de regulação conflitual.
o Só o Direito material unificado constitui uma alternativa global ao sistema de
Direito de Conflitos – esse alcance é limitado, constituindo ainda o sistema de
Direito de Conflitos a principal técnica de regulação das situações
transnacionais.
• Atuação do sistema de Direito de Conflitos não é só uma solução de recurso, mas é a
resposta mais adequada naquelas matérias em que as divergências entre os sistemas
jurídicos resultam de diferentes valorações ético-jurídicas e, mais em geral, do respeito
da identidade cultural das diferentes sociedades estaduais.
• O reconhecimento de situações definidas perante uma ordem jurídica estrangeira
constitui uma técnica de regulação conflitual, estando a par do Direito de Conflitos ou
complementando-o.

REGULAÇÃO PELO DIPÚBLICO E DUE


DIPúblico – situações que não se distinguem, pelos seus sujeitos e conteúdo, das situações
reguladas pelo DIPrivado estadual.
➢ São situações que, se não fossem internacionalpublicizadas por um tratado
internacional, seriam suscetíveis de ser reguladas pelo DIPrivado estadual.
➢ O processo utilizado na sua regulação é o processo conflitual, que caracteriza o
DIPrivado.

DUE – tem vocação mais ampla que o DIPúblico para regular imediatamente as situações
transnacionais.
➢ Há casos em que o DUE as regula imediatamente e os litígios delas emergentes são
decididos pela jurisdição da UE.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Mas à semelhança do que se verifica com o DIPúblico, as normas europeias


imediatamente aplicáveis são, em princípio, normas de conflitos, que operam uma
regulação indireta.

REGULAÇÃO PELO DIREITO AUTÓNOMO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL


Regras e princípios aplicáveis às relações do comércio internacional que se formam
independentemente da ação dos órgãos estaduais e supraestaduais – a nova lex mercatoria, que
tem em vista os usos e costumes do comércio internacional e as regras criadas no âmbito da
autonomia associativa dos operadores do comércio internacional ou por entidades gestoras
de mercados regulamentados de instrumentos financeiros.

Estas fontes podem ser objeto de receção na ordem jurídica interna.


➢ A própria ordem jurídica interna pode remeter a regulação de certas questões para o
Direito Autónomo do Comercio Internacional

Conceção Schmitthoff – lex mercatoria não é uma ordem jurídica autónoma, na qual os
contratos internacionais se encontrem radicados.
➢ Conceção Minimalista: Esta desempenha uma função interpretativa e integrativa do
negócio jurídico e, eventualmente, o papel de fonte subsidiária da ordem jurídica
estadual.

Conceção Goldman – lex mercatoria é uma ordem jurídica autónoma do comércio internacional,
sendo a ordem jurídica da societas mercatorum.
➢ Conceção Maximalista

A doutrina tradicional critica a lex mercatoria em dois pontos: situações transnacionais só


relevariam imediatamente perante ordens jurídicas estaduais; criação de Direito por particulares
dependeria da permissão do legislador estadual
➢ LP: postulados equivocados – não é exato que as situações transnacionais sejam apenas
conformadas e reguladas no seio das ordens jurídicas estaduais (há um determinado
círculo de contratos do comércio internacional direta e imediatamente regulados na ordem
jurídica internacional); é petição de princípio concluir que as fontes da lex mercatória só
podem ter a relevância que lhes for concedida pela ordem jurídica estadual que se tome
por referência.

Primeiro pressuposto da formação de uma ordem jurídica autónoma do comércio internacional


é a existência de um espaço transnacional adequado para o efeito – esfera de ação em que os
sujeitos das relações comerciais internacionais gozam da necessária autonomia.
Segundo pressuposto é a existência de um consenso básico sobre um certo núcleo de valores
comuns.
➢ Tem sido assinalado que o grupo dos comerciantes que atua internacionalmente não é
suficientemente homogéneo e organizado para poder criar Direito de alcance geral.
➢ LP = Conceção Minimalista: Leva à conclusão que não existe uma sociedade mundial
dos operadores do comércio internacional – no seu estádio atual de desenvolvimento,
a lex mercatoria não dispõe dos elementos necessários à institucionalização de uma
societas mercatorum de alcance geral e mundial.
o No entanto, não se exclui a possibilidade de vigorarem ordenamentos
autónomos em certos setores do comércio internacional.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Na falta de convenção de arbitragem, os litígios emergentes das relações do comércio


internacional são apreciadas por tribunais estaduais segundo as técnicas de regulação próprias
do Direito estadual.
➢ É a convenção de arbitragem que permite inserir a situação num espaço transnacional,
relativamente autónomo perante as ordens jurídicas estaduais, em que o Direito
Autónomo do Comércio Internacional é imediatamente aplicável.

Adoção do Método Conflitual: síntese


Perante uma SITUAÇÃO JURÍDICA PRIVADA INTERNACIONAL – situação plurilocalizada, em que
há a expressão de uma atividade jurídica que não se comporta nas fronteiras de um único
Estado, entrando em contacto, através dos seus elementos, com diferentes Ordens Jurídicas.
Esses elementos são os chamados ELEMENTOS DE ESTRANEIDADE, laços que ligam a situação a
outros Estados.

ORIENTAÇÃO SUBSTANTIVA: Processo de Regulação Direta do DIP


Aplica-se Direito Material Comum – aplica-se o direito substantivo do foro/jurisdição
Portanto, aplicando o Direito Material Comum, é a Lex Fori que se vai aplicar e regular o caso.
• Vantagem: decisão mais célere
• Desvantagem: desrespeita a harmonia jurídica internacional (não
existe a aplicação do mesmo direito independentemente do foro +
propicia o fórum shopping) e, consequentemente, frustra as
expetativas.

ORIENTAÇÃO CONFLITUAL: Processo de Regulação Indireta do DIP


Aplica-se a Norma de Conflitos do Foro.
Por aplicação dessa norma de conflitos, sabemos qual a lei material competente para regular
a situação.
• Vantagem: harmonia jurídica internacional
o Mas não basta que existam normas de conflitos para que haja harmonia, essas
normas de conflitos têm de ser iguais14 e interpretadas da mesma forma – ou
seja, os elementos de conexão relevantes têm de ser iguais e interpretados da
mesma maneira.

Características das Normas de Conflitos (LP):


1. NORMAS DE REGULAÇÃO INDIRETA – aspeto presente em todas as normas de conflitos.

14
I.e., ter os mesmos elementos de conexão.
➢ Existem diversas normas de conflitos que, para a mesma situação, têm em conta diferentes
elementos de conexão.

26
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Normas que regulam condutas de forma indireta, não determinando elas próprias o
Direito aplicável, mas, indicando qual a lei que vai regular a matéria.15
o FC: escola de Coimbra discorda, pois estas normas não regulam condutas e são,
sim, normas de decisão.
• Os conceitos de Normas de Conflitos Unilaterais e Bilaterais são reconduzidos a esta
categoria.

2. NORMAS FORMAIS – remetem para um direito competente sem consideração pela solução
de direito material.
• Justiça formal em que o que interessa é que se crie estabilidade nas situações
internacionais.
• Garantindo a aplicação da lei com a conexão mais estreita à situação – não é verdadeira
característica, pois as normas não são verdadeiramente formais.
o Ex: art. 22º CC – princípios fundamentais que são reserva à aplicação de Direito
estrangeiro.
o Sempre que uma norma de conflitos aponte para a aplicação de uma lei
estrangeira, ela não se vai aplicar se violar os princípios fundamentais do EDD
português – daí que não se possa defender que o Direito português é
plenamente formal.
• Além destas, há Normas de Conflitos Materialmente Orientadas. Ex: art. 36º, 65º CC –
são normas de conflitos que atender ao Resultado Material.

3. NORMAS DE CONEXÃO – determinam a lei competente através de elementos de conexão


(que são contactos com outras Ordens Jurídicas).
• Normalmente eram conexões relacionadas com a localização.
o Hoje, há outros elementos – existência de vínculos jurídicos (nacionalidade) ou
factos jurídicos (autonomia privada: escolha das partes).
• Há elementos de conexão que já não são arbitrários e há normas que utilizam conceitos
que implicam o atender ao caso concreto.
o Vantagem de equidade, mas desvantagem de insegurança jurídica
• Os conceitos de Normas de Conflitos Rígidas e Flexíveis são reconduzidos a esta
categoria.

15
LP recusa a visão judiciária do DIP, que afirma que este ramo do Direito tem normas cujos destinatários
são os órgãos de aplicação do Direito. Os sujeitos das situações transnacionais necessitam de determinar
o Direito aplicável para poderem orientar por ele as suas condutas.

27
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Fontes do DIP
Até meados do séc. XX a fonte era, sobretudo, jurisprudencial – normas eram escassas e era a
jurisprudência e a doutrina que faziam uma construção que depois servia de base à resolução
dos problemas suscitados pela vida prática.

Quais as tendências de evolução do DIP?


• Codificação do DIP – grande parte dos Estados começou a adotar Códigos de DIP,
elaborando leis ou códigos com o enunciado das regras ou princípios orientadores desta
disciplina. Ex: Bélgica (2004), China (2010), Países Baixos (2011)
o Tendência da Unificação lato sensu
• Internacionalização das Fontes – unificação do DIP através de fontes convencionais
• Europeização do DIP
• Maior especialização do DIP – as regras de DIP são muitas e sobrepõe-se umas às outras
e hoje há adoção de regras de conflitos de leis no espaço respeitante a certos domínios.
o Vai contra a unificação pois com a aprovação de várias normas há a
descodificação do DIP, surgindo legislação extravagante sobre o DIP.

FONTES INTERNACIONAIS
Ferrer Correia: Não há normas de conflitos decorrentes de preceitos do DIPúblico mas existem
numerosos tratados e convenções interestaduais versando matéria de DIP
➢ É reduzida a área coberta por tais instrumentos diplomáticos e diminuto o número de
países ligados por esses diferentes convénios.

Ago (da moderna escola nacionalista italiana): Direito internacional geral não contém normas que
digam respeito à atividade legislativa dos Estados no âmbito do DIP.
➢ As convenções internacionais não conteriam, em rigor, normas de conflitos, mas apenas
a obrigação de os Estados introduzirem na ordem interna certas normas de conflito.
Lima Pinheiro: conceção superada e DIP já não tem necessariamente caráter nacional; nada
obsta à vigência de normas de conflitos de fonte internacional.

DIPúblico e DIPrivado não se distinguem pelas fontes e sim pelo objeto.

O Direito de Conflitos de fonte internacional pode atuar no plano da ordem jurídica internacional
(normas de conflitos criadas e aplicadas por jurisdições internacionais16 + normas contidas em
tratados internacionais que se destinam a ser aplicadas pelas jurisdições internacionais) e no plano
da ordem jurídica estadual (através do sistema de receção automática do art. 8º CRP).

A. Convenções Internacionais: Tendência que surge desde o início do séc. XX, mas com relevo a
partir de 1945
• Muito importante é a Conferência de Haia – procede à unificação progressiva do DIP,
aprovando inúmeras convenções.
o FC: desde 1894 (quando se reuniu uma Conferência Internacional com o
objetivo de conseguir a unificação do DIP em determinadas matérias) que tem
havido Conferências e hoje em dia são encaradas como uma verdadeira

16
Magalhães Collaço

28
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

instituição internacional permanente (Conferência da Haia de Direito


Internacional Privado).
• Outras organizações internacionais contribuíram com convenções que hoje são Fontes
Internacionais de DIP: ONU; UNIDROIT; Comissão Internacional do Estado Civil (CIEC)
• A própria União Europeia, a que os Estados aderem por via pactícia, tem sido uma
importante fonte de DIP.

LP: tal como os Regulamentos da UE, destinam-se a unificar as normas de conflitos que vigoram
na Ordem Jurídicas dos Estados contratantes/membros.
➢ Direito de Conflitos unificado é um Direito de Conflitos de fonte supraestadual que opera
no plano da ordem jurídica estatal.
o Fonte mais importante são os tratados internacionais que instituem ou
enquadram jurisdições internacionais ou quási-internacionais.
o Na determinação do Direito aplicável devem aplicar-se as regras de conflitos
que constem do próprio tratado que os cria ou enquadra.

B. Métodos Interpretativos das Fontes Internacionais: art. 8º/2 CRP estabelece que a entrada
em vigor na Ordem Jurídica interna dos tratados internacionais depende apenas da sua
ratificação ou da sua aprovação e publicação em Diário da República.
➢ Portanto, quando se tem de interpretar ou integrar as lacunas desses textos tem que
se ter em conta os critérios de interpretação do DIPúblico (nomeadamente os fixados
na CVDT)

Se for omisso quanto à determinação do Direito aplicável, os tribunais internacionais devem


atender aos princípios de Direito de Conflitos comuns aos Estados em presença e, na sua falta,
formular uma solução conflitual numa base comparativa mais alargada.
➢ A jurisprudência internacional também é fonte de Direito Internacional de Conflitos, quer
formule as suas próprias normas de conflitos ou se circunscreva ao aperfeiçoamento e
desenvolvimento das normas de conflitos contidas em tratados internacionais.
➢ As soluções desenvolvidas pela jurisprudência internacional dirigem-se, em primeira linha,
aos órgãos internacionais e não aos órgãos estaduais – só indiretamente, mediante
formação de costume jurisprudencial, é que a jurisprudência internacional pode ser fonte
de Direito de Conflitos que opere na ordem interna.

Fontes internacionais primam sobre as internas no seu âmbito específico de aplicação.


➢ FC: Os tribunais internos dos vários países aplicam o DIP que seja vigente na
Ordem Jurídica interna desse Estado – muitas dessas foram estabelecidas por
convenções internacionais, só que essas normas só se tornam eficazes quando aí
forem recebidas ou incorporadas.
➢ Em Portugal vigora a receção plena/automática do direito internacional
convencional na ordem interna portuguesa.

C. Costume Internacional: existem várias teses quanto à possibilidade de, por via
consuetudinária, se terem formado regras de conflitos internacionais.
• LP: não é indefensável que algumas regras ou princípios17 de conexão, geralmente
consagrados pelos sistemas de DIP nacionais sejam já acompanhados de uma

17
Orientam a determinação da conexão relevante.

29
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

convicção de vinculatividade. Ex: regra da lex rei sitae em matéria de direitos reais
imobiliários
o A rara invocação pelos Estados destes princípios, quer ao nível diplomático quer
ao nível do contencioso interestadual, também não permite inferir a falta de
convicção de vinculatividade, uma vez que se tratam de princípios que muito
raramente serão violados.
o Deve admitir-se que o costume internacional é fonte, embora de alcance
limitado, do Direito de Conflitos que opera no plano da ordem jurídica estadual
• DMV: há certas regras de conflitos de leis no espaço que hoje são aceites pela maior
parte dos Estados (ex: Lex Rei Sitae), contudo, tais não são regras de Direito costumeiro
de fonte internacional, uma vez que os legisladores nacionais aceitam-nas mas não o
fazem por estarem persuadidos de que estão obrigados a fazê-lo – não há convicção de
obrigatoriedade.

D. Princípios Gerais de Direito Internacional: podem funcionar como fontes de DIP


• Princípio da Tutela da Confiança Legítima – introduz limites à atuação dos Estados pois
não é favorável aos particulares que um Estado, ao abrigo do seu poder soberano,
interprete de forma diferente o caso.
• Princípios em relação à Nacionalidade – introduz limites à liberdade dos Estados nessa
matéria (Acórdão Nottebohm, TIJ), pois, apesar dos Estados poderem dizer quem são os
seus cidadãos, eles têm de exigir que o cidadão tenha uma ligação efetiva com esse
Estado. Logo, uma nacionalidade puramente fictícia, atribuída por conveniência de certo
Estado, não é oponível internacionalmente.

FONTES EUROPEIAS
Em paralelo com o que se verifica com as fontes internacionais, também o Direito de Conflitos de
fonte europeia pode operar ao nível da ordem jurídica da UE ou das ordens jurídicas dos Estados-
membros.

A. Instrumentos de Direito Derivado UE: o significado do Direito derivado como fonte de Direito
de Conflitos vigente na ordem jurídica interna foi limitado antes do Tratado de Amesterdão.
• Com a Comunitarização do 3º pilar houve várias medidas no âmbito do DIP (art. 61º e
65º Tratado Amsterdão).
o Tratado de Lisboa reiterou esta orientação e a UE tem competência em
matéria de DIP: art. 81º TFUE
▪ LP: É controversa a atribuição de competência legislativa genérica aos
órgãos da UE em matéria de DIP, pois é duvidosa a justificação à luz das
finalidades dos Tratados instituintes, mas, os Estados-membros não se
têm oposto à ação da UE no sentido de uma ampla comunitarização do
DIP.
➢ A uniformização do DIP não é necessária para o
estabelecimento de um mercado interno – dever-se-ia adotar
uma atitude restritiva quanto à intervenção legislativa
europeia, que só se justificaria quando os objetivos visados não
pudessem ser suficientemente realizados pelos Estados-
membros (princípio da subsidiariedade, art. 5º/3 TUE) e,

30
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

nesses casos, deveria dar-se preferência à harmonização em


vez de uniformização.
➢ A unificação de âmbito europeu deveria ser feita
principalmente numa base voluntária, com respeito da
autonomia legislativa dos Estados-membros – uma unificação é
desejável, mas devia privilegiar-se uma base voluntária da
unificação de âmbito europeu.
➢ Os órgãos comunitários têm feito uma interpretação que, na
prática, prescindiu de qualquer nexo efetivo com o
funcionamento do mercado interno. Com efeito, estes órgãos
entenderam que o bom funcionamento do mercado interno
exigia a uniformização de quase todo o DIP.
➢ Após Tratado de Lisboa, opinião LP:

o Ao abrigo do art. 81º/2/c TFUE existiu uma profusão de regulamentos de


normas de conflitos: 650/2012 Regulamento Sucessões (Roma IV); 2016/1104
Regulamento Matrimonial (Roma V).

Regulamentos são de aplicação universal: favorece a unificação do DIP entre os membros da UE


com a aprovação de atos comunitários diretamente aplicáveis.
➢ Consequência é a suspensão da aplicação das normas do CC com idêntico objeto de
regulação.

Diretivas permitem a harmonização do DUE: obrigam os Estados quanto aos objetivos a atingir.
A maior parte das disposições conflituais estão contidas em Diretivas.
➢ Há várias Diretivas que consagram Direito de Conflitos: CCG, Comércio Eletrónico
➢ Os DL nacionais, com base nessas diretivas, têm de ser interpretados conforme o DUE

Lima Pinheiro: A necessidade de uma codificação europeia do Direito Internacional Privado


também tem sido objeto de discussão
➢ Fala-se da possibilidade de um Regulamento Roma O quanto à parte geral do Direito de
Conflitos.

31
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o LP: uma opção pela europeização do DIP não será consequente se não for
acompanhada por uma unificação do regime aplicável às soluções adotadas
pelos diversos sistemas conflituais dos Estados-membros.

B. Jurisprudência TJUE
Art. 267º TFUE permite o mecanismo das Questões Prejudiciais, cujas respostas são vinculativas
apenas para o caso concreto – não há uma regra de stare decisis para o DUE, apenas há uma
interpretação de preceitos normativos de DUE.

FONTES INTERNAS
Ferrer Correia: As questões de DIP resolvem-se em cada Estado de acordo com as normas
pertencentes à Ordem Jurídica nele vigente.
➢ A fonte do DIP é estadual – temos direito internacional pelo objeto e direito
estadual pela fonte.

Lima Pinheiro: Apesar do avanço das fontes internacionais e europeias, ainda é importante o
Direito de Conflitos de fonte interna.

Em 1966 o CC estabeleceu um sistema ao tempo dos mais atuais e mais completos sobre os
conflitos de leis no espaço: art. 14º a 65º CC
➢ Normas de Conflitos: art. 25º a 65º CC

DMV: Portugal é um dos países que conta com um sistema de regras mais acabado e coerente
em DIP.
➢ Há um complemento com muita legislação extravagante: CSC, CVM, CCG
➢ Há muitas destas normas cuja aplicação está suspensa por Regulamentos da UE
Fontes internas só se aplicam se não houver fontes supraestaduais.

Jurisprudência tem pouca importância, é escassa em matéria de DIP e não é fonte normativa de
Direito.
➢ Não deixa de ter um papel relevante pois o DIP tem uma grande margem de amplitude
– há regras de conflitos que conferem um largo grau de discricionariedade ao juiz na
determinação da lei aplicável.
o Ex: não se consegue dizer em abstrato qual é a lei mais estreitamente conexa –
tem de se olhar para o caso concreto e isso pode ser feito pelo juiz.
o É algo excecional e tem de ser manifesto – não aplica a norma rígida e faz
concessão à justiça.

FONTES NÃO-NORMATIVAS
A. Leis-modelo: textos de fonte internacional que são apresentados aos Estados como
recomendações sobre a forma de legislar em certas matérias.
➢ Existe sobre arbitragem internacional comercial, comércio eletrónico, assinaturas
eletrónicas e etc.

Não são textos vinculativos para os Estados, mas muitos deles adotam-nos, através de lei
interna, por serem considerados adequados a regular a situação.

32
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Não são normas jurídicas diretamente aplicáveis, somente modelos de atuação.

B. Codificações Internacionais Extraestaduais de Regras e Princípios Jurídicos – os Estados


beneficiam de um efeito indireto destes textos pois aprovam leis internas com base neles.

C. Doutrina – DIP tem sido particularmente dependente, pois a Doutrina motivou consagração
(pela jurisprudência primeiro e depois pela lei) de normas de conflitos nas Ordens Jurídicas.
➢ Doutrina abordou primeiro as soluções de DIP, elaborando uma teoria geral do Direito
de Conflitos que hoje está consagrada na lei.
o Dário Moura Vicente: DIP é tributário do trabalho doutrinário, por isso pode
ser um modo de revelação das normas – fonte mediata/indireta

LP: FONTES TRANSNACIONAIS


Regulação de situações transnacionais no plano do Direito Autónomo do Comércio Internacional
implica a existência de fontes transnacionais – processos específicos de criação de proposições
jurídicas no seio da comunidade dos operadores do comércio internacional que são independentes
da ação dos órgãos estaduais e supraestaduais.
➢ Essas fontes são fundamentalmente o costume jurisprudencial arbitral e os regulamentos
dos centros de arbitragem.

33
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

DIP e Disciplinas Afins


O Direito Internacional Privado relaciona-se com outras disciplinas jurídicas e a sua
interpenetração causa alguns problemas jurídicos.

DIP e Direito Constitucional


Talvez a que tenha uma relação mais controvertida com o DIP e em que há vários planos nos
quais se pode discutir a relação entre estas duas disciplinas.

Vamos analisar tendo em conta 3 problemas:


1. Normas de Direito de Conflitos (de leis no espaço) estão subordinadas à CRP?
Durante muito tempo os autores (especialmente alemães e italianos) questionavam se se podia
colocar o problema de compatibilidade do DIP com a Constituição.
Argumentavam que:
• DIP eram normas formais, insuscetíveis de ferir a CRP
• DIP tinha normas sobre normas, sendo que as normas de conflito apenas se limitam a
dizer quando outra normas são aplicáveis, não havendo interferência da CRP.

Problema surgiu com o art. 3º/II da Constituição de Bona, que consagra o princípio da
igualdade, quando se ponderou nas regras de conflitos em que se fixava o direito
aplicável da mulher com base na nacionalidade do marido.18
• Dölle, Beitzke – DIP move-se num espaço exterior à Constituição, num espaço
livre relativamente aos princípios e normas constitucionais. As regras de conflitos
são regras técnicas e neutrais, que não têm o sentido de servir a justiça.
• Outros autores – DIP tem os seus próprios objetivos, mas, os seus preceitos não
são meros preceitos de ordem, porque a ordem para que tendem não é arbitrária
e cega a valores.

Conceção ultrapassada e que nunca surgiu propriamente em Portugal


DMV: Regras de DIP têm de se sujeitar aos princípios da CRP

18
LP: O controlo da constitucionalidade das normas de conflitos foi discutido a propósito do princípio da
igualdade, designadamente perante normas de conflitos que em matéria de relações entre os cônjuges e
de divórcio mandavam aplicar a lei da nacionalidade do marido.
➢ Na Alemanha a controvérsia foi resolvida pelo TC em sentido favorável ao controlo da
constitucionalidade.

34
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ LP: Caráter formal das normas de DIP não significa neutralidade valorativa – DIP tem
a sua própria justiça e os seus próprios valores, que estão relacionados com a justiça e
os valores da ordem jurídica no seu conjunto.

DIP tem valores que se têm de sujeitar ao crivo da CRP


➢ Ferrer Correia – as normas de conflitos não são regras técnicas axiologicamente
neutrais e têm sentido servir a justiça.
o Apesar do cunho de justiça ser predominantemente formal (certeza e
estabilidade jurídica), a disciplina do DIP está aberta a certos juízos de valor
jurídico-materiais, não sendo lícito que ignore princípios, porque ancorados na
Constituição, figuram no quadro dos valores axiológicos do Estado.
➢ As regras de conflitos, mesmo aquelas que procedam à escolha da lei
independentemente do resultado, são suscetíveis de colidir com os princípios
constitucionais.

Em 1977 reformou-se o CC19 à luz da CRP 1976 e alteraram-se as regras de DIP – como o art.
52º que ditava a primazia da lei da nacionalidade do marido.
➢ Reconheceu um interesse digno de tutela jurídica, por parte da mulher, em ver o seu
estatuto pessoal, nomeadamente as suas relações matrimoniais, regidas pela sua
própria lei
➢ Hoje, prevalece a lei do lugar da residência comum ou do lugar onde a vida familiar se
encontre mais estreitamente conexa.

Também se alteraram os art. 58º e 59º CC

2. Pode aplicar-se lei estrangeira, mesmo sendo ela for contrária à CRP?
Se essa contrariedade for uma ofensa à Reserva de Ordem Pública Internacional, então não se
pode aplicar.
→ Mas todos os preceitos da CRP fazem parte desse conjunto restrito de princípios
inderrogáveis? Não fazendo, poderá a CRP ser um limite, na mesma, à aplicação da lei
estrangeira?

A. Ferrer Correia: na Reserva de Ordem Pública internacional encontram-se os princípios


constitucionais.
• Os preceitos da lex fori que não se coadunem com os direitos fundamentais consagrados
na legislação portuguesa são inaplicáveis, porque contrários à Ordem Pública
Internacional do Estado Português.
o Mas têm de se encontrar preenchidos os pressupostos de relevância de ordem
pública: valores da máxima importância no ordenamento do foro – conexão
significativa da espécie a julgar com aquele ordenamento.

B. Jorge Miranda: todas as normas estrangeiras estão sujeitas a fiscalização da sua


constitucionalidade, do ponto de vista da nossa própria CRP.
• Tribunais portugueses não podem aplicar normas contrárias à CRP (art. 204º).

19
Ferrer Correia: Em Portugal, a redação dos art. 52º, 53º e 56º (do CC 1966) foi revista em 1977, porque eram tidos
como contrários à CRP 1976 – estes preceitos eram semelhantes ao problema suscitado na Alemanha e diziam que
na falta de nacionalidade comum dos cônjuges se aplicava a lei pessoal do marido.

35
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

C. DÁRIO MOURA VICENTE: o art. 204º não está pensado para lei estrangeira, uma vez que a
CRP não tem pretensão de aplicação universal.
• A CRP não pode obstar à aplicação de todas e quaisquer normas estrangeiras
contrárias às suas prescrições porque nem sempre isso se justificará, mas, também
temos de admitir que a nossa CRP pode funcionar para além do âmbito que caberia
através da ordem pública internacional.
• Raciocínio a ser feito é: verificar se à luz das finalidades que a norma constitucional
tutela, também faz sentido aplica-la a lei estrangeira – tem de haver uma justificação
à luz das finalidades subjacentes à situação.

3. Tribunais podem recusar a aplicação de lei estrangeira por esta contrariar as normas
da constituição do país de onde é originária?
Art. 23º CC diz que o juiz, ao aplicar lei estrangeira, deve orientar-se pelos princípios nela fixados
– assim, se em dado sistema estrangeiro determinado preceito não é aplicado pelos tribunais
ordinários por colidir com as respetivas normas constitucionais, cabe ao juiz português dar a
essa circunstância o devido valor e abster-se identicamente de o observar.
➢ Ferrer Correia: Não cabe ao julgador do foro sindicar a compatibilidade
constitucional de preceitos da lei estrangeira, ele está apenas incumbido de
aplicar a mesma lei tal como ela seria aplicada pelo juiz do respetivo sistema
jurídico.
o A relevância não é a norma ser inconstitucional, é o facto de ela não ser
aplicável no sistema a que pertence.

Temos de aplicar a lei estrangeira tal como ela é aplicada no país.


➢ Se norma lá foi declarada inconstitucional ou há maioria favorável à
inconstitucionalidade, então o Tribunal português não deve aplicar a norma.
o Coerente com o princípio da harmonia jurídica internacional.

Nos casos em que no Estado estrangeiro não há controlo da constitucionalidade das leis por
tribunais comuns, então os tribunais comuns não se podem recusar a aplicar a norma.

DIPrivado e DIPúblico
Regras de DIPrivado pelo objeto e DIPúblico pela sua fonte

Estão fora do âmbito do DIPrivado as relações que na ordem jurídica internacional se estabeleçam
entre Estados e entre organizações internacionais, ou entre estas e aqueles.
Está fora do âmbito do DIPúblico a regulação imediata da maioria das situações transnacionais.

Regras de DIPrivado, pela sua função, não acabam por ser regras de DIPúblico?
• França, séc. XX: Sim, elas desempenham uma função própria do DIPúblico, pois o
DIPrivado delimitava a competência legislativa de cada Estado e a aplicação de lei
estrangeira seria o reconhecimento de soberania dos Estados estrangeiros.
• DMV: Não, pois não se trata de repartição de soberanias e apenas se diz qual é a lei que
o Tribunal aplicará.
o Não é aceitar soberania de Estados estrangeiros, pois é o Estado nacional que
aplica a lei – e aplica a lei porque querem (manifestando, aí, a soberania).

36
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Não é exercer em Portugal a soberania de um Estado estrangeiro20, é a


soberania portuguesa que está em causa, através dos seus próprios tribunais –
que, por um ato de vontade sua, aplicam uma lei estrangeira.

Lima Pinheiro:
DIPúblico fundamenta e limita a competência legislativa dos Estados com base na
territorialidade e na personalidade.
➢ Conceito de “jurisdiction” na doutrina inglesa que compreende a competência
legislativa, jurisdicional e de execução.
➢ Essa “competência legislativa” fundamenta-se, em primeira linha, num laço significativo
territorial ou pessoal, podendo determinar a aplicação do Direito do foro a situações
comportando elementos de estraneidade.

A doutrina tem vindo a discutir esta conceção, que foi acolhida no Restatement of Foreign
Relations Law, dos EUA, publicado em 1987.
➢ A discussão diz respeito à própria existência de limites à competência legislativa dos
Estados relativamente a situações privadas.
o Baptista Machado, Moura Ramos: DIPúblico só estabelece limites gerais à
“competência de execução”, porquanto, na falta de tratado em sentido
diferente, a realização de atos estaduais de coerção material se encontra
circunscrita ao seu próprio território. Caso Lotus (1927), TPJI entendeu que
DIPúblico não exclui de modo geral que os Estados estendam as suas leis e a sua
jurisdição a pessoas, bens e atos fora do seu território.
▪ LP: esta decisão apenas permite concluir que a jurisdição dos Estados
não se funda necessariamente num título territorial.

Um Estado não tem, em princípio, “competência legislativa” com respeito a situações


relativamente internacionais, i.e., internas a outros Estados.

LP: competência legislativa pode fundamentar-se na produção de efeitos significativos no


território de um Estado – critério dos efeitos que tem vindo a ser discutido quanto ao modo
como deve ser entendido (especialmente pelo Direito da Concorrência).
➢ DIPrivado não é diretamente aplicável às situações transnacionais. O problema da
“competência legislativa” tem de se colocar em relação às normas primariamente
aplicáveis, que são as normas de conflitos, e não em relação às normas materiais
chamadas por essas normas de conflitos.

O que está em causa em matéria de situações transnacionais é a esfera de aplicação no espaço


do DIP vigente na ordem jurídica de cada Estado e não a esfera de aplicação no espaço do seu
Direito material interno.
➢ A aplicação por um tribunal português do Direito estrangeiro escolhido pelas partes de
um contrato obrigacional não pressupõe a “competência legislativa” do Estado
estrangeiro, mas a “competência legislativa” do Estado português, que é exercida por
meio da norma de conflitos.

20
Ferrer Correia: Se a aplicação de direito estrangeiro tivesse algo que ver com a soberania estrangeira,
jamais os órgãos de um Estado poderiam aplicar outro direito que não fosse o vigente nesse mesmo
Estado.

37
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Critério da autonomia – Direito privado é dominado pela autonomia negocial e é geralmente


aceito que a “competência jurisdicional” pode decorrer de um pacto de jurisdição e dificilmente
se negará que o Estado a cujos tribunais as partes atribuem competência para apreciar os litígios
emergentes de uma relação tem “competência legislativa” para a regular.

DIPúblico não obsta à aplicabilidade do Direito de Conflitos de fonte supraestadual vigente na


ordem jurídica de um Estado, quando existe apenas um laço significativo com outro Estado
vinculado por esse Direito de Conflitos unificado.
DIPúblico parece permitir excecionalmente a aplicação do Direito de Conflitos de um Estado a
certas pretensões de direito privado, independentemente de um laço objetivo ou subjetivo do
caso com esse Estado (critério da universalidade) – ex: pirataria, tráfico de escravos, genocídio
e etc.

O exercício da jurisdição com base nestes critérios deve pautar-se por uma cláusula de
razoabilidade: ponderação das circunstâncias do caso concreto, interesses dos Estados e dos
destinatários das leis e etc.

DIPúblico deixa aos Estados uma grande liberdade no exercício da sua competência legislativa
relativamente a situações transnacionais e só exclui o exercício de competências exorbitantes
ou que impliquem sacrifício de interesses de outros Estados ou particulares (de forma
desproporcionada ao interesse do Estado legiferante).

Por isto, os princípios que regulam o exercício da função legislativa do Estado não se
confundem com as normas de conflitos nem operam ao mesmo nível

A norma de conflitos do DIPrivado pode remeter diretamente para o DIPúblico (ex: art. 42º
Convenção CIRDI).
➢ Isto não implica relevância na ordem jurídica internacional, porque é por força de norma
de conflitos que vigora na ordem jurídica de um Estado.

Relações entre DIPúblico e DIPrivado são multifacetadas e inscrevem-se em diferentes planos.


➢ Embora se tenha afirmado que o DIPrivado pode encontrar o seu fundamento último
no DIPúblico, não é possível reconduzir o conjunto das soluções conflituais a princípios
de DIPúblico.
➢ Há áreas de sobreposição do DIPúblico e do DIPrivado e, mesmo fora dessaa áreas, há
vetores de DIPúblico que atuam sobre o DIPrivado.

DIP e DUE
Direito da União Europeia visa estabelecer um mercado interno e visa estabelecer um espaço de
liberdade, segurança e justiça.
➢ Isto é conseguido através de diversos mecanismos.

DUE é auto-executório e aplicável às situações transnacionais que caiam dentro da sua esfera de
aplicação no espaço.
➢ Decorre que podem ser aplicáveis normas europeias a situações transnacionais que,
segundo o Direito de Conflitos geral, são reguladas pelo Direito de um terceiro Estado.

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A. Relevância do TFUE para a conformação e aplicação do Direito de Conflitos


Na UE há ideia de subordinação das finalidades específicas do DIP às finalidades jurídico-públicas
subjacentes às liberdades de circulação e direito de estabelecimento.
I. Há autores que entendem que do TFUE decorrem certas soluções conflituais.
II. Outros autores entendem que TFUE não tem “normas de conflitos ocultas” mas dele
decorrem limites genéricos à aplicação de normas de Direito privado que condicionam a
atuação do Direito de Conflitos.
III. Uma última linha de autores diz que o DUE Primário opõe-se às normas que sejam
discriminatórias mas não coloca limites genéricos à atuação das normas de conflitos.
➢ LP: sentido mais conforme ao Tratado e mais ajustado ao atual estádio de
integração europeia. Não se podem inferir soluções conflituais das normas
europeias que consagram as liberdades fundamentais.

É indiscutível que a proibição de discriminação em razão da nacionalidade (art. 18º TFUE) é


incompatível com normas de DIP que estabeleçam um tratamento menos favorável a
nacionais de outros Estados-membros.
➢ Este tratamento menos favorável pode resultar da utilização, como critério
diferenciador, seja da nacionalidade seja outro que conduza ao mesmo resultado.

O art. 18º é só no âmbito de aplicação do Tratado.


➢ Em todo o caso, parece que as normas de conflitos em matéria pessoal se deveriam
considerar fora do âmbito de aplicação desta proibição.
o No caso Carlos Garvia Avello, o TJUE invocou o princípio da não-discriminação
relativamente ao direito ao nome.
▪ A fundamentação deste acórdão alude à liberdade de circulação de
pessoas, mas não resulta claro que estivesse em causa o exercício desta
liberdade.

A utilização do elemento de conexão nacionalidade, designadamente em matéria de estatuto


pessoal, não encerra qualquer discriminação.
➢ A equiparação entre nacionais e estrangeiros está assegurada quando o mesmo
elemento é utilizado em todos os casos.

B. Aproximação de Legislação: harmonização (Diretivas) da legislação ou unificação


(Regulamentos).
IV. Lima Pinheiro: DUE tem relevância pois pode ser fonte de obrigações internacionais dos
Estados-membros ou pode ser Direito vigente nas respetivas ordens internas e
suscetível de ser invocado pelos particulares nas relações que estabelecem.

Devido a esta realidade reduz-se o espaço de intervenção do DIP.


➢ DMV – ideia simplista de recusar.
o O DIP continua a ter papel relevante.
o O âmbito da aproximação da legislação é só na UE e é limitado, pois essa
harmonização é com base no mercado interno e não quanto a questões de lei
pessoal.
o Há vasta área não abrangida pela aproximação das legislações.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Ex: Direito do Consumo e Direito de Autor são áreas muito harmonizadas, mas, não
deixa de haver conflitos de DIP, pois as diretivas são transpostas de forma diferente
(havendo disparidade nos Estados-membros).
➢ Mesmo no caso dos Regulamentos há disparidade na sua interpretação, que são, em 1ª
linha, os tribunais dos Estados-membros.

C. Reconhecimento Mútuo: reconhece-se em cada Estado-membro a legislação dos outros e


permite-se, em cada Estado-membro, a liberdade de circulação com base em permissões de
outra lei.
➢ Ter-se-á de reconhecer situações constituídas noutros Estados-membros.

Lima Pinheiro: A favor de limites genéricos à conformação e aplicação do Direito de Conflitos é


também invocado um “princípio de reconhecimento mútuo”.
➢ Tem havido um “método de reconhecimento” – devem ser reconhecidas as situações
constituídas ou consolidadas noutro Estado-membro independentemente da lei
designada pelo Direito de Conflitos.
o Retorno à teoria dos direitos adquiridos que é muito criticável.
▪ Esta técnica não é imposta pelo DUE.
▪ Caso Grunkin-Paul não é análogo a todas as situações pois a
argumentação utilizada não é facilmente transponível para o
reconhecimento de outras situações de estatuto pessoal.

Caso Grunkin-Paul21 (p. 22-23): não está em causa apenas a aplicação de normas materiais do
Estado da nacionalidade, mas um limite à atuação da norma de conflitos reguladora do nome,
que não se limite aos casos de plurinacionalidade.
➢ Exprime a ideia que deve reconhecer-se o nome atribuído segundo a ordem jurídica
do Estado do nascimento e da residência habitual da pessoa.
o LP: soluções encontradas não são justificadas, seja pelo princípio da não
discriminação seja diretamente pela liberdade de circulação de pessoa.
▪ A matéria do estatuto pessoal, à partida, encontra-se fora do âmbito de
aplicação dos Tratados.
➢ TJUE entendeu que podia estar em causa a liberdade de circulação e exercício de
profissão.
o Entendeu que aplicação da lei da nacionalidade alemã contrariava o art. 21º
TFUE e, portanto, recusou aplicar a regra de conflitos alemã que mandava
aplicar a lei da nacionalidade.

Os problemas gerados pela atividade transnacional de pessoas ou por conflitos de sistemas de


DIP em matéria de estatuto pessoal devem ser resolvidos por meio de instrumentos
específicos de DIP, que tenham em conta todos os valores em jogo e as finalidades
específicas deste ramo de Direito, e não por via de limitações casuísticas à atuação do Direito
de Conflitos, alegadamente derivadas das liberdades de circulação e do direito de
estabelecimento.

21
Pais alemães registam criança na Dinamarca, segundo as regras dinamarquesas. Quando a tentam
registar na Alemanha não lhes é permitido, porque compõe o nome de uma forma diferente que na
Dinamarca.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Esta transposição do princípio do país de origem22 para o DIP é fundar uma técnica com
base em critérios e valorações jurídico-públicas, subjacentes às liberdades de circulação
e direito de estabelecimento, em vez de atender às finalidades predominantemente
jurídico-privadas do DIP.
o As normas de DIP não seguem este princípio, que é inadequado à realização dos
valores tutelados por este ramo do Direito.
o A aplicação de normas jurídico-privadas do Estado-membro destinatário da
prestação pode ser tão ou mais justificada, à luz das finalidades do próprio
Direito de Conflitos, que a aplicação das normas correspondentes do Estado de
origem.

Várias decisões do TJUE, em torno do art. 54º TFUE, vieram estabelecer uma série de limites
à atuação das normas de DIP em conexão com o exercício do direito de estabelecimento.
➢ O Estado-membro em que a “sociedade” europeia, constituída segundo o Direito de outro
Estado-membro, exerce ou pretende exercer o direito de estabelecimento tem, para todos
os efeitos, de reconhecer essa sociedade como uma sociedade validamente constituída
no estrangeiro.

Tanto o nome como o direito de estabelecimento:


➢ Fenómeno de Exceção do Reconhecimento Mútuo: quando regra de conflitos leva a
resultado que contraria as liberdades fundamentais, então não se aplica a regra de
conflitos.
o Lima Pinheiro é crítico

Art. 4º Regulamento Roma I – regra consagrada em Regulamento da UE porque há comércio


entre os Estados-membros.
➢ Fica-se vinculado às regras do país onde se está sediado – facilita a atividade dos
operadores económicos pois é com base na lei da sede que tudo se resolverá, sendo
conforme ao mercado interno.

Art. 8º Regulamento Roma III (divórcios) – em princípio manda aplicar a lei do domicílio
habitual, contrariamente ao CC, que tem tradição de mandar aplicar a lei da nacionalidade.

D. Influência no Direito da Nacionalidade


DUE vem alterar as regras de resolução dos concursos de nacionalidades

Caso Micheletti: para um binacional (nacionalidade de Estado-membro e de Estado não


membro), para efeitos de liberdade de estabelecimento, prevalece sempre a nacionalidade do
Estado-membro.

22
Lima Pinheiro: Quanto à prestação de serviços, a jurisprudência do TJUE postula um princípio do país
de origem, segundo o qual a prestação intraeuropeia de serviços está submetida, em princípio, à lei do
Estado de origem; as normas do país de destino da prestação que limitem a prestação de serviços por
prestadores estabelecidos noutros Estados-membros são consideradas “restrições” à liberdade de
prestação de serviços e só são aplicáveis se forem justificadas por um critério de ponderação.
➢ Origem no Dassonville e Cassis de Dijon.
➢ LP: rejeita a expressão de princípio do reconhecimento mútuo, a ideia é de confiança em que os
Estados-membros confiam na regulação de outros Estados-membros.

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➢ De outro modo, a aplicabilidade do DUE a nacional de um Estado-membro poderia


depender do Estado-membro em que se suscitasse a questão.
➢ Portanto, nos conflitos entre Estados não membros e Estados-membros, para o efeito
de aplicação das liberdades fundamentais, prevalece a nacionalidade dos Estados-
membros.

Micheletti leva à aplicação de uma nacionalidade não efetiva.

E Fora do âmbito Micheletti – quando não se está a lidar com liberdades fundamentais da UE?
• Dário Moura Vicente (+ Elsa Dias Oliveira): deve prevalecer a nacionalidade com a qual
haja uma conexão mais estreita.
o Não se transpõe para fora do domínio das liberdades europeias.
• Lima Pinheiro (+ Marques dos Santos): deve transpor-se esta jurisprudência para fora
das liberdades europeias – princípio da harmonia interna que aumenta a segurança
jurídica
o Pessoa vai ter várias leis a serem-lhe aplicadas – umas quanto às liberdades da
UE e outras quanto ao resto.
o Deve ser relevante sempre a mesma lei da nacionalidade num Estado-membro
▪ Esta solução é somente se houver um conflito entre nacionalidade entre
Estado-membro e Estado-não-membro – fora deste âmbito não se
recorre a esta jurisprudência

E. Integração Europeia
Lima Pinheiro: a integração europeia, mesmo que venha a dar corpo a um Estado federal, não
implica uma unificação do Direito.

Há áreas jurídicas bem delimitadas em que tem de haver uma unificação: Direito Aduaneiro,
Público da Economia, dos Estrangeiros, das Sociedades, Contratos com Consumidores e etc.
➢ LP: perante o princípio da subsidiariedade (art. 5º/3 TUE), justifica-se uma atitude
restritiva à intervenção legislativa da UE em matéria de Direito material privado

As vantagens do pluralismo jurídico, quanto ao Direito privado comum, suplantam as


desvantagens: concorrência entre sistemas jurídicos; autonomia dos sistemas jurídicos tendo
em conta as condições locais; conservação das conceções valorativas de cada povo.

Integração europeia deve ter o efeito de desenvolver o Direito, pois cada Estado-membro deve
estar atento às soluções consagradas noutros Estados-membros – trabalhos comparativos são
da maior importância à escala europeia.

Sendo a integração europeia acompanhada por uma preservação da identidade cultural dos
Estados-membros é de esperar que o sistema jurídico de cada Estado-membro, interligado
como está com o sistema cultural de cada sociedade estadual, tenda a manter o seu
particularismo.

Dário Moura Vicente: a integração europeia não significa o fim do DIP – pelo contrário, pode
significar o lançamento, cada vez de forma mais intensa, de mecanismos próprios de DIP.

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➢ A técnica adequada para garantir a livre circulação de mercadorias e capitais no âmbito


da UE não é igualar as legislações nacionais, é sim permitir que elas coexistam e se
coordenem umas com as outras.

DIP está funcionalizado aos objetivos da integração na UE.


• Muitas regras do CC estão a ser substituídas por fontes de DUE.
• DMV: DIP virá a ser um direito sujeito ao DUE – tanto as fontes como as regras (que
visam alcançar objetivos da UE)
o Europeização do DIP – fenómeno mais importante no DIP dos últimos 30 anos.

DIP e Direito do Comércio Internacional


Situações Privadas Internacionais especificamente do foro do Direito Comercial.
➢ Várias aceções de Direito do Comércio Internacional: relações económicas entre Estados
(Direito Internacional Económico); conjunto de normas e princípios que regulam as
relações entre os operadores económicos que estão em contacto com a vida económica
de mais de um Estado (relações comerciais internacionais).
o Caracteriza-se pelo seu objeto: relações comerciais internacionais.
Alguns autores encaram o Direito do Comércio internacional como parte do DIP, uma vez que
representam um setor das relações internacionais, ligado ao comércio.
➢ LP = DMV: pressupõe conceção ampla de DIP que deve ser recusada
o Deve ser considerada uma disciplina jurídica autónoma, que apresenta uma certa
área de sobreposição com o DIP, correspondendo às matérias comuns às duas
disciplinas (Direito de Conflitos das sociedades e dos contratos obrigacionais,
competência internacional em matéria contratual e reconhecimento de decisões
estrangeiras).

A lex mercatoria pode relevar no plano das ordens jurídicas estaduais:


• Mediante a atribuição de um título de aplicação ao Direito Autónomo do Comércio
Internacional, por força de uma norma de conflitos vigente na ordem interna;
• Pela atuação de um processo específico de criação de Direito Autónomo do Comércio
internacional como fonte de determinada ordem jurídica estadual (ex: costume comercial
internacional);
• Pela atribuição de valor jurídico-positivo a usos ou modelos de regulação do comércio
internacional.

DMV: Regulação através de normas materiais que regulam diretamente as situações jurídicas
que têm em vista.
➢ O método é diferente.

DIP e Direito Comparado


Direito Comparado não é um conjunto de normas jurídicas que regem determinada categoria
de situações jurídicas.
➢ É uma disciplina científica auxiliar – ciência auxiliar do Direito – que tem por objeto o
próprio Direito e estuda esse Direito na sua pluralidade de manifestações, procurando
explicar as diferenças e semelhanças nas diversidade de manifestações do Direito.

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➢ Importância no DIP: há vários aspetos em que o funcionamento o DIP depende da


comparação de direitos e dos conhecimentos obtidos através da comparação de
direitos.
➢ LP: Esta relevância pode ser através de estudos comparatísticos de Direito de Conflitos
ou de Direito Material.
o Direito Comparado releva na criação de normas de DIPrivado, bem como no seu
desenvolvimento e aperfeiçoamento, como instrumento de política jurídica.
o Parece óbvio que o Direito de Conflitos tem de assentar em estudos de Direito
Comparado – para uma formação de normas de conflitos que prossigam a
harmonia jurídica internacional.

Art. 23º CC pressupõe que se atenda ao sistema de fontes estrangeiras, sua organização
judiciária e sistema de controlo da constitucionalidade, métodos próprios desse direito e etc. –
tudo isto pode ser entendido através do Direito Comparado.
➢ Alguns autores entendem mesmo que a comparação de Direitos é um dever do órgão de
aplicação do DIP.

Quando uma norma portuguesa de conflitos remete para certa lei, ela não está a remeter para
todas as normas dessa lei estrangeira, só para certas regras que, pelo seu conteúdo e função
sejam reconduzíveis à previsão (= operação de Qualificação).
➢ Para verificar o conteúdo e função da norma cujo conteúdo está em causa, para
reconduzir ao conceito quadro da nossa norma de conflitos, temos de proceder a uma
comparação – comparar a norma material em causa com a previsão da nossa regra de
conflitos, à luz de um critério funcional (ver quais as funções que aquela norma material
desempenha na sua própria Ordem Jurídica).

FC: Uma das tarefas do Direito Comparado consiste em apurar quais os diferentes meios
técnicos a que os vários legisladores recorrem para levar a cabo funções sociais equivalentes
– através do Direito Comparado ver-se-á como instituições diferentes tendem nos diversos
lugares para fins análogos ou como instituições aparentemente homólogas correspondem a
objetivos distintos.
➢ Assim, as razões de analogia e das divergências inter-sistemáticas poderão ser
devidamente valoradas e entendidas.

Muitas vezes, tem de se aplicar em Portugal figuras que não estão previstas na nossa Ordem
Jurídica, tendo de traduzir esses institutos do direito estrangeiro para os nossos quadros
concetuais, sendo aí relevante o Direito Comparado.

Na integração de lacunas no sistema do DIP, comparam-se Direitos de Conflitos e o princípio


da harmonia internacional aponta no sentido do recurso às soluções internacionalmente mais
divulgadas.
➢ Mas tal não pode significar a cristalização do DIP e deve existir a possibilidade de se
introduzirem soluções, quando tal se mostrar imperioso à luz de outros valores do DIP.

FC: Estudos comparatísticos contribuem para a uniformização do direito privado – DIP é


o primeiro beneficiário desses estudos.
➢ Para alguns autores, o direito comparado tem um trabalho de pesquisa, de
compreensão e de síntese dos elementos comuns da experiência humana universal
relativa ao direito e à justiça, portanto, a ciência comparatística incumbir-se-ia de captar

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

os princípios jurídicos fundamentais da pessoa humana e de apontar os instrumentos


mais eficazes para a defesa desse reduto.
➢ LP: Direito Comparado tem papel fundamental na elaboração de Direito material
unificado e é instrumento privilegiado de interpretação deste Direito.

Direito Comparado desempenha uma função especial na interpretação e aplicação de certas


normas de conflitos:
• Normas de conflitos materialmente orientadas;
• Normas de conflitos que remetam para “princípios comuns” aos Direitos materiais ou
permitam a designação pelas partes de tais princípios.

Desempenha uma função de cultura jurídica, como ciência auxiliar da ciência do DIP.

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REGRAS DE CONFLITOS
Regra de Conflitos de Lei no Espaço – os conflitos são gerados pela existência de uma diversidade
de sistemas jurídicos e diversas regras potencialmente aplicáveis a situações privadas
internacionais.

Ferrer Correia: A cada regra de conflitos cabe delimitar um setor ou matéria jurídica, uma
questão ou núcleo de questões de direito, e indicar, de entre os elementos da factualidade
concreta, aquele por intermédio do qual se há de apurar a lei aplicável em tal domínio.
a) As questões jurídicas pertencentes à categoria x serão resolvidas de
conformidade com os preceitos da lei a que a situação concreta estiver ligada
através de uma conexão da espécie y.

Lima Pinheiro: Na aplicação ou não aplicação do Direito estrangeiro não está, em princípio, em
causa um problema de respeito da soberania estrangeira ou de ofensa da soberania estrangeira.
• Em primeira linha trata-se antes de regular uma situação privada, mediante a
determinação da Ordem Jurídica que vai fornecer a disciplina material aplicável.
• Ao chamar o Direito de um Estado a reger a situação, com base num dado elemento
de conexão, a norma de conflitos não vem determinar que, perante o DIPúblico, só esse
Estado tem competência legislativa para regular a situação.

Objeto da norma de conflitos é o mesmo que o objeto do DIP: a situação transnacional.


b) Quanto à função técnico-jurídica, o que há de comum a todas as normas de conflitos é a
regulação das situações transnacionais mediante um processo conflitual ou indireto

Teoria Geral da Regra de Conflitos


Norma de conflitos é constituída por 3 partes – estrutura geralmente tripartida:
1. Previsão (Objeto da conexão)
• Objeto é definido por meio de um conceito técnico-jurídico – conceito-
quadro da regra de conflitos. É no âmbito traçado por tal conceito que
opera a conexão escolhida pela norma, sendo esta conexão representada
por um dos elementos da factualidade concreta.
2. Elemento da conexão
• Elemento de conexão tem a tarefa de “localizar” a situação jurídica num
espaço legislativo determinado, situando-a, pelo que toca à valoração de
tal ou tal dos seus aspetos ou perfis, no quadro de um certo sistema de
direito
3. Estatuição (Consequência jurídica)
• Consequência jurídica é a declaração de aplicabilidade de preceitos
jurídico-materiais da lei que for designada pelo elemento de conexão.
• Efeitos da previsão

Ex: art. 45º CC - Previsão/Conceito-Quadro: Responsabilidade Civil Extracontratual; Elemento de


conexão: lugar do facto; Estatuição: atribuição da lei competente à lei do Estado

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

1. Previsão
Situação jurídica privada que se pretende regular
➢ Problema principal: determinação do âmbito / delimitação da previsão

LP: Através dos pressupostos (de cuja verificação depende a aplicação), a previsão da norma
delimita o seu objeto.

Os conceitos utilizados na previsão das normas de conflitos são de extensão variável, dependendo
do maior ou menor número de normas de conflitos que compõe o sistema.
• A extensão do objeto da norma de conflitos deve ser aquela que convenha à sua
estatuição, à remissão.
o Ao eleger os diferentes elementos de conexão, o legislador tem em vista aqueles
que, em função da especificidade das diferentes categorias de situações e dos
seus diferentes aspetos, são os mais adequados para designar o Direito que lhes
há-de ser aplicado.
o Importa, pois, que a previsão da norma de conflitos compreenda aquelas
situações, e só aquelas, para as quais, segundo o juízo de valor legislativo,
é adequada a conexão.
• Na formação desses conceitos o legislador deve atender ao Direito Comparado.

O objeto pode ser situações da vida ou aspetos de situações da vida.


A. ENUNCIAÇÃO DE CATEGORIA DE SITUAÇÕES JURÍDICAS
• Delimita o objeto através de um elemento que caracteriza uma situação jurídica.
o Ex: Art. 3º Reg Roma I – faculdade das partes escolherem lei aplicável – delimita
o objeto através de um contrato.
o Ex: art. 46º CC – posse, direitos reais e etc. – objeto reporta-se a categoria de
situações jurídicas.

B. PREVISÃO RELACIONADA COM QUESTÕES JURÍDICAS


• Abrange-se uma categoria mais restrita.
o Ex: art. 11º Reg Roma I – questão jurídica de forma e não categoria de situações
jurídicas.
o Ex: art. 49º CC – regula apenas a capacidade para casar

LP: Fenómeno do fracionamento das situações transnacionais pelo Direito de Conflitos


(havendo regras de conflitos que se reportam apenas a questões parciais) é o Dépeçage.
• O Direito vigente, ao optar por uma especialização de soluções, exprime uma
preocupação de justiça conflitual objetiva, de busca das soluções mais adequadas à
matéria a regular.
o O Dépeçage apresenta-se como uma consequência inevitável da prossecução,
pelo DIP, da justiça conflitual.
• Crescente especialização de soluções pode conflituar com a harmonia material, pois
potencia o risco de haver contradições normativas ou valorativas, ou dessintonias entre
as proposições jurídicas que são pedidas a diferentes ordens jurídicas.
o Este risco é tanto menor quanto mais vasto for o alcance da previsão da norma
de conflitos.

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• É necessário que estes preceitos respeitem as unidades de regulação em que estão


inseridas as normas singulares, bem como os conjuntos normativos interdependentes.

A e B são CONCEITOS-QUADRO:
→ conceitos que têm capacidade de abranger diverso conteúdo jurídico.
o Conceito que visa abarcar uma pluralidade de realidades diferentes
disciplinadas de forma diferente por outros ordenamentos jurídicos.
o Tem de ser vasto ao ponto de abarcar todas as figuras jurídicas de leis
estrangeiras que, na Ordem Jurídica em que se inserem, exerçam as mesmas
funções que os institutos ou as figuras jurídicas homólogas do Estado do foro.
→ conceito através do qual a regra de conflitos delimita o seu objeto, i.e., a sua previsão.

3. Estatuição
Conexão, entendida como o chamamento de um ou mais Direitos para regularem a questão –
atribuição de competência às regras de certa lei para regular a situação.
➢ A norma de conflitos remete para um Direito – esta remissão é feita através de uma
conexão, mas, nem todas as normas de conflitos são normas de conexão, sendo preferível
designar “remissão”.

≠ Elemento de Conexão – elemento através do qual se vai achar essa lei aplicável

Quando a remissão é feita para uma ordem jurídica estrangeira suscitam-se vários problemas:
• Qual o alcance material da remissão? QUALIFICAÇÃO
• Qual o alcance conflitual da remsisão, i.e., a remissão abrange o DIP da ordem jurídica
desginada? DEVOLUÇÃO

Atendendo à Estatuição, as Normas de Conflitos podem ser:


A. UNILATERAIS
Normas de conflitos unilaterais também têm por função realizar um processo de regulação
indireta de situações transnacionais. Mas realizam esta função exclusivamente por meio do
chamamento do Direito do foro.
➢ LP: Não têm dupla função pois não podem servir para conferir um título de aplicação ao
Direito estrangeiro.

Só remetem para o Direito Interno – só tratam do Direito vigente no foro.


➢ Apenas designam e apenas dizem quando se aplica as normas materiais do Direito do
Estado do foro.
➢ Ex: art. 4º/1 Lei 7/2004 (Lei Comércio Eletrónico); art. 3º RGPD

Limitam-se a definir em que caso se aplica a lei do foro – delimita o campo de aplicação do
Direito português.
➢ Delimitam e circunscrevem o âmbito de aplicação espacial das normas jurídicas do
Estado do foro.

Normas unilaterais gerais – referem-se a estados ou categorias de relações jurídicas

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Normas unilaterais especiais – encontram-se numa relação de especialidade com outras


normas de conflitos, bilaterais ou unilaterais.
➢ Podem se reportar a estados ou categorias de relações jurídica que se encontrem numa
relação de especialidade; questões parciais que estariam englobadas, em princípio, no
domínio de aplicação de outras normas de conflitos; lei material individualizada (norma
de conflitos ad hoc que tem uma relação íntima e direta com a norma ou lei material a
que se reportam)

Argumento a favor do Unilateralismo:


➢ Cada Estado só pode delimitar o âmbito de aplicação do seu Direito, porque consideram
DIP como conflito de soberanias em que cada Estado só poderia delimitar a sua
competência legislativa.
o Lima Pinheiro: Na aplicação ou não aplicação do Direito estrangeiro não está, em
princípio, em causa um problema de respeito da soberania estrangeira ou de ofensa da
soberania estrangeira.

Insuficiência do Unilateralismo:
➢ Não resolve problemas quando estão em causa lacunas – quando está em causa a
aplicação da norma a estrangeiros.
o Solução dos Tribunais Franceses: Bilateralização da norma como operação de
integração de lacunas – preenche-se a lacuna convertendo a norma de conflitos
unilateral em norma de conflitos bilateral, utilizando o elemento de conexão
▪ Tal só é possível quando a regra unilateral valha como revelação de um
“princípio geral”, i.e., como conexão adequada à situação ou questão
parcial em causa23.
▪ Em primeiro lugar tem de se verificar se efetivamente há lacuna, tendo
em conta todas as valorações e princípios do sistema
▪ Depois tem de se integrar a lacuna, recorrendo à bilateralização da
norma.
• NAP: se a solução passa por Bilateralizar uma norma de
conflitos unilateral, então mais vale ter logo normas de
conflitos bilaterais.

Em Portugal não há normas de conflitos unilaterais gerais (a norma base é bilateral), só em


casos especiais – art. 28º24 (face ao 25º) CC; art. 3º/1/2ª parte CSC (especial face à primeira
parte).
➢ Ainda há normas mais limitadas: Normas de Conflitos Unilaterais Ad Hoc – reverte
apenas para conjunto individualizado de normas – art. 23º/1 CCG

23
NAP: A bilateralizção é simples se for uma Norma de Conflitos Unilateral Geral – se for especial é mais
difícil identificar uma lacuna, pois se não cobre na norma especial, cobre na norma geral (que é bilateral).
24
Art. 28º CC é, de algum modo, bilateralizado pelo art. 28º/2 CC
➢ Art. 13º Reg Roma I leva à desaplicação do art. 28º CC e tem 4 pressupostos que levam à aplicação
da lex causae - regra bilateral que tanto pode levar à aplicação da lei do foro (portuguesa ou não)
como outra.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

B. BILATERAIS
DMV: Multilaterais, pois podem remeter para qualquer lei (não só a dicotomia: lei do foro vs. lei
estrangeira)

Diz qual a lei aplicável a qualquer situação que se encontra na previsão, quer nacional, quer
estrangeira.
➢ Identifica o tipo de situação, através da conexão, e manda aplicar-se-lhe a lei
competente.
➢ Ex: art. 25º CC; art. 21º Roma IV

Dupla função técnico-jurídica das normas de conflitos Bilaterais:


a) a norma de conflitos determina o Direito aplicável;
b) a norma de conflitos, quando remete para Direito estrangeiro (ou extra-estadual), confere-
lhe um título de aplicação na ordem interna.
o Esse título de aplicação do Direito estrangeiro é no caso concreto, no contexto
sistemático da regulação do caso pelo DIP.

C. BILATERAIS IMPERFEITAS
Normas de conflito que, podendo determinar a aplicação tanto do Direito do foro como de
Direito estrangeiro, limitam o seu objeto a certos casos que têm uma ligação especial com o
Estado do foro.
➢ Assim, não fornecem diretamente a solução para as situações do mesmo tipo abstrato,
mas em que falta a referida ligação.
➢ Característica de que só se reportam a uma certa categoria de situações jurídicas, que
são normalmente situações que têm alguma conexão com o Direito do Estado do foro.

Ex: art. 51º CC (antes da alteração de 2007) deixava de fora o casamento entre dois estrangeiros
em país estrangeiro, perante os respetivos agentes diplomáticos ou consulares.
➢ DMV: fazia-se uma extensão por analogia.

A e B são duas TÉCNICAS DE REGULAR A ESTATUIÇÃO.


Mas, ambas se reportam ao método da conexão.
➢ DMV: duas formas da regra de conflitos desempenhar a mesma função essencial.

Conexão da regra de conflitos pode ser de diferentes tipos:


i. Singular
Casos em que a Norma de Conflitos manda aplicar uma única lei.
➢ LP: conexão cujo resultado desencadeia a aplicação de 1 só Direito para reger a questão.

Pode ter diferentes submodalidades:


a) Simples – regra de conflitos designa uma única lei aplicável em todas e quaisquer
circunstâncias da situação que contempla. Ex: art. 46º (Lex Rei Sitae)
• Designa por forma direta e imediata um único Direito aplicável à questão
• Casos em que se manda aplicar só uma lei, mas, para lá chegar, podemos ter de
utilizar várias outras leis:

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

b) Subsidiária – norma de conflitos dispõe de uma série de elementos de conexão que


operam em ordem sucessiva, por forma a que a atuação do elemento de conexão seguinte
dependa da falta de conteúdo concreto do elemento de conexão anterior.
• Intervém se as partes não tiverem escolhido lei aplicável. Ex: art. 3º e 4º Reg
Roma I – partes escolhem, mas não escolheram, pelo que a conexão do art.4º
opera subsidiariamente à escolha da lei aplicável.
• FC: prevenindo a hipótese de faltar o elemento erigido em fator primário
de conexão, a norma de conflitos designa o elemento sucedâneo a que
em tal hipótese haverá que recorrer. A escolha do fator sucedâneo deverá
obedecer a critérios semelhantes àqueles que resultam da conexão
primária.
• Ex: matérias estatuto pessoal – art. 25º, 31º, 32º - em princípio reguladas pela lei
da nacionalidade, na falta é pela lei da residência habitual, na falta é pela lei da
residência ocasional.
c) Alternativa – norma de conflitos contém dois ou mais elementos de conexão, suscetíveis
de designarem dois ou mais Direitos, sendo efetivamente aplicado aquele que, no caso
concreto, se mostrar mais favorável à produção de determinado efeito jurídico.
• O efeito também pode ser a legitimidade de um estado ou a proteção da vítima
de um dano.
• Ou se aplica uma lei ou outra, tendo como objetivo o aproveitamento dos
negócios jurídicos (favor negotiatis).
• Há várias leis potencialmente aplicáveis, mas só uma delas se aplicará – aquela
que preencher certos requisitos ou que permita alcançar certos resultados. Ex:
art. 1º Reg Roma I.
• FC: será escolhida a lei que conduza, na espécie, ao resultado tido a priori
por mais justo.
d) Optativa – norma de conflitos dispõe de dois ou mais elementos de conexão, suscetíveis
de designarem dois ou mais Direitos, mas é agora a vontade de uma determinada
categoria de interessados que vai determinar o Direito efetivamente aplicável.
• Confere-se a alguém a faculdade de optar por uma lei ou outra, conforme o seu
interesse.
• Manda-se aplicar 1 lei, mas permite-se ao interessado que opte por outra mais
favorável.
• Lei vai aplicar-se em função de ser invocada pela parte a quem interessa,
visando favorecer certo resultado material. Ex: art. 7º Reg Roma II –
jurisprudência do TJUE sobre tribunal competente (quanto a detritos no Reno)
levou a esta situação, que é a opção de beneficiar o lesado.
e) Acessória – conexão acessória a outra conexão.
• Lei aplicável ao caso é a lei que é aplicável a uma outra categoria de questões
contemplada por outra regra de conflitos.
• Há a preocupação de evitar o fracionamento das questões privadas
internacionais, poi ao aplicarem-se muitas elas diferentes às mesmas situações
fundamentais, por vezes elas não se harmonizam bem entre si e há conflito
entre essas leis.
• Manda-se aplicar à relação jurídica acessória a lei reguladora da situação
jurídica principal. Ex: art. 4º/3 Reg Roma II; empresa transportes leva Pt a Esp.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Há acidente em Esp na sequência desse contrato – ligação entre


Responsabilidade Civil e Contrato. Pode mandar aplicar-se o acessório (Resp
Civil) à lei do principal (Contrato).

ii. Plural
Casos em que Norma de Conflitos manda atender/aplicar mais do que uma lei.
➢ Cumulativamente aplica-se 1 ou mais leis.
o Não se deve confundir com a aplicação distributiva de dois Direitos. Ex:
capacidade negocial é submetida à lei pessoal – há fracionamento do contrato
por uma norma de conflitos que contém uma conexão singular simples, pois à
capacidade de cada uma das partes é aplicável só um Direito.

Submodalidades:
a) Simples – efeito tem de ser desencadeado ou reconhecido simultaneamente por dois ou
mais direitos.
• Para se reconhecer certos efeitos jurídicos eles têm de ser reconhecidos por 2
ou mais leis. Ex: art. 33º CC – tem que se atender a 2 leis.
• Subordina-se a produção de certo evento jurídico ao acordo de duas leis, ou
seja, à satisfação dos requisitos estabelecidos em cada uma delas.
• Não se pode confundir com a aplicação distributiva – também se trata de fazer
apreciar, por dois sistemas jurídicos, as condições de validade do mesmo ato,
porém, em termos de a matéria ser entre eles repartida conforme determinado
critério.
b) Condicionante/Limitativa – não há uma atribuição de competência paritária a dois ou
mais Direitos.
• A norma de conflitos chama um Direito como primariamente competente, mas
atribui a outro sistema uma função limitativa ou condicionante quanto à
produção de certo efeito.
• Manda-se aplicar uma lei mas há uma segunda que a condiciona. Ex: art. 27º CC
– lei Pt vem limitar a lei estrangeira. Pessoa dos EUA invoca em Pt uma violação
de Direito à Honra e quer ser indemnizado e obter “punitive damages”25; não se
pode aplicar a lei pessoal (EUA) pois isso não existe em Pt e nem na forma
desproporcionada dos EUA.

2. Elemento de Conexão
Com a Conexão, da estatuição, não se confunde o Elemento da Conexão26: sujeito, objeto, facto
jurídico
• laço fáctico entre um dos elementos da situação da vida e um determinado lugar no espaço;
• num vínculo ou qualidade jurídica que permita individualizar o Direito que o estabelece;
• um facto jurídico.

25
NAP: indemnização em que não se está limitado ao dano (sem a função ressarcitória da
Responsabilidade Civil). Indemnização que corresponde à culpa do agente – pune-se o agente não se
ressarce somente o dano.
26
Elemento de conexão é um elemento essencial da norma de conexão

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

DMV: elemento da situação da vida em questão que a regra de conflitos indica como sendo o
elemento decisivo para se achar a lei aplicável.

LP: laço entre a uma situação da vida e dado ordenamento de um Estado soberano que se
entende ser o determinante para a escolha do ordenamento aplicável.
➢ Tem reservas quanto a esta definição pois a situação da vida, enquanto realidade social, situa-se
num plano da realidade diverso do das Ordens Jurídicas, que são realidades jurídicas.

O elemento de conexão individualiza o Direito a ser aplicado.


➢ A conexão é o chamamento de uma ou mais Ordens Jurídicas.

O elemento de conexão estabelece a “ponte” entre a situação e a ordem jurídica aplicável.


➢ Caráter bifrontal em que se tem de relacionar com o que está em causa na situação da
vida.

Elementos de conexão pessoais – sujeitos


Elementos de conexão reais – objeto

Também pode ser classificado quanto à estrutura: descritivos/de facto (laço fáctico) ou técnico-
jurídicos/normativos (vínculo ou facto jurídico).

Podem ser móveis ou imóveis, tendo em conta se o conteúdo concreto é suscetível de variar no
tempo.

FC: A relevância do elemento de conexão escolhido pela norma de conflitos é por vezes
colocada sob determinada condição. É possível que uma lei seja declarada aplicável sob
condição de ela própria se considerar competente.
➢ É o que se passa no Reenvio.

Nem sempre o achamento da lei aplicável, por força de Norma de Conflitos, se faz devido a
um Elemento de Conexão – cada vez mais se atende a outras valorações27:
A. Vontade das partes – na escolha da lei aplicável.
B. Conexão mais estreita com o litígio – conceito carecido de preenchimento valorativa,
tratando-se, em primeira linha, de uma valoração conflitual, que atende aos laços
existentes entre a situação em causa e a esfera social dos Estados.
• Tem de ser concretizado casuisticamente (open-ended rules).
• Pode resultar de uma combinação de diferentes laços, cujo peso relativo dos
mesmos é aferido de acordo com a interpretação.
• Ex: art. 52º/2 CC; art. 33º/2 LAV
C. Cláusula de exceção – proposição que permite afastar o Direito primariamente aplicável
de um Estado, quando a situação apresenta uma ligação manifestamente mais estreita
com outro Estado.

27
DMV: Regra de Conflitos também se serve de diferentes técnicas e expedientes para nos indicar a lei
aplicável, pois nem sempre temos elementos de conexão, entendido como elemento da situação fáctica
que a regra destaca.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• LP: Equidade conflitual intervém para corrigir a designação do Direito


primariamente aplicável, quando a situação apresenta uma ligação
manifestamente mais estreita com outro Direito.
o Em Portugal não vigora
• LP discorda de Moura Ramos pois as normas de conflitos são tão vinculativas
como as normas materiais e, mesmo que o legislador tivesse consagrado
algumas cláusulas de exceção especiais, em matérias bem delimitadas, não se
poderia daí inferir uma cláusula geral de exceção.
o Mas nem uma especial vigora
o Art. 4º/5 Reg Roma I não é uma cláusula de exceção, porque a lei da
conexão mais estreita é na falta de escolha pelas partes (que é a conexão
primária em matéria de contratos obrigacionais).
o Só parece existir no art. 45º/3 CC – não há formulação de proposição
com conceito designativo indeterminado, antes uma consagração geral e
abstrata de uma conexão mais estreita que o lugar do delito ou dos
efeitos.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

QUALIFICAÇÃO
Problema jurídico que se pode relacionar com qualquer norma jurídica, não só do DIP – é saber
se o caso concreto se reconduz à previsão das normas.
➢ Subsunção de um caso singular na previsão de uma norma jurídica ao conceito que
delimita o objeto dessa norma jurídica.

No DIP há categoria específica de normas que delimitam o seu campo de aplicação através de
Conceitos-Quadro e a Estatuição é remissão para outra lei.
• É por meio de conceitos técnico-jurídicos que as regras de conflitos definem e
delimitam o respetivo campo de aplicação – espaço ou área jurídica em que o elemento
de conexão é chamado a operar.
o Esses são Conceitos-Quadro: aptos a incorporar uma multiplicidade de
conteúdos jurídicos
• Este processo verifica-se quer na aplicação das Normas de Conflito quer nas normas
materiais, mas, para o DIP esta problemática tem uma maior importância devido à
pluralidade de ordens jurídicas em presença.

Aceção ampla de Qualificação: resolução dos problemas de interpretação e aplicação da


norma de conflitos que dizem respeito aos conceitos técnico-jurídicos utilizados na sua
previsão.
Aceção estrita de Qualificação: operação pela qual se subsume uma situação da vida, ou um seu
aspeto, no conceito técnico-jurídico utilizado para delimitar o objeto da remissão.

Objetivo da Qualificação é determinar qual a Norma de Conflitos aplicável.


➢ Nuno Andrade Pissarra: Integração de um objeto num conjunto/categoria de objetos,
designada por um conceito.
➢ Serve para delimitar o âmbito de aplicação de determinada norma.

Lima Pinheiro: Aplicador tem de fazer um vaivém entre a norma e o caso, o qual se vem a traduzir
numa adaptação da norma às circunstâncias do caso e num enriquecimento do conteúdo dos
conceitos a que recorre a previsão normativa.

2 níveis de problemas:
A. Qual o alcance que a Norma de Conflitos tem na lei em que remete? É
referência aberta (todas e quaisquer normas desse Ordem Jurídica) ou
fechada (só certas normas)?
Ex: Inglês morre em Portugal e tinha testamento em que deixava o único bem a um primo
distante (único sucessível). Reg Roma Sucessões diz que ao fazer testamento pode escolher a lei
aplicável à sucessão – ele escolheu a lei inglesa. Primo repudia a herança. Coroa Britânica
reclama o bem (Administration of States Act), mas, essa reclamação é um Direito Real de
apropriação de bens sem dono, não é Direito Sucessório. Reg Roma IV só manda aplicar lei
sucessória inglesa, e aqui é um direito real. A remissão abrange?

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Solução no art. 15º CC – norma de conflitos vigente em Portugal não remete


indiscriminadamente.
➢ Remissão é para aquelas normas que, por conteúdo e função, se apliquem – referência
seletiva

Ex: Remissão do Reg Roma IV é para as normas de sucessão, não de Direitos Reais

Ferrer Correia: A referência feita pela regra de conflitos à lei por ela designada, nos
termos do art. 15º CC, deve entender-se como uma referência seletiva na aceção de que
não abrange todas e quaisquer normas dessa lei, mas tão somente aquelas normas que,
pelo conteúdo e pela função que desempenham na lei designada, se
reconduzam/subsumam ao Conceito-Quadro da norma de conflitos de que partimos.

Deriva outro problema:


→ a lei que tem competência, tendo em conta o elemento de conexão, é uma competência
meramente hipotética, antes de feita a operação de qualificação. Temos de perceber
como devemos proceder quando vamos qualificar uma norma material potencialmente
aplicável.

B. Como se há de subsumir essas normas, para as quais se remete, à


previsão? Que critérios se aplicam à subsunção?

1º OPERAÇÃO/MOMENTO: Interpretação do Conceito-Quadro


Interpretação da proposição jurídica, por forma a determinar a previsão da Norma de Conflitos,
mediante um enunciado das suas notas concetuais.
➢ Definição/interpretação do conceito que designa essa categoria de objetos
➢ Interpretação do elemento que nos diz para que é que vale aquele elemento de conexão
que a regra consagra.
o Interpretação dos conceitos que delimitam o objeto da remissão

Classificação das categorias de situações jurídicas não obedecem a um critério unívoco – é uma
classificação que reparte a matérias em centros de regulação numa ótica pragmática e que reflete
certos elementos culturais.
➢ Pode ser um critério estrutural (atende ao conteúdo de situações jurídicas: obrigações e
direitos reais) ou critério funcional e institucional (família e sucessões).

Quatro teorias para se resolver este problema:


1) Interpretação lege fori (de acordo com a lei do foro) – conceitos das Normas de Conflitos
do foro são decalcados das normas materiais do foro.
• Referência automática aos conceitos homólogos do sistema de preceitos
materiais da lex fori.
• “União pessoal” entre o legislador do Direito de Conflitos e o legislador do Direito
Material interno, assegurando o princípio da unidade do sistema jurídico.
➢Não é defendida pela doutrina: Deixa de fora realidades jurídicas
diferentes existentes no Direito Estrangeiro – nega a função do Direito
de Conflitos, como aberto a outras Ordens Jurídicas estrangeiras; tem

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

de estar aberto a institutos jurídicos que não existem no nosso Direito.


Ex: art. 64º/c
2) Interpretação lege causae – Conceito-Quadro é preenchido pelas normas materiais do
Direito potencialmente competente
• Qualificação lege causae diz-nos que o sentido e alcance do conceito utilizado na
norma de conflitos depende das finalidades prosseguidas por esse conceito na
Ordem Jurídica da lei competente.
➢Não é defendida pela doutrina: esvazia as Normas de Conflitos de
conteúdo; não significa nada, em abstrato, e releva tudo da norma
competente. Há ordenamentos jurídicos em que se admitem situações
muito aberrantes na nossa Ordem Jurídica.
3) Interpretação de acordo com o Direito Comparado – análise do Direito Comparado, dos
quais se retira elementos comuns e a partir desses elementos comuns constrói-se o
conceito.
• Construída por Rabel como a necessidade de construir e interpretar a
norma de conflitos em função dos vários sistemas jurídicos cuja aplicação
ela é suscetível de desencadear – conceitos-quadro deviam definir-se por
um processo de abstração, a partir dos diferentes sistemas jurídico-
materiais.
• Maria Helena Brito defende
➢FC: De facto, o DIP é um direito aberto a todas as instituições e
conteúdos jurídicos conhecidos no mundo e só o método comparativo
permite captar as diferenças e a essência comum nas instituições dos
diversos países. Mas, apenas se recorre ao Direito Comparado como
auxiliar.
➢LP: Direito Comparado é útil mas não é ele que decide sobre qual o
alcance do conceito de uma norma de conflitos, ele apenas auxilia essa
tarefa. Método da comparação de Direitos é um instrumento, não uma
solução (Magalhães Collaço).
4) Interpretação Autónoma – interpretação que parte do conceito do Direito do Foro mas
que se autonomiza a partir de certo ponto.
• Partimos do Direito material do foro, retirando da sua análise notas para a
determinação do conceito empregue pela norma de conflitos, mas tendo em conta
as finalidades específicas prosseguidas pelo Direito de Conflitos, podendo
abrange realidades diferentes/desconhecidas do Direito material do foro.
➢Conceitos essenciais (insuscetíveis de serem afastados) são os do
Direito do Foro, mas, a partir daí pode haver influência de outras Ordens
Jurídicas – tem de se perceber o que são notas essenciais do conceito
para aplicação da Norma de Conflitos.
• O conceito-quadro deve ser interpretado teleologicamente, de forma a se
determinar o juízo valorativo que enforma cada preceito de direito.
➢DIP tem a sua intencionalidade e justiça própria, pelo que a
interpretação tem de ser algo autónoma face ao direito material.
➢Existe um núcleo de complexos normativos cujo conceito utilizado
exprime o direito interno da lex fori, mas, além desse núcleo,
existem zonas periféricas, formadas por outros complexos
normativos, a que do mesmo modo convirá o tipo de conexão

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

preferido pela regra de conflitos considerada, i.e., para os quais


será da mesma maneira válida a razão que ditou a escolha dessa
conexão quanto às matérias focadas a título principal.
➢Conceito-Quadro abrange todos os institutos ou conteúdos
jurídicos, quer de direito nacional ou estrangeiro, aos quais
convenha, segundo a ratio legis, o tipo de conexão adotado pela
regra de conflitos que utiliza o mesmo conceito.
o Defendido por toda a Doutrina de DIP

DMV: isto é assim para as Normas de Conflitos de fonte puramente Interna (de onde se parte da
lex fori) e semelhante para Normas de Conflitos de Fonte Internacional/Europeia depende da
fonte da Norma de Conflitos.

Norma de fonte Supraestadual: não é possível interpretar por referência ao Direito Material do
Estado do foro.
➢ Conceitos têm de ser interpretados Autonomamente28, relativamente às ordens
jurídicas nacionais individualmente consideradas e assentar numa comparação de
Direitos.
o Interpretação autónoma é uma interpretação teleológica – à luz das
finalidades e alcances dessas normas.
o Ex: testamento de mão comum – admitido pelo Reg Roma IV se ele for válido
segundo a lei competente. Tribunal de Portugal (em que é proibido) pode ter
que aplicar.

Relevância da 1ª Operação: todas as Normas de Conflitos identificam os conceitos que aplicam


através de conceitos jurídicos altamente sintéticos.
➢ Ex: art. 25º CC tem matérias em que muito cabe lá
➢ Magalhães Collaço: por isso, as Normas de Conflitos precisam de uma chave normativa.

2ª OPERAÇÃO/MOMENTO: Delimitação do objeto da remissão


Determinação das situações da vida que se vão subsumir, envolvendo uma caracterização das
situações jurídicas.
➢ Caracterização do objeto da qualificação – objeto tem de ser identificado; qual a
situação transnacional a caracterizar

O objeto da remissão é, em concreto, uma situação da vida ou um seu aspeto.


➢ A caracterização tem de incidir sobre a situação da vida em causa e consiste na
determinação da relevância jurídica desta situação.

Quando se averigua qual o conteúdo e função das normas que se quer qualificar, a que se sistema
se recorre?
1) Caracterização Lege Fori: LP discorda e, por força de uma norma de conflitos, podemos
ser levados a aplicar normas materiais estrangeiras que não correspondem à categoria
normativa utilizada na previsão da norma de conflitos – contraria a justiça da conexão e a

28
LP: Nos Regulamentos da UE tem que se ter em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido
pelas normas em causa, em conformidade com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica
comunitária e outros princípios gerais de Direito.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

ideia de adequação que lhe está ínsita, não sendo respeitado o nexo de adequação entre
a previsão e a estatuição.

2) Caracterização Lege Causae: a competência atribuída a um Direito deve ter em conta o


conteúdo e os fins das normas materiais que, nesse Direito, são aplicáveis à situação.

Só devemos aplicar por força de uma norma de conflitos as normas materiais que correspondem
à categoria normativa utilizada na previsão da norma de conflitos.
➢ Se determinarmos a relevância jurídica da situação segundo o Direito material do foro,
para nesta base designarmos a lei estrangeira competente, mas excluirmos a aplicação
das normas desta lei, quando não correspondem à categoria normativa utilizada pela
previsão da norma de conflitos, vamos gerar, desnecessariamente, problemas de falta de
normas aplicáveis.

Como ainda não sabemos qual a lei aplicável, fazemos um raciocínio hipotético, atendendo à
relevância jurídica dos factos perante cada uma das ordens jurídicas potencialmente
aplicáveis (aquelas com as quais a situação concreta tenha alguma das conexões relevantes para
o Direito de Conflitos português)
➢ Pergunta-se às várias ordens jurídicas em presença qual a relevância jurídica que dariam
aos factos se lhes fossem aplicáveis.
o Pode vir a ser aplicada lex fori se esta for lex causae.
➢ Temos de atender aos institutos em que as normas se inserem, aos nexos
intrassistemáticos existentes, às finalidades prosseguidas e à função jurídica dos
institutos – importância relativa das notas estruturais e das notas funcionais pode
depender da categoria normativa em causa.

FC: as características só nesse sistema poderão colher-se, tendo em conta o seu


conteúdo, as suas conexões sistemáticas e a função sócio-jurídica que nele lhe for
assinada.
➢ Isto pois nenhuma norma ou instituição jurídica poderá ser corretamente
aplicada se não a situarmos no seu contexto próprio e a isolarmos do todo
orgânico a que pertence.

Atende-se a um critério de funcionalidade: qual o conteúdo e finalidade das normas.


Ex: ingleses vendem imóvel a filho em Portugal. Isso é matéria de Obrigações ou Família? O que
visa o art. 877º CC? Sistematicamente é obrigações, mas a finalidade é relacionada com as
relações familiares. Portanto não seria nulo, uma vez que Direito Inglês não o considera assim.

Vamos interpretar as normas materiais potencialmente aplicáveis ao caso à luz da lex causae
– a caracterização das normas materiais substancialmente aplicáveis ao caso tem de ser à luz do
sentido e função que elas assumem na Ordem Jurídica da lex causae.

À lex fori compete decidir se, atendendo às suas características primordiais, os preceitos
considerados correspondem ao tipo visado na regra de conflitos.
➢ Na lex causae vão pesquisar-se essas características das normas potencialmente
aplicáveis ao caso.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

3ª OPERAÇÃO/MOMENTO: Qualificação stricto sensu


Recondução da matéria delimitada na previsão normativa – se é possível reconduzir o objeto
caracterizado à norma interpretada (subsunção).
➢ É momento pré-determinado pelos dois anteriores.
➢ Problema da averiguação de quais são, de entre os preceitos materiais do
ordenamento designado por certa norma de conflitos, os correspondentes à
categoria definida pelo conceito-quadro dessa norma – verificar se certo instituto
ou preceito do referido ordenamento pode ser subsumido a tal categoria.

Embora o objeto da qualificação, as situações da vida ou aspetos parcelares, tenha de ser caracterizado à
face da lei ou leis potencialmente aplicáveis, a última palavra sobre a qualificação do objeto deve ser
proferida segundo o critério de qualificação do sistema a que pertencem as normas de conflitos em jogo.
➢ Critério de qualificação definido pela estrutura e finalidades prosseguidas pelo sistema do Direito
de Conflitos.

Verificação da correspondência funcional entre a norma a qualificar e o Conceito-Quadro.

Da lei designada pela norma de conflitos só podem considerar-se aplicáveis os preceitos


correspondentes à categoria definida e delimitada pelo respetivo Conceito-Quadro.
➢ Ou seja, uma lei nunca é convocada na totalidade das suas regras materiais, mas a
norma de conflitos da lex fori recorta no sistema a que se refere um setor determinado
e localiza nele a competência atribuída a esse mesmo sistema.
o A regra de conflitos incumbe determinada lei na execução de determinada
tarefa normativa – confia-lhe a resolução de questões de direito de certo tipo.
o Portanto, a intervenção desse ordenamento tem de ser efetivada através de
preceitos que se destinem ao cumprimento dessa função, com o sentido de
conter respostas a tais questões.

Para essa subsunção temos de atender ao conteúdo e função dos preceitos em causa, integrados
no Direito a que pertence.

Ex: norma inglesa de cariz processual de


limitation of actions é uma norma de
prescrição? Se forem meramente
processuais, em Portugal não se aplicam.
Apesar da diferença formal elas servem as
mesmas funções – a via é outra mas a
finalidade de segurança jurídica é a mesma,
sendo normas funcionalmente equivalentes,
pelo que podem ser aplicadas.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

A circunstância de a lex causae


qualificar dado instituto como
processual não obriga a que o Direito de
Conflitos do foro também o qualifique
como processual – tem de se averiguar
o conteúdo e a função do instituto.

SUBSUNÇÃO?
DMV: parece que este processo de Qualificação é uma questão de silogismo.
➢ LP: A interpretação-aplicação não poderá ser reconduzida exclusivamente a operações
lógico-formais, é necessária uma valoração (devido à existência de conceitos de
elevada indeterminabilidade que são carecidos de preenchimento valorativo).

Na Qualificação stricto sensu há uma apreciação valorativa da teleologia da Norma de


Conflitos.
➢ O raciocínio não é puramente lógico-dedutivo – há uma subjetividade inerente devido
aos valores.
➢ Só podemos verificar essa equivalência de funções se atendermos ao Direito
Comparado.

No atender ao art. 15º CC o intérprete tem uma larga margem de discricionariedade, havendo
um juízo de valor que tem de ser feito sobre a existência ou não de correspondência funcional
entre a norma material cuja aplicação está em causa e a regra de conflitos que potencialmente
remete para a lei designada por essa norma material.
➢ Esse juízo de valor pressupõe um grau de liberdade que não é compatível com a
caracterização deste processo como um mero silogismo judiciário (como a mera
conclusão de um processo quase mecânico).

Dificuldades originadas pelo fracionamento conflitual das situações da vida


i. Problema da delimitação dos aspetos que são abrangidos por uma e outra das normas de
conflitos em jogo – quando uma norma de conflitos se reporta a diferentes categorias de situações
jurídicas. Ex: contrato de compra e venda que gera obrigações e vai orientado á produção de
efeitos reais

As questões jurídicas suscitadas por diferentes aspetos de uma mesma situação da vida são as
questões parciais.
➢ Este problema não se coloca quanto às questões parciais que são objeto de normas de
conflitos especializados – capacidade negocial, forma do contrato de compra e venda e
etc.
o Art. 12º Reg Roma I é indicação do legislador que determinadas questões estão
submetidas a uma Norma de Conflitos.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Núcleo do conceito – conjunto de questões jurídicas que são indubitavelmente abrangidas pela
previsão da norma, razão por que não suscitam dificuldades de delimitação.
Questões da zona periférica – suscitam um problema específico de interpretação dos conceitos
que delimitam o objeto da remissão das normas de conflito em jogo.
➢ Critério orientador deve exprimir os nexos funcionais e axiológicos entre as normas
de conflitos em presença, atendendo aos fundamentos das mesmas e dos fins
gerais do Direito de Conflitos.
➢ Ex: contrato de compra e venda com efeitos reais – na delimitação entre normas de
conflitos reguladoras das obrigações contratuais e normas de conflitos reguladora do
direito real é defensável uma preordenação.

ii. Problema do concurso e falta de normas aplicáveis – podem vir a surgir, como simultaneamente
aplicáveis ao mesmo aspeto de uma situação da vida, duas ou mais leis, por força de duas ou
mais normas de conflitos, ou que, ao contrário, não surjam como aplicáveis quaisquer normas das
leis em presença.

Artigo 15º CC
Só faz alusão ao primeiro momento da qualificação: interpretação dos conceitos que delimitam o
objeto da remissão, quando se refere ao “regime do instituto visado na regra de conflitos”.
➢ Instituto = qualquer uma das categorias normativas utilizadas para delimitar o objeto da
remissão.

Manda-se atender ao conteúdo das normas aplicáveis e à função que têm no sistema a que
pertencem – aponta para uma caracterização lege causae e acentua-se a necessidade de inserir
as normas da lei competente no sistema a que pertencem e de atender a notas funcionais.
➢ DMV: Referência Seletiva – abrange as normas materiais do Direito para o qual remete,
mas somente no âmbito das valorações do instituto.

Qualificação stricto sensu é visada no “a competência atribuída a uma lei abrange somente”
➢ Quando se fala em “competência” está-se ainda na fase das simples hipóteses.

Problema da qualificação próprio sensu consiste em averiguar se tal norma ou complexo


de normas de uma hipotética lex causae, atentas as características que reveste nessa lei,
entra na categoria de conexão de uma regra de conflitos da lex fori: precisamente da
regra de conflitos de que derivará, em caso de resposta afirmativa à questão formulada,
a aplicabilidade daquele sistema.

FC: perante um sistema de Direito e uma norma desse sistema, norma em que uma das partes
se baseia para enunciar a sua pretensão (afirmar que determinada consequência jurídica se
verificou), vai começar por considerar-se aquele sistema como hipoteticamente aplicável ao
caso sub judice.
Em seguida averigua-se se a tal norma, considerando o seu conteúdo, escopo e conexões
sistemáticas, corresponde realmente à categoria de conexão de uma determinada regra de
conflitos da lex fori; regra de conflitos essa de onde se partiu para julgar hipoteticamente
aplicável o sistema de Direito em causa.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Conclui-se, depois, se as características do tipo ou da categoria de conexão da referida norma


de conflitos se encontram reproduzidas na norma material do tal sistema de direito.

Único método conforme ao princípio da igualdade – uma legislação estrangeira tem de ser
declarada aplicável a certas situações concretas, desde que possa dizer-se que, em
circunstâncias análogas de facto e de direito, a lex fori se julgaria competente.
➢ A aplicação desta lei não depende senão da existência de uma relação de
correspondência entre as normas por mediação das quais ela se propõe resolver a
questão litigiosa e o “tipo normativo” da regra de conflitos que a designe.

O legislador, ao decidir enveredar pelo caminho da formulação de regras de conflitos bilaterais,


inspira-se num princípio de paridade de tratamento, ou seja, na ideia de que os fatores que
decidem da aplicação das suas próprias leis hão de ser também – tanto em abstrato como em
concreto – os que desencadeiam a aplicação das leis dos outros Estados.
➢ Só assim se garante a harmonia jurídica internacional.
o Ideia que os fatores determinantes da aplicabilidade das leis estrangeiras
deverão ser os mesmos que decidem da aplicação das nossas próprias leis.

LP: A determinação do sentido e alcance o conceito utilizado na previsão da norma e a delimitação


do objeto da remissão (que ocorrem nos dois primeiros momentos da qualificação) pré-determinam
o alcance jurídico-material da remissão (que integra a estatuição da norma de conflitos).

Normas de conflitos portuguesas desencadeiam uma remissão de alcance jurídico-material


limitado.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Resolver Casos Qualificação


Caracterização consiste em entender as normas materiais29 e saber se elas são aplicáveis às
Normas de Conflito em questão.

Essa caracterização, lege causae, é imposta pela lei (art. 15º)


• Noutras Ordens Jurídicas, em que a referencia é aberta e a competência atribuída pela
Lex Fori, abrange-se qualquer norma material desse Direito competente, o que torna
desnecessária a caracterização – não se vai cingir às normas materiais que resolvem a
situação em causa e todo o Ordenamento Jurídico está abrangido.
o Nessas Ordens Jurídicas identifica-se a Norma de Conflitos através de uma
Qualificação Primária – recorre-se ao Direito material do foro para ver qual a
matéria em causa, apura-se a Norma de Conflitos do foro que se aplica e depois
remete para outro Direito competente que trata de tudo.

Em Portugal, legislador somente quer que se aplique Lex Causae no estrito âmbito da matéria
em questão – pois é sobre isso que a Norma de Conflitos dispõe.
➢ Não se faz uma qualificação primária e parte-se das normas materiais potencialmente
aplicáveis.

A 2ª operação, de Caracterização, é a primeira ser feita, na ordem lógica de resolução de um


caso.

Verificando quais são as normas relevantes e potencialmente aplicáveis, o esquema é:


Partir das normas materiais potencialmente aplicáveis -> caracterizar essas normas -> a partir
dessa caracterização temos a Norma de Conflitos relevante -> concretizar o Elemento de
Conexão
Ex: norma material francesa -> é de Direitos Reais -> Norma de Conflitos é o art. 46º CC ->
Elemento de Conexão é a lex rei sitae, portanto é a lei francesa (onde o imóvel se encontrava)

Só assim o art. 15º CC está respeitado, pois partimos da Caracterização da norma


Ex: já sabemos que a norma material francesa cabe na Norma de Conflitos portuguesa porque
já a caracterizamos (atendendo à sua função e conteúdo).

Quando há NORMAS IGUAIS (EM TERMOS DE VALORAÇÕES), entre aquelas potencialmente


aplicáveis, convoca-se a mesma Regra de Conflitos, portanto, a solução será dada pela mesma
lei competente.
➢ NAP: muito frequente não haver divergência de caracterização.

29
Identificado assim pelo art. 15º CC
= Escola de Coimbra
≠ Escola de Lisboa
➢ NAP: não cabe à lei tomar posições de natureza dogmática
o No fundo, o entender da Escola de Lisboa é que estas são situações transnacionais a que
se aplicam normas materiais.

64
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Quando há DIVERGÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO:


➢ Mesmo que a lei competente seja a mesma, temos de ter em conta a Caracterização
(lege causae) da lei material e só se aplica a Norma de Conflitos que se aplique a essa
caracterização.
➢ Ex. tanto o art. 53º como o art 62º mandam aplicar a lei Portuguesa. No entanto, se o
que estiver em causa, à luz de uma caracterização lege causae, for direito sucessório
então aplica-se o Direito português por força do art. 62º

Em síntese:

Norma (2ª Operação) Pelo art. 15º CC Norma de


Material Caracterização Conflitos

(1ª Operação)
Interpretação
Conceito-Quadro

(3ª Operação)
Subsunção/Qualificação
Interpretação
stricto sensu Elemento de Conexão

65
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Interpretação e Concretização do ELEMENTO DE CONEXÃO


Problemas associados à questão da qualificação
Estamos no âmbito de conceitos jurídicos usados pelas regras de conflitos, mas não para
efeitos de delimitação da previsão e sim para efeitos de definição da lei aplicável.
• Conceitos jurídicos que definem o elemento de conexão.

As normas de conflitos têm Elementos de Conexão – âncora que é a referência para se aplicar
um outro Ordenamento Jurídico.
• Pode haver vários: nacionalidade, residência habitual/domicilio, lugar da celebração e
etc.

1. Interpretação do Elemento de Conexão


O que é o elemento de conexão em abstrato?

Definição do Elemento de Conexão – determinação do seu sentido e alcance


• Determinação do conteúdo do conceito que designa o elemento de conexão.
• Maneira como se fixa o sentido e o alcance das normas jurídicas – perceber até onde
pode ir uma norma de conflitos.

Interpretação de conteúdos técnico-jurídicos suscita dificuldades particulares, pois perante a


diversidade do conteúdo atribuído a estes conceitos nos diversos sistemas nacionais, torna-se
necessário determinar quais as regras e princípios jurídicos a que se deve recorrer.
• A interpretação deve, como as Normas de Conflito no geral, ser autónoma (tendo em
atenção a sua fonte).
o Prevalece o princípio da interpretação Lege Fori – quando se está a interpretar
uma Regra de Conflitos temos de partir da lei de onde ela emana.
o Temos de ter em conta o foro onde nascem os elementos de conexão.

-> Prevalece o princípio da interpretação Lege Fori

2. Concretização da Regra de Conflitos


Como se preenche o elemento de conexão em concreto?

Determinação do conteúdo concreto do Elemento de Conexão


• Lima Pinheiro: Determinação do laço em que se traduz o elemento de conexão.

Pode não oferecer especial dificuldade, quando consiste em laços fácticos.


Diferentemente, a concretização de Elementos de Conexão que se reportam a um vínculo
jurídico, consequências jurídicas ou factos jurídicos suscita diversas questões.

Caso de Elemento de Conexão Jurídico – concretiza-se lege fori ou lege causae?


• Concretização Lege Fori: recorrer-se-ia ao Direito material do Foro para responder
concretamente ao que define o Elemento de Conexão.
o Podia levar a desarmonia internacional.
o Ex: Lei Portuguesa – domicilio é onde vive; Lei Francesa – domicílio é onde
trabalha. Regras de conflitos iguais mas soluções diferentes

66
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Concretização Lege Causae: percorrem-se as ordens jurídicas em contacto com a


situação e pergunta-se a cada uma delas se considera que o Elemento de Conexão está
concretizado. Se sim, aí concretiza-se o Elemento de Conexão.
o Há harmonia pois concretiza-se o Elemento de Conexão à luz da lei competente

Prevalece o PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO LEGE CAUSAE

Vamos proceder por tentativas, interrogando as várias leis potencialmente designadas pela
regra de conflitos para sabermos em qual ou quais dessas leis é que o elemento de conexão se
tem de concretizar.
• Só assim se consegue a harmonia dos julgados.

-> Prevalece o princípio da interpretação Lege Causae

A. Casos de Conteúdo Múltiplo e Falta de Conteúdo


Como lidar com a pluralidade de respostas ou ausência de respostas?
Quando o mesmo elemento de conexão tem, em determinada situação, uma pluralidade de
conteúdos concretos ou, no polo oposto, não tem qualquer conteúdo concreto.

CONTEÚDO MÚLTIPLO
• Quando no caso concreto surgem vários laços, que se estabelecem com diferentes
Estados, reconduzíveis ao mesmo conceito designativo. Ex: dupla nacionalidade

Tem de se procurar, através de certo critério, definir a primazia de uma dessas concretizações
do elemento de conexão.
➢ LP: Problema pode ser resolvido por uma norma especial, como os art. 27º e 28º Lei
Nacionalidade
➢ DMV: procuram-se critérios de primazia.

FALTA DE CONTEÚDO
• Casos em que não há conteúdo concreto – no caso concreto não existe o laço
designado. Ex: apátridas

Tem de se atender, em primeiro lugar, à norma especial que resolva o problema.


➢ Se não houver norma especial que resolva o problema então tem de se atender ao
critério geral do art. 23º/2/2ª parte CC30, que manda recorrer à lei que for
subsidiariamente competente.
o Temos de procurar uma conexão subsidiária, desistindo do elemento de
conexão e procurando outros para nos indicar a lei aplicável
➢ Na falta de conexão subsidiária, resta o recurso ao Direito material do foro, por
aplicação analógica do art. 348º/3 CC.

30
NAP: tem mesmo de ser a 2ª parte pois o art. 23º/2 CC tem 2 opções:
• “lei estrangeira aplicável” – não se consegue determinar o conteúdo. Em que se aplica
diretamente o art. 348º/3.
• “impossível determinar elementos de facto e direito” – não se consegue definir o Elemento de
Conexão (que podem ser fácticos ou jurídicos). Em que se aplica analogicamente o art. 348º/3.

67
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

B. Concretização no Tempo do Elemento de Conexão


Problema colocado pelos Elementos de Conexão cujo conteúdo concreto é suscetível de sofrer
alteração no tempo.

Com a alteração do conteúdo concreto do Elemento de Conexão surge uma sucessão de


estatutos ou conflito móvel.
➢ Há um deslocamento da situação da vida relativamente aos Estados em presença, que
leva a que o laço, considerado relevante para designar o Direito aplicável, se passe a
estabelecer com um Estado diferente.

Deve ter-se em atenção:


• Determinação do Momento Relevante da Conexão – há casos em que legislador fixou
o momento relevante (art. 53º/1; 53º/2/2ª parte; 56º CC + art. 21º/1 Regulamento
Sucessões)
• Conjugação dos Estatutos em Presença – doutrina tem afirmado um princípio da
continuidade das situações jurídicas preexistentes.
o A situação validamente constituída sob o império do estatuto anterior deve
persistir em caso de mudança de estatuto, a menos que se lhe oponham razões
suficientemente ponderosas.
o Também pode reclamar o desenvolvimento de soluções materiais especiais para
certos problemas de sucessão de estatutos.

Elemento de Conexão: NACIONALIDADE


Há mais elementos de conexão, mas vamos focar-nos no Elemento de Conexão Nacionalidade
➢ Opção por este Elemento pois ele tem caráter paradigmático – é bastante exemplar
dos outros problemas que acontecem com outros elementos de conexão.
o Muitas das soluções para os problemas da nacionalidade podem ser aplicadas a
outros problemas com outros elementos de conexão.

Primeiro elemento de conexão utilizado pelo CC: art. 31º CC


• Tem relevância no Estatuto Pessoal dos indivíduos, sendo Elemento de Conexão
primário nos termos do art. 31º/1 CC e, enquanto nacionalidade comum, em matéria
de relações de família (art. 52º e 53º CC).
• Fora do Estatuto Pessoal, a nacionalidade comum releva em matéria de
responsabilidade extracontratual (dos casos residuais do art. 45º/3 CC).
o LP: Nem sempre, portanto, a lei da nacionalidade é a lei pessoal.

1. Interpretação: Conceito técnico-jurídico do vínculo jurídico-político que une um indivíduo a


um Estado soberano.
• Permite saber qual a lei pessoal das pessoas (singulares31)
• Pode assumir diferentes significados (infraestadual ou supraestadual) – a Nacionalidade
relevante para o Direito de Conflitos português é a nacionalidade do Estado soberano.

31
Para as pessoas coletivas o critério não é o da nacionalidade mas é próximo – art. 3º CSC

68
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o A nível supraestadual (cidadania da UE) ou a nível infraestadual (vínculos aos


Estados federados) – não servem para DIP (podem ser úteis mas não para
resolver problemas de Nacionalidade).

Para perceber o que é nacionalidade do art. 31º CC, temos de atender à Lei da Nacionalidade
Portuguesa.
• Não é como na Qualificação em que há interpretação autónoma, aqui é mesmo o direito
material do foro.

Como se define a Nacionalidade?


Tem de ser a Lex Causae a definir se esse indivíduo é nacional desse Estado soberano ou não.
• Cabe ao próprio Estado dizer quem são os seus nacionais – princípio europeu que está
na Declaração Anexa 2 aos Tratados da UE
o Também está no art. 3º da Convenção Europeia sobre Nacionalidade – Estados
são fundamentalmente livres para dizer quem são os seus nacionais.
• Normas não são bilateralizáveis – nenhum Estado pode dizer quem são os cidadãos
nacionais de outro Estado

2. Concretização:
i. Faz-se Lege Causae, devido ao princípio de DIPúblico de que são os Estados que determinam
os seus nacionais, pelo que decorre que a nacionalidade tem de se estabelecer segundo o
Direito do Estado cuja nacionalidade está em causa.
➢ Pergunta-se a cada Estado se o indivíduo é seu nacional.

Atribuição de nacionalidade está relacionada com a soberania de um Estado


• Quando se pergunta se certa pessoa é nacional, para efeitos de aplicação do art. 31º CC,
estamos a perguntar como é que, em determinada situação, esse elemento de
conexão se concretiza
• Ex: é a lei alemã que diz que um filho de alemães, fora da Alemanha, é também alemão.
• O vínculo nacionalidade é percebido, em abstrato, de acordo com a lei portuguesa e é
preenchido, em concreto, de acordo com o que é dito na lei estrangeira.

ii. Para se conseguir preencher o conteúdo concreto há convenções internacionais que


permitem dar uma resposta unificada.
➢ Em relação à Nacionalidade há a Convenção Europeia da Nacionalidade de Estrasburgo
(6/11/97, Portugal entra em 2000) – tem regras sobre a plurinacionalidade, como se
perde e ganha a nacionalidade e etc.

iii. Restrição aos Estados dizerem quem são os seus nacionais – caso Nottebohm (TIJ)
• Alemão que viveu na Guatemala entre 1905 e 1943.
• Em 1939 ele pediu nacionalidade do Liechtenstein – não tinha qualquer ligação mas fez donativo
e a nacionalidade foi reconhecida.
• Durante a Guerra, a Guatemala tratou Nottebohm como todos os outros alemães: prendeu,
confiscou os seus bens e expulsou do território.
• Liechtenstein argumentou que Guatemala estava a infringir Direito Internacional porque estava
a tratar Nottebohm como alemão, quando ele também era cidadão do Liechtenstein. Guatemala
respondeu que a nacionalidade não era efetiva e que ele era alemão e devia ser tratado como
alemão.

69
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

TIJ concordou com o argumento da nacionalidade efetiva – para se poder atribuir um vínculo
de nacionalidade tem de haver efetivamente um vínculo real.
• Estados têm liberdade para reconhecer os seus nacionais mas não o podem fazer de
forma defraudar as regras dos outros países – limitação à nacionalidade decorrente do
DIPúblico.
• Os Estados são livres na definição dos seus nacionais, mas, a atribuição da
nacionalidade de um determinado país, deve corresponder a um vínculo real entre o
indivíduo em questão e esse mesmo país.

Mas isto não impede que os Estados tenham critérios diferentes na atribuição de
nacionalidade:
• Critério do Ius Soli – quem nasce num território é nacional desse território. Ex: Estados
do continente americano (países que recebiam muitos imigrantes)
• Critério do Ius Sanguini – quem é filho de um cidadão de certo território é nacional
desse território. Ex: Estados europeus que tinham emigrantes

Hoje em dia há critérios mistos32

A. Concurso/conflito Positivo e Negativo de Nacionalidades


Situações que ocorrem com alguma frequência

CONTEÚDO MÚLTIPLO DO ELEMENTO CONEXÃO – art. 28º LN33 tem o princípio da jurisprudência
Nottebohm
➢ Princípio da nacionalidade efetiva; presume-se que a pessoa tem conexão mais
estreita com Estado em que reside atualmente

Art. 28º Lei da Nacionalidade34 tem patente o princípio da nacionalidade efetiva, há muito acolhido
pela jurisprudência internacional e em Convenções internacionais.
• Na determinação da vinculação mais estreita haverá que atender a todos os laços, de
caráter objetivo ou subjetivo, que exprimam ligação a uma sociedade estadual.
o LP: Deve dar-se especial importância aos laços que exprimam a identidade
cultural do plurinacional, designadamente a língua por ele falada.

Lima Pinheiro: O caso Micheletti vale para outras situações que não as liberdades europeias,
pois seria indesejável que em Portugal um plurinacional fosse tratado como nacional de um
Estado para uns efeitos e como nacional de outro Estado para outros.
Dário Moura Vicente: discorda – art. 28º LN funciona normalmente se não estiver em causa as
liberdades fundamentais europeias.

32
Lei da nacionalidade foi alterada em 2018
33
Já quanto ao art. 27º, apesar de Marques dos Santos ter defendido uma interpretação restritiva (de que
não se aplicaria quando houvesse conexão manifestamente mais estreita com outra nacionalidade –
criava-se harmonia pois dava-se relevância ao princípio da nacionalidade efetiva), o resto da doutrina
defende uma interpretação literal.
34
Português que vive no estrangeiro e tem outra nacionalidade
➢ Parecer da PGR 1983 – devemos tratar como português para o proteger; jurisprudência tem
sempre concordado com o art. 28º e mantido a coerência interna.

70
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

FALTA DE CONTEÚDO DO ELEMENTO DE CONEXÃO


Convenção de Nova Iorque Relativa ao Estatuto do Apátrida
• Art. 12º estabelece que a lei pessoa é do país do domicílio, entendido no sentido de
Residência Habitual.
• Não altera substancialmente o art. 32º CC

71
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

REENVIO
Surge com o problema de definir o sentido e alcance das Normas de Conflitos portuguesas,
quando elas referem uma lei estrangeira.
➢ A origem do problema do reenvio surge devido à existência de vários sistemas de DIP,
de diferentes Estados – há um conflito de sistemas.
➢ Por força do DUE tem havido uma unificação que mitiga os conflitos de sistemas.

Problema não se coloca quando:


• Lex Fori remete para ela própria
• Lex Fori remete para lei estrangeira que se considera competente – independentemente
da solução de Lex Fori (referência material ou global), se Lei Estrangeira se considerar
competente não há este problema

→ Ferrer Correia: Problema do Reenvio surge do facto de a legislação estrangeira


designada pelo DIP do foro, para regular certa questão jurídica, se lhe não
considerar aplicável (não se considerar competente) e antes remeter para outra
Ordem Jurídica.
o Lima Pinheiro: Quando a Norma de Conflitos portuguesa remete para uma
ordem jurídica estrangeira, pode suceder que esta Ordem Jurídica, por ter uma
Norma de Conflitos idêntica à nossa, também considere aplicável o seu Direito
material. Mas pode suceder igualmente que esta ordem jurídica, por ter uma
norma de conflitos diferente da nossa, não se considere competente e remeta
para outra lei.

Este problema do reenvio tem origem na jurisprudência dos tribunais – Caso Forgo (1882) da
Cassação Francesa

Três pressupostos de um problema de Devolução:


1º. Que a Norma de Conflitos do foro remeta para uma lei estrangeira;
2º. Que a remissão possa não ser entendida como uma referência material;
3º. Que a lei estrangeira designada não se considere competente – verifica-se quando a
Norma de Conflitos estrangeira utiliza um Elemento de Conexão diferente da norma do
foro ou, embora utilizando o mesmo elemento de conexão, a interpretação do mesmo seja
diferente.

Como se pode Configurar um Problema de Reenvio?


RETORNO (de Competência) Direto
Reenvio de primeiro grau em que o Direito de Conflitos estrangeiro remete a solução da
questão para o Direito do foro.

72
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Devolução de competência à própria lex fori (que inicialmente não se considerou


aplicável)

L1 (foro) L2 (competente)

Ex: cidadão Br com domicílio em Pt, morre em Portugal. DIP Pt manda aplicar a lei Br
(nacionalidade) como reguladora da sucessão. DIP Br manda aplicar a lei Pt (domicílio) como
reguladora da sucessão.

RETORNO Indireto
Quando L2 remete para L3, com referência global, e L3 devolve para o Direito do foro.

L1 (foro) L2 L3

TRANSMISSÃO de Competência
Reenvio de segundo grau em que o Direito de Conflitos estrangeiro remete a solução para
outro ordenamento estrangeiro.
• Endossamento de competência a uma terceira Ordem Jurídica

L1 (foro) L2 L3

Ex: cidadão Dnk com domicílio em It. DIP Pt manda aplicar à sucessão a lei Dnk (nacionalidade).
DIP Dnk manda aplicar à sucessão a lei It (domicílio)

TRANSMISSÃO de Competência com Retorno


Quando L3 remete para L2.

L1 (foro) L2 L3

TRANSMISSÃO em Cadeia
Quando L2 remete para L3, com referência global, e L3 reenvia para L4

→ Pergunta-se como esta atitude da lei competente (segundo o juízo ou a


perspetiva do DIP local = da lex fori) deve ser tida em conta para corretamente
resolvermos o conflito de leis ocorrente.
o O problema do reenvio é respondido de forma diferente, dependendo do
sentido e alcance que se atribui à referência feita pela Norma de Conflitos.

1. Tese da Referência Material


Não admite o Reenvio – todas as referências das Normas de Conflitos são puras convocações
de direito material dessa lei.

73
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Referência de uma Norma de Conflitos para uma lei é somente para as suas normas
materiais – remissão direta e imediata para o Direito material da lei designada.
• Desconsideram-se as normas de DIP – não interessa o Direito de Conflitos da lei
designada.

FC: Referência do DIP (normas de conflitos) do foro a determinada lei não se detém numa
zona periférica e penetra até à substância do sistema, atingindo as suas instituições civis
e normas de regulamentação e ordenação da vida social.

Lex Fori (L1)

Serão as regras e os princípios materiais do direito da lex causae que o tribunais


portugueses vão aplicar na resolução da situação jurídica internacional

A Ordem Jurídica entende que é outra Ordem Jurídica, para a qual remete, que tem as normas
materiais para melhor resolver o litígio.

Argumentos a favor:
• Função das Normas de Conflitos – soluciona a função que, historicamente, o DIP foi
solicitado a desempenhar, assinalando a lei aplicável às relações plurilocalizadas.
• Caráter internacional, pelo seu objeto das Normas de Conflitos nacionais – o juiz
reconhece e aplica preceitos de direito internacional formulados pelo seu Estado.
• Coerente com o pensamento modelador da Norma de Conflitos – os preceitos de DIP
têm valores subjacentes e têm ínsitos uma ideia acerca de qual é a maneira mais
acertada/justa de resolver os conflitos de leis.
o As Normas de Conflitos elegem Elementos de Conexão que entendem ser os
fatores que melhor correspondem aos interesses e valorações próprias do DIP,
levando a que se chame as leis por que, sendo competentes, regulam as
matérias em questão.
o LP: Respeito pela valoração feita pelo legislador na escolha da conexão
mais adequada – a justiça da conexão veiculada pelo Direito de Conflitos. Aceitar
a devolução implica abdicar da escolha consagrada na norma de conflitos do foro.

Argumentos contra:
• Só aplicando as Normas de Conflitos estrangeiras e permitir o reenvio é que
verdadeiramente se aplica a lei para a qual se remete;
• Princípio da Harmonia Jurídica Internacional – ao ignorar o Direito de Conflitos
estrangeiro, a tese da referência material fomenta a desarmonia internacional de
soluções.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Há desarmonia de julgados pois pondo-se o caso em L1, L1 vai aplicar L2, mas
se caso se colocar em L2 esta vai aplicar L1 – perante a mesma situação as
soluções vão ser diferentes devido ao foro ser diferente.
o DMV: reenvio aplica-se porque é um instrumento que melhor tutela a harmonia
dos julgados.

2. Tese da Referência Global


Admite o Reenvio como princípio geral – as referências das Normas de Conflitos do foro à lei
estrangeira têm caráter global.
• Ao remeter-se para uma lei estrangeira está-se a remeter para a globalidade dessa lei,
que, além de ter normas de direito material tem normas de conflitos.
o Normas de DIP são regras que integram o Direito designado e não podem ser
ignoradas.

A referência da lex fori à lei estrangeira não vai restrita às normas de regulamentação
deste sistema jurídico, antes toma-o na unidade dos seus preceitos, tanto de direito
material como conflitual.

Lex Fori (L1)

Se na lei estrangeira se nos depara uma norma que remete o caso para a alçada doutra
legislação – seja ela a lex fori (retorno) ou lei de outro Estado (transmissão de
competência) – há que seguir essa nova referência, desistindo da primeira.
• Remissão da Norma de Conflitos para uma ordem jurídica estrangeira abrange sempre
e necessariamente o seu Direito de Conflitos.
• A designação das normas materiais aplicáveis não é feita direta e imediatamente, é
antes feita com a mediação do Direito de Conflitos da Ordem Jurídica estrangeira.

Argumentos a Favor:
• Princípio da Harmonia Jurídica Internacional – reenvio só permite alcançar a
harmonia jurídica se a lei estrangeira designada pela lex fori não admitir, por sua
parte, esse mesmo pensamento;
o Só esporadicamente é que se consegue atingir o objetivo prático a que se
propõe: garantir harmonia jurídica internacional.
▪ Os tribunais dos países interessados, se aceitarem uns e outros
esta teoria, passam a aplicar uma lei diferente da que lhes cumpria
observar, segundo a norma de conflitos dimanada do seu
respetivo legislador.
▪ Para que o reenvio conduza à harmonia jurídica, nos casos de
Retorno, é indispensável que a referência de L2 a L1 seja uma

75
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

referência material e que o DIP de L2 não admita ele próprio o


reenvio.
• Indissociabilidade das Normas de Conflitos em relação às normas materiais, o que
decorre da unidade do sistema jurídico.
o LP discorda – eles são subsistemas autónomos
o FC discorda – Argumento falacioso pois não podemos dizer que
determinado direito material existe como tal em função do sistema
conflitual que lhe vai conexo, nem se pode afirmar que sem este aquele
seria necessária e automaticamente outra coisa.

Argumentos Contra:
• Direito de Conflitos do foro vai renunciar ao seu juízo de valor sobre a conexão mais
adequada para acompanhar o critério da conexão do Direito de Conflitos estrangeiro
• Pode haver uma transmissão ad infinitum e/ou um pingue-pongue perpétuo/círculo
vicioso35
o LP desvaloriza, pois as situações internacionais estão em contacto com número
limitado de Estados, pelo que as hipóteses de transmissão em cadeia são raras
(objeção de fundo);
o Só se quebra esse círculo vicioso se uma das Ordens Jurídicas praticar a
referência material (objeção de natureza prática).

A teoria da referência global partilha-se em 2 ramos.

A. DEVOLUÇÃO SIMPLES
Teoria Clássica adotada por Itália, Espanha, França

Remissão da Norma de Conflitos abrange as normas de conflitos da ordem estrangeira, mas


entende-se necessariamente a remissão operada pela norma de conflitos estrangeira como
uma referência material.

35
FC: A teoria da referência global nega-se a ela própria, pois conduz a situações de autêntico círculo
vicioso.
➢ A referência da norma de conflitos do foro à legislação do Estado nacional do indivíduo não pode
deixar de abranger a nova referência desta legislação à lex fori, onde inclui também a regra que
remete para a situação nacional.

Só se poderia livrar desta objeção aceitando que uma das “referências” da cadeia não tenha a natureza
de referência global.
➢ Pode haver legislação no Direito do foro em que o legislador prescreva a aceitação sistemática
do reenvio da lei estrangeira para o direito local, tendo em vista objetivos práticos – aí deixa de
ser um verdadeiro princípio de referência global.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Há Referência Global de L1 a L2 – não se aplica diretamente o Direito Material de L2,


aplicando-se o seu DIP.
• Do ponto de vista de L1 não vão interessar as Normas de Reenvio de L2 e só atendemos
às Normas de Conflitos.
• Reenvio da Norma de Conflitos de L2 para L3 é Referência Material
o A partir daqui, as sucessivas transmissões de competências a partir de L3 já não
interessa, porque do ponto de vista de L1 (lex fori) pressupôs-se a referência
material de L2 a L3

Não pode haver um problema de soberania por uma referência imposta por um Estado
estrangeiro?
➢ Se, em primeira linha o ordenamento estadual se reputa incompetente então
passa-se diretamente à legislação por ele declarada aplicável ou terá de se
procurar outro caminho. Não pode ser uma lei estrangeira dizer que afinal tem
de ser o Estado do foro a aplicar a sua lei.
o FC: esta não é a conceção a que se adere pois o DIP não entende os
conflitos de leis como conflitos interestaduais (de soberanias).
o DIP deve ser entendido como a forma de se apurar a lei que mais
convenha a cada uma das situações jurídicas internacionais, em função
de interesses que primária e fundamentalmente dizem respeito aos
sujeitos dessas situações e não aos Estados.

LP: Surge ligada ao favorecimento da aplicação do Direito do foro e foi adotada pelos tribunais
portugueses antes da vigência do CC 1966.
➢ Em Portugal, parece que esta tendência foi aplicada em casos de retorno.
o Boa Administração da Justiça nos casos de Retorno– os juízes aplicam o
seu próprio direito, em que são versados.
▪ Se L2 devolve para L1, deverá aplicar-se sempre o Direito material
de L1.
▪ É assim que a teoria da devolução tem sido compreendida pelos
tribunais de todos os países que a seguem.
▪ FC: mas podem não estar a aplicar às situações da vida
internacional a legislação que em melhores condições estava para
intervir – desistir da aplicação da lei estrangeira competente a
pretexto de que mais vale aplicar o Direito local redunda em negar
o próprio fundamento do DIP.

Caso Allard (TJ, 1952)

Vantagem: relativamente fácil de aplicar e evita as situações de pingue-pongue perpétuo.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

B. DUPLA DEVOLUÇÃO / DEVOLUÇÃO INTEGRAL / FOREIGN COURT THEORY


Teoria da Devolução Total adotada por países de Common Law

Enquanto na Devolução Simples se atende à norma de conflitos estrangeira, mas não se respeita
o tipo de remissão feita pelo Direito de Conflitos estrangeiro, na Devolução Integral o tribunal
do foro deve decidir a questão transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal do país
da ordem jurídica designada.
• Há Referência Global de L1 a L2 – não se aplica diretamente o Direito Material de L2,
aplicando-se o seu DIP.
• Do ponto de vista de L1, vai interessar todo o DIP de L2, atendendo tanto às Normas de
Conflitos como às Normas de Reenvio.
• Reenvio da Norma de Conflitos de L2 para L3 fará a Referência que o seu DIP designe.
• Assegura-se que o tribunal de L1 aplique a mesma lei e dê a mesma solução ao caso que
o tribunal de L2 – aplica-se em L1 exatamente o mesmo Direito que for aplicável em L2.
o Garante-se a harmonia entre L1 e L2.

A referência da norma de conflitos do foro a determinada lei estrangeira impõe aos


tribunais locais o dever de julgarem a causa tal como ela seria provavelmente julgada no
Estado onde essa lei vigora.

78
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Há reenvio duplo quando a lei estrangeira ordena a devolução, ela própria enformada
pelo princípio da referência global.
Há reenvio único quando a lei estrangeira designada pela lex fori, ao referir-se a outro
sistema jurídico entenda referir-se apenas às disposições de direito material desse
sistema.

Desvantagem: É uma tese dificilmente generalizável, pois pressupõe que, em caso de retorno,
a ordem jurídica designada não pratica também devolução integral, sob pena de círculo vicioso.
➢ FC: teoria não vale como princípio geral de DIP – não se concebe generalizada a
todos os Estados.
o O juiz do Estado de aplicação do Direito poderia estar sempre a tentar
resolver como o juiz de outro Estado.
o A dificuldade só se venceria através da criação de normas de conflitos
especiais (ou de 2º grau).

3ª ORIENTAÇÃO E CONCLUSÕES (FERRER CORREIA)


Atitude condenatória do reenvio como princípio geral, mas favorável ao reenvio com alcance
limitado
➢ Doutrina que parte da Teoria da Referência Material, mas aceita a devolução com um
alcance limitado.
o Toma como ponto de partida o princípio da Referência Material, mas reconhece
que o reenvio pode levar a resultados justos e aceita-os na medida do
necessário para se atingir tais resultados. Doutrina Alemã moderna

O Reenvio não é uma teoria das normas de conflitos, mas é perfeitamente utilizável como
técnica – pode ser um instrumento útil, sendo aplicado apenas quando se via alcançar uma certa
harmonia.

RETORNO
O reenvio só é apto a realizar a harmonia jurídica se L2 ao devolver para L1, remeter apenas para o direito
interno.
• Isto só pode acontecer se a lei “reenviante” for uma legislação anti-devolucionista (como a
brasileira, grega, dinamarquesa).
• Permite aos tribunais do foro julgar como julgariam os Estados nacionais do interessado (que
iriam usar a lex fori).

79
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Se a referência de L2 a L1 for uma referência material, o retorno será meio idóneo para realizar a harmonia
jurídica – sendo admitido, pois está justificado por este último princípio.

Já não há harmonia se a lei estrangeira adota a Doutrina da Devolução Simples: referência de L2 a L1 é


referência global.

Já não há harmonia se a lei estrangeira adota a Doutrina da Reenvio Integral: referência de L2 a L1 é


referência global, no sentido da foreign court theory.

RETORNO INDIRETO
Retorno a L1 é ordenado por uma lei que não L2
Só se garante a harmonia jurídica internacional quando L2 faz referência global a L3, que, por sua vez,
faz referência material a L1

TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIA
Quando L2 remete a L3 e L3 aceita, considerando-se competente – garante a harmonia jurídica
internacional.

Quando L2 remete a L3 e L3 não aceita a competência

80
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Sistema de Reenvio Português


ANTES DO CÓDIGO CIVIL DE 1966 a corrente predominante na doutrina portuguesa
era contrária ao Reenvio, ao passo que na jurisprudência do STJ se encontram alguns
arestos que aludem expressamente essa teoria.

COM O CC 1966 o legislador português não assumiu nenhuma atitude radical e optou
por uma via media: por um lado, o CC rejeita toda a ideia de aplicação sistemática do
reenvio (quer simples, quer duplo) à luz do art. 16º; por outro lado, define-se com certo
rigor o âmbito em que o reenvio deve atuar.
➢ Fugiu-se das orientações de tipo e raiz concetualista e assumiu os melhores caminhos
para se chegar aos objetivos que o Direito de conflitos colima: harmonia jurídica
internacional, havendo uma uniformidade de valoração da mesma situação da vida por
parte de todos os sistemas de direito com ela conectados.
➢ O Reenvio pode eliminar a divergência entre as regras de conflitos dos sistemas ligados
a determinada situação factual, podendo, assim, ser um fator de certeza jurídica.

Magalhães Collaço: deve renunciar-se a qualquer regra geral em matéria de devolução e o


problema deve ser resolvido no plano da interpretação de cada norma de conflitos, à luz das
finalidades por ela prosseguidas.

LP: legisladores nacionais têm frequentemente adotado uma regra geral acompanhada de
importantes desvios.
• O SISTEMA PORTUGUÊS PARTE DE UMA REGRA GERAL DE REFERÊNCIA MATERIAL,
MAS ACEITA A DEVOLUÇÃO EM CERTOS CASOS.
o Nuno Andrade Pissarra: Portugal tem referência global atípica
• Devolução é admitida como um mecanismo de correção do resultado a que conduz no
caso concreto a aplicação da norma de conflitos do foro, quando tal é exigido pela justiça
conflitual.
• Nesse quadro da justiça conflitual, é principalmente o princípio da harmonia
internacional de soluções que pode fundamentar a aceitação da Devolução – subjacente
aos art. 17º/1 e 18º/1 CC. Também se pode considerar o favor negotii – subjacente ao
art. 19º-

O DIP vigente em Portugal não só aquele que está no CC, mas aquele todo que vigora na Ordem
Jurídica interna, devido à aplicação direta e imediata dos Regulamentos Europeus e Convenções
Internacionais.
➢ Muitas regras do CC estão derrogadas por regras de fonte europeia, que também se
ocupam desta matéria.

Art. 16º CC – Regra Geral de Referência Material


À partida não há reenvio

Lima Pinheiro: Não se adota a Tese da Referência Material pois admite-se “preceito em
contrário” – aceita-se a Devolução nos casos em que a lei o determine (art. 17º, 18º, 36º/2,
65º/1 CC)
➢ Baptista Machado: regra pragmática que admite desvios nos casos em que se aceita a
devolução.

81
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

“Direito interno” = Direito Material, que tanto pode ser de fonte interna como de fonte
supraestadual ou transnacional.

Coerente com os Regulamentos36:


• Art. 20º Reg Roma I
• Art. 24º Reg Roma II
• Art. 11º Reg Roma III
• Art. 32º Reg 2016/103
• Art. 32º Reg 2016/104

Tribunal Português tem de aplicar apenas as normas materiais de outra Ordem Jurídica e não as
normas de conflitos.
➢ Aplicamos sempre uma Referência Material, salvo se for Global – portanto, temos
sempre de ver o que se passa no DIP de L2, uma vez que pode levar a que se aplique
uma exceção.
o Desvios à regra geral: art. 17º e 18º C; art. 34º/1 Reg Roma IV

Art. 17º CC – Casos de Reenvio de 2º grau/Transmissão de Competências37


nº1
“porém” = desvio à regra geral do art. 16º
“remeter” = L2 aplique L3

Pressupostos da transmissão da competência:


• Que o Direito estrangeiro designado pela Norma de Conflitos portuguesa aplique
outra Ordem Jurídica estrangeira;
• Que essa Ordem Jurídica estrangeira aceite a competência.
o Subordina-se a uma clara condição a aceitação do reenvio da lei
designada pela regra de conflitos portuguesa para outro sistema jurídico:
a condição é que este terceiro sistema se considere competente.

Ex: Lei Pt manda aplicar Lei Br (nacionalidade); Lei Br manda aplicar Lei Argentina (residência
habitual). Se Lei Argentina também mandar aplicar a residência habitual, então julga-se
competente e Tribunal em Portugal tem de aplicar a Lei Argentina

36
Na aplicação de Regulamento temos de ver:
1. Âmbito Material – qual a matéria que trata (regulado nos primeiros artigos)
2. Âmbito Espacial – se a situação privada internacional se coloca em Estado-membro vinculado
pelo regulamento. Alguns Estados-membros não estão vinculados – ver considerandos (82 e 83
em Roma IV)
3. Âmbito Temporal – verificar se o Regulamento está em vigor e se se aplica.
37
Tanto para a Transmissão de Competência como para a Transmissão de Competência com Retorno

82
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

L1 L2 L3 =

Admite-se o reenvio para haver harmonia internacional: em L1, L2 e L3 aplica-se sempre L3


➢ Marques dos Santos – o que é preciso é que L2 aplique Lx e Lx se aplique a si mesma.

Só podemos aplicar através da transmissão de competência uma lei que L2 aplique e que se
considere competente.

Só se admite o Reenvio se L3 se considerar competente para regular o caso, se não considerar


então vai-se pelo art. 16º ou pelos art. 17º/2 e 3.

Se L3 retornar a competência a L2 o problema extingue-se


• Ou porque L2 acaba por considerar-se aplicável;
• Ou porque importará aplicá-la, na mesma, uma vez que não se pode considerar
satisfeita a condição de que dependia a aplicabilidade da outra (reputar-se ela
própria como competente).

Se L3 reenviar para L4 então há reenvio em cadeia


• Não está expressamente previsto no art. 17º/1, mas, o problema resolve-se sem
dificuldade pois sempre que entre as diferentes leis em contacto com a situação
a regular se registe acordo quanto à competência de uma delas, será
necessariamente essa a lei a aplicar.
o A ratio do art. 17º/1 também contempla os casos de Transmissão em Cadeia

83
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

nº2 = Restrição ao Reenvio no âmbito do Estatuto Pessoal38


A Transmissão de Competência cessa em duas hipóteses:
• Interessado tem residência habitual em Portugal
o Caso em que a lex patriae (L2) designa como aplicável a lex loci (L3), a
qual se reputa competente.
o Os tribunais portugueses não aplicam L3 e sim L2 – têm de aplicar o
direito interno da lei nacional.
▪ Solução que terá garantida a sua eficácia no Estado local, que
(como Estado do domicílio) é um daqueles mais fortemente
ligados à relação constituenda ou controvertida e, logo, não
haveria grande vantagem em renunciar na hipótese à aplicação
da lei pessoal.
• Interessado tem residência habitual noutro Estado que aplica o Direito material do
Estado da nacionalidade
o Lex patriae é o Direito tido por competente num dos Estados mais
fortemente interessados na situação, o Estado do domicílio.
o Não se desvia do critério que parece razoável ao legislador nestas
matérias: aplicação da lex patriae ou da lex domicilii.

Dificuldade em determinar o “interessado”


➢ LP: deve entender-se que é interessado aquele que desencadeou o funcionamento do
Elemento de Conexão que designou L2. Ex: na sucessão, o interessado é o de cuius.

Art. 17º/2/2ª parte revela que o legislador representou L2 como sendo a lei da nacionalidade39
➢ Releva quando o interessado tem residência habitual noutro Estado que aplica a lei da
nacionalidade.

Qual a razão de ser do art. 17º/2?


Dá-se relevância ao Elemento de Conexão residência habitual, mas para dificultar a aplicação
de uma lei diferente da lei da nacionalidade, realçando a primazia da conexão nacionalidade.
• Quando o interessado tem residência habitual em Portugal existe uma conexão mais
estreita com o Estado do foro – critério de justiça subjacente à escolha da lei da
nacionalidade prevalece sobre a harmonia internacional.
• Quando o interessado tem residência habitual no Estado da nacionalidade, ou no Estado
para que remete a lei da nacionalidade, o problema não se coloca visto que a lei da
residência habitual não aplica a lei da nacionalidade.

Ex: Suecos têm RH em Pt; casam nos EUA; seria inválido em Pt o casamento
➢ Não se aceita o reenvio pois estar-se-ia a aceitar uma lei que não tem nada a ver
substancialmente com o caso (é só o lugar onde estavam) – não se pode aplicar, ao

38
FC: O legislador português perspetiva um conjunto de matérias que, pela sua natureza
eminentemente pessoal, devem ser governadas por uma lei que os indivíduos possam olhar como
sendo a sua lei, à qual possam considerar-se ligados por algum vínculo verdadeiramente substancial e
permanente.
➢ Pode haver opção entre a lei da nacionalidade e a lei da residência habitual (= domicílio).
39
LP: A lei da residência habitual pode remeter para a lei da nacionalidade (L2) mas não a aplicar, por
aceitar a transmissão de competência operada pela lei da nacionalidade; ou pode remeter para o Direito
português e vir a aplicar a lei da nacionalidade, também através da devolução.

84
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

estatuto pessoal, cujos elementos de conexão que interessam são a nacionalidade ou a


RH (aqueles que têm legitimidade para regular estas matérias).
➢ Não se consente na aplicação de uma 3ª lei, que não é a lei da nacionalidade nem a da
residência habitual, logo exclui-se a aplicação do reenvio.

Só se aplica quando há transmissão de competência face ao art. 17º/1


E se L3 não tiver aceitado a competência (como é requerido no art. 17º/1 para se permitir
o reenvio, dado L3 ser o sistema indicado, de comum acordo, pelas leis da nacionalidade
e da residência habitual)?
➢ Lex patriae manda aplicar Lex rei sitae.
➢ Lex domicilii manda aplicar Lex rei sitae.
➢ Lex rei sitae não se julga competente.

FC: As diferentes leis interessadas, que a lei dá valor em matéria de estatuto pessoal, estão de
acordo quanto à competência de uma outra lei, portanto aplica-se essa tal lei, mesmo que ela
se repute incompetente.
➢ Solução que se ajusta aos princípios do DIP português.

nº3
Repõe a Transmissão de Competências
➢ Restrição à exceção ao desvio
➢ Só se aplica quando antes se tenham verificado as previsões das normas contidas nos
nº 1 e 2

Pressupostos de aplicação:
• Que se verifique um dos casos de cessação da transmissão de competência previstos no
nº2;
• Que se trate de uma das matérias indicadas no artigo;
• Que lei da nacionalidade aplique a Lex Rei Sitae;
o L2 é lei pessoal e L3 é lex rei sitae
• Que a Lex Rei Sitae se considere competente.

Admite-se o reenvio porque L3 tem título de legitimidade importante.


• Princípio de Maior Proximidade – o Direito de Conflitos português admite abandonar o
seu critério de conexão, para assegurar a efetividade das decisões dos seus tribunais,
quando o Direito da nacionalidade estiver de acordo na aplicação da Lex Rei Sitae.
o Princípio da Efetividade das Decisões Judiciais – ao aplicar-se Lex rei sitae
aplica-se a lei do país onde estão os bens, e onde qualquer decisão que vier a
ser proferida tem de ser executada, pelo que só utilizando esta regra é que se
garante a execução.
▪ NAP: facilita-se, utilizando logo o Direito estrangeiro, que a sentença
seja reconhecida nesse Estado estrangeiro – mais facilmente é utilizada
para dar início a processo executivo.

Restrição ao reenvio do art. 17º/2 deixa de valer sempre que a lei indicada pela norma
de conflitos da lex patriae for a da situação de um imóvel e esta lei se reputar competente,
desde que se trate de alguma das matérias do art. 17º/3.

85
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Manifestação indireta da doutrina da competência mais próxima/maior proximidade.


➢ Sendo a própria lei pessoal a atribuir competência àquela que o Estado da
situação da coisa reenvidica, já não se trata de adotar determinada solução
apenas por ela ser a solução querida pela lex situs, antes a solução que se
apresenta é a que está conforme com o DIP de dois sistemas: o da lex rei sitae e
o da lex patriae.

Art. 18º CC – Casos de Reenvio de 1º grau/Retorno40


nº1
Tem um único pressuposto: que L2 aplique o Direito material português.
• Se L2 remete para o Direito português mas não aplica a lei portuguesa, não se aceita o
Retorno.
o Nunca aceitamos o retorno direto operado por um sistema que pratica
Devolução Simples.
• O que interessa é que L2 aplique o Direito material português.41
o Assim, se L2 remete para L3, com Devolução Simples, e L3 remete para o Direito
português, L2 aplica o Direito material português.
o Remissão de L2 para L1, sendo Referência Material, leva a que se aplique Direito
material de L1 ao caso – os Tribunais de L1 devem aplicá-la, pois estão a aplicar
a mesma lei que os Tribunais de L2 aplicariam (pois a referência destes é
material).
▪ Este é um caso em que L2 tem de
remeter para as normas materiais de L1
e, a própria L2, não aceitar o reenvio.

Esse pressuposto não está preenchido em certos casos


Ex: anos 50 – britânico morre em Portugal (que era o seu domicílio)
Britânico fez testamento deixando todo o património a uma fundação.
Filhos impugnam o testamento, invocando a sua inoficiosidade, pois ofende a legítima
que a lei portuguesa consagra.

40
Tanto para o Retorno Direito como para o Retorno Indierto
41
Da perspetiva de L1, somente interessa olhar ao DIP de L2 e não olhar para o DIP de L3. O art. 18º/1 (e
o art. 17º/1) olham para o DIP de L2 e atendendo à referência que ele faça (Referência Material, Dupla
Devolução, Devolução Simples), apura-se o Direito Material aplicável.

86
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Mas as normas portuguesas sobre a legitima aplicavam-se?


É que testamento foi feito ao abrigo da lei inglesa, que não consagra estas regras. Norma
de Conflitos portuguesa manda aplicar a lei inglesa.
Mas e se lei portuguesa não fizesse referência material e sim referência global? Em
Inglaterra há Norma de Conflitos a dizer que a lei que regula a sucessão é a do último
domicílio do de cujus. Se fosse assim, aplica-se a lei portuguesa e filhos têm razão.
Ferrer Correia veio demonstrar que a remissão pela lei inglesa para a lei
portuguesa não é remissão para direito interno, pois lá adota-se a foreign court
theory. Um juiz inglês vai ver para que lei remete a norma de conflitos
(portuguesa) e como é um tribunal português decidiria a causa – se tribunal
português aceitar o reenvio, então o juiz inglês decide a causa de acordo com a
lei que o juiz português iria aplicar. Norma de Conflitos inglesa faz referência
global, não material.
Portanto, a remissão abrangeria também o DIP português e juiz inglês decidiria
a causa como os portugueses decidiriam, logo, não devíamos aceitar esse
reenvio e devíamos aplicar a lei inglesa ao caso. Pois qualquer que fosse a lei
que aplicássemos, um juiz inglês confrontado com a situação iria aplicar a
mesma lei.
Logo, a harmonia de julgados estaria sempre assegurada – pois se aplicássemos
a lei inglesa, o juiz inglês também a iria aplicar.

Direito material da lex fori só se torna aplicável se a norma de conflitos da lei estrangeira
para ele devolver precisamente.
➢ Se a norma de conflitos que reenvia para a lei do foro for de um sistema que não
admite o reenvio, então aplica-se o direito interno português e isto é compatível
com a harmonia jurídica internacional.

Suscitam-se dificuldades quando não há remissão direta e imediata para o Direito material
português, mas antes se condiciona a resposta ao sistema de devolução português, i.e., um
sistema que aplique ou não o Direito material português conforme o nosso Direito de
Conflitos aceite ou não o retorno.
➢ Isto pode suceder no caso de retorno direto operado por um sistema que faça devolução
integral ou por uma lei que tenha um sistema de devolução igual ao nosso.
➢ Sempre que a referência da norma de conflitos estrangeira à lei portuguesa for
uma referência global, o reenvio impede a uniformidade de valoração da
situação sub judice.
o Portanto, aplicam-se as disposições materiais do sistema indicado pelo DIP
do foro (portanto, aplica-se art. 16º e não o 18º)

Nos casos de retorno indireto (em que uma L3 devolve a L1) aceita-se o reenvio quando
se cumpram cumulativamente 2 condições:
• Aceitação do reenvio de segundo grau ou transmissão de competência por parte
do sistema designado pelo DIP local;
• Designação da lex fori, por parte da terceira legislação em causa, através de uma
referência material.
o É coerente com o art. 18º pois a lei pode designar direta ou indiretamente e não
há diferença.

87
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

nº2 = Requisitos Adicionais ao Reenvio no âmbito do Estatuto Pessoal


Só se aplica quando há retorno nos termos do nº1 e só pode ser aceite em 2 hipóteses – o
regresso à lex fori, prescrito pela norma de conflitos da lei pessoal só é de admitir em duas
hipóteses:
• Quando o interessado tem residência habitual em Portugal – reenvio produz como
único efeito a substituição da lei do domicílio pela lei nacional, sendo certo que
tanto a competência daquela como a de esta representam soluções justas e
praticamente equivalentes do problema da lei pessoal;
• Quando o interessado tem residência habitual num Estado que aplica o Direito
material português – exceção à aplicação da lei pessoal justifica-se pelo acordo
verificado entre os dois sistemas jurídicos.

Ex: Suecos têm RH em Espanha e vêm casar a Portugal. Lei Pt manda aplicar Lei Sueca; Lei Sueca
reenvia para Lei Pt por ser o lugar da celebração; Lei Espanhola manda aplicar Lei Sueca. Não se
aceita o retorno à lei portuguesa, pois em matéria de estatuto pessoal a aplicação da lei material
portuguesa iria conduzir a um resultado contrário ao nosso DIP – aplicação da lei do lugar da
celebração a uma matéria de Estatuto Pessoal.

Nas restantes hipóteses o reenvio é sempre rejeitado.


➢ FC: A definição do estatuto pessoal por uma lei diferente tanto da lex patriae
como da lex domicilii constitui, em princípio, uma má solução.

LP: Razão de ser é a ideia de primazia da conexão da lei da nacionalidade.


➢ Em caso de retorno, se o elemento de conexão da lei da nacionalidade designa a lei
portuguesa, tal significa, por regra, que há uma conexão forte com a Ordem Jurídica do
foro.
➢ Se há, por regra, forte conexão com o foro, também por regra a harmonia com a lei da
nacionalidade não justifica o abandono do critério de conexão do foro.
o A harmonia internacional só justificaria o retorno quando este for condição
necessária e suficiente para se alcançar a harmonia entre a lei portuguesa, a lei
da nacionalidade e a lei da residência habitual.

Art. 19º - Favor Negotii como limite à Devolução


nº1 = Validade ou Eficácia Negócio Jurídico
O favor negotii paralisa a devolução – preocupações com o facilitar e desenvolver o comércio
internacional por meio do favorecimento da validade e eficácia dos negócios jurídicos.
➢ Surge uma primazia do favor negotii sobre a harmonia jurídica internacional.

Grande alcance do preceito: sempre que haja devolução por força dos art 17º ou 18º, esta
devolução é paralisada se L2 for mais favorável à validade ou eficácia do negócio ou à
legitimidade de um Estado (que a lei aplicada através da devolução).
• Se do reenvio resultar a invalidade ou ineficácia de um negócio jurídico, que seria
válido ou eficaz em face da lei indicada pelo DIP português, é esta a lei que se
aplica, salvaguardando a eficácia do ato.
• Se a validade do negócio for decidida de forma diferente pela lei que reenvia e
por aquela para a qual se reenvia, prevalece a lei que tiver o negócio por válido.

88
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Tem subjacente a proteção da confiança.


o FC: Os interessados nortearam pela regra de conflitos portuguesa devido
ao facto de a Ordem Jurídica portuguesa ser uma daquelas com as quais
a relação estava em contacto ao tempo em que se constituiu –
pressuposto de aplicação do art. 19º/1 CC.
▪ Se não se verificar em concreto então o preceito torna-se
inaplicável pois deixa de haver razão especial para tutelar as
expetativas das partes (a confiança em terem celebrado um
negócio válido).
▪ Isto decorre da ratio legis

Ex: 2 cidadãos EUA casam em Pt; válido para os EUA; mas EUA diz que num conflito vale o lugar
da celebração (Pt); em Pt é inválido ser o lugar da celebração – não se aceita reenvio porque ele
conduziria à invalidade do negócio, contrariando o favor negotii. =

LP: não se aplica somente às situações já constituídas – interpretação tem de respeitar o


sentido possível do texto legal e uma redução teleológica teria de ser justificada à luz do fim da
norma ou de outros princípios ou valores do sistema de Direito de Conflitos.
➢ FC: esta norma pressupõe uma situação já constituída, em facto consumado.
o Baptista Machado + Dário Moura Vicente: concordam com a interpretação
restritiva de Ferrer Correia e só aplicam o art. 19º/1 a situações já constituídas
que tenham contactos relevantes com a Ordem Jurídica Portuguesa
▪ Razão de ser é a expetativa legítima dos interessados – só faz sentido
aplicar o art. 19º/1 se as pessoas podiam legitimamente contar com
esse contacto da Ordem Jurídica. No momento da constituição da
situação não poderiam contar com a aplicação de uma lei que tornasse
o Negócio Jurídico válido – ele sempre foi inválido e agora não pode surgir uma lei
que o valide.

nº2 = Escolha da Lei Aplicável


(= art. 34º/2 Reg Roma IV)

Não haverá reenvio quando a lei estrangeira aplicável o for por força da vontade das partes
contratantes.
➢ Se, portanto, a lei por estas designadas remeter para outra, essa transmissão de
competências ou esse retorno não releva.
➢ Quando interessados escolhem certa lei, eles escolhem a lei material e não as normas
de conflitos dessa Ordem Jurídica.
o Pelo que não há reenvio, pois seria contrário à vontade hipotética dessa pessoa.

Casos em que Não é admitida a Devolução: Art. 34º e 41º CC


➢ Devolução não é admitida quando a remissão é feita pelo elemento de conexão designado
pelos interessados.

Em rigor não se trata de fazer cessar ou paralisar a Devolução.


➢ Não se aplicam é os art. 17º e 18º CC dada a natureza do elemento de conexão.
o Afloramento da ideia que há conexões adversas ao reenvio.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

LP: é injustificada a exclusão geral do reenvio feita nas Convenções internacionais e nos
Regulamentos Roma I, II, III.
• O objetivo visado com a unificação justifica a exclusão do reenvio quando as normas de
conflitos unificadas remetam para a lei de um Estado vinculado pelo instrumento de
unificação, mas já não quando remetam para a lei de um terceiro Estado.
• É, pois, de aplaudir a mudança de orientação ocorrida com o Regulamento sobre
sucessões.

Regimes Especiais de Devolução


Art. 36º/2 e 65º/1/parte final – favor negotii atua como fundamento autónomo de Devolução.
➢ Favorecimento da validade formal do negócio, e não apenas a harmonia jurídica
internacional, surge como o grande objetivo prosseguido pela admissibilidade da
devolução nestes casos.
o O CC só admite o favor negotii como fundamento autónomo do reenvio
na hipótese de a invalidade do negócio resultar de um vício de forma.
o Se a forma da declaração negocial obedecer, não à lei do país onde esta
foi emitida, mas à do Estado para que remete a norma de conflitos
daquele sistema, a declaração é válida.
o Solução que corresponde à intenção enformadora do princípio locus regit
actum, que vem facilitar a contratação.

Art. 36º/2 – o que releva é a lei aplicada pela lei do lugar da celebração
➢ LP: se a lei do lugar da celebração aplicar o Direito material português esta hipótese
pode regular.
➢ Mas, não está excluída a aplicação do art. 18º CC à remissão operada pelo art. 36º/1,
podendo configurar-se uma hipótese de retorno, nos termos desse preceito, sem ser
necessário recorrer ao art. 36º/2

Art. 34º Regulamento Sucessões


Devolução é admitida quando as normas de DIP de um 3º estado remetam:
• Para a lei de um Estado-membro;
• Para a lei de outro Estado terceiro que se considere competente.

A remissão operada pela lei do Estado terceiro para outro ordenamento deve ser entendida em
termos de aplicabilidade da lei deste ordenamento, tendo em conta as suas normas de conflitos
e o seu sistema de devolução.
➢ Está a dizer-se que se admite o Reenvio – quando a Lei do Foro remete para a Lei do
Estado Não Vinculado pelo Regulamento, tem de solhar para o DIP dessa L2 e só se
aceita o reenvio se L2 remeter para os casos das alíneas a) ou b)

Art. 34º/1/a – interessa a referência que Terceiro Estado faz?


• Não – apenas interessa uma referência a um Estado-membro; não interessa se aplica o
seu Direito Material
• Sim – a referência ao Estado-membro tem de ser no sentido de se aplicar o seu Direito
Material

90
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Opinião LP, João Gomes Almeida: tem assento na lei42 e promove a harmonia
de julgados

Abrange casos de transmissão de competência e de retorno.

Caracterização do sistema de Devolução e Apreciação Crítica (Lima Pinheiro)


i. Regra Geral da Referência Material – decorre do art. 16º e dos limites colocados à devolução
(dos art 17º/1 e 18º/1) pelos art. 17º/2 e 18º/2 em matéria de estatuto pessoal, pelo art. 19º e pela
maioria dos instrumentos internacionais e europeus.

ii. Art. 17º e 18º contêm regras especiais – admite-se a devolução, configurando um sistema de
devolução suis generis, visto que não corresponde à devolução simples nem à devolução integral.
➢ Parece inspirar-se mais na devolução integral, visto que a devolução depende sempre do
acordo de L2.

iii. Matérias de negócio jurídico – admite-se a transmissão de competência para uma lei que
não esteja disposta a aplicar-se para obter a validade formal do negócio (art. 36º e 65º CC).

Dário Moura Vicente: Sistema complexo mas que se norteia por valorações do DIP
a) harmonia de julgados;
b) aproveitamento negócios jurídicos;
c) efetividade das decisões judiciais.

Parecem regras muito formais, mas, na sua base, têm princípios fundamentais do DIP.

Lima Pinheiro:
a. Sistema dos art. 17º/1 e 18º/1 tem a sua lógica e promove a harmonia com L2, mostrando-
se superior à devolução integral pois evita o círculo vicioso em caso de retorno direito por parte de
um Direito que faça devolução integral e faz depender a transmissão de competência da harmonia
com a lei aplicada por L2.

b. Limites no âmbito do estatuto pessoal vão ao arrepio da tendência geral que se manifesta
nos principais sistemas estrangeiros, sendo mais difícil entender porque se dificulta mais o
retorno que a transmissão.

42
Se L2 tiver um sistema de Devolução Dupla, então a letra da lei não está preenchida e não se pode
aplicar este artigo.
➢ Não se remete para a lei de um Estado-membro, remete-se para a lei que esse Estado-membro
aplica

91
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

c. É exagerada a primazia concedida ao princípio do favor negotii sobre o princípio da


harmonia internacional.
➢ O mais importante no domínio do estatuto pessoal não é considerar a todo o custo que
um casamento, testamento, adoção e etc. são válidos, mas sim determinar a lei que está
melhor posicionada para os regular.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Ordenamentos Jurídicos Complexos


Os Estados soberanos podem ter apenas um direito material (unitários) ou vigorar
simultaneamente mais de um direito material (complexos).
➢ Se vigora mais de um direito material tem de haver um critério para saber qual se aplica.

Magalhães Collaço: remissão da Norma de Conflitos é feita, em princípio, para o ordenamento


do Estado soberano.43
➢ Lima Pinheiro: Pois ao DIP compete determinar o Direito aplicável, quando a situação
está em contacto com mais de um Estado soberano, e não resolver conflitos internos.

Em princípio, a norma de conflitos de DIP, quando remete para o Direito estadual, fá-lo para
o Direito de um Estado soberano.

Legislador faz sempre esta subdivisão em termos de regime.


• Ordenamentos jurídicos de Base Territorial – direitos materiais são aplicáveis segundo
uma divisão territorial.
• Ordenamentos jurídicos de Base Pessoal – direitos materiais são aplicáveis, não em
razão de divisão territorial, mas em razão de uma qualidade do indivíduo. Ex: Direito
Romano, Apartheid, matéria de estatuto pessoal de acordo com a religião (Líbano, Egito)

Qual o problema que o ordenamento jurídico complexo coloca ao DIP?


Norma de Conflitos designa norma de direito material aplicável – problema de determinar o
alcance da remissão da norma de conflitos44
➢ Se Norma de Conflitos remete para um Estado federal ela refere-se ao Estado federal ou
designa o direito material do Estado federado?

1. TESE DA DESIGNAÇÃO INDIRETA – Norma de Conflitos pretende coordenar os diversos


Ordenamentos Jurídicos de vários Estados soberanos.
• Norma de Conflitos cumpre a sua missão quando designa o Direito do Estado soberano
– o facto de esse Estado ser complexo é um problema interno (é esse Estado que deve
resolver, pois foi ele que criou esse problema).

43
Ferrer Correia discorda: quando o Elemento de Conexão aponta diretamente para determinado lugar
no espaço, será competente o sistema em vigor nesse lugar.
44
Teses discutem-se sobretudo nos Ordenamentos Jurídicos de Base Territorial.
➢ Há problemas mais complexos nos Ordenamentos Jurídicos de Base Pessoal.

93
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

2. TESE DA DESIGNAÇÃO DIRETA – maioria das Normas de Conflitos têm Elementos de Conexão,
mas esses Elementos de Conexão têm uma capacidade intrínseca de designar muito mais que
o Estado soberano (ex: Residência Habitual) e apontam para uma localização espacial.
• Se Norma de Conflitos consegue designar mais que o Estado soberano, então tal deve
ser feito.

3. TESES MISTAS – de acordo com determinados critérios combinam-se as várias teses.


• Funcional: há elementos de conexão que não conseguem apontar para um local espacial
(ex: Nacionalidade – só aponta o Estado soberano);
o Nesse caso utiliza-se a Designação Indireta.
o Nos outros utiliza-se a Designação Direta.
• B. Harmonia Internacional de Julgados e Respeito de Soberanias: há Ordenamentos
Jurídicos Complexos que têm normas próprias para resolver esse problema mas há
outros que não.
o Se tiver normas próprias utiliza-se a Designação Indireta.
o Se não tiver normas próprias utiliza-se a Designação Direta.

Maioria da doutrina adotou Tese da Designação Indireta


➢ Se eles têm critérios para resolver o problema, eles que o resolvam.

Princípios que orientam a determinação do sistema aplicável, dentro do ordenamento complexo:


• Pertence ao Ordenamento Jurídico Complexo resolver os conflitos de leis internos
e, por isso, determinar qual o sistema interno aplicável45;
• Porém, se o Ordenamento Jurídico Complexo não resolver o problema, deve aplicar-
se, de entre os sistemas que vigoram no âmbito do Ordenamento Complexo, o que tem
uma conexão mais estreita com a situação a regular.

Regime Vigente em Portugal


Art. 20º CC
“Ordenamentos Plurilegislativos”
➢ Sinónimos a Complexos, em termos funcionais.
o DMV: Prefere-se “Complexos”, para não se dar especial enfase à lei, pois, há
Sistemas de Direito em que a lei não é a fonte primordial.
▪ Expressão mais neutra.

Há vários, pois existe um para as Normas de Conflito de fonte interna (art. 20ºCC), mas, a maioria
dos regimes nas fontes supraestaduais têm normas específicas quanto a este problema.

Art. 20º não regula em geral/global o problema dos Ordenamentos Jurídicos Complexos, seja
qual for o Elemento de Conexão – apenas regula quanto à Nacionalidade

ELEMENTO DE CONEXÃO NACIONALIDADE

45
Ferrer Correia: É natural que seja o legislador do sistema complexo a determinar a esfera de
competências de cada um dos sistemas particulares.

94
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

i. Ordenamentos Complexos de Base Territorial46


➢ Só se aplica este artigo se Elemento de Conexão for a nacionalidade (art. 20º/1) e nem
todas as normas que utilizam a Nacionalidade são suficientes para acionar este artigo –
só as que a utilizam a título de lei pessoal (art. 20º/2).

Art. 20º/1 – cabe ao Ordenamento Complexo fixar o sistema interno aplicável.


• Se Ordenamento Jurídico Complexo tiver normas de Direito Interlocal47 utiliza-se Tese da
Designação Indireta.
o Quando Ordenamento dispõe de sistema unitário de Direito Interlocal ou quando
todos os ordenamentos locais estejam de acordo sobre o ordenamento aplicável.
▪ Na falta de concordância entre todos, será suficiente o acordo daqueles
que estão em contacto com a situação sobre a competência de um deles.

Art. 20º/2 – não sendo possível resolver a questão com base no Direito Interlocal vigente na
Ordem Jurídica complexa
• Se Ordenamento Jurídico Complexo não tiver normas de Direito Interlocal, aplica-se DIP
Unificado que exista – faz-se analogia ao recorrer ao DIP unificado48.
• Se não houver DIP unificado atende-se à lei da Residência Habitual

Escola de Coimbra (Ferrer Correia, Baptista Machado): aplica-se a lei da residência habitual
mesmo que esta se situe fora do Estado da nacionalidade.
➢ Argumento histórico + literal
o FC: A Solução do Anteprojeto CC 195149 foi rejeitada, portanto, a
consagração no CC 196650 é a da residência habitual,
independentemente da nacionalidade.

Escolha de Lisboa (Magalhães Collaço, Lima Pinheiro): só releva a residência habitual dentro do
Estado da nacionalidade, pois só assim ainda estamos no âmbito do art. 20º

46
Resumo FC: Quando a lei chamada a intervir a título de lei pessoal for a de um Estado em que coexistam
diferentes sistemas jurídicos locais, a concretização do Elemento de Conexão (nacionalidade) far-se-á
recorrendo ao Direito Interlocal do Estado estrangeiro e, na sua falta, ao respetivo DIP.
Se nem assim puder resolver-se a questão, considera-se como lei pessoal do indivíduo a da sua Residência
Habitual.
47
“DIP à escala interna” parecida a norma de conflitos mas cujo âmbito é regular situações em que há
pontos de contacto de várias ordens jurídicas dentro de um Estado soberano.
48
As normas de Direito Interlocal são parecidas às Normas de DIP, portanto se as normas de DIP
indicassem sempre a mesma solução, poder-se-ia retirar um critério comum que podia vir resolver estes
problemas.
49
Este critério da Residência Habitual serve para escolher um dos vários sistemas legislativos em que se
decompõe a lei nacional. Na falta de domicílio atual no território (plurilegislativo competente para regular
a situação), deverá recorrer-se ao último domicílio do sujeito nesse mesmo Estado. Se ele nunca foi aí
domiciliado há quem proponha a solução (arbitrária mas prática) de considerar aplicável o direito vigente
na capital do país.
50
Critério da residência habitual. Tudo se passa – nesses casos em que a lex patriae se mostra impotente
para resolver o problema que ela própria gerou – como se o interessado não tivesse nacionalidade ou
como se a nacionalidade dele fosse de averiguação impossível. Aplica-se tanto no caso da pessoa que
reside habitualmente no Estado de que é nacional, como no caso da que reside, pelo menos agora, em
país estrangeiro.

95
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Interpretação restritiva do art. 20º/2/parte final – este artigo tem como função indicar
o sistema aplicável de entre os que integram o ordenamento complexo.
o Sabendo a nacionalidade, porque se há de aplicar o Elemento de Conexão que
só se aplicaria a quem não tivesse nacionalidade?
o A Residência Habitual só pode ser entendida se for dentro do Estado da
nacionalidade – é uma imposição do sistema
• Redução Teleológica (Dário Moura Vicente)

Se residência habitual for fora do Estado da nacionalidade, surge uma lacuna que deve ser
integrada com recurso ao Princípio da Conexão Mais Estreita.
• DMV: preenche-se a lacuna por uma analogia iuris, à luz do princípio de conexão mais
estreita (procedendo em conformidade com o art. 10º/3).
o Determinar qual o Ordenamento Jurídico local com o qual o indivíduo tinha uma
conexão mais estreita – atenta-se às situações da vida da pessoa e vemos qual
é aquele com o qual tem conexão mais estreita.
▪ Conexão mais estreita dentro do Ordenamento Jurídico Comlexo
▪ Se não houver como aferir essa conexão mais estreita51, então parte-se
para uma conexão subsidiária – em Portugal, a conexão subsidiária do
estatuto pessoal é a Residência Habitual.
➢ Aí aplica-se, mas somente como última ratio e não como o art.
20º/2 preconiza, em primeira linha.
• Também se pode preencher a lacuna por uma analogia legis do art. 28º LN – mas aí está
a tratar-se outro problema (DMV = NAP)
o Pode invocar-se até analogia ao art. 28º Lei da Nacionalidade, para perceber
qual o ordenamento a que a pessoa está mais ligada.

STJ, 16 maio 2018, processo 2341/13


Há tomada de posição expressa sobre esta divergência doutrinária – opta pela Escola de
Coimbra.
• Gomes Almeida: foi dada preponderância ao elemento literal e ao elemento histórico.
Tratam a pessoa como apátrida, e ele não o é. Pode trazer resultados absurdos nos casos
em que há dupla nacionalidade e nenhuma delas se aplica, aplicando, sim, a residência
habitual.
• LP: Escola de Coimbra é de rejeitar pois significa tratar como apátrida quem tem uma
nacionalidade, menosprezando a primazia da nacionalidade em matéria de estatuto
pessoal. Tem de se inserir o preceito nos vetores do sistema.
o Tribunais da Relação têm seguido mais a doutrina da Escola de Lisboa.

E se Norma de Conflitos de fonte interna remete, em razão da nacionalidade, mas não é norma
de estatuto pessoal?
Art. 45º/3 CC – ainda tem aplicação residual no caso de violação de direitos de personalidade
• DMV, Elsa Dias Oliveira: não se aplica o art. 20º, devido ao nº2
• Gomes Almeida: regras de preenchimento de lacunas portuguesas vai levar a que se
aplique o art. 20º, por analogia legis.

51
LP: Para determinar a conexão mais estreita há que atender a todos os laços objetivos e subjetivos que
exprimam uma ligação entre a pessoa em causa e um dos sistemas vigentes no ordenamento complexo.

96
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

ii. Ordenamentos Complexos de Base Pessoal


Não há distinção quanto à natureza do Elemento de Conexão decisivo – não fornece de per si
qualquer critério útil para a escolha de um dos direitos particulares em vigor nesse Estado.
Art. 20º/3 – princípio de que pertence ao Ordenamento Complexo determinar o sistema pessoal
competente.
• São aplicáveis as normas de Direito Interpessoal da Ordem Jurídica designada – normas
de conflitos interpessoais e normas de Direito material especial (como as que regulam
casamento entre pessoas de religiões diferentes).
o Direito aplicável é o que for designado pelas normas de direito
interpessoal do Estado estrangeiro cuja legislação está em causa.
• Se não houver normas de Direito Interpessoal então aplica-se o sistema com o qual a
situação a regular tem uma conexão mais estreita.

Art. 20º/3 é praticamente regime autónomo – tem regime apenas para os Ordenamentos
Jurídicos Complexos de Base Pessoal.
➢ Solução é Tese de Designação Indireta.

ELEMENTO DE CONEXÃO QUE NÃO A NACIONALIDADE


Não está contemplado no art. 20º

Lex rei sitae – consegue dizer o local espacial específico, designando logo, diretamente, o
ordenamento jurídico local aplicável.
➢ Também quanto à celebração do Negócio Jurídico ou acontecimento do Delito.

Ferrer Correia: critério do art. 20º é somente a Nacionalidade pois esse é o elemento de conexão
que necessita de ajuda.
➢ Os outros designam diretamente o Direito local aplicável.
o DMV concorda
o Os outros Elementos de Conexão são conexões de caráter territorial, pelo
que a Norma de Conflitos do foro estabelece essa localização específica.
Será competente o sistema em vigor no lugar onde se verificou ou onde
se situa o elemento de conexão decisivo52.

Magalhães Collaço: há lacuna, que deve ser integrada por aplicação analógica do art. 20º CC
• É indiscutível que art. 46º tenha capacidade de identificar o Direito Local.

52
Esta solução tem de ter em conta se o sistema de direito interlocal do Estado plurilegislativo tem o
sistema jurídico rei sitae. Se não o tiver então tem de se atender a outro Ordenamento Jurídico
(transmissão de competência).

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Mas, o DIP tem por função coordenar os diferentes Estados soberanos, portanto
esgota-se quando identifica o Estado soberano.
o Daí que se tenha de aplicar analogicamente a solução do art. 20º.
o Mesmo no caso do art. 46º aplica-se o art. 20º por analogia, excetuando o que
dispõe sobre a Residência Habitual (parte final art. 20º/2 não é passível de
aplicação analógica).

Se não houver Direito Interlocal nem DIP unificados?


Gomes Almeida: Critério é o de que a “Norma de Conflitos bate sempre duas vezes”
➢ Como não há critérios, se os do art. 20º falharem, então tem de se ir além e usar a
capacidade completa da norma para designar o local espacial específico
o Essa intromissão que à partida não podia ser feita, por fugir à função do DIP,
agora está legitimada.
LP: Se a remissão operada pela norma de conflitos apontar para um determinado lugar no
espaço ou diretamente para determinado sistema local, há que entender essa remissão como
para o sistema local.
• Quando Elementos de Conexão apontam para determinado lugar no espaço, há que
considerar os sistemas locais como se fossem autónomos e entender a norma de
conflitos como remetendo indiretamente para o sistema que aí vigora.
• Quando Elementos de Conexão não apontam para lugar preciso atende-se ao sistema
local para que diretamente remetam (por escolha das partes, por exemplo).
o Se as partes designarem a Ordem Jurídica no seu conjunto aplica-se o sistema
local que apresenta a conexão mais estreita com a situação

Isto é muito mais uma discussão do modo como se chega

LP: Resultados práticos são parecidos entre Ferrer Correia e Magalhães Collaço

Na remissão para ordenamento complexo de base pessoal, operada por um Elemento de


Conexão que não a nacionalidade, deve aplicar-se analogicamente o art. 20º/3 CC.
➢ Na falta de normas de Direito Interpessoal que resolvam o problema deve ser aplicado
o sistema com o qual a situação a regular tenha uma conexão mais estreita.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Regulamentos da União Europeia


Roma I, Roma II
➢ Art. 22º/1; 25º/2
Tese da Designação Direta – ficciona-se que cada Estado local é uma ordenamento jurídico
soberano.

Roma IV (sucessões), Reg. Matrimonal (2016/1103)


➢ Art. 36º/1; 33º/1
Tese da Designação Indireta – primeiro indaga-se se há normas próprias para resolver o
problema

Roma III
➢ Art. 15º
Tese Mista – em tudo o que seja Ordem Jurídica base pessoal e territorial em que se usa
nacionalidade segue-se a Indireta; se usar outro Elemento de Conexão segue-se a Direta.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Fraude à Lei
Violação indireta da lei – contornar uma proibição legal utilizando métodos aparentemente
válidos.
➢ Uma pessoa quer subtrair-se a uma certa norma legal e, para evitar a violação direta
dessa norma, procura submeter-se ou situar-se sob a égide de uma outra norma legal.
➢ Consiste em alguém iludir a competência da lei de aplicação normal, a fim de
afastar um preceito de direito material dessa lei, substituindo-lhe outra lei onde
tal preceito, que não convém às partes, não existe.

No Direito Material: Problema que surge principalmente no domínio dos negócios jurídicos,
quando os sujeitos procuram tornear uma proibição legal através da utilização de um tipo
negocial não proibido.
➢ Violação indireta de uma norma proibitiva.
➢ Ex: 877º CC – pai vende a amigo para amigo vender ao filho

No DIP: alcançar do resultado que a norma proibitiva visa evitar, fazendo uma manobra
defraudatória que consiste no afastamento da lei que contém essa norma proibitiva como
uma “fuga de uma ordem jurídica para outra”

No DIP, fraude à lei é com um modo de contornar a proibição de modo específico:


➢ Não se cria só situação de facto para contornar a situação legal, mas, manipula-se o
funcionamento de uma norma de conflitos – para deixar de ser aplicável o direito
material português e se passe a aplicar direito material estrangeiro.
o Na fraude à lei em DIP, não basta criar situação fáctica diferente e consegue-se
afastar a aplicação de determinado ordenamento jurídico.
o Ocorre quando os interessados, para evitarem a sujeição a certa lei designada
pela regra de conflitos vão procurar manipular essa regra de conflitos
provocando uma determinada realização do seu elemento de conexão que faça
com que a lei aplicável não seja aquela que eles pretendem evitar.

Caso Bauffremont: Francesa não queria estar casada; França não reconhecia o divórcio;
Francesa separou-se de facto; na Alemanha a separação de facto pode originar novo casamento;
Francesa adquiriu nacionalidade Alemã para poder casar.

Cour de Cassation considerou casamento inoponível.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Ex2: Sociedade tem sede em Pt em que transporta mercadorias por mar. Tem sucursal no
Panamá em que a lei laboral é mais favorável. Começa a contratar toda a gente através do
Panamá para aplicar as regras laborais de lá e não as Pt.

O que acontece é uma mudança do elemento de conexão que fazia acionar a norma de
conflitos.
➢ DMV: situação de fraude à lei funciona através de uma concretização irregular do
elemento de conexão
➢ LP: tal como é conformado pelo Direito de Conflitos português, o instituto da fraude à
lei constitui um instrumento da justiça da conexão e um limite ético colocado à
autonomia privada na modelação do conteúdo concreto dos elementos de conexão.

Há dois tipos:
A. Manipulação do Elemento de Conexão
➢ Para afastar a lei normalmente competente, o agente da fraude vai modelar o conteúdo
concreto do elemento de conexão.

B. Internacionalização Fictícia de uma Situação Interna


➢ Para afastar o Direito material vigente na ordem jurídica interna, que é o exclusivamente
aplicável a uma situação interna, estabelece-se uma conexão com um Estado estrangeiro,
por forma a desencadear a aplicação de Direito estrangeiro.
o Caso das sedes da pessoa coletiva, em que há meramente a colocação da
sede num outro Estado sem qualquer efetividade.
o No entanto, a conexão dada pelo elemento-sede, desde que se trate da
sede efetiva da pessoa coletiva e não de uma sede fictícia/aparente,
corresponderá sempre à conexão hipotizada pela respetiva norma de
conflitos, seja qual for o motivo que tenha induzido as partes a eleger
aquela sede: pois será sempre aí que realmente funciona a direção
jurídica, administrativa e técnica da empresa.

Pressupostos da Fraude à Lei:


1. Elemento Subjetivo = Intenção fraudatória
• Elemento volitivo que consiste na vontade de afastar a aplicação de uma norma
imperativa que seria normalmente aplicável.
o Tem de se adotar certo comportamento com determinado fim (de não se aplicar
um direito e sim outro).
o Intenção de se subtrair à aplicação das normas de certa lei53.
• É necessário dolo, não havendo fraude por negligência.
o Dolo incide sobre a modelação do conteúdo concreto do elemento de conexão.
o Tem de ser inferido dos factos com base em juízos de probabilidade fundados
em regras de experiência.
• LP: adota-se de uma conceção subjetivista de Fraude à Lei

53
FC: É a ilicitude do fim visado com a manobra, e não a pura e simples alteração do Elemento de Conexão
que provoca uma situação de Fraude à Lei.
➢ Ninguém pode ser privado do direito de mudar de nacionalidade, contanto que o indivíduo
proceda com o intento sério de aceitar as consequências mais essenciais da condição desse
Estado da naturalização

101
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

2. Elemento Objetivo = Atividade fraudatória


• Concretização da intenção.
• Manipulação com êxito do elemento de conexão, de forma a que a norma de conflitos
potencialmente aplicável passe a designar um direito material diferente.
o Tem de haver uma manobra contra a lei normalmente aplicável.
o É necessário que na lei normalmente competente exista efetivamente uma norma
imperativa que é objeto da fraude, uma vez que a fraude visa afastar uma norma
material utilizando a norma de conflitos como um instrumento.
• Tem de ter êxito – tem de desencadear o chamamento de uma lei diferente
o A tentativa não é punível – daí que a atividade fraudatória tem que se verificar
efetivamente (“com êxito”)54.

→ Pressupostos são CUMULATIVOS

LP: A Norma de Conflitos não é objeto de fraude no sentido de ser afastada pela manobra
defraudatória, mas, é objeto da fraude no sentido em que há uma atuação sobre esta norma
que conduz à frustração das suas finalidades
➢ A instrumentalização da norma de conflitos põe em causa a justiça da conexão que ela
veicula.

Possíveis situações de fraude à lei:


Ex3: A (Br) com Residência Habitual em Pt. Passados uns anos renuncia à nacionalidade Br e
torna-se Pt. Uns anos mais tarde casa com B (Pt).
Será fraude à lei esta situação: A tem capacidade à luz Pt mas não tem capacidade à luz Br?
➢ NÃO. Não há intenção fraudulenta.
➢ A aquisição de nacionalidade portuguesa derivada foi no exercício de um direito legítimo
sem querer manipular.

Ex4: B (Pt) tem 2 filhas e gosta mais da mais nova. Quer deixar mais bens à mais nova. Em Pt a
quota disponível é de 1/3 e no Br é 1/2. Decide deixar todos os bens da quota disponível à filha
mais nova e quer potenciar esse deixar de bens. Faz testamento submetendo-se à lei Br. É fraude
à lei?
➢ NÃO. Ela tinha intenção fraudulenta, mas, a norma de conflitos aplicável utiliza a lei da
nacionalidade (art. 62º CC), pelo que não se manipulou com êxito o elemento de
conexão.
➢ Caso STJ 18/6/2013, Gregório Silva Jesus

Medidas Preventivas da Fraude


Casos em que o legislador qualifica o elemento de conexão, de modo a evitar/dificultar a
fraude
➢ Art. 33º/1 fala na sede “efetiva”, evitando a existência de uma sede fictícia (onde não
funcionam quaisquer órgãos da pessoa coletiva).
➢ Art. 55º/2 imobiliza o elemento de conexão, determinando-o no momento da sua
concretização

54
NAP: temos de ver se antes da alteração de lei a solução era uma e agora é outra

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Todas as normas de conflitos são suscetíveis de serem defraudadas?


Não – há elementos de conexão que são insuscetíveis de fraude
• Art. 46º
• Escolha de Lei pelas partes – art. 3º/1 Roma I permite escolher a lei de todo e qualquer
Estado
o A faz compra e venda com B. A não paga aos credores anteriores. B exige que a
lei que regula esta compra e venda seja a do país X, que não dá nenhuma
proteção aos credores anteriores do vendedor (torna impossível a esses
credores perturbar este contrato).
o À partida qualquer escolha que seja feita é legítima, não podendo ser fraude à
lei – antes da escolha de lei não havia lei competente, portanto não há uma
alteração do conteúdo do Elemento de Conexão para se levar a aplicar uma
outra lei
▪ Não importa que os contraentes tenham sido determinados pelo
intuito de fugir ao regime imperativo muito rigoroso da lei com a
qual a sua operação esteja mais estreitamente vinculada: mesmo
assim a escolha será válida.
o É norma insuscetível de fraude.

▪ Art. 41º CC – exige uma escolha que reflita e se justifique por um
“interesse sério”
o Mas, há situações de escolha de lei pelas partes que pode levar a Fraude à Lei:
▪ Art. 22º Roma IV (Sucessões) – só permite escolher a lei da
nacionalidade para regular a sucessão. Neste caso, a escolha de lei pode
ser defraudada – pois pode mudar-se de nacionalidade para manipular
a escolha de lei aplicável.

LP: Também não é fraude se ocorrer mudança de nacionalidade e o naturalizado se integrar


seriamente na sua nova comunidade nacional.
➢ Pode, ou não, haver fraude inicial e tal ser sanado pela integração efetiva na nova
comunidade nacional.
➢ Caso do Ex3

Sanção da Fraude à Lei


DMV: para se descobrir a sanção temos de pensar qual a razão justificativa para se censurar a
situação de fraude à lei
➢ Razão última é o princípio da boa fé
o É considerado como contrário à boa fé que as pessoas se possam subtrair à
aplicação de normas imperativas que lhes são em princípio aplicáveis através da
mera manipulação de um elemento de conexão de DIP.

Sanção da fraude à lei é uma de desconsideração – a sanção desta figura deve simplesmente
consistir em se desatender àquela concretização irregular daquele elemento de conexão e
atender tão só aquela que seria a concretização normal.
➢ Portanto, deve aplicar-se a lei que as partes quiseram evitar.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Jurisprudência francesa + Fernando Olavo: todos os atos integrados no processo fraudulento


são nulos ou, para todos os efeitos, inoperantes.
Doutrina portuguesa: Estado do foro não pode declarar inválida a aquisição de uma
nacionalidade estrangeira, pode é recusar que essa naturalização produza qualquer efeito na
aplicação da norma de conflitos.

Art. 21º CC
A sanção da fraude à lei no Direito de Conflitos confina-se ao que diz respeito à aplicação da
Norma de Conflitos.
➢ A sanção é a aplicação da lei normalmente competente – é irrelevante a manipulação
o Não são irrelevantes os atos praticados – eles aconteceram, mas, por terem sido
feitos para defraudar a lei, continua a aplicar-se a lei que antes desses atos se
aplicava.
➢ FC: Consiste no regresso ao Estado de coisas a que o fraudante pretendeu evadir-
se, com a concomitante ineficácia da situação que ele visou criar.

Os dois requisitos estão consagrados expressamente no artigo:


• Elemento subjetivo
• Elemento objetivo
o Criação de facto – mudança de residência habitual
o Criação de direito – mudança da nacionalidade

Sanção da irrelevância das situações que se criam fraudulentamente


➢ Se houve manipulação artificial para criar certo resultado não se permite o benefício
desse resultado.
o Mas não se faz qualquer juízo de valor sobre a validade ou eficácia dessa
situação de facto ou de direito – simplesmente vamos desatender à
concretização irregular do elemento de conexão e atender àquela que seria a
concretização normal.
o A sanção da fraude não se situa no plano do direito material e sim no plano do
DIP: da atendibilidade ou não de certa conexão artificialmente criada

Art. 21º CC não distingue entre o defraudar de uma Norma de Conflitos portuguesa e
uma Norma de Conflitos estrangeira.
➢ A (BR) com RH em PT, quer casar com B. Tanto BR como PT não permite casar com B,
pois não tem capacidade. A muda RH para DNK, para vir a PT casar. PT remete BR, BR
remete para DNK. Portugal aplica DNK.
➢ Norma de Conflitos foro (portuguesa) não foi defraudada, somente a Norma de
Conflitos estrangeira (brasileira).
o Onde o legislador não distingue, não deve o intérprete distinguir: portanto o art.
21º também se aplica quando há fraude à lei estrangeira.

Ferrer Correia, Baptista Machado: não diferenciam entre a sanção da fraude à lei do foro e a
sanção da fraude â lei estrangeira55

55
FC: dá-se relevância à fraude de lei estrangeira, pelo menos quando a fraude tenha consistido na evicção
da lei estrangeira competente a favor doutra também estrangeira.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Esta doutrina pode cair, à luz dos princípios de DIP.


➢ Deve a ordem jurídica do foro sancionar o defraudar uma norma de conflitos que não é
o nosso e que, porventura, não sanciona essa atividade fraudulenta?
➢ Ao fazê-lo estar-se-ia a criar desarmonia internacional.

Magalhães Collaço:
• a fraude à lei do foro é sempre sancionada
• a fraude à lei estrangeira só sancionada em dois casos
1º. se a lei estrangeira defraudada também sanciona a fraude;
2º. se, embora a lei estrangeira defraudada não sancione a fraude, está em
causa, na perspetiva do DIP do foro, um princípio do mínimo ético nas relações
internacionais, que não se conforma com o desrespeito da proibição contida na
lei normalmente competente.

DMV (concorda quanto a 1º): pelo menos, nos casos em que possa estar em causa o princípio da
harmonia internacional de julgados, só pode ser sancionada a fraude à lei se isso não levar a
uma desarmonia – ou seja, só se sanciona fraude à lei se a lei estrangeira também sanciona.
➢ Se a lei estrangeira não sanciona uma fraude a si própria não vai ser a lei do foro a dizer
que há aqui fraude.
➢ Só assim conseguimos que se aplique entre nós a mesma lei que se aplicaria no
ordenamento jurídico estrangeiro em questão.
o LP: entendimento que assegura a harmonia internacional de soluções.

DMV (discorda quanto a 2º): se o problema é violação de um princípio fundamental da Ordem


Jurídica, não será por aplicação deste instituto que se sanciona, ao não aplicar.
➢ É pela reserva de ordem pública.
o LP: o afastamento de uma norma imperativa estrangeira através de uma
manipulação do elemento de conexão pode ser inaceitável à luz de valores éticos
que integram a justiça da conexão – como é a justiça da conexão que está em
causa, e não a justiça material, mantém-se uma clara distinção entre a Fraude à
Lei e a Ordem Pública Internacional.

DUE e TJUE – influencia sobre a Fraude à Lei


C-212/97, Centros:
• 2 cidadãos DNK foram ao UK constituir sociedade.
• Depois requereram na DNK a abertura de uma sucursal. DNK recusou o registo, pois esta
sociedade não é uma verdadeira sociedade do UK – só foram lá constituir pois os
requisitos para constituir sociedades são menores que na DNK (onde iria ter a maioria
da atividade).
• DNK considerou que foi atuação em fraude à lei.
• STJ DNK colocou questão se isto não colidia com a liberdade de estabelecimento.

TJUE (§ 24, 26, 27):


• “É certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um Estado-Membro tem o direito de tomar
medidas destinadas a impedir que, com base nas facilidades criadas em virtude do Tratado, alguns dos seus
nacionais tentem subtrair-se abusivamente à aplicação da sua legislação nacional, e que os particulares não
poderão, abusiva ou fraudulentamente, prevalecer-se das normas comunitárias.

105
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• No caso concreto do processo principal, importa salientar que as disposições nacionais cuja aplicação os
interessados procuraram evitar são normas que regem a constituição de sociedades e não normas relativas
ao exercício de determinadas atividades profissionais. Ora, as disposições do Tratado relativas à liberdade
de estabelecimento visam precisamente permitir às sociedades constituídas em conformidade com a
legislação de um Estado-Membro, e que têm a sua sede social, a sua administração central ou o seu
estabelecimento principal na Comunidade, exercerem, por intermédio de uma agência, de uma sucursal ou
de uma filial, actividades noutros Estados-Membros.
• Nestas condições, o facto de um nacional de um Estado-Membro, que pretenda criar uma sociedade, optar
por constituí-la num Estado-Membro cujas regras de direito das sociedades lhe parecem menos rigorosas e
criar sucursais noutros Estados-Membros não pode constituir, em si, um uso abusivo do direito de
estabelecimento. Com efeito, o direito de constituir uma sociedade em conformidade com a legislação de
um Estado-Membro e de criar sucursais noutros Estados-Membros é inerente ao exercício, num mercado
único, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado.”

→ Começou por dar alguma razão à DNK, mas, depois, considerou que a liberdade de
estabelecimento abarca esta situação – sendo isto possível à luz do DUE, não pode ser
considerado Fraude à Lei.

Dário Moura Vicente:


• TJUE disse que só há fraude à lei quando se consegue retirar que a atuação é uma
atuação proibida pelo legislador.
• Neste caso, o legislador constituinte da UE quis que a liberdade de estabelecimento
servisse para colocar em concorrência o direito material dos Estados-membros e
qualquer atuação dentro das finalidades dos Tratados não pode ser considerado
fraude à lei.
• Concorda com a solução, pois pelo mecanismo da fraude à lei conseguir-se-iam
introduzir restrições e limitações às liberdades europeias.
o DUE restringe o funcionamento do mecanismo da fraude à lei, à luz das suas
finalidades56.

Manifestação da comunitarização do DIP, que é muito mais de somente existirem fontes


comunitárias, é a própria subordinação do DIP aos objetivos da integração europeia.

56
NAP: no âmbito dos Regulamentos não há norma equivalente ao art. 21º CC – discute-se a questão de
saber se a fraude à lei é suscetível de ser sancionada ou não.
➢ Há menção no Considerando 26 Roma IV

106
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Cláusulas de Exceção
Problema de aplicação das Regras de Conflitos – surge na análise da Teoria Geral da Norma de
Conflitos

Normas que corrigem o resultado do funcionamento das Regras de Conflitos – não se aplica a
lei designada pela norma de conflitos mas aquela que, no entender do julgador, tem uma
conexão mais estreita com o caso.
• Proposição que permite afastar o Direito primariamente aplicável de um Estado, quando
a situação apresenta uma ligação manifestamente mais estreita com outro Estado.
o Equidade conflitual intervém para corrigir a designação do Direito estadual
primariamente aplicável, quando a situação apresenta uma ligação
manifestamente mais estreita com outro Estado.
• Regras preveem que, a uma determinada situação internacional, à qual é aplicável, em
princípio, uma certa lei de acordo com uma determinada regra de conflitos, pode ou
deve ser aplicada outra lei com a qual essa mesma situação privada internacional tem
uma conexão mais estreita do que a lei que é indicada pela regra de conflitos de que se
partiu

É um limite à aplicação das Normas de Conflitos e da lei normalmente competente.


• LP: A determinação do Direito aplicável não resulta da concretização do Elemento de
Conexão fixado numa norma de conflitos, mas de critérios flexíveis que deixam uma
margem de apreciação ao intérprete – não se encontra um conceito designativo do
elemento de conexão e sim um conceito altamente indeterminado carecido de
preenchimento valorativo.

Podem ser de:


Âmbito Geral – não utilizam na sua previsão categorias de situações jurídicas ou de questões
parciais; generalidade das categorias de situações transnacionais que não sejam dela excluída
➢ Art. 15º Lei Federal Suíça de DIP – se houver norma com conexão frouxa aplica-se a
norma com conexão mais estreita.

Âmbito Setorial –– delimitam a sua previsão com recurso a categorias de situações jurídicas;
cláusulas privativas de matérias específicas.
➢ Regulamentos da UE tendem a acolher cláusulas de exceção setorial
o Art. 4º/3 Roma I: poder do julgador derrogar a aplicação da lei em princípio
competente e aplicar a lei de outro país que, no seu entender, tem uma conexão
mais estreita.
▪ Art. 4º/5 Roma I é considerado pela doutrina dominante como cláusula de
exceção.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• LP: discorda, pois a conjugação do art. 4º/1 e 4º/5 faz resultar


que, na falta de escolha pelas partes, a conexão primária em
matéria de contratos obrigacionais é a lei da conexão mais
estreita.
o Art. 5º/3, 7º/2, 8º/4 Roma I: todas contêm cláusulas de exceção

o Art. 4º/3 Roma II: paralelismo entre esta norma e o Roma I, mas acrescenta-se
algo – se entre agente e lesado havia contrato, sujeito a certa lei, e o ato lesivo
é causado na execução desse contrato, pode ter-se em atenção essa conexão.
o Art. 5º/2, 10º/4, 11º/4, 12º/2/c Roma II: todos são casos em que manda
atender à conexão mais estreita

o Art. 21º/2 Roma IV

Não se confunde com a Cláusula Geral da Conexão Mais Estreita


Ex: art. 52º/2/2ª parte; art. 60º/2/parte final CC e art. 4º/4 Roma I
Critério da Conexão Mais Estreita – conceito carecido de preenchimento valorativo que,
em primeira linha, atende a uma valoração conflitual tendo em conta os laços existentes
entre a situação em causa e a esfera social dos Estados.
Qual o peso relativo que o intérprete deve atribuir aos diferentes laços objetivos e
subjetivos é um problema de interpretação da norma de conflitos que utiliza o conceito.

A Cláusula Geral da Conexão Mais Estreita surge quando não há possibilidade de fazer
funcionar a regra de conflitos competentes.
➢ É preciso uma solução subsidiária, que é aplicar a lei com a conexão mais estreita.
o Aplica-se de princípio e não afasta nenhuma lei competente.

Já as Cláusulas de Exceção são desvio à aplicação de certa Norma de Conflitos – há regra que
permite ao juiz desviar-se da conexão da regra de conflitos

Portanto, Conexão Mais Estreita tem 2 funções:


1. Dar solução de recurso – conexão subsidiária (Cláusula Conexão mais Estreita)
2. Consentir desvio face a certa Norma de Conflitos (Cláusula de Exceção)

Qual a finalidade das cláusulas de exceção?


Servem para introduzir no funcionamento do DIP uma certa flexibilidade – há uma lei
competente, mas permite-se que juiz se afaste dela em prol de uma lei com conexão mais
importante.
➢ Desenvolvimento do DIP – consagração de mecanismo que possibilite ao juiz, com base
na própria lei, afastar a aplicação dessa lei.

Suscitam problemas de incerteza na solução de questões privadas internacionais – havendo


cláusula de exceção, nunca sabemos muito bem qual a lei que o juiz vai aplicar.
➢ Não se sabe se ele vai aplicar a lei designada pela regra de conflitos ou outra que
entenda que tem conexão mais estreita com a solução.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Ex: A e B fazem contrato de mercadorias internacional. A vive em país X. B vive em país Y, onde
foi celebrada o contrato e onde era devida a mercadoria. B não paga o preço. A quer acionar. B
diz que no país Y o contrato era inválido e por isso não paga.
A quer invocar o art. 4º/4 Roma I
B invoca que isto é cláusula de exceção do art. 4º/3 Roma I

É difícil antecipar qual a lei que o juiz vai aplicar – ambas as leis têm título legítimo de aplicação
ao caso.

Roma I veio gerar alguma insegurança no comércio jurídico internacional


➢ DMV: Valor da segurança jurídica é extremamente importante no DIP e estas cláusulas
de exceção vêm ao arrepio desse princípio.
o Elas têm de ser aplicadas com precaução – são excecionais e só se aplicam
quando houver uma conexão manifestamente mais estreita com outro país.
➢ LP: Cláusula deve ser aplicada prudentemente como cláusula excecional, que só
atua quando a ligação com a lei primariamente competente é ostensivamente mais
fraca, e deve ser acompanhada do enunciado de critérios orientadores.
o O sacrifício da confiança depositada na nossa norma de conflitos é justificado
quando a situação apresenta uma ligação manifestamente mais estreita com
outro Estado.

Não se aplicam quando:


1. Partes escolheram a lei a aplicar – a determinação da lei aplicável não se pauta pela
proximidade, mas sim pela ideia de autonomia privada.
• As partes, no seu livre arbítrio, escolheram a lei aplicável pelo que esta não tem
de ser afastada em homenagem à conexão mais estreita; seria uma violação das
expetativas.
2. Implicam a derrogação dos objetivos de política legislativa subjacente à regra de
conflitos – há regras, na justiça de conflitos, que têm objetivos específicos e têm em
vista finalidades de justiça material.
• Não pode haver desvios, mesmo havendo conexão mais forte, dada a finalidade
das normas de defender os interesses de certa categoria de sujeitos. Ex:
proteção da parte mais fraca.

As cláusulas de conexão são expressão de novo método do DIP?


DMV: do ponto de vista metodológico há aqui uma novidade no DIP, que é a flexibilidade do
funcionamento das regras de conflitos.

Resposta da doutrina europeia e do DIP positivado europeu dos anos 80 e 90 às críticas da


doutrina americana dos anos 60 e 70 – surgiram críticas de que o Direito de Conflitos na Europa
era excessivamente rígido e formalista, afastado das realidades.
• Hoje em dia as normas de DIP não são meramente formais e cega face a resultados, há
a possibilidade de corrigir os resultados – tribunal tem poderes de apreciação mais
latos.
• LP: Entre as tendências recentes do DIP há uma certa viragem para soluções
individualizadoras, para uma justiça do caso concreto.

109
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

DMV: não é novo método.


➢ Continua a partir-se da regra de conflitos.
➢ O que há de novo é a possibilidade de corrigir o resultado da aplicação da regra de
conflitos.
➢ O pensamento fundamental é ainda a ideia do método conflitual, da “sede” da situação
jurídica – quando se permite que se derrogue a lei em princípio competente, em
benefício de uma outra que tem a tal conexão mais estreita, ainda estamos no âmago
tradicional do DIP, pois Savigny tinha presente esse princípio de aplicação da lei mais
estreitamente ligada.

Em Portugal não vigora nenhuma cláusula geral de exceção.


Moura Ramos: existe uma cláusula de exceção implícita, dado que as normas de conflitos, como
critérios instrumentais, podem ser afastados se se demonstrar conexão mais estreita – princípio
da proximidade.
➢ LP: discorda.
o Normas de Conflitos são tão vinculativas como as normas materiais e o legislador
optou por regras de conflitos de tipo tradicional, utilizando conceitos designativos
do Elemento de Conexão determinados, mostrando-se desfavorável a critérios de
remissão flexíveis.
o A introdução, por via interpretativa, de uma cláusula de exceção não se afigura
compatível com a intenção do legislador histórico.

E se não houver no Direito positivo uma cláusula de conexão? O juiz pode afastar NC em
benefício de outra lei com a qual haja uma conexão mais estreita? Podem derrogar-se
as normas de conflitos sem regra e à luz da conexão mais estreita?
DMV: art. 8º CC – juiz não pode sobrepor a sua conceção de justiça aquela que está na lei.
➢ Mas não é isso que está em causa – não é o sobrepor da conceção própria, é corrigir o
resultado do funcionamento da Norma de Conflitos em virtude dos princípios do DIP.
o Não cabe no art. 8º/2 CC, isto é apenas situação em que se tem em consideração
as circunstâncias do caso concreto para determinar a lei aplicável.
o Há várias manifestações na lei de regras que mandam atender às circunstâncias
do caso concreto (art. 9º/2, 547º).
o A determinação de conceitos indeterminados também, de alguma forma,
manda atender ao caso concreto.

Ex: STJ, 27/6/1978


➢ LP: Deve ser tida em conta a circunstância de se ter constituído ou consolidado uma
situação duradoura segundo uma lei que, embora diferente da primariamente
chamada pelo Direito de Conflitos português, é competente de acordo com o Direito
de Conflitos do Estado que apresenta (ou apresentava no momento da constituição da
situação) uma conexão especialmente importante com a situação.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei Espanhola – não dava direitos sucessórios aos filhos fora do casamento.
STJ entendeu que recusar quaisquer direitos sucessórios aos filhos nascidos fora do
casamento era discriminatório e contraditório com o princípio da igualdade. Entendeu
também que a vida patrimonial e familiar do de cujus estava em Portugal, daí uma
expetativa de regulamentação dos atos jurídicos pela lei portuguesa.
STJ decidiu não aplicar a lei espanhola e aplicar, sim, a lei portuguesa.

STJ aplicou cláusula de exceção que não estava explícita na lei – entendeu que deveria
poder derrogar a lei que a Norma de Conflitos mandava aplicar em homenagem à
proteção das expetativas (tutela de confiança).
Ofender essas expetativas seria uma “impressionante e revoltante injustiça”.
Acionou cláusula de conexão implícita por homenagem a esses valores e em
função da ideia de proximidade.
Olhou-se aos valores fundamentais do DIP, no caso concreto, efetivando uma
correção do resultado da aplicação da norma de conflitos.

DMV: concorda e não há como recusar essa correção do resultado da aplicação da norma de
conflitos.
• Dentro de certos limites, deve-se efetivamente admitir que pode haver um
afastamento da lei designada pela Regra de Conflitos, em benefício de uma outra lei
que tenha conexão mais estreita com a situação privada internacional.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

DMV: não é necessário uma norma expressa a consagrar uma cláusula de exceção para que se
possa proceder desta forma.
➢ Os próprios valores fundamentais a que estão subordinadas as Regras de Conflitos
reclamam que isso se faça.

LP: De iure condendo defende a introdução no Direito de Conflitos português de uma cláusula
geral de exceção, uma vez que a justiça da conexão é posta em causa quando a norma de
conflitos remete para o Direito de um Estado e a situação apresenta uma ligação
manifestamente mais estreita com outro Estado – caso em que o resultado a que conduz a regra
de conflitos entra em contradição com as finalidades visadas com esta regra.
➢ Isto permite o desenvolvimento jurisprudencial de novas regras de conflitos para
determinados tipos de situações – opera-se um aperfeiçoamento e desenvolvimento do
Sistema de Direito dos Conflitos.
➢ A consagração de uma cláusula de exceção nestes termos não obsta a que a norma de
conflitos desempenhe a sua função orientadora de condutas nem prejudica a sua
vinculatividade.

112
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Normas Internacionalmente Imperativas


= Normas de Aplicação Necessária/Imediata57

Problema controvertido no DIP


Relevância destas normas resulta de 2 fenómenos comuns na legislação contemporânea:
• Estados intervêm na atividade económica – intervêm na regulação da concorrência;
• Estados estabelecem normas para proteger a parte mais fraca na relação jurídica –
seja consumidor, trabalhador e etc.
o Na maior parte das vezes o instrumento desse intervencionismo são normas
imperativas que visam acautelar os interesses do Estado nessas categorias de
sujeitos.

Questão que se coloca no DIP é saber se a aplicabilidade dessas normas imperativas depende de
elas pertencerem à lei aplicável.
➢ Saber se uma norma que não é designada pela Norma de Conflitos pode ser aplicada
em virtude da sua imperatividade
o A regra de conflitos que é relevante em determinada situação privada
internacional aponta para determinada lei, mas há certas normas imperativas
de uma outra lei que visam acautelar interesses que estão em jogo nessa
situação e essas normas imperativas reclamam a sua aplicação para que os seus
objetivos sejam realizados, devendo estar normas ser aplicadas ou tomadas em
consideração.

Ex: Acórdão STJ, 1996 – Trabalhadora PT num Banco PT, deveria prestar a sua atividade laboral
na Alemanha.
• Aplicava-se o art. 42º/2 CC
• Trabalhadora, ao abrigo de um contrato de trabalho celebrado na Alemanha, foi
despedida e demandou o Banco nos tribunais portugueses.
• Mas, na altura, na Alemanha as consequências do despedimento sem justa causa não
existiam. Pergunta-se se as normas sobre a proibição do despedimento sem justa causa
em Portugal se aplicam ao caso, independentemente de não pertencerem à lex causae
(Alemã).
• 1ª e 2ª instância dizem que se aplica imperativamente
• STJ revoga anteriores e absolve o réu (Banco) do pedido mas por outro motivo.
o Mas o STJ sublinhou que que se não fosse esse outro motivo, ele também
entenderia que as normas da lei portuguesa sobre despedimento sem justa
causa eram aplicáveis a este caso.

Marques dos Santos


As Normas de Aplicação Imediata foram desenvolvidas por Francescakis em 1958 e são: normas
materiais espacialmente autolimitadas dotadas de especial intensidade valorativa
• Normas Materiais – não são normas de conflitos
• Delimitam o seu próprio âmbito de aplicação no espaço, de forma diferente das Normas
de Conflitos gerais – tem critérios próprios que a fazem ter um âmbito de aplicação no

57
Nuno Andrade Pissarra: forma mais neutra de designar é por “lois de police”

113
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

espaço diferente do Direito de Conflitos geral, pois recorrem a normas de conflitos


especiais ad hoc, que podem ser implícitas.
• Estão ao serviço de interesses públicos – os interesse do Estado naquele momento ligam-
se às Normas de Aplicação Imediata e os fins que servem.

DMV e LP
Criticam esta doutrina e o que verdadeiramente define as normas é um critério formal de ter
uma aplicação diferente devido a norma/princípio que lhes confira título de aplicação.

DMV: Estas são normas que reclamam, de forma expressa ou implícita, a aplicação delas
mesmas a um caso.
➢ São normas internacionalmente imperativas pois projetam a sua imperatividade na
ordem internacional, para além da própria lei a que pertencem e não se aplicam
apenas nos casos em que seja competente a lei a que pertencem, uma vez que os fins
que elas visam realizar só podem ser conseguidos se lhes for reconhecida essa eficácia.

TJUE (Arblade, 1999)


• Estas normas são disposições nacionais cuja observância é necessária para salvaguardar
a integridade social, política e económica do Estado-membro.

Esta definição passou para o Reg Roma I


• Art. 9º/1 vem definir estas normas
o Disposições que visam proteger interesses do Estado de onde emana – essas
normas, em função das finalidades que prosseguem, reclamam a sua aplicação
ao caso concreto, mesmo não sendo da lei aplicável
o O art. 9º não é uma Norma Imperativa/Norma de Aplicação Imediata – são
normas de conflitos que dão relevância às Normas Internacionalmente
Imperativa.

Em que condições é que essa aplicação imperativa pode acontecer?


Pressupostos para se aplicar imperativamente, com primazia sobre a normas da lex causae,
são diferentes conforme a Ordem Jurídica a que pertencem:
NORMAS DA LEX FORI
• Art. 9º/2 Roma I – sempre que no Estado do foro haja normas com estas características,
essas normas serão aplicáveis, independentemente de ser outra a lei reguladora do caso
aplicável.
o Decisão do STJ foi percussora neste âmbito e está coerente com a lei atual.
• Art. 16º Roma II – dá-se primazia às normas imperativas da lei do Estado do foro,
independentemente da lex causae

NORMAS DE TERCEIROS ESTADOS


• Art. 9º/3 Roma I – condições são mais complexas para se aplicar.
o Há uma pluralidade de valorações que o Tribunal tem de levar a cabo para ver
se se aplicam essas normas.
o Juiz tem alguma discricionariedade.
o Tem de se ter em conta natureza e objeto das normas em causa, bem como as
consequências da sua aplicação ou não.

114
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Pode gerar alguma insegurança.


o Mas Roma I limita a discricionariedade dos tribunais:
i. Normas só são atendidas se pertencerem à lei do país onde as
obrigações decorrentes do contrato têm de ser executadas – lei do lugar
do cumprimento
ii. Para se atender a essas normas, a execução do contrato tem de ser
ilegal58
➢ Ex: países onde as garrafas de vinho têm de ser entregues não
permite vender álcool. Contrato é ilegal nesse país. Tribunal
tem de atender a essas normas.
o LP: art. 9º/3 é para a Execução e não para a Validade, pelo que para se aplicar a
um caso de validade temos de fazer uma interpretação extensiva deste artigo.
o É regra de reconhecimento (DMV: regra auxiliar a Normas de Conflito ou Norma
de Conflitos Especial) – é norma auxiliar para se aplicar Normas Imperativas de
3º Estados.59
• Em Roma II não há esta possibilidade.

Convenção de Haia sobre os contratos de mediação e representação


➢ Art. 16º manda atender a normas imperativas
➢ Consagra uma teoria da conexão especial.

Lei das CCG


➢ Art. 23º tem norma de DIP – Tribunais têm de atender a normas proibitivas de CCG
sempre que há conexão estreita com Ordem Jurídica Portuguesa ou Ordem Jurídica de
Estado-membro
o Para evitar que se consiga tornear a aplicação das regras imperativas sobre as
CCG recorrendo a Estado terceiro.
o É uma norma de conflitos unilateral especial ad hoc – apenas diz respeito a um
conjunto de normas especiais
▪ Norma de fonte interna que só pode ser aplicada se a lei supraestadual
que prima sobre a interna permita a sua aplicação – art. 9º/2 permite
essa aplicação imperativa60

Para que estas normas imperativas, pertencentes a uma lei que não é a lex causae, é
necessário que elas tenham um título de eficácia na Ordem Jurídica nacional.
➢ LP: As normas imperativas estrangeiras só podem ser aplicadas na ordem jurídica local
por força do título de aplicação que uma proposição vigente nesta ordem jurídica lhes
conceda.

58
NAP: cabe neste conceito o facto ilícito/ilegal à luz de uma Norma de Aplicação Imediata (o que viola
uma NAI).
59
É regra de reconhecimento especial, sendo que em Portugal não vigora nenhuma regra de
reconhecimento geral.
60
NAP: neste caso, também se poderia aplicar o art. 23º Roma I pois a LCCG é uma transposição de uma
diretiva.

115
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o A questão é a de saber se a Ordem Jurídica do foro lhes confere um título de


aplicação mediante proposições jurídicas especiais ou se, de outro modo, permite
a sua tomada em consideração.

Seja por norma ou princípio de DIP que lhe confira algum título de aplicação na nossa Ordem
Jurídica.
• Norma de Conflitos especial – art. 23º lei CCG
• Normas auxiliares de Norma de Conflitos – regulam a aplicação de regras materiais em
situações de DIP
• Princípio Geral – harmonia de julgados, tutela da confiança e etc.

DMV: É por esta exigência de um título de eficácia que não é correto designar estas normas
como normas de aplicação imediata.
➢ Elas só são aplicáveis através da mediação de uma norma ou princípio geral.
o Utilização destas normas pressupõe uma série de valorações a serem feitas pelo
Tribunal.
o Tem de haver conexão suficientemente estreita entre o caso e a Ordem Jurídica
que se pretende aplicar.
o É necessária uma valoração sobre o objeto em si das normas e sobre a
existência de uma conexão suficientemente estreita entre a situação jurídica
a regular e a Ordem Jurídica a que essas normas pertencem; e ainda sobre a
conformidade ou não da atribuição de efeitos a essas normas e os valores e
interesses prosseguidos pelo DIP.

Portanto, a aplicação destas normas não depende exclusivamente da sua vontade de aplicação
ao caso
➢ Elas têm de se querer aplicar, em virtude do seu objeto e fins, mas tem de haver conexão
com Ordem Jurídica os princípios fundamentais do DIP justificarem a aplicação dessas
normas.
➢ Há toda uma série de considerações a serem feitas. É preciso que o juiz reconheça que
elas têm alguma legitimidade para se aplicarem ao caso, atendendo aos seus objetivos
e finalidades bem como à ligação com a Ordem Jurídica a que pertence o caso
concreto.

LP: Na falta de norma especial que dê um título de aplicação a normas imperativas de terceiros
ordenamentos, os tribunais portugueses estão, em princípio, vinculados pelo sistema de Direito de
Conflitos a aplicar exclusivamente as normas imperativas da lei competente.
➢ Mas isto não exclui, em absoluto, a possibilidade de se fundamentar a aplicação de
normas imperativas de terceiros ordenamentos na analogia ou em soluções especiais
criadas pelo intérprete.61

61
Ex: art. 1682º-A/2
• Marques dos Santos: é uma Norma de Aplicação Imediata por ser Norma de Conflitos especial
ad hoc implícita – sempre que a casa de morada de família é em Portugal. Tem atenção aos fins
da norma.
• LP: temos de descobrir se a norma se aplica tendo em conta as valorações do DIP. Mas isso só se
faz se houver lacuna – não havendo lacuna, cabe perfeitamente no art. 52º pelo que não há título
de eficácia que se aplique ao art. 1682º-A.

116
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Se normas imperativas forem contrárias ao direito vigente na Ordem Jurídica do foro pode
recusar-se a aplicação dessas normas – contrário quer a normas quer a princípios.

NORMAS IMPERATIVAS DA LEX CAUSAE


Marques dos Santos: estamos noutro método, pelo que tem de ver se há Norma de Aplicação
Imediata que se quer aplicar – essa vontade de aplicação da lei é traduzida pela existência de
uma norma de conflitos unilateral especial ad hoc.
• Só se aplica se estivermos no espaço delimitado pela norma de conflitos especial ad hoc.
• Ex: só se aplica art. 21º/d se fosse possível aplicar o art. 23º

DMV/LP: estamos sempre no método conflitual, pelo que não há nenhuma razão para que não
se apliquem as Normas Internacionalmente Imperativas da lex causae se tal derivar da aplicação
da Norma de Conflitos.
• Estas normas não são de aplicação necessária – podem vir a aplicar-se, atuando como
necessárias, ou não.

Efeitos:
Aplicam-se as normas como tais – juiz verifica quais as consequências da aplicação da norma e
julga o caso em conformidade.

Aplicam-se as normas como pressuposto de facto para as normas da nossa lei se aplicarem ou
não
• Em vez de serem as próprias normas a serem aplicadas elas funcionam como
pressuposto de facto de outras normas pertencentes à Ordem Jurídica do foro.
o Nos casos em que a Ordem Jurídica Local não atribui um título de aplicação a
normas imperativas de terceiros Estados, estas normas podem ainda ter
relevância no quadro do Direito material da lex causae.
• Ex: partes convencionam exportar mercadoria para país A. País A proíbe essa
importação. O contrato tornou-se impossível.

o Só por força de uma interpretação restritiva/redução teleológica é que se poderia


afastar o art. 52º e aí convocar-se-ia o sistema para integrar lacunas

117
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Essa impossibilidade do cumprimento pode derivar de uma norma imperativa –


portanto, essa norma funcionou como pressuposto de facto para a aplicação de uma
norma da nossa lei.

• Roma II – art. 4º/3 admite que a lei reguladora da obrigação de indemnizar por factos
ilícitos pode ser a lei que regulava o contrato/relação pré-existente entre as partes e
não no local do dano.
o Ex: transportador e passageiro – têm acidente em FR e contrato é regulado por
PT
o Art. 17º Roma II manda-se atender como pressuposto de facto as normas do
país em que ocorreu o facto danoso em questão (existência de responsabilidade
civil é apurada por lei PT, por onde se verificam os pressupostos da
responsabilidade civil. Mas face a que regras é que verificamos a ilicitude?
Intervém norma imperativa de FR pelo art. 17º)

Tipo de efeitos pode variar, portanto:


• Entre a sua aplicação própria
• Entre a sua aplicação como para ser tida em conta para apurar pressupostos.

Reconhecimento de Efeitos é método novo de DIP?


Marques dos Santos, Moura Ramos: SIM – não se aplica regra de conflitos e atende-se à vontade
de aplicação da norma em questão
• Atende-se a ser uma norma material especialmente autolimitada e dotada de especial
intensidade valorativa.

DMV: NÃO – a questão de atribuição de efeitos não significa que se sai do método da conexão.
• Para as normas serem aplicadas têm de ter uma conexão com o caso.
• E essas normas têm de ser aplicadas por força de um título de eficácia – não se aplica
a qualquer caso só por se querem aplicar, o título de eficácia reconduz-se ao
pensamento fundamental do DIP e da ideia de conexão (tem de haver uma razão para
que se chame a aplicação dessas normas).
• E faz-se sempre funcionar a regra de conflitos e só depois verificamos se há uma lei de
3º país (ou do foro ou até da lex causae) que tenha algum título de aplicação ao caso.
• Esta é uma variante da metodologia conflitual.
o Fenómeno que reflete que o método do DIP não pode ser construído de uma
forma rígida e formal, hoje os juízes têm de atender ao resultado e aos interesses
sociais, partindo da conexão.
o Juiz exerce um certo poder discricionário ao aplicar esta variante.

Incidência do DUE nesta matéria


Uma das ponderações do juiz é se essa aplicação contradiz princípios fundamentais do direito
material do Estado – nesse Estado vigora o DUE (como as liberdades fundamentais e etc.).
➢ Muitas destas normas vêm limitar o funcionamento destas liberdades.

Ex: Diretiva sobre o Destacamento Internacional de Trabalhadores – art. 6º a 8º CT – ideia é


que empresa pode destacar trabalhadores para outro Estado-membro para prestar lá os seus
serviços.

118
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Qual a lei reguladora do CIT desses trabalhadores destacados?


o Art. 8º Roma I – ou lei escolhida ou lei que trabalhador presta habitualmente.
o Ele presta habitualmente em Portugal. Estando destacado temporariamente na
Alemanha, neste país há regras imperativas para o Direito do Trabalho.
o Diretiva vem dizer que as normas do país, se mais favoráveis ao trabalhador,
aplicam-se com primazia sobre as que se aplicavam no país de origem.
o Isto protege o mercado desses países face à concorrência que vem de outros
Estados-membros.

Mas na implementação da diretiva houve vários abusos, exigindo coisas desproporcionados.


➢ Acórdão Ablarde veio estabelecer condições para a aplicação das normas imperativas
do país de acolhimento dizer que essas normas imperativas do país de acolhimento
1. Têm de dar uma vantagem real ao trabalhador – se forem equivalentes à do
país de origem não se aplicam.
2. Têm de ser proporcionais à finalidade que têm em vista.
3. Têm de ser normas imperativas de interesse geral – visando a proteção dos
trabalhadores.

Isto visa limitar a aplicação dessas normas, pois podem ser normas de protecionismo e esse não
é o propósito da UE.

Opinião LP
Teorias que não têm aplicação se houver regras de reconhecimento
Teoria do Estatuto Obrigacional: normas imperativas estrangeiras só serão aplicadas quando
integrem a lex causae. Normas de Estados terceiros só poderão relevar enquanto pressupostos
de facto de normas da lex causae.
• Recusa-se sempre a aplicação de NAI que não sejam as da lei competente

Teoria da Conexão Especial: além das normas que pertençam ao estatuto obrigacional, as
normas de qualquer ordem jurídica podem vir a aplicar-se desde que 1) estejam dispostas a
aplicar-se; 2) exista uma relação suficientemente estreita entre a ordem jurídica em causa e o
contrato, tendo como limite a conformidade à Ordem Pública Internacional.
• Marques dos Santos: parte da ideia básica de reconhecimento no Estado do foro da
vontade de aplicação das normas de aplicação imediata estrangeiras, propondo uma regra
de reconhecimento que dê um título e legitime a relevância, no Estado do foro, de tais
regras, de acordo com as condições e dentro dos limites fixados por este último Estado.

→ LP: critica estas teses

De iure condendo, prefere-se a criação de normas de remissão condicionada a certas categorias


de normas imperativas vigentes em Estados que apresentam determinada conexão com a
situação.

De iure constituto, não vigora na Ordem Jurídica portuguesa qualquer regra geral sobre a
relevância de normas imperativas de terceiros ordenamentos.

119
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Excepto o caso do art. 9º/3 Roma I, que converge com a posição defendida de iure
condendo, embora esteja redigido de forma mais restritiva e apenas permita a relevância
de “normas de aplicação imediata”.
o É defensável o entendimento segundo o qual abrange não só as normas de
aplicação imediata relativas à execução do contrato, mas também as que
estabeleçam requisitos de validade do conteúdo e do fim do contrato

Art. 30º Regulamento Sucessões tem a ideia segundo a qual a aplicabilidade de normas
imperativas de terceiros ordenamentos deve depender de normas de conexão especiais.

Nenhum dos Regulamentos adota a teoria da conexão espacial e só em alguns deles se admite a
aplicabilidade de normas imperativas de terceiros ordenamentos com base em critérios mais
restritivos, que convergem com a solução defendida de iure condendo.

120
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Estatuto Direito Estrangeiro

As leis do foro podem designar leis estrangeiras, dando-lhes um título de eficácia na nossa
Ordem Jurídica.
➢ Lima Pinheiro: Problema quanto aos casos em que a Norma de Conflitos portuguesa
remete para uma Ordem Jurídica Estrangeira e é aplicável o Direito estrangeiro que vigora
na Ordem Jurídica designada pelo Direito de Conflitos.

Sempre que é aplicável ao mérito da causa uma lei estrangeira há uma série de questões quanto
à aplicação dessa lei:
1. Tribunal tem de aplicar a lei oficiosamente ou somente mediante prévia invocação de
uma das partes?
2. Como se determina o teor do Direito estrangeiro e como se Prova o seu conteúdo?
3. Quais as regras que presidem à fixação do conteúdo da lei estrangeira – como se
interpreta e se integra?
4. Qual o regime que preside ao controlo do Direito estrangeiro competente – é admissível
Recurso de Revista para o STJ de uma decisão das instâncias que tenha aplicado lei
estrangeira?

O que se vai indagar é do estatuto do Direito estrangeiro aplicável segundo o funcionamento


da Norma de Conflitos vigente entre nós.

Os interesses em causa:
Economia Processual + Celeridade Processual + Prevenção do Erro Judiciário
• Entendimento no sentido de se minimizar as situações em que se aplica o Direito
Estrangeiro.
o O Direito Estrangeiro só pode ser utilizado quando for invocado pela parte (1),
que tem de o provar (2). Recurso não pode julgar recurso de revista (4).
▪ Esta primeira ordem de considerações depõe a favor de considerar o
Direito Estrangeiro como mero facto62 – pois só se aplica se parte
invocar, tendo de o provar e não podendo haver recurso. Isto é o regime
que o CPC tem para os factos.
▪ Regime que prevalece em Inglaterra – há ónus de alegação e prova do
Direito estrangeiro pelas partes

Regras de Conflitos não são meramente formais – há valorações que atendem a interesses a
que o DIP dá relevância
• Ordem de considerações que depõe no sentido de que o juiz deve aplicar o Direito
Estrangeiro independentemente de invocação (1), juiz procura conhecer o teor desse
direito (2 e 3) e pode haver recurso (4).
o Orientação de que se deve tratar o direito estrangeiro como verdadeiro direito
– o Estatuto do Direito Estrangeiro é efetivamente como Direito.
o Suíça, Bélgica

62
Esta doutrina tinha como partidários Pires de Lima e Antunes Varela, bem como Oliveira Ascensão

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Estatuto do Direito Estrangeiro perante a Ordem Jurídica Portuguesa


Vale como mero facto ou tem estatuto de Direito?

LP: Para decidir, o tribunal precisa de conhecer os factos e o Direito.


• Factos – segundo o princípio do dispositivo têm de ser alegados e provados pelas partes.
• Direito – deve ser conhecido pelo tribunal, investigado e determinado por sua própria
iniciativa, em conformidade com o princípio da oficiosidade.

1. Tribunal tem de aplicar a lei oficiosamente ou somente mediante prévia invocação


de uma das partes?
FC: O direito estrangeiro é aplicado entre nós como direito – o tribunal aplica ex officio
o direito estrangeiro declarado competente pelas normas de conflitos portuguesas.
DMV: tribunais portugueses devem aplicar Direito estrangeiro competente, designado pela
norma de conflitos, mesmo que não invocado pelas partes – não está na disponibilidade das
partes a aplicação de Direito estrangeiro.
• Art. 5º/3 CPC – princípio iure novit curia
o Juiz é que conhece do Direito e não está sujeito a ser invocado pelas partes –
também vale quanto às regras de conflitos e à lei que elas designam (quer
estrangeira ou nacional).
o A determinação das regras aplicáveis ao caso é uma incumbência que o
tribunal tem de realizar oficiosamente – juiz não está sujeito às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito.

• Art. 348º CC confirma – manda Tribunal português conhecer do Direito mesmo que
nenhuma das partes o tenha invocado (toma conhecimento para o aplicar e resolver o
litígio).
o Coloca-se a cargo do juiz o dever de tomar conhecimento do Direito Estrangeiro
que é designado pela Norma de Conflitos – este Direito é de aplicação oficiosa.
o Há um dever de colaboração da parte que invoca o Direito estrangeiro na
determinação do seu conteúdo mas não hão há ónus da prova – o
incumprimento do dever de colaboração não tem por consequência o
indeferimento da pretensão nem, necessariamente, a aplicação do Direito
material português, embora possa contribuir para uma situação de
impossibilidade de determinar o conteúdo da lei estrangeira.

DMV: faz sentido que o Direito Estrangeiro seja de conhecimento oficioso (tendo estatuto de
Direito) – tribunais portugueses, quando conhecem de uma relação controvertida transnacional,
seja em primeira instância seja em recurso, estão obrigados a aplicar ex officio o Direito de
Conflitos vigente em Portugal e, sendo o caso, o Direito Estrangeiro designado por este
Direito de Conflitos.
➢ Não há qualquer ónus de alegação da competência da lei estrangeira, quer perante o
tribunal de primeira instância quer perante tribunais de recurso.
➢ Os interesses que as Normas de Conflito visam acautelar ficariam prejudicados se
nenhuma das partes o invocasse em conflito
o Causaria insegurança no comércio internacional, pois a lei aplicável pode
depender da alegação e prova – nunca se saberia se, à partida, a lei

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

efetivamente designada pela regra de conflitos viria ou não a ser aplicada num
processo.
➢ Princípio fundamental do iure novit curia também vale para a lei estrangeira.
o Aplicação oficiosa do Direito Estrangeiro é postulado pela justiça do DIP, que
inclui valores e princípios, assegurando que a situação transnacional é apreciada
segundo o Direito designado pelo elemento de conexo mais adequado à matéria

Há uma limitação: art. 16º/b Regulamento 2015/98 (insolvência internacional de empresas) –


caso muito pontual
• LP: art. 13º Regulamento sobre insolvência estabelece exceção: além de permitir a invocação,
pelo beneficiário de um ato prejudicial à massa, da lei aplicável ao ato, quando esta seja a lei de
um Estado-membro que não é o Estado de abertura do processo, subordina a eficácia dessa
invocação à prova de que esta lei não permite a impugnação do ato por nenhum meio no caso
concreto.

Aos outros órgãos de aplicação do Direito (ex: notários e conservadores), a lei não exige expressamente
que conheçam oficiosamente o Direito estrangeiro aplicável.

Quanto aos NOTÁRIOS não há essa exigência mas quanto aos CONSERVADORES, na falta de disposição
especial, deve aplicar-se analogicamente o regime estabelecido para os Tribunais.

2. Como se determina o teor do Direito estrangeiro e como se Prova o seu conteúdo?


Art. 348º/1 CC – Tribunal deve suprir a ausência de alegação e prova e não está dependente das
partes.
• DMV: Portanto se há esse dever do tribunal tomar iniciativa de obter esse
conhecimento, mesmo que nenhuma das partes invoque o Direito Estrangeiro e/ou
dele não faça prova, não há verdadeiro ónus de alegação e prova.
o Isto não quer dizer que não haja dever de colaboração entre as partes e o
Tribunal (art. 7º CPC).
o Os interessados no processo devem procurar trazer ao tribunal os elementos
essenciais para a aplicação da lei estrangeira, mas tribunal pode ir mais longe e
procurar a aplicação de Direito Estrangeiro.
• FC: Àquele que invoca direito estrangeiro compete fazer a prova da sua existência
e conteúdo (art. 348º/1) – mas isto não isenta o tribunal do dever de procurar
obter, oficiosamente, o respetivo conhecimento.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

3. Quais as regras que presidem à fixação do conteúdo da lei estrangeira – como se


interpreta e se integra?
A. CONHECIMENTO DO DIREITO ESTRANGEIRO
Primeiro meio de averiguação do conteúdo do Direito estrangeiro: colaboração das partes (que
podem juntas aos articulados elementos como textos legais traduzidos, pareceres jurídicos,
cópias de decisões judiciais e etc.);
→ E se nenhuma das partes o carreou para o processo, como vai o juiz conhecer do Direito
Estrangeiro?

DMV: conhecimento do Direito Estrangeiro pode ser feito por todos os meios que mereçam
confiança ao juiz
➢ Podem ser Meios Oficiais e Não-Oficiais

MEIOS OFICIAIS
Convenções Internacionais: Convenção Europeia no Campo de Informação de Direito
Estrangeiro, Convenção de Londres de 1968 (Portugal é parte desde 1978)
• Regula a cooperação entre as autoridades nacionais no que diz respeito ao
conhecimento do Direito estrangeiro.
• Por força desta convenção os Estados têm o dever de colaborar uns com os outros na
prestação de informações quanto ao respetivo direito, a pedido de uma autoridade
estrangeira.
o Para isso prevê-se a existência de um órgão de receção em cada Estado que
recebe e fornece informação.
o Gabinete de Documentação de Direito Comparado, dependente da
Procuradoria Geral da República – recebe pedidos de informação compila a lei,
doutrina e jurisprudência relevante, transmitindo-a ao Estado que pediu a
informação; atribuição de prestar informação jurídica, designadamente sobre
Direito estrangeiro, mas os seus recursos são bastante limitados.

DMV: Portanto juiz português não tem qualquer dificuldade em obter informação atualizada,
objetiva e a título gratuito.
• Não há problema quanto à determinação do Direito Estrangeiro aplicável pois há órgãos
que solucionam
o DMV contra MC – o Direito estrangeiro não tem mais dificuldade em ser
aplicado pois há mecanismos internacionais que permitem facilmente conhecer
informação objetiva, fidedigna, atualizada e a título gratuito.
o Mecanismo eficaz que permite superar uma das principais dificuldades que se
aponta ao funcionamento do método clássico do DIP.
o Risco de má aplicação da lei estrangeira é um risco menor.

MEIOS NÃO OFICIAIS


Se Estados não fizerem parte da Convenção de Londres há outros meios para conhecer do
Direito Estrangeiro:
• Informações prestadas pelas Representações Diplomáticas ou Consulares – através
das quais se pode obter conhecimento do Direito aplicável.
• Depoimentos de Peritos – sobre o conteúdo do Direito estrangeiro.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Faculdades de Direito ou Institutos de Direito Comaprado – nada impede que se peça


a Faculdades de Direito que forneçam informações.

Quando não há forma de se determinar o Direito aplicável


José Alberto dos Reis: se não for possível conhecer o Direito estrangeiro então decide-se contra
a parte que o invocou e não o conseguiu provar.
➢ FC: Está em oposição com a conceção da nossa Ordem Jurídica, em que o direito
estrangeiro não é tratado como matéria de facto

Dário Moura Vicente: essa solução leva ao tribunais ao proferimento de uma decisão porventura
injusta.
• Resposta é dada pelo art. 23º/263 CC e, subsequentemente, não sendo este possível de
se aplicar, pelo art. 348º/3 CC

Art. 23º/2 CC
→ Aplica-se a conexão subsidiária

Havendo real impossibilidade de determinar o conteúdo do Direito estrangeiro


aplicável, não se decide contra a parte e decide-se segundo a lei subsidiariamente
competente.
➢ Na impossibilidade de determinação do elemento de conexão utilizado pela
regra de conflitos utiliza-se a conexão subsidiária.

FC: art. 23º/2 não exclui, pela sua letra, a legitimidade do recurso a Presunções
para se determinar o conteúdo da lei aplicável
• Segundo a doutrina alemã, não se conseguindo apurar o direito
realmente vigente num Estado, recorre-se ao direito provavelmente
vigente nesse Estado. Leva à aplicação do sistema que se tiver por mais
chegado ao designado pela norma de conflitos do foro.
o DMV concorda: Podemos não saber o teor exato da regra vigente do
Direito Estrangeiro, mas podemos saber que essa Ordem Jurídica
recebeu Direito Material de outro Estado. Ex: Turquia recebeu e
incorporou o CC Suíço, portanto Tribunal pode conhecer indiretamente
a lei da Turquia através da lei Suíça.
• É uma presunção legítima – se tribunal consegue informar-se com
segurança acerca dos princípios gerais desse Direito na matéria em
questão, deverá decidir o ponto litigioso de harmonia com tais princípios;
também pode recorrer-se ao sistema jurídico inspirador da lei aplicável
o Mas a mera circunstância de dois sistemas jurídicos pertencerem à
mesma família ou de um deles ter servido de modelo ao outro
nada pode dizer relativamente ao modo como um e outro
proveem acerca de determinados aspetos da regulamentação
legal de certo instituto.

63
Devemos ter precaução na aplicação deste preceito pois a impossibilidade de averiguação do conteúdo
da lei estrangeira pressupõe que estejam esgotadas todas as vias (diretas ou indiretas) de determinação
do teor dessa mesma lei.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• LP: discorda
o Duvida quanto à conveniência do recurso a presunções, uma vez que
pode conduzir a soluções completamente diferentes das que decorreriam
do Direito competente.
o Em qualquer caso, não parece que o Direito positivo autorize o recurso a
presunções sobre o conteúdo do Direito estrangeiro.

Art. 348º/3 CC
→ Na falta de conexão subsidiária aplica-se o Direito material português

Tornando-se impossível averiguar o conteúdo do direito estrangeiro que for


competente em via principal ou subsidiária, terá de apelar-se, em última instância,
para o direito comum português.
• Havendo risco, ao seguir o caminho das presunções, talvez seja mais indicado
procurar a solução do problema utilizando a conexão subsidiária da invocada
pela Norma de Conflitos, se tal estiver previsto no direito conflitual do foro.
• Nos casos em que as conexões não têm sucedâneo, impõe-se a utilização da lex
materialis fori, evitando uma denegação de justiça64.

B. APURAMENTO DO DIREITO ESTRANGEIRO EM VIGOR


Qual o Direito que efetivamente está em vigor em certo país?

Tribunal deve nortear-se por um princípio de harmonia jurídica internacional – tem de ser o
Direito em vigor e procurar decidir como decidiria um tribunal desse mesmo país estrangeiro.
➢ Ex: antes de reconhecer a independência do Kosovo, como determinar estatuto pessoal
de um imigrante do Kosovo – aplica-se lei sérvia ou não? Aplica-se a lei que vigora. Se
vigorava direito sérvio era esse que se aplicava, se vigorava direito do Kosovo era esse
que era aplicado.
o Não estamos no campo do DIPúblico e de soberanias de território.
o LP: Não é sequer inconcebível a aplicação do Direito de um Estado não
reconhecido pelo Estado português. O Direito que é aplicado por um poder político
juridicamente organizado e que efetivamente vigora num território será em
princípio aplicável por força do Direito de Conflitos português mesmo que o
Estado português não reconheça o Estado em causa.

Desde que não viole a Ordem Pública Internacional aplica-se o direito que efetivamente se
aplicaria no Estado estrangeiro65.

Para saber quais as normas juridicamente vigentes, juiz atende ao SISTEMA DE FONTES de
Direito da Ordem Jurídica em causa.
• Se for a lei, aplica-se a lei.
• Se a jurisprudência for fonte então aplica-se também a jurisprudência.

64
FC: mas o recurso sistemático à lei do foro, como lei subsidiariamente aplicável poderia conduzir a
resultados que não estariam de acordo com os preceitos da lei designada pela regra de conflitos do foro
65
DMV: Também tem de se atender ao Direito Material que foi recebido.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Juiz deve procurar atender ao Direito aplicável nessa Ordem Jurídica tal e qual como ele seria
aplicável nesse Estado, atendendo ao sistema de fontes vigente.
➢ O que norteia é que tem de se aplicar o Direito desses Estados tal e qual como ele
vigora e como é neles aplicado.
o O juiz nacional tem de aplicar o direito estrangeiro como o juiz
estrangeiro o faria – imputa-se ao preceito estrangeiro em causa o
conteúdo e alcance que lhe forem atribuídos no âmbito do respetivo
sistema legislativo (art. 23º/1).

C. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO


Art. 23º/1: o Direito estrangeiro tem de ser interpretado em conformidade com os critérios de
interpretação seguidos no país de origem e com a jurisprudência e doutrina aí dominantes.

LP: O intérprete local tem a margem de apreciação e a competência de desenvolvimento do Direito


que a Ordem Jurídica estrangeira reconhecer aos seus juízes e intérpretes.
➢ Mas deve ser prudente e seguir a opinião dominante na cultura jurídica estrangeira.

FC: Tribunal português tem de observar as conceções correntes sobre a interpretação


das leis na jurisprudência e doutrina do país estrangeiro.
➢ Só quando a jurisprudência estrangeira se apresentar dividida é que o juiz
nacional pode utilizar de uma liberdade de apreciação, estando essa margem
integrada nas conceções dominantes do país cuja lei se lhe pede que aplique.
➢ É essa própria lei que lhe cumpre aplicar, e não uma imagem falseada pelos
particularismos jurídicos da sua nação.

4. Qual o regime que preside ao controlo do Direito estrangeiro competente – é


admissível Recurso de Revista para o STJ de uma decisão das instâncias que tenha
aplicado lei estrangeira?
Havendo decisão das instâncias sobre determinada causa a que se aplique lei estrangeira é possível
recurso para o STJ?

Art. 671º e 674º CPC


Sempre que as instâncias aplicam ao mérito da causa normas emanadas de órgãos de soberania
estrangeiras e foram erradamente aplicadas ou determinadas, pode haver recurso de revista
para o STJ.
➢ Erro na determinação e aplicação das normas legais estrangeiras constitui fundamento
do recurso de revista.
o Alemanha e França não têm este controlo pelos tribunais supremos da interpretação e
aplicação do Direito estrangeiro.

Art. 674º/2: requisito é que norma tenha sido emanada de órgão de soberania e erradamente
interpretada ou aplicada
• Pode ser Parlamento, Governo ou até Tribunal66 – depende do sistema de fontes.

66
O precedente judicial, que em alguns países estrangeiros é fonte de Direito, nomeadamente nos
sistemas de Common Law, pode considerar-se incluído nesta competência do STJ na medida em que se
entenda que são disposições genéricas oriundas de um órgão de soberania – são regras fixadas pelos
próprios Tribunais, enquanto órgãos do poder judiciário.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o O que fica de fora: normas consuetudinárias, normas de direito religioso e etc.


▪ Supremo pode controlar a aplicação de normas de fonte legal, já não
pode controlar a aplicação de normas de fonte consuetudinária ou
normas de Direito religioso.
▪ DMV: aí o risco de erro judiciário é muito maior

Conclusão DMV
Direito Estrangeiro tem entre nós estatuto de verdadeiro Direito.

Em conclusão, a nossa Ordem Jurídica equipara o Direito Estrangeiro, aplicável segundo as


nossas Normas de Conflitos, a verdadeiro Direito, quanto à sua aplicação nos Tribunais
Portugueses.

Não quer isto dizer que o estatuto é absolutamente idêntico ao Direito nacional – há 3 aspetos
que diferem:
1º. Interpretação do Direito Estrangeiro – margem dos juízes é menor, da que gozam face
ao direito nacional e têm de atender ao que se interpreta no estrangeiro;
2º. Dever de cooperação das partes com o tribunal, carreando documentos que permitam
ao tribunal conhecer o Direito Estrangeiro;
3º. STJ pode conhecer de recursos, mas não há possibilidade de adotar jurisprudência
uniforme quanto à aplicação direito estrangeiro.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Reserva de Ordem Pública Internacional


= ROPI
É a última coisa a ser vista quando se resolvem casos práticos.
➢ Tanto a fraude à lei, como cláusulas de exceção e regras imperativas internacionais é
tudo verificado previamente à verificação da ROPI.

A Reserva de Ordem Pública Internacional é um limite à aplicação do Direito Estrangeiro


competente segundo o Direito de Conflitos, ou é um limite ao reconhecimento de uma decisão
estrangeira.
➢ Limitação do Direito que é em princípio competente.
➢ Limita essa aplicação da lex causae estrangeira devido ao resultado aberrante que
pode advir da aplicação dessa norma.
o Aí temos de afastar a aplicação dessa Norma de Conflitos – tem de se impedir o
resultado.
o Lima Pinheiro: cláusula geral do art. 22º CC atua quando, perante o conjunto das
circunstâncias do caso concreto, o resultado operado pela lei competente seja
incompatível com princípios e normas fundamentais da Ordem Jurídica
portuguesa.
▪ Não é possível determinar a priori o conteúdo desta cláusula geral –
só perante as circunstâncias do caso concreto se pode dizer se uma
determinada violação de um princípio ou norma fundamental é
intolerável.
➢ ROPI também funciona quanto ao reconhecimento de sentenças estrangeiras,
transcrição de atos do registo civil transcritos no estrangeiro e etc. funciona em todas
as áreas do DIP e não só no Direito de Conflitos.67

ROPI é nacional pois veicula princípios e normas fundamentais vigentes na Ordem Jurídica do
foro.
➢ LP: A Ordem Pública Internacional estrangeira pode ser relevante nos casos em que o
Direito de Conflitos estrangeiro seja aplicado por força do DIP do foro – é o que se verifica
em sede de devolução.

FC: ROPI limita a aplicabilidade da lei estrangeira sendo o reduto inviolável do sistema
jurídico nacional
• Cada Estado tem naturalmente os seus valores jurídicos fundamentais, dos quais
não deve abdicar pois são interesses que considera essenciais e em qualquer caso
lhe incumbe proteger.
o A preservação desses valores e a tutela desses interesses exigem que a
todo o ato de atribuição de competência a um ordenamento jurídico
estrangeiro vá anexa uma ressalva: a lei definida por competente não será
aplicada na medida em que essa aplicação venha lesar algum princípio
ou valor básico do ordenamento nacional, tido por inderrogável

67
NAP: é reserva de ordem pública “internacional” devido ao facto de ela intervir no contexto de
situações privadas internacionais – o conteúdo é sempre Direito vigente na Ordem Jurídica Interna e
adquire esta característica de ser internacional pelo âmbito de aplicação (intervenção nas situações
transnacionais)

129
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Há no direito material de certos países normas cujo escopo é tão importante que
a sua violação aparece como algo de insuportável.
o É conceito que se define pela sua função – expediente que permite evitar
que situações jurídicas dependentes de um direito estrangeiro e
incompatíveis com postulados basilares do direito nacional venham
inserir-se na ordem sócio-jurídica do Estado do foro e fiquem a poluí-la.
▪ A ROPI é apta para veicular todos os princípios e normas fundamentais
da Ordem Jurídica do foro que tenham aplicação a situações
transnacionais, bem como aqueles que prosseguem finalidades
económico-sociais, políticas ou outras

CASO 1: Cidadão Marroquino já casado 4 vezes pretende casar novamente em Portugal, ao


abrigo da lei pessoal marroquina (tendo capacidade para tal).
➢ Violaria ROPI o constituir um casamento polígamo em Portugal

Como se distingue ROPI da Fraude à Lei?


O efeito de ambas é a evicção/afastamento da lei que em princípio seria competente.
Distinguem-se pelo:
• Fundamento da intervenção – ROPI é a inadmissibilidade do resultado e não a intenção
fraudatória de manipulação do Elemento de Conexão (olha ao artifício)
o Na ROPI, o que se faz é olhar para o caso concreto e verificar se o resultado
ofende os princípios da Ordem Jurídica portuguesa.
▪ DMV: “manifestamente”, nos Regulamentos da UE não significa que
funciona de forma diferente do que em Portugal. É só para manifestar
o caráter de excecionalidade.
• Momento da intervenção – ROPI é no fim, após se determinar lei compentente e a da
Fraude à Lei é quando a lei se aplica.
• Lei afetada – ROPI conduz ao afastamento da lei estrangeira visando proteger os
princípios fundamentais do Estado do foro e Fraude à Lei pode afastar tanto uma lei
estrangeira como a lei do foro, pois ambas podem ser defraudadas.

Como se distingue a ROPI das Cláusulas de Exceção?


ROPI preocupa-se com a situação material e as Cláusulas de Exceção preocupam-se com a
situação formal e os valores do DIP

Como se distingue a ROPI das Normas Imperativas Internacionais?


São diferentes os critérios de justiça que intervêm.
• Pode reconhecer-se eficácia às Normas Imperativas Internacionais de Estados
estrangeiros – a ROPI só está preocupada com a Ordem Jurídica portuguesa.

Normas Imperativas Internacionais fundam-se em razões muito semelhantes às da ROPI, mas,


elas evitam que se tenha de usar a ROPI
➢ Preocupadas com os mesmos princípios fundamentais que podem estar na ROPI, elas,
antes de funcionar a aplicação da ROPI, vão antecipar e dizer que nesses casos se aplica
o Direito Português.

130
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Se as Normas de Aplicação Imediata funcionaram então, normalmente, não se aplica a


ROPI – restringem âmbito de aplicação internacional e portanto da ROPI

A grande diferença: ROPI preocupa-se com o resultado e as Normas Imperativas Internacionais


preocupam-se com as normas (queremos ter na Ordem Jurídica portuguesa normas que
protegem certas disposições).
➢ LP: as Normas de Aplicação Imediata sobrepõem-se ao sistema de Direito de Conflitos
por força de uma norma de conflitos unilateral que prevalece, como norma especial, sobre
a norma de conflitos geral.
➢ Podem não ser normas fundamentais, no sentido de desencadear a intervenção da ordem
pública internacional em razão do seu conteúdo de justiça material.

Como se distingue a ROPI da Ordem Pública Interna?


Ordem Pública Interna – conjunto de regras imperativas do foro que as partes não podem
afastar pela sua vontade.
• Conjunto de todas as normas que, num sistema jurídico dado, revestem natureza
imperativa (sendo inderrogáveis).
• Tem todas as normas, sejam ou não fundamentais.
• Ordem Pública de Direito Material – constitui limite à autonomia privada no contexto do
Direito material.

Todas as normas da ROPI são normas da Ordem


Pública interna. Mas nem todas as normas de
Ordem Pública Interna são ROPI – só é ROPI se
estiver em causa uma situação transnacional.

Normas de Ordem Pública Interna só relevam


quando, em princípio, pertencem à lei
designada pela regra de conflitos.

Características da ROPI
Além da casuística – juiz aplica caso a caso
1. EXCECIONALIDADE – quase nunca se aplica a ROPI.
• Vem de Savigny, que pensou a ROPI como os tribunais preocupados com o resultado
mas só se usa a ROPI muito raramente.
• É raro encontrarmos casos que violem a ROPI e tem de ser muito bem fundamentado.
• É um mal necessário e intervenção da ROPI deve reduzir-se ao mínimo e através da ROPI
não podemos comprometer a abertura da nossa Ordem Jurídica a aplicação de Direito
estrangeiro.

2. RELATIVIDADE68 TEMPORAL / ATUALIDADE – ROPI muda ao longo do tempo pois os


princípios de direitos fundamentais do Ordenamento Jurídico vão mudando.

68
FC: Justiça de uma lei é somente uma justiça relativa – relativa a um lugar e a um tempo determinado.

131
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Quer através da mudança da CRP quer através da mudança do CC.


o LP: Nas Ordens Jurídicas em que a Constituição é a sede dos valores básicos da
comunidade, como é o caso da CRP, o conteúdo da ordem pública internacional
tende a ser determinado à luz dos princípios constitucionais.
o Excecionalmente poderão existir outros princípios fundamentais estruturantes da
Ordem Jurídica que não tenham dignidade constitucional, desde que
consagrados legislativamente ou encarados como costume.
• A ROPI está estritamente ligada aos valores éticos que dominam em cada momento, em
determinado momento, certa sociedade.
• LP: tem Caráter Evolutivo e acompanha a evolução da Ordem Jurídica – Tribunal tem de
atender ao conteúdo atual da ordem pública internacional no momento em que aprecia a
questão.

3. RELATIVIDADE ESPACIAL / CARÁTER NACIONAL – a Ordem Pública Internacional é a


expressão do último reduto da ideia de Direito que enforma o Ordenamento Jurídico do foro.
• Savigny falava do Direito como o “espírito do povo” – o essencial é a ROPI, pois isso é o
que é mais nacional no Ordenamento Jurídico do foro.
o Há autores alemães que defendem a existência de uma ROPI ao nível da União
Europeia.
o Podemos encontrar ROPI europeia mas não há princípios que estejam na ROPI
UE que não estejam também na ROPI portuguesa.

Há áreas que não são claras que ofendam a ROPI


2. Legítima
3. Culpa in contrahendo
4. Gratuitidade da maternidade de substituição

CASO 2: Sucessão mortis causa de britâncio que morreu em Portugal e escolheu a lei britânica
para regular o testamento (à luz do Reg Roma IV) que afasta da sucessão os filhos menores.
➢ As regras da legítima portuguesa devem aplicar-se por pertencerem à ROPI?

CASO 3: Cidadão inglês compra imóvel em Lisboa e sujeitam-no à lei inglesa. O imóvel estava
arrendado. O vendedor faz acordo com arrendatário para fazer obras que vai prejudicar o valor.
Comprador inglês não soube disso e quer resolver o contrato. Vendedor diz que não há boa fé
porque submeteu o contrato ao Direito Inglês.
➢ As regras da boa fé na formação dos contratos pertencem à ROPI?

CASO 4: nasce criança nos EUA a partir de uma venda de gâmetas de Portuguesas para que fosse
feita maternidade de substituição. A grávida era americana e criança nasce na Califórnia e
regista-se como filha de portugueses. Ao pedir transcrição em Portugal o conservador recusa
porque isso viola a lei da maternidade de substituição.
➢ As regras da maternidade de substituição não podem ser derrogadas em função de
outras especificidades, ou tal ofende ROPI?

Tudo isto não é claro e pode mudar.

132
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Pressupostos de Atuação:
1. CONEXÃO SUFICIENTE COM O ESTADO O FORO – intensidade da ROPI é diferente consoante
os Elementos de Conexão que existam com o Estado69.
• O que tem de haver são elementos de conexão suficiente para poder fazer funcionar a
ROPI.
o O ordenamento do foro tem de interceder através de um nexo
suficientemente forte para justificar a não aplicação da norma
estrangeira.
o Gravidade da divergência entre a norma estrangeira e o direito nacional
varia na razão inversa da intensidade do nexo apurado entre a relação
em causa e o ordenamento jurídico do foro.

• Há casos que ficam ressalvados desta situação: casos de valores comuns a toda a
comunidade humana (ius cogens)
o Há casos em que se basta a competência do tribunal – ex: ROPI funciona mesmo
que toda a gente seja marroquina e se esteja a discutir em Portugal um caso de
escravatura (ROPI é pequena mas funciona – se fossem todos Portugueses a
ROPI é maior).

• Na falta de uma conexão suficiente com o Estado do foro, a atuação de uma norma ou
princípio fundamental desse Estado pode ser justificada pela intensidade da ligação
existente com outro Estado em que vigore uma norma ou princípio de Ordem Pública
Internacional convergente

• Há casos em que não há laços significativos com o Estado do foro. Ex: quando esse
Estado é competente por via de pacto de jurisdição.

• É necessário que entre a situação da vida a regular e a ordem jurídica do Estado do foro
exista uma conexão suficiente.
o Se a situação não tivesse nada a ver com a nossa Ordem Jurídica então não
haveria nenhuma razão para que obstássemos à aplicação da lei estrangeira
o LP: O que releva não é tanto a distinção entre constituição de uma situação e
reconhecimento de uma situação mas a intensidade da ligação que a situação
apresenta com o Estado do foro em cada momento.

69
LP: Característica, não Pressuposto, da Relatividade – a atuação da ROPI depende da intensidade dos
laços que a situação apresenta com o Estado do foro.

133
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

2. ATENDE AO RESULTADO – não é desvalorizar o Direito Estrangeiro, é somente um juízo de


incompatibilidade do resultado com a Ordem Jurídica portuguesa.
• Não se faz juízo de valor sobre o teor das normas estrangeiras competentes.
o ROPI não fundamenta um juízo de desvalor da lei estrangeira – ela atua perante
o resultado da aplicação do Direito Estrangeiro.

• ROPI impede a aplicação a determinada relação da vida dos preceitos que, no


sistema jurídico definido por competente pelo DIP do foro, são chamados a reger
as questões daquela categoria, uma vez que a aplicação desses preceitos daria
em resultado o surgir de uma situação manifestamente intolerada pelas
conceções ético-jurídicas reinantes na coletividade, ou lesiva de interesses
fundamentais do Estado.
o Não se trata de excluir a intervenção de quaisquer leis estrangeiras –
apenas recusa a aplicação a certos factos concretos de certos preceitos
jurídico-materiais em razão do resultado a que levaria a sujeição a tais
preceitos da relação factual sub judice.

• ROPI só intervém a posteriori, quando a solução material concreta a que o Direito


estrangeiro ou transnacional conduz é intolerável face a certos princípios e normas da
Ordem Jurídica portuguesa.
o A atuação da ROPI requer uma comparação dos efeitos desencadeados pela lei
estrangeira ou pelo Direito Transnacional com os que seriam ordenados pela lei
do foro.

• Apreciam-se as consequências no Estado do foro.


o A ROPI não é uma medida objetiva para aferir a compatibilidade concreta
da norma estrangeira com os princípios fundamentais do direito nacional,
mas a decisão de não aplicar as leis estrangeiras é alguma coisa que joga
essencialmente com avaliações subjetivas do juiz, com a representação
que na mente deste se forme acerca do sentimento jurídico dominante
na coletividade e das reações desse sentimento à constituição ou
reconhecimento do efeito jurídico que se tem em vista.

Efeitos:
1. PRIMÁRIO – afastamento das normas que seriam competentes
• Quando a ROPI atua como um limite à aplicação do Direito Estrangeiro vale um princípio
do mínimo dano à lei estrangeira ou ao Direito Transnacional – afasta-se uma parte
pequena da lei estrangeira e aplica-se o resto

2. SECUNDÁRIO
• Se do afastamento da solução contrária à ROPI não resultar uma lacuna continua a
aplicar-se o Direito Estrangeiro.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Se surgir uma lacuna, deve procurar obter-se a solução nos quadros do Direito
Estrangeiro competente, mediante o recurso à analogia ou aos princípios jurídicos – caso
de adaptação do Direito Estrangeiro para corresponder às exigências da nossa Ordem
Pública Internacional.
o Art. 22º/2 CC permite adaptar o Direito Estrangeiro de forma a ser mais
adequado a resolver o problema. Ex: lei estrangeira tem regras de
imprescritibilidade. Como isso viola ROPI nós vamos torna-las prescritíveis, nos
termos da lei portuguesa, mas mantemos o resto da lei.
• Se surgir uma lacuna que não é possível ser resolvida no quadro do Direito Estrangeiro
o Art. 22º/2 CC permite, subsidiariamente, recorrer às regras de Direito material
do foro – aplica-se lei portuguesa (à partida vai-se para a lex fori)
▪ Solução diferente em Itália – aplica-se direito subsidiário atendendo à
conexão mais estreita
➢ LP concorda com Solução Italiana e critica a Portuguesa: de
iure condendo, na impossibilidade de resolver o caso nos
quadros do Direito Estrangeiro competente, dever-se-ia recorrer
ao Direito subsidiariamente competente e só na falta deste, ou se
a sua aplicação também fosse incompatível com a ROPI, se
passaria ao Direito material do foro.
o Só se recorre à lei portuguesa se na legislação estrangeira competente se
não encontrarem “normas apropriadas”, i.e., se a partir dessa legislação
não conseguir descobrir-se uma solução que seja adequada ao caso, uma
solução que não se aparte muito da que a ordem pública forçou a recusar,
ou que, de toda a maneira dela se afaste menos do que a resultante dos
princípios do direito português.

Onde está a ROPI na lei:


❖ Art. 22º CC
o Artigo que sintetiza tudo o que foi dito sobre a ROPI
❖ Art. 192º DL 94-B/98 (regras de seguros)
❖ Reconhecimento de sentenças estrangeiras: art. 45º Reg 1215/2012; art. 6º/1 Código
Registo Civil; art. 54º e 56º/1/b/ii LAV

❖ Art. 21º Roma I


❖ Art. 26º Roma II
❖ Art. 12º Roma III
❖ Art. 34º Roma IV
o Regulamento Roma I e Roma IV são basicamente iguais – o que, pelos
regulamentos, se obtém é uma norma que deixa corrigir em função do resultado
tendo em conta a Ordem Pública Internacional Portuguesa.

135
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Relativização da Ordem Pública?


Alguns autores falam neste fenómeno devido à globalização, imigrantes e etc.

Novas realidades sociológicas afetam a ROPI mas não mudam certas coisas essenciais
➢ Ex caso 1: casamento poligâmico não seria permitido em Portugal, mas tratar-mos-ia as
primeiras 4 mulheres como mulheres dele, pois tínhamos de as proteger.
Desprotegendo-as estamos a violar a ROPI.

FC: ROPI intervirá quando estiver em causa a criação, no Estado do foro, através de uma
sentença constitutiva, de uma relação jurídica, ou o reconhecimento de uma relação
criada nesse Estado – ou seja, não intervém, em regra, quando a relação tiver sido
constituída no estrangeiro70.
➢ Ex: não reconhece a poligamia, mas trata as mulheres do homem como mulheres
dele.

70
Essa não intervenção é, também, respeitar a ROPI

136
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

- PARTE ESPECIAL DIREITO DE CONFLITOS -


Lei Pessoal das Pessoas SINGULARES
Art. 25º é a disposição da lei pessoal e abrange o conjunto de matérias do estatuto pessoal –
conjunto das proposições jurídico-materiais que são chamadas, pelas normas de conflitos
relevantes, a título de lei pessoal.
➢ Não são apenas as matérias do art. 25º que estão sujeitos à lei pessoal, há outros
preceitos que submetem as matérias que tratam à lei pessoal
o Às matérias do art. 25º somam-se o início e termo da personalidade jurídica (art.
26º), os direitos de personalidade (art. 27º) e a tutela e institutos análogos (art.
30º).

Lima Pinheiro: Quanto às pessoas singulares, o conceito de lei pessoal utilizado pelo
legislador português tem na sua base a noção tradicional de estatuto pessoal.
• Origem estatutária – eram estatutos pessoais as leis de um ordenamento jurídico local
que regessem as pessoas domiciliadas no território correspondente a esse ordenamento
ou dele originárias.
o Eram leis de aplicação extraterritorial, seguindo a pessoa para onde quer que ela
se deslocasse.

Lei pessoal é uma lei que rege um conjunto de matérias, enunciadas no art. 25º, mas cujo
Elemento de Conexão não está patente neste artigo.
➢ É uma lei que se define em função de um conjunto de matérias.
o Saber concretamente qual é a lei a que as pessoas singulares estão submetidas
pressupõe uma outra opção.
▪ A lei pessoal é, em princípio, a lei da nacionalidade (art. 31º/1)
▪ Mas não se deve confundir lei pessoal com a lei da nacionalidade.
▪ Pode ser outra que não a nacionalidade.
➢ Lei pessoal não é definida por um elemento de conexão, mas por um conjunto de
matérias.

Porque é que estas matérias são sujeitas a uma lei que acompanha a pessoa?
Pois estamos a falar de aspetos que acompanham a identidade da pessoa – matérias muito
importantes para a vida do indivíduo.
• Matérias que contendem fortemente com a própria identidade das pessoas.
o As matérias do estatuto pessoal caracterizam-se por serem estados, qualidades
ou situações que por afetarem a pessoa na totalidade da sua esfera jurídica,
ou um setor importante dela, o legislador de conflitos entendeu submeter a
uma legislação definida em função dos sujeitos de tais estados, qualidades
ou situações (Magalhães Collaço).
o Tem 2 ideias:
▪ princípio da conexão mais estreita – lei com que a pessoa está mais
intimamente ligada, pois afetam uma parte importante da esfera jurídica
das pessoas;
▪ princípio da personalidade dos indivíduos – primazia sistemática do
Direito Civil quanto às matérias relativas às qualidades jurídicas das
pessoas singulares e dos direitos de personalidade que gozam.

137
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

DMV: Princípio da Unidade do Estatuto Pessoal – submetem-se essas matérias a uma única lei
• Onde quer que o indivíduo atue e se encontre, aquelas matérias são apreciadas segundo
a lei do indivíduo.
o Gerar-se-ia uma grande incerteza e insegurança quanto às características que
se prendem com a sua identidade – essas características devem ser
preservadas, não sendo despojadas das suas qualidades por estarem
submetidas a outra lei, devido à Dignidade da Pessoa Humana.
o Devem sujeitar estas características a uma única lei – preocupação de assegurar
a unidade e a estabilidade do estatuto pessoal da pessoa singular onde quer que
ela se encontre, de forma a serem reconhecidos os estados e as qualidades de
que a pessoa é titular segundo a lei do país de que é originária.
• Lei pessoal é aquela que a pessoa transporta consigo onde quer que se encontre71 – Lei
pessoal tem de ser individualizada por um elemento de conexão que exprima uma ligação
íntima e estável com a pessoa ou pessoas em causa.

Legislador optou pela consagração da Lei Pessoal dada a sensibilidade das matérias, que
contendem com a identidade da pessoa – seria contrário à dignidade da pessoa cada situação
ter um enquadramento diferente consoante o Direito lá vigente
• Certas qualidades e situações jurídicas são atributos ou irradiações substanciais da
pessoa humana, que toda a Ordem Jurídica deve reconhecer na sua identidade
essencial, onde quer que ela se manifeste.
o Haroldo Valladão: DIP é o anjo da guarda do ser humano em suas viagens
através do espaço, tendo a missão de assegurar a continuidade espacial e
temporal da personalidade humana.

DMV: Este art. 25º é expressão de uma conceção personalista do Direito.


➢ Expressão no art. 1º CRP onde se estabelece que um dos objetivos fundamentais da
nossa Ordem Jurídica é assegurar o respeito pela DPH, o que é algo que o art. 25º, no
seu campo de aplicação, também visa assegurar.

DETERMINAÇÃO DA LEI PESSOAL


Opção nesta matéria não é destituída de razões políticas – muitas vezes a estrutura demográfica
dos países afeta a opção.
• Países de Emigração – lei da nacionalidade – como há muitos emigrantes, quer
preservar-se a nacionalidade.
• Países de Imigração – lei da residência habitual – como há muitos imigrantes no país é
mais fácil reger as situações por este elemento de conexão.

Lei da Nacionalidade vs. Lei da Residência Habitual (Domicílio)


Debate deste o início do séc. XIX com o surgimento das primeiras codificações de DIP.

71
Não tinha de ser assim, podia haver outras alternativas: lex fori, lei do território e etc.

138
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Princípio da nacionalidade72 foi defendido por Mancini (1851), com base no DIPúblico – a
nacionalidade constitui o fundamento e o limite da aplicação do Direito de cada Estado, porque as
leis que cada Estado edita seriam concebidas para os seus nacionais.
• Itália: lei da nacionalidade –contexto de unificação da Itália sob égide da nacionalidade.
• França: lei da nacionalidade – nos poucos artigos de DIP do código civil este era um
deles.

LP: Mas tanto a nacionalidade como o domicílio são Elementos de Conexão que, em
princípio, exprimem uma ligação estreita com a pessoa em causa e asseguram uma
continuidade das qualidades e situações jurídicas do Estatuto Pessoal.
➢ De iure condendo, justificar-se-ia a articulação das duas conexões para determinar a lei
primariamente relevante, com base em duas ideias fundamentais:
o preferência de princípio pela lei da nacionalidade e possibilidade de escolha pelo
interessado da lei da residência habitual quando esta tiver durado 5 ou mais anos.
▪ Assim, a lei pessoal seria a da nacionalidade, a menos que o interessado,
residindo por um período significativo em certo Estado, tivesse designado
o Direito desse Estado.
▪ Solução aproximada ao Código DIP Belga de 2004.

PORTUGAL: Lei da Nacionalidade (art. 31º/1)


➢ Art. 25º não tem norma de conflitos completa, pelo que para determinar a lei pessoal é
necessário conjugar esta proposição com outras disposições – é nestas disposições que
se encontra o elemento de conexão relevante.
➢ DMV: aplicação da lei da nacionalidade tem fatores muito importantes que ponderam
a favor da sua aplicação.

Tem razões políticas – preocupação de manter os emigrantes portugueses radicados no


estrangeiro ligados à Ordem Jurídica portuguesa
➢ Pois se não fosse assim a Ordem Jurídica perdia uma boa parte da sua esfera de
aplicação.

Preferência pela lei da nacionalidade é devido a uma maior estabilidade do Elemento de


Conexão, certeza, segurança e facilidade na sua concretização.
➢ Assegura uma maior continuidade das situações e dificulta a fraude à lei.

Conexão que se adequa à preocupação de preservar a identidade cultural das pessoas –


assegura a ligação do emigrante ao seu país de origem.
➢ Preserva, do ponto de vista jurídico, a sua identidade cultural.

Este preceito foi escrito em 1966


➢ Hoje em dia a realidade é diferente – adesão de Portugal à UE leva a questionar esta
solução, devido à facilidade com que se move.

72
LP: Âmbito da Lei Pessoal, através de primariamente a nacionalidade, reconhecido pelos sistemas da
família romano-germânica, é tendencialmente mais extenso que o atribuído à lei do domicilio pelos
sistemas de Common Law.

139
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Na UE, em virtude das finalidades a que ela se propõe, surgiu uma orientação
de preferir a Residência Habitual
▪ Muda o paradigma devido à mobilidade e integração europeia.

Roma III, Roma IV – têm clara preferência para a Residência Habitual


➢ Ou pelo menos dão a opção ao interessado escolher entre a lei da nacionalidade e a
residência habitual.

Dário Moura Vicente: a prazo, a opção pela lei da nacionalidade vai diluir-se até desaparecer
por completo no seio da UE – o futuro é a lei da residência habitual.

A nossa lei também dá abertura quanto à lei da Residência Habitual – art. 32º (lei pessoal do
apátrida)
➢ É muitas vezes uma conexão subsidiária
➢ Há alguns desvios à lei da nacionalidade – art. 28º, 31º/2, 47º

Em suma,
Conceito de lei pessoal do art. 25º não se define por uma só conexão.
• A lei pessoal pode corresponder a uma de várias leis, havendo várias conexões que
podem traduzir a lei pessoal.
• Portanto, o art. 25º ao remeter aquele conjunto de matérias que enuncia para a lei
pessoal, não se justifica apenas por uma opção ditada pelo respeito da DPH, explica-se
também por uma razão de economia legislativa, pois ao remeter-se para a lei pessoal
nesse e noutros preceitos, está a evitar repetir-se sistematicamente a cascata de
conexões em que se desdobra a lei pessoal.
o Só pode ser uma de várias leis, mas ao dizer-se nesses preceitos que se aplica a
certas matérias a lei pessoal, evita-se a repetição sistemática de todas essas
conexões em que se desdobra a lei pessoal.

REGRAS DE CONFLITOS QUE DIZEM RESPEITO A MATÉRIAS DO ESTATUTO PESSOAL


Art. 26º CC - Personalidade
Norma de Conflitos acerca da personalidade jurídica pois podem surgir conflitos quanto ao início
e ao termo dessa personalidade jurídica.

Atribuição da personalidade jurídica é um direito fundamental de todos os seres humanos


– art. 6º DUDH

Art. 26º tem obstáculo lógico quanto ao início da personalidade jurídica – a nacionalidade
pressupõe a personalidade jurídica, como pode falar-se de lei pessoal quando não se sabe se
existe personalidade jurídica?
➢ Recorre-se à lei pessoal hipotética ou presuntiva, i.e., lei da nacionalidade que o indivíduo
teria se tivesse personalidade.

Determinação da lei aplicável à AQUISIÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA pode ter grande


importância.

140
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Quanto ao TERMO DA PERSONALIDADE, este também pode variar de lei para lei.
• Há certas leis que têm presunções de comoriência – que variam conforme os países. Ex:
morrer primeiro o mais novo, o mais velho, todos ao mesmo tempo, etc.

• Art. 26º/2 não é norma de conflitos e é norma material de DIP

Art. 27º - Direitos de Personalidade


Atribui-se aos direitos de personalidade o conteúdo e restrições que são impostas ao seu
exercício regendo-se pela lei pessoal.
➢ Quanto à atribuição dos direitos, determina-se segundo a lei pessoal se existe um direito
geral de personalidade e quais os direitos especiais de personalidade tutelados.

Art. 27º/2: junto dos tribunais portugueses só poderão ser atuadas as formas de tutela específica
que sejam admitidas quer pela lei pessoal estrangeira quer pela lei portuguesa, o que representa
um caso de conexão cumulativa
Se a lei pessoal do indivíduo confere algo que a nossa lei não confere, então já não admitimos a
aplicação dessa lei.
➢ Ex: punitive damages – podem ser relativos a Direitos de Personalidade, mas essa forma
de tutela não pode ser admitida em Portugal

Embora o princípio da personalidade aponte no sentido da competência da lei pessoal para determinar a
atribuição dos direitos de personalidade e o seu conteúdo, a solução adotada pela maioria dos sistemas
vai no sentido de estas questões serem submetidas à lei reguladora da responsabilidade extracontratual.
➢ Vantagem de evitar o dépeçage entre a lei reguladora do direito de personalidade e a lei reguladora
da responsabilidade pela sua violação; a eficácia erga omnes dos direitos de personalidade que
reclama a utilização de Elemento de Conexão que sejam facilmente cognoscíveis por todos os
interessados; e a possibilidade de a situação envolver um conflito de direitos entre o agente e o
lesado que exige uma conexão neutra e previsível para ambas as partes.

Art. 3º RGPD – âmbito territorial do RGPD é de acordo com o Estabelecimento ser na UE


➢ Art. 3º/2 – também se aplica o RGPD e seus direitos de personalidade se os dados que
forem tratados são de pessoas que se encontrem na UE (não precisam de estar
domiciliados nem ser cidadãos – basta estarem na UE quando os seus dados pessoais
são tratados para que se aplique o RGPD; campo de aplicação extraterritorial).

Capacidade das Pessoas Singulares

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Inserida no art. 25º e abrange quer a capacidade genérica de gozo, quer a capacidade genérica
de exercício.
➢ As questões relativas à capacidade específica, legitimidade ou disponibilidade estão
submetidas à lei reguladora das relações ou situações jurídicas a que dizem
respeito, podendo ser ou não a lei pessoal.

Art. 49º tem regra especial


➢ Há desvios importantes à aplicação da lei pessoal à capacidade: art. 28º, 31º/2, 47º, 13º
Reg Roma I

LIMITES À COMPETÊNCIA DA LEI PESSOAL


Art. 31º/2 CC
LP: Contém desvio ao princípio da nacionalidade em matéria de estatuto pessoal para reconhecer
a validade de negócios jurídicos celebrados no país da Residência Habitual, em conformidade
com a lei deste país, quando esta se considera competente.
➢ Tutela-se a confiança do contratante73, que realizou um Negócio Jurídico em certo país
e confiou que este era válido em Portugal, pois à luz desse outro país era válido – tutela-
se a confiança que se pode ter formado no espírito da pessoa no sentido de que o
negócio seria válido porque ele observou as prescrições do país onde reside
habitualmente.
o Apesar de cá ser inválido, devido a essa legítima expetativa do interessado,
então vai se aceitar.
o Todos os Negócio Jurídicos do estatuto pessoal74, se forem celebrados
validamente no país estrangeiro, então vão admitir-se em Portugal.

Artigo a pensar nos emigrantes.


➢ DMV: Seria uma violência não reconhecer quaisquer efeitos desse Negócio Jurídico, pois
foram celebrados de boa fé, confiando na aplicação da lei do país da Residência
Habitual, logo, é razoável que em determinados Estados seja reconhecido o Negócio
Jurídico celebrado.

Condições de aplicação/Pressupostos de Aplicação:


0. Negócio Jurídico inválido segundo lei pessoal
1. Negócio Jurídico celebrado em país estrangeiro da Residência Habitual do declarante
• DMV: interpretação extensiva – pode ser celebrado num país em que a pessoa
estava de passagem, mas, para o Negócio ser válido tem de ser celebrado de
acordo com a lei da sua Residência Habitual, sendo lá válido
2. Negócio Jurídico válido perante a lei da Residência Habitual
• DMV: interpretação extensiva – pode ser a lei da Residência Habitual a remeter
para outro Estado;
• Aquilo que importa não é tanto a lei de acordo com a qual o Negócio foi
celebrado, mas sim que o negócio seja eficaz no país da Residência Habitual;

73
Ratio da norma: favor negotii (Magalhães Collaço); princípio dos direitos adquiridos (Ferrer Correia).
74
NAP: art. 31º/2 fala sobre Negócios Jurídicos do estatuto pessoal (já constituídos no estrangeiro =
“reconhecidos”) – estamos no âmbito de determinação do estatuto pessoal.
➢ Magalhães Collaço admitia extensão a outros

142
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Mesmo através do seu DIP, deve admitir-se que se aplicou a Lei da Residência
Habitual e isto é admissível;
3. Lei da Residência Habitual considera-se competente
• Temos de consultar normas de conflitos desse país e ver se ela se considera
competente (mesmo que não seja a título da residência habitual);
• Vontade de aplicação da lei pode resultar das Normas de Conflitos mas também
das Normas sobre Reenvio.

LP: Pela interpretação de Ferrer Correia (à luz dos Direitos Adquiridos), ainda se permite a
aplicação do art. 31º/2 em casos que não estão contemplados na letra do preceito:
A. Situação constitui-se num 3º país mas segundo a lei da residência habitual, sendo essa
situação reconhecida pela Ordem Jurídica do Estado da residência habitual;
B. Situação constitui-se segundo a lei de 3º país, caso o DIP do Estado da residência habitual
também aplique essa lei;
C. Situação constitui-se por decisão judicial proferida em 3º país e reconhecida no Estado da
residência habitual.

FC defende que no caso de reconhecimento de uma situação constituída no estrangeiro em


conformidade com a lei de um país que não se considere competente, mas que é aplicada
pelo Direito de Conflitos da residência habitual ou da nacionalidade, se deve aceitar a
transmissão de competência.
➢ Interpretação extensiva e aplicação analógica do art. 31º/2
o Toda a doutrina admite um caso de transmissão de competência

LP: art. 31º/2 é uma manifestação do princípio do favor negotii, estreitamente ligada à
proteção da confiança depositada pelos interessados na lei da residência habitual quanto
aos atos aí praticados.

Admite aplicação analógica do art. 31º/2 em 2 casos:


A. Situação constitui-se no país da residência habitual segundo outro Direito, que se
considera competente e que é o aplicável segundo o Direito de Conflitos da residência
habitual;
B. Situação constitui-se num terceiro país com base na lei da residência habitual que se
considere competente ou com base na lei de um terceiro ordenamento que se considere
competente e seja válido à face do DIP da residência habitual.

Resultado é semelhante à Escola de Coimbra mas metodologicamente diferente.


➢ DMV: concorda, como resulta do anteriormente exposto

Art. 28º CC | Art. 13º Roma I


Art. 28º CC é disposição superada, praticamente na íntegra, pelo art. 13º Reg Roma I – campo
de aplicação é praticamente inexistente

Portanto,
Art. 13º Roma I – regra que tem amparo na jurisprudência francesa (caso Lizardi, 1857)

143
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Em vez da lei pessoal manda aplicar-se a lex loci actus – lei do local da celebração
➢ Estabelece uma conexão especial com a lei do lugar da celebração em matéria de
capacidade.

Este limite à competência da lei pessoal fundamenta-se na proteção da confiança da


contraparte e na segurança do comércio jurídico local.
➢ Tutela-se a confiança do co-contratante (declaratário) que confiou na validade daquele
negócio, pois ele era capaz de acordo com a lei local.
o Nos contratos celebrados no comércio jurídico local deve ser protegida a
confiança depositada por um dos contraentes na capacidade do outro contraente,
quando este contraente é capaz segundo o Direito local.
▪ Em princípio, não é de exigir que quem contrata com um estrangeiro,
capaz segundo a lei local, faça depender a decisão de contratar de uma
indagação sobre o disposto, em matéria de capacidade, pelo Direito
estrangeiro.
▪ Não é exigível ao co-contratante que se informasse, na altura da
celebração do negócio, a respeito do teor da lei pessoal desse indivíduo,
pois nessas situações essa incapacidade não deve poder ser invocada
o Já não há uma confiança merecedora de proteção se a contraparte tem ou deveria
ter conhecimento da incapacidade.

Normas que visam tutelar a aparência no comércio jurídico internacional – fomenta a certeza e
segurança no comércio jurídico internacional.

Art. 47º
Está em causa a capacidade genérica e contém uma remissão condicionada ao Direito
Estrangeiro: a lei da situação da coisa será aplicada à capacidade desde que reclame
aplicação.

Concessão à lex rei sitae fundamenta-se no princípio da maior proximidade.


➢ A lei da situação do imóvel está em posição privilegiada para impor o seu ponto de vista
sobre a solução do caso.
➢ Manda-se aplicar a lex rei sitae devido à efetividade das decisões judiciais.
o A decisão pode ter de ser coativamente executada no país da situação do bem
imóvel – é lá que se verifica a ligação mais forte pois é lá que está o imóvel.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Tendo a decisão que se ser executada (e reconhecida) no Estado do imóvel,


temos a garantia que esta é reconhecida, pois coaduna-se com a lei local.

LP: Fundamento tem alcance limitado – a aplicação da lex rei sitae à capacidade não é uma
condição necessária ao reconhecimento de uma sentença estrangeira quando no Estado da
situação do imóvel vigora um sistema de reconhecimento de sentenças estrangeiras
essencialmente formal; e também não é uma condição suficiente quando, como sucede entre nós,
os tribunais do Estado da situação do imóvel reclamam competência exclusiva para as ações
relativas a direitos imobiliários.

DMV: este artigo diz mais do que queria dizer


Se não se estabelecer o requisito de observar a lei local, então não há nenhum sentido em se
aplicar este artigo à capacidade.
Portanto um dos requisitos é que a lei local, para reconhecer a sentença, exija a aplicação da
lei local.
➢ Leitura restritiva DMV: muitos sistemas jurídicos não exigem como condição do
reconhecimento das sentenças estrangeiras que o Tribunal que proferiu a decisão tenha
aplicado a lei que é competente de acordo com as normas de conflitos vigentes no país
onde o reconhecimento é invocado.
o Se o bem imóvel que está em causa se estabelece num país que não faça esta
exigência, então não se exige que o tribunal português que aplicou a lex rei sitae
afira a capacidade da pessoa em questão para dispor do Direito Real pela lex rei
sitae.

Lei local tem de se considerar competente e aplicar-se ao caso concreto – temos de consultar o
Direito de Conflitos dessa lei.
➢ Mais um caso em que ao fazer funcionar desvios à lei pessoal temos de considerar a
aplicação do DIP estrangeiro.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei Pessoal das Pessoas COLETIVAS


Lei Pessoal é a lei que regula a constituição, vida/funcionamento e extinção das pessoas
coletivas.
➢ Não se confunde com o reconhecimento da pessoa coletiva – saber as condições em que
se admite uma pessoa coletiva estrangeira exercer atividade em Portugal.

Na UE, não existe um estilo americano em que as diferenças dos Estados são profundamente
diferentes, mas, por força do TJUE temos chegado a esse nível.

Interesses em causa:
• Interesses da pessoa coletiva e de todos os que a constituem – interesses na unidade
e estabilidade da lei aplicada à pessoa coletiva; para não haver leis que estabeleçam
situações contrárias e seja aquela que melhor se adeque às finalidades prosseguidas.
• Interesses do tráfico jurídico e das pessoas que contratam com a pessoa coletiva –
nomeadamente dos credores da pessoa coletiva (se a pessoa coletiva estiver sujeita a
uma lei diferente da do país onde exerce a sua atividade, que os credores não
conhecem, podem existir restrições).
o Também se podem equacionar os interesses dos trabalhadores da pessoa
coletiva.
• Interesses da soberania do Estado – lei do Estado quer aplicar-se às sociedades que
operam no seu país.
• Interesses do mercado único europeu
• Interesses dos sócios minoritários e investidores

Art. 33º/2 e 38º contêm uma enumeração não taxativa das matérias que integram o estatuto
pessoal das pessoas coletivas.

Ideia de simetria entre o estatuto pessoal dos indivíduos e o estatuto pessoal das pessoas
coletivas não é comum a todos os sistemas.
➢ Mesmo no nosso sistema a analogia é bastante limitada – além das questões da
aquisição e perda da personalidade, bem como da capacidade, que se colocam por
forma análoga, o âmbito do estatuto da pessoa coletiva abrange essencialmente
matérias específicas das pessoas coletivas, que não encontram paralelo no estatuto
pessoal dos indivíduos (matérias relativas a: constituição da pessoa coletiva, questões
estatutárias, autonomia patrimonial, relações externas, transformação e dissolução).

As pessoas coletivas internacionais (art. 34º) distinguem-se das restantes pessoas coletivas
(pessoas coletivas estaduais).
➢ Critério da distinção não é pacífico.
o LP: o ponto de partida para a distinção é o critério da fonte da personificação.
▪ Serão pessoas coletivas internacionais aquelas que adquirem a
personalidade jurídica por força da ordem jurídica internacional e
estaduais as que adquirem a personalidade jurídica por força da
ordem jurídica estadual.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

PESSOAS COLETIVAS ESTADUAIS


Para determinação do estatuto da pessoa coletiva formularam-se diversos critérios.
O debate surge entre a:
1. Teoria da Constituição/Incorporação – aplica-se à pessoa coletiva a lei do Estado onde
essa pessoa se criou. Pessoa coletiva é regida pela ordem jurídica segundo a qual se
constituiu.
• Conceção dominante na maior parte dos sistemas jurídicos, estando
tradicionalmente consagrada nos sistemas de Common Law – Inglaterra,
Holanda, Suíça
• Pressupõe que no processo constitutivo intervenham órgãos públicos que aplicam
necessariamente o direito lugar – é decisivo o lugar em que são praticados os
atos que desencadeiam a atribuição da personalidade coletiva.
• Favorece a autonomia privada de escolher com base em que lei se vai reger certa
pessoa coletiva.
• É o que aprece decorrer dos art. 48º a 55º TFUE – beneficiam das liberdades
desde que tenham aparecido num Estado-membro.
• Críticas: Cria-se à luz de certo direito mas depois tem a sede estatutária noutro
país; Pode criar-se à luz de certo direito e exercer a sua atividade ao abrigo de
outra – a pessoa coletiva não tem conexão nenhuma com a lei com que se criou

2. Teoria Estatutária – lei que vem identificada no pacto social ou nos estatutos como sede
• França
• Lei mais fácil de identificar – os terceiros que contratam com a pessoa coletiva
têm acesso aos estatutos desta, conseguindo descobrir a que lei está submetida
• Crítica: se pessoa coletiva desenvolve a sua atividade noutro país, então não
tem conexão com a lei da sua sede – muitas vezes, a sede estatutária é apenas
uma caixa postal, e não corresponde ao país onde efetivamente exerce a sua
atividade.
• Há muita jurisprudência do TJUE sobre a sede estatutária – tese em vias de
extinção

3. Teoria da Sede Real/da Sede (da Adminsitração) – lei pessoal da pessoa coletiva é onde
se encontra situada a sede da administração
• Alemanha, Áustria, Portugal
• Lei do país onde a pessoa tem a sua sede principal e efetiva-se a sua
administração;
• É o lugar onde está o centro de decisão da sociedade;
• Lugar da administração/direção da pessoa.
i. Abstrai-se, aparentemente, do Direito segundo o qual a pessoa coletiva
se constituiu e da sede estatutária.
ii. Surge associada a uma ideia de coincidência entre a sede estatutária e a
sede da administração – verificando-se, esta teoria reconduz ao mesmo
resultado que a teoria da constituição, pois em regra a pessoa coletiva
tem sede estatutária no país em que se constituiu.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

iii. Quando há divergência entre a sede estatutária e a sede da


administração, prevalece a sede da administração.
o Determinação da sede da administração pode suscitar
dificuldades: normalmente situa-se no lugar onde normalmente
se forma a vontade dos órgãos de direção, i.e., o lugar onde se
reúnem os administradores e onde as assembleias de membros
são realizadas.
o Se os órgãos da pessoa coletiva funcionam em diferentes países
a lei competente é a do país onde está o centro de decisão
superior e final.
o Entende-se que a sede da administração é o lugar onde as
decisões fundamentais da direção são convertidas em atos de
administração corrente.
o A determinação da sede da administração também suscita
dificuldades quando as decisões da administração forem
tomadas por administradores localizados em diversos países
através dos modernos meios de comunicação.
• Apesar da desmaterialização, tem sido possível encontrar o centro de decisão da
pessoa coletiva – é onde reúne o órgão que toma decisões relevantes para a
pessoa ou onde estão estabelecidos os contratos com a pessoa.
i. Nuance introduzida na Alemanha: a sede real não será propriamente o
lugar onde é exercida a direção da pessoa coletiva mas sim o lugar onde
as decisões fundamentais da direção da empresa se traduzem em atos
de gestão corrente – não basta o local de deliberação de um órgão da
pessoa coletiva
• Críticas: desmaterialização das sociedades; incerteza quanto à aplicação da lei
pessoal (pode criar dúvidas perceber onde está a sede efetiva, pois pode mudar
se os sócios se reunirem em sítios diferentes); este Elemento de Conexão não é
facilmente cognoscível por todos os interessados; riscos quanto a manipulação
do Elemento de Conexão em causa; riscos de tutela da confiança

No momento da constituição das pessoas coletivas não faz sentido colocar em alternativa a teoria
da sede à teoria da constituição – ao constituírem-se elas têm sempre de observar o Direito do
Estado em que se constituem, pois intervêm órgãos públicos que aplicam o Direito local.

A teoria da sede não põe isto em causa. Mas como a constituição da pessoa coletiva vem a
ser apreciada, a posteriori, segundo o Direito da sede da administração, a pessoa coletiva
tem, em princípio, de estabelecer a sede da administração no Estado em que se constituiu.
A teoria da constituição não fornece qualquer critério para a determinação do Direito aplicável
aos entes que se constituem sem intervenção de órgãos públicos, quer sejam ou não suscetíveis
de personificação.

LP: de iure condendo defende a teoria da constituição, pois exprime melhor o princípio da
autonomia privada, projetando-se no plano de liberdade de escolha do Estado de

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

constituição da pessoa coletiva. Favorece a validade do ente coletivo. Promove a certeza


jurídica, uma vez que o conceito designativo da conexão é inequívoco.
➢ Pode contrapor-se o argumento que neste domínio não deve atuar a autonomia da
vontade, porque estão em causa os interesses de terceiros e do comércio jurídico em
geral.
o LP: mas a teoria da sede também não assegura – os terceiros que entram em
contacto com a pessoa coletiva fora do país da sede da administração têm de
indagar do lugar da sede da administração, consultar o registo aí organizado e
averiguar o conteúdo do Direito aí vigente.

Defende teoria atenuada da constituição, que exclui a aplicação do Direito da constituição às


pessoas coletivas peudo-estrangeiras (exerce a sua atividade num determinado Estado mas
constituiu-se noutr diferente) e admite conexões especiais bem delimitadas com o Direito do
Estado onde a pessoa coletiva desenvolve a sua atividade e com o Direito de outros Estados onde
a pessoa coletiva celebra negócios jurídicos.

Direito Aplicável à CONSTITUIÇÃO de Pessoas Coletivas


→ Aplica-se o Direito local
o Estados que adotam a Teoria da Constituição essa solução decorre da Norma
de Conflitos.
o Estados que adotam a Teoria da Sede não têm Norma de Conflitos que
expressa essa fundamentação da prática dos órgãos públicos. Mas não há
dúvida que os órgãos públicos se consideram vinculados à aplicação do Direito
Local.

No Direito Português vigora uma norma de conflitos segundo a qual é aplicável à


constituição das pessoas coletivas o Direito do lugar da constituição, no sentido de Direito
do Estado onde são realizados os atos de constituição em que intervêm órgãos públicos.
➢ Se não intervirem órgãos públicos, o Direito aplicável à constituição é o Direito regulador
do ato constitutivo ou do contrato de sociedade.

Mas legislador não inclui a constituição da pessoa coletiva entre as matérias que integram
o âmbito de aplicação do Direito da sede do art. 33º/2.
• O ente coletivo constituído segundo um Direito estrangeiro pode estabelecer a primeira
sede da administração em Portugal – se sociedade pode transferir a sede da
administração para Portugal, mantendo a sede estatutária no estrangeiro, não se vê razão
para não poder estabelecer desde o início a sede da sua administração no nosso país
(mesmo que não se constitua cá nem à luz do nosso Direito).
• Pode aplicar-se analogicamente o art. 3º/3 CSC

Direito Aplicável ao ESTATUTO PESSOAL de Pessoas Coletivas


Âmbito Material de aplicação do 33º/1 e até do 3º CSC:
➢ art. 33º/2 – quais as matérias que a lei pessoal da pessoa coletiva rege
o DMV faz esta analogia do art. 33º/2 às Sociedades Comerciais

149
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Representação orgânica da pessoa coletiva – art. 38º CC


➢ Regras que não existem nos CSC mas não se percebe bem porquê

Lei pessoal da pessoa coletiva também rege a emissão e a forma de emissão de ativos mobiliários
– art. 39º e 40 CVM

Associações, Fundações, Sociedades Civis (de Advogados) e etc.


→ Art. 33º CC

Consagra a Teoria da Sede Efetiva – argumento principal é aplicar o Direito português às pessoas
que funcionam em Portugal.
• LP: Há presunção de que a sociedade tem a sede da administração no Estado da sede
estatutária.
o Por força desta presunção, na falta de demonstração de que a sede da
administração se situe noutro Estado, é aplicável o Direito da sede
estatutária que coincide, como se assinalou, com o Direto da sua
constituição – teoria da sede atenuada, que permite minorar a incerteza jurídica.
• Deve entender-se que as pessoas coletivas de Direito público não são abrangidas por
este preceito – para estas vale a teoria da constituição.

Sociedades Comerciais
→ Art. 3º CSC

Nº1/1ª parte = art. 33º/1


Nº1/2ª parte – tenta tutelar a confiança das pessoas que contratam com a sociedade75. É Norma
de Conflitos Unilateral.
• Problema de pessoa coletiva que em Portugal teria capacidade mas segundo a sua lei
pessoal é incapaz – é mais problemático que as pessoas singulares porque mesmo
olhando para os estatutos pode não haver como saber qual é a sua lei pessoal.
• Impede-se que a sociedade que tenha em Portugal a sede estatutária de opor a
terceiros a lei estrangeira da sede da administração.
o Solução inspirada pelo Direito Francês – traduz um certo favorecimento à lei
portuguesa
▪ LP: Concessão à tese estatutária para tutela de terceiros – inspirada na
lei francesa que encara esta solução como uma aplicação da teoria da
aparência.

Legislador português também tentou tutelar a confiança depositada por terceiros na competência
da lei portuguesa a título de sede estatutária.
➢ LP: deve interpretar-se como o Direito português da sede estatutária é o aplicável
nas relações com terceiros, a menos que estes tenham razão para contar com a
aplicação do Direito da sede da administração – protege a confiança de terceiros na

75
Marques dos Santos: esta é uma conexão optativa, tendo em conta o art. 3º/1/1ª parte – lei aplicável
depende da escolha de alguém (normalmente do interessado).

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

competência da lei local, a título de lei da sede estatutária e não a de criar vantagem para
terceiros, mediante faculdade de opção entre leis.
o Teleologia da Norma é a proteção da confiança, portanto só se pode aplicar se
houver uma expetativa legítima a ser tutelada

Esta norma é bilateralizável? Ou seja, aplica-se a casos com sede estatutária num país e sede
real e efetiva noutro?
• Moura Ramos, Marques dos Santos: art. 3º/1/2ª parte não é bilateralizável
o Favorecimento do Direito Português – intuito da norma é o de alargar o âmbito
de aplicação no espaço do Direito Português.
• Ferrer Correia: art. 3º/1/2ª parte é bilateralizável – sendo o fundamento a tutela da
confiança de terceiros, não há obstáculo à bilateralização.
o Proposta é bilateralizar esta norma – Sociedade Comercial que tem sede
estatutária num país estrangeiro não pode opor a terceiros uma solução
diferente da aquele país estrangeiro
▪ DMV e LP: teleologia da norma não justifica um unilateralismo que só
salve a lei portuguesa.
➢ LP: por via desta bilateralização, o Direito da sede da
administração só é aplicável às relações externas nos casos em
que, tendo sido demonstrado que a sede da administração está
situada fora do Estado da sede estatutária, os terceiros em causa
devem contar com a competência do Direito da sede da
administração76.
• Restrições DMV à bilateralização:
o Na lógica do art. 28º CC e 13º Roma I – a pessoa que contrata com a pessoa
coletiva só está protegida se desconhecia que havia uma sede principal e efetiva
noutro país.
▪ Tem de haver expetativa digna de tutela jurídica – os terceiros têm de
contar com a aplicação da lei da sede estatutária, tendo uma expetativa
legítima a ser tutelada.
➢ Tem de haver uma expetativa mesmo quanto ao afastamento
da lei portuguesa (o que altera um pouco o teor literal do artigo
que à partida não se aplica isto quando à lei portuguesa).
o Tem de haver a mesma vontade de aplicação do Direito Estrangeiro – só se
aplica esta regra se no país estrangeiro houver um equivalente a este artigo.
Ideia de reciprocidade
▪ Remissão para lei estrangeira é condicionada – esse direito estrangeiro
da sede estatutária tem de se considerar competente.
▪ Isto favorece o princípio da harmonia internacional.
▪ LP: não faz esta restrição

76
NAP: problema da bilateralização é que a aplicação analógica do art. 3º/1/2ª parte só se justificaria se
houvesse lacuna. Mas, aqui não há lacuna pois se não se aplicar a 2ª pare, aplica-se a 1ª.
➢ Autores fazem interpretação restritiva à luz da teleologia da norma.
➢ Tendo em conta a teleologia da norma, afasta-se o art. 3º/1/1ª parte – essa não é a melhor
conexão para tutelar os terceiros e daí não se aplica.
o Não se aplicando, não há norma e tem de haver um preenchimento analógico pelo art.
3º/1/2ª parte.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Limitado à capacidade (analogia art. 28º CC e 13º Roma I)


• Muitas vezes é expandido para soluções do art. 33º CC

Há regras de conflitos próprias quanto às pessoas coletivas que são instituições financeiras
• Há regras especificas porque há princípio da tipicidade quanto às instituições
financeiras.
• Neste caso, art. 14º RGICSF parece que dá relevância à sede estatutária

“Sociedades” da UE
Art. 54º TFUE: sociedades europeias, em sentido lato, são todos os entes coletivos que realizam
uma atividade económica constituídos em conformidade com a legislação de um Estado-
Membro e que tenham a sua sede social, administração ou estabelecimento principal na UE.
• Deste artigo apenas resulta a conexão entre a sociedade e a UE, pressuposta pela
atribuição do direito de estabelecimento; não resulta a consagração da teoria da
constituição em matéria de personalidade jurídica da sociedade.

TJUE tem consagrado uma série de limites à atuação das normas de DIP em conexão com o
exercício do direito de estabelecimento.
➢ Veio discutir a ideia de lei pessoal de sociedades com a sede efetiva num certo Estado-
membro e sede estatutária noutro.

Centros (1999) – um Estado-Membro não pode recusar o registo de uma dita “sucursal” de uma
sociedade constituída em conformidade com a legislação de outro Estado-Membro, no qual tem
a sede estatutária, mesmo quando segundo o DIP do primeiro Estado-Membro fossem aplicáveis
as suas normas sobre a constituição de um sociedade, uma vez que se tratava de uma sociedade
interna que, em fraude à lei, fora constituída no estrangeiro – seria uma restrição à liberdade
de estabelecimento.
• TJUE permitiu que Tribunais da Dinamarca podem sancionar a fraude à lei e essas
exigências dos países não podem significar que se limita a liberdade de estabelecimento
das pessoas coletivas.
• A ideia é que se pode fazer pessoa coletiva num Estado-membro que atue noutro.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Überseering (2002) – exercício da liberdade de estabelecimento pressupõe necessariamente o


reconhecimento da personalidade jurídica da sociedade constituída em conformidade com o
Direito de outro Estado-Membro, onde tem a sua sede estatutária, em qualquer Estado-
Membro em que pretende estabelecer-se.
• Tal como reafirmado por Cadbury Schweppes (2006) e Vale (2012), cada Estado-
Membro tem a obrigação de reconhecer a personalidade jurídica da sociedade que se
constituiu segundo o Direito de outro Estado-Membro e que pretende instalar-se para
o exercício de uma atividade económica no seu território.

Inspire Art (2003) – as razões pelas quais a sociedade foi constituída num Estado-Membro, bem
como a circunstância de ela exercer as suas atividades exclusiva ou quase exclusivamente noutro
Estado-Membro, não a privam do direito de invocar a liberdade de estabelecimento garantida
pelo TFUE, a menos que se demonstre, caso a caso, a existência de um abuso.

A jurisprudência do TJUE não impõe, como regra geral sobre a determinação do estatuto pessoal
das “sociedades” europeias, a teoria da constituição.
➢ LP: O que decorre desta jurisprudência é uma série de limites à atuação das normas
de DIP em conexão com o exercício do direito de estabelecimento.
o Estes limites atuam com respeito às regras de conflitos que vigorem na ordem
jurídica do Estado-Membro em que essas sociedades exercem ou pretendem
exercer o direito de estabelecimento.

Em suma:

153
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

LP: De iure condendo a solução mais conveniente à luz dos valores e princípios do DIP e mais
favorável ao comércio intraeuropeu seria a consagração, pelos Estados-Membros, de uma teoria
atenuada da constituição.
➢ Esta conceção faria com que as sociedades fossem regidas pela ordem jurídica segundo
a qual se constituíram, mas com exclusão das sociedades pseudo-estrangeiras e com
aplicação de certas normas do Direito do Estado onde a pessoa coletiva desenvolve a
sua atividade com vista a tutelar a confiança de terceiros.

DMV: Principio de concorrência na UE também já está a ser semelhante aos EUA


• Pessoas coletivas podem escolher o país onde se constituem – liberdade
estabelecimento
• Normas imperativas do país não podem restringir estas liberdades
• Liberdade de estabelecimento europeia é teoria da incorporação – art. 54º TFUE

LIMITES à Competência da Lei Pessoal


Capacidade Jurídica
Limite que resulta de uma aplicação analógica das disposições que atribuem relevância à lei do
lugar da celebração em matéria de capacidade dos indivíduos.
➢ Questão foi discutida pela doutrina perante o art. 28º CC
o Ferrer Correia, Baptista Machado e Marques dos Santos: princípio do art. 28º
deve valer para as pessoas coletivas e para as organizações de pessoas e bens
não dotadas de personalidade jurídica
o Magalhães Collaço: art. 28º diz respeito apenas aos atos anuláveis com
fundamento em incapacidade de exercício e os atos da pessoa coletiva podem
estar viciados por falta de capacidade de gozo, o que não é equivalente a mera
incapacidade de exercício.
▪ LP: os limites colocados pelo princípio da especialidade em matéria de
fins e objeto das pessoas coletivas são encarados pela doutrina
dominante como incapacidades de gozo que geram a nulidade do ato.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Mas pode admitir-se analogia ao art. 13º Reg. Roma I – as pessoas que contratam no comércio
jurídico local carecem de proteção seja perante pessoas singulares estrangeiras seja face a
pessoas coletivas de estatuto pessoal estrangeiro.
• Art. 1º/2/f Roma I obsta à aplicação direta do art. 13º mas não à aplicação analógica,
que é metodologicamente justificada, e que não entra em contradição com outras
fontes supraestaduais.
o Aplicação analógica justifica-se perante limites colocados pela lei, estatutos
sociais, deliberações sociais e etc. que tenham por objeto os fins que a pessoa
coletiva pode prosseguir e os atos que os órgãos da pessoa coletiva pode
praticar.
o É indiferente que estes limites sejam ou não qualificados como incapacidades.

Em suma, pode afirmar-se que o domínio de aplicação da lei pessoal é limitado pela competência
atribuída à lei do lugar da celebração do contrato.

Sociedades: também têm o limite que diz respeito ao exercício da atividade por sociedades de
estatuto pessoal estrangeiro.
• Sujeita-se a sociedade de estatuto pessoal estrangeiro, que desenvolva atividade em
Portugal com certo grau de permanência, a determinadas exigências e impõe-se, para o
caso de incumprimento, um determinado regime de responsabilidade pelas dívidas
sociais – art. 4º CSC.
• Protege os interesses de terceiros no comércio jurídico local.
• Estas são normas de Direito material especial, contendo um regime específico para a
atividade local das sociedades de estatuto pessoal estrangeiro – é um complemento
necessário ao Direito de Conflitos para a proteção de terceiros.

RECONHECIMENTO da Pessoa Coletiva de Estatuo Pessoal Estrangeiro


Tanto da personalidade jurídica atribuída pela lei pessoal estrangeira, como a capacidade
funcional específica, que é a medida em que a pessoa coletiva pode exercer a sua atividade
social, designadamente a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços.

Reconhecimento Automático – dispensa intervenção de ato das autoridades locais


Reconhecimento Individual – intervém ato das autoridades locais

Em regra, em Portugal há reconhecimento automático e a lei não faz depender o


reconhecimento da personalidade jurídica da verificação de condições fixadas pelo Direito
material interno.

“NACIONALIDADE” da pessoa coletiva


Doutrina portuguesa sublinha a autonomia do conceito de nacionalidade e de estatuto pessoal.

Nacionalidade é irrelevante para a determinação do estatuto pessoal da pessoa coletiva.


• Atribuição de nacionalidade faz com que indivíduos adquiram estatuto de cidadania, de
membros do Estado, com os correspondentes direitos de participação política.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• As pessoas coletivas não são cidadãos de um Estado, não gozam deste estatuto jurídico-
político.

Nacionalidade só tem papel quanto à aplicação das normas de Direito dos Estrangeiros e à
proteção diplomática.
• Para saber se se aplica proteção diplomática temos de ter em conta certos tratados de
DIPúblico.
• TIJ, Barcelona Traction, 1970 – discutia-se a nacionalidade e não a sede
• Nacionalidade é critério residual que pode desempenhar um papel no tocante à
proteção diplomática – só pode haver proteção diplomática pelo Estado de que a
pessoa coletiva é nacional.

Art. 110º CCom foi revogado pelo CSC – tinha norma de atribuição de nacionalidade portuguesa
às sociedades com sede social efetiva em Portugal e foi revogado pelo art. 3º CSC que dispõe
sobre o estatuto pessoal e não sobre a nacionalidade.
➢ Normalmente descobre-se com a teoria da incorporação e teoria da sede estatutária

TRANSFERÊNCIA e FUSÃO Internacional


Transferência Internacional da Sede
Casos em que a pessoa coletiva se constituiu num Estado e desencadeia uma mudança da sua
lei pessoal.
• Transferência da sede de um Estado para outro não implica a extinção da sede anterior
e constituição de uma nova sede – seria gravemente lesivo para os interesses da pessoa
coletiva e dos seus membros.
o Pode ser transferência de estrangeiro para Portugal ou de Portugal para o
estrangeiro.
o Em ambos os casos há princípio de manutenção de personalidade jurídica
o Vindo para Portugal é exigido conformação dos estatutos com a lei portuguesa
– problema é se as exigências em Portugal podem ser elas uma restrição
• Hoje há suscetibilidade de persistência da personalidade jurídica da pessoa coletiva que
transfere internacionalmente a sede da sua administração – art. 33º/3 CC e 3º/2 e 4
CSC

Art. 33º/3 consagra conexão cumulativa simples: personalidade jurídica só persiste se ambas
as leis o admitirem77.

Art. 3º/2 CSC admite a manutenção da personalidade jurídica da sociedade comercial que
transfira a sede da sua administração do estrangeiro para Portugal ou de Portugal para o
estrangeiro.
➢ Há mais requisitos nos números seguintes (nº 2 a 6).

77
Artigos que exigem algo que jurisprudência TJUE não permite – conexão cumulativa em que ao mudar
de país para outro tem de respeitar a lei dos 2 países
➢ Isto é suscetível de criar restrições às liberdades de estabelecimento, mas, à partida é conexão
cumulativa.

156
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

LP: deve partir-se da presunção de que a transferência da sede estatutária é acompanhada da


transferência da sede da administração.
➢ Isto explica o silêncio do legislador em relação à transferência internacional da sede
estatutária.

TJUE, Überseering – “sociedades” europeias mantêm a personalidade e capacidade jurídicas


adquiridas segundo o Direito do Estado-Membro da constituição em caso de transferência
internacional da sede da administração.
➢ Não é compatível com a obrigação de reconhecimento do art. 3º/2 CSC
o LP discorda: a obrigação de reconhecer a personalidade jurídica e a capacidade
genérica da sociedade que se constituiu segundo o Direito de um Estado-
Membro, quando esta sociedade pretende instalar-se, para o exercício de uma
atividade económica, noutro Estado-Membro, recai somente no Estado-
Membro de acolhimento

O dever de conformar o contrato social com a lei portuguesa é compatível com a obrigação de
reconhecimento – é uma consequência lógica da sujeição da sociedade à lei portuguesa, que é
desencadeada pela transferência da sede.
➢ É compatível com DUE e foi confirmado pelo TJUE em Cartesio (2008) e Vale (2012).

Fusão Internacional
Art. 33º/4
LP: não resulta deste artigo que as leis pessoas de todas as pessoas coletivas participantes
tenham de ser aplicadas cumulativamente a todos os aspetos da fusão.
➢ Apenas tem de se tomar em consideração as leis pessoais de todas as sociedades
envolvidas, levando a uma aplicação distributiva ou cumulativa.
➢ Surge uma pessoa coletiva nova que fica com uma só sede nos estatutos e uma só sede
efetiva e principal.

PESSOAS COLETIVAS INTERNACIONAIS


São pessoas coletivas internacionais as que são personificadas pela ordem jurídica
internacional.
➢ É também este o conceito de pessoa coletiva internacional relevante para o DIPúblico.

Devido ao sistema de receção automática do DIPúblico (art. 8º/2 e 8º/3 CRP), a pessoa coletiva
internacional instituída por tratado celebrado pelo Estado português ou por deliberação dos
órgãos de organizações internacionais de que Portugal seja parte (nos termos dos tratados
constitutivos) goza na ordem jurídica interna da personalidade jurídica que resultar do ato de
Direito Internacional.
➢ Se Portugal não for parte, a pessoa coletiva não é reconhecida na ordem interna.

Se a pessoa coletiva é reconhecida na ordem jurídica interna por força de um ato de DIPúblico,
há que respeitar o disposto nesse ato sobre o regime aplicável ao estatuto pessoal.

Também pode haver entes coletivos cujo estatuto seja primariamente definido pelo Direito da
União Europeia – AEIE, SCE, AECT – faculdade de constituir entes coletivos resulta de um regime
optativo de Direito material especial de fonte europeia.

157
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Regulamento 2157/2001 – tem pouca aplicação


• Regulamento 2015/848 – regulamento das insolvências internacionais

Se a pessoa coletiva internacional não é reconhecida na ordem interna por força de um ato de
DIPúblico, aplica-se, à determinação do seu estatuto pessoal, o Direito de Conflitos de fonte
interna.
→ Art. 34º CC – lei pessoal é a designada no ato que as criou ou, na falta, do país onde
estiver a sede principal.
o Essa lei pode ser um Direito estadual ou o próprio DIPúblico

Para efeitos do art. 34º, pessoa coletiva internacional, ao remeter para a “convenção”, tem em
conta as pessoas coletivas criadas por Convenção Internacional: ONU, UE, Banco Mundial, FMI
e etc.
➢ As sociedades transnacionais (multinacionais), que prosseguem um escopo lucrativo,
não estão submetidas ao art. 34º, mas sim aos art. 33º CC e 3º CSC.

158
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei Reguladora das OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS


Qualificação de uma relação como obrigação contratual deve ser baseada numa interpretação
autónoma do conceito.
➢ Sempre que haja uma obrigação assumida por um compromisso de uma parte
perante a outra.
o Mesmo se for um negócio jurídico unilateral (TJUE, Engler, 2005).

REGULAMENTO ROMA I deve abranger a generalidade das obrigações voluntárias78


3 âmbitos de Aplicação:
MATERIAL – art. 1º
i. Delimitação positiva: o que entra dentro do regulamento – obrigações contratuais em
matéria civil e comercial
• TJUE – obrigação contratual é todo e qualquer compromisso livremente
assumido por uma parte perante outra.
ii. Delimitação negativa: o que está fora do regulamento – matérias civis e comerciais mas
que por opção do legislador da UE não fazem parte deste regulamento
• Alínea e) retira a arbitragem deste regulamento.
• Doutrina critica, pois era preferível aplicar Roma I do que os art. 44º CC, que já
estão um pouco desatualizados.
• LP: Art. 1º/3 confirma que o Regulamento não se aplica à prova e ao processo, sem
prejuízo do art. 18º que tem regras acerca da presunções legais, ónus da prova e meios
de prova de atos jurídicos.

TEMPORAL – art. 28º, 29º


i. De 1967 a 1980: CC
ii. De 1980 a 2009: Convenção de Roma
iii. A partir de 2009: Regulamento Roma I

ESPACIAL – só se aplica a situações privadas transnacionais


TERRITORIAL – só se aplica por Estados-Membros que estejam vinculados pelo regulamento
(art. 1º/4)
i. Art. 29º e Considerando 46: não se aplica à Dinamarca
• Tem-se em conta o Tribunal no qual é posto a ação – local do foro
• Art. 288º TFUE – temos de verificar se o órgão aplicador/adjudicador pertence
a um Estado que está vinculado a este regulamento.

Ideia dos âmbitos de aplicação é para verificar se se aplicam as normas do regulamento


➢ Se um deles não estiver preenchido não se pode aplicar as normas do Regulamento.

Art. 2º - Aplicação Universal


➢ Não é um âmbito de aplicação

LP: Caráter universal do regulamento significa que ele deve ser aplicado pelos tribunais de
qualquer Estado-Membro por ele vinculado sempre que a situação caia dentro do seu âmbito

78
NAP: neste Regulamento há duas normas que não são contratuais – art. 13º e 18º

159
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

material de aplicação e envolva um conflito de leis, sendo irrelevante que a relação tenha conexão
com um Estado-Membro ou com um Estado terceiro
➢ As normas de conflitos do art. 3º a 8º tanto pode designar direito material de um Estado-
membro vinculado ao Regulamento como o direito material de um Estado terceiro.
➢ Juiz verifica se os âmbitos estão preenchidos; estando, aplica-se o direito que designe.

Elemento de Conexão Principal


Característica Principal: professio iuris – designação pelas partes do Direito aplicável
• Professio iuris constitui uma cláusula do negócio fundamental ou é inserida num negócio
separado conjuntamente com uma convenção de arbitragem
• A autonomia da vontade na determinação do Direito aplicável aos contratos
internacionais constitui hoje um princípio de DIP comum à maioria dos sistemas
nacionais.
o Paralelismo com o Direito interno dos Estados-membros da UE: Direito material
interno dos Estados-membros da UE é a Autonomia Privada.
o Passagem desse fundamento para o plano conflitual: liberdade de escolher qual
a lei

Art. 3º/1 Roma I


Autodeterminação das partes justifica-se por razões de certeza, previsibilidade e facilidade na
determinação da disciplina material do caso, radicando-se na proteção da confiança recíproca.
➢ Lei escolhida pelas partes é previsível e segura para as partes pois foram elas que
escolheram.
o Pode contar-se com a aplicação dessa lei
➢ Também pode assentar na Ideia de que é reflexo dos direitos de personalidade das
partes (do art. 26º CC), que em primeira linha vão escolher a lei aplicável.

Art. 3º/1 não introduz qualquer limitação à escolha das partes – não exige que haja qualquer
conexão com a lei que se escolhe.
➢ Diferente do art. 41º/2 CC que exige um interesse sério.
➢ A escolha pode recair sobre qualquer lei, mesmo que não tenha conexão objetiva
com o contrato.
o LP: A exigência de um laço objetivo com a lei escolhida não corresponderia às
necessidades do comércio internacional e evita as dificuldades de averiguação
do interesse sério, tornando mais certa a determinação do Direito aplicável.

Escolha de lei pode ser Expressa ou Tácita.

Escolha de lei pode ser Total ou Parcial.


➢ As partes podem apenas designar a lei aplicável a parte do contrato – desde que essa
designação diga respeito a uma questão separável do resto do contrato, i.e., as unidades
de regulação dos sistemas que as partes pretendem designar devem, em princípio, ser
respeitadas pelas designações parciais.
o A designação parcial é ineficaz se o fracionamento levar a resultados
incompatíveis entre si.

160
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Só é possível o Depeçage Objetivo79 – escolha e lei quanto a partes do contrato

Partes podem escolher conjunto normativo que não corresponde à lei de um Estado soberano?
➢ Lex mercatoria, Direito Europeu dos Contratos, Princípios Gerais de Direito e etc.

NÃO
➢ Partes têm de escolher lei de um Estado soberano
➢ Art. 3º/3 fala em país: legislador está a pensar na lei de um Estado soberano
o O objeto possível de escolha é a lei de um Estado.

Mas isto significa que nunca se pode dar relevância a esses outros conjuntos normativos?
NÃO
➢ Significa apenas que a lei do Estado soberano tenha de ser a que rege o contrato, mas,
as partes podem fazer uma “referência material” ao Direito desses ordenamentos
o Partes fazerem incorporação material – estabelecem cláusulas que remete
para esse Direito.
o Mas essa referência está subordinada à lei material do Estado soberano.
▪ Mesmo que as partes não escolham a lei e tenham um contrato a
remeter para esse Direito – aí utilizamos o art. 4º Roma I, que nos dá
qual a lei do contrato e temos de ver se a disposição para esse Direito
viola ou não a Ordem Jurídica desse Estado
• Se não utilizarmos o art. 4º/1 para determinar a lei competente
a escolha da lex mercatoria ou outra é ineficaz.
• Mas todas as normas da lex mercatoria podem valer para
afastar as normas supletivas desse Estado (apurado pelo art.
4º).

LP: Não se deve confundir a referência conflitual feita pelas partes no exercício da sua liberdade
de designação do Direito aplicável ao contrato com a referência material a regras jurídicas de um
Direito estrangeiro no quadro da liberdade de estipulação concedida pelo Direito material
competente.
➢ Ou seja, a lex mercatoria não tem validade como escolha de lei conflitual mas pode
valer materialmente (admitindo-se a regular, como cláusulas contratuais) nos termos
da lei estadual.

Art. 3º/2 Roma I


Designação do Direito competente pode ser anterior ou posterior à celebração do contrato.
➢ Possibilidade de escolha do Direito competente posteriormente à celebração do contrato
ou de alteração da escolha anterior assume considerável importância prática.

De forma Expressa ou Tácita.


➢ Para acontecer de forma tácita, da conduta das partes deve ser possível ingerir uma
vontade real nesse sentido.

79
O Depeçage Subjetivo (em função das partes) não é possível. Também não é possível uma escolha
parcial quanto a partes incindíveis do contrato. Ex: apreciar a culpa por uma e a ilicitude por outra

161
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Partes podem determinar se a escolha produz efeitos ex tunc ou ex nunc.


➢ LIMITES: não pode prejudicar os direitos de terceiros nem a validade formal do contrato
o Podem mudar mesmo na pendência da ação – não há limites temporais vindos
do Regulamento, podem é haver limites vindos do Direito Processual Interno
(do Estado do foro).
o Essa escolha posterior também pode ser tácita. Ex: PI toda com base num outro
Direito e contestação com base toda nesse Direito e não quanto à lei escolhida
para ser competente

Limite da Liberdade de Escolha


Art. 3º/3 Roma I

➢ A escolha não pode ser válida para afastar normas imperativas portuguesas quando
estamos a lidar com questões puramente internas sem conexões relevantes a
elementos de estraneidade.

Devido à autonomia privada, não há proibição desta escolha de lei – mas há uma degradação
dessa escolha.
➢ Escolha da lei estrangeira só pode afastar as disposições supletivas da lei portuguesa
– aquelas que já eram passíveis de serem afastadas por mero acordo das partes.
o DMV concorda
o LP: discorda
▪ Se é contrato puramente interno já não está preenchido o âmbito
espacial de serem situações transnacionais.
▪ Não se aplica o Regulamento Roma I.
• É assim porque de acordo com o art. 1º/1 tem de haver um
conflito de leis (âmbito espacial) e as situações internas não
implicam um conflito de leis.
• A designação de uma lei estrangeira pelas partes de um contrato
interno só constitui uma referência material, i.e., a incorporação
das regras da lei estrangeira como cláusulas do contrato (e isto
é permitido pela liberdade contratual do art. 3º/3).

• O sentido útil do art. 3º/3, é, então, para outras situações: aquelas


em que os tribunais de um Estado-Membro decidem um litígio
emergente de uma situação exclusivamente conectada com um
Estado estrangeiro e as partes escolherem a lei do foro ou de um
terceiro Estado.
• Tem duplo significado/dupla remissão: limita o domínio de
aplicação da lei escolhida pelas partes; remete, por meio de
norma de conflitos implícita, para os regimes imperativos da

162
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Ordem Jurídica do Estado com que o contrato estabelece todos


os laços.

• Também funciona para os casos de contratos internos que


tenham um nexo funcional com um contrato plurilocalizado.

Art. 3º/4 Roma I


LP: Tem sentido útil para as normas imperativas internas que resultem da transposição de outras
Diretivas.

Se as conexões são só na UE, a escolha de uma lei de um Estado terceiro não permite afastar as
disposições imperativas da UE.
➢ Restringe ao âmbito regional da UE
o Ex: não é possível afastar a aplicação de normas imperativas que resultam de
diretivas de um caso em que A tem RH em Pt, B tem RH em Espanha; imóvel
está em It, escolhem lei BR

Art. 3º/5 Roma I


Professio iuris é em regra objeto de um negócio jurídico, tendo de determinar as questões relativas
à formação e validade do consentimento, à interpretação dessa professio iuris e eficácia desse
negócio.
A lei aplicável à formação e à validade do consentimento é a própria lei escolhida: art. 10º/1 ex vi
art. 3º/5.
Tal como se aplica o disposto nos art. 11º e 13º quanto à forma e invocação da incapacidade

Se a professio iuris for válida, a validade do contrato será apreciada segundo a lei designada e a
mesma lei regulará as consequências de uma eventual invalidade

Elemento Conexão Subsidiário


Art. 4º - conexões supletivas

Art. 4º/1 Roma I


Inspirado no princípio da conexão mais estreita – mas não a consagra, pois tem Normas de
Conflitos rígidas que determinam o direito aplicável a determinados tipos de contratos
a) Mercadoria tem de ser entendido como muito mais do que indústria – ideia de
mercadoria é parecida ao conceito de bem móvel (do Direito interno)

O legislador identificou determinados tipos de contratos, procurando determinar uma lei que
é reguladora desses tipos – olhou para as diferentes características dos contratos.

Regra rígida quanto a isso tem fundamento em diminuir os custos de transação – não é preciso
jurista para interpretar.
➢ Garante a certeza e reduz custos de transação.

Mas não é possível fazer uma lista típica das obrigações contratuais

163
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Art. 4º/2 Roma I


Para os casos de obrigações contratuais atípicas e contratos mistos.

Regra da lei da residência habitual da parte obrigada a fornecer a prestação típica


➢ LP: A competência da lei do devedor da prestação característica há de fundamentar-se
principalmente no interesse desta parte contratual na aplicação da lei a que está
intimamente ligada.
➢ As razões por que se deve preferir o interesse desta parte relativamente ao interesse
daquela que realiza a prestação pecuniária nem sempre são suficientemente
esclarecedora ou convincentes.

O que é a prestação característica?


• A que permite distinguir um tipo contratual de outro tipo contratual – Considerando 19
• DMV: Ideia da prestação característica é aquela que permite realizar a função
económico-social do contrato
o Qual a razão de ser desse contrato: prestação característica é aquela que
melhor caracteriza e faz a função do contrato
• NAP: aquela que tem como contrapartida uma prestação pecuniária80

Só há uma parte obrigada a fornecer a prestação característica81.

Art. 4º/3 Roma I


Sempre que se aplica o art. 4º/1 ou art. 4º/2 temos de verificar se se aplica esta cláusula de
salvaguarda
➢ Sempre que se quer aplicar o art. 4º/1 ou 2 temos de ir ao art. 4º/3 e verificar se no caso concreto
há conexão mais estreita – o 3 é obrigatório sempre que se quer aplicar o 1 ou 2.

Cláusula de Exceção – introdução de flexibilidade – nos casos em que há uma conexão


manifestamente mais estreita com outra lei
➢ LP: A conexão mais estreita com o Estado implicado na relação resulta muitas vezes de
se tratar, simultaneamente, do Estado de uma das partes e daquele em cujo território se
situa o lugar da execução principal do contrato.

Art. 4º/4 Roma I


Não é cláusula de exceção

Quanto a casos que não se encontram no art. 4º/1 e 2


Ex: contrato de permuta – não tem prestação característica, tem de se ter em conta as duas
Pressuposto que estes não se apliquem

Órgão aplicador do direito tem de olhar para o caso concreto e aplicar a Conexão Mais Estreita
com o contrato.

80
Pode não funcionar quando há 2 prestações pecuniárias
81
O art. 4º/2 não remete para onde é feita a prestação característica – o lugar da prestação característica
só pode relevar para aplicar a Cláusula de Exceção

164
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Outras Conexões
Art. 5º a 8º têm regras para certos tipos de contratos – primeiro verifica-se se são estes que se
aplicam, só depois indo à regra geral do art. 4º
➢ Regras especiais que têm por fundamento a Proteção da Parte mais Fraca

Art. 6º - Contratos celebrados por Consumidores


Se for 2 consumidores ou 2 profissionais não se aplica este artigo.

Art. 6º/1 Roma I


Consumidor: todos aqueles que não estão a atuar consoante sua atividade profissional

DELIMITAÇÃO POSITIVA: Define quais os contratos que beneficiam da proteção


➢ Mas isto não chega
➢ É preciso que o profissional exerça a sua atividade profissional no país da RH do
consumidor ou dirige a sua atividade para esse país.
o Ele procura celebrar contratos com os consumidores desse país.
▪ Não pode ser o consumidor a procurar ativamente ir a outro país
celebrar contrato – aí não se aplica este regime de proteção.
▪ Tem de ser o profissional a procurar

Art. 6º/2 Roma I


Estabelece um limite ao princípio da autonomia da vontade na designação do Direito aplicável ao
contrato.
Veicula uma ideia de alternatividade: aplicam-se as disposições imperativas da lei da
Residência Habitual que sejam mais favoráveis ao consumidor que as regras da lei
escolhida.
• É necessária uma comparação dos complexos de normas que formam, nas Ordens
Jurídicas em presença, unidades de regulação, por forma a respeitar a coerência desta
unidades e a apreender corretamente o seu significado e proteção.
o Maioria da doutrina não faz uma Comparação Norma a Norma, nem um
Comparação Global, mas sim uma Comparação por Núcleos de Matérias
• Lei da residência habitual fornece o padrão mínimo de proteção
o RH do consumidor funciona como padrão mínimo de proteção – consumidor
terá sempre direito à lei da sua RH se este lhe for mais favorável

Art. 6º/4 Roma I


DELIMITAÇÃO NEGATIVA

Relação art. 6º e DL 67/2003 (venda de bens de consumo)


Regras de transposição da diretiva prevalecem sobre o art. 6º (art. 23º Roma I)
➢ Ex: eu fui a Espanha comprar coluna e escolhemos lei de Nova Iorque que só dava 1 ano
de garantia – à partida não se aplicaria Roma I. Mas temos de ver o art. 11º DL 67/2003,
que diz que o art. 5º se aplica e são 2 anos de garantia. Aqui aplica-se o art. 5º, por força
do art. 11º DL 67/2003 que são aplicados por força do art. 23º Roma I

Art. 8º - Contrato de Trabalho


Norma de conflitos funciona como o art. 6º - procura-se a lex locci labori

165
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• TJUE, Rutten: o lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho deve
entender-se como aquele em que o trabalhador fixou o centro efetivo das suas
atividades profissionais.
• TJUE, Weber: alarga para que o lugar onde o trabalhador efetua habitualmente o seu
trabalho seja aquele em que o trabalhador cumpriu a maior parte do seu tempo de
trabalho.

Local onde trabalhador presta o seu trabalho


➢ Ou a partir do qual presta o seu trabalho – trabalho que envolve viagens (condutor,
hospedeira); teletrabalho e etc.
➢ Se não se conseguir identificar e não há nenhuma distinção, o critério subsidiário é o
local do Estabelecimento onde o trabalhador foi contratado.
o É residual

Art. 8º/4 consagra a ideia de conexão mais estreita


• Discussão se é cláusula de exceção ou não – não tem o “manifestamente mais estreita”
o Doutrina discute porque acha que a lex locci labori é toda uma presunção de
conexão mais estreita.

DMV: Tecnicamente não é cláusula de exceção.

Problema de articulação com o CT


Art. 6º a 9º CT – destacamento temporário de trabalhadores
➢ Se está destacado não é onde tipicamente presta o seu trabalho
o Mas isso pode prejudicar o trabalhador
▪ Criou-se o princípio de que o trabalhador beneficia das regras do país
de acolhimento se estas forem mais favoráveis.
▪ Favor laboris: art. 8º por força do art. 23º Roma I

Art. 10º Roma I


Nº 1: aplica-se a lei hipotética do contrato para determinar a sua existência e validade
Tenta obter-se uma regulação unitária do contrato e evitar a aplicação de várias leis ao contrato

Nº2: exceção de que as partes podem invocar RH para obstar que determinado comportamento
tenha determinado valor jurídico. É faculdade e depende de invocação
Ex: silêncio

Art. 11º
Princípio basilar: favor negotii
➢ Princípio de extensão da validade formal dos Negócios Jurídicos

Validade formal vai ser regulado, em princípio, por 2 leis possíveis e nós escolhemos aquela
que diga que o contrato é válido.

Nº1: mesmo país

166
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Nº2: países diferentes


Basta que uma das leis diga que é formalmente válido para se escolher

Exceção
Nº 4: sempre por RH consumidor
Nº 5: direito real sobre imóvel
➢ 2 pressupostos:
b) disposição direito material imperativo
a) disposições de forma têm valor de forma de regras internacionalmente imperativas
o art. 875º CC preenche isto?
▪ LP: NÃO, pois não resulta da letra desse artigo que ele se queira aplicar
em todo e qualquer caso.
▪ Toda e qualquer disposição de forma não é um obstáculo à aplicação
desta norma.

Art. 23º Roma I


Não permite a aplicação direta de disposições transpostas de Diretivas da UE.
➢ Este artigo só permite que se aplique imediatamente as normas materiais, indicadas
por Normas de Conflitos que estão na Ordem Jurídica do Estado-Membro por
transposição de DUE. Ex: art. 23º LCCG

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei Reguladora da RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL


Regulamento Roma II abrange a generalidade das obrigações involuntárias – veio introduzir um
regime conflitual unificado a nível da União Europeia.
➢ Com a entrada em vigor de Roma II as normas de conflitos de fonte interna só atuam fora
do seu âmbito de aplicação.
➢ Foco no Regulamento Roma II e art. 45º CC
o Ainda há uma série de atos ilícitos que estão fora do âmbito do Regulamento
Roma II pelo que se recorre ao art. 45º

Este Regulamento surgiu porque se entendeu que a regulamentação da responsabilidade civil


não era indiferente à construção dos objetivos do mercado comum – os agentes económicos
atuam no mercado e podem vir a causar danos

3 âmbitos de Aplicação:
ESPACIAL – Regulamento só se quer aplicar às situações provadas internacionais
TERRITORIAL – Regulamento só se aplica se o foro for num Estado-Membro (art. 1º/4)

TEMPORAL – art. 31º


• Dá-nos quando tem de ocorrer o facto jurídico relevante – factos danosos posteriores à
data de aplicação do Regulamento82
• Art. 32º

MATERIAL – art. 1º
Qualificação como obrigação extracontratual deve ser com base numa interpretação
autónoma deste conceito = Considerando 11
• Art. 1º/1 – delimitação positiva
o Tem sido densificado pelo TJUE
o São obrigações não assumidas voluntariamente
• Art. 1º/2 – delimitação negativa
o Alínea g) tem levantado questões sobre o que verdadeiramente está excluído
do âmbito de aplicação do Regulamento
▪ Ex: Entendimento amplo dos direitos de personalidade levava a que se
dividisse os danos decorrentes de um acidente de viação (danos no
carro – Roma II; danos na pessoa – CC)
▪ Interpretação não tem acolhimento porque se atendeu ao percurso
histórico de criação da alínea g)
➢ Quando foi feito havia 2 entendimentos em disputa: grandes
publicações (lei da sede da publicação) vs. consumidores (lei da
RH do lesado)
➢ Solução foi a introdução desta alínea e incluíram no art. 30º
uma cláusula de revisão para resolver mais tarde este problema
da difamação

82
João Gomes Almeida: não é após a entrada em vigor do Regulamento (regra é 20 dias depois da
publicação), o que interessa é a data de aplicação do mesmo.

168
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

▪ Conclusão é que o que levou à exclusão dos direitos de personalidade


não era quanto à integridade física, o problema era o bom nome e
direito à imagem
➢ Interpretação desta alínea é que abrange só esses direitos e não
os outros, portanto Roma II aplica-se a danos à integridade
física mas não ao bom nome

Caráter Universal das Normas de Conflitos


Roma II tem capacidade de chamar a aplicação de normas de diversos Estados (membros ou
não).

Relação Roma II e Convenções Internacionais


Art. 28º - artigo subordinado à ideia de respeito pelos compromissos previamente assumidos
pelos Estados-Membros
• Critério Material: só se objeto de Roma II coincidir com objeto de Convenção
Internacional
• Critério Temporal: só prevalecem as Convenções Internacionais às quais um Estado-
Membro já se tenha vinculado (mesmo que não esteja em vigor ainda) à data de
aprovação do Regulamento
o “convenções existentes”
• Critério Subjetivo: ideia que decorre do pacta sunt servanda, também
o Caso de Convenções Internacionais em que só tenha Estados-Membros como
partes contratantes – não prevalece sobre o Regulamento pois todos estão
vinculados em bloco a Roma II
o Caso de Convenções Internacionais em que haja um Estado Terceiro – regras da
Convenção prevalecem

Soluções consagradas em Roma II dão-nos princípios:


• Previsibilidade e segurança jurídica – elas consagram elementos de conexão rígidos
• Harmonia jurídica internacional – método de Roma II é de unificação de Direito de
Conflitos
• Autonomia da vontade – elemento de conexão principal é a escolha de lei pelas partes
(professio iuris).
• Conexão mais estreita – legislador UE colmatou a rigidez da maioria das suas Normas de
Conflitos introduzindo cláusulas de conexão
• Especialização das Normas de Conflitos – nas NC subsidiárias há método de NC
subsidiária geral e várias especiais

Escolha de Lei
Art. 14º Roma II
Regra de conflitos primária é a escolha das partes, embora na prática ela só atue num número
reduzido de casos porquanto é difícil para as partes em litígio acordar sobre a lei aplicável e a
cláusula de designação da lei aplicável contida num contrato celebrado por partes que
desenvolvam atividades económicas nem sempre abrangerá as pretensões extracontratuais.

169
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ É útil para a certeza do Direito aplicável e segurança às partes.

Ao contrário de Roma I, a Autonomia da Vontade está mais mitigada – não é a primeira norma
de conflitos que encontramos, só está no art. 14º.
➢ Não deixa de ser elemento conexão principal mas a sua inserção sistemática parece
indicar que ela deve ser consagrada em termos de princípio mas que na prática não ia
ser tão usada como noutro regulamento.
o Existem alguns ilícitos que não admitem escolha das partes – art. 6º/4, 8º/3

Não há limitação, exceto ter de ser a lei de um Estado.

Pode haver limitação quanto ao momento de escolha da lei


• Entre Profissionais: podem fazer acordo antes da verificação do facto danoso
• Entre Profissionais e Particulares: não podem fazer acordo antes da verificação do facto
danoso
o Há ideia de que particulares prescindem rapidamente de um direito que não
têm (ex: dou-te agora 500€ para se alguma vez te lesar usarmos a lei do
Zimbabué)

Escolha pode ser Expressa ou Tácita mas não pode prejudicar direitos de terceiros
Ex: acordo de escolha de lei, no âmbito de um acidente de viação, entre lesado e agente mas
que prejudica os direitos da seguradora

Art. 14º/2 e 3 Roma II


Têm os limites do art. 3º/3 e 4 do Roma I – o regime é exatamente igual
➢ Só pode afastar às supletivas e não as injuntivas

Na prática a escolha de lei pelas partes é muito reduzida.


• A escolha dessa lei é depois de alguém ter lesado o direito de outrem – há um litigio pelo
que é mais difícil chegar a acordo.
• Muitas vezes as partes, antes de haver facto danoso, são desconhecidas umas das outras
– indeterminabilidade dificulta a escolha de lei

É elemento principal mas, na maior parte dos casos, vamos ter às regras subsidiárias.

Conexão Subsidiária
Art. 4º/1 Roma II
Art. 4º - conexão subsidiária geral – a lei do lugar do dano só é aplicável quando a partes não
tenham feito uma escolha válida da lei competente.

Regra geral: a lei do país competente para regular a situação será a lei do país onde ocorre o
dano

Podia ser Lei do Lugar do Facto (Lex loci delicti comici)


Ou Lei do Lugar do Efeito Lesivo/Dano (lex loci inurie)
➢ Na maior parte dos casos esta é a mesma lei pois o lugar do facto coincide com o dano.
➢ Mas há situações em que isso não acontece.

170
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Ex: compra lata de sardinha estragada de souvenir (prática do facto) e chega ao


país, come e tem intoxicação alimentar (lugar do dano).
o Ex: pessoa faz post no Facebook (lugar do facto) que é difamatória de outra que
está noutro país (lugar do dano). Este caso pode ter efeitos em mais do que um
país, sendo então um dano transnacional.

Legislador da UE ligou à Lei do Lugar do Efeito Lesivo e não a prática do Facto


➢ Escolha diferente do legislador nacional
➢ Essa escolha foi para acautelar a expetativa da vítima

LP: Quando o efeito lesivo se produz em vários países, as leis de todos os países envolvidos
devem ser distributivamente aplicáveis.
➢ Perspetiva de mosaico – o Direito de cada país envolvido aplica-se apenas ao dano
causado pela violação do bem jurídico que ocorreu no seu território.
o Converge com o entendimento do TJUE.

Art. 4º/2 Roma II


Art. 4º/2 está numa relação de especialidade com o art. 4º/1
➢ Sempre que o art. 4º/2 estiver preenchido, não se aplica o art. 4º/1
➢ Conexão especial quando agente e lesado têm a sua residência habitual no mesmo
país
o Quando não há residência habitual comum entre agente e lesado (ou múltiplos
agentes e/ou lesados) aplica-se o art. 4º/1

Ideia de aplicação de um Direito que é melhor conhecido pelas partes do que aquele de onde
ocorreu o dano
➢ Ideia antiga, vinda de um acórdão dos EUA (Babcock vs. Jackson, 1963): está-se
fortuitamente num Estado e partes conhecem melhor o direito do seu domicílio
➢ Só quando TODAS as partes partilha a residência habitual comum

Art. 4º/3 Roma II


Cláusula de Exceção – na aplicação do art. 4º/1 ou 2 tem de se ponderar se há conexão
manifestamente mais estreita.

Novidade deste artigo é que um dos exemplos de conexão mais estreita constitui a
consagração da Conexão Acessória.
• “Relação pré-existente entre as partes”
o Dar relevância a isto significa admitir que pode haver ilícitos que geram
responsabilidade extracontratual em casos que já havia uma relação entre as
partes.

171
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Ex: contrato de transporte


o Muitas vezes já se estabeleceu a lei aplicável.
o Se ilícito se insere numa relação pré-existente, partes podem contar com a lei
que era apta a regular essa relação também vai ser a lei que se aplica nestes
casos.
▪ DMV: defendeu na tese de doutoramento a ideia de Conexão Acessória
– sujeita-se o acessório (responsabilidade civil extracontratual) ao que
é principal (lei reguladora de uma relação que já pré-existia).

Alcance de Roma II
Art. 15º - conjunto de matérias que esta lei vai definir e resolve problemas de qualificação com
indicações expressas.
Ex: normas de prescrição são normas a serem enquadradas no âmbito das relações
extracontratuais
De um modo geral, a lei aplicável às obrigações extracontratuais compreende os pressupostos e
as consequências da responsabilidade.

Art. 22º - ónus da prova também vai ser definido pela lei reguladora das obrigações
extracontratuais

Problemas Complexos
Ex: acidente de viação entre A e B em Inglaterra, um do lado esquerdo e outro do lado direito.
A e B têm residência em Portugal. Lei reguladora da responsabilidade extracontratual é em
Portugal, que diz que tem razão quem estava do lado direito. Mas isto não faz sentido, porque
em Inglaterra circula-se pelo lado esquerdo

Art. 17º
• Legislador UE e teve de coordenar a lei do lugar da prática do facto para algum conjunto
de normas – aquelas que se querem aplicar as pessoas que estão em certo território
(como as do Código da Estrada).
o Aplicam-se independentemente das ligações da pessoas que lá circulam e
releva naquele território.

• DMV: normas imperativas que devem ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas
– normas de aplicação territorial e que têm necessariamente de ser observadas.

• Ideia base LP: Se há norma de direito material da lei do lugar do facto de todas as
pessoas que se situam no seu território, essa lei tem de ser aplicada em desfavor
daquela que seria aplicada.
o Isto para aferir a lei que determina ilicitude e culpa.
o Já seria outra lei para o montante de indemnização e etc.

Art. 45º Código Civil


Quando não se aplica o Roma II
➢ Soluções não são assim tão díspares mas são diferentes.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Interpretação do conceito de responsabilidade extracontratual deve partir do disposto nos arts.


483º e ss.
➢ No quadro de uma interpretação autónoma há que examinar à luz das finalidades
prosseguidas pela norma de conflitos se o conceito poderá abranger tipos de
responsabilidade do Direito material interno.

O âmbito da lei reguladora da responsabilidade civil compreende os pressupostos e as


consequências da obrigação de indemnizar. A imputabilidade também está submetida a esta lei.

Art. 45º/1 tem a Lei do Lugar do Facto

Elemento de Conexão principal é a LEI DO LUGAR DO FACTO


Lei do Lugar do Efeito Lesivo surge como uma alternativa no art. 45º/2 – não é alternatividade
pura pois o art. 45º/2 tem 2 pressupostos
• Lei de lugar da prática do facto não sanciona a conduta, mas a lei do lugar do dano sim
• Produção do dano naquele 2º país era previsível para o agente – conduta que praticou
era passível de lesar outros.

Lesado é protegido pela conexão alternativa – preocupações de tutela do lesado e


favorecimento da vítima em situações de responsabilidade civil extracontratual
➢ Tenta evitar-se que alguém fique sem sanção e coordena os interesses individuais do
agente que causa o dano, os interesses do tráfego jurídico e o interesse público dos
Estados

Art. 45º/3
➢ Proximidade com art. 4º/2 Roma II – mas é mais amplo
➢ Proximidade com art. 17º

Ideia de aplicação de uma lei que é mais cognoscível pelas partes envolvidas.
➢ Quando vamos para essa lei há sempre risco de termos regras que não podem deixar de
ser aplicadas como lei do lugar da prática do facto.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei Reguladora da RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL


Está na fronteira entra as duas figuras anteriores e chama à colação Roma I e Roma II

Na Responsabilidade Pré-Contratual o que está em causa é a Responsabilidade Civil, dever de


indemnizar, por danos resultantes de atos ou omissões que tenham ocorrido na
negociação/conclusão de contratos internacionais.

Dados do Direito Comparado


Regulamentação desta matéria é objeto de divergência significativas entre os vários sistemas
jurídicos nacionais.
Há 3 tipos de soluções:
1. Sistemas jurídicos que consideram a RPC como forma de responsabilidade
OBRIGACIONAL – entende-se que antes de uma celebração do contrato já existe entre
as partes uma relação jurídica, que nasce com os contactos que as partes estabelecem
ao iniciar negociações.
• Surgem deveres de conduta a cargo das partes, como emanação da boa-fé –
deveres com formulação muito ampla.
• Violação desses deveres implica uma responsabilidade essencialmente
determinada de acordo com as regras da responsabilidade contratual.
• Alemanha.
2. Sistemas jurídicos que consideram RPC como forma de responsabilidade
EXTRAOBRIGACIONAL – rejeita-se a ideia de qualquer vínculo jurídico entre as partes
até à conclusão do contrato.
• Até à conclusão as partes são livres e não há deveres de conduta.
• Se houver dano (ex: prestou informações falsas) só pode haver responsabilidade
por ilícito delitual (in tort) – há o tort of misrepresentation.
• Common Law.
3. Sistemas jurídicos que consideram RPC como FIGURA HÍBRIDA – radicam na boa fé,
que tem de ser observada na fase da negociação de onde decorrem deveres específicos
de conduta.
• As regras aplicáveis são as regras da responsabilidade contratual ou
extracontratual consoando os deveres violados e os danos causados.
• Portugal, Itália, Suíça.

Diversidade de regimes coloca problemas complexos no plano internacional.


Ex1: Inglês negoceia com Português em Londres após uma troca de correspondência. Pt tem
despesas de vária ordem para ir a Londres fazer esse negócio. No dia da celebração, Ing já tinha
celebrado o contrato com outro. Pt teve despesas e lucros cessantes. Para saber se pode haver
responsabilidade pré-contratual temos de perceber qual a lei aplicável.

Ex2: Comerciante de arte Inglês compra em Portugal um quadro valioso por menos do que ele
vale (pessoa Portuguesa que vende não tem noção de quanto vale). Ing revende o quadro por
10 vezes mais. Pt que vendeu o quadro, ao Ing que deu a entender que era banal e nada especial,
incorreu em erro manifesto. Havia dever de esclarecer sobre o objeto do contrato? Havia dever

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

de informar a contraparte sobre o que se está a contratar? Se sim, pode haver responsabilidade
pré-contratual, mas para tal depende de perceber qual a lei aplicável.

Diferença está nas famílias jurídicas.


• Common law: preza o valor da liberdade individual.
o Ordem Jurídica só pode impor coercivamente os contratos que vinculem as
partes.
• Romano-germânica: preza o valor da solidariedade, traduzido na consideração pelos
interesses da contraparte83.
o Negociação dos contratos deve obedecer a certas regras ético-jurídicas.

Põem em confronto os sistemas integrados nessa famílias jurídicas.

Até Roma II não havia regras de conflitos sobre a lei aplicável à Responsabilidade Pré-Cobtratual
Solução deste problema passava pela resolução de uma qualificação – chamava-se o art. 15º
CC para perceber se, naquele caso, se subsumia às regras relativas às obrigações contratuais ou
extracontratuais.
• Se resultasse que as partes estavam vinculadas a deveres de conduta ligados
funcionalmente à formação do contrato que se tem em vista – subsume-se às regras
de conflitos sobre OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS
• Se resultasse que as partes só tinham deveres gerais de proteção e cuidado – subsume-
se às regras de conflitos sobre OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS

Não havia estatuto unitário da RPC


➢ Lei aplicável à Responsabilidade Pré-Contratual tinha de se solucionar pela Qualificação.

Panorama mudou com o surgimento do Regulamento Roma II e posteriormente Roma I.


ROMA I
Art. 1º/2/i exclui as obrigações decorrentes da RPC – tudo o que tem que ver com preliminares
e matérias de regulação do contrato está afastada do âmbito de aplicação de Roma I

ROMA II
Art. 12º - Culpa in contrahendo

Art. 12º/1
Para sabermos qual a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes das negociações
do contrato aplica-se a lei que regulará o contrato.

DMV: uma das maiores inovações de Roma II foi criar norma de conflitos no campo da
Responsabilidade Pré-Contratual
➢ Qualifica, ele próprio, a Responsabilidade Pré-Contratual, como obrigações
extracontratuais – resolve o problema de qualificação que se colocava anteriormente
o Em consonância com Roma I, que afasta do seu campo
➢ Isto segue orientação do TJUE, Taconi, 2002

83
Expressão que está no BGB quanto à RPC

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Apesar de ser matéria extracontratual, a lei que se aplica é a lex contractus ou a lei que
hipoteticamente viesse a ser aplicada ao contrato (caso fosse terminado)

Conexão Acessória
Lei reguladora da Responsabilidade Pré-Contratual é a lei reguladora do contrato, dada a
conexão funcional que existe entre ambas.

Por força desta remissão, o art. 12º remete para Roma I – pois é aí que vamos saber qual a lei
aplicável ao contrato, que, por sua vez, se vai aplicar à Responsabilidade Pré-Contratual
➢ Legislador começa por qualificar como obrigação extracontratual para depois sujeitar
às regras de conflitos sobre responsabilidade obrigacional.

Ex1: a RPC decorrente dessa conduta determina-se de acordo com a lei que seria aplicável ao
potencial contrato. Chegávamos sempre à lei portuguesa, exceto se as partes tivessem escolhido
uma outra lei aplicável.

Art. 12º/2
Casos em que não pode ser determinada na base de art. 12º/1 a lei aplicável ao caso
➢ Tem paralelismo manifesto entre estas alíneas com o art. 4º/2 Roma II

O art. 12º/2 intervém nos casos em que as negociações se frustraram numa fase de tal forma
inicial, no inicio do iter negocial, que não há indícios que permitem determinar qual a lei que
iria ser aplicada ao contrato.
➢ DMV: hipóteses raras

Art. 12º/3
Regra correspondente ao art. 4º/3 Roma II

Art. 14º Roma II


Também vale para este caso – permite, dentro de certos limites, a escolha de lei aplicável à
Responsabilidade Pré-Contratual.
➢ Quer por acordo anterior ou posterior ao facto danoso.

DMV: isto é importante e as partes podem logo acautelar-se à partida quanto a um eventual
rompimento de negociações, definindo qual a lei que seria aplicável nesses casos.

Pode acontecer que esteja em causa a violação de deveres pré-contratuais de conduta que não
têm ligação funcional ao contrato visado pelas partes
➢ Caso de violação de deveres de proteção e etc. Ex: escorrega na casca de banana quando
entra numa loja e etc.

Considerando 30 Regulamento Roma II


➢ Elucida quanto a este problema – diz que o art. 12º só se aplica mesmo à formação do
contrato.
o Estes casos caem no âmbito do art. 4º - é matéria extracontratual pura

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

DMV: conceito de culpa in contrahendo no art. 12º é um conceito mais restrito daquele que
vigora na Alemanha ou Portugal.
• Nesse artigo só se inclui aqueles que funcionalmente estão ligados à formação dos
contratos – aqueles puramente delituais não cabem.
• Também está fora deste âmbito o incumprimento de deveres contratuais vinculativas
para ambas as partes que decorram de negócios preliminares entre as partes
(instrumentos que as vão vinculando progressivamente). Ex: cartas de intenções,
contratação mitigada e etc.
o Partes podem assumir deveres de conduta e são feitos por vontade das partes.
Na violação desses deveres devemos atender a Roma I pois foram as partes que
acordaram neles.

Art. 12º só vale para deveres de conduta decorrentes da lei


➢ Já não vale para deveres de conduta decorrentes de acordos das partes – aí já houve
uma manifestação e encontro de vontade das partes, pelo que aí tem de se subsumir a
Roma I

Isto retoma os problemas de qualificação nesta matéria – temos de atender ao art. 15º e às
finalidades que elas prosseguem
➢ DMV: conclui-se que não é possível uma qualificação legal desta figura que valha para
todos e quaisquer casos.
o Apesar do art. 12º procurar fazer essa delimitação, está excluído desse campo
outras obrigações extracontratuais que não têm a ver com nexo funcional.
o Portanto a qualificação não está definitivamente estabelecida.

Pode haver dificuldades nos casos de danos patrimoniais puros, como se determina o lugar onde se verifiaram.

DMV, em conclusão:
1. Regra de conflitos quanto a RPC é um fator que aumenta a segurança jurídica no
comércio internacional
2. Conexão Acessória do art. 12º Roma II é a solução que melhor reflete a ligação estreita
e forte que existe entre os deveres pré-contratuais de conduta e o contrato que se visa
celebrar
3. Esta opção da conexão acessória só vale para situações de culpa in contrahendo que
tenha ligação com o contrato que se visa concluir (Considerando 30)
4. Legislador UE reconhece os limites da qualificação legal – reconhece que a conexão
acessória do art. 12º/1 só vale para certos tipos de casos, em que há vínculo de ligação
entre deveres pré-contratuais e o contrato

Art. 12º parte de uma perspetiva metodológica criticável mas a solução para a qual aponta é
correta.
➢ Era a solução que se chegava antes de Roma II por aplicação do art. 15º CC

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei Reguladora do ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA


Obrigações não contratuais

Figura que visa evitar que se consolidem situações em que uma pessoa se enriqueceu à custa
de outrem.
➢ Mais ou menos todos os sistemas jurídicos são sensíveis que uma pessoa não deve
enriquecer à custa alheia.
o Mas no fundo isso é a economia de mercado/capitalista a funcionar.
▪ Dificuldade é estabelecer a fronteira o que é lícito ou ilícito.

Diferem as técnicas de como se regula o Enriquecimento sem Causa


• Sistemas de Tipicidade – Inglaterra – preocupações de não haver um comprometimento
para a economia de mercado e a liberdade
• Sistema de Atipicidade – Portugal, Alemanha – cláusula geral
• Sistema de Repetição do Indevido – França, Espanha, Itália

Funções do instituto também variam consoante a Ordem Jurídica.


Mais importante, vinda do Direito Romano é a de eliminar o enriquecimento obtido por
pagamento indevido – solutio indebiti
➢ Situação de pagamento indevido dava origem a uma ação – conditio indebiti
o Preocupação essencial: prestação é feita por erro a outrem pelo que se tem de
remover o enriquecimento indevido do enriquecido e colocar-se o empobrecido
na situação anterior.

No Direito Alemão a função primordial não é esta.


➢ Mas tem lugar importante na Ordem Jurídica – Alemanha consagra o princípio da
abstração muito além dos títulos de crédito.
o É possível transmissão de propriedade mesmo que o negócio que o titula seja
inválido – isso é restituído através do Enriquecimento sem Causa (sistema do
título e etc. – Contratos I)
o Em Portugal, a própria declaração de nulidade opera a restituição dos bens.

No fundo esta figura aplica-se,


• Quando alguém se enriquece por ingerência em bem alheio
o Ex: reprografia faz fotocópias de livros com direitos de autor
• Mas esse enriquecimento pode não ser à custa de um empobrecimento
o Ex: o autor não queria publicar o livro

Em muitos sistemas é subsidiário – subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento.


➢ Não havendo outros meios, pode recorrer-se a esta figura.

O seu âmbito e regime diferem de país para país.


➢ Não há unificação internacional no Enriquecimento sem Causa

Ex1: A (Espanhol) envia garrafas de vinho para B (Português). B bebe o vinho. A vem dizer que
enviou por engano e quer ser restituído. B diz que já consumiu porque pensava que era oferta
e não tem de restituir nada.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Ex2: C (Inglês) faculta a D (Inglês) a sua casa de férias em Portugal. D pinta a casa e faz outras
benfeitorias. Quando restitui a casa a C reclama um pagamento pelas benfeitorias úteis. C diz
que foi opção de D e o direito inglês diz que não há necessidade de restituição.

Ex3: E (Português) vende colheita de laranjas de F (Inglês), no Alentejo, pensando que estava a
administrar a sua propriedade. E reclama o direito a ser compensado pelas despesas que teve
na comercialização de laranjas de F, que beneficiou dos lucros. F não aprova essa gestão de
negócios de E. E tem direito a essa restituição de enriquecimento sem causa? Direito Português
diz que sim, Direito Inglês diz que não.

Questão mais relevante é saber qual a lei aplicável ao Enriquecimento Sem Causa.

Não há uma única solução


Nos vários sistemas nacionais de DIP há 4 ordens de soluções:
• Mais rígida e simples – lei do lugar do enriquecimento (Itália)
• Mais flexíveis e assentes na ideia da aplicação da proper law – lei do lugar da conexão
mais forte e significativa (Common Law)
• Mais complexa – diferenciação de diferentes categorias de situações de restituição
(Alemanha, Áustria, Suíça).
o Distingue enriquecimento por prestação (relação jurídica ao abrigo do qual foi
feita a prestação); por intervenção (lei do lugar da ofensa); por eventos que não
caibam nas categorias anteriores (lei do Estado onde se produziu o
Enriquecimento).
• Lei com base na qual se transferiu património para o enriquecido – se transferência
patrimonial foi com base num contrato, é a lei desse contrato que regula (Espanha,
Portugal – art. 44º).
o Conexão acessória – acessoriedade da obrigação de restituir está dependente
da obrigação principal.
o Consegue-se harmonia jurídica material – duas situações jurídicas fortemente
interligadas entre si são reguladas pela mesma lei

As soluções são muito diversificadas – Roma II veio regular esta matéria84 (art. 10º)
➢ Não se aplica a violações de direitos de propriedade intelectual (art. 13º Roma II), pois
uma obrigação baseada em enriquecimento sem causa resultante da violação de um
direito de propriedade intelectual é regulada pela mesma lei que a própria violação.
➢ Art. 14º Roma II – também se permite a escolha da lei aplicável pelas partes

Na falta de escolha,
Art. 10º Roma II segue a teoria que distingue entre:
• Enriquecimento associado a uma relação jurídica entre as partes – regulado pela lei que
rege essa relação (art. 10º/1)

84
Roma II não define e apenas ilustra o conceito com o pagamento de montantes indevidamente
recebidos
➢ LP: conceito é geralmente entendido, a partir de uma interpretação autónoma, no sentido de
abranger situações em que uma pessoa obtém um benefício à custa de outra, sem uma causa
juridicamente justificativa.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Outros tipos de Enriquecimento – regulado pela lei do país onde ocorreu o


enriquecimento (art. 10º/3), a menos que as partes tenham a sua Residência Habitual
no mesmo país no momento em que ocorre o facto que dá origem ao dano (art. 10º/2).

Art. 10º/º1: consagração de uma teoria semelhante ao art. 44º CC


➢ Consagra a teoria da Conexão Acessória – em princípio a obrigação de restituir é
regulada pela lei que regula a relação pré-existente
o DMV: Técnica que serve Roma II em diversas circunstâncias.

Diferença é que no caso do Enriquecimento sem Causa a Conexão Acessória é a conexão


primária – é logo a primeira solução para o Enriquecimento sem Causa
➢ Esta conexão só é derrogada se partes escolherem uma lei (art. 14º) ou funcionar a
cláusula de exceção.
➢ Dá azo à harmonia jurídica material.

Art. 10º/2: E se não havia nenhuma relação prévia entre as partes, ou dano?
➢ Nesses casos, art. 10º/2 manda aplicar a lei do país da residência habitual comum

Art. 10º/3: E se não havia RH comum?


➢ Aplica-se a lei do país em que ocorreu o enriquecimento sem causa
➢ Se há transferência patrimonial entre pessoa que não é titulada por nenhuma relação
pré-contratual nem ato ilícito, nem RH comum, tem de se determinar o lugar do
enriquecimento.
➢ Caso do Ex1

Se a ligação com o lugar do enriquecimento for muito ténue não justifica a aplicação dessa lei.
➢ Art. 10º/4: entra em funcionamento a cláusula de exceção

Regulamento Roma I também tem relevância em matéria de Enriquecimento sem Causa


Art. 12º/1/e – aplicação de Roma I a obrigações que não são voluntárias (como a obrigação de
restituir decorrente da invalidade dos contratos)
➢ Roma I a estender-se a obrigações legais
o DMV: solução não é difícil de compreender – lex contractus aplica-se à
obrigação de restituir pois esta é uma decorrência da invalidade do contrato.
▪ Há ligação substancial entre a obrigação de restituir e o próprio
contrato pois é a própria invalidade do contrato que faz isto funcionar.

Vai aplicar-se Roma I e não Roma II – restituição de Enriquecimento sem Causa que é derrogação
de Roma II por ser norma especial
➢ Nos casos de invalidade dos contratos vamos aplicar Roma I e isso está em
consonância com o princípio da subsidiariedade da obrigação de restituir – expressão
deste princípio no DIP

Qual a diferença entre aplicar Roma I e Roma II?


Em princípio, a lei aplicável é a mesma.
➢ Mas Roma II tem cláusula de exceção (art. 10º/4) e Roma I não – portanto a diferença
pode ser nesse aspeto.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o DMV: não é indiferente aplicar a prestações inválidas na sequência de um


contrato Roma I ou Roma II

Norma de Conflitos de fonte interna: art. 44º CC


Interpretação do conceito a partir do art. 473º CC, mas que se autonomiza.

LP: Enriquecimento sem Causa abrange situações muito variadas, o que não permite a
formulação de uma solução unitária, impondo-se uma diferenciação em função de diferentes
tipos de enriquecimento
• Por prestação – resulta de uma prestação feita com a intenção de cumprir uma obrigação
e deve ser regulado pelo Direito que rege a relação jurídica a que diz respeito a prestação
• Por intervenção – resulta de uma ingerência em património alheio e deve ser regulado
pelo Direito do Estado em que se realiza a intervenção
• Outras modalidades – deve ser regulado pelo Direito do Estado em que se produz o
enriquecimento (em regra o lugar da residência ou sede do enriquecido).

Se houver relação jurídica entre enriquecido e empobrecido, conexa com o enriquecimento,


deve ser esta a aplicável.

Batista Machado: também deve haver um desvio a favor da lei pessoal comum quando
empobrecido e enriquecido se encontram ocasionalmente no estrangeiro.
➢ LP: só se estiver em causa enriquecimento por intervenção.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei Reguladora da GESTÃO DE NEGÓCIOS


Obrigações não contratuais

Quando alguém assume um negócio alheio, no interesse do respetivo dono e sem para isso
estar devidamente autorizado.
➢ Negócio não em sentido técnico-jurídico

Há orientações muito divergentes quanto à regulação substantiva da Gestão de Negócios

2 grandes orientações:
1. FAMÍLIA ROMANO-GERMÂNICA – tradição/regulação que vem do Direito Romano
Em Portugal: Art. 464º e ss. CC
• Gestor tem que ser reembolsado e indemnizado e até pode ter de ser pago por ter
levado a cabo essa gestão.
• Cria-se uma fonte de obrigações a cabo do dono do negócio totalmente sem a sua
vontade.

Valores subjacentes:
• Solidariedade – gestos altruístas merecem tutela da parte do Direito
• Justiça comutativa – se gestor fez gastos no interesse e por conta do dono do negócio,
a sua situação patrimonial tem de ser reposta

2. FAMÍLIA COMMON LAW


Caso Falcke (1887), UK – Câmara dos Lordes diz que trabalho realizado e dinheiro despendido a
fim de salvaguardar os bens de outrem não gera qualquer obrigação na esfera jurídica do dono.
➢ Não se podem criar obrigações nas costas das pessoas

Caso Indiana Lumbermans (2000), USA – aquele que confere benefício a outrem não confere
nenhuma obrigação e não há direito a ser indemnizado.
➢ Não há qualquer obrigação de restituir – restatement norte-americano abre a porta em
certos casos mas o princípio é que quem gere negócios alheios não tem qualquer
benefício.

Não há o princípio do bom samaritano.


• Pretende-se evitar a ingerência na esfera jurídica alheia – preocupação de salvaguardar
a liberdade individual.
• Expressão do pendor individualista dos sistemas anglo-saxónicos.

Base na qual se podem suscitar conflitos de lei nesta matéria


Ex1: Turista Ing A sofre acidente em Pt. Turista Ing B socorre-o, leva ao hospital, paga a taxa
moderadora e repatria Ing A para a sua RH em Londres. Ing B quer ser reembolsado das despesas
que teve nessa gestão de negócios. Tudo depende de qual a lei que se vai aplicar – das duas
potencialmente aplicáveis ao caso (Pt e Ing).

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Quais os interesses atendíveis no plano do DIP nesta matéria:


A. Interesses sociais – sociedade como um todo tem interesse em preservar os atos altruístas
em que alguém procura preservar bens/pessoa de outrem, que de outra forma poderiam ser
lesados.
• Preservar bens e pessoa.
• Outro desses interesses é a regulamentação na intromissão da esfera jurídica alheia –
preserva os bens alheios mas salvaguarda o exagero na intromissão.
o Propicia a aplicação da Lei do Lugar da Gestão – lex locci gestionis – lei desse
país consegue delimitar as situações em que é admissível a interferência na
esfera alheia. Esse regime tutela os interesses socias.

B. Interesses individuais
• Do dono do negócio – se interferência nos seus negócios foi abusivo ele quer ser
ressarcido dos danos que o gestor lhe possa ter causado;
• Do gestor – se interferiu de forma a ajudar outrem quer ser ressarcido pelas despesas
que teve para isso.
o Podem justificar outras Leis – pode ser a lei escolhida pelas partes; a da
nacionalidade/residência habitual comum.

C. Interesses de harmonia jurídica


• Internacional – procurar a mesma lei aplicável às situações privadas internacionais onde
quer que se encontrem; orientamo-nos para conexões mais amplamente reconhecidas
o Propicia a aplicação da Lei do Lugar da Gestão
• Material – procurar que a mesma situação seja regulada no seu todo pela mesma lei
Reclama a aplicação da mesma lei, mesmo que haja atuação dispersa por vários países
– uma única lei.
o Também pode reclamar a aplicação da lei que se aplica na relação contratual
pré-existente entre as partes – estatuto único.

Como se resolve?
Art. 43º CC
Estabelece a Lex Locci Gestionis – preocupação fundamental do legislador foi salvaguardar os
interesses sociais.
➢ Isto também é conforme aos interesses da harmonia jurídica.
➢ Ex1: aplicava-se a lei portuguesa

Mesmo antes de Roma II esta não era a única possibilidade entre nós.
DMV: é aplicável analogicamente o art. 45º/3 CC à Gestão de Negócios – desvio a favor da lei
comum das partes podia ser feito mesmo no âmbito da gestão de negócios.
➢ Ex1: aplicava-se a lei inglesa – DMV diz que não é chocante pois tudo se passou entre
ingleses

Regulamento Roma II
Art. 14º Roma II – também se permite a escolha da lei aplicável pelas partes

Na falta de escolha,
Art. 11º Roma II rege a negotiorum gestio

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Recorre-se ao termo latino pois este é um instituto jurídico que não é conhecido por
todos os sistemas jurídicos dos Estados-Membros.
o Nos países de Common Law estes casos são abrangidos, parcialmente, pelo
instituto da agency e podem cair na agency without authority.

Também existe a distinção entre:


• Gestão associada a uma relação jurídica entre as partes – regulado pela lei que rege
essa relação (art. 11º/1)
• Outros tipos de Gestão – regulado pela lei do país onde foi praticado ato (art. 11º/3), a
menos que as partes tenham a sua Residência Habitual no mesmo país no momento em
que ocorre o facto que dá origem ao dano (art. 11º/2).

Art. 11º/1 Roma II


Tem logo em primeira linha a Conexão Acessória – se há relação anterior entre as partes que
tem relação estreita com a gestão de negócios, então aplica-se essa lei.

Art. 11º/2 Roma II


Restrição da aplicação devido à lex comunis
➢ Solução que tem consagração também em matéria de Responsabilidade Extracontratual

Art. 11º/3 Roma II


lex locci gestionis
➢ Aqui replica o que o art. 43º CC consagrava – mas agora é somente a título subsidiário
e não principal.

Art. 11º/4 Roma II


Cláusula de Exceção
➢ Deixa-se ao critério do julgador apreciar se há uma conexão mais forte
➢ Ex1: podiam não ser turistas e viver cá há 40 anos

Art. 11º Roma II dá uma flexibilidade quanto à lei aplicável à gestão de negócios que não eram
concebíveis no CC.
➢ Art. 43º CC não admitia a escolha da lei aplicável

Norma de Conflitos de fonte interna: art. 43º CC


Interpretação do conceito a partir do art. 464º CC, mas que se autonomiza.

Gestão de Negócios é submetida um estatuto único, ainda que a atividade se tenha


desenvolvido no território de diferentes Estados – delimitação dos atos abrangidos pelo
estatuto da gestão de negócios tem de fazer-se, em primeiro lugar, em função do dono do negócio;
➢ depois tem de atender à conexão objetiva e temporal entre os atos de gestão de negócios
da mesma pessoa e se faltar tem de se determinar a lei aplicável á gestão de cada um
dos negócios.

Baptista Machado: também deve haver um desvio a favor da lei pessoal comum quando o dono e
gestor do negócio se encontram ocasionalmente no estrangeiro no momento da prática dos atos
de gestão.

184
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Magalhães Collaço: discorda


o LP: admite, por aplicação analógica do art. 45º/3

O que se entende por gestão de negócios para se aplicar o art. 11º?


“prática de um ato relativo a negócios alheios sem devida autorização” – muito amplo e onde
se comporta várias situações.
• Pode haver Gestão Própria ou Gestão Imprópria.
• Pode haver Gestão de negócios alheios convencido que são próprios (art. 472º CC).

Tudo isto cabe no art. 11º


DMV: conceito deve ser interpretado autonomamente e de forma ampla, abarcando o maior
número de situações possíveis.
➢ Não se aplica a todos os casos em que haja gestão de negócios nos campos das situações
jurídicas excluídas pelo art. 1º/2 Roma II – se a gestão ocorre no âmbito de uma dessas
relações jurídicas então não se aplica Roma II
➢ Ex: se pai gerir negócios do filho (a título de lei ou não), como são relações de família
não se aplica Roma II e sim art. 43º CC
➢ Também nos casos de Propriedade Intelectual não se aplica – art. 13º e 8º Roma II

Art. 28º ressalva as Convenções Internacionais (que mantêm o seu campo de aplicação como
lege especialis).
➢ Neste âmbito existem algumas: Convenção de Haia (quanto à representação e
mediação)
o Conexões da Convenção de Haia têm clara preferência a favor da lei do
representante – se partes não escolheram lei aplicável partes aplicam lei do
representante.
o Às vezes aplicar a lei do país do representante é favorece-lo excessivamente
face ao gestor de negócios.
o Aplicar à gestão representativa leva a depeçage (fracionamento) – no caso de
atos materiais em que não é em nome alheio não se aplica.
o Mesmo à gestão representativa deve aplicar-se Roma II (LP discorda)
➢ Salvação Marítima – campo por excelência da gestão de negócios – Convenção de
Londres sobre a Salvação Marítima (1980)
o Roma II não se aplica nos casos em que intervenha essa convenção – Portugal
não se vinculou mas afetou lei interna sobre a salvação marítima que decorre
da adoção de regras dessa convenção.

185
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei Reguladora dos DIREITOS REAIS


Lima Pinheiro: Os Direitos Reais são situações que existem independentemente de uma relação
intersubjetiva e é no Estado da situação que o titular exerce os poderes materiais compreendidos
no conteúdo do Direito.
• Este direito é absoluto, oponível erga omnes, em que o lugar da situação é um
elemento de conexão cognoscível com facilidade e segurança por todos os
interessados.
• A organização económico-social do Estado da situação dos bens também avança
interesses que têm de ser tidos em conta.

Art. 46º CC
Art. 46º/1 CC: regra que submete os Direitos Reais à Lex Rei Sitae
➢ Lei do país onde a coisa se encontra situada
➢ Tanto para imóveis como para móveis (tradição a partir de Savigny)

Regra que nem sempre existiu e durante muito tempo prevaleceu a situação de que os bens
seguiam o seu dono – lei reguladora das coisas era a do domicílio do seu proprietário.
➢ Idade Média: Mobilia secundum personae
➢ Com Savigny, séc. XIX, passou a aplicar-se a Lex Rei Sitae

Quais os títulos de legitimidade da Lex Rei Sitae para regular esta matéria?
• Interesses públicos – na matéria de Direitos Reais estão implicados interesses dos
Estados, pois incidem muitas vezes sobre bens que são fonte de riqueza.
o Têm interesse em regular os bens que estão no seu território, bem como a
aquisição desses bens por estrangeiros (o estatuto dos bens no território).
o Direitos Reais estão sujeitos a um princípio de tipicidade pelo que este é um
domínio em que não há autonomia das partes – só a aplicação da Lex Rei Sitae
é que concretiza esse princípio da tipicidade
▪ Ficaria comprometido se as partes pudessem escolher outra.
• Interesses do tráfego jurídico em geral – interessa saber a quem intervém no tráfego
jurídico qual o estatuto dos bens.
o A aplicação da Lex Rei Sitae conduz a maior segurança nesta matéria pois para
se informar sobre o estatuto jurídico de certo bem, apenas tem que ter em
conta a lei do país onde ele se encontra.
• Interesse na harmonia de julgados – isto permite que a causa seja julgada de acordo
com a mesma lei onde quer que seja o foro.
o Solução mais difundida universalmente e que tem maior acolhimento nos
sistemas de DIP.
• Interesse na efetividade das decisões judiciais – quando Tribunal profere decisão sobre
certo bem, se ela não for voluntariamente acatada, terá de ser executada no país onde
se pretende que produza efeitos (onde o bem se encontra).
o Aplicando a Lex Rei Sitae o reconhecimento da sentença estrangeira facilita a
execução da decisão.

186
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Desvios à aplicação da Lex Rei Sitae


A. Coisas em Trânsito
Coisas que no momento em que são objeto de Negócios Jurídicos estão em circulação de um
país para outro, sendo objeto de um transporte internacional.
➢ Atos de disposição à distância sobre coisas em trânsito – coisas que se encontrem em
transporte internacional (res in transitu)

Mercadorias podem ser objeto de compra e venda quando estão em trânsito.


• DMV: Face à essas não faz sentido aplicar-se à Lex Rei Sitae e até podem estar num sítio
subtraído à soberania de qualquer Estado.

Qual a solução?
• Aplicação da lei do país de expedição – Espanha
• Aplicação da lei do país de destino – Itália
• Aplicação da lei que os interessados escolheram (optam entre expedição ou destino) –
Suíça85

Portugal aplica a lei do país do destino – art. 46º/2 CC


• DMV: explica-se porque estas coisas destinam-se a ser inseridas no tráfego jurídico do
país para o qual são transportadas
• LP: Quanto o negócio de disposição é celebrado depois de iniciado o transporte, a
transferência da propriedade é regulada pela lex loci destinationis, sendo irrelevantes as
ordens jurídicas dos países de trânsito.

B. Meios de Transporte sujeitos a regime de Matrícula


DMV: Aqui não faz sentido que se aplique a lei do lugar onde se encontrem ocasionalmente e
também podem estar em sítios não sujeito à soberania de nenhum Estado.
• Solução do art. 46º/3 e 488º CCom – aplica-se a lei do país da matrícula
o Art. 11º DL 201/98 – estatuto do navio, aplicando a nacionalidade do navio (que
é estabelecida por cada país, sendo a portuguesa determinada pelo art. 3º deste
DL)

Baptista Machado, Ferrer Correia: esta regra só se aplica aos veículos automóveis se estes
estiverem afetos, de modo duradouro, ao transporte internacional.
➢ LP: os direitos sobre veículos automóveis são regulados pela lei do Estado de matrícula
e só no caso excecional de veículos duradouramente afetos ao transporte interno, em
Estado diferente daquele onde estão matriculados, se justifica uma redução teleológica
do art. 46º/3 CC

E se as partes, no momento da celebração do contrato, têm conhecimento de que a coisa será


deslocada para um país diferente?
LP: defende aplicação analógica desta regra quando a lei do país de importação (de destino)
for chamada a reger o contrato ou, pelo menos, os aspetos relativos à transferência da
propriedade que relevam do estatuto contratual.

85
DMV: Pode gerar incerteza; se cláusulas não forem registadas os 3º não têm acesso.

187
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

➢ Rege a lei do país de importação quando esta for aplicável aos aspetos relativos à
transferência da propriedade que relevam do estatuto contratual. Caso contrário, a
transferência da propriedade será regida pela lei do país de expedição.

C. Código Valores Mobiliários


Art. 41º - transmissão de direitos e garantias e tem a ver com a lei do estabelecimento da
entidade onde foram registados.
➢ Titularidade dos direitos é sobre bens incorpóreos – existem em registos eletrónicos
sobre os quais não se pode determinar uma Lex Rei Sitae.

D. Direitos sobre Bens Culturais


DMV: matéria na ordem do dia e muito relacionado com os bens transportados das antiga
colónias para as metrópoles; ou bens roubados e ilicitamente exportados e etc.
➢ LP: Problemas suscitados pela exportação de bens que integram o património cultural
de um país, com infração à legislação desse país que rege a exportação de bens
culturais ou que foram furtados.

À face de que lei é que se afere os Direitos Reais sobre esse bem? E quanto aos direitos do
adquirente de boa fé?
➢ Entra em jogo um novo interesse: Interesse do Estado de Origem do Bem em reaver
esse bem, que pertence à sua herança e património cultural
o Isto justifica que se aplique a lei do país de origem do bem e não a Lex Rei Sitae
▪ Instituto de Direito Internacional (1991) aprovou resolução que manda
aplicar lex originis.
▪ Lei Belga de DIP tem regra neste sentido, também86.

Portugal não tem uma regra explícita sobre isto.


➢ Podemos recorrer à técnica das Normas Internacionalmente Imperativas
o Em derrogação da lei em princípio aplicável (lex rei sitae), podem aplicar-se
normas internacionalmente imperativas tendo em conta os objetivos que elas
visam (lex originis).

Lei de Bases do Património Cultural (Lei 107/2001) tem regras internacionalmente imperativas
que podem ser veiculadas neste caso.
➢ Art. 64º a 66º estabelecem as restrições em matéria de exportação e expedição.
o DMV: devem ser consideradas NAI, mesmo que o bem já se encontre em país
estrangeiro.
▪ Se não forem observadas há um ilícito que permite ao Estado
desencadear mecanismos de reação (art. 69º - e até atendemos a
normas de outros Estados iguais às nossas).

Quando o Estado de origem formula pretensão de restituição do objeto


• Em princípio considera-se admissível, perante os tribunais do Estado de importação.
o Estado de origem tem legitimidade ativa exclusiva para a ação de restituição,
desde que o outro seja um Estado-Membro da UE ou de um Estado em condições
de reciprocidade – isto quando os bens são restituíveis nos termos do direito da

86
Mas dá opção ao Estado de origem. Dá possibilidade ao possuidor de boa fé invocar Lex Rei Sitae.

188
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

UE ou internacional que vincular o Estado português (art. 69º/4 Lei do Património


Cultural, Lei 107/2001)

Quando o Estado de origem formula pretensão fundamentada na perda de propriedade do


objeto a favor deste Estado devido a exportação ilícita pelo anterior proprietário
• Problema de aplicabilidade, no Estado de importação, das normas do Estado de origem
que regulam a exportação e que desencadeiam a perda da propriedade
o Art. 69º/5

Ferrer Correia: normas que regulam a exportação são chamadas pela norma de conflitos
reguladora dos direitos reais
➢ LP: o Estado de origem só adquire a propriedade com a saída da coisa do seu território,
pelo que os critérios gerais que orientam a resolução de problemas de sucessão de
estatutos reais não parecem funcionar neste caso.

E se coisa furtada ou ilicitamente exportada for adquirida no Estado de importação por terceiro
que alega a sua boa fé?
• A aplicação da lei do Estado em que a coisa se situa no momento da aquisição por terceiro
leva frequentemente à perda da propriedade por parte do proprietário originário ou do
Estado de origem.
o Esta não é a solução do Direito material português – regime especial da Lei
107/2001
o Transferência ou aquisição originária da propriedade de bens culturais é
regida pela lei do Estado de origem.

Outra solução seria a Unificação destas matérias


Convenção Unidroit sobre Bens Culturais Roubados ou Ilicitamente Exportados (Roma, 1995)
– estabelece direito unificado quanto a bens culturais roubados.
➢ Portugal é parte desde 2000

Convenção da UNESCO Relativa às Medidas a Adotar para Proibir a Importação, Exportação e


Transferência Ilícitas da Propriedade Bens Culturais (Paris, 1970)
➢ Vincula Portugal

Convenção entre os Estados que a ratificaram obriga a restituição dos bens culturais ao país de
origem.
➢ Já sai do campo das Regras de Conflitos e estamos no campo da aplicação de Direito
Material Uniforme.

Diretiva 93/7/CEE Relativa a Restituição de Bens Culturais foi reformulada pela Diretiva
2014/60/EU (que alterou também o Regulamento 1024/2012) e contém principalmente normas
materiais sobre cooperação de autoridades e admissibilidade das ações de restituição.

189
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Âmbito do Estatuto Real


Art. 46º/1 descreve o âmbito das matérias a que se aplica
➢ Posse e todo o regime de todos os Direitos Reais
o O regime da posse é matéria do estatuto real, quer a posse seja ou não um direito
real – abrange aqui os meios de tutela da posse e os efeitos da posse quanto à
aquisição de direitos reais.

DMV: cabe neste âmbito tudo o que tem a ver com a constituição, transmissão e extinção dos
direitos sobre coisas

Por Direito Real, para efeitos do art. 46º, entendem-se os direitos que assim forem qualificados
nos termos do art. 15º CC.
➢ Faz-se as operações da qualificação para perceber se é um Direito Real, começando por
caracterizar esse direito face à putativa aplicação da lei.
o Após essa caracterização temos de perceber se essa caracterização cabe no
nosso conceito de Direito Real.
▪ Isto mesmo que nos outros sistemas jurídicos se chame “direito
obrigacional” mas tenha todas as características de Direito Real

Delimitação da aplicação da Lex Rei Sitae


Ex: Lei A regula o contrato; Lei B regula os direitos sobre a coisa – questão de saber como se
opera a transferência da propriedade é matéria do estatuto real, aplicando-se a Lei B e não a Lei
A (apesar de ser esta que regula a eficácia, forma e etc. da transmissão da coisa através de um
contrato)

Divisão: lei do contrato regula as obrigações das partes e a lei que regula o direito real é quanto
à transmissão da propriedade e etc.

Art. 4º/1/c Roma I


Manda aplicar aos contratos reais sobre bens imóveis a Lex Rei Sitae – evita-se o depeçage
pois manda aplicar as obrigações contratuais a lei do lugar da coisa.

E quanto à aquisição por negócio jurídico, quando o negócio real surge ligado a uma relação
obrigacional?
Critério tradicional da doutrina europeia é a primazia relativa do estatuto real – ideia de
prevalência da qualificação real relativamente aos elementos do contrato de compra e venda com
incidência real e aos aspetos de uma relação contratual em que segmentos reais e obrigacionais
estão indissociavelmente ligados.
➢ LP: pode ser aceite em matéria de direitos imobiliários mas não em matéria de
direitos mobiliários

De iure condendo é defensável uma autodeterminação das partes, pois a transmissão negocial da
propriedade é o produto de um ato de autonomia e porque a proteção da segurança do tráfico não
justifica, com respeito aos negócios do tráfico internacional, uma competência geral da lex rei sitae.

De iure constituto, a formação, validade, interpretação e integração das cláusulas relativas a


efeitos reais do negócio são regidas pela lex contractus. A produção de efeitos reais, bem

190
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

como os respetivos requisitos de eficácia, dependem da lex rei sitae mesmo na relação inter
partes.
➢ Não é compatível com o Direito vigente qualquer liberdade de escolha pelas partes do
Direito aplicável à transferência da propriedade.

Sucessão de Estatuos
Pode haver uma sucessão de estatutos se a coisa mudar de um país para outro, devido a uma
transação.
➢ Antes da transação está num país e após a transação está noutro

Coisas móveis submetidas à lex rei sitae e que são objeto de deslocação internacional.

Conflito Móvel – quando os direitos sobre determinada coisa sofrem uma alteração do seu
regime jurídico ao longo do tempo em virtude de uma transação.
➢ Aplica-se a 1ª ou a 2ª Lex Rei Sitae?
o DMV: à partida, tendo em conta os interesses que justificam a competência
desta lei, em cada momento aplica-se a atual Lex Rei Sitae
o LP: O momento relevante da conexão é aquele e que se verificam os factos
constitutivos, transmissivos, modificativos ou extintivos. Portanto, à
constituição, transmissão, modificação ou extinção do direito real aplica-se a
lei reguladora do direito real ao tempo da verificação dos respetivos factos.

E se Negócio Jurídico foi celebrado no momento em que bem está no 1º país e só depois é que
foi transportado?
Ex: bem está em Portugal e aqui é objeto de compra e venda; após o contrato foi transportado
para a Alemanha mas ainda não foi entregue.
• Em Portugal o proprietário é o comprador.
• Na Alemanha o proprietário ainda é o vendedor (faltou a entrega, que é exigida).

DMV: Neste caso, o ato constitutivo/transmissivo da propriedade verificou-se na vigência da


anterior Lex Rei Sitae, portanto é esta que se tem de aplicar.
➢ Pois foi celebrado um Negócio Jurídico em que a transmissão da propriedade é logo com
o contrato, tendo em conta a Lex Rei Sitae desse país – com o mero facto de ele se
deslocar não pode haver a legítima confiança de que ele seja proprietário desse bem
(tendo em conta o país onde celebrou Negócio Jurídico).

E se Direito Real for desconhecido da lei do novo país da situação do bem?


DMV: É muito complexo quando não existe um Direito Real de garantia na nova Lex Rei Sitae.
Ex: em certos países não se admite a hipoteca de bens móveis

Única solução possível é fazer uma TRANSPOSIÇÃO – figura do DIP que implica que um direito
subjetivo constituído ao abrigo de determinada lei, que não tem equivalente no novo país,
tem uma operação de transposição para o equivalente funcional.

191
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Lei reguladora da PROPRIEDADE INTELECTUAL


Vem na sequência dos Direitos Reais

A grande maioria dos litígios relativo aos direitos de propriedade intelectual é apreciada pelos
tribunais do país de proteção, razão por que geralmente são decididos por aplicação da lex
fori.
➢ Daí que em situações internacionais nem sempre se tome consciência de que a aplicação
do Direito material do foro tem de resultar da atuação de uma Norma de Conflitos.

Oliveira Ascensão, Moura Ramos: nesta matéria não funcionam Normas de Conflitos pois trata-se
de direitos de monopólio que só vigoram na ordem jurídica que os concede e/ou pelo facto do
Direito de Propriedade Intelectual ser de aplicação territorial.
➢ LP: discorda – a conceção dominante distingue entre o Estado de proteção (onde é
pretendida a proteção, i.e., onde se retende utilizar ou defender contra terceiros o bem
intelectual em causa) e o Estado do foro.
o O Estado de proteção só coincidiria necessariamente com o Estado do foro se os
tribunais de cada Estado se considerassem incompetentes para as ações
relativas à proteção dos direitos de propriedade intelectual no território de outros
Estados, o que não se verifica.

Direito de Autor e Direitos Conexos


Não vamos entrar na propriedade industrial nem concorrência desleal.

Muito importante nos dias de hoje – advento da internet muda radicalmente a problemática
associada aos direitos de autor e direitos conexos.
➢ Evolução tecnológica faz com que a reprodução de obras assuma um caráter
internacional.

Tanto para a exploração como para a utilização de fins privados das obras é de grande
importância, sendo relevante a lei aplicável.

Primeira convenção sobre Direitos de Autor: Convenção de Berna, Relativa à Proteção das
Obras Literárias e Artísticas (1886 e sucessivas revisões) – impulsionado por Vítor Hugo.
➢ Portugal foi um dos signatários e foi revisto em 1979 – sendo ainda o texto fundamental
nesta matéria.
➢ Direitos de Autor são fundamentalmente protegidos no âmbito da Convenção de Berna
➢ Art. 5º/2 tem norma de conflitos que remete para o Direito do Estado de proteção.

Há outros textos:
• Convenção de Genebra, 1952
• Acordo TRIPS/ADPIC, anexo à Organização Mundial de Comércio, propõe-se a criar um
standard único em todos os membros da OMC.
• Tratado de Direito de Autor de Genebra, 1996 – impulsionado pela Organização
Mundial Propriedade Intelectual (Agência da ONU, OMPI)

No âmbito da UE:
• 2001/29 – Diretiva Direito de Autor

192
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• 2004/48 – Aplicação Efetiva Direitos Propriedade Intelectual

Apesar dos esforços no sentido de harmonização e unificação no Direito de Autor, não há hoje
um Direito de Autor uniforme à escala mundial.
DMV: convenções estabelecem regras mínimas e são omissos em relação a certas disposições
fundamentais quanto aos Direitos de Autor.
➢ Gestão coletiva, quem é o titular – países dão respostas diferentes
o Mesmo a transposição de Diretiva dá muito espaço aos Estados-membros – art.
5º tem lista de 20 exceções, mas cada Estado-membro transpôs esse elenco à
sua matéria.
o Há bastantes divergências entre common law e civil law – é com base em razões
ideológicas
▪ Ex: reconhecimento de direitos morais aos autores – há direito à
integridade da obra? Common Law tem relutância em aceitar e em
França é de Ordem Pública.
▪ Ex2: Quem é o proprietário da obra cinematográfica? Nos países de
common law é o produtor (quem financiou); nos países de civil law é o
realizador (quem fez o esforço criativo).

o Para que uma obra seja protegida, na matriz francesa, tem de haver
originalidade na obra – ou seja, criatividade, manifestações de génio da
personalidade dos autores.
o Na matriz anglo-saxónica a lógica é que tudo o que merece ser copiado
também merece ser protegido.

Portanto, pode haver conflitos de leis no espaço.

Acontece o mesmo aos direitos conexos – concedidos a 3 categorias


1. Artistas intérpretes ou executantes;
2. Produtores de fonogramas e videogramas;
3. Profissionais de radiodifusão.

Prestações devem ser protegidas dado o valor acrescentado que trazem à obra devido à sua
difusão, trazendo-lhe valor comercial.

Desde os anos 1960 que há movimento para a proteção destes direitos conexos
➢ Houve convenção (Roma) em 1961 a que Portugal só aderiu em 1999.
➢ Em 1996 a OMPI também adotou um tratado regulando esta matéria.
➢ Estas convenções não suprimiram os conflitos de lei nesta matéria.

Ex: alguém edita, em Portugal e em 2018, um CD com canções originariamente interpretadas


por Frank Sinatra em 1945.
Em Portugal, as fixações dos EUA em 1945, já podem ser reproduzidas pois já se passaram 70
anos.
Nos EUA ainda há proteção, pois o prazo é de 95 anos.

193
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Se considerarmos aplicável ao direito conexo o direito dos EUA, onde originariamente foi
publicado, então há infração. Se for aplicável a lei portuguesa, por ser cá o ato de reprodução
da fixação e comercialização, então é lícito.

Quais os interesses em presença:


1. Interesses do próprio autor/titular de direitos conexos – sujeitos que têm interesse em
poder utilizar e explorar em exclusividade as suas obras e prestações.
• Interesse em que a proteção que têm no país onde a prestação é originária
tenha um cariz universal.
2. Interesses dos utilizadores – sujeitos que querem aceder a esta prestação.
• Interesse que a sua atuação seja regida pelo país onde levam a cabo os atos de
reprodução e exploração da obra utilizada.
3. Interesse Público – os Estados têm interesse nesta matéria pois este direito de autor é
um direito de exclusivo/direito de monopólio de exploração económica desse direito.
• Durante certo período tem de haver uma exclusividade.
• Todo o monopólio introduz limitação à livre concorrência, afastando os demais
da exploração desse bem.
• Cabe a cada Estado definir os limites no território de soberania como esse
exclusivo pode ser exercido (se e em que determinada medida podem utilizar
esse direito).

Quais as leis potencialmente aplicáveis?


Lei do país de origem da obra/prestação da origem
• Se estiver inédita, nacionalide do autor
• Lex originis favorece o interesse do próprio autor
• As próprias empresas que procedem à exploração do bem (indústria do copyright) têm
interesse nisto pois basta-lhes atender a uma só lei.

Lei do país para cujo território a proteção é reclamada – lex loci protectionis
• Se é feita utilização de uma obra/prestação protegida em certo país, é a lei que vigora
nesse país que vai regular.
• Ex: CD de covers do Frank Sinatra, seria a lei portuguesa
• DMV: lei mais condizente com os direitos de autor – direitos de autor/monopólio,
devendo ser regulado em cada Estado pela lei desse Estado.
o No lugar onde o Estado exerce soberania deve ter a prerrogativa de decidir se
atribui o exclusivo de certos bens a certas pessoas, definindo os limites
temporais e etc.
o Cada Estado diz em que medida consente a utilização.
o LP: A competência do Direito do Estado de proteção justifica-se porque a
concessão de um direito de monopólio traduz-se numa limitação ao interesse da
coletividade local na liberdade de exploração da obra, a favor do interesse
particular do autor.
• Também o princípio da tipicidade tem de ser tido em conta – aquilo que não e protegido
por força de uma disposição legal, é de utilização livre. Lei tem de definir quais os bens
incorpóreos que são objeto de proteção.

194
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o Princípio da territorialidade – DMV acha que a expressão é ambígua e não gosta

Regra de Direito Positivo


Aplica-se lex loci protectionis
→ Art. 5º/2, 2ª parte Convenção de Berna

DMV: quando se diz “lei do país onde a proteção é reclamada” pode suscitar equivoco – é lex
fori? Ou sítio dos atos que violaram o Direito?
• Não se deve defender a aplicação sistemática da lex fori e tem de ser no sítio em que os
atos foram praticados
• Ex: CD Frank Sinatra, se for demandado em Espanha, vai aplicar-se lei Portuguesa pois
foi para esse território que se atuou

Art. 8º/1 Roma II


➢ DMV: “para o qual” – aperfeiçoamento da regra.
➢ Confirma o entendimento da Convenção de Berna

A que matérias se aplica esta lei?


Tudo o que tem a ver com o Direito de Autor ou só questões quanto à existência, titularidade?
O que a lex protectionis tem de reger é se existe direito de autor, qual o conteúdo, duração,
regras de transmissão e oneração e às obrigações extracontratuais resultantes da violação.

Há matérias quanto às quais não se tem de aplicar – sobretudo quanto a saber a titularidade
do Direito de Autor
• Razões que justificam a aplicação da lex protectionis já não justificam a aplicação desta
lei nesta matéria
• Quanto a saber quem é o titular dos exclusivos podemos guiar-nos pela lex originis –
é a lei do país de origem que nos pode indicar quem é o titular.
• Art. 48º/1 CC – remete lex originis mas ressalva lei especial (Convenção de Berna e Roma
II).
o DMV: âmbito de aplicação totalmente residual87 – única matéria em que não
temos fonte especial é quanto à titularidade do direito.
▪ Quanto à titularidade do Direito rege o art. 48º e manda aplicar-se a lex
originis.

Vários DL, proteção de direitos sobre computadores e bases de dados também remete para a lex
originis quanto à titularidade do direito de autor.
Saber se há ou não proteção e quais as faculdades que assistem ao autor é segundo a lex
protectionis.
Há um depeçage e diferentes títulos de aplicação a esta matéria

87
LP: Art. 48º CC tem um campo de aplicação muito limitado e só vigora na medida em que a legislação
especial não disponha em contrário.
➢ Os art. 63º e ss. Código de Direito de Autor e Direitos Conexos têm soluções incompatíveis com
o art. 48º/1 CC, pelo que o campo de aplicação desta última norma é muito residual.

195
Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

Quanto aos direitos conexos não há regras explícitas


➢ DMV: todas as regras que aplicámos também se aplicam aos Direitos conexos – eles
estão em estreita relação com os direitos de autor.

Quanto à colocação da obra em rede informática à disposição do público


Lex protectionis gera problema: utilização pela Internet
➢ Utilização ubíqua – uma vez colocado um conteúdo à disposição de utilizadores, pode
haver utilização ao mesmo tempo e em todo o mundo

Qual a solução?
Utilização é feita onde se encontra alojado o conteúdo – onde está o servidor e para onde se
faz o upload.
➢ Vantagem é que se aplica uma única lei onde quer que a obra seja utilizada
➢ Problema é que pode o servidor estar num país que não protege o direito de autor.

Utilização regista-se em qualquer país a partir do qual seja feito o acesso – onde as obras estão
disponíveis e são acedidas, onde se faz o download
➢ Problema é que conduz um cúmulo distributivo de leis aplicáveis – empresa que se
dedique a colocar online conteúdo protegido por direito de autor tem que cumprir as
leis dos muitos países onde se pode fazer o download.

DMV: nem critério do upload nem do download parecem adequados a resolver o problema
• Grupo de professores, sob a égide do instituto Max Planck publicou texto tentando lidar
com esta problemática – texto CLIP (conflict of laws in intelectual property)
• Texto de soft law
o Art. 3, 603/1 – faz apelo à conexão mais estreita com a infração
o Para se determinar a conexão mais estreita tem de se ter em consideração todos
os fatores relevantes.
o Ex: operador de serviços de internet estabelecida na Austrália e de lá coloca
online ficheiros musicais sem autorização do titular do Direito de Autor. Ficam
acessíveis em todo o mundo. Há infração do direito de autor ou não? Depende
do que diga o país que tenha a conexão mais estreita.
o Qual a conexão mais estreita? Tem de se ter em conta os 4 critérios do CLIP.
o Podemos ver o lugar que causa mais dano como aquele onde vende mais CDs,
tem mais fãs e etc. O que conta é o mercado que mais seriamente é atingido
por esta utilização.
o Vai aplicar-se uma só lei e soluciona o problema de múltiplas leis – esbate-se o
conceito de territorialidade
▪ DMV: mas esse conceito vem do séc. XIX, já é algo do passado e as
utilizações são feitas em linha por meios ubíquos e já não há 1
território onde se pode apontar o sítio em que é feito a utilização.
Todo o mundo é o território de utilização.

LP: só é Estado de proteção aquele em que ocorre uma conduta que, segundo o Direito
local, constitui um ato de utilização ou lesão de um direito de autor.
➢ A simples receção de uma transmissão não pode constituir um ato de utilização ou lesão
de um direito de autor.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

o DMV discorda

E quanto aos Estados onde se situam os servidores em que a obra é armazenada e em que os
utilizadores têm acesso à rede informática?
➢ Diretiva 2001/29 levou à transposição do seu art. 2º para o art. 68º/2/i do Código de
Direitos de Autor e Direitos Conexos, o que consagra que o mero acesso à obra através
da internet, bem como as cópias temporárias que são realizadas por intermediários no
processo de transmissão eletrónica, constituem, em princípio, formas de utilização do
direito.

LP: o acesso em linha a uma obra protegida não é legitimado pelo direito de reprodução
para uso privado (art. 5º/2/b Diretiva e 75º/2/a, 81º/b Código Direito de Autor) quando o
utilizador sabe ou deveria saber que a obra não foi colocada à sua disposição com
autorização do titular do direito de autor ou ao abrigo de alguma das exceções ou limitações
legais ao seu direito de exclusivo.
➢ Assim, o direito de autor é violado pelo utilizador da internet que acede à obra sabendo
que a mesma não foi colocada à sua disposição por forma legítima.

Os direitos morais de autor também estão submetidos ao Direito do Estado de proteção.

Qual a lei aplicável aos contratos cujo objeto são direitos de autor?
Titular dos Direitos pode ter licenciado a utilização da sua obra a terceiros – ex: contrato de
cantor com editora

Os contratos de transmissão de direitos de propriedade intelectual ou a cessão da sua exploração


estão submetidos às normas de conflitos gerais do Regulamento Roma I, mas, o efeito translativo
do direito e outros efeitos relativo à propriedade intelectual são controlados pela lei reguladora do
direito de propriedade intelectual.

Qual o significado de prestação característica nos termos do art. 4º/2 Roma I?


Roma I permite escolher a lei aplicável.
➢ Se partes não escolherem a lei aplicável – art. 4º/1 não tem contratos respeitante a bens
imateriais
o Aplica-se o art. 4º/2 Roma I
▪ Mas quem é o devedor da prestação característica?
• DMV: Não é fácil, pois tem de ser aquela que lhe dá perfil
próprio.
• O autor pode autorizar a exploração da sua obra de
variadíssimas maneiras (podem ser sujeitas a múltiplas
explorações) – a sua prestação é sempre a mesma, a
autorização.
• O editor é que muda as prestações, depende de como a
exploração vai ser feita – esta é que deve ser considerada a
prestação característica.

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Sebenta DIPrivado – 2018/2019 DNB

• Adquirente assume a obrigação de explorar o direito transmitido – prestação


característica é a do adquirente. Ex: contratos de edição
• Adquirente não assume a obrigação de explorar o direito transmitido – prestação
característica é a do transmitente.

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