Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PRIVADO
APONTAMENTOS TEÓRICOS
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Bons estudos!
1
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
24 de setembro de 2021
1. INTRODUÇÃO:
1.1. Noção e Objeto do DIP:
Importa começar por dizer o que é o DIP, determinar o seu objeto e quais as suas
principais características. Genericamente, podemos dizer que o DIP regula as relações
jurídicas privadas internacionais. Porém, com esta formulação permanecem as
seguintes questões: mas como? O que é regular? E o que são relações privadas
internacionais?
A ideia é que o DIP se propõe a oferecer soluções jurídicas que, como iremos
ver, não serão necessariamente soluções materiais. Não consiste, porém, num mero
conjunto de normas, mas também de princípios e de critérios para oferecer uma solução
jurídica aos problemas que as relações privadas internacionais oferecem de forma
especial.
2
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
de normais penais, ainda que se trate de relações jurídicas extra territoriais, ou seja,
podem existir questões internacionais não tratadas pelo Direito Internacional Privado.
Temos, portanto, um ramo que irá regular relações jurídicas privadas naquele
sentido amplo. Ora, a especificidade deste ramo reside na internacionalidade, na
medida em que o seu objeto será aquelas relações jurídicas plurilocalizadas, isto é,
aquelas relações cujos seus elementos constituintes contactam com mais do que um
ordenamento jurídico. Não se trata, portanto, de relações internas.
3
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Daniel Josephus Jita- distinguiu entre 3 tipos de relações, sendo que apenas 2 delas
interessam a DIP e que apenas 1 delas suscita um conflito de leis:
1. Relação Interna: relação que tem apenas contacto, nos seus elementos
constitutivos, com o ordenamento jurídico do foro;
4
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
A via material é uma via muito limitada para resolver os conflitos dentro do DIP,
pelo que a via regra é a via conflitual- Qual é a lei que se aplica? A função do DIP
passa muito por dizer qual a lei que se vai aplicar. Em regra, a solução jurídica que o
DIP oferece é a determinação da lei aplicável ou a seleção de lei para dirimir o litígio (é
mais correto dizer “seleção” em vez de “escolha”).
5
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Se, numa situação privada internacional, o DIP diz qual a lei aplicável, nada
impede que a lei aplicável seja estrangeira e o tribunal do foro vê-se obrigado a aplicar
lei que não é a lei do foro. Esta inevitabilidade de aplicar direito estrangeiro explica-se
pelo facto de se tratar da única via e solução que o DIP oferece. Moura Ramos diz-nos
que: “O direito não tem vocação de universalidade”, uma ideia que pretende
expressar que o Direito tenta e é construído para dirimir litígios internos, pelo que, por
vezes, quando a situação tem pontos de contacto com várias OJ, a lei a aplicar mais
adequada pode não ser a do foro.
30 de setembro de 2021
6
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
* No direito romano, o próprio ius gentium era pensado para o próprio direito
internacional. Todas as RJ que se estabeleciam no âmbito civilística, eram
regulados pelo ius gentium, até as internacionais.
7
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
8
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
1 de outubro de 2021
Isto para Portugal é muito importante porque basta que surja um litígio perante
um tribunal português que é competente e esse tribunal poderá aplicar a Convenção de
Viena para este tipo de contratos:
(1) Imediatamente se ambas as partes contratantes tiverem estabelecimentos
em estados aderentes; ou
(2) Através da mediação da regra de conflitos, se essa regra indicar como lei
aplicável a lei de um estado aderente, como, por exemplo, a lei
portuguesa.
9
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
por exemplo, de um regulamento europeu, mas não deixa de ser o seu DIP. Só aplicará
DIP estrangeiro quando se utiliza o mecanismo do reenvio (cada vez mais excecional).
Ora, aplicando o seu DIP, vai determinar que é aplicável uma lei que pode ser, de
facto uma lei estrangeira. No entanto, se nas regras de DIP existir uma disposição
material, vai aplica-se sempre essa disposição mesmo que a lei aplicável seja outra. Isto
pode causar confusão com uma outra abordagem de que iremos falar que são as normas
de aplicação imediata, porém não se confunde porque do que estamos a falar agora são
de normas materiais que estão ao lado, no seio, de regras de conflitos.
🡺 Um exemplo de uma norma material de DIP português é o artigo 54º nº2
CC:
ARTIGO 54º
(Modificações do regime de bens)
1. Aos cônjuges é permitido modificar o regime de bens, legal ou
convencional, se a tal forem autorizados pela lei competente nos termos
do artigo 52.º
2. A nova convenção em caso nenhum terá efeito retroativo em prejuízo
de terceiro.
10
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
11
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Não é forçoso que haja esta contrariedade. Aliás, podemos até ter uma situação
em que seria aplicável de qualquer forma a lei portuguesa, nos termos da regra de
conflitos, e, no entanto, existir também uma norma material, algo que acontece num
outro exemplo:
🡺 Vejamos, agora, o que resulta do artigo 51º CC:
Artigo 51.º
(Desvios)
1. O casamento de dois estrangeiros em Portugal pode ser celebrado
segundo a forma prescrita na lei nacional de qualquer dos contraentes,
perante os respetivos agentes diplomáticos ou consulares, desde que
12
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Este artigo refere-se a uma outra questão, ainda que ainda no seio
do Direito Matrimonial. Neste caso, refere-se à forma do casamento.
Como iremos ver, o casamento rege-se por regras substanciais, mas
também por regras formais. No direito português, português, uma
questão que é formal, não tendo a ver com o próprio ato da celebração,
mas com um processo anterior ao casamento que é obrigatório- o
processo preliminar do casamento-, no seio do qual se averigua se os
cônjuges têm capacidade matrimonial (isto porque se trata de uma
capacidade específica e porque podem existir impedimentos).
Ora, esta averiguação prévia, que é uma característica muito
própria no contrato de casamento, é uma questão de forma. Assim sendo,
numa relação matrimonial internacional, é necessário saber qual é a lei
aplicável à forma do casamento. Dito de outro modo, o casamento, do
ponto de vista formal, tem de estar de acordo com uma determinada lei.
Mas qual lei?
Essa questão está resolvida, em regra, no artigo 50º CC em que se
diz que a forma do casamento é regulada pela lei do Estado em que o ato
é celebrado (é uma regra tendência que em questões formais se aplique a
13
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
14
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
15
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Em regra, será a lei nacional, mas pode ser substituída pela lei
da residência habitual. O que significa que as regras para decidir sobre o
início e o termo da personalidade jurídica vão ser fixadas, em princípio,
pela lei nacional de cada indivíduo.
Diz-nos, depois, o nº2 que “Quando certo efeito jurídico
depender da sobrevivência de uma a outra pessoa e estas tiverem leis
pessoais diferentes, se as presunções de sobrevivência dessas leis
forem inconciliáveis, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 68.º”.
Ora, este artigo 68º nº2 é, precisamente, uma regra material com
função auxiliar, na medida em que vem ajudar a regra de conflitos numa
determinada situação. Estamos a falar, nomeadamente, dos problemas de
comoriência: quando, por exemplo, para efeitos sucessórios, é necessário,
para a sua produção, que se afirme que uma pessoa sobreviveu a outra
pessoa. Este problema muitas vezes sucede em situações de acidente,
catástrofe, etc… em que há a chamada morte simultânea. Não se
conseguindo determinar a ordem do falecimento, a lei estabelece,
precisamente, a chamada presunção de comoriência, presumindo-se que
faleceram ao mesmo tempo.
Esta é uma solução da lei portuguesa, mas pode não ser idêntica à
solução dada por uma lei estrangeira. Aliás, existem ordenamentos
jurídicos que estabelecem presunções diferentes- presumem que a pessoa
mais velha morreu primeiro, ou que a mulher faleceu primeiro que o
marido, etc…
Assim sendo, numa relação jurídica internacional, podemos ter
aqui uma dificuldade enorme, na medida em que as pessoas que
faleceram podem ter leis pessoais diferentes, isto é, terem nacionalidades
diferentes e essas leis podem ter presunções de morte inconciliáveis.
o Imaginemos que a lei nacional de A diz que se presume a morte
da pessoa mais nova e que a lei nacional do B diz que se presume
que morreu a pessoa mais velha primeiro.
Então aqui é que surge a norma material do direito português para
auxiliar o funcionamento desta regra de conflitos. E, portanto, deixa-se
16
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Mas depois há outro tipo de normas matérias que também auxiliam, ou seja, que
também se integram nesta classificação de normas materiais que auxiliam o
funcionamento das regras de conflito, mas que o fazem com um sentido diferente:
🡺 É o caso, por exemplo, do artigo 45º nº2 CC que diz respeito à
responsabilidade extracontratual (aplica-se às situações respeitantes a
situações anteriores ao Regulamento Roma II).
Genericamente, o artigo 45º diz que será competente a lei do
estado em que ocorreu a principal atividade causadora do prejuízo e,
portanto, à partida será a lei do local em que ocorreu o facto ilícito (se
olharmos apenas para a responsabilidade por factos ilícitos) e não onde
ocorreu o dano- até aqui estamos perante uma regra de conflitos.
Diz-nos, de seguida, o nº2: “Se a lei do Estado onde se
produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o
considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua atividade, é
aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a
produção de um dano, naquele país, como consequência do seu ato
ou omissão”. Aqui o legislador não veio oferecer uma verdadeira
alternativa, mas uma outra lei aplicável que seja mais exigente e que de
17
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
18
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
19
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
adjudicar competências das várias leis que estão em contacto com a situação para a
resolução de questões jurídicas concretas. Deste modo, na perspetiva de Baptista
Machado, o DIP não soluciona o problema das relações privadas internacionais, antes
previne o conflito de leis.
Dito de outro modo, o que tradicionalmente se diz é que o problema do DIP é o
conflito de leis e que é resolvido pelas regras de conflitos, mas este autor vem chamar a
atenção para o facto de que por essas regras previne-se o conflito de leis, no sentido em
que ao adjudicar a competência para determinadas questões jurídicas em particular está
a evitar o conflito, fazendo uma delimitação do próprio âmbito de aplicação espacial das
regras materiais desses ordenamentos jurídicos em contacto com a situação.
20
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
21
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
22
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
23
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
22º CC e em que se diz que a lei estrangeira aplicável, determinada como tal pela regra
de conflitos, pode casuisticamente não ser aplicada se o seu conteúdo violar princípios
fundamentais do Estado português).
Depois, o artigo 14º nº2 CC estabelece um outro princípio que condiciona esta
questão que é um princípio de reciprocidade. Diz: “Não são, porém, reconhecidos
aos estrangeiros os direitos que, sendo atribuídos pelo respetivo Estado aos seus
nacionais, o não sejam aos portugueses em igualdade de circunstâncias”. Há quem
chame a isto um direito mais do que de reciprocidade, um direito de retaliação, uma vez
que o objetivo é evitar que os portugueses sejam tratados em desigualdade nos países
estrangeiros.
7 de outubro de 2021
Não há o problema do DIP se não houver mobilidade, daí que este ramo vá
ganhando cada vez mais importância à medida que o mundo se torna mais próximo.
Pudemos assistir nestes últimos anos como uma situação de pouca mobilidade
fomentou, do ponto de vista das relações internacionais, o ressurgimento de um tipo de
normas- de aplicação imediata- que são fortemente territoriais. Houve, de facto, uma
atividade legislativa reativa à pandemia que, do ponto de vista das normas de conflito e
do DIP, manifestou um aumento da previsão de normas de aplicação imediata. Assim
sendo, percebemos que, mesmo no mundo contemporâneo que se caracteriza pela
grande mobilidade, uma situação como uma pandemia ao criar imobilismo também tem
reflexos ao nível do DIP.
Podemos dizer que esta questão foi ignorada até ao século XI, ou melhor, até à
última parte da Idade Média, por várias razões que passaremos a estudar:
24
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O DIP que conhecemos hoje não foi criado pelos Romanos, mas desde aí que já
se sentia necessidade da criação de uma lei que fosse aplicável a estrangeiros. O ius
civile apenas se aplicava aos cidadãos romanos. Os peregrinos (cidadão latino mas não
romano) não tinham acesso ao ius civile. Era necessário encontrar um direito que
regulasse os casos mistos, isto é, as relações entre cidadãos e peregrinos. Este direito
seria então o ius gentium- lei material aplicável aos referidos casos.
Daqui nasceu uma prática nova: a aplicação por um mesmo juiz de leis
diferentes, segundo a origem das partes. Deste sistema não podiam deixar de resultar
conflitos de leis, mas estes problemas foram ignorados pelo direito romano.
No entanto, essa multiplicidade das leis num mesmo território vai desaparecer
em breve: as próprias leis antigas se fundem e novas instituições são criadas. Surge
assim um conflito de leis, que urge resolver. No sistema da territorialidade tal como
existiu na Idade Média, só a lei editada ou admitida pela autoridade local se aplica. Para
25
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Mas, se o direito local não é aplicável aos estrangeiros, que direito lhes há de ser
aplicado?
A. Movimento Estatutário:
26
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
→ O juiz não aplica senão a sua própria lei em matéria de processo (ad litem
ordinandam);
→ não é senão quanto ao fundo do litígio (ad litem decidendam) que se pode
conceber a aplicação de uma lei estrangeira.
Nesta escola, destaca-se BÁRTOLO, segundo o qual há que distinguir entre:
27
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Esta Escola vai influenciar novas Escolas: Escola Holandesa, por exemplo. Esta
Escola ajuda-nos a perceber muitas soluções de normas de DIP na atualidade porque são
pensamento que advieram daqui.
8 de outubro de 2021
B. Contributo de Savigny:
28
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Mas, para que o modelo conflitual, no fundo, se justifique há aqui uma ideia de
base que era correta ao seu tempo. Partiu da existência de uma chamada
comunidade de direito internacional. No século XIX não é, ainda, a ONU; é sim a
constatação de que nas Nações que têm estruturas jurídicas físicas, materiais,
intelectuais, que têm órgãos de aplicação do direito, que têm regras que funcionam, no
fundo, em que há um certo grau de sofisticação do ponto de vista institucional e
jurídico- era entre essas nações que se estabeleciam relações internacionais e, portanto,
neste conjunto de nações o direito não é muito distinto, especialmente no Direito
Patrimonial. Ou seja, não há radicais diferenças entre o direito material vigente entre as
diversas nações, aliás os Códigos Civis na época eram maioritariamente influenciados
pelo Código de Napoleão.
A questão é que estas nações têm direito semelhante porque comungam de
valores sociais e culturais semelhantes. Portanto, para Savigny, se isso é assim, a
aplicação da lei francesa, alemã ou italiana é relativamente indiferente e essa paridade
entre os direitos é uma ideia que depois justifica todo o desenvolvimento do sistema
conflitual. Deste modo, Savigny diz que é perfeitamente legítimo ao tribunal do foro
aplicar direito estrangeiro e o que é realmente importante é que haja harmonia
internacional de decisões- isso é que garante segurança jurídica, que fomenta o
comércio, fomenta a continuidade das relações jurídicas internacionais.
Portanto, o que é importante é que todos os tribunais em todos os estados
apliquem a mesma lei A, B ou C, qualquer que ela seja. Ou seja, haver identidade de
aplicação de lei e evitar, por isso, o tal forum shopping que é a procura do foro mais
favorável. Esta harmonia que Savigny vem considerar como o objetivo da política
legislativa em DIP vem, então, desincentivar ao forum shopping.
Mas como é que se chega lá? Qual é o critério para escolher a lei, num caso
de conflito de leis?
É aqui que Savigny vem propor como elemento operativo fundamental a
chamada sede da relação jurídica. A relação jurídica como entidade abstrata, que,
dependendo da sua natureza ou tipologia, tem de uma forma natural um território
jurídico a que pertence, ou seja, tem uma sede. Portanto, em vez de se partir da norma
jurídica como faziam os estatutários para indagar o seu âmbito de aplicação territorial,
29
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
procura o território jurídico a que pertence a relação jurídica e, encontrando a sua sede,
vai pedir à lei desse território que a regule e que aplique as normas materiais. O que se
pergunta agora é: A que ordenamento jurídico deve a relação jurídica pertencer?
Isso implicará, necessariamente, a aplicação de direito estrangeiro, mas será o
mesmo direito estrangeiro para qualquer órgão de aplicação do direito porque como se
olha para a relação jurídica como abstração, essa será a mesma quer para o Estado A, B
ou C. Ora, é a partir daqui que surgem, no fundo, as regras de conflito. Não exatamente
como as vemos hoje.
30
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
direito - contacto que lhe determina a sede - tem na sua base a submissão voluntária dos
sujeitos da relação a esse domínio de direito.
Todavia, não significa isto que para SAVIGNY a determinação da lei competente
esteja sempre na dependência direta da vontade dos interessados. Só no domínio das
leis supletivas pode o interessado escolher diretamente a lei reguladora da relação,
justamente porque aí a lei se não impõe à vontade. O que aquele princípio da submissão
voluntária exprime, relativamente ao caso normal, é que o indivíduo é livre de
praticar os factos que, uma vez praticados, determinam a competência da lei.
Assim, eu tenho a liberdade de me domiciliar em certo Estado; mas se lá me domicílio,
a minha capacidade civil passará a ser regulada, imperativamente, pela lei desse Estado.
1. Lei reguladora do estado das pessoas 🡪 o domicílio é como que a sede legal da
pessoa;
2. Lei reguladora dos direitos reais 🡪 lex rei sitae
3. Lei reguladora das obrigações 🡪 Há que escolher entre o lugar da constituição e
o da execução das obrigações. Ora o primeiro é um facto acidental e estranho à
essência da obrigação. O segundo, pelo contrário, é da essência da relação
jurídica, visto a obrigação ter valor pela sua execução. Logo, é conforme à
natureza das coisas que o lugar do cumprimento seja considerado como a sede
da relação obrigacional.
4. Direito das sucessões 🡪 associado à pessoa do de cujus- a lei aplicável deve ser
a do último domicílio deste. A sede da sucessão deve ser o domicílio do autor
da herança.
5. Direito da família 🡪 lei do domicílio do marido;
a. Poder paternal🡪 lei do domicílio do pai na altura do nascimento do filho;
6. Forma dos atos jurídicos 🡪 lei que regula a RJ em geral. Todavia, Savigny
também considera suficiente a lei onde se celebrou o ato porque muitas vezes
há dificuldades de investigação de elementos do NJ.
31
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Se o juiz deve, em princípio, aplicar à relação jurídica o direito da sua sede, quer
esse direito seja ou não o do seu próprio país, há diversas leis cuja especial natureza o
força à aplicação do direito local, ainda nos casos em que se mostrasse competente um
direito estrangeiro. Há, assim, um certo número de exceções ao princípio da
aplicação das leis estrangeiras, exceções que SAVIGNY reduz a duas classes:
1. Leis positivas rigorosamente obrigatórias, que por isso mesmo não podem
ceder na concorrência com leis estrangeiras;
2. Instituições de um Estado estrangeiro cuja existência não é reconhecida no
Estado local e que, portanto, não podem obter aí a proteção dos tribunais. São
estas regras que constituem o limite à aplicação do direito estrangeiro.
À primeira categoria pertencem, não todas as leis imperativas, mas todas as que
não existem apenas no interesse dos indivíduos e são antes inspiradas, ou numa razão de
ordem moral, como a lei que proíbe a poligamia, ou num motivo de interesse geral, bem
como as que revestem um carácter político ou de polícia. Como exemplos de
instituições de um Estado estrangeiro que não podem ser reconhecidas pelos tribunais
do Estado local, indica SAVIGNY a escravatura e a morte civil.
32
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
proximidade da lei com o caso concreto. E, portanto, nós vemos que Savigny continua a
estar presente e é até recuperado no âmbito da EU.
Voltando a Savigny, este evita a própria discussão da solução jurídica material
dos ordenamentos jurídicos em presença. Ele apenas procura a lei mais próxima,
independentemente da solução que essa lei oferece. De um ponto de vista estritamente
conflitual, não importa se ela é A, B ou C, o que importa é que esteja bem posicionada,
seja a mais próxima da relação jurídica. Esta ideia da maior proximidade ou da lei mais
bem colocada vai perdurar nos sistemas conflituais mesmo quando a própria noção de
relação jurídica é ultrapassada.
C. Contributo de Mancini:
33
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
34
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
que envolvem conflito de leis, ainda que interno, fazem com que a própria teoria dos
conflitos de leis se demonstre desadequada e rígida. Não leva em consideração as
próprias particularidades do caso concreto. A realidade passa muitas vezes uma visão
somente abstrata da situação e regulada como tal.
1. Para estes autores o método conflitual clássico era mecânico e muito rígido
porque não era sensível e permeável às vicissitudes do caso concreto. Este
método determinava em função da relação jurídica a sua sede e dessa sede
resultava a aplicação de uma lei e isso era visto de uma forma abstrata. Havia
uma solução que era completamente dissociada do caso concreto.
Quando Savigny diz que a questão da capacidade jurídica é regulada pela
lei do domicílio, ele tanto aplica esta lei ao nacional desse Estado como ao
estrangeiro desse Estado. Para Savigny a relação é a mesma e a lei mais próxima
é a lei do domicílio, por isso aplica-se a lei do domicílio, independentemente do
caso concreto. As vicissitudes do caso concreto são completamente irrelevantes,
são absolutamente indiferentes as circunstâncias daquela pessoa mesmo que seja
a nível de elementos de conexão. A ideia de Savigny é não cairmos no casuísmo,
porque ao aplicarmos uma lei segundo o caso concreto, acabamos por aplicar
leis diferentes.
35
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
36
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Salienta-se que este movimento crítico surgiu nos EUA, nos meados do seculo
XX, devido à sua larga tradição e necessidade de resolução de conflitos internos, dada a
dimensão do país e a grande quantidade de diversidade legislativa nos vários Estados.
Estas relações internas vão suscitar um desenvolvimento da doutrina da própria prática
jurisprudencial, acrescendo a isso o facto dessa diversidade normativa constituir uma
diversidade de famílias jurídicas e até ordenamentos.
Aquelas duas críticas são distintas, visando aspetos negativos diferentes. Estes
autores diziam que este é um sistema rígido, formal e mecânico, atuando sempre a ter
em conta a mesma lei aplicável, ao território de onde pertence a RJ e nunca olhando
para o caso concreto.
Esta rigidez nunca coloca em causa as normas em confronto. Ou seja, Currie e
Cavers não defendem que o juiz devesse escolher a lei mais justa ou conveniente para o
caso concreto. Quando criticam a rigidez, eles pretendem dizer que não olha para o caso
concreto nem para os índices de proximidade concretos. Ou seja, a proposta de Savingy
é construída em cima de uma abstração e que não atende ao resultado material. Esta
última crítica abala os alicerces básicos da tese de Savigny pois esta nasceu da rutura
com a tese estatutária, que partia da norma material.
14 de outubro de 2021
Bem, isto são críticas que começaram a ser recorrentes nos EUA, na literatura
jurídica, na doutrina, etc... E de repente surge uma decisão de um tribunal, neste caso do
Court of Apeals de NYC que dá eco a todas estas críticas e formula uma decisão que
contraria totalmente o sistema conflitual por várias razões:
37
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
38
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
⎯ Cavers:
39
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Defende um sistema que começa por ser muito radical, mas que com o
tempo vai moderando a sua posição.
Como ele considera que a justiça conflitual atua de olhos vendados ao
resultado material e que isso não é correto, entende que se deveria sempre dar o
poder suficiente ao órgão de aplicação do direito para, perante uma situação
internacional, olhar para as situações que estão em contacto com a questão
internacional e perceber quais são as soluções que cada uma delas oferece ao
caso concreto e para, depois de fazer essa análise, escolher aquela que lhe
parecer mais adequada e justa.
Deste modo, tudo passava por uma comparação, avaliação e escolha
entre os resultados hipotéticos de cada uma das várias leis potencialmente
aplicáveis.
🡺 Crítica: Evidentemente que isto resulta numa enorme insegurança
jurídica e num tremendo casuísmo porque, mesmo num sistema de
Common Law, as situações são sempre diferentes e nós nunca
poderemos dizer que numa situação futura esta análise do conteúdo
material das várias leis em presença qual seria o resultado a que iremos
chegar. É que isso iria depender sempre das normas que estavam em
contacto com as questões jurídicas e das suas soluções jurídicas.
Quando muito poderíamos dizer que o método a partir de agora
seria esse. Mas, por um lado, aquilo que o juiz considera justo ou não
sem qualquer tipo de critério de referência torna a sua decisão arbitrária
ou pelo menos não sindicável e, pelo outro lado, a multiplicidade de
situações que passariam pela aplicação deste método não garantia
nenhuma espécie de segurança.
Neste sentido, Cavers acaba por moderar a sua visão tão radical e numa
segunda fase propõe critérios de orientação para o tribunal. Ele vai fazer o
esforço de isolar questões jurídicas e vai estabelecer uma espécie de cardápio em
que indica quais são as leis que, em abstrato, podem ser consideradas próximas e
depois estabelece algum critério para dar preferência a uma em relação a outra- o
juiz poderia escolher entre a lei da verificação do lugar do dano, entre a lei da
40
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
verificação do lugar ilícito, entre a lei do lugar da residência do réu e entre a lei
que pudesse reger uma potencial relação que ligasse a vítima ao agente.
Perante essa lista, este autor vai estabelecer uma espécie de hierarquia,
dizendo que, em primeiro lugar, dever-se-á aplicar a lei do lugar da residência do
réu ou a lei da prática do ilícito, salvo se a lei do lugar da verificação do dano
contivesse normas de conduta mais estritas, isto é, fosse mais severa na
apreciação da ilicitude da conduta e que, em qualquer caso, sempre que existisse
a tal especial relação entre o lesado e o lesante, essa lei seria a preferida.
15 de outubro de 2021
41
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Não – ela visa a validade formal e isso não é dito de uma forma muito
clara, mas resulta da interpretação da norma quando se diz “é porém suficiente
a observância da forma prescrita numa determinada lei”. Aliás, de acordo
com o nº2 a declaração negocial é ainda formalmente válida se estiver de acordo
com a Lei X. No fundo, aqui nós não temos uma regra de conflitos comum
porque nós não temos uma regra que diga que é aplicável a lei X, nem sequer
uma regra de conflitos que a esta questão jurídica se aplica a lei X ou a lei Y
42
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
A mesma ideia está presente, quanto à relação adotiva, no artigo 60º nº1,
2 e 4 e também no artigo 61º quanto à filhação. O professor Marques dos
Santos chama a isto “erupções de justiça material dentro das regras de
conflitos”: o uso de certos elementos (alternativos ou cumulativos) de conexão
que visam um certo resultado (pode ser facilitar ou dificultar determinados
efeitos jurídicos). Assim sendo, o sentido pode ser um ou pode ser outro, mas em
qualquer dos casos há um objetivo de regulação material da situação, no fundo,
de uma solução concreta/determinada que pode ser alcançada por via indireta
através de uma lei aplicável, mas digamos que a escolha dessa lei aplicável em
termos conflituais está comprometida com esse resultado.
43
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
⎯ Brainerd Currie:
Este autor levou muito mais longe as críticas de Cavers ao método
tradicional do DIP. Nos EUA, nos anos 60, especialmente nos Estados de
Common Law, os conflitos de leis- internos e externos- viam as suas soluções
resultarem diretamente da aplicação de algum direito legislado. Dentro do
espírito de Common Law, não podemos dizer que existe aqui uma verdadeira
codificação à forma europeia, mas sim um conjunto de orientações e princípios
escritas para a aplicação da jurisprudência muitas vezes influenciadas pelas
lições de determinados autores.
44
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
É precisamente com base nesta decisão que Currie vem afirmar que o
sistema conflitual tradicional não faz sentido nenhum. Neste sentido,
consideramos, agora, relevante contextualizar este autor:
Sim porque Currie vem dizer que num conflito internacional, mesmo de
direito privado, ou seja, em que estão em confronto leis de vários ordenamentos
jurídicos, o que está em causa é, do seu ponto de vista, o interesse de cada
Estado em aplicar as suas normas. No fundo, considera que toda e qualquer
norma jurídica, mesmo aquela que se situe no âmbito do Direito Privado,
expressa, antes de mais, políticas públicas, ou seja, interesses públicos
organizacionais, económicos, políticos e sociais.
Assim sendo, este autor assenta a sua teoria no que designa por
Governmental Interest, isto é, no interesse público, sendo que a conceção
tradicional do DIP assentaria muito mais na consideração dos interesses privados
e da vontade individual. Mas Currie diz que não e que o interesse estadual é que
deve prevalecer em qualquer situação, pelo que sempre que exista mais do que
um Estado interessado em, numa situação concreta, ver aplicadas as suas normas
45
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Ora, o que ele propõe é, então, que: em cada situação o órgão do foro
analise o interesse que a lei do foro possa ter na aplicação das políticas
subjacentes às suas normas:
🡺 e, se isso acontecer, em relação a outro Estado que tenha a mesma
pretensão a lei do foro deve prevalecer.
🡺 Pelo contrário, se o Estado do foro não tiver esse interesse, aí sim já
se poderia aplicar a lei estrangeira.
🡺 Se, no limite, nenhum deles visse interesse em ver aplicada a sua lei,
aplicar-se-á, então, a lei do foro por ser a lei mais conveniente
atendendo ao foro.
Este autor diz que, nesse caso, o foro deve desinteressar-se e aplica o
princípio do forum non convenience que é: “não nos consideramos
competentes”. A ideia será, então, que a lei do foro não está interessada e
também não vai resolver um problema alheio.
Podemos dizer que isto é tão radical que foi completamente abandonado?
46
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
47
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Em síntese, basta este exemplo para perceber que tentar decidir o âmbito
de aplicação espacial das normas através dos seus objetivos não é só
insuficiente, como resulta em contradições dos termos, dado que temos vários
objetivos e esses objetivos são alcançados por âmbitos de aplicação territoriais
diferentes.
E, agora vamos começar a estudar duas técnicas muito comuns nos sistemas
conflituais modernos que resultaram dos contributos destes dois autores:
Aconteceu também, quanto ao Código Civil Português (que é das mais modernas
codificações existentes), que este não acolheu algumas tendências mais recentes;
tendências essas que se vão concretizar em duas espécies de regras de DIP que são hoje
muito comuns:
🡺 Cláusulas de Exceção;
48
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
49
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Tem apenas a ver com o facto de a lei norte americana ser a lei que está mais
intensamente ligada à situação sub judice.
Esta primeira dimensão crítica que tem precisamente a ver com o caráter rígido
da regra de conflitos leva consigo a ideia de que é preciso criar uma certa aproximação
ao caso concreto, mas não no sentido do seu desfecho material, mas sim na perspetiva
de que a história aconteceu como aconteceu. Ou seja, a ideia é permitir ao tribunal fazer
a narrativa do caso e tentar perceber se a lei indicada pelo sistema conflitual é, de facto,
a lei mais próxima- flexibilização das regras de conflitos.
50
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Por exemplo, no caso do artigo 52º nº2 CC, o tribunal só pode aplicar a lei que
considere ser a mais próxima da vida familiar na falta de nacionalidade comum e/ou na
falta de lei de residência habitual comum. Isto é, há aqui uma subsidiariedade que o
obriga a aplicar, desde logo, a primeira conexão e isto vai ser muito diferente daquilo
que vamos ver já nos Regulamentos Europeus.
o Exemplo: dois jovens portugueses vão trabalhar para o Reino Unido,
casam-se lá e passados 50 anos discute-se a lei aplicável às suas
relações conjugais- Sendo ambos portugueses, aplica-se a lei portuguesa,
ainda que seja evidente que seja a lei da sua residência habitual e em que
viveram a sua vida de casados a mais próxima. Isto porque, segundo a
nossa lei de conflitos não há alternativa à aplicação da lei da
nacionalidade já que a lei mais próxima da vida familiar só seria
aplicável em 3ª linha.
🡺 Temos, ainda, um exemplo diferente no artigo 45º nº3 CC: “Se, porém, o
agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma
residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a
51
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
A cláusula de exceção surge, pela primeira vez, na lei de DIP suíça no artigo
15º. Como sabemos, a Suíça é um ordenamento plurilegislativo, pelo que tem grande
autonomia legislativa nos seus vários Cantões. Contudo, esta tem uma lei de DIP
comum- lei federal de DIP-, o que significa que nas relações entre a Suíça e outros
ordenamentos jurídicos, os conflitos de leis são regulados por essa lei.
É precisamente no artigo 15º dessa lei federal que aparece a cláusula de exceção
que depois vai ser replicada nos Regulamentos Europeus de DIP. Esta cláusula é muito
diferente daqueles afloramentos de flexibilidade que vimos quanto ao nosso CC,
constituindo um comando geral que determina a inaplicabilidade total da lei
referida pela regra de conflitos em relação a determinada relação jurídica quando
se demonstre que a situação sub iudice tem uma relação muito acidental e pouco
expressiva com essa lei comparativamente com uma outra que tem uma conexão
52
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
mais estreita com a situação. Deste modo, surge na lei de DIP suíça como uma carta
branca. Contudo, isto só ocorre quando cumulativamente há uma relação ténue entre a
lei mandada aplicar pela regra de conflitos e o caso e quando houver uma ligação
específica e forte de outra lei com o caso concreto.
Outra característica destas cláusulas é que ela em momento algum pode resultar
de uma maximização da aplicação da lei do foro- não é disso que se trata!
53
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
21 de outubro de 2021
Este mesmo regulamento dá-nos, ainda, soluções especiais como, por exemplo,
em matéria de contratos de trabalho:
2. Artigo 8º do Regulamento Roma I: O contrato de trabalho tem características
especiais que, por exemplo, justificam que a autonomia conflitual (poder que as
partes têm para escolher a lei aplicável) seja relativamente limitada (isso nunca
54
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
pode privar o trabalhador das normas que lhe sejam mais favoráveis da lei da
residência habitual).
Esse caráter favorecedor da posição do trabalhador, é nitidamente um
objetivo de ordem material. Porém, não é que isto seja uma regra de conflitos
substancialista porque tem a ver com a autonomia conflitual sendo apenas
limitativa desta. A utilização em qualquer caso da cláusula de exceção vai-se
fazer exclusivamente por critérios de proximidade, no sentido em que só se se
provar quer o CT tem uma conexão mais estreita com outro Estado que não os
indicados acima, é aplicada a lei desse Estado.
Há acórdãos do TJUE que aplicam este artigo dada a sua competência
conflitual. O empregador nunca poderá impor ao trabalhador leis menos
favoráveis do que aquelas que resultam da sua lei pessoal. Num determinado
acórdão, se o juiz recorresse à CE, se fizesse isso, o utilizador da cláusula de
exceção iria ficar numa posição desfavorecida. E mesmo assim, o juiz fê-lo,
porque disse que a CE tinha apenas um critério localizador. Foi uma
interpretação polémica deste artigo.
55
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Esta ideia que Curie tinha de que as normas materiais servem interesses
essencialmente públicos não é uma ideia consensual. O DIP, baseando-se na ideia de
certeza, pretende uma continuidade das relações jurídicos no plano internacional,
olhando a esfera privada. Daí que as ideias de Curie não tenham sido acolhidas, mas
exerçam a sua influência. E influenciam notoriamente as normas de aplicação imediata.
Apesar da sua tese não ter sido acolhida, verifica-se que algumas normas de DIP,
ao contrário do que será natural, não servem apenas interesses privados- não se trata
apenas de estimular o comércio e o tráfico jurídico-, mas também interesses sociais,
políticos e até económicos. Quando se percebe que as normas materiais de um
determinado OJ têm de facto essa natureza, elas tornam-se internacionalmente
imperativas. Ou seja, tornam-se normas que têm de se aplicar num certo território,
independente da lei apontada pela regra de conflitos. Ultrapassa-se a regra de conflitos.
Portanto, há aqui um territorialismo e uma imperatividade evidentes.
56
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Não há nada que diga que a NJ de aplicação imediata tem essa natureza. Será o
juiz ou o órgão aplicador do Direito que vai dizer qual é a natureza da norma.
22 de outubro de 2021
57
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
58
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
vivem em Portugal. Ora, neste caso, se são ambos alemães, a lei alemã é
a lei aplicável às suas relações e o art.º 1682-A não será aplicável.
59
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
60
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
61
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
62
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
63
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
tribunal de justiça para saber se esta não podia ser aplicada pelo artigo 9º/3 do
Regulamento Roma I. Será uma NJ de aplicação imediata estrangeira a que
podemos dar voz de acordo com o 9/3º?
O TJUE disse que não, que não era lex fori nem era NJ de aplicação
imediata a nível laboral. O que se podia perguntar era se uma regra de
despedimento era uma regra quanto à execução do CT e se poderia ser atendida
nos termos do 9/3 RR I.
Depois houve uma discussão com o advogado geral, porque ele entende
que a alteração do contrato com a redução poderia ser um ato de execução com o
contrato. Ele questionava que se a redução grega seria um incumprimento da
obrigação que pertencia ao país de execução, mas o TJ não acolheu essa
interpretação. Estas questões não foram acolhidas. Este caso demostra que, estas
questões estão muito longe de ser questões teóricas, estando na ordem do dia.
Esta relação entre Sistema de Conflitos e Constituição não era sequer questão até
meados do séc. XX. A questão não se colocava porque o DIP era um espaço livre de
constitucionalidade, ou seja, as regras de conflitos eram normas sobre normas e,
portanto, vistas como um expediente técnico neutro.
Esta ideia começa a ser contestada. Desde logo porque o DIP não é
supraconstitucional, uma vez que pertence a um OJ que deve obediência ao que a
Constituição diz. Para além disso, o Direito Constitucional tem particular incidência em
matérias que também fazem parte do DIP, nomeadamente os direitos dos estrangeiros.
64
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Tem também o direito constitucional a ver com o direito da nacionalidade, algo que é
também regulado pelo DIP.
Assim, passou a aceitar-se que o DIP, ainda que entendido como neutro,
deve estar sujeito à constituição, não podendo ser desenhadas situações conflituais
que desrespeitem princípios constitucionais.
Para além disso, o direito constitucional tem uma forte influência em áreas como
o direito dos estrangeiros ou o direito da nacionalidade. Ora, tanto um como outro, se
bem que não se trate de regras de conflitos srtictu sensu, pertencem ao ramo do DIP,
visam relações privadas internacionais, estão no âmbito desta disciplina. A questão da
65
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
É ainda importante referir que, o que prova que as regras de conflito não são
assim tão neutras é a reforma de 97 do CC, que surge para aplicar as regras do CC à
nova CRP e que incidiu muito na parte da família. Não foi só no direito da família, foi
também no DIP relativamente à família. Os artigos 52º,60º e 53º do CC foram todos
alterados, sendo substituído por outras conexões. Esta alteração aconteceu, porque estes
artigos privilegiavam a aplicação da lei do marido como lei supletiva, isto é, no caso de
mais nenhuma das soluções poder ser aplicada. Foi o princípio constitucional da
igualdade que forçou uma alteração da regra de conflitos, porque se considerou que esta
violava princípios constitucionais. Tendo tudo isto em conta, podemos dizer que as
regras de conflitos devem obediência à CRP. Temos três dimensões diferentes a
considerar, relativamente a esta questão:
66
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
67
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
3. Quando o órgão do foro tem de aplicar lei estrangeira, deve verificar se essa
lei é constitucional à luz do Ordenamento Jurídico da origem da norma?
Ferrer Correia diz que esta é uma falsa questão porque isto é um
problema de saber como aplicar o direito estrangeiro, algo que está resolvido no
art.º 23 do CC. Em geral, a ideia é de que o direito estrangeiro deve ser
aplicado como o tribunal da norma o aplicaria. Como é que verificamos esta
constitucionalidade?
Deve seguir-se os meios de controlo de constitucionalidade que possam
existir no OJ de origem. Ou seja, o juiz aqui em PT não pode aplicar a norma
estrangeira se ela tiver sido declarada inconstitucional no país de origem. Se há,
de facto, um entendimento no OJ de origem que que a norma é inconstitucional,
o juiz deve seguir esse entendimento.
Há, por isso, um dever de averiguação, ainda que tenha de recorrer a
peritagem, recorrendo a especialistas do direito estrangeiro, e afirmar e provar se
ela foi ou não declarada inconstitucional à luz da OJ do Estado legislador da lei
em causa.
Dito por outras palavras, a ideia do artigo 23º CC é que se aplica direito
estrangeiro como este seria aplicado no seu foro, ou seja, se ele no seu
68
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
ordenamento não foi aplicado, aqui também não vai poder ser. Neste sentido, se
a norma foi considerada inconstitucional, segundo os critérios de fiscalização da
constitucionalidade no ordenamento de origem, nós temos de seguir a orientação
e não se aplica essa norma.
Assim, este problema é um problema de como aplicar o direito
estrangeiro no foro e não um problema de relação do DIP com o direito
constitucional (daí ser uma falsa questão).
69
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Exemplos de regulamentos:
70
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Quanto à aplicação territorial dos regulamentos da UE, importa não esquecer que
o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda celebraram um protocolo aquando do Tratado
de Amsterdão, segundo o qual esses regulamentos só serão aplicáveis nesses Estados na
medida em que eles, voluntariamente, os quiserem adotar.
28 de outubro de 2021
Ora, o que acontece com a europeização do DIP é que esse fenómeno ao nível
conflitual dever-se-ia ter limitado apenas às soluções da parte especial, mas das 2 umas:
71
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
necessário reenvio- essas possibilidades teriam de ser conformadas pela Parte Geral do
DIP português (das regras do CC).
Porém, mais uma vez, não foi isso que foi feito. De facto, quando nós olhamos
para os Regulamentos Europeus, verificamos que a par da designação da lei aplicável
específica encontramos regras da parte geral, isto é, regras que incidem com a
interpretação, aplicação em geral das regras de conflitos. Essas regras são, todavia, por
vezes distintas, ou seja, nós encontramos, por exemplo, uma solução de reenvio no
Regulamento de Roma I que não é a mesma solução de reenvio do Regulamento das
Sucessões.
Deste modo, o que temos é que: cada regulamento europeu não se limitou a
indicar a lei aplicável àquela questão jurídica, como também criou regras sobre a
Parte Geral. Assim sendo, quando nós hoje dizemos que estudamos a Parte Geral do
DIP português, se nós considerarmos que este tanto tem fonte interna quanto fonte
internacional, estamos a dizer que vamos estudar regras que estão no CC e nos diversos
Regulamentos Europeus, sendo que as soluções apresentadas por estes são todas
diferentes.
Não obstante, nós vamos olhar para alguns princípios gerais, nomeadamente,
para algumas questões que devem ser observadas e que, apesar de dizerem respeito às
regras de conflitos do CC, de alguma forma também podem ser, como princípios gerais,
aplicadas também às regras dos regulamentos europeus.
72
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Nós já sabemos que a regra de conflitos tem como função, em geral, designar a
lei aplicável a uma determinada questão jurídica. Mas, quanto à sua função, nós
podemos distinguir entre:
73
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
relação internacional privada, seja a lei do foro, seja uma lei estrangeira. Ou
seja, é bilateral porque tem competência para designar quer a lei do foro, quer a
lei estrangeira, dependendo do elemento de conexão;
🡺 Regras de conflitos unilaterais: não determinam uma solução
jurídico-material, pelo que continuam a ser regras de conflitos. Antes dão título
de vigência à lei do foro e têm como função delimitar espacialmente a aplicação
da mesma.
E, portanto, temos aqui dois autores italianos que se destacaram pela defesa do
unilateralismo como função cometida à regra de conflitos que, por sua vez e neste
sentido, não poderia ser bilateral porque isso comprometeria até a própria soberania do
Estado.
Ora, já vimos nas aulas práticas que esta solução que resolve um problema de
aplicação de espaço das leis, mas apenas das leis do foro. Deste modo, torna impossível
resolver problemas que podem ser colocados como o da capacidade dos estrangeiros
74
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
que residam em França. Em síntese, trata-se de uma solução lacunosa e que provoca
situações de total vácuo jurídico.
Roberto Ago já foi um pouco mais sensível ao problema das lacunas geradas
pelas regras de conflitos unilaterais e propõe um unilateralismo extroverso: um
unilateralismo em que se defendia uma nacionalização do direito estrangeiro.
Claro que isto não passa de um artificialismo para justificar, de alguma forma,
esta receção material do direito estrangeiro. O problema teórico desta construção
dogmática é que esta receção fazia com que ele depois devesse ser interpretado segundo
os cânones interpretativos do foro, na medida em que se passava a ser direito nacional
por virtualidade da regra de conflitos, então teria de ser interpretado segundo os cânones
e regras nacionais. Além disso, na eventualidade de haver uma qualquer alteração
75
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Assim sendo, já vimos que estas teorias acabaram por ser ultrapassadas. Todavia,
podemos dizer que a função da regra de conflitos se pode dividir entre:
→ Função unilateral:
→ Função bilateral.
Nós nas aulas práticas demos como absolutamente aceite que a estrutura da regra
de conflitos comporta uma previsão- hipóteses que é composta por conceitos ou figuras
jurídicas, categoria de questões jurídicas- e que a estatuição se resumia ao chamamento
de uma determinada lei- isto na regra de conflitos bilateral.
76
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
2. Regras de conflito tipo 2: também aqui nos referimos a uma situação fáctica,
mas a esta não se vai aplicar uma lei global, mas apenas uma determinada
categoria de normas. Trata-se precisamente da norma de conflitos unilateral do
artigo 3º do Código Civil francês, na medida em que “aos franceses” é outra vez
uma situação fáctica e a consequência consiste nas normas francesas sobre
capacidade.
Porquê que é importante referir isto se a maioria das regras de conflitos atuais são
do tipo 3?
Simplificando, o que o órgão de aplicação do DIP vai fazer é isolar, dentro da lei
globalmente considerada, o conjunto de normas que dizem respeito àquela questão
jurídica- esse é um problema de qualificação.
Isto também significa que as regras de conflitos de tipo 3 acabam por, nas
palavras da professor Magalhães Colaço, “se vazar nos moldes das de tipo 2”. Quer
isto dizer, a regra de conflitos é de tipo 3, mas a seleção que nós vamos fazer na lei
globalmente considerada de acordo com a estatuição leva a que acabemos por ir buscar
apenas uma categoria de normas, ou seja, essa necessária seleção de normas que são
subsumíveis ao conceito quadro- o que consiste na tarefa da qualificação-, não deixa de
77
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
consistir em ir buscar, pelo menos a 2ª parte, do modelo das regras de conflitos de tipo
2.
29/10/2021
78
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Elemento de conexão
Esses elementos de conexão não nos aparecem todos da mesma forma. Há vários
tipos de elementos de conexão o que está muito ligado aos objetivos da regra de
conflitos.
79
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
As regras de conflito múltiplas têm mais do que um elemento de conexão. Por exemplo,
se uma RC diz que àquela situação jurídica é aplicável a lei X, a lei Y ou a lei Z.
Dentro das regras de conflito múltiplas (as mais comuns) temos as regras de conflito
subsidiárias, alternativas, distributivas e cumulativas.
80
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
órgão de aplicação do direito não é livre de escolher a lei a aplicar: ele deve seguir a
hierarquia estabelecida.
É o caso do art.º 52/2 CC. No art.º 52 temos uma regra de conflitos com 3 elementos de
conexão. O último elemento é o que se chama um elemento aberto porque não há
indicação precisa de qual a lei, dependendo do órgão de aplicação do direito. Estas leis
não estão todas no mesmo plano. A lei da residência habitual (LRH) comum só se
aplica se não houver lei da nacionalidade comum. A lei mais ligada à vida familiar só
será aplicável se não houver nem lei nacional comum nem lei da residência habitual. A
ordem pela qual se considera a aplicação destes elementos de conexão está
hierarquizada.
O mesmo sucede no art.º 53/2. Esta conexão é subsidiária e percebe-se porquê: ela
parte, para respeitar a equidade dos interesses de ambos, para uma solução que é uma
solução de cumulação de conexões (Batista machado). Não é a lei nacional de cada um
dos cônjuges, mas sim a nacionalidade comum. Como é evidente, este elemento de
conexão pode ser de difícil concretização. Portanto, teria de haver uma solução
subsidiaria para a inexistência de nacionalidade comum. Também pode acontecer que
não residam no mesmo estado, então parte-se para outra conexão. É desta dificuldade
natural de haver coincidência da concretização do elemento de conexão que se cria a
subsidiariedade. Porque é que não é alternativa? O legislador tem o objetivo de aplicar
ao estatuto pessoal e à de família a lei da nacionalidade – privilegia-se a lei nacional.
81
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Os interesses a cuja satisfação o DIP vai dirigindo aconselham, por vezes, o recurso a
duas ou mais conexões para uma só matéria. É o que se passa quando o que sobretudo
releva é garantir a validade de um ato, proteger certas liberdades ou facilitar a
constituição ou a extinção de certa situação jurídica.
Neste sistema, das leis indicadas virá a ser escolhida aquela que conduza na espécie ao
resultado tido a priori por mais justo.
Assim, é possível que, ao admitir-se o princípio de que a forma externa dos negócios
jurídicos se rege por uma outra de diversas leis, se excetue a hipótese de uma dessas leis
exigir, sob pena de nulidade, a observância de determinada forma, ainda que o ato seja
praticado no estrangeiro. Esta é, aliás, a solução consagrada no art.º 65/2 CC e no art.º
36/1, 2ª parte CC.
Neste caso, tal como nas regras de conflitos cumulativas, também se trata de fazer
apreciar por dois sistemas jurídicos as condições de validade do mesmo ato, porém em
termos de a matéria ser entre eles repartida conforme determinado critério.
Assim, por exemplo, pode estabelecer-se que a capacidade para contrair casamento se
avalia, quanto a cada um dos futuros cônjuges, pela respetiva lei nacional. Isto é o que
sucede com o art.º 49 CC. Mas, a este respeito, importa advertir que certos
impedimentos matrimoniais assumem caráter bilateral. Trata-se de proibições que,
parecendo dirigirem-se a um só dos interessados, na realidade atingem os dois.
Pensemos, por exemplo, no art.º 1601/c) CC.
82
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
a criação de situações que não possam aspirar ao reconhecimento num dos Estados com
elas mais estreitamente conexos (situações coxas ou claudicantes). O escopo aqui
visado é, portanto, a harmonia jurídica internacional.
Este sistema não é certamente recomendável como critério geral e dele só encontramos
raras aplicações nas legislações mais recentes.
Esta é a solução consagrada no art.º 60/4 CC, solução que tem por base a consideração
de que a adoção não põe somente em causa os interesses do adotante e do adotado, mas
afeta também a família natural do último.
É ainda a solução consagrada no art.º 55/2 CC. Este artigo prevê a hipótese de haver,
entre o momento da prática dos factos que fundamentam a ação de divórcio ou a
separação judicial de pessoas e bens e o momento da propositura da ação, mudança da
lei competente. Se houve essa mudança, os factos têm de ser relevantes para efeitos de
pedido de divórcio para as duas leis, a anterior e a atual.
Qualquer uma destas tipologias acaba por ter subjacente uma qualquer política
legislativa.
Pensemos, por exemplo, no art.º 52 CC: este artigo pressupõe que pode haver
mobilidade do elemento de conexão.
83
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
(2) Nacionalidade
(5) Domicílio
o Fraude à lei
2. Elementos de conexão imóveis: são elementos de conexão que não são em caso
algum mobilizáveis. São elementos de conexão imóveis os seguintes:
84
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
85
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
quando é que esse momento vai ocorrer. É o caso do estatuto das sucessões –
art.º 62. Outro exemplo será o art.º 63 CC.
3. PRINCÍPIOS DE DIP
Este princípio, que era desejado por Savigny, tornou-se impossível quando os
estados passaram a ter cada um o seu DIP com soluções distintas. Mas sem dúvida que
esta harmonia é sempre um objetivo.
86
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
2. Princípio da efetividade
· Aplicar a lei mais competente. Nos direitos reais é o lugar da situação das
coisas. E essa maior competência tem a ver com todo um conjunto de
instrumentos processuais associados às ações de direitos reais. É o caso do
art.º 46.
87
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O resultado das duas vias acaba por ser o mesmo; a sua fundamentação é que
diverge.
88
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Isto não tem nada a ver com o caso de, no âmbito do art.º 52, os cônjuges eram
de nacionalidade portuguesa e mudam ambos de nacionalidade, por exemplo. Isto não
significa alteração da regra de conflitos, mas sim alteração da concretização do
elemento de conexão.
Para o conflito móvel não há sempre uma solução. Às vezes há: os elementos
imobilizados ou suspensos são a solução. Outras vezes, a solução do conflito móvel vai
resolver-se pela interpretação da própria regra de conflitos. A maioria das vezes tem-se
em conta o momento da propositura da ação. Em certas situações pode ser admissível
defender a aplicação de uma concretização do elemento de conexão anterior.
89
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Ele fica resolvido quando há direito transitório que é o que acontece nos regulamentos
europeus.
04/11/2021
90
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
porque aderiu a todos os regulamentos da UE, nomeadamente àqueles que alguns países
não aderiram. Assim sendo, em muitas questões jurídicas deixa de vigorar as regras de
conflitos do CC
Ora, aqui diverge Baptista Machado: a sua posição tem a ver com a natureza
jurídica das regras de conflitos. Para este autor, este problema tem de ser resolvido à luz
dos propósitos do sistema de conflitos, pelo que vai buscar a sua visão à natureza do
91
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
direito conflitual. Diz, neste caso particular, que o Direito dos Conflitos não é
constituído por “regulae agendi”- normas de conduta. Então, relativamente à regra de
conflitos não se impõe os mesmos princípios de irretroatividade, ou seja, não há
relativamente à regra de conflitos a mesma preocupação que há quanto à norma material
de conduta que ela seja contemporânea dos factos e, não havendo essa preocupação
direta, o problema da irretroatividade perde-se. O que este autor vem dizer é que a regra
de conflitos é, antes, uma norma de reconhecimento de uma competência especifica de
uma determinada lei que está conectada com determinada questão jurídica por um
critério de proximidade, é “regulae decidendi”.
Batista Machado admite que algumas regras se possam comportar como regulae
agendi. Caso paradigmático do art.º53 quanto ao regime de bens. Este artigo diz qual a
lei aplicável aos regimes de bens. Batista Machado admite que esta regra, paralisada no
tempo, admite que os nubentes quando pretendem casar, sabendo da sua situação,
podem ter orientado as suas disposições patrimoniais e até a escolha de um determinado
regime de bens se lhe é possível essa escolha, em função precisamente dessa lei
aplicável. Ora, o professor admite que, aí sim, a regra de conflitos está, ela própria, a
influenciar a vida das partes, caso em que um juízo de irretroatividade já fará sentido e
já se poderá aplicar a regra de conflitos antiga mesmo que o litígio venha a surgir no
decurso da regra de conflitos nova.
Podiam até escolhido um regime de bens em função dessa lei aplicável. Podem
ter pensado – lei da primeira residência conjugal ou lei pessoal do marido.
Conformaram as suas expectativas e escolhas. Batista Machado admite que aí sim, a
92
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Tudo vai depender da solução conflitual. Dito de outro modo, no seu ponto de
vista, tudo vai depender do próprio desenho da situação conflitual e, se a situação tiver
uma proximidade grande com o foro, vamos aceitar a aplicação do artigo 12º CC.
Foi feita convenção de escolha de regime de bens. Cônjuges acabaram por casar
no regime supletivo.
93
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
A Professora Helena Mota considera que, quer no acórdão de 1991, como 2002,
se deve considerar a regra de conflitos antiga, mesmo na posição de Batista Machado,
mas tínhamos que resolver o problema da constitucionalidade.
Podemos considerar que o regime de bens determinável pela lei aplicável é o que
vigora até à nova regra de conflitos e, a partir daí, aplica-se a regra de conflitos nova. Os
cônjuges vivem sobre dois regimes. Isso pode acontecer, porque até à alteração
legislativa, a situação pretérita não era inconstitucional, porque se conjugava com a
constituição de 1933. O que há é apenas um regime de bens, mas tem que se
salvaguardar os direitos adquiridos nesse período. Podemos imaginar que os cônjuges
casam em 1968, num regime de bens determinado pela lei aplicável nos termos do
artigo 53 (lei pessoal do marido). Em 1977, há nova redação do artigo 53.º, que
manda aplicar a lei da primeira residência conjugal. Se a decisão é discutida em
94
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
2000, quanto ao regime de bens, temos que considerar que no período entre 1968 e
1977, temos que salvaguardar os direitos adquiridos, nomeadamente por terceiros, à luz
do outro regime. Depois disso, aplicamos a lei nova. Depois de 1977 a lei é outra. Os
cônjuges têm que entender isso.
05/11/2021
Vamos hoje falar sobre um problema da parte geral de DIP que é comum quer ao
DIP de fonte interna e que está regulado na parte geral dos direitos dos conflitos no CC
no artigo 20º CC; mas que os regulamentos europeus também se debruçam que é a
referência aos ordenamentos plurilegislativos- isto acontece quando a regra de conflitos
remete para uma lei estadual e essa lei estadual não está unificada.
Vimos as regras de direito transitório que nos indicam quando é que aplicamos
as regras dos Regulamentos. Há uma regra específica sobre a temática do art.º20 CC –
referência aos ordenamentos plurilegislativos. Esta referência a um ordenamento
plurilegislativo acontece quando regra de conflitos remete para lei estadual e essa lei
estadual não é unificada para aquele questão jurídica em particular. O art.º20 dirige-se a
qualquer questão jurídica.
Na sua aplicação a lei estadual, para a qual a lei de conflitos remete, tem
diversos atos legislativos. Existem, portanto, diferentes soluções para a mesma questão
jurídica.
95
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Quando a regra de conflitos remete para algum estado e essa lei não tem uma
solução jurídica, mas várias consoante o subordenamentos individualmente considerado
que atendemos. Vamos ver que o artigo 20º CC nos oferece uma solução e que os
regulamentos europeus também oferecem soluções, umas semelhantes outras diferentes.
Sabendo que existe este problema e sabendo que a regra de conflitos se pode referir à lei
da Espanha ou à lei do Reino Unido, que são exemplos de países onde existe esta
diversidade legislativa, como é que se resolve a questão? Aparentemente, quando a
96
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Mas vamos ver que quer o artigo 20º CC, quer alguns regulamentos europeus adotaram
aquela primeira perspetiva. Há, todavia, uma situação em que ele não é, de facto,
ultrapassável: quando a regra de conflitos chama a lei nacional- Quid Iuris?
97
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Temos aqui uma hipótese em que a referência da regra de conflitos a um Estado (X) que
tem 3 subordenamentos. Tendo M 20 anos, ele seria menor em B.
98
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
lei nacional daquele Estado, então vamos pedir ao ordenamento plurilegislativo que
determine qual o subordenamento aplicável através do seu direito interno.
Até aqui nós diríamos que, se a regra de conflitos tem um elemento de conexão
territorializável, aplica-se esse subordenamento. Contudo, se a regra de conflitos aponta
expressamente para a lei nacional, teremos de reenviar a questão para esse mesmo
Estado que aplicará as regras de DIL que nos fornecerá a solução.
Retomemos o nosso caso e vamos supor que na LA o DIL diz que a capacidade
jurídica é regulada pelo lugar da celebração do negócio; que em B a capacidade jurídica
é regulada pela lei da residência habitual do sujeito e que em C é regulada pelo lugar da
residência habitual da contraparte. M vivia em A, o negócio foi celebrado em C e a
contraparte reside em B- E agora?
Será que o DIP de X não resolveria? Também esse pode ser diferente de
subordenamento para subordenamento- é o caso, mais uma vez, dos EUA e do Reino
Unido.
99
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
A verdade é que, por regra, estes países têm regras para dirimir conflitos
internos. Estas relações jurídicas têm vários pontos no território que correspondem a
soluções jurídicas diferentes. Em Espanha, se uma cidadã espanhola casa com catalão,
surge um problema quanto ao regime de bens. Esta questão normalmente tem uma
solução interna. Essa solução interna chama-se vulgarmente direito interlocal ou
direito inter-regional (em Espanha diz-se assim). É uma espécie de DIP interno. Para
cada situação, é oferecido um elemento de conexão. Em Espanha, oferece-se para as
questões de conflitos inter-regionais a mesma solução para as questões internacionais.
Ou seja, o DIP, que é unificado, garante solução para os conflitos internos com
adaptações. Este tema tem sido fortemente discutido em Espanha, graças à
europeização.
Se a lei de conflitos remete para a lei nacional, não sendo possível individualizar
o subordenamento, vamos utilizar o DIP desse país. Voltemos ao nosso exemplo de há
pouco:
Se a lei invocada pela regra de conflitos é a lei nacional (referência ao Estado soberano),
teremos que reenviar a questão para aplicar as regras de direito interlocal que nos dirá
que a capacidade é regulada pela lei da residência do indivíduo, se for o caso, por
exemplo.
Já vimos que é pedir ao Estado X que através do DIL (direito interlocal) nos
envie elemento de conexão. Retomemos ao nosso caso e vamos supor que na Lei A o
direito interlocal (DIL) diz que a capacidade jurídica é regulada pelo lugar da
celebração do negócio. Na Lei B diz-se que a capacidade é regulada pela Lei da
100
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Residência Habitual. A Lei C diz que é regulada pela lei da residência habitual da
contraparte.
Perante uma situação destas teria que haver uma conexão subsidiária. A
solução passaria por estabelecer uma conexão subsidiária para as situações em que a
referência pela lei de conflitos não pode ser satisfatoriamente resolvida pela lex causae.
Nós vimos isso acontecer para os apátridas, em que se aplica a lei da residência
habitual. Mas aqui M tem nacionalidade e se eu substituo esse elemento pelo da
residência habitual- mandando aplicar a lei A-, essa substituição não é estranha, uma
vez que estamos a falar de matéria do estatuto pessoal. O problema é que se M não
101
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
reside dentro do Estado X dentro da Lei A, mas sim em Y - fora do estado da sua
nacionalidade-, ora neste caso estaremos a aplicar uma lei que não será integrante da lei
da nacionalidade (para a qual a regra de conexão remete). Ora, M tem nacionalidade e
nesta situação significaria que se iria aplicar uma lei estrangeira, quando ele deveria ver
a sua situação jurídica regulada pela sua lei nacional.
E temos ainda uma questão mais premente: é que se a regra de conflitos permitia
a M escolher a sua própria lei e ele escolheu a lei da sua nacionalidade, ao ser
confrontado com esta solução de substituição, ele vê a sua escolha completamente
desvirtuada.
O uso da autonomia conflitual tem que fixar o subordenamento a que se refere essa
escolha.
Como é que o Código Civil tratou esta questão? Situação gerada por diversidade
legislativa em matéria de direito privado. Este problema está aparentemente minimizado
quando a lei de conflitos refere um ponto dentro de um OJ. Contudo, não está resolvida
quando a lei de conflitos remete para a lei de um Estado Nacional que não seja unitário.
102
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O que fazer quando o Estado para o qual remete a lei de conflitos não é um Estado
Unitário? A solução é a de que o próprio OJ deve resolver o problema e deve estar
munido para o resolver. Os Estados devem ter corpos de normas de conflitos
internos – DIL ou DIR - que permitem resolver como se fosse um conflito interno,
embora seja um conflito internacional.
O problema só se agudiza quando o direito interlocal não está unificado ou não foi
pensado para conflitos internacionais. Quando isso acontece, a lei de conflitos tem que
ter uma conexão subsidiária.
Está tudo bem quando a conexão subsidiaria se situa dentro do estado cujo
ordenamento é plurilegislativo já que a ideia é manter-nos dentro deste, mas tal
pode não acontecer.
Os dois Regulamentos que vamos estudar têm uma solução simples, nem o
Regulamento Roma I, nem o Roma II se referem à lei nacional.]
103
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Quando o legislador fala em “direito interno”- em DIP ele é sempre assumido como
direito material, mas não é aqui esse o caso, algo que a doutrina já esclareceu
pacificamente.
104
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Vamos supor o caso de um sujeito cidadão do Reino Unido (falecido em Portugal antes
do Regulamento. Aplicava-se a lei portuguesa). A regra de conflitos remete para a lei
nacional. Aplica-se a lei nacional ex vi art.º62. O Reino Unido não tem normas
unificadas. Art.º20 diz que se aplica a LRH. Residia em Portugal. Aplica-se a lei
portuguesa à abertura da sucessão. Magalhães Colaço entende que se deve fazer uma
interpretação restritiva – esta solução não dá, porque a LRH não é no Reino Unido.
Integrava-se a lacuna com art.º28 Lei da Nacionalidade. Ou seja, tínhamos que tentar
encontrar no ordenamento plurilegislativo algum elemento de conexão mais próximo.
Tínhamos que analisar o seu percurso de vida. Suponhamos que nasceu em Londres,
estudou em Oxford e casou em Manchester. Todos os elementos da sua vida pessoal
estão em Inglaterra. Não se vai aplicar a lei portuguesa, segundo a Escola de Lisboa.
Ferrer Correia discorda.
O que é que a Jurisprudência tem dito sobre esta questão? Qual das perspetivas
tem sido acolhida?
· Acórdão Relação de Évora e confirmado pelo STJ de 1994: mandou aplicar a lei
inglesa. Houve reenvio. Consideraram sempre que era aplicável a lei inglesa.
Generalização – nacionalidade inglesa. Crítica: pode ter ligação com outros
subordenamentos. Não se percebe bem qual foi o raciocínio.
105
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Em 2018, o STJ veio dizer o contrário. Baseou-se em elementos históricos. Não aceita
que deva haver interpretação restritiva.
11/11/2021
Outra figura que vamos estudar da Parte Geral está prevista no 21º do CC: figura da
fraude à lei.
Não resulta de nenhum Regulamento Europeu. Esta figura é conhecida no DIP, está
sempre omnipresente e é simples a sua solução (talvez por isso o legislador não quis
incluir em RE). A fraude à lei é sempre uma ofensa indireta a uma norma legal ou
comando jurídico. Essa ofensa indireta já é conhecida no direito material. Tomemos
como exemplo uma norma imperativa do CC – exemplo: art.º877 CC (tem forte
incidência familiar e sucessória). Tem natureza jurídica sucessória. A venda de pais a
106
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
filhos sem consentimento de outros filhos é nula. Suponhamos o indivíduo A com filhos
B e C. Se A vender a B; e C não consentir, há violação direta do art.º877. É violação
direta de norma imperativa. Não há fraude à lei.
Contudo, o A pode doar a B, mas A recebe o preço. É uma simulação relativa. Não
houve doação nenhuma, houve recebimento do preço. O NJ dissimulado pode ser
considerado válido dentro das condições que a lei impõe. Temos uma violação indireta.
Mas ainda não é fraude. A fraude existe se A vende a D, que vende a B. Aqui sim, há
uma situação de fraude à lei. Há uma violação indireta da norma material do art.º877
CC. Em DIP só podemos ter fraude quando o objeto não é norma material, mas
regra de conflitos. O seu objeto é uma regra de conflitos. É esta regra de conflitos que
é defraudada. Se este é o objeto, o seu objetivo último é fugir a uma regime material,
para ficar submetido a um regime material mais favorável. A regra de conflitos não
afeta diretamente a esfera jurídica do sujeito. Pretendem fugir do regime jurídico
aplicável pela regra de conflitos, querem que seja aplicada outra lei/ regime
jurídico mais favorável.
107
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
residência que se tem nesse momento e conseguir que a lei aplicável seja a que se
pretende.
Este é o primeiro caso que vai fazer escola para a forma como a fraude à lei é
encarada e isso fica claro no artigo 21º.
Notem que o animus fraudandi tem de estar provado. Este artigo resume-se a
uma reposição da justiça conflitual. Para o artigo 21º é indiferente se a regra de conflitos
remete para a lei portuguesa ou estrangeira, como é indiferente o conteúdo da lei que
seria aplicável.
108
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Mais, para haver fraude à lei tem de existir criação de situações de facto ou de
direito. Por exemplo, mudança de nacionalidade é criação de nova situação de direito;
mudar de residência é criar uma nova situação de facto. Depois, estas novas situações
criadas serão desconsideradas.
109
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Quanto à sede real, não parece para a maioria da doutrina que haja fraude à lei,
desde que haja elementos de internacionalização. Não parece que a mudança de sede
real possa constituir situações de fraude à lei, desde que haja conexão objetiva
internacional. Contudo, Lima Pinheiro entende que o lugar onde se reúne a
administração deve corresponder ao centro de gravidade dos interesses da empresa.
Entende que a ligação objetiva tem de ser qualificada. É uma opinião isolada, mas que
chama à atenção para que a sede real possa de alguma forma implicar essa ligação.
12/11/2021
Surge necessariamente depois do artigo 21º do CC, não por acaso, mas porque
no artigo 21º o que se pretende é repor a justiça conflitual. Através da manipulação do
elemento de conexão, as pessoas quiseram mudar de lei.
Isto significa que se houver uma situação de fraude à lei, primeiro temos que
resolver o problema de fraude à lei para, no fundo, encontrar a lei aplicável.
110
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O nosso artigo 22º tem 1 solução que é muito mais consentânea com DIP e com
o princípio da paridade entre lei do foro e lei do estrangeiro. A reserva da ordem
pública tem uma necessária excecionalidade. Se a invocação da reserva de OP passar a
ser habitual, não excecional, podemos pegar nos sistemas conflituais e deitar ao lixo,
fazer tábua rasa do DIP.
Quando se diz que não se pode aplicar lei estrangeira porque a sua aplicação iria
levar a uma violação de valores fundamentais de reserva de ordem pública –
evidencia-se a excecionalidade, porque vai-se tentar encontrar a lei estrangeira
competente mais adequada. O recurso ao direito interno português será sempre
obrigatoriamente subsidiário.
111
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
situação. Quando falamos da reserva da ordem pública, falamos do artigo 22º, mas este
refere-se apenas ao sistema conflitual. Mas também temos menção no CPC quanto ao
reconhecimento de decisões e atos públicos estrangeiros no artigo 980º CPC – refere-se
a duas ordens públicas: uma que diz respeito ao conteúdo material da sentença
estrangeira e outra que se designa ordem pública processual.
Este conceito indeterminado, que terá de ser densificado pelo órgão da aplicação
do direito, exige que se distinga entre ordem pública internacional e interna.
Estas normas imperativas não podem ser todas consideradas nas situações
internacionais porque se assim fosse bastava que a lei estrangeira tivesse uma solução
que não era semelhante para travar a sua aplicação.
Resta saber se a sucessão regida por lei estrangeira, esta norma mantém
imperatividade internacional, travando a aplicação da lei estrangeira. A jurisprudência
112
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
divide-se. A maioria dos autores considera que a legítima não é ordem púbica
internacional pelo facto de ela não estar prevista na CRP.
Para violar a reserva de ordem pública não basta que se viole um princípio
fundamental do direito privado. É preciso que ofenda de forma insuportável os valores
fundamentais.
1. EXCECIONALIDADE
2. ATUALIDADE
113
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
3. NACIONALIDADE
4. CONCRETA
A situação sub judice tem de ter uma ligação com estado do foro que seja
relevante ao ponto de provocar esse sentimento de incómodo.
Isto só não será assim nas situações que doutrina designa por princípios
absolutamente internacionais. Seriam princípios universais – tipo escravatura,
perseguição racial. Independentemente da relação da situação sub judice com
ordenamento jurídico do foro, tribunal não podia aplicar aquele tipo de solução que
ofendia princípios universais.
114
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O problema das duas decisões: não se faz apelo à violação dos princípios
fundamentais da ordem pública, mas é mera constatação que a solução jurídica
estrangeira era diferente da solução jurídica portuguesa. Na reserva de ordem pública
tem de ser distinta de uma forma que viola os princípios de ordem pública
internacional. Porque é que aquelas questões são estruturantes para o ordenamento
jurídico português.
115
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Aqui o tribunal considerou que a legítima não era princípio de ordem pública
internacional, mas não foi muito claro. O que disse foi que a situação sub judice não
tinha uma relação com o foro suficiente para justificar a invocação da reserva de ordem
pública. Tínhamos aqui o de cujus que vem a falecer em Portugal, vem passar reforma
em Portugal. Tinha feito testamento no Reino Unido, em que deixava tudo à sua 3ª
mulher, que seria herdeira universal dos seus bens. Afastou os filhos que tinha do 1º e 2º
casamento. Filhos são cidadãos do Reino Unido, a 3ª mulher também e ele também. O
tribunal português era competente para decidir a sucessão porque ele tinha os bens em
Portugal. E residiu em Portugal nos últimos anos de vida.
O Tribunal considerou que não havia ligação com o foro suficiente, porque nem
a residência na última parte da sua vida lhe parecia justificação para elevar o princípio
da legítima à reserva de ordem pública internacional.
Neste caso, duas filhas eram portuguesas e outra tinha dupla nacionalidade. A
legítima é princípio estruturante da nossa ordem jurídica e defesa dos herdeiros
116
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
legitimários (filhas portuguesas) tinha de ser feita e não se podia aceitar decisão do
direito estrangeiro, ainda que competente, que recusasse tal proteção como herdeiras
legitimárias.
Esta decisão foi confirmada pelo STJ, mas confirmação pelo STJ não atingiu a
questão da legítima. STJ considerou, neste caso, que lei aplicável não era lei do Reino
Unido, mas lei portuguesa. O tribunal seguiu a posição da interpretação literal do Ferrer
Correia quanto ao artigo 20.º - apesar do de cujus ser cidadão do Reino Unido, como era
residente em Portugal, e na falta de direito interno local unificado no Reino Unido, tinha
de se aplicar lei da residência habitual; e sendo residência habitual em Portugal, tinha de
aplicar lei portuguesa. Ao aplicar lei portuguesa, questão da reserva de ordem pública
cai por base.
117
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
irmãos, que são herdeiros legítimos. Mas a união de facto no nosso ordenamento não
produz efeitos sucessórios. E nesta decisão a companheira sobreviva, ao abrigo da lei
brasileira que regula a união de facto, vinha invocar direitos sucessórios, porque a lei
brasileira lhe confere esses direitos sucessórios. O tribunal diz que a união de facto em
Portugal não produz efeitos sucessórios – se atribuísse efeitos sucessórios provocaria
diferença de tratamento em Portugal que é intolerável e ofende a ordem pública
internacional do Estado português. Mas o tribunal esquece-se que: não é a mera
diferença que está em causa na reserva de ordem pública, tem de ser mais do que isso. E
esquece também que a sucessão legítima, se fosse aplicável a lei portuguesa, eram
exercidos como sucessão legítima, como herdeiros legítimos – e estes têm uma
invocação sucessória que é meramente supletiva, que pode ser afastada pelo de cujus.
Mais uma vez, a decisão não foi precisa na consideração da ordem pública.
118
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
igualdade (porque mulher não tem esse direito), mas que na sua aplicação no caso
concreto, não foi assim, porque ela não se opôs.
Contudo, esta decisão não é pacífica e há autores que dizem que há razões para
invocar a reserva de ordem pública!
19/11/2021
a devolução ou reenvio
119
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Em resumo, as regras do reenvio que vamos estudar- artigo 16º a 19º CC- só vão
ser aplicadas se estiver em causa uma matéria que é tratada conflitualmente ainda pelas
regras de conflitos do CC. Nos restantes casos, como vão ser aplicáveis os RE, as regras
a aplicar serão as desses regulamentos.
REENVIO
Na matéria do reenvio, tudo passa pela estatuição que remete para aplicação de
lei. O que consideramos lei? Se as normas materiais de esse OJ, das normas materiais
dessa lei estrangeira ou se estamos a falar das regras de conflitos da lei estrangeira. É
sempre feita para um OJ. Esse OJ comporta regras processuais, substantivas, regras de
direito internacional privado. Essa referência, se for feita as regras de DIP pode resultar
num problema.
120
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Ora, mas tudo depende de como vamos entender esta remissão: vou entendê-la
como referência material ou também para o DIP da lei estrangeira. Pode acontecer que a
lei nacional que consideramos competente pode ter uma solução conflitual que
considere que é aplicável a lei da residência habitual. Bem, o interessado pode residir
em L1 ou, até, em L3.
121
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
122
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O reenvio não é uma solução, é um problema, pelo que os Estados podem dizer
que não fazem reenvio e isso será uma resposta ao problema do reenvio, pelo que um
sistema que não faz reenvio é um sistema que olha para L1 e averigua que esta remete
para L2- ora, esta referência será apenas material- é esta a solução de quase todos os
Regulamentos Europeus.
Colocar-se de acordo com essa lei vai-se conseguir pela admissão do reenvio. Quando
os Estados não fazem reenvio, interpretam a sua regra de conflitos que só se refere
somente a título material da lei estrangeira. Olha para a L1 e só atende à
materialidade. Exemplo: validade do casamento, art.º49. Referência material (RM) à
lei estrangeira. À L2 vamos buscar normas sobre impedimentos matrimoniais dessa lei.
Não vão querer saber se a lei nacional se considera competente. Se a lei for colocada
nos Tribunais e for diferente, isso é com eles. O que interessa é que para eles e
competente e vão ver solução material.
Já os sistemas que admitem reenvio vão ter outras designações consoante a sua
aceitação do sistema conflitual estrangeiro seja menos ou mais amplo. Pode ser
aceitação com limites ou mais aberta.
Modalidades de reenvio:
Vamos agora concretizar, com uma hipótese, para determinarmos quais são
as modalidades de reenvio existente:
123
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
declaram que querem casar e dar início ao processo preliminar de casamento- neste
caso, o Conservador do registo civil do Porto é o órgão de aplicação do direito, pelo
que a lei portuguesa será (L1). Se ignorássemos a nacionalidade do nubente, este
casamento seria válido, já que aquele parentesco não constitui impedimento
matrimonial.
No entanto, temos aqui um cidadão estrangeiro, pelo que a sua lei pessoal pode ter
uma previsão diferente quanto aos impedimentos- artigo 49º e 31º nº1 CC -, o que nos
remete para L2 (lei do Senegal). Ora, no âmbito desta lei existe impedimento
matrimonial.
Pode acontecer, no entanto, que aquela resposta pode não ser definitiva porque a
Conservadora vai ter de pensar se a lei nacional de A se aplica a si própria, já que nos
termos do artigo 16º a 19º CC, em alguns casos, se admite reenvio.
Acontece que com o resultado da aplicação do DIP senegalês, se vem a concluir que
a lei que o Senegal aplicaria seria a lei da residência habitual, ou seja, L1. Isto significa
que:
124
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Se Portugal se quer colocar de acordo com a solução dos outros ordenamentos jurídicos,
vai questionar a L2. Se se quer por de acordo com os demais sistemas, vai aplicar L3.
Como vimos que Portugal quer aceitar a lei aplicável em L2, o tribunal iria questionar a
regra de conflitos do Senegal. Ora, se o tribunal português quer adotar a mesma solução
que os demais sistemas, vai aplicar também L3.
Mas se L3 remetesse para L2 não temos retorno, mas sim uma transmissão de
competências porque o que interessa é o ponto de vista do órgão de aplicação do
Direito.
125
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Vamos supor que a L3 considera que a validade é regulada pela Lei da residência
habitual (LRH) que é L1. É um retorno indireto, mas no final voltamos à lei do foro. Se
L1 remete para L2 e volta para L1 temos retorno. Se temos L1- L2 que remete para L3
são transmissão de competências. Se L3 volta para L1 é retorno indireto.
Até agora vimos o que significa o reenvio, os objetivos e o que se pretende alcançar.
Reenvio pode ocorrer numa situação de retorno ou transmissão de competências. Os
sistemas podem optar por reenvio de várias intensidades (ser mais ou menos
favoráveis ao reenvio).
126
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
uma referência material. O art.º16 diz que “não há reenvio, salvo se houver”. Direito
interno aqui significa direito material. Não é a acessão do art.º20.
A questão do reenvio não pode ser vista como uma questão dogmática. Vamos
fazer reenvio se com isso tivermos a harmonia jurídica internacional que deve existir.
Temos um reenvio que cede determinados interesses.
No entanto, se lermos os artigos 17º e 18º CC, vemos que afinal há reenvio em
Portugal - temos aqui um reenvio instrumento, quer serve determinados interesses mas
que, ao fazê-lo, acaba por ser a regra, uma vez que o “quando for necessário” é
entendido como “se se conseguir a harmonia jurídica internacional”. Daí que seja
importante salvaguardar-se que a Professora considera as classificações seguintes
redutoras, já que o sistema português não se consegue incluir completamente em
nenhuma das seguintes categorias.
(1) Isto visto, o artigo 16º CC, sozinho, reflete um sistema de referência material
(RM) à lei estrangeira quando se refere a “direito interno dessa lei”. Este é o sistema
aplicado em quase todos os Regulamentos Europeus, exceto o das Sucessões.
Mas este reenvio é limitado porque apenas se refere ao sistema conflitual de L2.
Ora, como já vimos, L3 pode remeter para L4. Neste caso, aplicando-se este sistema,
aplicar-se-á logo L3 porque só temos em conta L2 e, deste modo, a harmonia jurídica
não é totalmente conseguida, já que se a questão for colocada num tribunal L3, este vai
aplicar L4.
127
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
por L1 já que L2 tem aquele sistema de devolução simples para o qual também se
referiu.
Portanto, quando se faz uma referência global a L2, é uma referência global dupla ou
devolução dupla que significa não apenas atender ao sistema conflitual, mas ao sistema
de reenvio também.
25/11/2021
A referência que a regra de conflitos faz a uma lei estrangeira é somente às normas
materiais. Portanto, se L1 remete para L2, se essa lei estrangeira não se considerar
competente remeter para L3, L1 continua a aplicar L2 porque não remete para o sistema
conflitual de L2 (remete apenas para as suas normas materiais).
Inconveniente: falta de harmonia de julgados.
Isto significa que quando L1 remete para L2, não aplica apenas às regras materiais de
L2, mas também as suas regras de conflitos. Por isso, temos o caso do Regulamento das
Sucessões em que se diz que a referência a uma lei estrangeira inclui as suas normas de
DIP.
Nessa situação, L1, se for uma lei de devolução simples, considera competente L2.
Imaginemos que L2 remete para L3. Sendo L1 uma lei de devolução simples, vai aceitar
a referência de L2 para L3 e, portanto, L1 vai aplicar L3.
128
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Supondo que L3 também não se considera aplicável e considera aplicável L4. Como a
referência de L1 é apenas às regras de conflitos de L2, então vai-se aplicar L3 (porque
L2 manda aplicar) e não se aplica L4.
Este sistema consegue alguma harmonia de julgados, mas não todo porque, apesar de
L1 aplicar L3 (porque referência à regra de conflitos de L2) e L2 também aplicar L3, L3
vai aplicar L4.
Esta referência global dupla significa que a referência à L2 não é apenas às suas normas
materiais nem é apenas às suas regras de conflitos: é também ao seu próprio sistema
de reenvio (de aceitação ou não aceitação de reenvio e em que modalidade). Por isso é
que se diz que L1 faz o que o tribunal de L2 fizer (e não o que a lei estrangeira fizer).
O que o tribunal vai fazer vai depender do seu sistema de reenvio.
129
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
L1, se faz uma referência global dupla (DD) a L2, vai considerar as suas normas
materiais, as suas regras de conflitos (que mandam aplicar L3), mas também vai
considerar o sistema de reenvio de L2.
Vamos considerar que L2 é sistema de referência material (RM). Neste caso, L2 remete
para L3. Ora, L1, como faz uma referência global dupla (DD) a L2, aceita totalmente a
solução de L2. Portanto, se L2 faz referência material (ou seja, não admite o reenvio) a
L3, significa que L1 vai aplicar L3 (mesmo que L3 remeta L4; porque L2 não admite o
reenvio).
Vamos considerar que L2 tem o sistema de devolução simples (DS). Que lei é que L2
aplica? L4. Se L1 é um sistema de devolução dupla, faz o que L2 fizer. Então, L1 vai
aplicar L4, pois L1 aceita o sistema de reenvio de L2.
Vamos considerar que L2 é também um sistema de dupla devolução (DD). Significa que
L2 vai fazer o que L3 fizer. Portanto, temos de nos colocar como se fossemos o tribunal
de L3.
130
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O que nos interessa é saber é que sistema de reenvio é que o OJ português adota. O
nosso sistema não segue o modelo típico. É um modelo suis generis que normalmente
remete para uma lei que aplica um daqueles sistemas tipo.
Agora, vamos olhar para L1 como se fosse a lei portuguesa. Nós não temos nenhum
daqueles 3 sistemas que vimos. Vimos estes modelos porque eles podem aparecer no
circuito. Agora, vamos colocar-nos na perspetiva L1, sendo que o que vamos considerar
são as regras do art.º 16 ao art.º 19 do CC.
Aparentemente, o nosso sistema não parece muito complicado. Porém, tem as suas
voltas. Em primeiro lugar, no CC encontramos soluções diferentes para transferência de
competências e para retorno. O art.º 17 refere-se à transmissão de competências e o art.º
18 refere-se ao retorno.
Vamos supor que L1-L2-L3 e L3 considera-se competente. Quando terminamos de
preencher o circuito é que podemos colocar a hipótese do reenvio. Porque, à partida,
quando dizemos que L1 remete para L2, se não fizermos reenvio, aplicamos L2. Mas
como L2 pode fazer reenvio, podemos ter de aplicar L3. Esta é uma situação de
transmissão de competências - art.º 17.
131
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O art.º 16 diz que somos um sistema de referência material, salvo se existir uma
situação de reenvio (art.º 17 e art.º 18).
O art.º 19 é a última norma a que devemos atender porque nos vem dizer que, mesmo
que seja desejável que haja reenvio porque os pressupostos do reenvio ou do art.º 17 ou
do art.º 18, há duas situações em que não podemos fazer reenvio:
· Se a lei designada pela regra de conflitos for a lei escolhida pelas partes;
26/11/2021
No final da aula passada, então, vimos que o artigo 16º CC começa por negar a
existência de reenvio. Mas os artigos seguintes- 17º e 18º CC- derrogam essa regra geral
e a sua aplicação nunca será coincidente entre si.
o Nº1:
132
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Ora, por causa disso, este artigo afasta-se deste sistema de devolução simples
e diz que: Se, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de
conflitos portuguesa- L2- remeter para outra legislação- L3, daí ser transferência de
competências- e essa se considerar competente é de aplicar o direito interno dessa outra
legislação. Temos ilustrada a seguinte situação: L1-L2-L3 que se considera competente
para regular o caso.
Repare-se que nesta situação se vai realizar o reenvio, mas só nesta situação
porque o DIP português considerou que o reenvio só era excecionalmente admissível se
se criar a harmonia internacional de julgados.
Portanto, nós temos de ler as normas de reenvio segundo a sua teleologia, isto é,
segundo a sua causa de excecionalidade- a harmonia internacional de julgados.
Tendo isto em consideração, vamos supor que L1 aplica L2 que remete para L3
que não se acha competente e reenvia para L2. Aparentemente, se olharmos para o
exemplo típico do artigo 17º diríamos que nesta situação não existiria reenvio e
aplica-se as normas materiais de L2. Mas vamos supor, agora, esta hipótese: L1- L2
133
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
(DS)- L3- (DS)-L2. Qual é a lei que L3 aplica? L3 porque L3 de facto remete para L2,
mas como tem um sistema de devolução simples remete para o sistema conflitual de L2
que vai no sentido de aplicar L3, mas aplica-se indiretamente e não diretamente.
Assim sendo, diremos que, quando o artigo 17º diz aquilo que já vimos,
devemos interpretar isso como: se acha competente direta ou indiretamente. Mas há
aqui um problema: é que L2, porque tem um sistema de devolução simples, aplica L2
indiretamente.
Ora assim sendo, se L1 fizer reenvio nunca haveria, neste caso, harmonia
internacional de julgados, pelo que não se pode fazer reenvio. O que se pode retirar
disto é que quando o artigo 17º diz “remeter para outra legislação”, o verbo “remeter”
deve ser lido como “aplicar”. Para poder existir harmonia, neste caso, L2 teria de ter um
sistema de referência material já que L3 aplicaria L3 e L2 também aplicaria L3 e, neste
caso, devemos fazer reenvio.
Resta fazer uma outra observação: será que por terceira legislação nós queremos
dizer necessariamente L3? Se tivermos: L1-L2 (DS)-L3-L4 que se considera
competente. Olhando para aqui, pode parecer que não se aplica o artigo 17º porque
temos 4 leis. Terceira legislação é uma outra legislação ou necessariamente L3?
Deste modo, terceira legislação significa outra legislação que se considere direta
ou indiretamente competente. Vejamos esta outra situação em que também vai existir
harmonia e, por isso, reenvio: L1-L2 (DS)-L3-L4(DS).
134
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Exemplo: L1- L2 (RM) -L3 (RM)-L2. Se aplicarmos a fórmula: qual é a lei que
L2 aplica? L3. L3 considera-se competente direta ou indiretamente? Não, pelo que não
há reenvio e aplicamos L2.
Mas e se L3 fizer devolução simples? L2 vai aplicar L4, que aplica L4, mas L3
aplica L3: repare-se que se verificam os pressupostos da fórmula, mas não há total
harmonia internacional de julgados porque L3 vai remeter para L4, mas aceitar o seu
sistema conflitual que remete para L3.
Em princípio, neste caso, não existiria reenvio- posição adotada por Ferrer
Correia. Mas a Escola de Lisboa- professora Magalhães Colaço, considera que, não
sendo uma solução ótima, é uma solução subótima e considera que é melhor fazer-se o
reenvio do que não se fazer porque se não se fizer o reenvio, aplicar-se-ia L2 que é uma
lei que nenhuma das outras aplicaria.
o Nº2:
135
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
(2) L1 – L2 (LN)- L3-L3, mas a lei da residência habitual situa-se fora do circuito só
que faz referência material esta lei considera competente a lei da nacionalidade.
Porquê?
136
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
o Nº3:
Este artigo vem considerar uma hipótese igual à que vimos para 17/2 com uma
nuance: é que L3 é a lex rei sitae. A matéria continua a ser do estatuto pessoal, mas tem
de ter relevância patrimonial. Todas as matérias do estatuto pessoal que têm incidência
material, à exceção da capacidade de celebração de negócio sobre bem imóvel, estão
europeizadas.
02/12/2021
Se nós analisarmos o artigo 17º, podemos dizer que o nº1 é uma exceção à
referência material à lei estrangeira por homenagem à harmonia internacional de
julgados que parece ser mais importante do que a resolução conflitual do foro. Vimos
que as coisas não são tão simples. O art.º17 não deve ser interpretado no sentido de que
L2 remete apenas para L3. Pode aplicar terceira legislação (LN). É necessário que esse
LN se considere competente direta ou indiretamente, pela sua regra de conflitos ou pelo
sistema de reenvio. Só assim é que conseguimos a harmonia internacional de julgados.
Tanto L2 como LN vão aplicar a mesma lei e então L1 vai aplicar LN, conseguindo-se a
harmonia internacional de julgados. Vimos que há duas situações especiais previstas no
137
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Pode parecer uma opção demasiado complicada, mas que tem uma lógica e uma
ratio legis muito precisa que tem a ver com a ponderação dos interesses, atendendo às
matérias em causa.
Recapitulando:
Suponhamos que L2 é a lei nacional e a lei do foro é a lei da residência habitual (LRH),
ou LRH é lei fora do circuito que considera L2 competente. A LRH na aplicação da L2
faz com que o legislador entenda que não se possa fazer reenvio apesar de os
pressupostos do n.º1 estarem cumpridos. Aqui L2 remete para L3 que se acha
competente. Se a questão jurídica se situa dentro do perímetro da lei pessoal em que L2
é a lei nacional (lei aplicável ao estatuto pessoal em PT), e simultaneamente houver
existência da lei pessoal (seja lei do foro ou interessado residir noutra localização). Isto
faz com que o legislador diga que se vai aplicar o estatuto pessoal. A 2.º conexão mais
138
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
relevante do estatuto pessoal insiste na aplicação da lei pessoal, quer essa residência
habitual se situe no foro português ou noutro OJ que remeta para a lei nacional.
Depois sim, no art.º17/3 dentro deste estatuto pessoal, um certo número de relações
específicas em que estão envolvidos interesses patrimoniais quanto a imóveis, basta que
L3 seja a lex rei sitae que se volta a fazer reenvio em benefício da L3 que é a lex rei
sitae. Numa ponderação de interesses numa matéria de estatuto pessoal e mesmo que
haja convergência da LRH na aplicação da LN, há terceira aplicação (lugar da situação
dos imóveis).
139
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Temos aqui uma opção que tem uma ratio legis muito precisa que tem que ver com a
ponderação dos interesses.
Artigo 18º CC: quando estamos no seu âmbito, não se pode aplicar o artigo anterior,
uma vez que, aqui, estamos a falar de situações de retorno para a lei do foro:
A situação típica de retorno é quando: L1- L2- L1, ou seja, L1 considera que é
competente uma lei estrangeira, mas as regras de conflitos de L2 consideram que a
mesma situação jurídica é regulada pela própria L1. Este retorno pode ser indireto
quando L2 remete para L3, mas L3 remete para L1.
Sabemos que o sistema português, nos termos do artigo 16º, exceciona a sua
aplicação, nomeadamente, quando verificados, nomeadamente, os pressupostos do
artigo 18º.
o Nº1:
A condição que este artigo acaba por estabelecer para que haja este retorno é a
de que L2 aplique o direito interno português, não bastando que haja uma remissão para
a lei do foro. É necessário que o DIP da lei designada pela nossa lei de conflitos devolva
para o direito interno português. Se o DIP da lei designada pela norma de conflitos- a lei
estrangeira, L2- devolver para o direito interno português é este o direito aplicável e
faz-se reenvio sob a forma de retorno.
L2 terá de ser uma lei de referência material, o que significa que L2, ao remeter
por L1, ao ser uma lei de referência material vai aplicar, sem sombra de dúvidas, o
direito material de L1. Assim sendo: L1- L2(RM)-L1. Isto porque se L2 tivesse um
140
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
E é por isto que o artigo 18º exige que L2 aplique o direito interno de L1 porque
só nessa circunstância haveria harmonia internacional de julgados que justifica a
excecionalidade do nosso sistema de reenvio.
Há ainda uma situação que ainda não foi tratada: L1- L2(DD)-L1- como L2 faz
aquilo que L1 fizer a harmonia internacional de julgados está sempre assegurada, pelo
que não é capaz de assegurar o afastamento da regra geral, o que leva a que
nomeadamente a Escola de Coimbra considere que devemos sempre fazer o retorno
aqui, ou seja, L1 deve aplicar-se a si própria. É que a lei do foro é a lei que, segundo o
princípio da boa administração da justiça, é a que é melhor de se aplicar porque é a que
o tribunal conhece melhor.
o Nº2:
141
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
03/12/2021
Art.19º:
O art.º19 CC veio limitar as situações de reenvio quando delas possa resultar uma
situação de invalidade num negócio jurídico, ineficácia ou ilegitimidade de posição
jurídica adquirida. Esse efeito negativo quanto à validade e eficácia por causa do
reenvio, e só por causa do reenvio, deve sobrepor-se a quaisquer outros valores como a
harmonia internacional de julgados.
NOTA: não esquecer que para travar o reenvio, a invalidade ou ineficácia têm que
resultar tão só do reenvio.
Quando L2 for lei escolhida pelas partes, quando estejamos perante autonomia
conflitual, não devemos fazer reenvio. No fundo, o reenvio iria desvirtuar o sentido da
regra de conflitos que indicava a lei escolhida pelas partes. As suas expectativas sairiam
completamente defraudadas. Vamos fazer comparação com Regulamento das sucessões
com este sistema de reenvio. Veremos que há situações que não estão no art.º19, como
lei aplicável à forma da declaração negocial (art.º36) ou formas especiais. Elas
142
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
obedecem ao princípio de conexão alternativa – aplicar qualquer lei desde que resulte a
validade formal do NJ. São regras de conflitos contrárias ao reenvio. Vão ter situação de
reenvio autónomo. Uma das leis que é referida pela 36.º e 86.º é a lei de conflitos local.
CASO PRÁTICO:
Liverpool era a cidade natal de Albert e onde residiu até ter vindo para
Portugal.
143
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Sabendo que:
Resolução:
Trata-se, desde logo, de uma hipótese que acaba por tocar outras questões. Foi
construída com base no Ac. da Relação de Évora de 1993 (Situação que envolvia
ordenamentos plurilegislativos, ordem pública, reenvio).
144
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
sucessões que não tem a mesma solução conflitual, já que o nosso CC remete para a lei
nacional do de cujus.
Albert falece em Portugal em 2010. É nacional do UK. A Lei Nacional é a lei do Reino
Unido. Faleceu em Portugal onde residia há 10 anos. A lei da residência ao tempo da
morte era a lei portuguesa. O Albert deixa bens móveis e imóveis em Florença. Na
situação do acórdão deixa em Portugal. Aqui vamos considerar Florença. Se L2 remete
para a lei dos imóveis, se estão em países diferentes, íamos ter varias leis para lex rei
sitae.
Antes da sua morte, fez testamento e deixou todos os bens à Fundação Calouste
Gulbenkian. Condição – fundação tinha que fazer transladação do seu corpo para
Liverpool. Este testamento estava sujeito a uma condição que devia ser cumprida pela
Fundação. Não sendo cumprida a condição, o testamento deixava de ser eficaz.
A lei da residência habitual anterior, o local de nascimento de Albert e local onde estão
sepultados os seus antepassados é em Liverpool.
145
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O que sabemos? O Reino Unido não tem regras de interlocal, nem normas de DIP
unificadas. Sabemos que o Reino Unido é um ordenamento plurilegislativo e tem 3
subordenamentos nesta matéria de sucessões (Inglaterra e País de Gales, Escócia e
Irlanda). As regras de DIP não são unificadas.
Estas duas primeiras alíneas do caso prático têm que ver com os ordenamentos
plurilegislativos. O que interessa para a questão do reenvio são as alíneas seguintes. O
direito inglês manda regular a sucessão por morte pela Lei da residência habitual.
Quanto aos bens móveis, interessa a lex rei sitae. Em matéria sucessória, o sistema
conflitual deste OJ divide as coisas em móveis e imóveis e aplica lei diferente.
Sabemos que no DIP inglês, aplica-se a LRH para sucessão dos móveis e Lex rei sitae
para a sucessão dos bens imóveis. Qual é a LRH do Albert? Portugal. Para o DIP inglês,
a lei reguladora da sucessão dos móveis é regulada pela lei Portuguesa e a sucessão dos
imóveis é regulada pela lei italiana.
DIP inglês:
Sabemos que a lei nacional é a lei do Reino Unido. Vamos ter que depois resolver este
problema dos ordenamentos plurilegislativos. Aplicação do art.º62. Temos situação
idêntica ao DIP italiano.
146
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O caso prático diz-nos que os Tribunais ingleses praticam dupla devolução (DD). O
direito italiano aceita situações de retorno com DS. Uma das leis em presença tem
solução que não contempla resolução testamentária, para o direito inglês o testamento é
sempre valido independentemente de ter sido cumprida a condição. Já o direito
português e italiano dizem que se a condição não tiver sido cumprida, é resolvida. Os
tribunais portugueses são competentes (L1).
Qual é a lei que a L1 (PT) vai aplicar em 1.ª linha? A lei nacional. Através do art.º62
CC. Se Albert tivesse falecido em 2015 ou depois de 2015, em vez do art.º62,
aplicávamos o Regulamento das Sucessões. Vamos aplicar o art.º62 que diz que a lei
competente (L2) é a lei nacional.
Aqui começa o primeiro problema, que não é estritamente de reenvio, mas que é
fundamental para determinar a L2. Enquanto não concretizarmos a L2, não vamos saber
o seu DIP, qual o seu sistema de reenvio, etc. Ao contrário de Espanha, o direito
interlocal é o próprio DIP e por essa via resolve.
É-nos dito que o reino unido não tem direito interlocal, o que
significa que importa ler o disposto no artigo 20º CC e
perceber que se afasta o disposto no nº1. Assim sendo, o
artigo 20º remete para a lei da residência habitual. Ora, Albert
reside fora do ordenamento plurilegislativo, pelo que
aplicando-se uma interpretação literal deste artigo implica
aplicar como lei nacional de Albert, a lei portuguesa. Assim
sendo, iremos aplicar o entendimento da professora
Magalhães Colaço e procurar determinar a lei do
147
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Magalhães Colaço diz que quando o interessado tiver a sua residência fora do OJ
plurilegislativo, vamos ter que encontrar um subordenamento com o qual tenha conexão
mais estreita. A referência que é feita à ligação de Albert com país natal é Liverpool.
Vimos que Liverpool foi o local onde residiu toda a vida e é o local onde estão
sepultados os seus antepassados. Liverpool é o elemento de ligação mais próxima
dentro do Reino Unido. Liverpool situa-se em Inglaterra.
O que temos que fazer a seguir? Temos que ver o que a lei inglesa faz porque podemos
ter uma divergência. Temos que ver a lei competente que a lei inglesa indica para
regular os móveis. É a lei do domicílio do de cujus, que é a lei da residência habitual. É
a lei portuguesa. L2 retorna para L1. A partir deste momento, sabemos que temos caso
de reenvio sob forma de retorno.
(1) Lei inglesa se considerasse competente (caso remetesse, por exemplo, para o
local de nascimento do de cujus ou LRH antes de sair do seu pais nacional)
(2) Própria lei portuguesa se considerasse competente, o que não levaria se quer à
aplicação de L2. Posição de Ferrer Correia.
148
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
A lei designada pela nossa regra de conflitos é a lei inglesa. Deve indicar o direito
interno português (direito material), ou seja, é necessário que a lei inglesa
remeta para a lei portuguesa com referência material. Qual é o sistema de
reenvio da L2? Devolução dupla. Ora, se L2 faz dupla devolução, temos um
problema:
· Ou consideramos, como a Escola de Lisboa faz, que não estão
verificados os pressupostos de L2 e, como o reenvio é excecional, só se
deve admitir se L2 aplicasse o direito material português, uma condição
que não conseguimos assegurar se não fizermos o reenvio. Se não
fazemos o reenvio, significa que vamos aplicar L2;
· Se, pelo contrário, concordarmos com a Escola de Coimbra
consideramos que, neste caso, uma vez que L2 vai fazer sempre o que L1
fizer, a harmonia internacional de julgados vai estar sempre assegurada,
pelo que, entre fazer ou não fazer reenvio, fazê-lo tem a vantagem de L1
aplicar a lei do foro, aplicando-se o princípio da boa administração da
justiça. Se fizermos o reenvio, L1 aplica L1.
o Em matéria de retorno, nos termos do artigo 18º, nº2, só pode haver reenvio, em
matéria de estatuto pessoal, se o interessado residir habitualmente em Portugal, pelo
que este deixa passar o reenvio (o interessado reside em Portugal), pelo que para a
Escola de Coimbra havia reenvio nos termos do nº1 que era confirmado com este
nº2. Atenção: notar que ao contrário do art.17.º/2 (que funciona em regime regra -
exceção), o art.º18 é cumulativo.
Mas a aplicação desta doutrina leva à questão da aplicação do artigo 19º CC. É
que, fazendo-se reenvio, o negócio seria resolvido, situação em que este artigo proíbe o
reenvio mesmo que reunidos os pressupostos dos artigos anteriores.
o Deste modo, seja qualquer for o caminho que tomemos, L1 aplicaria L2.
149
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
A lei aplicável à sucessão é a lei inglesa. Isso não muda, porque o art.62º manda aplica
a lei nacional quer aos móveis e imóveis. Também já sabemos que se vai aplicar a lei do
subordenamento inglês. Esta primeira parte já está resolvida.
L1 (PT, 62.º CC) ------ L2 (LN, que é a lei inglesa, por aplicação do art.º20 e segundo
perspetiva de Magalhães Colaço de não aplicar aqui a lei da residência habitual por
insuficiência das regras internas) -------------- L3 (Lei italiana).
- Nº1- o direito italiano manda aplicar nesta matéria a lei nacional do de cujus e
tinha sido dito atrás que em matéria de remissão para ordenamentos
plurilegislativos manda aplicar a mesma solução que a que nós adotamos aqui,
ou seja, L3- L2. Importa, agora, determinar os sistemas de reenvio: L2 (DD) e
L3 (DS porque do ponto de vista do DIP italiano existiria retorno se fosse o
tribunal do foro. Retorno aqui é no sentido do direito italiano). Assim temos, em
suma: L1- L2 (DD) - L3(DS) - L2. Assim sendo, L2 vai fazer aquilo que L3
fizer e L3, se faz DS, apesar de considerar competente L2 vai no sentido de
aceitar a solução que L2 fizer e considera-se competente indiretamente. E, no
mesmo sentido, L2 também vai aplicar L3. Deste modo, nós podíamos fazer o
reenvio e aplicar L3.
Portanto, recapitulando:
Que lei é que L2 aplica? L2 vai aplicar o que L3 fizer. L3 se faz DS, aceita a solução
conflitual de L2 que vai no sentido de aplicar L3. L3 aplica-se a si própria
150
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
indiretamente. L2 faz o que o Tribunal de L3 fizer. Dizemos que L2 vai aplicar L3.
Apesar de L2 remeter L3, temos que saber se efetivamente se aplica L3. L3 apesar de
remeter para L2, através de DS vai-se considerar competente indiretamente. L3 vai
aplicar L3 ainda que indiretamente. L2 sendo um sistema de DD vai fazer o que L3
fizer. O problema passa a estar centrado em L3. Se L3 faz devolução simples, apesar de
remeter para L2, aceita o sistema conflitual.
Nos termos do art.17.º/1 podíamos fazer reenvio e aplicar L3, só que aqui estamos em
matéria de estatuto pessoal. O art.17.º/2, ao contrário do que vimos para o art.18.º
(pressupostos cumulativos), paralisa o reenvio se houver insistência na aplicação da lei
nacional, que é L2.
Mas dentro do estatuto pessoal, estamos no âmbito das sucessões por morte e
estão imóveis envolvidos. Este nº2 afasta, portanto, o reenvio.
Temos que ver o art.º17/3. Nesta circunstância, se L3 for a lei do lugar dos
imóveis, deverá ser esta a aplicar. Vem dizer que se L3 for, contudo, a lex rei
sitae se afasta o nº2 e pode haver reenvio.
151
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
[Nota: Imaginemos que L2 fosse sistema de DS. Haveria reenvio? L2 iria considerar-se
competente. A lei que L2 aplica é a sua própria lei. Vai apenas respeitar as regras de
conflitos de L3. Numa hipótese como esta, basta alterar o sistema de devolução de L2
para não passarmos ao art.º17. Não há condições para fazer reenvio. Não vale a pena
discutir o estatuto pessoal. Isto só vai até ao fim, porque todas as condições estão
integralmente verificadas.]
Se fazemos reenvio, qual é a lei que aplicamos? L3, que é italiana. ? Permite a
resolução testamentária, pelo que, através do artigo 19º CC, não deveríamos fazer o
reenvio, sendo certo que a L2 não considera o testamento resolúvel. O art.º19 CC
deveria ser chamado. A lei inglesa salvaria o negócio. Chegamos à conclusão, portanto,
que L1 aplicaria L2.
09/12/2021
QUALIFICAÇÃO
a. O problema da qualificação:
152
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Temos uma tendência para ver o fenómeno de forma inversa que é a aplicação da
norma aos factos, mas, se pensarmos bem, ao fazê-lo também fizemos o inverso que é
subsumir os factos à descrição factual típica prevista na norma. Portanto, a qualificação
jurídica é igual quer vista de uma destas duas perspetivas.
Ora, isto tudo que os juristas muitas vezes fazem de forma intuitiva, esta tarefa
normal de qualificação jurídica ganha no DIP uma determinada feição particular e
também uma determinada complexidade. Porquê? Precisamente porque a regra de
conflitos de tipo 3 (como a professora Magalhães Colaço identificou) na sua hipótese
não tem uma descrição, ainda que típica, de factos. A regra de conflitos, na sua hipótese,
vai conter conceitos técnico-jurídicos, institutos, questões e figuras jurídicas. Por mais
específica que seja a hipótese da regra de conflitos hoje (exemplo: regras de conflitos
que se referem de forma especializada aos regimes de bens, forma do casamento, forma
153
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
A segunda dificuldade tem a ver com o próprio quid a subsumir: o que vamos
trazer à hipótese da norma, ao tipo legal? Aquilo que vamos trazer à descrição típica são
factos tal como eles sucederem. Temos uma realidade que vamos subsumir ao tipo legal.
Ora, isso na norma material, mas na regra de conflitos não é exatamente isso que
trazemos ao conceito-quadro. O que lhe vamos trazer para saber se de facto é aquela
regra de conflitos que vamos aplicar? Vamos trazer ao conceito quadro posições
jurídicas já acomodadas juridicamente ou, se quisermos simplificar, normas materiais.
154
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
155
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
156
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
157
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
158
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
10/12/2021
Vimos que a regra de conflitos tem por função chamar lei e dentro dessa lei pode
contemplar várias regras jurídicas. Nem sempre as regras materiais apresentam regras
iguais às do foro. Atendendo à sua diversidade e características, nem sempre é fácil
estabelecer uma relação entre uma norma estrangeira e figura enunciada no conceito
quadro.
159
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
No direito português, quando alguém vem a falecer e não dispôs dos bens e não
teve herdeiros do elenco do artigo 2133.º, será o Estado a herdar. Para o direito material
português, a sucessão do Estado é uma verdadeira sucessão pro morte. Mas noutros
ordenamentos jurídicos não é assim. No Reino Unido não é assim. O Estado não é
encarado como herdeiro. A coroa tem direito de apropriação – right to escheat. Este
right não é nem sistemática, nem conceptualmente entendido como direito à herança.
Não é visto como direito sucessório, é apenas uma forma de organização dominial de
bens que ficam sem dono. Este right tem natureza de direito real. Apesar de ser exercido
no momento da morte do proprietário e apesar de factualmente isso acontecer, do ponto
de vista jurídico, não há figura da herança. É visto apenas como direito real. De facto, se
olharmos para os direitos reais do ponto de vista do direito material do foro, nunca esta
norma seria configurada nos termos do art.º46, porque, para nós, é um artigo sucessório.
160
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
no seu ordenamento jurídico cumpria a mesma função que o casamento aqui que era
regular a comunhão de vida.
O conceito quadro deve ser interpretado não pelo direito material do foro, não como
noção de direito comparado. No fundo, quando o legislador conflitual cria uma regra de
conflitos, enuncia uma questão jurídica que pode ser respondida pelas potenciais leis
aplicáveis de formas ligeiramente diferentes, desde que cumpram a teleologia daquela
questão jurídica. De facto, é preciso que as soluções das leis oferecidas se relacionem de
forma essencial com esta questão jurídica.
161
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Nós temos de pensar que neste caso o legislador europeu é o foro para estes
efeitos. Quando nós falamos do âmbito material de um Regulamento Europeu, importa
saber se a situação sub judice se enquadra na matéria que ele pretende regular, algo que
geralmente faz através do seu artigo 1º nº1, mas depois o nº2 vem ajudar excluindo
determinadas questões.
Ou seja, é o próprio legislador europeu que diz o que está e não está lá, mas
ainda assim muitas vezes existem dúvidas porque os conceitos que utilizam não estão
dependentes dos direitos materiais de cada Estado- são conceitos próprios regulados
pelo próprio legislador europeu.
162
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
163
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
concluiu que a questão deveria ser subsumível ao Regulamento das sucessões. Não
considerou que era uma questão do regime de bens.
(3) Temos, por fim, o terceiro momento que é o da aplicação das regras de conflitos:
Robertson e Roberto Ago vieram dizer que havia uma coisa que teria de se fazer
primeiro a que eles chamaram de qualificação primária- esta seria, no fundo, uma
tarefa que passava por olhar para os factos tal como eles são apresentados ao Tribunal e
caracterizá-los de acordo com o direito material do foro, porque só assim é que
encontramos a regra de conflitos, ou seja, diziam que a questão tem de ser enquadrada
segundo o direito material do foro para conseguirmos encontrar a regra de conflitos
aplicável já que só através desta é que sabemos qual é a lei aplicanda.
Mas quando olhamos para o artigo 15º CC este diz-nos que a competência
atribuída a uma lei abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que
têm nessa lei, integram o regime do instituto visado na regra de conflitos
(conceito-quadro). Portanto, este artigo refere, desde logo, que há uma seleção na lei
aplicanda das normas materiais pertinentes que se vão subsumir ao conceito-quadro
como conceito-questão.
164
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Isto significa que o artigo 15º CC nunca se preocupa com aquilo que aqueles
autores chamavam de qualificação primária e vê apenas como problema o saber, dentro
da lei aplicanda, quais são as normas que pelo seu conteúdo se função se enquadra no
conceito-quadro da regra de conflitos- mas qual regra de conflitos?
Na verdade, o que o legislador conflitual aqui entendeu é que isso não era
necessário. Aliás, que seria redutor e até errado do ponto de vista do Direito e isso
ilustra-se através de um caso:
165
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Na lei inglesa não há nenhuma regra sucessória que se possa aplicar a esta
hipótese fáctica já que a Coroa britânica não é herdeira, o que ainda tornava a situação
mais difícil se aplicável a tese daqueles autores.
Obviamente que se percebe que esta solução do artigo 15º CC- que não nos
compromete com nenhuma regra de conflitos-, se por azar essas normas jurídicas
integrarem o instituto visado por mais de uma regra de conflitos. Nós temos aquilo que
se chama de conflito positivo de qualificações (também pode haver um conflito
negativo) e isto tem de ser resolvido.
O que não podemos fazer nunca é aquela qualificação primária já que essa visão
pode resultar na preterição de uma das leis em presença sem justificação ou, até, numa
impossibilidade de resolver a questão fáctica. Nós podemos partir para uma qualificação
secundária, analisar as diversas normas materiais das diversas leis aplicandas e, se as
mesmas nos direcionarem para a aplicação de regras de conflitos distintas que remetem
nos mandam aplicar as leis a que essas normas pertencem, aí sim teremos um conflito
positivo de qualificações que importa resolver.
A doutrina defende que para partimos de uma RC temos que fazer submissão
dos factos ao direito material. Vimos que o art.º15 não nos compromete com nenhuma
regra de conflitos. Corremos o risco de a questão ser puramente sucessória e
mandarmos aplicar apenas uma das leis em presença quando a outra também seria
competente.
166
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
fazer triagem segundo o direito do foro, que é Portugal. Art.º2133 CC. Decidimos a
cabeça sem questionar os outros direitos que estão em presença, decidimos que a
questão é sucessória. Aplicamos o art.º62 e como tal o direito italiano. No direito
Italiano, o Estado é um dos sucessíveis. Prefere-se os direitos do estado italiano por
causa de uma qualificação segundo a nossa lei portuguesa. É uma questão de direitos
reais para o direito inglês. Tem características suficientemente atinente aos direitos
reais. Portanto, a lei inglesa tem o mesmo titulo de aplicação que a lei italiana. Isto é o
que art.º15 determina e não depende de uma qualificação dos factos. Nesse caso, vai
resultar num conflito positivo.
Devem ser resolvidos a jusante e a doutrina vem estabelecendo critérios para a sua
resolução.
167
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
uma norma de partilha de bens ou se é uma norma sucessória. O TJUE entendeu ser
uma norma sucessória. O que consideramos é que as características da norma alemã têm
uma função também sucessória. Uma função prevista no Regulamento das sucessões.
Fez o que o art.º15 determinaria.
16/12/2021
CONFLITOS DE QUALIFICAÇÕES
Mesmo nos regulamentos europeus em que existe uma ideia de interpretação das
categorias normativas através da definição, quer positiva quer negativa, do seu âmbito
material de aplicação. Quando o regulamento diz que aquelas soluções conflituais se
aplicam a determinadas situações, excluem outras situações que poderiam suscitar
dúvidas por serem soluções próximas ou conexas ou porque os estados-membros
emprestam a essa categoria normativa uma definição diferente.
Podia ter acontecido com o caso Mahnkopf se tivesse havido uma alteração das
circunstâncias de facto: em que um deles tivesse vindo viver e falecer em Portugal, a lei
aplicável ao regime de bens seria a lei da residência habitual ao tempo do casamento, ou
seja, a lei alemã.
168
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
É neste momento que vimos que a doutrina tradicional exigia que houvesse uma
qualificação primária dos factos (teríamos de partir da regra de conflitos para ir buscar
as normas materiais estrangeiras). Ao que a doutrina portuguesa e o artigo 15º dizem
que não é necessário- não é necessário determinar de forma definitiva à priori qual é a
regra de conflitos porque isso se faz do prisma do direito material do foro que tem uma
resposta à questão sub judice diferente da que é dada por outro OJ que, por sua vez, até
pode dar uma resposta diferente à questão jurídica enunciada. Vejamos as seguintes
situações:
O artigo 15º olha diretamente para as leis materiais em contacto com a situação:
temos o direito italiano e o direito inglês. A solução italiana já vimos, mas a solução
169
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
jurídica inglesa vai no sentido de atribuir os bens à coroa por considerar que esta tem
um direito de apropriação dos bens de quem não tem herdeiros legais. Para o direito
italiano é uma questão sucessória, o que vai reconduzir à aplicação do artigo 62º CC que
manda aplicar a lei nacional (isto significa que a tal solução jurídica italiana se pode
aplicar porque é a regra que a regra de conflitos manda aplicar). O direito inglês
responde, contudo, a uma mera questão de ordenação patrimonial (Direito Real), pelo
que se aplicaria, agora, o artigo 46º CC. Ora, este manda aplicar a lex rei sitae, ou seja, a
lei inglesa.
Mas o que não podemos é fazê-lo à priori porque essa qualificação segundo o
direito material do foro não justifica o afastamento do direito material inglês- é
preferível resolver o conflito do que preterir o direito material daquele ordenamento
jurídico sem justificação.
Estes conflitos devem ser resolvidos segundo princípios gerais de direito. Estes
estão mais ou menos tratados já que correspondem a casos clássicos de jurisprudência
Internacional. As sucessões integram a matéria do estatuto pessoal e entre uma questão
pessoal e uma questão meramente real, a preferência dada será sempre dada ao estatuto
pessoal porque estão em causa interesses pessoais. Ou seja, neste caso, dever-se-ia
aplicar o direito italiano, mas agora já temos uma justificação – seria mais relevante o
estatuto pessoal do que o estatuto real.
Temos em presença a lei alemã e a lei francesa. O direito francês não conhece
esta figura da promessa de casamento. Numa situação como esta os danos causados
poderiam ser ressarcidos através de uma situação normal de aplicação da
170
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
responsabilidade civil extracontratual, mas não por via da concreta figura da promessa
de casamento.
Acontece que o direito alemão que prevê esta figura, subsume-se ao estatuto
pessoal, pelo que teríamos a aplicação do artigo 25º e 31º, nº1 CC que mandaria aplicar
a lei nacional (lei alemã). O direito francês, pelo seu lado, poderia considerar esta
questão através da responsabilidade civil extracontratual, regulada pela regra de conflito
do artigo 45º CC que manda aplicar a lei do facto ilícito, ou seja, a lei francesa. Mais
uma vez, temos um conflito positivo. Entre um conflito entre a responsabilidade delitual
e o estatuto familiar, aplica-se o princípio da lei geral vs. lei especial, sendo que a lei
francesa enquadra a questão em termos gerais e a lei alemã consagra uma especial
forma de violação de ilicitude, uma lei especial – a lei alemã seria aplicada porque a
norma especial afasta a norma geral.
171
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
considerar a solução mais atinente ao princípio da ordem pública, pelo que seria de
considerar o casamento válido.
Olhemos para o caso da promessa de casamento, mas vamos supor, agora, que o
A e B são franceses e que B rompe a promessa em Hamburgo (Alemanha). Repare-se
que a situação é a mesma só que agora invertemos os elementos de facto. Ao fazê-lo
continuamos a olhar para os mesmos ordenamentos jurídicos em presença.
Olhando para o direito francês (nacionalidade dos nubentes) já vimos que esta lei
não contém norma especial para esta situação sub judice, podendo justificar uma
eventual indemnização segundo a aplicação geral da responsabilidade civil
extracontratual, pelo que se subsume ao artigo 45º que manda aplicar a lei do lugar da
prática do ilícito, ou seja, a lei alemã. Se olharmos, agora, para o direito alemão, este
direito enquadra este artigo no âmbito do estatuto pessoal (artigo 25º e 31º, nº1 CC) que
remete para a lei nacional, ou seja, para a lei francesa. Ora, neste caso não nos adianta
nada preferir uma das regras de conflitos à outra porque nenhum dos ordenamentos
jurídicos se quer aplicar.
172
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
17/12/2021
Quando nós dizemos que o direito estrangeiro que é aplicado pelo órgão de
aplicação do direito do foro é-o de acordo com o seu direito de origem, isto é assim
mesmo quando haja problemas de reconhecimento internacional desse Estado.
Exemplo: pense-se no problema da independência de Timor-Leste. Antes desta,
Portugal tinha cortado relações diplomáticas com a Indonésia. Ora, isto não significa
que se o direito material da Indonésia fosse chamado a ser aplicado, Portugal não o
fosse fazer. Estas situações não afetam a aplicação do Direito, tal como ele é aplicado
nesse ordenamento jurídico.
173
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
nós vamos aceitar a jurisprudência como fonte de direito. Devemos aceitar essas fontes
de direito, mesmo que não correspondam às nossas fontes de direito.
Será que esse direito estrangeiro vai ser visto como um verdadeiro direito como
o é o direito material do foro ou apenas como um facto? Isto é tão relevante quanto os
efeitos da questão de saber de as partes terem de alegar e provar a aplicação desse
direito estrangeiro. A aplicação de direito estrangeiro é sempre mais difícil, embora isso
às vezes possa ser relativamente falacioso porque um órgão, especialmente no caso dos
de competências especializadas, é mais fácil que os seus operadores conheçam melhor
Direito da Família estrangeiro do que Direito Administrativo.
Por outro lado, o acesso ao direito estrangeiro é cada vez mais fácil. O grande
apoio que o gabinete de direito comparado da procuradoria geral da república continua a
dar e o acesso a bibliotecas especializadas em direito comparado ou direito estrangeiro,
torna mais simples aceder ao conhecimento do direito estrangeiro. Mas não deixa e ser
uma dificuldade porque: uma coisa é ter acesso aos códigos, leis; outra coisa é ter
acesso à interpretação, jurisprudência, doutrina – isto implica consulta e investigação.
174
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
do órgão de aplicação do Direito, para além de permitir que as partes, na prova desse
direito estrangeiro que é visto como um facto, poderem recorrer a meios probatórios
normais como é o caso de testemunhas- no caso do direito inglês as testemunhas que
vão fazer prova deste direito estrangeiro são peritos (“expert witness”). Este é um
sistema em que o direito estrangeiro é visto como um facto cujo ónus da prova cabe às
partes.
Ora, se formos ao artigo 348º CC, este diz-nos que àquele que invocar Direito
Consuetudinário, local e estrangeiro, compete fazer a prova da sua existência e
conteúdo. Até aqui diríamos que estaríamos perante um sistema de facto, mas o artigo
continua e diz-nos que o tribunal deve averiguar oficiosamente o seu respetivo
conhecimento.
175
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Quanto ao nº1, 1ª parte do artigo 348º CC, entende-se que existe um ónus de
colaboração, sendo que se o direito estrangeiro for de fácil averiguação as partes não
têm de fazer nada já que existe aquele dever oficioso, mas se o direito estrangeiro
aplicável for de reconhecida dificuldade de aplicação, averiguação, prova, etc. – aquilo
que da perspetiva do tribunal do foro se pode chamar de Direito Exótico – de facto, as
partes têm de colaborar, sendo que se o não o fizerem, aí o tribunal pode legitimamente
recorrer ao nº2 do artigo 23º CC.
O que o artigo 23º, nº2 vem dizer é que, se por exemplo for aplicável a Lei
Nacional (Lei Malaia) e cujo acesso se revela muito difícil para o tribunal. As partes não
colaboraram com o tribunal no conhecimento e interpretação desse Direito, pelo que o
tribunal recorre a este artigo que diz que na impossibilidade de reconhecimento do
direito estrangeiro se aplica a lei subsidiariamente competente. É necessário que haja
uma conexão subsidiária, algo que nem sempre acontece (neste caso poderíamos
recorrer à lei da residência habitual). Pode acontecer que também essa lei da residência
habitual seja igualmente de difícil conhecimento ou podemos estar a falar de um outro
estatuto que não o pessoal e em que não há conexão subsidiária.
Assim sendo, parece que este artigo não dá uma resposta completa. Ferrer
Correia acha que se salta precipitadamente para a aplicação do direito material do foro,
não aplicando a lei que a regra de conflitos manda mesmo aplicar. O prof. Ferrer
defende que se possa fazer um conhecimento presuntivo desse direito quando esse
direito pertencer a uma família jurídica em que há soluções idênticas que podem ser
interpretadas à luz de um direito familiar.
O art. 62º determinava que a sucessão era regida pela lei pessoal do de cujus à lei
do falecimento, com algumas exceções. Mas fora estas exceções, a sucessão aberta
deveria ser regulada pela lei pessoal do de cujus ao tempo do falecimento. Se as pessoas
tivessem uma nacionalidade diferente anteriormente, seria no momento do falecimento
que seria determinada a lei aplicável, que em regra, seria a lei nacional. Esta norma
176
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
revela bem a autonomia do DIP quanto ao direito interno. Esta norma deixa de ser
avaliada pela lei indicada pela lei de conflitos. Depois havia mais duas regras que têm a
ver com a solução voluntária que diz respeito a atos voluntários de disposição pos
mortem e as regras do artigo 63º e 64º referiam-se à capacidade para celebrar esses tipos
de disposições. Esta norma diz que esta questão é de substância e reconduzi-la ao art.
64º, sendo que se deve ter em consideração o art. 53º (alguns factos sucessórios são
feitos na convenção nupcial). Será a lei nacional ao tempo da própria disposição. A
interpretação será feita pela lei nacional também determinada naquele momento.
177
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
refere-se a “ausência de direito interno local” (nós já sabemos pelo art. 20º é que não
um problema apenas de ausência, mas falta de uniformização). No fundo, o que o
regulamento faz é que qualquer que seja a norma de conflitos, nós recorremos sempre
ao direito interno local. Só que, pelo art. 20º, isso só acontece para a nacionalidade. Se a
regra de conflitos diz residência habitual, é a lei do subordenamento da residência
habitual que se aplica; se for a nacionalidade, é a unidade territorial com quem o
falecido tinha uma relação mais estreita (como M. COLLAÇO defendia); se indicar a lei
de situação dos imóveis, é a lei onde se localiza o imóvel que se aplica.
Sempre que haja escolha de lei, esta escolha não deve delimitar o
sub-ordenamento. A escolha deve dizer qual a lei que regula, mas esta tem de ser uma
lei de um Estado soberano: lei inglesa, lei espanhola, etc.
178
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
L1 → L2→ L3
Contudo, pensemos: se L2 remete para uma L3 de uma lei de um EM, então não
aplicamos o RE e, por consequência, o reenvio, achando-se indiretamente competente?
Muitos dizem que à partida, olhando para este sistema não se percebe onde está
a harmonia internacional de julgados, mas esquecem-se que L3 sendo um
Estado-membro admite o reenvio do regulamento, logo, acha-se indiretamente
competente.
179
APONTAMENTOS TEÓRICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Temos de interpretar o art. 34º no sentido que quando se diz que L3 se considere
competente, devemos entender aqui “competente” direta ou indiretamente.
Vamos supor agora que a lei suíça é uma lei de Devolução simples (L2).
L2 acha-se competente e, por isso, não há reenvio nos termos do artigo 17º.
180