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ANTUNES VARELA

J. MIGUEL BEZERRA SAMPAIO E NORA

MANUAL
DE
PROCESSO CIVIL
DE ACORDO COM O DEC.-LEI 242/85

2.A EDIÇÃO
(REIMPRESSÃO)

Coimbra Editora
2004
C
omposição e impressão
oimbra Editora, Limitada

ISBN 972-32-0108-9

Depósito Legal n.° 218 362/2004

Novembro de 2004
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£ finalmente apresentado ao público, sob forma de


gente, no mundo das coisas concebidas pelo espírito, depois
de cosidos e brochados os fascículos que ao longo de dois
anos marcaram os seus primeiros e fragmentários sinais de
vida, o Manual de processo civil.
O livro tem como fim essencial servir de texto de base
à preparação teórica de quem inicia o estudo do processo
civil vigente no país.
A exposição nele desenvolvida concentra-se na análise
do processo declaratório, arvorado em forma paradigmática
dos diversos procedimentos judiciais previstos na lei, e cor­
responde, com largos desenvolvimentos de doutrina em m úl­
tiplos trechos do programa traçado, às liçõ e s que proferi
na regência da respectiva disciplina, quer na Faculdade de
Direito de Coimbra, quer na Faculdade de Ciências Huma­
nas, em Lisboa.
Como obra didáctica, duas novidades caracterizam a
publicação, sendo a menção delas que verdadeiramente jus­
tifica esta nota de apresentação.
A primeira é a de que o Manual representa, não por mero
acidente conjuntural no plano geral do curso de licenciatura,
mas de caso maduramente pensado no recinto interno da
cadeira, uma acentuada viragem no método de ensino do pro­
cesso civil ultimamente seguido nas nossas escolas, com um
visível retorno à selecção e ordenação de matérias que Manuel
de Andrade preferiu, na sua breve, mas luminosa, passagem
pela docência deste ramo do Direito.
O plano seguido na exposição abandona deliberadamente
o modelo estático da relação processual, de inspiração pan-
VI

dectística, para se debruçar, de princípio ao fim do discurso,


sobre o fenómeno dinâmico da acção.
São inegáveis, no vasto plano epistemológico, as vantagens
do exame metódico das instituições jurídicas que, sem se per­
der nos terrenos confinantes próprios da sociologia, mergulhe
as suas raízes nas realidades concretas da vida. Só esse estilo
de prospecção permite captar, na sua exacta dimensão, o
momento prático essencial do pensamento jurídico, que
tão profunda influência exerce, ainda que sob o filtro selec­
tivo da razão do intérprete e de outros factores, na própria
substancia normativa do Direito. Os benefícios do método
serão ainda mais salientes no estudo dum ramo de Direito
como o processo civil que, cativo do signo instrumental sob
que nasceu, mantém através da acção um contacto ime­
diato com os casos da vida real, no diálogo permanente
(e angustiante, em épocas de transição como a que actual­
mente se vive) que o forum proporciona entre os factos e a
norma.
Assim foi já na fase mais antiga do direito romano
enquanto as legis actiones, subordinadas aos quadros primi­
tivos do direito quiritário, não deixaram de ser a fonte viva
do ius civile. Assim se consolidou o papel do direito adjec­
tivo, quando o processo formular, nas mãos hábeis do pre­
tor, através da intentio e da condemnatio especialmente afei­
çoadas às novas exigências da vida social romana, passou a
constituir o instrumento ideal de aggiornamento do ius hono-
rarium. E assim se mantêm ainda hoje as coisas na ordem
processual vigente, sem alteração da sua fisionomia essen­
cial, a despeito da crescente autonomização da pretensão pro­
VII

cessual em face do direito subjectivo, na medida em que a


acção continua a chamar a si, embora com auxílio de outros
elementos, o momento culminante do processo constante de
renovação a que os textos básicos da lei civil sujeitam o
direito legislado.
Não são, porém, fundas congeminações de raiz gnoseo-
lógica, mas simples razões de carácter pedagógico as que
mais pesaram na orientação metodológica adoptada.
Torna-se, sem dúvida mais fácil, como a razão prenuncia
e a experiência confirma, iniciar o aprendizado do direito
processual civil com o exame estimulante da realidade viva
do litígio, acompanhando as diversas fases em que a acção
logicamente se desdobra, do que fazê-lo sobre a análise fria
dos elementos abstractos previamente manipulados pela dou­
trina, à margem da sequência dialéctica em que os actos se
articulam dentro do processo.
E o Manual foi escrito para os alunos da primeira cadeira
de processo civil, não para os investigadores embrenhados no
estudo analítico dos grandes temas processuais.
A segunda nota digna de registo refere-se à autoria colec­
tiva da obra.
Não houve, na elaboração do Manual, nenhuma repartição
selectiva de matérias entre os autores. O texto que serviu de
base inicial à publicação, reproduzindo com grandes amplia­
ções os tópicos por mim utilizados nas prelecções orais, é
de minha exclusiva autoria, desde a primeira à última linha.
Apesar disso, o Manual é uma obra real e integralmente
colectiva, representando as soluções propostas para os inú­
V III

meros problemas nele versados o pensamento unânime dos


autores.
Ê que a versão básica das lições foi minuciosamente exa­
minada, revista,_ corrigida e ampliada pelos três autores, em
numet osas sessões de trabalho conjunto. E é ainda da espe­
cial iniciativa dos meus dois colaboradores a maior parte
das citações de decisões jurisprudenciais destinadas a ilus­
trar a doutrina exposta no texto.
Se a principal função do Mestre não é a de dar aulas,
mas a de fazer escola, procurando assegurar a continuidade
e o progresso do seu magistério, nenhum fruto poderá ser
mais saboroso ao natural apetite do verdadeiro ensinante
do Direito do que a colaboração fecunda dos seus coopera-
dores na obra transcendente da formação intelectual e pro­
fissional dos juristas de amanhã.

Coimbra, Julho 1984,


ANTUNES VARELA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CAPITULO I
Noções gerais

1. Direito processual civil como ramo de Direito.

O direito processual civil, correntemente designado por


processo civil O, é o ramo do direito (público) funcional­
mente destinado a integrar o direito civil.
O direito civil abarca todo o conjunto de normas regu­
ladoras das relações jurídicas estabelecidas entre particula­
res, ou entre particulares e os entes públicos (incluindo o
Estado), desde que estes não exerçam na relação uma fun­
ção de soberania.
A regulamentação das relações substantivas compreen­
didas no foro do direito privado traduz-se, em regra, na
atribuição de um (ou mais) direito subjectivo a uma das par
tes e na consequente imposição do dever jurídico correlativo
à outra parte. x
Assim sucede nas felações obrigacionads (simples ou com­
plexas) derivadas dos diFerentes contratos, negócios unilate­
rais, situações de enriquecimento injustificado ou factos ilí­
citos, em que ao direito subjectivo (principal) do credor

(') Refere-se ao Código de Processo Civil toda a citação de dis­


posições legais, não acompanhada da menção do respectivo diploma.
1 — Manual Processo Civil
2

corresponde o dever jurídico (principal) de prestar especifi­


cadamente imposto ao outro sujeito da relação (o devedor).
E assim ocorre também nos direitos reais e nos direitos de
personalidade, em que ao poder de usar e fruir determinados
bens, materiais o<u espirituais, e de dispor deles, atribuído
ao respectivo titular, corresponde um dever geral de absten-
r.nn
3-
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Os indivíduos sobre quem recaem os deveres jurídicos


correspondentes aos direitos subjectivos de outram obser­
vam, em regra, o comportamento que a ordem jurídica pres­
creve, realizando a prestação a que especificada ou concreta-
mente se encontram adstritos, não usando nem {ruindo os
bens que lhes não pertencem, respeitando a integridade física
e a personalidade moral dos seus concidadãos.
Quando, porém, assim não sucedia, porque o devedor
tarde a cumprir ou impossibilite o cumprimento da ipres-
tação, ou porque um estranho destrua co(sa' alheia ou se ,
aproprie de bens que (Iihe não pertencem, o direito civil não
soluciona o conflito real suscitado entre o titular do direito
e o autor da lesão, visto as suas regrais, movendo-se no plano
da generalidade e da abstracção, se não adaptarem à reinte­
gração de situações concretas em crise.
A (primeira via que ipode acudir ao espírito do jurista
para remediar tais situações de crise será a de facultar ao
sujeito lesado o recurso à própria força, a fim de, por si
mesmo, repor a solução que decorre do direito substantivo
aplicável.
Este sistema da justiça privada, assente no princíjpio fun­
damental da autodefesa e da acção directa (haja ainda em
vista o direito de retenção, a faculdade de compensação e,
no sector do trabalho, o direito à greve), foi largamente pra­
ticado nas sociedades primitivas.
Trata-se, porém, de um sistema imperfeito, maoifesta-

(') E de modo análogo se estruturam as relações do foro da


família ou das sucessões, em que ao direito (subjectivo) de um dos
titulares corresponde o dever jurídico correlativamente imposto ao
outro.
3

mente inadequado às exigências de uma comunidade civili­


zada, por uma dupla razão.
Por uma parte, como a força nem sempre se encontra
com quem tem a razão {e a lei) por seu lado, a justiça
privada claudicaria em muitas situações de violação do
direito.
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ru r uuuu ia.u.w, vv/mu <x ^ t.— ----------* --------
que munida da força necessária, não é a entidade psicologica­
mente indicada para 'definir os poderes próprios e os deveres
alheios, nem para fixar os termos da reiparação devida a seus
direitos, o sisitema idia justiça privada levaria inevitavelmente
a excessos e injustiças que, em lugar 'da ipaz social e da repo­
sição da ordem jurídica violada, só multiplicariam e agrava­
riam os conflitos entre os particulares.
Por isso, o artigo 1.° do Código de Processo Civil, à seme­
lhança do que fazem os diplomas congéneres dos outros paí­
ses, condena expressamente o sistema da justiça privada,
afirmaindo que «a ninguém é lícito o recurso à força com o
fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos
e dentro dos limites dedlarados na lei» (')•
Vedando assim aos ipaortiouliares o recurso à (própria)
força, o Estado obriga-se naturailmente, através dos órgãos
adequados (os tribunais), a conceder a todo o titular do

(') A ressalva contida na parte final do preceito legal aponta para


os casos em que, não sendo viável ou não sendo razoavelmente exigí­
vel o recurso prévio à autoridade pública, se reconhece aos particula­
res a possibilidade de, por seus próprios meios mas dentro de certos
limites (os definidos no n.° 1, in fine, e no n.° 3 do art. 336.° do Cód.
Civil), defenderem ou assegurarem o seu direito.
Trata-se, concretamente, do recurso à acção directa (art. 336.° do
Cód. Civil; cfr. arts. 1277.°, 1314.° e 1315.° do mesmo Cód.), à legítima
defesa (art. 337° do Cód. Civil) e à actuação em estado de necessi­
dade (art. 339.° do Cód. Civil).
Na mesma linha de orientação, mas visando de modo especial
as áreas do direito público, prescreve a Constituição da República
(art. 21.°) que «todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que
ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força
qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade
pública».
4

direito violado ia providência necessária à reintegração efec­


tiva desse direito.

«A todo o direito, excepto quando a lei determine


o contrário, esclarece o artigo 2° do mesmo Código,
corresponde uma acção, destinada a fazê-lo .reconhecer
em juízo ou a realizá-lo coercivamente...» (!)

A este sástema, oposto ao da justiça privada, em que o


Estado chama excilusivamente a si, através dos orgãos juris-
dicianads, o poder de reconhecer vinculativamente os 'direitos
controvertidos enitire os .particulares e de coercivamente os
realiizair, dá a doutrina o nome de sistema da justiça pública,
enquanto ouitros, perifrasbicatmente, faliam do monopólio esta­
dual da junção jurisdicional.
Justiça pública, por não serem os pairticulares '(mas o
Estado, medialnte os órgãos judiciiais próprios 0 ) quem define
os seus direitos e ilhes dá execução, no caso de conflito. Mas
a expressão não signilfoiaa que sejam os tribunais quem, nos
casos de conflito entre os particulares, promove oficiosamente
a instauração da acção tendente à reparação do direito
viollado.
Muito pelo contrário. Dentro da área das relações abran­
gidas pelo direito civil, nas quais não estão directamente
envolvidos interesses ligados à soberania do Estiado, é ao
particular sujeito da relação que incumbe promover (e impul-

(‘) Num outro plano (de exccjuibilidade prática), mas em obe­


diência ao mesmo pensamenio fundamental, proclama o n.” 2 do
artigo 20“ da Constituição que «a todos é assegurado o acesso aos
tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos».
(') É, efectivamente, aos tribunais, como órgãos de soberania,
que a Constituição (arts. 2 0 5 e 206.’1) incumbe de administrar ã jits-
‘ iço, dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados (cfr.
arts. 1.» e 2.° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, Lei n." 82/77
de 6-12).
Sobre o conceito (orgânico ou material) da função jurisdicio­
nal, própria desses órgãos de soberania, vide o acórdão do S T. A.
de 13-11-1980 (R .L.J., 114.°, pág. 217).
5

sdooiar) a acção (*) destinada à obtenção da providência judi­


ciária adequada i0.

«O tribuna1!, diz o n.° 1 do artigo 3.° do Código de


Processo Civil, não pode resoilver o conflito de interesses
que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja
pedida por uma das partes...» (3)

(') Ao mesmo tempo que um ónus, no sentido decorrente do


texto, a acção traduz um direito do particular (que se considera
lesado e não pode agir por sua força): o de provocar a actividade
dos tribunais para que, reconhecendo o seu direito, se lhe conceda
a tutela judiciária adequada.
Como, porém, só depois de desencadeada a actividade do tribu­
nal se pode vir a saber se o requerente é ou não titular do direito
que se arroga, distinguem muitos autores entre a acção ou direito de
acção, num sentido abstracto, como direito de provocar a actividade
dos tribunais, a fim de obter deles uma resposta acerca da provi­
dência requerida, e a acção correspondente à efectiva titularidade
dum direito substantivo, no sentido em que a expressão é usada pelo
artigo 2.°
Veja-se, sobre as diversas acepções do termo (acção) e sobre o sen­
tido último (individual? público?) desta, Pekelis, Azione, no Nov. Dig.
Ita l, i i , pág. 29 e segs., com o aditamento de L iebman; S. S atta, L'azione
in generale, na Enc. del dir., iv, pág. 785; Calamandrei, La relatività del
concetto di azione, na Riv. dir. proc. civ., 1939, i, pág. 22 e segs.;
P ugliese, Actio e diritto subiettivo, Milano, 1939; Cappelletti, Nuovi
fatti giuridici ed eccezione nuove nel giudizio di rinvio, na Riv. trim.
dir. proc. civ., 1959, pág. 1612; Idem., II controllo di costituzionalità delle
leggi nel quadro delle funzioni dello Stato, na Riv. cit., 1960, pág. 403;
O restaNO, Azione in generale, Storia del problema, na Enc. del dir.
E sobre a distinção entre a pretensão à actividade jurisdicional (Jus-
tizanspruch) e a pretensão à tutela do direito (Rechtschutzanspruch),
figura criada por W ach e ressuscitada por B lomeyer, veja-se a exposição
c a síntese crítica de R osenberc-Schwab, Zivilprozessrecht, 13.’ ed.,
Miinchcn, 1981, § 3, i e n , pág. 12 e segs.
(') Cfr. os arligos 264.“, 1; 467.°, 1; 661.°, 1; 664.°; 668°, 1, d) e e).
(J) É a consngração do velho princípio já proclamado nas fontes
ronianistas: «Ne procedat iudcx cx officio; nullum iudex sine acturc.»
A. pessoa que requer do tribunal a providência dá-se o nome de
autor, demandante ou requerente; à pessoa contra quem a providên­
cia é pedida chama-sc réu, demandado ou requerido.
No processo civil, atenta a natureza dos interesses em jogo, o
6

Para resolver o conflito de interesses, não basta natural­


mente ao tribunal ouvir apenas as razões do queixoso. Terá
tamibém, como expressamente se presoreve no 'trecho restante
do 11 ° 1 deste artigo 3.°, de conceder à parte contrária a facul­
dade de se defender (audi alteram partem), deduzindo a sua
oposição (*).
--:______j _____________ _________ _ ____
JC CXKJ I C à U U V , lliipUiòiUllildUU u c ICliUCgldl d
,*_______/
UiUClli JUil-

dica por suas próprias mãos, caibe o direito de acção (contra


o Estado e o lesante), ao demandado, que pode não ter come­
tido a viollação do direito que lhe é limputada, compete natu­
ralmente o direito de contradição ou de defesa.
Havendo, como geralmente acontece, desarmonia entre
as razões do requerente e as considerações da parte adversa,
tomiar-se-á necessário recorrer as malis das vezes ao depoi­
mento de testemunhais, à averiguação de peritos, à (recolha
de prova documental, à 'discussão .da causa por (peritos do
direito, patronos das pamtes, para finalmente se apurarem os
factos que interessam à dedisão da causa e se conceder ou
denegar a providência judiciária requerida.
Todavia, nem as providências judiciárias caipazes de sana­
rem os conflitos eotre os /particulares são arbitrariamente
escolhidas pelas partes, nem os termos em que a acção é pro­
posta e se desenvolve em juízo são casuística ou improvisa-
dttmente traçados pelo tribunal.
Tanto a procposlitura da aicção, como a actividade sub­
sequente que as partes, o tribumall e os auxiliares processuais
devem desenvolver em juízo, obedecem .a regras normativas,
cujo agregado constitui o direito processual civil.
Este ramo do 'dlireito pode assim ser definido como o

termo réu não tem a mesma carga emocional que asume no pro­
cesso penal.
(‘) A ressalva aberta a este princípio (do contraditório) no n.° 2
do artigo 3.° (providências contra determinada pessoa sem ela ser
previamente ouvida) tem especialmente em vista os procedimentos
cautelares em que a eficácia da providência dependa da rapidez ou
do sigilo da decisão que a ordena (arts. 394.°; 400.°, 2; 404.“, 1; 415.° 2,
e 423.', 3).
7

conjunto de nonmas reguladoras dos tipos, formas e requi­


sitos da ac£ão civill O), 'bem como das fcxrmailidades que
devem ser observadas em juízo na prcxpositura. e desenvolvi­
mento dela.
Numa outra acepção, já não como ramo do direito, mas
como capítulo da ciência jurídica, o direito processual civil
tem por objecto o estudo, com os métodos e os fins pró­
prios da ciência jurídica, das soluções facultadas pelo pro­
cesso civâl.

2. Caracteres do direito processual civil.

Definido o seu objecto, torna-se fácil destacar os carac­


teres fundamentais do processo civil como complexo norma­
tivo espeaiad.

I) Ramo de direito instrumental ou adjectivo. Trata-se,


em primeiro 'lugar, de um ramo de direito instrumental ou
adjectivo; e não, como o direito civáll ou o direito comercial,
de ium sector do direito substantivo ou do direito material.
Não são as noirmas do direito processual civil que facul­
tam a solução aplicável ao conflito de interesses suscitado
entre os litigantes, nem a resposta para a questão da exis­
tência do direito ilnvooado pelo requerente.
Se o aiutar reivindica em juázo certa coisa, que afoima
estar ilicitamente na posse do demandado, e o réu contesta,
dizendo que a coisa lhe pertence e veio legitimamente às
suas mãos, não são as normas do processo civil que permi­
tem saber a quem a coisa pertence de direito, quem exerce
a posse sobre ela ou quem deve possuí-Ja doravante.

0) O processo civil abrange apenas as acções fundadas no direito


civil e no direito comercial (acções cíveis).
Ao lado delas, outras acções existem, fundadas em diferentes
ramos de direito substantivo (acções penais, acções administrativas,
acções de trabalho, acções fiscais), cuja disciplina cabe a outros
ramos do direito processual (processo perial, processo administrativo,
processo do trabalho, processo fiscal).
8

A resolução do conflito é dada par apdicação dos cri­


térios fixados, em termos gerais e abstractos, pelo direito
civil. É o direito civil que fornece a substância normativa
da decisão.
O direito processual civil regula apenas os meios neces­
sários para, a partir do direito privado, se alcançar a solu­
ção concreta do conflito levantado enúre as partes ou paira
se dar realização efectiva ao direito violado (’). É um instru­
mento ao serviço das sòluções que decorrem do direito civil,
sem tocar no plano em que abstracta ou genericamente se
definem tais soluções 0 .
Predisamerate por não tocarem nos conflitos substanciais
de interesses entre os particulares é que as normas do direito
processual civil têm, no geral, aplicação imediata: vallem não
só paira as aoções que de futuro se proponham, mas também
para os actos que, nas próprias acções pendentes, venlham de
futuro a ser pratioados.

«A fcxnma dos diversos actos processuais, diz o


artigo 142.° do Código de Processo Civil, é regullada pela
lei que vigora no momento em que são praticados.»

II) Ramo de direito público. O direito processuail civil


é, em segundo liuigar, um sector do idireito público, amibora
destinado a integrar dois ramos do direito privado (o direito
civil e o direito comercial).
Segundo o aritério ^geralmente aceite, o idireito públibo
aibrange as normas reguladoras das rdlaições em que um dos
sujeitos (cru ambos eles) exerce uma função de soberania e

(‘) A natureza (civil ou processual; substantiva ou adjectiva) da


norma determina-se em função do seu objecto e não do lugar em
que ela se encontra inserida. Há muitas normas substantivas incluí­
das no Código de Processo Civil (arts. 1200.° a 1202.°), tál como há nor­
mas de natureza processual dentro do Código Civil (arts. 1677.°-B, 3;
1776°; 1792.", 2, e 1793.", 2).
O O facto não impede que a inobservância das regras do pro­
cesso possa ter uma influência decisiva na relação material concreta,
que seja objecto do litígio: vide infra, n.° 4.
9

em que, por conseguinte, se estabelece entre os respectivos


sujeitos uma relação de subordinação 0 .
Ora, não há dúvida de que na relação processual civil
existe anbre as partes e o juiz um nexo de verdadeira subor­
dinação, que explica a força vinculativa especiail 'de que gozam
as decisões judiciais. O juiz exerce nessa relação um a função
típica de soberania, que é a função jurisdicional.
E como ramo de direito público não deixará o processo
civill de ser considerado por quem aceite, como seu ctritério
de distinção perante o direito privado, a natureza dos inte­
resses tutelados pelas respectivas normas.
Se na acção estão primariamente em jogo os interesses
(particulares) deis partes (2), também é certo que no direito
processual civil, ao substituir a prática da justiça privada
pelo sistema básico da justiça pública, se destaca o interesse
codectivo da paz social, ligado à (justa) composição dos inte­
resses privados em canifilito 0 , por apllicação dais normas jurí­
dicas adequadas.

(') Sobre o critério básico de distinção entre o direito privado


e o direito público, fundado na qualidade dos sujeitos e na sua posi­
ção dentro das relações reguladas pelas diferentes normas jurídicas,
vide L a h e n z , Algemeiner Teil des deutschen biirgerlichen Rechts, 5.‘ ed.,
Miinchen, 1980, § 1, i, a), pág. 1; Forsthoff, Lehrbuch des Verwaltimgs-
rechts, i, 10.* ed., 1973, pág. 195 e segs.; J. B a u m a n n , Einfithrung in die
Rechtswissenschaft, 6.* ed., Miinchen, 1980, § 2, ix, pág. 22 e segs.
(’) Por essa razão muitos autores (J. V incent-S. G uinchard, Pro-
cédure civile, 20." ed,t Paris, 1981, nota 5, pág. 10; P. Roubier, Théoric
gênúrale du droit, 2.* ed., pág. 314) tendem hoje a considerar o pro­
cesso civil um ramo de direito misto.
C) Assegurando a paz social, não sobre juízos de equidade, como
é próprio da justiça arbitrai, mas sobre os juízos de legalidade em
que assenta a justiça contenciosa, o processo constitui também um
instrumento de defesa do direito objectivo.
Mas não é este o fim directo, essencial, do direito processual
civil. Fim essencial do processo é a tutela dos direitos subjectivos,
que acessória ou reflexamente reverte na defesa do direito objectivo.
Cfr., a propósito, mas em sentido um pouco diferente, ao distinguir
entre o fim da acção c o fim do processo como instituição, Schonke,
Das Rechtschutzbediirfnis-Ein zivilprozessualer Grtmdbegriff, no Archiv
fiir die civilistische Praxis, 150, pág. 216 e segs.
10

Bm obediência a esse fim primordial de garantir na solu­


ção dos conflitos o interesse da ordem e da paz social é que
ao juiz não cabe aipenas decidir, mas convencer também as
partes, especialmente a parte vencida, do bom funidamento
da detc&são.
Nesse sentido prescreve o artigo 158.°, 1, que «as deci-
sões proferidas sobre ^sditlo conítrovcrtido ou sobre
alguma dúvida suscdtalda mo iprocesso são sempre fundamen­
tadas», não podendo a justificação consistir na simipiles adesão
aos fundamentos alegaldos no requerimento ou orna oposição.
O facto de algumas das normas processuais, atenta a sua
natureza supletiva, serem livremente derrogáveis /pelas partes
em mada depõe contra o carácter publicístico do processo
civil em geral. São álreas 'limitadas em que o relevo conce­
dido à vontade 'das partes não coiliide com a função soberana
do julgador, nem com a linha geral dos interesses públicos
subjacentes ao processo.

3. Diversas acepções do termo processo.

O termo processo, que constitui o ponto fulcral ,da desig­


nação deste ramo de direito público instrumental, reveste
nas expressões processo civil e direito processual civil um
sentido inteiramente condizente com a sua origem etimológica.
A palavra processo compõe-se, na sua formação etimoló­
gica, dos vocá!bulos cedere + pro, e significa caminhar para
a frente, avançar para um objectivo.
Nesse sentido se fala do processo químico {de certo ele­
mento), do processo de fabrico (de um produto), do pro­
cesso de cura (de uma doença), do processo de admissão
(a um a escola).
Trata-se, em qualquer dos casos, de uma sequência de
actos, logicamente articulados entre si, com vista a determi­
nado fim 0).

(') Sequência de actos jurídicos (processo de casamento, processo


de execução); de actos materiais (processo de fabrico do cimento, do
11

E o direito processual civil abrange, com efeito, a dis­


ciplina normativa de uma série 'de actos, logicamente enca­
deados entre si, com vista à obtenção da providência judi­
ciária irequeridá pelo autor (‘).
; Nem sempre, porém, a expressão processo (civil) é usada
na linguagem corrente com a mesma acepção.
1 V» 4- n m m r t /vn m « n n + r« / I í » " Q 1+ r v > o i/ ííâ / % Íu T A PO
J.A .U LL1 1 .W L C ílIU jJ V J , & H L £ U a ill.V ^ u U 1 1 L1 LU C V C 1 J \ - ^ L 1 V \-r OW

não autonomizou da sua matriz substantiva, o termo (pro­


cesso) foi empregado para referir apenias o conjunto ide actos
a praticar em juízo paira a obtenção de certa providência.
O processo abramgfiia assim os actos, a sua forma, a sua
sequência cronológica; anãs mão as normas definidoras da
sua regulamentação, nem a disciplina que, com método cien­
tífico, se ocupa da articulação e sistematização destas regras.
E não compreendia os pressupostos processuais (que não se
traduzem em actos praticados nos autos), limitando-se aos
actos ou diligências dias partes, do tribunal ou dos auxiliares
processuais, ou seja, ao formalismo processual, à liturgia ou
rito do processo 0 .

«O p ro ce sso era, n a sín te se feliz de Palma Carlos,


algo d e m er a m e n te form u lário, co m o que u m a criação
em p írica ao serviço d o d ireito su b stan tivo.»

pão, da cerveja); ou até de jactos não humanos (processo químico):


cfr. Castro M endes, Manual de processo civil, 1963, pág. 7.
0) O facto de os actos processuais não constituírem realidades
isoladas, mas logicamente encadeadas entre si, dá como resultado, além
de outros, que a nulidade de um acto se pode projectar sobre a efi­
cácia ou validade de outros (cfr. art. 201°, 2).
(2) Era esse o conceito que tinha do processo civil o Código
de 1876, quando no artigo 1.° proclamava textualmente o seguinte:
«O código de processo civil determina os meios pelos quais nos juí­
zos competentes se regulam os direitos civis, e assegura o seu exer­
cício. A sua forma é o processo.» E esse era o conceito de processo
civil subjacente às exposições doutrinárias dos nossos tratadistas no
século xix: L obão, Tratado prático compendiário de todas as acções
sumárias..., 1816; Correia Telles, Doutrina das acções acomodadas ao
foro de Portugal, 2.* ed., 1824.
12

Num outro sentido, miais concreto e aiinda mais limitado,


usa-se o termo processo como smónimo 'de causa, litígio, pleito
ou demanda, ipaira significar a situação concreta resultante
da pretensão deduzida em juízo por determinada pessoa con­
tra um a outra (').
Nesse sentido se diz correntemente que um advogado
tem vários processos a, correr mia comarca, de Lisboa ou que
o ÍBamlco ide Portugal ingressou em juízo com um processo
contra deteimlilnado oliemte.
Numa últim a acepção, mais materialista ido que a ante­
rior, se identifica o processo com os autos da acção, forma­
dos peilas peças escritas emanadas 'das partes, pelos documen­
tos juntos, peilas decisões do tribunall e pelos termos dos actos
e diligências praticadas mo decurso da .acção.
Neste sentido se diz, correntemente, que o advogado
levou.o processo para casa, que o processo se encontra com
o juiz ou que detenmámado processo foi apensado a um outro.

4. Importância prática do processo clvll.

Apesar de se tratar de um ramo de direito instrumental,


o direito processual civil pode ter, através da sua aplicação,
uma lirtfikiênícia decisiva mo êxito da pretensão formulada
pelo alutor.
Cabendo ao direito adjectivo a regulamentação dos meios
pelos quais se determina, em face dos factos apurados e à
luz ido direito material aplicável, a procedência da pretensão
deduzida pelo iautor e se reailiza coaictivamente a reintegração
do direito subjectivo violado, a má condução do processo,
seja por ignorância, seja por defeituosa aplicação dos seus

(') Com este significado concreto da expressão se relaciona a


terminologia usada pelos romanos na matéria (litis, iudicium, iurgium),
em que é palpável a influência da concepção bipartida, fragmentária,
do processo da ordo iudiciorum privatorum. A expressão processus
(iudiciarius ou iudicii), com o sentido global e unitário que hoje
reveste, só surge no período medieval, especialmente sob influência
do direito canónico.
13

preceitos, não pode deixar de ter reflexos negativos na deci­


são da causa.
Durante muito tempo, mesmo na vigência do primeiro
Código de Processo (de 1876), até à publicação do famoso
Deoreto n.° 12 353, de 22 de Setemihro de 1926, o formalismo
dos actos judiciais teve u n a importância excessiva no resul­
tado, das acções, especialmemite devido ao regime radical esta­
belecido para as chamadas nulidades insupríveis. Este emipo-
lamento do rito processual dava inúmeras vezes como resultado
a perda da acção, e não raro a perda definitiva do direito liti­
gado, para a parte que deveria vcncer, perante o direito mate­
rial aplicável.
A reforma do processo civil, iniciada com aquele diploma
de 1926, iprocurou assegurar, na medida do possível, o triunfo
da justiça material, assente na correcta interpretação e apli­
cação do direito substantivo, sobre a pura jusliça formal,
resultante da mais hábil manipulação dos instrumentos de
carácter processual.
Assim se atenuou o risco das decisões desfavoráveis, por
deficiente aplicação do processo; mas esse risco não foi, nem
alguma vez poderá ser, totalmente eliminado.
Basta referir, a título de exemplo, os prazos estabelecidos
para a realização de certos actos e alguns dos ónus lançados
sobre as partes na elaboração dos articulados.
Se o réu, devidamente citado na sua pessoa, não contes­
tar dentro do prazo fixado para o efeito (art. 486.°, 1) tem a lei
por confessados os factos articulados pelo autor (art. 484.°, 1).
Se a parte vencida na sentença final, tendo fundamentos
para impugnar a decisão, dela não intenpuser recurso dentro
do prazo legalmente estabelecido para o efeito (art. 685.°, 1) a
sentença transitará em julgado e converter-se-á em decisão
definitiva (art. 677°).
E quailquer destas consequências pode implicar a perda
definitiva do direito subjectivo para quem o poderia ter efi­
cazmente defendido, mima correcta aplicação do direito
substantivo.
Mas a importância prática do processo estende-se a
muitos outros aspectos.
14

Um deles respeita aos actos e incidentes desnecessários


à dedlaração ou defesa do direito (actos e incidentes supér­
fluos), cujas custas recaem, não sobre a parte vencida, mas
sobre aquela que (esousadamente) os requereu (airt. 448.°, 1).
Oultro é o que resolta dos limites objectivos rigidamente
impostos à sentença de condenação.

«A sentença, prescreve o artigo 661.°, 1, não pode


condenar em quantidade superior ou em objecto diverso
do que se pedir.»

Assim, se o autor tiver direito a 15, mas pedir apenas 10,


a sentença final não poderá condenar o réu em mais de 10
(ne eaí iudex ultra petita), mesmo que os factos provados
demonstrem que ele teria direito a 15.

5. Interesse teórico da relação processual.

É também digno de realce o interesse que a relação pro­


cessual civill reveste paira o conhecimento teórico do direito.
Foi a partiir de meados do século findo, com os estudos
do processualista alemão von BulowO), que a contribuição
específica do 'direito processual para os estudos da ciência
jurídica foi devidamente (reconhecida.
Até então, a generalidade dos autores, considerando o
processo rigorosamente limitado aos actos a praticar na pro-
positura e desenvolvimento da aoção, entendia que a matéria
do rito processual, assente sobre pumais razões formais de exe-
quibilidade, interessava apenas aos práticos do direito, aos

(') Tem-se especialmente em vista a obra clássica de O skar von


B íIlow , intitulada «Die Lehre von den Prozesseinrenden und die Pro-
zessvoraussetzungen», de 1868, na qual muitos autores vêem a carta
de emancipação da ciência jurídica processual. Foi O. B ulow quem,
de facto, pela primeira vez pôs em devido relevo o conceito da rela­
ção jurídica processual, destacada da relação substantiva ou material
subjacente. Cfr., acerca da relação processual, R edenti, Atti proces-
suali civili, na Enc. del dir., pág. 105 e segs., especialmente n.° 4.
15

homens do foro. Pana essa posição subalterna do processo


concorria outrossim, em larga medida, a convicção genera­
lizada de que o poder de aigiir em juízo .para realizar ou asse­
gurar cada direito subjectivo oabia ainda no âmbito do direito
civiil, >ao definir os poderes dos titulares da respectiva relação
jurídica.
A justa caracterização da relação processualt estabelecida
entre as partes e o Estatío (do processo ou iudicium, como
relação essencialmente distinta da res in iudicium deducta),
bem como a rigorosa definição do direito de acção, a breve
trecho (garantiram, porém, a .plena autonomização do processo
no campo da ciência jurídica.
As situações -processuais são em regra mais simples, mais
esquemáticas e mais limitadas no tempo do que o comum
das relações compreendidas no direito civil. Mas não faltam,
na área do processo, situações de reail complexidade na sua
estrutura, como as resultantes dos incidentes da intervenção
de terceiros. E não são poucos os temas processuais que,
peila profundidade dos seus reflexos, como o da legitimidade,
das excepções, do caso julgado, da venda judicial, dos pode­
res de cognição do juiz, dos negócios processuais ou da des­
trinça entre questões de facto e questões de direito, àgualaim
em dificuldade algumas das questões mais grades do direito
privado.
E uma outra cireunstânoia especiail reforça o interesse
do estudo doutrinário do processo civil.
Ê que, serido a coercibúidade o -traço característico do
direito em face dos restantes complexos normativos regula­
dores da vida social, o processo penmite conhecer, como
nenhum outro ramo do direito, pela função característica
das suas normas, os múltiplos aspectos em que se desdobra
esse momento culminante das relações jurídicas privadas.
Em nenhum outro sector da reailidade jurídica se reflecte
melhor do que no processo civil o traço fundamental de dis­
tinção que separa o direito da moral, da religião ou da mera
cortesia.
16

6. Diversos tipos de acções.

Às diferentes situações de carência em que ipodem encon­


trar-se os direitos subjectivos, faculdades ou direitos potesta-
tivos, correspondem diversas espécies de providências judiciá­
rias. Tal como às várias espécies dc providências requeridas
ss wdâptvim tipos distintos dc acções
O artigo 4.° ido Código de Processo Civil começa por dis­
tinguir, relativamente ao fim prosseguido pelo autor, duas
grandes categorias de acções: as declarativas e as executivas.
As primeiras destinam-se a obter a declaração, pelo órgão
judiciário, da solução concreta decorrente da ordem jurídica
paira a situação reaJl que serve de base à pretensão deduzida
pelo autor ou requerente.
António considera-se proprietário de certa coisa que lhe
foi ilegaida pelo antigo dono. Mas também Bennardo se con­
sidera dono dela, por ser herdeiro legítimo do antigo dono e
entender que o legado é nulo. O que António fundamental­
mente pretende, vindo a juízo, é que o tribunail declare que
é ele o proprietário da coisa em disputa.
As acções executivas visam, por seu turno, a realização
coerciva, pelos meios de que os tribunais dispõem para o
efeito, das providências destinadas à efeotiva reparação do
direito violado 0). Dentro da vasta categoria das acções decla­
rativas, de acordo com a natureza da decisão requerida do
órgão judiciário, cabem três tipos diferentes de acções, que são,
segundo a ordem da sua importância prática, as seguintes: as

(') Tanto a classificação básica do n.° 1 do artigo 4.° (acções decla­


rativas e acções executivas), como a subdivisão das acções declarativas
constante do n.° 2 do mesmo artigo, têm bastante de teórico, de rígido
ou de artificial, em face da própria realidade legislativa.
Basta dizer que no processo de execução, através dos embargos
de executado que correm por apenso a ele, se pode enxertar uma ver­
dadeira acção declarativa. E dentro do próprio formalismo do pro­
cesso executivo se pode inserir uma fase preliminar verdadeiramente
declarativa, destinada a tornar certa, líquida ou exigível a obrigação que
não reúna tais requisitos em face do título executivo (cfr. arts. 802.°
e segs.).
17

acções Ide condenação, as acções constitutivas e as acções ide


simples apreciação (') (art. 4.°, 2, a), b) e c), do Cód. cit.).
Nas acções de condenação (2), o autor ou requerente,
arrogando-se a titruilaridade dum direito que afirma estar
sendo violado ipelo réu, pretende se declare a existência e
a violação do direito e se determine ao réu a realização da
presiaçao (srn Tcgjra, uiixici clcçclg, (rn.3.5 [podendo bem sor uttls
abstenção ou omissão) destinada a reintegrar o direito vio­
lado ou a reparar de outro modo a falta cometida 0 .
É o caso tíjpico do credor que, dimiputaindo ao réu a faita
de cumprimento da obrigação, .pretende que o tribunall, depois
de reconihecer a existência do direito e a violação do dever
correspondente, ordene ao devedor a reallização da prestação
devida, a reparação dos damos causados pelo não-cuimpri-
mento ou a satisfalção da dláiusula penail estaibelecida.

(') A classificação tripartida das acções declarativas, tal como


a distinção preliminar entre as acções declarativas e as acções exe­
cutivas, de carácter exclusivamente processual, não se identificam
com o antigo sistema romanista das legis actiones, incrustrado na
estrutura substantiva das relações jurídicas.
Assim é que à mesma relação (substantiva) de crédito podem
corresponder, na moderna classificação das acções, consoante o efeito
processual pretendido, uma acção de condenação, uma acção de sim­
ples apreciação ou uma acção constitutiva (v. g., para escolha duma
prestação, para fixação judicial dum prazo, etc.).
(2) Chiovenda, Instituciones de derecho procesal civil, trad. esp.,
Madrid, 2.* ed., i, pág. 191 e segs.; C a l a m a n d r e i , Opere giuridiche, v,
pág. 483 e segs.; L a n c e l l o t t i , Sentenza civile, especialmente n.° 49,
no Nov. Dig. Ital.; P . P i s a n i , Appunti sulla tutela di condanna, na Riv.
trim. dir. proc. civ., 1978, pág. 1104 e segs.; R o s e n b e r g -Sc h w a b , Zivilpro-
zessrecht, 13/ ed., 1981, § 93; M o n t e s a n o , Condanna civile e tutela ese-
cutiva, Napoli, 1965.
(3) A pretensão do autor, na acção de condenação, pode ter por
objecto a emissão de um a declaração de vontade devida pelo deman­
dado, como sucede no contrato-promessa não cumprido. A chamada
execução específica, de que trata o artigo 830.° do Código Civil, é um a
verdadeira acção de condenação, com a particularidade de a sentença
poder, por si só, suprir a declaração negociai do faltoso. Neste sen­
tido, R osenberg-Schwab, ob. cit., § 95, i i , 1, pág. 535.
2 — M an u al Processo Oivii
18

E é ainda o caso típico do dono da coisa abusivamente


ocupada .por terceiro, que requer do tribunal, além do reco­
nhecimento do seu direito, a determinação ao iréu para que
entregue a. coisa e indemnize o dano causado com a ilícita
privação dela (').
Se é certa a existência do direito, bem como a sua vio­
lação

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iwd£t Prwiivirrslsi w
a Vrtiv/wiiy
nviPvycrír> UVJIU;
a condenação ser genérica (ou indeterminada), reservando-se
a sua determinação para momento posterior (liquidação da
sentença). É esse o caso previsto, por exemplo, nos arti­
gos 564.°, 2, e 565.° do Código Civil, bem como no artigo 661.°, 2,
do Código de Processo Civil.
Às acções de condenação pode corresponder qualquer
forma de processo declaratório comum (ordinário, sumário
ou sianaríssimo), de processo especial ou de processo de
jurisdição voluntária (2).
Nas acções constitutivas, o autor pretende obter, com a
coadjuvaÇão da. autoridade judicial, um eifeito jurídico novo,
que altera a esfera jurídica do demandado, independente­
mente da vontade deste.
Precisamente porque o novo efeito jurídico visado pelo
a/utor não depende da vontade do demandado, se inão requer
a condenação deste. Tratasse de efeito que, uma vez reque­
rido e comprovada a existência dos pressupostos que o con­
dicionam, apenas depende da decisão do tribunal; e por isso
se d á ao respectivo procedimento o nome de aioção constitu­
tiva, paira significar que o efeito jurídico pretendido pelo
autor, emlbora radicando as mais idas vezes na vontade deste,
nasce (constitui-se) directamente da decisão judicial.

() Excepcionalmente, pode requerer-se a condenação do réu sem


que ele esteja violando ainda o direito do autor, mas prevenindo ape­
nas a sua violação (no futuro): artigos 472.°, 2, e 662.°, 2. Cfr. R. Pao
l in i , Notte sulla condanna in futuro, na Riv. trim. dir. proc. civ., 1976,
pág. 507 e segs.; R ognoni, La condanna in futuro, Milano, 1958.
O Entre as providências relativas aos cônjuges, abrangidas nos
processos de jurisdição voluntária, encontram-se realmente verdadeiras
acções de condenação (cfr, arts. 1414.° e 1416°).
19

As acções constitutivas são assim, na grande generali­


dade dos oasos, o iimtruimento processual adequado ao exer­
cício Ide certos direitos potestativos (aqueles cujo objecto não
dependa de um simples acto unilateral do .respectivo titular).
O efeito jurídico pretendido ipelo autor .pode consistir na cria­
ção, modificação ou extinção duma relação jurídicat que tenha
como outro sujeito o demandado 0 ou que tenha por sujei­
tos os demandados (como sucede na acção pauliama instau­
rada contra o devédar-ailietnamte e o terceiro-adquirente).
É o caso típico da acção destinada à constituição de uma
servidão de passagem (art. 1550.° do Cod. Cfivi'1), quando
o dono do prédio necessitado de comunicação com a via
pública não tenha conseguido ou não queira tentar obter o
acordo do dano do prédio vizinho para a realização do
direito potestativo que a 'lei lhe confer.e. É o caso da sepa­
ração judicial de pessoas e bens, por iviolaição 'grave de allgum
dever conjugal, imputável ao demandado, em que o reque­
rente necessita de decisão (judicial) que modifique a relação
matrimoniall. Ê o caso ida acção de divórcio ou de anulação
do contrato, em que o requerente pretende obter a extinção
da relação matrimonial ou a destruição retroactiva da rela­
ção contratual, no exercício do direito potestativo de que
é titular.

C) As acções constitutivas não se circunscrevem, porém, aos


direitos potestativos cuja titularidade caiba ao requerente. O efeito
jurídico novo visado com a acção constitutiva corresponderá, em
alguns casos, a um poder vinculado ou discricionário do tribunal,
como na constituição do vínculo da adopção, na redução equitativa
da cláusula penal (art. 812° do Cód. Civil), ou na fixação judicial de
um prazo, por exemplo. E ao mesmo núcleo de acções constitutivas
deste tipo pertencem as acções de investigação de maternidade ou de
paternidade, em que ao reconhecimento da procriação ou da relação
de cópula entre o investigado e o outro progenitor se sobrepõe a
constituição ope iudicis do vínculo jurídico da filiação, não assente
em nenhum direito potestativo do filho (haja em vista o caso espe­
cial da investigação oficiosa). Não obsta, evidentemente, a tal quali­
ficação o facto de o vínculo judicialmente constituído pela sentença
retroagir os seus efeitos à data do nascimento.
20

E é ainda o caso da acção (impugnação) pauliana, na


quail o autor (titular do direito potestativo) não é sujeito da
relação jurídica material que pretende destruir, no todo ou
ém pairte (dfr. arts. 610.° e 616.°, 4, do Cód. Civil).
Em nenhuma destas aicções o aotor pretende que o xéu
seja 'directamente intimado a realizar uma prestação devida,
A - i «W _ *_
___' J . '. _ _
___t. j í .. _j
icviiLca - u c u a u e /e n u JU T IU IU U s u u s i u n n v o OU T tlU ie-
rial novo, <a que tende o direito potestativo ou o poder do
tribuniail.
As acções de simples apreciação (declaratory judge-
ments) (‘), que pode ser positiva ou negativa, consoante os
casos, são aquelas em que, reagindo contra uma situação
de incerteza, o autor pretende apenas obter a declaração
(com a força vinculativa própria das decisões judiciais) da
existência ou inexistência de um direito ou de um facto (2).
Sabendo que o dono de certo prédio rústico se propõa
vendê-lo, o proprietário vizinho fez correr na vila a infor­
mação de que é titular duma servidão ide passagem sobre
esse prédio. O dono do imóvel pode entrar em juízo, quando

{') CnrovrNDA, Ázioni e sentenze di mero acccrtamcnlo, na Riv.


dir. proc. civ., 1933, i, pág. 3 e segs.; M ontesano, Appunti sulVinteresse
ad agira in mero accertamento, na Riv. dir. proc. civ., 1951, i, pág. 253;
P. Pisa ki , Appimti stdla tutela di mera accertamento, na Riv. trim.
dir. proc. civ., 1979, pág. 620; R osexbitrc-Sciiwab, ob. cit., § 94.
(’) Duvidou-sc durante m uito tempo, ainda na vigência do Código
de Processo Civil de 1876, da admissibilidade geral das acções de sim­
ples apreciação, que o direito romano desconhecia. Cfr. Alberto dos
R h-TS, Comentário, 1.'. pág. 19; B eleza dos Santos, A simulação em direito
civil, II, 1921, pág. !4 e segs. A ideia divulgada na doutrina mais antiga
era de que o processo não servia para dar pareceras ou resolver ques­
tões abstractas.
No direito vigente, são amplamente admitidas tanto as acções
de meta declaração positiva, como as de simples apreciação negativa,
desde que tenham por objecto a declaração de existência ou inexis­
tência dum direito ou dum facto. Quanto às últimas, a sua admissi­
bilidade dependerá da existência de um interesse processual na sua
propositura, mas não de se ter o réu arrogado a titularidade do direito
que o autor pretende negar, ao invés do que, primo conspectu, se pode­
ria depreender do disposto no arligo 343°, 1, do Código Civil.
21

assim seja, com uima acção (de simples apreciação ou mera


declaração negativa) destinada a declarar a inexistência da
servidão.
E ainállogo procedimento pode adoptar (numa acção de
simples apreciação ou mera declaração pôsitiva) o escritor
duma obra (eventualmente publicada sob pseudónimo lite­
rário) cuja autoria lhe seja publicamente contestada por certa
casa editora.
O facto ouja existência ou inexistência se pretende seja
declarada tem de ser, obviamente, um facto jurídico, ou seja,
um facto juridicamente relevante, inão um facto neutrai ou
ajurídico (como o de ter ou não chovido cm determinado
dia do amo) 0).

Pode dizer-se que todas as acções (sejam elas declarativas


ou executivas) envolvem o reconhecimento da existência ou
inexistência de um direito. Mas é precisamente no que vem
após o reconhecimento (ou não 'reconhecimento) do direito,
comum em princípio a todas elas, que reside a chave da dis­
tinção entre os vários tipos de acções.
Se. -além do reconhecimento da existência do seu direito
(real, de crédito ou de personalidade), o autor pretende se
ordene ao réu a realização da prestação correspondente à
sua pretensão, a acção diz-se de condenação.
Se, 'além do reconhecimento do direito invocado, o reque­
rente pretende a produção ope iudicis do efeito jurídico a
que o direito tende (constituição de uma nova relação, modi­
ficação ou extinção de uma relação preexistente), a acção
é constitutiva.
Se o autor, após o reconhecimento da existência (ou não
existência) do direito, não pretende mais do que a deelaira-

(') «Ê absurdo, comenta C a st ro M iín d e s (Direito processual civil, i,


Lisboa, 1980, pág. 179), pretender fazer declarar em tribunal que choveu
em certo dia». Como exemplo de facio juridicamente relevante, capaz de
constituir objecto duma acção de simples declaração positiva, pode
referir-se a determinação da data provável da concepção de certo indi­
víduo (art. 1800.° do Cód. Civil).
22

ção formal dessa existência ou inexistência do direito (ou do


facto jurídico), a acção respectiva é de mera apreciação (posi­
tiva ou negativa).
As acções executivas são aquelas em que, invocando
a falta de cumprimento de uma obrigação constamte de
documento revestido de especial força probatória (título exe*
cwtivo), o autor (exequente) requer a efectiva reintegração do
seu direito ou a aplicação das samções correspondentes à sua
vialaição. São acções que, no dizer do airtigo 2° do Código
de Processo Civill, se destinam à realização coerciva do direito
invocado pello requerente.
O dono da coisa vem a juízo alegar que, não obstante a
sentença que condenou o detentor 'a abri/r mão dela, este o
não fez e requer que, em consequência disso, a coisa lhe seja
entregue pelo tribunal, depois de judicialmente apreendida.
Consoante a natureza da obriigajção em crise, a execução
pode ser para pagamento de quantia (certa), para entrega de
coisa (certa) ou para prestação de facto (positivo ou nega­
tivo): a primeira, regulada nos artigos 811.° e segs.; a segunda,
nos airtigos 928.° e segs.; e a Iterceira, nos artigos 933.° e
segs.

7. Procedimentos cautelares: sua natureza e estrutura (*).

Distintos das acções discriminadas e classificadas no


artigo 4.°, são os meios de que o titular do direito pode

(*) Alberto dos R eis , A figura do processo cautelar, no B. Aí. ]., 3,


pág. 27 e segs.; Palma Carlos, Procedimentos cautelares antecipadores,
em O Direito, 105, pág. 236 e segs.; S antos S ilveira , Processos de natu­
reza preventiva e preparatória, Coimbra, 1966; B aptista L opes, Dos pro­
cedimentos cautelares, Coimbra, 1965; L opes Cardoso, Processos preven­
tivos e conservatórios (em Projectos de revisão do Código de Processo
Civil, i), 1958, pág. 97 e segs.; C iiiovenda, Istituziom, 1, 1933, pág. 248
e segs.; Calamandrei, Istituzioni di diritto processuale civile, i, 2.* ed.,
Padova, 1943, § 18, pág. 51; G. Arieta, I provvedimenti d'urgenza, Padova,
1982; Tommaseo, 1 provvedimenti d'urgenza (strutura e limitti delia
tutela anticipatoria), Padova, 1983; P. B iavati, Note sulla tutela del
terzo nei procedimcnti cautelari, na Riv. dir. proc., 1984, pág. 998 e segs.
23

lançar mão, nos termos do artigo 2°, in fine, com o fim


de acautelar o efeito útil da acção.
A muilher, expulsa de casa pedo marido, requer dele, em
juízo, a prestação de alimentos. Mas como prover ao seu
sustento, ma pendência da acção, que pode prodcTigar-se par
meses, senão par anos, se ela, doente, não dispuser de meios
suficientes?
Ó sócio impugnou a deliberação social que adjudicou o
fornecimento de certas maitérias-primas à empresa de que
é gerente o associado cujo voto fez maioria na deliberação.
Mas que adianta a sentença faivorável que o queixoso por­
ventura veniha a obter, se a empresa utilizar entretanto no
seu fabrico, enquanto a acção vai correndo, as matérias-pri-
mas ouja aíquisição ele impugna?
As denominadas providências cautelares visam precisa­
mente impedir que, durante a pendência de quailquer acção
declarativa ou executiva, a situação de faoto se alltare de
modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca
toda a sua éficácáa ou parte dela. Pretende-se deste modo
comlbater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevi­
tável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa
decisão punaimentte platónica (*) (2).
A estes meios de tutela do direito, previstos em tese
geral no artigo 2.° e especialmente reguilados nos airtigos 381.°
e segs., dá a lei o nome de procedimentos cautelares.

(') Portanto, comenta A lberto dos R eis ao anotar desfavoravel­


mente o acórdão do S. T. J., de 21-11-1947 (R .L .J., 81.°, pág. 301 e segs.),
o processo cautelar é, por natureza e por função, um meio posto à dis­
posição da pessoa que tem a posição de autor no processo principal
já instaurado (providência-incidente) ou que vai intentar determinada
acção (providência-acto preparatório).» Cfr. M. Andrade, Noções Ele­
mentares de Processo Civil, 1979, pág. 9, nota 1.
(J) Exactamente porque visam prevenir a lesão irreparável (ou
dificilmente reparável) do eventual direito é que as providências cau­
telares não têm cabimento contra lesões já consumadas de direitos,
por faltar nesse caso o fundado receio a que a lei se refere. Cfr. os
acórdãos do S.T.J., de 1-6-1965 (B .M .J., 1.48, pág. 211) e de 23-5-1975
(B.M.J., 247, pág. 133).
24

Chama-lhes procedimentos e não acções, porque eles


carecem de autonomia ('). Dependem de uma acção, já pen­
dente ou que deve ser seguidamente proposta pelo reque­
rente, Se a acção ainda não está (proposta, o procedimento
(caaitetlar) consititui mero preliminar detla e caducará, se a
aoção Hão for (proposta dentro dos trinta dias subsequentes
à notificação da concessão da providência (airt. 382.°, 1. a)).
Estando a acção já pendente, o procedimento cautdlar consti­
tuirá um mero incidente dela e será processado por apenso Q).
Como depende da acção cujo efeito útil .visa acautelar,
o proceidimento caducará, se a acção vier a ser definitiva­
mente julgada improcedente (art. 382.°, 1, b)) (J).
Exactamente parque se destina a prevenir o perigo da
demora inevitávdl no processamento normal da acção, o pro­
cedimento catutedar necessita de iter um a estrutura bastante
mais simplificada, em consonância com o seu fim específico.
Ao afpreciar os pressupostos da iprovidência, o juiz não
poderá exigir, na prova, da existência e da violação tío direito
do requerente, nem na demonstração do perigo de dano que
o procedimento se propõe evitar, o mesmo grau de convicção

(‘) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, i,


Coimbra, 1981, n.° 22, pág. 129 e segs., e Palma Carlos, Projecto de alte­
ração de algumas disposições dos livros I e I I do Código de Processo
Civil, no B. M. J., 102, pág. 5 e segs., que propunha se desse a estes proce­
dimentos o nome de acções cautelares (cfr., especialmente, pág. 11 e 15).
C) Um processo corre por apenso a outro quando, mercê da
conexão substancial entre ambos existentes, eles se desenrolam para­
lelamente.
A ligação substancial entre os dois processos (o principal e o
apenso) reflecte-se materialmente na forma como os respectivos autos,
ligados ou atados sistematicamente uns aos outros por linha, são orga­
nizados na secretaria.
O A inversa não é verdadeira. Pode não haver o periculum in
mora que justifique a concessão da providência cautelar, e existir,
todavia, o direito invocado pelo autor, bem como a violação contra a
qual este pretende reagir. Por virtude dessa independência se diz,
no artigo 386.°, que «o indeferimento da providência requerida não
impede o requerente de propor a respectiva acção, em cuja aprecia­
ção não influi a decisão proferida no procedimento cautelar».
25

que naturalmente se requer na prova 'dos fundamentos da


acção Q).
De contrário, o remédio nenhuma eficácia teria no com-
baite à doença que se propõe debelar.
Em legar da prova do direito, o juiz deverá contentar-se
nestes casos, como a própria lei (art. 401.°, 1) afirma em ter­
mos gerais, com uma probabilidade séria da existência do
direito (2) (3); e, em vez da demonstração do perigo de dano
invocado, bastará qiue o requerenite mostre ser fundado (com­
preensível ou justificado) o receio da sua lesão.
A providência deve, entretanto, ser recusada {mesmo que
os seus dois pressupostos se verifiquem), se o prejuízo por
eda caiusado ao requerido for superior ao daino que o reque­
rente pretende evitar.
A imâdiaita execução da deliberação social impugnada
causa, por hipótese, um prejuízo de 10 ao requerente da sus­
pensão; mas a suspensão da deliberação envolve para a socie­
dade um dano que se computa em 15.
O dano que o embargante da obra nova pretende evitar
é de 5, sendo de 7 o prejuízo provavelmente causado pelo
embargo ao dono da obra.
Em qualquer destes casos, desde que o prejuízo resul­
tante da providência excede o dano que o requerente visa

(') Outro reflexo profundo do fim dos procedimentos cautelares


na sua estrutura legal é o que se traduz no sacrifício do princípio do
contraditório, sempre que a audiência prévia do requerido ponha em
risco o fim da providência.
O réu não será ouvido, quando assim seja (cfr. arts. 400.°, 2; 394.°;
423.°, 3).
(]) A essa probabilidade (séria) da existência do direito davam
os antigos a designação sugestiva do fumus boni iuris.
E falavam da summaria cognitio, a que o juiz devia proceder,
para contraporem a forma abreviada da produção e julgamento da
prova, própria destes procedimentos, à tramitação normal da ins­
trução da causa para o julgamento da matéria de facto.
(J) Em sentido diferente, quanto à suspensão das deliberações
sociais, veja-se M. A ndrade e Ferrer Correia, Anotação à sentença do
Juiz de Abrantes, de 12-11-1947, na Rev. Dir. Est. Soc., m , pág. 381.
26

prevenir, deve a providência ser indeferida (art. 401.°, 1, in


fine) (').
A legislação processual vigente, clarificando o regime ins­
tituído pòlo Código de 1939, manteve as providências herda­
das da ilégisllação anterior, a que o Código impropriaimeiDte
chamava «processos preventivos e conservatórios»Q). Porém,
ao lado dessas providências nominadas ou especificadas (como
os alimentos provisórios, a restituição provisória de posse (3);
a suspensão das deliberações sociais (4), o arresto (5), o embargo

(‘) Além desta ressalva, de carácter objectivo, destinada a pre­


venir eventuais excessos na concessão da providência, a lei adopta
duas outras medidas que visam combater directamente o requeri­
mento precipitado ou leviano da providência. Por um lado, se a pro­
vidência requerida for considerada injustificada ou caducar, o reque­
rente é obrigado a indemnizar os danos causados ao requerido,
mesmo que tenha agido sem dolo (cfr. art. 456.°, 2) e com mera negli­
gência (sem a prudência normal: art. 387°, 1). Por outro lado, quando
se verifique qualquer das hipóteses referidas, o requerente já não
poderá pedir cutra providência como dependência da mesma causa
(art. 387.', 1). Limitando o alcance desta sanção, entendeu o Supremo
(ac. de 24-6-1980, publicado no B. M. ]., 298, pág. 269) que o requerente
pode entretanto solicitar e obter outra providência, com objecto dife­
rente da anterior. Não parece que seja a doutrina da lei.
(2) Dentro do núcleo de providências cautelares herdadas do
direito anterior, nem todas revestem a mesma fisionomia estrutural
quanto à forma como procuram preservar o seu fim comum (prevenir
o periculum in mora). Pode, no entanto, dizer-se que o pensamento a
que todas elas obedecem é o de garantir a manutenção ou a restau­
ração da situação de facto necessária à eventual realização do direito
invocado pelo requerente.
(3) G uerra da M ota, )>lanual da acção possessória, Porto, 1980, n,
n.01 x n e x m , e M oitinho de A lmeida, Restituição de posse e ocupação
de imóveis, Coimbra, 1976, Cap. VI. Cfr. o acórdão do S.T.J., de 13-
-11-1984 (B .M .J., 341, pág. 401).
(') Vasco X avier, O conteúdo da providência de suspensão de
deliberações sociais, na Rev. Dir. Est. Soc., 1975, pág. 195 e segs.;
M oitinho de Almeida, Anulação e suspensão de deliberações sociais,
Coimbra, 1983.
O Vaz Serra, Realização coactiva da prestação (execução) (regime
civil), no B.M .J., 73, pág. 31 e segs.; M oitinho de Almeida, D o arresto,
na Scientia Jurídica, xm , pág. 282.
27

de obra nova (') e o arrolamento), o Código de 1961 admitiu


as providências cautelares não especificadas, generalizando a
figuira a todas as situações em que, na iminência ou na pen­
dência da acção, haja perículum in mora 0 .
Nessa deliberada ampliação do instituto prevêem-se, esque­
maticamente, três tipos genéricos de providências inominadas
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A
imposição de um a abstenção ao requerido; entrega provisó­
ria de bens (móveis ou imóveis) a um terceiro como fiel depo­
sitário (3).
Trata-se, porém, de uma descrição de carácter mera­
mente exemplificativo. A manifesta intenção da lei é a de
albrir as portas ao requerimento de toda a providência que se
mostre adeqtiada à situação.

8. Fontes do direito (processual civil) anteriores ao Código de


Processo Clvll de 1939.

Os três maircos fundamentais na evolução legislativa do


direito processuail civil português, posterior ao movimento
da codificação do direito, são o Código de Processo de 1876,
o Código de 1939 e o Código de 1961, estando actualmente
em curso os trabalhos preparatórios de uma revisão geral de
de toda a legislação processual civil vigenlte.

I) Período anterior ao Código de 1876. Na época anterior


ao triunfo do movimento da codificação sobre a resistência da
escala histórica, podam distinguir-se dois períodos de caracte-

(') M oitinho de Almeida, Embargo de obra nova, na Scientia


Jurídica, xiv, págs. 73 e 326 e segs.
(J) E ridano de A breu, Das providências cautelares não especifi­
cadas, em O Direito, 94, pág. 110 e segs.
(’) Tem-se entendido, com razão, que as providências inominadas
ou não especificadas só têm cabimento quando à situação descrita pelo
requerente não corresponda qualquer das providências especificadas ou
nominadas, que a lei discrimina: cfr. os acórdãos do S.T. J., de 3-7-1959
(B .M .J., 89, pág. 441); dc 11-1-1963 (B .M .J., 123, pág. 480); de 9-7-1963
{B.M.J., 129, pág. 383); de 22-3-1974 (B.M.J., 235, pág. 237); de 23-11-1978
[B.M.J., 281, pág. 248) e de 25-5-1982 {B.M.J., 317, pág. 215).
C A P ÍT U L O III

Pressupostos processuais (*)

36. Plano da exposição.

O ensino do processo civil encontra-se praticamente con­


finado a uma só disciplina ('), ao invés do que ocorre com o
estudo do direito privado correspondente, tradicionalmente
distribuído e escalonado por várias cadeiras ao ilongo do
curso.
A concentração do plano dddáctico obriga natuirailmente
a uma criteriosa selecção de matérias, não ipermitindo a natu­
reza destas que o abjecto da disciplina principal se limite,
como sucede no aprendizado de outros ramos do direito
positivo, a uma teoria geral da relação jurídica processual.
De entre os vários temas .processuais (como a jurisdi­
ção, os sujeitos do processo, os actos processuais, a acção,
a instância e seus incidentes, os recursos, o processo decla-
ratório e o processo executivo, o caso julgado, etc.) aquele
que, no aspecto pedagógico, mais convém a uma primeira
aproximação teórica e prática das respectivas instituições é o
formalismo processual de toda a acção declaratória, constituído
pelo conjunto sistemático dos actos a praticar em juízo, desde
que a acção é proposta até ser definitivamente julgada. Não

(*) O. BUlow, Die Lçhre von den Frozcsseinreden und die Pro-
zessvorausselzungen, Darmstadt, 1969 (reimpressão).
(') Há, é ccrto, ao lado da cadeira (anual) do processo civil, no
plano de estudos das Faculdades de Direito, um cuiso (semestral) da
mesma disciplina.
Mas este curso tem sido tradicionalmente considerado como um
puro complemento do programa traçado na cadeira, atribuindo-se-lhe
como objecto o estudo do processo executivo ou dor. processos espe­
ciais, na mesma linha de orientação didáctica.
104

fcainto péla mera exposição 'descritiva das formalidades que


às partes e ao tribunal cumpra obsertvar, de acordo com os
ritos traçados na lei, mas pelo amplo conhecimento dos
princípios fundamentais deste ramo do direito que o estudo
racional do formalismo processual faculta, sobre o plano
prático da acção.
iEsse será, por conseguinte, o objecto centrai da nossa
exposição.
Antes, porém, do estudo das formalidades a cumprir
na proposição e desenvolvimento da aicção, bem como dos
princípios fundamentais a que cada uma delas obedece, inte­
ressa conhecer os requisitos necessários para que o juiz se
possa pronunciar sobre a pretensão formuilada pelo autor.
Não bastia realmente saiber quais são as condições indis­
pensáveis para que seja deferida a providência solicitada
pelo requerente, isto é, para que a acção seja julgada proce­
dente. É preciso conhecer primeiro os requisitos exigidos
paira que o tribunal possa entrar na apreciação do mérito
da aoção.

37. Pressupostos processuais. Noção.

Pressupostos processuais são precisamente os elementos


de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir deci­
são sobre o pedido foranulado, concedendo Ou indeferindo a
providência 'requerida. Trata-se das condições mínimas con­
sideradas indispensáveis para, à partida, gairantir uma deci­
são idónea e uma deoisão útil da causa.
Não se (verificando algum desses requisitos, como a legi­
timidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas
ou de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se de
apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta
de um pressuposto essencial para o efeito (*) (2).

(') Cfr., a propósito, o acórdão do S. T. J., de 4-10-1984, no


B. M. ]., 340, pág. 321.
(!) A falta do pressuposto processual não impedirá o juiz apenas
de proferir sentença sobre o mérito da acção, mas também de entrar
105

Os pressupostos processuais necessários para que o juiz


possa e deva pronunciar-se sobre a procedência ou improce­
dência do pedido não se confundem com as condições da
acção, que são os requisitos indispensáveis para que a acÇão
proceda (*). iNesse sentido distingue a doutrina francesa 0
entre os requisitos necessários paira que a demanda se possa
considerar fondée e as condições indispensáveis para que ela
seja recevable. À oaibeça das condições da acção figura natu­
ralmente a necessidade de a providência co recreiamente
requerida pdlo 'autor corresponder à estatuição abstracta da
norma cotrrestpondente do direito substantivo (salvo se a acção
for de mera aipreciação negativa, em que se exigirá a relação
de não correspondência entre o direito que o réu se arrogue
contna o autor e a situação desorita na norma correlativa).
Os pressupostos processuais, que se referem a todo o
processo, condicionando todo o poder^dever de apreciação do
mérito da acção, distinguem-se dos pressupostos que apenas

na apreciação e discussão da matéria que interesse à decisão de fundo,


sustando nomeadamente a produção de prova sobre os fundamentos
do pedido. Em contrapartida, não pode deixar de considerar-se pro­
cessual — c compreendida na acção — toda a actividade desenvolvida
pelas partes e pelo tribunal para a apreciação, discussão e decisão
acerca da existência e efeitos do pressuposto ou da falia dele.
A sentença de absolvição da instância, para a qual aponta o
artigo 288.° como consequência geral da falta de qualquer pressuposto
processual, constitui um verdadeiro acto processual, integrador da
relação jurídica criada entre as partes e o tribunal.
(') A distinção entre as condições da acção e os pressupostos
processuais assenta, portanto, na diferença entre os requisitos necessá­
rios para que a acção (cível, penal, administrativa ou fiscal), baseada
no direito substantivo, possa considerar-se fundada (procedente) e as
condições de admissibilidade do processo (ou instância). Vide R osen-
berg, ob. cit., § 97, pág. 545, segundo o qual a modificação introdu­
zida no texto do § 274 da ZPO pela Lei da Simplificação de 1976
nenhuma alteração substancial provocou na matéria dos pressupos­
tos e impedimentos processuais. Sobre as diversas acepções em que
a expressão (pressupostos processuais) tem sido tomada na doutrina
italiana, vide M andrioli, Pressupposti processuali, no Nov. Dig. Ital.
O J ean V incent e S. G uinchard, P rocédu re civ ile , 20.* ed.,
Paris, 1981, n.“ 22, pág. 45.
106

respeitam a determinados actos processuais (quer das par­


tes, quer do juiz), como sejam os pressupostos da citação
edital, do chamamento à demanda, da reconvenção ou do
recurso extraordinário de revisão, por exemplo ('), cuja falta
ou irregularidade apenas atinge, em princípio, esses actos.
Dentro da categoria geral dos pressupostos processuais,
importa distinguir, de acordo com a terminologia doutrinária
corrente, entire os pressupostos positivos e os pressupostos
negativos. Dizem-se positivos os requisitos cuja existência é
essencial para que o juiz se deva pronunciar sobre a proçe-
dência ou improcedência da acção; dizem-se negativos os factos
cuja verificação impede o juiz de entrar na apreciação do
mérito do pedido.
Entre os pressupostos positivos contam-se a personali­
dade judiciária, a capacidade judiciária, a legitimidade, o
interesse processual, a competência do tribunal e, em certos
termos, o patrocínio judiciário.
Entre os pressupostos negativos destacam-se a Utispen-
dência e o compromisso arbitrai.
A generalidade dos pressupostos processuais, pelo inte­
resse público que reveste a sua verificação (basta pensar na

(') Também se não confundem com os pressupostos processuais


as chamadas questões prejudiciais.
A existência dc uma questão prejudicial — como 6 a acção de
declaração de nulidade (art. 1625“ do Cód. Civil) ou de anulação dum
casamento em relação à acção de divórcio entretanto proposta polo
cônjuge demandado — não impede propriamente que Ci juiz se pro­
nuncie sobre a procedência ou improcedência da acção. Apenas sucede
que a decisão da acção está logicamente dependente, no plano do
direito substantivo, da solução dada à questão prejudicial. E, por
isso, a lei manda apenas sobrestar na decisão (sem invalidar a acti­
vidade anteriormente exercida na acção) até que o tribunal compe­
tente decida, no caso dc a questão prejudicial ser da competência do
tribunal criminal ou do tribunal administrativo e a respectiva acção
ser proposta nos termos do n.° 2 do artigo 97° Nos demais casos,
o tribunal poderá prosseguir na apreciação e julgamento da acção,
tendo apenas, na decisão, que julgar previamente a questão preju­
dicial.
107

competência e na litispendência), é do conhecimento oficioso


do tribunal.
Àqueles, como a incompetência relativa (com as excepções
constantes do n.° 2 do art. 109.°) ou a preterição do tribunal
arbitrai voluntário, cujo relevância depende da arguição de
uma das partes, dá a doutrina germânica o nome de impe­
dimentos processuais (Prozesshindernisse em contraposição
aos Prozessvoraussetzungen).

SECÇÃO I
Personalidade judiciária

38. Noção. Extensão legal.

Noção. O primeiro dos pressupostos processuais (numa


visão teleológica da relação jurisdicional), concernente às
partes, é a personalidade judiciária.

«A personalidade judiciária, diz-se no artigo 5.°, con­


siste na susceptibilidade de ser parte.»

Partes — figura essencialmente processual, embora com


fundas raízes substantivas — suo as pessoas pela qual e contra
a qual é requerida, através da acção, a providência judiciária (’)•

(') Este conceito (de partes), de carácter puramente formal (pois


não depende de que exista realmente o direito material invocado na
petição, nem dc que sejam os intervenientes os verdadeiros titula­
res desse direito: A. Castro, ob. cit., n, pág. 98), não deixa de reves­
tir acentuado interesse autónomo no domínio das instituições proces­
suais. É entre as partes identificadas na petição (art. 467.°, 1), sejam
elas ou não os titulares da relação litigada, que se estabelece a rela­
ção processual. É em função delas que se determina a personalidade
e a capacidade judiciária dos sujeitos da acção, bem como a compe­
tência do tribunal, sempre que a sua determinação esteja ligada às
partes (à sua nacionalidade, domicílio, etc.).
Sobre elas, sejam ou não os sujeitos da relação material liti­
gada, recairá o encargo do pagamento das custas, de acordo com os
108

A personalidade judiciária consiste,, assim, na possibili­


dade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio
nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reco­
nhecidas na lei (').
À pessoa que requer em nome próprio, ou em nome de
quem é requerida, -a providência judiciária dá-se o nome de
auto? (j$.x£nii&-Yit6y no processo sxcctitivo (^)), dctiicivi^íciTitc^ ouí
nomeadamente em determinados processos especiais (v. g-,
no processo de falência, ide 'divórcio ipor mútuo consenti­
mento, etc.), requerente. À pessoa ou entidade contra quem a
providência é pedida chama-se, por seu tuimo, réu (executado,
no processo de execução), demandado ou requerido (3) (4).
As partes ficam, e<m regra, identificadas no começo da
acção, através da petição inicial (art. 467.°, 1). Mas outras
pessoas ou entidades podem assumir essa qualidade no
decurso da acção, em lugar daquelas ou ao lado delas.
Assim poderá suceder, quando haja na pendência da causa
transmissão da coisa ou direito litigioso (arts. 271.° e 371.°

critérios estabelecidos nos artigos 446.° e segs. A elas se cinge,


cm princípio, a eficácia da sentença proferida na acção, quer se
pronuncie, quer não, sobre o mérito da causa (arts. 498.°, 2; 672.°).
E é finalmente em relação a elas que se há-de determinar quem pode
ou não pode depor como parte ou como testemunha (art. 618.°).
(') Bunsen, Die parteien im Zivilprozess, na ZZP, 26, pág. 197;
P e t e r s e n , Vber den Parteibegriff unã die Parteifáhigkeit, na ZZP, 18,
pág. 1.
(J) No processo de embargos, correndo por apenso à execução,
dá-se ao autor deles o nome de emhargante c, à parte contrária, o
de embargado.
O Nos recursos, chama-se recorrente à parte que impugna a
decisão proferida e recorrido à parte contrária.
(*) Embora haja, no plano formal, uma posição fundamental de
igualdade entre as partes (princípio do contraditório; ónus de impug­
nação especificada; recorribilidade das decisões; contagem de pra­
zos; etc.), não deixa de existir entre elas, como R o s e n b e r g (ob. cit.,
§ 40, pág. 209) observa, uma substancial desigualdade derivada da sua
diferente posição na relação processual (momento da proposição da
acção e do oferecimento da defesa; juízo competente para a acção:
art. 85.°, 1; ónus da prova: art. 342° do Cód. Civil; possibilidade de
condenação; etc.).
109

e segs.); quando, através do incidente da nomeação à acção,


o possuidor em nome alheio for substituído, como deman­
dado, pelo possuidor em nome próprio (art. 323.°, 2); ou
quando, pendente a aicção, outras pessoas venham a intervir
nela, por terem um interesse paralelo, ao do autor ou do réu,
em relação ao objecto da causa (art. 351.°)(').
Ao lado do autor e do réu, que participam autonoma­
mente na relação processual e a quem, por isso, se dá o nome
de partes principais, podem outras pessoas figurair no pro­
cesso, em posição subordinada, às quais se dá, por seu turno,
a designação de partes acessórias.
É o caso típico do assistente, a pessoa juridicamente inte­
ressada (2) em que a decisão do pleito seja favorável a uma
das partes e que no processo intervém como seu auxiliar (3).
Note-se que a distinção entre partes principais e partes
acessórias não é estabelecida na lei em termos rígidos ou
de rigorosa incomunicabilidade. O artigo 327.°, 3, prevê, pelo
contrário, a possibilidade de o chamado à autoria passar da
situação inicial de assistente à posição de parte principal,
como réu.

Extensão legal. Princípio da equiparação. O critério


geral fixado na lei para se saber quem 'tem personalidade
judiciária é o da correspondência (coincidência ou equipara­

(') A intervenção de outras pessoas na acção, ao lado do autor


ou do réu, seja através do incidente da intervenção principal (arts. 351.“
c segs.), seja por meio do canal da oposição (arts. 342“ e segs.), não
dcslrói, em regra, o princípio da dualidade das partes (dentro de cada
acção). Vide, a propósito, o disposto nos n.“" 1 e 2 do artigo 346", rela­
tivamente à oposição, c a doutrina dos artigos 354.“, 2, e 358.”, 3 e 4
(cfr., porém, o art. 359.“, 1), quanto à chamada intervenção principal.
(') A lei define, mediante o aditamento introduzido (pelo n.° 2
do art. 335.“) no antigo texto do artigo 340.° do Código de 1939, o inte­
resse jurídico capaz dc legitimar a intervenção do assistente, dislin-
guindo-o do simples interesse moral e do mero interesse económico
na posição de alguma das parles.
(’) A parte acessória defende no processo, não um interesse
alheio, mas um interesse próprio, que, todavia, se caracteriza por ser
um interesse dependente da pretensão de uma das partes.
110

ção) entre a personalidade jurídica (ou capacidade de gozo de


direitos) e a personalidade judiciária.

«Quem tiver personalidade jurídica, prescreve o n.° 2


do artigo 5.°, tem igualmente personalidade judiciária.»

/-»o it-»/-4.í\ r í A i ia c nu^r coiom m a ín r p c r\ii


1UUUS 09 1UU1V1UUUJ) ^U Vi OVJMlil AAAfcWWiVO V
*w* lAivimwftvw \ /;

quer sejam capazes, interditos (2) ou inabilitados, quer nacio­


nais ou estrangeiros (art. 14.° do Cód. Civil), gozam de per­
sonalidade judiciária, podem ser partes em juízo, visto que
todos eles podem ser sujeitos, em princípio, de quaisquer
relações jurídicas (art. 67.° do Cód. Civil).
E o corolário aplicável às pessoas singulares estende-se
de igual modo, quer às pessoas colectivas (associações ou
fundações), quer às sociedades a que seja reconhecida per­
sonalidade jurídica. Tamibém as pessoas colectivas e as socie­
dades, embora agilndo necessariamente em juízo por meio dos
seus representantes estatutários, são as verdadeiras partes da
acção, sempre que esta seja proposta em nome delas ou
contra elas.
Há, todavia, excepções ao princípio da correspondência
(entre a capacidade de gozo de direitos e a personalidade
judiciária), todas elas orientadas no sentido de estender a
personalidade judiciária a quem não goza de personalidade
jurídica ou a quem é pelo menos duvidoso que a possua (3).

(') Também o Ministério Público pode intervir como parte aces­


sória nas hipóteses previstas nos artigos 5.° e 6.° da Lei n.° 39/78,
de 5-7 (Lei Orgânica do Ministério Público), para defesa de interesses
públicos ou de interesses privados dignos da tutela do Estado.
(!) Embora agindo cm juízo, não por si próprios, mas por inter­
médio dos setts representantes legais, os menores e os interditos são
as verdadeiras partes do processo, quando a acção é proposta em
nome deles ou contra eles.
(’) Se toda a entidade que tem personalidade jurídica, como
cenlro autónomo de direitos e obrigações no plano do direito subs­
tantivo, goza reflexamente de personalidade judiciária, podendo reque­
rer do Estado as providências judiciárias adequadas à tutela dos seus
interesses, nem toda a entidade que possui personalidade judiciária
(hoc sensu) goza preliminarmente de personalidade jurídica.
111

É uma forma expedita de aoautelair a defesa judiciária de


legítimos interesses em crise, nos oasos em que haja qual­
quer situação de carência em relação à titulanitáade dos res­
pectivos direitos (ou dos deveres correlativos).
São três os núcleos de excepções que a lei abre nesse
sentido.

O primeiro, referido no artigo 6.°, é constituído pela


herança cujo titular ainda não esteja determinado e pelos
patrimónios autónomos semelhantes (mesmo que destituídos
de personalidade jurídica).
Quer isto sdgnificair que a herança jacente (arts. 2046.°
e segs. do Cód. Civil), embora carecida de personalidade jurí­
dica, pode propor acções em juízo (de reivindicação, confes-
sórias de servidão, de cobrainça de dívidas, etc.), sendo a
herança a verdadeira parte ina acção e não o sucessível cha­
mado, o herdeiro, o curador ad hoc ou o Ministério Público
que aja em nome dela (arts. 2047.° e segs. do Cód. Civill) (').
Os patrimónios autónomos semelhantes, que gozam de
igual tratamento, são constituídos por aqueles bens ou massas
unificadas de bens cuja titularidade seja incerta (doações ou
deixas testameritárías a nascituros, concebidos ou não con­
cebidos: arts. 952.°, 2033.°, a), e 2240.° do Cód. Civil) ou
que pertençam a um conjunto de pessoas, ao qual não seja reco­
nhecida personalidade jurídioa (sociedades civis: art. 996.° (2);

(') Por analogia (baseada no argumento a maiori ad mintis) se


há-de entender que, estando o processo de inventário cm curso, mas
não estando ainda efectuada a partilha, ó em nome da herança (ou
contra a herança), embora carecida de personalidade jurídica, que
hão-de ser instauradas as acções destinadas a defender (ou a sacrifi­
car) interesses do ácervo hereditário, sendo a herança normalmente
representada, nesse caso, pelo cabeça-de-casal (cfr. arts. 2088.” e 2089.°
do Cód. Civil) desde que a intervenção deste caiba nos seus poderes de
administração. (Cfr., a propósito, o artigo 1462°, exercício da preferência
que caiba à herança) e o disposto no n.° 2 do artigo 957.° (prosseguimento
da acção de interdição contra o representante do intcrdicendo, no caso
de morte deste após o interrogatório e o exame nela compreendidos).
(!) Cfr. P ires de L ima e Antunes V arela, Código Civil anotado,
2: ed., II, anotação ao artigo 980.° (n.° 7).
112

associações sem personalidade jurídica: art. 198.°, 3; comis­


sões especiais para a realização de certos interesses colecti­
vos de caráoter difuso: airt. 199.°; condóminos, na p r o p r ie d a d e
horizontal: arts. 1433.°, 4, e 1437.°, 1, todos do Cód. Civil) 0 .

O segundo núcleo de excepções é constituído pelas sucur­


sais, agências, filiais ou delegações (das sociedades ou pes­
soas colectivas). Estas entidades, como meros órgãos de
administração local que são, denitro da estrutura da sociedade
ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica,
porque não constituem sujeitos autónomos de direitos e
obrigações 0 . Apesar disso, na sequência duma orientação
que parece remontar já ao Código de 1876 (art. 18.°, § 1.°) 0 ,
a lei (art. 7.°, 1) reconhece personalidade judiciária às sucur­
sais, agências, filiais ou delegações, quer para demandarem,
quer para serem demandadas, sempre que a aoção proceda
de facto por elas praticado 0 .

(') Nesta categoria legal dos patrimónios autónomos semelhantes


(à herança jacente) cabem, portanto, não só os patrimónios de destino
(cfr. R odrigues B astos, Notas ao Código de Processo Civil, i, anotação
ao art. 6.°), mas ainda os patrimónios pertencentes a entidades sem
personalidade jurídica.
O Palma Carlos, Projecto de alteração de algumas disposições
dos livros I e I I do Código de Processo Civil, Separata do B. M. /., 102,
nota 17, pág. 21; J. Tavares, Sociedades e empresas comerciais, pág. 178.
Para maiores desenvolvimentos, Alberto dos R eis , Representação em
juízo das pessoas colectivas, no Boi. Fac. Dir., xv, pág. 358 e segs.
Cfr., em sentido oposto à afirmação do texto, o acórdão do S. T. J.,
de 23-3-1927 (R .L .J., 60.°, pág. 165), mas já em sentido conforme, o
acórdão do mesmo Tribunal, de 10-12-1937 (Co/. O/., 36, pág. 412).
(') Note-se, porém, que esse preceito do Código de 1876, como
o acórdão do S. T. J., de 10-12-1937 observava, se referia, em bom rigor,
à competência do juízo e não à personalidade judiciária das entidades.
0) Se a acção nascer de facto praticado pela sucursal nada
impede, entretanto, que a sociedade ou pessoa colectiva tome a inicia­
tiva de ser ela, através da sua administração principal, a propor a
acção, visto ser a sociedade ou pessoa colectiva o verdadeiro sujeito
da relação jurídica. Porém, se a acção for proposta contra a sucursal,
por nascer de facto por ela praticado, já a sociedade ou pessoa colec­
tiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária
113

Trata-se, ipor hipótese, de uma acção de condenação des­


tinada a obter a amortização e os juros idum empréstimo
concedido a um cliente do Banco Português do Atlântico
pela filial de Coimbra. Apesair- de o mutuante ser o Banco,
cuja representação oaibe ao conselho de gerência da sede,
a filial de Coimbra goza de personalidade judiciária para
propor a acção '(ou para ser demandada), seja quai ror a
comarca onde a acção deva ser instaurada, porque a demanda
nasce de um facto praticado pela dita filial. A decisão que
seja proferida nesse caso goza de eficácia não apenas contra
a filial directamente demandada, mas também contra o pró­
prio Banco.
E, no caso de a pessoa colectiva ou sociedade ter a sede
ou domicílio em país estrangeiro, a lei amplia a esfera da
personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais ou
delegações estabelecidas ean Portugal, ainda no mesmo pro­
pósito de «dar vida, facilidades e interesse aos órgãos de
administração locail das sociedades» (') ou pessoas colectivas.
Nesse caso, mesmo que a acção proceda de facto praticado
pela administração principal, as sucursais, agências, filiais ou
delegações terão personalidade judiciária, quer para deman­
dar, quer para serem demandadas, se a obrigação a que a
acção se refere tiver sido contraída com um português ou
com um estrangeiro domiciliado em Portugal.

0 terceiro grupo de excepções respeita às pessoas colec­


tivas ou sociedades irregulares 0 .

da demandada, conquanto também nada impeça que a esta se subs­


titua daí em diante. Ter a sucursal ou a agência personalidade judi­
ciária significa apenas, por conseguinte, ter ela poder de representar
em juízo a sociedade ou pessoa colectiva, por força da lei, enquanto
a sociedade ou pessoa colectiva se lhe não substituir na acção.
(') Alberto dos R e is , est. cit., pág. 360-361.
(:) Dizem-se irregulares as sociedades a que se referem os arti­
gos 107.“ e 147.° do Código Comercial. São sociedades que, não se
tendo constituído nos termos e segundo os trâmites fixados na lei
comercial, se encontram em último termo sujeitas à divisão do patri­
mónio que lhes serve de suporte.
Sobre os vícios {falta de constituição por escritura pública; omissão
8 — Manual Processo Civil
114

Não se atribui a estas entidades irregulares personalidade


judiciária activa, mesmo que elas 'procedam de facto como
se estivessem reguilannmente constituídas (').
Retira-se-lhes, porém, ia faculdade de, sendo demandadas,
arguirem a irregularidade da sua constituição. Haveria nessa
aposição um verdadeiro abuso do direito, sob uma 'das suas
vainaníes ainda hoje comuimmeinte aceites na doutrina: a do
venire contra factum proprium.
Por outro ilado, quando assim seja, reconhece-se à outra
parte a ifacuildade de propor a acção 50 contra a pessoa colec­
tiva ou a sociedade iirreguilar, ou só contra as pessoas legal­
mente responsáveis pelo facto que serve de fundamento à
demamda, ou contra uma e outras simultaneamente (2).

no título constitutivo das menções que o art. 114.'' do Cód. Comercial


considera essenciais; falta de registo do título c falta de publicação
dos estatutos das sociedades por acções) que podem determinar a
irregularidade hoc sensu, vide M á r i o de F ig u e ir e d o , A s sociedades
comerciais irregulares e o artigo 8° do novo Código de Processo, na
R.L.J., 72.°, pág. 229. Àcerca da questão de saber se a falta de matrí­
cula importa irregularidade da sociedade, depois da entrada em vigor
do Decreto-Lei n.° 42 644, de 14-11-1959 (art. 9.°), vide F e r r e r C o r r e ia ,
Lições de Direito Comercial, n, pág. 275, e F. O l a v o , Manual de Direito
Comercial, i, pág. 251.
Tambcm as sociedades irregulares carecem de personalidade
jurídica (vide, por todos, R a u l V e n t u r a , Sociedades comerciais: disso­
lução e liquidação, 11,,,1960, nota 213, pág. 421 e a bib. e jurisp. iv. cit.),
sem prejuízo da titularidade precária dos direitos e deveres que resul­
tam, além de outras circunstâncias, das soluções sancionatórias ou
punitivas piescritas no artigo 8°, especialmente apontadas, não contra
os sócios em geral, mas contra os que contrataram em flòme da socie­
dade (P a l m a C a r l o s , Projecto de alteração cit., nota 20, pág. '29).
No sentido (infundado) de que as sociedades irregulares (ou
irregularmente constituídas) gozam de personalidade jurídica, B a r ­
b o sa d e M a g a l h ã e s , Sociedades comerciais irregulares, na Gaz. Rei. Lis­
boa, 47.°, pág. 340.
0) Em sentido diferente, mas sem razão, vide o acórdão da Rela­
ção de Coimbra, de 5-12-1978, na Coí. Jur., m , 5, pág. 1510 c segs.
() Deve entender-se outrossim que os sócios das sociedades
irregulares podem intentar, em seu nome pessoal, e actuando cm con­
junto, as acções necessárias à defesa dos interesses dessas socieda­
des, visto serem comproprietários dos bens a elas pertencentes (vide
115

Tem-se mesmo entendido, com fundadas razões, que o


facto de ter instaurado a acção só contra a sociedade ou
pessoa colectiva irregular ou só contra as ipessoas responsá­
veis não inibe o autor de, até ao momento oportuno, deman­
dar sim ultaneam ente u m a e outras. Sendo a aeção instawada
contra a sociedade ou pessoa colectiva irregular (isolada ou
conjuntamente com as pessoas responsáveis), reconhece-se à
demandada cerla personalidade judiciária activa, permitindo-
4he a lei que deduza reconvenção (art, 8.°, 2) (‘)-

39. Consequências da falta de personalidade judiciária.

A carência de personalidade ju d ic iá ria , seja por parte do


autor, seja pelo lado do rcu, determina, como é próprio da
falta de qualquer pressuposto processual, que o juiz deva
abster-se de conhecer do pedido e absolva o réu da instância
(art. 288.°, 1, cj).
Se a falta for apurada com a simples leitura da peti­
ção inicial, deve a petição ser lim in a rm e n te indeferida
(art. 474.°, 1, b)). De contrário, se a falta só far alegada ou
conhecida depois dos articulados, é no despaoho saneador (ou
na sentença final) que a absolvição da instância deve ser
deoretada (arts. 510.°, 1, a), e 660.°, 1).
E não poderá a fali ta ser sanada?
Nem no artigo 23.°, onde se trata do su p rim ento da
incapacidade ju d ic iá ria e da irregularidade da representação,
nem no artigo 269.°, onde se prevê o suprimento de um caso

A. ob. cit., n, pág. 109, nota 1, e o ac, do S.T.J., de 2-7-1957,


C astro,
no 69, pág. 652).
(') Sendo a reconvenção, em certo aspecto, uma espccie de defesa
(por contra-ataque) contra o pedido formulado pelo autor, o reconhe­
cimento da personalidade judiciária activã das sociedades irregula­
res, no domínio limitado ou restrito da reconvenção, representa uma
forma de prevenir decisão injusta (não legitimada pela irregularidade
de constituição da sociedade). que, de outro modo, estaria ao franco
alcance do requerente. Neste sentido, A n s e l m o de C a s t r o , Lições de
Processo Civil, n, Coimbra, 1966, pág. 553.
116

típico de ilegitimidade, se 'faz qualquer alusão à possibilidade


de sanação da falta de personalidade judiciária (') (2).
E compreende-se o silêncio da lei, porquanto, ao invés da
incapacidade judiciária e da ilegitimidade, a carência de per­
sonalidade judiciária ó, em princípio, irremovível (3). Há, toda­
via, alguns casos em que a falta pode ser suprida, nenhuma
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quente regulairização do processo. É nomeadamente o caso


de a acção ter sido proposta por uma sucursal, agência, filial
ou delagaição, fora do condicionalismo previsto nos n.0B 1 e 2
do artigo 7° Quando assim suceda, pode e deve o juiz, por
analogia com o disposto no artigo 24.°, fixar o prazo dentro
do qual a administração principal poderá sanar o vício, inter­
vindo ela na acção e ratificando os actos anteriormente pra­
ticados, sob pena de o réu ser absolvido da instância C).
No caso de a acção ter sido proposta por uma sociedade
irregular contra terceiro, também pode acontecer que a irre­
gularidade cesse depois da entrega da petição, mas antes de
se ter encerrado a disoussão da causa. Quando assim ocorra,

(') Na primitiva redacção do artigo 24.° (Cód. de 1939), que come­


çava por aludir à falta de personalidade, à incapacidade judiciária e
à irregularidade da representação, dcclaradamenle se previa a possi­
bilidade dc suprimento apenas quanto às duas últimas.
(!) Em contrapartida, já no n.° 2 do artigo 494.“, ao prescre-
ver-se que as circunstâncias referidas nas alíneas a), b), c), d) e e) só
tomam a natureza de excepções quando a falta ou irregularidade não
for devidamente sanada, nenhuma discriminação se faz quanto à falta
dc personalidade judiciária, que é con juntamente mencionada com a
falta de capacidade na alínea c).
O Nessa convicção, escreve efectivamente A i. durto dos R n is
(Código de Processo Civil anotado, i, Coimbra, 1948, pág. 66) o seguinte:
«Mas há que fazer distinção: ao passo que a falta de personalidade
não tem remédio e produz, por isso, inevitavelmente, o efeito indi­
cado, a incapacidade e a irregularidade de representação podem ser
remediadas ou supridas.»
(4) Parece ser tratado pela lei como caso de sanação da falta de
personalidade, a hipótese interessante prevista no n.° 2 do artigo 371.°,
de a acção ser proposta contra pessoa que se apure ter já falecido
à data da propositura da acção, admitindo-se que esta prossiga con­
tra os seus sucessores, mediante o incidente da habilitação.
117

nada obsta a que a falta se considere sanada ('), para o efeito


de a acção prosseguir com a sociedade regularizada, seja
qual for a repercussão que a irregularidade de constituição
da sociedade possa ter, quer no juilgaimento do mérito da
acção, quer em matéria de custas judiciais ou em outros
aspectos processuais (2).

SECÇÃO I I
Capacidade Judiciária

40. Noção. Extensão.

Noção. Pana que o juiz possa apreciar o pedido, conce­


dendo ou denegando a providência requerida, não basta que
as partes tenham personalidade judiciária; é preciso que cias
possuam também capacidade judiciária ou que, não a pos­
suindo, se encontrem devidamente representadas ou auto­
rizadas.
A capacidade judiciária, correspondente na relação pro­

(') A disposição aplicável a esles casos não é a contida no


artigo 663.”, relativa aos factos constitutivos, modificativos ou extin-
tivos do direito litigado, capazes de interessar à decisão sobre o
mérito da acção, mas sim, por analogia, a formulada no artigo 24.”
sobre o suprimento ou regularização dos casos paralelos à falta de
personalidade judiciária, que interessam à plena constituição da rela­
ção processual. Vide, acerca da questão, Alberto dos Reis, na R. L. J., 83.°,
pág. 7; acórdão do S. T. J., de 2-1-1961 (B .M .J., 103, pág. 587); e A. Cas­
tro, ob. cit., u, pág. 556 e nota 1.
(') Diferenle da entidade (existente, mas) destituída de persona­
lidade judiciária c a d a entidade inexistente (sociedade que nunca exis­
tiu ou já deixou de existir). No 1.° caso, caberá ao juiz absolver o réu
da instância (quer a entidade incapaz seja autora, quer seja ré); no
2 ” caso, a petição deve ser pura e simplesmente arquivada. Há assim
que distinguir, ao arrepio da noção aceite por muitos autores, entre
os requisitos de constituição válida da relação processual (existência
dos sujeitos; pretensão fundada no Direito e não na moral, religião,
cortesia ou meros usos sociais; existência do objecto mediato da pre­
tensão; etc.) e os pressupostos da apreciação c julgamento do mérito
da acção (pressupostos processuais).
118

cessual à capacidade de exercício de direitos no âmbito do


direito civil, consiste na possibilidade de estar, por si mesmo,
em juízo (art. 9.°, 1).
Assim ocorre com os cidadãos maiores, homens ou mulhe­
res, nacionais ou estrangeiros, que não só podem ser partes
na aoção, mas que podem estar directamente em juízo ('),
por si mesmo ou por meio de representante por eles esco­
lhido. São pessoas que gozam assim da chamada (pelos
antigos autores) legitimatio ad processum (Prozessfdhigkeit).
Já o mesmo não ocorre com os menores (2) ou os interditos
que, tendo embora personalidade judiciária, não podem estar
por si mesmos em juízo (nem por meio de 'representante por
eles designado). É diferente a situação das pessoas colec­
tivas e das sociedades. Constituindo puras rea/lidades morais
ou espirituais, as pessoas colectivas e as sociedades intervêm
na acção por meio dos representantes legais ou estatutários,
que actuam como órgãos normais de expressão da sua von­
tade e não como pessoas incumbidas de suprir uma situação
(transitória ou excepcional) de incapacidade (J).

Extensão. A capacidade judiciária tem por base e por


medida a capacidade de exercício de direitos (art. 9.°, 2).
AifirmaoiJdo que a capacidade judiciária tem por base a
capacidade de exercício de direitos, quer a lei significar que

(') A possibilidade de estar por si mesma em juízo, reconhecida


a toda a pessoa (singular ou jurídica) com capacidade judiciária
abrange a capacidade dc se fazer representar por peritos cm direito
(advogado, solicitador, candidato à advocacia). Estes peritos, que
orientam tecnicamente a defesa dos interesses das pãrtes, são man­
datários (judiciais) dos litigantes, sendo estes quem, rigorosamente,
está em juízo.
(2) Sobre a incapacidade por menoridade, vide A. V a r e la , ano­
tação ao acórdão do S.T.J., de 15-12-1981, na R.L.J., 117.“, pág. 379.
(’) A^jsar da diferença substancial existente entre uns e outros,
há uma igualdade formal de tratamento, no domínio da capacidade
judiciária, entre os representantes das pessoas (singulares) incapazes e
os representantes das pessoas colectivas e das sociedades. Cfr., nomea­
damente, o disposto no artigo 23° sobre a irregularidade da represen­
tação. Vide R o s e n b e r c , ob. cit., § 44, i i , 1, pág. 230.
119

têm plena capacidade judiciária as pessoas, singulares ou


colectivas, que possuam integral capacidade de exercício de
direitos, sabendo-se que, relativamente às ipessoas colectivas,
importa sempre ter em conta 'a ligeira 1imitação que, através
“do princípio mitigado da especialidade, o artigo 160." do
Código Civil estabelece quanto á sua capacidade de gozo de
direitos. E quer ainda dizer que carecem de capfacidade ju di­
ciária todos aqueles que, como os interditos, não têm nenhuma
capacidade de exercício.
Acrescentando que a capacidade judiciária tem, não só
par base, mas também por medida a capacidade de exercício
de direitos, a lei pretende especialmente referir-se aos casos
das ipessoas que tenham a sua capacidade de exercício (quali­
tativamente) limitada (como pode suceder com os inabilita­
dos, nas circunstâncias previstas na iparte final do n.° 1 do
art. 153.° do Cód. Civil, e com os menores, nos termos do
art. 127.° do mesmo Código) ou condicionada pela intervenção
de outrem (caso dos inabilitados, em geral).
Nos casos daqueles cuja capacidade de exercício de direi­
tos se encontre (qualitativamente) limitada, a sua capacidade
judiciária sofre paralela «restrição. Tendo plena capacidade
judiciária para os actos que integram a esfera da sua capa­
cidade de exercício, eles necessitarão da intervenção do repre­
sentante legal ou do curador para a prática em juízo dos
actos relativos à área da sua incapacidade de exercício (')•
Assim, o maior de dezasseis anos poderá discutir em
juízo, por si só, a validade dos actos de disposição que tenha
praticado em relação a bens adquiridos por sou trabalho; mas
)á não poderá estar por si em juízo, enquanto não atingir a
maioridade, em acções destinadas a discutir o domínio de
bens que hajam vindo ao seu património por título gratuito.

(') Mais precisamente, a parte terá capacidade processual se a


esfera da sua capacidade de exercício de direitos abranger os resul­
tados ou efeitos possíveis da acção. Se a acção envolver risco de
perda dum direito, o autor só terá capacidade judiciária para propô-la,
se a sua capacidade de exercício abranger o poder de disposição desse
direito. Neste sentido, C ast ro M endp .s , Direito processual civil, n, 1980,
pág. 46 e segs.
120

Relativamente às entidaides que, não sendo pessoas sin­


gulares, gozam de personalidade e de capacidade judiciárias,
importa siaibar por intermédio de que pessoas físicas podem
elas estair em juízo — quem as 'representa na acção,
A representação far-se-á, nos termos do artigo 21.", por
quem a lei designar (').
As pessoas colectivas de direito privado são representa­
das, de ajcordo com o disposto no artigo 163.° do Código
Civil, por quem os estatutos designarem ou, na falta de desig­
nação estatutária, pela administração ou por quem esta desig­
nar para o efeito (2).
As sociedaides civis serão representadas, em principio,
pelos seus administradores, de harmonia com os critérios
fixados ino artigo 996.° do Código Civil.
Para a representação das sociedades comerciais vigora a
mesma escala hierárquica de designação: primeiro, a desig­
nação imperativa da lei; depois, na falta de disposição iegal
imperativa, a designação resultante dos estatutos ou do pacto

(') Os preceitos correspondentes do Código dc 1939 c do Código


de 1961 (na sua primitiva redacção) referiam-se antes aos órgãos desig­
nados na lei ou no pacto social, acautelando especialmente a hipótese
de a designação contida na lei revestir carácter supletivo e sobre ela
dever prevalecer, por conseguinte, a do pacto social.
A nova fórmula, proveniente do Decreto-Lei n." 47 690, de 11-5-1967,
teve especialmente em vista, por seu turno, os casos em que, como
sucede nas pessoas colectivas públicas em geral, a designação da lei
assuma carácter imperativo (cfr., quanto ao Estado, o art. 20.°, 1),
podendo aliás acrescentar-se que a prevalência da indicação feita nos
estatutos ou no pacto social sobre ’a da lei, quando esta última revista
natureza supletiva, resulta ainda da própria lei, convenientemente
interpretada.
Quanto à questão de saber quem exerce a administração da socie­
dade (cfr. art. 163.°, 1, do Cód. Civil) nos vários tipos que a sociedade
pode assumir, vejam-se os artigos 152.° e 171° do Código Comercial
(soc. com. em nome colectivo e soc. anónimas) e o artigo 26.° da Lei
de 11-4-1901 (soc. por quotas).
(2) A designação de representante por parte da administração
só é, porém, oponível a terceiro provando-sc que este a conhecia
(art. 163°, 2, do Cód. Civil: P ik e s de L i m a e A.v t u n e s V a r e i a , Código
Civil anotado, i, 3.* ed., anotação ao art. 163.").
121

social; por último, na falta de disposição legal, estatutária


ou pactícia aplicável, a administração da sociedade (') ou
quem esta indicar, com ressalva (por analogia) do disposto no
artigo 163.° do Código Civil.
No que respeita às entidades ou massas dc bens que,
não gozando embora de personalidade jurídica, possuem
todavia personalidade judiciária, a própria lei processual solu­
ciona (no art. 22.°) o problema da sua representação em
juízo (2).
Os patrimónios autónomos .(como a herança jacente ou
a herança deixada a nascituro) são representados por quem
os administra; as associações e sociedades careoiidas de per­
sonalidade jurídica, bem como as sucursais e órgãos aná­
logos, serão, por seu turno, representadas pelas pessoas que
ajam como seus directores, gerentes ou administradores (ou
seja, como membros do seu órgão executivo).
Entre as disposições especiais (em contrário) ‘ressalvadas,
conta-se o artigo 198.° do Código Civil que atribui a represen­
tação em juízo do fundo comum das associações sem per­
sonalidade jurídica aos assooiaidos que tenham assumido a
obrigação objeoto do litígio.

41. Suprimento da incapacidade judiciária.

Gozando de personalidade judiciária, mas não podendo


estar por si mesmas em juízo, as pessoas (interditos, meno­

(') No intuito de prevenir as dificuldades que poderia suscitar


a citação da sociedade, nos casos em que a sua representação caiba
a duas ou mais pessoas cumulativamente, considera-se bastante, em
semelhantes casos, para assegurar a regularidade da citação, que esta
seja efectuada num só dos representantes (art. 228.°-B).
(’) Prevenindo a hipótese de conflito de interesses entre a pes­
soa colectiva ou a sociedade e o seu representante (como no caso de
a acção correr entre uma e outro) e a de não haver mesmo repre­
sentante (por este não ter sido nomeado ou substituído, devendo tê-lo
sido), a lei manda intervir o seu substituto ou, na falta deste, tendo
a pessoa colectiva ou sociedade a posição de ré, nomear um repre­
sentante ad hoc.
122

res, inabilitados) destituídas de capacidade judiciária neces­


sitam, obviamente, de que seja suprida a sua incapacidade.
O suprimento é garantido através do representante legal
ou do curador, de acordo com as .prescrições do direito civil
(art. 10.°, I). Traitando-se de menor(') ou de interdito, o inca­
paz é substituído, quer como autor (desde a proipositura da
n,HAr rr\mn rv»n frtacrín o r-itíirrín^ npsír» cp ii m i r n C/»n-

tanta legal. Tratando-sc de simples inabilitado, o incapaz


c assistido pelo respectivo curador.
O representante ilegal (quer se trate dos pais, de um só
deles, ou do ifcutor) age em lugar do incapaz. O curador
actua ao lado do inabilitado, dando a autorização necessária
à validade dos actos por esle praticados. Sendo a acção pro­
posta contra o inabilitado, terá o incapaz que ser citado, ta'l
como o ourador, visto ser ele quem fundamentalmente está
em juízo. Como os seus actos necessitam, porém, de auto­
rização ou ratificação do curador, concede-se justifioadamente
prevalência à orientação deste, no caso de divergência com
o incajpaz (art. 13.°, 2).
Pode, no entanto, suceder que o incapaz. )ião tenfia repre­
sentante ou curador, na altura em que há necessidade de
propor a acção em nome dele ou contra ele.
Haverá que promover então a nomeação desse represen­
tante gerai, ou do curador, junto do tribunal competente,
tendo legitimidade para a requerer as pessoas indicadas no
n.° 3 do artigo 10.° e devendo o Ministério Público ser ouvido,
semiprc que não seja o requerente da nomeação (n.° 4):
amtigo 11.°, 3.

(') No caso do maior, a sua representação legal cabc aos pais


(art. 13."-A), a um só dos progenitores, ao tutor ou ao administrador
dos bens, consoante as prescrições aplicáveis do direito civil. O inter­
dito ó representado pelo tutor, enquanto o inabilitado 6 assistido pelo
curador e o falido ou insolvente é substituído pelo administrador.
Os representantes legais, por via de regra, necessitam de autori­
zação para propor acções (cfr. arts. 1938.“, 1, e); 139.°; 156.°; 1971.", 1,
do Cód. Civil, e 1213.°, 1, do Cód. Proc. Civil). Quanto aos próprios
pais, veja-se o disposto nas alíneas a) e n) do n.u 1 do artigo 1889.“ do
Código Civil.
123

Se houver, porém, urgência na nomeação, que se não


compadeça com a demora inevitável do processo normal de
escolha do representante geral ou do curador, pode promo­
ver-se, no próprio tribunal da causa, a nomeação de um cura­
dor provisório (incumbido de representar o incapaz, provi­
sória ou temporariamente, apenas e enquanto não é designado
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requerida no tribunal competente, logo que a acção seja pro­
posta: art. 11.°, 1).
Muito semelhante à deste curador provisório (oujas fun­
ções no próprio processo cessam, logo que o representante
geral é nomeado e ocupa a posição dole) é a situação do
curador especial (curador ad hoc ou curador ad litem), que
a lei civil (vide arts. 1881.°, 2, e 92.° do Cód. Civil) manda
nomear no caso de conflito de interesses entre o incapaz e
o seu representante legal ou etnitire inicapazes sujeitos ao
mesmo representante legal (‘). Quando, nestes casos, a acção
seja proposta contra o incapaz, incumbe justificadamente ao
autor requerer, tanto a nomeação do curador provisório,
como a do curador especial; devendo a acção ser proposta
pelo incapaz, cabe ao Ministério Público promover a nomea­
ção, que pode também ser requerida por qualquer parente
do incapaz até ao sexto grau (art. 10.°, 3).

42. Efeitos da incapacidade (não suprida) e da irregularidade da


representação das partes.

A incapacidade judiciária, não devidamente suprida, pro­


voca a absolvição da instância, devendo o juiz abster-se de
conhecer do pedildo.

«O juiz deve abster-se de conheccr do pedido e absol­


ver o réu da instância, em obediência ao disposto no

C) A lei (arts. 14.” c 236°) prevô ainda a nomeação de curador


especial no caso de incapacidade (acidental ou duradoura) do réu,
por anomalia psíquica ou outro motivo grave, revelado no momento
em que se procede à citação: Cfr. Campos Costa, Incapacidade judi­
ciária dos dementes não interditos, na Rev. Trib., 76°, pág. 3 e segs.
124

artigo 288.°, 1, alínea c), quando entenda que alguma das


partes... sendo incapaz, não está devidamente represen­
tada ou autorizada.»

Assim poderá suceder quando, por exempJo, sendo o


aiutor um menor, a acção tiver sido directamente proposta
por ele, ou pelo -pai ou apenas ipda mãe, sendo ambos os
progenitores vivos e não se tendo procurado obter o consen­
timento do outro cônjuge ou o respectivo suprimento judi-
oiail (art. 13.°-IB). E assim poderá ocorrer também quando,
sendo o réu um interdito, a acção tiver sido instaurada directa­
mente contra ele.
Se a falta de capacidade, seja do autor, seja do réu, for
manifesta em face ido texto da petição inicial, deve esta ser
liiminarmenite indeferida (art. 474.°, 1, b)). Se só mais
tarde for apurada, deve absolver-se o réu da instância no
despadho saneador (art. 510.°, 1, a)) ou na sentença finaJ
(art. 660.°, 1), albstendo-se o juiz de se pronunciar sobre o
mérito da aoção.
Solução idêntica à que corresponde à falta do repre­
sentante legal é aplicável à irregularidade da representação
(propositura da acção por um tutor já removido, p. ex.), bem
como à falta de autorização '(quando legalmente exigida),
como logo resulta, aliás, do texto da alínea c) do n.° 1
do artiigo 288.°

Sanabilidade posterior da falta ou irregularidade. Rati­


ficação. Se, não sendo a falta ou irregularidade da represen­
tação transparente no texto da ipetição inicial, esta não tiver
sido liminarmente indeferida, pode a falta ou irregularidade
ser sanada (posteriormente (arts. 23.° e 24.°)(‘).
O juiz deve mesmo (de acordo com a redacção dada ao
preceito do art. 24.° ipelo Código de 1961), oficiosamente ou
a requerimento da parte, fixar o prazo dentro do qual o
vício 'haja de ser sanado. Se o vício não for sanado dentro

(') A possibilidade de sanação da falta ou irregularidade ú expres­


samente referida, cm termos amplos, à generalidade dos pressupostos
processuais, lanto pelo artigo 288.°, 2, como pelo n.° 2 do artigo 494.°
125

do -prazo fixado e a falta ou a irregularidade respeitar ao


autor, será o réu absolvido da instância. Respeitando a falta
ou irregularidade ao réu, a acção prosseguirá à revelia dele.
O vício existente ficou devidamente sanado neste caso, desde
que se deu ao representante legítimo do incapaz a possibili­
dade de deduzir defesa. Se este a não aproveitou, a culpa é
A
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Não se apercebendo o juiz 'da existência do vício ou não


fixando prazo para a sua correcção, pode esta ter lugar a
todo o tempo (2).
Para que a falta ou a irregularidade da representação se
considerem sanadas, não basta, no entanto, a inter\>enção na
acção do representante legítimo do incapaz. A acção só pros­
seguirá, como se o vício não tivesse existido, se o represen­
tante legítimo ratificar os actos anteriormente praticados (3);
de contrário, ficará sem efeito todo o processado posterior
ao momento em que a falta ocorreu (arl. 23°, 2) (4).

0) Apesar disso, deve o Ministério Público scr citado, incum­


bindo-lhe a defesa do incapaz, nos termos do artigo 15.°
(J) Do texto do artigo 24." — bem como do texto e espírito dou­
tras disposições — sc conclui outrossim que a incapacidade, bem como
a irregularidade da representação podem ser alegadas e conhecidas
ex officio a todo o tempo, enquanto a decisão da causa não transi­
tar em julgado. Se for conhecida pelo tribunal de recurso, não dei­
xará de ser decretada a absolvição da instância, mesmo que as ins­
tâncias, por não terem conhecido do vício, hajam julgado sobre o
mérito da causa. Não chegando, porém, a ser conhecida antes do
trânsito em julgado da decisão sobre o mérito da causa, a incapaci­
dade judiciária não obsta à validade (definitiva) da sentença, visto ela
não constituir fundamento dc revisão desta (art. 771.°).
As soluções expostas valem, com as necessárias adaptações, para
a hipótese de, sendo am bas as partes capazes processualmente no
momento em que a acção foi proposta, uma delas vir a perder a
capacidade processual no decurso da acção, sem se ter promovido
a sua representação na causa.
(3) Solução análoga procederá para a h ip ó te s e de, carecendo
a parte de capacidade judiciária no momento em que a acção c
proposta, vir a obtê-la mais tarde, antes de a falta scr denunciada.
Vide Rosrnberg, ob. cit., § nr, 2, pág. 234.
(') Nada obsta, entretanto, a que, sendo a falta ou a irregulari­
dade alegada numa fase já adiantada do processo, o representante
126

Têm-se levantado dúvidas na doutrina acerca do alcance


preciso da sanção aplicável à falta de ratificação, por parle
do representante legítimo, dos actos ainteriomiente praticados.
Se a falta ou a irregularidade da representação se referem
ao autor (que, sendo incapaz, litigou por si próprio ou por
meio de tutor já removido da tutela) e o seu legítimo repre-
'Vwio.rír~
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por ele apresentada, a solução aplicável, por força do dis­
posto na parte final do n.° 2 do artigo 23.“, não pode deixar
de ser a absolvição do réu da instância (')•
Se, porém, a incapacidade ou a irregularidade da represen­
tação respeitam ao réu e o representante legítimo não rati­
fica a contestação apresentada (pelo próprio rcu ou por quem
não eira seu legítimo representante), a solução terá de ser
outra, visto nenhuma razão haver para se não aproveitar a
petição inicial.
Não pode, consequentemente, afirmar-se, numa aplicação
textual da lei, surda ao espírito dela, que, havendo incapaci­
dade judiciária não devidamente sanada, a solução aplicávc;
será sempre a do artigo 288.°, 1, c).
Não é essa, com efeito, a boa doutrina, quer porque, ao
contrário da situação prevista no artigo 288.°, 1, c), a inter­
venção do representante legítimo do réu tem como resultado
que ele passa a estar devidamente representado em juízo,
quer porque outra é a solução consagrada, para o efeito, na
parte final do n.° 2 do artigo 23." (2).

apenas ratifique os actos praticados a partir dc determinado momento


(aprovando, v. g., a pctição!inicial, mas rejeitando a réplica: cfr. Castro
M endes, ob. cit., n , pág. 115).
Quando assim succda, apenas se considerarão sem efeito os actos
praticados a partir do rejeitado, incluindo este, obviamente.
(') Alberto dos Rets, Código Processo Civil anotado, i, pág. 66:
«Uma vez que tom ide ser a/nuílado tudo o que se pra/ticou até à daita da
intervenção, escreve o eminente iprocfessualistá, é claro que oai o pró­
prio aoto da proposição da acção.»
O Se a não ratificação do processado, por parte do legítimo
representante do réu, envolvesse a absolvição da instância, era pra­
ticamente certo que ele recusaria, por via dc regra, a ratificação dos
127

Há, por isso, quem entenda que, neste caso, deve apiN
car-se, directamente ou por analogia, a solução prescrita no
artigo 15." Desde que o representante legítimo não ratifica a
contestação apresentada pelo incapaz ou pelo seu indevido
representante, e, cm virtude disso, a contestação fica sem efeito,
tudo se passa como se o incapaz ou o seu representante não
tivessem deduzido oposição. E, para essa hipótese, manda a lei
citar o Ministério Público, a fim de que, em novo prazo, possa
contestar em nome do incapaz (ou ausente).
A verdade, porém, é que, além de não serem idênticas, as
duas situações nem sequer são análogas, no sentido que a
analogia reveste cm matéria de integração das ilacunas da lei.
No caso previsto no artigo 15.n, chama-se o Ministério
Público a assumir a defesa dos interesses do incaipaz ou do
ausente, porque ninguém apareceu a fazê-lo.
Na hipótese contemplada no n.° 2 do artigo 23.", o inca­
paz passa a ter quem legalmente o represente. Nenhum sen­
tido faria, por conseguinte, chamar o Ministério Púb'lico a
elaborar a contestação do incapaz, numa altura em que esLe
passa a ter no processo a pessoa que legalmente o representa.
A solução que melhor corresponde, no caso em exame,
ao pensamento da lei, é a de — quando o representante legí­
timo não ratifique a contestação apresentada — se considerar
sem efeito, não apenas a contestação, mas também a citação,
considerando o representante legítimo do incapaz como citado
no momento da sua intervenção em juízo e contando, a par­
tir desse momento, novo prazo para a contestação (’)• Dá-se

actos praticados, como a melhor fornia de proteger os interesses do


representado, obrigando pelo menos o autor a propor nova acção.
E essa consequência é abertamente contrária às exigências do
princípio da economia processual.
0) Cfr. o artigo 13.°-C, 3. Paralela às hipóteses previstas no
artigo 23.° — mas não idêntica, nem análoga — é a situação regulada no
artigo 25°, em que a parte se encontra devidamente representada em
íuízo, mas falta alguma autorização (v. g., do tribunal de família para o
tutor propor a acção) dú deliberação exigida por lei. Nesse caso, não
sendo a falta sanada dentro do prazo designado pelo juiz, distingue a lei,
criteriosamente, entre os casos em que a autorização ou deliberação
128

desse modo ao representante legítimo do réu a possibilidade


de oferecer nova defesa, em nome do incapaz ('); só na hipó­
tese de o representante do réu não apresentar contestação é
que o Ministério Público deverá ser citado, nos termos do
artigo 15.°

SECÇÃO III
Legitimidade das partes (*)

SUBBECÇÃO I
Noções gerais

43. Noção (doutrinária) dc legitimidade. Confronto com os requi­


sitos afins.

Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da


questão, julgando a aoção procedente ou improcedente, não

devia ser obtida pelo representante do autor c aqueles em que devia


ser alcançada pelo representante do réu: no 1." caso, será o réu absol­
vido da instância; no 2.°, seguirá o processo como se o réu não tivesse
deduzido oposição. Cfr., entretanto, o disposto no artigo 1940.°, 3, do
Código Civil, cuja doutrina deve ser harmonizada com o artigo 25.”
do Código de Processo Civil.
C) Nesse sentido, A. Castro, ob. cit., ir, pág. 589 e segs.; Alberto
dos R eis , Comentário, 3.°, pág. 396.
(*) Alberto dos R eis , Legitimidade das partes, no Boi. Fac.
Dir., viu, pág. 64, e ix, pág. 106; Código de Processo Civil ano­
tado, i, pág. 72; B arbosa de M agalhães, na Gaz. Rei. Lisboa, anos 32.°,
pág. 279; 50.°, pág. 381; 52.°, pág. 212 e 382; 53.“, pág. 174; e 54°, pág. 278, c
na Rev. Ord. Advogados, u, n.°" 1 e 2, pág. 164; M. Andrade, Algumas
notas sobre legitimidade das partes nas acções anulatórias de parti­
lhas, no Boi. Fac. Dir., x, pág. 583, e Noções elementares de processo
civil, 1979, pág. 83; R aul V entura, na Rev. Just., 27, pág. 165; A nselmo
de Castro, Dir. proc. civ. declaratório, n, 1982, pág. 165; R odrigues
B astos, Notas ao Código de Processo Civil, i, pág. 103; Castro M endes,
Direito processual civil, II, pág. 151; Chiovenda, Istituzioni, I, pág. 164;
Tomei, Legittimazione ad agire, na Enc. del dir.; B etti, Diritto pro-
cessuale, 2.‘ ed., n.° 36, pág. 153; L iebman, Manuale di diritto processuale
civile, i, Milano, 1980, pág. 139 e segs.; Allorio , Diatriba breve sulla
legittimazione ad agire, na Riv. trim. dir. proc. civ., 1955, pág. 122
e segs.; M icheli, Considerazioni sulla legittimazione ad agire, na Riv.
dir. proc., 1960, pág. 566; Carnelutti, Titolarità del diritto e legittima-
129

basta que as partes tenham personalidade ju d ic iá r ia e gozem


de capacidade ju d ic iá ria . É preciso que, além disso, das
tenham legitim idade para a acção, que o autor e réu sejam
partes legítim as. É essencial que, como diria H enckel (’),
estejam no processo, como autor e como réu, as partes exac­
tas (die richtige Parteien).
Ser parte legítim a na acção é ter o poder de dirigir a pre­
tensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível (z).
A parte 'terá legitim idade como autor, se for ela quem juridi­
camente ipode fazer vailer a pretensão em face do demandado,
admitindo que a pretensão exista; e terá legitim idade como
réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se d
procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera
jurídica é directamente atingida pela providência requerida (3).
Se assim não suceder, a decisão que o tribuna] viesse a
proferir sobre o mérito da acção, não poderia surtir o seu
efeito útil, visto não p oder v in c u la r os verdadeiros sujeitos
da relação controvertida, ausentes da lide.
O vendedor, .a quem não seja pajgo o preço, terá le g itim i­
dade para exigir judiciailmente do comprador em mora o seu
pagamento, por ser o demandante, em 'face do direito subs­
tantivo, o titular da relação contratual que serve de funda­
mento à pretensão e por ser o demandado (comprador) o outro
titular da mesma relação, sujeito ao dever correlativo de
prestar.

lione, na Riv. dir. proc. vir, Parte t, 1952, pág. 121; Attardt, Legitli-
mazione da agire, no Nov. Dig. Ital.; S atta, Diritto proccssuale civile, i,
9.1 ed., 1981, Padova, pág. 89 c 135; RosnNBERG-ScuwAB, ob. cit., § 46;
H enckel, Parteilehre und Strcitgegenstand im Zivilprozcss, I-Ieidcl-
berg, 1961, pág. 36 e segs.; Teixeira de S ousa, A legitimidade singular
cm processo declarativo, no B. M. J., 292, pág. 53 e segs.
(') Ob. cit., pág. 37.
(J) Os autores alemães chamam à legitimidade, num a concep­
ção sintética do requisito, abrangendo simultaneamente o lado activo
c o lado passivo do requisito, o poder de condução do processo (die
Prozcssfiihrungsbejugnis): Ro.snNBERC-StiiWAii, oh. cit., § 46, pág. 239.
Liebman (ob. e vol. cita., pág. 141) considera-a, por seu turno, como
a pertinência (appartenenza) subjectiva da acção.
O L iebman , ob. e vol. cits., pág. 139.
9 — Mauual Processo Civil
130

Se for, iporém, o sócio da sociedade comercial, sem pode­


res de administração, quem vem a juízo reclamar o preçu
que o comprador da mercadoria ficou devendo à sociedade,
a pretexto de ter interesse económico no cumprimento, o
juiz deverá pura e simplesmente absolver o réu da instância,
abstendo-se de conhecer do mérito da causa, por ilegitimi­
dade do autor. A pessoa que figura na acção como autoi
não é, perante o direito substantivo aplicável, o titular da
relação contratual que serve de fundamento à pretensão por
ela deduzida em juízo. Titular dessa relação é a sociedade
comercial, a quem não pode vincular a decisão que viesse a
ser proferida num processo em que ela não participa.
Deficiência análoga se registará se, por exemplo, a acção
destinada a ailtorar o exercício de uma servidão de passagem
sobre prédito pertencente a três comproprietários for instau­
rada contra um ou dois deles apenas, visto os demandados
não poderem decidir, por si sós, sobre a oposição a deduzir
à pretensão do autor.
A fim de evitar discussões e decisões praticamente inú­
teis sobre o mérito da causa, em situações do tipo descrito,
é que a lei exiige, no artigo 288.°, 1, como pressuposto pro­
cessual, além 'da personalidade e da capacidade judiciária,
a legitimidade das partes.
Já não se trata, note-se bem, de saber quem pode propor
a acção ou contra quem pode a acção ser proposta. Desde que
tenha personalidade e capacidade judiciária, qualquer pessoa
pode propor a acção em juízo ou ser nela demaindada.
O que se pretende saber, através do requisito da legi­
timidade, é que posição devem ter as partes perante a pre­
tensão deduzida em juízo, para que o juiz possa e deva
pronunciar-se sobre o mórito da causa, julgando a acção pro-
cddente ou improcedente (').
A legitimidade das partes, assim concebida como pressu­
posto processual, distingue-se dos requisitos que interessam
ao mérito da causa.

(') Alberto dos R uis, Legitimidade das partes, no Boi. Fac.


Dir., v iu , pág, 65.
131

Uma coisa é, de facto, saber se na acção de indemniza­


ção estão em juízo os sujeitos do contrato ou do acto jurí­
dico ique serve de fundamento à pretensão do autor; e outra,
muito diferente, é a de saber se o contrato foi efectivamente
realizado, se o foi vailidamente, se do contrato ou acto invo­
cado nasceu o crédito que o autor sc arroga, se esse crédito se
venceu, se o devedor se encontra ou não em mora, se a falta
de cumprimento resultou de facto imputável ao obrigado, se
do não-cumprimento advieram os danos contabilizados na
petição, etc.
A primeira questão, relativa à titularidade dos sujeitos
da pretensão, interessa à legitimidade das partes; todas as
demaiis entram já na órbita do mérito da causa.

Confronto com os requisitos afins. Uma diferença de


carácter intrínseco separa a legitimidade dos dois pressupos­
tos processuais anteriormente analisados.
A personalidade e a capacidade judiciária são qualidades
pessoais das partes— requisitos abstracta ou genericamente
exigidos para que a pessoa ou a organização possa estar em
juízo ou possa actuar autonomamente em relação à generali­
dade das acções ou a certa categoria de acções ('). A legi­
timidade (que pressupõe a personalidade e a capacidade
judiciárias) consiste, pelo contrário, numa posição da parte
perante determinada acção (2) — posição que lhe permite diri­
gir a pretensão formulada ou a defesa que contra esta possa
ser oposta. Precisamente para assinalar esta referência con­

(') As sucursais, agências, filiais ou delegações, que gozam dc


personalidade judiciária cm relação às acções procedentes de facto
por elas praticado, carecem dc personalidade, em princípio (salvo no
caso especial previsto no n.° 2 do art. 7.°), quanto a todas as restantes
acçõcs. E o mesmo pode dizer-sc, mutatis mulandis, relativamente
à capacidade judiciária dos inabilitados, consoanic se trata dc acções
situadas fora ou dentro do perímetro da sua habilitação (art. 153.”, 1,
do Cód. Civil).
0 «A questão da legitimidade, comenta Alberto dos R lis (Código
de Processo Civil anotado, i, pág. 74), é essencialmente uma questão
de posição das partes em relação à lide.»
132

creta da legitimidade à acção, os autores antigos designa­


vam-na por legitimatio ad causam — legitimação para determi­
nada acção— , cm contraposição à legitimatio ad processum,
que era a capacidade judiciária.
Não basta assim saber quem são as partes (em sentido
formal) no processo ('). Para que o juiz se possa pronunciar
sobre o mérito da causa, importa ainda saber quais devem
ser as partes em sentido substancialt porque só a intervenção
destas em juízo garante a legitimidade para a acção.
São também figuras distintas, embora estreitamente rela­
cionadas entre si, a legitimidade, como pressuposto proces­
sual, e a legitimação, como poder de disposição atribuído pelo
direito substantivo ao autor do acto jurídico (2).
Os oradores lesados pelo acto que envolva diminuição
da garantia patrimonial do crédito não teriam, em princípio,
legitimidade (processual) paira requerer a ineficácia desse
acto, visto não serem titulares da relação por ele constituída.
Através, porém, da impugnação pauliana, que coloca o seu
direito de crédito, sob determinados pressupostos, acima do
direito do adquirente, os oredorcs são legitimados para o
efeito de requererem e obterem a ineficácia do acto.

(') Sobre a tríplice perspectiva (material, formal c funcional) por


que pode ser encarado o conceito de parte, vide H enckel, ob. cit.,
pág. 115 e segs.
(!) Vide, entre nós, sobre o conceito de legitimidade no acto jurí­
dico, M agalhães Colaço, Da legitimidade no acto jurídico, no B. M. ]., 10,
pág. 63 c segs.; Teixeira de S ousa, est. cit., pág. 54 e segs.; Torquato
de Castro, Legitimação (Direito material), na Rcv. Dir. Est. Soc.,
ano xxvi, pág. 21 e segs.
Apesar da estreita afinidade que une os dois conceitos, não há
coincidência entre eles (não obstante autorizadas opiniões em con­
trário).
Se um dos cônjuges instaurar contra o outro acção de anula­
ção de certo acto, com o fundamento de que o demandado carecia
de legitimidade (substantiva) para o realizar sem o seu consentimento,
é incontestável que o réu tem legitimidade (processual) para discutir
a validade do acto, podendo o juiz julgar a acção procedente por reco­
nhecer que ele carecia, realmente, dc legitimidade (substantiva) para,
só por si, praticar o acto impugnado. Para maiores desenvolvimentos,
Teixeira de S ousa, est. cit., pág. 61 c segs.
133

No caso de subrogação do credor ao devedor (acção


sub-rogatória), o poder de disposição conferido aos credores
legitimados vai ainda mais longe, abrangendo não apenas o
poder de modificar ou extinguir o conteúdo das relações exis­
tentes na titularidade do devedor, mas também o poder de
constituir determinadas irelações em nome do devedor.
A / / i , n v A i i A n i o n t / i A ^ ri i v
z-m
*1r\ c11 Kct a r*Hvn
s \ L l ^ g u L f l I U Ç í- U J p i l ^ V ^ I l l ^ l H C Ci W j u u j i u i i n T \_/

especial importância no caso dos direitos de titularidade


incerta e no oaso da tutela de interesses difusos (') ou de
interesses de grupos não dotados de personalidade jurídica,
como é o caso típico da família (-).
Assim sucede, por exemplo, no caso de ofensas à perso­
nalidade, ou de violação do direito ao nome, em relação a
pessoa falecida, situação em que as pessoas legitimadas pela
lei substantiva (arts. 71.°, 2, e 73° do Cód. Civil) para o exer­
cício das providências adequadas não são os titulares do
direito lesado, nem actuam como seus sucessores (3) 0 .
A legitimidade distingue-se ainda, como resulta do exposto,
das chamadas condições da acção.
A legitimidade, como pressuposto processual, constitui
um dos requisitos essenciais para que o juiz se possa pro­

(') Sobre a legitimidade no caso de a acção se referir a inte­


resses colectivos ou difusos, vide Di-nti, Le azioni a tutela di interessi
colletivi, na Riv. dir. proc., 1974, pág. 533; CAPPnu.crn, Formazioni
sociali e interessi di gruppo dcivanli alia giustizia civile, na Riv. dir.
proc., 1975, pág. 361; C. F f.sta, La legittimazione ad agire. per la tutela
degli interessi diffusi, na Riv. trim. dir. proc. civ., 1984, pág. 944 e segs.
(•’) É o caso da legitimidade atribuída a certos parentes mais
próximos, e ao cônjuge ou ex-cônjuge, para intervirem cm determina­
das acções, nas quais não estão cm jogo interesses de que eles sejam
exclusivos titídares: cfr. artigos 1639.“ e segs.; 1677.°-C; 1785.“; 1807.“;
1818.°; 1819.“; 1825.“; 1844.“; 1859.“; 1862.“; 1873.“, etc., do Código Civil.
(’) Outros casos existem em que a legitimação aproveita a quem
é apenas contitular do direito que serve de base à pretensão: cfr. arti­
gos 538.“, 1; 1286.“, 1; 1405.% 2; 2075.“ e 2078.“, 1, do Código Civil.
(') O artigo 271.“, 1, contempla um caso especial (de substituição
processual) cm que se reconhecc legitimidade (e não legitimação) para
prosseguir na acção até final, se não promover a sua substituição na
relação processual, a quem deixou de ser titular da pretensão em litígio.
134

nunciar sobre o mérito da causa, condenando ou absolvendo


o réu do pedido. As condições da acção compreendem, por
seu turno, as circunstâncias de facto e de direito necessárias
para que a acção seja julgada procedente.
Uma coisa é saiber se as partes são os sujeitos da pre­
tensão formulada, admitindo que a pretensão exista. Outra
coisa, essencialmente distinta, é apuirar se a pretensão na
verdade existe, por se verificarem os requisitos ide facto e
de direito que condicionam o seu nascimento, o seu objecto
e a sua perduração.
A primeira indagação interessa à legitimidade das pairtes;
a segunda, à procedência da acção.
A legitimidade, baseada na posição (subjectiva) da pessoa
perante a relação controvertida, distingue-se, por fim, do inte­
resse em agir, traduzido na necessidade objectivamente jus­
tificada de recorrer à acção judiicial.
A pessoa pode ser o titular incontestável de certo direito
e, nessa condição, ser parte legítima ipara discutir em juízo
a validade ou o conteúdo da relação constituída, mas care­
cer de interesse em agir se, por exemplo, ninguém contes­
tando a existência de ta'l direito, ele próprio propuser uima
acção (de mera apreciação) destinada a declarar a existên­
cia dele.

«Pode haver direito, comenta certeiramente I sabel


M agalhães Colaço ('), e não haver ainda interesse em
fazê-lo valler judicialmente.»

44. Elemento definidor da legitimidade.

Apoiando-se no ensinamento, ainda hoje bastante impre­


ciso, da doutrina e da jurisprudência francesa, a lei define
a legitimidade (como poder de dirigir o processo) através da
titularidade do interesse em litígiio.
É parle legítima como autor, segundo o critério estabele-

(') Est. cit., pág. 27


135

eido no artigo 26.°, quem tiver interesse directo em deman­


dar. Será pairte legítima como réu quem tiver interesse directo
em contradizer.
O credor terá assim legitimidade para requerer a conde­
nação judicial do devedor no cumprimento, por ser ele o
portador do interesse que a lei substantiva tutela através do
direito de crédito, u devedor terá legitimidade para intervir
como .róu, por ser o portador do interesse oposto, dentro da
mesma relação.
Pelo mesmo raciocínio, o proprietário (não possuidor) da
coisa será pairte legítima como autor na acção de reivindica­
ção, sendo parte legítima como réu o possuidor ou o detentor
da coisa, que se recusa a abrir mão dela.
A mulher não terá legitimidade para reivindicar de ter­
ceiro os bens próprios ido marido, tal como o pai não tem
legitimidade para cobrar judiciailmente os créditos do filho
maior, porque aiem uma nem outro são os portadores do
interesse tutelado pelo direito invocado.
À legitimidade não satisfaz a existònoia de qualquer
interesse, ainda que jurídico (não apenas moral, científico
ou afectivo), na procedência ou improcedência da acção.
Exige-se que as pairtes tenham um interesse directo, seja em
demandar, seja em contradizer; não hasta um interesse indi­
recto, reflexo ou derivado.
O promitente comprador, por exemplo, não tem legiti­
midade paira requerer a declaração judicial de validade do
contrato pelo qual o promitente vendedor adquiriu a coisa
(de terceiro), embora tenha um interesse indirecto na manu­
tenção do contrato. 0 sublocatário, pela mesma razão, carece
de legitimidade para intervir como réu na acção de despejo ('),
apesar de ser indirectamente prejudicado com a resolução do
arrendamento. Sendo a acção proposta, porém, contra o loca­
tário, já nada impedirá que o sublocatário intervenha na

(') Haverá que ressalvar, entretanto, a hipótese de na acção de


despejo sc ter incluído o pedido das rendas em dívida (art. 470", 2) e
o sublocatário se encontrar também em mora perante o sublocador
(art. J063.° do Cód. Civil).
136

acção, por intervenção espontânea, para defender o seu inte­


resse indirecto, mas paralelo ao do réu (').

45. Critério subsidiário (prático) de fixação da legitimidade.

Como o critério assente no interesse directo em deman-


u,ai
____
l/u
___ _____________ _____________________ __ _d u a
c m cu iiu ^ u iz -c i àc p ic iia , a sa Jcía u w iu u iiu aiu o í m

aplicação prática, fixou-se na lei uma regra supletiva para


determinação da ‘legitimidade.

Regra. Sempre que a lei não disponha de outro modo,


considerar-se-ão como titulares do interesse relevante para
o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material con­
trovertida.

«Ser titulair do interesse em litígio, escreve o autor


do projecto do Código de 1939 (2), equivale a ser sujeito
da ireiação jurídica litigiosa.»

>Na acção de indemnização dos danos provenientes de


qualquer acidente, por exemplo, serão partes legítimas a
vítima do acidente (ou seus sucessores), de um Jado, e o
agente causador dele, do outro. E não a companhia segura­
dora do autor da lesão ou as pessoas que vivam na depen­
dência do lesado, porque, apesar de terem interesse em
demaindar ou em contradizer,'não são os sujeitos da relação
material controvertida (3).
A aplicação do critério fixado na lei requer especial cui­
dado na determinação da relação controvertida, sempre que,
no plano substantivo, a principal relação debatida entre as

(') Vide o acórdão da Relação de Lisboa, de 17-11-1980 (Co/. Jur., V,


tomo 5, pág. 16).
O Alberto dos R eis , ob. e vol. cits., pág. 77. Cfr., já antes da
publicação do Código de 1939, no mesmo sentido, o acórdão do S. T. J.,
de 15-5-1928, na R.L.J., 61.", pág. 216.
C) Outra é, porém, a linha de orientação fixada, cm matéria de
seguro obrigatório da responsabilidade civil emergente de acidente de
viação, pelo Decreto-Lei n.° 408/79, de 25-9 (art. 22.°, n.0* 1 e 2).
137

partes se encontre 'ligada, por qualquer nexo de dependência


ou subordinação, a uma outra.
Na acção amdatória dum contrato por erro, dolo ou coac­
ção, por exemplo, a relação controvertida não é apenas a rela­
ção contratuall que se pretende extinguir. Aintes dela, o objecto
do litígio abrange, em primeira linha, o direito potestativo
de anulação conferido por lei, com base no víciu do consenti­
mento, ao contraente enganado ou coacto, só este tendo por
conseguinte (e não tambóm o outro contraente) legitimidade
para requerer, como autor, a anulação do negócio jurídico.
Nas acções (reais) de preferência, para mencionar um
outro exemplo, a relação primeira ou 'directamente contro­
vertida é, de igual modo, o direito potestativo (direito real dc
aquisição) atribuído ao preferente que ilegalmente foi pre­
terido; e só depois vem a relação de compra e venda (ou outra
alienação a título oneroso) de que ele pretende vir a ser titu­
lar. Aquele direito potestativo dirige-se a um tempo contra
o alienante (de quem o preferente pretende adquirir) e contra
o adquirente (a quem ele visa substituir na titularidade do
negócio de aquisição), devendo assim considerar-se sujeitos
da relação material controvertida — rectius: das relações mate­
riais controvertidas — o titular do direito (potestativo) de pre­
ferência, como autor, de um lado, e os sujeitos do estado de
sujeição correspondente (ou sejam, o alienante e o adquirente,
e não apenas o adquirente, como erroneamente se tem aceite
em alguns arestos dos nossos tribunais superiores), como réus,
do outro lado(').
E raciocínio análogo comportam os oasos da impugna­
ção pauliana, bem como da sub-rogação do credor ao devedor
(arts. 606.° e segs. do Cód. Civil), incluindo nesta o exercício
dos créditos da sociedade por quotas contra os seus sócios,

(') No sentido correcto, vide os acórdãos da Relação de Coim­


bra, de 3-6-1977 (Col. Jur., ano u, 4, pág. 795) e de 12-1-1982 (sum. no
315, pág. 328).
Para maiores desenvolvimentos sobre a legitimidade nas acções
de preferência, vide Antunes V arela, anotações aos acórdãos do S. T. J.,
de 28-2-1980 e 25-6-1981 (R .L .J., 115°, pág. 282 e segs.) e de 15-10-1981
(R .L.J., 116.°, pág. 282 e segs.)
138

que o § 1.° do artigo 47.° da Lei de 11 de Abril de 1901 faculta


aos credores da sociedade.

Um outro embaraço que pode suscitar a aplicação prá­


tica do oritério lega! de determinação da legitimidade res­
peita à destrinça entre a titularidade e a existência da relação
controvertida.
À legitimidade, tail como a lei a concebe, interessa saber
quem são os sujeitos da relação controvertida. A questão de
saber se a relação existe ou não existe pertence já ao mérito
da acção.
Nem sempre a destrinça entre os dois problemas será
fáciil. Dir-se-á inolusiva/mente que, numa acção de vindicação
ou de investigação de paternidade, por exemplo, ou na acção
de mera declaração da existênloia ou inexistência de um direito,
em geral, o mérito da acção consiste precisamente em saiber
quem são os sujeitos da relação de filiação ou do direito con­
trovertido.
Certo é, porém, que mesmo nesses casos, que aparentam
maior dificuldade, se torna sempre possível distinguir entre
os aspectos que interessam à legitimidade (como pressuposto
processual) u as questões que respeitam ao mérito da
acção.
Admitamos que, na acção de vindicação de paternidade,
o autor alega que o réu era o mainido da mãe, na altura em
que ele nasceu e foi registado, e que o réu contesta, afir­
mando que não é ele, mas uma outra pessoa, que figura no
assento de casamento da mãe do autor à data da concepção
e do nascimento deste, ou que não é o autor, mas um outro,
o indivíduo a quem respeita o assento do nascimento por
ele invocado.
Trata-se, em qualquer dos oasos, de questões atinentes à
legitimidade. Procura-se saber, neste caso, se são as partes
(ou outros indivíduos) as pessoas a quem respeitam os factos
que servem de fuindamento à acção — se são elas, hoc sensu,
os sujeitos da relação material controvertida.
Os problemas de saber se o casamento do réu e da mãe
do autor era ou não juridicamente inexistente, se urn ou outro
139

fez ou não a deolairação de que o marido não era o pai, se a


presunção da paternidade cessara ou não na altura om que
o filho nascera, esses respeitam já ao mérito da causa.

Excepções. A iregra de que a legitimidade das partes


advém da sua posição de sujeitos da relação material con­
trovertida comporta excepções, como no texto do artigo 26.“, 3,
expressamente se afirma. O critério legal da legitimidade
funciona apenas a título subsidiário.
Há, realmemte, numerosos casos em que a lei atribui legi­
timidade para a acção a quem não ê titular ou só etn parte
é titular da relação material em litígio (')*
Assim sucede nomeadamente com o oaibeça-de-casal, o tes­
tamenteiro, o administrador da massa falida ou insolvente,
a quem é reconhecida legitimidade para intervir em acções
respeitantes a 'relações (substantivas) a que eles são estra­
nhos, das quais não são sujeitos. E o mesmo fenómeno
ocorre, embora por outras razões, com o transanitente por
acto entre vivos da coisa ou direito litigioso, que continua a
ter legitimidade para a causa (art. 271.°, 1), enquanto o adqui­
rente não for, por 'meio de habilitação, admitido a substi­
tuído i(’)-
Como casos típicos de legitimidade reconhecida a quem
só em parte é sujei lo da relação material controvertida, podem
referir-se os do compossuidor (art. 1286.°, 1, do Cód. Civil), do
oredor da prestação indivisível (art. 538.°, ,1, do Cód. cit.), do
comproprietário (airt. 1405.°, 2, do mesmo Cód.) e do co-her-

(') Alguns autores designam estes casos como hipóteses de legi­


timidade extraordinária (vide, por todos, Liebman, ob. cit., i, pág. 142).
O Também no caso de o .acto jurídico ser nulo, a lei reconhece
legitimidade para a acção destinada a declarar a nulidade, se neces­
sária, a qualquer terceiro interessado (art. 286° do Cód. Civil).
O terceiro é, neste caso, um estranho à relação controvertida,
visto a impugnação não assentar num direito potestativo que a lei
discriminativamente lhe reconheça, mas numa faculdade ou poder
geral indiscriminadamente atribuído a todos os interessados. Vide, o
propósito, M. Andrade, A legitimidade nas acções anulatórias..., no Boi.
Fac. Dir., x, págs. 611-612 e nota 19; A. Castro, ob. e vol. cits., pág. 169.
140

deiro (art. 2078.°, 1, do mesmo dipilomà), que gozam, isolada­


mente, de legitimidade (activa) paira propor certas acções de
defesa do seu direito contra terceiros, não obstante eles serem
meros contituilares desse direito.
Há normalmente uma relação de correspondência entre
a legitimação para a acção e o poder de disposição do direito
1í.fí mn /mi nní a n 1 ** jt * 4 s* mVa/i 1/1 / A a í/»rtt /l_
iiLigauA j, uu a cja , ciiu ic cx i e g i t i i r u . u u u t; y * u o c j j u u í t ex i c - g n t -

mação substantiva para os acítos de disposição.


Mas essa coincidência failha em alguns casos.
Umas vezes( tem 'legitimidade para a acção quem não
tem poderes de disposição sobre o direito ou todo o direito
litigado. É o que sucede nas hipóteses contempladas nos
artigos 538.°, I; 1286.°, 1; 1405.°, 2; 2078.°, 1, do Código Civil.
A falta do poder de disposição, nestes casos, faz com que a
sentença desfavorável ao autor não seja oponível, como caso
julgado, aos restantes contitulares do direito (').
Outras vezes, havorá poder de disposição sobre a coisa,
mas pode não haver legitimidade exclusiva para certas acções
relativas a ela. É o caso do comproprietário de coisa móvel ou
imóvel que, tendo a sua quota onerada com qualquer usu­
fruto, penhor ou hipoteca, pretenda requerer acção de divi­
são da coisa comum. Em qualquer destes casos, o usufru­
tuário, o credor pignoratício ou o credor hipotecário devem
intervir na acção de divisão da coisa comum, sob pena de
ilegitimidade (2), sinal de que, não obstante o poder de dis­
posição da sua quota parte de comproprietário, ele não tem
legitimidade para intervir, por si só, na acção destinada a
concretizar essa quota.

46. Relação controvertida que serve de base à legitimidade das


partes.

O critério da legitimidade das partes deu entretanto


lugar a uma dúvida interessante, levantada através das posi-

C) Cfr. Antuni-s V arhi.a, R.L.J., 117°, pág. 381, col. 2, nota 1.


(:) Vide, a propósito, H enckfi., ob. cit., págs. 46 e 50.
141

çõ e s d ivergen tes q ue A lberto dos R e is e B arbosa de Maga­


lhã es su sten taram acerca do e n ten d im en to a dar à fó rm u la

legal (')-
Diz-se que são partes legítimas, em ,p rincípio, os sujeitos
da relação controvertida. Mas qual é a relação jurídica (con­
trovertida) que serve de base a esta determinação: a relaçao
m m a mniFitmrnrão
-------------o -----—T-------
íubiectiva
*
aue
*
o autor (unilateralmentc)
lhe dá ou a relação tal como se apresenta ao iribunal, depois
de ouvidas ambas as partes e de examinadas as razões de
uma e outra? As partes legítimas são as pessoas que o autor
aiponta como sujeitos da relação controvertida? Ou são antes
as pessoas que o juiz, ouvidas as partes e realizadas as demais
diligências necessárias, considera como sujeitos da relação
litigada?
O caso conoreto julgado pelo acórdão da Relação de Lis­
boa, de 16 de Janeiro de 1918 ('-’), sobre o qual os dois ilustres
processualistas se pronunciaram em sentidos opostos, ajuda
a esclarecer os termos da divergência, embora esteja muito
longe de esgotar o seu alcance.
Realizou-se um contrato de venda de certo número (60)
de toneladas de chumbo. O vendedor não cumpriu integral­
mente a obrigação que contraíra e o comprador propôs acção
a exigir a entrega das toneladas (cerca de 20) de chumbo em
falta ou, em alternativa, o pagamento da respectiva indem-
nizaição.
A acção foi proposta contra um comerciante português,
como se fora ele o outorgante do contrato como vendedor.
Mas o réu alegou e provou que agiu como mero intermediá­
rio («sem responsabilidade pessoal», no entender do júri)
duma sociedade espanhola, que era a verdadeira vendedora.
Para B arbosa de M agali-iães, as partes eram legítimas e
a acção devia ser julgada improcedente (como, aliás, fez a

C) B arbosa di? M agalhães, na Gaz. Rei. Lisboa, 32.°, pág. 274; 50.",
pág. 381; 52.°, págs. 212 e 382; 53.°, pág. 172; c 55.°, pág. 27S; Rcv. Ord. Advo­
gados, ano 2, n.0” 1 e 2, pág. 164 c segs.; Estudos sobre o novo Código
de Processo Civil, I, pág. 5 e seg.
(*) Publicado na Gaz. Rei. Lisboa, 32.°, pág. 279.
142

Relação de Lisboa), com o fundamento de que o autor carecia


do direito que se arrogava sobre a pessoa demandada. Para
A lb e r t o dos R e is (‘), as partes eram ilegítimas (como julgara
o. tribunail de 1.“ instância) e o juiz devia aibster-se de conhe­
cer do mérito da causa (saber se do contrato resultou o
direito invocado pelo autor, se o vendedor estava realmente
em falta ou se o nãocumprimento resultou de motivo de
força maior), iporque o réu naida tinha com a questão de fundo
submetida à apreciação do tribunail.
No Código de 1939 vingou a tese do autor do Projecto,
como resulta do relato dos trabalhos preparatórios (2), da solu­
ção dada ao problema da não aceitação da nomeação à acção
por parte do autor (art. 237.°, § único, do Código de 1939)Q

(') Alberto dos R eis , Processo ordinário e sumário, 2.‘ ed,, pág. 268
e segs.; Legitimidade das partes, no Boi. Fac. Dir., anos vm , pág. 64
e segs., c ix, pág. 102 e segs.; Legitimidade das partes, na R. L. J., 79.°,
pág. 305 e segs.; Cód. Proc. Civ. aríot., i, pág. 72 e segs. Cfr. ainda,
sobre a evolução da polémica entre os dois processualistas e suas
sequelas na doutrina e na jurisprudência, E lias da Costa, A legitimi­
dade das partes na doutrina c na jurisprudência, Coimbra, 1965, pág. 12
e segs., e Teixeira de S ousa, est. cit., pág. 60 e segs.
(’) B arbosa di; M agalhães (Estudos sobre o novo Código de Pro­
cesso Civil, i, pág. 16) propôs, durante a discussão do artigo 6.” do
Projecto, que na lei se dissesse expressis verbis que, «sob o ponto dc
vista do interesse, são partes legítimas os sujeitos da pretensa rela­
ção jurídica controvertida».
A proposta foi, porém, rejeitada pela maioria da Comissão Revi­
sora, tendo o artigo 27.° do Código (de 1939) mantido a redacção do
artigo 6.° do Projecto (Rev. Trib., 59, pág. 152; Rev. Ord. Advogados, 3,
n.°" 3 e 4, pág. 72 e segs.; A lberto dos R eis , Cód. anot., i, pág. 73, e
R.L.J., 79.°, pág. 307). Ficou assim bem assente, à luz do argumento
histórico, que a legitimidade (ou o interesse a ela subjacente) se afere
pela posição real das partes quanto à relação jurídica em litígio, como
Alberto dos R eis sugeria no texto do Projecto, e não quanto à pretensa
relação em litígio, como propôs B arbosa de M agalhães na sua emenda
ou aditamento. Vide R aul V entura, Rev. Just., 27, pág. 165 e segs.
O Previa-se nesse preceito (correspondente ao actual n.° 3 do
art. 322°) que o juiz considerasse o possuidor em nome alheio (mas
demandado como possuidor em nome próprio) parte ilegítima na
acção de reivindicação, mesmo que o autor não tivesse aceitado a
143

e, principalmente, da possibilidade reconhecida na 'lei de a


questão da legitimidade não ser resolvida no despacho sanea-
dor, por falta de olemoiutos necessários (art. 514.°, § 1.°, Cód.
cit.), e ser assim relegada para a sentença final (art. 660.°.
ibid.) (').
Mais tarde, no decurso dos trabalhos preparatórios da
revisão do Código de 1939, dos quais 'veio a nascer o Código
de 1961, Palm a C a r lo s apareceu a bater-se pela consagração
legislativa da fórmula de B arbosa dií M a g a liiã u s (')■ Mas «i
proposta foi rejeitada sem hesitações pela Comissão Revi­
sora 0 , tendo o novo diploma ratificado, aperíis vcrbts, o
critério do recurso, não à relação — unilateral, equivocada ou
precipitadamente — configurada pelo autor, mas à relação
definida pelo juiz sobre a contribuição de aimbas as partes
e outros elementos adjuvantes.

«Na falta de indicação da lei em contrário, diz-se no


n.° 3 (do airt. 26.°) que o Código de 1961 aditou ao texto
correspondente (airt. 27.°) do Código anterior, são consi­
derados titulares do interesse relevante para o efeito da

nomeação dc outra pessoa (o real possuidor cm nome próprio) à aeçao.


Sobre a história dessa disposição, vi<lc Aun-RTO dos R uis , Cód. anot., j,
pág. 79 e segs.; acerca da conciliação deste preceito com o artigo 1311°
do Código Civil, vide infra, n.° 49, r.
C) Cfr. as disposições paralelas dos artigos 346.", 2, e 510.“, 2.
Vide M. A ndrade, Noções cit., pág. 84; R. V lktura, csl. cit.; M. R ouri-
cuns, Lições dc direito processual civil, 1940-41, pág. 289. E não sc
diga que contra a tese exposta depõe a doutrina dos artigos 346.°, 1,
c 355°, 4, pois dc nenhum deles se deduz que a legitimidade do opoente
ou do interveniente resulte apenas da configuração por ele dada à
relação.
(’) Pai.m \ Carlos, Projecto de alteração de algumas disposições
dos livros I e I I do Código dc Processo Civil, Lisboa, 1961, pág. 57
e segs.
(') Não e assim exacta a afirmação do que o texto do Código
do 1961 não tomou posição sobre a polémica, como logo se deduz da
informação dada por Pálma ' Carlos (ob. e loc. cits.)'. «A Comissão
Revisora deliberou manter o texto actual» e do comentário que pro­
duz a seguir: «Ficámos vencidos, mas não estamos convencidos».
144

legitimidade os sujeitos da relação material controver­


tida.» (')

A consideração invocada por P alm a C a rlo s — que não


logrou convencer os membros da Comissão Revisora — é a
de não ser possível saber se as partes são ou não os sujeitos
da relação material controvertida, sem previamente se conhe­
cer do fundo da questão. Suponha-se que, ao propor a acção,
A alega ter vendido a B determinada mercadoria e que o
comprador lhe não paga o preço devido, e que B contesta,
protestando não ter realizado semelhante contrato com ò
autor.
Num caso destes, afirma Pai.ma C arlos, não c possível
saber quem são os sujeitos da relação controvertida, sem
apurar previamente se a relação existe: seria assim impos­
sível responder ao problema da legitimidade, obedecendo à
fórmula consagrada no Código dc 1939, sem primeiro se
conhecer do fundo da questão, contra a ordem de precedên­
cia das duas matérias claramente fixada na lei (cfr., entre
outros, os arts. 288.°, 1, d); 510.°, 1, e 660.°, 1).
O exemplo exposto revela bem o equívoco de que parte
a premissa fundamental da tese de Palm a Caklos.
A questão de saber se a relação material controvertida
existe ou não validamente, se o dever jurídico correlativo se
extinguiu ou não, interessa realmente ao mérito da causa (2).

(') A razão justificativa do aditamento consta, cm síntese, da


observação do artigo 26." do «Código de Processo Civil», l.1 revisão minis­
terial, 1963.
O O argumenLo (cfr. Castro M iíndls, ob. e vols. cits., pág. 170)
dc que o réu, demandado para entregar ao autor a coisa x, não pode
validamente requerer se averigúe se essa coisa x deve ser entregue
ao autor por uma outra pessoa (não por cie), manifestamente impro-
cedc. O réu não pode, cm princípio, requerer tal investigação, se o
dever de entrega por ele invocado sc basear num título diferente do
alegado pelo autor. Sc alegar, porem, que a relação material invocada
pelo autor para pedir a entrega da coisa x respeita, não a ele, mas
a outra pessoa, por que lhe não há-de ser lícito fazê-lo na sua defesa?
Por que razão sc não há-de estimular, através da declaração dc ile­
145

Ao problema da legitimidade importa apenas saber, por


seu 'turno, quem são os sujeitos dessa relação — pressupondo
que ela exista — , quais são as pessoas a quem a relação
realmente diz respeito ou a quem ela interessa de modo
directo (‘).
O autor afirma, na acção de cobrança de dívida, ter
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empreSLa-UU CCIia 4UCUHICI O. /l,
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C u w u a im a
1um
11
TV

e outro para reaver a quantia emprestada e para executar,


em caso de necessidade, quer os bens comuns, quer os bens
próprios, tanto de A como de B. Na contestação, os réus ale­
gam, além do mais, que ao tempo da constituição da dívida
A era casado com C e já não com B, de quem entretanto se
divorciara.
Numa acção confessaria de servidão, o autor demanda
apenas D, que aponta como único proprietário do prédio
serviente, vindo o réu alegar, na contestação, que o prédio
pertence também a E (2).
Em qualquer destes casos, bem como em todas as situa­
ções de tipo semelhante, o problema de saber quem são os
titulares da relação creditória ou da pretensão real invocada
é distinto das questões de fundo, que interessam à procedên­
cia ou improcedência da acção (saber se a dívida foi valida­

gitimidade, a vinda dessa pessoa à acção, para utilmente discutir a


relação material invocada pelo autor, se houver prova de que ela
— e não o demandado — é o verdadeiro sujeito dessa relação?
(') Não é esse o problema, no caso concreto, que deu origem,
na Itália, à conhecida polémica entre Caknelutti e A llo rio (cfr. Lieb-
man, ob. cit., i, pág. 140, nota 13). Do que nele se tratava, não era de
saber quem seriam os sujeitos do contrato de transporte que servia
de fundamento à acção, mas de saber se o vendedor da mercadoria,
que celebrou esse contrato com a empresa transportadora, tinha ou
não o direito de indemnização que se arrogava, depois de a merca­
doria ter sido entregue ao comprador, seu destinatário.
(J) Não se objecte que os exemplos do texto respeitam a casos
de legitimidade com pluralidade de partes. Por que razão há-de a
ideia de Barbosa de Magalhães de que a relação jurídica relevante
para o efeito da legitimidade é a configurada pelo autor, quanto aos
seus sujeitos, ser válida para os casos de singularidade e não tam­
bém para os de pluralidade das partes?
10 — Manual Processo Civil
146

mente contraída, se reverteu ou não em proveito comum do


casal, se foi ou não extinta por compensação, etc.; saber se
a servidão se constituiu ou não validamente, se não se extin­
guiu entretanto, etc.) e pode perfeitamente, na generalidade
dos casos, ser solucionado antes delas.
Precisamente com o intuito de separar esses dois aspec­
tos distintos da relaçãoJ ------- contrnvprii^n
- w ,,,. w r fnm «aV U V llliiU U
lim in a r da legitimidade; o u tro, recain d o já n o im p ério su b ­
se q u en te d o mérito da causa), en sin a M. A ndrade (') q u e o
critério da d eterm in ação da leg itim id a d e fix a d o no a rtig o 26.°, 1,
se traduz «em ser o d em and ante (legitim ação activa) o titu ­
lar do d ireito e o d em and ado (legitim açã o p assiva) o su jeito
da ob rigação, suposto que o direito e a obrigação na verdade
existam».
Na mesma 'linha de orientação esorevera, muito antes,
A lb e r t o dos 'Reis Q) que «o proiblema da legitimidade vem a
cifrar-se niisto: parte-se da hipótese de que existem o direito
e a obrigação que se pretendem tornar efectivos e procura
averiguar-se se esitão em jiuízo os sujeitos desse suposto
direito e 'dessa suposta ofbrigação» Q).
Aplioando a doutrina exposta ao exemplo citado por
P alm a C a r lo s , não se torna difícil formular qs soluções exac­
tas em face do critério inequivocamente fixado no Código
de 1961.
Se, na hipótese considerada, B contesta a existência da
relação de compra e verida com A, afirmando, por exemplo,
que interveio no contrato como simples representante de C
e o juiz, depois de ouvir C, se convence da veracidade da
afirmajção, deve B ser efectivamente considerado como parte

C) Noções, pág, 83,


( ) Legitimidade das partes, no Boi. Fac. Dir., viu, pág. 86.
() Vejarri-se, a propósito, os exemplos colhidos pelo autor atra­
vés dos vários tipos de acção anulatória do contrato ou de declara­
ção da sua nulidade.
Em idêntico sentido, apelando de igual modo para a separação
entre a existência objectiva da pretensão e do dever de prestar ou
do estado dc sujeição correspondente e a efectiva titularidade dessa
relação, cfr. Henckel, ob. cit., pág, 16 e segs.
147

ilegítima, dando aso a que o verdadeiro sujeito da relação


possa intervir na acção.
Se, pelo contrário, A afirma (na petição) que celebrou,
verbalmente ou por escrito, com J3, um contrato de compra
e venda, do qual resultou o crédito oujo cumprimento vom
exigir na acção e B contesta, negando pura e simplesmente
i i i ____- ______ 1, ™, ocf'rit'ic ntip n antrtr lhe
a autoria aas uec.raTav*-'c;> vdiuoh wh ^ — ----- —
atribui, som as imputar a outrem, as partes são legítimas, de
acordo com o critério estabelecido no Código de 1961, Autrn
e réu são, efectivamente, os sujeitos da relação material con­
trovertida— supondo que a relação exista. São eles as pessoas
a quem interessa de modo directo a relação material deba­
tida na acção (’).
Se chegair à conclusão de que o réu não proferiu as
declarações que lhe são imputadas ou dc que as declarações
permutadas entre os contraentes não chegaram a formar uni
contrato válido, o juiz julgará a acção improcedente.
A fórm u la de B arbosa de Magalhães, que id en tifica as
p artes legítim as com os su je ito s da pretensa íe la ç ã o con tro­
vertida, ou seja, da relação tal co m o o autor a con figu ra,
se n d o d esn ecessária rpara cob rir o s c a so s raros em q u e o réu
argua em termos absolutos a in ex istên cia da rd a çã o in v o ­
cada p elo autor, tem , por ou tro lad o, o gra v íssim o in con ­
v en ien te de, tomada ao pé da letra, con d uzir a resu ltad os
m an ifestam en te co n trá rio s ao e sp ír ito d o a rtig o 26.“ e aos
p rin cíp io s fu n d am en tais do d ireito p ro cessu a l vigente.
No caso de o autor demandar como consorte do princi­
pal devedor, como sócio da sociedade, como possuidor em
nome próprio ou como único proprietário da coisa, quem já
não era cônjuge do devedor ou já não era sócio da sociedade,

C) Nos mesmos termos se discorre nas «.Noções elementares...»


de M. Andrade {ed. cit., pág. 83, nota 2): «Se, p. ex., o Autor pede o
cumprimento dum contrato, limitando-se o Rcu a negar a sua exis­
tência, a averiguação deste ponto de facto não contende com a legi­
timidade das partes, mas só com a procedência da acção. De modo
análogo quanto a saber se ocorreu o vício (incapacidade, erro, dolo,
coacção, simulação, etc.) com base no qual se pretende a invalidação
dum contrato.»
148

quem possuía em nome alheio ou quem se averigua ser mero


comproprietário do imóvel, a tese da relevância da relação,
tal como foi configurada pelo autor, obrigaria a considerar
o réu como parte legítima e a julgar a acção improcedente (?).
Inquestionável é, no entanto, que, em casos semelhaintes,
sendo um estranho à relação ou um mero contitular do direito
1lflffQ/^n /"
i ,/^om.anl^iOYlA nÕA
\s u u i i u i m u u u A
ó o noceno
icivy i/ a, ju a
/-lio
uw

outir as questões que interessam ao mérito da caiusa. E incon­


testável se nos afigura ainda que a tese oposta, poupando
esta discussão inútil, por um lado, e estimulando, por outro,
a vinda ao processo dos verdadeiros sujeitos da relação mate­
rial controvertida, é a única que se coaduna com o princípio
da economia processual, firmemente enraizado no direito
vigente (').
Identificando a legitimidade das partes, como preten­
diam B arbosa de M agalhães e P alma Carlos , com a titula-
ridade dos s u je ito s da relação configurada pelo autor, o
requisito perderia praticamente todo o interesse que pode
ter no saneamento da causa.
A ilegitimidade passaria a cobrir somente os casos (raros)
de divergência entre as pessoas identificadas pelo autor como
adversários da sua pretensão e as pessoas efectivamente ingres­
sadas em juízo, e os casos (não menos raros) em que da pró­
pria petição transpaireça a conclusão de que o autor diam a
a juízo pessoas que não são os sujeitos da relação contro­
vertida (*) (3).

(') E só essa posição corresponde verdadeiramente também à


ideia, realçada por Anselmo ve Castro (ob. e vol. cits., pág. 168), de que
a legitimidade constitui um corolário do princípio do contraditório,
«base do processo tal qual é estruturado », visando assegurar à sentença
a sua eficácia normal.
C) «Tanto quanto pode e deve pretender-se, escreve A. de Castro
(ob., vol. e loc. cits.) no mesmo sentido, é que o processo corra com
a presença dos legítimos contraditores, para que, dentro do possível,
a sentença elimine o litígio e este não volte normalmente a repetir-se».
Inteiramente divorciada deste pensamento é a posição de Castro
M endes (ob. e vol. cits., pág. 168 e segs.) quando, numa visão puramente
formal do problema, censura o facto de a tese de Alberto dos Reis
149

E é manifesto ter sido outra, bastante mais ampla, a


função que a 'lei, em nome do .princípio da economia pro­
cessual, pretendeu atribuir à legitimidade. Com essa fun­
ção aipenas se coaduna a tese que, afastanuo da acção as
pessoas estranhas à rdlação controvertida ou só parcialmente
interessadas na pretensão, provoque a intervenção na causa
dos verdadeiros sujeitos dessa relação, a partia: do momento
em que seja possível a sua identificação.

47. Soluçáo adoptada no Decreto-Lel n.° 224/82, de 8 de Junho.

Inesperadamente, porém, o Decreto-Lei n.° 224/82, de 8


de Junho (!), ao arrepio da doutrina aceite nos Códigos de 1939
e de 1961, pretendeu introduzir no texto do n.° 3 do artigo 26.°
duas alterações manifestamente apostadas em consagrar a
velha tese de B arbosa de Magalhães (:).

«dar aos sujeitos da relação um tratamento processual discriminado


em face dos outros elementos».
(■') E, se fosse tomada ao pé da letra, a tese de Barbosa de Maga­
lhães poderia conduzir a soluções manifestamente inaceitáveis.
Imaginemos que A, dono de um prédio encravado, instaura acção
de constituição de servidão de passagem contra D, pretenso dono do
prédio, e que B se defende, alegando e provando que ele é mero com-
proprietário (juntamente com C e D) deste prédio. De acordo com a
tese de Barbosa de Magalhães, o réu seria neste caso absolvido do
pedido (e não da instância, apenas). Se, posteriormente em nova acção,
A demandasse B, C e D para o mesmo efeito, poderia B excepcionar
o caso julgado.
Podendo fazê-lo, também C e D, demandados sem B, poderiam
naturalmente alegar e provar que não eram comproprietários exclu­
sivos do imóvel e que a constituição da servidão não poderia ser
obtida apenas à custa dos dois.
(') Alterado, por ratificação, pela Lei n.° 3/83, de 26-2.
(’) O carácter inesperado da modificação legislativa reflectia-se
desde logo no facto s in to m á tic o de na justificação dela (sep. do
B. M. J., 318, pág. 9) se não encontrar uma única razão de fundo a
explicar a rejeição da tese de Alberto dos Reis e a adopção da fór­
mula de Barbosa de Magalhães. Nem sequer se afirma — nem funda-
damente se poderia sustentar— que seja esta última a sufragada pela
doutrina e jurisprudência dominantes. Contra ela, além de Alberto
150

A .primeira modificação consistia na substituição da refe­


rência à «relação material controvertida» pelo simples aipelo
à «relação controvertida»; a segunda, no aditamento da expres­
são «tal como é configurada pelo autor».
A primeira alteração era manifestamente infeliz, pela falsa
ideia que inculcava de que à questão da legitimidade interessa
a relação processual e não a relação material (*).
Certo é, porém, que a relação processual se constitui
— e constitui validamente — com a apresentação da petição
inicial em juízo e a subsequente citação do réu, quer as
partes sejam legítimas ou ilegítimas. Para que a relação
processual se forme validamente basta, .por conseguinte, que
a ipetição não seja liminarmente indeferida ou não se verifi­
que nenhuma nulidade que inutilize todo o processo antes
da citação. Tanto 'basta para que as partes tenham jus a uma
decisão sobre a causa (que é coisa diferente da decisão sobre
o mérito da causa).

dos R eis , se pronunciam, de facto, M. A ndrade (Noções..., pág. 83-84),


R odrigues B astos (Notas ao Código de Processo Civil, 2.* ed., i, pág. 113),
M anuel R odrigues (ob. cit.), R aul V entura (est. cit.), Anselmo de Cas­
tro (ob. e vol. cits., pág. 189) e Antunes V arela (anot. na R.L.J., 114.°,
pág. 138 e segs.). A seu favor, além de P alma Carlos (ob. cit.), vejam-se
Castro M endes (ob. e vol. cits.) e Teixeira de. S ousa (est. cit.).
(') Constitui, nesse aspecto, verdadeira petição de princípio a
premissa puramente formal de que parte Teixeira de S ousa (est. cit.,
pág. 102), ao considerar o «objecto inicial do processo» (traduzido no
pedido e na correspondente fundamentação constantes da petição ini­
cial) como «critério de aferição da legitimidade de ambas as partes».
Por que há-de scr assim, se os pressupostos processuais, como a legi­
timidade, pela sua natureza e função, não interessam especialmente
à formulação da relação processual, mas à obtenção da decisão de
mérito sobre a causa?
Note-se que nem B arbosa de M agalhães, proccssualista eminente,
foi tão longe, no ardor da polémica sobre o tema, ao reconhecer que
a qualidade de sujeito da relação jurídica (tendo manifestamente cm
vista a relação material e não a relação processual) necessita em cer­
tos casos de ser «alegada e provada para que o autor e o réu pos­
sam ser julgados partes legítimas» (vide Gaz. Rei. Lisboa, 32.°, pág. 275,
e Estudos sobre o novo Código..., i, pág. 1516).
151

A legitimidade, tal como os restantes pressupostos pro­


cessuais, constitui um requisito essencial para que o juiz
profira decisão, não apenas sobre a causa, mas sobre o
mérito da acção. E para tal não basta, como a doutrina mais
qualificada desde há muito ensina, ser parte em .'.entido for­
mal ■(*); é essencial ser parte em sentido substancial. Não
basta, noutros termos, saber quem propôs a acção e contra
quem a providência f o i requerida; torna-se necessário sabar
quem devia propor e contra quem devia ser proposta, para
que o juiz possa utilmente conhecer do fundo da causa.
E essa resposta só pode ser obtida em face da relação mate­
rial controvertida 0 .
A segunda alteração visava a consaigração expressa da fór­
mula proposta por B arbosa de M agalhães, rejeitada tanto
pela Comissão Revisora do Código de >1939, como pela Comis­
são Revisora do Código de 1961.
São conhecidos os defeitos gra/ves desta fórmula e pre­
visíveis as divergências a que iria dair aso a sua aplicação
prática.
Embora houvesse razões para crer que a adesão do legis­
lador se referia, não tanto à fórmula de B arbosa de M agalhães
em si mesma considerada, mas ao alcance que o seu autor lhe
emprestava e algumas decisões judiciais lhe têm dado, o novo
texito não deixaria de ter reflexos importantes.
A legitimidade perderia assim grande parte do seu inte­
resse prático como pressuposto processual, passando a ser
julgadas improcedentes muitas acções em que, anteriormente,
o réu era absolvido da instância. Por vintude disso, a m odifi­
cação subjectiva da instância prevista no artigo 269.°, 1, per­
deria também boa parte da sua utilidade.

(') Alberto dos Reis, R. L. 79.“, pág. 308 e os autores italia­


nos aí citados, em abono do mesmo ponto de vista; Henck.ei., ob. cit.,
pág. 37 e segs.; Anselmo de Castro, ob. cit., ii, pág. 168: «para tal é
necessário ... que a acção decorra entre quem esteja na posição de
sujeitos da relação material ou em posição a ela equiparada pela lei».
(') A Lei n.“ 3/83, de 26-2, repôs novamente a fórmula do Código
de 1961 com o apelo à «relação material controvertida» embora man­
tendo a expressão «tal como é configurada peto autor».
152

Para o propósito de ressuscitar a velha fórmula de B arbosa


de M agalhães deve ter contribuído a convicção que se criou
de lhe ser favorável, ao arrepio dos textos da lei, a corrente
dominante da jurisprudência.
Convicção, todavia, infundada., na medida em que alguns
dos acórdãos dos tribunais superiores, à primeira vista con­
trários à doutrina de Alberto dos Reis, são perfeitamente
conciliáveis com ela ou só em parte a contradizem.
Refiram-se, a mero título de exemplo, os acórdãos do
Supremo, de 28 de Fevereiro de 1980 e de 25 de Junho de 1981
(B. M. J., 294, pág. 288, e 308, .pág. 242), ambos eles relatados
pelo Conselheiro Abel de Campos (e anotados por A ntunes
V arela , na R .L .J., 115.°, pág. 277 e segs.).
No primeiro, o autor intentou uma acção de preferência
contra o casal adquirente de certo prédiio rústico, com o fun­
damento de ser proprietário de terreno confinante, de área
inferior à unidade de cultura fixada para a respectiva zona,
tendo a ré alegado que a preiferência competiria antes a
outras proprietárias confinantes que poderiam aproximar-se
mais da unidade de cultura locail.
Com base neste facto, veio a Reflação a considerar o autor
parte ilegítima e absolver, consequentemente, os réus da ins­
tância. O Supremo revogou a decisão, considerando as partes
legítimas e mandando que a Relação conhecesse do fundo
da causa, no recurso para ela interposto.
A nazão está do lado do Supremo, quanto à primeira parte
da decisão.
A alegação da ré não aifeota a titularidade da reilação
material invocada pelo autor, que é um direito de preferência
distinto do que caiba eventualmente aos donos de outros ter­
renos. Se estes, depois de notificados ou de terem conheci­
mento da venda, pretendessem efectivamente fazer valer o seu
direiito, por entenderem que tinham prioridade sobre o autor,
nos termos da alínea b) do n.° 2 do artigo 1380.° .do Código
Civil, teriam de deduzir oposição ao pedido do requerente
ou de ingressar com uma acção de preferência contra este.
Diferente seria o julgamento do caso, se a rc alegasse
que o prédio 'confinante (do autor) não pertejicia apenas ao
153

requerente, mas também a um outio comproprietário. Então,


sim, importaria saber (de accrdo com a tese de A. d os R eis)
previamente, antes de se examinar o fundo da causa, quem
eram os sujeitos do direito potestativo de preferência invocado
pelo autor.
Mais delicada é a hipótese analisaida no acórdão de 25
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damente se .proolama, apertis verbis, que a legitimidade dos


autores se afere, «de acordo com o n.° 3 do artigo 26.° do
C. P. C., pela sua posição na relação materiail controvertida,
tal como esta é configurada na petição inicial».
Neste caso, os autores da acção de preferência, baseada na
comunhão hereditária e na venda a terceiro do direito e acção
à meação do cônjuge sobrevivo no casai comum, vieram desde
logo alegar na petição inicial que eram os únicos preferentes,
visto os demais co-herdeiros terem renunciado expressamente
à preferência nesse negócio.
Os réus adegaram, 'além do mais, que nem todos os her­
deiros renunciaram ao exercício do seu direito.
A Relação, quanido conheceu da matéria em via de recurso,
entendeu que não estava provada documentalmente, como a
lei exige, a renúncia de todos os co-herdeiros e, nessa base,
juilgou os .autores como partes ilegítimas, absolvendo os réus
da instância.
O Supremo, entendendo que a renúncia ao direito de pre-
ferênoia se pode hoje demonstrar por quailiquer meio de prova,
incluindo a testemunhal, revogou o acórdão impugnado, con­
siderou as partes legítimas e mandou que a IRelação conhecesse
das demais questões postas no agravo dos réus.
Neste caso, a decisão do tribunal de revista só em parte
está certa, mesmo no que se refere à questão preliminar da
legitimidade.
Devia, efectivamente, mandar-se prosseguir o julgamento
para que, através de outros meios de prova, se facultasse aos
autores a demonstração da renúncia dos demais co-herdeiros
(neste caso, contitulares da mesma relação material de prefe­
rência invocada pelos requerentes). Mas não pode conside­
rar-se assegurada a legitimidade dos autores pelo simples facto
154

de, na petição, eles terem afirmado a renúncia dos demais


co-herdeiros.
A legitimidade só poderá ser aceite, depois de feita a
prova da renúncia. Não se considerando esta provada, haverá
lugar à ilegitimidade dos autores, podendo estes recorrer ao
processo de n o tif ic a ç ã o para preferência constante do
artieo
U 1465.°
_ --------- F -----> -- ----- - . .«ww iur^wi WU V
CIUV
^J. \J OWU

direito.
0 acórdão posterior, de 16 dc Julho de 1981 (‘), também do
Supremo, tirado .pelo Conselheiro R odrigues B astos com o
brilho e a concisão que distinguem os seus escritos, é que
corresponde à correcta interpretação e aplicação do critério
assente na lei.
Na mesma linha de orientação, os acórdãos do Supremo
de 30 de Março de 1978 (B.M .J., 275, pág. 163), de 26 de
Outubro de 1978 (B . M . J . , 280, pág. 256) e de 21 dc Junho
de 1983 (B. M. J., 328, pág. 523).
Curiosa e bastante significativa também é a fundamen­
tação da decisão .proferida no acórdão (mais recente) de 3
de Maio de 1984 (2).
Também neste aresto, invocando desnecessária e desca-
bidamente a tese da identificação da relação material contro­
vertida com a .relação uniJateraímente configurada pelo autor,
os juizes acabam por considerar o marido como parte legí­
tima na 'acção de despejo da uma loja por ele arrendada para
instalação de um restaurante, snackjbar e cervejaria, não por­
que o autor tenha .proposto a acção apenas contra o arren­
datário ou porque ele tenha afirmado ser a mulher estranha
a í elação locativa, mas porque, sustentando não haver no
caso litisconsórcio necessário passivo, o tribunal (bem ou mal)
entendeu que o marido era realmente o único sujeito da rela­
ção substancial controvertida.

(') Anotado por Antunes Varela, na R.L.J., 116.“, pág. 12 e segs.


(') Publicado no B. M. J., 337, pág. 322.
155

48. Sequência.

Suspensa a vigcncia do Decreto-Lei n.° 224/82, de 8 de


Junho ('), foi entretanto publicado o Dccreto-Lei n.° 242/85,
de 9 de Julho, que nenhuma alteração introduziu na redacção
do artigo 26.° do Código de Processo Civil,
A fixação do conceito de legitimidade voltou assim aos
termos em que ora posta no Código de 1961, aproveitando à
resolução das dúvidas por ela suscitadas todas as considera­
ções desenvolvidas anteriormente à publicação do diploma
de 1982.

49. Aplicações práticas do conceito.

Para consolidar as noções gerais precedentes, convém


definir com maior precisão o requisito da legitimidade, a pro­
pósito dos vários tipos de acções.

I) Nas acções de condenação (om que o autor se arroga


um direito que foi ou está sendo violado pelo demandado),
a legitimidade do autor consistirá em ser ele a pessoa a
quem irespeitam directamente os factos que servem de fun­
damento à pretensão.
O autor diz-se credor do demandado e exige dele deter­
minada prestação, porque, i\g., lhe vendeu certa coisa ou
porque, sendo cessionário de uim crédito, o demandado (como
antigo credor — cedente) recebeu do devedor, não notificado
da cessão, a importância devida.
Será parte legítima a pessoa que celebrou a compra e
venda (ou em nome de quem o contrato foi celebrado) como
vendedor ou a pessoa a quem respeita o contrato de cessão
do crédito (independentemente de saber se o contrato foi ou
não válido, se o devedor foi ou não notificado, se pagou e
quanto pagou, ctc.).

(') A Lei n.° 3/83, de 26-2, que alterou, por ratificação, o Decreto-
-Lei n.° 224/82, viu a sua entrada em vigor suspensa pelo Decreto-Lei
ii." ^6/83, de 2-9.
156

Na aoção de reivindicação, será parte legítima como


autor a pessoa a quem se referir o acto ou facto aquisitivo
da propriedade da coisa.
A legitimidade do réu nas acções de condenação em geral
consistirá, por seu turno, em ser ele — e não outro — a pes­
soa que praticou o facto violador do direito do requeremte (').

Relativamente à ajcção de reivindicação, o Código Civil


de 1966 trouxe consigo uma alteração (ou um esclarecimento)
importamte, que necessita de ser conciliada com o regiqie
fixado na lei processual para o incidente da nomeação à
acção.
Na acção de reivindicação, o autor visa, em regra, um
duplo objectivo: o reconhecimento judicial do seu direito de
propriedade, por um lado; a entrega da coisa, por outro.
O primeiro só é plenamente realizável quando o demandado
não seja possuidor da coisa em nome alheio. 0 segundo pode
ser eficazmente alcançado, quer a acção seja proposta con­
tra o possuidor em nome próprio, quer contra o mero deten­
tor ou ocupante da coisa, quer contra o possuidor em nome
alheio, ao albrigo do direito de sequela.
Assim se explica que o artigo 1311.° do Código Civil per­
mita ao proprietário instaurar a acção de reivindicação, seja
contra o possuidort seja contra o detentor da coisa. Qual­
quer deles é parte legítima como réu na acção, embora a efi­
cácia da sentença seja diferente num caso e no outro.
Se o autor demandar o mero detentor da coisa como tal,
contando, por conseguinte, com o carácter precário do reco­
nhecimento judicial do seu 'direito quando o demandado for
um simples possuidor em nome alheio, a acção seguirá até
final com o demandado, que é parte legítima na acção.
Se, porém, o autor tiver demandado o possuidor cm
nome alheio, não na sua real qualidade, mas como possui­
dor em nome próprio e o demandado quiser trazer à lide

(’) Haja todavia em vista o disposto no artigo 22.” do Decreto-Lei


n.° 408/79, de 25-9. Cfr. o acórdão da Relação de Coimbra, de 21-2-1984
(sum. nó B .M .J., 334, pág. 537).
157

(mediante a nomeação à acção), como lhe incumbe, a pessoa


em nome de quem possui a coisa, a situação muda da figura
e o seu regime é diferente (arts. 320.° c segs.)(l).
A nomeação surtirá o seu efeito, se nem o juiz nem o
autor se lhe opuserem e o nomeado a não repudiar.
Ficará, entretanto, sem efeito, se o nomeado negar a qua­
lidade que lhe é atribuída (2) ou o autor recusar a nomeação.
Neste último caso, atemta a divergência suscitada entre a
posição firme do autor e a alegação do réu, a acção prosse­
guirá para se aipurar, em primeira linha, a real situação do
réu, que o juiz considerará iparte ilegítima, se se provar que
ele possui, de facto, alieno nomine (art. 322.°, 3).

II) Nas acções constitutivas, a relação material contro­


vertida é, em primeiro íugar, o direito potestativo que o autor
se propõe exercer e, em seguida, a relação jurídica que, atra­
vés do direito potestativo, se pretende constituir, modificar
ou extinguir.
Assim, na acção de anulação dum negócio jurídico por
virtude de incapacidade, erro, dolo ou coacção, só terá legi­
timidade como autor o titular do direito (potestativo) de
anulação (a pessoa a quem a incapacidade se refere, seu
representante ou sucessor; o enganado ou coagido). Na
impugnação pauliana (art. 610.° do Cód. Civil), bem como na
genera'lidalde dos casos em que o titular duma relação conexa
com outra pretende, ao abrigo da lei, interferir nesta, a

(') Limitando assim o campo de aplicação dos artigos 320.° c


seguintes, de acordo aliás com o texto da disposição introdutória, aos
casos em que o possuidor em nome alheio seja demandado, não como
tal, mas como possuidor em nome próprio, não existe entre o n.° 3
do artigo 322.” do Código de Processo e o artigo 1311.° do Código
Civil a contradição que alguns autores apontam. Cfr., nomeadamente,
A nselmo nn Castro, ob. cit., n, pág. 167, e Castro M endhs, ob. cit., ir,
pág. 171.
(2) Nesse caso, a qualidade de possuidor em nome alheio não
impede que o réu seja considerado parte legítima, nem que a sentença
tenha força dc caso julgado em face da pessoa nomeada (art. 323.°, 1).
158

legitimidade do aiutor, ligada à dtularidade do direito potes­


tativo, depende da prova do crédito e da sua anterioridade;
a legitimidade passiva, conexionada por seu turno com a titu-
laridade do estado de sujeição e do acto impugnado, consiste
em serem os réus o devedor (alienante) e o terceiro adqui­
rente (').

III) Nas acções de simples apreciação, terá legitimidade


como autor o titular do direito negado ou o sujeito do dever
correspondente ao direito alardeado, ou o titular do direito
ou do dever a quem o facto contestado ou propalado directa­
mente interessa.
O réu deve, por sua vez, paira ter legitimidade, ser o
sujeito do dever jurídico correspondente ao direito negado
ao autor ou o titular do direito afirmado contra este; >no caso
da acção destinada a obter a declaração da existênoia ou
inexistência dum facto, o réu deve sor a pessoa directamente
interessada na versão oposta à do autor.
Sendo o facto provocador da situação de incerteza da
autoria de terceiro (que propalou a notícia da falsidade da
assinatura, da inexistência da servidão, etc.), também este
será parte legítima como o réu na qualidade de sujeito da
situação de insegurança contra a qual o autor pretende rea­
gir. A acção deve, porém, estender-se à contraparte da rela­
ção tornada incerta, para que a decisão a proferir possa alcan­
çar o seu fim.

IV) Nas acções executivas, o prab/lema da legitimidade


encontra-se bastante simplificado pela circunstância de todas
elas terem como base um título executivo,
A execução terá de ser promovida pela pessoa (ou pelo
sucessor da pessoa: art. 56.°) que no título figure como cre-

(') M. Andrade, est. cit., no Boi. Fac. Dir., x, pág. 609, e Noções
elementares, pág. 85, nota 2. Em sentido diferente, Costa N ora.
na Rev. Ord. Advogados, v, n.°' 1 e 2, pág. 322.
159

dor; e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha


a posição de devedor ou seu sucessor (arts. 55.° e 56.°) (').
Tendo a execução por base um título ao portador, terá
legitimidade para promover a execução o portador do título
(art. 55.", 2).
Se a dívida exequanda estiver munida de garantia real,
a execução pode ser directarnetiie instaurada contra o possui­
dor dos bens onerados (art. 56.°, 2), não porque ele seja titu­
lar passivo da relação creditória, mas por ser sujeito (direc­
tamente atingido) do dever geral de omissão ou abstenção
corresipondente à relação real de igarantia.

SUBSECQÀO II

Legitimidade nas relaçfles oom pluralidade


de intoressados

50. Pluralidade de partes. Formas que reveste e sua caracteri­


zação.

Na maior parte das acções, são duas as partes que se


defrontam, integrando com o juiz a relação processual (tri-
lateral).

(') Constitui excepção à regra exposta o caso da liquidação em


execução de sentença, previsto nos artigos 806.° a 809° que, por cons­
tituir uma espécie de processo declaratório inserido na execução,
admite também na posição de executado a pessoa ou entidade para
quem o devedor constante do título haja transmitido o seu débito,
quando, como no caso do contrato de seguro, não seja necessário o
consentimento do credor.
Esta excepção assume especial relevo nos casos de condenação
do réu, em processo criminal, a indemnizar o lesado em montante que
se vier a liquidar em execução de sentença, podendo nesta ser deman­
dada a seguradora para a qual haja sido transferida a responsabili­
dade civil do executado.
Tal 6 claramente admitido pelo artigo 57.° do Código dc Processo
Civil, quando conjugado com o disposto no artigo 153.° do Código de
Processo Penal.
160

É o proprietário que, como autor na acção de reivindi­


cação, demanda o possuidor ou o detentor da coisa, comis.
réu. É o portador da letra que acciona o aceitante, para
obter o pagamento. É o marido que requer o divórcio con­
tra a mulher.
A regra, no processo, é, por conseguinte, a da dualidade
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e requerido), embora no mesmo processo o autor possa
cumular dois ou mais pedidos contra o réu, nos termos do
artigo 470.° (cumulação objectiva) Q).
Muitas vezes, porém, em lugar de um só autor ou de um
só réu, a acção tem vários autores ou é proposta contra dois
ou mais réus.
À dualidade das partes substitui-se nesses casos a plura­
lidade das partes: pluralidade activa, se a acção é proposta
por dois ou mais autores contra o mesmo réu; pluralidade
passiva, se o autor demanda simultaneamente vários réus;
pluralidade mista, quando a acção é instaurada por dois ou
mais autores contra vários réus.
Nem sempre a cumulação subjectiva reveste a mesma
natureza, procede da mesma fonte ou se constitui no mesmo
momento.
Na tocante ao primeiro ponto, a lei distingue nos arti­
gos 27.° e seguintes entre o litisconsórcio e a coligação,
podendo acrescentar-se a essas duas figuras os casos de plu­
ralidade de partes proveniente da intervenção de terceiros
(arts. 320.° e segs.).
Se os vários credores de uma obrigação plural (seja ela
solidária ou conjunta) demandarem o mesmo ou .os mesmos
réus, haverá um caso de litisconsórcio, visto o pedido se
fundar numa relação material respeitante a várias pessoas
(cfr. art. 27.°). Se dois promitentes compradores, exibindo
dois contratos-promessa distintos, mas obedecendo ao mesmo

(') RiiDKNrr, Gindizio civile ccrn pluralità di parti, 1, 1911; Chio-


venda, Principii di diritto processitale, 4.‘ ed., 1928, pág. 1073; Mor-
tara, Commentario del Codice..., 3.* ed., ni, Milão, pág. 503; Ltebman,
ob. cit., i, pág. 90 c segs.
161

tipo ou padrão, demandaram o mesmo promitente vendedor


para obterem a interpretação e execução de cláusulas nego­
ciais perfeitamente análogas, a pluralidade das partes reves­
tirá a forma de coligação (art. 30.°, 2), porque os dois pedi­
dos procedem de relações materiais distintas.
No litisconsórcio, há pluralidade de partes, mas unicidade
da relação material controvertida (’); na coligação, à plurali­
dade das partes corresponde a pluralidade das relações mate­
riais litigadas, sendo a cumulação permitida em virtude da
unicidade da fonte dessas relações (2), da dependência entre
os pedidos (3) ou da conexão substancial entre os fundamen­
tos destes (*)•
A intervenção de terceiros pode conduzir nalguns casos
ao litisconsórcio ou à coligação, mas dola podem brotar tam­
bém figuras distintas e autónomas de pluralidade.
É o caso típico da assistência, em que não há litiscon­
sórcio, porque não há comunhão de partes principais, mas
em que, ao lado delas, passa a figurar na acção uma parte
acessória (secundária ou dependente).
E é ainda o caso especial da oposição, em que uma ter­

(') Neste sentido, já no domínio do Código de 1939, antes da cla­


rificação da matéria devida aos textos do Código de 1961, Palma Cari.os.
Ensaio sobre o litisconsórcio, Lisboa, 1956, n.° 25, pág. 113 e segs.
(especialmente, pág. 126). Cfr. o acórdão do S. T. J., de 30-11-1983,
no B.M .J., 331, pág. 484.
(2) Haverá coligação baseada na identidade da causa de pedir,
quando, por exemplo, as diversas vítimas do mesmo acidente deman­
darem, na mesma acção de indemnização, o condutor, o dono do veículo
e a seguradora responsáveis pelos danos.
(J) Haverá coligação fundada na relação de dependência entre
os pedidos, se a mulher (abandonada pelo marido) e o filho pedirem
na mesma acção a fixação ou a alteração dos alimentos devidos pelo
cônjuge culpado.
(*) Poderá haver coligação fundada na conexão jurídica exis­
tente entre os fundamentos dos pedidos, se dois ou mais segurados
demandarem a sua seguradora, na mesma acção de indemnização,
baseados em factos distintos, mas que envolvam a interpretação e
aplicação da mesma cláusula contratual do seguro-padrão.
11 — Mauuo.1 P toccpso Civil
162

ceira parte se enxerta na acção, ^com uma pretensão que não


coincide, nem com a do aiutor, nem com a do réu (art. 344°).
No âmbito da figura geral do litisconsórcio irefere ainda
a lei duas modalidades diferentes: diferentes quanto aos seus
pressupostos e diferentes quanto ao seu regime processual.
Trata-se do litisconsórcio voluntário, em que a cumulação
depende exclusivamente da vontade das partes, e do litiscon-
sóraiio necessário, em que a cumulação resulta de determi­
nação da lei, de prévia estipulação dos interessados ou da
naitureza da relação jurídica.
Sendo necessário o litisconsórcio, entende-se que há uma
só acção com pluralidade de sujeitos (airt. 29.°) — tendo esta
unidade da acção reiflexos profundos, não só na questão da
legitimidade das partes, mas também nos efeitos dos acitos
praticados por uma das partes sobre o seu litisconsorte (')•
Se for voluntário, entende-se que o litisconsórcio gera ape­
nas uma acumulação de acções e que cada um dos consortes
actua com independência em relação aos outros (2).
Quanto à sua fonte, a pluralidade das partes pode ser

(') Vide os artigos 197.°, a) e b) (falta de citação de um dos réus);


298.° (confissão, desistência ou transacção individual); 683.° (recurso
interposto por um dos consortes); 684.°, 3 (revelia de um dos consor­
tes). Cfr. Palma Carlos, ob. cit., pág. 222 e seg.
O A confissão, a desistência ou a revelia de um dos consortes,
bem como a transacção por ele efectuada, nenhuma influência exer­
cem, em princípio, sobre a situação dos restantes (cfr., entretanto, o
disposto nas ais. a) e b) do art. 485.°).
Tem-se inclusivamente entendido, na doutrina mais que na juris­
prudência alemã, que um dos consortes pode ser apresentado como
testemunha por outro contra outro consorte, relativamente à preten­
são deste: RosENDnRC-ScHWAB, ob. cit., § 49, n, 1, c). E não se duvida
de que o resultado da acção (desde a verificação dos pressupostos
processuais até ao julgamento das excepções e da impugnação) pode
ser diferente de litisconsorte para litisconsorte: cada úm deles dirige
a sua acção, independente da outra.
Mas também se não podem ignorar, nem subestimar, os vínculos
que a unidade do processo estabelece entre as várias acções, no que
nomeadamente se refere ao processamento destas, à produção de prova
e ao próprio julgamento da matéria de facto que seja comum a todas
as acções cumuladas ou a algumas delas.
163

voluntária (como sucede nos oasos de coligação ou litiscon­


sórcio da iniciativa das partes), legal (quando imposta por
lei) ou provocada (quando o terceiro intervém no processo
por chamamento do autor ou do réu: arts. 347.° e 356.°), não
conhecendo o direito processual vigente o litisconsórcio ou
a coligação judicial, isto é, o chamamento das pairtes (a fim
de integrarem o contraditório) por determinação ou iniciativa
do juiz.
Quanto ao momento da sua formação, a pluralidade das
partes, nomeadamente o litisconsórcio, pode ser inicial ou
sucessiva.
Diz-se inicial a pluralidade que nasce com a propositura
da acção: seja porque a aoção é proposta por vários autores
ou contra mais de um uféu, seja porque é instaurada por vários
autores 'contra vários réus.
É sucessiva, quando só surge após a proposição da acção,
como sucede nos casos de intervenção de terceiros, de cha­
mamento de alguém ao proccsso, como autor ou como rcu,
a fim de sanar a ilegitimidade de uma das partes (arts. 23.°;
269.°, 1; 288.°, 2, e 494.°, 2).

51. O iltlsconsórdo e a legitimidade das partes (*).

Conhecidas as diversas formas que assume a pluralidade


das partes, interessa saber que relação existe entre a mais

(*) Palma Caklos, Ensaio sobre o litisconsórcio, 1956; Fairen


G uillén , Sobre el Utisconsorcio cn el proceso civil, nos Estúdios de
derecho procesal, 1955, pág. 125; N encione, Uintervento voluntário con-
sorziale nel proccsso civile; Tarzia, II litisconsorzío facollativo nel
processo de primo grado, 1972; S egni, Intervento in causa, no Nov.
Dig. Ital.; Tomei, Alcuni rilievi in tema di litisconsorzío necessário,
na Riv. dir. proc., 1980, pág. 669; B alena, Effeti delta domanda c
litisconsorzío necessário, na Riv. dir. proc., 1979, pág. 604; B lomhyhr,
Einzelanspruch und gemeinscltaftlicher Anspruch von Miterben und
Miteigentumern, no ACP, 159, pág. 385; H olziiammer, Parteihiiufung und
cinheitliche Streipartet, 1966; H assolo, Die Voraussetiungen der beson-
deren Streitgenossenschaft, 1971; Civ in in i , Note per uno studio sul
litisconsorzío «unitário» com particolare riferimento al giudizio di
primo grado, na Riv. dir. proc., 1984, pág. 429 e segs.
164

importante dessas formas de pluralidade, que é o litisconsór­


cio, e a legitimidade idas partes.
Convém para esse efeito distinguir entre os casos de
litisconsórcio voluntário e os casos de sinal oposto (litiscon­
sórcio necessário).

Litisconsórcio voluntário. O regime-regra, válido para a


generailidaide das relações jurídicas com pluralidade de sujei­
tos, é o do litisconsórcio voluntário.
Os sujeitos da relação plural não têm que intervir em con­
junto na acção, emboía possam fazê-lo se quiserem. Só que,
intervindo isoladamente, o juiz apenas pode e deve conhecer
da quota-parte que o sujeito tenha no direito ou no dever
litigado. Tratando-se, por exemplo, de uma obrigação con­
junta com pluralidade de credores, estes podem, se quiserem,
demandar em conjunto o devedor (comum) para dele exigi­
rem judicialmente o cumprimento da dívida. Mas nada obsta
a que qualquer deles instaure isoladamente a cobrança da
dívida, não podendo nessa altura o tribunal conhecer senão
da quota-parte que o demandante tenha no crédito comum,
mesmo que o autor tenha requerido a cobrança de toda a
dívida (‘).
Se a lei (ou a estipulação das partes) permitir, como
sucede em alguns casos de contitularidade 'de direitos reais (2),
que o direito (comum) seja exercido contra terceiros por um

(') O factp de a acção ser instaurada por um só dos credores


(ou contra um só dos devedores, no caso da obrigação com vários
devedores, sujeita ao regime da conjunção) não provoca, por conse­
guinte, a ilegitimidade das partes como expressamente (embora sem
estrita necessidade) se afirm a no artigo 27.°, 2 (in fine). Alberto dos
Reis (Cód. anot., i, 3.* ed., pág. 88) considera a disposição necessária
para acautelar o risco de se considerar o autor parte ilegítima quando
pedisse toda a prestação e não apenas a parte que lhe compete.
(2) Veja-se o disposto nos artigos 1286.° (defesa da composse),
1405.°, 2 (reivindicação da coisa comum feita pelo consorte) e 2078.°
(pedido de entrega dos bens da herança em poder de terceiro, por
parte dc um dos co-hcrdeiros), todos do Código Civil.
165

só dos seus contitulares, ou que a prestação devida seja exi­


gida de um só 'dos obrigados, continuará a haver litiscon-
sórcio voluntário, se dois ou mais deles propuserem a acção
contra terceiros ou se 'dois ou mais devedores forem simulta­
neamente demandados.
Se, porém, só um deles instaurar a acção, o tribunal
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da obrigação.
É o que ocorre, por exemplo, no caso da obrigação com
vários devedores, sujeita ao regime da solidariedade. Se o
credor, no uso da faculdade que este regime lhe confere,
exigir do único devedor demandado a totalidade da presta­
ção, o tribunal nem pode considerar parte ilegítima o réu
do qual a dívida foi cobrada, nem sequer pode limitar-se
a conhecer da quota-parte da responsabilidade dele na dívida
comum.

Litisconsórcio necessário. Diversamente se passam as coi­


sas nos casos de litisconsórcio necessário, em que a falta de
qualquer dos interessados determina a ilegitimidade dos
intervenientes na acção.
Há litisconsórcio necessário, sempre que a lei ou o negó­
cio jurídico exijam a intervenção de todos os interessados,
seja para o exercício do direito, seja para reclamação do
dever correlativo.
Entre os casos de litisconsórcio (necessário) prescritos na
lei, destacam-se os seguintes: a) as acções de que possa resultar
a perda ou a oneração de bens que só por 'aimboç os cônjuges
possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos
possam ser exercidos e as acções emergentes de facto praticado
por ambos os cônjuges ou apenas por um deles, mas em que
pretenda obter-se decisão capaz de ser executada sobre bens
comuns ou sobre bens próprios do outro cônjuge (arts. 18.°
e 19.° do Cód. Proc. Civil e art. único da Lei n.° 35/81, de 2.7-8);
b) acção de preferência baseada em direito de preferência
pertencente a vários (con)titularcs, nos termos do artigo 419.°
do Código Civil; c) acção de venda e adjudicação de penhor,
166

no caso de a garantia ter sido constituída por terceiro


(art. 1008.°, 3) (')•
Como exemplo típico de litisconsórcio necessário prove­
niente de negócio jurídico pode citar-se o da acção destinaida
a exiigir a restituição da coisa depositada por duas ou mais
pessoas, tendo-se estipulado que a coisa só poderia ser levan­
tada por todos os depositantes em conjunto (e não apenas
por algum ou alguns deles).
Além dos casos em que seja directamente imposto por lei
ou por negócio jurídico, o litiscojisórcio tonna-se ainda neces­
sário, sempre que, pela natureza da relação material contro­
vertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial
para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
São os casos que, numa formulação bastante mais imper­
feita, o § 62 do Código de processo alemão pretende atingir,
quando se refere às relações jurídicas controvertidas que têm

(') Pergunta-se, entretanto, no caso de litisconsórcio necessário


activo, como há-de proccdcr o interessado que pretenda propor a
acção, quando os outros interessados, cujo concurso é requerido, o
não façam, por determinação ou por inércia.
Na falta de solução indicada na lei (haja em vista o direito de
preferência que, pertencendo a vários titulares, deva todavia ser exer­
cido só por um deles: art. 419.°, 2, do Cód. Civil e art. 1460° do Cód.
Proc. Civil), tem-se entendido que o interessado pode provocar a
intervenção principal dos seus consortes, nos termos dos artigos 356.°
e seguintes (Alberto dos Reis, ob. cit., 3." ed., I, págs. 97 e 525, e
R.L.J., 81.°, pág. 205 e segs.; Lopes Cardoso, Manual dos incidentes da
instância, pág. 191; Gama Prazeres, D o s incidentes da instância, 1963,
pág. 228; em sentido contrário ou diferente: Anselmo de Castro, Rev.
Dir. Est. Soc., m , pág. 226; Castro Mendes, Subsídios para o estudo do
direito de intervenção, na Rev. Ord. Advogados, xn, n.°‘ 3-4, pág. 185;
Palma Carlos, ob. cit., pág. 241 e segs. e, com dúvidas acerca da melhor
solução, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, i, 2." ed.,
pág. 120). E essa é, de facto, a solução exacta, não por aplicação
directa, mas analógica (arg. a maiori ad minus) dos textos legais invo­
cados em seu apoio: se o interessado na propositura da acção pode
provocar a intervenção (forçada) de quem apenas exerce um interesse
paralelo ao seu (embora distinto dele), por maioria de razão lhe será
permitido fazê-lo em relação a quem, sendo contitular do seu direito,
fará valer o mesmo interesse que ele. Neste sentido, o acórdão do
S. T. J., de 28-2-1975, no B, M. J., 244, pág. 235.
167

de ser decididas unitariamente (einheitUche) em face de todos


os interessados.
Há realmente situações em que, «pela natureza 'da relação
substantiva sobre a qual recai a acção, a falta de algum ou
alguns dos interessados impede praticamente a decisão que
nela se proferisse de produzir qualquer efeito útil.
É esse o caso típico da acção de divisão de coisa comum
(art. 1052.°) (') ou da acção anulatória da partilha(2).
Suponhamos que o imóvel ouja divisão é requerida na
acção pertence a quatro comproprietários e que o autor
demanda apenas um dos seus con titulares. A decisão que,
em semelhantes circunstâncias, fixasse a parte concreta de
cada um dos dois interessados no prédio comum não teria
nenhum efeito útil, porquanto qualquer dos dois restantes
comproprietários poderia requerer mais tarde nova divisão e
esta não teria que respeitar a divisão anteriormente efec­
tuada.
Noutros casos de contitularidade, a falta de um ou alguns
dos interessados já não obstairia a que a decisão proferida na
acção produzisse algum efeito útil, consubstanciado em certo
resultado definitivo, mas impediria que ela alcançasse o seu
efeito normal. O efeito normal da decisão, quando transitada
em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação con­
creta debatida entre as partes (3).
Suponhamos, assim, que o dono de certo prédio, que se
arroga a titularidade de uma servidão de passagem sobre o

(') Cfr. R. L. ]., 75.°, pág. 295. Quanto à divisão de águas comuns,
veja-sc o disposto no arligo 1399.° do Código Civil.
(’) Manuel de Andrade, no Boi. Fac. Dir., x, pág. 630. Cfr. no sentido
do texto, o acórdão do S.T. J., de 27-3-1984, no B.M.J., 335, pág. 265.
O Foi esse o critério expressamente fixado pelo Código de 1961,
através do 2° período do n.° 2 do artigo 28.°, para definir o efeito nor­
mal da decisão da causa. Cfr. Alberto dos Reis, Jurisprudência crí­
tica, i, pág. 100, e R. L. J ., 77.°, pág. 210, e M anuel de Andrade, Scientia
Jurídica, vil, pág. 185 e segs.
Sobre a evolução histórica deste pensamento e da consequente
delimitação do litisconsórcio necessário nos arestos da nossa juris­
prudência, veja-se o instrutivo levantamento feito por Palma Carlos,
ob. cit., n.° 29, pág. 164 e segs.
168

prédio vizinho, pertencente a três comproprietários, sendo a


servidão estorvada ou .contestada, propõe acção confessória
de servidão apenas contra um ou dois dos seus vizinhos.
Neste caso, a decisão que desse ganho de causa ao autor
já produziria algum efeito útil, na medida em que os deman­
dados já não poderiam negar validamente a existência do
direito que ao vencedor fora reconhecido; mas não produzi­
ria o seu efeito normal, porquanto o comproprietário que não
foi demandado e a quem a decisão proferida não vinculava,
poderia continuar a negar a existência da servúdão.
Nestes dois núoleos de situações, em que a presença de
todos os contituiares da relação é essencial ao efeito útil nor­
mal da 'decisão a proferir na acção, a falta de qualquer deles
provoca a ilegitimidade dos restantes (para intervirem na
proposição ou contestação da causa) (’)■
Ficam deliberadamente para àquem da linha divisória
traçada na lei entre o litisconsórcio voluntário e o litiscon­
sórcio necessário os casos em que a .falta de um ou alguns
dos interessados na relação material não impede a decisão
de regular definitivamente a situação concreta entre os liti­
gantes, embora possa dar ilugair a decisões ilógicas, contradi­
tórias nos seus fundamentos, relativamente a situações nas­
cidas da mesma relação.
Suponhamos, para exemplificar, que o sucessível mais
próximo do de cnius, falecido com testamento, propõe em
juízo uma acção anulatóriá deste negócio jurídico, baseada
na incapacidade acidental do testador, mas demandando ape­
nas alguns dos contemplados nas disposições testamentárias
(legatários ou herdeiros instituídos).
Não haverá, nesse caso, ilegitimidade dos demandados,
porque a decisão a proferir na acção pode regular definiti­
vamente a situação concreta entre as partes (2), conquanto

0)
Cfr. o acórdão do S. T. J., de 15-12-1981, anotado por A n t u n e s
na R.L.J., 117.", pág. 349 e segs., especialmente pág. 380 e segs.
V a r e la ,
Q Vide, a propósito, o acórdão do S. T. J., de 17-11-1885 (Acs.
do S.T.J., vi série, ix (1885-1886), pág. 260); em sentido diferente, o
acórdão do mesmo Tribunal, de 28-2-1975, no B.M.J., 244, pág. 235.
169

desse modo se não previna a possibilidade de decisões teori­


camente contraditórias em relação a outras disposições con­
tidas no mesmo testamento 0 .

52. A coligação (ou conjunção) de partes e a Ilegitimidade.

A coligação de autores, bem como a conjunção de réus,


previstas no artigo 30.°, são, por via de regra, voluntárias,
como se depreende da própria redacção do artigo 30.° («É per­
mitida a coligação...»; «É igualmfemte lícita a coligação...») (2).
Consequentemante, o facto de uma só das duas ou três
vítimas do acidente de viação ter demandado o condutor
do veícuilo, culpado do acidente, paira deile exigir a indem­
nização dos danos sofridos, não determina a ilegitimidade
do autor, apesar de na acção faltarem titulares de direitos de
indemnização paralelos, fundados na mesma causa de pedir (3).

(') Os tribunais têm exagerado, num ou noutro caso, o alcance


da fórmula usada na lei para definir o âmbito do litisconsórcio, con­
siderando este necessário em todos os casos de comunhão de inte­
resses e de identidade da causa de pedir, quando os fundamentos do
pedido não se limitam a algum ou alguns dos interessados. É típico
neste aspecto o caso decidido pelo acórdão do S. T. J., de 29-11-1949
(23. M. J., 16, pág. 203), em que foram julgados partes ilegítimas os
herdeiros e legatários da pessoa a quem o autor, médico, prestara
serviços cuja retribuição pretendia cobrar, pelo facto de não terem
sido demandados todos os legatários da falecida. Veja-se a aprecia­
ção crítica do acórdão feita por Alberto dos Reis, na R. L. J., 83.°, pág. 105.
Cfr., ainda, o acórdão do S. T, J., de 1-5-1951 (B. M. J., 25, pág, 282), no
qual injustificadamente se considera essencial, numa acção negatória
de comunhão sobre determinada água, a proposição dela contra todos
os terceiros que se arroguem direitos sobre a água, sendo certo que,
com a decisão a proferir, a situação concreta entre a autora e os
demandados poderia ficar definitivamente regulada: e tanto bastaria
para garantir à decisão o seu efeito útil normal.
(!) O artigo 58° prevê a coligação voluntária na acção executiva.
Vide, a propósito, o acórdão do S. T. J., de 8-11-1984, no B. M.J., 341,
pág. 394.
(’) No caso de a responsabilidade do demandado vir a fundar-se
no risco, haverá que ter em conta a doutrina do assento do S.T. J.,
de 29-5-1956, no B.M .J., 57, pág. 329. Cfr., a propósito, o acórdão do
S.T.J., dfi 7-12-1983, no B.M .J., 332, pág. 451.
170

Nada obsta, porém, a que, seja por determinação da lei


ou do negócio jurídico, seja pela conexão existente entre as
diversas causas de pedir, os pedidos formulados ou os fun­
damentos destes, a coligação dos autores ou a conjunção dos
réus se tornem necessárias.
Como exemplo de coligação necessária legal pode refe­
rir-se a convocação dos oradores e do cônjuge 'do cxccutado,
prescrita no artigo 864.°
Como exemplo de coligação necessária, para que a deci­
são a proferir possa produzir o seu efeito útil normal, caibe
mencionar o caso do construtor que vendeu os apartamentos de
um edifício a diferentes pessoas, mediante contratos do mesmo
padrão ou modelo, levamtando alguns compradores, após a
realização do negócio, a questão de saber se na garagem do
edifício eles adquiriram, por força do contrato, direitos autó­
nomos a lugares determinados ou apenas a contitularidade do
direito de propriedade sobre toda a área (comum) da garagem (').

bubseooao ui

Os oOnJuges o a legitimidade processual

53. Situação judiciária dos cônjuges e localização sistemática da


sua regulamentação.

Enquanto a organização jurídica da família obedeceu ao


modelo da sociedade patriarcal herdado do direito romano,
eram numerosas e graves as restríições que advinham do casa­
mento para a intervenção dos cônjuges — especialmente da
mulher casada — em juízo.
Entendia-se que a mulher casada sofria, em toda a sua
vida jurídica, de uma verdadeira incapacidade, não só de exer­
cício, mas também de gozo de direitos. Não de uma incapa­
cidade em termos absolutos, como ser. isoladamente conside-

^ ^ propósito dos poderes do tribunal para julgar da conve­


niência em admitir a coligação voluntária, cfr. o acórdão do S. T J.
de 30-11-1983 (B.M.J., 331, pág. 484).
171

raido. Mas de uma incapacidade em termos relativos, perante


a pessoa ido marido, considerado o cônjuge naturalmente mais
apto, pdas qualidades próprias do sexo, para gerir os inte­
resses do casal. A gestão administrativa do marido, assim
exercida por 'direito próprio, ait>ramgiia não só os actos de
interesse comum, mas também os interesses próprios da
11» m / tw* •
Ml«1

«Ao marido, proclamava o artigo 1185.° do Código


Civil de 1867, de acordo com essa primitiva concepção
da saciedade conjugal, incumbe especialmente a Obriga­
ção de proteger e defender a pessoa e os bens da mulher;
e a esta a de prestar obediência ao marido.»

Na sequência da mesma linha tradicional de pensamento,


consagrava o artigo 1192.° desse diploma legislativo a regra de
que a mulher casada não podia estar em juízo sem autoriza­
ção do marido.
O Código de Processo Civiiil de 1939 não se afastou ainda,
substancialmente, do esquema recebido da legislação do século
anterior, quando no corpo do artigo 18.°, a propósito da capa­
cidade judiciária activa da mulhert estabeleceu estes dois prin­
cípios: «A mulher casada tem a mesma capacidade judiciária
activa que o marido, quando, por ausência ou impedimento
deste, lhe pertença a administração dos bens do casal (')■
Enquanto o marido exercer a administração, a mulher
só poderá propor acções destinadas a fazer valer os seus
direitos próprios e exolusivos de natureza extra-pa t rim on ia 1,
para o que não carece de autorização marital».
O Código Oilviil de 1966, adaptando à sociedade conjugal
um modelo inteiramente diferente (o da sociedade diferen­
ciada, assente na colaboração dos cônjuges, dotados de igual
capacidade), procurou eliminar toldas as 1limitações injustifi-

(') Cfr., a propósito, o acórdão do S.T. J., de 1-7-1958 (B .M .J., 79,


pág. 439), no qual curiosamente se distingue entre a situação (de capa­
cidade) da mulher, enquanto solteira, e a situação dela (de incapaci­
dade judiciária) após o casamento.
172

cadas ao livre exercício dos direitos' individuais dos cônjuges


e abolir a ideia obsoleta da incapacidade natural relativa da
mulher em face do marido, apesar de manter o princípio ins­
titucional do marido como chefe de família.

«Tanto o marido como a mulher, afirmava o novo


diploma numa das 'disposições mais significativas do
modelo por ele consagrado, têm legitimidade para contrair
dívidas sem o consentimento do outro cônjuge.»

O Decreto-Lei m.° 47 690, de 11 de Maio de 1967, que intro­


duziu no Código de Processo Civil de 1961 as alterações impos­
tas pelo novo sistema do direito oirvil constituído, adaptou a
doutrina dos artigos 17.° a 19.° ao novo estatuto civil ida mulher
casada. Mas, embora tenha omitido a referência à capaci­
dade judiciária dos cônjuges, continuou a 'regular a matéria
da intervenção dos cônjuges em juízo na secção que trata da
personalidade e capacidade judiciária, como se de uma ques­
tão de capacidade judiciária realmente se tratasse (*).
Certo é, porém, que a necessidade de intervenção de
ambos os cônjuges, ou de um deles com o consentimento ou
o suprimento do consentimento do outro, nas acções gene­
ricamente referidas nos artigos 18,° e 19.° do Código de Pro­
cesso Civil e no artigo único, n.° J, da Lei n.° 35/81, de 27
de Agosto, se não deixa reconduzir, sob uma perspectiva de
natureza sistemática, à ideia da incapacidade judiciária.
A falta de intervenção, de consentimento ou de suprimento
do consentimento do outro cônjuge não determina, em bom
rigor, a incapacidade do cônjuge demandante ou do cônjuge
demandado.
A incapacidade judiciáiria radica, pela própria natureza
das coisas, numa deficiência física, psíquica ou anímica que,
afectando as faculdades -naturais de entendimento ou de voli-

() E o mesmo oconeu, íiiutcitis mutandís, com tis alterações que,


por inspiração do novo princípio constitucional da igualdade jurídica
dos cônjuges (art. 36.”, 3, da Const. da República), fofam introduzidas
nos artigos 17.“ c 18.” pelo Decreto-Lei n.° 368/77, de 3-9,
173

ção (l), reolamá a colaboração de outrem, em substituição


ou como assistente do incapaz, para este estar em juízo ().
E não é esse o caso de qualquer dos cônjuges, que não
necessita da colaboração do outro por motivos dessa índole,
mas apenas para salvaguarda da unidade de direcção dos
negócios do casal.
A necessidade da presença de ambos em determinai.as
acções advém apenas, portanto, do facto de um deles, isola-
ladamente, não ter poderes bastantes para dispor do pro­
cesso. Trata-se assim de uma questão de legitimidade, e não
de capacidade judiciária, como poderia depreender-se da erró­
nea inserção sistemática da regulamentação da matéria ().

54. Legitimidade (legitimação) activa dos cônjuges.

A regra que o novo texto do artigo 17.° (devido ao Dec.-


-Lei n.° 368/77, de 3-9) justificadamente extrai do princípio
da igualdade jurídica dos sexos é a de que o casamento não
produz efeitos sobre a capacidade judiciária dos cônjuges.

(') Dir-se-á que tal não ocorre nos casos geralmente considerados
de incapacidade, tanto do falido e do insolvente, como de outras pes­
soas em situação análoga.
Simplesmente, também nesses casos (onde alguma inaptidão natu­
ral, de qualquer modo, transluz de facto na sua situação patrimonial
— elemento que não se verifica cm relação à mulher casada em geral) se
poderá questionar, não só a propriedade da terminologia tradicional,
como o rigor do pensamento sistemático que lhe subjaz.
(>) Vide, por todos, M. Andrade, Teoria geral da relação jurídica,
Coimbra, 1983, i, pág. 32; Antunes V arina, anotação ao acórdão do S.T. J.,
de 5-3-1981, na R. L. ]., 115.", pág. 122; M ota P into, Teoria Geral do Direito
Civil, Coimbra, 1985, pág. 221.
(!) Em sentido diferente, no intuito de justificarem a aplicação
do disposto no artigo 24.' à falta de um dos cônjuges na acção, vide
o acórdão da Relação de Évora, de 17-4-1974 (B.M.J., 236, pág. 200) e
o acórdão da Relação do Porto, de 8-3-1979 (B .M .J., 286, pág. 306).
Note-se, porém, que para justificar tal aplicação sc não torna indis­
pensável atribuir à falta do cônjuge, no seu reflexo sobre a situação
do outro, a qualificação infundadamente aceite por estes acórdãos.
Basta aplicar o disposto naquele preceito legal, que refere indirecta­
mente a falta de consentimento do outro cônjuge (mediante a remissão
para o art. 23”), fora da hipótese da incapacidade judiciária.
174

As ressalvas estabelecidas à regra surgem ainda no âmbito


do preceito legail como casos de incapacidade ou de restri­
ções à capacidade judiciária, mas outro é o novo espírito de
tais limitações.
E quais são então as acções que exigem a intervenção de
ambos os cônjuges, sob pena de ilegitimidade?
Convém distiwguir neste aspecto, de acordo com a siste­
matização da .própria lei, entre a legitimação activa (acções
que devem ser propostas por ambos os cônjuges) e a legitimi­
dade passiva (acções que devem ser propostas contra ambos).
Devem ser propostas por ambos os cônjuges Q) as acções
de que possa advir a perda ou oneração de bens que só por
ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só
por ambos possam ser exercidos (2).
Aponta-se, por conseguinte, no traçado da divisória legal,
para um duplo elemento: a) paira a natureza dos bens ou
direitos a que a acção se refere; b) para a índole da acção,
quanto ao risco (de perda; de ficar sem a coisa ou o direito) (3)
que a sua decisão envolve (eventum litis).

(') Em lugar de intervirem ambos, pode nestes casos (de interven­


ção conjunta necessária para assegurar a legitimidade activa das par­
tas) intervir apenas um deles, mas com o consentimento do outro
(art. 18.°, 1) ou com o respectivo suprimento judicial (art. 1684°, 3, do
Cód. Civil c art. 18.°, 2, do Cód. Proc. Civil). Quando, assim sucede,
quem por via de regra intervém na acção c o cônjuge titular da coisa
ou do direito a que a acção se refere; e quem dá o seu consentimento
é o outro. Mas nada obsta a que a intervenção se processe em sen­
tido contrário, sendo o marido, por exemplo, quem, com o consenti­
mento da mulher, reivindica um imóvel ou o estabelecimento comer­
cial pertencente a esta. Se assim for, o marido intervirá como repre­
sentante da mulher, mas actuará também ele como verdadeira parte
no plano processual, e como portador do interesse próprio que lhe
cabe defender sob a veste de membro da sociedade conjugal, no plano
do direito substantivo.
(!) Não parece assim defensável a tese de A. Castro (Direito
processual civil declaratório, II, pág. 120) de que podem ser propos­
tas pelo cônjuge administrador as acções de rescisão, ou de anulação de
contratos dc compra de bens (sem distinguir entre móveis e imóveis),
com o fundamento de que a aquisição de bens constitui mero acto de
administração.
(*) Castro Mendes, Direito processual civil, li, pág. 75.
175

Relativamente ao primeiro elemento, haverá que conju­


gar as regras estabelecidas no artigo 18.° do Código de Pro­
cesso Civil com os preceitos dos artigos 1682.° e seguintes do
Código Civil, onde se enumeram os aedos de disposição de
bens (relativos a móveis comuns, móveis próprios ou imóveis)
que necessitam do consentimento de ambos os cônjuges.
Dessa conjugação resulta que necessitam do consenti­
mento de ambos os cônjuges a generalidade das acções relati­
vas a imóveis comuns ou próprios (salvo se entre os cônjuges
vigorar o regime de separação e se não tratar da casa de
morada da família), a móveis comuns cuja administração
caiba a ambos eles, a móveis utilizados conjuntamente por
ambos na vida do lar ou como instrumento comum de tra­
balho ou a móveis pertencentes ao cônjuge que os não
administra(')■
Quanto ao segundo elemento, o risco de perda que a
acção envolve há-de medir-se através da possível improce­
dência do pedido formulado pelo autor.
Assim, necessitará do consentimento de ambos os côn­
juges a acção de reivindicação do imóvel pertencente a um
deles apenas, desde que casado em regime de comunhão (de
adquiridos ou de comunhão geral), visto a acção envolver o
risco de perda duma coisa que só por ambos pode ser alie­
nada (art. 1682.°-A, 1, a), do Cód. Civil) (2). Mas já não será
necessário o consentimento do cônjuge não proprietário para
a acção de despejo ou para a acção de majoração da renda,
visto nenhuma delas envolver o risco da perda do imóvel ou
de direitos que só ,por ambos possam ser exercidos. Tall como
não será necessário o consentimento do cônjuge iproprietário
paira a acção de condenação que o cônjuge administrador ins­
taure com o fim de cobrar o preço da ailienação dos frutos

(') Relativamente a direitos que só por ambos os cônjuges podem


ser exercidos, vide os artigos 1682.°-A, 2, 1682.”-B e 1683.°, 2, do Código
Civil.
(!) Vide, a propósito,. Vasco L. Xavier e M. Henrique Mesquita,
Rev. Dir. Est. Soc., xxvi, pág. 59 e segs., e o acórdão do S. T. J., de 28-
-6-1984, no B.M .J., 338, pág. 409.
176

da coisa por ele gerida, por se tratar 'de uim aioto ide adminis­
tração ordinária (art.11682.°, 3, b), in fine, do Cód. Civil).

55. Legitimidade (legitimação) passiva dos cônjuges.

Relativamente às acções que devem ser propostas contra


ambos os cônjuges (litiscansórcio necessário passivo), sob
pena de ilegitimidade, aiponta o artigo 19.° as acções emer­
gentes de facto praticado por ambos os cônjuges, ou par
um deles, mas em que pretenda obter-se decisão susceptível
de ser executada sobre bens comuns ou sobre bens próprios do
outro, e ainda as acções compreendidas no artigo 18.° (‘).
Para exacta compreensão do ailcance deste preceito, há
que conjugá-lo com as disposições da (lei civil que distinguem
entre dívidas comunicáveis e dívidas incomunicáveis dos côn­
juges (arts. 1691.° a 1694.° do iCód. Civil) e estabelecem o
regime de cada uma destas categorias (arts. 1695.° e segs. do
mesmo Código).
Se a acção emerge de facto pratioado por ambos os côn­
juges (um contrato em que marido e mulher intervieram
como outorgantes, um acto ilícito que um e outro pratica­
ram), caso em que as obrigações dele decorrentes são por
via de regra comunicáveis (arts. 1691.°, 1, a), e 1962.°, b),
por arg. a contrario, do Cód. Civil), amlbos devem ser deman­
dados, a fim de ser devidamente esolarecida desde logo a
situação de facto que serve de base à pretensão do autor.
Se a acção emerge de facto praticado por um deles ape­
nas, quer a obrigação dele decorrente seja comunicável, quer
seja incomunicável, cabe ao autor optar, de acordo com os
termos da alternativa estabelecida na Jei, entre a solução de
demandar ambos os cônjuges ou demandar somente o autor
do facto 0 .

(') Deve assim ser proposta, não só contra o cônjuge arrenda­


tário, mas também contra o outro, a acção de despejo relativa à casa
de morada da família (cfr. o art. único, n.° 1, da Lei n.° 35/81, de 27-8).
(’) Pode, efectivamente, acontecer que o facto ilícito gerador da
dívida incomunicável produza um enriquecimento sem causa, ou em
177

No caso 'de o autor demandar ambos os cônjuges, sendo


a acção julgalda procedente, o autor poderá íicair munido de
um título executivo oaipaz ide ser executado contra bens
comuns ou contra os bens próprios do cônjuge que não seja
autor do facto, consoante a natureza da dívida e o ‘regime
para ela instituído peilo direito substantivo.
No caso de ser demandado apenas um dos cônjuges, o
título obtido pelo autor, ainda que a acção seja julgada pro­
cedente, não poderá ser executado sobre bens comuns (nem
sequer sobre os referidos mo c.° 2 do airt. 1696.° do Cód. Civil),
nem sobre bens próprios do cônjuge não demandado, seja qual
for a natureza da dívida.
E se, neste último caso, a deoisão proferida não determi­
nar a natureza incomunicável da dívida, o cônjuge demandado
poderá opor-se à execução da sentença sobre os seus 'bens
próprios, mediante embargos de terceiro contra a peiihara
(art. 1037.°, 2, in fine), alegando 'que a dívida é comunicável
e que por ela, amtes dos seus bens próprios, respondam os
bens comuns, nos termos do artigo 1695.°, 1, do Códiigo
Civil? O

benefício de bens comuns ou do património próprio do outro cônjuge


(não autor daquele facto). E só ao credor competirá, nesse caso, ajui­
zar da vantagem de demandar simultaneamente os dois cônjuges ou
cada um deles, isoladamente.
(') Em sentido negativo, A l b e r t o d o s R e i s (Execução por dividas
dos cônjuges, no Boi. Fac. Dir., xn, pág. 212 e segs.) parece susten­
tar que é ao cônjuge demandado que incumbe, na acção declarativa,
alegar a sua ilegitimidade, se entender que a dívida, cujo cumprimento
lbe é exigido, é de natureza comunicável. Outra solução possível é a
de se entender que sobre o cônjuge demandado só recairá o ónus
de invocar a sua ilegitimidade ou de chamar o outro à demanda, nos
termos previstos peia alínea d) do artigo 330.°, se o autor requerer que
a dívida seja declarada incomunicável. Limitando-Se este a invocar o
seu crédito (sem qualificar a dívida correlativa) e a inadimplência do
devedor, para justificar a condenação deste na prestação devida, e não
se pronunciando consequentemente a sentença sobre a natureza comu
nicável ou incomunicável da dívida, quem sofre as consequências da
omissão é o autor (a quem ela é imputável) e não o réu. Em sentido
diferente, A n s e l m o d e C a s t r o , A acção executiva singular, comum e
especial, 3.* ed., 1977, pág. 119 e segs.
12 — M a n u a l Proceseo C ivil
178

Tendo a dívida sido declarada incomunicável, na acção


instaurada 'apenas contra o cônjuge devedor, a execução da
deoisão só poderá abranger imediatamente a meação do con­
denado nos bens comuns, depois de esgotados os seus bens
próprios, quando não ihaija Jugar à moratória estabelecida no
n.° 1 do artigo 1696.° do Código Civil, devendo nesse caso ser
requerida a citação do cônjuge do executado, nos termos do
disposto no n.° 2 do 'artigo 825.° do Código de Processo Civil.

56. Suprimento do consentimento de um dos cônjuges.

Pode suceder que a acção, devendo ser proposta por


ambos os cônjuges, seja instaurada por um deles apenas, ou
que, devendo ser demandados um e outro, o autor tenha cha­
mado só um deles ia juízo.
Nesse caso, cabe ao juiz, nos termos dos artigos 23.°
e 24.°, fixar o prazo dentro do qual a ilegitimidade deve ser
suprida.
Se a intervenção ou o consentimento do cônjuge for
necessária para garantir a legitimidade do outro como autor,
duas hipóteses cumpre distinguir.
A primeira, prevista no artigo 23.°, c a de o cônjuge fal-
tante intervir no processo, fazendo-o espontaneamente ou
■por virtude da intervenção requerida pelo cônjuge autor, na
sequência da notificação feita a este pelo juiz nos termos do
artigo 24.°
^ A segunda, compreendida já no âmbito do n.° 3 do
artigo 25.°, é a de o cônjuge falltamte, apesar de requerida
a sua intervenção, não querer intervir na causa ou, tendo inter­
vindo, não querer ratificar os actos anteriormente praticados.
Nesse oaso, suspensos os termos da causa, .poderá o
cônjuge interessado tenta/r obter o suprimento judicial do
consentimento do outro, nos termos do airtigo 1425.° (cfr.
art. 18.°, 2), sob pena de o réu ser absolvido da instância
(art. 25.°, 3).
Sendo o suprimento concedido, no interesse da família
(art. 18. , 2), o cônjuge demandante passa a ter legitimidade
para, só por si, conduzir a aoção.
179

Se a ilegitimidade resultar de a acção ter sido proposta


contra um só dos cônjuges, devendo amlbos ter sido chama­
dos. e o autor persistir em não promover a citação do outro,
a consequência setrá a albsodvição da instância do cônjuge
demandado, nos termos do artigo 28°, 1, a menos que venha
a ser reformado, por via de recurso, o despacho referente
à legitimidade.

SECÇÃO IV
O Interesse processual (*)

57. Noção. Distinção das figuras próximas.

Entre os pressupostos processuais referentes às partes,


deve ainda incluir-se o interesse processual, embora a lei lhe
não faça referência expressa(')-
O interesse processual consiste na necessidade de usar do
processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção.

(*) Attardi, Uintercsse ad agire, Padova, 1955; Idem, Interesse


ad agire, no Nov. Dig. Ital.; Allorio, Bisogno di tutela giuridica?,
em Problemi di diritto, Milano, 1957, i, pág. 227; G arbagnati, Azione ed
interesse, Jus, 1955, pág. 316; Lanfranchi, Note sulVinteresse ad agire,
na Riv. trim. dir. proc. civ., 1972, pág. 1093; L iebman, ob. cit., I, n.° 74,
pág. 135; Schõnke, Das Rechtsscfwtzbediirfnis, no ACP, 150, pág. 216;
S tephan, Das Rechtsschutzbediirfnis, 1967; W ieser , Das Rechtsschutz-
interesse des Klàgers im Zivilprozess, Bielefeld, 1971.
(') São vários, entretanto, os Códigos estrangeiros que dele fazem
expressa menção. Segundo o artigo 3.” do Código brasileiro, por exem­
plo, «para propor ou contestar acção é necessário ter interesse e legi­
timidade». E o artigo 267.'’ completa o sentido da exigência legal, man­
dando extinguir o processo, sem julgamento do mérito, «quando não
concorrer qualquer das condições da acção como a possibilidade jurí­
dica, a legitimidade das partes e o interesse processual» (vi).
Em análogo sentido, dispõe o artigo 100." do Código italiano que
«para propor uma acção ou para conlestá-!a, é necessário ter nisso
(avervi) interesse». O Código alemão não conhece uma disposição com
esse alcance geral, mas faz referência expressa ao requisito do inte­
resse a propósito das acções de simples apreciação (§ 256 ZPO) e das
acções de condenação em prestação futura (§ 259).
180

Chamam-lhe os autores italianos interesse em agir e


dá-lhe a doutrina germânica, com maior propriedade, o nome
de necessidade de tutela judiciária (Rechtsschutzbedurfnis).
O iautor tem interesse processual, quando a sitiuação de carên­
cia, em que se encomtre, necessite da intervenção idos tribunais.
Se ninguém contestou o direito do dono do terreno, nem
viodou por qualquer forma as suas faculdades de uso e fruição
da coisa, é evidente a falta de interesse na acção que ele pro­
ponha para fazer (reconhecer o seu direito de propriedade
pe(los proprietários vizinhos. Se a empresa mineira, obrigiada
a fornecer, durante dois anos, duzentas toneladas 'de minério
jpor mês, cumprir pontuallmente, durante o primeiro ano, a
obrigação assumiida, nenhum interesse processual terá a socie­
dade credora em accionar a devedora para obter a condena­
ção dela mo fornecimento das prestações ao ilongo do seguindo
amo de vigência do contrato (').

O interesse processual avulta especiailmente do lado do


autor, mas não deixa de existir também por parte do deman­
dado. Simplesmente sucede que, do lado deste, o interesse
processual (no prosseguimento da acção) existe, em princípio,
desde que a acção (proposta com ou sem interesse) foi instau­
rada contra ele. Neste sentido se compreende o disposto no
artigo 296.°, seguindo o quall a desistência da instância depende
da aceitação do réu, desde que requerida após o oferecimento
da contestação (n.° 1), e a desistência do pedido não prejudica,
em princípio, o prosseguimento da reconvenção (n.° 2) (2).
Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessi­
dade de recorrer às vias judiciais, como substractum do inte­
resse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta,

() Do exemplo dado se colhe imediatamente a diferença exis­


tente entre o interesse processual na acção e o interesse substantivo
na prestação (subjacente à pretensão deduzida em juízo). A credora
tem interesse nas prestações futuras compreendidas no objecto do
contrato, mas não tem interesse na acção de condenação nessas pres­
tações, atento o cumprimento pontual da empresa fornecedora.
O M. Andrade, Noções..., pág. 80.
181

a única ou a última via aiberta paira a reallização da pretensão


formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessi­
dade de satisfazer um mero capricho (de vindicta scvbrc o rcu)
ou o puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico)
de obter um pronunciamento judiciail.
O interesse processual constitui u m requisito a meio
_
___
___
___
___
_í A a C' í t\i i c Pvl.Dp.çp mr\r Frj rV-íl
ic r u iiu ClliLi C U ô lu u ia u jJ iro u-v a.n.wwywwo* lJ'"r X---- J"
dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar
mão do processo ou de fazer prosseguir a acção (‘) — mas não
maiis do que isso.
O interesse processual não se confunde com os restantes
pressupostos processuais.
0 demandante pode ter personalidade judiciária, gozar
de capacidade judiciária ou estar devidamente representado
ou assistido, e, todajvia, não ter interesse processual, por não
estar necessitado de recorror à acção. Os primeiros pressu­
postos referem-se a qualidade ou atributos incientes à pessoa
dos litigantes, enquanto o interesse processual se reporta à
situação objectiva de carência em que ele se encontra.
E também se não identifica a legitimidade, embora assente
no interesse em demandar ou em contradizer, com o interesse
processual.
O autor pode ser o titular da relação material litigada e
ser con sequentem ente a pessoa que, em princípio, tem inte­
resse na apreciação jurisdicional dessa relação e não ter,
todaivia, em face das circunstâncias concretas que rodeiam
a sua situação, necessidade de recorrer à acção (2). Uma coisa
é, de facto, a tituilaridade da relação material litigada, base
da legitimidade das partes; outra, substanciallmente distinta,

C) W ihser, ob. cit., pág. 238 e segs.


O Inversamente, pode suceder que exista necessidade de obter
a providência judiciária requerida (porque haja violação do direito e
se torne necessária a intervenção do tribunal para a remover, p. ex.)
e, todavia, a pessoa que a requer não seja o verdadeiro (ou o único)
titular da relação litigada.
Nesse caso, haverá interesse processual, mas faltará, em contra­
partida, a legitimidade da parte.
182

a necessidade de 'lançar mão da demanda, em que consiste o


interesse em agir.
Duas razões ponderosas justificam a relevância do inte­
resse processual, cuja necessidade transparece em algumas
disposições Jegaiis.
Pretende-se, por um lado, evitar que as pessoas sejam
.nrPipâmiiíiQ^cíimftnto ,frwr/*oi/1<ie r»
y 1 Wllj/Jl kV ISAiyUUUJ a

sob cominação 'de uma sanção grave, a 'defesa dos seus inte­
resses, numa altura em que a situação 'da parte contrária o
não justifica.
Prooura-se, por outro lado, não sobrecarregar com acções
desnecessárias a actividade dos tribunais, oujo tempo é escasso
para aculdir a todos os casos em que é reallmente indispensável
a intervenção jurisdioionaJ.

38. Análise prática do conceito.

Para mdlihor compreensão do exacto alcance do interesse


processual, coruvém precisar os termos da sua aplicação aos
diversos tipos de acções.

A) Nas acções de condenação e nas acções executivas,


o interesse processual resulta da simples alegação de violação
do direito do autor, visto a este não ser lícito fazer justiça por
suas mãos.
Se a acção de condenação tem por base uma relação cre-
ditória, bastará que o autor impute ao réu alguma das formas
de não-cumprimento do dever de prestar (inadimplemento,
mora ou cumprimento defeituoso ida obrigação). Tendo por
base um direito real ou um direito de personalidadet bastará
também, para haver interesse processual, que o autor allegue
qualquer forma de ofensa desses direitos.
Em oienihum dos casos será necessária a tentativa prévia
(infrutífera) de obter a reintegração do direito violado por
via extrajudicial.
Nas a/cções condenatórias, precinde-se em alguns casos,
a títullo excepcional, da violkção actual do direito, conten­
tando-se a lei com a simples previsão de tal violação. Aldimi-
183

te-se, com efeito, o pedido de condenação in futurum em três


tipos diferentes de situações:

a) No caso da obrigação de prestações periódicas, sem­


pre que o dovedor deoxe de cumprir alguma das pres­
tações vencidas, o credor pode incluir no pedido de
uuiiuaiid^au
_
-I___
___
h/uhj
_js-isisif si f r\ y * o e tn rf\ t> c
^
1t i mr P M f í / l C
-— ~ —— —
aíl

termo da 'respectiva obrigação (art. 472.°, 1).


b) No oaso ida obrigação de restituir, subsequente a um
contrato de prestação duradoura, pode pedir-se a res­
tituição in futurum, sempre que a falta de um título
exeoutivo capaz de assegurar a imediata irealiização
coactiva da prestação devida possa causar grave pre­
juízo ao credor (art. 472.°, 2).
c) No caso da obrigação ainda não (vencida, quando a
exiistência da obrigação seja contestada antes da data
do seu vencimento (art. 662.°, 1).

Do disposto no artigo 472.° depreende-se, com efeito, que,


no caso de prestações periódicas, não existe interesse proces­
sual na acção de condenação, se o devedor não deixar de cum­
prir nenhuma das prestações vencidas e que, no oaso de
prestações futuras, não há, em regra, interesse processual na
aioção de condenação, enquanto a obrigação se não consti­
tuir Q.
O artigo 662.°, segundo o qual a inexigibUidade da obri­
gação, no momento em que a aoção é proposta, não obsta
à condenação do réu (sem prejuízo do prazo fixado para o
cumprimento), pode, à primeira vista, 'dar a impressão de
contrariar o requisito do interesse processual.
Importa advertir, porém, que esse preceito (como resulta

{') Importa, com efeito, distinguir entre os casos em que a obri­


gação tS futura, por ainda se não ter constituído (v. g., renda corres­
pondente a um período de fruição do imóvel que ainda não começou
a correr) e aqueles em que, estando a obrigação jd constituída, ainda
se não venceu. Vide Galvão Teu.es, Direito das obrigações, 4.* ed.,
Coimbra, 1982, n.° 79, pág. 181.
184

do seu texto, da sua localização e dos respectivos trabalhos


preparatórios (')), só vale para a sentença. Não é aplicável,
nem ao despacho liminar, nem ao despacho saneador.
Se, pela simples leitura da petição, o juiz verificar que
o autor pede a condenação do réu numa prestação ainda não
vencida, deve indeferir liminarmente a petição (art. 474.°, 1, c),
in fine). Se chegar a essa conclusão 'logo denois dos articula­
dos, deve indeferir a .pretensão do autor no despacho sanea-
dorc e deve fazê-ilo, não absolvendo o réu simplesmente da
instância, mas absolvendo-o do pedido (sem prejuízo do dis­
posto no art. 673.° e n.° 4 do art. 510.°) (2) (3).
A consagração de doutrina diferente para a elaboração
da sentença (saltando sobre a falta de violação do direito do
autor no ipróprio momento em que a sentença é proferida)
exiplioa-se apenas por uma razão de economia processual.

(') A. dos R f.is , Código de Processo Civil anotado, v, 1952, pág. 72.
Cfr. ainda, a propósito da interpretação do artigo 662”, a anotação de
Vaz S erra ao acórdão do S. T.J., de 30-4-1976, na R.L.J., 110”, pág. 160.
O Nesse preciso s e n tid o , comentando o acórdão do S. T. J.,
de 26-2-1946, escreve A. dos R e is (ob. cit., v, pág. 80) o seguinte:
«Portanto, na altura destes dois despachos o juiz tem de observar, não
as normas excepcionais insertas no artigo 662.°, mas as normas gerais
e comuns; se, ao lavrar o despacho do artigo 481.”, o magistrado veri­
fica que a obrigação ainda não está vencida, deve indeferir in limine
a petição, com fundamento no n.° 3 do artigo; se no despacho sanea­
dor se certificar de que a obrigaiç^o era inexigível à data da proposi
tura da acção, deve absolver o réu do pedido». Cfr., na mesma linha
restritiva, A nselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, i, 1981,
pág. 121.
(') Ocorre com o não vencimento da obrigação, neste caso, fenó­
meno semelhante ao que acontece com a não existência da obrigação,
relativamente à legitimidade e à procedência da acção. Se o autor, na
petição, afirma a existência e a exigibilidade da obrigação para funda­
mentar a condenação do réu inadimplente ou em mora, tanto basta,
em princípio, para haver interesse processual (pressupondo-se, por­
tanto, que a obrigação é exigível e está por cumprir).
Vindo, porém, a averiguar-se mais tarde a inexigibilidade da obri­
gação no despacho saneador, conclui-se que não há falta de cum­
primento e a decisão será de improcedência do pedido — mercê da
excepção material dilatória verificada (vide, a propósito da classifi­
cação das excepções, M. Andrade, Noções..., pág. 132, e infra n.“ 93 a 97).
185

É meilhor a solução de aproveitar o processo, condenando o


autor a pagar as respectivas custas e os honorários do advo­
gado do réu, quaindo este apenas conteste fundadameinte a exi­
gibilidade da obrigação, do que a de absolver nessa ailtura o
réu do pedido, paira forçar o autor a propor mais tarde nova
acção.

B) Nas acções constitutivas, o interesse processual con­


sistirá no facto de o direito potestativo, que lhes sirva de
base, não ser daqueles que podem ser exercidos mediante
simples acto unilateral do seu titular.
Há, com efeito, acções constitutivas (como as de divórcio
ou de separação litigiosa de pessoas e bens) que assentam
sobre direitos potestativos que não podem ser exercidos sem
o recurso às vias judiciais. São acções em que, uma vez 'for­
mulado o pedido, nenhuma dúvida se suscita sobre o interesse
processual das partes.
Há outros casos em que o direito potestativo suibjacente
à acção constitutiva (como ma constituição da servidão legal
de paisagem, de presa, de aqueduto ou de escoamento), não
tem necessariamente de ser exercido por acção judicial,
podendo sê-ilo tamlbém por via extrajudicial. Nesses casos, não
se tom a necessário, para haver interesse processual, que o
autor alegue ter tentado infrutiferamente obter o acordo
extrajudioial da contraparte: são variaidas e ponderosas as
razões capazes de justificar o recurso directo à via judiciária
e mão parece razoável exigir do autor 'a explicação determi­
nante da sua opção.
0 preceito formulado no artigo 449.°, 2, a), segundo o
qual se entende que o réu não dá causa à acção, «quando
o autor se proponha exercer um mero direito potestativo,
que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado
pelo réu», não contraria a solução exposta.
Há, realmente, casos (como o da 'acção destinada a cons­
tituir a servidão legal de passagem) em que o direito potes­
tativo exercido pelo autor nãc tem origem em qualquer facto
ilícito praticado pelo réu e em que não se duvida do interesse
processual do autor.
186

Se, porém, ,a acção constitutiva tiver por base um direito


potestativo (como o da revogação da procuração ou da reso­
lução do contrato: dfr. arts. 1170.°, 1, 1179.°, 436.° do Cód, Ciivàl)
que possa ser exercido mediante simpiles acto unilateral, o juiz
deverá, em principio, abstar-se de conhecer do pedido, inde­
ferindo a petição (')•

C) Nas acções de simples apreciação é que o apuramento


do interesse processual reveste maior acuidade.
Destinando-se essas acções a «obter unicamente a decla­
ração da existência ou inexistência dum direito ou dum facto»,
tam-se entendido que não basta qualquer situação subjectiva de
dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto,
para que haja interesse processual na acção.
Se' o escritor quiser fazer reconhecer em juízo a 'auto­
ria de uma obra cuja paternidade nunca lhe foi negaida por
quem quer que fosse, ino intuito de prevenir dúvidas que o
autor admite possam futuramente vir a ser levantadas, fal­
tar-lhe-á interesse processual (2). De igual falta sofrerá a acção
de negação da paternidade que só por manifesta ironia ou
por evidente gracejo foi atribuída ao autor.
Para afastar estes e outros casos semelhamtes se tem
sustentado que, nas acções dc simples apreciação, a incer­
teza contra a qual o autor pretende ireagir deve ser objectiva
e grave.
Será objectiva a incerteza que 'brota de factos exteriores,
de circunstâncias externas, e mão apenas da mente ou dos ser­
viços internos do autor Q. As circunstâncias exteriores gerado-

(‘) Faltará, de igual modo, o interesse em agir, se o autor pre­


tende obter com a acção um efeito já alcançado por outra via. É o
caso de o autor vir a requerer a anulação, por coacção, dum contrato
que já fora anteriormente anulado por erro ou por dolo. Cfr. Castro
M endes, ob. e vol. cits., pág. 192.
() No mesmo sentido C h i o v e n d a , Uazione nel sistema dei diritti,
em Saggi di dir. proc. civ., 1, Roma, 1930, pág. 85, e Azioni e sentenze
di mero accertamento, na Riv. dir. proc. civ., 1933, pág. 1 e segs., e
Falzea, Accertamento (Enc. del dir.), n." 2.
O Não bastarão assim as dúvidas suscitadas pelos serviços de
187

ras da incerteza podem scr da mais variada natureza, desde a


afirmação ou negação dum facto, o acto material de contesta­
ção dum direito, a existência dum documento falso aité a uim
acto jurídico (de requerimento da assistência judiciária ou
de procuração a um advogado paira a proposição de uma
aoção), etc,
• •j _
__i _ j_ J rt A
» Ji v n ir\oi1 (itviaitarliiail
l\ g r a v i a u u e ua u u v m a H UCUU-ac-a yi
ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor.
A afirmação da exiistência de -uma servidão sobre deter-
minaido prédio pode, por exemplo, difioulltar a alienação dele
pelo seu justo preço; o boato da falsidade da assinatura de
um dos subscritores da letra pode impedir o desconto dela;
a paternidade da criança atribuída a certa pessoa pode aba­
lar o prestígio sociall e o bom nome do visado; etc.
Só quamido a situação de incerteza, contra a quall o autor
pretende Teaigir através da acção de simples apreciação, reu­
nir os dois requisitos postos em destaque — a objectividade,
de um lado; a gravidade, do outro — se pode afirmar que há
interesse processual 0).

assessoria jurídica de uma empresa acerca da interpretação dc deter­


minada cláusula dos contratos por ela celebrados para preencher o
interesse processual dessa empresa na acção de mera apreciação des­
tinada a reconhecer a existência do seu direito, fundado em tal cláu­
sula. Sobre a falta de interesse processual nas meras questões de
direito (domicílio de uma pessoa, divisibilidade ou indivisibilidade de
uma coisa, compensabilidade de uma dívida, dissolubilidade ou indisso­
lubilidade de um casamento, etc.), baseadas em casos hipotéticos e não
em situações reais de dúvida já suscitadas, vide Schonke-JCuciiinke,
Zivilprozessrecht, 9.* ed., 1969, § 40, n, 1, c), Cfr., ainda, o acórdão do
S.T.J., de 25-3-1980, no 295, pág. 334 (caso da Rádio Televisão
Independente contra o Estado).
(') Além dos pressupostos processuais que, fora do objecto da
acção, condicionam a apreciação do mérito ou fundo da causa, as
acções de simples apreciação, quer positiva, quer negativa, necessi­
tam de reunir os elementos indispensáveis à regularidade da petição
inicial.
Assim ê que a acção de simples declaração de inexistência dum
ilireito pressupõe, além da menção do direito a que se refere o pedido,
a concretização da respectiva causa de pedir. Não bastará requerer a
188

59. Consequências da falta do Interesse processual.

■Resta saber quais as consequências da tfiallta do interesse


processual.
Se o autor pretender a condenação do réu numa pres­
tação periódica ou numa prestação futura, fora das condi­
ções previstas no artigo 472.°., quid iuris?
Se a falta ide interesse processual é manifesta ma pró­
pria petição, deve esta ser liminarmente indeferida com esse
fundamento; sendo a falta verificada no despacho saneador,
haverá lugar à absolvição do pedido com base na procedên­
cia da excepção material dilatória invocada.
Se a inexigibiilidaide da obrigação só vier a ser apurada
na sentença final, ou seja, depois 'de instruída e discutida a
causa, o facto não obstará a que o devedor seja condenado
a cumprir, logo que a obrigação se vença (se ela não se tiver
vencido no decurso da causa). iNeste caso, a sanção contra a
falta de interesse em agir no momento em que a acção foi pro­
posta (desde que não haija contestação da existência da obri­
gação) consistirá no pagamento das custas e dos 'honorários
do advogado do réu, imposto ao vencedor (apesar de vence­
dor), com o fundamento de ter dado escusadamente causa à
acção (*).

declaração de que A nada deve a B. Será necessário individualizar ou


completar a petição, requerendo a declaração de que A nada deve
a B em virtude do contrato de empréstimo que com ele celebrou ou
em consequência do acidente registado entre os veículos de um e
outro, em tal data e local. Cfr., a propósito, o acórdão do S. T. J.,
de 15-6-1978 e a anotação de Teixeira de S ousa, publicada em sepa­
rata (Acções de simples apreciação...) da Rev. Dir. Est. Soc., xxv,
n.°‘ 1 e 2; C. M endes, ob. cit., i, pág. 283; e ainda o acórdão do S. T. J.,
de 4-1-1979, publicado no B. M. J., 283, pág. 186.
(') Solução análoga consagra a lei (art. 449.”, 2, cj) para a hipó­
tese de o autor, munido de título com manifesta força executiva, ter
recorrido sem necessidade ao processo de declaração.
O autor pode preferir enfrentar a defesa da contraparte no pro­
cesso declaratório do que, através da oposição por embargos (art. 815.°),
no processo de execução. Mas essa preferência subjectiva não basta,
aos olhos da lei, para o isentar do pagamento das custas.
189

Nas acções constitutivas e nas .acções de simples apre­


ciação, em que falte o interesse processual, a sanção consis­
tirá na absolvição do réu da instância. O tribunal deve abs-
ter-se de conhecer do mérito da causa, precisamente por
faltar vim pressuposto processual da acção '(o interesse em
agir) (').
aA ortilnnnA
o v / iu y a u o( '^
v xr á a m oem n
a a i i i v a i i i u i *i iinv nocn
«ríp
v wa l i f* CA t r t m n r
uw 1 VIfV.
*•
til por causa sup e rv en ie nte (art. 287.°, e)), como sucede
na acção de divóroio, ou de separação de pessoas e bens, a
que sobrevenha a .nulidade do casamento deoretada pdlos
tribunais eclesiásticos, ou na acção de reivindicação de coisa
móvel que a autoridade mande destruir por nociva à saúde
púMi'ca,
No campo dos procedimentos cautelares, o interesse pro-
cessuall, consubstanciado no periculum in morat constitui ver­
dadeira condição da acção.
Se o requerente não mostrar que é fundado o receio da
lesão do seu direito (durante a pendência da acção principal
ou no período anterior à proposição déla), a providência
requerida será indeferida (art. 401.°).

SECÇÃO V
Patrocínio judiciário

60. Noção. Distinção de figuras próximas.

Outro dos pressupostos processuais, que a lei trata ainda


no capítulo referente às partes, é o patrocínio judiciário
(airts. 32.° e segs.).
O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica
prestada às partes por profissionais do foro (titulares do
chamado ius postulandi), na condução do processo em geral
ou na reailização de certos actos em especial.

(') No mesmo sentido, Anselmo de Castro, ob. cit., ii, 1982, n.° 55,
pág. 251 e segs.
i 90

Quem articula e requer no processo, quem realiza os


actos 'de maiior responsabilidade na causa, não são, por via
de regra, as partes, mas os seus patronos, que exercem pro-
fissionailmente o chaonado mandato judicial.
Duas nazões fundamentais— uma, de ondem psicológica;
outra, de carácter técnico — justificam a intervenção dos
patronos judiciários.
Os litigantes não são, do ponto de vista dos seus pró­
prios interesses, as pessoas mais indioaidas para orientarem
o processo. O conflito directo de interesses aguça, sem
dúvida, o engeniho idas pessoas e estimula a sua comibativi-
dajde; mias as paixões geradas pela luta em juízo privam as
partes da serenidade de espírito indispensável à defesa miáis
efioaz 'da sua posição na Jide.
Por outro liado, failtam ao comum 'das partes a experiên­
cia e os conhecimentos técnicos necessários à exacta vailo-
ração das razões que lhes assistem em face do direito apli­
cável ('). Só entre os profissionais do foro, com o saber, a
experiência e as regras 'deontológicas próprias do mandato
judicial, se podem encontrar os colaboradores ideais da admi­
nistração da justiça que a função jurisdicional requer.
O patrocínio judiciário é exercido plenamente pelos advo­
gados O e, num plano diferente, pelos solicitadores (3); e pode
ainda ser cometido, embora em termos bastante limitados,
aos advogados estagiários (4). Não querendo as partes plei-

(') Assim se compreende, em função da principal razão justi­


ficativa da necessidade do patrocínio, que a lei autorize, não só os
solicitadores e os advogados estagiários, mas as próprias partes,
nos casos cm que é obrigatória a constituição de advogado, a fazer
requerimentos em que não se levantem questões de direito (art. 32.°, 2).
(2) Vide os artigos 53° e segs. do Estatuto da Ordem dos Advo­
gados, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 84/84, de 16-3.
(J) Cfr. o Estatuto dos Solicitadores (Dec.-Lei n.° 483/76, de 19-6,
alterado pelos Decs.-Leis n.°* 761/76, de 22-10, e 540/77, de 31-12, que
substituíram a regulamentação constante dos arts. 673.° e segs. do
Estatuto Judiciário), e, nomeadamente, o disposto no artigo 61°
O São advogados estagiários os licenciados em Direito que rea­
lizem o tirocínio. É no artigo 164.° do Estatuto da Ordem dos Advo-
191

tear por si .próprias, nos restritos casos em que lhes é lícito


fazê-lo, só aos profissionais do foro pode ser conferido o
mandato judicial.
O patrocínio judiciário não se confunde com a assistên­
cia judiciária. Esta é o benefício concedido às pessoas cuja
situação económica lhes não permite ousteair as despesas nor-
roais do pleito, E pode abranger, não só a prestação gratuita
do patrocínio judiciário mas também a dispensa do pagamento
prévio das custas (').
Do patrocínio judiciário se distingue ainda a assistência
técnica aos advogados (art. 42.°).
iA assistência técnica é prestajda ao advogado e não pro­
priamente à parte. E só se justifica em relação a problemas
de natureza técnica estranhos à ciência ido direito (engenha­
ria, medicina, contabilidalde, finanças, etc.).
Por isso o concurso do técnico é prestado sob a direc­
ção do advogado, não lhe sendo permitido fazer alegações
orais.

61. Constituição obrigatória de advogado.

Há causas e actos em que, pela sua importância ou pela


sua natureza, é obrigatória a constituição de advogado (como
mandatário judicial) (2). São, entre outros, os casos constan­
tes dos artigos 32.° e 60.°
O primeiro núcleo desses casos é o das acções (declara-
tórias) da competência de tribunais com alçada, que com

gados que se fixa a extensão da habilitação forense do advogado


estagiário, à medida que o tirocínio se processa.
(') A assistência judiciária encontra-se regulada na Lei n.° 7/70,
de 9-6, e no Decreto n.° 562/70, de 18-11. Cfr. o artigo 20.° da Constituição
da República. Vide, a propósito, D e n t i , Acesso alia giustizia, na Riv.
(rim. dir. proc. civ., 1982, pág. 618 e segs.
O Quando na comarca não haja advogado, permite a lei que o
patrocínio seja exercido por solicitador (art. 32.*, 4). No processo de
inventário, seja qual for a sua natureza ou valor, só é obrigatória a
intervenção de advogado para se suscitarem ou discutirem questões
de direito (art. 32°, 3).
192

portem recurso ordinário (art. 32.°, 1, a)), ou seja das causas


que neste momento tenham valor superior a 120 contos.
O segundo contingente, mais reduzido, é o 'das causas
em que seja sempre admissível recurso, independentemente
do seu vallor (art. 32.°, 1, b))t como sucede, por óbvias razões,
com a acção de despejo (art. 980.°, 1).
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tuição de advogado nos recursos (desde a sua interposição


e se ja qual for o valor da causa: cfr. arts. 475.°, 1, e 678.°, 2 e 3),
bem como nas causas propostas nos tribunais superiores, inde­
pendentemente do seu valor (arts. 71.u, b), c) e d), e 72.°, H
c) e d), do Cód. Proc. Civil; e arts. 27.°, d), 29°, c) e d),
39.°, a), e 40.°, c), e) c f), da Lei Orgânica dos Tribunais
Judiciais).
Relativamente às acções executivas, os critérios são com-
preensivehnente diferentes.
A constituição de advogado só é obrigatória nas exe­
cuções cujo valor exceda a alçada da Relação, ou nas de
valor compreendido entre a alçada dos tribunais de comarca
e a dos tribunais da Reilação, logo que seja deduzida defesa
por embargos (art. 60.°). No caso de verificação e gradua­
ção de créditos, a intervenção do advogado será obrigatória
apenas paira a reclamação de crédito de valor superior à
alçada do tribunal de comarca (art. 60.°, 2).
A constituição do advogado (ou do patrocínio judiciário,
em geral) faz-se normalmente através do mandato judiciai,
conferido pela parte (’) (2).

C) Excepcionalmente, em caso de urgência, pode t> patrocínio


judiciário ser exercido a título de gestão de negócios, sujeita a rati­
ficação nos termos do artigo 41."
(2) Em vez de ser escolhido e investido pela parte, o mandatário
judicial pode, em casos excepcionais, ser designado por uma entidade
especial: pelo presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advo­
gados ou da respectiva delegação (art. 43.°), pelo juiz, em casos de
urgência ou de demora na nomeação (arts. 44.°, 1 e 2; 283.“, 1; 521°, 2;
705.°, 1). Cfr., ainda, o artigo 946.“, 2, que, na acção de interdição ou
de inabilitação, permite mesmo a constituição de advogado por parte
de qualquer parente sucessível do arguido.
193

O mandato é conferido, ou par contrato entre a parte e


o seu patrono, ou por procuração Q) (negócio unilateral rea­
lizado pela parte) Q.
Relativamente à sua forma externa, o mandato judicial
pode ser conferido par meio de instrumento público ou por
dooumento particular com intervenção notarial (nos termos
J ____j. 1 O i f U U P
U U d l l . l £. t I
/ J VTn.hnnn/frv\ <1t 1 rvia^íinfA
W J U , l\ U L a iia u u / <^/u m v u i a m u n* uyuss
verbal da parte no auto de qualquer diligência que se prati­
que no processo (art. 35.° do Cód. Proc. Civil) (3).

62. Consequências da falta do patrocínio. Falta ou Irregularidade


do mandato.

A falta de patrocínio judiciário, nos casos em que a cons­


tituição de advogado é obrigatória, provoca os efeitos próprios
da falta de um pressuposto processual.
Antes, porém, de decretar a sanção correspondente à
situação verificada, o juiz deve, por uma elementar razão
de economia processual, notificar a parte para suprir a falta
dentro de certo prazo, com a cominação adequada (art. 33.°).
Não o fazendo a parte notificada, dentro do prazo fixado, a
sanção variará consoante a parte em falta: sendo o autor o

(') Sobre a distinção entre a procuração (acto unilateral) e o


mandato (negócio jurídico bilateral), vide F e r r e r C o r r e ia , A procura­
ção na teoria da representação voluntária, nos Estudos Jurídicos, n ,
Coimbra, 1969, pág. 1 e segs.; P ir e s d e L i m a e A n t u n e s V a r e l a , Código
Civil anotado, n, 2.* ed., pág. 626.
(*) A procuração geral (com a atribuição genérica de poderes
forenses) inclui presuntivamente o poder de substabelecer, mas não
compreende os poderes especiais necessários para confessar a acção,
transigir sobre o seu objecto ou desistir, seja do pedido, seja da simples
instância. Para a prática de tais actos é essencial a procuração com
poderes especiais (arts. 36° e 37.°).
Os acórdãos da Relação de Coimbra, de 7-2-1979, e da Relação
de Lisboa, de 19-3-1979, consideraram ser lícito ao advogado desistir
do recurso interposto, sem necessidade de procuração com poderes
especiais (cfr. B. M. J., respectivamente, 285, pág. 380, e 288, pág. 460).
(’) Foi entretanto eliminado o mandato implícito, resultante da
simples assinatura da parte no articulado, após a do advogado.
13 — M an u al Processo Oivil
194

faltoso, o réu será absolvido da instância; sendo do réu a


falta, a sua deifesa ficará sem efeito e o processo correrá à
revelia dele; se a falta for do recorrente, o recurso ficará
sem efeito, com as consequências subsequentes (art. 33.°).
Diferente da situação examinada (falta de advogado,
sendo obrigatória a sua constituição) é a da intervenção do
patrono, mas sem niamdato ou com o mandato insuficiente
ou irregularmente conferido.
Também nesse caso, à semelhança do que ocorre com a
falta do patrono, o juiz deve mandar notificar a parte e o
seu mandatário paira, dentro de prazo certo, não só ser corri­
gida a falta, mas ratificado também o processado (')•
Não sendo a failta corrigida e ratificado o processado den­
tro do prazo estalbeileoido, allóm ida consequência relativa à
parte dentro da causa, condenar-se-á o mandatário oulpado,
tanto nas oustas do processo, como nos prejuízos a que tenha
dado causa (art. 40.°).

SECÇÃO VI
Competência (*)

63. Noção. Figuras afins.

Um dos pressupostos processuais mais importantes, rela­


tivo ao tribunal, é a competência.

(') A ratificação deve ser efectuada pela parte ou pelo m anda­


tário com poderes especiais para esse efeito: cfr. Castro M ondes, ob.
cit., pág. 150, nota 1.
Situação diversa é a dc já ter sido passada procuração a advo­
gado que, porém, não tenha sido junta aos autos. Neste caso, não é de
aplicar o artigo 40.“, devendo apenas notificar-se o próprio advogado
para juntar esse documento (procuração) em falta. Cfr., neste sentido,
o acórdão da Relação de Lisboa, de 9-11-1973, sum. no 231,
pág. 200.
(*) U go R o c c o , Competenza civile, no Nov. Dig. Ital.; M ie l e , Com-
petenza giurisdizionalc internazionale, no Nov. Dig. Ital.; G io n f r id a ,
Competenza (in matéria civile), na Enc. del. dir.; L ie b m a n , ob. cit., i,
n.01 24 e segs.; J. V in c e n t e G u in c h a r d , ob. cit., 20.* ed., n."* 107 e segs.;
R o s e n b e r g -Sc h w a b , ob. cit., 13." ed., §§ 30 e segs.; S e g r í , La questione di
195

Pana que possa decidir sobre o mérito ou fundo da


questlão, requer-se que o trti.buna'1, perante o qual a acção
foi proposta, seja competente.
O requisito da competência■resulta do facto de o poder
jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por
numerosos tribunais. Cada um dos ongãos judiciários, por
■i _i _ j_
V ir iU U C U il U I V ia a u
n rlífomn+As níveis
u w * iw
fica anenas
-----------, -------- - t
com o poder de jullgar num círculo lumrtado de 'acções, e
não em tódias as acções que os interessados pretendam sub­
meter à sua aipreoiação jurisdácionall.
A competência abstracta de um tribunal designa a frac­
ção do poder jurisdiioionail atribuída a esse tribunall.
A competência concreta do tribunal, ou seja, o poder de
o tribunal julgar determinada acção, significa que a acção
cabe dentro da esfera de jurisdição genérica ou abstracta
do tribunal.
O tribunal da comarca de Coimbra tem competência
para a acção de divórcio instaurada por A contra B, se esta
acção coulber dentro da fracção do poder jurisdicional abstrac­
tamente conferida àqueile tribunail.
É para a delimitação do póder jurisdicionail de oada tri­
bunal que existam regras de competência.
Dizem-se regras de competência as nartmas definidoras
dos critérios que presidem à distribuição do poder de ju l­
gar entre os diferentes tribunais.
Como exemplos de regras de competência podem refe­
rir-se a norma segundo a qual as acções de divórcio ou de
separação de pessoas e bens devem ser propostas no tribu­
nal do domicílio ou da residência do autor (art. 75.°), bem
coono a disposição que manda julgar nos tribunais de tra•

merito come fatto costitutivo delia competenza, na Riv. dir. proc., 1969,
pág. 481; Idem, Difesa delia competenza interna, na Riv. cit., 1970, pág. 668;
Chiovenda, Cosa giudicata e competenza, nos Studi giuridici in onore di
C. Fadda, i i , pág. 397; H ébraud, De la corrélation entre la loi appli-
cable à un litige et le juge compétent pour en connaitre, na Rev. crit.
dr. int. privé, 1968, pág. 205; Pêrassi, Norme convenzionali sulla com­
petenza internazionale e norme interne sulla competenza giurisdizio-
nale, em Scritti giuridici in onore di S anti R omano, u i , pág. 3 e segs.
196

bdlho as questões relativas à 'legalidade dos instrumentos de


regulamentação do trabalho (art. 66.°, a), da Lei n.° 82/77,
de 6-12).

Competência e jurisdição. Na linguagem técnico-jurí-


dica, distingue-se para determinados efeitos entre a compe­
tência e » ;iurisdicãn.
------------------ J ------ --

Em bom rigor, a jurisdição designa o poder (de julgar)


genericamente atribuído, dentro da organização do Estado,
ao conjunto dos tribunais (art. 205.° da Const. da República).
A competência refere, por seu turno, o poder resultante do
fraòcionamento do poder jaurisdicional entre os diferentes
tribunais (*).
No domínio restrito dos conflitos de intervenção entre
as diversas autoridades do Estado, o termo jurisdição assume
um alcance mais amplo. Inclui-se na esfera da jurisdição,
não só o poder globalmente reconhecido aos tribunais em
confronto com os demais órgãos do Estado, de modo espe­
cial com os que integram a administração pública ou o Poder
Executivo, mas também o poder genericamente atribuído a
certa categoria de tribunais em face das restantes categorias.
Diz-se assim no airtigo 115° que há conflito de jurisdi-
ção.quaedo duas ou mais autoridades, pertencentes a diver­
sas actividades do Estado, ou dois ou mais tribunais de
espécie diferente, se arrogam (conflito positivo) ou decli­
nam (conflito negativo) o poder de conhecer da mesma ques­
tão '0. E haverá conflito de competência, quando a diver­
gência se verifique entre tribunais da mesma espécie (3).
A distinção, tal como a Jei a define, reveste interesse
prático. Os conflitos de jurisdição, pelo nível a que se

(') A l b e r t o d o s R e i s , Comentário, 1.°, pág. 103 e segs.


C) Será o caso de o governador civil de Lisboa e o tribunal de
trabalho da mesma cidade se arrogarem simultaneamente o poder de
conhecer, da mesma questão.
O Será, por seu turno, o caso de o tribunal cível e o tribunal
de família do Porto se considerarem competentes para intervir no
mesmo litígio.
197

situam, são resolvidos pelo Suipremo Tribunal .de Justiça ou


pelo Tribunal dos Conflitos (arts. 116.°, 1, e 72°, d), do Cód.
Proc. Civil e art. 29.°, d), da Lei n.° 82/77). Os conflitos de
competência são solucionados pelo tribunal de menor cate­
goria hierárquica que, dentro da respectiva espécie, exerça
jurisdição sobre ambas as autoridades em desacordo (').

Competência externa e competência interna. Ampliando


impropriamente o conceito de competência, distingue-se por
vezes entre a competência externa e a competência interna.
A competência externa designa a esfera de jurisdição de
cada tribunail em face dos restaintes órgãos judiciários da
mesma categoria. A competência interna abrangeria a repar­
tição dos processos, dentro de cada tribunail, entre os vários
juizes que nele servem e entre as secções que compõem a
respectiva secretaria. Simplesmente, a esta última opera­
ção dá a lei a designação técnica de distribuição (airts. 209.°
e segs.), sujeita a um regime distinto do que é típico da
competência (2).
Também não deve considerar-se como questão de com­
petência a divisão de 'funções, dentro de cada processo,
entre as várias entidades judicantes que intervêm 'na prepa­
ração e julgamento ida acção (o juiz da causa, o tribunal

(‘) Cfr. os acórdãos do Tribunal de Conflitos, de 10-2-1983 (B. M. J.,


324, pág. 403) e de 23-6-1983 (B .M .J., 329, pág. 364, e 330, pág. 378 e 383);
e os acórdãos do S. T. J., de 22-2-1984 e de 4-4-1984, respectivamente no
B. M. 334, pág. 453, e 336, pág. 352.
(*) Nos casos em que, como sucede no Supremo Tribunal de
Justiça (composto de duas secções cíveis, uma secção criminal e uma
secção de jurisdição social) e nas Relações (com secções cíveis, cri­
minais e sociais), a distribuição dos processos entre os vários juizes
se relaciona com a natureza da matéria da causa, há um verdadeiro
cruzamento da distribuição com a competência (de cada secção).
Note-se, porém, que a competência especializada de cada secção do
tribunal não obsta a que todas as secções sejam chamadas a julgar
as matérias, de qualquer natureza, admitidas ao recurso para o tri­
bunal pleno, no Supremo, ou na Relação, para julgar em plenário,
as matérias referidas no artigo 39.” da Lei Orgânica dos Tribunais
Judiciais.
198

colectivo e o juiz que iprofere a sentença ifimail) e os funcio­


nários da secretaria. Nesse sentido fixou doutrina o assento
do Supremo Tribunail de Justiça, de 18.de Julho de 1947 ('),
segundo o qual «não importa incompetência absoluta do tribu­
nal a decisão do tribunal colectivo sobre questões de direito».
E a mesmia linha de orientação se fixa no artigo 646.°, 4.

64. Modalidades da competência.

A repairtição do poder de julgar entre os vários tribu­


nais faz-se em vários planos, segundo diferentes critérios.
A primeira divisão que nesse aspecto importa conside­
rar é a que distingue entre competência internacional e com­
petência interna Q .
A competência internacional designa a fracção do poder
juirisdioiòmail atribuída aos tribunais portugueses no seu con­
junto, em face dos tribunais estramgedros, paira julgar as
acções que tenham alguém elemento de conexão com oodens
jurídicas estrangeiras (3). Trata-se, no fundo, de definir a
jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos
limites territoriais de cada Estado (4).

(') 2, pág. 210; R .L.J., 80.», pág. 125.


(J) Cfr. as epígrafes dos capítulos n e i i i do livro i i do Código
de Processo Civil, que trata da competência e das garantias da impar­
cialidade.
O M iele, Competenza giurisdizionale internazionale, no Nov.
Dig. Ital.
Os critérios que, em atenção aos elementos de conexão da relação
processual (residência ou domicílio das partes, situação do objecto do
pedido, localização da causa de pedir ou dos fundamentos da acção, etc.),
definem os tribunais (nacionais ou estrangeiros) idóneos para prepa­
rar e julgar a acção não se identificam, nem sequer coincidem nos
seus resultados, com as regras que, atendendo aos elementos da rela­
ção material subjacente ao pedido, definem o sistema jurídico subs­
tantivo aplicável a essa relação (normas de direito internacional pri­
vado).
O Sobre a questão de saber se as normas reguladoras da com­
petência internacional dos tribunais portugueses valem também para
definir a competência dos tr ib u n a is estrangeiros (nomeadamente
199

A competência interna, assente no fraooionamento do


poder 'de julgar entre os tribunais portugueses, desdobra-se
nos seguintes escallões: a) competência em razão da matéria;
b) competência em razão da hierarquia; c) competência em
razão do valor; d) competência em razão do teoritório
(art. 13.°, 1, da Lei n.° 82/77, de 6-12).
Faina termos uirna indicação completa da via a percorrer
até se encontrar o tribunal (competente) onde a acção deva
ser proposta, importa analisar sucessivamente os diversos
pflanos em que a divisão do poder jurisdicional se opera.

65. Competência internacional (*).

A com petência internacional dos tribunais portugueses


paira julgarem acções que tenham algum elemento de cone­
xão (substantiva ou adjectiva) com outras ordens jurídicas
depende da verificação de alguma das circunstâncias discri­
minadas no artigo 65.°(‘).
Não é necessária a existência c um ula tiv a ou conju nta
dessas quatro circunstâncias. Basta a verificação de uma
delas, ainda que isolada (2). E não há entre elas nemhuma

quanto às sentenças cuja revisão e confirmação seja pedida aos tri­


bunais nacionais: art. 1096.°, c)), veja-se Alberto dos R eis , Processos
especiais, n, 1956, pág. 165 e segs.
(*) Machado V ilela, Competência internacional dos tribunais por­
tugueses..., na Rev. Fac. Dir. de Lisboa, u i (1916-1917), pág. 10 e segs.;
Idem, Notas sobre a competência internacional no novo Código de Pro­
cesso Civil, no Boi. Fac. Dir., xvn, pág. 274 e segs., e xvnt, pág. I e segs.;
B a rb o sa de Magalhães, Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, n ;
Baptista Machado, La compétence internationale en droii portugais,
no Boi. Fac. Dir., x li, pág. 97 e segs.; Ferher Correia, Breves reflexões
sobre a competência internacional indirecta, na R .L.J., 108°, pág. 371.
(') Matéria que, antes do Código de 1939, era dispersamente
regulada nos. artigos 28° e 29.° do Código Civil de 1867, 5.“ do Código
Comercial, 20,° do Código de Processo Civil de 1876, 8.° do Código
de Processo Comercial, 5." do Decreto n.° 13 979, de 25-7-1927, e no
artigo 17." do Decreto n.° 21 287, de 26-5-1932.
(J) Foi precisamente com o intuito de acentuar a ideia da auto­
nomia ou suficiência de cada um dos factores determinativos da com­
petência internacional dos tribunais portugueses que o Código de 1961
200

relação de sucessão ou dè dependência ('). A «competência


intemacionall dos tribunais portugueses, diz expressivamente
nesse sentido o n.° 1 do artigo 65.°, depende da verificação de
alguma das seguintes circunstâncias» 0 .
A autonomia e a largueza dos critérios estabelecidos no
airtigo 65.° reivelam, da pairte da Jiei, a intenção de facilitar,
a oac +T-niTiim o ic
UMiiuiu uuo rmiii na i \j Mvwogv auj k n v u n u iu

portugueses por parte dos cidadãos estrangeiros e em rela­


ção a litígios conexionados com vários sistemas jurídicos.

I) Princípio da coincidência. O primeiro oritério deter­


minativo da competência internacionail dos tribunais portu­
gueses é o que se baseia na circunstância de a acção dever
ser proposta em Portugal, seguindo as regras de competência
territorial estabelecidas pela lei portuguesa.
Dá-se a este critério, na doutrina, o nome de princípio
da coincidência, ou seja, da coincidência entre a oompetência
interna (em razão do território) e a competência internacional.
Sempre que, de aicordo com as regras de competência
territorial traçadas na ordem interna, a acção (ou execução)
deva ser instaurada em Portugal, os tribunais portugueses
terão competência (internacional) para julgar (ou para pro­
cessar a execução) (3), não obstante os elementos de conexão

modificou a primitiva redacção do artigo 65.° Onde o Código de 1939


dizia: «As circunstâncias de que depende a competência internacional
dos tribunais portugueses são as seguintes», passou intencionalmente
a afirmar-se: «A competência internacional dos tribunais portugueses
depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias». Essa
era, aliás, a doutrina já expressamente proclamada no 2° período do
artigo 62.° do próprio Código de 1939.
(') Tratando-se de matéria de direito (e não de facto), não é a
circunstância de o autor ter fundado a competência internacional do
tribunal português onde a acção foi proposta em um dos princípios
fixados no artigo 65° que impede o juiz de aceitar essa competên
cia, mas baseada em princípio diferente: cfr. o acórdão do S.T.J.,
de 17-1-1975, no 243, pág. 210.
O Vide, no mesmo sentido, o artigo 61.°
(J) As regras de competência territorial aplicáveis às execuções
são as que constam dos artigos 90.° e seguintes.
201

que ela possua com ordens ju ríd ic a s estrangeiras ('). P ° r


outras palavras: se o facto a q u e a lei atende, p a ra d e lim ita r
a com petência te rrito ria l de cada trib u n a l ju d ic ia l português
em face dos outros, ocorrer em Portuigal, os trib u n a is p o rtu ­
gueses serão competentes.
S u p o nh a m o s q u e u m francês e u m b é lg a celebraram em
E sp an h a u m contrato , p o r fo rça do q u a l as obrigações dede
resultantes devem ser c u m p rid a s em Lisboa, e q u e , fa lta n d o
u m dos contraentes à Obrigação a ssu m ida, o o u tro pretende,
em acção de condenação, exigir o c u m p rim e n to ju d ic ia l do
contrato.
De aco rd o c o m a, regra de com petência te rrito ria l fixada
no artigo 74.°, 1, esta acção devia ser p ro p o sta e m P ortugal,
no trib u n a l (de com arca) de L isbo a (2).
Pois tanto bastará, segundo o p rin c íp io da coincidência
prescrito n o artigo 65.°, 1, a), p a ra que os trib u n a is p o rtu ­
gueses se possam considerar com petentes p a ra a acção, n ão
obstante a conexão que esta tem , pela na c io na lida de das p a r­
tes e pelo tugar de verificação da causa de pedir, com as
ordens ju ríd ic a s francesa, belga e espanhola (5).

(') A regra geral de competência territorial, fundada no domi­


cilio do réu, aproveitará à competência internacional (dos tribunais
portugueses) nos termos especiais resultantes do disposto no n.° 2 do
artigo 65.'
Mas ao princípio da coincidência aproveita somente a regra esta­
belecida no n.° 1 do artigo 85° Os critérios subsidiários fixados no
n.“ 2 e, especialmente, no n.° 3 parece terem apenas em vista as acções
em que os restantes elementos de conexão (além do domicílio ou
residência do réu) se prendem com a ordem jurídica portuguesa, não
abrangendo aquelas em que esses elementos de conexão relevantes se
ligam a ordens jurídicas estrangeiras. Cfr. C a s t r o M e n d e s , ob. cit., i,
pág. 413 e segs.
(J) Vide o acórdão do S. T. J., de 17-7-1980, no B. M. J., 299, pág. 255.
(J) Há mesmo causas que só podem ser propostas perante os
tribunais portugueses — que têm, nesses casos, o monopólio ou o exclu­
sivo da jurisdição—, sob pena de as decisões proferidas por tribunais
estrangeiros não produzirem efeitos em Portugal. A elas se relere o
artigo 65.°-A, acrescentado pela Lei n.* 21/78, de 3-5.
202

II) Princípio da causalidade. A segunda circunstância


determinativa da competência internacional dos tribunais
portugueses é a de ter sido praticado em território portu­
guês o facto (real, concreto) que serve de causa de pedir na
acção.
Este segundo critério dá ma doutrina pelo nome de prin•
r itif A ///»
MM
i e\/i /<’ /í/i/7a

Imaginemos que um casail itailiano, durante ailgum tempo


instailaido num hotel do Algarve, vem a desentender-se graive-
mente, pretendendo a mulher requerer acção de divórcio, com
base no adultério que afirma ter sido cometido em Portugal
pelo marido.
Emlbora a acção, segundo a regra de competência terri­
torial fixada na ordem interna pelo artigo 75.°, devesse ser
proposta em ItálLia, e não am Portugal, os tribunais portu­
gueses têm competência (internaoianail) paira nela intervir,
parque o facto concreto que serve de fundamento ao pedido
da autora (a causa de pedir: airt. 498.°, 4) ocorreu em terri­
tório português (').
Quando, como as mais das vezes ocorre, a causa de pedir
é complexa, envoflvendo mais de um facto, bastairá em regra
a circunstância de um deles ter ocorrido em Portugal para
legitimar a competência dos tribunais portugueses, atenta a
forte conexão que desse modo 'logo se estabelece entre a rela­
ção processual e a justiça portuguesa (2).

III) Principio da reciprocidade. Dá-se, em terceiro lugar,


aos cidadãos portugueses a faculdade de demandarem perante
os tribunais portugueses cidadãos estrangeiros, sempre que,
invertidos os papéis na relação litigada, o português pudesse

(') Cfr. os acórdãos do S.T.J., de 13-7-1973, de 10-2-1983 e de 24-


-11-1983, respectivamente no B .M .J., 229, pág. 124, 324, pág. 517, e 331,
pág. 461.
O No mesmo sentido, Alberto dos R eis , Comentário, l.°, pág. 136;
A. de Castro, ob. cit., n, pág. 26 e segs.; e os acórdãos do S. T. J., de 25-
-6-1974, no 238, pág. 196, e de 19-4-1979, no B.M .J., 286, pág. 222.
203

ser demandado perante os tribunais do Estado a que per­


tence o estrangeiro.
Trata-se de um mero princípio de reciprocidade, curiosa­
mente estabelecido não a favor dos súbditos estrangeiros,
como ainda hcvje sucede em muitas legislações estrangeiras
em matéria de capacidade de exercício de direitos, mas em
i___ «%4r>;nnoÍc À McMri» Hn nrereitní^ i
UCI1CHCIU U U i t i u a u a u a u b w u u h w \ ------ - - - - \ /
ajuda a compreender o seu alcance (3).
Foram razões mais de carácter político do que de natu­
reza jurídica as determinantes da sua formulação.
Sentiu-se na Itália, em dado momento, a necessidade de
proteger os seus nacionais, permitindo-lhes que demandas­
sem cidadãos ou sociedades estrangeiras, nas mesmas condi­
ções em que eles, em situação inversa e à luz da legislação
nacionalista de outros Estados, poderiam ser demandados
perante as justiças estrangeiras. E igual receptividade veio
a encontrar esse sentimento entre 'nós quando, à entrada do

(') Com efeito, enquanto os títulos atributivos da competência


internacional fixados nas alíneas a), b) e d) funcionam independen­
temente da nacionalidade das partes, o critério estabelecido na alí­
nea c) só aproveita às acções em que o autor seja dc nacionalidade
portuguesa. Vide, a propósito, M a chado V il e l a , Competência inter­
nacional no novo Código de Processo Civil, no Boi. Fac. Dir., xvxí,
pág. 329 e segs.
(J) A doutrina da alínea c) do artigo 65." proccde do § 2 “ do
artigo 5.» do Decreto n.” 13 979, de 25-7-1927, e do § 2.° do artigo 17."
do Decreto n." 21287, de 30-5-1932, e corresponde à solução também
consagrada no artigo 4", n.° 4, do Código italiano (art. 105“ do Código
de 1865) e na lei belga de 24-3-1876 (art. 54.“).
O Do ponto de vista jurídico, a solução fixada na alínea c),
deixando a competência dos tribunais portugueses dependente, não
de um critério intrínseco formado na legislação nacional, mas de uma
remissão em branco para os c rité rio s variáveis fixados por cada
Estado estrangeiro, presta-se a reparo. «A disposição da alínea c) do
artigo 65“ do Código, prescreve, por exemplo. M achado V il e l a (est. cit.,
pág. 332) é, cm verdade, mais uma regra de retorsão do que uma
regra de competência internacional juridicamente defensável. Deixa
dependente de uma lei estrangeira, que pode ser má, e por uma
espécie de devolução, que se não justifica, o exercício da jurisdição
dos tribunais portugueses».
204

segundo quartel do século, uma ocôrfêlícia concreta com a


nossa frota pesqueira concitou a simpatia dos meios jurí­
dicos nacionais para a solução que, à semelhança do direito
italiano e belga, veio a ser consagrada no § 2° do artigo 5.°
do Decreto n.° 13 979, de 25 de Julho de 1927.
Um navio francês abalroou nas águas da Terra Nova
um barco pertencente a uma sociedade portuguesa, quando
ambos operavam na pesca do bacalhau. A sociedade portu­
guesa propôs em Portugal a acção de indemnização dos danos
sofridos contra o francês, dono do navio abalroador, que 'logo
arguiu a incompetência dos tribunais portugueses. E, na ver­
dade, em face das disposições legais então aplicáveis à maté­
ria (art. 5.°, § 1.°, do Dec. n.° 12 353), os tribunais portugueses
careciam de competência para intervir na acção (').
Se, no entanto, fosse o barco português que, no mesmo
local, tivesse abalroado o navio pesqueiro francês, o dono
poderia demandar a sociedade armadora portuguesa perante
os tribunais franceses.
Precisamente para evitar que, de futuro, os portugueses
se vissem de novo colocados em semelhante situação de infe­
rioridade, o Decreto n.° 13 979, de 25 de Julho de 1927, em
lugar de alterar apenas a regulamentação da competência dos
tribunais portugueses em matéria de abalroação de navios,
acrescentou um novo título genérico, de raio de acção bas­
tante mais extenso, às causas determinantes da competência
internacional. «O estrangeiro, passou a dizer-se na nova redac­
ção do artigo 5.° do Decreto n.° 12 353 (2), pode ainda ser deman­
dado por um português em Portugal nos mesmós casos em
que o português o poderia ser perante os tribunais do Estado
a que pertence o réu».
E foi esta disposição a fonte imediata da solução fixada
na alínea c) do artigo 65.° do Código de 1939 («Pretender rea­
lizar-se, em benefício de algum português, o princípio da reci­

(') A lberto dos R eis , ob. cit., 1.-, pág. 138.


() Essa foi a nova redacção dada ao artigo 5.° do famoso Decreto
n.° 12 353, de 22-9-1926, pelo Decreto n." 13 979, de 25-7 do ano imediato.
205

procidade») que o Código de 1961 veio explicitar com maior


rigor, em fiel retorno às raízes históricas da disposição (')•

IV) Princípio da necessidade. O quarto título atributivo


de competência internacional aos tribunais portugueses é o
resultante de o direito invocado pelo autor não poder tor-
vi*»** erk aÇ&n+ixTr* cpnnn nnr •
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OS
nossos tribunais 0 .
Trata-se, por c o nseg u in te, de acções para as quais
nenhuma outra ordem judiciária se considera competente e
em que a intervenção dos tribunais portugueses se torna
essencial para que o direito invocado pelo autor seja devida­
mente tutelado.
Imaginemos que um português pretende exigir dum outro
português o cumprimento de uma obrigação proveniente de
contrato realizado em Marrocos e que nesse país deveria ser
executado, e que os tribunais marroquinos se não conside­
ravam competentes para julgar a acção C3).
Nesse caso, apesar de a intervenção dos tribunais por­
tugueses não caber em nenhuma das alíneas precedentes do
n.° 1 do artigo 65.°, a acção poderá ser proposta em Portugal,
ao abrigo do preceito da alínea d).
Dois pontos importa, entretanto, esclarecer acerca deste
último critério, a que expressivamente se chamou princípio
da necessidade.
O primeiro é que o artigo 65.° não interfere na questão de
saber se existe ou não o direito invocado pelo requerente na

(■) Essas raízes históricas revelam, porém, diga-se em abono da


verdade, que o princípio constitui mais uma norma de retorsão (de
represália internacional lhe chama exageradamente, como se fosse
uma sanção para o estrangeiro o facto de ser demandado em Por­
tugal, A. de Castro, ob. cit., n , pág. 29) do que um são princípio de
reciprocidade.
(') Também este critério remonta ao Decreto n.‘ 13 979 (art. 5.'),
do qual transitou para o Decreto n.“ 21 287 (art. 17.°, 4).
(>) Cfr. o exemplo análogo dado por Alberto dos Reis (Breve
estudo, 2.' ed., pág. 40) para ilustrar este caso «excepcional e subsi­
diário de competência».
206

acção proposta. A resolução dessa questão prévia cabe às


normas de direito internacional privado aplicáveis à relação
substantiva. O casal estrangeiro cuja lei nacional desconheça
a dissolução do casamento por divórcio não pode, por con­
seguinte, instaurar acção de divórcio em Portugal, a pretexto
de que o sèu direito (?) não pode tornar-se efectivo senão por
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n rm n n s tn p m t r v h n n a il in n rtiio ru p c v / t
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O segundo é que para justificar a intervenção dos tribu­
nais portugueses não basta, como poderia depreender-se do
texto primitivo da alínea d) do artigo 65.°, a situação de carên­
cia de garantia judiciária do direito do autor. É ainda neces­
sário que a acção tenha qualquer elemento pottderoso de
conexão pessoal (v. g., a nacionalidade de um dos litigantes
ou de ambos eles) ou real (v. g., a situação dos bens a que o
objecto da acção se refere) com o território português, como
expressamente se prescreve na redacção actual do preceito (2).
De contrário, o critério da necessidade converter-se-ia
numa tola ou pnetensiosa lição de altruísmo judiciário que
ninguém pediu à legislação portuguesa Q. E que esta real­
mente não pretende dar, como não gostaria de receber.

(') Tem assim de considerar-se manifestamente errónea a apli­


cação que os acórdãos do Supremo, de 27-7-1943, e da Relação de Lis­
boa, de 16-1 do mesmo ano, fizeram da alínea d) do artigo 65.°, con­
siderando os tribunais portugueses competentes para intervirem numa
acção de investigação de paternidade ilegítima intentada por dois por­
tugueses contra réus brasileiros domiciliados no Brasil, com o funda­
mento de que a acção não seria viável no Brasil (cuja lei não admitia
a investigação de paternidade com o fundamento invocado — posse de
estado — e negava aos filhos adulterinos o direito de investigarem a
sua paternidade). Vide a crítica pertinente de Alberto dos R eis aos
dois acórdãos no Comentário, 1°, pág. 142, e ainda a R. L. J., 76.°, pág. 148
e 244.
O É bastante esclarecedor e instrutivo a respeito deste requi­
sito o exemplo (debatido no Instituto da Conferência da Ordem dos
Advogados) da firma inglesa que requereu perante os tribunais portu­
gueses, durante o período da guerra, o arresto de dois navios duma
companhia alemã, devedora da requerente, surtos num porto de Angola.
Veja-se o comentário de A lberto dos R e is , Comentário, 1.°, pág. 142
e segs., e Rev. Ord. Advogados, i, n.° 1, pág. 30.
O Cfr., a propósito, as observações críticas de M achado V ilela,
207

66. Competência Interna: A) Competência em razão da matéria.

No plano interno, o poder jurisdicional começa por ser


dividido por diferentes categorias de tribunais, de acordo com
a natureza da matéria das causas.
Há assim tribunais administrativos, tribunais militares,
tribunais judiciaist tiúbi mais fiscais tendo cada uma destas cate­
gorias competência para determinadas majtérias do Direito (').
A competência cm razão da matéria distribui~se deste
modo por diferentes espécies ou categorias de tribunais que
si situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação
de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas.
Na base da competência em razão -da matéria está o
princípio da espccializcição, com o reconhecimento da van­
tagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o
conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e
pela especificidade das normas que os integram.
A primeira classificação dos tribunais, assente na com­
petência em razão de matéria, é a que distingue entre tri­
bunais judiciais (a que antigamente se chamava tribunais
comuns), de um lado, e tribunais especiais, do outro.
Diz-se, com efeito, no artigo 212.° da Constituição que
existem as seguintes categorias de tribunais: a) o Tribunal
Constitucional 0 ; b) tribunais judiciais de primeira instân­
cia, de segunda instância e o Supremo Tribunal de Justiça (3);

(esf. cit., no Boi. Fac. Dir., xvn, pág. 333 e segs.) à solução, tal como
era formulada no Código de 1939.
(') O Decreto-Lei n.° 129/84, de 27 de Abril, regulamentado pelo
Decreto-Lei n.° 374/84, de 29-11, aprovou um novo estatuto dos tribunais
administrativos e fiscais.
O Note-se que o Tribunal Constitucional, tal como o Tribunal
de Contas, não constituem, em bom rigor, categorias de tribunais.
Cada um deles, como órgão judiciário único na respectiva espécie,
constitui um tribunal especial.
(’) Embora da redacção da alínea b) do n.° 1 do artigo 212.“ da
Constituição se pudesse depreender que o Supremo Tribunal de Jus­
tiça não pertence à categoria dos tribunais judiciais, conclusão oposta
firma o artigo 214.°, ao proclamar que «o Supremo Tribunal de Jus­
tiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais».
208

c) o Tribunal de Contas; d) tribunais militares. E acres­


centa a disposição constitucional que podem existir tribu­
nais administrativos e fiscais, tribunais marítimos e tribunais
arbitrais (‘) Q 0).
E, apesar de a Constituição ter posto de lado a termino­
logia clássica da distinção a que se refere o artigo 66.° do
Código uc Processo Civil (tribunais comuns e tribunais cspe-
ciais), certo é que a definição da competência dos tribunais
judiciais (cujos juizes gozam de estatuto privativo: art. 220.°
da Const. da República) em face dos restantes órgãos judi­
ciários continua a fazer-se nos termos prescritos por aquela
disposição (art. 14.° da Lei n.° 82/77).
Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da orga­
nização judiciária e, por isso, gozam de competência não
discriminada (competência genérica), enquanto os restantes
tribunais, constituindo exoepção, têm a sua competência lim i­
tada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.

(‘) Do contraste flagrante entre o texto do n.° 1 (Existem as


seguintes categorias de tribunais) e a redacção do n.° 2 do artigo 212.”
da Constituição (Podem existir...) resulta que as primeiras catego­
rias fazem parte, imperativamente, da estrutura judiciária do País,
enquanto as segundas não são essenciais à organização constitucio­
nal do Estado-
Os tribunais arbitrais, previstos no n.° 2 do artigo 212.° (é o
Dec.-Lei n.° 243/84, de 17-7, que fixa actualmente o enquadramento
legal da arbitragem e determina o que pode ser objecto de conven­
ção), caracterizam-se pelo facto de a sua intervenção depender do
acordo das partes (compromisso arbitrai ou cláusula compromissó-
ria: arts. 1508.° e segs.) e não poder recair sobre relações subtraídas
ao domínio da vontade das partes (art. 1510°).
São assim verdadeiros tribunais arbitrais os julgados da paz
previstos no artigo 76.° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (cfr.
art. 76°, 1, c)).
(') Os tribunais administrativos, durante muito tempo integra­
dos na Presidência do Conselho de Ministros, passaram para a depen­
dência orgânica do Ministério da Justiça com o Decreto-Lei n.° 250/74,
de 12-6.
C) Quanto à competência dos tribunais eclesiásticos, vide o acór­
dão do S. T. J., de 22-2-1983 (B. M. J., 324, pág. 590).
209

Quer isto significar que todas as acções, que exorbitem


das matérias especificamente conferidas aos tribunais espe­
ciais (hoc sensu), cabem na esfera (geral) da competência indis­
criminada dos tribunais judiciais.
Dentro da vasta categoria dos tribunais judiciais, sucede,
porém, que a lei distingue ainda, no tocante à competência
em razão da matéria, entre tribunais de competência genérica
e tribunais de competência especializada ('), além de admitir
(com base, não na diferente natureza da matéria, mas na
diversidade da forma de processo aplicável) os tribunais de
competência específica (2).
Entre os tribunais de competência especializada interes­
sam de modo particular ao processo civil os tribunais cíveis,
os tribunais criminais, os tribunais de família, os tribunais
de menores e os tribunais de trabalho.
Aos tribunais cíveis compete preparar e julgar todas as
acções que, nas comarcas de Lisboa e do Porto, não sejam
atribuídas a outros tribunais (art. 57.° da Lei n ? 82/77).
Os tribunais criminais, aos quais compete, nas comarcas
de Lisboa e do Porto, a pronúncia, o julgamento e os termos
subsequentes nas causas-crime (art. 59.° da Lei Orgânica dos
Tribunais Judiciais), têm competência para fixar a indemni­
zação devida pelos danos causados por facto ilícito que

(') Os tribunais de comarca são, em principio, os tribunais dc


competência genérica (art. 45.° da Lei n.° 82/77, de 6-12); nas comarcas
de Lisboa e do Porto, são os tribunais cíveis que, embora de com­
petência especializada, gozam de uma competência genérica (art. 57.*
da Lei cit.).
Como tribunais de competência especializada enumera o artigo 56.*
da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais os tribunais eiveis, os tribu­
nais criminais, os tribunais de instrução criminal, os tribunais de
família, os tribunais de menores, os tribunais de trabalho, os tribu­
nais de execução das penas e os tribunais marítimos.
(') Como tribunais de competência especifica podem referir-se,
nas comarcas de Lisboa e do Porto, os juízos criminais, os juízos
confeccionais e os juízos de polícia (art. 7° do Dec.-Lei n.° 269/78,
de 1-9). Seriam também juízos de competência específica, dentro dos
quadros da nova tipologia, as varas e os juízos cíveis, que a Lei Orgâ­
nica dos Tribunais Judiciais entretanto eliminou.
14 — Manual Processo Olvll
210

envolva responsabilidade civil conexa com a criminal (‘).


Ê na acção penal que deve ser deduzido o pedido de indem­
nização dos danos resultantes de facto punível, pelo qual
sejam responsáveis os seus agentes (art. 29.° do Cód. Proc.
Penal e art. 67.°, 2, do Cód. da Estrada).
Os tribunais de família, criados pela Lei n.° 4/70, de 29
de Abril (*), têm competência não só para as questões matri­
moniais, os processos de jurisdição voluntária relativos aos
cônjuges, e as acções de alimentos entre cônjuges, mas tam­
bém para as providências cíveis relativas a menores O , fun­
dadas nos laços de família, conquanto a não tenham para
as acções relacionadas com a filiação (sem embargo de pode­
rem proceder à averiguação oficiosa de maternidade ou de
paternidade), nos termos dos artigos 61.° e 62.° da Lei Orgâ­
nica dos Tribunais Judiciais.
Aos tribunais de menores compete especialmente decre­
tar as medidas de prevenção criminal, aplicáveis à juventude
delinquente ou indisciplinada, que pouco interferem já com
o processo civil (art. 63.° da Lei n.° 82/77).
Finalmente, aos tribunais do trabalho (integrados na
órbita dos tribunais judiciais pelo art. 85.° da Lei n.° 82/77),
compete, além do mais, julgar as questões emergentes dos
contratos de trabalho, quer individuais, quer colectivos, as
questões relativas a acidentes de trabalho ou doenças pro­
fissionais e, em princípio, as referentes ao contencioso sin­
dical (4) e de previdência social (art. 66.° da Lei n.° 82/77).

(') Vide o assento do S.T.J., de 28-1-1976. Cfr. Figueiredo D ias,


Direito processual penal, 1974, § 16; Idem, Sobre a reparação de perdas
e danos arbitrada cm processo penal, no Boi Fac. Dir., 1966, pág. 89
e segs,; R ibeiro db Faria, A indemnização por perdas e danos arbitrada
em processo penal — O chamado processo de adesão, Coimbra, 1978;
Jostí A ntónio B arreiros, Processo Perial, i, pág. 508 e segs., e o acór­
dão do S.T.J., de 31-5-19S3, no B.M.J., 327, pág. 593.
(’) A Lei n.° 4/70 foi regulamentada pelo Decreto-Lei n." 8/72,
de 7-1.
(J) Cfr. o assento n.° 6/79 do S. T. J., de 24-7-1979.
C) Vide, a propósito, os acórdãos do S.T.J., de 6-7-1981 e de 13-
-1-1984, no B. M. J., 309, pág. 261, e 333, pág. 333.
211

De entre os tribunais espaciais, os que têm maior cone­


xão com o processo civil são os do contencioso administrativo,
aos quais compete, além do mais, julgar as acções fundadas
na responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos
e dos titulares dos seus órgãos e agentes, por prejuízos decor­
rentes de actos de gestão pública (‘) 0 (art-51-°, h)> d° Dec.-
■Lei n.° 129/84, de 27-4).

67. (Conit.). B) Compettoda em razfio da hierarquia.

Dentro de cada espécie ou categoria de tribunais pode


haver diferentes ordens de tribunais dispostos em planos
verticais, como numa pirâmide judiciária, com funções dis­
tintas, sucessivamente mais delicadas.
Entre as funções de maior delicadeza dos tribunais colo­
cados nos escalões superiores da hierarquia avulta o poder
de revogarem e de reformarem as decisões proferidas pelos
tribunais de grau inferior (3).
Por isso, os juizes dos tribunais superiores são recruta­
dos, senão pelo seu especial saber ou capacidade (mérito), ao
menos pela sua maior experiência (antiguidade) (4).

(') Ê pacifica a doutrina de que cabe aos tribunais judiciais jul­


gar da validade e eficácia dos contratos não administrativos celebra­
dos pelos entes públicos e sobre as questões de propriedade ou de
posse de bens em poder das autarquias ou institutos públicos (art. 816*
do Cód. Administrativo). Cfr., a propósito, os acórdãos do Tribunal dos
Conflitos, de 18-5-1944 (pub. na R. L. J., 77.", pág. 138 e segs.), de 5-3-1970
(nos Acs. Doutrinais do S.T.A., ix, n.° 100, pág. 641) e de 5-11-1981
(no B. M. /., 311, pág. 195).
O Sobre a regularidade ou irregularidade da intervenção das
câmaras municipais na celebração de arrendamentos de prédios per­
tencentes a particulares ao abrigo do Decreto-Lei n.° 198-A/75, de 144,
vide o acórdão da Relação de Lisboa, de 9-2-1979 (Col. Jur., iv, 1, pág. 141).
(*) «Os tribunais judiciais, afirma o artigo 15° da respectiva Lei
Orgânica, encontram-se hierarquizados para efeito de revisão das suas
decisões.»
(') A própria Constituição, invadindo o terreno da legislação ordi­
nária, prescreve no artigo 220.° que «o recrutamento dos juizes dos
tribunais judiciais de segunda instância faz-se com prevalência do cri­
tério do mérito, por concurso curricular entre juizes da primeira
212

A competência em razão da hierarquia é assim a que


resulta da distribuição de funções entre as diferentes ordens
de tribunais escalonados verticalmente, dentro da mesma
espécie ou categoria.
Dentro .da hierarquia dos tribunais judiciais — a que
interessa ao processo civil — , a base da pirâmide é consti-
+Hl/Io rvolno f ^íklinrtin ' J /"IX __
__________1 ____ C.
muuuaia uc ^uuiaivâ v . )> cmuura cm ipiano mie-
rior se preveja ainda, na respectiva Lei Orgânica, a existência
de julgados de paz (em termos que não garantem, todavia, a
cobertura de todo o território nacional).
No plano imediatamente superior ao da rede dos tribu­
nais de comarca colocam-se os tribunais da Relação, que
funcionam como tribunais de segunda instância.
Na cúpula da hierarquia situa-se o Supremo Tribunal
de Justiça 0 , ao qual cabe essencialmente a função de tri­
bunal de revista {art. 30.° 'da Lei Orgânica).
A hierarquia judiciária, ligada ao sucessivo escalona­
mento das diversas ordens de tribunais (dentro da mesma
espécie), não se identifica com a hierarquia administrativa.
A hierarquia administrativa caracteriza-se pelo poder de
direcção que compete aos órgãos superiores e pelo correla­
tivo dever de obediência hierárquica que (sem prejuízo do

instância» (n.° 3), e que «o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça


faz-se por concurso curricular aberto aos magistrados judiciais e do
Ministério Público c a outros juristas de mérito, nos termos que a
lei determinar» (n* 4). Vide os artigos 47.°, 48°, 50°, 51° e 52.“ da Lei
n.” 21/85, de 30-7.
Estas nomeações ou promoções são efectuadas pelo Conselho
Superior da Magistratura, composto por dezasseis membros, dos quais
dois são designados pelo Presidente da República, sete eleitos pela
Assembleia da República, sendo os sete restantes juizes eleitos pelos
seus pares (art. 223°, 1, da Const, da República). Cfr. artigo 137* da
Lei n.° 21/85, de 30-7.
(') Na primeira instância pode havef tribunais de competência
especializada (como os tribunais de trabalho) ou de competência
específica, sujeitos ao estatuto próprio dos tribunais de comarca
(arts. 215.°, 1, e 216°, 1, da Const. da República).
O «O Supremo Tribunal de Justiça, diz o artigo 214.* da Cons­
tituição, é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem
prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional.»
213

direito de reclamação contra a ordem ilegal ou injusta) recai


sobre o subordinado (*).
Na hierarquia judiciária não 'há poder de direcção por
parte dos juizes dos tribunais superiores, como não há dever
específico de obediência do lado dos juizes dos tribunais
inferiores, visto que para todos eles vale, indistintamente, o
princípio basilar da independência proclamado no artigo 208.°
da Constituição e no artigo 3.° da Lei Orgânica.
A hierarquia judiciária reflecte-se apenas no poder con­
ferido aos tribunais superiores de, por via de recurso, revo­
garem e reformarem as decisões dos tribunais inferiores (2)
e nos demais aspectos resultantes do disposto nos arti­
gos 70.° a 72°
São fundamentalmente três os pontos em que se traduz
a diferente competência funcional das várias ordens de tri­
bunais judiciais em razão da hierarquia.
O primeiro refare-se aos recursos. A regra, que se res­
piga do disposto nos artigos 70.°, 71.°, a), e 12°, a), é a de que
o conhecimento do recurso interposto de qualquer decisão
judicial cabe ao tribunal de grau imediatamente superior
àquele que a proferiu (J) (4).

(‘) Ao poder de direcção andam geralmente associados, na hie­


rarquia administrativa, o poder de inspecção e o poder disciplinar,
cujo exercício decorre em termos m uito diferentes nos órgãos ju d i­
ciários. Vide M arcello Caetano, Manual de direito administrativo,
8." ed,, i, 1968, com a colaboração de Freitas do Amaeal, n.° 107, pág. 236
e segs.; e C unha Valente, A hierarquia administrativa, 1939, passim.
0) No âmbito restrito da reforma da decisão impugnada por via
de recurso é que pode haver um verdadeiro dever de obediência hierár­
quica, como resulta dos termos dos n.°* 2 e 3 do artigo 712.“ (anulação
de respostas do colectivo, formulação de novos quesitos, fundamen­
tação das respostas dadas ao quesitos), do n.“ 2 do artigo 718.°, do
n.° 3 do artigo 729.°, do n.° 1 do artigo 730.°, do n.° 2 do artigo 775.° e
do n.' 2 do artigo 782."
(J) Ao lado do recurso das decisões judiciais há que mencionar
os recursos da recusa de actos por parte de notários, conservadores
ou outros funcionários (arts. 192“ e segs. do Cód. Notariado; 140.“,
145“ e segs. do Cód. Reg. Predial, e 356.“ e segs. do Cód. Reg. Civil).
Os tribunais dc comarca funcionam ainda como tribunais de
214

0 segundo respeita aos conflitos de competência. Neste


caso, considera-se competente, de acordo com as soluções
fixadas nos artigos 70.°, 71.°, c), e 82.°, c), do Código de Pro­
cesso Civil, e nos artigos 29.°, c), e 40.°, c), da Lei Orgânica,
o órgão judiciário de grau imediatamente superior às auto­
ridades ou tribunais em conflito (quer positivo, quer nega­
tivo).
O terceiro tem por objecto as acções de indemnização
propostas contra magistrados (judiciais ou do Ministério
Público), por virtude de actos praticados no exercício do
cargo (‘).
Também neste caso, como se deduz do disiposto nos
artigos 10°, 71.°, b), e 72.°, b), do Código de Processo Civil
e nos artigos 27.°, d), e 39.°, a), da Lei Orgânica, a regra é a
de que a competência cabe ao órgão judiciário de categoria
imediatamente superior àquele onde o demandado exerce
funções.
Para além destes pontos, importa ainda referir, no âmbito
da competência em razão da hierarquia, a competência exclu­

recurso de impugnação do resultado das avaliações fiscais feitas pelas


repartições de finanças (Dec. n.° 37 021, de 21-8-1948); Vide o acórdão
do S.T.J., de 15-5-1979 {B.M.J., 287, pág. 220).
(4) Ressalva-se o caso excepcional (do chamado recurso per sal-
tum) previsto na alínea a) do artigo 72.°, em que o recurso é directa­
mente interposto da decisão do tribyjnal de comarca para o Supremo
(art. 800.°).
(‘) Ê preciso que a acção, nestes casos, seja proposta por causa
do exercício das funções do magistrado, não bastando que o dano
de que o autor pretende ressarcir-se tenha resultado de um acto
praticado no exercício da função. Se o magistrado, a caminho de
uma inspecção judicial, atropela determinada pessoa e esta intenta
contra ele a respectiva acção de indemnização, não pode dizer-se que
a acção foi proposta por causa do exercício das funções do magis­
trado. Não há nesse caso, entre o dano e a função do magistrado,
a relação de causalidade exigida por lei: Alberto dos R eis , ob. cit., 1°,
pág. 157.
Quanto à acção correspondente de indemnização contra juizes do
tribunal arbitrai, vide o acórdão do S.T.J., de 11-11-1975 (B .M .J., 251,
pág. 93).
215

siva dos tribunais da Relação para as acções de revisão e


confirmação das sentenças proferidas por tribunais estrangei­
ros ou por árbitros no estrangeiro, bem como para conoeder
o exequatur às decisões dos tribunais eclesiásticos (art, 71.°, d),
do Cód. Proc. Civil e art. 40.°, e) e f), da Lei Orgânica) e a do
Supremo Tribunal de Justiça para os conflitos de jurisdição
~ n à n
,i i a i i
^ T f n l u o m
g iiv u iv a m u u v u n u it u v g
triVmna-ic n r l m i n Í R t r í i + i v n s
a i i
w w

(art. 72.°, d), do Cód. Proc. Civil e art. 29°, d), da Lei Orgâ­
nica).

68. (Cont.). C) Competência em razão do valor.

Dentro da mesma espécie de tribunais pode ainda haver


uma discriminação de competência em função do valor (não
da matéria) da causa.
Era a essa modalidade especial de competência que os
artigos 68.° e 69.° se referiam, tendo concretamente em vista
os tribunais de comarca em cuja área hotivesse julgados
municipais.
Com a extinção destes órgãos judiciários pela Lei Orgâ­
nica dos Tribunais Judiciais (art. 83.°, 2, d)), a competên­
cia em razão do valor perdeu quase todo o seu campo de
aplicação prática, restando apenas o que resulta da definição
de competência dos chamados julgados de paz (art. 76.°, c),
da Lei Orgânica), nos quais, para ter acesso à judicatura,
basta saber ler e escrever (art. 75.°, c), da Lei cit.). O artigo 16.°
desta Lei Orgânica alude ainda à competência (do Supremo
e das Relações) em razão do valor, mas do que trata, no
fundo, é apenas de explicitar o conceito de alçada das Rela­
ções e dos tribunais de comarca.

69. (Cont.). D) Competência em razão do território.

Dentro de cada espécie ou categoria de tribunais e no


mesmo grau de jurisdição, a repartição do poder de julgar
faz-se depois em função do território.
Sabido que determinada pretensão é da competência
dos tribunais judiciais e deve ser deduzida num tribunal de
216

comarca, resta saber qual o tribunal de comarca (territorial­


mente) competente.
A competência territorial ou competência em razão do
território é a que resulta de aos vários tribunais da mesma
espécie e do mesmo grau de jurisdição ser atribuída uma
circunscrição, ou seja, uma área geográfica própria de com-
n e tê n H a
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> n /= > n ^ ír / ^ n n c -

crições, mediante o elemento de conexão que para esse efeito


reputa decisivo (').
A competência territorial é assim uma competência que
assenta fundamentalmente no lugar onde cada tribunal tem
a sua sede (competência ratione loci). É, além disso, uma
competência subjectiva, parque fixa o poder de julgar de
cada tribunal individualmente considerado, enquanto as
outras modalidades se referem à competência objectiva de
certo conjunto ou espécie de tribunais ou dos tribunais de
determinado escalão da hierarquia judiciária.
A competência territorial resulta da conjunção de dois
elementos: a circunscrição territorial correspondente ao tri­
bunal, de um lado; o factor decisivo de conexão de cada
tipo de acções, do outro.
Entre os factores de conexão, relevantes para o efeito
da competência territorial, podem destacar-se os seguintes:

a) Foro do réu (arts. 85.° e 86.°). Corresponde à regra


geral, ou seja, ao critério supletivo. Sempre que não
haja disposição especial em contrário, competente
para a acção é o tribunal em cuja circunscrição o
réu tenha o seu domicílio (actor sequitur forum rei).
É a transplantação, para o carripo do direito proces­
sual, do pensamento (favor debitoris) que domina
todo o vasto sector do direito das obrigações.

(') «A lei de processo, prescreve o n.° 2 do artigo 17.° da Lei


Orgânica dos Tribunais Judiciais, fixa os factores que determinam,
em cada caso, o tribunal territorialmente competente.»
217

É assim no foro do réu que devem ser propostas as acções


de anulação, declaração de nulidade ou resolução (') dos con­
tratos, de prestação de contas, dc reivindicação de coisas
móveis, de vindicação ou impugnação de paternidade, de inves­
tigação de paternidade ou maternidade.

b) Foro real ou da situação dos bens (forum rei sitae).


As acções relativas a direitos reais sobre imóveis,
as acções para arbitramento, de despejo, de pre­
ferência sobre imóveis, bem como as de reforço,
substituição, redução e expurgação de hipotecas,
devem ser propostas no tribunal em cuja circuns­
crição os bens ficam situados.

E uma regra muito importante, quer .pela extensão do seu


alcance, quer pelo seu carácter imperativo, no que respeita às
acções relativas a direitos reais sobre imóveis (sitos em terri­
tório português): artigo 65.°-A, alínea a). Estão nela compreen­
didas as acções de reivindicação, de preferência (quer se fun­
dem num direito real como a compropriedadc, quer provenham
de uma relação obirigacional como o arrendamento).

c) Foro obrigacional (forum obligationis). A acção des­


tinada a exigir o cumprimento da obrigação (ex con-
tractu), ou a indemnização pelo não cumprimento,
deve, em obediência ao disposto no artigo 74.°, ser
proposta no tribunal cuja circunscrição abrange o
lugar onde, por força da lei (imperativa ou suple-
tiva) (2) ou convenção escrita, a obrigação devia ser
cumprida.

(■) Cfr. A. de Castro, ob. cit., i i , pág. 61; R odrigues B astos, Notas
ao Código de Processo Civil, i, pág. 212, e o acórdão do S.T.J., de 30-
-1-1951 (B.M.7., 23, pág. 230).
(J) Neste sentido, A. dos R eis , ob. cit., 1.°, pág. 192. Era sen­
tido diferente, A. de Castro, ob. cit., n, pág. 61, nota 2, e M. Andrade,
Noções..., pág. 101, nota 3.
218

É outra regra de grande interesse prático, pela enorme


frequência da sua aplicação, mesmo em obrigações cujos sujei­
tos são cidadãos ou empresas estrangeiras. Nela cabe inques­
tionavelmente a acção destinada a exigir, em acumulação, o
cumprimento específico da obrigação e a indemnização pela
mora.
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contrato fundada no inadimplemento de uma das obriga*


ções contratuais, ou na mora, quer a acção de anulação do
contrato (').

d) Foro do autor (jorum actoris). É o princípio aplicá­


vel às acções de divórcio ou de separação de pessoas e
bens. Estas acções, segundo a doutrina do artigo 75.°,
devem ser propostas no tribunal em cuja circuns­
crição o autor tem o seu domicílio ou residência.

A opção da lei pelo foro do autor encontra-se visivelmente


ligada à ideia de que, sendo o requerente do divórcio ou da
separação a vítima da violação do dever conjugal que serve,
em regra, de fundamento à dissolução ou modificação da
sociedade conjugal, merece por esse facto o benefício que
o critério lhe pode proporcionar (*).

e) Foro hereditário. 0 tribunal competente para a ins­


tauração do processo de inventário é o do lugar da
abertura da sucessão (art. 77.°, I), sabendo-se que

() Para as acções destinadas a exigir a indemnização devida com


base na responsabilidade civil extracontratual (violação do dever geral
de abstenção correspondente aos direitos absolutos) é competente nos
termos do n.’ 2 do artigo 74.», o tribunal do lugar em que o facto (ilí­
cito ou lícito) ocorreu.
(') Entendeu o legislador, escreve Alberto dos Re is (ob. cif l"
pág. 197): «que nas acções de separação e divórcio, era o autor côn’
juge inocente, que devia, de preferência, ser protegido: por isso subs­
tituiu à regra geral do artigo 85."- fo ro do domicilio do r é u - o foro
do domicílio do autor, quer este seja a mulher, quer seja o m arido.
219

este é o lugar do último domicílio do de cuius


(art. 2031.° do Cód. Civil).

f) Foro da execução. O foro competente para a execução


fundada em sentença é o tribunal de I o instância
onde correu o processo declaratório, correndo a exe-
nimnn nm- finpTicn 'ir\ nrnrí^í^n
Luyau nnde ri sentença
w-------------- ------------- — *
foi
proferida (art. 90.°, 1 c 3). As execuções fundadas
noutros títulos devem ser instauradas no tribunal
cuja circunscrição corresponda ao lugar do cumpri­
mento da obrigação (execução por q u a n tia certa:
art. 94.°, 1), ao lugar onde a coisa devida se encon­
tre (execução 'para entrega de coisa certa: art. 94.°, 2)
ou ao lugar da situação dos bens onerados (execução
por dívida com garantia real: art. 94", 2).

Valores subjacentes à fixação da competência territorial


A escolha dos elementos de conexão decisivos para a fixação
da competência territorial, não sendo arbitrariamente feita,
é determinada por critérios de justiça c de razoabilidade,
como sucede nos casos previstos nos artigos 75.° e 85. Mas
procura visivelmente, em muitos casos, sobretudo quando
rasga ao autor várias opções na proposição da acção, nor­
tear-se pela comodidade das partes (adoptando as soluções
que menores gastos de dinheiro e de tempo acarretam para
os litigantes: cfr. arts. 73.°, 74.°, 77.°, 78.°, 79.“, 80.°, 82.°,
83.°, 84.°, 90.°). Em algumas destas soluções pesa ainda o
interesse da boa administração da justiça, mediante a esco­
lha do tribunal que, pela sua posição junto dos elementos da
lide, ofereça maior garantia de acerto com menor dispêndio
de actividade (l).

0) Exemplo flagrante dè aplicação deste último critério é o da


fixação do tribunal competente para conhecer das acções derivadas
de facto ilícito extracontratual ou de facto gerador do risco.
220

70. ExtensSo e modificação da competência.

A determinação do tribunal competente, de acordo com


as regras anteriormente expostas, pode sofrer alguns desvios,
por virtude da interferência de outros princípios atinentes à
matéria, que importa conhécer.
O primeiro nasce da competência que a lei reconhece ao
tribunal da causa para conhecer dos incidentes (questões
incidentais), da matéria da defesa suscitada pelo réu e das
questões levantadas por via de reconvenção.

«O tribunal competente para a acção é também com­


petente, no dizer do artigo 96.°, para conhecer dos inci­
dentes que nela se levantem e das questões que o réu
suscite como meio de defesa.» (‘)

Assim, se o autor (residente em Lisboa) propuser no tri-


bjinal da comarca de Cascais uma acção de indemnização
pelo não-cumprimento de uma obrigação que, por estipula­
ção negociai escrita, devia ser cumprida na vila de Cascais, e
o réu se defender, alegando a anulabilidade do contrato e
requerendo a sua anulação, o tribunal de Cascais terá compe­
tência para conhecer da questão suscitada na defesa do réu.
Todavia, se este contraente tivesse tomado a iniciativa
de propor ele acção de anulação do contrato, o tribunal
competente para conhecer da resipectiva acção seria o de Lis­
boa (correspondente ao domicílio do então réu: art. 85.°) e
não o de Cascais.
Da mesma sorte, se no decurso da acção se levantar
qualquer incidente (como o da habilitação, no caso de faleci­
mento de alguma das partes; de nomeação à acção ou de cha­
mamento à autoria ou à demanda, ipor ex.), o tribunal da
causa terá competência para julgar qualquer dos incidentes,

(') Quanto aos pedidos reconvencionais, também o artigo 98.°


reconhece competência ao' tribunal da causa para conhecer deles,
desde que lhe não faleça, para o efeito, a competência em razão da
nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
221

mesmo que não seja o 'tribunal competente para julgiir a


validade e eficácia das relações materiais que lhes servem dc
base, na acção directa e autonomamente proposta com esse fim.
A lei limita, no entanto, o alcance desta extensão de com­
petência conferida ao tribunal da causa, no exclusivo inte­
resse dos pleiteantes.
à decisão proferida nos incidentes, bem como nos meios
de defesa que não envolvam directamente o objecto da acção
(questões incidentais, hoc sensu), mesmo quando transitada em
julgado, vale apenas como caso julgado formalf ou seja, dentro
do respectivo processo, a não scr que alguma das partes
requeira o processamento da questão como numa acção autó­
noma (para a decisão valer fora do processo) e ao tribunal não
faleça a competência necessária, em razão da nacionalidade,
da matéria ou da hierarquia (art. 96.°. 2) (').
Através deste esquema (apreciação e julgamento ime­
diato, pelo tribunal não competente, em acção a latere, dum
lado; limitação do efeito da decisão, do outro) procura a lei
poupar às partes o dispêndio de tempo, de outro modo inevi­
tável, na preparação e julgamento da questão incidental no
juízo competente e em processo a se.
Quando, porém, a decisão a proferir na acção dependa
da resolução prévia de uma questão do foro criminal ou
administrativo (questão prejudicial) (:), o tribunal da causa

(‘) Em tal hipótese, reunidos os dois requisitos de que a lei não


abre mão, a decisão da questão incidental valerá como caso julgado
material, logo que transite em julgado, apesar de ser proferida pelo
tribunal não territorialmente competente e de não constituir o remate
de uma acção separada.
Será nesse caso indispensável, ern princípio, como Palma Carlos
(Cód. de Proc. anotado, 1.°, pág. 316) justamente observa, fazer inter­
vir todos os legítimos contraditares do direito invocado pela parte,
ou melhor, todas as pessoas cuja participação em juízo é necessária
para assegurar a legitimidade das partes em face da relação mate­
rial litigada (A. dos R e is , ob. cit., 1.*, pág. 286).
(>) Não constitui questão prejudicial, para cteito do disposto
no artigo 97.“, segundo a doutrina expressa no acórdão do S. T. J„
de 28-6-1979 (B .M .J., 288, pág. 348), o caso que seja da competência
dos tribunais de trabalho.
222

(civil) pode (') sobrestar na decisão até que o tribunal com­


petente resolva a questão prejudicial. Ao interesse da cele­
ridade processual sobreleva nesse caso um outro interesse
fundamental, que é o da maior garantia de acerto ou perfei­
ção na decisão (J). Se, entretanto, a acção penal ou adminis­
trativa não for instaurada dentro de um mês ou o processo
estiver parado durante o mesmo prazo, por negligência das
partes, a lei não hesita em atribuir competência ao juiz da
causa, atenta a plenitude de jurisdição de que goza o tribu­
nal de comarca, em geral, ou o tribunal cível, em especial,
para decidir a questão prejudicial. A esta decisão, em maté­
ria estranha à competência do tribunal, apenas se reconhece,
obviamente, valor de caso julgado formal.
O segundo desvio prende-se com a hipótese da plurali­
dade dos réus.
Se a acção, para a qual seja competente, nos termos
do artigo 85.", o tribunal do domicílio do réu, for proposta
contra várias pessoas, com domicílios situados em circunscri­
ções comarcas diferentes, obviamente se não pode respeitar,
quanto a todas elas, a regra do forum rei.
Prevendo e regulando especialmente essa hipótese, o
artigo 87.° aceita o critério estatístico do maior número (3).
Todos os réus serão demandados no tribuna] correspon­
dente ao domicílio do maior número deles (4); e, se for igual
(') E deve, em princípio, fazê-lo, atento o interesse especial que
reveste a resolução da questão prejudicial pelo tribunal competente,
em razão da matéria. Vide, porém, Palma Carlos (ob. cit., 1.°, pág. 317)
e A. dos R eis (ob. cit., 1.°, pág. 288), que acentuam o carácter facul­
tativo da suspensão da causa.
C) Nada se diz na lei acerca do momento em que o juiz, que­
rendo suspender a causa para devolver ao tribunal competente ratione
materiae o julgamento da questão prejudicial, o deva fazer. Mas parece
que o momento funcionalmente mais indicado para esse efeito é, como
A. dos R eis (ob. cit., 1.°, pág. 289) afirma, o que precede a elaboração
do despacho saneador.
(’) JA era essa a orientação aceile no § 2." do artigo 16." do Código
de 1876.
(*) Para esse efeito não conta o réu incerto ou ausente em parte
incerta, riem sequer o domicílio do autor, a que se refere o n.” 2 do
artigo 85”: cfr. Alberto dos R e is , ob. cit., I.°, pág. 258.
223

o número deles nos diferentes domicílios, pode o autor esco­


lher o tribunal correspondente a qualquer deles.
Quer isto significar que o réu ou réus colocados em
minoria (ou até em condições de igualdade com os restantes
co-réus) poderão ser demandados num tribunal não corres­
pondente ao seu domicílio, sem que possam alegar a incom­
petência dele.

Mais incisivos, porém, do que estes casos de prorroga­


ção ou extensão de competência, são os casos de m odificação
das regras de competência.
As partes podem, na verdade, m o d ifica r dentro de certos
limites as regras de competência fixadas na lei e usam com
relativa frequência desse poder, especialmente nas cláusulas
que, dentro dos chamados contratos de adesão, estabelecem
um foro convencional.
Quanto às regras de com petência internacional, podem
as partes modificá-las, nos termos do artigo 99.°, segundo a
nova redacção, pouco feliz, que lhe deu a Lei n.° 21/78, de 3
de Maio (*) Q).

(') A nova redacção do artigo 99.% inteiramente distinta da ver­


são proveniente do Código de 1961, «só se aplica nos tribunais cíveis»,
de acordo com o disposto no artigo 4* da Lei n.° 21/78.
Por força deste preceito insólito da Lei n* 21/78, dá-se um-facto
inédito na legislação nacional: o de haver uma norma com dois textos
distintos e opostos, simultaneamente em vigor (um, aplicável nos tri­
bunais cíveis; outro, válido para todos os restantes tribunais e auto­
ridades).
Segundo a nova versão, a validade do pacto modificativo da com­
petência internacional depende, não só dos requisitos dc forma apli­
cáveis à modificação da competência territorial, mas também dos
seguintes requisitos substanciais: a) ser aceite pela lei do tribunal
designado; b) corresponder a um interesse sério das partes ou de
uma delas — factor que constitui uma fonte de grave incerteza para os
outorgantes; c.) não atingir a área dos direitos indisponíveis, nem a
esfera da jurisdição exclusiva dos tribunais portugueses (fixada pelo
art. 65.*-A).
(') E a atribuição de competência internacional aos tribunais por­
tugueses pode ocorrer mesmo que a relação controvertida não tenha
qualquer elemento de conexão com o território nacional. Cfr. o acór­
dão do S.T.J., de 23-7-1981 (B .M .J., 309, pág. 303).
224

No domínio da chamada competência interna, proíbe a


lei (art. 100°) que sejam afastadas, por convenção das partes,
as regras de competência em razão da matéria e da hierar­
q u ia ^); mas permite, em contrapartida, que sejam alteradas,
por convenção expressa, as regras de competência em razão
do valor 0 e do território, salvo nos casos em que a incom­
petência relativa passou a ser do conhecimento oficioso do
tribunal (arts. 100.°, 1, e 109.°, 2, segundo a redacção dada a
um e outro pelo Dec.-Lei n.° 242/85, de 9-7).
Para que a convenção seja válida, exige, no entanto, a lei
a observância dos seguintes requisitos formais: a) a conven­
ção terá de ser escrita f), quando outra exigência mais solene
quanto à forma (externa) não resulte do acondo das partes (“);
b) o acordo há-de designar desde logo o tribunal competente
(o tribunal de Almada, o tribunal cível de Lisboa, etc.),
não bastando para o efeito nenhuma forma de designação
genérica ou de referência indirecta (5); c) o acordo deve ainda
explicitar as questões a que se refere (v. g., todas as questões

(') O artigo 64.° do Código de Processo Civil e o artigo 19.° da Lei


Orgânica dos Tribunais Judiciais proíbem também o desaforamento,
ou seja, a deslocação da causa, por determinação judicial, do tribunal
competente para outro, a não ser nos casos excepcionais ■ previstos
na lei (arts. 123.°, 2; 275.°, 1198.”).
O Admite-se, assim, que as partes atribuam aos julgados de
paz, quando eles existam, o poder de intervir em acções que, pelo
seu valor, caberiam ao tribunal de comarca. Vide, a propósito, Alberto
dos R eis , ob. cit., 1.", pág. 299.
(’) Vale como convenção expressa, no entender dos signatários
do acórdão do S.T.J., de 23-1-1968 (B.M.J., 173, pág. 263), a cláusula
inserta no orçamento de um fornecedor, aceite tacitamente pelo com­
prador.
Bastante mais exigente, quanto à forma externa do pacto de
competência (cláusula convencional do foro) era o direito anterior ao
Código de 1939. As Ordenações (livro 3.°, tit. 6.°, §§ 2.° e 3.°) exigiam
escritura publica, enquanto o Código de 1876 só reconhecia validade
à convenção constante de documento autenticado (arts. 21.°, § 5.“, do
Cód. Proc. Civil de 1876 e 46.” do Cód. Civil de 1867).
() É assim nula a cláusula pela qual um dos outorgantes se
obriga a aceitar o tribunal escolhido pelo outro ou declara apenas
renunciar ao foro do seu domicílio.
225

suscitadas pela interpretação ou aplicação do presente con­


trato— ofr. artigo 100.°, 4; todas as questões levantadas entre
os condóminos de determinado edifício ou entre o usufru­
tuário e o proprietário de certo imóvel, etc.) (*).
O foro convencional é tão vinculativo para as partes como
a determinação (do tribunal competente) resultante da lei,
visto o Código português (art. 100.°, 3) ter aderido ao sistema
obrigatório (e não apenas facultativo) de estipulação nego­
ciai C).

71. Violação das regras de competência. Regimes da Incompe­


tência absoluta e da Incompetência relativa.

A violação das regras de competência dos tribunais, na


propositura da acção, não acarreia sempre as mesmas con­
sequências. A lei distingue para esse efeito duas categorias
de incompetência, com regimes em princípio distintos, de
acordo com a importância genericamente atribuída às nor­
mas (de competência) infringidas.
As duas categorias distinguidas na lei são a incompetên­
cia absoluta e a incompetência relativa, conforme as normas
violadas sejam de interesse e ordem pública ou constituam
meras normas de interesse e ordom particular.

«A infracção das regras de competência em razão


da matéria e da hierarquia (3) e das regras de competên-

(') A cláusula convencional do foro pode referir-se (à seme­


lhança do que sucede com o compromisso arbitrai e com a cláusula
compromissória) tanto a um litígio já existente, como a acções pura­
mente eventuais.
O A estipulação de foro convencional não abrange terceiro que
demande um dos outorgantes, por factos relacionados com o contrato
(ac. do S. T. J., de 15-5-1942, no Boi. Oficial, 2:, pág. 156), mas é eficaz
em relação aos herdeiros dos contraentes (ac. do S. T. J., de 7-4-1970,
no B. M. J., 196, pág. 226).
(!) Como exemplo de incompetência em razão da hierarquia
poderá referir-se o caso (julgado pelo ac. do S. T. J., de 22-7-1947,
15 — Manual Processo Civil
226

cia internacional, salvo quando haja mera violação dum


pacto privativo de jurisdição, determina, segundo a pres­
crição do artigo 101.°, a incompetência absoluta do tri­
bunal» ('). A infracção das regras de competência em
razão do valor ou do território iprovoca, por seu turno,
nos termos do artigo 108.°, a incompetência relativa do
tribunal (2).

Antes de analisarmos o espectro dos efeitos próprios de


cada uma das categorias de incompetência, interessa conhecer
o momento decisivo para a fixação da competência do tri­
bunal.
O momento que a lei (art. 18.° da Lei Orgânica dos T rl
bunais Judiciais) considera decisivo para esse efeito, relati­
vamente à situação de facto, é o da propositura da acção.
As modificações da situação de facto posteriormente ocorri­
das são irrelevantes neste domínio (3).

no B. M. J., 2, pág. 219) de um recurso de dccisão do julgado muni­


cipal, indevidamente interposto para o Tribunal da Relação.
() A lei ressalva, justificadamente, do âm bito da incompetência
absoluta, a hipótese da violação do pacto privativo de jurisdição (dos
tribunais portugueses), porque não há nesse caso ofensa das normas
legais (de interesse e ordem pública) que acautelam a jurisdição dos
nossos tribunais, mas simples violação duma cláusula contratual
assente sobre o interesse privado dos particulares (M achado V ilela,
Notas sobre a competência internacional, no Boi, e loc. cits., pág. 105,
e Alberto dos R e is , ob. cit., 1°, pág. 308).
() A dualidade dos regimes da incompetência revela o carácter
imperativo das regras que definem a competência absoluta c a natu­
reza supletiva das normas que, em regra, interessam à competência
relativa. Essa e, aliás, a afirmação implicitamente contida no pre­
ceito do n.° 1 do artigo 100.°, com a ressalva nele introduzida. Note-se,
porém, que, em relação às regras de competência internacional, além
da ressalva contida no artigo 101.° (cingida à violação dos pactos pri­
vativos de jurisdição), o artigo 99°, na redacção proveniente da Lei
n.° 21/78, de 3-5, permite a derrogação convencional delas, com as
limitações constantes do n.° 3.
(’) Na mesma linha de orientação, vide o disposto no artigo 155.°, 4,
da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 314/78
de 27-10. '
227

Se a lei manda propor a acção no domicilio do réu e a


acção foi proposta no tribunal da comarca da Figueira da
Foz, porque na circunscrição deste vivia o réu nessa data,
continuará o tribunal da Figueira a ser competente até ao
final da acção, mesmo que no decurso da causa o deman­
dado mude o seu domicílio para a cidade de Coimbra.
E a mesma regra manda a lei (art. 18.°, 2, da Lei cit.)
aplicar — ao arrepio do princípio geral da aplicação ime­
diata das leis processuais — às modificações de direito pos­
teriores à proposição da acção, capazes de influir na compe­
tência do tribunal (*)•
Vale, por conseguinte, neste domínio da competência
dos tribunais, o princípio especial da perpetuado iurisdi-
tionis ou perpetuado fori, correspondente à velha máxima
semel competens semper competens (ou ubi acceptum est
semel iudicium ibi et finem acoipere debet).
À regra geral da medição da competência do tribunal
pela situação jurídica vigente no momento da proposição da
acção abre a lei duas excepções, para os casos em que a sua
aplicação conduziria a resultados menos aceitáveis.
A primeira é a de, após a proposição da acção, ser supri­
mido o órgão judiciário a que a causa estava afecta; a segunda,
a de vir a ser atribuída ao tribunal onde a acção foi proposta
competência que ele inicialmente não tivesse para o conheci­
mento da causa O.

(') Cfr. supra, n.” 17. Mais limitada é, nesse aspecto, a dispo­
sição correspondente do Código italiano (art. 5.°), que apenas refere,
para as considerar irrelevantes, ás modificações do estado de facto
existente no momento da apresentação da demanda. Cfr., no entanto,
em sentido mais amplo, o artigo 2.°, n.° 1, al. d), do projecto de Lei
delegação para o novo Código de processo civil italiano aprovado pelo
Governo em 8-5-1981 (Riv. trim. dir. proc. civ., xxxv, 1981, pág. 681).
O Código brasileiro (art. 87.°) também considera, em regra, irrelevan­
tes, tanto as modificações do estado de facto, como as do estado
de direito. , .
(’) duas excepções constantes do n.° 2 do artigo 18.* da Lei
Orgânica dos Tribunais Judiciais acrescentava o artigo 63.° do Código
de Processo Civil (que ainda não foi formal ou expressamente revo-
228

Imaginemos que a acção foi proposta no julgado muhi-


eipal (ao qual competia julgá-da no momento em que a petição
foi entregue em juízo) e que, pouco depois, os julgados eram
— como efectivamente foram, pela Lei Orgânica de 6 de Dezem­
bro de 1977 — totalmente suprimidos da organização judiciá­
ria nacional. Não se justificaria que a existência dos julgados
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apreciação e julgamento das causas que lhes estavam afectas.


Mais razoável é a solução prescrita na lei de Dezembro de 1977
(aliás, já fixada no art. 63.° do Cód. Proc. Civil vigente) da
aplicação imediata da nova dei, com a consequente remessa
(ou entrega) dos autos para o tribunal que passa a ser com­
petente.
Relativamente à segunda excepção, também não faria
sentido — seria mesmo absurdo (summum ius summa iniu-
ria!) —■ que, estando a causa a correr no tribunal considerado
competente para a julgar pela nova lei, ele fosse declarado
incompetente depois da entrada em vigor dessa lei e os autos
fossem remetidos para o tribunal agora incompetente, com o
simples pretexto de ser este o órgão judicial competente à data
em que a acção foi proposta, ou que, sendo o réu absolvido
da instância, o autor houvesse que propor nova acção no tri­
bunal em que a acção anterior estava correndo (*).

gado, nem alterado) uma terceira: a de o tribunal, inicialmente com­


petente, deixar de o ser em razão da matéria e da hierarquia.
Como o artigo 18.” da Lei Orgânica regulou, porém, toda a maté­
ria abrangida anteriormente pelo artigo 63.° do Código de Processo
Civil, este deve considerar-se tacitamente revogado, de acordo com
o critério estabelecido no artigo 7.°, 2, do Código Civil, conquanto
nenhuma referência a tal intenção se encontre nos trabalhos prepa­
ratórios do diploma de 1977.
Note-se que, na versão do Código de 1939, o artigo 63.° apenas
admitia também duas excepções ao princípio geral estabelecido: a da
supressão do órgão judiciário a que a causa estava afecta e a de
o tribunal deixar de ser competente em razão da matéria ou da hie­
rarquia.
(') Cfr. Ai.derto dos R eis , ob. cit., 1.°, pág. 117.
229

A) Incompetência absoluta. O regime da incompetência


absoluta do tribunal revela, nos vários aspectos em que se
desdobra, um tratamento acentuadamente mais severo do
que o correspondente à incompetência relativa.
A diferença geral de regime entre uma e outra reflecte
a ideia geral de que na incompetência absoluta há a ofensa de
um interesse público, que é o da boa administração da jus­
tiça, enquanto 'na incompetência relativa (jogando com tribu­
nais da mesma espécie e do mesmo plano da escak hierár­
quica) há apenas a lesão de interesses particulares (como o de
a acção correr no tribunal que menores dispêndios de tempo
e de dinheiro acarreta a uma das partes).

1 — Legitimidade para a arguição. A incompetência abso­


luta pode ser arguida pelas partes (por qualquer delas) e deve
ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (art. 102.°, 1) (*).
Salientem-se, como sintoma da gravidade que a incom­
petência absoluta reveste aos olhos da lei, o faoto de ela poder
ser arguida pela própria parte que lhe dá causa (o autor) e
o facto de não só poder, mas dever, ser suscitada ex officio pelo
tribunal (juiz da causa, juiz incumbido de julgar ou juizes
dos tribunais de recurso).

2 — Tempo de arguição. A incompetência absoluta pode


ser arguida ou conhecida ex officio em qualquer estado do
processo, enquanto não houver sentença transitada sobre o
fundo da causa (art. 102.°, 1) (2).

0) Vide o acórdão do S. T. J., de 14-1-1975, no 251, pág. 99.


(’) Quanto ao tribunal (conhecimento ex officio), há todavia
que conjugar o disposto no artigo 102° com a doutrina do n.° 1 do
artigo 666.°, tal como, relativamente às partes e à admissibilidade de
recurso fundado na incompetência absoluta, importa ter presente a
regra que limita à parte vencida a possibilidade dc recorrer (art. 680°).
Interessa ainda ter presente o disposto no artigo 104.°, 1, segundo
o qual, não tendo sido arguida a incompetência absoluta antes do
despacho saneador, deve a juiz, nesse despacho, certificar-sc dc que
é competente para conhecer da causa, em razão da nacionalidade,
da matéria e da hierarquia.
230

Pode, por conseguinte, ser arguida ou suscitada pela pri­


meira vez, tanto na 1." instância, como na 2.‘ instância ou até
no tribunal de revista ('). Depois de transitada em julgado a
sentença proferida sobre o fundo da causa é que cessa a efi­
cácia da incompetência absoluta, visto ela não constituir, por
si, fundamento do recurso extraordinário de revisão (art. 771.°)
nem de embargos oponíveis à execução fundada em sentença
(art. 813.°) 0 .

(') Cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 18-3-1977, no 267,


pág. 194. E pode ser também conhecida ex officio ou arguida pelas
partes na acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira,
quando se entenda que o tribunal estrangeiro que a proferiu era
incompetente em razão da nacionalidade, cabendo a competência aos
tribunais portugueses (cfr. art. 1096.°, c)).
(') Entende, porém, A. de Castro, (ob. cit., ii, pág. 35), com
base na doutrina dos artigos 66° e 67.°, 2, que a sanação definitiva da
incompetência absoluta só vale plenamente, com o trânsito em julgado
da sentença sobre o mérito da causa, quando o tribunal de comarca
(tribunal comum) tenha conhecido de causa cuja matéria seja atri­
buída a tribunal especial, já não sendo aplicável à hipótese inversa
de o tribunal especial ter invadido a jurisdição do tribunal comum
ou a de outro tribunal especial. Nestes últimos casos, não haveria
apenas falta de competência, mas falta de jurisdição, constituindo a
sentença dé mérito, depois de transitada em julgado, mero caso jul­
gado formal.
Não parece, no entanto, que a distinção feita por A. de Castro
tenha suficiente base legal.
Por um lado, a ideia expressa no n.° 2 do artigo 67.° de que a
plenitude da jurisdição civil pertence, em 1.* instância, ao tribunal
de comarca encontra-se francamente superada pela organização judi­
ciária actual. Há vários tribunais de comarca que, ao lado de um tri­
bunal de competência genérica, comportam um ou mais tribunais de
competência especializada. Outros, como os da comarca de Lisboa e
do Porto, têm verdadeiramente como tribunais de competência gené­
rica tribunais que são ... de competência especializada (arts. 54° e 57.°
da Lei n.° 82/77, de 6-12). A distinção clássica entre tribunais comuns
e tribunais especiais está hoje em dia largamente supeiada e de algum
modo desvirtuada pela separação entre tribunais de competência gené­
rica e de competência especializada.
Por outro lado, ao delimitar no artigo 101.° o âmbito da incom­
petência absoluta, cujo regime traçou nos artigos 102.° a 107.°, o legis­
lador incluiu neles, indiscriminadamente, todos os casos de incompe-
231

Há, todavia, um caso especial em que, pela sua gravi­


dade relativamente menor, se restringem os termos da sua
arguição: é o de ser (indevidamente) proposta perante o tri­
bunal de comarca, de competência g e n é r i c a , uma acção da
competência de um tribunal especial Q) (ou, por argumento
a maiori acl minus, de competência especializada). Neste caso,
a incompetência (absoluta) do tribunal de coanarca só pode
ser arguida e suscitada oficiosamente até ao momento de ser
proferido o despacho saneador (art. 102.°, 2) (J). O facto de não
poder ser arguida pelas partes, senão até ao despacho sanea­
dor, não impede que o juiz, sendo a incompetência arguida
em devido tempo, só venha a conhecer dela em momento
posterior, inclusivamente na sentença final, nos termos do
n.° 2 do artigo 510.° (cfr. art. 103.°, 1 e 2).

3 — Efeitos da incompetência absoluta. A incompetên­


cia absoluta, atenta a gravidade do vício, determina em regra
a inutilização dos actos praticados no juízo iíicompetente (J).
Se for manifesta em face da petição inicial, será esta
indeferida liminarmente (art. 474.°, 1, b)). Sendo (a incompe­

tência em razão da matéria e, ao definir esta nos artigos 66.° e 67°, teve
inquestionavelmente em vista a repartição do poder jurisdicional entre
a jurisdição especial (tribunais especiais) e a jurisdição comum (a do
foro civil em geral).
E, se a Incompetência em razão da matéria abrange declarada-
mente — em primeira linha — a violação de fronteiras, no plano horizon­
tal, entre os tribunais especiais e o tribunal de comarca, por maioria
de razão compreenderá também, quanto ao valor da sentença profe­
rida por tribunal incompetente, a infracção das regras divisórias de
jurisdição entre os tribunais de competência genérica e os de com­
petência especializada.
(') Alberto dos R eis , ob. cit., 1°, pág. 148 e 194; A. de Castro,
ob. cit., II, pág. 75. Em sentido diferente, quanto ao alcance da res­
salva, C. M endes, Manual, pág. 204 e segs.
O Nesse sentido, vide os acórdãos do S. T. J., de 1-7-1975 e
de 11-10-1983, no B.M .J., 249, pág. 440, e 330, pág. 499.
(*) Cfr., a propósito, o acórdão da Relação de Coimbra, de 3-1-1937
(censurado por Alberto dos R e is , na R. L. J., 70°, pág. 285), que man­
dou indevidamente remeter para a auditoria administrativa o recurso
interposto, para o juiz dc direito, de uma deliberação municipal.
232

tência) verificada só depois do despaòho liminar, será o réu


absolvido da instância (art. 105.°, 1), podendo o juiz conhecer
dela imediatamente ou reservar a sua apreciação para o des­
pacho saneador (art. 103.°, 1).
Sendo decretada depois de findarem os articulados,
poderão estes aproveitar-se, mas só na hipótese de as partes
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remessa dos autos ao tribunal competente (‘).


Na falta de acordo, que será por certo o caso mais fre­
quente, nenhuns elementos do processo se aproveitarão, após
a declaração da incompetência.

4 — Conhecimento da incompetência e alçada do tribu­


nal. A gravidade da violação das regras de competência, que
gera a incompetência absoluta, faz que o conhecimento desta
se sobreponha aos limites provenientes da alçada do tri­
bunal.

«...S e tiver por fundamento a violação das regras


de competência internacional, em razão da matéria ou
da hierarquia ou a ofensa de caso julgado, diz o n.° 2 do
artigo 678.°, o recurso é sempre admissível, seja qual for
o valor da causa.»

5 — Valor da decisão sobre a incompetência absoluta.


A decisão proferida sobre a incompetência absoluta, mesmo
depois de haver transitado, tem apenas força de caso ju l­
gado formal, só valendo por conseguinte dentro do respectivo
processo (art. 106.°).

(') Mesmo nesse caso (de aproveitamento dos articulados e de


remessa do processo ao tribunal competente, a requerimento do autor)
não deixa de haver — explícita ou implícita — absolvição da instância.
No tribunal para onde os articulados e respectiva documentação
forem enviados, inicia-se uma nova instância, não havendo o simples
prosseguimento da anteriormente instalada. Neste sentido, A. de Castro,
ob. cit., i i , pág. 80 e segs.; em sentido diferente, A. dos R eis , Comen­
tário, l:, pág. 320.
233

O autor intentou a acção 'no tribunal cível que, por hipó­


tese, se julgou incompetente, considerando que a acção era
da competência 'do tribunal de trabalho. Ainda que transite
em 'julgado, a decisão não obsta a que, proposta a acção em
seguida no tribunal de trabalho, este se venha a declarar
incompetente.
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A ÍC 1 p i c i c i i u c g a i c u m i a i,l iisui-au* w —w j —
livremente sobre a sua própria competência.
A fim de prevenir, porém, os graves inconvenientes do
sistema adoptado, estabelece-se no artigo 107.° o meio de
obter, através do Supremo ou do Tribunal de Conflitos, a
declaração definitiva do tribunal competente em razão da
matéria ou da hierarquia (')■

6 — Valor do julgamento da competência no despacho


saneador. Mesmo que a incompetência não tenha sido arguida
pelas partes nos articulados, deve o juiz certificar-se oficiosa­
mente no despacho saneador de que o tribunal é compe­
tente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia
(art. 104.°).
Obedecendo a essa directriz, é usual o despacho principiar
com a afirmação de que o tribunal é competente, as partes têm
personalidade e capacidade judiciária e são legítimas. Mesmo
que transite em julgado, o despacho só vale, quanto à com­
petência do tribunal, como caso julgado formal, relativamente
às questões concretas da área da competência que tenham sido
decididas (art. 104.°, 2). Ele não obstará a que outros funda­
mentos de incompetência possam ser arguidos ou suscitados
ex officio, em qualquer estado do processo, nos termos do
artigo 102.° (*).

(') Não se prevê a possibilidade da mesma declaração quanto


ao tribunal competente em razão da nacionalidade, pela óbvia razão
de não caber aos nossos órgãos judiciários a pré-determinação do tri­
bunal estrangeiro competente, seja para que causa for. Vide, a pro­
pósito, Alberto dos Reis, ob. cit., 1.*, pág. 324.
(’) Se o réu tiver alegado, na contestação da ?cção proposta no
tribunal cível, que a acção é da competência do tribunal dc trabalho,
e o ju iz tiver rejeitado no despacho saneador a excepção, essa questão
234

B) Incompetência relativa. 0 regime da incompetência


relativa é consideravelmente mais atenuado, quer na forma
do seu processamento, quer nos seus efeitos.

1 Legitimidade para a arguição. A incompetência rela­


tiva só pode ser arguida pelo réu ('). Não pode ser invocada
pelo autor e não pode nem deve ser conhecida ex officin pelo
tribunal (J), a não ser nas acções a que se referem o artigo 73 .°
(forum rei sitae) e o n.° 2 do artigo 74.° (acções de indemniza­
ção fundadas na pratica de facto ihcito ou baseadas no 1risco),
nos processos de falência e ainda nos processos cuja decisão
não seja precedida de citação do requerido (art. 109.°, 2,
segundo a redacção dada pelo Dec.-Lei n.° 242/85, de 9-7).
Este regime reflecte o carácter privado dos interesses que
a incompetencia relativa ofende. Conquanto se trate duma
excepção dilatória (art. 494.°, 1), a incompetência relativa é
daquelas que escapam, em princípio, à regra do conhecimento
oficioso do tribunal (art. 495.°) (3).

ficará definitivamente arrumada, um a vez que o despacho transite cm


julgado. Simplesmente, a decisão não obsta a que o tribunal possa
ser declarado incompetente, em razão da nacionalidade ou da hierar­
quia, ou até da matéria, mas com um fundamento concreto diferente
do julgado no saneador.
0) Não pode sequer ser arguida pelo assistente do réu (salvo no
caso de o assistido ser revel: art. 338.°), contra a vontade deste, porque
embora o assistente goze dos mesmos direitos que a parte assistida,
a sua actividade está subordinada à da parte principal (art. 337.“, 2).
O Quanto à dccrêtaçlo das providências tutelares cíveis rela­
tivas a menores, vide o artigo 156.°, 1, da Organização Tutelar de
Menores.
(') Uma vez arguida a excepção pelo réu, o juiz conhecerá dela,
porém, de acordo com os critérios da competência objectivamente
fixados na lei, não ficando a sua intervenção condicionada à reacção
de discordância do autor. As partes tinham a possibilidade de acor­
dar, antes da causa, sobre o foro competente, nos termos e dentro
dos limites do artigo 100.“ Sc o não fizeram e se, além disso, o réu
reagiu contra a proposição da acção no tribunal incompetente, a
determinaçao do tribunal competente deve fazer-se de acordo com
os enténos da lei e não ao sabor da vontade dos litigantes. Nesse
sentido se deve interpretar a modificação da redacção primitiva do
235

2 Prazo de arguição. A incompetência relativa só pode


ser arguida dentro do prazo fixado para a contestaçao, oposi­
ção, resposta ou quando não haja lugar a estas, para qualquer
outro meio de defesa facultado ao réu (')•
Passado esse prazo, é meio de defesa preoludido para o
réu, a menos que se trate de alguns dos casos em que a
IIlVLHiJjjJCtCAivia 4WWWIVU rwfií-,io«amente
-------- c o n h e c id a .pelo
tribunal. 0 tribunal, de incompetente que fosse, toma-se
competente para o processamento e julgamento da acção.

3 Forma de processamento. A incompetência relativa,


pela sua menor gravidade, era processada por apenso (2), no
período amtarior ao decreto intercalar de 1985. 0 Decreto-Lei
n.° 242/85, através da nova redacção dada ao artigo 109.°,
mandou deduzir a questão da incompetência nos próprios
articulados, tendo que ser julgada antes de se ingressar no
período do saneamento ou condensação do processo, quando
arguida pelo réu, ou tendo que ser decretada até ao despa­
cho equivalente, no caso de ser conhecida ex offido. Terido
sido arguida pelo réu, a dedução da incompetência não sus­
pende o andamento regular do processo (art. 110 .°, 1).

4 — Efeitos da incompetência relativa. O julgamento da


incompetência rdlativa apenas interessa à fixação do tribunal
competente para a preparação e julgamento da causa, não
tendo influência alguma na validade dos actos praticados na
acção. Assim, se a excepção da incompetência (relativa) íor
jullgada (definitivamente) procedente, os autos serão rerneti-

artigo 111.“ (Cód. de 1939) feita no Código de 1961 (art. 111.“, 1). Con­
tra, de iure constituendo, A. de C astko, ob. cit., n , pág. 87-88.
(') Cfr. os artigos 395.°, 405.“ e 417.“ Quanto ao prazo para a sua
arguição no tribunal de recurso, vide o disposto no artigo 114.“, 1.
Cfr., a propósito, o acórdão da Relação de Lisboa, de 7-5-1975 (sum.
no B.M .J., 248, pág. 461).
(’) Quer isto dizer que a incompetência relativa devia ser ale­
gada em requerimento distinto da contestação, sob pena de a alegaçao
não poder ser considerada (ac. do S. T. J., de 27-7-1965, no 149,
pág. 307).
236

dos para o tribunal competente (airt. 111,°, 3); se for tida


como improcedente, o processo prosseguirá o seu curso nor­
mal, no tribunal em que se encontra pendente (').
A decisão proferida sobre a incompetência relativa, depois
de transitada em julgado, resolve definitivamente a questão
(art. 111.°, 1). Note-se, porém, que dás decisões proferidas na
questão, incluindo a decisão ffinall, só cabe recurso até à Refla-
ção, nos termos do n.° 4 do artigo 111.°

(') Um expediente de que ns partes durante algum tempo, há já


muitos anos, se socorreram com relativa frequência, para iludirem as
regras da competência territorial, era o dc chamarem à acção um réu
que nada tinha com ela, mas residia na comarca onde lhes convinha
propor a acção.
O Decreto n.° 11714, de 12-6-1926, atacou (no art. 6.°) o problema,
incluindo o expediente na área da incompetência (e não da ilegitimi­
dade), através duma disposição que transitou em seguida para o
Decreto n.° 21 287, de 30-5-1932 (art. 71°), e deste para o artigo 113.°
do Código de 1939 (correspondente ao art. 113." do Cód. de 1961).
O artigo 113.° considera, como questão dc incompetência, o facto
de se demandar alguém, estranho à causa, com o intuito de se desviar
o verdadeiro réu do tribunal territorialmente competente. Vide, a pro­
pósito, G. Tarzta, Cumtilo suggcttivo e «ccmvcnuto fittizio», na Giur
Ital., i, col. 712.
CAPÍTULO IV

Formalismo do processo decíaratório ordinário

SECÇÃO I
Noções Introdutórias

72. Fases do processo decíaratório ordinário e função específica


de cada uma delas.

Antes de se proceder à análise dos numerosos actos


que sucessivamente se encadeiam entre si, dentro do forma­
lismo •paradigmàltico (') do processo decíaratório ordinário, e
de se efectuar o ilevantamento 'dos princípios fundamentais
em que tais actos se inspiram, importa conhecer o traçado
global dessa forma processual.
O plano geral do processo dealaratório ordinário pode
ser dividido, num estudo analítico da acção, em cinco fases
períodos ou ciclos distintos.
O primeiro período é o dos articulados; o segundo com­
preende o saneamento e condensação dó processo, bem como
o julgamento antecipado da lide; o terceiro é o da instru­
ção; o quarto, o da discussão e o quinto, o do julgamento
da causa.
As diversas fases assim distinguidas, tanto na doutrina,
como na própria lei, integram o esquema completo (2) do

(') Cfr. o disposto no artigo 463", I, 2.’ parte.


O Esse é o traçado, não só completo, mas normal do processo.
No decurso da acção podem, cfcciivamcnle, surgir incidenlcs que
alterem a marcha normtil do processo, desde o falecimento dc uma
das partes ou de ambas cias (que provoque o incidente da habilita­
ção), o impedimento ou suspeição (por causa inicial ou superveniente)
do juiz, até qualquer dos incidentes de intervenção dc terceiros, com
as inerentes alterações do pcrcurso processual.

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