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Introdução
Caderno de DIP
O presente “caderno” é foi utilizado para o meu estudo de DIP no quarto ano da
licenciatura de Direito da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. Não deve, nem é
recomendado, ser utilizado para o estudo da cadeira noutras faculdades uma vez que
acompanha de perto o programa lecionado no ano de 2019 pelo Professor Luís Barreto Xavier.
O caderno tem por isso como fonte os ensinamentos transmitidos por este professor em
sede de aula. O caderno tem ainda como fonte várias obras bibliográficas entre as quais o
Comentário Ao Código Civil da Universidade Católica Portuguesa e o manual Lições de Direito
Internacional Privado de A. Ferrer Correia.
No final do caderno existe um índice.
Bom estudo.
A disciplina de DIP
Esta disciplina é de direito nacional português, mas de DIP, depois vamos ver o que
significa e veremos que este DIP é internacional não apenas pelo objeto, mas também em
grande medida pela fonte, sendo que hoje é uma disciplina que fundamentalmente resulta do
DUE, que está assumida pelas instituições europeias com regulamentação. Isto significa que, do
ponto de vista metodológico, as coisas não se passam como noutras cadeiras, porque há
complexidade que resulta da diversidade de fontes. Continuam a existir fontes de Direito
interno, como alguns artigos do Código Civil, mas cada vez mais fontes de Direito da União
Europeia dominam.
A conjugação de todas as fontes tem a sua complexidade, assim como os seus institutos. É
preciso questionar as soluções, porque até podem surgir soluções melhores do que aquelas que
temos ou do que é defendido pela jurisprudência ou doutrina.
A nossa disciplina tem ainda muita margem para evolução, no sentido de que as soluções
jurídicas não estão codificadas de forma estável, mas ainda comportam espaços para a nossa
criatividade no sentido de encontrar melhores soluções para os problemas que nela se
encontram. Isto significa que pelo caráter formativo que a disciplina tem que ter, vai exigir um
esforço de reflexão e pensamento, que é importante. Mais importante do que dizermos o que
as coisas são, é porque é que as coisas são assim.
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Por todo o lado no mundo o Homem tem as mais variadas relações entre si, que não se
contentam com apenas o pouco território delimitado pelas fronteias de um Estado e extravasam
para todo o planeta, desde relações comerciais a relações familiares. Em todo o lugar há negócios
a acontecer entre empresas de diferentes nacionalidades e casamentos entre sujeitos de países
diferentes. É desta sociedade de indivíduos à escala mundial que nascem os problemas jurídicos
mais diversos do qual tem de tratar o DIP. Vejamos no próximo capítulo.
Os problemas fundamentais que as situações que são objeto do DIP criam integram-se
em 3 categorias: direito aplicável (conflito de leis), competência jurisdicional internacional e
finalmente reconhecimento de sentenças estrangeiras. Podemos dividir estas 3 categorias em
Direito dos Conflitos e em Direito Processual Internacional Privado.
Se o DIP vai servir para responder a situações jurídicas privadas e plurilocalizadas, isto
é, situações que têm elementos de conexão com mais do que uma Ordem Jurídica, então
ficam de fora do âmbito deste ramo tanto as situações jurídicas puramente internas como as
situações de direito público.
Obviamente nem todas as situações jurídicas conectadas com mais do que uma Ordem
Jurídica vão ser objeto de DIP. Se o hacker Rui Pinto3, que reside na Hungria, tendo
nacionalidade portuguesa invadir contas de e-mail contra ele pode correr um pedido de
extradição das autoridades portuguesas, por ter praticado vários crimes. Esta situação, apesar
de jurídica, não é um problema de DIP, é uma situação jurídica de natureza pública, devendo
ser tratada pelo Direito Público, mais concretamente, pelo Direito Penal. Não está em causa
verdadeiramente uma relação jurídica privada entre o Rui Pinto e outra entidade privada, mas
está em causa saber se o poder punitivo do Estado português pode ser exercido sobre este
cidadão que se encontra no estrangeiro. Esta relação jurídica é entre o cidadão e o Estado,
portanto, é uma situação de Direito Público4, em que o Estado intervém como autoridade
3https://observador.pt/2019/07/24/hacker-rui-pinto-suspeito-de-invadir-o-email-do-juiz-carlos-
alexandre/
4Desde do primeiro ano que aprendemos a necessidade entre distinguir direito privado do direito
público, distinção que permite estudar melhor a ordem jurídica, que é una, mas se divide por secções ou
ramos. Há vários critérios para tentar separar o direito privado do público, mas os três principais são: 1)
Critério do interesse: em que o direito público é todo aquele que visa satisfazer interesse públicos e o
privado satisfazer interesses particulares. Este critério é claro insustentável como defendia Oliveira
Ascensão, não há uma linha radical de fratura entre os interesses públicos e privados, o interesse público
corresponde pelo menos indiretamente aos interesses particulares, por sua vez os interesses particulares
são protegidos porque há um interesse público nesse sentido. 2) Critério da Qualidade dos Sujeitos:
público é o direito que regule situações em que interviesse o Estado, ou em geral, qualquer ente público, e
privado era o direito que regulasse as situações dos particulares. Este critério também falha a partir do
momento em que o Estado pode atuar como um ente particular, por exemplo nas compras e vendas. 3)
Critério da Posição dos Sujeitos: Direito será público se constitui e organiza o Estado e outros entes
públicos, sendo Direito Privado aquele que regula as situações em que os sujeitos estão em posição de
paridade. Este é o critério adotado por Oliveira Ascensão.
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pública, seguindo o Critério da Posição dos Sujeitos. A situação jurídica tem por isso desde logo
ser privada.
Quanto a ser uma situação plurilocalizada quer isto dizer quem tem conexões com mais
que uma ordem jurídica, sejam elas resultantes da nacionalidade, domicílio dos sujeitos
envolvidos, lugar onde devem ser executadas as respetivas obrigações ou ainda do respeito de
fenómenos de comercio jurídico internacional. O DIP trata portanto das situações jurídicas:
1) Privadas
2) Plurilocalizadas ou Internacionais
Não seria boa solução sujeitar esta situações internacionais sempre e sem mais ao
exame do direito local. Por várias razões:
1) Aplicar sempre e sem mais a lex fori materialis a factos que sejam estranhos, que
não tenham uma conexão, violaria ostensivamente um indiscutível princípio do
direito, que é aquele que nos diz que a norma jurídica, é uma norma reguladora do
comportamento humano – visa coibir ou incentivar e em qualquer caso
condiciona – não é por sua natureza aplicável a condutas fora do alcance do seu
preceito.
2) Além de vazar um dos fins do Direito como vimos supra, a solução seria ainda
plenamente injusta. Os sujeitos devem conseguir saber com certa previsibilidade
que legislação é suscetível ser lhe aplicada. Já estudamos isto quando no primeiro
ano referimos o Princípio da Irretroatividade das leis a propósito da aplicação da lei
no tempo. O mesmo vale aqui.
3) A solução de aplicar sem mais a lex fori seria ainda uma ofensa aos direitos
adquiridos, ou quando menos, uma ofensa às expectativas legitimamente
adquiridas.
4) Além disto, aplicar sempre o direito local levaria muitas vezes a soluções
insatisfatórias. Por exemplo: duas pessoas de nacionalidade búlgara residem em
Sófia, pretendem contrair casamento em Portugal. Porém há entre elas uma relação
de parentesco que as impede, segundo o direito búlgaro, de contrair matrimónio. Se
a autoridade portuguesa competente lhes atendesse a sua pretensão, sendo que o
grau de parentesco entre elas cá não é impedimento, o casamento estaria desde
logo votado a uma total ineficácia jurídica no estado a que todas as partes da
situação pertencem. A solução seria inútil.
os países não podem unilateralmente decidir aplicar a sua lei e esperar que o resto
da comunidade mundial aceite.5
Por estas razões nada nos garante que, se vamos resolver determinado problema
internacional num tribunal português, devamos aplicar necessariamente o Direito
português. Os tribunais portugueses podem aplicar direito estrangeiro e até o devem fazer
quando as regras de conflitos do DIP assim o ditam.
Portanto, quando as situações são privadas plurilocalizadas (internacionais) - põem em
contacto mais do que uma Ordem Jurídica - a priori, não sabemos nem podemos saber, sem
recurso às regras de conflitos de leis, que jurisdição é aplicada para resolver este caso. É disto
que se ocupa o Direito de Conflitos de Leis.6
Por fim, para delimitar o objeto do nosso curso este semestre, importa estabelecer uma
distinção entre:
5 Notar no entanto que não é diretamente por atenção ao interesse e à soberania dos Estados que as suas
leis civis devem ser reconhecidas e aplicadas além fronteiras, mas sim, fundamentalmente, por atenção
aos interesses dos indivíduos: que destes sobretudo tratamos no âmbito da cadeira de DIP. O
objeto da cadeira não é a relação de soberania entre os Estados, isso fica para o DIPúblico.
6Direito dos Conflitos de Leis sendo o direito que resolve a questão de que lei aplicar entre duas
potencialmente aplicáveis. Caberia aqui tanto a questão de DIP como a questão da aplicação da lei no
tempo. Seria o direito sobre o direito a aplicar.
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Este é um princípio de acordo com o qual não pode ser aplicada a uma dada
situação uma ordem jurídica que não tenha no momento da sua constituição qualquer
contacto com essa situação. Qual a razão de ser deste princípio? A ideia de que as regras
jurídicas têm uma vocação normativa e essa vocação normativa só pode efetivar-se quando as
pessoas têm a possibilidade de conhecer e orientar-se por essas mesmas normas. E só se podem
orientar por essas normas se puderem contar com a aplicação dessas mesmas normas. O
professor Batista Machado descobria neste princípio:
1) Dimensão negativa - de acordo com a qual não podemos aplicar as leis que
estão para lá do círculo de leis conectadas com a situação
2) Dimensão positiva - a ideia de que as leis que estão em contacto com a situação
no momento relevante são à partida potencialmente aplicáveis à situação. Se
uma dada situação internacional tem conexões com duas ordens jurídicas, essas
ordens jurídicas são potencialmente aplicáveis à situação e depois cabe ao DIP,
mais concretamente do Direito de Conflitos de Leis, determinar de entre as leis
potencialmente aplicáveis, qual a que efetivamente vai ser aplicável.
Vejamos, o que estamos aqui a argumentar com base na tese de Baptista Machado.
É inegável que existe um grau de parentesco entre o ramo do DIP e o Direito
Intertemporal. Conhecemos já, desde do primeiro ano da licenciatura, as questões relativas à
aplicação da lei no tempo. A questão tanto num caso como noutro é saber, perante um conflito
entre duas leis virtualmente aplicáveis a uma situação, uma lei antiga e uma mais recente, qual
delas se aplicará. Podemos por isso chamar ao Direito Intertemporal, à questão da aplicação da
lei no tempo, um “direito-sobre-direito” por ter como objeto o conflito de leis.
No DIP acontece o mesmo, pelo menos no que diz respeito à parte que trata o conflito
de leis . No DIP temos um conflito de leis, mas em vez de o termo no tempo encontramos este
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conflito no espaço. Há uma questão no DIP que é saber que lei se irá aplicar numa situação com
conexão a vários ordenamentos onde, virtualmente, se poderiam aplicar várias leis. Temo
também um “direito-sobre-direito”, o problema é exatamente o mesmo, mas a equação muda,
em vez de ter a variável “tempo” tem a variável “espaço”.
Baptista Machado defende então que há aqui uma verdadeira analogia ou comunidade
de princípios fundamentais entre os dois ramos de direito: DIP e Direito Intertemporal. O
que poderá levar a concluir que pode existir uma base para uma teoria unitária de um
“Direito dos Conflitos.”8 Assim, nada parece impedir, que com as devidas adaptações que
tem de ser feitas, as soluções num ramo do direito possam ser transportadas para outro, sendo
que não iguais mas analógicos, e por isso é preciso ter atenção a esta adaptação.
O princípio da não retroatividade das leis é uma dessas analogias possíveis, cujo os
fundamentos vêm do desconhecimento da lei futura (que é impossível de prever ou não deve ser
imputável não prever) que a ser aplicadas levaria a uma clara injustiça. As leis, como sabemos,
7O DIP tem a primeira parte que nos vamos focar sobre o conflito de leis, mas também tem uma parte
processual, onde vamos ver a competência internacional e o reconhecimento de setenças.
8 Direito dos Conflitos de Leis. Seria tanto no espaço como no tempo.
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tem de ser publicitadas. A ideia de que os cidadãos devem conhecer a lei que lhes é aplicada
é transportada para o DIP, sendo que se aplicará um princípio nomeado por Batista
Machado como o Princípio da Não Transactividade, com fundamentos idênticos aos do
Princípio da Não Retroatividade. Um veio comum que percorre e liga o direito interporal ao DIP
é o objetivo comum de garantir a estabilidade e a continuidade das situações jurídicas
interindividuais e assim tutelar a confianças e as expectativas dos interessados. Assim, só
deverão ser aplicadas leis de ordenamentos jurídicos cujo o sujeito, no caso concreto, esteja em
contacto.
A questão de saber qual é a solução mais justa para a questão da validade do casamento
ou da indemnização que venha a ter lugar não é colocada em primeiro lugar no DIP. A justiça
material dos casos fica normalmente para segundo lugar no que toca ao DIP. Como diz o
professor Ferrer Correia, a “justiça” no DIP é formal. Afinal é um direito sobre o direito e é o
direito que determina aplicável que depois deverá tratar da questão da justiça.
O que nos ocupará são questões anteriores a essa justiça material, porque a justiça
material vai estar subjacente à Ordem Jurídica chamada para resolver o litígio. A determinação
da lei aplicável, por via de regra, abstrai-se da questão de saber qual é lei mais justa, até
porque saber qual é a lei mais justa é algo com dimensão subjetiva, será impossível determinar.
Cada pessoa terá a sua conceção ético-jurídica, e entenderá de forma diferente a mesma
situação. Também não aplicamos a lógica da “lei mais justa” ao decidir que lei aplicar entre duas
em conflito no tempo9, não procuramos entre duas leis diferidas no tempo qual é a mais justa.
Para nós pode não fazer muito sentido, por exemplo, que se estabeleça uma
indemnização com efeitos punitivos para o lesante.10 Esta ideia prevalece em determinados
Estados Americanos, mas para nós não faz muito sentido. Também há diferentes conceções
sobre a família, no Direito português temos existência de herdeiros legitimários, mas isto já não
é assim em todas as ordens jurídicas, no Direito Inglês a liberdade de testar é quase absoluta,
não há tutela de herdeiros legitimários, não será essa a solução mais justa? Deve um estado
obrigar a que os pais deixem a sua propriedade aos filhos?
Os problemas de DIP nascem não apenas do caráter internacional das situações, mas do
facto das Ordens Jurídicas de diferentes países serem diferentes, quanto às soluções materiais.
Ou seja, apesar dos esforços de unificação e harmonização de direito material que existem
9 E uma vez que vale a analogia como já dissemos apoiados na tese de Baptista Machado. Claro, pode haver
fatores de justiça envolvidos. Por exemplo o caso excecional da retroatividade da lei mais favorável
quando se trata de lei penal, podíamos dizer que tem por base uma certa justiça. No entanto não é a
justiça a primeira pergunta que equacionamos ao resolver um caso de aplicação da lei no tempo, é mais a
segurança jurídica.
10Caso em que o montante da indemnização excede o montante dos danos, para efeitos de dissuasão geral
e punição do infrator, como acontece nos EUA.
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Temos que ter presente é que as situações privadas internacionais nascem com uma
característica genética, a natureza de incerteza quanto à lei aplicável. Porque se elas estão
conectadas com uma única Ordem Jurídica é fácil, é essa que vai dar a solução. Mas se nascem
conectadas com mais do uma, então elas nascem sobre a égide da incerteza, não sabemos, a
priori, a solução aplicável.
As regras de DIP visam, por isso, reduzir, tentar eliminar a incerteza quanto à lei
aplicável, tentar chegar à segurança jurídica que decorrerá do facto das pessoas poderem
saber com o que contam, e qual é a lei aplicável, de forma clara. Esse é o principal objetivo do
DIP, promover a segurança jurídica, reduzindo a incerteza dos sujeitos.
Veremos no entanto que, sendo este o objetivo principal, não significa que ele seja
atingido. Assim como o Direito Penal visa evitar que se cometam crimes, mas eles continuam a
ser cometidos. Veremos que entre o ideal de termos segurança jurídica plenamente conseguida e
a realidade há uma distância que existe porque, em grande medida, as regras de DIP não são
comuns a todos os Estados. Cada país tem o seu DIP, o seu modo de solucionar os conflitos
de leis, mas também problemas de conflitos internacionais e os problemas de execução
de sentenças estrangeiras. O que vamos estudar nesta cadeira é o DIP Português, daí logo no
início do caderno termos dito que o DIP não é “internacional” nesse sentido, mas sim nacional.
A justiça material
Exemplos11: o caso de poligamia, vários estados utilizam esta cláusula para não permitir o
casamento homossexual; o caso da tortura quando constasse de cláusula penal de um contrato.
Num contexto sucessório, foi publicado recentemente um acórdão de um caso de um cidadão
britânico que vivia em Portugal e deixou testamento a favor do cônjuge, sendo casado em
terceiras núpcias com uma cidadã estrangeira, deixando-lhe todos os bens e tendo o testamento
sido celebrado em Londres, ficando as 3 filhas portuguesas sem tutela sucessória, o que é
precisamente um caso em que se pode suscitar a cláusula de ordem pública internacional do
Estado português, o tribunal de primeira instância disse que era de aplicar o direito da
nacionalidade do de cujus, ou seja, o direito inglês, que permite testar sem limites, mas as filhas
recorreram para o Tribunal de Relação, invocando a aplicabilidade da lei portuguesa e, caso esta
não fosse entendida, a cláusula de ordem pública internacional do Estado português e este
tribunal entendeu que a lei aplicável era a inglesa, mas que a solução da mesma, deixando as
filhas desprotegidas, seria incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português,
tendo depois a viúva recorrido para o STJ que acabou por determinar que era a lei portuguesa a
aplicável, mas que, mesmo que não fosse, porque a solução da lei inglesa seria incompatível com
a ordem pública internacional do Estado Português seria de aplicar a cláusula de ordem pública
internacional do Estado português. Que mais exemplos temos? Suponhamos que determinada lei
estrangeira prevê que os filhos ou descendentes do sexo masculino sejam beneficiados em
relação às do sexo feminino. Esta solução, discriminatória, é claramente contrária à nossa ordem
pública. São uma série de hipóteses em que temos critérios de justiça material, não,
obviamente, através da diferença entre a solução de Direito português e da lei estrangeira, mas é
uma solução que serve para afastar soluções cujos efeitos seriam completamente violadores de
valores e princípios básicos da nossa Ordem Jurídica. Temos uma intervenção de critérios de
justiça material no âmbito da nossa disciplina.
Temos assim uma série de hipóteses em que, através de critérios de justiça material, se
afastam soluções da lei estrangeira cujos efeitos seriam, no caso concreto, violadores de
valores e princípios básicos da nossa ordem jurídica. Temos aqui uma via de intervenção de
critérios de justiça material na nossa disciplina.
Outra via de intervenção destes critérios será aquela em que a própria determinação
da lei aplicável tem em conta critérios de ordem material: Por exemplo em soluções que
fazem operar o princípio da proteção da parte mais fraca, relativamente a matéria contratual -
certos tipos de contratos como os contratos individuais de trabalho, de seguro ou com o
consumidor, em que encontramos regras que levam a que a própria escolha da lei
aplicável possa ter em conta critérios de tutela da parte mais fraca, tutela do trabalhador,
do segurado ou do consumidor. Há, nesses casos, critérios de determinação da lei aplicável
que são especiais face aos critérios gerais e que vão precisamente tutelar a justiça material, e
tentar evitar que a desigualdade que se pressupõe entre estas partes possa afetar o equilíbrio
contratual – assim, a tutela da parte mais fraca é uma forma de intervenção da tutela
material no campo do DIP.
Ainda outra forma de intervenção de justiça material é aquela que pode aparecer por
intermédio de um outro princípio que é o princípio do favor negotti, ou seja, há casos em que a
determinação da lei aplicável vai ser afetada por um princípio de favorecimento da validade do
negócio: entre duas leis, uma das quais considera o negócio inválido e outra que considera o
11O caso da pena de morte não se suscita porque esse remete para o direito penal e não para o direito
privado.
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negócio válido, vamos optar pela lei que permite salvar a validade e a eficácia do negócio. Há
uma preferência do legislador conflitual pela lei que salva a validade do negócio12, há uma
tutela do comércio jurídico e uma tutela das expectativas das partes que levam a que se prefira
salvaguardar a expressão da vontade das partes sobre uma eventual invalidade que decorreria
de uma das leis.
12Sendo que este princípio, apesar de autonomizado aqui pelo Professor Luís Barreto Xavier, poderia, no
nosso entender, estar incluído nos critérios que a norma de conflitos usa para escolher a lei a aplicar.
Afinal o princípio é apenas uma das guidelines que o legislador usa de forma geral, mas é um critério que o
legislador escolhe ou não acolher na norma de conflitos.
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Uma das vias pelas quais a redução da incerteza opera é pela unificação do Direito de
Conflitos. Essa unificação tem um campo particular no quadro da UE. Como sabemos no DUE
temos como consequência dinâmica do mercado único a ideia de eliminação de barreiras à livre
circulação das pessoas, bens, serviços e capitais. Os órgãos da UE desenvolveram regras
destinadas a eliminar barreiras jurídicas a essas liberdades. Por exemplo, existiriam diferentes
leis aplicáveis aos contratos, aos divórcios, à competência internacional dos Tribunais, etc…
Esta é também a razão pela qual em DIP, além de utilizarmos muito os artigos iniciais do
Código Civil, também iremos utilizar muito os regulamentos europeus. Uma vez que Portugal é
Estado-Membro da União Europeia, hoje o nosso DIP não tem apenas fonte nacional. O DIP dos
Regulamentos Europeus é para todos os efeitos Direito Português.
Âmbito do DIP
Perante as situações que falamos, a primeira questão que se coloca é a de saber qual é
o ordenamento jurídico aplicável, qual a lei aplicável para solucionar estas questões. Perante
estas situações plurilocalizadas, a priori não sabemos nem podemos saber sem recurso às regras
de conflitos de leis qual a ordem jurídica que vai ser aplicada para resolver o caso. É disto
que se ocupa o chamado Direito de Conflitos de Leis, que é o setor central dentro da nossa
disciplina. Este Direito hoje resulta de uma pluralidade de fontes quer nacionais, quer europeias,
quer internacionais.
A segunda questão, é a competência internacional dos tribunais, que é um dos
pressupostos processuais. Se o problema da situação internacional não for resolvido de forma
espontânea ou por via amigável, se não tiver solução por outra via e surgir litígio, é necessário
saber se este litígio pode ou não ser dirimido através do recurso a um tribunal de um
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determinado país. Ou, de forma mais ampla, saber quais os países cujos tribunais são
internacionalmente competentes para dirimir o litígio.
A terceira questão que temos na nossa cadeira é a questão de saber se uma determinada
sentença que é proferida num determinado país pode ou não ser reconhecida e executada num
país diferente. É a questão do reconhecimento e execução de uma sentença estrangeira.
O âmbito do Direito Internacional Privado pode por isso ser dividido em: Direito da
Competência Internacional; o Direito de Conflitos e o Direito do Reconhecimento de
Sentenças Estrangeiras. Ficam excluídos: o Direito da Nacionalidade e o Direito dos
Estrangeiros.
Faz ou não sentido considerá-lo como integrando o Direito Internacional Privado? Nós
estudamos isto em Fundamentos de Direito público, está correto estudarmos isso no
Direito Público? O vínculo de nacionalidade é um vínculo jurídico-político que traduz
a pertença de uma pessoa a um Estado soberano, pelo que é um vínculo de Direito
Público e não de Direito Privado. É verdade que a nacionalidade tem efeitos, a
pertença a um Estado através da nacionalidade tem efeitos de diferente natureza, tem
efeitos jurídico-públicos, jurídico-internacionais (no sentido do internacional público) e
jurídico-privados, mas serão estes últimos os mais relevantes de todos? Não, os mais
relevantes são os jurídico-públicos. A nacionalidade não é apenas um vínculo jurídico-
político, portanto jurídico-público, como os seus efeitos se produzem
fundamentalmente na esfera pública, na medida em que é este vínculo que
determina quem são os cidadãos portugueses, espanhois etc. O que tem relevância
ao nível de direitos políticos, ao nível da proteção diplomática, do âmbito de aplicação de
tratados internacionais e também ao nível de direitos privados, mas estes são
contingentes, não são essenciais à própria noção de nacionalidade, basta uma pequena
alteração legislativa que determine que a conexão da nacionalidade seja substituída por
uma conexão de residência habitual para que caia esta ligação que ainda existe entre
nacionalidade e DIP, o que significa que esta ligação é perfeitamente contingente – já
não é contingente a relação das pessoas ao Estado soberano de que são nacionais. Podem
discordar e argumentar noutro sentido, mas a conclusão que temos é que a
nacionalidade está fora do âmbito do Direito Internacional Privado.
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O DIP é um ramo do Direito que não vive isolado, tem conexões muito importantes com o
Direito Constitucional, porque basta pensar na reforma de ‘77 do Código Civil, consequente à
CRP de ’76, que não veio apenas interferir com o conteúdo das regras materiais do Direito da
Família e das Sucessões onde verdadeiramente se projetou, nas normas relativas à igualdade
entre os cônjuges, normas em que foram afastadas discriminações entre filhos nascidos dentro e
fora do casamento, normas que impunham estatutos desiguais para homem e mulher, etc. Mas
isso projetou-se também no Direito Internacional Privado, os vetores constitucionais são
extremamente importantes no Direito Internacional Privado, assim como valores de Direito
Público, o que não significa que se confundam com eles.
Enquanto noção final de DIP podemos dizer que: “o direito internacional privado é o
ramo do direito que procura formular os princípios e regras conducentes à determinação
da lei ou leis aplicáveis às questões emergentes das relações privadas internacionais, e bem
assim assegurar o reconhecimento no Estado do foro das situações jurídicas puramente
internas, mas situadas na orbita de um único sistema estrangeiro.”
A função precípua do DIP é criar, para as relações jurídicas plurilocalizadas e sujeitas,
uma disciplina que reduza a instabilidade a um mínimo tolerável, uma disciplina capaz de
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garantir a livre circulação dos direitos através de territórios sujeitos a leis diversas, que
assegure a estabilidade e continuidade nas relações jurídicas.
Agora que percebemos a base do DIP podemos avançar no estudo aprofundado deste
ramo jurídico. Vamos neste caderno seguir o método de ensino do Professor Luís Barreto Xavier
que consiste em começar por uma análise, ao lado da parte geral, de algumas das fontes mais
importantes do direito de conflitos em especial e depois do direito da competência internacional
e do reconhecimento de sentenças estrangeiras. Assim acompanhamos os diplomas legislativos
mais importantes e a medida que estudamos estes vamos estudando o DIP de forma geral e não
ao contrário.
Princípios do DIP
Uma das vias pelas quais a ideia de segurança jurídica pode ser tutelada é através da
escolha da lei aplicável. Pensando um bocadinho, se fossemos legisladores e quiséssemos tutelar
a segurança jurídica nas relações jurídicas internacionais privadas que critérios podíamos usar?
Perante uma dada situação13, entre as leis potencialmente aplicáveis temos que ter um critério
para escolher. Iriamos legislar uma norma de modo a que se fosse aplicar a lei que se encontre
mais estreitamente conexionada com a situação, ou seja, a ordem jurídica que mais
fortemente esteja conexionada com a situação. Porque é que será assim? Porque é que vamos
escolher a lei mais fortemente ligada à situação? Iriamos aplicar a lei14 mais ligada porque
essa será a lei com que, em princípio, provavelmente, as partes contam. Essa será a lei na
qual as partes, naturalmente, confiaram ser aplicada a dada situação.
Este é o primeiro princípio fundamental de DIP que temos de saber. Decorre,
evidentemente, da segurança jurídica. A lei aplicável deve ser, tanto quanto possível, a lei
mais estreitamente conexionada com a situação.
Este princípio da conexão mais estreita vai operar em três dimensões ou por três vias:
13Já vimos que numa situação privada internacional as leis potencialmente aplicáveis são aquelas com
as quais a situação está em contacto, e apenas essas, portanto não podemos aplicar outras leis que não
tenham qualquer relação com a situação.
14 Lei com maiúscula neste caso. Queremos referir o ordenamento jurídico.
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15 Exemplo: “a lei aplicável será aquela do pais que as partes tenham a conexão mais estreita”
16Exemplo: artigo 4º nº1 a) “residência habitual” do Reg. Roma I. Outro exemplo: artigo 22º nº1 “lei do
estado de que é nacional” no reg. Sucessório.
17Exemplo: “a lei aplicável é a lei da residência habitual” nº2 “o disposto no número anterior não se
verifica quando as partes tiverem uma conexão maior com outro estado-membro”
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O Princípio da Harmonia Jurídica Internacional visa que as soluções das diferentes leis
que se querem aplicar sejam de certa forma compatíveis entre si, isto é, não sejam contrárias
umas as outras. É uma outra expressão do valor da segurança jurídica.
Exemplo: admitindo que em Portugal a lei aplicável é a lei nacional e no Brasil a lei
aplicável é a lei da residência habitual. Se estamos, por exemplo, a lidar com a matéria do regime
de bens do casamento, imaginando que o direito brasileiro estabelece o regime supletivo de
bens como o regime de separação, enquanto em Portugal o regime supletivo é o da comunhão de
adquiridos, pense-se na situação de um casal de portugueses que reside habitualmente no Brasil,
celebrando lá casamento, qual será o regime de bens relevante para o casal?18
2) Se a questão for colocada nos tribunais do Brasil, estes tribunais irão aplicar
a lei da residência habitual, entendendo ser esta a lei aplicável, ou seja, a lei
do Brasil.
18Na realidade…: se a questão for colocada em Portugal, é preciso fazer-se uma pergunta, que é a de se o
casamento foi celebrado antes ou depois de 29 de janeiro de 2019, já que nessa data entrou em vigor
um regulamento europeu sobre a lei aplicável às situações de regime de bens.
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Reenvio
É um mecanismo que pretende combater a divergência entre leis aplicáveis, nas várias
Ordens Jurídicas. Isto é, o facto de as normas de conflitos serem diferentes nos vários
ordenamentos, por um lado mantem a incerteza das partes quanto à lei aplicável, mas por outro
permite ainda um certo forum shopping, isto é, a interposição da ação no local que mais convier à
parte – consoante a regra de conflitos que o foro aplica. O reenvio permite uma uniformização
de soluções quanto à lei aplicável, pois vai remeter a solução para outro ordenamento ou para
as regras de DIP de outro ordenamento.
Ora, obviamente que estas ideias de harmonia jurídica internacional, por um lado, e
conexão mais estreita, por outro, implicam uma determinada posição, pelo que toca à questão de
saber se a aplicabilidade de um direito estrangeiro deve depender do mesmo critério ou de
critérios diferentes do da aplicabilidade do direito do foro.
A ideia é que a lei em princípio aplicável, pode, por vezes, ter de ceder para evitar que
a nossa decisão, a solução definida pelos tribunais portugueses, seja ineficaz no país onde
ela mais carece de ser executada.
Imaginando que estamos a lidar com a aquisição de um imóvel, nomeadamente um
contrato que é celebrado em Portugal relativo a um imóvel situado no estrangeiro, e a questão
que estamos a analisar é, por hipótese, a questão da capacidade contratual e, para essa questão,
o direito português continua a considerar competente a lei nacional e pensemos que a
naturalidade do aquirente é portuguesa e, portanto, a lei aplicável seria a lei portuguesa, mas,
admitindo que o país estrangeiro onde o imóvel se situa considera que a lei aplicável é a lei do
local do imóvel e considera que o adquirente não tem capacidade de exercício para celebrar este
contrato e admitindo que nesse país a sentença portuguesa que considerasse válido este
contrato não poderia ser reconhecida porque, de acordo com o sistema desse país, a sentença só
seria reconhecida se tivesse aplicado a lei do estado da situação.
Isto é uma hipótese prevista no artigo 47º CC. Este artigo vem determinar que vamos
afastar a aplicação da lei pessoal e vamos aplicar a lei da situação do imóvel para que a
sentença portuguesa possa ser reconhecida nesse país.
De nada serviria dizermos que o contrato é válido por aplicação da lei nacional se esta
sentença não pudesse ser tornada efetiva no país em que o imóvel se situa, que é o único pais
em que faz sentido que seja executada a sentença. Os Estados são soberanos na sua
jurisdição, no seu território, e por isso, se o Estado em que se situa o imóvel não reconhecer a
sentença, pouco vale a mesma, não tendo qualquer efeito prático.
Este principio da efetividade das decisões judiciais, expressa a ideia segundo a qual o DIP
se preocupa com a eficácia prática das soluções que estabelece, e é essa eficácia prática que
pode levar a estabelecer desvios sobre a lei que, em princípio, seria a aplicada, a lei mais
estreitamente conexionada com a situação, que vai deixar de ser aplicada para ser aplicada uma
outra lei porque isso permite tornar a sentença efetiva, permite que a sentença tenha efetividade
prática no país onde se pretende que essa efetividade tenha lugar.
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O princípio que permite optar pela lei que salvaguarda a validade de negócio vai ser
relevante numa série de regras quer do Código Civil, quer de regulamentos da União
Europeia. Este princípio vai-se traduzir:
1) Num critério de escolha da lei aplicável, nalguns casos, quando temos de optar entre
a aplicação de duas ou mais leis e vamos optar pela lei que conduz à validade do
negócio. Exemplo – artigo 36º CC; Regulamento Roma I, se a lei aplicável ao fundo
do contrato estabelece uma exigência de forma e se a lei do lugar da celebração
estabelece uma diferente exigência de forma, vamos optar pela exigência de forma
que é menos solene e, portanto, se as partes cumpriram as formalidades exigidas ou
pela lei do lugar da celebração, ou pela lei aplicável à substância do negócio, o
negócio vai ser considerado válido.
2) Noutros casos, vai ter um efeito distinto, permitindo afastar determinado tipo de
soluções que nós teríamos e esse é o caso do artigo 19º CC em matéria do
reenvio, que agora não importa estudar, mas que no fundo o efeito vai ser paralisar o
reenvio salvaguardando a validade do negócio, ou vai ser fundamento para o reenvio
(artigos 36º a 60º) como depois veremos, mas o relevante agora é que este princípio
do favor negotti é também um dos princípios do Direito Internacional Privado que
vamos analisar ao longo do nosso curso.
Este princípio permite optar por uma ou por outra das soluções independentemente de
saber qual é a conexão mais estreita, o critério decisivo para a lei aplicável não vai ser, nesse
caso, o da conexão mais estreita, mas sim a suscetibilidade de darmos efeito ao negócio, ou
seja, de salvarmos o negócio.
Demonstração
Pensemos numa questão de natureza contratual, um contrato de C/V de um imóvel,
imóvel situado em território Português.
O contrato é celebrado entre um vendedor, que é uma pessoa singular de nacionalidade
espanhola J, e uma compradora de nacionalidade brasileira, a B.
Para determinarmos a lei a aplicar a este caso a primeira questão que se coloca quando
estamos em matéria contratual é saber se há ou não acordo das partes sobre a questão, se as
partes acordaram sobre a lei aplicável. Poderiam fazê-lo no contrato por via da autonomia
privada sobre a resolução de litígios. Esse princípio da autonomia da vontade tem uma dimensão
material, sobretudo no Direito Civil e Comercial, que implica uma possibilidade de as partes
escolherem o tipo contratual, modelarem o conteúdo do contrato livremente, sem prejuízo da
existência de limites, a ideia de liberdade é a que predomina na regulamentação dos contratos –
escolhem as cláusulas, o preço, etc. Esta autonomia da vontade privada, que tem o seu campo no
direito substantivo dos contratos, deve ser transportada para o Direito de Conflitos. Não lesamos
a ideia de segurança jurídica, e até a estamos a concretizar.
A maior desvantagem é que o contrato é sobre um imóvel e há razões de ordem pública
que podem apontar no sentido de que não se permita a estipulação. Mas há uma característica
que vem resolver o problema: quando determinada regra de conflitos manda aplicar certa
ordem jurídica, não manda aplicar a ordem jurídica a todos os aspetos que a situação
concreta suscita. Quando as partes escolhem a lei aplicável, essa escolha tem determinado
âmbito de aplicação e o mesmo se diz das regras de conflitos quando determinam certa lei.
Assim na matéria contratual por exemplo, uma coisa é decidir o tribunal que vai resolver o
incumprimento de uma obrigação outra são as regras sobre a capacidade dos sujeitos envolvidos
por exemplo. Fica por isso de fora da escolha das partes matéria sobre o qual o legislador
de conflitos entenda que não deve haver escolha, o legislador consegue seccionar a situação
em partes diferentes. O contrato de compra e venda de imóveis é um exemplo claro disso. Uma
coisa é o contrato, as partes têm liberdade de celebrar ou não, o conteúdo. Não faz sentido que as
partes possam escolher aspetos sobre a capacidade, faz sentido que seja definida pela lei pessoal
P á g i n a | 22
das partes – de cada um dos contraentes. Cada um vai ser tomado como referência para o efeito
de saber se tem ou não capacidade.
Quanto ao outro aspeto do contrato, este contrato tem como objeto a transferência de
um direito real. O contrato de compra e venda, salvo estipulação em contrário, tem como
consequência a transmissão do direito real – o contrato opera a transmissão da propriedade –
em Portugal. Mas isto não é necessariamente assim. Há sistemas jurídicos estrangeiros nos quais
não há, por mero efeito do contrato, transmissão do direito real, do contrato de C/V resulta
apenas a obrigação de transferir o direito real em causa, que só opera pela tradição da coisa. Isto
significa que a questão de saber se o direito real se transmite por efeito do contrato ou não, é
uma questão a resolver. Essa questão pode estar dependente pela lei escolhida pelas
partes? Não, por uma questão de certeza jurídica, mas também porque se os imóveis
estivessem sujeitos a diferentes regulamentações relativamente às suas vicissitudes, isso traria a
maior confusão no território português relativamente aos imóveis.19
Podem as partes escolher apenas uma das leis em contacto com a situação, ou podem
escolher outra qualquer lei do mundo? Outra qualquer lei. Toda a lógica subjacente ao DIP
parte do pressuposto de que há mais justiça no mundo para além daquela que cabe nos quadros
do nosso Direito, e há fungibilidade entre sistemas jurídicos. O nosso não é melhor e aqueles que
estão conectados com a situação não são melhores se as partes puderem escolher. Mas se
existirem disposições imperativas com vocação para se aplicarem universalmente20, então
essas disposições devem poder prevalecer, se não era fácil as partes fugirem
Esta ideia de escolha de lei pelas partes, esta concretização do princípio da autonomia
privada, está presente no artigo 3º do Roma I. As partes podem escolher a lei aplicável ao
contrato, podendo fazê-lo de forma expressa ou tácita. Portanto, está expressamente consagrado
no artigo 3º, que se aplica a obrigações contratuais.
Pelo contrário o artigo 46º do Código Civil, a questão da transferência de
propriedade ou não, resulta não da lei escolhida pelas partes, mas do próprio artigo 46º, do
lugar do bem objeto do contrato, que é aplicável.21
Quanto à capacidade, devemos ver o artigo 25º do Código Civil, que determina que se
aplica a lei pessoal. Como é que concretizamos a lei pessoal? Pelo artigo 31º nº1 – lei da
nacionalidade do indivíduo. A concretização da lei pessoal faz-se pelo intermédio do elemento de
conexão nacionalidade. A lei aplicável à capacidade dos contraentes será a lei nacional de cada
uma das partes.
Há uma última questão a considerar, a forma exigível para o contrato. Para a forma, o
19As preocupações de ordem pública são tuteladas por uma via técnica diferente, não é preciso
recorremos à cláusula de ordem pública internacional, porque as questões ligadas aos direitos reais
sobre imóveis estão submetidas à lei do lugar onde a coisa está situada – artigo 46º do Código Civil.
Portanto, quando as partes escolhem determinada lei como aplicável ao contrato, essa escolha não vai
valer quanto à capacidade das partes ou quanto aos direitos reais na relação contratual em causa.
20 As normas de aplicação imediata que vamos ver a seguir.
21 na medida em que não haja Regulamento europeu ou Convenção que indique em contrário.
P á g i n a | 23
legislador conflitual estabelece uma solução específica, que deve ir no sentido de facilitar a
válida celebração do contrato22. Segundo o artigo 11º do Regulamento Roma I, no caso de
contratos celebrados entre pessoas que se encontram no mesmo país, o contrato é válido se
preencher os requisitos de forma da lei aplicável à substância do negócio ou da lei aplicável no
lugar onde o contrato é celebrado. Se as partes tinham escolhido a lei inglesa para a forma do
contrato, em princípio, a lei aplicável seria a lei portuguesa – lugar da coisa – ou lei inglesa. A lei
a aplicar seria entre as duas a menos exigente do ponto de vista formal, porque o que se
pretende é que o contrato seja considerado válido, desde que seja válido à luz de uma das
leis potencialmente aplicáveis. Isto é em princípio, porque temos uma exceção, no artigo 11º
nº5 sobre bens imóveis. A lei do país onde o imóvel está situado, se tiver uma exigência de
forma mais solene e com vocação universal, essa exigência prevalece mesmo sobre a lei da
substância do contrato ou do lugar da celebração.23
Falar do problema do direito aplicável e das vias possíveis para a sua solução, é falar do
prolema do método que o DIP utiliza para resolver o seu problema. O problema que é colocado
ao direito do material é: face uma questão, qual a solução para certo problema de direito? Esta
não é a perspetiva do DIP que deve ser adotada, o DIP coloca-se a montante, a priori desta
controvérsia. A perspetiva do DIP é resolver problemas de conflitos de leis – é este o
problema essencial do DIP. Isto já o dissemos e é importante ter em conta agora que vamos olhar
para as normas de conflitos: função do DIP é pois a de criar ruma disciplina que reduza
essa instabilidade (introduzida pelas relações plurilocalizadas) e um mínimo tolerável: uma
disciplina que promova e assegura amplamente o reconhecimento dessas situações jurídicas
fora das fronteiras do país em que se constituíram.
Dépeçage
O primeiro tem que ver com o modo como as regras de conflitos operam. Como
indicámos nas páginas anteriores quando uma norma de conflitos manda aplicar uma certa lei,
essa lei não é aplicável a todos os aspetos que podem estar em causa na situação jurídica,
não resolve todas as questões, pelo contrário, a técnica utilizada pelo legislador de conflitos25– é
a técnica da dépeçage.
• No artigo 25º do Código Civil, na parte que nós vimos, que era a parte da
capacidade, o que o artigo 25º define é a lei aplicável a este trecho das questões a
analisar – a capacidade das partes. A matéria a que vai aplicar-se é, entre outras,
mas na parte que nos interessa, a capacidade.
As regras de Conflitos
Conceito
Para as questões jurídicas internacionais que se podem levantar e a escolha da lei que a
resolve é feita em cada Estado de acordo com as suas normas de direito. Cada Estado tem o seu
DIP para uso interno, se existisse uma definição que a todos vinculasse, um DIP unificado
mundialmente, muitos problemas de DIP seriam resolvidos e não existiriam as questões do
conflito de sistemas de DIP que vamos tratar depois. Como esse consenso entre os países do
mundo não existe, é pratica cada Estado formular, para a resolução de conflitos de leis, as
normas que tenham por mais convenientes e justas. Essas normas são ditas regras de
conflitos.
Isto evidência a natureza específica do DIP, que já referimos, a norma do DIP não se
propõe a fixar ela mesma o regime das relações da vida social, compor ela mesma os
conflitos interindividuais de interesses. É uma regra de carácter meramente instrumental:
limita-se a indicar a lei que fornecerá o regime da situação, a lei onde hão-de procurar-se as
normas que venham a orientar a decisão do litígio. Contribui claro para a resolução da questão
jurídico-privada, mas não diz por si própria qual ela seja.
Assim as regras de conflitos são regras que em vez de regular direta ou materialmente a
relação, adotam o processo indireto consistente em determinar a lei ou as leis que a hão de
26Que tecnicamente se chama conceito-quadro das normas de conflitos. Importa reter que esse é o
nome técnico dado aos conceitos que vão delimitar a matéria à qual se aplica a regra de conflitos, ou os
conceitos que vão circunscrever o âmbito em que o que as normas consagram vão valer.
P á g i n a | 26
reger. São regras de segundo grau. Destacam ou privilegiam um dos contactos ou conexões da
situação, determinando como aplicável a lei para a qual essa conexão aponte. A regra de
conflitos é uma regra de determinação predominantemente formal – aponta apenas para a
ordem jurídica competente para regular a situação.
Estrutura
Falámos numa “conexão” que estaria incluída na norma de conflitos. Essa conexão não é
mais do que um dos elementos da regra de conflitos.
Vamos agora estudar algo bastante importante. A estrutura da regra ou norma de
conflitos. Entender esta estrutura e os seus três elementos é da maior importância para
entender o DIP. A estrutura é uma estrutura tripartida, vejamos:
1) Conceito quadro: são conceitos que delimitam a matéria à qual se aplica a regra de
conflitos. Por exemplo, o artigo 46º do Código Civil tem como conceito quadro “posse,
propriedade e demais direitos reais.” Isto é a realidade à qual a norma se aplica. É o
elemento da norma que delimita o campo de aplicação da lei escolhida pelo
elemento de conexão.
▪ Por exemplo, a tipicidade dos direitos reais existe em Portugal, mas não
existe em todo o lado. Isso significa que um direito real não
correspondente a nenhuma realidade jurídica existente em Portugal, não
podia ter correspondência? Não, isso não faria sentido. Os conceitos que
integram as normas de conflitos têm que ser maleáveis para que neles
caibam outros, de outras ordens jurídicas.
28De agora adiante, sempre que um artigo não tiver a indicação do diploma legal a que corresponde,
refere-se um preceito do Código Civil.
P á g i n a | 28
Quanto à consequência jurídica as normas de conflitos podem ser bilaterais, até vimos
que na ordem jurídica portuguesa vigora a paridade de tratamento entre o ordenamento
português e os estrangeiros. Isto significa que estas regras são fundamentalmente regras
bilaterais ou multilaterais – tantas leis como as que existem no Universo. Mas tecnicamente, o
termo que se utiliza é regras de conflitos bilaterais.
Mas as coisas não são sempre assim, não são as únicas normas de conflitos possíveis.
Seria possível, e já aconteceu, termos regras de conflitos unilaterais. São regras de conflitos cuja
função se limita a definir os casos a que é aplicável a lei interna, a lei do foro, no nosso caso,
a lei portuguesa. Ou seja, tipicamente, uma regra de conflitos unilateral é uma regra de conflitos
que nos indica em que situações é que a lei portuguesa é aplicável. Por exemplo, a lei, em matéria
de estatuto pessoal, nós afirmámos que a capacidade dos indivíduos, relações familiares e
sucessão por morte, são regidas pela lei pessoal, que se concretiza pelo elemento de conexão
nacionalidade. Isto significa que a regra é bilateral, porque manda aplicar a cada nacionalidade a
sua lei. Se a regra de conflitos fosse unilateral seria redigida apenas às pessoas de nacionalidade
portuguesa, aplica-se a lei portuguesa.
Ou seja, essa seria uma técnica, e foi uma técnica utilizada no Código Francês, foi
utilizada na lei de introdução do Código Civil alemão, e era uma forma de delimitar a lei de
aplicação da lei do foro, deixando uma lacuna sobre o que aconteceria se a lei do foro não fosse
aplicável. Na Alemanha surgiu a doutrina da bilateralização das regras unilaterais. Então,
por exemplo, se é aplicável a lei alemã aos alemães, deve ser aplicada a lei italiana aos italianos,
etc.
As regras de conflitos não são, por natureza, bilaterais, são bilaterais by choice, por opção
legislativa.
Sistematizando, quanto a que leis pode mandar a regra de conflitos serem aplicadas, isto
é, quanto ao elemento da consequência jurídica, as normas de conflitos podem ser:
nº129. Estas normas deixam uma lacuna quando a lei portuguesa não seja aplicável.
Exemplo de uma norma unilateral é o artigo 23º nº1 da Lei das Cláusulas Contratuais
Gerais que estatui que “Independentemente da lei escolhida pelas partes para regular o
contrato, as normas desta secção (a lei portuguesa obviamente) aplicam-se sempre
que o mesmo apresente uma conexão estreita com o território português”.
29Aquilo que subjaz ao artigo 28.º é, precisamente, uma preocupação de protecção do comércio
jurídico local e da confiança da contraparte. No artigo 28º nº3, dispõe‐se que, se o negócio for
celebrado pelo incapaz em país estrangeiro, o aplicador português deve tomar conhecimento da eventual
consagração de soluções homólogas à do artigo 28.º nº1 no lugar da celebração. Há aqui uma
preocupação de tratar a lei estrangeira da mesma forma que a lei portuguesa é tratada se o
indivíduo for incapaz segundo a sua lei pessoal e capaz segundo a lei do lugar da celebração. O Prof.
Baptista Machado fala numa “remissão condicionada”, no sentido em só será aplicável a lei que
consagre “regras idênticas” às fixadas no artigo 28.º, ou seja, se estiver subjacente a essas regras um
propósito de protecção do comércio jurídico local e da confiança da contraparte.
30 O artigo 51º é um desvio à regra geral do 50º. É uma manifestação do princípio favor negotii.
P á g i n a | 31
Mas nem sempre as regras de conflitos cujo desenho comporta mais do que um elemento
de conexão, são normas de conexão múltipla alternativa.
Temos muitos casos de regras de conflitos desenhadas por forma a evitar, no fundo,
situações em que o elemento de conexão em princípio escolhido pode não funcionar.
31Isto vale para os casos em que é colocada uma ação civil em tribunal. No direito internacional privado,
assim como no Direito Civil em comum, as partes podem sempre chegar a um acordo entre elas e por si
sem a interferência de tribunal.
32Este artigo, relativamente às sucessões abertas depois de Agosto de 2015, esse artigo deixa de se aplicar
porque a partir dessa altura entrou em vigor o Regulamento europeu em matéria sucessória. E como
sabemos os regulamentos europeus prevalecem sobre a lei nacional interna. Mas relativamente a
sucessões por morte abertas antes dessa data, continua a valer o artigo 65º.
P á g i n a | 32
Pensemos no seguinte, nas regras de conflitos que mandam aplicar a lei nacional, e pensemos
também que há pessoas sem nacionalidade. Se a regra de conflitos se limitasse a mandar aplicar
a lei nacional, tínhamos aqui um problema, como é que íamos resolver a lei pessoal dos
apátridas? Os legisladores vão ter que pensar nestas hipóteses e encontrar soluções
tecnicamente subsidiárias. Ou seja, vão usar a técnica da regra de conflitos de conexão
múltipla, subsidiária, para precisamente oferecer soluções sempre que a lei primariamente
competente, aplicável, não pode aplicar-se. Ora, porque é a lei primariamente aplicável não pode
aplicar-se? Primeiro, porque pode não existir. Noutros casos, essa lei pode não ser conhecida ou
suscetível de conhecimento. Vamos admitir, é aplicável de um Estado muito pequeno, que só
existe numa língua que não é conhecida de ninguém. Temos que encontrar uma solução
subsidiária para resolver o problema.
Noutros casos, a lei aplicável é designada por intermédio de conexões que de alguma
maneira são definidas não em função de uma pessoa, mas de duas. Pensemos na lei aplicável às
relações entre cônjuges, artigo 49º, é a lei pessoal de cada um, que é a da nacionalidade nos
termos do artigo 31º nº1. Mas pode acontecer que os cônjuges tenham nacionalidades
diferentes. Se um dos cônjuges tem nacionalidade portuguesa e outro espanhola, qual é a lei
aplicável?33 A cada um deles se aplica a sua lei da nacionalidade. É uma conexão múltipla
distributiva. Ao contrário de certas regras de conflitos que mandam aplicar, no caso de
casamento, a lei da nacionalidade dos cônjuges – uma lei comum -, mas não é assim
relativamente à capacidade matrimonial. A capacidade para celebrar casamento deve ser
aferida, nos termos do artigo 49º, não por uma única lei, mas a capacidade de cada um dos
nubentes é aferida em função da própria lei pessoal. Se cada um tem uma nacionalidade
diferente, é a lei dessa nacionalidade que vai ser aplicável. O artigo 49º vai distribuir
competência pelas leis pessoais dos contraentes em causa. Podemos pensar a dois níveis
de abstração. Neste artigo 49º do Código Civil, o que é que temos, enquanto conceito-quadro,
é a capacidade para contrair o casamento. O elemento de conexão deste artigo 49º tem que ser
lido com o artigo 31º nº1, o elemento de conexão é, em princípio, a nacionalidade. Mas aqui
temos dois níveis de abstração possíveis. O primeiro é dizer que o elemento de conexão é a
nacionalidade, e a um nível de abstração menor podemos dizer que os elementos de conexão não
são um único, mas dois, a nacionalidade de um e de outro nubente. Aí teremos dois elementos de
33 Antes do 25 de Abril a solução era simples, a lei da nacionalidade do marido. Antes ainda dessa, a lei da
residência atual comum dos cônjuges, que é a presente no artigo 52. De facto, nestas matérias do estatuto
pessoal: estado, capacidade, relações de família e sucessões por morte, a generalidade das ordens jurídicas
divide-se entre as que preferem utilizar como elemento de conexão a nacionalidade, e as ordens jurídicas
que preferem aplicar a lei da residência habitual, por entenderem que pode ser uma conexão mais efetiva.
Em Portugal o facto de preferirmos a aplicação da lei nacional, não significa que a lei da residência
habitual não seja também relevante. E uma das formas de relevância dessa lei está precisamente em servir
como conexão subsidiária para todos os casos em que ou não é possível determinar a lei nacional ou não
existe uma lei nacional comum de duas pessoas. E portanto nestes casos aplicamos a lei da residência
habitual comum. Antes da reforma de 77 tínhamos, na falta de residência habitual comum, a lei nacional
do marido. Essa solução veio contrariar os valores estabelecidos após a Revolução, e a reforma de 77 veio
alterar a solução, estabelecendo que na falta de residência habitual comum, vai aplicar-se a lei cuja vida
familiar esteja mais estreitamente conexa. Vai escolher-se não um elemento de conexão, mas um recurso
direto ao princípio subjacente à escolha da generalidade dos elementos de conexão, o princípio da
conexão mais estreita. Aqui o essencial é que, nas normas de conflitos, temos uma norma preferida pelo
legislador, em princípio aplicável, e temos leis subsidiariamente aplicáveis, quando não seja possível
aplicar a norma jurídica competente. A lei em princípio aplicável, nos termos do regulamento Roma I, é a
escolhida pelas partes – artigo 3 – a conexão primariamente relevante é a vontade das partes. Mas na
maioria dos casos as partes não escolhem, e aí temos uma série de conexões subsidiárias, a determinação
da lei aplicável na falta de escolha.
P á g i n a | 33
conexão se pensarmos que eles apontam para leis diferentes, na medida em que se concretizam
em nubentes diferentes. Neste caso, a lei aplicável não é uma lei, mas duas leis, ou seja, a lei de
cada um dos nubentes.
Vamos ver ainda mais uma modalidade de regras de conflitos de conexão múltipla,
oposta à alternativa, a regra de conflitos de conexão múltipla cumulativa. Vimos que na regra
de conflitos de conexão múltipla alternativa, a celebração de determinado negócio jurídico era
possível com base em qualquer das ordens jurídicas alternativamente aplicáveis.
Nas regras cumulativas acontece o contrário, o efeito jurídico em causa só pode
produzir-se se duas ou mais ordens jurídicas estiverem de acordo com a produção desse
efeito. Em lugar de bastar uma qualquer das ordens jurídicas em causa para se produzir esse
efeito, é necessário que duas ou mais ordens concorram na concordância para a produção do
efeito. Neste tipo de regra de conflitos, que é muito raro, o efeito da utilização desta regra é, em
vez de facilitar a celebração do negócio jurídico, por exemplo, ou a produção do tipo de efeito, é
dificultar a produção de efeito. Isso não acontece porque o legislador veja com maus olhos a
produção desse efeito, mas pode ser por outras razões. Por exemplo, de acordo com o artigo
60º, a filiação adotiva é, em princípio, regida, pela lei pessoal do adotante. Se forem dois os
adotantes, nos termos do nº2, será a lei pessoal comum dos adotantes. Mas depois temos o nº4,
que tem uma exigência adicional. Para que a constituição da filiação adotiva possa ter lugar,
não basta que seja permitida pela lei pessoal do adotante, mas também seja permitida
pela lei que seja tida por competente para regular as relações entre o adotado e a sua
família natural. Se o adotado tem uma família natural, então, a constituição da filiação adotiva
tem que obter a concordância da ordem jurídica que é relevante para regular as relações entre o
adotando e a sua família natural.
De acordo com a doutrina, em particular de acordo com os autores do projeto do Código
Civil, o professor Ferrer Correia e o professor Baptista Machado a ideia subjacente é evitar a
constituição de relações jurídicas coxas ou claudicantes. O mais provável é que o adotando
esteja no país da lei que vai regular a relação entre ele e a sua família natural. Aceitar a lei
pessoal do adotante, sem consentimento da lei pessoal que regula as relações entre adotando e
família natural, podia ter o problema da adoção ser reconhecida no país do adotante e não
do país do adotando. A adoção apenas deve ser conferida quando for sólida.
A doutrina também costuma dizer que não aplicamos duas regras cumulativamente,
mas apenas a mais exigente. Ou seja, no caso de uma autorizar a adoção e outra não, aplica-se
a que não autoriza. Esta conexão múltipla cumulativa é tão poucas vezes utilizada, porque acaba
por traduzir um entrave efetivo à realização de determinados negócios jurídicos, ou atos ou
efeitos, que embora não se tenha por objetivo evitar, na prática vão ser dificultados. s normas de
conexão múltipla distributiva distribuem então competência para resolver a situação jurídica
por diferentes leis. Se as regras de conexão múltipla cumulativa tiverem requisitos contrários,
então não se verifica o efeito. O artigo 60º acaba por exigir uma concordância, que se não se
verificar, não se constitui a adoção, por isso é que o efeito das regras de conexão múltipla
cumulativa é um efeito de dificultar a verificação dos efeitos, ainda que essa não seja a
intenção.
Cumulação de Conexões
As cumulações de conexões não se devem confundir com a conexão distributiva,
uma coisa que é designada como cumulação de conexões. Precisamente, no artigo 52º e
relações entre cônjuges, a lei aplicável é a lei nacional comum. Essa lei tem a característica,
P á g i n a | 34
para que se possa aplicar o artigo 52º, tem a característica de que se exige que se concretize
relativamente a ela, a conexão nacionalidade do marido e a conexão nacionalidade da
mulher. Têm que se cumular as duas conexões. Não é uma regra de conexão múltipla, mas
uma cumulação de conexões.
A cumulação de conexões = conexão I+ conexão II. O exemplo foi do artigo 52º, mas
há mais, porque há muitos casos que mandam aplicar uma lei, mas para que essa se aplique
exige que para essa lei apontem dois elementos de conexão, ainda que esse elemento seja o
mesmo, mas que se concretize através de diferentes pessoas. O que temos é que a aplicação de
determinada lei exige que para ela apontem duas conexões distintas – a conexão nacionalidade
de ambos os cônjuges ou na sua falta residência habitual de ambos os cônjuges.
Resumindo
Estamos a analisar a regra de conflitos qualificando-a com base num dos três elementos
estruturais que a constituem, a conexão. E quanto a esta podemos ter, com base no número de
elementos da conexão e forma como se combinam:
Importa ter presente que ao longo dos tempos, a matriz do Direito de Conflitos, que vem
de Savigny34 tem sofrido diferenças. Savigny é que deu origem ao método hoje ainda largamente
usado, a que chamamos da conexão ou método conflitual ou técnica da regra de conflitos,
que consiste em procurar, para cada situação jurídica típica, o laço que mais estreitamente a
prenda a um sistema determinado. No tempo das codificações enunciadas por Savigny, essas
codificações assentavam em regras rígidas e puramente formais, não permeáveis a conceitos
materiais e de justiça material.
Hoje o que se defende é um procedimento pelo qual a conexão35 decisiva haja de
ressaltar dos fins a que o DIP, tomado como um todo, vai preordenando, assim como os
seus principais interesses ou valores que se joguem ou irrompam nos seus diferentes
capítulos.
Por esta razão de então para cá, duas das linhas de evolução do DIP, em particular do
Direito de Conflitos, consistiram numa flexibilização do Direito de Conflitos e por outro lado
numa maior permeabilização de considerações de justiça material.
34Savigny foi o pai da teoria do Direito de Conflitos enquanto Direito que busca encontrar a lei mais
estreitamente conexionada com a situação. O autêntico problema do DIP para Savigny era encontrar para
cada relação jurídica, à luz da sua própria natureza particular, a sua verdadeira sede.
35Como já mostramos na estrutura da norma, a conexão consite num elemento da factualidade
concreta: o ato jurídico fonte de obrigação, os factos do cumprimento/incumprimento, a coisa, móvel ou
imóvel, os sujeitos da relação ou a sua ligação a um pais, etc…
36 E das Open Ended Rules
37 Hard and Fast Rules
P á g i n a | 37
História
Bom, a evolução ocorreu, em particular, por influência de correntes doutrinárias
provenientes dos EUA, onde a orientação clássica do DIP nunca foi completamente aceite sem
discussão, e verdadeiramente nos EUA foram surgindo doutrinas, autores, que preconizaram
vias diferentes de solução. Ao contrário do que aconteceu nos países da Europa continental, em
que o DIP foi sendo codificado, nos EUA isso não aconteceu, e o que é que acontecia? Por outro
lado, os EUA são um Estado federal, com 50 Estados, cada um com o seu ordenamento jurídico.
Por outro, os EUA são um Estado de common law, onde o case law é muito importante. Assim, os
EUA são um país onde os interesses nacionais são tidos como muito relevantes.
Em que é que isso se traduziu? Diferentes correntes. A tendência substancialista é a
corrente onde se preconiza a intervenção no campo do DIP dos princípios e critérios de
justiça material, sendo uma tendência com diferentes cambiantes. A primeira caracteriza-se
pela importância que atribui à pesquisa de soluções materiais “ad hoc”, soluções ajustadas às
circunstâncias particulares das situações concretas. Esta via é claro hoje muito acabada porque
falha, mas revela-se no atual DIP com a adaptação que depois vamos ver que pode acontecer
nas situações de “vácuo ou cúmulo jurídicos”.
Uma delas, defendida por Currie, em que a resolução dos conflitos de leis deveria ser
feita em função dos interesses estaduais das ordens jurídicas em confronto.
Isto era a revelia do que temos dito sobre o atual DIP. A lei aplicável deveria ser
definida em função dos interesses estaduais ou governamentais subjacentes às diferentes leis
que de alguma maneira disputam a sua aplicabilidade a determinados litígios. No fundo, o
conflito de leis seria visto aqui como um conflito entre interesses estaduais, e bem
entendido, se a questão fosse analisada por um Tribunal americano e estivesse em causa uma
situação em que determinado interesse estadual aponta no sentido da aplicabilidade no
confronto com outra lei, qual é que deveria prevalecer? De acordo com esta lógica, a aplicação
da lei do foro teria grande predominância, isto por força da ideia de que o que temos que
fazer é analisar as normas materiais do foro, que seriam aplicáveis ao caso concreto, para saber
se há ou não interesse em aplicá-las. Isto conduz potencialmente ao alargamento do âmbito de
aplicação da Ordem Jurídica do foro.
A posição de Currie caracteriza-se pela negação do sistema da regra de conflitos sendo a
teoria claramente insustentável. Olvida por completo a intenção primordial do DIP que é a de
assegurar proteção às situações jurídicas internacionais privadas, devendo para isso promover o
seu reconhecimento no diversos países.38
Um outro autor americano importante é o Cavers, veio defender a ideia de acordo com a
qual, num conflito de leis, numa situação plurilocalizada, os critérios de decisão devem ser feitos
de modo a que se encontre não a lei mais bem posicionada, mas a melhor lei, a lei mais
justa, é a “better law approach”, mais adequada em função do caso. Ter-se-ia, portanto, que
fazer uma comparação entre as diferentes ordens jurídicas em confronto e escolher a que
conduza a resultado mais justo e correto.
Um dos argumentos contra a primeira doutrina é a de que ela parte da ideia que cada
norma jurídica editada por determinado Estado exprime um juízo sobre a sua aplicação sendo
imparcial sobre si mesma. Uma lei que determina que havendo um incumprimento do contrato o
credor tem determinado tipo de direitos relativamente ao devedor. Essa norma, para autores
38A teoria interessa no entanto para explicar a Normas de Aplicação Imediata que vamos referir dentro de
algumas páginas, onde o interesse do estado é tão preponderante que prevalece nesta lógica de Currie.
P á g i n a | 38
como Currie, permitia extrair consequências para aplicabilidade ou não a uma situação
internacional. Essa é uma crítica, porque na generalidade dos casos não é possível sabermos se
uma determinada lei quer ou não aplicar-se a uma situação internacional. Ela tem essa
virtualidade, mas saber se o Estado tem ou não interesse na sua aplicação, não é possível decidir
olhando apenas à norma em causa. Não é possível encontrar, na maioria dos casos, contributos
para saber se a norma quer ou não quer aplicar-se. Os critérios dependem dos autores. Há
autores que acham que não há critérios abstratos e caberia ao juiz no caso concreto decidir a lei
do caso concreto. Há autores que enunciam doutrinariamente critérios de preferência.
Contudo ainda que fosse possível prever todos os tipos de conflitos e os critérios, esses
critérios ou princípios teriam de ser de aceitação universal, o corpo das nações teria de o aceitar.
Mas é praticamente impossível alcançar isso. Cada nação tem critérios de justiça diferente. Como
definir um critério de solução de conflitos que escolha a lei mais justa na matéria de
admissibilidade e das causas do divórcio face às divergências existentes nos diverso países?
Além disso como diz Kegel, nem sempre será a melhor lei que convém mais às partes e as
expectativas das partes são um dos pontos que os valores do DIP pretendem salvaguardar.
Claro que este argumento da segurança jurídica vale para as duas teses – tanto do
interesse governamental como para as teses da melhor lei aplicável. Qualquer um destes
sistemas coloca nas mãos do aplicador do Direito uma margem grande de apreciação e coloca
nas mãos das partes uma situação de incerteza. Tanto uma corrente como a outra
promove a flexibilidade do DIP, mas à custa da segurança jurídica. Quando falamos em
flexibilidade, essa pode ser orientada em função de diferentes fundamentos. Esses fundamentos
podem residir nos interesses dos Estados, na justiça da solução ou pode residir de uma forma
menos rígida de chegar à conexão mais estreita. Temos é que ponderar que a flexibilidade é
sempre feita à custa de alguma certeza jurídica. Podemos chegar a uma solução mais
adequada na relação com o caso concreto, mas isso pode ter um risco, eventualmente a menor
previsibilidade das decisões.
Atualmente
O que é que encontramos na Europa? Um DIP que assume como principal
caractéristca a de procurar atinger os seus objetivos utilizando diferente meios ou vias
metodológicas. O seu metódo é hoje pluralista e multidimensional, sendo certo que no
fundamental a doutrina clássica (que olha só a segurança jurídica e é mais rígida) se mantém
inalterada e em vigor.
Assim, encontramos, por um lado, a figura das normas de aplicação imediata. Que são
normas precisamente materiais, que em função dos interesses específicos que prosseguem vão
determinar elas próprias o seu campo de aplicação. Esta referência a Currie não foi uma
referência sem interesse, porque há um eco na evolução do DIP na Europa, nomeadamente,
nas normas de aplicação imediata.
Há ainda normas que estão orientadas de acordo com a melhor lei, por exemplo, a
lei que melhor tutela o superior interesse das crianças, a lei que tutela melhor a parte mais
fraca numa situação jurídica, e encontramos exemplos disso no Regulamento Roma I, na relação
com consumidores, contratos individuais de trabalho, etc. Do ponto de vista técnico as coisas
P á g i n a | 39
não são desenhadas para escolher livremente a lei mais justa para tutela das partes, mas
a ideia de better law está subjacente à ideia de soluções estabelecidas.39
O que interessa dizer é que o DIP que hoje vigora em Portugal e na Europa, é um DIP
mais flexível do que aquele que existia anteriormente e é um DIP que comporta uma
relevância ao interesse estadual subjacente a determinado tipo de normas e ainda um
DIP que dá relevância à lei mais justa, entendida aqui como lei que tutela certo tipo de
pessoas, mas que continua a dar prevalência à segurança jurídica.
Portanto, hoje, as normas de conflitos deixaram de ser normas puramente rígidas e
normas puramente formais, no sentido de indiferentes quanto aos resultados a que chegam,
passaram a ser normas permeáveis à justiça material, permeáveis aos interesses estaduais, e
aspeto não menos importante, passaram a deixar de ser regras totalmente rígidas para serem
mas flexíveis.
Essa flexibilidade pode ter lugar para a própria tutela ou defesa no sentido da conexão
mais estreita, o que já vimos com a função designativa e corretiva do princípio da conexão mais
estreita. Isso é verificável, olhando para o artigo 4º do Regulamento Roma I.
bom ou mau? Podemos analisar a dois níveis: antes ou depois da regra de conflitos.
Independentemente da norma de conflitos, é provável que as partes tomem como aplicável a lei
mais estreitamente conexionada com a situação, é esse o fundamento do princípio da conexão
mais estreita. A lei não se aplica por razões arbitrárias, mas porque presumimos que as partes se
orientaram por ela. Depois das normas de conflitos, entendendo que apenas as partes não são
apenas partes, mas têm consultoria jurídica, e aí, perante uma regra como a do artigo 4º, as
partes não conhecem apenas a regra, mas também a exceção. Ou seja, também aqui a certeza
jurídica não é totalmente afastada. É claro que há aqui uma margem de indeterminação,
porque vai ser o aplicador do Direito a decidir a norma aplicável, e a sua decisão não é
completamente segura.
Ora bem, vamos pensar que o contrato celebrado não era nenhum dos contratos
tipificados entre as alíneas a) e h) do artigo 4º. Segundo o nº2, que estabelece a regra geral, e a
regra é a de que não sendo o contrato nenhum dos elencados no nº1, então o contrato é regulado
pela lei do país onde o contraente que executa a prestação característica do contrato tem a sua
residência habitual. Qual é o elemento de conexão aqui? A residência habitual daquele que tem
que realizar a prestação característica do contrato. A prestação característica do contrato é a
que diferencia o contrato dos restantes. Nos contratos onerosos, o pagamento do preço não
diferencia esse contrato, a prestação característica é por isso a que se opõe ao preço. Isso
será um critério prático para nós percebermos qual é a prestação característica do contrato.
Pensemos na questão de saber se uma empresa portuguesa celebra com uma empresa
italiana um contrato de permuta de imóveis, situados em Espanha. Qual será a lei aplicável ao
caso? Artigo 4º nº1 c), o local onde está sito o imóvel. Agora, pensemos num contrato de
permuta de ações. Esse contrato não está individualizado nas alíneas do nº1, e então o critério
geral é o do nº2, ou seja, a aplicação da lei do país em que o contraente que deve efetuar a
prestação característica do contrato habita. Mas o contrato de permuta não tem uma
prestação característica. Sendo assim, qual é a consequência? A aplicação do nº4, a lei com a
qual apresente conexão mais estreita. O aplicador do Direito vai ter que aplicar, sem rede, a
lei do país com o qual apresenta uma conexão mais estreita. Para estes contratos temos uma
solução flexível de determinação de lei aplicável. Essa conexão altamente subjetiva, sendo a
solução, e a lei que o Tribunal determinou como aplicável, possivelmente discutida – também
para isso, para eliminar esta incerteza, têm as partes a faculdade de determinar qual a lei
aplicável ao contrato que celebram.
Nós vimos que além desta questão o DIP também se dedica à questão de saber se os
tribunais de determinado Estado são competentes para dirimir um litígio.
O problema da competência internacional dos DIP integra a nossa disciplina e tem
relevância prática. Para além deste também sabemos que o direito do reconhecimento e
execução de sentenças estrangeiras também é importante, porque estamos em Portugal, mas as
situações privadas internacionais têm contactos com várias ordens jurídicas. A solução que
obtemos no nosso país, a sentença, importa saber se essa decisão é ou não suscetível de produzir
efeitos noutros ordenamentos. É importante, positivo, que esta decisão judicial produza
efeitos nas outras ordens jurídicas, porque se não produzir, o que nós temos é a
P á g i n a | 42
Vamos ver uma segunda via possível de regular as situações privadas internacionais
além das regras de conflitos que analisámos em termos genéricos. Vimos as normas de conflitos
de leis, que tipos de normas existem, vimos que esse é o modo normal de resolver o problema do
conflito de leis – entre as leis potencialmente aplicáveis – mas, essa não é a única via possível de
regular as situações privadas internacionais.
Pelo contrário, e foi também para isto que explicámos a posição Currie, aquilo a que
assistimos no último meio século, é uma expressão do intervencionismo estadual.
Todos sabemos que por referência ao paradigma individualista liberal predominante no
século XIX, o século XX veio introduzir formas de intervenção estadual nas relações privadas –
quer nas relações patrimoniais, quer nas relações interindividuais, na regulamentação do Direito
das Pessoas. Isto significa que, sobretudo por intervenção do Estado nas relações económicas, ao
lado do princípio da autonomia privada foram sendo introduzidos elementos de tutela
imperativa das situações jurídicas, designadamente das privadas.
Portanto, a evolução foi no sentido de esbatimento entre esses dois mundos que
classicamente eram separados – o do Direito Público e o de Direito Privado – que antes eram
separados e hoje essa distinção não é tão operativa, na medida em que existem, por um lado,
fenómenos de publicização das relações jurídicas privadas, não apenas no Direito do
Trabalho, mas também no Direito das Obrigações. Também existe privatização de relações
jurídicas públicas, através da utilização de formas jurídico-privadas para tutela de interesses
públicos e prossecução de bens públicos, pela privatização de serviços públicos, etc.
Para a nossa disciplina interessa saber e ter presente que, para lá desta escolha da lei
aplicável por intermédio das normas de conflitos gerais, que tendencialmente cai procurar
encontrar a OJ mais estreitamente ligada à situação, vamos encontrar desvios a este modo
prioritário para resolver as relações jurídicas privadas internacionais.
Um desses desvios é subtrair certas normas materiais do jogo normal das regras de
conflitos. Ou seja, entre as normas materiais potencialmente aplicáveis, há normas dotadas de
força particular, de uma intensidade específica, que levam a que essas normas não
estejam inteiramente submetidas à aplicabilidade das regras de conflitos gerais,
passando por cima delas.
Então, por força da intervenção estadual nas relações jurídicas privadas, vai ser exigido
P á g i n a | 43
que a aplicabilidade de certas normas não esteja dependente da lei imperativa competente
indicada pela regra de conflitos. Vamos encontrar as normas de aplicação imediata.
Identidade
As normas de aplicação imediata são normas materiais40. Sendo que normas materiais
aqui significa que não têm como objeto direto a determinação da lei aplicável. As normas de
conflitos visam encontrar a lei competente, as normas materiais indicam um caminho direto
de composição dos interesses em jogo, dão uma resposta substantiva ao problema
jurídico-substantivo subjacente. Quer dizer, se o problema é um problema contratual, dizem-
nos se as partes podem ou não celebrar aquele contrato, dizem-nos se podem utilizar um
determinado meio de pagamento, se podem estipular o prazo de pagamento de determinada
maneira. As normas materiais vão dizer-nos que consequências têm o incumprimento do
contrato, que vias é que o credor dispõe para reagir perante o incumprimento, etc. Todas essas
normas são normas materiais, que dão a resposta direta ao conflito de interesses substantivo,
subjacente às questões que surgem entre pessoas de natureza privada.
Ora bem, então, as normas de aplicação imediata começam por ser normas materiais,
são normas que, tais como as que já vimos, dão uma resposta direta ao conflito de
interesses material subjacente, tal como a generalidade das normas que analisámos nas
outras cadeiras.
Estas normas materiais, no fundo, são aplicáveis mesmo que a OJ a que elas pertencem
não seja considerada competente pelo jogo normal das regras gerais de conflitos.
As normas de aplicação imediata são normas que pelo seu conteúdo, função,
interesses que tutelam e pela relevância que têm na economia da OJ41 a que pertencem, vão
beneficiar de um estatuto particular, que lhes garante uma aplicabilidade independente da
normal determinação da lei aplicável por força das regras de conflitos gerais.
A regra geral, como bem já sabemos, no domínio do Direito Privado é que as normas
materiais são supletivas42. Em princípio, se outra coisa não decorrer da interpretação da norma,
as normas não são imperativas. Se a interpretação das normas implicar que são imperativas,
então não podem ser afastadas pela vontade das partes. No regime do contrato de agência, por
exemplo, temos normas materiais que se destinam a tutelar o agente, sobretudo no momento da
cessação do contrato. Essas regras não são apenas regras imperativas no plano interno43.
Não basta que as normas sejam imperativas para que sejam de aplicação imediata.
Uma coisa é a imperatividade no plano interno, e outra coisa é a imperatividade no plano
internacional. No plano internacional apenas há imperatividade quando esta se dirija não apenas
às partes, mas se dirija também à determinação da lei aplicável. Dirige-se aos órgãos de
aplicação do Direito, determinando que as normas devem subsistir não apenas perante e
contra a vontade das partes, mas também perante e contra as regras gerais de conflitos,
potencialmente, em oposição aos critérios gerais de determinação da lei competente.
Assim, as normas de aplicação imediata, são normas materiais, são normas que se
dirigem a encontrar uma solução substantiva para o problema subjacente, mas que paral além
disso têm “maior força”44 relativamente à generalidade das normas substantivas. São
internacionalmente imperativas: exigem e impõem a sua aplicabilidade mesmo em
confronto com as regras gerais de conflitos, mesmo se entrarem em colisão com as regras
gerais de determinação da lei aplicável.
Mas isto, só por si, também não chega para compreendermos completamente o conceito
e modo como operam estas normas, porque o facto de determinada norma material ser de
aplicação imediata não significa que estas normas se apliquem sempre e em todas as
situações. Estas normas não têm a pretensão de regular para todo o mundo as situações
que cabem na sua previsão material. Exigem é aplicar-se quando exista uma determinada
conexão/ligação com a ordem jurídica a que pertencem, ou seja, vamos pensar numa norma
concreta para exemplificar. No regime jurídico do Contrato de Agência45 existe o seu artigo
38º, no qual se lê:
Este preceito reporta-se a certas normas deste diploma do Contrato de Agência sobre a
cessação do contrato, e essas é que são as normas materiais em causa, que estabelecem um
regime favorável ao agente. O artigo 38º vai definir quando é que estas normas sobre a cessação
do contrato de agência devem prevalecer sobre a determinação normal da lei aplicável, e
dizem isto: “aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou
preponderantemente em território nacional”, estas regras de proteção do agente não se
aplicam a todos os contratos de agência, independentemente do lugar onde os contratos se
desenvolvem. O que este diploma exige é que nos casos em que os contratos se desenvolvem
43Como já sabemos no plano interno as normas imperativas são aquelas que não podem ser derrogadas
por vontade das partes, que se opõem às normas supletivas. As partes podem afastar a aplicabilidade
das normas supletivas, mas se não o tiverem feito, têm que se comportar com o que essas exigem.
Mas podem afastar a aplicabilidade das normas supletivas por acordo. Já as normas imperativas não são
suscetíveis de serem afastadas por vontade das partes.
44 O Professor Luís Barreto Xavier chamou-lhe um “plus”.
45 Decreto Lei 178/86. Falámos dele no semestre passado em Direito Comercial.
P á g i n a | 45
Vamos ver outro exemplo, o das cláusulas contratuais gerais. A lei das CCG47
estabelece um conjunto de regras que têm como objetivo a tutela do aderente. Todos nós temos
a experiência de contratar com outras partes – normalmente grandes empresas – que não vão
discutir connosco o conteúdo do contrato, vão apenas apresentar o clausulado, que podemos
apenas aceitar ou não aceitar. Portanto, as CCG, que são um instrumento necessário, são também
um instrumento que comporta riscos para os contraentes individuais, na medida em que esses
são colocados em situações tais que não têm outra hipótese senão aceitar o predisposto pelas
empresas que estabelecem o clausulado, reduzindo a liberdade contratual a celebração ou não
celebração, que ainda se reduz mais quando não exista concorrência. No fundo, o que se
pretende desde logo, é que certo tipo de cláusulas que são tipicamente estabelecidas não sejam
permitidas – as que estabelecem condições manifestamente injustas ou desproporcionadas –
portanto, são absoluta ou relativamente proibidas. Por outro lado, na Lei das CCG encontramos
também deveres de informação para que as partes tenham o efetivo acesso e compreensão
daquilo que estão a assinar – por exemplo, pela contratação eletrónica.
Há neste diploma muitas regras imperativas estabelecidas, que levam a estabelecer
parâmetros para aceitação ou não aceitação de cláusulas, e deveres quanto à genuinidade,
quanto à escolha das partes. Estas disposições são imperativas, internamente, mas além disso,
elas também beneficiam de uma garantia ulterior no plano do DIP, na redação atual da Lei
das CCG, determina o artigo 23:
2 – No caso de o contrato apresentar uma conexão estreita com o território de outro Estado
membro da Comunidade Europeia aplicam-se as disposições correspondentes desse país na
medida em que este determine a sua aplicação.”
46Em princípio, impõe-se a aplicação da lei portuguesa porque ela tutela o agente, mas se uma lei
estrangeira tutelar ainda mais o agente, permitimos que essa aplicação da lei estrangeira tenha lugar –
princípio da tutela da parte mais fraca.
47 Doravante Cláusulas Contratuais Gerais
P á g i n a | 46
(…)
8 – Se a lei aplicável for a lei de um país terceiro ao da União Europeia, o consumidor não
pode ser privado da proteção conferida pelo disposto neste decreto-lei quando:
48O requisito para utilizar a lei portuguesa é por isso muito menos apertado. Existe maior margem para o
interprete considerar aplicação desta NAI.
P á g i n a | 47
não iam comprar um imóvel, mas apenas o direito a habitar uma fração – faziam com que as
pessoas adquirissem os direitos antes do empreendimento concluído e com características
diferentes das contratadas. Estabeleceram-se então regras limitadoras, que exigiam uma série
de requisitos para que se pudessem comercializar estes direitos, estabeleceu-se uma
possibilidade de resolução dos contratos em determinado prazo – sem fundamento – para
garantir uma liberdade contratual efetiva.
Estas regras de proteção do adquirente não apenas beneficiaram do caráter
imperativo, também beneficiaram do caráter de aplicação imediata.
Há aqui dois casos em que estas normas, que protegem o consumidor, são
imediatamente aplicáveis – são as normas de proteção do consumidor que são normas de
aplicação imediata. É claro que podemos analisar criticamente a redação, que devia estar
alinhada com o modo como está feito o diploma das CCG, porque não faz sentido aplicar a
proteção conferida pelo Direito português a um adquirente de imóvel situado no
estrangeiro, quando o vendedor exerça a sua atividade num estado-membro, mas é isso
que o diploma manda aplicar.49 Ou seja, o que o legislador devia ter feito, era dizer: se o imóvel
está localizado em Portugal aplica-se este diploma quanto às normas de proteção do
consumidor, o mesmo se o vendedor dirige a sua atividade ou a exerce em Portugal, mas se
dirige a atividade para outro estado-membro, devem aplicar-se as regras de tutela do
consumidor desse estado membro, desde que essas tenham natureza de aplicação imediata.
O legislador aqui só dá duas alternativas: aplicar a lei portuguesa – porque como a
tutela é harmonizada no espaço europeu, aplicar a lei portuguesa é praticamente o mesmo que
aplicar a lei de outro estado-membro – ou então entendemos uma interpretação corretiva da
norma e damos relevância à tutela do adquirente prevista na legislação do estado-
membro onde está situado o imóvel ou para o qual dirige a atividade comercial o
vendedor, à semelhança do que acontece nas CCG.
Vamos testar as noções que demos supra com as definições presentes nos Regulamentos
da UE. No Regulamento Roma I, existe um artigo com a epígrafe “normas de aplicação
imediata”
“Artigo 9º
O artigo 9º do R.Roma I50 começa por dar o objetivo destas normas: a salvaguarda do
interesse público. Nos exemplos que apresentamos, como do artigo 23º da lei das CCG e o 60º
49Porque repare-se o artigo tem como consequência a aplicação da lei portuguesa “o consumidor não
pode ser privado da proteção conferida pelo disposto neste decreto-lei” mesmo nos casos em que a conexão
esteja toda noutro estado membro que não Portugal. O que é questionável.
50 Para ver uma maior exposição sobre o artigo 9º, em especial do seu nº2 e nº3, ver “Regime” infra.
P á g i n a | 48
do direito a habitação periódica, também está em causa o interesse público, mas não só,
porque o interesse privado do contraente também é protegido.
É impossível distinguirmos normas quanto aos interesses que tutelam, como defendia
Oliveira Ascensão, não há uma linha radical de fratura entre os interesses públicos e
privados, o interesse público corresponde pelo menos indiretamente aos interesses
particulares, por sua vez os interesses particulares são protegidos porque há um
interesse público nesse sentido. As normas de Direito Privado, embora tutelem interesses
privados diretamente, não deixam de tutelar interesses públicos. Portanto, a observação de que
esta norma estar a dizer que as normas de aplicação imediata são disposições cujo respeito é
considerado fundamental para a salvaguarda do interesse público, não é acrescentar muito. A
diferença entre interesse particulares privados pode ser uma diferença de grau, e essa pode ser
quase impossível ou absolutamente impossível de distinguir, porque até certas normas podem
prosseguir interesses políticos, sociais ou económicos relevantes e não terem natureza de norma
de aplicação imediata.
Ferrer Correia diz que as NAI são providas de uma regra de extensão
(regra de conflitos unilateral) do seu âmbito de aplicação para além
daquele demarcado ao respetivo sistema jurídico pela regras de conflitos
gerais desse sistema.
Técnica Legislativa
O legislador faz uma norma ser de aplicação imediata exigindo que haja um elemento
de conexão com a ordem jurídica da norma de aplicação imediata, e dizendo que, quando
esteja verificado o elemento de conexão, têm que se verificar os efeitos da norma de
aplicação imediata. O legislador vai indicar determinado tipo de conexão com a ordem jurídica
a que pertence e vai entender que, existindo essa ligação, essa norma material vai impor a sua
aplicação, com prevalência sobre o direito geral de conflitos.51
A técnica utilizada está em definir um determinado tipo de ligação – estabelecer um
elemento de conexão ad hoc52, porque não é o elemento de conexão que coincide com a regra
geral de conflitos – mas é um elemento específico para aquela norma de aplicação imediata.
Ou, em alternativa, sendo que esta alternativa aparece com menor frequência, em lugar de
estabelecer um elemento de conexão específico, vai estabelecer a necessidade de existir uma
conexão estreita – não uma qualquer conexão, mas tipicamente uma conexão estreita.
51 Pensamos que era a isto que Ferrer Correia chamava “regra de extensão”.
52 “para um fim específico”
P á g i n a | 49
Implícitas
Ora bem, vamos admitir que temos uma determinada norma, material, pertencente à
ordem jurídica do foro, e precisamos de averiguar se essa norma é ou não de aplicação imediata.
Para tal temos de verificar se a norma preconiza a sua prevalência mesmo em
situações em que a norma de conflitos não a aplica. Temos que ver se há alguma parte da
norma ou disposição acessória que transforme normas materiais em normas de aplicação
imediata. Apuramos o caráter de norma de aplicação imediata, apurando se existe a norma de
conflitos de conexão ad hoc ou norma de conflitos unilateral. Portanto, esse é o primeiro passo.
A questão que se coloca, mais complicada, é a de saber o que é que pode acontecer
se a norma material não está acompanhada de uma norma de conflitos unilateral ad hoc
explícita.
Se não existe a disposição acessória consagrada na lei, de forma expressa, pode ou não o
interprete partir da ratio legis, do escopo da norma material, e descobrir, por
interpretação da norma, que essa teleologia da norma só pode ser verdadeiramente
prosseguida se for entendida como norma de aplicação imediata? Ou seja, a questão é de
saber se é ou não possível que uma norma de aplicação imediata não tenha a tal regra de
conflitos unilateral ad hoc explícita, no próprio teor da lei, e seja meramente implícita,
deduzida a partir da sua ratio.
Analisando a questão podemos dizer que seria uma posição atentatória da certeza
jurídica, dado que o Direito não se dirige apenas aos juristas mas a todos. Temos contra a
possibilidade de descobrirmos um caráter de aplicação imediata implícito na norma, a ideia de
certeza jurídica, que é comprimida se nós admitirmos esta possibilidade.
Mas o Professor Luís Barreto Xavier entende que certos tipos de considerações de
justiça material podem obrigar a que a norma tenha uma prevalência sobre as regras
gerais de conflitos, mesmo quando comprimindo a segurança jurídica. Exemplo dado por
este professor como paradigmático é o do artigo 875º do Código Civil. A norma, já por nos bem
conhecida de outras andanças no direito, determina que o contrato de C/V de imóveis carece
obrigatoriamente de determinada forma, que pode ser escritura pública ou documento
particular autenticado.
Vejamos, um contrato de C/V sobre um imóvel situado Portugal celebrado no
estrangeiro, por mero documento particular não autenticado, acompanhado de duas
testemunhas, se obedecer à forma prevista no país de celebração do contrato, poderá ser válido
relativamente à forma? Para responder a esta pergunta no fundo temos de saber porque é que se
P á g i n a | 50
2) Depois há uma questão de ponderação das partes, porque a redução a escrito implica
uma maior ponderação. Há ainda uma garantia, da prova do consenso das partes.
O Professor Luís Barreto Xavier não defende que todas as normas imperativas são
normas de aplicação imediata, porque isso seria ir contra o DIP – o nosso ordenamento não
tem soluções mais justas do que os restantes. Isso só seria possível num contexto de privilégio
desproporcional da aplicação da lei do foro. A determinação da lei aplicável serve para
determinar o direito imperativo aplicável, e por isso, na dúvida, não podemos presumir o
caráter de aplicação imediata. Pelo contrário, para descobrirmos uma norma de aplicação
imediata que decorra implicitamente da interpretação, temos que demonstrar a partir da
razão de ser da norma que a sua ratio só pode ser atingida com a obrigatoriedade da sua
aplicação sempre que se verifique determinado tipo de conexão com a ordem jurídica a
que pertence.
Portanto, nos casos de dúvida, não podemos descobrir normas de aplicação imediata, o
P á g i n a | 51
que nos levava à possibilidade de encontrarmos determinada norma de aplicação imediata não
seja multiplicada, não possa ser disseminada sob pena de subversão do sistema.53
Um outro exemplo de norma que alguns autores consideram ser de norma de aplicação
imediata implícita é a do artigo 1682º-A/2.
No artigo 1682º-A temos uma disposição que se refere a atos que carecem do
consentimento de ambos os cônjuges. Temos o nº1, que é a regra geral, que determina que a
generalidade destes atos relativos a imóveis carece do consentimento de ambos os cônjuges,
salvo se entre eles vigorar o regime da separação de bens. Já o nº2 refere-se ao regime particular
de que beneficia a casa de morada de família. Os atos de disposição da casa de morada de família
só podem ser praticados com consentimento de ambos os cônjuges independentemente do
regime de bens considerado, porque esta beneficia de particular tutela por parte do Direito.
Para alguns autores, na esteira do professor Marques Dos Santos, que foi quem mais
se debruçou sobre as normas de aplicação imediata, esta norma é um exemplo de norma de
aplicação imediata, sendo que na perspetiva dele se aplicaria sempre que a casa de morada
de família estivesse situada em Portugal.
Neste caso, o Professor Luís Barreto Xavier não acompanha a perspetiva do
professor Marques Dos Santos, porque apesar deste artigo ser uma disposição imperativa no
plano interno e não poder ser afastada por vontade das partes, nem pela escolha do regime de
bens, não se vê nenhuma ligação espacial entre a ratio legis e a localização da residência
em Portugal. O professor Marques Dos Santos até ia mais longe, em determinado sentido,
entendendo não apenas que esta norma se aplicava obrigatoriamente quando a casa de morada
de família se situasse em Portugal, mas que não se devia aplicar se a casa de morada de família
se situasse no estrangeiro, ainda que a lei que regulasse o casamento fosse a lei portuguesa.
Começando pelo fim, o Professor Luís Barreto Xavier não vê porque é que a proteção da casa de
morada de família não pode ter lugar se os cônjuges portugueses residem no estrangeiro, desde
que a lei portuguesa reja o casamento, por força das regras gerais de conflitos. Em segundo
lugar, também não entende, que se a casa de morada de família está em Portugal, o Direito
estrangeiro em causa não possa reger a situação, porventura não exigindo esse consentimento.
Porque é que pelo facto de a casa de morada de família estar situada em Portugal se vai obrigar,
neste caso, à aplicabilidade da lei portuguesa, mesmo que a lei que rege a relação entre os
cônjuges seja estrangeira? Não há uma relação entre a ratio legis e a aplicação espacial da
lei portuguesa. Nestas situações não há um certo ou errado, o Direito é uma ciência
argumentativa.54
53O Professor Ferreira Pinto conclui também que fora dos casos em que a norma seja expressa, em
princípio o juiz só deverá concluir tratar-se de NAI naquelas hipóteses em que tal carácter seja
manifesto e, além disso, quando possa deduzir com segurança o elemento de conexão por ela
exigido,
54Barreto Xavier: Em suma, apesar das considerações judiciosas, que levariam a não entender que o
intérprete possa considerar determinada norma material como de aplicação imediata, se a regra de
conflitos unilateral ad hoc não está explicitamente editada pela própria lei, apesar de estas considerações
sobre a certeza jurídica quanto à lei aplicável serem relevantes, outras considerações de justiça material,
que concedem uma tutela que nunca seria conseguida se não passasse por uma definição de um campo de
aplicação espacial obrigatória, devem possibilitar a descoberta de normas de aplicação imediata
implícitas no sistema. Tal não significa que possamos presumir que todas as normas imperativas,
por muito relevantes que sejam os seus interesses, sejam consideradas normas de aplicação
imediata. Pelo contrário, a regra é que só muito excecionalmente é que uma norma material deve ser
considerada de aplicação imediata.
P á g i n a | 52
Bilateralização
Como dissemos supra, o professor Ferrer Correia diz-nos que as NAI têm uma regra de
extensão unilateral. As NAI contêm uma norma de conflitos unilateral ad hoc. Isto talvez faça
levantar duas questões.
A primeira questão é saber se a NAI é mesmo uma norma unilateral, Caquis admitia um
unilateralismo parcial na medida em que, atribuindo embora algum espaço à intervenção de
regras unilaterais, não negava, contudo, legitimidade às regras de conflitos bilaterais, que
continuariam a coexistir com elas. Também a grande maioria da doutrina dá resposta
positiva a esta questão e de facto, definindo-se a regra unilateral como aquela que se
propõe apenas a delimitar o domínio de aplicação das leis materiais do ordenamento
onde vigora, tudo indica que na NAI se contenha, pelo menos implicitamente, uma norma
deste tipo. Por vezes, tal regra de conflitos encontra-se mesmo autonomizada da regra material,
constando de uma disposição anexa como já vimos também nos exemplos supra.
Mesmo que se reconheça algum particularismo a esta categoria de normas, isso não
retira que elas só visem delimitar, pelo menos prima facie, a sua própria esfera de competência e
não também a das correspondentes normas estrangeiras. Donde se conclui tratar-se de regras
de conflitos unilaterais, ainda que eventualmente especiais. O Professor Ferreira Pinto conclui
tratar-se seguramente de uma regra unilateral, ainda que especial.
Vê-se então que este método não é absolutamente alérgico às regras bilaterais. O
Professor Ferreira Pinto aponta que algumas dessas normas denunciam a existência de regras
P á g i n a | 53
deste tipo ainda perfeitamente cristalizadas e que num futuro próximo acabarão por perder a
sua feição “particularista”.
Regime
Vamos passar a analisar o regime da NAI. Para isso vamos começar por pensar nos
casos em que estas normas pertencem à ordem jurídica do foro.
Na realidade, neste segundo caso, o resultado seria este, não por força do 875º, mas por
força do artigo 11º do Regulamento Roma I. Que estabelecendo uma exceção à conexão
alternativa do nº1, vem dizer, no nº5, aqui temos verdadeiramente a ideia de que prevalece a
norma de aplicação imediata do país da situação do imóvel, se ela tiver natureza de aplicação
imediata. Ou seja, prevê expressamente a possibilidade de respeitar normas de aplicação
imediata no país de situação do imóvel.58 Desde que as duas condições cumulativamente estejam
preenchidas, a exigência de forma do país da situação do imóvel vai prevalecer sobre a lei
do lugar do imóvel.
Se a lei aplicável ao contrato é a lei portuguesa, por escolha das partes, o imóvel situar-se
em Espanha e, por hipótese, em Espanha se exigir a escritura pública para a C/V de imóveis
então nesse caso a aplicamos a lei portuguesa, por uma questão de favorecimento do negócio
jurídico, salvo se a norma espanhola for uma norma de aplicação imediata. Isto é, se ela
fizer uma exigência que é apenas aplicável quando o direito espanhol é competente, então
aplica-se o artigo 11º nº1, a regra geral, e assim, de acordo com a regra de conflitos de conexão
múltipla alternativa, para favorecer o negócio jurídico, usar-se-ia a lei portuguesa. De a norma
espanhola não for de aplicação imediata, temos pelo nº1 de aplicar a lei portuguesa, que no 875º
permite que a forma seja documento particular autenticado.59
Daqui retiramos algo, bastante óbvio, o artigo 875º, além de um campo espacial de
aplicação obrigatório, também tem um campo opcional ou eventual de aplicação, em que
podeser aplicável se a lei portuguesa for considerada competente por escolha das partes por
exemplo. Ou seja:
3) De forma que vamos chamar60 eventual: Se 875º for menos exigente que a lei
estrangeira, dando lugar à aplicação do nº1 do artigo 11º que concretiza o princípio
favor negotii, e não se verificar o disposto no nº5 do mesmo artigo.
NAI no Roma I
O regulamento Roma I também posiciona a aplicabilidade das NAI fora do caso especial
da forma dos contratos. O artigo 11º, que indicámos supra, é uma norma cujo conceito-quadro
respeita à forma dos contratos, mas existe uma regra mais geral relativamente a normas de
aplicação imediata, que é o artigo 9º que já referimos anteriormente.
O artigo 9º, do qual já analisámos o nº161, vai, nos seguintes seus números, indicar
quando é que estas normas vão ser aplicadas.
O nº2 do artigo 9º do Regulamento Roma I é bastante relevante neste aspeto. Temos
um conjunto de normas destinadas a determinar a lei competente, mas no artigo 9º nº2 temos
uma exceção à lei em princípio competente, que é a ideia de acordo com o qual as normas de
aplicação imediata do foro são salvaguardadas, estão a coberto das normas gerais de
conflitos, estão dentro do campo em que os órgãos de aplicação do Direito do país do foro
aplicam não a norma em princípio competente, mas a norma de aplicação imediata do foro.
Mas isto pressupõe que entre a situação e a ordem jurídica do foro se verifique a conexão
59Documento particular autenticado é uma forma menos solene que escritura pública que é um
documento autêntico. Ver matéria de processo civil.
60Nota: o professor nas aulas englobou “opcional/eventual” na mesma categoria, só neste caderno é que
estamos a separar porque achamos que faz sentido dada a terminologia: opcional – casos em que as partes
escolhem, eventual – casos em que eventualmente o 875º é chamado.
61 Em “Roma I e a sua definição de NAI”
P á g i n a | 55
O artigo 9 nº3 respeita não a normas de aplicação imediata do país do foro, mas sim do
país onde as obrigações do contrato tenham/devam ser executadas. O país de execução do
contrato.
Repare-se, neste nº3, estas normas não pertencem ao país do foro. Tratam-se de normas
que pertencem ao país de execução do contrato, e a possibilidade que nos é dada pelo artigo
9º é de dar prevalência a essas normas em determinadas condições:
1) É necessário que, nesse país, no país de execução, a execução do contrato seja ilegal.
Caso contrário, traduzir-se-ia que essa norma material de aplicação imediata levaria,
se aplicável no país de execução, a considerar o contrato inválido ou a considerar a
execução do contrato contrária à lei. Isto vai contra um dos princípios do direito que
apresentámos logo nas páginas iniciais.
Por esta 2) vemos que é deixada uma margem à apreciação do aplicador do direito. O 1)
é um critério objetivo, a execução da sentença tem de ser ilegal, mas não basta ainda é precisa
a condição 2). Mas a condição 2) é uma apreciação feita com base num juízo do que aconteceria.
Isos vê-se na leitura atenta da norma: “Pode” na parte inicial que diz respeito ao 1) e “Para
decidir” na 2).
Então, por força do artigo 9º, o aplicador de direito português é obrigado a aplicar
uma norma de aplicação imediata do país do foro, desde que essa norma queira aplicar-se ao
caso concreto, isto é, desde que a ordem jurídica a que pertença tenha com a situação a conexão
estabelecida, mas no caso em que a norma é de ordem jurídica estrangeira, a aplicação é mais
estreita. Não basta que pertença a uma ordem jurídica estritamente conexionada com a situação,
tem que pertencer ao Estado da execução do contrato, e não basta que a norma de aplicação
imediata pertença a essa ordem jurídica, o aplicador do Direito tem que fazer um juízo que tem
em conta a natureza e objeto da norma, e as consequências da sua aplicação ou não aplicação.
Em bom latim, chamamos à lei da execução do contrato “lex cause” e à lei do foro63 “lex
fori”. É importante ter presente que em livros e exames ou orais muitas vezes é esta a
termologia usada. Também se costuma referir lei estrangeira, que não seja de execução como “lei
terceira”.
O mais próximo que poderia parecer que temos à primeira vista é apenas aparece o
artigo 17º relativo a regras de segurança e conduta. Parece que as normas respeitantes a
regras de segurança e conduta, do lugar onde há lugar ao facto responsabilizante, são normas
que devem ser tidas em conta como facto para dar origem à responsabilidade.
Por exemplo, pensando num acidente de viação em que a lei aplicável é a lei inglesa. Mas
o acidente ocorreu em Portugal. Será que o lesante pode invocar o seguinte: “estava a conduzir
fora de mão porque a lei aplicável é a lei inglesa e lá conduz-se pelo lado esquerdo. Assim, não
tenho responsabilidade”. Isto não é invocável, porque as normas de conduta, neste caso, do
Código da Estrada, não são normas de aplicação imediata, mas são normas de aplicação
territorial, a sua aplicação não está dependente do jogo normal das regras de conflitos porque o
63A que normalmente se refere como sendo a lei portuguesa porque estamos a estudar DIP português, e é
esse o foro com que lidamos.
64 Artigo 14º nº2 e nº3 do Roma II
65 Título semelhante ao que nos aparece no Regulamento Roma I, artigo 11º nº5 e 9º nº3.
P á g i n a | 57
setor em que se inserem é o de aplicação territorial. Não apenas se aplicam sempre que esteja
em causa a circulação nas estradas portuguesas, como não podem aplicar-se se estiver em
causa a circulação em estradas no estrangeiro. As regras do Código da Estrada só vinculam
os automobilistas que circulam em estradas portuguesas. O mesmo acontece quanto à segurança
na construção. Há construções sujeitas a certo tipo de princípios de segurança, e essas regras são
de aplicação territorial, porque são regras de Direito Público cuja aplicação está
intrinsecamente ligada ao território português. Isto apenas significa que se aplicam sempre
que a situação ocorra em Portugal, e que não se aplicam se a situação não ocorrer em Portugal.
As regras do artigo 17º são tidas em consideração para determinar a
responsabilidade, mas a título de matéria de facto. Ou seja, o aplicador do Direito tem que
tomar em consideração que as pessoas que circulam nas estradas desse país, estão submetidas
a um conjunto de disposição administrativas que são de aplicação territorial e que
obedeciam a essas regras, e isso será tido em conta para apurar a responsabilidade a que essas
pessoas estejam sujeitas, e é isso que nos diz este artigo.
Não são normas de aplicação imediata, porque não são normas do jogo normal das
regras de conflitos, mas podem ser relevantes para apurar a responsabilidade das
pessoas.
Em alguns dos regulamentos da UE existem regras deste tipo, quer regras que
expressamente preveem a salvaguarda das normas de aplicação imediata do foro, quer regras
que permitem tomar em consideração normas aplicáveis a todas as pessoas, mas não são
frequentes as disposições que dão relevância a normas de aplicação imediata de lei de terceiro
Estado. O que nos deixa uma questão, que é de saber, na falta de título expresso de
atendibilidade de normas de aplicação imediata de 3º Estado, se é possível ao intérprete,
apesar de tudo, aplicar normas de aplicação imediata de 3º Estado, no fundo,
contrariando o disposto na Lei em princípio competente.
A resposta para o qual a nossa sensibilidade aponta, sobre se podemos ou não afastar a
norma competente por um princípio geral, é que em princípio não, apesar de existirem
dúvidas. O intérprete tem que dar obediência às normas gerais de conflitos – e há quem
entenda que em certas circunstâncias, por força dos princípios, se pode afastar a regra de
competência.
Por exemplo, admitindo que, em regra de capacidade matrimonial, num Código Civil
estrangeiro determina que a capacidade matrimonial dos cidadãos desse país só se adquire aos
20 anos, e considera que essa norma se aplica a todas as pessoas que residam habitualmente no
país66. Vamos admitir que dois portugueses de 18 anos que residam aí habitualmente, vieram a
Portugal para casar e o conservador é confrontado com a questão de saber se deve aplicar a lei
portuguesa, porque é a lei da nacionalidade, ou a lei do país de residência habitual, tendo em
conta que o casamento não seria reconhecido no outro país. Pode ou não pode celebrar o
casamento? Aqui a questão fica em aberto, o professor Luís Barreto Xavier julga que
provavelmente aceitaria a celebração do casamento por aplicação da lei nacional, mas considera
admissível que se argumente noutro sentido, atendendo à relevância da norma de aplicação
imediata do 3º Estado que exige que as pessoas que residem nesse país tenham 20 anos para
poderem casar, porque senão este casamento seria insuscetível de ser efetivo no país onde eles
residem. Nenhuma das soluções é boa, por um lado temos a ineficácia da celebração do
casamento, por outro, estamos a afastar a regra geral de conflitos e estamos a aplicar uma norma
66Embora na realidade os países em geral consideram, em princípio, aplicável a lei nacional aos caso da
capacidade matrimonial.
P á g i n a | 58
de aplicação imediata sem um título direto ou imediato de atendibilidade dessa norma, o que
nos faz entrar num caminho de incerteza conflitual, além que neste caso eram dois
Portugueses em Portugal a casar, pelo que a questão de o aplicador de direito saber que isto era
uma situação internacional de DIP podia nem levantar-se, ou aliás podemos argumentar que
nem se levante.
Título de Atendibilidade
Assim, nas NAI estrangeiras, isto é, aquelas que não sejam NAI do foro pois essas
aplicam-se, temos, relativamente a esta questão, duas hipóteses:
2) NAI de país terceiro que não é o país do foro nem o país da lex causae: Qual a
relevância dessas normas? Duas hipóteses: Título expresso de atendibilidade de
normas de aplicação imediata desses países: artigo 9º nº3 Roma I Refere-se às NAI
em geral e define essas normas. Determina que as normas do país do foro não são
prejudicadas pelas regras de conflitos do regulamento e explica que as normas de
aplicação imediata do país de execução do contrato podem ser relevantes. O artigo
11º nº5 Roma I dá um título de atendibilidade às normas de aplicação imediata do
país da situação do imóvel em matéria de forma dos contratos relativos a imóveis.
Estas normas são um limite à conexão alternativa que é estabelecida, em geral, para
promover o favor negotii.
Não existe uma norma genérica que atribua relevância a normas de aplicação imediata
de terceiro Estado. No campo das obrigações contratuais o texto que antecedeu o Roma I -
Convenção de Roma de 1980 - previa no seu artigo 7º esta possibilidade em termos genéricos
mas tal é alterado quando se transforma este regulamento no Roma I. O que acontece nos
casos em que se preveem estas normas? O aplicador do Direito deve atender a estas diretrizes,
sejam do legislador transnacional ou nacional. Quando não existam textos que atribuam
relevância a estas normas a questão é saber se o aplicador do Direito tem ou não legitimidade
para tomar em consideração ou mesmo aplicar essas normas.
Para parte da doutrina não há legitimidade para dar relevância a estas normas e a
razão é simples, no fundo, temos que dar obediência às regras gerais de conflitos e, portanto,
não nos podemos afastar das regras gerais de conflitos sem que nos forneça um título de
atendibilidade dessas normas.
Para uma segunda perspetiva, sem prejuízo da imperatividade das regras de conflitos,
estas não são uma expressão acabada e fechada e completa do direito de conflitos, são
instrumentos do Direito de Conflitos, designadamente de determinados princípios de DIP o que
significaria que para a tutela dos princípios que as próprias normas de conflitos servem
poderíamos ser levados a afastar as regras de conflitos para encontrar ou promover a
aplicabilidade de normas de aplicação imitada de terceiros Estados. Exemplo: Embora as
regras de conflitos não reconhecessem a aplicabilidade de certa NAI de país terceiro, a aplicação
dessa norma é condição necessária e suficiente para que a decisão a proferir no país do foro
P á g i n a | 59
fosse exequível no país da NAI. Nesse caso, a hipótese seria que a execução da sentença
portuguesa apenas produziria efeitos se fosse reconhecida no país onde se encontram os
bens sobre os quais ela incide. Aqui temos um argumento forte de dar concretização a um
princípio vigente no DIP efectividade das decisões judiciais - e este será um título implícito de
atendibilidade da NAI de um país terceiro.
Não há solução assente. Admitir em termos muito amplos esta possibilidade tem
riscos muito sérios de incerteza jurídica, de casuísmo, de imprevisibilidade nas decisões,
e mesmo de colocar nas mãos do juiz um poder de decisão que, porventura, extravase o
que decorre de um princípio de separação de poderes. A seu favor temos a proteção de
princípios fundamentais como a harmonia jurídica, efectividade das decisões e a proteção
da parte mais fraca. Barreto Xavier: Só excepcionalmente tal será possível.
Vamos agora partir para um novo capítulo na nossa matéria, conceito próximo das
normas de aplicação imediata, mas que é diferente das normas de aplicação imediata.
As normas espacialmente autolimitadas. Uma espécie de sombra das normas de
aplicação imediata. As normas espacialmente autolimitadas afastam a sua aplicação quando
entre elas e a situação a regular não existir uma determinada conexão espacial.
próprio âmbito de aplicação. Visto isto assim, temos de fazer considerações sobre como se
articular estas categorias entre si. Há duas possibilidades, defendidas por diferentes doutrinas.
Vamos testar a teoria. Se a teoria falhar em algum exemplo então não está correta, e o
esquema de inclusão das NAI nas NEA é errado. Assim, testando a teoria vamos olhar à norma
do artigo 53º da Constituição, que parte maioritária da doutrina tem entendido ser uma norma
de aplicação imediata. 67
Esta a norma proíbe o despedimento sem justa causa. De acordo com essa doutrina, é
aplicável a todos os trabalhadores portugueses ou sempre que o trabalhador
habitualmente preste trabalho em Portugal. A norma proíbe despedimentos sem justa causa
e aplica-se mesmo que a lei aplicável ao CIT seja estrangeira, sempre que o trabalhador
for de nacionalidade portuguesa ou executem o trabalho habitualmente no território
português (conexões com a lei do foro). Para que esta norma fosse uma NEA teríamos de dizer
que nunca se aplicaria caso o trabalhador não fosse português ou a prestação não fosse
habitualmente prestada em Portugal e isso não é corresponde à verdade. A norma também se
aplicará sempre que a lei aplicável ao contrato de trabalho seja a lei portuguesa, o que
pode acontecer por escolha das partes. Assim, há pelo menos uma norma de aplicação
imediata que não é espacialmente autolimitada, logo, a teoria falha, não se adequa à
realidade do direito.
Este exemplo, do artigo 53 da CRP é um exemplo claro de uma norma de aplicação
imediata que não é espacialmente autolimitada, porque não faria sentido que, se as partes
escolhem a lei portuguesa para regular o contrato, amputássemos a norma aplicável de uma das
traves-mestras. As normas e princípios relativos ao CIT, no direito português, estão fundadas na
ideia de que o despedimento tem que ter uma justa causa. Portanto, isto significa que neste caso,
a norma é de aplicação imediata que não é espacialmente autolimitada.
Mas vamos pensar numa norma que possa ser simultaneamente de aplicação imediata e
autolimitada. Pensemos na norma sobre proibição de exportação do quadro italiano que vimos
67 Aquilo que nos foi transmitido em aula teórica foi que na esteira da jurisprudência e parte da doutrina –
a começar pelo professor Rui Moura Ramos –o 53º é uma norma de aplicação imediata, que se aplica
independentemente das regras gerais de conflitos e desde que entre da situação a regular e a ordem
jurídica portuguesa se verifique determinado nexo ou conexão. Neste caso, embora com flutuação, tem-se
entendido que as conexões a ter em conta são a nacionalidade portuguesa do trabalhador ou, em
alternativa, o facto do trabalho ser prestado habitualmente em Portugal. Isto significa que, para que esta
norma se deva aplicar, basta que o trabalhador tenha nacionalidade portuguesa ou que o trabalho seja
prestado habitualmente em Portugal, ainda que por trabalhador estrangeiro. Isto implica que a norma se
aplica, ainda que o Direito aplicado ao contrato seja estrangeiro.
P á g i n a | 61
nas páginas anteriores68. Essa norma era não apenas de aplicação imediata, porque
relativamente à exportação a partir de Itália de obras de arte, aplica-se sobre todas as outras
soluções, mas circunscreve o espaço de aplicação porque só se aplica às obras exportadas
a partir de Itália. Por exemplo, se um português e um espanhol quiserem exportar uma obra
para Espanha, mesmo que escolham as regras do Direito Italiano, a norma que proíbe a
exportação não se aplica. Ou se exportarem um quadro italiano de Espanha para Portugal
também não se aplica. Até podiam ser Italianos, continuaria a não se aplicar a NAI italiana do
exemplo. Neste caso, tínhamos uma norma que estava na zona de sobreposição entre os
dois conceitos.
Mas podemos ter normas que são simplesmente normas autolimitadas, que não impõe a
sua aplicação sobre fontes do Direito geral de conflitos, mas que se excluem quando fora de
determinado espaço. Por exemplo, vamos admitir que temos certas regras relativas à
contratação em espaços abertos em Portugal. Há certas regras que o legislador português
estabelece, que se aplicam a mercados portugueses, mas mesmo que a lei portuguesa seja
aplicável, não faz sentido aplicar, porque essas normas estão ligadas ao tráfego jurídico local, e
não faz sentido a aplicação quando o contrato em causa é celebrado em contexto distante da
ratio legis. Quer dizer que há normas materiais, que quer pela sua
ratio, quer por forma explícita, excluem a sua aplicação se falhar a
ligação que pressupõem.
Assim podemos ter: NAI que também são NAE69 e NAI que não
são NAE. O esquema que melhor explica a relação entre os dois tipos
de normas é então o esquema de intersecção.
68Que demos a propósito do artigo 9º nº3 em “NAI no Roma I”. Basicamente o direito italiano proíbe
exportação de certo tipo de quadros.
69Uma NAI que é uma NAE é por exemplo o artigo 2223º do Código Civil Português. Outro exemplo
ainda é 36º do DL n.º 246/86, de 25‐08, que cria e regulamenta o EIRL (ver matéria de Direito
Comercial), determina que “Este diploma (...) aplica-se aos estabelecimentos individuais de responsabilidade
limitada que se constituam e tenham a sua sede principal e efectiva em Portugal” (artigo 36º). Do confronto
desta disposição com o artigo 33.º do CC resulta que as disposições do DL só devem ser aplicadas quando
se verifique, entre a situação a regular e o ordenamento jurídico português, a conexão que é exigida pela
norma: a localização, em Portugal, da sede principal e efectiva do EIRL. Estas disposições são normas
espacialmente autolimitadas, não se podem aplicar fora de Portugal.
P á g i n a | 62
Se mesmo que a lei em princípio competente pelo jogo das regras de conflitos fosse a lei
do lugar da celebração, a exigência de forma solene vai impor-se a todos os testadores de
nacionalidade portuguesa e já sabemos que isto quer dizer que estamos perante uma norma
de aplicação imediata.
Mas para além disso, ao contrário de outras NAI como a do 875º, este 2223º é
simultaneamente é uma norma material de DIP. Isto porque a norma apenas se aplica
quando a situação a regular tem contacto com mais do que uma ordem jurídica, a situações
internacionais. Vemos isto através da previsão71 – testamentos realizados no estrangeiro. Isto
significa que essas situações, a que a norma se aplica, são necessariamente situações com
conexões a duas ordens jurídicas – a ordem jurídica portuguesa a título de nacionalidade do
testador e a ordem jurídica estrangeira pelo país em que o testamento foi celebrado. Ou seja, é
uma norma material de DIP, porque são normas materiais, mas que têm de particular a
circunstância de, na sua previsão, constarem situações internacionais e por isso só tem lugar a
sua aplicação nos casos de DIP.
Claro é que existem NAIs que não são normas materiais de DIP72. A norma do regime do
direito de habitação periódica que estabelece determinados direitos do adquirente, por força do
artigo 60º desse regime, é uma NAI, mas não é uma norma material de DIP, porque a sua
previsão material não implica a existência de uma situação absolutamente internacional,
também se aplica a situações puramente internas. Mas também há normas materiais de DIP que
não são NAIs, são normas que só se aplicam a situações internacionais, mas não há uma
definição ad hoc do âmbito espacial da sua aplicação.
Um conceito que hoje tem também relevância, e é discutível se cabe aqui, é o da lex
mercatória. Discutível porque não se considerarem verdadeiras normas pertencentes a
uma ordem jurídica. Mas são regras materiais de DIP sem dúvida. Vejamos.
Vivemos hoje numa época em que a par dos Estados, há uma série de outros atores na
vida jurídica internacional, temos uma série de outros atores. A construção normativa é feita não
só pelos Estados, mas também por entidades supraestaduais – como a UE – ou entidades
infraestaduais – por exemplo, Regiões Autónomas, entidades que não estão diretamente
integradas nas ordens estaduais e que produzem normas de conduta e comportamento social
que são observadas – e ainda temos as entidades paraestaduais – por exemplo, na área do
Desporto, temos a FIFA ou a EUFA que imitem Regulamentos. São regras cuja legitimidade não
está dependente da justiça de cada um dos Estados.
Por outro lado, encontramos uma vida jurídica que se vai desenvolvendo à margem dos
Estados, em especial nas áreas do comércio internacional e das transações financeiras
internacionais, a par de regulamentação transnacional que nos aparece no âmbito da UE, temos
uma série de regras de conduta cuja fonte é não estadual nem verdadeiramente
supraestadual.
Primeiro, temos regras consuetudinárias, regras costumeiras, provenientes de
prática reiterada dos agentes económicos, acompanhada da convicção da sua
73Ou seja, ambas são normas cuja estatuição é substancial ou material, são normas que dispõem de forma
direta sobre o conflito de interesses subjacente de natureza substantiva, não se limitam a apontar um
caminho para uma dada ordem jurídica para a resolução do problema.
P á g i n a | 64
Estas regras, que não são leis, não são convenções internacionais e não são
regulamentos, impõe-se com a pedra de toque típica desta regulamentação que está num modo
de resolução de litígios que também se coloca à margem dos órgãos estaduais, que é a
arbitragem. Essas regras vêm o lugar da sua aplicação por excelência na arbitragem, na
submissão dos eventuais litígios que decorram da aplicação ou não destas regras, a sua
submissão a arbitragem é fundamental para a sua eficácia.
Aqui, sobre esta realidade, sobre a lex mercatória, podíamos discutir a natureza –
saber se é uma ordem jurídica ou não, sendo que a maioria doutrina entende que não, mas
isso não exclui o caráter jurídico das normas, são normas jurídicas não integradas em
qualquer ordenamento jurídico, porque o ordenamento pressupõe a existência de coerência,
autonomia, e princípios comuns que não se observam nestas regras – mas elas existem, e são
efetivamente aplicadas. Elas têm relevância fundamentalmente perante tribunais arbitrais, e não
deixam de ser relevantes também nos tribunais arbitrais.
Processo em DIP
Há uma distinção subjacente ao modo como olhamos aos problemas do DIP, que é uma
distinção entre mérito da causa e os aspetos processuais – entre substância e processo. Esta
distinção é estruturante, porque por via de regra os aspetos substantivos são submetidos à
lei designada por intermédio das normas de conflitos, enquanto os aspetos processuais
são, por via de regra, regidos pela lei do foro.
Quer isto dizer que se é proposta uma ação em Portugal não se coloca a questão de saber
se aplicamos o Código de Processo Civil português ou o Código de Processo Civil dos outros
Estados. As regras de processo aplicadas em Portugal são as regras portuguesas. Já o
direito substantivo aplicado é o escolhido pelas regras conflitos, o que quer dizer que os
tribunais portugueses vão poder aplicar lei estrangeira. No entanto isto coloca-nos um
problema.
Veremos estes exemplos com maior profundidade adiante neste caderno, em especial
quando falarmos dos Regulamentos de Roma I e aí indicaremos que se trata desta questão
processual à qual se aplica sempre a lei do foro.
P á g i n a | 66
Nota-se que poderíamos continuar no fundo a nossa abordagem à matéria de DIP pela
parte geral em abstrato74, e depois íamos às regras de conflitos em particular. Mas o Professor
Luís Barreto Xavier decidiu subverter o ensino no programa que desenhou, para que, quando
retomarmos alguns institutos gerais do Direito de Conflitos, termos normas com que
exemplificar. Adotámos esse desenho neste caderno uma vez que acompanhamos de perto as
lições deste professor.
Entrando na matéria do estatuto pessoal: já vimos que estamos a pensar num conjunto
de matérias que se caracteriza pela especial ligação aos indivíduos. Engloba matérias que dizem
respeito ao estado pessoal dos indivíduos e às relações que estabelecem, deixando de parte os
aspetos patrimoniais. Quando referimos o “estatuto pessoa” estamos apenas nas relações não
patrimoniais ou ditas pessoais.
Relativamente a estas matérias, os elementos de conexão que melhor exprimem a
ligação de um indivíduo com determinado Estado são a residência habitual e nacionalidade.
Tanto uma como a outra tem vantagens e desvantagens, mas entende-se que se a matéria é
estatuto pessoal então tem deve ser aplicada a lei mais intimamente ligada à pessoa.
Por um lado, a nacionalidade é a ligação primária entre um indivíduo e um Estado, e
ainda mais, consegue promover prova facilitada. Já quanto à residência habitual, pode ser um
melhor elemento de conexão porque pode introduzir uma questão de justiça material e
proximidade do estado factual. Pode haver uma ligação mais forte com o local de residência de
alguém que nunca residiu no país da nacionalidade, por exemplo. Uma pessoa pode ser nacional
de um Estado onde nunca residiu ou de um Estado de onde se desligou afetivamente ou
culturalmente. Ou também pode acontecer o contrário, e a pessoa residir num Estado com a qual
nunca se ligou efetivamente. Hoje em dia no mundo há uma mobilidade muito grande, que é
mais relevante. Encontramos ainda, por um lado, do ponto de vista sociológico, comunidades
migrantes que mantêm a sua cultura de origem - língua enquanto encontramos outro tipo de
pessoas que privilegiam a sua integração no Estado de acolhimento, a sua assimilação pelo
Estado de acolhimento e, portanto, cultural e linguisticamente passaram sentir-se membros de
pleno direito dessa nova comunidade. Podemos ter um exemplo de uma pessoa que, sendo
nacional do Estado de origem, reside há muitos anos noutro Estado, continuando ligada ao
Estado de origem, e outras que mantendo a nacionalidade, estão desligadas desse Estado.
Assim sendo a concretização do elemento de conexão nacionalidade pode ter efeitos
74Como faz o Professor Ferrer Correia no livro. Nota: o livro do professor ferrer correia está desatualizado
no que toca à parte das normas. Os regulamentos europeus, principal fonte do nosso DIP, não existiam
quando escreveu o seu livro.
P á g i n a | 67
Hoje em dia esta dicotomia na escolha que os Estados fazem está resolvida porque temos
entidades supraestaduais que resolvem uniformemente a questão. De alguma maneira a
existência de entidades supranacionais veio relativizar a relevância da nacionalidade. A
nacionalidade perdeu relevância, porque as pessoas, pela maior mobilidade gerada pela
facilidade, não apenas fática de viajar, mas tornou-se juridicamente fácil essa possibilidade. Há
um outro fator, é que hoje é difícil podermos dizer que determinado país é de emigração
ou de imigração., em muitos países não podemos dizer que se caracterizam por um único
sentido de fluxos migratórios.
Mas depois há um terceiro fator, de evolução do DIP, que vai ao encontro desta
dificuldade de escolha entre as duas conexões, que é o fator – causa e consequência – o
alargamento da autonomia da vontade no DIP, ou seja, como a forma mais adequada de superar
este dilema – entre a lei nacional e a lei de residência habitual – é permitir que as pessoas
escolham, ou seja, as pessoas vão poder escolher se preferem a aplicação da lei nacional
ou da residência – flexibilização do DIP75. É esta tendência que prevalece nos textos da UE – por
exemplo, no Regulamento Roma III sobre o divórcio, sobre os regimes de bens, sucessão por
75 Ver supra “De conflitos rígidas e flexíveis” que falámos no que toca à evolução histórica do DIP.
P á g i n a | 68
Nos casos em que não há escolha, e o legislador não queira colocar inteiramente na mão
do juiz, no espaço europeu, a conexão preferida do legislador é a da residência habitual.
Portanto é isto que encontramos nos Regulamentos da EU, normas que permitem76:
Temos regras gerais que encontramos no CC - artigo 25º a 35º, 52º a 65º e que são
aplicadas quando não existirem ou não forem aplicáveis as normas especiais que
prevalecem sobre elas e, em particular, as normas especiais dos regulamentos da U.E.77
Nos artigos 25º e seguintes temos todas as matérias que tem que ver com o estado
e capacidade das pessoas – o artigo 25 dá-nos um conceito de lei pessoal, a lei pessoal não é
caracterizada por um elemento de conexão, mas sim pela delimitação de um conjunto de
matérias ligadas à vida individual das pessoas, ou seja, ao Estado e capacidade das pessoas,
relações familiares e sucessões por morte. Além dessas, há outras que nos aparecem indicadas
nas disposições a seguir ao artigo 25º. Por exemplo, o início e termo da personalidade jurídica,
que não está indicada expressamente, ainda assim, existe uma norma de conflitos sobre a
matéria - início e termo da personalidade jurídica - e manda aplicar a lei pessoal do indivíduo. O
mesmo acontece com normas relativas aos direitos de personalidade. Isto significa que a lei
pessoal é a lei que regula este conjunto de matérias, é isso que é a lei pessoal dos indivíduos.
Coisa distinta é saber como é que se concretiza a lei pessoal, ou como é que se
determina a lei pessoal, aqui estamos a lidar com elementos de conexão que vamos utilizar para,
em concreto, definir a lei aplicável, e aqui também já sabemos, no direito português em
princípio a lei pessoal é definida pela nacionalidade, como resulta do artigo 31º nº1. Mas
também já sabemos que o modo como a determinação da lei aplicável nestas matérias está
definida no nosso Código Civil, há diversos casos em que não vamos aplicar a lei nacional, mas
sim uma outra lei, sobretudo a lei da residência habitual, basta pensarmos nos casos em que
para acorar a lei aplicável às relações entre cônjuges, aplicamos a lei nacional comum, mas se
têm nacionalidade distinta, então aplica- se a lei da residência78 – segundo o artigo 52º.
O mesmo se passa para os apátridas, que não podem ter como lei pessoal a lei da
nacionalidade por simplesmente não terem nacionalidade, e por isso, nos termos do artigo 32º
aplicamos a lei da residência habitual.
Por outro lado, como veremos, há casos em que vamos afastar a aplicação da lei
76Isto é o desenho geral das normas do regulamentos. Vamos concretizar a seguir. É preciso que a norma
permita e portanto é ver caso a caso.
77 Ver matéria de IED. O direito europeu prevalece sobre os atos legislativos.
78 Conexão subsidiária.
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pessoal por outras razões – como acontece para o artigo 32º nº2, artigo 47º ou artigo 28º,
em que deixamos de aplicar a lei nacional e vamos aplicar outra lei por diferentes razões.
Não se confunda, a aplicação universal não implica que o Regulamento seja usado
quando a questão se suscite fora dos Estados participantes, ainda que a situação esteja
conexionada com estes, porque esses tribunais não vão estar vinculados pelo mesmo
Regulamento. A aplicação universal não significa que todos os países apliquem o Regulamento,
mas sim que os Estados-Membros participantes apliquem, independentemente das
conexões que a situação tenha com esse Estado-Membro e independentemente das suas
regras de conflitos apontarem para a Lei desse Estado-Membro ou para Estado terceiro.
Esta aplicação universal não é por isso violadora do princípio da não transitividade, porque,
evidentemente, as normas do Regulamento são normas formais e não materiais.
Há um aspeto importante a transmitir, que é que o artigo 4º do Roma III que vamos ver
de seguida é semelhante a disposições correspondentes em todos os Regulamentos da União
Europeia relativos ao Direito de Conflitos. Em todos os Regulamentos que contêm regras de
conflitos existem normas semelhantes a esta. O Direito de Conflitos unificado ou
parcialmente unificado tem sempre esta vocação de aplicação universal. Aplicação
universal significa que se formos colocar a questão perante os tribunais de um Estado terceiro,
vai aplicar o Regulamento? Não, porquê? Por exemplo, o Reino Unido é um estado-membro não
participante. Se a questão for colocada perante os tribunais ingleses, o que é que fará o Tribunal
inglês? Aplicará o Regulamento? Vai aplicar o seu Direito de conflitos vigente. Não vai aplicar o
Regulamento, porque não está vinculado por ele. A aplicação universal não significa que todos os
países apliquem o regulamento, mas sim que os estados-membros participantes apliquem,
independentemente das conexões que a situação tenha com esse estado-membro, e
independentemente das suas regras de conflitos apontarem para a lei desse estado-membro ou
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para Estado terceiro. O Regulamento não vai ser aplicado em países que não estejam vinculados
pelo Regulamento.
Código Civil
A lista regras é que ainda não são objeto de unificação pela EU e nas quais, portanto,
usamos ainda usamos Código Civil para resolver conflitos são:
o Vejamos o segundo caso, o artigo 49º. Esse artigo significa que não se
vai excetuar a aplicação da lei pessoal, mas concretizar o modo de
aplicação da lei pessoal. Vai utilizar a técnica da conexão múltipla
distributiva, para distribuir competência por diferentes leis se forem
diferentes as leis pessoais dos nubentes. Depois temos uma regra
especifica sobre capacidade em matéria sucessória, mas essa regra está
afastada por intervenção do Regulamento em matéria sucessória.
o Quanto ao artigo 31º pode acontecer que uma pessoa tenha mais que
uma nacionalidade. Nestes casos temos de recorrer à Lei da
79Vai utilizar a técnica da conexão múltipla distributiva, para distribuir competência por diferentes leis se
forem diferentes as leis pessoais dos nubentes
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o Do ponto de vista dos conceitos que estudámos antes, o 28º nº1 é uma
norma de conflitos unilateral, porque determina a aplicação da lei
portuguesa. O nº3 vem no entanto bilateralizar a norma do nº1. Temos
uma bilateralização da regra de conflitos unilateral, que é condicionada a
que no país estrangeiro em que ocorre o negócio se preveja essa mesma
tutela do tráfico jurídico local. Não basta que essa pessoa seja
considerada capaz nesse país, é necessário que nesse país as regras
locais devam prevalecer sobre as regras gerais em matéria de
capacidade. Têm que haver regras semelhantes. A pessoa deve ser capaz
segundo o direito material da lex loci (por oposição à solução que resulta
da sua lei pessoal) e a lei do lugar da celebração dever conter uma regra
favor negotii dispondo sobre a sua própria aplicação em detrimento da
• Incapacidades – artigo 30º – a questão é resolvida pela lei pessoal; mesmo com
a nova lei do maior acompanhado, pois a norma tem uma referência a institutos
análogos à tutela relativamente à proteção dos incapazes. Quer isto dizer que
independentemente do desenho jurídico estabelecido em cada país para tutela
dos incapazes, esta questão é resolvida por intermédio da respetiva lei pessoal.
dos pais, e se essa não existir, aplica-se ou a lei da residência habitual comum ou
ainda a lei nacional do filho; 82
Quanto às pessoas coletivas, de acordo com o artigo 33º do Código Civil e o artigo 3º
do Código das Sociedades Comerciais. Por princípio, a lei pessoal das sociedades é
determinada pela sede efetiva da administração83. A sede estatutária pode ser indiciária da
sede efetiva, mas pode haver dissociação. Como é que concretizamos a sede efetiva? É o local
onde a administração da sociedade reúne e delibera, independentemente do local onde os
efeitos das deliberações ocorrem. O que é relevante é o local onde se encontra o poder efetivo da
sociedade. Esta solução é boa para todos os casos? Não. Mas isso impede que seja uma solução?
Não, há sempre casos extremos em que as soluções podem não ser as melhores. No entanto, o
que é que o intérprete pode fazer? Arranjar uma forma teleológica de interpretar o
elemento de conexão ou entender uma cláusula de desvio implícita. Pode ainda considerar
a existência de uma lacuna, a integrar segundo o princípio da conexão mais estreita.
Está dado o mapa das regras gerais, depois temos regras especiais previstas nos
Regulamentos, e essas prevalecem sobre as regras do Código Civil, estando derrogadas.
82Exemplo: Por ocasião do divórcio, quem é que tem a responsabilidade sobre a guarda dos filhos, em
que termos, como é que as coisas funcionam, etc. Nestas matérias, valerá o regulamento em matéria de
divórcio? Não, está excluída pelo artigo 1/2/f). Mas se virmos no Regulamento Bruxelas II BIS, a matéria
está incluída, mas apenas na competência internacional e o reconhecimento de sentenças estrangeiras,
mas não está definida a lei aplicável. A lei aplicável vai ser definida pelo Código Civil, e essas regras são as
que nos aparecem – artigo 57º. Aqui temos a típica regra de conflitos do nosso Código Civil, uma regra de
conflitos de conexão múltipla subsidiária – porque temos uma lei primariamente aplicável, a lei nacional
comum dos pais – e duas subsidiariamente aplicáveis – a lei da residência habitual comum e a lei pessoal
do filho. As leis primariamente competentes são leis que apontam para uma lei nacional comum, ou seja,
através da técnica da cumulação de conexões. A lei nacional comum só é aplicável se para ela apontarem a
nacionalidade de ambos os pais e é necessária, para que a lei se aplique, a cumulação de conexões.
83 Não sendo oponível a terceiros a sede efetiva, se diferente da sede estatutária
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Mas que regra de conflitos vamos aplicar? Para isso temos que apurar a que fonte vamos
recorrer, isto porque sabemos que o DIP atual não resulta unicamente de fontes internas, mas
porque temos que ver outras.
Devemos sempre começar por perceber se há ou não fontes que devam prevalecer sobre
essas fontes internas, neste caso existe o Regulamento Roma III. Quanto à questão do Direito
aplicável temos que recorrer ao Regulamento Roma III, ou seja, o regulamento aprovado ao
abrigo do mecanismo de cooperação reforçada não por todos os estados-membros, mas por
sensivelmente metade, incluindo Portugal. Nos estados-membros participantes, as regras de
conflitos relativas ao divórcio e separação judicial que vão ser aplicadas são as do Roma III.
Esta secção foi um pouco parênteses daquilo que estamos a tratar, mas é importante e
vale para todos os casos de conflitos de normas. Vamos então aproveitar a deixa par analisar
este regulamento.
Âmbito de Aplicação
Mas ainda temos a terceira parte do âmbito de aplicação que é a que respeita ao âmbito
espacial de aplicação. O artigo 4º determina a aplicação universal, e é aí que está determinado
o âmbito espacial. Vamos aplicar este Regulamento mesmo que a lei designada pelas suas regras
de conflitos aponte para outro estado-membro, que não tenha participado na aprovação deste
Regulamento. Mas também que se vai aplicar a lei designada por estas regras de conflitos, ainda
que não seja a lei de um estado-membro. Ou seja, se o elemento de conexão da regra de conflitos
apontar para uma lei de um Estado terceiro, é essa a lei que vai ser aplicada, independentemente
de saber se é de um estado-membro ou não.
Algo que não está diretamente afirmado, mas que resulta implicitamente do artigo 4º,
que é uma consequência unanimemente reconhecida, não apenas a lei aplicável é designada
mesmo que seja a lei de um estado-membro não participante, mas, para que se aplique este
regulamento, não é necessário que exista no momento relevante uma qualquer conexão com os
estados-membros ou com os estados-membros participantes. Ou seja, não se exige nenhum tipo
de conexão com a ordem jurídica do foro ou com outras ordens jurídicas de estados-membros
para que o regulamento se aplique.84 A aplicação universal também tem este alcance e é uma
consequência aceite consensualmente na doutrina e na jurisprudência do TJUE – assim, o
Regulamento é aplicável desde que exista competência do tribunal de um estado-membro
participante, pelo Regulamento de Bruxelas II bis.
Temos ainda uma questão. Em Portugal, algo que acontece noutros Estados também,
para se obter um divórcio, não é obrigatório o recurso aos Tribunais.
Nos casos dos divórcios que são obtidos por via não judicial85, vai aplicar-se o
Regulamento Roma III na mesma, a hipótese está prevista no artigo 3º nº2, considera todas as
autoridades dos estados-membros participantes com competência abrangida pelo âmbito de
84 Isto entende-se porque o regulamento tem soluções formais e não substanciais. Não viola o princípio da
não transatividade. Este é o DIP que os Estados Membros usam caso uma ação seja posta nos seus
tribunais. Depois a competência dos tribunais é outra história que veremos.
85 Comum acordo na Conservatória
P á g i n a | 76
aplicação. Para estes efeitos, para os efeitos do Regulamento em matéria de divórcio, outras
autoridades86 que existam em cada país e tenham competência nestas matérias, são abrangidas.
É preciso, no entanto, ter atenção e não permitir que a interpretação do nº2 do artigo
3º permita certas situações. Nos casos de uma decisão de divórcio proferida por uma
autoridade religiosa, a favor de um dos cônjuges contra outro, é ou não válida a dissolução?
Segundo a jurisprudência do TJUE, estas regras não podem aplicar-se a dois tipos de
hipóteses:
1) Dissolução de casamento obtida por mera declaração unilateral de uma das partes87
Isto não quer dizer que não possa haver solução para estas questões, mas isso decorre do
Direito de Conflitos aplicável de cada Estado e não do Roma III.
Regime
Com escolha
Para os casos de divórcio e separação judicial, o Regulamento Roma III diz-nos que lei
primariamente competente é a lei escolhida pelas partes – artigo 5º.88
O acordo pode ser feito a qualquer momento. Por exemplo, há casamentos que envolvem
questões patrimoniais relevantes, nos quais convém deixar tudo estabelecido desde o princípio.
Se o Estado do foro admitir uma escolha posterior à propositura da ação, essa escolha também
será possível.
Agora, ao contrário de outros textos conflituais, como é o caso do Regulamento Roma I -
que consagra o princípio da autonomia da vontade em termos amplos e não exige que a lei
escolhida tenha qualquer conexão com a situação a regular - aqui as coisas não se passam da
mesma maneira. Temos uma lista fechada de ordens jurídicas que as partes podem
escolher, e esta lista fechada aparece no artigo 5º:
a) A lei do Estado da residê ncia habitual dos cô njuges no momento da celebração do
acordo de escolha de lei; ou
b) A lei do Estado da ú ltima residê ncia habitual dos cô njuges, desde que um deles ainda
aí resida no momento da celebração do acordo; ou
86 Como a conservatória.
87Por exemplo, o instituto através do qual, de acordo com o Direito islâmico, se o marido pronunciar três
vezes a palavra talaq, o casamento se considera dissolvido. Esta forma de dissolução unilateral do
casamento é considerada como um divórcio privado, mas entende-se que este está afastado do âmbito
material de aplicação do Regulamento.
88É um exemplo da flexibilização do DIP. Esta é uma diferença importante relativamente ao Direito de
Conflitos anterior, em que não havia espaço para as leis escolherem a lei aplicável.
P á g i n a | 77
d) A lei do foro.
Validade Substancial
Mas o Regulamento tem ainda regras quanto à validade substancial e formal da
escolha da lei. Vemos isto no artigo 6º do Roma III. Na validade substancial também temos
uma regra normalmente utilizada nos diferentes Regulamentos da União Europeia. Este é um
exemplo de uma regra que vai ser constante nos diferentes Regulamentos, a lei escolhida
pelas partes. Se as partes escolheram a lei da nacionalidade, será essa lei que vai servir para
apreciar se os cônjuges livremente escolheram bem a lei aplicável ou não.
Mas atenção como salvaguarda, como medida para limitar os efeitos negativos que
pudessem resultar de uma escolha não verdadeiramente livre de ambas as partes, o nº2
deste artigo 6º vem trazer uma exceção dizendo que: se concluíssemos que por força da lei
aplicável pelo artigo 6º nº1 que a parte tinha dado o consentimento, mas por força da lei de
residência habitual dessa parte o consentimento não tinha sido dado, a lei da residência
habitual prevalece. A parte que, em Tribunal, vai defender que não deu o seu cometimento,
pode basear-se na aplicação da lei da residência habitual.
Validade Formal
Depois, quanto às regras sobre validade formal, estão no artigo 7º.
No Regulamento Roma I há a ideia de favorecimento da celebração do negócio jurídico a
fazer prevalecer a lei, de entre as alternativamente aplicáveis, para dar fundo à expressão da
vontade das partes.
Aqui é um bocadinho diferente. O artigo 7º nº1 indica uma regra sobre a validade
formal. Este prevê que o acordo tem que ser reduzido a escrito, datado e assinado por ambos
os cônjuges. Estamos perante uma norma material de DIP. Porque o artigo 7º nº1 não é uma
norma de conflitos, porque não remete para nenhuma ordem jurídica, não tem nenhum
elemento de conexão, não é uma regra que se destina a determinar uma lei competente, pelo
contrário, ela indica-nos uma solução material, de forma direta, para o problema jurídico em
análise. Como por definição este Regulamento só se aplica a situações plurilocalizadas, esta é
uma norma material de DIP.
Só que esta norma pode vir a ser excetuada com referência aos números seguintes. O
nº2, por exemplo, significa que se a lei de um Estado-Membro participante entende que não
basta um acordo meramente escrito, datado e assinado, ou por via eletrónica, e exige que
a escolha da lei seja feita por forma mais solene – por exemplo, documento particular
autenticado – então, essas regras têm que ser observadas. Note-se que o que o artigo 7º
estabelece que isto será assim por obediência a uma lei de Estado-Membro participante, mas
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se o Estado de residência habitual dos cônjuges for um estado terceiro ou não participante, o que
é que vai acontecer é que apenas se aplica o nº1.
O artigo 7º nº3 estabelece uma conexão múltipla alternativa: isto é, se os cônjuges
residirem em Estados-Membros diferentes à data do acordo, não têm que seguir os requisitos
das leis de ambos89, podem seguir os requisitos formais de apenas um deles.
O nº2 e nº3 aplicam-se a casos diferentes. Um é para a residência habitual quando esta é
igual para ambos os cônjuges e a outra para quando é diferente. Num dos casos temos uma
cumulação de elementos de conexão e noutra uma conexão múltipla alternativa.
Sem Escolha
Nos casos em que as partes não escolheram a lei que iria regular a situação90 temos de
aplicar o artigo 8º. O preceito em questão é um exemplo de norma de conflitos de conexão
subsidiária. A lei aplicável é a da residência dos cônjuges, à data da instauração do processo, se
os cônjuges não tiverem residência comum? Em última ratio, de acordo com o artigo 8º d),
aplica-se a lei do lugar do julgamento. Porque é que aqui se opta pela lei do foro e não pela lei
mais estreitamente conexionada? Diz-se que se o foro é internacional e processualmente
competente, então alguma ligação tem de haver com essa Ordem Jurídica. Se a questão está
a ser analisada em Portugal, é porque esse país é internacionalmente competente para o fazer, e
por isso há alguma ligação relevante com a ordem jurídica desse Estado, ou seja, a aplicação da
lei do foro não violará o princípio da não transatividade das leis, até porque só será este o
caso se nenhuma das outras conexões funcionar.
89 Que era o que aconteceria se o legislador europeu tivesse aqui optado por uma conexão cumulativa.
90Como já indicámos a preferência no Direito da União Europeia nas matérias do estatuto pessoal é o da
residência habitual, não deixando de dar alguma relevância à conexão nacionalidade, mas a preferência é
dada ao Direito da residência habitual.
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Reenvio
Quanto ao reenvio92, o problema nasce da diferença entre regras de conflitos nos
diferentes países. Ou seja, obviamente que os Regulamentos uniformizam regras de conflitos e
por isso nas matérias regulamentadas pela União deixa de haver reenvio entre estados-membros
porque já não é preciso, mas relativamente a Estados terceiros, não se uniformiza a lei
aplicável. Isto quer dizer que nós podemos considerar aplicável a lei brasileira, mas esta
considerar aplicável a lei portuguesa93. A questão do reenvio é saber se damos relevância a este
facto ou não, é saber se vamos reenviar a competência de novo para a ordem jurídica do
foro ou se podemos reenviar para uma outra ordem jurídica. 94
Como estamos a resolver o problema do âmbito de aplicação do Regulamento da União
Europeia, temos que ver quais são as regras que esse Regulamento estabelece sobre o reenvio.
Este Regulamento Roma III estabelece a regra do artigo 11º: quando o presente regulamento
prevê a aplicação da lei de um Estado, refere-se às normas jurídicas em vigor nesse Estado,
com exclusão das suas normas de direito internacional privado, vem dizer quando remete
para uma Ordem Jurídica, só inclui o direito material e não o DIP95. O artigo 11º vem afastar
o reenvio, facilitando a vida ao aplicador do Direito.
91 Isto foi previsto no regulamento uma vez que na altura Malta não admitia o divórcio.
92 Instituto importante que vamos ver depois.
93O que nunca aconteceria entre estados membros a usar o mesmo regulamento, uma vez que são as
mesmas regras e logo mandariam aplicar a mesma lei. Daí termos acabado de dizer que não era preciso o
reenvio.
94Se a questão estivesse a ser resolvida com base no Código Civil português, iríamos recorrer aos artigos
16 e seguintes do Código Civil
95Logo no caso da lei brasileira o regulamento ignora que esta diga que é a lei portuguesa aplicável,
pois ignora o seu DIP e a lei brasileira que diz competente a portuguesa é uma norma de conflitos, não é
material.
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Âmbito de Aplicação96
O âmbito temporal, de acordo com o artigo 84º, diz que o Regulamento só é aplicável a
partir de 17/5/2015. De acordo com a disposição do artigo 84º, que deve ser conjugada com
o artigo 83º.
Quer isto dizer que relativamente às pessoas que morreram antes de 17/5/2015 a regra
de conflitos relevante é a do artigo 62º do Código Civil. A lei aplicável por via de regra nestes
casos é a lei pessoal, que seria a lei da nacionalidade, nos termos do artigo 31º nº1 do código
civil.
96Como vimos nos casos práticos que envolvam regulamentos temos sempre de referir se o caso está
dentro do âmbito de aplicação de certo regulamento.
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Regulamento Roma III de aplicação universal, e é semelhante à que nos aparece nos outros
Regulamentos que contêm regras de conflitos. Assim basta que a questão seja suscitada perante
órgãos de aplicação do Direito dos Estados-Membros para que o Regulamento seja aplicável.
Regime
Solução central
A regra geral consta do artigo 21º e indica a lei da residência habitual no momento
do óbito. De um ponto de vista lógico a aplicar este regulamento devemos no entanto começar
pelo artigo 22º que indica a lei escolhida pelas partes.
O artigo 22º permite a escolha da lei nacional. O regulamento gira em torno do artigo
21º e 22º, sendo que o artigo 21º exprime uma preferência pela lei da residência habitual, mas
o 22º permite que o de cujus escolha, tenha preferência pela aplicação da sua lei nacional. Esta
consagração do princípio da autonomia da vontade não é muito ampla, não tem aqui o testador
a possibilidade de escolher uma qualquer lei como acontece com o Regulamento Roma I. O
que pode fazer é:
97Isto é, indicar apenas “lei da nacionalidade” e não referir qual delas. Se não disser absolutamente nada
sobre a escolha então aplica-se o 21º, mas não é disso que estamos a questionar-nos.
P á g i n a | 82
portanto, é preciso que nos socorramos de todos os elementos de facto da declaração para saber
qual é o seu sentido. Em última análise temos de ter um critério residual de preferência e,
sendo que o momento relevante para efeitos deste Regulamento é, por defeito, o momento da
morte, é de admitir que em caso de dúvida deva prevalecer a nacionalidade à data da
morte e não da escolha. Além disso parece-nos que se um testador indicar que escolhe “a lei da
sua nacionalidade” se deve aplicar a lei da nacionalidade que tinha no momento da feitura do
testamento. A cláusula de escolha pode integrar o testamento, mas também pode haver uma
cláusula de escolha de lei sem testamento, o de cujus pode escolher a lei aplicável sem
determinar o destino a dar aos bens.
Dupla Nacionalidade
Mas pode acontecer que o de cuius seja nacional de mais do que um Estado. O artigo 22º
nº1 estabelece que a pessoa pode escolher a lei de qualquer dos Estados de que é
nacional. Se tiver duas ou três nacionalidades pode escolher a lei da nacionalidade que prefere
ver ser aplicada à sua sucessão. Se não tiver havido escolha já sabemos que aplicamos a lei da
residência habitual, mas isso, em princípio, como regra geral do artigo 21º nº1.
O Professor Luis Barreto Xavier entende que há uma forma de o cujus afastar este nº2.
Expressamente dizer que se escolhe a lei da residência habitual no seu testamento.
Não está prevista no regulamento a hipótese do testador dizer “escolha a lei da minha
residência habitual” porque esse regime é o supletivo, regra geral do 21º nº1, logo se nada
disser aplica-se esse regime. Essa é a solução por defeito. Mas essa escolha podia ter um alcance
útil, de evitar a intervenção de cláusula de exceção.
De acordo com o espírito do sistema, isto será possível? O autor da sucessão escolheu a
lei da residência habitual para regular a sucessão, numa situação em que manifestamente era
mais estreita a lei da nacionalidade de modo a afasta-la. Vejamos, nos termos do artigo 22º, o
que justifica a escolha da lei nacional é a autonomia privada, mas com um pressuposto, que é
que também existe uma conexão estreita. Não sendo permitida a escolha de qualquer lei,
somente a escolha da lei nacional ao invés da lei da residência, que se presume que também
98Como vimos no início da nossa matéria, a cláusula de exceção é a forma que o princípio da conexão mais
estreita tem de atuar o seu efeito corretivo.
P á g i n a | 83
represente uma conexão estreita. O Estado da residência habitual pode não ser o Estado mais
fortemente conexionado com a situação, mas, por definição, se é o Estado da residência habitual
vai ter uma certa conexão estreita, tal como o Estado da nacionalidade pode não ser o Estado
mais fortemente conexionado à situação, mas a própria existência do vínculo da nacionalidade já
é uma conexão suficientemente estreita para o legislador.
Para os casos em que há a criação artificial de determinada conexão com o exclusivo
objetivo de provocar a aplicabilidade de determinada lei, há um mecanismo do DIP que se traduz
em fraude à lei, que tem como consequência a irrelevância de facto ou de Direito criada com esse
objetivo, como está expresso no artigo 21º do Código Civil. Se existiu uma conexão criada com
o objetivo de criar a aplicabilidade de uma lei que não seria aplicável – por exemplo, foi criada a
residência habitual, mas que desapareceu quando o efeito pretendido foi atingido – podemos
concluir que o efeito residência habitual nunca se realizou. Da mesma maneira que o legislador
permite a escolha da lei nacional, mesmo que essa lei não seja a lei estreitamente conexionada
com a situação apenas porque por definição do vínculo nacionalidade já é estreito o suficiente, o
mesmo deve ser entendido para a conexão residência habitual. Mesmo que a residência habitual
não seja a conexão mais estreita, o autor da sucessão deve poder escolhê-la, porque exprime por
si uma conexão suficientemente estreita. Não estamos num caso de fraude a lei por esta
interpretação.
Assim o autor da sucessão deve poder afastar a aplicação do artigo 21º nº2, porque,
apesar de tudo, a lei da residência habitual - sendo efetivamente a residência habitual e não
uma das hipóteses de fraude à lei - exprime só por si uma conexão suficientemente estreita para
que possa ser escolhida.
Isto é a conclusão do professor Luís Barreto Xavier, mas não é assente, há alguma
discussão, e não quer dizer que o TJUE99, se chamado a tratar esta questão, se vá orientar
neste sentido, embora o professor suspeite que sim, porque lhe parece que é aquilo que
decorre do espírito e da economia do Regulamento.
Validade Formal
O artigo 27º do Regulamento das Sucessões, uma regra de conflitos de conexão
múltipla alternativa trata da validade formal dos testamentos.
Para resolvermos um conflito neste caso vamos por isso ter várias leis
99 Como já sabemos de DUE: O papel do Tribunal de Justiça da União Europeia, na fixação do sentido dos
textos da União Europeia é fundamental, ou seja, ao contrário do que acontece num sistema continental
típico (português, espanhol ou alemão, por exemplo), onde os tribunais têm uma importância muito
grande, mas essa não é tão relevante como acontece nos sistemas anglo-saxónicos, de common law e o
Direito da União Europeia tem um plano prático, tem uma dimensão de case law muito importante. O TJUE
é importante não só na interpretação dos textos legais existentes - Tratados, Diretivas, Regulamentos -,
mas também quando vai mais longe do que os textos e ele próprio cria Direito da União Europeia que não
existe nos textos – na prática, foi isso que aconteceu ao longo das décadas, a atribuição ao TJUE de um
papel de criação de Direito que muitas vezes veio depois a ser reconhecido pelo legislador europeu
quando se reviam os textos legislativos. Ou seja, muitas alterações legislativas, mesmo na nossa área, por
exemplo o Regulamento Bruxelas I em relação à Convenção de Bruxelas ou o Regulamento Roma I em
relação à Convenção de Roma, que concorreram para confirmar ou tornar a letra da lei aquilo que já
resultava da interpretação criativa do TJUE.
P á g i n a | 84
Note-se que a aplicação da lei do Estado neste caso é uma aplicação do Direito material
do Estado, uma vez que é excluído o reenvio quanto à validade formal pelo nº2 do 34º Quando
as regras do Regulamento têm como consequência a aplicação de lei estrangeira, temos uma
regra especial, que é a do artigo 34º, e é diferente das regras comuns em matéria de
Direito de Conflitos nos outros Regulamentos. Não vamos agora ver o conteúdo desta regra,
só quando analisarmos o instituto do reenvio é que voltaremos ao artigo 34º. Mas podemos
ficar já com a ideia que, enquanto na maior parte dos casos em que por força das regras dos
Regulamentos é aplicável a lei de um Estado terceiro que, porventura, não se considere
competente, nós aplicamos essa lei, mesmo que ela não se considere competente, ou seja,
remetemos unicamente para o Direito material dessa lei101, já não é assim no Regulamento em
matéria sucessória, neste, se mandamos aplicar a lei de Estado estrangeiro, temos que analisar o
que é que esse Estado vai dizer sobre a lei aplicável, porque em certos casos temos que ponderar
a hipótese de aplicar o instituto do reenvio. Exemplo: Vamos pensar que nos termos do artigo
21º nº1, a lei aplicável é a lei da residência habitual. Esta, por hipótese, é a lei do Québec, mas
por sua vez, essa lei manda aplicar a lei espanhola. Nesse caso, nos termos do artigo 34º, a lei
aplicável não é a do Québec, mas a espanhola – apenas se essas regras de conflitos apontarem
para a lei de um Estado-Membro, ou se apontando para uma lei de estado terceiro, esse estado
terceiro aceite a aplicação da sua lei – tinha que haver um acordo entre a lei da residência
habitual e a lei do estado terceiro. Este é um problema de reenvio a que voltaremos.
No domínio do estatuto pessoal há ainda outras fontes, desde logo há duas que entraram
em vigor em janeiro de 2019: Regulamento relativo à lei aplicável aos regimes de bens no
casamento e um outro Regulamento quanto aos efeitos patrimoniais das parcerias
registadas. Vamos ver por partes.
No que toca aos regimes de bens por casamento, tínhamos no Código Civil o artigo 53º
que era uma regra de conflitos para esse efeito. “Tínhamos” pois o direito vigente agora é o do
regulamento e os artigos 52º e 53º só se aplicam na falta de aplicação do regulamento.
Código Civil
De acordo com o artigo 53º estabelecia-se a lei aplicável ao regime de bens enquanto
disposição especial relativamente à disposição geral do artigo 52º – relação entre cônjuges.
À relação entre cônjuges em geral a lei aplicável é do artigo 52º, mas em relação a todas
as questões que implicam a determinação do regime de bens aplicava-se o artigo 53º.
Portanto, não é correto dizer que o artigo 52º respeita apenas às relações pessoais e o
artigo 53º respeita às relações patrimoniais entre os cônjuges102, pois há dimensões
patrimoniais nas relações entre os cônjuges que não estão dependentes do regime de
bens que foi estabelecido, e, para essas hipóteses, vale o artigo 52º. O artigo 53º vai valer
apenas para os casos em que será da própria escolha do regime de bens ou de aspetos da relação
entre os cônjuges que dependem do tipo de regime de bens que é adotado.
No Regulamento temos que as regras aplicáveis vão deixar de ser a lei nacional comum,
por via de regra, vai ser a lei da residência habitual comum a não ser que haja uma lei de
escolha das partes – sendo que essa escolha também é limitada. Assim, já temos regras que
valem para o futuro e que trazem uma europeização dos regimes de bens, dando mais
relevância, como sempre, à residência habitual.
A lei aplicável apenas se encontra nos artigos 20º e seguintes. Este mesmo artigo
determina a aplicação universal do Regulamento.
Nos termos do artigo 22º os cônjuges podem escolher a lei aplicável, mas essa
escolha está limitada. A escolha tem que obedecer aos requisitos formais do artigo 23º, com
as exigências especiais que constam do nº2, nº3 e 4.
A validade substancial do acordo é regulada pelo artigo 24º, que estabelece a solução
comum no âmbito dos Regulamentos: a lei que determina a validade do acordo é a lei que
resulta da escolha das partes, sendo que um cônjuge pode usar a lei da sua residência
habitual para provar que não consentiu, à semelhança daquilo que vimos no Roma III.
Na ausência de escolha das partes, nos termos do artigo 26º determina que:
102Assim o 52º também é relevante para questões patrimoniais. É incorreto dizer que um artigo é para
pessoais e outro para patrimoniais.
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3) É aplicável a lei com a qual os cônjuges tenham a conexão mais estreita, à data do
casamento
Há um outro Regulamento que entrou em vigor no mesmo dia, que é relativo à lei
aplicável aos efeitos patrimoniais das parcerias registadas.
Em Portugal o regime não existe, mas em França existe este regime, e noutros países há
regimes similares ou comparáveis. Mas isto não tem qualquer semelhança com o direito
português, em que as pessoas ou casam ou são unidas de facto.
Antes do Regulamento entrar em vigor tínhamos uma lacuna, em Portugal, no plano
do DIP, porque não tínhamos uma regra específica para lidar com isto. Em termos
rigorosos não tínhamos uma lacuna, porque temos uma regra geral de conflitos, do artigo 25º,
que fala de relações de família. O que teríamos era apenas um problema de qualificação, de
saber se as uniões formalizadas ou registadas podem qualificar-se como sendo de família,
para os efeitos do artigo 25º.
Mas, a 29/1/2019 tudo mudou, temos um regime europeu que diretamente vai trazer
regras de conflitos, não pelo que toca ao reconhecimento da existência dessas uniões, porque
aqui continua a valer o direito de conflitos de fonte interna e o artigo 25º, mas sim pelo que
toca aos efeitos patrimoniais destas uniões.
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Mais uma vez temos aqui o tipo de soluções que são comuns nestes textos de DUE, ou
seja, a possibilidade de escolha pelas partes, a relevância da lei da residência habitual, e ainda a
relevância do Direito com base no qual o pacto foi celebrado. E temos aqui a possibilidade de
aplicar estes regimes, sempre com uma cláusula de salvaguarda, que é a da Ordem Pública
Internacional. Se a aplicação concreta da lei competente conduzir a um resultado incompatível
com a Ordem Jurídica portuguesa, podemos afastar com base na ordem pública internacional.
Regulamento Roma I
Vamos avançar já para um novo domínio que respeita às obrigações contratuais. Aqui
olharemos para um texto que é possivelmente o mais relevante dos Regulamentos da UE em
matéria de Direito de Conflitos, que é o Regulamento Roma I, e é o mais relevante porque
tem um âmbito material de aplicação mais significativo, porque se aplica às obrigações
contratuais nas situações que implicam um conflito de leis – obrigações provenientes de
contratos.
Mas há também outros contratos – típicos ou atípicos – que podemos trazer para o
domínio do Regulamento Roma I, como os contratos relativos a imóveis, prestação de
serviços, empreitadas, transporte, etc. Aqui, a panóplia de tipos contratuais é enorme.
História
Este Regulamento foi a matriz com base no qual os outros foram feitos. Os outros
foram construídos a partir de imagens que depois vão sendo editadas e adaptadas em função das
matérias, e por isso é que os outros Regulamentos são designados como Roma II e Roma III.
Isto porque o protótipo estava, antes do próprio Regulamento, numa Convenção
Internacional celebrada entre os Estados-Membros que na altura existiam, que era a Convenção
de Roma 1980, tendo sido celebrada inicialmente pelos 9 países que compunham a então CEE –
P á g i n a | 89
quando Portugal aderiu à CEE, aderiu à Convenção de Roma - nesta altura passaram a ser 12
países.
Daqui temos dois protótipos – a Convenção de Roma pelo que toca ao Direito de
Conflitos por um lado e, por outro lado, a Convenção de Bruxelas pelo que toca ao Direito
da competência internacional e reconhecimento de sentenças estrangeiras. À imagem
destes dois textos foram então depois sendo construído o “edifício” de Regulamentos da UE.
A partir da entrada em vigor do Tratado de Lisboa esses Regulamentos passaram a
poder ser realizados através do mecanismo da cooperação internacional, temos aqui a chamada
Europa a duas velocidades, portanto com Estados que optam por entrar no clube e outros optam
por ficar de fora, como vimos quando estudámos Direito da União Europeia no segundo ano.
Âmbito de Aplicação
Quando resolvemos casos práticos em que exista uma situação plurilocalizada, antes de
aplicarmos as regras de conflitos do código civil para determinar a lei a aplicar já sabemos que
temos de ver se não prevalece nenhum regulamento europeu. Assim, na matéria contratual
temos de ver mais uma vez o âmbito de aplicação dos regulamentos.
O Regulamento Roma I triparte o seu âmbito de aplicação mais uma vez nas três
vertentes que já conhecemos do que vimos nos anteriores regulamentos:
Quem defende a tese contrária, usa que o Regulamento Roma I fala em obrigações
contratuais e não estando em causa um contrato não se aplica o Roma I, também não se
aplicaria o Roma II porque não está em causa uma obrigação extracontratual.
No caso de dúvida, consideramos que seja de aplicar o código civil português, artigos
41º e 42º, para esta obrigações. Esta será a solução que menos incerteza gera, e é esse o
objetivo do DIP. Não podendo classificar de forma completamente segura e correta a obrigação
emergente de negócio jurídico unilateral, devemos jogar pelo seguro, sendo que o 41º
português prevê no seu conceito-quadro essas obrigações, “as obrigações provenientes de
negócio jurídico” não distinguindo se esse negócio é bilateral (contrato) ou unilteral.
A lei primeiramente aplicável é a lei que as partes escolherem, como dispõe o artigo 3º
do Regulamento Roma I. É de se notar que nesta escolha há um contraste com a liberdade de
escolha de lei dos regulamentos que vimos até agora: pode ser escolhida qualquer lei105.
No entanto facto de o artigo 3º não limitar expressamente a escolha às leis em
contacto com a situação não significa que o princípio da não transatividade não existe.
Relembre-se o que explicámos a propósito deste princípio: se o objetivo do princípio é a
segurança jurídica, então pela escolha feita pelas partes essa segurança é acautelada, pelo que
não faz sentido a intervenção do princípio. As partes não vão ser surpreendidas pela lei aplicável
uma vez que foram elas próprias que as escolheram, este princípio não existe por si, mas
enquanto instrumento de um valor de segurança jurídica. A aplicação da lei escolhida pelas
partes não irá violar a segurança jurídica. A segurança jurídica será tutelada se aceitarmos que a
lei que as partes por mútuo acordo escolheram seja a usada. Isto significa que o princípio da não
transatividade, na sua lógica, não é posto em causa por uma lei escolhida, porque se pode
dizer que o contacto com o contrato resulta da escolha. A escolha reflete a criação de um laço
com a Ordem Jurídica escolhida e a situação em litígio. Em bom rigor, não há uma exceção ao
princípio da não transatividade, mas trata-se de concretizar o valor ao qual o princípio se
orienta. É dar aplicação aos próprios valores que fundamentam esses valores, porque esses
apenas se opõem a aplicar uma lei que seja imprevisível.
Quanto ao artigo 3º do Roma I, importa referir que a escolha de lei pode não ser
expressa, mas tácita. O próprio artigo reconhece-se essa forma de escolha no seu nº1.
Quanto a este aspeto algumas notas: a referência a alguns artigos de determinado
ordenamento jurídico pois as partes remeteram para essas normas, à partida podem ter a
intenção de que aquele ordenamento jurídico se aplique à situação. Mas este indício não é
100% infalível. O professor Lima Pinheiro avisa que por vezes as partes podem remeter para
determinado ordenamento jurídico, por normas jurídicas, ao abrigo do regime geral da
liberdade contratual, ao remeter para determinado ordenamento jurídico as partes fazem-no
porque podem, não porque querem atribuir competência no geral àquele ordenamento, apenas
pretendem copiar determinado ordenamento de normas para o contrato. Por isso é que podem
haver casos em que as partes não querem considerar a lei X competente, mas apenas
estabelecer o regime material.
O que mais vale analisar para a escolha tácita é como é que é feita a remissão – porque
pode ser feita quanto a partes do contrato, ou quanto ao contrato por inteiro. A própria
disciplina contratual pode ser um fator, porque estão a pressupor a aplicação de determinado
ordenamento jurídico ao contrato. Mas pode haver um outro fator, a escolha de jurisdição
competente pode significar que as partes querem que o Direito daquele foro material se
aplique. Remetendo para certo Tribunal podemos intuir que queiram que determinado
Direito material se aplique.
Validade Substancial
Uma coisa é o regime da lei escolhida para regular o contrato, outra é a vinculação das
partes ao contrato. Em princípio, sabemos se a cláusula de escolha da lei é válida segundo o
artigo 3º nº5 e 10º nº1. Temos ainda de reparar no artigo 10º nº2, que permite que uma das
partes use a sua lei de residência habitual para arguir contra a lei escolhida: o contraente
pode sempre refugiar-se na sua lei de residência habitual, para provar que não deu o seu
consentimento.
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Validade Formal
Quanto à validade formal da escolha, resulta do artigo 11º, que estabelece uma conexão
alternativa em função do princípio favor negotii.
Apesar disto, o artigo 11º nº5 vem criar uma exceção, considerando que quanto aos
bens imóveis, a forma tenha que ser regulada pela lei do Estado onde o imóvel existe. O artigo
vem dar relevância às normas imperativas e de aplicação imediata que existam no Estado
onde o imóvel se encontra – logo, vem dar um título de atendibilidade às normas de aplicação
imediata de Estado terceiro.
O Regulamento Roma I trata de alguns contratos em especial, pela natureza dos mesmo,
onde aplica regras conflitos diferentes daquelas que se aplicam aos contratos em geral em sede
de Regulamento Roma I.
O artigo 6º nº1 trata dos Contratos celebrados com Consumidores, assim nos casos
dos contratos celebrados com os consumidores devemos atender a este artigo e às suas normas
de conflitos.
O artigo 6º começa por definir o que são contratos celebrados por consumidores –
contratos celebrados por uma pessoa singular para uma finalidade estranha à sua
atividade comercial ou profissional, com outra pessoa que aja no quadro das suas
atividades comerciais ou profissionais.
Segundo este número, estes contratos são regidos pela lei do país de residência habitual
do consumidor, mas para que esta estatuição tenha efeito, é necessário que se verifique uma das
duas condições que estão previstas. Ou seja: é necessário que o profissional exerça as suas
atividades comerciais ou profissionais no país em que o consumidor tenha a sua residência
habitual, ou que por qualquer meio dirija a sua atividade profissional para esse país.
Como é que sabemos se certa atividade é dirigida para Portugal? Há casos de dúvida em
especial com as novas tecnologias. Há discussão em saber se basta ou não que um site permita o
envio para Portugal, isto é, que um site (por norma publico e internacional acessível em
qualquer parte do mundo pela internet) se possa considerar como “dirijir essas atividades” para
um certo país, uma vez que os sites podem permitir encomendas e compras online.
O site existir e poder ser acedido de qualquer país do mundo não é suficiente. A
exigência do artigo 6º nº1 b) existe para haver previsibilidade para o profissional. Não é
suficiente para isso que exista uma oferta indefinida, porque aí a posição de vantagem do
profissional não se verifica de forma tão intensa. A conclusão é então que tudo depende do
modo como o site está organizado. Mas vamos supor que um site prevê a localização do
consumidor em Portugal. Assim, o artigo 6º nº1 parece ser mais aplicável.
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Quanto ao artigo 6º nº2, é nos dito que este artigo não afasta a lei escolhida pelas
partes, porque o nº2 permite a escolha de lei, salvo se essa escolha privar o consumidor da
proteção das regras inderrogáveis da lei da residência habitual.
A escolha de lei é permitida, mas tem um alcance limitado, ao contrário do que
acontece no artigo 3º. Esta limitação existe pela tutela do consumidor, pela presunção de que
o consumidor é uma parte mais fraca numa relação desequilibrada. O alcance da lei escolhida é
limitado pelas normas de proteção do consumidor inderrogáveis, do país de residência habitual
do consumidor. A lógica é que a lei de referência na proteção do consumidor é a da residência
habitual. Isto significa que o consumidor não terá nunca/verá a aplicação de uma lei cujo
conteúdo seja mais desfavorável do que aquele que resulta das disposições imperativas
do país da sua residência habitual. Ou seja, a lei da sua residência habitual contém regras
imperativas/inderrogáveis por acordo de proteção do consumidor e essas regras não podem ser
afastadas pela escolha de lei106. Portanto, a escolha de lei é permitida, mas não pode afastar a
escolha do consumidor. Se a lei escolhida afetar a proteção do consumidor essa escolha não é
inválida, mas ineficaz quanto àquela disposição. A lei escolhida só não será aplicável na parte
em que priva o consumidor da tutela imperativa.
Caso as partes tenham convencionado outra lei então aplica-se o artigo 6º nº3, e o
consumidor fica sempre protegido pelas normas imperativas de proteção da Ordem
Jurídica da sua residência.
106Normas imperativas internas da lei da residência habitual – o Regulamento quando quer falar de
normas de aplicação imediata refere-as expressamente. Trata-se apenas de reforçar a força imperativa das
disposições não derrogáveis por acordo do país do consumidor.
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No outro caso temos um hotel com sede na Áustria e uma pessoa residente na Alemanha
que aluga aquele quarto no hotel, ficando insatisfeito quer ser ressarcido.
Era suscitado ainda um problema de competência, na redação original (revogada) do
Regulamento de Bruxelas – ainda aplicável na altura do caso -, o artigo 15º remetia para o
conceito de viagem organizada, sem o definir, assim tinha que se verificar para que não caia
no âmbito de transportes, mas de um contrato de viagem – uma prestação com alojamento
ou que exceda 24 h ou inclua dormida. Este problema importa no também ao Regulamento
Roma I pela diferença entre o artigo 5º e o artigo 6º.
O Tribunal diz que mesmo que seja omisso vamos fazer uma interpretação sistemática, o
Regulamento remete para a deriva portanto de acordo com uma interpretação harmoniosa dos
dois instrumentos entende-se que o regulamento naquele parte especifica fará referencia a isso.
O Tribunal diz que se pode entender a referencia feita pelo Regulamento de Bruxelas como uma
referência à viagem organizada. As regras de determinação de competência, tanto a titulo de lei
como de jurisdição, prosseguem esse objetivo de proteção de consumidor. Olhado ao regime
vemos que as regras neste regime são muito mais convenientes ao consumidor. Daí que seja
relevante saber quanto é que uma empresa dirige a sua atividade para um Estado Membro
O Tribunal começa por falar do conceito de dirigir para colocar a seguinte questão: Se
esta atividade dirigida implica uma vontade expressa - por exemplo sociedade Alemanha tem a
intenção expressa de alcançar consumidores na Irlanda ou Bélgica - dirigida essa vontade ao
Estado Membro, ou basta que a natureza da sua atividade seja acessível de facto aos
consumidores. O que é que o Tribunal diz sobre isto? Sobre a publicidade? Pega no conceito
de publicidade para fazer uma grande distinção nesta matéria: Parágrafo 66 Acórdão107 -
Quando falamos de publicidade o que acontece é que na publicidade elencada no acórdão há
107“Quanto aos conceitos de «anúncio publicitário» e de «proposta que lhe foi especialmente dirigida», na
acepção do artigo 13.° da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça declarou que eles cobrem todas as
formas de publicidade feita num Estado contratante em que o consumidor tem o seu domicílio, quer essa
publicidade seja divulgada de um modo geral, através da imprensa, da rádio, da televisão, do cinema ou por
qualquer outra forma, quer seja directamente dirigida, por exemplo, através de catálogos especialmente
enviados para esse Estado, mas também as propostas de negócios dirigidas individualmente ao consumidor,
designadamente através de um agente ou de um vendedor ambulante (acórdão Gabriel, já referido, n.° 44).
As formas de publicidade clássica expressamente designadas no número anterior implicam a realização de
despesas por vezes avultadas por parte do comerciante para se dar a conhecer noutros Estados‑Membros e
demonstram, por esse mesmo facto, a existência da vontade do comerciante de dirigir para eles a sua
actividade.
Pelo contrário, essa vontade nem sempre está presente no caso da publicidade pela Internet. Tendo esta
forma de comunicação, por natureza, um âmbito mundial, a publicidade feita num sítio na Internet por um
comerciante é, em princípio, acessível em todos os Estados e, por conseguinte, em toda a União Europeia, não
sendo necessário realizar despesas suplementares, independentemente da vontade do comerciante visar ou
não consumidores para além dos do Estado‑Membro em que está estabelecido.
Daqui não resulta, no entanto, que haja que interpretar a expressão «dirige essa actividade a» como visando
a simples acessibilidade de um sítio na Internet nos Estados‑Membros diferentes daquele em que o
comerciante está estabelecido.”
P á g i n a | 96
uma clara intenção de chegar a certo tipo de consumidores, são ativerdes que por regra
implicam custos e esforços à partida. Daí que haverá necessariamente uma intenção de se
atingir e alcançar certo tipo de consumidores o que por sua vez não acontece com a mera
utilização da internet, não é o caso quando estamos no site. Uma empresa quando tem um site
tem as informações disponíveis e qualquer pessoa no mundo com ligação à internet pode aceder
ao site. A mera acessibilidade por si só não chega para considerar que usamos perante
uma Atividade dirigida a certos consumidores. Por si só, atenção. O Tribunal relva esta ideia
dizendo que se o legislador assim quisesse que fosse então tê-lo-ia dito, presunção de que o
legislador se pronunciou em sentido correto e expressamente. O legislador Europeu não tinha
essa intenção de considerar atividade dirigida como a mera acessibilidade.
Se a mera acessibilidade não basta para estarmos perante uma Atividade dirigida, o que
é que é necessário? É ainda necessário que a empresa tenha essa intenção ou vontade de
alcançar determinado grupo de consumidores. Não basta que seja acessível só por si. Como
se afere esta intenção? Antes do contrato teria já de haver alguns sinais, indícios que
permitissem concluir que em abstrato aquela empresa que captar consumidores desse estado
membro, á priori, antes da celebração do contrato porque depois é óbvio que a relação já foi
estabelecida. Como se afere destes indícios? Por um lado, as sedosas gastas pela empresa em
promover o seu negócio junto de determinado tipo de consumidores.
Que despesas são estas? Fora a publicidade que já vimos o Tribunal refere uma muito
importante no contexto da internet, que custos no âmbito da inerente pode a empresa ter que
acarretar? Por exemplo custos feitos junto de motores de busca, é possível pagar-lhes para
que tenha um algoritmo para que as empresas apareçam primeiro na lista da busca. Isto é
uma intenção clara, dizer que junto dos consumidores do país x queremos que a nossa
marca apareça lá em cima. Então e mais? A língua ou a moeda usada no site, são decisivas?
Não necessariamente. Isto tem que ser entendido com algumas reservas precisamente porque
sendo o inglês a língua franca, hoje em dia é questionável que se um site esteja em inglês se
dirija a um pais anglo fónico. Mas a língua é sempre irrelevante? Quando há a opção de escolher
o idioma do site aí poderá já ser relevante, se temos opção de mudar para italiano ou alemão
que não são comuns como língua materna poder-se-á retirar daí um indicio e intenção de dirigir
o negocio àquele mercado - italiano e alemão.
Quanto ao endereço físico colocado o website onde oferece os serviços, pode se
relevante? Empresa que diz no site que tem a sede na rua x numero x, código postal x, isto deve
se relevante? Uma empresa mete o endereço físico no site, é informação relevante tanto para
consumidores do Estado como fora do Estado, é relevante para todas as pessoas, por isso não se
considera como indício de vontade dirigida. Além disso muitas vezes é obrigatória a indicação.
O indicativo internacional do numero de telefone é um sinal claro de que a sua
atividade se dirige para outros fora do Estado Membro, se fosse um mero numero de
telefone sem indicativo então seria indicativo de que apenas se redigida àquele Estado, tem
o indicativo indicia claramente que dirige a sua atividade a nível internacional. No site temos um
formulário onde pomos contacto e depois contactamos, isto é relevante? Se tiver um indicativo
internacional sim. Isto não é decisivo porque pode ser preenchido por consumidores daquele
estado e de Estados estrangeiros.
Que indícios combinados podem ser relevantes? Número de telefone com indicativo,
moeda e língua depende, o nome domínio (.fr; .br; .pt). Ainda existem pelo menos mais duas
que devemos realçar: Natureza internacional da atividade na medida em que é obvio que se tem
natureza internacional estar mais apta a contratar com consumidores fora daquele Estado; sem
P á g i n a | 97
segundo lugar a referência feita a clientes estrangeiros bem como a descrição estar direcionada
a determinados Estados.
Contratos de Seguro
No contrato de seguro o Regulamento Roma I trata de limitar as leis que podem ser
seguidas – as partes só podem escolher uma de entre as leis indicadas de entre as regras
de conflitos, há uma limitação objetiva da escolha.
Contratos de Trabalho
Ainda quanto ao artigo 8º nº1 permite a aplicação da lei escolhida pelas partes, mas
apenas quando essa não contrarie disposições não derrogáveis ao abrigo da lei que seria
aplicável caso as partes não tivessem escolhido. Essa lei que seria aplicável era a lei onde o
P á g i n a | 98
trabalhador presta habitualmente trabalho. É neste aspeto que se pode levantar o problema
do local onde o trabalhador presta habitualmente trabalho. Imagine-se por exemplo um
português contratado por uma companhia aérea espanhola cujo o CIT escolheu a lei brasileira
para regular. Deste caso vemos logo a dificuldade: sendo uma companhia aérea não se consegue
determinar o local onde este português presta habitualmente trabalho, é o mundo inteiro.
Nestes casos o artigo 8º contém uma regra que prevê a hipótese de ser impossível
determinar o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho. Portanto, se ele
não tiver esse país, há duas hipóteses:
Contratos de Transporte
Além dos limites específicos a cada tipo de contratos que acabámos de ver, a autonomia
privada ainda tem outros limites no Roma I.
108 Sendo o “direito aplicável” aquele que o Regulamento Roma I determinar claro.
P á g i n a | 100
O nº3 do artigo 3º Regulamento Roma I dita que caso todos os outros elementos
relevantes da situação jurídica109 se situem, no momento da escolha, num país que não seja o
país da lei escolhida, a escolha das partes não prejudica a aplicação das disposições da lei
desse outro país não derrogáveis por acordo. Refere-se este número terceiro a situações
puramente internas e relativamente internacionais. Estas situações estão conectadas apenas
com uma ordem jurídica.
Nestas hipóteses não existe um verdadeiro conflito de leis. Então no Regulamento
surge o nº3 para explicitar que se a situação é puramente interna ou relativamente
internacional, se as partes escolhem uma lei diferente, a escolha não prejudica a aplicação das
disposições imperativas desse país. O alcance da escolha é material e não conflitual,
porque não há conflito para resolver. A lei aplicável será sempre a que seria aplicável à
situação jurídica. Mas no âmbito material, com caráter obrigacional, as regras da ordem
jurídica escolhida valem – desde que não contrárias a disposições imperativas. Nos
espaços deixados livres por essa lei – espaços em que a lei admite a intervenção da autonomia da
vontade em direito material – as partes podem chamar a ordem jurídica escolhida para poder
preencher o contrato.
Membros, e a questão é saber se por aí afastam as regras de DUE que seriam aplicáveis. Nas
regras de DUE também temos regras imperativas e não imperativas, e aqui só estão em causa as
imperativas. Não é possível afastar as regras imperativas do DUE, mas o modo como a tutela vai
ter lugar é através do filtro do Estado-Membro do foro. Quer dizer que, como sabemos, o DUE
pode ser atuado em cada Estado-Membro de maneira diferente. Isso resulta de que o DUE não é
constituído apenas por Tratados ou Regulamentos diretamente aplicáveis, e mesmo quando o é,
pode haver margem para o desenvolvimento e concretização das regras por legislação interna.
Mas, por outro lado, há grande parte da tutela imperativa do DUE realizada através de Diretivas,
que pressupõem a transposição através de legislação interna de cada um dos Estados. Mas
mesmo quanto a Regulamentos de DUE – por exemplo, o RGPD – supõe uma concretização por
legislação nacional no qual se define em concreto os poderes da CNPD entre outras coisas. As
disposições de DUE de natureza imperativa pressupõem muitas vezes uma mediação parcial da
legislação dos Estados-Membros. Esta regra do artigo 3º nº4 destina-se a tutelar as
disposições imperativas de DUE, mediante o modo como essas disposições são aplicadas
no Estado-Membro do foro. Se a questão se colocar em Portugal e a situação for intraeuropeia,
então as disposições imperativas de DUE têm que ser respeitadas, e o modo como o respeito se
obtém é o modo como as disposições valem em Portugal. Se a questão for suscitada num outro
Estado-Membro então vai valer o modo como essas disposições imperativas são executadas
nesse Estado-Membro. Esta norma é diferente do nº3 na medida em que esse só se aplica a
situações não puramente internacionais.
Ou seja, nas hipóteses em que, não tendo havido escolha, o contrato não é um dos
especificamente indicados no artigo 4º e a regra geral prevista no nº2 não é aplicada,
nesses casos recorre-se ao princípio da conexão mais estreita de forma direta.
Em qualquer caso, nos termos do nº3, é possível corrigir a aplicação da norma de
conflitos, quando haja uma conexão mais estreita com uma lei diferente da designada – o
princípio da conexão mais estreita promove uma correção da lei aplicável por uma cláusula de
desvio.
Claro que a falta de escolha terá efeitos diferentes nos casos dos contratos de trabalho,
transporte, seguro e com consumidores, onde já vimos os efeitos da falta de escolha.
P á g i n a | 102
Especialização
Por ultimo, uma trave mestra do sistema do Regulamento, que é a ideia de
especialização, de encontrar regras específicas em função dos tipos contratuais existentes,
quer por via da especificidade de certos contratos celebrados com a parte mais fraca – mas
mesmo nesses casos, as regras de conflitos não são inteiramente semelhantes110, ou seja, há uma
preocupação do legislador europeu de encontrar soluções adequadas para cada tipo de situação
contratual.
Isto é assim para estes casos, mas também para os casos em que, não havendo escolha,
é preciso encontrar uma lei aplicável subsidiariamente, como vemos no artigo 4º. O que
encontramos no artigo 4º, não tendo havido escolha, o legislador europeu define
elementos de conexão específicos para cada um dos tipos contratuais discriminados. Há
um elemento de conexão adequado para cada tipo contratual, e é diretamente estabelecida a
competência.111
Esta lista não é exaustiva, mesmo dentro dos tipos contratuais que podem existir,
portanto temos que ter uma solução subsidiária, que é a dada no artigo 4º nº2. É a solução geral
que vai em linha com as alíneas a) e b) do artigo 4º nº1 – a alínea a) manda aplicar a lei da
residência habitual do vendedor e a alínea b) manda aplicar a residência habitual do prestador
de serviços. Ora, na regra residual a lei aplicável é a lei do país onde o contraente que deva
efetuar a prestação característica do contrato tem a sua residência habitual. Aqui o
regulamento faz apelo à prestação característica do contrato, isto é a prestação que faz
diferenciar certo contrato dos restantes contratos onerosos.
Ora, se assim é, nós temos que tirar a conclusão que em todos os contratos onerosos,
pelo menos nos contratos onerosos em que existe contraprestação pecuniária, a
contraprestação que se opõe a essa é que será a prestação característica do contrato. E é
isso que vai distinguir aquele contrato de outros tipos contratuais. Portanto, para
determinarmos a lei aplicável ao contrato, temos que perceber qual é essa lei, e em regra
encontramos a prestação característica do contrato olhando à prestação que não é a
pecuniária, no caso de estarmos a lidar com um contrato oneroso.
Se não se poder aplicar a ideia de prestação característica – como acontece no
contrato de permuta112 – então aplicamos a ideia de conexão mais estreita, segundo o
Regulamento. Notem ainda que, no que toca ao nº2, a lei aplicável não é a lei do país onde a
prestação característica deve efetuar-se, mas sim da lei de residência da parte que deve
efetuar a prestação característica.
110 Como se vê entre as regras diferentes para contrato com consumidor, CITs e contrato de seguro.
111 Só se aplica a d) em derrogação da c) quando as conexões se cumulem;
112Exemplo: contrato em que se troquem carros ou imoveis ou ações. Não é possível identificar uma
prestação “característica”, ambas são iguais.
P á g i n a | 103
Residência Habitual
Não existe uma noção genérica de residência habitual no Regulamento Roma I mas
existem regras sobre a residência habitual das pessoas coletivas e das pessoas singulares no
exercício da respetiva atividade profissional.
Quanto às pessoas singulares em geral não há noção de residência habitual, e ela decorre
do conceito comum a todos os Estados-Membros, que corresponde à ideia de centro de
interesses permanente da pessoa e onde a pessoa vive, o país onde ela desenvolve a sua
vida em termos comuns. A residência habitual não tem que ser a legal porque o efeito
pretendido é o efeito de determinação da lei aplicável com base nos princípios próprios de
DIP, designadamente a conexão mais estreita, e a residência habitual é instrumental em
relação a isso, pelo que o migrante ilegal não deve ser prejudicado nestes efeitos.
Existe uma regra especial, que aparece no nº2, que leva a estabelecer um desvio.
Pode acontecer que o contrato seja celebrado no âmbito de uma agência ou sucursal ou de outro
estabelecimento da pessoa singular ou coletiva em causa, pode acontecer que não apenas o
contrato seja celebrado no âmbito da sucursal, agência ou outro estabelecimento, mas que o
cumprimento das obrigações do contrato caiba à sucursal, agência ou outro estabelecimento.
Nesse caso, a residência habitual é o da sucursal, agência ou outro
estabelecimento. Afasta-se o número um, sendo que o momento relevante é o momento
da celebração do contrato – nº3 – para se evitar a incerteza quanto à lei aplicável.
Processual
Como referimos em momento próprio neste caderno, o Direito Internacional Privado não
tem tanta influencia nas normas processuais. As normas processuais a aplicar são, normalmente,
as da lei do foro.
Ónus da Prova
O artigo 18º, quanto ao ónus da prova, que diz que a lei que regula a obrigação
contratual, por força do presente Regulamento - ou seja, a lei aplicável ao contrato - vai aplicar-
se na medida em que, em matéria de obrigações contratuais, contenha regras que
estabeleçam presunções legais ou repartam o ónus da prova.
P á g i n a | 104
Isto significa que esta questão do ónus da prova não vai ser decidida com base na
lei do foro, não é aqui tomada como lei processual, mas sim é decidida de acordo com a lei
aplicável ao contrato, por causa dos efeitos substantivos que a definição do ónus da prova
acarreta.
A questão do ónus da prova relaciona-se tanto com a parte substantiva – porque pode
definir a matéria de fundo – mas é processual – porque só se suscita no processo e altera o jogo
das partes no processo. Temos uma zona de confluência em que é necessário que as regras
de conflitos intervenham. Na perspetiva do professor Barreto Xavier não implica a aplicação
da lei portuguesa, mas sim que pode haver um limite técnico à aplicabilidade da lei
processual.
Juros de Mora
Há outra questão que é apontada pela doutrina para a determinação da lei
competente sobre juros de mora.
O professor Menezes Cordeiro tem uma doutrina muito específica quanto a isto,
dizendo que a lei aplicável aos juros de mora é a lei da moeda, porque os juros de mora
não servem só como fator de indemnização, mas também para combater a inflação.
À luz do texto do Roma I, pelo artigo 12º nº1 c), parece que se aplica aos juros de
mora a lei aplicável ao contrato – cálculo do dano. O professor Lima Pinheiro diz que quanto
à taxa específica pode vigorar a lei da moeda, em casos específicos.
P á g i n a | 105
Arbitragem
Há aqui uma questão que se relaciona de uma maneira muito significativa com os
problemas da arbitragem, que tem a ver com os princípios da autonomia da vontade e as
modalidades através dos quais este princípio da autonomia da vontade se pode exercer.
Em especial no comércio internacional, muitas vezes, as partes decidem não atribuir
competência internacional aos tribunais de qualquer Estado, subtraindo eventuais litígios
para decisão por árbitros. Sobretudo no comércio internacional, relativamente a operações
internacionais grandes, é muito frequente a celebração de convenções de arbitragem.
Em Portugal temos a Lei de Arbitragem Voluntária, que diz que em casos de direitos
disponíveis podemos recorrer à arbitragem. Se as pessoas recorrem à arbitragem não apenas
recorrem a uma instituição distinta dos tribunais estaduais, também podem definir de
maneira diferente o direito aplicável às situações jurídicas em causa.
Vantagens
Autonomia
O segundo aspeto, que também é uma vantagem, tem que ver com as partes regularem
o próprio processo, podendo definir se querem regras muito simplificadas de processo ou
definir regras mais complexas, há uma grande flexibilidade no modo como a arbitragem
vai ter lugar. Há um elemento adicional, é que na arbitragem internacional as partes podem ir
mais longe do que nos litígios a serem decididos nos tribunais estaduais, quanto ao Direito
aplicável ao fundo da causa.
Vimos que o Regulamento Roma I adotou uma perspetiva conservadora no que toca à
possibilidade de escolha de regras jurídicas não estaduais. É isso que não se verifica em sede
de arbitragem. Em sede de arbitragem, estando em causa uma matéria contratual, as partes
podem escolher mais que apenas a lei de determinado Estado, podendo escolher outras regras
jurídicas. Aqui, o artigo 52º da LAV113 determina que as partes podem designar as regras
de Direito a aplicar pelos árbitros se não os tiverem autorizado a decidir segundo a equidade.
De acordo com o consenso da doutrina, a redação do artigo 52º nº1 da LAV abre uma
clara clivagem entre a solução que circunscreve a escolha da lei pelas partes aos ordenamentos
estaduais. Abre a possibilidade de as partes escolherem outras regras além dos
ordenamentos estaduais. A lei de arbitragem é clara e há uma porta através do qual é
possível deixar entrar a lex mercatória por exemplo, a entrada de regras jurídicas não
fundadas em determinado ordenamento estadual. Aqui temos mais uma razão na opção pela
arbitragem, que é a maior flexibilidade que é dada às partes para escolherem as regras
jurídicas aplicáveis.
relevantes, ou seja, há abertura para a relevância da lex mercatória, mesmo quando não foi
escolhida pelas partes.
Isto leva a uma conclusão: as regras de determinação da lei aplicável são mais
simples do que as regras que constam das fontes europeias ou internas portuguesas,
porque nessas fontes o que temos é uma tendência de especialização, onde as regras
aplicáveis dependem do tipo contratual em causa ou da matéria jurídica. Aqui temos maior
simplicidade porque esta regra se vai aplicar a todas as matérias que possam ser objeto de
arbitragem internacional
Quanto às NAIs, como dissemos, apenas o que está na lei de arbitragem é que é
fundamento para a impugnação. Normalmente esta impugnação incide em questões como a
existência de falta de consentimento das partes, parcialidade manifesta dos árbitros, etc.
Coisa diferente é a suscetibilidade de execução da sentença. Hoje em dia, o
reconhecimento e execução das sentenças arbitrais é facilitado pela convenção
internacional que reúne dezenas de Estados, que é a Convenção de Nova Iorque das
Nações Unidas.
Essa convenção limita muito a possibilidade de recusa da execução de sentenças
arbitrais, nomeadamente, não permitindo a recusa com base na violação das regras de
conflitos. Assim, a violação de NAIS no país de execução da sentença só é relevante se
puserem em causa a ordem pública internacional. Os árbitros aqui têm que jogar com isso.
Fundamento
O que é que justifica que o mesmo contrato internacional relativamente ao qual as partes
não escolheram recorrer a arbitragem esteja submetido a regras de conflitos do Roma I, mas o
mesmo contrato quando submetido à arbitragem possa ter regras diferentes? O professor
Dário Moura Vicente diz que não há nada. Se um contrato é o mesmo, se as partes podem
escolher que se apliquem regras diferentes então do ponto de vista de fundamentação da
arbitragem só pode haver duas teses:
No primeiro ponto temos uma fundamentação que assenta na vontade e no outro caso
temos uma fundamentação que assenta na lei.
O fundamento pode assentar nas duas, dando um salto entre o dever ser, para o que é,
encontramos a arbitragem institucionalizada e arbitragem ad hoc.
A arbitragem institucionalizada vive à margem dos Estados. A lei aplicável num caso
submetido à Câmara de Comércio Internacional de Paris segue regras da própria CCI. Os árbitros
da CCI não analisam o que diz a lei francesa ou a lei portuguesa.
Aqui a questão que se coloca é, no fundo, saber se a arbitragem não vive à margem dos
Direitos Estaduais, em concorrência com os Direitos Estaduais e podendo apenas precisar do
apoio dos Direitos Estaduais em determinados casos, nomeadamente em dois:
Assim, as decisões arbitrais dependem dos Estados para ser efetivadas. Parece que
caímos mais dentro do segundo ponto de fundamentação, é o Estado que tolera a arbitragem,
pois sem o Estado muitas decisões de arbitragem seriam apenas ineficazes.
Contudo o Estado114 não tem muito controlo: a generalidade dos sistemas, as decisões
arbitrais não podem ser atacadas com base em mera violação de lei. Uma decisão arbitral
não pode ser atacada, nem por via de impugnação, nem por via de recusa da sua execução, em
regra, apenas porque não cumpriram.
Isto também se aplica às Leis que contêm s regras de conflitos que seriam aplicáveis no
país da arbitragem. Se forem violadas não quer dizer necessariamente que os Tribunais possam
fazer alguma coisa contra essa decisão. Se examinarmos a LAV os fundamentos para a
impugnação das decisões arbitrais não vemos a não observância das regras da lei aplicável,
ou seja, a não observância das regras de conflitos do próprio diploma, não é fundamento
para a impugnação da decisão arbitral.
Portanto, a preocupação deve ser garantir que a decisão tenha eficácia e não
obedecer às regras em vigor no Estado onde a decisão é proferida.
Aqui só temos que observar as regras cuja violação pode dar origem à impugnação da
decisão arbitral, quando essas regras não tenham sanção deste tipo, podem ser naturalmente
desconsideradas porque são regras sem sanção, na perspetiva de alguns autores não chegam
a ser regras jurídicas, são regras imperfeitas. Os árbitros apenas têm que garantir que a
decisão produz os seus efeitos nos Estados em que deva ser executada.
Regulamento Roma II
Quando resolvemos casos práticos em que exista uma situação plurilocalizada, antes de
aplicarmos as regras de conflitos do código civil para determinar a lei a aplicar já sabemos
que temos de ver se não prevalece nenhum regulamento europeu. Assim, na matéria relacionada
com obrigações extra obrigacionais temos de ver mais uma vez o âmbito de aplicação dos
regulamentos.
Âmbito de Aplicação
O artigo 1º nº2 contém, tal como os outros Regulamentos, uma delimitação negativa
do âmbito de aplicação do Regulamento. As regras de conflitos deste Regulamento não vão
aplicar-se a um conjunto de matérias que estão delimitadas no artigo 1º nº2. Nessas matérias,
mesmo que estejam em causa obrigações extracontratuais, elas não vão ser resolvidas por
intermédio da lei designada pelo Regulamento Roma II.
O nº2 deve ser lido atentamente, mas de forma geral ficam excluídas as matérias que
tenham que ver com o estatuto pessoal – relações de família, relações com efeitos
equiparados, as obrigações que decorrem do regime de bens do casamento ou de outras uniões
que não casamento, as matérias sucessórias, etc. 115
Quanto ao âmbito de aplicação espacial escusado será dizer, depois de termos visto
todos os outros regulamentos da União, que o Regulamento Roma II, como todos os outros até
aqui visto, tem um âmbito de aplicação universal, de acordo com o artigo 3º.
Podemos aplicar o Regulamento a situações que não têm conexão com os Estados-
Membros porque como já dissemos sobre a aplicação universal a mesma não influi no princípio
da não transatividade. Isto deve-se ao facto de as normas de conflitos serem formais e não
materiais. As regras de conflitos, em primeira linha, não são regras de conduta. Não quer dizer
que não possam orientar as partes, mas em primeira linha apenas se destinam a dirimir um
conflito que está em contacto direto com as partes, e por isso o princípio da não transatividade
não se aplica a normas de conflitos.
O Regulamento Roma II, tal como o Roma I, tem uma exceção quanto à Dinamarca.
Os órgãos de aplicação do Direito Dinamarqueses não aplicam nenhum dos Regulamentos, mas
115 Relacionaremos isto com o que se passa no nosso Código Civil nas próximas páginas.
P á g i n a | 111
sim o Direito de Conflitos interno. Isto porque não adotaram o mesmo, algo que é permitido pela
“Europa a duas velocidades”,
Código Civil
Como sabemos o Código Civil no que diz respeito às suas regras de conflitos encontra-se
bastante restringindo por força dos regulamentos europeus que derrogam muitas das normas de
conflitos. Contudo, decidimos acrescentar neste caderno um ponto sobre alguns aspetos que
normalmente geram confusão quanto ao âmbito de aplicação do Regulamento Roma II.
Daí esta inclusão desta seccção “Código Civil” que podia parecer confusa ao ler o índice
deste caderno uma vez que se encontra dentro do capítulo “Regulamento Roma II” e evidente é
que o Código Civil não faz parte deste.
Direitos de Personalidade
Os direitos de personalidade estão intimamente ligados à personalidade da pessoa e
talvez por isso seja excluídos pela g) do nº2 do artigo 1º do Regulamento Roma II. O
conceito-quadro escolhido pelo nº1 caso não existisse esta exclusão do nº2 iria incluir os
direitos de personalidade.
Estando excluídas as obrigações extracontratuais que decorram da violação da vida
privada e dos direitos de personalidade, uma situação internacional de direito privado é então
resolvida, nesta matéria, pelo nosso Código Civil.
Desde logo temos que contar com o artigo 27º do Código Civil, mas não apenas esse
serve para resolver uma situação de violação de Direitos de Personalidade. O artigo 45º, que
respeita à responsabilidade civil extracontratual, será também de necessária aplicação. O
jogo de normas a fazer é do artigo 27º pelo que toca à titularidade e conteúdo do direito de
personalidade e o artigo 45º pelo que toca à responsabilidade civil resultante da violação desse
direito de personalidade.
O artigo 27º serve para saber se a pessoa tem ou não tem o direito de personalidade.
Cada ordenamento jurídico contém uma delimitação do que entende por direitos de
personalidade, tem um catálogo, o alcance, os limites, quando é que podem ceder perante
outros, etc. A mesma relação existe entre o artigo 46º – alcance de direitos reais – e o artigo 45º
– se o lesante pode ser obrigado a indemnizar.
No artigo 27º estão em causa direitos como a vida, a integridade física, a identidade,
o desenvolvimento da personalidade, o bom nome, a reputação, a imagem, a palavra, a
liberdade de expressão entre muitos outros e relativamente a alguns dos quais podem existir
diferenças significativas nas diferentes ordens jurídicas.
Apesar desta g) do artigo 1º nº2 do Roma II, Florbela Almeida Pires diz-nos que o
Regulamento se aplica às obrigações extracontratuais resultantes de acidentes de viação,
podendo estar aí em causa a responsabilidade resultante de danos pessoais por lesões a direitos
de personalidade (como a vida e a integridade física). Adicionalmente, disposições que veremos
a seguir como a relativa a produtos defeituosos ou danos ambientais acabam por incluir lesões a
P á g i n a | 112
direitos de personalidade. Assim não se pode afirmar com toda a plenitude que a
responsabilidade por violação dos direitos de personalidade esteja, toda ela, excluída do âmbito
de aplicação do Regulamento Roma II. Apenas no caso concreto, e dependendo do direito de
personalidade em causa, poderá ser ou não aplicável ao caso o Regulamento Roma II.
Responsabilidade Civil
No artigo 45º nº2 encontramos uma regra de conflitos que considera duas leis, em
função do resultado, e é aquela que considere responsável o lesante. Ou seja, esta norma é
alternativa, como a que vimos a propósito da forma do contrato no Regulamento Roma I.
Agora, o artigo 45º nº3 estabelece uma exceção, se lesante e lesado tivessem a mesma
nacionalidade ou a mesma residência habitual comum, a lei aplicável é a lei desse país. O
artigo 45º nº3 estabelece um juízo de conexão mais estreita com a lei com a qual está a situação
ligada pelo vínculo da nacionalidade comum ou residência habitual comum.
Recapitulando, se quiséssemos colocar por ordem lógica as conexões relevantes de
acordo com o artigo 45º teríamos primeiro de aplicar o nº3 e só na sua falta o nº2, o que se
traduz no seguinte esquema:
2) Aplica-se a lei do país onde a atividade ocorre, caso esta não considere o agente
responsável;
3) Aplica-se em alternativa, a lei do país onde se produz o dano, mas só no caso de esta
considerar o agente responsável e o agente devesse prever a produção de um dano
naquele país através da sua conduta ou omissão.
É de notar que o legislador português escolheu como elemento de conexão o local “onde
ocorreu a principal atividade causadora do prejuízo” em vez de considerar “onde ocorre o dano”
artigo 4º nº1 do Regulamento Roma II. Isto trará diferenças como é evidente.
Feito o parênteses relativo à aplicação das normas de conflitos dos Código Civil vamos
voltar ao Regulamento propriamente dito e analisar as soluções apresentadas pelo mesmo.
Sendo o regulamento é aplicável, a regra geral de conflitos que aponta para uma lei a
aplicar é, de acordo com Roma II, aquela que nos indicam os termos do artigo 4º.
Nos termos do artigo 4º nº2, a lei aplicável é a da residência habitual comum, se
lesante e lesado tiverem a mesma residência.
Na falta de residência habitual comum, segundo o artigo 4º nº1, aplica-se a lei do
local onde ocorre o dano, exceto se a responsabilidade estiver mais estritamente
conexionada com um país diferente daquele que resulta destes primeiros números, como nos
diz a cláusula de desvio do artigo 4º nº3. É o efeito corretivo do princípio da conexão mais
estreita a atuar. Se do conjunto das circunstâncias resulta que a responsabilidade tem uma
conexão manifestamente mais estreita com outra Ordem Jurídica do que a que seria aplicável
pelos nº 1 e 2, essa é a lei aplicável. Prevalece a lei mais estreitamente conexionada com a
situação sobre a lei primariamente aplicável. A segunda frase do nº3 vem exemplificar os
indícios de onde pode decorrer uma conexão mais estreita: um contrato entre as partes que
tenha uma ligação com um outro país, e que tenha uma conexão estreita com a responsabilidade.
Maiores há diferenças no artigo 4º nº1 em contraste com o nosso artigo 45º. Porque
enquanto no artigo 45º apontámos para a lei do Estando onde se deu atividade ou omissão,
no artigo 4º nº1 é relevante a lei do país onde ocorreu o dano.
Mas há aqui um aspeto adicional, é o de que se exclui a relevância do país ou países
onde ocorram consequências indiretas do facto. Temos o país onde ocorreu a atividade
causadora do prejuízo, que não releva de acordo com o artigo 4º, o país onde ocorre o dano, que
releva, e o país onde ocorrem consequências indiretas, que também não são relevantes.
Até podemos ter uma situação em que o dano ocorre em mais do que um país. A mesma ação
leva à produção de danos em diferentes países, no entanto, este artigo diz-nos que os lesados
vão ver a sua situação regulada pelo local onde ocorreram os danos. Uma vez que tiveram
vários danos em vários países, entendeu o legislador europeu que esta era a solução mais
P á g i n a | 114
justa, para tutela do lesado, ainda que seja mais difícil na prática. Assim, a cada dano que
ocorre em país diferente tem que ser apreciado segundo a lei desse país.
Concluindo, em esquema de resumo, o que a regra geral do Roma II nos diz é que será
aplicável uma de três soluções, a cada dano, por ordem lógica de aplicação:
Escolha de Lei
Antes de aplicarmos a ordem lógica que acabámos de mencionar da regra geral, há ainda
um ponto antecedente que se deve aplicar logicamente. No Regulamento Roma II também
temos a consagração do princípio da escolha da lei pelas partes em DIP. Essa possibilidade é
encontrada no artigo 14º do Regulamento de Roma II.
Mas ao contrário do Roma I em que esta possibilidade aparece imediatamente, no
Regulamento Roma II a consagração do princípio da liberdade de escolha aparece apenas em
momento posterior. Do ponto de vista sistemático acontece esta estrutura pois esta consagração
é limitada. Ao contrário de outros casos que vimos em que a limitação da escolha respeitava ao
tipo de lei que podia ser escolhida, aqui não temos uma indicação do tipo de leis que podem
ser escolhidas em função da conexão existente entre elas e a situação a regular. Há outro
tipo de limites, só pode haver escolha quando:
Acrescenta-se ainda que qualquer que seja a lei escolhida pelas partes, as NAI do país em
que ocorreram os factos principais vão continuar a aplicar-se. Isto consta do nº2 e nº3 do artigo
14º.
116Pode questionar-se porque fizemos esta referência uma vez que os casos de CCG deveria, em principio,
gerar apenas responsabilidade contratual. No entanto a verdade é que a existência de uma relação
contratual entre as partes não exclui a possibilidade de em certas hipóteses vir a surgir responsabilidade
extracontratual.
P á g i n a | 115
Não podemos afastar a escolha da lei com base na cláusula de desvio do nº3 do
artigo 4º e o próprio modo como está redigida a cláusula é claro, porque só permite afastar os
nº 1 e 2 do artigo 4º, sem referência à lei escolhida nos termos do artigo 14º.117
Sobre o que agora vamos tratar já falámos quando apresentámos as NAIs neste caderno
em Normas de Aplicação Imediata, “NAI noutras Fontes” em “Regime”. Remetemos para o que foi
dito lá. Contudo faremos uma breve revisão por outras palavras.
A exposição refere-se à questão do título de atendibilidade das NAI no âmbito do Roma II
bem como a uma figura que, com menos atenção, se poderia considerar NAI mas não o é.
Referimo-nos aos artigos 16º e 17º.
O artigo 17º consagra uma regra para avaliar o comportamento da pessoa cuja a
responsabilidade é invocada. Já tínhamos mencionado esta ressalva.
No fundo este artigo não contém uma NAI, diz-nos apenas que as regras de segurança e
conduta a utilizar no apuramento da responsabilidade são as em vigor no lugar onde ocorre a
responsabilidade. Assim um condutor francês que se tente desresponsabilizar de um acidente
em Inglaterra não pode invocar o Código da Estrada Francês para o fazer, o Código a usar como
pressuposto de responsabilidade nesse caso é o Código da Estrada de Inglaterra ou equivalente.
Ainda aqui há algo a dizer de diferente em relação aos outros regulamentos. É o que diz
respeito às NAIs, e aqui podemos observar o 16º do Roma II.
Vamos admitir que o B, lesado, vem dizer que de acordo com a lei espanhola existe uma
norma que se pretende aplicar a todos os acidentes ocorridos em Espanha e que estabelece um
montante fixo de indemnização muito elevado para os casos de ferimentos graves ocorridos nas
estradas espanholas. É uma norma material espanhola que com o objetivo de reduzir a
sinistralidade nas estradas espanholas estabelece uma responsabilidade punitiva para obrigar
os condutores a terem mais cuidado na condução. Quid iuris? É uma norma de aplicação
imediata de Estado terceiro, pelo que não se aplica a norma do artigo 16º do Regulamento.
O artigo 16º apenas legitima o Tribunal do foro a respeitar e salvaguardar as NAI
do país do foro, e se a questão é suscitada perante tribunais portugueses o Tribunal português
não é afetado pelas NAIs do país do foro. A NAI espanhola não é uma NAI do país do foro nem
uma NAI lex causae, portanto, da lei aplicável à causa.
A aplicação de NAIs de Estado terceiro acarreta uma ampla insegurança jurídica: por ser
difícil o conhecimento das NAI de várias ordens jurídicas, pode ser difícil o reconhecimento
enquanto NAI, etc. Por isso, não havendo título de atendibilidade das NAI de Estado
terceiro, não temos que tomar em consideração essas normas.
Se o Regulamento a aplicar não fosse o Roma II, mas o Roma I, a resposta não seria a
mesma uma vez que o artigo 9º não se refere apenas às NAIs do país do foro, mas ainda as
NAIs do país onde as obrigações do contrato devam ser executadas, desde que a execução
117Esta observação também vale para o Regulamento Roma I, o princípio da autonomia da vontade
prevalece sobre o princípio da conexão mais estreita. O que fundamenta a escolha da lei pelas partes não é
a existência de uma conexão mais estreita, mas por um lado a certeza jurídica e por outro a
autonomia da vontade que as partes têm para estabelecer os seus interesses em domínios em que
prevaleçam interesses privados e não públicos.
P á g i n a | 116
do contrato nesse país seja considerada ilegal. No Regulamento Roma II não há nada sobre a
aplicação de NAIs de Estado terceiro.
Produtos defeituosos
▪ Lesante e lesado têm a mesma residência habitual – aplica-se a lei da residência
habitual comum;
▪ Se o dano ocorreu no mesmo país onde o produto foi comercializado – aplica-se a lei
desse país.
▪ Se o produtor não podia prever que o produto fosse comercializado nos países
mencionados anteriormente – então aplica-se a lei da residência habitual do
produtor;
▪ Se alguma conexão for mais estreita, então o nº2 prevê uma cláusula de desvio.
▪ Se não houver a relação jurídica, então, quando as partes tenham residência habitual
no mesmo país, rege a lei desse país;
▪ Se nenhuma das anteriores for possível, então aplica-se a lei do Estado onde tenha
ocorrido o enriquecimento sem causa ou onde tenha sido praticado o ato de
gestão de negócios.
▪ Se alguma conexão for mais estreita, o nº4 prevê uma cláusula de desvio.
P á g i n a | 117
Culpa in Contrahendo
▪ Aplica-se a lei que teria sido aplicável ao contrato, caso este tivesse sido celebrado;
▪ Se não for possível determinar esta, aplica-se a lei do local onde tenha ocorrido o
dano; ou em alternativa: a residência habitual comum;
▪ Se alguma conexão for mais estreita, o artigoº 12º nº2 c) prevê uma cláusula de
desvio.
P á g i n a | 118
Até aqui analisámos os princípios gerais do DIP bem como a estrutura, relevância e
funcionamento geral deste ramo do Direito. Introduzimos várias técnicas e conceitos utilizados
pelo legislador do Direito dos Conflitos e observámos como funciona a norma de conflitos. Para
completar estudámos os diplomas utilizados onde podemos encontrar estas normas. Agora
vamos entrar na parte mais importante da matéria que se prende com os complexos
problemas que surgem ao aplicar tudo o que estudámos até aqui.
Qualificação
Pode não caber em norma nenhuma por uma de duas razões: porque existe uma lacuna
ou porque os factos não têm relevância para o Direito. Estes exemplos podem multiplicar-se
por vários ramos do Direito, podíamos ainda pensar na distinção entre imposto e taxa de Direito
Fiscal, um determinado tributo que foi introduzido legislativamente é importante saber se pode
ser qualificado como taxa ou como imposto, porque não é possível criar impostos sem Lei da
Assembleia da República ou DL autorizado pela Assembleia da República, diferentemente do que
acontece com a taxa, e por isso é que a distinção é tão importante e a jurisprudência do Tribunal
Constitucional é tão abundante nesta matéria.
118Já nos alongámos o suficiente sobre isto, mas é sempre bom recordar:As normas materiais destinam-se
a resolver a factualidade da vida, resolvem de forma direta os problemas existentes, ou seja, os conflitos
de interesses que a vida em sociedade revela, mas, pelo contrário, as normas de conflitos de leis são uma
via primordial de resolução dos conflitos entre ordenamentos jurídicos, e essas normas de conflitos de leis
destinam-se não a resolver diretamente esses mesmos conflitos de interesses, mas sim a apontar
um caminho para chegarmos à solução desses conflitos de interesses
Nas normas materiais temos uma previsão e estatuição enquanto nas normas de conflitos temos
119
uma estrutura tripartida: conceito quadro, elemento de conexão e consequência jurídica – sendo
que a consequência jurídica pode corresponder de alguma maneira à estatuição.
P á g i n a | 120
uma multiplicidade de conteúdos jurídicos, daí que se chamem conceitos “quadro”. De resto a
sua extensão é muito variável:
Nas palavras do professor Ferrer Correia: “uma qualquer situação da vida poderia
logicamente ser regulada pela lei de qualquer país, na medida que nessa lei se contêm
normas que se referem, de um modo ou de outro modo, à respetiva factualidade. Todavia, do
conjunto das leis estaduais logicamente aplicáveis, destacam-se logo um ou várias leis como
única ‘interessada’: aquela ou aquelas com as quais a situação da vida, o ´caso´ tenha alguma
das conexões que o direito de conflitos refere como relevantes”. A regra de conflitos
reconhece competência às leis logicamente aplicáveis pelo elemento de conexão,
distribuindo depois essa competência através do conceito-quadro, isto é, o conceito-
quadro vai delimitar o campo de aplicação da lei interessada.
Assim, quando queremos aplicar uma norma de conflitos a operação que vamos realizar
é diferente daquela que fazemos nas regras materiais, dividindo-se em dois momentos:
primeiro o reconhecimento da competência da lei através do elemento de conexão das
respetivas regras de conflitos e num segundo momento será delimitado o campo de
aplicabilidade dessa lei através dos conceito-quadro, isto é, serão identificadas as questões
jurídicas às quais serão aplicadas as referidas leis.
É neste segundo momento que há a diferença que temos andado a mencionar, pois
enquanto a aplicação do elemento de conexão é bastante straight foward, a do conceito-quadro
já não, e o seu objeto (normas materiais dos ordenamentos jurídicos chamados pelo elemento
de conexão) torna a operação específica face à qualificação que usamos nas normas materiais. A
esta operação de subsunção das normas materiais do ordenamento designado como
competente ao conceito-quadro da regra de conflitos. É a esta operação que chamamos de
qualificação. Como o objeto da qualificação vão ser outros ordenamentos jurídicos nascem
especificidades:
120Pois como acabámos de dizer na página anterior as normas de conflitos vão utilizar conceitos quadro
que não são necessariamente idênticos aos conceitos homólogos do Direito material, embora
possam ser, em abstrato. Isto levanta questões sobre como interpretar o conceito, será que se usa
apenas a lei do foro? Será que se usa uma soma dos conceitos que vários Estados-Membros têm? Será que
é um conceito autónomo? Se sim de onde partimos?
P á g i n a | 121
Para sabermos isto temos que saber a que critérios recorremos para fazer a
interpretação, a fim de perceber o alcance de cada conceito-quadro. Há várias hipóteses
possíveis:
1) A interpretação destes conceitos deve ser feita com base no direito material do
foro: ou seja, do país onde a questão está a ser suscitada. Assim, se um juiz português
é confrontado com a questão de saber se determinada realidade é ou não um direito
real então deveria pura e simplesmente olhar ao Direito material do foro e verificar
se está no catálogo dos direito reais121, se a essa realidade corresponde ou não
corresponde a algum dos direitos incluídos na lista taxativa que o nosso Direito
estabelece. Portanto, direito real seria o que está dentro da lista fechada e tudo o que
está fora da lista não tem as características de direitos reais para os efeitos do artigo
46º do Código Civil por exemplo. Assim, esta primeira alternativa possível para a
interpretação dos conceitos quadro implica recorrer aos conceitos homólogos do
direito material do foro. A favor desta ideia podemos encontrar um argumento de
coerência da Ordem Jurídica, um argumento de consistência, de não contradição
dentro da Ordem Jurídica, um princípio de unidade do sistema jurídica. Poder-se-á
argumentar que não faria sentido que o mesmo conceito significasse coisas diferentes
dentro do mesmo sistema jurídico.
No entanto há vários argumentos contra esta tese. Esta solução seria contrária ao
princípio da paridade de tratamento entre o Direito do foro e Direitos
estrangeiros. Pode também pôr em causa a segurança jurídica, porque se o
conceito está sempre a alterar falta a linha condutora. Se cada Estado adotar a uma
ideia de interpretação de conceitos quadro de acordo com o seu próprio Direito
material, isso vai potenciar a divergência entre normas de conflitos dos diferentes
Estados.
121 Uma vez que há um princípio de tipicidade dos direitos reais no direito português. Uma lista taxativa.
P á g i n a | 122
A favor desta tese temos o facto de que não estamos a depender exclusivamente
do Direito do foro, nem a ser suscetíveis de ter as críticas que tinha a tese anterior.
Por outro lado, a ideia de comparação de Direitos parece fazer sentido no campo de
122Em matéria fiscal o legislador pode apropriar-se de determinados conceitos e defini-los tendo em conta
os fins do Direito Fiscal. Pode entender que quer tributar determinada transação ainda que a titularidade
do direito real, do ponto de vista jurídico-civil, não tenha sido transmitida. Transmissão para os efeitos do
Direito Fiscal é uma coisa diferente do que é para o Direito Civil. Isto nada tem de contraditório,
valorativamente, porque os efeitos fiscais são distintos dos efeitos civis. Não estamos a considerar
determinado comportamento como algo e o seu contrário, mas apenas a dar efeitos distintos,
provenientes de Ordens normativas distintas, à mesma realidade. Ou a dar efeitos jurídicos semelhantes a
realidades que podem ser, perante determinadas Ordens normativas, diferentes.
123 Como é por exemplo o caso das parcerias registadas.
P á g i n a | 123
com o fim da norma. Neste caso, da norma de conflitos. Ou seja, sendo o conceito
quadro um conceito que integra a norma de conflitos, a interpretação deste mesmo
conceito quadro deve ter como critério decisivo o fim da norma de conflitos.
Para sabermos qual é o fim da norma de conflitos antes de mais, há um fim comum a
todas as normas de conflitos, que é de dirimir o conflito de leis. Depois, cada norma
de conflitos tem um fim próprio. Por exemplo, o já conhecido artigo 46º, norma de
conflitos sobre direitos reais – posse, propriedade e demais direitos reais - visa dirimir
conflitos nestas matérias. Temos que recorrer à norma de conflitos no seu todo. Temos
que ter em consideração que a norma de conflitos, embora seja suscetível de ser
decomposta em diferentes elementos estruturais, é uma unidade de sentido que é
impregnada por um conceito quadro, mas também por um elemento de conexão.
Assim, quando tentamos descobrir a ratio da norma de conflitos em matéria de
direitos reais do artigo 46º, temos que tomar em consideração que ela estabelece
que, para estas matérias, vale a lei da situação da coisa. Portanto, o que temos
sempre, ou em geral, é perguntar porque é que o legislador escolheu aquele
elemento de conexão para aquela matéria. O conceito de posse, propriedade e
demais direitos reais, vai encontrar o seu sentido na adequação daquele elemento de
conexão para dirimir um conflito de leis sobre aquela matéria.
Isto pressupõe perceber porque é que o legislador escolheu o elemento de conexão.
No caso dos direitos reais pode haver várias razões, em parte, por razões de
efetividade de decisões – porque é naquele lugar que é mais premente regular a
situação. As situações jurídicas que envolvem posse, propriedade ou demais direitos
reais são situações nas quais é mais importante o objeto sobre a qual incide o
direito do que a identidade do titular do direito, ou seja, nessas matérias os direitos
em causa são direitos que não estão intrinsecamente ligados a uma pessoa – não são
direitos pessoais – mas são direitos cuja configuração é mais próxima da coisa do que
do seu titular. Por outro lado, não faria sentido que o elemento de conexão pudesse
ser altamente variável em função do lugar onde determinado ato é celebrado. Por
exemplo, o contrato de C/V de bem imóvel, ser celebrado no país A, B ou C é irrelevante
se considerarmos que o bem está situado noutro país. Por outro lado, estes direitos
são direitos que podem, de alguma maneira, ser exercidos com independência de
outras pessoas, ou seja, são direitos com características próprias dos direitos reais,
nomeadamente a inerência e a prevalência, e essas características apontam no sentido
de que é preferível uma conexão objetiva sobre uma conexão subjetiva – ligada à
pessoa do respetivo titular. Mas isto é apenas um exemplo.
124Há um aspeto que não vimos ainda quanto à interpretação das normas de conflitos do foro, mas que
esta dúvida leva a suscitar. As normas de conflitos, sejam elas do foro ou de texto de Direito transnacional,
não vivem sozinhas, não estão isoladas do sistema em que se integram. Portanto, cada uma das
normas de conflitos tem que ser interpretada de acordo com a sua teleologia própria, mas essa
teleologia própria da norma de conflitos é parte de um sistema. Se analisarmos uma regra de
conflitos do Regulamento Roma I temos que ter em vista não apenas o fim da norma de conflitos
específica, por exemplo de contratos com consumidores para efeitos de interpretarmos o que é um
contrato com um consumidor, mas temos que ter em vista todo o contexto do Regulamento Roma I, mais
genericamente todo o contexto do DUE e de porque é que os órgãos próprios da UE intervêm em sede de
conflitos de leis.
P á g i n a | 126
vale dentro de um contexto mais genérico dentro dos fins do próprio DIP ou do contexto
normativo onde a norma de conflitos se insere.
c) De acordo com o Direito de Conflitos do foro – de acordo com os fins próprios quer
daquela norma de conflitos quer do próprio Direito de Conflitos, dentro do contexto
em que ele se insere. Esta é a resposta certa. Significando que os conceitos podem
incluir institutos desconhecidos do ordenamento do foro, mas que visam
responder ao problema jurídico individualizado no conceito-quadro, sem
prejuízo do ordenamento do foro lançar mão do mecanismo da Ordem Pública
Internacional. Nesta tese o direito comparado terá relevância mas apenas para
determinar se os institutos estrangeiros visam realizar a mesma função social que
o legislador do foro teve em vista ou uma função análoga.
Sendo que a verdade é que já respondemos à questão na abertura deste capítulo vamos
agora ver qual é objeto da qualificação e objeto do conceito quadro – a que é que se reporta o
conceito-quadro. Aqui também podemos ter várias opções:
São essas normas materiais que vão ser objeto do conceito quadro da norma de
conflitos. Isso está em linha com a ideia de acordo com o qual a norma de conflitos se
destina a dirimir um conflito entre leis, entre ordenamentos jurídicos, entre as ordens
potencialmente aplicáveis.
Em síntese, por isso, a resposta certa é dizer que o objeto dos conceitos-quadros e da
qualificação é uma realidade normativa, que consiste na norma material ou normas que, em
determinada situação da vida, dariam resposta a essa mesma situação no contexto do
ordenamento jurídico em que essas mesmas normas se inserem.
5) Aplicar a lei que o elemento de conexão seleciona como competente, mas apenas no
que diz respeito ao que o conceito-quadro recortou dessa competência.
Demonstração
Por exemplo, pensando no contrato de C/V celebrado pelo marido relativamente à casa
de morada de família, sem autorização da mulher, sendo que a casa de morada de família é um
bem próprio do marido. Vamos admitir que, na situação a regular, a casa de morada de família se
situa em Espanha e o casal tem nacionalidade portuguesa. E vamos ainda admitir que o marido
vai tentar impugnar a C/V com base no artigo 1682-A/2 do Código Civil. Quid iuris?
O marido considera que o direito português é aplicável, e com base em que norma de
conflitos? Aqui em teoria há três candidatos a ser norma de conflitos relevante neste caso:
artigo 46º, 52º e o Regulamento sobre regime de bens aplicável. Qual das três seria
aplicável? Vamos reler o artigo 1682-A/2: a alienação, oneração, arrendamento ou constituição
de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do
consentimento de ambos os cônjuges. Esta norma material portuguesa em princípio seria
aplicável a este caso, se o Direito português for competente, ou não? A situação da vida em
causa cabe na previsão material da norma do artigo 1682-A/2? Sim, ou seja, se o Direito
português for o Direito competente então esta norma é aplicável e é necessário o consentimento
de ambos os cônjuges sob pena de anulabilidade do contrato de C/V.
Então vamos ver se aplicamos ou não o Direito português, e para isso teremos que saber
de que regra de conflitos depende a aplicabilidade do artigo, e isso significa qualificarmos a
norma material. O que estamos a ver é a qualificação da norma, subsunção da norma
material nos conceitos-quadros.
seja, ela vai qualificar-se como uma regra atinente ao regime de bens, atinente à relação dos
cônjuges ou atinente aos direitos reais? O regime que está estabelecido no artigo 1682-A/2 –
alienação da casa de morada de família – carece sempre do consentimento de ambos os
cônjuges, portanto é um regime que não depende do tipo de regime de bens adotado entre
o casal, não está funcionalmente ligada ao regime de bens, mas é uma norma aplicável a
todos os casos de relações entre cônjuges. Portanto, esta norma não pode ser qualificada na
regra de conflitos relativa ao regime de bens, mas sim na norma de conflitos relativa aos
cônjuges. Porque é que não aplicamos as normas de direitos reais? Porque não está em causa o
direito real em si, mas o consentimento ou não de um dos cônjuges para o outro alienar. Não
está em causa o conjunto de matérias à qual se dirige o artigo 46º – conteúdo de direitos reais,
faculdades que cabem a cada um dos titulares dos direitos reais, nem sequer as vias técnicas
pelas quais os direitos reais se podem transmitir - está sim em causa um aspeto iminentemente
pessoal deste contrato, uma dimensão que tem que ver com o consentimento de determinada
pessoa para a prática de um ato, consentimento esse que funcionalmente está ligado à
circunstância de que essas pessoas estão unidas através do contrato de casamento.
Logo, esta norma material do artigo 1682-A/2 deve ser qualificada como uma
norma relativa às relações entre cônjuges, deve ser qualificada no conceito quadro do
artigo 52º.
Um outro exemplo, vamos pensar que não estamos a tomar em consideração a casa de
morada de família, mas um outro imóvel, portanto, uma situação que em Portugal se resolvia por
aplicação do artigo 1882-A/1. Um cônjuge, aliena sem autorização, um outro imóvel que não a
casa de morada de família. Qual é o regime estabelecido no artigo 1682º-A/1 para estas
situações? Depende do regime de bens. Se o regime for de separação não é necessário o
consentimento, e se for um regime de comunhão já é necessário. Assim, neste caso esta norma
está funcionalmente ligada ao regime de bens. A aplicabilidade daquela norma depende de
ela integrar o Direito competente, não de acordo com o artigo 52º do Código Civil, mas sim de
acordo com o Regulamento relativo aos regimes de bens, em vigor desde 29 de Janeiro de
2019, caso se verifique o seu âmbito de aplicação à situação.
Conflitos de Qualificação
125Quando temos uma situação internacional, plurilocalizada, situação essa que implica um conflito de leis
que tem que ser resolvido, temos de tomar em consideração que os ordenamentos em contacto com a
situação são potencialmente aplicáveis, e temos que caminhar por tentativas. Temos de, com base
no princípio da não transatividade – dimensão positiva – mas também com base no princípio da
paridade de tratamento, saber de que regra de conflitos vai depender a aplicabilidade das normas
materiais de cada um dos ordenamentos potencialmente aplicáveis. Depois, para cada uma das
hipóteses, temos que perceber para onde aponta a lei de conflitos.
Se temos os ordenamentos jurídicos 1, 2 e 3, temos que qualificar as normas materiais que em cada um
dos ordenamentos dão resposta à situação a resolver.
126Norma de conflitos do DIP português claro, já o dissemos, mas as únicas regras de conflitos que
seguimos são por via de regra as portuguesas, que incluem os regulamentos europeus claro.
127E vamos admitir que o autor da sucessão tinha escolhido, seguindo o Regulamento em Matéria
Sucessória a lei portuguesa, ou, em alternativa, que residia habitualmente em Portugal, caso em que a lei
supletivamente aplicável era a portuguesa, como lei da última residência habitual do de cuius.
P á g i n a | 131
reais, e portanto a aplicabilidade da lei britânica deve estar dependente da competência da lei
britânica. A consequência da norma de conflitos do artigo 46º é a aplicação da lei da situação
imóvel, logo, a lei britânica. Temos um problema. A norma de conflitos do Regulamento aponta
para o direito português, enquanto o artigo 46º aponta para a lei britânica. São dois
ordenamentos conflituantemente128 aplicáveis.
Estamos perante um conflito positivo de qualificações, também chamado de
cúmulo jurídico. Ou seja, por intermédio da atuação de duas normas de conflitos convocadas a
partir da qualificação de duas normas materiais provenientes de ordenamentos distintos, temos
a consequência de ter dois ordenamentos aparentemente aplicáveis, um a título sucessório e
outro a título jurídico-real.
E aqui note-se: são os dois ordenamentos conflitualmente aplicáveis pela regras de conflitos do
128
DIP português. São essas que usámos no percurso que fizemos até agora.
P á g i n a | 132
portuguesa é aplicável ou não? Sim, por se tratar da lei pessoal dos contraentes – lei da
nacionalidade.
Mas temos agora que olhar ao ordenamento francês. Aqui não há norma equivalente às
normas portuguesas. Para o direito francês pode haver aqui um direito de indemnização nos
termos gerais da responsabilidade civil extra-contratual. O direito francês permite uma
indemnização nos termos gerais, por violação do direito alheio. Aí, não estaríamos a tutelar a
família. A norma de conflitos a aplicar seria a norma extracontratual do Regulamento Roma
II. Esta diz nos que a consequência é a aplicação da lei do local da prática do principal facto
lesivo ou a lei da residência comum entre o lesante e o lesado.
Assim: a regra de conflitos interpretando a norma material portuguesa diz nos que
se aplica a lei portuguesa, já as normas materiais francesas subsumem-se a uma norma de
conflitos que diz que a lei francesa não é aplicável. Apesar das diferentes qualificações não
há conflito, aplica-se ao caso a lei portuguesa.
129 Se não tiverem entendido este aspeto fundamental: que só há conflito quando pela qualificação é
mandada aplicar dois ordenamentos jurídicos diferentes e que tenham conexão com o caso,
recomendamos vivamente a ver a secção dos casos práticos deste caderno onde está a correção do teste
feito no nosso ano letivo que é sobre um caso prático de qualificação. A resolução é feita pelo
professor Barreto Xavier.
130 Assim se por exemplo neste caso de promessa de casamento a lei francesa remete-se para a lei italiana,
também esta não seria aplicável, por força do Princípio da Transitividade. Admitamos a existência de um
terceiro ordenamento jurídico que considerava que a abertura dos esponsais era fonte de
responsabilidade contratual. Os sujeitos em causa são portugueses, romperam-se esponsais em Itália onde
se considera haver responsabilidade contratual, e um reside habitualmente em França e outro reside
habitualmente em Itália. A ruptura deu-se em Itália. Por hipótese, escolheram como aplicável ao contrato a
lei francesa. A lei portuguesa seria aplicável pelo artigo 25º + 31º C.C. A lei francesa qualifica-se como
norma relativa à responsabilidade civil extracontratual mas não é chamada a aplicar-se pela regra de
conflitos em matéria de responsabilidade civil extracontratual. A lei civil italiana refere-se à
responsabilidade civil contratual não é aplicável porque nessa matéria se aplica a lei francesa. Aqui temos
que apenas se aplica a lei portuguesa, não temos conflito de qualificações, apesar de termos diferentes
qualificações das normas portuguesas, italianas e francesas. Porque é que não se aplica a lei francesa?
P á g i n a | 134
Cúmulo Jurídico
Entendido que está o conceito de conflito, vamos agora analisar a resolução para a sua
vertente positiva, isto é, o cúmulo jurídico e o seu problema temos de encontrar soluções para
resolver o mesmo. A solução tanto para o cúmulo como para o vácuo tem deve buscar-se no
plano próprio do DIP.
Ferrer Correia entende que as situações de cúmulo devem ser resolvidas estabelecendo
uma hierarquia entre qualificações conflituantes. Assim, apesar de sacrificarmos de uma
regra de conflitos e consequência por ela indicada, mas faremos prevalecer o interesse das
partes que é o que mais conta para o DIP, e assim salvaguardamos o espírito do sistema. Uma
nota indicativa é que os critérios não estão escritos na lei, há como que uma lacuna no que
toca ao modo de resolução da questão, e esta resolução há de obter-se por intermédio do
próprio espírito do Direito Internacional Privado, por intermédio dos seus princípios
fundamentais.
Assim, no exemplo concreto que demos da morte do cidadão com bens em Inglaterra,
prevalência tem que ser dada à qualificação real em sacrifício da sucessória, de acordo com o
Professor Barreto Xavier, pela efetividade das decisões judiciais. Dificilmente a coroa
britânica aceitaria a pretensão do Estado português em assumir a posição de herdeiro do
cidadão português que deixa o seu património no Reino Unido. Neste caso, o foi o princípio da
efetividade das decisões judiciais a conduzir à aplicação do Direito Britânico ignorando a
regra de conflitos sucessória e escolhendo a regra conflitual sobre os direito real português.
Porque as normas materiais francesas qualificam-se como normas relativas à responsabilidade civil
extracontratual mas nessa matéria, não havendo a mesma residência habitual, aplica-se a lei do país onde
tem lugar a prática lesiva - Itália. Admitindo que a lei italiana se qualifica como norma atinente à
responsabilidade contratual mas quando celebraram promessa de casamento, até por escrito, escolhem a
lei francesa como aplicável à problemática da responsabilidade emergente do contrato de promessa de
casamento. Portanto, a lei italiana não pode ser aplicável a título de lei aplicável ao contrato, porque eles
escolheram a lei francesa. A lei italiana qualifica-se numa regra de conflitos que não remete para a lei
italiana, remete para a lei francesa. A lei francesa não se aplica porque se radica numa regra de conflitos
que não remete para o direito francês. A lei portuguesa pode ser aplicada porque as normas em que se
qualifica artigo 25º e 31º C.C. - apontam para a sua aplicabilidade.
P á g i n a | 135
vs relações entre cônjuges – mas também vista na relação entre ramos do Direito – entre Direito
das Obrigações vs Direito da Família.
Vácuo Jurídico
O outro problema que pode surgir da diferente qualificação é um conflito negativo de
qualificações, em que, qualificando, nenhuma norma material do OJs aplicáveis se subsume ao
conceito quadro.
Como é que uma situação destas pode ocorrer? Vejamos um exemplo: por hipótese
temos um cidadão do Reino Unido, residente habitualmente em Londres e que morreu deixando
património em Portugal, intestado e sem filhos, irmãos ou outros herdeiros. As normas materiais
Portuguesas seriam as normas que atribuem ao Estado um Direito hereditário, estamos por isso
em relação/matéria sucessória e temos de subsumir ao conceito-quadro das normas de conflitos
do DIP português. Esta norma material vai ser subsumida ou ao artigo 62º do Código Civil, caso
131A qualificação real atende à natureza do direito em causa – o direito real em geral é um direito sobre
determinada coisa, e esse direito tem determinadas características que, em geral, são reconhecidas aos
direitos reais: inerência, sequela, publicidade, etc. Tudo isto são características estruturais. Pelo contrário,
o Direito das Sucessões, independentemente da natureza dos direitos que são objeto da sucessão, este
complexo de normas gira todo em torno da instituição sucessória, ou seja, da transmissão patrimonial que
se estabelece por intermédio do falecimento de determinada pessoa. Assim, há uma instituição, como no
Direito da Família, ao contrário das qualificações estruturais.
P á g i n a | 136
Aqui não temos nenhuma norma a aplicar, logo não conseguimos usar o método da
hierarquia – não há nada para hierarquizar!135
A solução passa pelo mecanismo da adaptação, que é um instituto que o DIP adotou e
que significa que em casos deste tipo, em que não há uma solução, o intérprete e aplicador do
Direito tem que criar uma solução, e essa solução pode ser, a de considerar que o Estado
português tem um direito de apropriação sobre os bens deixados no seu território, ou, pode ser
que o Estado português tem um direito de adquirir por via sucessória os bens deixados no seu
território sem dono, ainda que o direito português não seja o direito competente em geral em
matéria sucessória.
O objetivo é tomar em consideração que há uma lacuna e temos que a integrar por
uma solução que não seja repelida pelas duas ordens jurídicas, nas suas normas de
conflitos, em presença. Esta solução não é segura, mas é este o melhor caminho.
132 Âmbito temporal do Regulamento em Matéria Sucessória que veio derrogar o 62º.
133Decorre da norma inglesa que existe um direito de apropriação pela Coroa Britânica dos bens deixados
ao abandono no seu território, sejam porque razão for. Logo não é uma questão de direito sucessório, mas
sim de direito real.
134Quando olhamos ao conteúdo da norma inglesa vemos que o que decorre dessa norma é um direito de
apropriação da coroa aos bens deixados no seu território, uma vez que a norma está relacionada com a
ideia de que o reino é o “domínio do rei”.
135 Neste caso há ainda outra coisa a dizer: se o problema está a ser suscitado perante tribunais
portugueses e os imóveis estão em Portugal, o problema da nossa decisão não se coloca. A decisão que os
tribunais portugueses tomarem vai sempre ser aceite em termos de efetividade dos tribunais. Pode é ser
mais ou menos injusta olhando depois aos princípios e à justiça própria do DIP. Mas há uma conexão mais
estreita com o nosso Estado e não com o Estado inglês.
P á g i n a | 137
Há duas soluções alternativas para resolver este conflito negativo: ou se entende que o
direito real já se transmitiu, ou que há uma obrigação de transmissão da parte do vendedor.
Aqui, a adaptação que deve haver é aquela que no fundo tenha menos resistências aos
dois sistemas. Considerar que o direito real já se transmitiu é uma solução repelida claramente
pelo direito alemão, mas considerar que há uma obrigação de transmissão não é repelida,
apenas não estava consagrada porque o direito português assumiu que o contrato de C/V tinha
tido por efeito a transmissão automática da propriedade. Assim, faz-se surgir na esfera de P
uma obrigação de transmitir a propriedade da coisa, e desta maneira temos uma solução
material que é harmónica com o espírito de ambos os sistemas.
Atenção: Nalguns casos a não aplicação de qualquer dos sistemas pode resolver o
problema, o problema pode solucionar-se sem norma. Em alguns casos, de uma aparente não
aplicação de ambos os ordenamentos, pode resultar uma solução da questão. Por exemplo, se a
Lei A proíbe determinado ato, mas é qualificável na regra de conflitos X, e a lei B permite
determinado ato, mas é qualificável na regra de conflitos Y e nenhuma das leis é mandada
aplicar. O que é que resulta? Se não aplicarmos nenhuma lei, é permitido. Se o intérprete
nada fizer o problema está resolvido, a solução é a permissão, sendo que não há
verdadeiro vácuo jurídico.
Mas noutros casos isto não é possível, porque a situação precisa de tutela jurídica ou
porque não é apenas entre escolher proibir ou permitir. Nesses, (como nos exemplos que
demos) é necessário encontrar uma solução, que pode ter que ser criada com mais ou menos
imaginação pelo intérprete para tutelar os interesses de forma que cause um mínimo dano às
duas leis em presença. A base está no instituto da adaptação, que muitas vezes pode ter o seu
papel.
Ordenamentos Plurilegislativos
A solução genérica que é dada é esta: primeira solução, é a seguinte e é a que decorre
do artigo 20º do Código Civil. Quando remetemos para um ordenamento jurídico
plurilegislativo temos que perguntar a esse ordenamento como é que resolve esses conflitos
interlocais. Temos que saber como é que os conflitos são resolvidos no interior desse sistema. Se
o Direito do Reino Unido contiver normas que deem resposta a estes conflitos dentro dos
Direitos locais – normas de Direito interlocal, que são normas de conflitos que resolvem
conflitos entre ordens jurídicas do mesmo Estado soberano – são essas que aplicamos
primariamente. O problema é que, em vários destes Estados, esses ordenamentos locais são de
tal modo desenvolvidos ou estanques que não há, ao nível do Estado unitário, uma solução
única. Ou seja, se perguntarmos no Reino Unido como é que se resolvem os conflitos de Direito
137Muitas vezes as pessoas confundem erradamente a Inglaterra com o Reino Unido, o que não pode
acontecer.
P á g i n a | 140
interno local, nós teremos tantas soluções como o número de ordenamentos locais. O problema é
resolvido de uma maneira na Irlanda do Norte, de outra maneira em Inglaterra, etc. Não há um
Direito interlocal unificado, que valha em toda a escala do Reino Unido. Passamos a pergunta ao
Reino Unido, mas o Reino Unido não tem solução.
O artigo 20º tem ainda uma outra solução, que é recorrer ao DIP do Estado soberano em
causa, ao DIP do Reino Unido, porque esse DIP vai poder ser aplicado, por analogia, aos
conflitos de leis interlocais. O problema deste nº2 do artigo 20º é que as normas de DIP podem
ser distintas dentro das mesmas unidades. Isso acontece no Reino Unido. Não só não existem
soluções uniformes para a resolução dos conflitos interlocais, como não há soluções
unificadas pelo que toca ao DIP, o DIP também não é unificado. Num problema de conflitos
de leis numa situação internacional, entre tribunais ingleses e escoceses, a solução pode ser
diferente. Se não há DIP unificado esse também não resolve os conflitos interlocais.
Para estes casos, o legislador português só tem mais uma solução, no artigo 20º nº2 –
residência habitual.
Assim: tentámos aplicar a lei nacional, mas não encontrámos normas de direito
interlocal unificadas; tentámos recorrer ao DIP unificado, mas também não existe, desistimos de
aplicar a lei nacional e passamos a usar a residência habitual.
Divergência Doutrinal
Na doutrina portuguesa temos aqui uma divergência de fundo:
2) Mas essa não era a única perspetiva possível, a interpretação declarativa do artigo 20º
nº2 não é a única possível. O professor Lima Pinheiro e a professora Magalhães
Colaço fazem uma interpretação restritiva do artigo 20º, entendendo que a
referência que é feita à lei da residência habitual deve ser entendida não com a
determinação de aplicar uma regra de conflitos de conexão múltipla subsidiária, mas
sim com um efeito meramente instrumental no quadro da determinação da lei
nacional aplicável. Por outras palavras, a residência habitual serviria para encontrar
o Direito local aplicável, no interior do Estado de que o individuo é nacional. Assim,
teríamos que distinguir entre dois tipos de situações:
Então qual é o critério que se aplica no caso em que o individuo tem residência habitual
fora do Estado de que é nacional? A resposta que é dada pelos professores é em dois
passos sequentes. O primeiro passo é dizer que da interpretação restritiva do artigo
20º nº2 resulta uma lacuna, porque o sistema não dá resposta direta ao problema. O
segundo é integrar a lacuna: o que temos que fazer é encontrar no interior do Estado
da nacionalidade do individuo o ordenamento jurídico local com a qual ele esteja
mais estritamente conexionado, ou seja, é aplicar a Ordem Jurídica local mais
estritamente conexionada com o interessado.
Vamos concretizar estas teses voltando ao caso do cidadão britânico que demos,
considerando que era residente em Glasgow. O individuo é britânico, morreu e deixou
património em Portugal.
Primeira hipótese, ele morreu tendo como última residência habitual Glasgow. Qual é a
solução para todos os professores mencionados? A aplicação da lei escocesa, mas:
1) para Ferrer Correia e Baptista Machado a aplicação da lei escocesa faz-se pela
aplicação do artigo 20º nº2 em que o elemento de conexão é a residência
habitual diretamente.
P á g i n a | 142
A solução é igual, mas o pensamento é diferente. Mas vamos dar uma hipótese para
vermos então as diferenças práticas que podem surgir: se o individuo que morreu reside
habitualmente em Portugal então:
2) Magalhães Colaço e Lima Pinheiro: isto não pode ser feito, porque isso
significa desistir de aplicar a lei da nacionalidade quando ele tem uma
nacionalidade, tratando-o como se fosse um apátrida – por alusão ao artigo
32º do Código Civil. Assim vamos aplicar a lei Escocesa por força da
integração de lacuna, caso esta seja a mais conexionada com a situação.
Também podia ser considerada a lei portuguesa se os bens fossem imóveis,
caso em que como já estudámos a conexão é maior com o local onde esse
imóveis.
Faremos agora uma exposição mais profunda sobre o debate entre as duas teses.
Os problemas da tese do professor Ferrer Correia e Bapista Machado é que para além de
se despojar do princípio da nacionalidade ainda viola o princípio da igualdade, porque
distingue entre nacionais de um Estado complexo e um Estado não complexo. Quanto ao
primeiro argumento falámos já porque não é tão forte e remetemos para nota de rodapé138.
Quanto segundo argumento da igualdade, também não será muito forte, porque a
desigualdade é potenciada pelo próprio Estado, não é a nossa solução a última culpada, o
Estado é plurilegislativo, pelas suas razões, e aí também trata os cidadãos com leis diferentes.139
Terceiro argumento serão os casos extremos: Um cidadão do Reino Unido, toda a vida
138Apesar do Código Civil preferir sistematicamente este elemento, também utiliza o elemento da
residência e hoje em dia os Regulamentos contam como DIP Português e estes preferem a residência
habitual. Assim o DIP português lida bem com a aceitação do elemento de conexão pela residência ou pelo
menos não há uma incompatibilidade com este, apenas há uma preferência pela nacionalidade.
139Como é que se destrói o problema do princípio da igualdade? Na medida em que remetemos para
diferentes leis nacionais, nessa medida, resultam soluções diferentes. Se é assim do ponto de vista do
Direito material, pode ser assim para o Direito de conflitos. Ou entendemos que a nacionalidade é em si
um critério incompatível com o princípio da igualdade – porque estabelece uma discriminação
fundada na nacionalidade – mas isto é absurdo, porque uma regra de conflitos que usa a nacionalidade
discrimina ou toma em consideração que há diferentes nacionalidades e que essas criam conexão estreita?
A resposta é obvia. Mas se podemos tratar diferentemente, no plano do Direito material, por força das
regras de conflitos, podemos tratar diferentemente nacionais de outros países por força das suas
leis interlocais ou pela sua falta. Por outro lado, defender esse argumento era ignorar que há inúmeras
situações de pessoas com nacionalidade que são regidas pela lei da residência habitual.
P á g i n a | 143
Além disso, temos de atender ao artigo 9º do Código Civil, este diz que o intérprete do
direito deverá considerar que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. Podemos claro
considerar que uma solução, resulta de um lapso do legislador, ou de falta de clarividência do
mesmo. No entanto neste preceito do artigo 20º em concreto sabemos de facto que lapso do
legislador não foi porque está muito bem explicado quer no anteprojeto, quer depois pela
própria doutrina. Aliás afastar a teses como a de Lima Pinheiro e Magalhães Colaço foi uma
opção deliberada.
Parece-nos assim que a questão que se coloca é verdadeiramente a de saber se o recurso
à lei da residência habitual no DIP português é um recurso excepcional ou normal – se a conexão
residência habitual é em geral considerada uma solução boa ou se é uma solução de ultima ratio,
apenas para evitar a negação de justiça. O que vemos no nosso Código Civil, analisando uma
série de disposições, é algo que corresponde à doutrina dos professores Ferrer Correia e
Baptista Machado, a ideia de acordo com a qual nacionalidade e residência habitual têm, à
partida, legitimidade semelhante. Havia que optar entre as duas e entendeu-se que a
nacionalidade traduzia uma solução preferível no confronto direto, mas isso não significa
que a residência habitual não tenha um título legítimo para ser aplicável, e isso resulta de
disposições como o artigo 31º nº2.
A outra solução também é aceitável, obviamente, até porque são fundadas em bons e
respeitáveis professores. Assim, ficamos com duas soluções, uma totalmente compatível com
a letra da lei e outra restritiva quase corretiva dessa letra.
Para o Professor Luís Barreto Xavier é a tese do professor Ferrer Correia que mais
vale, dizendo que a outra solução também é aceitável,
Uma nota final quanto à doutrina da professora Magalhães Colaço e Lima Pinheiro.
As lacunas integram-se por analogia em primeiro lugar, e estes autores encontram uma
analogia no artigo 28º da Lei da Nacionalidade. Em caso de concurso de nacionalidades, a
nossa lei da nacionalidade distingue duas hipóteses:
Assim, usam esta última norma, por analogia, para integrar a lacuna gerada pelo artigo
20º nº2 parte II.
Regulamentos
Até aqui estivemos apenas a ver as soluções que o DIP português apresente no seu
Código Civil. No entanto não esquecer o DIP português engloba ainda os Regulamentos
comunitários.
Sendo assim, a hierarquia de fontes tem de ser sempre considerada: O artigo 20º não
se aplica sempre que a remissão para lei estrangeira se obtém não por intermédio das regras de
conflitos do CC, mas sim por intermédio das regras de conflitos dos regulamentos da União
Europeia.?
Roma I e II
Os que contêm regras sobre esta matéria são o Roma I e Roma II porque eles não
preveem o elemento de conexão nacionalidade entre os elementos de conexão disponíveis, a
nacionalidade não é um elemento de conexão relevante nestes regulamentos.
Para o Roma I e Roma II, nos artigos 22º e 25º, respetivamente, remete-se
diretamente para lei da Ordem Jurídica do local para onde o elemento de conexão remeta,
independentemente do elemento de conexão em causa.
3) Outros fatores que não sejam fatores de conexão à lei da unidade territorial em
que se encontra o elemento pertinente.
Se houver uma conexão muito mais estreita com a lei de residência habitual?
Temos a norma do artigo 21º que estabelece uma cláusula de exceção, mas essa norma não
faz sentido aplicar porque só se usa a conexão nacionalidade no quadro da matéria sucessória
porque o testador escolheu já que a solução na falta de escolha é a lei da residência habitual, não
fazendo sentido afastar a lei nacional se foi a escolhida pelo testador.
No artigo 36º, quando é dada a solução da lei da unidade territorial com a qual o
falecido tinha a ligação mais estreita, não opera a cláusula de exceção do artigo 21º porque a
lei da nacionalidade só é aplicável de acordo com o Regulamento da matéria sucessória se
for a lei escolhida pelo de cujus e, no caso de escolha, faz sentido que se aplique a lei
escolhida mesmo que possa ser difícil encontrar essa lei, mesmo que houvesse outras
alternativas, ou mesmo que houvesse outra lei com a qual partilhasse uma conexão mais estreita
em abstrato – quando há escolha de lei, o critério decisivo deixa de ser a conexão mais estreita e
passa a ser a vontade das partes.
Roma III
Quanto ao Regulamento Roma III, nos termos do artigo 14º, temos uma solução
semelhante. Se a referência é feita a outro título, considera-se feita diretamente para a lei em
vigor na unidade territorial pertinente, se for uma referência a título da nacionalidade nos
termos da alínea c), aplica-se a lei da unidade territorial escolhida pelas partes, ou, na falta
de escolha, a unidade territorial com a qual o cônjuge ou cônjuges tenham uma ligação
mais estreita.
Código Civil
O que é que acontece, quando remetemos para um ordenamento jurídico deste tipo em
razão da nacionalidade, temos o artigo 20º nº3: Recorrem-se às normas de conflitos
interpessoais do Estado em questão. E se não conseguimos encontrar a lei aplicável com base no
Direito interpessoal aplicável? Se não conseguirmos encontrar uma norma de conflitos
interpessoal que nos dê uma resposta satisfatória? Há duas alternativas:
2) Dizer que há uma lacuna, não está previsto, e havendo lacuna, aplicar a lei com a
qual o indivíduo se encontra mais estreitamente conexionado, sendo que esta lei
não tem de ser a lei do Estado nacional, aqui não estamos vinculados a isso.
Regulamentos
Os Regulamentos Roma I e II não dizem nada – obviamente, porque não remetem
para a nacionalidade.
O Regulamento em matéria sucessória já diz, no artigo 37º, determina a mesma
solução – recurso ao direito interpessoal – e na sua ausência aplica-se a Ordem com a qual o
falecido tinha uma relação mais estreita.
A mesma solução é plasmada no Regulamento Roma III.
Vamos recuar. Por passos. Começar por fazer o ponto da nossa situação no estudo do
DIP: No direito deparamo-nos nas relações privadas internacionais diferentes normas
materiais, diferente regulamentação das situações privadas internacionais através de direito
substantivo que existe em cada Estado. Destas situações, a que chamámos logo no início do
caderno de situações plurilocalizadas/internacionais, surgem os conflitos de leis, nessas
situações contamos com duas ou mais OJ potencialmente aplicáveis. Aqui temos um conflito de
Leis140. Nesta altura do campeonato isto já para nós conhecido de trás para a frente.
Também já sabemos que há grandes esforços de unificação do direito material, esses
esforços ainda não atingiram a eliminação dos conflitos de lei, pelo contrário, há aproximação
designadamente no OJ europeu mas ainda não há uma eliminação das diferenças entre OJ. Por
força do estudo da qualificação, concluímos que da determinação da lei aplicável, através do
sistema que temos, pode verificar-se a ocorrência de, um conflito positivo de qualificações.
Isto é, normas materiais de diversos OJ mandadas aplicar por regras de conflitos do nosso DIP
(do nosso “sistema”) à mesma situação de facto ou então o nosso sistema não aponta designa
nenhuma norma material perante uma situação privada plurilocalizada. A estes conflitos de
qualificações dedicámos um capítulo “Qualficação” onde falámos de onde surgem este
problemas e como resolver os mesmos.
140Sendo que “Lei” aqui significa ordenamento jurídico/direito e não lei enquanto fonte de direito/ato
legislativo. Lei com letra maiúscula.
141 Aqui mais uma vez lembramos o que dissemos na nota de rodapé anterior.
P á g i n a | 149
A solução mais simples passa por fazer prevalecer o sistema do foro. É ignorar as
regras de conflitos do outro sistema, considerá-las irrelevantes. Há ainda que considere que
devêssemos resolver o conflito de sistemas considerando todos em paridade.
Quanto ao segundo modo de solução, há quem defenda que a paridade é um princípio
fundamental do DIP, e por isso deveria ser a solução. No entanto, por aí não atingiríamos uma
solução, porque colocando as normas jurídicas estrangeiras e as portuguesas no mesmo plano,
não conseguimos escolher quais devem prevalecer. Alguns autores defendem a criação de
um segundo sistema de DIP, um DIP para resolver conflitos entre normas de conflitos; mas
isso implicava a criação de um DIP de segundo grau ou uma comparação entre DIPs, o que
também não é possível ou é impraticável.
O que nos sobra fazer é prevalecer o sistema do foro, o que em princípio não é um
prejuízo total para a paridade, uma vez que as normas de conflitos são inspiradas
exatamente nessa paridade. O princípio da paridade aplica-se aos direitos materiais, mas não
tem o alcance de se aplicar às normas de conflitos. Não é negativo que assim seja, na medida
em que as normas de conflitos já são construídas com base em princípios e valores que
colocam em termos de igualdade e paridade os diferentes OJ, então não há inconveniente
em que à partida prevaleça a norma de conflitos do foro sobre a norma de conflitos estrangeira.
Aqui já estamos a contra-argumentar: devíamos era ignorar o direito de conflitos
estrangeiro. Ignorar o conflito de sistemas pode ter o inconveniente de que continuará a haver
uma divergência quanto à lei aplicável nos países em contacto com a situação. Se continuar a
existir essa divergência, o autor da ação vai ter a possibilidade de escolher onde vai propor essa
mesma ação, vai escolher o fórum em função dos seus interesses, e a outra parte vai ter que
se sujeitar à aplicação do direito de conflitos que foi escolhido pelo autor. Daqui emerge uma
situação de incerteza jurídica porque o réu, numa potencial ação, nunca sabe com o que é que
conta. Está aqui o inconveniente que é ignorar sistematicamente o conflito de sistemas.
Não é por uma ideia de paridade de tratamento entre o sistema de conflitos português e os
estrangeiros, mas por uma ideia de que o DIP se orienta no sentido de diminuir a incerteza
jurídica. Incerteza essa que seria potenciada sempre que as soluções que decorrem da aplicação
do direito num determinado sistema jurídico sejam distintas das que decorrem de órgãos de
aplicação do direito de um país diferente também interessado.
Mas porque é que o conflito de sistemas tem de ser resolvido? Uma pessoa vai a um tribunal, o foro
decide e acabou a questão ou não? Qual é que pode ser o problema de ignorar as normas de
conflitos estrangeiras? Potenciar o forum shopping. Isto é, porque os sistemas vão ter soluções
diferentes, o autor vai selecionar o foro mais favorável à sua pretensão, o que coloca o réu
numa posição de incerteza.
Temos a ideia de que cada Estado tem liberdade de definir se vai ou não ignorar o
conflito de sistemas, mas se ignorar isso pode ter consequências negativas pelo que toca
aos valores fundamentais que o DIP tutela: segurança jurídica. Ou pode ter consequências
negativas a partir de princípios que concretizam esses valores, como o da efectividade
das decisões ou o da harmonia jurídica internacional.
Entre estas duas considerações: por um lado, a margem grande de liberdade dos Estados
para definirem como resolver o conflito de sistemas, por outro lado, uma redução da incerteza
através da tomada em consideração do conflito de sistemas, é que vamos encontrar soluções.
P á g i n a | 151
Conflito Positivo
No DIP português, o conflito positivo de sistemas tem uma solução regra, e depois tem
soluções especiais.
2) Soluções Especiais:
Coloca-se ainda outra questão, porque a solução consagrada pode não ser
suficiente para a eficácia da decisão. Porque se os tribunais do lugar do
imóvel considerarem deter uma competência exclusiva para regular a
situação, a sentença portuguesa não vai ser reconhecida – apesar do
esforço.
b) Favor negotii: artigo 31º nº2. O nº1 indica-nos - não define - o que é a
lei pessoal. O que define o que é a lei pessoal é o artigo 25º C.C. define-se
em função da matéria que abrange. O artigo 31º nº 1 determina o modo de
concretização da lei pessoal que, em regra, se concretiza através do
elemento de conexão nacionalidade. O artigo 31º nº 2 C.C. estabelece
uma excepção.
142Sendo esta capacidade “especial” em relação à norma geral do artigo 25º C.C. Na última parte o
artigo 47º não faz senão reiterar essa regra geral.
P á g i n a | 152
Para o professor Ferrer Correia, não tem que ser a lei da residência
habitual a considerar-se competente – faz uma interpretação extensiva
-, basta que o negócio jurídico seja celebrado nos termos em que prevê a
lei que é considerada competente pela lei da residência habitual.
do nosso DIP no seu todo, é o DIP que dá prevalência à norma de conflitos estrangeira.
Fora estes casos, aplicamos a norma de conflitos portuguesa, assim resolvendo
o conflito de sistemas.
Há ainda uma hipótese próxima deste conflito de sistemas que tem que ver com as
normas de aplicação imediata estrangeiras. Se tivermos uma NAI de país que não é o da lex
causae ou o da lex fori e que se quer aplicar também, temos um conflito entre o sistema
conflitual a que pertence a NAI desse terceiro país e o nosso sistema conflitual. Naqueles
casos em que damos prevalência à NAI desse terceiro Estado estamos a dizer que essa norma de
conflitos unilateral ad hoc que manda aplicar a NAI prevalece sobre a norma de conflitos geral
vigente no foro. É uma expressão de uma solução especial para um conflito de sistemas
ainda que seja sui generis já que opõe uma norma de conflitos bilateral do foro, a uma
norma de conflitos unilateral ad hoc do país estrangeiro.
Conflito Negativo
Este conflito de sistemas acontece quando nenhum dos ordenamentos considera a sua lei
material aplicável. Analisando as normas e conflitos dos sistemas interessados encontramos
uma divergência nessas normas e dessa divergência resulta o facto de que nem a ordem
jurídica A nem a B se reputa como competente. As normas de conflitos das duas ordens
jurídicas mandam aplicar uma ordem jurídica que não aquela a que pertencem
Evidentemente que nos interessa resolver o conflito de sistemas que se suscitem perante
órgãos de aplicação do Direito em Portugal, e por isso temos que saber como é que tribunais
portugueses – e outros órgãos de aplicação do Direito – resolvem a questão.
Como é que a questão se coloca da perspetiva da aplicação do Direito em Portugal?
Resolvemos o problema da qualificação, da determinação da lei aplicável, uma vez
qualificadas as normas materiais potencialmente aplicáveis, e concluímos que a lei
aplicável é um direito material estrangeiro. A nossa norma de conflitos (norma da Lei I)
remete para lei estrangeira. Mas essa lei estrangeira (Lei II) não se reputa como aplicável, ou
seja, não se considera competente, reputando aplicável a Lei I ou uma Lei III. Lei I remete para a
Lei II que remete para a Lei I. A isto chamamos retorno ou reenvio. No caso em que Lei I
remete para a Lei II que remete para a Lei III temos o que apelidamos de reenvio de 2º grau ou
transmissão de competência.
O que é que deve fazer o aplicador do Direito em Portugal? Há duas atitudes possíveis:
aceitamos o reenvio nos dois casos ou não aceitamos o reenvio, considerando que não nos
interessa o que a Lei II em termos do seu DIP diz, porque achamos que a lei mais adequada para
reger a matéria é a Lei II – porque tivemos cuidado em escolher o elemento de conexão para a
P á g i n a | 155
matéria e concluímos que aquela seria a solução mais acertada – e aí, o que a Lei II diz sobre se
quer que a sua lei seja aplicada ou não, não nos diz respeito, e aplicamos a Lei II.
Teses
Tese anti-reenvio ou anti-devolucionista: Teoria de acordo com a qual quando um
ordenamento jurídico remete para lei estrangeira está a remeter, nessa lei estrangeira, não para
todo o ordenamento jurídico – não remete para o DIP estrangeiro, designadamente – mas
apenas para o Direito material estrangeiro, para as normas materiais estrangeiras. Esta ideia
de não aceitação do reenvio, de se considerar irrelevante as normas de conflitos da Lei II pode
assentar num pressuposto de que a função da norma de conflitos é apenas a de remeter para o
Direito material da lei designada através do elemento de conexão das regras de conflitos do foro.
Esta tese vai sustenta-se com uma forma teórica de resolver o problema e uma forma
pragmática de o resolver. A forma teórica do resolver liga a resolução do problema do
reenvio à natureza das normas de conflitos. De acordo com a teoria, a explicação basea-se na
natureza jurídica da norma de conflitos, a norma de conflitos teria como natureza,
exclusivamente, remeter para o Direito material ou substantivo da lei designada. Se a lei
portuguesa remete para a lei nacional, pela natureza das coisas, é apenas para o Direito material
do país da nacionalidade que está a remeter, e não para as normas de conflitos dessa lei. Isso
significa que para esta tese o problema do reenvio é um falso problema, que não existe.
Mas ainda no plano teórico podemos raciocinar ao contrário. Quando remetemos para
uma lei estrangeira, não estamos meramente a remeter para o Direito material, mas
necessariamente temos que tomar em consideração que o Direito material estrangeiro
tem uma ligação incindível com o respetivo DIP. Estarmos a aplicar a norma material
estrangeira contra a vontade do Direito Estrangeiro era estarmos a desnaturar a lei
estrangeira, era violentarmos a lei estrangeira em vez de a aplicarmos.
Assim, tendo em conta a ligação incindível entre o direito material e o DIP, temos que
respeitar o DIP estrangeiro e tomar em consideração o que ele diz, para consagrarmos o
instituto do reenvio. De acordo com esta tese, caracterizada no plano teórico, temos uma
referência global à lei estrangeira e não uma mera referência material. Assim, de acordo com
esta tese oposta à primeira, não remetemos para o Direito material, mas para o Direito
estrangeiro no seu todo.
Podemos resolver o problema com base na natureza jurídica das normas de conflitos?
Aqui, como sempre, a resposta é negativa. Os problemas jurídicos não se devem resolver de
forma conceptualista, apenas com referência à natureza jurídica de certo facto. O recurso à
natureza jurídica pode ajudar, mas não deve ser o elemento decisivo para resolver um
problema prático, isto vale em geral para toda a ciência do Direito. A discussão teórica sobre
saber se a norma de conflitos, pela sua natureza, remete para o Direito material estrangeiro ou
para a totalidade do Direito estrangeiro, no plano teórico não tem solução, porque nenhuma
das teses tem a seu favor argumentos totalmente procedentes, tudo depende daquilo que o
sistema de DIP do país que consideremos estabelecer. A solução não se obtém deduzindo uma
solução a partir de um conceito, mas a solução obtém-se deduzindo conclusões a partir dos
dados normativos e dos princípios em que os dados normativos se apoiam. Temos que ver
o que é que o sistema responde.
P á g i n a | 156
Contudo, a tese contrária, do ponto de vista teórico, de acordo com a qual quando
remetemos para lei estrangeira apenas se reporta ao Direito material estrangeiro, essa
tese, enquanto teoria explicativa da natureza da norma de conflitos, também não é satisfatória,
porque pode bem haver razões que levem a que, tal como acontecia no caso dos conflitos
positivos de sistemas, seja conveniente tomar em consideração uma norma de conflitos
estrangeira. Pode haver hipóteses em que, por força de princípios fundamentais143 do DIP do
foro, tenhamos que tomar em consideração a norma de conflitos estrangeira.
Temos de abandonar a perspetiva teórica que respeita à natureza jurídica das
normas de conflitos e a natureza jurídica da remissão para lei estrangeira – abandonar a
querela teórica que não leva a lado nenhum – para adotarmos a perspetiva pragmática, onde
a questão que se coloca é saber qual é a melhor solução do ponto de vista dos valores e
princípios próprios do DIP. Essa melhor solução não é necessariamente monista ou
maximalista, que rejeite sempre ou aceite sistematicamente o reenvio.
A solução pragmática, orientada pelos valores do DIP, pode ser uma solução que
combina algo das duas perspetivas e que se sirva do reenvio não como princípio geral, ou
como teoria explicativa, mas como instrumento técnico para tutelar os valores e princípios
do DIP.
Ou seja, não vamos consagrar nem a tese da referência material, nem vamos
aceitar o reenvio como expressão da natureza jurídica da norma de conflitos.
O que vamos fazer é ter uma solução geral e termos depois soluções especiais que
sejam adotados sempre que tal se justifique.
A primeira ideia que extraímos do CC Português é de que o reenvio não tem uma solução
única. Usamos o reenvio como meio técnico para atingir certos resultados que estão de
acordo com a nossa visão do DIP e dos seus princípios. Isto significa que, de acordo com a
lógica deste pensamento, temos sempre uma solução geral quando não existam caminhos
especiais.
Qual é a solução? A que apresenta o artigo 16º CC145. Qual é a regra geral? Não
aceitação do reenvio. Na falta de preceito em contrário, quando remetemos para lei
estrangeira, reportamo-nos apenas às normas materiais estrangeiras. Na falta de preceito em
contrário, o que decorre da referência à lei estrangeira é a aplicação do Direito substantivo desse
ordenamento.
A doutrina portuguesa tem entendido que mais rigoroso do que princípio geral é a
ideia de regra geral, porque não temos um princípio fundamental de afastamento do
reenvio e algumas exceções através de normas excecionais que venham estabelecer em certos
casos a possibilidade de aceitação. O que temos, como diz Isabel Magalhães Colaço, são vários
subsistemas de solução dos conflitos de sistemas, e a regra do artigo 16º tem um alcance
residual e que vai intervir sempre que não existam regras que não são excecionais, mas
especiais relativamente ao artigo 16º. Isto porque essas regras não contrariam nenhum
princípio de fundo do Direito português, o que acontece é que o artigo 16º tem que ser
combinado com os outros artigos.
Vista a solução geral, quando é que se justifica aceitar o reenvio? O problema deixou
de ser o da natureza da norma dos conflitos, passou a ser quando é que o reenvio deve ser
utilizado. Um fundamento possível para a aceitação do reenvio é a ideia de efetividade das
decisões. Num caso em que a efetividade da decisão dependa da aplicação de Direito de
Conflitos da Lei II, esse pode ser um argumento a favor da aceitação do reenvio.
Com o reenvio de 1º grau, deixamos de aplicar a lei estrangeira e passamos a aplicar a lei
portuguesa. Temos de ver para estes casos qual será o argumento, porque aí a efetividade da
decisão só depende de Portugal e por isso não é argumento. Um argumento poderia ser que a
aplicação da Lei material do foro é mais confortável para os juízes portugueses, no entanto o
argumento do conforto não pode ser procedente.146
O favor negotii, pode em certos casos fundamentar o reenvio, sendo que através do
reenvio pode vir a ser favorecida a validade do negócio jurídico.
A Harmonia jurídica internacional: Se através do reenvio conseguirmos chegar a uma
solução que seja aceite pelos principais sistemas interessados, os sistemas em contacto com
a situação, estamos a reduzir a incerteza jurídica inerente às situações privadas
internacionais.147 Assim, se a solução é igual, então o reenvio pode ser usado para promover a
aplicação dessa lei. Isto não serve para os casos de retorno se ambos os ordenamentos
permitirem o reenvio. Mas, na hipótese em que o ordenamento da Lei II é contrário ao reenvio, e
em que o juiz da Lei II, quando se deparar com o problema, aplica a Lei I. Nesse caso, mais vale
aplicar a Lei I, e estamos de acordo com a Lei II faria se fosse chamada a pronunciar-se
sobre o caso. Se a Lei II aplicar a Lei I, considerar competente o Direito material de Lei I, mais
vale entendermos que aplicamos a Lei I.
Exemplo: Lei portuguesa reenvia para Lei espanhola, mas o DIP espanhola devolve a
Portugal. Neste caso para conseguir harmonia jurídica e reduzir a incerteza mais vale a pena o
sistema português não voltar a enviar para o espanhol e aplicar o direito do foro. Se esta solução
estiver consagrada, tanto a Lei portuguesa como a Lei espanhola considera o direito material
português a solução para o caso. Há harmonia. Esta solução é de facto consagrada num artigo do
CC Português, o artigo 18º nº1.
Artigo 18º nº1: se a norma designada pelo Direito de conflitos apontar para o Direito
interno português é esse que se aplica. O artigo 18º nº1 prevê que Lei II remeta para o
Direito interno, com sentido de Direito material. E quando é que a Lei II remete para o
Direito interno português? Quando, ao remeter para o Direito português, o faz com
rejeição do reenvio, porque de outra forma A Lei 2 aplicaria a Lei 2 – na medida em que
aceitaria o reenvio que a Lei portuguesa faz para ela. Se Lei II remeter não apenas para o
Direito interno português, mas também para a sua norma de conflitos, não remete
meramente para o Direito interno português, a Lei II diria que se aplicava a Lei II e não
havia harmonia nesse caso se aplicássemos o 17º. O reenvio aqui é um instrumento
necessário para atingir a harmonia jurídica internacional. Nas hipóteses de retorno
em que a Lei II remete para a lei portuguesa, se o fizer pela referência material ao Direito
146Não pode ser procedente porque o argumento, por si, é contrário à ideia de paridade entre
ordenamentos. Este argumento, possível, não é válido no sistema português, porque este não assenta
na ideia de favorecimento de aplicação do foro, mas sim numa ideia de paridade de tratamento,
porque só essa é que é compatível com o resto do DIP. Mas isto não significa que no Direito Comparado
não existam países onde o retorno é aceite de forma direta e camuflada com o objetivo de
maximizar a aplicação da lei do foro, como o Direito francês.
147Poisa solução da relação controvertida será uma solução que não é diferente em função do país onde
a questão é suscitada.
P á g i n a | 159
Português – e portanto não apenas uma remissão para o nosso Direito mas uma remissão
para o nosso Direito material – então a solução mais correta do ponto de vista prático é
aceitar o reenvio da Lei 2 para a lei portuguesa, porque assim chegamos a uma solução
que não sendo a aplicação da lei que em primeira linha consideraríamos mais adequada,
é em todo o caso preferível por força de se conseguir, através dela, a harmonia
jurídica internacional.
Se A Lei 2 remete para a Lei Portuguesa, mas permite um reenvio – portanto, aplica a Lei
2. Não se aplica o 18º nº1, porque a Lei 2 não remete apenas para o direito material
português. O que é que fazemos? Aplicamos o artigo 16º, e mandamos aplicar a Lei 2,
porque é para essa lei que remetemos. Há harmonia jurídica na mesma148
Isto só serve para os casos de reenvio de primeiro grau também chamados de retorno.
Qual é o fundamento das soluções dos artigos 17º nº1 e 18º nº1? Princípio da
harmonia jurídica internacional, que se sobrepõe à ideia que esteve na base da escolha do
elemento de conexão pelo ordenamento português. Estas normas são as mais importantes em
sede de reenvio: artigos 16º, 17º nº1 e 18º nº1. Mas há outras que tornam as soluções mais
complexas, introduzindo outros princípios – como o favor negotii e o da maior proximidade –
mas a base é esta.
148A lei 2 considera-se competente porque remete para o Direito português e este devolve-lhe a questão, e
a Lei portuguesa considera a Lei 2 competente por aplicação do artigo 16º (ignora o seu DIP). Ambos os
sistemas concordam em aplicar a Lei 2. Há harmonia.
P á g i n a | 160
→ Referência material
Devolução simples
=> Dupla devolução
-> Remissão Portuguesa
Legenda
L1 L2
L1L2
L1 L2 → L3
L1 L2 L3
L1 => L2 L3
a colocar-se nos sapatos de L2, ou seja, vai julgar como julgaria o juiz que
está situado em L2. Ora, o juiz em L2 pratica devolução simples, razão pela
qual remete para L3 e aceita um reenvio, ou seja, a L2 considera-se a si
própria competente. Se L2 faz isto, L1 vai fazer exatamente a mesma
coisa. Neste caso, atingimos a harmonia jurídica internacional, porque L3
também aplica a L2 a título de referência material. Todos sistemas
concordam em aplicar a solução material de L2.
L1 => L2 L3
L1 => L2 → L3
L1=>L2
L1=>L2
L1=> <=L2
A lei portuguesa remete para a L2 e a L2 faz referência material a LPT: O que vai
acontecer? Artigo 18º nº1. A L2 ao remeter para a LPT fá-lo através de referência
material, remetendo para o direito interno, ou material, da LPT. Ao aceitarmos, neste
caso, o reenvio da L2 (contrário à regra geral de recusar), vamos atingir a
harmonia jurídica internacional na medida em que quer a LPT, quer a L2 vão
aplicar a mesma lei, ou seja, ambas as leis vão considerar competente a LPT.
A lei portuguesa remete para a L2 que pratica devolução simples para a lei
portuguesa: LPT remete, através de uma norma de conflitos qualquer, para uma lei
estrangeira, L2, que remete para a LPT através do sistema da devolução simples, pelo
que remete para a norma de conflitos da LPT, aceitando o reenvio da LPT para a L2
e considerando competente a L2. Assim, L2 aceita o reenvio para a sua própria lei,
L2. O que vai fazer a LPT? Não vai usar o artigo 18º nº1 porque a L2 não remete
para o direito interno português, mas para a norma de conflitos. Assim, não
podendo aplicar o artigo 18º, aplicamos a regra geral, do artigo 16º, ou seja,
P á g i n a | 166
aplicamos L2, a lei designada pela nossa norma de conflitos, porque entendemos que
não há razão para afastar a nossa norma de conflitos.
Lpt -> L2 → L3
Lei Portuguesa remete para a L2 que pratica referência material para a L3, que se
considera competente: Que lei vai aplicar L1? O artigo 17º/1 é aplicável, porque L1
remete para L2 e L2 remete para L3, que se considera competente para resolver o
caso, sendo irrelevante saber qual o sistema de conflitos dessa lei porque para essa
lei não há um conflito negativo de sistemas. Assim, é aplicável L3 porque L2 aplica L3
e L3 aplica L3, pelo que, por força do princípio da harmonia jurídica
internacional consagrado no artigo 17º nº1, vamos aplicar L3.
Lei portuguesa remete para a L2, L2 pratica referência material para L3 que pratica
devolução simples para L2. Assim: L2 remete para L3 e considera aplicável L3, L3
remete para L2 e considera aplicável L3, pelo que, nesse caso, devemos aplicar o
artigo 17º nº1 — é irrelevante que L3 se considera competente de forma indireta,
só releva que ela se considere competente. De acordo com a ratio legis de obter a
harmonia jurídica internacional, devemos aceitar a aplicação do 17º nº1 e,
consequentemente, o reenvio. Para L2 é indiferente o que faz L3, mas nós não
somos L2, para nós releva o que faz L3 porque o artigo 17º nº1 só se vai aplicar se
L3 se considerar competente.
Lei portuguesa remete para L2 que pratica referência material para L3 que pratica
referência material para L2: L2 remete para L3 e L3 não se considera competente
porque remete para L2 por referência material, pelo que L3 não se considera a si
própria competente, mas considera L2 competente. Falhando este pressuposto, não
podemos aplicar o reenvio nos termos do artigo 17º/1, pelo que temos de
aplicar a regra geral do artigo 16º, e, consequentemente, vamos aplicar L2.
Lpt -> L2 L3
Lei Portuguesa remete para L2 que pratica devolução simples para L3 que pratica
devolução simples para L2. L2 remete para L3 e aplica L2, L3 remete para L2 e
aplica L3, o que é que vai acontecer? Aceitamos ou não o reenvio? Aqui temos um
problema, ou aceitamos uma leitura literal do artigo 17º nº1 e, se assim for,
aceitamos o reenvio para L3, já que esta se considera competente e L2 remete
para ela. Mas há dois argumentos para que não possamos aceitar o reenvio
apesar de parecer que o artigo 17º nº1 o manda aceitar:
• Literal: É o próprio artigo 17º nº1 que faz referência não apenas à norma de
conflitos de L2, mas também ao DIP de L2. O próprio artigo 17º nº1 faz
apelo ao sistema de reenvio da L2, ao utilizar a expressão “Direito
Internacional Privado” e não apenas a norma de conflitos de L2.
Lei Portuguesa remete para L2 que pratica dupla devolução para L3 que pratica
devolução simples para L2: L2 vai aplicar a lei que seria aplicável em L3, L3 vai
aplicar L3, logo, L2 vai aplicar L3. Portanto, de acordo com o artigo 17º nº1, o DIP
de L2 vai considerar competente L3, L3 considera-se a si própria competente,
logo, nós aceitamos a aplicação também de L3 para atingirmos a harmonia
jurídica internacional.
Lei portuguesa remete para lei estrangeira e essa lei estrangeira pratica dupla
devolução. O que vamos fazer? Uma resposta possível é dizer que não há solução, mas
o nosso direito não permite que os órgãos de aplicação de direito se recusem a
decidir com falta de disposição da lei. Na verdade, há solução, a L2 faz o que a Lpt
fizer sistematicamente, mas a Lpt manda aplicar a L2. É um jogo de ping-pong. Qual
será a solução? O sistema da dupla devolução adoptado por L2 significa que o juiz ou
órgão de aplicação de direito da L2 vai aplicar a lei que seria aplicável em Portugal,
neste caso. Ou seja, vai aplicar, vai considerar competente a lei que em Portugal seria
considerada competente. Este caso oferece à partida dúvidas, não tem uma solução
óbvia. Então como fazemos? A lei portuguesa adopta o sistema português e a L2 dupla
devolução, a lei portuguesa remete através da nossa norma de conflitos para L2, a L2
através do sistema de dupla devolução remete ara a lei portuguesa. Este problema
deve ser analisado de acordo com que disposições? artigo 16º C.C. e 18º C.C. - O 17º
C.C. não está em causa porque não há uma transmissão de competência, não há
referência para uma terceira legislação no caso, temos apenas a L2 e a Lpt. É à luz do
artigo 18º que temos que ver se há reenvio, se não houver aplicar-se-á a regra
geral do artigo 16º C.C. Qual o fundamento das exeções que vimo até aqui (17º e 18º)
em relação ao 16º? A harmonia jurídica internacional. Não aceitamos o reenvio de
forma sistemática, mas apenas quando conduz e é condição para atingir a
harmonia jurídica internacional. Neste caso o que vai acontecer? Quer aceitemos
o reenvio ou não o aceitemos, o aplicador do direito da L2 vai fazer a mesma
coisa, se nós aceitarmos o reenvio o que é que se fará no país de L2? Vamos admitir
que se trata da lei inglesa. Se aplicarmos a lei portuguesa o que o juiz inglês faz é aplicar
a lei portuguesa, se aplicarmos a lei inglesa o juiz inglês aplica a lei inglesa. Desse ponto
de vista é indiferente. E do ponto de vista da harmonia jurídica internacional? Se nós
aceitarmos o reenvio, os órgãos de aplicação do direito ingleses também o vão aceitar
e se não aceitarmos também não o aceitam. Eles vão fazer o que fizermos. A atitude
P á g i n a | 168
adoptada nos tribunais português adopta-se nos tribunais ingleses sendo por isso
indiferente do ponto de vista da harmonia jurídica internacional aplicar a lei
inglesa ou portuguesa. Sendo indiferente há duas posições possíveis. Se ambas as
soluções salvaguardam a harmonia jurídica internacional, mais vale aplicar a lei
portuguesa porque é a lei do foro. É aquela que o juiz melhor conhece portanto,
de acordo com o principio da boa administração da justiça deve ser esta a lei
aplicável. Se ambas as soluções garantem a harmonia jurídica internacional, então o
reenvio não é instrumento necessário para atingir essa harmonia, portanto devemos
aceitar a regra geral do artigo 16º C.C. Esta questão é discutida na doutrina e
existe uma posição maioritária onde se insere Barreto Xavier e uma posição
minoritária. Baptista Machado entendia que, precisamente, sendo indiferente do
ponto de vista da harmonia jurídica internacional aceitar ou não o reenvio, devíamos
aceitá-lo, neste caso, para tutela do princípio a boa administração da justiça.
Portanto, a ideia de acordo com a qual o juiz português aplicará uma justiça de maior
qualidade se aplicar o direito português. A restante doutrina e jurisprudência não
concordam com esta tese minoritária de Batista Machado porque:
Artigo 36º C.C: Tem um campo de aplicação, hoje, restringido por força do
Regulamento Roma I. O artigo 36º C.C. aplica-se aos negócios jurídicos que não sejam
regulados no âmbito do Roma I porque esse tem disposições relativas a todas as matérias. O que
nos diz o artigo 36º C.C.? Vale não só para negócios de natureza obrigacional, mas também
vale como regra geral em negócios de matéria familiar. O artigo 36º C.C. estabelece uma
regra de conflitos de conexão múltipla alternativa o que significa que o negócio vai ser tido
por válido desde que obedeça à forma estabelecida em um dos OJ alternativamente
aplicáveis. Portanto, esta disposição é uma regra de conflitos que se orienta em função do
resultado. Qual é esse resultado? A validade formal da declaração negocial, e portanto,
P á g i n a | 171
consagra o princípio do favor negotii. Quais as leis alternativamente aplicáveis por força do
artigo 36º C.C.? Lei aplicável à substância do negócio que é determinada por força da regra
de conflitos correspondente à substância do negócio em causa. Se o negócio é uma
convenção antenupcial será a regra de conflitos correspondente a determinar-se, se for uma
perfilhação a mesma coisa, se for uma adopção a mesma coisa. Ou seja, se a lei aplicável à
substância do negócio tiver regras em matéria de forma que considera o negócio valido, então
ele é válido.
Se essa lei considerar que o negócio é quanto à forma é inválido ainda assim pode o
negócio ser considerado formalmente válido se obedecer à forma prescrita pela lei do local da
celebração. Se a lei do local onde o negócio for celebrado o considerar válido formalmente, então
ela prevalece já que prevalece a lei que permite salvar a validade do negócio.
A segunda parte do artigo 36º C.C. estabelece um limite. Este limite respeita a que
tipo de normas? A conexão alternativa e o favor negotii não vai prevalecer nos casos em que a
lei aplicável à substância do negócio contenha exigências de forma com carácter de
aplicação imediata. Isto é, há um limite a esta conexão alternativa, limite ao próprio favor
negotii, que nos é dado em função da existência de NAI do país da lei aplicável à substância do
negócio. Este limite é paralelo a uma norma que já estudámos no Roma I a propósito dos
contratos que têm por objecto direitos reais sobre imóveis.
Mas o artigo 36º tem um número 2 que vem dizer mais alguma coisa. Admitindo que
as partes celebraram determinado negócio mas este foi celebrado não à luz do direito material
da lei do lugar da celebração, mas antes à luz da lei mandada aplicar pela lei do lugar da
celebração, portanto, pela lei considerada competente nesta matéria pela lei do lugar da
celebração. Exemplo: As partes consultaram um advogado, ou dirigiram-se a oficial público -
conservador do registo ou notário - que disse que a lei aplicável em matéria de forma era
outra lei que não a lei local, e por isso as partes obedeceram à forma prescrita por essa
outra lei. “Você não precisa de obedecer à exigência de escritura pública necessária de acordo
com o direito português mas pode celebrar por mero escrito particular porque essa é a lei
considerada competente no país da celebração.” Nesse caso o que estabelece o artigo 36º/2? Por
um lado, que a lei mandada aplicar pela lei do lugar da celebração é mais uma lei
alternativamente aplicável. Ou seja, esta regra de conflitos de conexão múltipla alternativa
introduz uma terceira alternativa para salvar a validade formal do negócio.
De acordo com o artigo 36º/2 C.C. aceitamos o reenvio por força da remissão da lei
do lugar da celebração para uma outra legislação, independentemente de essa se
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considerar competente ou não, porque o que fundamenta este reenvio é que o negócio
seja válido no lugar da celebração e não a harmonia jurídica internacional.
Precisamente o mesmo esquema aparece no artigo 65º C.C. embora aqui, mais ainda
do que no artigo 36º C.C., este artigo tenha um efeito prático desprezível devido à entrada
em vigor do Regulamento em matéria sucessória. Apesar de tudo continua a aplicar-se ainda
às sucessões abertas antes da entrada em vigor do mesmo.
O artigo 31º/2 é, porventura, a disposição que mais longe leva a relevância da lei
da residência habitual enquanto conexão importante em matéria de estatuto pessoal. Porquê?
São reconhecidos, em Portugal, os negócios jurídicos, subentenda-se do estatuto pessoal
porque o artigo 32º/2 C.C. é precisamente isso, é uma excepção, é uma norma que vem no
contexto do número 1, portanto, que se aplica no âmbito do estatuto pessoal. Se se tiver
celebrado um negócio de acordo literalmente com o 31º/2 é um negócio celebrado no país da
residência habitual de acordo com a lei desse país e desde que essa lei se considere
competente.
A própria ratio legis, a razão de ser do artigo 31º/2 C.C. aponta no sentido de que os
requisitos que aqui se estabelecem no artigo 31º/2 C.C. estão estabelecidos porque esses são os
casos mais frequentes, é o exemplo clássico de portugueses residentes habitualmente no
estrangeiro, por exemplo no Brasil, em país onde a lei da residência habitual se considera
competente nessas matérias e celebram certo negócio que, à partida, não seria válido de acordo
com a nacional, de acordo com a lei portuguesa. Ora nesses casos, se acordo com o artigo 32º/1
C.C. se esse negócio foi celebrado de acordo com a lei desse país, que se considera
competente, portanto, reconhece os efeitos desse negócio, esse negócio consolida-se na OJ da
lei da residência habitual, então a lei portuguesa reconhece a validade desse negócio,
ainda que este seja contrário ao direito material da nacionalidade dessas pessoas. O
verdadeiramente essencial não é o lugar da celebração, os portugueses que residem no
Brasil poder-se-iam ter deslocado a outro país estrangeiro para formalizar o negócio,
designadamente o casamento. O facto de terem formalizado o casamento ou aí terem feito
a festa, não afasta a circunstância de que o que é relevante é que esse negócio produza os
seus efeitos normais no país da residência habitual, consolide aí os seus efeitos. O negócio
jurídico em causa pode produzir os seus efeitos normais no país da residência habitual por duas
razões: 1)ou porque esse negócio obedeceu aos requisitos estabelecidos pelo próprio direito
material da residência habitual;2)Ou porque esse negócio foi celebrado ao abrigo da lei
considerada competente pela lei da residência habitual. Mesmo que este negócio tenha sido
celebrado não à luz do direito material da residencial habitual mas à luz da lei considerada
competente, mandada aplicar pela lei da residência habitual, se este negócio produz os
seus efeitos normais nesse país, então ele também tem que ser reconhecido em Portugal.
O que temos nesse caso? Se o negócio foi celebrado num terceiro país, à luz das normas, do
direito substantivo desse país, mas que é considerado competente pela lei da residência habitual
P á g i n a | 173
A LPT remete para a Lei da nacionalidade (L2) que pratica devolução simples remetendo
para a Lei da residência habitual (L3) e a L3 considera-se competente: Nesta hipótese, estamos a
operar dentro do domínio do estatuto pessoal, do âmbito de aplicação da lei pessoal, e, nesta
matéria, a lei portuguesa, no artigo 25º complementado por outras disposições, remete para
a lei da nacionalidade. Todavia, vamos admitir que a lei nacional (L2n) não se considera
competente e manda aplicar a lei do lugar da celebração de determinado ato ou NJ de
estatuto pessoal (L3) e essa L3 considera-se competente. Em princípio, devíamos aceitar o
reenvio devido à harmonia jurídica que conseguimos entre a L2 e L3. Mas o artigo 17º vem
estabelecer um desvio que aparece no nº2.
Em duas hipóteses do artigo 17º nº2 o reenvio cessa, o que é que elas têm de comum?
A questão da residência habitual. O que há de comum é o facto de que tanto num, como noutro
caso, as regras de conflitos correspondentes apontam para a lei nacional, quer nos casos
em que o interessado reside habitualmente em Portugal e já sabemos que as normas de
conflitos de fonte interna em Portugal têm uma preferência pela lei nacional, quer nos casos em
que o interessado reside habitualmente num outro país que considere aplicável a lei da
nacionalidade.
O que o número 2 diz é que estes dois casos fazem cessar o reenvio, ou seja, vai-se
aplicar a lei definida pela nossa norma de conflitos que, neste caso, é a lei da
nacionalidade. O nº2 está a dizer é que dentro do estatuto pessoal, há fundamentalmente
duas leis interessadas, duas leis com legitimidade para serem trazidas à colação para poderem
reger a matéria – a lei da residência habitual e a lei da nacionalidade – em Portugal, damos
prevalência à lei da nacionalidade, mas também consideramos que a lei da residência habitual
tem um papel significativo a desempenhar.
O artigo 17º nº2 tem, no fundo, estas duas ideias:
Com base nestas duas ideias, o regime que aqui se estabelece, embora não atinja uma
harmonia jurídica internacional entre a lei da nacionalidade e a lei da residência habitual,
o que seria o ideal, consegue uma solução que é um mal menor porque aplica, por um lado,
uma destas leis mais estreitamente conexionadas – a lei nacional – e essa lei é mandada
aplicar pela outra, pela lei da residência habitual. A alternativa seria aceitarmos o reenvio para
uma terceira lei, neste caso, a lei do lugar da celebração, mas essa não é a lei da residência
habitual nem a da nacionalidade, e não estaria verdadeiramente conseguida a harmonia
jurídica internacional que releva na matéria do estatuto pessoal, porque a harmonia que
interessa nesta matéria é a harmonia entre a lei da nacionalidade e a lei da residência
habitual.
1) É preciso que o 17º nº1 esteja preenchido, sendo o número uma exceção ao nº1:
Em alternativa: O interessado resida habitualmente em território português;
2) Em alternativa:
Como estamos em matéria de estatuto pessoal pressupomos que se aplica, por causa
disso, a lei da nacionalidade. Isto dizendo que não estamos numa das exceções que não aponta
para a lei nacional.
A LPT (Lei da residência habitual) remete para a Lei da nacionalidade (L2) que pratica
devolução simples remetendo para a Lei da localização de determinado imóvel (L3) e a L3
considera-se competente.
Vamos admitir que por força do regime português de incapacidade negocial dos
menores existe um ato relativo a um imóvel, uma questão relativa a um imóvel, ou, de acordo
com o novo regime do maior acompanhado, o que importa é que há uma questão jurídica suscitada
em Portugal, sendo que a LPT remete para a lei da nacionalidade do incapaz (L2 ou LN)
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O que é que está subjacente ao artigo 17º nº3? É verdade que nestas matérias a lei
nacional e a lei da residência habitual são as únicas duas leis interessadas, mas há uma exceção a
esta ideia, e esta exceção diz respeito às hipóteses de estatuto pessoal nas quais um elemento
patrimonial tenha uma relevância grande. Pode ter relevância para efeitos de se obter
exequibilidade da nossa decisão, ou seja, para que a nossa decisão seja eficaz no país no local
onde se encontra o património imobiliário que está em causa nessas matérias.
É claro que nas matérias indicadas no artigo 17º nº3, parte delas são regidas hoje
por regulamentos europeus, ou seja, a matéria da sucessão por morte não está sujeita ao
artigo 17º/3, salvo se a sucessão tiver sido aberta antes do início da vigência do
regulamento, e o mesmo acontece quanto aos regimes de bens na medida em que entrou
em vigor em Janeiro deste ano – o campo de aplicação do artigo 17º/3 está limitado, mas
quando ele se aplica, ele aplica a lei da situação dos imóveis porque essa mesma lei se
considera competente, para que se obtenha mais facilmente a exequibilidade, a eficácia, o
reconhecimento da decisão, emanada pelo aplicador do Direito em Portugal.
Estamos ainda dentro das matérias do estatuto pessoal, a lei portuguesa remete para a
lei da nacionalidade (L2 ou LN) que remete para a lei portuguesa, que é a lei da residência
habitual (LPT que é LRH).
Nos termos do artigo 18º nº2, temos que testar para saber se podemos ou não aceitar o
reenvio ou não. Quer por força do artigo 17º, quer por força do artigo 18º, temos que verificar se
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Fora destes casos, não aceitamos o reenvio em matéria de estatuto pessoal. Por
exemplo, se a lei da residência habitual se considerar competente ou considerar uma outra lei
competente, nós vamos aplicar o artigo 16º e não o artigo 18º, pelo que aplicamos a lei
nacional e não a lei portuguesa.
Artigo 19º
LPT -> L2 (que é LN) -> LPT (que é LRH)
Voltamos à hipótese em que o artigo 18º nº1 e 2 estão preenchidos, mas vai acontecer
que, por força da aceitação do reenvio para a LPT, um determinado NJ que era válido à luz da
lei nacional deixa de ser considerado válido, e é considerado inválido, ou um determinado
NJ que era eficaz à luz da LN, mas não terá eficácia se for aplicada LPT, ou um
determinado estado pessoal que foi constituído e é considerado legítimo de acordo com
LN, deixa de ser considerado como constituído ou legítimo perante a aplicação da lei da
residência habitual que é a lei portuguesa. Quid iuris?
O artigo 19º nº1 responde, consagrando o princípio do favor negotii, não como
fundamento para o reenvio, mas como limite ou restrição ao reenvio.
Ou seja, o que é que o legislador estabelece aqui? Uma prevalência do princípio do
favor negotii sobre o princípio da harmonia jurídica internacional, naqueles casos
específicos que aqui estão referidos o reenvio cessa para garantir a salvaguarda da validade
e eficácia de determinado negócio jurídico ou estado pessoal.
Aqui temos doutrina nos dois sentidos, há quem entenda que esta disposição se aplica
apenas a situações já constituídas, e há quem entenda que se aplica também a situações por
constituir.
Pelo contrário, o professor Lima Pinheiro não estabelece esta distinção e, portanto,
entende que se aplica o artigo 19º mesmo que o negócio jurídico ainda não tenha sido
celebrado.
O prof. Ferrer Correia ainda vai mais longe dizendo que as expectativas só são dignas
de tutela jurídica pelo artigo 19º nº1 se havia, no momento da celebração, um elemento
de ligação com a OJ portuguesa. Assim, o prof. defende uma interpretação restritiva do
artigo 19º nº1, defendendo que o mesmo pressupõe que no momento da constituição da
situação ou da celebração do negócio jurídico, a situação em causa tivesse contacto com a OJ
portuguesa, a lei portuguesa fosse uma das interessadas, porquê? Porque na perspetiva de
Ferrer Correia, só desse modo seria digna de tutela jurídica a expectativa que as partes
tinham na aplicação da lei designada pela nossa norma de conflitos, ou seja, da L2. Se o
efeito do artigo 19º nº1 é fazer cessar o reenvio e fazer operar o favor negotii, aplicando a L2
designada pela nossa norma de conflitos, para o professor, isso só se justifica se as partes
podiam legitimamente contar com a aplicação da nossa norma de conflitos, e só podiam
fazê-lo se tinham acesso à norma de conflitos através de uma conexão qualquer da
situação a regular com a OJ portuguesa.
Porque é que o professor Luís Barreto Xavier não concorda com isto? Porque as
partes podem confiar na aplicação da L2, mesmo sem saberem que a regra de conflitos
portuguesa remete para a L2? E porquê? Porque é que nós remetemos para a L2? Porque
consideramos que é a OJ com que as partes podem mais facilmente contar com a sua
aplicação, nós remetemos para a L2 porque escolhemos um elemento de conexão cuja
concretização aponta para essa lei. E porque é que escolhemos esse elemento de conexão?
Porque entendemos que esse elemento exprime uma conexão mais estreita, e, portanto,
entendemos que as partes se orientaram e tinham a expectativa que essa lei fosse aplicável. Mas
as partes contam com regras de conflitos, na sua generalidade? Não, as partes podem
contar com a aplicação de certa lei sem saberem que a LPT remete para ela, podem contar com a
sua aplicação porque essa lei é a lei mais estreitamente conexionada com a situação. O prof.
Ferrer Correia defende que no momento da constituição da situação tem de haver uma ligação à
OJ portuguesa porque parte do pressuposto que as partes só teriam expectativas dignas de
tutela jurídica, só poderiam confiar na aplicação de L2 por referência da nossa norma de
conflitos, só que isso não é o que pode acontecer, pode acontecer que as partes se orientem
segundo a sua lei da nacionalidade ou a lei da situação do imóvel ignorando totalmente
que a nossa norma de conflitos remete para essa lei, o que as partes sabem é que as leis que
estão conectadas com a situação são potencialmente aplicáveis (princípio da não transatividade)
não por força de uma qualquer norma de conflitos, mas por força de essa lei ser uma das leis,
senão a lei, mais estreitamente conexionada com a situação.
O prof. Ferrer Correia defende que o artigo 19º nº1 não se pode
aplicar às situações que não tivessem essa ligação com a OJ
portuguesa, aceitando o reenvio. Já o prof. LBarreto Xavier
discorda, defendendo que as partes podiam contar com a
aplicação daquela lei e, consequentemente, ter expectativas
dignas de tutela jurídica por essa lei ser estreitamente
conexionada com a situação, pelo que é de aplicar o artigo
19º/1.
Artigo 19º nº2: Se tiver havido escolha das partes, não há reenvio, ou seja, segue-se
o disposto nos artigos 17º e 18º, o que significa que mesmo que a lei escolhida pelas partes
não se considere competente e remeta para uma outra legislação, vamos desconsiderar essa
referência feita pela lei escolhida porque entendemos que o princípio da autonomia da
P á g i n a | 179
vontade tem mais peso pelo que toca à tutela das expectativas das partes por força do
princípio da segurança jurídica. Porque o princípio da harmonia jurídica internacional é muito
importante, mas é instrumental relativamente à ideia de segurança ou certeza jurídica. Se
as partes escolheram a lei a observar, então obtém-se segurança jurídica ainda mais sólida e
direta que é a própria vontade das partes.
E se as partes tivessem remetido para determinada lei, mas querendo aplicar não o
Direito material dessa lei, mas sim o direito material da lei considerada competente por essa
legislação? Em teoria, isto é possível? É dizer que a escolha das partes era feita não por
referência material, mas por devolução simples ou dupla devolução, isto pode acontecer?
Se as partes tiverem expressamente dito que remetem não para o direito material do
país, mas para o direito material que a lei do país considera competente, sim.
E se for implicitamente? O que o artigo 19º determina é a cessação das regras dos
artigos 17º e 18º sendo esse o regime que é afastado, mas a questão que se coloca
verdadeiramente é se as partes quando escolhem a lei aplicável têm de fazer uma escolha direta
de um direito material de um ordenamento jurídico ou se podem escolher de forma indireta,
designando a lei aplicável tendo em consideração normas de conflitos e, eventualmente normas
sobre o reenvio estrangeiras.
Barreto Xavier defende que essa liberdade não está restringida pelo artigo 19º/2. O
artigo apenas exclui a aplicação dos artigos 17º e 18º, não exclui que as partes possam escolher
a lei de forma indireta – as partes podem escolher diretamente um direito material, ou podem
escolher indiretamente um determinado direito tomando como referência o direito de conflitos
de um outro sistema. Está em causa um mero problema de interpretação da cláusula de
escolha de lei ou da chamada electio iuris, e isto não choca com o artigo 19º/2 porque ele
não exclui o reenvio no geral, só o reenvio nos termos dos artigos 17º e 18º.
As partes poderiam convencionar na sua cláusula a aplicação dos artigos 17º e 18º
dizendo que escolhem o ordenamento jurídico X, mas se o mesmo não se considerar competente
é de aplicar a lei que seria designada se nesse ordenamento jurídico vigorasse o artigo
17º ou o artigo 18º do CC. Isto não violaria o artigo 19º/2 pelo simples motivo de que são
as próprias partes que designam de forma indireta a lei competente. O fundamentou ou
causa da designação da lei aplicável não é o regime legal dos artigos 17º e 18º. Eles
funcionam como cláusulas legais acessórias da escolha da lei, são como que materialmente
assumidas no contrato ou na cláusula de escolha de lei.
O artigo 19º nº2 também só vale para as hipóteses em que estamos a operar no interior
do sistema de fonte interna do foro, porque se estivermos a operar no âmbito do Regulamento
Roma I ou demais regulamentos em que a escolha da lei é admitida, temos de olhar às
soluções que os mesmos apresentam e não ao artigo 19º nº2.
Regulamentos
Poderíamos ser levados a pensar que, na medida em que estes Regulamentos operam
uma harmonização das normas de conflitos à escala da UE, os conflitos de sistemas estariam
eliminados dentro desse espaço e, portanto, o reenvio deixaria de ser necessário. Não será
assim, desde logo por causa do âmbito universal de aplicação espacial dos Regulamentos, já
P á g i n a | 180
que estes se aplicam mesmo que a lei designada por força das regras de conflitos seja uma lei de
um Estado terceiro, ou seja, ou de um Estado que não é um Estado-Membro, ou de um Estado-
Membro não participante nos casos em que o Regulamento resulta de cooperação reforçada. E
nesses casos, que cabem no âmbito de aplicação espacial do Regulamento, podemos aplicar a lei
desse Estado, mas essa ordem jurídica não está harmonizada com os Estados Europeus, pode
não ter uma regra de conflitos semelhante à nossa e, nesse caso, o problema do reenvio pode
continuar a subsistir.
1) O Regulamento remete para lei de Estado terceiro, que remete para a lei de um
Estado-Membro, que é, neste caso, a lei do foro. Está em causa um caso de retorno. A
lei do Estado-Membro, ou seja, a lei do foro aplica-se nos termos do artigo 34º/1
a).
2) Regulamento que remete para lei de um estado terceiro que remete para a lei do
Estado-membro, que não é a lei do foro. Está em causa uma transmissão de
competência e não de retorno, mas continua a estar em causa o artigo 34º/1 a) e
aceitamos o reenvio para esse Estado-Membro terceiro com base nesse artigo.
Esta aceitação do reenvio, segundo o artigo 34º/1 a), pressupõe que a lei do Estado
terceiro remeta para o Direito material de um Estado-Membro ou não? A lei do Estado
terceiro tem de considerar competente a lei do Estado-Membro ou basta que remeta para o
direito do Estado-Membro, independentemente de ser a título de referência material, devolução
simples ou dupla devolução?
Se esta regra estivesse contida no nosso CC, nós saberíamos, fazendo uma interpretação
sistemática, teríamos de exigir que a referência fosse feita para o nosso Direito material,
mas aqui estamos sem rede, como é que devemos interpretar isto?
Temos duas hipóteses de interpretação:
Para Barreto Xavier, para efeitos da alínea a), quando se diz Estado-Membro, está em
causa Estado-Membro participante. Isto é relevante porque o Regulamento em matéria
sucessória é de cooperação reforçada.149
Em caso de retorno, é necessário que o Direito estrangeiro remeta para o nosso Direito
material ou basta que remeta para o nosso Direito, independentemente do sistema conflitual
estrangeiro? Interpretando este regulamento, esta interpretação deve ser no sentido de
privilegiar a harmonia jurídica internacional ou no sentido de privilegiar a aplicação da
lei de um Estado-Membro? Qualquer que seja a resposta ela será sempre harmonizada no
interior dos Estados-Membros. Barreto Xavier: Não sabe qual a interpretação que vai
prevalecer e esta será certamente objeto de um reenvio prejudicial e o TJEU vai ter ocasião de se
pronunciar sobre a correta interpretação desse artigo. Barreto Xavier: Parece mais que está de
acordo com o espírito do Regulamento a aceitação da ideia de que se deve privilegiar a
harmonia jurídica internacional. É evidente que professor parte de uma pré-compreensão de
ter sido formado com base nos princípios fundamentais de Direito Internacional Privado
português em que o princípio da igualdade ou da paridade de tratamento tem um valor muito
importante e por isso admite poder estar enviesado. A questão está em aberto e aceita-se por
isso as duas perspectivas. E a perspetiva que o Regulamento privilegia a aplicação da lei de um
Estado-Membro não é absurda.
149De um ponto de vista da evolução do Direito Europeu, o que acontecia é que numa primeira fase a
Comunidade Económica Europeia não tinha competência para legislar em matéria de competência
internacional, lei aplicável ou reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras e, por isso, o que se
fez em 1968 foi celebrar-se uma convenção internacional entre os Estados que integravam a CEE na altura
(Portugal aderiu à convenção quando aderiu à CEE). Um primeiro passo que se deu, com o Tratado de
Maastricht, foi permitir aos Estados legislar diretamente através de Regulamentos da União Europeia e os
primeiros Regulamentos que foram aprovados eram necessariamente aplicáveis a todos os Estados-
Membros, mas havia 3 Estados que tinham uma posição, um estatuto, particular: Reino Unido, Irlanda e
Dinamarca – e esses Estados garantiram para si a liberdade de ficar de fora destes instrumentos. A partir
do Tratado de Lisboa, aparece a possibilidade de elaboração de Regulamentos que não obtêm a
unanimidade dos Estados-membros, mas que podem avançar como Regulamentos de cooperação
reforçada e, portanto, é necessário um determinado número de Estados que estejam a participar na sua
aprovação, mas não vincula necessariamente todos os Estados-Membros. Este regulamento em matéria
sucessória é ao abrigo da cooperação reforçada.
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conteúdo jurídico estrangeiro, sendo que o ordenamento jurídico tem de ser tomado no
seu todo como referente a essa análise, é a sua unidade essencial que está em causa para
apurar uma possível incompatibilidade de aplicação da Lei estrangeira.
Por isto mesmo se diz que a OPI não pode ser uma função-conceito, tem um escopo tão
largo quanto o ordenamento jurídico do foro atendendo às várias soluções estrangeiras
passiveis de serem designadas. A tentativa de definir pelo conceito seria pois um autêntico
fracasso, melhor é definir pela sua função, desta forma todas as situações, mesmo as
imprevisíveis, estarão no âmbito do conceito.
A ordem pública não serve para afastar qualquer solução que seja diferente da que
resultaria da aplicação do nosso ordenamento, mas apenas as soluções que, na prática,
violariam a unidade essencial do ordenamento do foro.
150 O repúdio ou talaq é um termo genérico que designa os diversos modos de dissolução do casamento
islâmico. e constitui prática comum no mundo árabe. Com efeito, nestes países, o direito está intimamente
ligado à religião e os princípios do Corão frequentemente inspiram e enformam as normas jurídicas.
151“Concluímos que o tribunal português faz uma aplicação in concreto do conceito de ordem pública
internacional, pois se o repúdio, in abstracto, viola o princípio da igualdade como consagrado na nossa CRP,
no caso concreto isso acaba por não obstar ao reconhecimento da sentença marroquina.” Isto é, os institutos
em si não contrários à OPI. Só em concreto devemos fazer análise.
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O artigo 22º do Código Civil consagra a ordem pública internacional como exceção ou
limite à aplicação da lei competente, por isso referindo a doutrina que se trata de uma
ressalva ou reserva que acompanha a designação da lex causae. O momento da sua intervenção
é, consequentemente, posterior à determinação do direito aplicável, apenas tendo lugar
depois de esgotados os mecanismos da sua designação153 e correção154.
152“A legítima hereditária dos herdeiros forçosos (integradora do conceito de ordem pública) está
assente em tradição jurídica que permeia o Direito sucessório português, ininterruptamente, desde
data anterior à da própria nacionalidade, sendo incontornável e inquestionável que o princípio da
tutela dos herdeiros legitimários é um dos princípios fundamentais do nosso direito sucessório, tento
até sido reforçado pela reforma de 1977 do Código Civil. MM. Por outro lado, nada no Direito da
União Europeia, em convenções internacionais de que Portugal seja parte ou em instrumentos
internacionais de direitos humanos contraria a legitimidade desta protecção dos herdeiros
legitimários. NN. Não se pretende concluir que, sempre e em todos os casos, a existência de uma
diferença entre a tutela sucessória prevista na lei portuguesa e numa lei estrangeira acarrete a
violação da ordem pública internacional. Mas há casos em que essa violação é realmente manifesta:
aqueles em que herdeiros legitimários são totalmente privados de uma quota hereditária”
153 Regras de conflitos, regras sobre o reenvio, fraude à lei, entre outras.
154 Adaptação
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Mesmo quem não entenda as coisas neste sentido em termos teóricos, em todo o caso
hoje há uma evolução aceite, mais ou menos, consensualmente, que deixa de identificar
certas normas como de ordem pública internacional propriamente ditas e passa a
entender certas normas que querem ter eficácia internacional como normas de aplicação
imediata. (Alguma doutrina reconduz leis de ordem pública às NAI.)
Concretização do Conteúdo-Função
155Não confundir a OPI com a Ordem Pública (interna) que aparece em artigos como 81º nº1, 280º, 281º
etc…
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– sendo a CRP o alicerce fundamental de todo o ordenamento jurídico, não pode deixar a
CRP de ser o primeiro elemento argumentativo para demonstrar uma eventual
incompatibilidade com a nossa ordem pública. Mas isto não significa que não possa haver
incompatibilidade com a nossa ordem pública mesmo quando a CRP seja completamente omissa
a esse respeito. A nossa CRP nada estabelece pelo que toca à proteção dos herdeiros
legitimários – é completamente omissa, no entanto a nossa jurisprudência têm entendido que
a tutela dos herdeiros legitimários em certas circunstâncias e, portanto, no caso concreto tendo
em conta os efeitos concretos da aplicação da lei estrangeira, pode violar a nossa ordem pública
e se violar, a lei estrangeira em causa não pode ser aplicada. Então que elementos temos que
considerar em primeiro lugar? A CRP, Textos fundamentais que vinculam o Estado português
como a DUDH, CEDH. Textos que formam o ordenamento jurídico português no seu todo. E
temos a própria existência de normas de aplicação imediata, que pode exprimir também a maior
força que se pretende dar a certos princípios ou a certo tipo de tutela. Há ainda instrumentos de
fonte europeia e internacional, que também podem demonstrar a incompatibilidade com a
ordem jurídica portuguesa, podendo esta argumentação basear-se neles uma vez que fazem
parte do nosso ordenamento. Temos por isso um vasto campo argumentativo que se abre
perante o intérprete.
Nexo de Proximidade
De acordo com o 22º a ofensa da ordem pública internacional portuguesa advém da
aplicação concreta de preceitos estrangeiros. Deste modo cabe aplicador do Direito tomar em
consideração fatores dirigidos a reduzir a margem de indeterminação na ponderação valorativa
que lhe cabe. Um deles tem que ver com a distância temporal e espacial relativamente à
situação sub judice. A probabilidade da incompatibilidade com a ordem pública internacional
tenderá a ser proporcional à intensidade do nexo de proximidade entre a situação em causa
e a ordem jurídica do foro. Um fator conexo a considerar é a distinção entre hipóteses em que
está em causa a constituição no Estado do foro de dada situação jurídica, casos em que a ordem
pública deverá ser mais exigente, e hipóteses onde se pondera a atribuição de certos efeitos a
situações já constituídas no estrangeiro.
conservador do registo civil português vai dizer que não – apesar da lei pessoal o permitir casar,
em Portugal autorizar a celebração deste casamento seria contrário à ordem pública
internacional do Estado português. Aqui a ordem pública intervém de forma mais intensa
porque a conexão com a ordem jurídica portuguesa é mais forte. Pelo contrário, se se trata de
uma situação já constituída no estrangeiro, há uma conexão menos intensa com a ordem jurídica
portuguesa e por isso o crivo da ordem pública será menos exigente.
Aqui se mostra também que a conceção que a ordem pública é um conceito-
conteúdo não explica esta divergência entre as soluções em ambos os casos. Pelo contrário,
a ordem pública como conceito-função já permite esta realidade de soluções.
Método de Atuação
O modo de atuação da OPI não passa por uma análise abstrata do Direito estrangeiro ou
uma qualificação desse como contrário à ordem pública internacional – não olhamos para uma
norma ou princípio estrangeiro e dizemos que é contrário à nossa ordem pública
internacional, o que o aplicador do Direito tem que fazer é verificar quais seriam as
consequências e resultados da aplicação no caso concreto da norma ou princípio
estrangeiro em causa. Só perante os resultados concretos da aplicação é que o aplicador do
Direito pode concluir ou ajuizar a incompatibilidade com a ordem pública internacional.
Para o fazer, naturalmente, tem que ter em conta o peso relativo que tem o vetor do
ordenamento jurídico do foro em causa, o peso que tem no contexto do ordenamento
português, mas também ter em conta outros fatores, como a distância espacial entre a situação
em causa e a ordem jurídica do foro. É evidente que sabemos que é aplicável uma lei estrangeira,
e se é aplicável uma lei estrangeira é porque essa lei tem um contacto estreito com a situação,
mas são os órgãos de aplicação do Direito que têm de se pronunciar sobre a contrariedade à
ordem pública internacional, e por isso, um aspeto essencial para decidir se há ou não
incompatibilidade com a nossa ordem pública é a existência conexões significativas com
essa ordem jurídica. Isto porque se a situação fundamentalmente surgiu na órbita de um
ordenamento jurídico estrangeiro, é menos provável que deva intervir a ordem pública
internacional.
Se, pelo contrário, a situação se projeta sobre pessoas com nacionalidade portuguesa ou
residentes habitualmente em Portugal ou que ponham em atuação mecanismos processuais em
Portugal que impliquem uma alteração da ordem jurídica em Portugal, então nesses casos a
ordem pública internacional vai intervir de forma mais exigente.
Isto que acontece no plano espacial, ou seja, há uma proporcionalidade entre a existência
de conexões com a ordem jurídica portuguesa e o grau de exigência do crivo da ordem pública
internacional, também acontece no plano temporal. Uma coisa é atribuir um efeito jurídico a
uma situação que já se constituiu no passado, que já produziu efeitos anteriormente no passado,
e aí estamos meramente a valorar a possibilidade de continuação ou produção dos efeitos, outra
coisa é que a situação jurídica em causa possa ser constituída em Portugal – caso em que somos
mais exigentes. Portanto, temos também uma proporcionalidade entre a proximidade temporal
e o grau de exigibilidade do crivo.
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O que é que acontece quando uma norma estrangeira, que seria aplicável por força do
nosso Direito de conflitos, não pode ser aplicada nos termos do artigo 22º? Este artigo diz que
não são aplicadas as normas do direito estrangeiro quando essa aplicação envolva a
violação da ordem pública internacional do Estado português.
Noutros textos, previstos nos Regulamentos, exige-se que a incompatibilidade com a
ordem pública internacional seja manifesta e é essa a orientação que deve ser seguida
pelos órgãos de aplicação do Direito. Isto é, na dúvida não se pode concluir por uma
incompatibilidade com a ordem pública internacional, porque utilizar de forma frequente e
muito estrita esta cláusula significaria pôr em causa o próprio sistema de normas de conflitos.
Todo este sistema assenta numa certa fungibilidade entre soluções normativas ou entre direitos.
O nosso sistema de valores e princípios, a nossa justiça não é a única válida no mundo e,
portanto, só podemos considerar a existência da violação da ordem pública internacional
quando ela seja manifesta. Agora, uma vez que ela apareça, e ela tem que ser decidida por via
argumentativa – porque essa é uma característica essencial do Direito, enquanto ordenação
normativa que assenta não em verdades científicas pré-estabelecidas, mas numa construção de
soluções com base em fontes e argumentando com base nos princípios e valores que essas fontes
concretizam – o que é que vai acontecer no caso dessa incompatibilidade com a ordem pública
internacional?
De forma direta, o artigo 22º nº2 vem estabelecer que o aplicador vai procurar normas
apropriadas na própria lex causae. Vai tentar encontrar a solução no seio da lex causae, tentar
verificar se existem normas que nesse país dão resposta ao problema em causa e que não violem
a nossa ordem pública. Assim, por exemplo, se uma determinada norma excecional é exceção a
outra norma, que é a norma geral, que em todo o caso precisa de se aplicar porque se não
se aplicasse teríamos uma lacuna, então o mais normal será que a norma geral possa aparecer
como solução. Barreto Xavier: A via é possível quando não desnatura completamente o
sentido da norma geral. Se a norma geral manifestamente não for apropriada à situação, então
não podemos estar a falsificar uma aplicação de uma norma porque a norma muitas vezes está
intrinsecamente ligada a uma determinada previsão e pode não fazer sentido fora dessa
previsão. Logo, a questão que se coloca é, naqueles casos em que ou não existem normas
P á g i n a | 189
apropriadas porque elas não existem, ou porque não existem normas ou porque não são
apropriadas, o que é que acontece?
Regulamentos
156 Casos em que a lei da nacionalidade é a mesma que a lei da residência habitual.
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Esta é uma cláusula que existe em todos os ordenamentos. Nenhum Estado prescinde de uma
última palavra sobre as normas materiais que aplica ao caso concreto.
Esta ordem pública internacional será a mesma numa convenção internacional, num
texto de direito interno ou num Regulamenta da UE? Aqui temos que distinguir duas coisas: Uma
coisa é a função da norma e da cláusula, outra coisa são os contornos da cláusula. A função é
semelhante nos diferentes instrumentos, porque se trata sempre de evitar a aplicação ao
caso concreto de uma norma estrangeira com fundamento na contrariedade
relativamente ao ordenamento jurídico do foro – contrariedade não apenas por divergência,
mas por incompatibilidade com a unidade essencial.
Mas os contornos podem ser diferentes, porque tal como no artigo 22º do nosso CC
se estabelece determinada solução para as consequências da violação da ordem pública
internacional, também no DUE o TJEU se arroga do direito de estabelecer os casos em que o
tribunal do foro pode estar a extravasar da sua competência para indicar a existência de
uma contrariedade à ordem pública internacional.
Assim, por exemplo, em determinadas decisões do TJEU, expressamente se indica que a
função da cláusula de ordem pública internacional sem dúvida é de tutela de interesses ou
valores nacionais, mas também se indica que cabe ao próprio tribunal sindicar e verificar
não se foi bem ou mal aplicada a cláusula, mas se foram ou não excedidos os limites
dentro dos quais a cláusula é estabelecida.
Encontramos a OPI nos regulamentos nas seguintes localizações: artigo 21º do Roma I,
26º do Roma II, 12º do Roma III, 35º do Reg. Sucessório. Ainda no plano de reconhecimento
de sentenças aprece a intervenção travão da OPI no 34º do Bruxelas Bis I. Também a
encontramos no Bruxelas II bis no seu artigo 23º.
Aqui importa ter presente que no Regulamento Bruxelas I BIS, é o próprio legislador
do Regulamento que estabelece que não pode ser afastado o reconhecimento de uma
sentença estrangeira, não pode ser considerado como incompatível com a nossa ordem
pública internacional uma determinada violação de competência internacional, ou seja, é
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Portanto, temos aqui esta importante cláusula que é uma cláusula que salvaguarda o
funcionamento do sistema conflitual na medida em que, como dizia um autor, o funcionamento
do Direito de conflitos significa um salto para o desconhecido, e a ordem pública internacional
consiste num paraquedas para que o salto não se traduza num salto para o abismo.
157“Sem prejuízo do disposto no n. o 1, alínea e), não pode proceder-se à revisão da competência do tribunal
de origem. O critério da ordem pública referido no n. o 1, alínea a), não pode ser aplicado às regras de
competência” artigo 45º nº3 do Bruxelas BIS I.
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casamento entre pessoas do mesmo sexo dizendo que a matéria estava no plano de conformação
do legislador ordinário, entende que não há uma obrigação constitucional de aceitar este
casamento, mas antes que esta é uma decisão política que pode ser tomada pelo legislador
ordinário competente. Obviamente que o fundamento da decisão do TC não tem valor
normativo mas não deixa de ter o seu uso na apreciação desta questão.
A consequência, em todo o caso, se este tipo de despachos se difunde pode ser uma de
duas: Despacho fundado e, portanto, o nosso sistema conflitual baseia-se em normas
inconstitucionais. Despacho não está bem fundado e contraria o disposto em regras de
conflitos relativas à capacidade matrimonial e o próprio disposto no artigo 22º C.C.
Agora, o que é que acontece, se, num determinado caso concreto, as pessoas criarem
artificialmente determinadas conexões com o objetivo de afastar a aplicação da lei competente e
provocar a aplicação de uma outra lei que é mais favorável? Intervém o instituto da Fraude à
Lei, previsto no artigo 21º do CC.
Introdução
Caso exista uma verdadeira conexão158 com o ordenamento alemão, então não foi
violado o sentido normativo da regra de conflitos que é dada pela escolha do elemento de
conexão. Neste caso, embora a criação do vínculo de nacionalidade com outro Estado tivesse
sido efetuado com intuito fraudulento, do ponto de vista objetivo, a nova lei nacional passou a
ser a lei mais estreitamente conexionada com a situação e do ponto de vista do Direito de
Conflitos, é isso que importa. O Direito de Conflitos não faz das pessoas santas, não estamos no
domínio do Direito Penal, não temos que sancionar a atuação apesar de ter sido feita com
intenção fraudulenta. Isto porque se verdadeiramente foi criada uma conexão que se tornou a
conexão mais estreita, isto significa que a ratio legis não foi violada.
158Outro exemplo: Há ainda pessoas que casam apenas para adquirir uma certa nacionalidade, pois
certos países admitem essa via como uma possível para um sujeito se tornar seu nacional. Aqui o
casamento é um meio para atingir a nacionalidade. Este casamento pode ter sido com o objetivo de obter a
nacionalidade, mas ser ou não ser simulado. Pode ser um casamento de fachada. O casamento simulado é
nulo. O problema é que, a simulação é muito difícil de provar, mas provada, o casamento cai. Se se
conseguir provar a simulação, cai a aquisição da nacionalidade também. Se só se descobrir muito depois
ou a aquisição da nacionalidade caiu ou não caiu. Se caiu o direito da nacionalidade deixa de ser o que era.
Portanto, ainda que o direito da antiga nacionalidade seja o mais estritamente conexionado ou há uma
cláusula de exceção ou, não havendo, não é fácil aplicar essa lei mais conexionada. Há quem entenda, na
doutrina portuguesa, que a cláusula de exceção existe sempre – por redução teleológica. Mas esta não é a
solução dos tribunais.
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A conduta aparentemente fraudatória pode tornar-se irrelevante para a fraude nos casos
em que, concretamente, foi criada uma ligação efetiva entre a situação ou o sujeito e a jurisdição
da lei nova. Em termos práticos, a própria nacionalidade é hoje um elemento de conexão
dificilmente manipulável, considerando que os Estados apenas a devem atribuir a sujeitos que
tenham um vínculo relevante e efetivo, por imposição do direito internacional público da
nacionalidade.
Também nos casos em que as partes num contrato escolhem uma lei que não tem
nenhuma conexão com a situação e é exclusivamente para afastarem a aplicação das disposições
imperativas das ordens jurídicas aplicáveis, como já vimos que ocorre no Roma I, não temos
nesses casos fraude à lei. Se o próprio legislador colocou nas mãos das partes a possibilidade
de escolherem a lei aplicável, então as partes podem escolher, e não há fraude à lei ainda que a
intenção seja evitar a aplicação de disposições imperativas que lhes sejam desfavoráveis.
Claro que também temos normas que de alguma maneira estão a limitar essa liberdade,
como acontece no Regulamento Roma I para alguns contratos, nomeadamente o artigo 3º nº3 e
nº4.
Há ainda alguns elementos de conexão que as partes por muito que desejem não
conseguem artificializar. São elementos cuja a sua construção ou descrição os torna imunes a
qualquer atividade fraudatória. É o caso por exemplo do elemento da sede principal e
efetiva da administração (artigo 33º do CC e 3º do CSC.), neste exemplo é a própria norma de
conflitos que já corrige por si eventuais tentativas de fixação artificial da sede. Se um grupo de
distribuição nacional muda a sua sede para a Holanda, se a administração de uma sociedade
passou a estar situada num país estrangeiro, isto pode ser fraude à lei? Não, porque a lei
aplicável é a lei da sede principal e efetiva da administração. Então será relevante para efeitos de
fraude à lei? Se o que é relevante não é pura e simplesmente a sede formal – estatutária – mas a
efetiva, então o objetivo do legislador é o de aplicar a lei do país onde a sociedade é administrada
ou a partir de onde o é. Se a sede efetiva está situada na Holanda, então, mesmo que tenha sido
artificialmente transferida para lá a sede, se foi a sede efetiva, não há fraude à lei, mas o exercício
de uma liberdade que é conferida às empresas e sociedades para se fixarem onde entenderem.
Se a alteração for apenas da sede estatutária? Há fraude à lei? Não, porque tinha que ter sido
manipulado o elemento de conexão relevante da norma de conflitos, e no caso a mudança de
P á g i n a | 196
sede estatutária não muda o elemento de conexão relevante. Isso seria o mesmo que uma pessoa
que não pode casar em Portugal, decidir casar em Las Vegas, onde todas as pessoas têm
capacidade para casar. Isto não é fraude à lei, porque se chegam a Portugal para transcrever o
casamento, o conservador não o vai transcrever, porque o casamento é nulo, mas não é
fraudulento.
Pressupostos
Com efeito a mera intenção não leva à aplicação de fraude, por exemplo, não haverá
fraude sempre que a conduta não tiver efeito, é o caso do português que se dirige a Inglaterra
para se casar pela lei inglesa, como o elemento de conexão para o DIP português é a lei pessoal,
neste caso não há fraude mesmo que haja tentativa, simplesmente há uma conexão falhada.
O artigo 21º não distingue consoante se trate de casos em que a lei afastada é a
portuguesa ou uma lei estrangeira. De acordo com a letra do preceito todas as situações de facto
ou de direito criadas serão irrelevantes.
No entanto, pode dar-se o caso de a ordem jurídica da lei afastada não sancionar a
fraude à lei, Neste caso para Florbela Almeida Pires, a aplicação do artigo 21º seria suscetível de
gerar uma desarmonia de soluções, porquanto se daria ao caso solução distinta da que seria
adotada pelos órgãos de aplicação do direito na jurisdição da lei vítima. Assim, o principio da
harmonia jurídica internacional poderá, então, impor alguma restrição à aplicação do artigo 21º,
quando esteja em causa fraude à lei estrangeira, mas desde que tal restrição não compre«ometa
irremediavelmente o fim prosseguido pela norma de conflitos.
norma de conflitos e em especial o seu elemento de conexão. Já a OPI protege uma justiça
material. Adicionalmente a fraude à lei não leva em consideração qualquer aspeto ligado à
solução material constante da lei afastada, enquanto a OPI é sempre, por natureza, um limite da
aplicação de uma lei estrangeira material.
P á g i n a | 198
Vistas várias regras de conflitos e os problemas que podem surgir da sua aplicação resta
ver, depois dessa aplicação, a sua consequência. A consequência da aplicação de uma regra de
conflitos, é, como já alertamos imensas vezes, a aplicação de uma Lei Material Estrangeira. Isto
não algo que digamos sem significado, realmente os tribunais Portugueses vão aplicar o direito
de outro país.
O direito aplicável por força da norma de conflitos é o direito que realmente vigora
num determinado país. Isto implica que é aplicamos o direito que vigore seja qual for a
natureza da fonte de onde emanam os respetivos preceitos. Pode tratar-se de direito
religioso, de direito internacional incorporado in foro, de direito consuetudinário, desde que seja
aquele em vigor.
É ainda irrelevante o facto de o Estado ou Governo estrangeiro não ser reconhecido pelo
Estaod do foro. Na verdade, são coisas conceitual e praticamente diferentes: o reconhecimento
do Estado ou do respetivo Governo é um assunto que trata o Direito Internacional Público, e o
reconhecimento do direito (privado) que vigora num Estado é distinto.
O direito estrangeiro é aplicado entre nós como direito. Vejam-se neste sentido, o
artigo 348º nº2 do Código Civil, que nos diz que o tribunal aplica ex officio o direito
estrangeiro declarado competente pelas normas de conflitos portuguesas.
O juiz do foro tem por isso que aplicar o Direito estrangeiro designado como este
estivesse a ser designado no Estado de quem provem. Só assim é que aplicamos
verdadeiramente o Direito estrangeiro. Também só por uma aplicação desta conseguimos
satisfazer o princípio da paridade de tratamento dos ordenamentos jurídicos que é inerente ao
nosso DIP. O que pedimos ao juiz do foro é que conheça as fontes – lei, costume, jurisprudência e
doutrina – e que as aplique, como elas seriam aplicadas no local de onde são. Imaginando que a
norma designada é depois alvo, na doutrina desse país de uma intensa discussão quanto à sua
interpretação. Se uma houver discussão doutrinária, pode o juiz do foro optar pela tese
minoritária? O juiz deve aplicar a Lei da forma mais prudente possível. Isso não implica que não
possa optar pela tese minoritária, mas tem que ter fortes argumentos que sustentem essa tese. O
mesmo acontece quando o juiz queira contrariar jurisprudência constante ou até fixada.
O Direito estrangeiro é facto ou Direito? Se for um facto então incumbe sobre a parte
que alega o Direito estrangeiro, nos termos do ónus da prova. Já em matéria de direito, ao
contrário da matéria de facto, a regra é a de que juiz deve aplicar oficiosamente as regras
jurídicas que considere adequadas, independentemente do alegado pelas partes (artigo 5º nº3
do CPC). Este princípio do iura novit curia tem por base o entendimento de que o julgador é, por
excelência, o mais qualificado aplicador do direito.
Este princípio não se estende contudo nos mesmo termos ao direito consuetudinário,
local, ou estrangeiro, por natureza mais difícil de o conhecer. Assim se justifica a consagração do
P á g i n a | 199
artigo 348º bem como a sua localização Código Civil. Este preceito trata de três tipos de
normas diferentes: normas de direito consuetudinário, normas de direito local e normas
de direito estrangeiro. Não se trata apenas de nroams de direito consuetudinário nos seus
subtipos local ou estrangeiro, significado que seria provável caso o legislador não tivesse
colocado a vírgula depois do “local” na epígrafe do artigo.
O artigo 348º que estabelece não um ónus da prova, mas apenas um ónus de alegação.
Incumbe às partes alegar, mas que o Tribunal procura oficiosamente o conhecimento do
Direito estrangeiro. As partes não têm que alegar o Direito para que o juiz possa conhecer
dele. As partes podem fazê-lo, mas o juiz não deixa de ter poder ter conhecimento da matéria de
Direito. Assim, o Direito estrangeiro é matéria de Direito. Idealmente as partes alegam, mas não
o fazendo o juiz tem o dever de procurar oficiosamente como se aplica o Direito estrangeiro ao
caso. Assim estamos perante um ónus atenuado, em que cabe a parte que invoca sustentar essa
invocação, mas o juiz também tem de procurar. Só caso o juiz e a parte não conseguiam lograr o
respetivo conhecimento oficioso.
Isto quanto ao nº1, porque o nº2 trata da situação em que nenhuma das partes invocou a
aplicação de direito consuetudinário, estrangeiro ou local, mas o direito comum remete para
esses mesmos direitos para resolver o caso concreto. É o que acontece nas normas de conflitos.
Neste caso ao contrário do nº1 há uma verdadeira obrigação do juiz que não pode deixar de
julgar de acordo com o direito designado pelo direito comum (onde se encontram as
normas de conflitos.) 159
No nº2 do artigo 348º temos por isso uma solução que é muito debatida noutros países,
mas que em Portugal está resolvida neste número. Trata-se da questão de saber se a aplicação
oficiosa da regra de conflitos. O 348º nº2 resolve-a no sentido afirmativo, referindo-se à
hipótese de que nenhuma das partes o tenham invocado. Com efeito o objetivo da regra de
conflitos é promover a justiça do DIP, designando a lei que se considera mais apropriada, e não
conferir aos indíviduos prerrogativas às quais eles seriam livres de renunciar. Esta atitude seria
de molde a encorajar o fórum shopping.
Àquele que invocar o direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e
conteúdo, mas isto não isenta o tribunal do dever de procurar obter oficiosamente o respetivo
conhecimento. Trata-se, porém, para as parte de uma pura e simples obrigação de meios, pois
que a tarefa se pode revelar impossível ou extremamente difícil.
Se no final da audiência, quando o juiz tem que decidir, não conseguir chegar a uma
conclusão sobre a melhor forma de aplicar o Direito estrangeiro? Artigo 348º nº3 e 23º nº2.
Segundo o artigo 23º nº2, começamos por procurar conexões subsidiárias. Se ainda não for
possível, aplicamos o artigo 348º nº3, que determina a aplicação do Direito português.
159O mesmo se considera quanto à obrigação do juiz existir caso no nº1 as partes tenham reconhecido
mutuamente a existência desse direito local, consuetudinário ou estrangeiro. Também acontece quando
apenas uma das partes o invoca e a contraparte não se opõe.
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Dirimido o conflito de leis, e por essa via determinado o direito aplicável impõe-se a
tarefa de o interpretar. O nº1 do artigo 23º. Pelo que dissemos logo inicialmente, para aplicar
verdadeiramente o direito estrangeiro temos que o interpretar segundo as suas regras. Em
Portugal temos o artigo 9º do CC, noutros Estados existem outras, e ao aplicar o seu direito
temos de seguir essas outras. Isto é uma exigência que perfila como elementar derivação da
racionalidade de cada sistema jurídico, enquanto um todo unitário.
O nº1 do artigo 23º, orientado por esta ideia de que o direito estrangeiro é para ser
interpretado e aplicado tal como se oferece no Estado de origem, projeta consequências ao nível
de todo o processo de realização do direito. que não, pois, apenas ao nível circunscrito da
interpretação jurídico enquanto momento dessa realização. Assim o aplicador português deve
atender ao sistema de fontes vigente no quadro da lex causae, considerando já a identidade
dos diferentes modos por que, num tal contexto, ao direito é dado formar-se e revelar-se. Assim
se a lei designada competente considerar o costume como fonte de direito o aplicador português
terá que considerar as regras consuetudinárias estrangeiras.
Evidente é, que também a integração de lacunas deve seguir as regras do sistema
designado.
23º e 348º
É ainda uma questão pertinente saber como se conjuga o nº2 do 23º com o nº3 do
348º. De conformidade com o ponto de vista em uníssono feito valer na doutrina e na
jurisprudência pátrias, só há lugar à aplicação do direito material português estatuída pelo
nº3 do 348º na falta de conexão subsidiária (ou, o que a tanto monta, em face da
impossibilidade de determinação do conteúdo do direito estrangeiro designado por conexão
subsidiária).
Tem-se, assim, que a consideração de sentido entre as duas disposições é resolvida por
mor da precedência que à disposição do nº2 do 23º é conferida, faltando esse direito, ou não
sendo igualmente possível determinar o seu conteúdo, tem lugar então o recurso ao direito
material português tal como este recurso é estatuído pelo nº3 do 348º.
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Conteúdo do Direito
Falta de Entidade
Onde vão surgir as principias questões que se suscitam no âmbito da competência dos
tribunais e reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras?
3) Diplomas Especiais
Ora, se assim é, aquilo que verdadeiramente vemos quando olhamos aos regulamentos
da U.E. no âmbito do DIP é que existem fundamentalmente dois tipos ou, talvez, três tipos
de regulamentos: Regulamentos que versam sobre o direito de conflitos apenas, que é o caso
do Roma I, ou Roma II, ou Roma III; Regulamentos que versam sobre competência internacional e
reconhecimento de sentenças estrangeiras, é o caso do Bruxelas I Bis que é uma reformulação do
Bruxelas original, Bruxelas II bis idem aspas, entre outros; e o terceiro tipo, regulamentos que
versam quer sobre a lei aplicável quer sobre competência e reconhecimento e execução de
sentenças estrangeiras. Isto significa que nalguns casos o regulamento em matéria sucessória é
um exemplo paradigmático, ou o regulamento em matéria da insolvência e muitos outros -
nesses casos há uma regulamentação integrada quer em matéria de competência
internacional e reconhecimento de sentenças estrangeiras, quer em matéria determinação
da lei aplicável. Podemos verificaria leitura dos regulamentos, que nenhum regulamento versa
apenas sobre competência internacional ou que verse apenas reconhecimento de sentenças
estrangeiras. Ou seja, sempre que se legisla sobre competência internacional está
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Competência Internacional
Outro aspeto a ter em conta respeita aos princípios que orientam os legisladores na
escolha das conexões relevantes, dos fatores de competência internacional dos tribunais.
Estes fatores não coincidem necessariamente com os fatores que devem se
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relevantes para determinar a lei aplicável. Ou seja, o próprio DIP assenta na ideia de que os
tribunais de certo Estado podem ter que aplicar direito estrangeiro portanto os tribunais têm
competência internacional para se pronunciar sobre o litígio mas a lei aplicada vai ser de um
país diverso o que equivale a dizer que os critérios de determinação da lei aplicável não
são coincidentes com os critérios para determinação da competência internacional dos
tribunais.
É evidente que num mundo ideal essa coincidência seria desejável, traria benefícios. Isto
é, que a competência legislativa e jurisdicional pudessem coincidir, isso traria vantagens ao nível
da boa administração da justiça desde que não pusesse em causa uma ideia de paridade de
tratamento seria a solução ideal, teríamos o melhor de dois mundos. Porque é que essa
coincidência não é possível em termos generalizados? Pode haver escolha das leis pelas partes
com uma lei que nada tem que ver com o próprio contrato ou com as partes e é legitimo que o
possam fazer. As partes escolhem a lei japonesa, é uma empresa portuguesa e outra norte
americana a celebrar o contrato, não faz sentido que tenham que ir litigar ao Japão. Por outro
lado, os fatores de atribuição de competência internacional relacionam-se com aspetos que
têm relevância em sede de competência territorial interna e que são aspetos ligados à
obtenção de prova, aspetos ligados à tutela do réu no processo.
Isto dito, há um fator que importa referir que é: quanto mais tribunais de diferentes
Estados tiverem competência internacional para se pronunciarem sobre certo litígio mais
estará disseminado o fenómeno do fórum shopping. O que é isto do forum shopping? Numa
situação privada internacional, quando existirem diferentes tribunais competentes
internacionalmente para julgar o mesmo litígio estamos a atribuir ao autor uma possibilidade
de escolher nos tribunais de que país vai propor a ação e o que acontece é que se não
houver unificação das regras de conflitos na matéria em causa, o risco é o de que aquela
incerteza que não foi eliminada pela unificação do direito de conflitos vá ter
consequências a nível deste forum shopping, ou seja, o autor vai à prateleira escolher o
foro que lhe é a si mais favorável e o réu vai ter que suportar as consequências
desfavoráveis da escolha pelo autor do foro. Este é o pano de fundo sobre o qual as regras de
competência internacional são construídas e este pano de fundo está na origem do
Regulamento Bruxelas I bis que determina a competência internacional dos tribunais dos EM e
a consequência é permitir o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras nos
outros EM.
semana, fundador do DIP Europeu, numa altura em que na, então, Comunidade Europeia não
havia ainda competência para legislar. Portanto, celebra-se uma convenção internacional à qual
é anexada um protocolo que reconhece competência ao Tribunal de Justiça para interpretação
dessas normas para que essa interpretação fosse uniforme no interior dos EM.
O que é que aconteceu quando os órgãos legislativos da U.E. passam a poder legislar
diretamente estas matérias? Passámos a ter Regulamentos da U.E. sendo o inicial o Bruxelas
I que é uma espécie de reformulação da Convenção de Bruxelas, já tendo em conta as
consequências da aplicação da Convenção por largos anos, que foi um sucesso do ponto de
vista da sua aplicação. Portanto, reformulou-se o conjunto de regras e reformula-se a sua
natureza passando a ser um regulamento Europeu diretamente aplicável deixando de ser
necessária à sua ratificação pelos OJ nacionais, e esse regulamento aplicou-se também
durante um período considerável até aparecer a sua reformulação através do Bruxelas I bis
ou Bruxelas I reformulado.
Âmbito de aplicação
Temos que começar por determinar o âmbito de aplicação do regulamento: Aqui,
olhar para o seu âmbito material de aplicação significa também perceber qual a importância
deste regulamento na medida em que se virmos o disposto no artigo 1º percebemos que é
um regulamento que se aplica num conjunto muitíssimo vasto de matérias. O que nos diz o
artigo 1º?
Aplicação Territorial
Um aspeto significativo tem que ver com o âmbito espacial de aplicação e aqui há uma
diferença fundamental entre este Regulamento - assim como os regulamentos da U.E. em
matéria de competência internacional e reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras -
e os regulamentos sobre o direito aplicável.
Nos regulamentos em matéria de direto aplicável, o âmbito espacial de aplicação é
universal o que significa que essas regras de conflitos vão ser aplicáveis independentemente de
nexos existentes entre o litígio - questões a tutelar - e as OJ dos EM. Isso não acontece nos
regulamentos em matéria de competência internacional e reconhecimento execução de
sentenças estrangeiras. Isto é extremamente importante, é um aspeto básico porque enquanto
as matérias que estão unificadas pelo direito de conflitos europeu nós afastamos o direito de
conflitos de fonte interna sempre que abrangidos pelo âmbito material, territorial e espacial do
regime europeu, isso não acontece aqui.
Aqui estas regras de competência internacional coexistem pacificamente com as
regras do C.P.C. nós é que temos que limitar a fronteira, quando é que umas se aplicam e
outras não.
O regime regra é o do C.P.C. portanto temos que saber quando é que cabem no
âmbito espacial de aplicação do Regulamento Bruxelas I bis.
Há aqui uma diretriz fundamental que é a seguinte: Há uma regra básica deste
regulamento que tem um alcance duplo, essa regra é a regra do domicílio do réu.
A regra é a de que, em princípio, são competentes internacionalmente os tribunais
do domicilio do réu. Todavia esta regra tem um alcance duplo porque ela é, ao mesmo tempo,
uma regra de competência dos tribunais e também é uma regra decisiva para o efeito de se
determinar se o regulamento é aplicável no espaço ou não.
Esta regra conhece também uma dimensão negativa: Se o réu não estiver domiciliado
num EM, em princípio, este regulamento não é aplicável.
“Em princípio” porque existem regras complementares, outras regras, outros fatores
de competência que são também regras de determinação do âmbito espacial do regulamento
que permitem exigir que o regulamento se aplica mesmo que o réu não esteja domiciliado
num EM. Que casos são esses? As disposições fundamentais a este respeito são o artigo 4º e
seguintes.
1) contratos de consumo;
2) contratos individuais de trabalho;
3) regras em matérias de competência exclusivas;
4) e ainda regras em matéria de extensão de competência a factos sujeitos a
jurisdição.
1) Réu está domiciliado num EM - Então se o caso estiver abrangido pelo âmbito
material e territorial de aplicação, o regulamento aplica-se;
2) Réu não está domiciliado num EM - A regra geral é que o regulamento não se
aplica e a competência de cada Estado afere-se pelas regras internas de cada
Estado.
Também isso acontece por força do artigo 18º nº1, isto é, em matéria
de contratos de consumo porque o consumidor nos termos dessa
norma. Não é necessário que o réu (se for o produtor) num contrato de
consumo esteja domiciliado num EM basta que o consumidor, se for
autor da ação, esteja domiciliado num EM. Portanto, domicílio do
autor é também um elemento de determinação do âmbito de aplicação
do regulamento no espaço relativamente aos contratos de consumo.
Isto significa que ao contrário do que acontece nos regulamentos em matéria de lei
aplicável onde esta questão se encontra facilitada - há em matéria de obrigações contratuais
e o contrato foi celebrado após a entrada em vigor do Roma I então aplica-se o Regulamento
Roma I independentemente do domicílio das partes, nacionalidade, do lugar da celebração do
negocio, etc - Aqui não temos essa facilidade, temos que passar por esta averiguação, aqui e
nos outros regulamentos referentes à competência internacional dos tribunais. Nesses outros
casos os fatores de delimitação no espaço do âmbito de aplicação desses regulamentos é
diferente desta mas está estabelecido em cada um dos regulamentos quando é que eles são
aplicáveis por força da sua aplicação no espaço.
Aplicação temporal
A aplicação do regulamento tem ainda de pressupor que o litígio se encontra dentro
do âmbito temporal de aplicação do regulamento e para isso o artigo 81º estabelece que se
aplica a partir de 10 de Janeiro de 2015. Portanto, se o litígio respeitar a uma ação proposta a
partir de 10 de janeiro de 2015 aplica-se este regulamento, se a ação tiver sido proposta em
momento anterior aplica-se o Regulamento Bruxelas I anterior a esta reformulação, e se o
litigo for extremamente antigo aplica-se ainda a Convenção de Bruxelas.
Mas no que toca ao âmbito espacial de aplicação a regra é diversa. É necessário que o
réu esteja domiciliado num EM? Tendo em conta a razão de ser da elaboração das regras de
competência, facilmente se extrai a solução pelo que toca ao âmbito espacial de aplicação. Se
realmente as regras de competência foram estabelecidas de maneira uniforme para garantir o
reconhecimento das sentenças nos outros EM, então o âmbito espacial de aplicação do
regulamento em matéria de reconhecimento de sentias estrangeiras há de resultar de
duas coisas: Se uma sentença que foi preferia num EM e pretende-se o seu reconhecimento
noutro EM, é o que decorre do artigo 36º nº1: “ As decisões proferidas num Estado-Membro são
reconhecidas nos outros Estados-Membros sem quaisquer formalidades.”
Esta norma indica simultaneamente uma regra de regime de reconhecimento, por um
P á g i n a | 210
lado, e por outro, limita o âmbito espacial de aplicação do regulamento. Ou seja, por muito
que o reconhecimento esteja a ser pedido em Portugal, este regulamento não se aplica
necessariamente, este regulamento apenas se aplica em Portugal - uma vez verificado o âmbito
temporal e material de aplicação - se a sentença que se pretende reconhecer em Portugal
provier de outro EM.
Daqui decorre esta unidade funcional, ligação funcional entre regras de competência e
regras de reconhecimento e execução de sentenças. Ou seja, uma sentença proveniente da China,
de um país não pertencente à U.E., país Africano ou Americano não pode ser reconhecida por
intermédio do Regulamento Bruxelas I bis, temos que recorrer às regras gerais do C.P.C.
Ou seja, foi proferida uma sentença em Espanha então ela vale em Portugal sem
necessidade de qualquer procedimento, qualquer processo, qualquer apreciação prévia desta
sentença, ela tem o mesmo valor que tinha em Espanha.
Hoje, com o Regulamento Bruxelas I bis, isto vale não apenas para os efeitos das
sentenças, o efeito vinculativo da sentença, efeito de caso julgado da sentença, o efeito
constitutivo da sentença, mas vale até para aquele efeito mais introsivo que é o efeito
executivo da sentença. Ou seja, uma decisão ou sentença judicial proferida num EM que nesse
EM tenha força executiva pode servir de base directamente ao processo executivo, à ação
executiva em Portugal. É um título executivo em Portugal sem necessidade de qualquer
procedimento.
Domicílio do Réu
O critério do domicílio do réu é simultaneamente um critério de delimitação do âmbito
espacial de aplicação do Regulamento, mas é também, e ao mesmo tempo, um critério de
competência, sendo essa a regra geral em matéria de competência internacional.
P á g i n a | 211
2) Há uma lacuna que tem que ser integrada de acordo com os fatores que façam
sentido dentro da matéria da competência internacional e dentro da economia
do Regulamento, portanto, ou através da ideia da residência ou através da ideia da
conexão mais estreita com aquela pessoa. Barreto Xavier: Inclina-se mais para a
segunda perspetiva já que a razão de ser do Regulamento continua a fazer sentido
na medida em que se a pessoa tem todos os seus laços dentro dos Estados-
Membros, seria absurdo não a considerar domiciliada num Estado-Membro e, por
isso, teria de se integrar a lacuna.
O que o artigo 4º, em conjunto com o artigo 5º, vem revelar é uma dimensão positiva
e negativa deste princípio do domicílio do réu. A dimensão positiva é que, em princípio, esses
tribunais são os tribunais competentes, e a dimensão negativa é que outros tribunais que não os
do domicílio do réu só têm competência internacional nos casos expressamente previstos
no Regulamento. Portanto, só naqueles outros casos que o Regulamento estabeleça ou
competências concorrentes com estas ou competências que de alguma forma se
sobreponham a estas é que esta regra deixa de funcionar nos dois sentidos.
Artigo 6º nº1: Quando o réu não está domiciliado num Estado-Membro, nem funcionam
as regras de competência autónomas que delimitam o âmbito de aplicação espacial do
Regulamento a favor dos Estados-Membros, a competência dos tribunais de um Estado-
Membro é regida pela lei desse Estado-Membro. Deixa de se aplicar o Regulamento,
estamos fora do seu âmbito de aplicação e temos de recorrer às regras internas de cada Estado –
em Portugal, em princípio, recorremos ao CPC salvo se existirem regras especiais em razão
da matéria como acontece no campo do Direito do Trabalho, por exemplo.
Além desta regra do tribunal do domicílio do réu, que regras complementam a ideia
de domicílio do réu?
A disposição mais importante é a do artigo 7º, que estabelece precisamente as regras
de competências especiais concorrentes. Estas são regras que pressupõem que o réu está
domiciliado num Estado-Membro, mas atribuem uma competência que concorre com a
competência dos tribunais do domicílio do réu. Assim, por exemplo, e nos termos do número
1, alínea a): se o réu está domiciliado num Estado-Membro, mas se trata de matéria contratual,
então o autor pode propor a ação que respeita a matéria contratual não só no país do domicilio
do réu, como também no lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão. O
foro do cumprimento da obrigação é um fator de competência internacional, mas que
pressupõe a existência de um réu domiciliado num Estado-Membro. Como é que se
concretiza a ideia de competência do tribunal do cumprimento da obrigação em questão? Se esta
norma não fosse concretizada, diríamos que, num contrato de C/V, se o que o autor pretende é o
pagamento do preço, então essa é a obrigação em questão; se o que se pretende é que o
vendedor entregue a coisa, então a obrigação em questão é a entrega da coisa. Mas o
Regulamento estabelece algo diferente, na alínea b): Para este efeito, o lugar da obrigação em
questão, no caso dos contratos de C/V e no caso dos contratos de prestação de serviços,
não é relevante o lugar do pagamento do preço – tendo ou não sido pago – mas é
relevante, sim, o lugar da entrega da coisa ou da prestação dos serviços, essa é que é a
obrigação em questão para o efeito de determinação da competência concorrente com o
domicílio do réu.
Em todos os outros contratos, a alínea c) estabelece que, se não for aplicável a alínea
b), será aplicável a alínea a), ou seja, não estando em causa um caso que seja uma venda de
P á g i n a | 214
bens ou uma prestação de serviços, é apenas a alínea a) que será relevante, ou seja, será a
obrigação em questão, independentemente de qual seja.
Nos números seguintes estão mais fatores de conexão que não vamos ver em pormenor,
mas que não vamos ver.
O mais importante, é o nº1, tendo uma correlação com as questões que, do ponto de
vista conflitual, são regidas pelo Regulamento Roma I.
O nº2 tem uma correlação com matérias que, do ponto de vista conflitual, são
disciplinadas pelo Regulamento Roma II, matéria extracontratual, e aqui o que estabelece o
nº2 é que perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso,
sendo que se coloca aqui a questão de saber o que se entende por facto danoso. É a ação ou a
omissão ou é o resultado, o dano? A jurisprudência do TJUE tem tido uma interpretação
ampla, que abrange quer o lugar da ação ou omissão, quer o lugar da ocorrência dos
resultados principais que decorrem da ação lesiva, já não de resultados que sejam
ulteriores e eventualmente imprevisíveis a partir da ação.
Depois, no nº3, refere-se o caso das ações de indemnização ou restituição fundadas em
infração penal. Em Portugal, quando em causa algo que foi simultaneamente uma infração civil e
criminal, os tribunais criminais têm competência não apenas para averiguar da responsabilidade
criminal e de aplicar a pena/medida de segurança, mas também têm competência para
estabelecer uma eventual indemnização ou obrigação de restituição para os lesados, ou seja, é o
próprio tribunal criminal que tem competência material para o fazer. E, aqui, o que o
Regulamento nos indica é que quando essas situações são plurilocalizadas, esses tribunais
criminais terão competência internacional para se pronunciarem sobre a questão da
indemnização ou da restituição. O que o Regulamento vem dizer é que remete para as regras
de competência dos tribunais penais, e se o tribunal tem competência para julgar a
ação/omissão, tem também competência para julgar o pedido de indemnização.
Depois temos uma série de outros fatores de competência especial concorrente, - artigo
7º e artigo 8º que se refere a vários pedidos de terceiros; reconvencionais; ações em matéria de
direitos reais - tudo isso são regras que vão estabelecer a competência internacional dos
Estados-Membros, sendo essa concorrente com a competência atribuída pelo domicílio do réu.
Comum a essas regras: destinam-se a proteger a parte mais fraca através de diferentes
vias:
P á g i n a | 215
Por isso é que constitui uma exceção, como vimos antes, à obrigatoriedade de o réu ser domiciliado
161
num Estado-Membro para que o Regulamento se aplique – artigo 6º/1 com remissão para o artigo 18º/1,
21º/2. Nestes casos, o réu não precisa de estar domiciliado num EstadoMembro.
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mesmo que a entidade patronal não seja domiciliada num Estado-Membro. Quer
isto dizer que temos aqui regras de competência de proteção. São regras
especiais, mas são mais do que regras de competência concorrente, são regras de
proteção. Estas regras depois vão ter reflexo em matéria de reconhecimento de
sentenças estrangeiras.
Há ainda uma nota adicional: Em matéria de contratos celebrados com o consumidor,
nos termos do artigo 17º nº2, nós temos um alargamento do conceito de
domicílio do réu, que vai ainda alargar mais a tutela do consumidor. Leia-se “Caso o
consumidor celebre um contrato com uma contraparte que, não tendo domicílio no
território de um EstadoMembro, possua uma sucursal, agência ou outro estabelecimento
num EstadoMembro, essa contraparte é considerada, quanto aos litígios relativos à
exploração de tal sucursal, agência ou estabelecimento, como tendo domicílio no
território desse Estado-Membro.” Ou seja, já tínhamos visto que, por força do artigo
63º, uma determinada pessoa coletiva se considerava domiciliada num
determinado Estado-Membro se aí tivesse a sua sede estatutária, a sua sede efetiva
ou o seu estabelecimento principal. O que o artigo 17º nº2 vem dizer é que para
efeitos de contratos de consumo, a contraparte também se considera domiciliada
num Estado-Membro se possuir nesse Estado-Membro uma sucursal, agência ou
outro estabelecimento desde que o litígio em causa respeite a essa sucursal,
agência ou estabelecimento. Há aqui um alargamento do conceito de domicílio
para efeitos de tutela do consumidor.
Mas como é obvio estas regras só funcionam para os casos em que os fatores de conexão
se concretizam num determinado Estado-Membro, se eles apontassem para um Estado
Terceiro evidentemente que a regra de competência exclusiva deixava de ter aplicação.
Há uma regra específica para o caso de arrendamento de imóveis para uso pessoal
temporário celebrados por um período máximo de 6 meses consecutivos, sendo também
competentes os tribunais do Estado-Membro onde o requerido tiver domicílio desde que o
arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário ou arrendatário seja domiciliado
num Estado-Membro.
vão-se considerar competentes com base no domicílio do réu. O artigo 24º dita que têm
competência exclusiva os tribunais de um Estado-Membro, o Regulamento não poderia
estar a atribuir competência exclusiva a um Tribunal de um Estado Terceiro.
Mas os tribunais do Estado-Membro não poderiam considerar-se a si próprios
incompetente? Essa é uma questão omissa, é possível argumentar que há uma lacuna do
Regulamento na medida em que se o mesmo atribui competência exclusiva aos tribunais dos
Estados-Membros nesta matéria, não pode deixar de reconhecer idêntica competência exclusiva
a Tribunais de Estados Terceiros pelo menos nos casos em que esses tribunais tenham regras
internas de competência exclusiva (se não tiverem, não fará sentido), logo, o tribunal do
domicílio do réu deve declinar a competência. Isto é defensável, mas o professor Barreto
Xavier não tem a certeza que isto fosse aceite sem margem para dúvidas.
E poderíamos excluir a aplicação do Regulamento por esta regra de competência
exclusiva apontar para Estado Terceiro e daí recorrer às nossas regras internas? Não, nunca,
isso não faria sentido. Se a base para declinar a competência do tribunal do domicílio do
réu é a competência exclusiva do Tribunal do Estado Terceiro então não poderíamos
dizer que não aplicávamos o Regulamento, mas aplicávamos as regras internas, isso seria
contraditório.
apenas um ou pode não esta nenhum quando em causa um pacto de jurisdição que
considere competente os tribunais de Estado-Membro.162
Qual é o efeito do pacto de jurisdição? Esse efeito é, por via de regra, o efeito de
atribuição de competência exclusiva aos tribunais desse Estado-Membro, salvo se as
partes tiverem acordado algo diferente. Ou seja, quando as partes atribuem competência aos
tribunais, por exemplo, do Estado Português, presume-se que estão a excluir com isso a
competência internacional que decorra de outras regras do Regulamento, salvo se as
partes estabelecerem expressamente que não querem excluir a competência.
a) Por escrito. Sendo que nos termos do nº2 se prevê que qualquer comunicação
por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale a forma
escrita. Assim, a celebração por e-mail ou equivalente é equiparada à celebração
por escrito; Verbalmente, com confirmação escrita.
b) Celebrada de acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si.
Se falamos de pactos de jurisdição entre duas partes que usualmente
estabeleceram entre si que determinado tribunal seria competente, o modo como
a forma não escrita foi observada ao longo dos tempos também será relevante,
esses usos que as partes estabeleceram entre si vão ser relevantes para a
celebração do pacto.
162Isto não era assim na versão original do Regulamento Bruxelas I onde se exigia que pelo menos uma
das partes tivesse domicílio num Estado-Membro, mas deixou de se exigir este requisito.
P á g i n a | 219
daquele tipo. Aqui não é necessário nem forma escrita, nem que a celebração
esteja de acordo com os usos que as próprias partes tenham reconhecido
entre si; é suficiente que o pacto de jurisdição seja celebrado por uma forma que
esteja de acordo ou reconhecida, por usos comerciais do ramo comercial concreto
e que sejam normalmente conhecidos observados e que as partes conheciam ou
deviam conhecer.
No artigo 25º temos os pactos de jurisdição, mas no artigo 26º temos uma hipótese
concreta a que alguns autores chamam prorrogação tácita de competência.
O que é que significa? Não houve acordo, mas o autor propôs uma ação, em princípio os
tribunais desse Estado não seriam internacionalmente competentes de acordo com o
Regulamento, mas o réu compareceu na ação, e não apenas compareceu, como não
contestou a competência. Ora bem, o que é que o Regulamento estabelece? Se o réu
compareceu e não contestou a competência, ele está, no fundo, a concordar com a
competência do tribunal, está a celebrar tacitamente um pacto de jurisdição e a aceitar
por mútuo acordo que aquele tribunal é internacionalmente competente.
E o que o artigo 26º vem dizer é que o tribunal se torna ipso facto competente,
assume e aceita a competência que lhe é atribuída pela atuação das partes.
Coisa diferente é o réu contestar a competência, quer a título principal, quer a título
incidental, se o requerido contesta a competência, aí a prorrogação tácita não opera.
Também não pode acontecer nos casos em que exista competência exclusiva e não pode também
afastar as normas imperativas de competência de proteção da parte mais fraca.
O que o nº 2 estabelece é que o tribunal, oficiosamente, deve informar o réu do seu
direito de contestar a competência do tribunal e das consequências de comparecer ou não
no juízo. O tribunal vai, paternalisticamente, dizer ao réu o que é que está em causa, e o seu
direito a contestar a competência, coisa que não faria em princípio cabendo a cada parte a sua
defesa, mas que aqui deve fazer.
Pode ter um efeito de caso julgado, que não se deve identificar com o efeito
vinculativo da sentença: o efeito de caso julgado pressupõe que a decisão que está
contida na sentença não é objeto de recurso ordinário e por isso tornou-se, em
P á g i n a | 221
princípio, definitiva e que vale nos termos estritos em que esse caso julgado está
definido no país de origem.
Estes 3 são os efeitos mais importantes, aos quais se pode juntar um efeito executivo
ou executório da sentença, que é de enorme importância prática: possibilidade da
sentença servir de título executivo, servir de base à ação executiva. A ação executiva
se pode fundar em títulos extrajudiciais ou judiciais e a sentença é o título judicial por
excelência. Na evolução do Direito Europeu passamos de um momento em que o que
se reconhecia era a generalidade dos efeitos da sentença, que eram reconhecidos
automaticamente, mas o efeito executivo da sentença não era automaticamente
reconhecido. Embora existisse um procedimento que se foi simplificando. Mas com
este Regulamento e com um conjunto de outros textos que têm pressupostos e campos
de aplicação mais específicos, a evolução mais simplificativa que se deu na última
década foi a evolução para um reconhecimento automático do próprio efeito
executório da sentença. Ou seja, uma sentença que no país de origem seja executória,
servindo de título executivo, é automaticamente reconhecida em todos os Estados-
Membros como título executivo, sem necessidade de procedimento destinado a
torna-la executória. A decisão, ainda que ultrassimplificada, destinada a atribuir
efeito executório à sentença foi eliminada. Decisão proferida na Polónia contra um réu
domiciliado em X, tendo efeito executivo, pode servir de título executivo em qualquer
outro Estado-Membro.
Quais são essas condições? Aqui temos de abrir dois tipos de sistemas, pelo que toca
às condições exigidas para o reconhecimento das sentenças. Sistemas que estabelecem
condições de mérito ou de fundo das sentenças e sistemas de condições formais. Assim há
duas hipóteses, em geral:
1) Ordem pública
2) Oportunidade que é dada ao réu para se defender.
3) Ideia do caso julgado.
4) Situação semelhante, mas relativa a uma decisão proferida no Estado terceiro.
5) Reflexo das regras de competência de proteção se o tribunal de origem fundou a sua
competência em violação da proteção da parte mais fraca, o reconhecimento não é aceite.
6) Regras de competência exclusiva dos tribunais
Artigo 45º nº2 e 3: Aqui temos também aspetos muito importante. O interessado não
pode dizer simplesmente que o tribunal de origem violou regras de competência do
Regulamento. Se a sentença foi proferida numa ação em violação do domicílio do réu e até pode
o réu ter contestado a competência, mas o tribunal entendeu que a contestação não era
relevante e considerou-se competente e proferiu a decisão. Ou tribunal esqueceu-se que existia
um Regulamento Bruxelas I Bis e aplicou-se as regras de competência interna. Esta decisão deve
ser reconhecida nos outros Estados-Membros? Esta sentença é reconhecida automaticamente?
É, porque o artigo 45º estabelece um numerus clausus da possibilidade da
invocação da incompetência do tribunal de origem – só pode invocar-se a incompetência do
tribunal de origem nos casos expressamente previstos, isto é, nos casos de violação de
competências exclusivas e no caso de violação de competência de proteção (da parte mais
fraca). Fora desses casos não pode invocar-se essa incompetência.
Porque é que será assim? Pela confiança nos sistemas jurisdicionais dos outros
Estados-Membros e conveniência da livre circulação de sentenças.
Aqui teríamos uma tensão entre a necessidade de ser rigoroso na análise da competência
do tribunal de origem, para não premiar a violação das regras, e entre o facto de ter sido julgado
por um tribunal de um Estado-Membro, assumindo-se que esse tem suficiente qualidade para se
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A sentença em si mesma é um título bastante para que a parte que a queira invocar
a possa invocar para defender os seus direitos, sem necessidade de qualquer procedimento –
esta sentença pode fazer de base à execução, artigos. 39º e ss.
Também se estabelece que as partes se podem opor ao reconhecimento e portanto
podem propor ação destinada a opor-se a este reconhecimento, assim como podem opor-se
ao reconhecimento a título incidental, invocando alguns dos casos de violação das condições
para o reconhecimento – mas aqui não é num momento prévio ao reconhecimento, mas sim num
momento posterior ao reconhecimento da sentença.
Importa agora o regime residual do CPC, sempre que não seja aplicável o
Regulamento Bruxelas I Bis, nem qualquer dos outros Regulamentos ou eventualmente
alguma Convenção Internacional ou alguma legislação interna especial (ex: LAV, CT, etc.).
P á g i n a | 224
Regra Geral
O princípio da necessidade, ou seja, cláusula mais aberta que não prevê um estrito
fator de conexão, mas prevê uma cláusula de salvaguarda que permite atribuir competência
internacional aos tribunais portugueses quando a propositura em Portugal seja necessária para
tornar efetivo um direito, que não teria possibilidade de ser atendido ou por inexistência de
outros tribunais internacionalmente competentes ou por uma existência de dificuldade
de exigir ao autor que fosse propor a ação no estrangeiro – necessidade de valoração pelo
aplicador do Direito. A necessidade é uma expressão do princípio constitucional da tutela
da jurisdicional efetiva. Serve por isso para os casos em que seriam impossível ou então,
muito difícil, tornar efetivo certo direito por meio de ação instaurada em tribunal estrangeiro
Há uma segunda condição, que é a existência de uma ligação significativa entre o litígio
e o estado português, porque de outra maneira seriamos uma espécie de jurisdição de eleição
que serviria para tudo e mais alguma coisa – elemento ponderoso de conexões de ordem pessoal
ou real. Estes são os fatores de atribuição de competência internacional aos tribunais
portugueses, sendo as regras gerais.
A alínea c) é por isso um caso excecional subsidiário.
Mas temos além destes as regras de competência exclusiva, constantes do artigo 63º,
seguem uma regra bem mais próxima do Direito Europeu – muito semelhante ao regime do
artigo 24º Regulamento Bruxelas I Bis.
Em versões anteriores do CPC, no antigo artigo 65º, hoje artigo 62º, aparecia uma
alínea que estabelecia em termos genéricos a competência internacional dos tribunais do
P á g i n a | 225
Na atual versão do CPC o domicílio do réu não deixa de ter relevância, mas tem uma
relevância meramente indireta e limitada, porque só é relevante por força do princípio da
coincidência, na medida em que este princípio estabelece que os tribunais portugueses são
internacionalmente competentes se as regras de competência territorial da lei portuguesa
apontarem para um tribunal situado em Portugal.
Ora, se formos essas regras (artigos 70º e seguintes) vemos que existe uma regra
geral no artigo 80º, que é regra do domicílio do réu. Mas existem outras regras especiais
que estabelecem, em matéria de competência territorial, outros critérios de competência que
não o domicílio do réu. Isto significa que nas matérias relativamente às quais a competência
internacional seja fixada por intermédio da regra geral do domicílio do réu, prevista no artigo
80º, os tribunais do domicílio do réu serão internacionalmente competentes.
Mas nos casos em que, ainda que o réu esteja domiciliado em Portugal, a competência
territorial aponte para outro critério de competência, então aí o domicílio do réu não é
relevante para aferir a competência internacional dos tribunais portugueses. Portanto o
domicílio do réu não deixa de ter alguma relevância, mas é uma relevância indireta e delimitada
em função das matérias.
Pactos de Jurisdição
O artigo 94º CPC contem o regime dos pactos de jurisdição, que é um regime não
inteiramente semelhante ao regime do Regulamento Bruxelas I Bis. Da leitura do artigo 94º
resulta um regime mais exigente dentro das condições nas quais pode ser celebrado um
pacto de jurisdição – fundamentalmente tem dois aspetos:
2) Substância: Há aqui uma diferença fundamental, pois o CPC exige que a escolha da
lei pelas partes não envolva um grave inconveniente para uma das partes – é
necessário que se justifique pelo interesse de uma das partes que não seja
contrariado pelo grave inconveniente da outra parte. Isto obsta à celebração do pacto
de jurisdição. A doutrina tem entendido que este requisito tem de ser
interpretado de uma forma relativamente flexível, desde logo no plano do ónus
da prova. Ou seja, quem defender que o pacto não é válido é que tem de provar a
falta de interesse série, porque o contrário seria violador da autonomia da vontade.
Regime porventura excessivamente restritivo no que toca à celebração do pacto de
jurisdição.
Reconhecimento Sentenças
É necessário que tenham sido respeitados certos princípios processuais básicos, que se
referem desde logo à citação do réu, possibilidade de se defender, princípio da igualdade das
partes e do contraditório.
Temos ainda de ter em atenção o artigo 983º/1 e 2. O artigo 983º/1 refere-se a certos
casos em que a pessoa contra quem se pede a revisão de sentença estrangeira se pode opor com
fundamento em certos casos que são fundamento de recurso extraordinário de revisão.
E o artigo 983º/2 estabelece um caso claro de revisão de mérito da sentença
estrangeira – temos 3 pressupostos:
3) E por força da não aplicação do Direito que consideramos que seria aplicável
(Direito português) o cidadão português foi prejudicado. Temos portanto uma
proteção do cidadão português. A constitucionalidade desta proteção tem sido
questionada por alguma doutrina, pois o artigo 15º CRP estabelece o princípio da
equiparação, sendo preciso se se justifica esta tutela dos cidadãos portugueses.
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Casos Práticos
Teste
Durante um jantar formal em casa dos pais de Afonso, Giselle e Afonso oficializam o
noivado, anunciando o casamento para Março de 2019, em Azeitão.
Como Afonso não tem tempo para nada, atendendo às novas responsabilidades
profissionais, Giselle tratou de tudo: organizou a festa, pagou à empresa de catering e ao
proprietário da quinta de Azeitão, e comprou a viagem de lua-de-mel.
Duas semanas antes do grande dia, Giselle e Afonso visitam os pais de Giselle em Lyon, e é aí
que Afonso larga a bomba: apaixonou-se por Carlota, colega do escritório, pelo que não vai
poder casar.
Giselle fica indignada e destroçada, e já não regressa a Portugal senão para propor no
tribunal de Lisboa uma ação na qual pede que Afonso a indemnize por todos os danos
patrimoniais ocorridos, que incluem não apenas as despesas realizadas, mas o tratamento
médico da depressão sofrida e, bem assim, todos os danos não patrimoniais, especialmente
o sofrimento causado, a vergonha de anunciar o cancelamento do casamento e a depressão
subsequente. Giselle fundamenta o pedido na aplicação das regras gerais da
responsabilidade civil extracontratual francesas, que reputa aplicáveis.
Afonso contesta, alegando que, de acordo com a lei portuguesa, apenas deve indemnizar
Giselle pelas despesas feitas em vista do casamento.
Duração: 1 hora
8-4-2019”
Correção
Situação absolutamente internacional, por estar em contacto com mais duas ordens
jurídicas, que por esse motivo são potencialmente aplicáveis.
Exame
-situação jurídica plurilocalizada de direito privado. Em contacto com a situação estão 3 OJs
distintos, o português, residenchia de C e sitio do imóvel, o brasileiro, nacionalidade de B C e
residencia de C e por fim o OJ da Republica dominicana, onde foi celebrado o NJ.
- para resolver a questão temos de recorrer ao DIP mais concretamente às normas de conflitos,
normas formais que indicam para qual dos 3 ordenamentos suctiveis de serem aplicados pelo
Principio da não transatividade.
- assim temos de qualificar cada norma material do sistema e ver se é subsumível ao conceito
quadro de uma regra de conflitos, que depois nos remeterá pelo seu elemento de conexão para a
lei que dá a resposta a situação material.
-quanto a todas as normas em causa, a exigência que cada uma delas se refere enquadra-se no
conceito quadro da validade formal, as 3 normas materiais são qualificadas ao mesmo conceito
quadro pelo que não haverá um conflito de qualificações a resolver
- que normas de conflitos existem que se apliquem a um CV quanto a validade formal. Temos
duas no OJ portugues: a do regulamento roma I, artigo 11º e a do 36º CC. Temos de ver se se
aplica o regulamento pelo seu âmbito, porque caso se aplique derroga o 36º
-ambito material: check, âmbito temporal: se for depois de bla bla, âmbito de aplicação
universal: check.
-11º aplica-se
Jean Pierre, artista plástico belga residente habitualmente no Algarve, decide comprar um
computador portátil topo de gama, com uma excepcional placa gráfica. Encontra o produto
à venda no site da empresa que o fabrica (a Bit-Bit, com sede em Taiwan), e decide
encomendá-lo, pagando o respectivo preço (7.5000 USD) com cartão de crédito.
Decorridos dois meses após a compra, e não tendo o portátil chegado, Jean Pierre contacta
a BitBit, protestando pela demora, uma vez que o site da empresa indicava o prazo de 15
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dias para a entrega. A Bit-Bit responde, alegando que o computador foi expedido
imediatamente a seguir à encomenda. Jean-Pierre exige a devolução do preço, tendo em
conta que nunca recebeu o portátil, mas a Bit-Bit recusa, insinuando que Jean Pierre está de
má-fé.
1) Pode Jean Pierre instaurar em Portugal uma ação contra a Bit-Bit, com o fim de reaver o
valor pago?
Para apurar a competência dos tribunais portugueses, deve começar-se por averiguar da
aplicabilidade do Regulamento Bruxelas I bis. Encontrando-se a questão incluída no seu âmbito
material (art. 1º) e temporal de aplicação (arts. 66º e 81º), a questão importante reside em saber
se o litígio cabe no seu âmbito espacial de aplicação. Tendo em conta que a Bit-Bit não está
domiciliada em nenhum Estado-Membro (art. 63º), a aplicabilidade do Regulamento apenas
poderia fundar-se na verificação dos pressupostos de uma das disposições referidas no art. 6º.
Não havendo competência exclusiva ou pacto de jurisdição, apenas poderia ponderar-se a
questão de saber se existe um contrato de consumo, ao qual pudesse aplicar-se o art. 18º/1.
Sucede que o contrato não foi celebrado para um fim estranho à actividade profissional de Jean
Pierre (art. 17º/1) , pelo que a aplicação dos art.s 17º e segs. fica afastada. Mesmo que assim não
fosse, teria de se demonstrar que a Bit-Bit tinha dirigido a sua atividade para Portugal, ou com
actividade comercial ou profissional no nosso país (art. 17º/1/c). Conclui-se assim que o
Regulamento Bruxelas I bis não é aplicável.
Deste modo, haveria que recorrer às regras do Código de Processo Civil, que, no seu artigo 62º,
rege a competência internacional dos tribunais portugueses. De acordo com o princípio da
coincidência (art. 62º/a), não haveria, em princípio, competência dos tribunais portugueses,
uma vez que a regra de competência territorial em matéria de incumprimento contratual aponta,
em primeira linha, para o foro do domicílio do réu, que não se situa em Portugal (art. 71º).
Todavia, tendo parte dos factos que integram a causa de pedir na acção decorrido em Portugal,
uma vez que aqui foi feita a encomenda e aqui deveria ter tido lugar a entrega, os tribunais
portugueses são internacionalmente competentes, por força do artigo 62º/b) do CPC.
2) Admitindo que a propositura da acção em Portugal é possível, qual deverá ser a lei
aplicável?
Esta questão encontra-se abrangida no âmbito material (art. 1º), temporal (arts. 28º e
29º) e espacial de aplicação (art. 2º - aplicação universal) do Regulamento Roma I. Mais uma vez
se coloca a questão de saber se o contrato em causa é um contrato de consumo (art. 6º). Pelas
razões indicadas na questão 1), tal não acontece. Assim, não havendo escolha de lei pelas partes
nos termos do art. 3º, há que aplicar a lei subsidiariamente competente, nos termos do art. 4º.
Tratando-se de um contato de compra e venda de mercadorias, é aplicável a lei da residência
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habitual do vendedor (art.4º/1/a). Nos termos do art. 19º, o vendedor tem residência habitual
em Taiwan. Assim, a lei aplicável é a lei de Taiwan. Não há elementos que apontem para que
outra seja a lei manifestamente mais conexionada com o contrato, nos termos do art. 4º/3, pelo
que se confirma a solução referida.
2) “A segurança jurídica é o valor essencial do DIP. Por isso, este é cego perante a justiça
material.”
O lugar primacial que a segurança jurídica ocupa no DIP não pode fazer esquecer a
relevância multifacetada da justiça material neste ramo do direito. O comentário poderia, por
isso, incidir especialmente nos seguintes aspectos: valores constitucionais no DIP, regras de
conflitos de carácter substancial, princípio do favor negotii, protecção da parte mais fraca,
ordem pública internacional, normas de aplicação imediata.
Casos
Estes casos foram sendo reunidos das aulas e de exemplos dados. Não havendo um
questionário disponibilizado no moodle como noutras cadeiras, optamos por fazer assim.
Contém tanto casos dados pelo Professor Barreto Xavier em aula teórica como casos dados pelo
Professor Miguel Mota em álulas práticas.
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Caso 1
o Ter presente que o facto de o artigo 877º aparecer no contrato de compra e venda, nos
contratos em especial e no livro das obrigações não é suficiente para que se qualifique
como norma de obrigações.
o artigo 25º C.C. É muito genérico, é a norma geral em matéria de estatuto pessoal e nele
cabem todas as matérias de estado, relações familiares, sucesso por morte (…) mas este
apenas se aplica na falta de disposição especial aplicável.
o artigo 57º C.C. Esta é uma das alternativas, norma de conflitos cujo conceito quadro é
relações entre pais e filhos. Uma parte da doutrina entender que o que aqui está é uma
relação familiar, relação entre pais e filhos sendo esta troam aplicável e que vai
determinar a lei aplicável.
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o A norma do artigo 877º C.C. tem que ser qualificada como norma sucessória e portanto a
sua aplicabilidade depende da norma de conflitos em matéria sucessória que hoje é o
Regulamento em matéria sucessória. Portanto vejamos se é, se a abertura da sessão é
posterior à entrada em vigor do regulamento qual a lei aplicável em matéria sucessória?
A fonte é o regulamento mas qual a solução? Âmbito material, territorial e temporal de
aplicação do Regulamento. No que toca ao âmbito material: artigo 1º do regulamento em
aletria sucessória determina que o regulamento se aplica às sucessões por morte e
determina que se exclui do seu âmbito de aplicação uma serie de matérias nas quais se
encontra o estado das pessoas, relações familiares e as disposições que a lei entende
produzirem efeitos equiparáveis. Esta disposição exclui o artigo 877º? O que significa
excluir as situações familiares? Significa que não se aplica à sucessão por morte fundada
em relações familiares? Não, significa que não é à luz deste regulamento que se vai
determinar se duas pessoas se unem por um laço familiar, ou seja, se uma pessoa é filha
de outra ou não, se é casada ou não, se está unida por laço que produza efeitos
equiparáveis ao casamento. Exclui-se a relação familiar como objecto da norma de
conflitos mas o artigo 877º não define quando é que uma passo se pode considerar
parente, casada com, por aí em diante, antes estabelece uma regra que tem uma
implicação em sede de partilha porque indiretamente o que diz é que aquele ato ao
proibi-lo sem consentimento dos outros herdeiros legitimários, está. Dizer que não
podem ser prejudicados os outros herdeiros, estamos em pleno capo de direito
sucessório e não de relações familiares.
o Se considerarmos que é relação familiar que esta no artigo 877º então não cabe no
âmbito material do Roma I então aplica-se o artigo 57º C.C. sobre relação familiar entre
pais e filhos.
Caso 2
Sim, tem contacto com várias OJ. Qual o problema em análise? Contrato de compra e
venda de diamantes é válido ou não? O direito português é o direito mandado aplicar pela
escolha da lei pelas partes e é ainda o direito da nacionalidade de Carlos, e é em Portugal que
deveria ocorrer a entrega dos diamantes e o pagamento do preço. De acordo com o direito
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material português este contrato seria válido, nada obsta à validade do mesmo. Pelo contrário,
nada se diz sobre o direito da Africa do Sul ou Espanhol mas diz-se que no país onde se
encontram os diamantes - Angola - esta venda internacional entre particulares de
diamantes é nula e proibida.
Qual a lei aplicável? Quer as normas portuguesas, quer as normas angolanas são
normas que incidem sobre a validade substancial deste contrato, qualificam-se como
normas relativas às obrigações contratuais. Assim, a sua aplicabilidade depende das regras
de conflitos do Roma I desde que este seja aplicável.
Ora, relativamente ao âmbito material de aplicação não há problema porque estão em
causa obrigações contratuais numa situação que implica conflito de leis.No que toca ao âmbito
temporal de aplicação não há problema porque o contrato é celebrado depois da entrada em
vigor do regulamento. Não se coloca qualquer problema acerca do âmbito espacial do
regulamento porque este é universalmente aplicável, é aplicável desde que a questão seja
suscitada perante órgãos de aplicação do direito dos EM. Nalguns casos temos uma restrição do
conceito de EM para este efeito mas não é o caso de Portugal que se abrange por todos os
Regulamentos da U.E. O regulamento é, neste caso, aplicável.
As normas materiais subsumem-se no conceito quadro do regulamento Roma I, não
sendo excluídos do seu âmbito material este tipo de contratos por força do artigo 1º, do seu
âmbito temporal ou espacial de aplicação. Em princípio a lei aplicável neste tipo de contratos
é a lei escolhida pelas partes e, portanto, a lei aplicável seria a lei portuguesa pela qual o contrato
é válido.
Esta norma é aplicável? Para que fosse aplicável por força do artigo 9º nº 3 Roma I o
que é que era necessário? Tendo em conta o teor da norma e a situação da vida e o disposto no
artigo 9º nº 3 Roma I como podíamos densificar esta hipótese por forma a que caiba no campo
de aplicação do artigo 9º nº 3 Roma I? Duas sub hipóteses: uma em que o artigo 9º nº 3 Roma I
não é aplicável, e uma em que o artigo 9º nº 3 Roma I é aplicável. O lugar de execução do
contrato, para estes efeitos, não é necessariamente o único lugar de execução do contrato. Por
outras palavras, a razão de ser do artigo 9º nº 3 Roma I é evitar que a aplicação da lei
escolhida, ou da lei designada pelas conexões objectivas na falta de escolha, leve
precisamente a uma ineficácia da decisão, ou que desconsidere proibições ou deveres a
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Caso 3
Direito Alemão: Normas que regem a sua forma, substância, efeitos mas não existe
nenhuma proibição de um cônjuge vender um imóvel de que é proprietário sem autorização do
outro.
Qual a questão que se coloca? Saber se o artigo 1682º-A/1 é ou não aplicável. Isto
pressupõe uma qualificação do artigo 1682º-A/1, temos que ver a sua ratio, o conteúdo
dessa norma e a função que desempenha no OJ em que se insere que é o português. Qual o fim
desta norma? O que é que ela tutela? O conteúdo da norma é proibir a venda de um bem próprio
sem consentimento de outro cônjuge. Porquê? Faz sentido? O bem é meu e não do meu cônjuge,
não há comunhão de bens relativamente a este imóvel, e não posso enquanto casado vender sem
autorização do meu cônjuge? Função: O legislador parte da ideia de que no regime da comunhão
de adquiridos há uma maior solidariedade em termos patrimoniais entre os cônjuges que deve
obrigar a que determinados atos de particular importância careçam do consentimento de ambos
os cônjuges. Barreto Xavier diria que aqui o mais relevante é o regime da responsabilidade por
dívidas. O essencial é ter presente que sobre este regime que estamos a analisar de forma
superficial, pelo menos, chegamos a uma conclusão: está funcionalizado ao regime de bens ao
casamento, está funcionalmente ligado ao regime de bens do casamento, está intrinsecamente
ligado a esse regime de bens. Isto é meio caminho andado para a qualificar como norma atinente
ao regime de bens, deve subsumir-se na regra de conflitos que versa sobre o regime de bens.
Qual a regra de conflitos atinente ao regime de bens?
Aqui teríamos de distinguir. Por um lado, teríamos de ver o âmbito material de aplicação
- aqui temos um regulamento transaccional - podemos ter que ver se é possível subsumir esta
norma no Regulamento da U.E. atinente ao regime de bens, se fosse possível aplicar-se-ia se o
seu âmbito espacial e temporal estivesse preenchido. O problema é o âmbito temporal, já que
este regulamento é aplicável a partir de 29 de janeiro de 2019. Se fosse aplicável o
Regulamento, a lei aplicável seria a lei designada por este, seria qual? Lei da Residência
Habitual Comum - Residem habitualmente em Colónia, portanto, não havendo escolha de
lei, aplicar-se-ia a lei Alemã.
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Aplicando-se a lei alemã este contrato poderia ser anulado ou não? Não, porque o artigo
1682º-A/1 C.C. não é aplicável porque a aplicabilidade desta norma só teria lugar se o direito
português fosse competente em matéria de bens. Como no Direito Alemão não há qualquer
proibição, esta venda não seria anulável. Aqui não era relevante a lei escolhida para o contrato.
Para efeitos de saber se esta venda era ou não válida teríamos que recorrer às regras de
conflitos gerais.
A Alemanha, embora seja um Estado Federal, não tem direito diferenciado para cada
uma das sub-unidades, não temos diferentes OJ em matéria de direito internacional privado nas
diversas sub-unidades territoriais. Admitindo que B não é nacional Alemão mas Britânico, ou
nós, neste caso, tínhamos que tomar em consideração se havia uma norma comum a todo o R.U.
ou se tínhamos normas diversas nas várias sub-unidades territoriais. Como a questão, perante o
direito das diversas sub-unidades territoriais do R.U., não conheceria uma norma paralela ao
artigo 1682º-A/1 C.C. não tínhamos que averiguar onde é que ela seria relevante.
Etapas
Quando estamos a qualificar uma norma material estamos a indagar em que conceito
quadro podemos subsumir aquela norma material para os efeitos de determinação da lei
aplicável. Se é assim o que temos que começar por ver é se podemos subsumir essa norma
material no conceito quadro de uma regra de conflitos de direito transnacional porque
essas prevalecem sobre regras de conflitos de direito interno.
Um contrato celebrado entre uma pessoa e uma sociedade comercial. Este contrato é um
contrato através do qual esta pessoa se obriga a realizar uma certa tarefa todos os dias sem
horário para a organização não nas instalações da empresa mas em casa com algum poder de
autonomia funcional, em termos tais que temos elementos que apontam no sentido do contrato
individual de trabalho e outros que apontam para uma prestação de serviços. Perante o direito
português isto é um contrato de trabalho, perante o direito espanhol isto é um contrato e
prestação de serviços. Vamos qualificar as normas.
Índice
Introdução .......................................................................................................................................................... 1
Caderno de DIP...............................................................................................................................................................1
A disciplina de DIP ........................................................................................................................................................1
Primeira noção de DIP ................................................................................................................................................2
Relevância, Objeto, Âmbito, Valores, Princípios e Fontes do Direito Internacional Privado
................................................................................................................................................................................ 3
Problemas fundamentais suscitados pelas situações absolutamente internacionais ......................3
Situações Absolutamente Internacionais, Relativamente Internacionais e Puramente Internas5
Princípio da Não Transitividade .............................................................................................................................6
Os valores da segurança e da justiça material...................................................................................................8
O principal valor: segurança jurídica ...............................................................................................................8
A justiça material ......................................................................................................................................................9
A europeização do DIP, combate à incerteza. ............................................................................................ 12
Âmbito do DIP.............................................................................................................................................................. 12
Princípios do DIP ........................................................................................................................................................ 15
Princípio da Conexão mais Estreita ............................................................................................................... 15
Princípio da Harmonia Jurídica ....................................................................................................................... 17
Princípio da Paridade de Tratamento entre as Leis ................................................................................ 18
Princípio da Efetividade das Decisões Judiciais........................................................................................ 19
Princípio Favor Negotii ....................................................................................................................................... 20
Princípio da Autonomia e da Vontade das Partes .................................................................................... 20
Direito dos Conflitos: Diferentes Técnicas de Regulação ............................................................... 24
Dépeçage ........................................................................................................................................................................ 24
As regras de Conflitos ............................................................................................................................................... 25
Conceito ..................................................................................................................................................................... 25
Estrutura ................................................................................................................................................................... 26
Normas bilaterais, unilaterais e imperfeitamente bilaterais .............................................................. 29
De conexão una e normas de conexão múltipla ........................................................................................ 31
De conflitos rígidas e flexíveis .......................................................................................................................... 36
De conexão substancial e normas de conflitos localizadoras ............................................................. 41
Normas de Aplicação Imediata ............................................................................................................................. 42
Identidade ................................................................................................................................................................ 43
Atuação. Relação com as normas de conflitos ........................................................................................... 43
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