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UiN U CANTA

O SABIA

DRAMATURGIA BRASTLEIR4'
CASTÃO MANHÃES TOJEIRO.
nasceu no Rio de Janeiro a 3 de fevereiro de
1880. Estreou, como autor, rm 1904, com a
peça, As Obras do Porto. Tinha então 24
anos e era ca'xeiro-viajante. Tem usado os
pseudónimos: Júlio Roma (na Gazeta de No-
tícias, Rio), George Sydney, Tifo Leviano,
Cheques Pcrry, Abel Zanurio (em O Coió),
Gino Treval, Poleiro (em A Larva), Conser-
tino, Olivio Reis, Cesario Campos, Gasto;, etc.
Escreveu mais de cem peças, entre as quais:
As Obras do Porto, repr. no Lucinda, a 27
de abril de 1904; A Mão Negra, peça policial,
com o pseudôn'mo George Sydney, 1910; O
Cachorro da Madama, burleta, com o pseu-
dónimo Tifo Leviano, 1912; Se não fosse o te-
lefone..., anteato, repr. no Recreio, em 1919,
ONDE CANTA
e publicado no Boletim da Sociedade Brasi-
leira de Autores Teatrais, Rio, n" 246, julho- O SABIÁ
se lembro de 1948; 'Onde canta o sabia, comédia
em 3 atos, repr. no Trianon, a 8 de junho
de 1921, e publicada no mesmo Boletim, n'
255, março-abril de 1950; Faze o que eu digo
e. ... anU.-=to, publicado em O Mundo Lite-
rário, Rio, 5-janeiro-1924, e impresso junta-
mente com Se não fosse o telefone. Rio de
Janeiro, Ed. Talmagráfica, 1943; O Filho do
Rei do Prego, comédia ligeira em 3 atos, repr.
no Cassino, a 8 de junho de 1932, e publicada
no Boletim da Sociedade Brasileira de Auto-
res Teatrais Rio, n» 250, março-abril 1949;
A Pequena das Amostras, burl.ta, repr. no
Meu, Brasil, a 5 de outubro de 1934; O "Te-
nente" era o porteiro ou O Tenente Sedutor,
comédia em 3 atos e epílogo. Rio de Janeiro,

165-0
Tojeiro, Gastão, 1880-1965.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA Onde canta o sabiá. Comédia em 3 atos.


Rio de Janeiro, Serviço Nacional de Teatro,
MINISTRO
1973.
JAIIBAS PASSARINHO
viii, 80 p. 21 cm
SERVIÇO NACIONAL DE TEATRO 1. Teatro — Arte Dramática. I. Título.
Diretor
PELINTO RODRIGUES NETO 869.2B

SETOR DE DIFUSÃO CULTURAL


O
Coordenadora
Elza Lamartine de Faria
G A S T Ã O T OJ E I RO

ONDE CANTA
O SABIÁ
COMÉDIA EM 3 ATOS

SERVIÇO NACIONAL DE TEATRO


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
RIO DE JANEIRO — 1973

!
PERSONAGENS

Elvidio Rondino (30 anos)

Fabrino (35 anos)

Justino (50 anos)


Se hoje o teatro brasileiro se inclui entre os expoentes dessa ma-
Ernani (20 anos) nifestação de arte no panorama internacional, esse aprimoramento não
constitui uma conquista do presente porque é, na realidade, efeito ori-
Basilio (30 anos) ginário de uma causa benéfica que vem de longe, do alvorecer da nossa
história porquanto, através de palcos ao ar livre ou construídos em
António (40 anos) cabanas, foi que Anchieta transmitiu as mensagens do Cristianismo e
da Civilização aos silvícolas que povoavam nosso solo e cujas leis se
Leocádio (20 anos) resumiam nos impulsos da natureza e do instinto.
Posteriormente o teatro passou a ser usado como instrumento de
Nair (20 anai)
maior profundidade, constituindo-se em elemento de pujança na for-
Virgínia (25 anos) mação intelectual e moral do nosso povo, glorificando os valores hu-
manos ao mesmo tempo que anulava as falsas e imerecidas auréolas.
Ritinha (16 anos) O exemplo do jovem apóstolo do Cristianismo, germinando no
espírito dos mais autênticos representantes da cultura brasileira, tor-
Inácia (45 anos) nou numerosa a constelação de escritores e poetas que deram ao teatro
a contribuição do talento literário que os projetou na história.
Marcclina (20 anos) Os problemas sociais, os costumes, a tradição de cada povo, eram
retratados no palco com critério e consciência, dando-se ênfase aos
vultos cujas vidas foram inteiramente consagradas ao desenvolvimento
da ciência e das artes, sob todos os aspectos.
Autores do mais alto porte colocavam o talento a serviço das boas
causas, e engrandecendo a Pátria, engrandecíam-se a si mesmos. Em
todos os sentidos o teatro evoluiu, sobretudo tecnicamente, mas dentro
dele permanecem, vivas e palpitantes, as concepções imperecíveis des-
l
sas glórias do passado.
O SERVIÇO NACIONAL DE TEATRO, na evocação dessas
figuras inesquecíveis, tomou a iniciativa de propiciar, às gerações do
presente, a oportunidade de um íntimo contato com o pensamento
e as obras desses vultos imortais, num retrospecto evolutivo que se
estende aos nossos dias, entrelaçando-os ao espírito criador dos autores
contemporâneos que dão ao nosso teatro a dimensão cultural e artís-
tica de que nos orgulhamos. E, através do SETOR DE DIFUSÃO AÇÃO NO RIO DE JANEIRO EM 1920
CULTURAL, responsável pela execução de seus ediloriais, apresenta
a segunda série de uma sequência de publicações sob a epígrafe: Sala modesta, em andar superior, em ca^a de Justino, situada
"COLEÇAO DRAMATURGIA BRASILEIRA". num subúrbio do Rio de Janeiro. Uma grande porta ao fundo,
Entretanto, para que essa aspiração do SNT se tornasse realidade, no centro, que dá para um espaçoso alpendre, tendo de cada lado
cy Diretores da SHELL, numa demonstração de apreço às promoções uma janela de peitoril. A porta e as janelas, praticáveis, são envi-
culturais do nosso país, não relutaram em participar da iniciativa, draçadas. O alpendre, onde à direita se supõe estar a escada externa
£ssumindo, a responsabilidade do seu patrocínio. que dá descida para o jardim, tem uma balaustrada de madeira
com colunas que sustentam a cobertura, tudo emaranhado de plan-
Não poderíamos fugir ao dever desse registro que põe em relevo tas trepadeiras e salpicado de flores. Pelas janelas e porta, ao
r. simpatia da SHELL pelos valores históricos que integram a "CO- longe, em perspectiva, vêem-se ruas mal delineadas, habitações es-
LEÇAO DRAMATURGIA BRASILEIRA", destinada ao enriqueci- parsas e um rio, atravessado por uma ponte, na qual, se for pos-
mento das bibliotecas nacionais e internacionais, atestados eloquentes sível, de vez em quando, pasmarão lentos trens em direções opostas.
do aprimoramento cultural do nosso povo, da nossa gente. A sala tem mais duas portas de cada lado, todas praticáveis, co-
municando a D. A. com 0.1 dormitórios; a D. B. com o quarto
FELINTO RODRIGUES NETO de Justino; a E. B. com a escada interior pela qual se desce para
o andar térreo; a E. A. em comunicação com as outras dependên-
cias da casa.

MOBILIÁRIO: — Um piano, com o teclado voltado para a


parede, colocado no ângulo direito alto da sala, tendo em cima
uma rima de músicas, um vaso com planta e enfeitado com papel
colorido, etc. Ao centro da cena, uma pequena mesa redonda la-
deada de cadeiras. À esquerda, primeiro plano, nm grupo de sofá
e duas cadeiras. À direita uma cadeira de balanço com um pano de
"crochet" no espaldar. Uma estante com livros, bibelôs, etc. As
paredes revestidas de quadros, retratos de pessoas da família, di-
plomas de sociedades a que pertence Justino. Um pequeno espelho
na parede direita, entre as duas portas. Pendurado no alpendre,,
mesmo em frente da porta, uma gaiola com o sabiá.
Tudo simplicidade c familiar.
ONDE CANTA O SABIÁ

INÁCIA — De certo que depende. Assim queira o dr. Amarante,


que o Ernani será nomeado.
FABRINO - - Mesmo sem concurso?...
INÁCIA (Exaltando-se) — O que me parece é que vocês estão
com pouca vontade de ajudar o rapaz!
PRIMEIRO ATO
JUSTINO (Rindo) — Calma, Inácia, que tudo se há de arranjar.
LEOCÁDIO (Dentro) — ó patrão!
Ao levantar o pano, o sabiá canta alegremente. Fabrino, dei- JUSTINO -- Que é? (Sobe novamente ao alpendre e olha para
tado no sofá, em mangas do camisa, lê baixo um jornal. Justino, em baixo).
pijama, de costas para a plateia, está no alpendre, debruçado, como INÁCIA (Vendo um vestido atirado em cima de uma cadeira)
que a olhar para baixo. É uma linda manhã de domingo. De vez — Olha este vestido aqui!... Essa Marcelina é uma relaxada! (Gri-
em quando, no decorrer da peça ouve-se, o rumor distante dos trens tando para dentro) Ó Marcelina. Marcelina!... Mando por o ves-
que passam e os silvos das locomtivas. tido ao sol e cccová-lo, ela atira-o para cima da cadeira e deixa
ficar! (Chamando novamente) Marcelina.
JUSTINO (Falando para baixo) — Olha, Lcoeádio, faz o seguin-
te: afrouxa um pouco o parafuso da teorara senão você não acaba FABRINO •— Deve estar lá em baixo.
de cortar a grama desse canteiro. INÁCIA — Que foi ela lá fazer? (Dirige-se à E. B. chamando)
LEOCÁDIO (Dentro, como que falando do jardim) — Não posso. Marcelina! Ó Marc...
O parafuso está muito apertado. MARCELINA (Entrando neste momento E. B.) — Pronto, cston
JUSTINO — Está apertado? Pois de^aperta-o com a torquês... aqui...
(Pausa) Assim não!... Ao contrário... Torce para o outro lado.. . INÁCIA — Que estava fazendo você lá em baixo?
INÁCIA (Entrando E. A. Depois de reptírar) — Vocês ainda MARCELINA - - Estava recolhendo a roupa...
estão ncs~c belo estado? INÁCIA — Que pressa tem você hoje de recolher a roupa.
FABRINO (Sem levantar os olhos do jornal) — Ainda é cedo. MARCELINA — A senhora não sabe que hoje é domingo? Eu
INÁCIA — Acha que seja cedo? São quase dez horas. (Indo à tenho de passear. Também sou filha de Deus.
porta do fundo) 6 Justino, você não tem que ir à casa do doutor INÁCIA — De passear você nunca se ecquecc.
Amarantc, por causa do emprego do Ernani? MARCELINA (Amuada) — Nem ao menos aos domingos a gente
JUSTINO (Voltando-se e descendo ao centro da cena) — Sim, pode-se "adivertir" um pouco?...
tenho que i r . . . INÁCIA — Sim, já sei... (Indicando o vestido em cima da
INÁCIA - - Que faz então que não se vai aprontar? cadeira) Que faz este vestido aqui?
JUSTINO -- Mas se o Ernani ainda não chegou... MARCELINA — Não foi a senhora mesmo que me mandou pô-lo
INÁCIA (Contrariada) — Ê a tal coisa! Por mais que eu reco- ao sol?...
mendasse a e -se rapaz que estivesse de volta com as meninas antes INÁCIA — Fui. Mas não foi para depois deixá-lo ficar aqui.
das dez horas, ainda não chegaram. Nunca vi uma coisa asdm! Vá guardá-lo dentro do meu guarda-vestidos.
FABRINO — Temos tempo. MARCELINA (Apanhando o vestido) — Sim, senhora. (Sai D. B.).
INÁCIA — E o tempo que gastam vocês a chegar lá? Bem sa- INÁCIA — Estas criadas de hoje!...
bem que aos domingos é o melhor dia de se falar ao dr. Amarante. FABRINO (Em tom de gracejo) — Têm os mesmos defeitos das
JUSTINO — Descansa, ó filha, que hoje falaremos com ele. patroas...
FABRINO — Se a nomeação de Ernani depender dis:;o... INÁCIA — Veja lá se quer se engraçar comigo, hein!...
CASTÃO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ

FABRINO — Oh, minha sogra!... (Senta-se no sofá) Há patroas JUSTINO — Sempre quero ver isso. (Depois dele sair, rindo)
e . . . Há patroas... Aquela de eu me parecer tesoureiro porque consertei a tesoura,
JUSTINO (Do alpendre, falando para baixo) — O melhor é tem graça.
você fazer o seguinte: traz es,:a coisa cá acima, que eu lhe dou FABRINO (Rindo) — Só essa me faria rir!
um jeito. (Descendo ao centro da cena) Esse Leocádio é tapado INÁCIA (Que observou tudo) — Vocês também acham graça
como uma porta sem fechadura! em tudo! Por isso mesmo é que os empregados abusam. (Noutro
INÁCIA (A Justino) — Você também arranja cada empregado tom) Afinal, você.i resolvcm-se ou não a ir à casa do dr. Amarante?
aqui p'rã casa... JUSTINO — Que pressa, filha! Deixa primeiro o Ernani chegar.
PABKINO — Não parece ser mau rapaz. (Sobe ao alpendre e olha para baixo)
INÁCIA — Mas é muito vagaroso e custa a compreender tudo FABRINO — Eu vou por ir, porque a minha presença não adian-
que se lhe manda fazer. ta nada. Bastava que fossem o Emani e o sêo Justino...
JUSTINO — A coisa é a seguinte: quando a gente os mete em INÁCIA — Você é muito comodista. Que egoísmo! Mas que lhe
casa não se .pabe o que eles são. custa também ir à casa do dr. Amarante reforçar o pedido para
que o rapaz seja nomeado?
LEOCÁDIO (Aparecendo à F. trazendo uma enorme tesoura de
apara'r grama, tirando o chapéu) - - Com sua licença... FABRINO — Não tenho feitio para pedir. (Levanta-se do sofá
e vai sentar-se na cadeira de balanço).
JUSTINO — Entra. (Leocádio obedece) Com que então você
INÁCIA — Não tom feitio para pedir, hein? Mas quando você
não acerta com o parafuso, hein? quis arranjar o emprego que tem, andou a empenhar-se com Deus
LEOCÁDIO (Com um riso alvar) — É verdade. Quanto mais vol- e todo o mundo. Não me faça falar, que é o melhor!
tas lhe dou, mais perra fica o raio da tesoura! VIRGÍNIA (Entrando E. A.) — Mamãe, onde pôs a senhora
JUSTINO — É porque você não tem jeito para nada. Deixa a caixinha dos botões que eu não há meios de encontrar.
ver... (Recebe a tesoura c a torquês da mão de Lcjocádio) Quer INÁCIA — Está dentro daquela gavetinha de cima da máquina
ver como eu endireito isto num instante? de costura.
LEOCÁDIO — Cada um faz o que pode... VIRGÍNIA (Vendo Fabrino) — ó Fabrino, você não tem que
JUSTINO — Olha, repara. Eu faço o seguinte... (Começa a sair com papai?
torcer com a torquês o parafuso da tesoura). INÁCIA (A Virgínia) — É . . . O teu marido, à última hora, está
MARCELINA (Entrando D. B.) — E.Jtá guardado o vestido. com escrúpulos de ir pedir emprego para teu primo.
Precisa de mais alguma coisa? VIRGÍNIA — Não presta mesmo para nada! É um verdadeiro
INÁCIA -— Não. Trate agora de arrumar aquilo lá dentro. pai da vida...
MARCELINA — Sim, senhora. (Sai E. A.) FABRINO (Contrariado) — Bem, não me aborreçam mais. Eu
JUSTINO (Experimentando a tesoura, que acabou de consertar. vou à casa do dr. Amarante.
A Leocádio) — Está vendo como ela funciona agora bem? VIRGÍNIA (A Inácia) — A.s meninas ainda não vieram?
LEOCÁDIO (Admirado) — É mesmo!.. . O patrão é um "téni- INÁCIA — Ainda não. E eu que lhes recomendei tanto que
co". Parece até que já foi tesoureiro. Conserta tão bem as tesouras... não demorassem!
FABRINO (Rindo, à parte) — É boa! VIRGÍNIA — Talvez venham neste trem.
JUSTINO (Dando a tesoura a Leocádio) — Pega lá. E veja se INÁCIA — É uma gente que não se incomoda com coisa alguma!
me acaba de aparar hoje a grama dos canteiros. JUSTINO (Do alpendre, falando para baixo) — Já acabou esse?
LEOCÁDIO (Que recebeu a tesoura) — Logo à tardinha está Agora você faz o seguinte: pa^sa a vassoura nesse canteiro e co-
tudo pronto. (Sai F.) meça a cortar a grama daquele outro. (Depois de uma pausa, in-
6 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 7

dicando) Não é esse! O outro... O que está em frente do seu na- NAIR (Entra F. ruidosa, alegre, com o chapéu na mão e a rir)
riz... Sim, é esse mesmo. — Ó Virgínia!... (Beija-a e depois vindo a Inácia) Mamãe...
INÁCIA (Impaciente) — Ó Justino, deixa lá o jardineiro o (Beija-lhe a mão) Dona Guiomar mandou muitas lembranças para
vá se vestir!... a senhora.
FABRINO — É inútil. Não se pode escapar.. . (Levanta-se, es- INÁCIA (Em tom repreensivo) — Então isro são horas de voltar?
p'rcguiçando-se) Vou me vestir. NAIR — Ela não nos deixou sair mais cedo... (Pousa o chapéu
VIRGÍNIA (A Fábrino) — A sua roupa já está pronta cm cima em cima do piano e vai ao espelho compor os cabelos)
da cama. RITINHA (Que já entrou e falou a Virgínia, vindo à Inácia e
FABRINO (Espreguiçando-se) — Está bem. Vamos lá a esse beijando-lhe a mão) — Sua bênção, dindinha... (Tira o chapéu).
sacrifício... (Sai. D. A.). ERNANI (Que também entrou, com importância) — Não se
INÁCIA — Sacrifício?... Sacrifício são outras coisas que eu não pode andar na rua acompanhado dessas meninas! É um custo para
quero agora dizer. tomarem um bonde, o t r e m . . . (Senta-se no sofá).
VIRGÍNIA — Não faça caso, mamãe. (Senta-se). NAIR (Sentando-se numa cadeira) — E e;sa, liein, mamão? Não
INÁCIA — Esse teu marido.. . é que o Ernani queria que nós tomássemos o trem cm movimento?
RITINHA (Que se sentou na cadeira de balanço) — Era só o
(Ouve-se ao longe o silvo da locomotiva). que faltava! Quem sabe se ele pensa que a gente quer se suicidar?...
VIRGÍNIA (Levantando-se) — Está chegando o trem! (Corre ao ERNANI — São umas criaturas sem desembaraço, sem agili-
alpendre e fica a olhar para f o r a ) . dade. .. Façam exercícios como eu, que desentorpeccm os músculos.
INÁCIA — Há de ser bonito se eles não vêm neste trem... NAIR — Não seja tolo, Ernani! Queria talvez que andássemos
a correr pelas ruas.
(Ouve-se o ruído de um comboio que pára próximo). ERNANI — Não é preciso correr; basta apenas que se imprima
uma certa elasticidade aos passos.
JUSTINO (Que se voltou) — Nem falar nisso é bom.
RITINHA — Ih!... Vamos ter uma conferência sobre a ginás-
VIRGÍNIA (Que os divisou ao longe) — Vieram, sim. Estão tica.
descendo do carro. . .
VIRGÍNIA (Também sentada, rindo) — É deveras engraçado
INÁCIA (A Justino) — Que mais espera? Vá se vestir, que o este nosso primo.
trem para a cidade passa daqui a quarenta minuto:;.
ERNANI — Ah! Eu é que sou o engraçado?...
JUSTINO (A Inácia) - - Vou já. (E falando novamente para
baixo) Ó Leocádio, mais depressinha com isso, senão fica p'rã ama- NAIR (Gracejando) — Um pelintra de terceira classe. . .
nhã. RITINHA (Idem) — Com pretensões à primeira. (Todos riem).
INÁCIA (Exaltada) — Oh, homem de Deus, deixa a porcaria ERNANI (Melindrado) — Olha que eu lhes dou má resposta...
do jardim e vá se aprontar de uma vez, senão perde o trtm! Já disse que não gosto dessas brincadeiras comigo!
JUSTINO (Descendo vagarosamente ao centro da cena) — Já INÁCIA (Intervindo) -- Bem, chega de gracinhas! (A Ernani)
vai, mulher! Já vai... Nem aos domingos se tem descanso!... Eu não lhe disse que o mais tardar estivessem aqui às dez horas?
(Sai lentamente D. B.). ERNANI — A culpa não minha.
INÁCIA •—• Anda, velho resmungão!... NAIR — Talvez fosse nos ;a...
ERNANI — E foi mesmo. Por mais que eu lhes lembrasse
(Ouve-se dentro risos contínuos de Nair e Ritinha, que se tor- que eram horas de voltarmos, vocês só respondiam: "É cedo, é cedo".
nam cada vez mais distintos à medida que se aproximam). (Imita-as).
VIRGÍNIA (Do alpendre) — Aí estão eles... NAIR — Pois se dona Guiomar não nos queria deixar sair...
ONDE CANTA O SABIÁ
8 CASTÃO TOJEIRO

VIRGÍNIA — Que horror!


RITINHA — Era uma gro::seria da nossa parte não a atender-
mos ... ERNANI — Estava mesmo uma tentação!...
VIRGÍNIA — Mas ainda chegaram a tempo. NAIR - - Está ouvindo, mamãe?
INÁCIA — Isso é que não sabemos. (A Ernani) O mais inte- INÁCIA (Apreensiva, a Ernani) — ó sêo Ernani, quero mais
res^ante é que você, que precisa arranjar o emprego, não se inço-< respeito aqui em casa!
moda; eu, que nada tenho com isso, é que estou preocupada que ERNANI — Eu não disse nada de mais...
você vá falar ao dr. Amarante... RITINHA (Que se levantou, indo sentar-se ao piano) — Deixa
ERNANI — Então eu não sei, titia?... ver se aprendi aquele tango que dona Guiomar tocou. . .
INÁCIA — Você precisa empregar-sc. Is"o não é vida! Está INÁCIA (Que também se levantou) - - Nada de piano agora!
um homem feito, com vinte anos, e não tem um emprego. Se não Deixa ficar isso para logo, que agora temos mais o que fazer.
aproveitar esta ocasião.. . RITINHA (Fechando o piano) — Era só para lembrar...
ERNANI — Esperarei por outra. VIRGÍNIA (Também se levantou) — Bem, vou acabar de con-
NAIR (Irónica) — Para um cavalheiro com tantas pretensões sertar a blusa que veio da lavadeira. (Sai E. A.)
é de lamentar... INÁCIA (Igualmente de pé) -- Meninas, tratem de mudar esses
RITINHA (Idcm) — Assim dificilmente atingirá à primeira vestidos. (A Ernani) Onde está a carta de apresentação para o
classe... (Risos). dr. Amarante?
ERNANI (Irritado) — São muito espirituosa? estas moças!... ERNANI — E tá com titio.
Olha, façam-me cócegas para ver se ou lhes acho graça. INÁCIA — Não vá ele se esquecer de l/vá-la. (Sai D. B.).
INÁCIA (A Nair) — Estão todos bons lá cm casa de dona RITINHA (A Nair) — Já não me lembra o tango.
Guiomar? NAIR (Que se sentou na cadeira de balanço) — É assim. (Co-
NAIR — Estão... (Levantando-se) Sabe, mamãe? A Zizinha meça a trauteá-lo).
está noiva. ERNANI (Levantando-se do sofá e cantando na mesma cadência)
VIRGÍNIA (Admirada) — A Zizinha?!... Assim tão depressa? — O que eu devia era ter contado a titia o que vi lá na estação,
RITINHA (Rindo) — Mas que noivo feio arranjou ela! Tem cara para vocês não se fazerem de espirituosas...
de cachorro buldogue!... NAIR (Levantando-se) — Que viu você de mais?
INÁCIA (Reprecnsiva, à Ritinha) — Não faça caçoada! Quem ERNANI — Certos sorrizinhos, ultra significativos, dirigidos ao
sabe se você ainda não arranjará um marido com cara de cachorro agente da estação...
buldogue? NAIR — Você não sabe o que está dizendo.
ERNANI — Um marido com cara de cachorro buldogue!... ERNANI — Pen"a que os outros são cegos? (A Nair) Você anda
(Ri exageradameníe). de namoro ferrado com o empregado da estação...
RITINHA (Melindrada) — Olha que riso parvo! NAIR •— Olha que idiotice! Se eu quisesse namorar, não ia es-
NAIR — E umas visitas que estavam lá com as filhas vestidas colher o empregado da estação.
escandalosamente? ERNANI (Malicioso) •— Então não sei.
RITINHA (Indicando à Inácio, a altura acima do joelho) — NAIR — Só por eu cumprimentar o moço, já o estava namo-
Olha, madrinha. Uma trazia o vestido quase sem fazenda. A saia rando.
era curta até aqui.
RITINHA (Intervindo) -— E mesmo que tivesse namorando, que
ERNANI — É por economia... tinha o Ernani que ver com isso?
NAIR — A própria mãe trazia uma blusa tão transparente, que NAIR — Nem que fosse meu pai.
se via quase tudo.
10 GASTÃO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 11

EKNANI (Com importância) -- Mas sou seu primo. ERNANI (Desapontado) — Ah! A coisa é essa? (Retoma os hal-
NAIK — Ora! Um primo não é nada na ordem das coisas. teres e recomeça com os exercícios) Ainda chegará o dia em que lhe
RITINHA — Que intrometido é esse Ernani! provarei o quanto valho.
ERNANI (Apanhando dois halteres, que estão em cima do piano) NAIR - - Pois sim. Mas enquanto não chegar esse dia, não me
— Fique sabrndo que os primos são as sentinelas avançadas da importune mais com as suas declarações.
honra da família. MARCELINA (Entra E. A. trazendo um copo com água) — A se-
NAIR (Maliciosa) — Então há de ser por isso que todos os ma- nhora pediu água?
ridos têm sempre cuidado com os primos da mulher... NAIR — Pedi, sim. É para encher o bebedouro do sabiá. (Re-
ERNANI (A Eitinha) — Sim? Onde é que você aprendeu isso? cebe o copo da mão de Marcelina e enchendo o bebedouro da gaiola)
Nos romances ou nas fitas? Há quanto tempo não está este pássaro sem água! Você não viu
RITINHA (A Nair) — Eu tenho notado que Ernani preocupa-se isso, Marcelina?
muito com você. Quem sabe se ele tem ciíimcs? MARCELINA (Zangada) - - Eu também não posso estar vendo
NAIR — Ora! Que ideia. (Ri). tudo! Sou eu só para fazer tanta coisa...
ERNANI (Que com um haltere em cada mão, começou a fazer NAIR — É isso, é . . . O pobre bichinho que morra de sede!
contrapões musculares com os braços) — Tenho mais o que fazer. Coitado do meu Diamantezinho!!... (Leva a gaiola e vai novamente
pendurá-la no alpendre).
NAIR (A Ernani) — Se você soubesse como fica ridículo quan-
do começa a fazer es~;es exercícios... ERNANI (Aproveitando a ida de Nair ao alpendre, baixo à
Marcelina, com malícia) — Como vai sua "jeitosinha"?...
RITINHA (Rindo) — Parece um boneco de engonço...
MARCELINA (Irritada, alto) — Eu não quero muita história
ERNANI (Zangado) — Vou pedir-lhes um favor: acabem com comigo, sêo Ernani!... Comigo o sr. não arranja nada! (Sai E. A.,
esses gracejos, se não querem que eu lhes dê uma resposta desa- levando o copo).
gradável .
NAIK (Que subiu ao alpendre e examinou a gaiola) — Oh!... ERNANI (.Desapontado, continuando os exercícios e falando alto
Tombou o bebedouro do sabiá. Coitadinho! Com que sede deve ele para abafar a voz de Marcelina) — É preciso ter mais cuidado com
estar... (Despendura a gaiola e trá-la para cima da mesa) E nin- a água do sabiá!.. .
guém v i u ! . . . (Chamando) Ó Marcelina... Marcelina! NAIR (Descendo ao centro) — 'Que disse você à Marcelina, que
RITINHA — Pois sim! Pode chamá-la que... ela zangou?
ERNANI (Disfarçando) — Que lhe disie?... Não ouviu? Disse-
NAIR — Ritinha, vai dizer à Marcelina que me traga um pouco lhe que tivesse mar; cuidado com a água do sabiá. É preciso de
dágua para o sabiá. Sim? vez em quando ralhar-se com as criadas.
RITINHA — Sim. (Sai E. A.). NAIR (Rindo) — Você não perde vaza, hein?... Tudo que lhe
ERNANI (Continuando com o exercício) — Você jura que não cai na rede é peixe...
está namorando o agente da estação? ERNANI (Cínico) — Para um modesto prscador, uma sardinha
NAIR (Rindo) — Este senhor meu primo tem cada u m a . . . o satisfaz.
ERNANI (Sentimental) — Queria que me desse a certeza, Nair! NAIR — Scm-vergonha! (Vai sentar-se na cadeira de balanço).
Gosto tanto de você.. . (Pousa os halteres em cima da mesa). ERNANI (Pousando novamente os halteres em cima da mesa)
NAIR — Vamos, priminho, juízo. Já não lhe pedi que não me ^— Ó priminha, não faça mau juízo de mim. Bem sabe que só uma
falasse mais nis:o? Para que insiste? única pe.vsoa me preocupa nesta vida: é você.
ERNANI — Se você quisesse, podíamos ser tão felizes. NAIR (Com enfado) — Vai continuar?
NAIR — Olha, primo, trata primeiro de ser qualquer coisa na ERNANI - - Não continuo, Nair, porque a minha adoração por
vida. Depois falaremos. você é ininterrupta. (Apaixonado) Quando não são os meus lábios
12 CASTÃO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIA 13

que a exprimem, são os meus olhos eternamente enamorados da i INÁCIA - • Também não sei onde diabo tem você essa cabeça F
sua beleza! EKNANI (Indicando a sua própria cabeça) — Tenho-a aqui.
NAIR (Em ar de troça) — Como você está inspirado!... Bem] Não vê?... (Sai E. A.)
se vê que hoje é domingo. INÁCIA -- Engraçadinho!...
ERNANI (Ajoelhando-se aos pés dela) — Por piedade não zombe j ANTÓNIO (Aparecendo à F. Traz, vestido o uniforme de brim
deste amor, qne é sincero! Nair, ,ve você quisesse... azul de guarda-chaves, boné, etc. Sobraça as duas bandeiras de dar
RITINHA (Entrando neste momento E. A. e surpreendendo-os) pinais aos trens e traz um grande cacho de laranjas) - - Dá-me li-
— Sim, senhor... Muito bonito! cença, dona Inácia?... (Raspa as solas dos sapatos no chão).
ERNANI (Disfarçando ao vê-la, a Nair) -- Pois é isto, prima. INÁCIA (Voltando-se) -- Ah!... É o sr., soo António? Pode
Este é um dos golpes mais difíceis da luta romana. (Faz um movi- entrar.
mento imitativo. Depois Icvanta-ae) . ANTÓNIO (Tirando boné e entrando) — Então com sua licença
RITINHA (Enciumada) - - É inútil disfarçar! Eu ouvi tudo. para dois.
E você, Nair, que finge tanto desdenhar dele quando eu e tou pre- INÁCIA (Admirada) — Para dois?...
sente. Mas quando se apanha só com e l e . . .
ANTÓNIO (Rindo) — Para mim e mais este cacho de laranja...
NAIR (Que se levantou, rindo, à Ritinha) -- Você está mesmo
Tive graça... Pois não tive?
supondo que o tomo a sério? O que o Ernani diz não se escreve.
INÁCIA (Irónica) - - Muita!... Como tem passado o sr. ?
ERNANI (Melindrado) •— Ora e*sa! Sou muito capaz de es-
crever o que digo. ANTÓNIO — Não tão bem como a senhora, mas vai-ae vivendo.
RITINHA (A Nair) — Isso é o que você diz. No entanto vim O sr. Justino e mais as meninas... Vão bem, pois não?
surprcendê-loi a . . . INÁCIA — Todos bem, obrigado. Mas que lindas laranjas, sèo
NAIR (Séria) -- Ora!... Nem tem resposta... Vou mudar o António!
meu vestido. (Sai D. A.) . ANTÓNIO — Acha? Pois eu as trago de presente para o sr.
Justino, que não de.fazcndo na minha pessoa, é um sujeito muito
RITINHA — Santinha do pau oco!... (Voltando-se para Ernani, distinto.
que retommi os halteres e rcenccta os exercidos) Nunca pensei que
você chegasse a tanto! INÁCIA (Com os olhos nas laranjas) — Ora, sêo António, para
que esse incómodo...
ERNANI (Zangado) - - Chego a isio e ainda mais. Sabe de
uma coi^a, senhorita? Batatas! ANTÓNIO — Qual incómodo qual nada! Mandaram-me uma por-
ção de cachos de laranjas lá para casa. Eu só não dou cabo delas.
RITINHA (Choro1 a) •— Você há de se arrepender! Juro que se Então se haviam de ficar p'rá lá a se estragarem, Icmbrci-me de
arrep"nderá! (Sai D. A.).
oferecer rui cacho ao sr. Ju tino.
ERNANI -- E que tal essa "zinha", hcin?
INÁCIA - - Com que então foi para não se estragarem que o
INÁCIA (Entrando D. li.) •— ó Ernani, onde pôs você a carta sr. trouxe esse cacho para o Justino.. . Muito obrigado.
de apresentação para o dr. Amarante?
ANTÓNIO - - Não por isso. Eu cá sou assim: prefiro dar as
ERNANI — Está com titio. (Pousa os halteres em cima da coisas do que as ver apodrecerem.
mesa). INÁCIA - - Pensa bem. (Indo à porta E. A. e gritando pa'ra
INÁCIA — Não está com ele. dentro) õ Marcelina, venha cá.
ERNANI (Procurando lembrar-se) -- Espera l á . . . Quem sabe JUSTINO (Em mangas de camisa, entrando D. B. e tentando
se a deixei ficar na sala de jantar? abotoar o botão da camisa) — Como está apertado este colarinho!
INÁCIA - - Vai ver. ANTÓNIO (Ao vê-lo) — Oh, sr. Justino!...
ERNANI (Apagando os bolsos) — Onde a deixaria eu?... JUSTINO — Olá! Como vai você? Que faz por aqui?
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INÁCIA (A Justino) - - Trouxe-te de presente esse cacho ANTÓNIO — E que tem isso? Se ela chegar, nós já cá "esternos".
laranjas. Estamos tão bem assim à "sóses"! E depois, ouvindo aquele rouxinol
JUSTINO — Sim? Muito obrigado pela lembrança, sêo António. a cantar!... (Indica a gaiola do sabiá) .
ANTÓNIO — Não por isso, sr. Justino. Se eu havia de deitá-las j MARCELINA (Rindo) — Rouxinol?... Aquilo é sabiá.
fora... ANTÓNIO — Tanto faz. Para mim todos os pássaros são iguais.
JUSTINO (Rindo) - - Oh! Você é gentil... Eu também tenho lá em casa um canário belga nacional, que é
ANTÓNIO — Gentil, não; sou António. mesmo um regalo ouvir o raio do páasaro cantar! Canta até mes-
mo no escuro.
JUSTINO (A Inácia) - - Faz o seguinte: manda levar cs^as la-
ranjas para a despensa. MARCELINA — Sim?... Bem, a conversa está muito boa, imas
eu tenho o que fazer. (Estendendo a mão) Deixa ver as laranjas...
ANTÓNIO — Se quer que eu as leve... ANTÓNIO — Primeiro ouça uma coisa que lhe quero dizer.
INÁCIA (A António) -- Não é preciso. A Marcelina vem a í . . . MARCELINA -- Então diga de uma vez. (Ri).
(Vendo Marcelina, que neste momento entra E. A.) Aí está ela.
ANTÓNIO (A custo) — Eu queria dizer-lhe q u e . . . Q u e . . .
MARCELINA - - A senhora chamou-me? (Rindo) Não se ria, dona Mnrcdina!
INÁCIA — Chamei-a, sim. (Indicando) Leve essas laranjas lá MARCELINA (Contendo o riso) -- Eu não estou me rindo...
pra despensa.
ANTÓNIO - - Ê uma coisa que há muito tempo ando para lhe
MARCELINA — Sim, senhora. (Quer pegar no cacho, mas An- dizer.
tónio foge com a mão) . MARCELINA — E por que não diz?
JUSTINO (A Inácia) -- Afinal, a carta está ou não com o Er- ANTÓNIO — Olha que eu digo mesmo!...
nani?
MARCELINA — O sr. está mas é amolando muito!
INÁCIA — Sei lá! Ele foi lá dentro ver se a encontrava e ainda ANTÓNIO (Resoluto) — Pois então vai mesmo. Dona Marcelina,
não voltou. Vou eu mesma ver. (Sai E A.).
eu... E u . . . (Desatando a rir) Assim não vale! Não se ria, dona
JUSTINO -- Vai lá ver isso. (Dirigindo-se para a D.B.) Obri- Marcelina!
gado, hein, sêo António... (Sai).
MARCELINA (Vendo Ernani que entrou E. A. e Fabrino, que
ANTÓNIO — Ora essa! Não se fala mais nisso. ao mesmo tempo entrou pela D. A. já vestido para sair, disfar-
MARCELINA (Que tem feito várias tentativas para pegar no ca- çando, a António) -—• Sim, senhor, vou levá-las para a despensa.
cho) - - Deixa ver isso, sêo António! (Estende a mão para recebê-las).
ANTÓNIO (Bisonho) - - Que pressa, dona Marcelina! (Depois ANTÓNIO (Que ainda não deu pela presença deles) — Não se
de uma pausa, rindo-se) A dona Marcelina, vai bem?.. . ria, dona Marcelina!
MARCELINA — Muito bem. MARCELINA (Arrebatando-lhe o cacho da mão) — Faz favor!...
ANTÓNIO -— E os seus todos, estão bons? (Sai E. B.).
MARCELINA — Devem estar. E os seus? ANTÓNIO (Tentando acompanhá-la) — Ouça dona Marcelina...
ANTÓNIO - - Também devem estar... Sc já nã.o se foram. (Dando com os dois, pára e fica a rir alvarmente para eles).
MARCELINA (Estendendo a mão) — Paz favor de me dar as FABRINO — Como se namora aqui em casa!...
laranjas... ERNANI — Parece até que estamos na feira livre.
ANTÓNIO — Espera, dona Marcelina. Há quanto tempo a gente ANTÓNIO (Começa a brinctír com o boné) — É . . . Eu vim trazer
não conversa. para o sr. Justino umas laranjas, que estão mesmo daqui. (Segura
MARCELINA (Receosa) — Pode chegar por aí a patroa... ('O a ponta da orelha).
sabiá canta). FABRINO — Era isso que você estava dizendo à criada...
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ERNANI - - Isso era apenas a preliminar.. . "INÁCIA -- Aquele teu pai! (Ficam as duas a olhar para a es-
ANTÓNIO -- Pois era... (Brincando com o boné, deixa-o cair tação . Nair e Bitinha, que já mudaram de vestidos, entram D. A.
no chão. Sem que nenhum dos dois faça o menor movimento para conversando).
apanhá-lo). Não se incomodem, que eu mrsmo apanho. (Apanha NAIR (A Ritinha) -- Quer dizer que você gosta de Ernani.
o boné. Depois, consultando o relógio) Oh, c'os diabos! Faltam seis RITINHA — Quem? Eu?. . . Que tolice!
minutos para passar o S. B. 35!... Vou para o meu po^to! Com NAIR - - Por que então ficou enciumada quando há pouco o
suas licenças... (Sai a correr F.). surpreendeu a brincar comigo?
ERNANI - - Que faz toda a hora aqui esse guarda-chaves? RITINHA - - Brincar? Você chama a isso brincar? O Ernani
PABRINO — Sei lá! As chaves cá da casa é que parecem não estava fazendo-lhe uma declaração de a m o r . . . A valer.
estarem bem guardadas. NAIR - - Ai que tolinha é você! O Ernani t n m a mania de
INÁCIA (Entrando E. A., a Ernani) - - E a carta? fazer declarações a todas... Já o tenho surpreendido, mai; de uma
ERNANI - - J á disse que está com titio. vez, cm colóquios sentimentais com a criada.
INÁCIA (Contrariada) — Queira Deus que por cau~a dessa RITINHA (Exaltando-se) — Até com a criada? Pois ele se atre-
carta... veu a tanto?
FABRINO (Consultando o relógio) — Está na hora do trem. NAIR — - Você, Ritinha, por mais que faça, não pode esconder
(Pondo o chapéu) Vou andando para a estação... Faltam 4 mi- a sua paixãozinha por Ernani.
nutos . RITINHA — Enganou-se! Sou até capaz de jurar...
INÁCIA (Indo à porta D. B. e falando para dentro) — Até NAIR - - Pois então jura.
parece gracejo, Justino! Olha que só faltam 4 minutos para passar RITINHA — Juro mesmo. (Noutro tom) Não juro porque não
o trem. vale a p e n a . . .
ERNANI (De chapéu na cabeça, a Fabrino) — Vamos esperá-lo NAIR (Irónica) — Sim, santinha! (Mostrando o deão). Morda
na estação... aqui...
FABRINO — Vamos. (Dirigem-se para a porta F.). (Ouve-se o rumor de um comboio que se põe em movimento).
INÁCIA — Esperem pelo Justino. (Ouve ao longe o silvo da
locomotiva). INÁCIA (Do alpendre) — Não é o que eu digo? Perderam a
FABRINO — Lá vem o trem! (Sai a correr). trem!...
ERNANI (Apressado) — Titio! (Também sai a correr F.). VIRGÍNIA — Por pouco que apanhavam...
INICIA (Descendo ao centro da cena) -- Aquele teu pai não
JUSTINO (Entra vagarosamente D. B. ajeitando o colarinho) se corrige!
- A porcaria deste colarinho é que me atrasa!
VIRGÍNIA (Também vindo ao centro) - - Não vale a pena ficar
INÁCIA (Pondo-lhe o chapéu na cabeça, aflita) - - Depressa, zangada por isso, mamãe.
senão perdes o trem!
INÁCIA — Estou vendo que eles não falam hoje com o dr.
JUSTINO — Que mulher impaciente és tu! (Sai F.). Amarante.
INÁCIA -- Mas que homem, canto Deus! (Vai para o alpendre VIRGÍNIA — Não faz mal. Falarão amanhã.
e fica a olhar para a estação).
INÁCIA -- Mas é que o mtihor dia para se lhe falar é aos do-
VIRGÍNIA (Entrando E. A.) — Já foram, mamãe? mingos e em casa dele.
INÁCIA — Já. Desconfio que não chegam à estação a tempo de NAIR -- Daqui a pouco pa^sa outro trem para a cidade.
apanharem o trem. INÁCIA — Tanto hão de fazer que quando conseguirem falar
a
VIRGÍNIA — Por que? (Também sobe ao alpendre). ° dr. Amarante, a vaga que existe já estará preenchida.
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VIRGÍNIA — E será mais uma colocação que falha ao Ernani.j BASILIO (Com o uniforme de calça e dólmã de brim caqui e co-
NAIB — Um emprego para o Ernani é indispensável. lete preto, boné e caneta à orelha. Acanhado) -- Então com sua
INÁCIA — Se é! Ele tem necessidade de se empregar. licença... (Desce ao centro. Basilio tem um tique nervoso que,
de vez em quando, ob'riga-o a erguer subitamente o ombro esquerdo,
NAIR (Intencionalmente, olhando para Ritinha) — E agora jazendo nesse momento uma suspensão rápida na palavra que está
mais do que nunca. pronunciando).
VIRGÍNIA — Por que? JUSTINO (Amável) -- À vontade, s r . . . . Como é a sua graça?
NAIR — Cá por coisas... BASILIO — Basilio Florido... Um seu criado.
RITINHA (Que lhe compreendeu a intenção) — Que gracinha,! JUSTINO — Sim?... Pois esta é a nos^a casa, f.co Basilio. (In-
hcin!... (Sobe ao alpendre). dicando Virgínia, que com as outras tem estado a cochichar a res-
INÁCIA (A Virgínia) -- Reparaste se a Marcelina lavou toda peito de Basilio, com risinhos de mofa) Esta aqui é a Virginia, mi-
a louça? nha filha mais velha... Casada.
VIRGÍNIA - - Ela não está lá dentro. BASILIO — Casada?... (Estendendo-lhe a mão) Muito prazer,
INÁCIA — Mas onde se meteria essa mulher? (Chamando) 6 j minha senhora...
Marcelina, Marcelina! (Sai E. A.) VIRGÍNIA (Apertando-lhe a mão) — Igualmente. (Afastando-se
RITINHA (Alvoroçada, descendo ao centro da cena) •— Sabem j contendo o riso).
quem vem aí com o titio? JUSTINO (Indicando) — Esta é a Nair... Minha filha solteira.
VIRGÍNIA - - Quem é? BASILIO (Com certo alvoroço) — Sua filha solteira?.. . (Aper-
RITINHA — É o agente da estação. tando a mão de Nair) Cem muita satisfação, senhorita!...
NAIR — O agente da estação?... (Corre à F. Depois de olhar N A I R — Oh, sêo Basilio!... (Afasta-sc).
para fora) Ê ele, é!... (Descendo ao centro) Que virá ele aqui, JUSTINO (Indicando-lhe Ritinha) — Ritinha, minha afilhada.
fazer? É como se fosse nossa filha...
VIRGÍNIA — Provavelmente papai o convidou. BASILIO (Apertando a mão de Ritinha) — Oh, mi... M i . . .
RITINHA (Reparando no vestido) - - Estaremos decentes para (A Justino) Casada ou solteira?
recebê-lo? JUSTINO (Rindo) - - Solteira.
NAIR -- Vamos mudar o vestido? (Ameaçam sair D. A.). BASILIO — Ah!... Senhorita Ritinha, folgo muito c m . . .
VIRGÍNIA — Deixem-se disso! O agente da estação não é nin-i RITINHA (Intcr'rompendo-o) - - Também e u . . . (Afasta-sc. As
guém. três, disfarçadamente, durante esta cena troçam de Basilio e imi-
NAIR — Pode reparar... (Vai ao espelho compor os cabelos tam-lhe os movimentos bruscos que ele f a z . Justino, que nota isso,
e a roupa). de quando em vez, disfarçadamente, faz sinais de reprovação para
RITINHA (Também indo ao espelho) — Ele já nos viu hoje com elas).
outro vestido... JUSTINO — Pois a nossa casa estará sempre às suas ordens,
VIRGÍNIA (Depois de tirar o avental que traz, vai também ao l sêo Basilio. Quando quiser nos dar o prazer...
espelho, tomando a frente às outras para melhtír se mirar) — Como BASILIO — Oh, meu caro senhor!... Imensamente grato...
vocês são vaidosas!... NAIR (Vindo a Basilio) — O senhor está há pouco tempo nesta
RITINHA (Afastando-se, irónica) — Só a Virgínia é que nunca] estação?...
foi vaidosa... BASILIO — Há apenas dez dias que fui transferido para aqui.
JUSTINO (Aparecendo à F, a Basilio, que o acompanha) —] VIRGÍNIA (Que também se tem aproximado) — Está satisfeito,
Tenha a bondade de entrar. Nada de cerimónias. sêo Basilio?
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BASILIO - - Ah, minha senhora, imensamente sati feito! Isto NAIR — Temos aí o piano... Podíamos até organizar concertos.
aqui é deveras pitoresco. RITINHA — Bela ideia!
JUSTINO — Por que não nos sentamos? INÁCIA (Entrando E. A., a Justino) — Eu não disse que
BASILIO — Agradecido. Estou de serviço e não posso abandonar perdias o trem?
a estação por muito tempo. BASILIO -- Daqui a pouco passará outro para a cidade.
RITINHA -- Nós conhecemos um empregado lá da estrada. JUSTINO (A Basilio, indicando-lhe Inácia) — Minha m u l h e r . . .
NAIR - - É o sêo António. Inácia. (A Inácia, indicando-lhe Basilio) Ó sêo Basilio, o novo
BASILIO (Que não se lembra) — António?.. . agente da estação.
JUSTINO — É o guarda-chavei. Já o conhecemos há muito... BASILIO (Distraído, a Justino) — Solteira?
VIRGÍNIA — Ele vrm sempre a q u i . . . JUSTINO — Que diz o senhor?
BASILIO — Ah!... É por isso que quando ele desaparece da BASILIO (Caindo cm si) — Oh! Desculpe... (A Inácia) Imensa
estação, dizem logo que deve estar na casa onde canta o sabiá... honra, minha senhora.. .
NAIR (Rindo) -- Tem graça! A casa onde canta o sabiá... INÁCIA (Contrafeita) — Do mesmo m o d o . . . Obrigada.
JUSTINO (Apontando para a gaiola) — Está ali o sabiá que BASILIO -- Agora peço licença para me retirar. Já devo estar
dá o nome à casa. fazendo falta na estação.
BASILIO — É admirável! Nunca vi um sabiá que tivesse o canto JUSTINO - - Pois quando quiser nos dar o prazer, sêo Basilio,
tão mavioso como este! O ÍT. nem imagina como eu aprecio o canto não faça cerimónias. Esta casa é sua.
dos pássaros! Nas minhas horas de folga tenho passado muito tempo
encostado àquela grade embevecido a ouvir o canto desse sabiá. INÁCIA - - Apareça, sêo Basilio.
(~Vai à porta F. e aponta para fora). BASILIO - - Oh! "muitissimamcnte" grato! (Distribui cumpri-
JUSTINO - - Pertence a Nair... mentos de cabeça) Minha senhora... Senhorita"....
BASILIO (Entusiasmado, a Nair) — Felicito-a, senhorita! Pos- TODAS (Entre risos de troça) — Sêo Basilio... Sêo Basilio...
sui o primeiro sabiá do mundo! JUSTINO (A lançar olhares de reprovação às meninas, a BnsiHo)
NAIR (Rindo) — Não exagere, sêo Basilio! - Sempre às suas ordens, sêo Basilio. (Acompanha-o até à F.).
VIROINIA (A Basilio) -- Também o sr. tem um passarinho lá BASILIO (A Justino) — Não se incomode. (Cumprimenta Fa-
na estação, que canta muito.. . brina e Ernani, que apareceram momentos antes e ficaram no al-
pendre a observar o que se passa em cena, e sai).
BASILIO - - Passarinho lá na estação? Não me consta.
JUSTINO (Depois dele sair, descendo ao centro, furioso às me-
RITINIIA - - Nós ouvimos, à^s vezes, um som lá da estação que
ninas, que continuam a fazer troça de Basilio) — Mas que é isso?!
parece um pássaro cantando.
INÁCIA — Estas meninas não tomam juízo!
JUSTINO -- Não será o apito das máquinas?
RITINHA (Rindo) — A gente não pode deixar de rir!... (Imita
NAIR -- Que ideia, papai!
o movimento que Bawlio faz com o ombro. Risadas gerais).
BASILIO (Lembrando-se) - - Ah!... Já sei. O som que ouvem
ERNANI (Vindo ao centro, a Justino) — O senhor faz mal em
é da minha flauta. convidar esse sujeitinho para vir à sua casa.
VIRGÍNIA - - O sr. toca flauta? JUSTINO — Por que?
BASILIO (Com modéstia) -- Toco, minha senhora, toco... Mas
toco muito mal. ERNANI - - Não se sabe quem ele é . . .
RITINHA (Irónica) -- Isso é modéstia... NAIR (A Ernani) — Papai sabe o que faz.
JUSTINO — O sr. podia vir tocar aqui. JUSTINO — Certamente.
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INÁCIA (A Justino) — O melhor é irem andando para a es-j FABRINO — Qual amigo! Nunca o vi mais gordo.
tacão para não perderem o outro trem... NAIR — Parece ser um homem de tratamento.
JUSTINO! (Desabotoando o colarinho) — Sem primeiro mudar j RITINHA (Compondo o vestido) — E é elegante...
este colarinho, não vou. (A Inácia) Vem dar-me outro colarinho. FABRINO — Não convém que vocês fiquem aqui. Vão lá para
(Sai D. B.). dentro.
FABRINO — Estou vendo que perdemos novamente o trem. VIRGÍNIA — Com toda a certeza. Meninas, cá para dentro.
INÁCIA (Contrariada) — Até com o colarinho este homem se (Sai D. A.).
atrapalha! (Sai D. B.). NAIR — Sim, nós vamos. (Depois de olhar para fora, baixo a
EITINHA (Notando o despeito de Ernani, "baixo a ele) — Está Ritinha) É um rapaz alinhado.
com ciiHíies do agente, hcin... EITINHA (Entusiasmada) — É o tipo do rapaz esportivo.
ERNANI (Furioso, à Ritinha) — Não me aborreça! (Gritando) FABRINO (Que reparou) — Aí, namoradeiras!
Eu já vou para a estação! (Põe o chapéu na cabeça e sai F.).
RITINHA (A Fabrino) — 'Que tem você com isso?
FABRINO (Reparando) — Que diabo terá o Ernani?...
NAIR (Em tom de gracejo) — Parece gente este João-ninguém!
NAIR (Rindo) — Mordeu-lhe algum bicho? (Saem rindo D. A.).
VIRGÍNIA — Saiu furioso. FABRINO — Mais respeito comigo, otiviram?
RITINHA — Isso passa. ELVIDIO (Trajando com apuro, elegante, polainas, luvas, mo-
LEOCÁDIO (Entrando F.) — Sêo Fabrino, está lá fora, ao
nóculo, et c., aparece à F.) — O sr. Fabrino...
portão, um homem que quer falar com o senhor.
FABRINO (Sem o reconhecer) — Um seu criado... Com quem
FABRINO — Quem é? | tenho a honra de falar?
LEOCÁDIO — Não o conheço.
ELVIDIO (Sorridente) — Não me reconhece?
FABRINO — Não lhe perguntou o nome?
FABRINO (.Depois de um esforço de memória) — Espera...
LEOCÁDIO — Não, senhor. |Sim, agora... (Lembrando-se) Elvidio!
FABRINO (Que foi à F., depois de olhar para fora) — Mas ELVIDIO — Sim, sou eu mesmo, Fabrino!.. .
quem será?... FABRINO (Surpreso) — Tu, aqui?!...
LEOCÁDIO (Que o acompanhou à porta, apontando) — É aquele ELVIDIO (Abrindo os braços) — É verdade, meu velho. Venha
que está passeando de um lado para o outro. [de lá esse abraço! (Abraçam-se demoradamente).
NAIR (Que também foi à F. olhar) — É um rapaz bem vestido.
FABRINO (Com efusão) — O meu querido Elvidio! Que agra-
EITINHA (Idem) — Parece estrangeiro... | dável surpresa!
FABEINO (Fazendo menção de sair) — Vou ver quem è. ELVIDIO (Afrouxando o braço) — Há 14 anos não nos vemos!
VIRGÍNIA (Segurando-o) — Não faça isso! Manda-o entrar. FABRINO (Deixando-o) —. Uma verdadeira eternidade!
FABRINO -— É o melhor. (A Leocádio) Manda-o entrar. ELVIDIO — Então, que é feito de ti?
LEOCÁDIO — Aqui pra dentro? FABRINO — Aqui onde me vês. Já não sou o Fabrino que co-
FABRINO — Então para onde havia de ser? (Leocádio sai). Wiececte há 14 anos, estróina inveterado como tu, o implacável
NAIR — Que visita será es?a? | lriimigo da santa instituição do lar, da família.
FABRINO — Não posso atinar. Procurar-me aqui em casa... ELVIDIO (Com um gesto de hofror) -— Que me dizes? Aposto
Num domingo... te casaste.
VIRGÍNIA — Deve ser algum amigo teu. FABRINO — É como dizes.
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ONDE CANTA O SABIÁ 25
ELVIDIO (Pondo-lhe a mão no ombro, com um ar consterno FABRINO — Bem, fica com as tuas ideias, que eu ficarei com
•— Pobre amigo, como te lamento!... Para completar a tua de as minhas. Mudando de assunto: como vieste aqui parar?
graça, estás também carregado de filhos. ELVIDIO — Foi o Alberico que me disse que moravas para
FABRINO — Por enquanto não tenho nenhum. estes lados.
ELVIDIO — Como é que um homem de ideias sãs, como era FABRINO — Ah! Foi o Alberico?
tu, acabaste te pervertendo com o casamento? É inconcebível! En-|
fim... ELVIDIO — Ele não sabia bem onde era. Informou-me apenas
a estação. Tomei o trem, apeei-me na estação e perguntei. Foi lá
FABRINO — Não s^jas pessimista. (Indicando-lhe uma cadeira que me disseram que ,moravas na casa onde canta o sabiá.
junto da mesa, e tira-lhe da mão a bengala e o chapéu que vai.
ptír em cima do piano) Senta-te. FABRINO (Rindo) — Sim... É por causa daquele sabiá de
minha querida cunhada, cujo canto é a admiração da vizinhança...
ELVIDIO (Sentando-se) — Como o tempo pa^sa e transforma)
os homens! ELVIDIO — Mas como tudo isto é prosaico! Uma esposa, uma
cunhada, uma ca^a no subúrbio... Um sabiá que canta... O que
FABRINO (Que apanhou uma cadeira e sfntou-se próximo) eu não posso compreender é como tu, um espírito emancipado, que
É verdade... (Reparando) O meu inseparável companheiro Elvi-j abominava toda essa coisa, acabasses sucumbindo como qualquer
dio!... Como estás bem disposto, forte... Corado. burguês de ideias atrofiadas! Se me contassem, eu não acreditaria.
ELVIDIO — São os ares sadkr, da Europa... Ou antes: de Pa-] É pasmoso!.. .
ris. Lá desfruta-sp, um belo clima e um bem-c^tar que não ter FABRINO — Que queres? Eu não possuía uma fortuna como
aqui, onde tudo é mau e insuportável. tu, que me permitisse ir viver na Europa... Por aqui fiquei, apai-
FABRINO — Que é isso, Elvidio? Voltaste assim tão feroz comj xonei-me e . . .
a tua terra? ELVIDIO — Apaixonaste-te?... Oh, romântico indígena! Não
ELVIDIO — Certamente. Só pode gostar drto quem não me repitas i «só! Não posso conceber que um ser pensante se deixe
nhece a Europa com toda a sua requintada civilização. dominar pelos instintos baixos como qualquer irracional.
FABRINO — Mesmo depois da guerra? FABRINO — Decididamente não és um homem: és uma máquina
ELVIDIO — Ora, a guerra!... A guerra já se foi há muito e] destruidora.
Paris, o nosso incomparável Paris já retomou o seu aspecto habitual. ELVIDTO — Sou simplesmente um homem saturado da civili-
Creia, meu amigo, só na Europa se vive. Aqui vegeta-se. Mais do j zação, o que não sucede contigo e os outros infelizes que aqui vivem
que isso: estiola-se o fíico e o espírito. Isto aqui não vale o pior] arraigados à tradição da tanga e a contemplarem boquiabertos afl
lugarejo da Europa. palmeiras onde cantam os sabiás.
FABRINO — Eu penso justamente ao contrário. FABRINO — Precisas voltar imediatamente para o teu Paris.
ELVIDIO —• Pudera!.. . Nunca saíste de^ta joça. ELVIDIO — O mais depressa que pos~a. Por falar cm Paris:
FABRINO — Que diabo! Se detestas tanto assim a tua terra,j sabe quem te mandou lembranças? A Lolete Vernon.
para que voltaste? FABRINO (Sem se lembrar) — Que Lolete?
ELVIDIO —• Estás enganado: não voltei. Vim apenas de fugida
vender umas propriedades que aqui pó suo e raspo-me enquanto J ELVIDIO — Até a memória perdeste. Então já não te lembras
antes. E agora, asseguro-te, não ponho mais os meus pés no Brasil.j da Lolete, aquela francesinha morena, que cantava no antigo El-
dorado e me atraiçoava contigo quando era minha amante, para
FABRINO — Que mau brasileiro és tu! depois te atraiçoar comigo quando se passava para a tua conta e
ELVIDIO — Que! Ainda és drsse tempo? Ora, deixe-se de pa-1 risco...
triotices. Não sejas retrógrado! Paris é tudo: o resto é paisagem,: FABRINO (Lembrando-se) — Ah, sim!... Mas que falta de
como dizia Eça de Queiroz. 'caldade da tua parte, ó Elvidio!
26 CASTÃO TOJEIKO ONDE CANTA O SABIÁ 27

ELVIDIO — E também da tua, vil traidor! Enfim... Picava ERNANI (Entra a correr F.) — Ó titio, não se demore que o
tudo entre amigos. Que belos tempos aqueles!... Ela está atual- trem está chegando.
mente fazendo um bruto sucesso num cabaré de Montmartre com JUSTINO (Vagaroso) — Sim, vamos lá. A carta de apresen-
a cançoneta. (Cita o título de uma cançoneta francesa antiga) É tação?. ..
uma delícia ouvi-la cantar! (Descuidado como se estivesse à vontade ERNANI — Não está com o senhor? ,
em casa, põe os pés sobre a mesa e começa a trautear a cançoneta JUSTINO (Apalpando os bolsos) — Eu não a tenho.
citada. Vendo Nair que entra D. A., levanta-se um tanto com- ERNANI — Também não está comigo.
prometido) Desculpe... JUSTINO (Chamando) — ó Virgínia!
FABRINO (Vendo-a) — Ah!... É minha cunhada Nair. ERNANI — Vou ver se está na gaveta da "etagére", na sala
ELVIDIO (Risonho, a ela) -- Sim?... de jantar. (Sai E A.).
FABRINO (A Nair, indicando Elvidio) — É o Elvidio, um JUSTINO (A Inácia) — Vê se está ali no quarto.
velho amigo meu, que acaba de chegar de Paris. INÁCIA (Zangada) — Que consumição! (Sai D. B.).
NAIR (Curvando-se ligeiramente num cumprimento) — Muito NAIR (Do alpendre) — Papai, o trem está chegando à esta-
prazer... (Fica a olhá-lo de longe) . ção!. ..
JUSTINO — Essa só mesmo pelo diabo! Ó Fabrino, você não
ELVIDIO (Afetaão) — Mademoiselle... tem a carta?
JUSTINO (Entrando D. B., à Inácio, que o acompanha) — ! FABRINO (Que tem estado a apalpar os bolsos) — Não.
:Com este colarinho estou mais à vontade. VIRGÍNIA (Entrando D. A. com Ritinha) — Que é, papai?
INÁCIA — Não facilites senão perdes outra vez o trem. (Cumprimenta Elvidio com um sinal de cabeça).
FABRINO (A Justino) — Meu sogro, quero apresentá-lo a um JUSTINO (A Virgínia) — Você não viu uma carta sobrescrita
velho amigo, o Elvidio. para o dr. Amarante?
JUSTINO (Surpreso, tirando o chapéu que trazia na cabeça) VIRGÍNIA — Não, papai.
— Oh!... Não havia reparado. Vinha preocupado com o colari-1 JUSTINO (A Ritinha) — Nem você?
nho... RITINHA — Eu não vi, padrinho...
ELVIDIO (Apertando-lhe a mão) — Tenho muita satisfação em j JUSTINO — Mas onde estará essa carta?
conhecê-lo. NAIR (Do alpendre) — Depressa, papai!
JUSTINO — Outro tanto!... Basta que seja amigo de meu INÁCIA (Entrando D. B.) — Aqui no quarto não está.
genro para que desde já o considere também aneu. ERNANI (Entrando a correr E. A.) — Na gaveta da "etagére"
ELVIDIO — Cativa-me com tanta gentileza! não está. (Começa a procurar em todos os bolsos).
FABRINO (A Elvidio, indicando Inácia) — Minha sogra... NAIR — Não adianta mais nada, o trem já partiu. (Ouve-se
ELVIDIO (Apertando a mão de Inácia) -- Minha senhora... o ruído do comboio em movimento).
INÁCIA — Do mesmo modo... (A Justino) Pede licença a este INÁCIA (Furiosa) — Decididamente é sina tua perderes o trem!
senhor, que tens de sair. JUSTINO — Que hei de fazer?
JUSTINO — É verdade. ERNANI (Achando a carta no bolso detrás da calça) — Achei
a carta! Estava aqui no bolso da calça...
FABRINO (A Justino) — Como vê, meu sogro, não posso acom- TODOS (Rindo) -- Oh!...
panhá-lo. Tenho que fazer companhia ao Elvidio.
(Esta cena final deve ser executada com a máxima rapidez
ELVIDIO — Isso não! Por minha causa... Possível).
JUSTINO (A Fabrino) — Absolutamente! Você não precisa ir.
INÁCIA (Contrariada, à parte) — Inda mais esta! PANO RÁPIDO
ONDE CANTA O SABIÁ 29

qualidades e encantos, que antes iranca lhe descobrira ou mesmo


porque então talvez ela não os possuísse... E não tardam em caírem
um nos braços do outro.
JUSTINO - - Exatamente.
SEGUNDO ATO INÁCIA (Escandalizada) — A comparação, se é feliz, não é
decente para ser feita em casa de família nem diante de moças
solteiras.
Em cena Elvidio, Nair, Fabrino, Inácia e Justina. Todos sen- FABKINO (Irónico) — Está bem, minha sogra, vou salvar a
tados, com exceção de Nair, que está de pé, junto ao piano. moral. Em vez do caso da minha comparação passar-se entre aman-
tes, passa-se entre criaturas legalmente casadas.
JUSTINO (A Elvidio) — Não pretende então voltar mais ao INÁCIA —Ainda pior!...
Brasil? ( ELVIDIO (Rindo) — O Fabrino teve espírito.
ELVIDIO —Pelo menos tenho essa esperança,./. . .: INÁCIA — O sr. acha!
FABRINO (Em tom de gracejo) — Com certeza desta vez o El-
vidio, ao regressar a Paris, naturaliza-se francês.1 ELVIDIO — Entretanto, o ca^o da comparação de Fabrino não
se dará comigo, devido ao pouco tempo que tenciono ficar aqui e
ELVIDIO — Isso não, não terei por isso ocasião de descobrir as virtudes pátrias... Se
NAIR — Não era de admirar. O sêo Elvidio é mais francês por aqui me deixasse ficar, era natural que me habituasse. A gente
do que brasileiro.. . habitua-se às piores coisas...
INÁCIA -- Não acredito que o sêo Elvidio seja capaz de fazer NAIR (Não se contendo mais) — Pois era bem melhor, sêo El-
semelhante coisa. vidio, que o sr. não voltasse mais! Brasileiros como o sr., que
JUSTINO (Rindo) -- E a prova é que ele ainda não fala com têm prazer em falar mal de sua terra, achando que lá fora tudo é
o sotaque de francês... melhor, podiam ir embora de uma vez, que nenhuma falta fazem!
ELVIDIO (Rindo) — Como são implacáveis com as suas ironias! JUSTINO (Em tom repreensivo) — Menina, que é isso?
Apesar do meu fanatismo por Paris, não FOU inimigo do meu país. INÁCIA — Não se fala desse modo, Nair!
FABRINO — Está visto. O Elvidio fala mal da pátria por es- FABRINO (Irónico) — É preciso ter em conta que o Elvidio
porte. É um passatempo como outro qualquer.
é um parisiense amável.. .
NAIR (Intencionalmente) — O que não posso compreender é
que se cultive esse esporte por prazer. ELVIDIO — Bravos, senhorita! Não a julgava tão patriota.
INÁCIA — Se o sr. se demorasse mais no Brasil acabava se NAIR — Gosto muito do meu país e detesto as pessoas que fa-
acostumando e o achava bom. lam mal dele!
JUSTINO — A coisa é o seguinte: quando a gente passa muito JUSTINO (A Nair) — Então, menina!
tempo fora de sua terra, esquece-a; mas depois, voltando, identifi- INÁCIA — O sr. desculpe-a, sêo Elvidio...
ca-se novamente com o meio, reavivando as antigas amizades, cri- ELVIDIO (Levantando-se) — Desculpar, o que?... Confesso que
ando outras novas, e assim torna-se a gostar da terra que nos foi aprecio essa franqueza. O que sinceramente lamentaria era que a
berço, mesmo com todos os seus defeitos. 'friademoiselle" Nair ficasse por isso ressentida comigo...
ELVIDIO — Sim, de acordo... NAIR — Absolutamente, sêo Elvidio. Cada qual pensa do seu
In
FABRINO — Tal e qual como certos homens, que ao abando- odo. E daí — quem sabe? — se eu passasse alguns anos em Pariá,1
narem as suas amantes, acham que elas são defeituosas, insuportá- talvez também fizesse do meu país o mau juízo que o sr, faz.
veis, jurando nunca mais as verem. Tempos depois, ao reencontrar JUSTINO (Levantando-se) — Sabem de uma coisa? Vamos fazer1
0
alguma, após alguns momentos de conversa, começa ele a achar-lhe seguinte: não se fala mais nesse assunto. (Todos se levantam).
30 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 31

PABRINO (Consultando o relógio) — A que horas querem ir NAIR (Mal dissimulando a sua contrariedade) — Ora, sêo Elvi-
ver a casa? dio. . • Não me ofendeu em coisa alguma...
ELVIDIO — Podemos ir já. ELVIDIO (Terno) - - Nem pode imaginar como sentiria se fi-
casse magoada comigo!... Daria tudo para evitar-lhe essa contra-
INÁCIA — Não convém demorarem muito a fim de estarem riedade, que involuntariamente, ou talvez por leviandade, eu lhe
de volta cedo para o jantar. causei.. . Não me quer mal?
JUSTINO — Teremos trem agora? NAIR — De modo algum... (Força um sofriso) .
FABRINO — Que trem, meu sogro? Vamos de automóvel! O El- ELVIDIO (Envolvendo-a num olhar terno) — Vou satisfeito.
vidio tem aí à porta um esplêndido carro à no:sã disposição. (Estendendo-lhe a mão) Até logo. .
JUSTINO — Sim? Eu não sabia. NAIR (Depois de hesitar, dando-lhe a mão a apertar) — Até
INÁCIA (A Justino) — Vê lá agora se também vai perder o logo.
automóvel como trm sucedido com os trens. (Gargalhada geral, FABRINO (Dando o chapéu a Elvidio) — Vamos, ó Elvidio.
com exceção de Nair, que fita Elvidio com rancor). ELVIDIO — Vamos. (A Inácia) Até logo.
JUSTINO — Nem que eu esteja acostumado a perder trens... INÁCIA — Até logo, sêo Elvidio.
ELVIDIO — Estaremos de volta dentro de uma hora. JUSTINO (Ã porta F.) — Olha esse jantar... (Saem os três F.).
FABRINO (Gracejando) — Vamos ver se desta vez fico pro- INÁCIA — Já sei, homem! Vá embora.
prietário . VIRGÍNIA (Entrando E. A., à Marcelina, que a acompanha)
ELVIDIO — E por que não? Estou disposto a dcrfazer-me do — Você é teimosa, Marcelina! Já disae que as garrafas estão lá
no armário da despensa!
todas as minhas propriedades que tenho aqui no Brasil...
MARCELINA — Não estão!
INÁCIA (A Elviãio) — Talvez o Fabrino não disponha da im-
portância que o sr. quer pela casa. VIRGÍNIA — Eu vou dizer a você se estão ou não. (Chamando
Inácia,, que está no alpendre a olhar para baixo) Mamãe.
ELVIDIO — Ora, minha senhora!... O Fabrino é meu amigo.
Ele dará pela casa quanto lhe convier e paga-la-á quando puder. (Ouve-se o rumor de um automóvel que se põe em movimento).
FABRINO — Sim, sim... Mas amigos, amigos, casas à parte. INÁCIA (Depois de fazer sinais de despedida para fora, vol-
ELVIDIO — Não é tanto assim. tando-se, à Virgínia) - - Que é?
JUSTINO (Recebendo o chapéu que Inácia lhe foi buscar) — MARCELINA (A Virgínia) — Então a senhora quer saber mais .
Olha lá o jantar que nos vai arranjar, hein? do que eu, que todas os dias arramo a despensa?
INÁCIA — Não é preciso recomendar. VIRGÍNIA — Espera... (Impaciente, chamando Inácia, que ain-
da olha para fora) 6 mamãe!
JUSTINO (Pondo a mão no colarinho) — Este colarinho...
INÁCIA (Descendo ao centro) — Que quer você?
INÁCIA — Já queres implicar com o colarinho? Vê lá!
VIRGÍNIA — As garrafas de vinho do Porto, que papai trouxe
FABRINO (A Inácia, em tom de gracejo) — Minha sogra, um n
um dia destes, não estão na despensa?
jantar "comme il faut"! Olha que o no^so convidado é parisiense...
INÁCIA — Estão.
ELVIDIO — Is o! Troça-me à vontade. (Enquanto Justino e Fa-
brino conversam baixo com Inácia, vindo à Nair) Então, ainda está VIRGÍNIA — Como é que Marcelina está teimando que não estão?
muito zangada comigo? MARCELINA — Eu não vejo lá nada...
NAIR (Dissimulando) — Eu? Não. Não tenho razões para _ INÁCIA (A Marcelina) — Abra o armário da parede e veja se
na
isso... ° estão seis garrafas naquela prateleira de cima.
ELVIDIO — Promete perdoar-me? MAECELINA — Ah!... Na prateleira de cima não olhei.
32 QASTÃO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 33

VIRGÍNIA — Quando você não tiver certeza das coisas, não teime. NAIR (Exaltando-se) — Pois fiquem sabendo que não lhe apa-
MAKCELINA — Também a gente não tem obrigação de adivi- reço mais!
nhar ... INÁCIA — Tomara eu ver isso!
VIRGÍNIA — O que você quer é conversa! Vai buscar três gar- NAIB — Já di-;se e repito que não lhe apareço e ninguém me
rafas e leve-as para a sala de jantar. obriga! (Sai zangada D. A.).
MARCELINA — Só três? Três não chegam. VIRGÍNIA — Estou estranhando a Nair...
VIRGÍNIA (Contrariada) — Traga só as três, mulher! Se for INÁCIA — Desconfio que isso deve ser...
preciso, vai-se buscar mais... RITINHA (Entrando D. A.) — Que tem Nair, que está chorando?
MARCELINA — Podia trazer todas de uma vez... INÁCIA — Ela está hoje atacada dos nervos.
VIRGÍNIA — ó criatura, vai fazer o que estou mandando! VIRGÍNIA — Ó Ritinha, você precisa vir ajudar a gente cá
MARCELINA (Carrancuda) — Já sei. Não é preciso falar mais. dentro.
INÁCIA — Vê lá agora se fica por lá. RITINHA (Com um muxôxa) — Já sei!
MARCELINA — Não fico, não. (Sai E. B.) INÁCIA (A Ritinha) — Não sei o que faz você a toda a hora
VIRGÍNIA — Que mulher teimosa essa Marcelina! metida no quarto.
INÁCIA — Está mal acostumada. (Vendo Nair pensativa) Que RITINHA — Eu não demorei nada; foi só enquanto mudei o
tem, minha filha? vestido...
NAIR — Nada, não senhora. ERNANI (Entrando F. atira o chapéu para cima do piano)
— Sua bênção, titia...
INÁCIA — Você não fale mais do modo com que há pouco cen-
surou o sêo Elvidio. INÁCIA — Deus o abençoe... Então, arranjaste alguma coisa?
VIRGÍNIA (A Inácia) —• Que disse ela? ERNANI — Qual o que! Levei mais de duas horas a esperar o
ministro. Ele não apareceu, "dei o fora".
INÁCIA — Respondeu mal a sêo Elvidio. Isso é uma grosseria
INÁCIA— E por que não esperou mais?
que não se faz!
NAIR — Não pude me conter. Revolta-me ouvir a todo mo- , ERNANI (Apanhando os halteres) — Quem sabe se eu sou criado
mento esse sujeitinho falar mal do que é nosso. do ministro para ficar à espera até a hora que ele se resolva chegar?
(Começa a fazer exercícios) .
INÁCIA —• Todos nós temos a obrigação de ser delicados com
VIRGÍNIA — Mas você não necessita arranjar um emprego?
as pessoas que nos visitam.
INÁCIA — Não parece...
VIRGÍNIA — E depois, ele é amigo de Pabrino.
RITINHA — O Ernani tem razão.
INÁCIA — Vai vender-lhe uma casa a prazo...
NAIR — É . . . Eu não sei guardar conveniências. O que vou INÁCIA (Repreensiva a Ritinha) — Quem lhe está perguntando
alguma cora? A senhora tem que perder esse costume de se meter
fazer é não aparecer mais quando ele estiver aí. na conversa dos outros!
INÁCIA — Não, senhora! Isso não é bonito. RITINHA (Sentida) — Sim, madrinha, fico sabendo...
VIRGÍNIA — Pode ele reparar... INÁCIA (A Ernani) — Logo vou ter uma conversa com Justino
NAIR — E que repare! Como antipatizo com esse homem! Nem a seu respeito. Isto sim é que não pode continuar!
o posso ver! Se soubesse como o odeio! VIRGÍNIA — Decerto. Um homem dessa idade e sem emprego...
INÁCIA — Abranda esse génio, menina! ERNANI — Mas como se incomodam com a minha vida! Nem
VIRGÍNIA (A Inácia) — Mas por que é que ela está assim? Que eu fosse pr'aí um menino de colégio.
INÁCIA ;— Está muito cheia de vontades. INÁCIA — O seu tio lhe dirá.
34 CASTÃO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 35

MARCELINA (Entrando E. B. trazendo três garrafas) — Vejam ERNANI — Eu?... Ó pequena, você está padecendo de excecso
lá se são estas.. . je imaginação.
INÁCIA — São, sim... RITINHA — Por que me despreza, Ernani?
VIRGÍNIA (A Marcelina) — Você parece que está de má von- ERNANI — Nunca disse que gostava de você...
tade. Que cara!...
RITINHA — É que já não se lembra. A sua prima Nair, fez
MARCELINA — Nunca tive outra cara... você se esquecer de m i m . . .
ERNANI (Vendo as garrafas) — Que é isso? A "bóia" vai ser ERNANI — Vamos deixar disso, Ritinha! Que podia você es-
hoje melhorada? perar de mim? Não vê que sou um sem-trabalho? Não posso comigo,
EITINHA (A Ernani) — séo Elvidio janta hoje aqui... quanto mais com xim contrapelo às costas!
ERNANI — Logo vi. Quando sou eu quem janta, não há vinho... RITINHA — Arranja um emprego. Podíamos ser tão felizes!
VIRGÍNIA (A Marcelina) — Que mais espera? Leve as garrafas Não sou exigente: contento-me com qualquer coisa.
para dentro! ERNANI — Havia de ser o ideal, hein? Nós dois sentados, à
MARCELINA -— Não precisa falar mais! (Sai E. A.). espera que nos caísse a comida do céu. Eu fazendo nada e você
VIRGÍNIA (Acompanhando-a) — Tem sempre uma resposta! ainda menos...
(Saem as duas discutindo). RITINHA — Eu trabalho. Sei cozinhar, coser, bordar...
INÁCIA (A Ernani) — Vamos, acabe com esses exercícios aqui ERNANI — Qual! Parece que a nossa sina é não trabalhar. Se
dentro da sala de visitas! Vá lá para o jardim fazer i só. Que bela você soubesse como a vida é difícil com a mania que têm os senho-
vida, hein? Em vez de procurar emprego, faz exercícios... rios de cobrarem aluguéis das casas e os vendeiros em não fiarem,
ERNANI (Sem parar) — "Mens sana in corpore sano", titia. nem me falava em casamento, que é uma coisa que a gente só deve
INÁCIA — Quando se perde a vergonha... aconselhar aos outros.
ERNANI — Os outros não a acham. RITINHA (Alterando-se) — O que é sei eu! É que você está
INÁCIA (Depois de olhar para ele) — O seu tio lhe dirá... apaixonado por Nair.
(A Ritinha) Ó dona, temos o que fazer cá dentro. (Sai E A,). ERNANI — Deixemos dessas conversas! Podem saber disso e
RITINHA — Está vendo, Ernani, o que nesta casa aturo de eu não quero embrulhadas comigo...
todos? RITINHA — Você tem medo?
ERNANI (Sem parar os exercícios) —• Console-se comigo. ERNANI — O que eu tenho é . . . (Noutro toni) Vou fazer exer-
RITINHA — Desgraçada daquela que não tem pais, como eu, cícios lá pra baixo. (Sai E. B.).
e é obrigada a .viver de favor na casa dos outros... RITINHA — Ele não gosta de mim!... (Fica triste).
ERNANI — Você não é aqui bem tratada? BASILIO (Aparecendo à F. trazendo a caixa da flauta) — Dá-
RITINHA — Sabe Deus o que eu sofro calada! Mas qualquer mo licença?...
dia pego no que é meu e vou-me embora. RITINHA (Dissimulando) — Pois não, sêo Basilio. Faça o favor
ERNANI — Para onde? de entrar.
RITINHA — Sei lá! Vou ser qualquer coisa... Emprego-me BASILIO (Entrando) — Obrigado. (Apertando-lhe a mão)
como criada... Passa bem?
ERNANI — Não pratique essa violência. RITINHA — Passo bem... Agradecida. E o sr. ?
RITINHA — Pobre de mim! Durante algum tempo ainda nutri BASILIO — Menos mal.
uma única esperança, que era você... RITINHA — O sr. não quer sentar-se?
36 GASTÃO TOJEIKO ONDE CANTA O SABIÁ 37

BASILIO — Não, senhorita, estou bem. A senhorita Nair?... BASILIO — Não devia estar. A janela do seu quarto ainda es-
RITINHA — Está lá dentro. tava iluminada.
BASILIO — É que eu vim por causa do ensaio da "Serenata NAIR (Admirada) -- Que! O sr. já sabe qual é a janela do
de Schubert"... meu quarto?
RITINHA (Vendo Nair entrar D. A.) — Ali está ela. Ó Nair, : BASILIO (Indicando para o lado direito) - - É a quarta deste
o sêo Basilio está à sua espera. lado.
BASILIO (Numa mesura, a Nair) — Senhorita.. . NAIR — Como é que o sr. sabe?
NAIR (Dissimulando a contrariedade) — É o senhor, sêo Ba- BASILIO (Terno) — O coração adivinha...
silio? NAIR -- Não sabia que o sr. estava a'sim tão adiantado.
BASILIO — Aproveitei uma folga, deixando lá na estação o pra- BASILIO -- Prova que me interesso pelo que lhe diz respeito.
ticante, e vim para fazermos um ensaiozinho... NAIR —Ninguém diria.. .
N A I R — Um ensaiozinho?... Como quiser. BASILIO (Apaixonadamente) — Ah, senhorita!... Se não fosse
RITINHA — Com licença, sêo Basilio. a sua existência aqui nesta casa... Nem imagina como me preocupa
o pensamento desde a primeira vez que a vi!...
NAIR — Fica, Ritinha.
NAIR (Atalhando) — Vamos ensaiar a Serenata?
RITINHA — A madrinha está à minha espera!... (Sai E A.).
BASILIO (Procurando a Serenata numa rima do papéis de mú-
NAIR (Â parte) — Desta vez não escapo!... sicas, que estão em cima do piano) —; Não sei onde está a Sere-
BASILIO — Não sei se me torno importuno... nata... (Achando-a) Está aqui. (Tira-a dentre as outras músicas,
NAIR — Ao contrário, sêo Basilio. É verdade que agora não coloca-a na estante do piano e senta-se enquanto prepara a flauta),
disponho de muito tempo... '•'• ANTÓNIO (Entrando a correr F.) — Sêo agente! Ó sêo agente!...
BASILIO — É um instante. (Abrindo a caixa da flauta) Fa- BASILIO (Contrariado) — Que é, homem?
zemos uma passagem rápida. Eu já estou farto de tocar a "Sere- ANTÓNIO — Corra à estação, que o praticante está aflito à
nata de Schubert", mas a senhorita manifestou o seu receio e pe- sua procura...
diu-me que viesse fazer um ensaio...
BASILIO — Que houve?
NAIR — Foi.
ANTÓNIO — Não sei. Deve ser por causa de um telegrama
BASILIO — A senhorita já me ouviu tocar essa serenata? que chegou.. .
NAIR — Como podia ouvi-la? O sr. nunca a tocou na minha, BASILIO — E é preciso que eu vá lá por causa disso?
presença...
ANTÓNIO — Sim, senhor. E não se demore, que a coisa é grave!
BASILIO — Ouviu-a, sim... (Em tom confidencial) Ainda esta
noite toquei-a repetidas vezes. BASILIO (Furioso) — Aquela besta!... (Para Nair, que se le-
NAIR —* É possível. A estação é tão longe, que não ouvi. vantou) Perdão, senhorita! 'Que sujeitinho inútil é aquele praticante!
BASILIO — Não foi na estacão que a toquei: foi mais perto.... ANTÓNIO - - Não se demore, sêo agente!
Aqui junto do gradil desta casa... BASILIO (Possesso, a António) — Já £ei... Sua... Sua...
NAIR — Ah!... O sr. costuma tocar flauta junto do gradil : : : ANTÓNIO — Não fale cm pessoas da família, que há senhoras
aqui de casa? presentes.
BASILIO (Depois de certificar-se que está só, com um sorriso BASILIO (A Nair) -- Não demoro, senhorita. (Pondo n flauta
significativo) — Costumo. Ouviu esta noite? em cima do piano) Deixo ficar a flauta... Volto já... (Sai F.).
NAIR — Não. Talvez estivesse dormindo... NAIR (Rindo) -- À vontade... Não tenho pressa.
38 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ

ANTÓNIO (Que foi até à porta F, olhando para fora) — Ele ANTÓNIO — Is^o é qu'aeho!... Já começa a senhora... Não
vai que nem um raio. ae ria, dona Marcelina!
NAIR — Quando é que este agente será transferido para outra MARCELINA (Depois de olhar para dentro) — Aí vem a patroa!
estação? Até logo. (Vai a sair F.).
ANTÓNIO — Está custando. Já era tempo dele ir andando; ANTÓNIO (Fazendo menção de acompanhá-la) — Eu também
mas apegou-se à esta estação. Dizem até que mete cmpenhos para vou.
não ser transferido. MARCELINA (Voltando-se) -— Não faça isso, que me compromete!
NAIR — Nenhum tem demorado tanto como este. (Sai apressada F.).
ANTÓNIO — Pois olhe: bem podia ir, que não deixa saudades. ANTÓNIO (Ficando) — Esta minha falta de coragem...
MARCELINA (Entrando E. A.) — Dona Nair, sua mãe está INÁCIA (Entrando E. A.) — A Marcelina ainda não vol-
chamando a senhora lá dentro. tou?... (Vendo António indeciso, a rir para ela) Que faz o sr.
ANTÓNIO (Satisfeito) — Boa tarde, dona Marcelina. aqui?
MARCELINA — Boa tarde.. . ANTÓNIO (Atónito) — Eu, minha senhora?... A senhora passa
NAIR — Mamãe não disse o que queria de mira? bem?
MARCELINA — Não, senhora (Nair sai E. A.) INÁCIA — Bem. O sr. queria alguma coisa?...
ANTÓNIO — Ah, Marcelininha, há quanto tempo não nos pi- ANTÓNIO — Não queria.. . Isto é: queria, queria, minha se-
lhamos assim tão à "sóses"! nhora. É que vim chamar o agente...
MARCELINA — E que falta tem feito? O sr. não tem nada que INÁCIA (Que compreendeu) — Sim?... (Vai ao alpendre, cha-
me dizer... mando) Leocádio. Ó Leocádio! (Depois de verificar que ele não
ANTÓNIO — Isso é o que lhe parece! (Batendo no peito) Sabe está no jarãin) Onde se meteria esse rapaz? (Desce ao centro).
lá o que eu tenho armazenado cá dentro para despejar para fora?... ANTÓNIO — Ele ainda não voltou?
MARCELINA — E por que não despeja?... INÁCIA — Ele saiu!
ANTÓNIO — Eu bem queria dizer; mas a senhora não me dá ANTÓNIO — Quando eu vinha pra cá vi-o em frente àquele ter-
entrada... reno onde estão armando o circo de cavalinhos.
MARCELINA (Rindo) — Este sêo António tem coisas!... INÁCIA -— Então nós lhe pagamos o ordenado para ele aban-
ANTÓNIO (Também rindo) -- Não se ria, dona Marcelina! donar o serviço e ir ver armar circos?
MARCELINA — Eu não estou me rindo... ANTÓNIO - — Ê um "desabuso" de confiança!
ANTÓNIO •— Isso é que está! (Como ela continua a rir) Está INÁCIA — O sr. pode fazer-me um favor, sêo António?
vendo?.. . Não se ria, dona Marcelina! ANTÓNIO — Até dois, minha senhora.
MARCELINA — Sêo António, o sr. me dá licença. A patroa INÁCIA - - Vá chamá-lo.
mandou-ine à venda.
ANTÓNIO — Ora essa! Por que não? Tenho mesmo que passar
ANTÓNIO — Então é que calha mesmo bem! Eu espero-a ali à es- por lá... Fica em caminho.
quina para conversarmos mais à vontade.
MARCELINA — O sr. "emaluqueceu"?! Havia de ser muito bo- INÁCIA — Então faça esse favor.
nito se me vissem conversar com o sr. na rua. ANTÓNIO — É pra já. (Sai F.).
ANTÓNIO — Que mal havia? A rua é um lugar onde se pode ERNANI (Entrando E. B. com os halteres) — Por hoje basta;.
fazier tudo. A questão é escolher a hora. INÁCIA — Onde estava você, Ernani?
MARCELINA (Rindo) — O sr. acha? ERNANI — Estava lá em baixo treinando.
40 GASTAO TOJEIRO
í ONDE CANTA O SABIÁ 41

INÁCIA :— Será pocsível que você não encontra outra coisa maisj ERNANI — Quem? O agente da estação?
útil a fazer?
NAIR — Sim.
ERNANI (Que foi por os halteres em cima do piano) — Oh,|
titia! Mas que implicância comigo! ERNANI — Que vem ele cá fazer?
INÁCIA — Não posso compreender que um homem, como você, J NAIR — Vem ensaiar a "Serenata", de Schubert, para logo
passa a vida sem trabalhar! à noite...
ERNANI — Há muita gente que tem a mesma ocupação. E tenho j ERNANI (Duvidoso) — Hum!... Parece-me que essa tíoisa de
eu porventura culpa que não apareçam empregos? ", ensaiar a tal Serenata, não passa de um pretexto que vocês arranja-
ram para poderem conversarem à vontade.
INÁCIA — Você tem sempre uma desculpa pronta. Seu pai,i NAIR (Rindo) — Mas que grande parvo você me saiu!
velho como está, que esteja a trabalhar a fim de mandar dinheiro]
para você viver à boa vida. ERNANI — É, agora chama-me de parvo. Se eu soubesse tocar
flauta, talvez não fosse parvo.. .
ERNANI — E que culpa tenho eu que ele seja meu pai?
NAIR — Não diga tolices!
INÁCIA — Preguiçoso! (Vendo Leocádio, que entrou a medo F.)
Agora é que você aparece? Onde estava? . ,• ERNANI (Suplicante) — Mas para que você há de ser tão cruel
para mim, priminha!
LEOCÁDIO (Coçando a cabeça) — Trabalhando no jardim...
NAIR (Séria) — Olha, ó Ernani, vamos acabar com esse brin-
INÁCIA :— Mentira!
quedo!
LEOCÁDIO — Estava, sim senhora! ERNANI — Por que não corresponde a esta paixão que eu ali-
INÁCIA — Não estava tal, que, me fartei de chamá-lo. mento por você?
ERNANI (Â parte) — Esta é difícil de enganar. NAIR — Quer saber?
LEOCÁDIO — Eu não ouvi... ERNANI (Apaixonadamente) — Oh, sim! Diz que tudo farei
INÁCIA — Não ouviu porque em vez de estar tratando da sua para conquistar o seu amor!
obrigação, estava vendo armar o circo. NAIR (Com ar de troça) —- Quando você for alguma coisa na
LEOCÁDIO — Eu, patroa?!... vida.
INÁCIA — Sim, você mesmo! Pensa que eu não sei? Venha cá ERNANI — Que quer que eu faça?
à cozinha, que tem o que fazer. (Sai E. A.). NAIR — Alguma coisa de notável que o tire de vulgaridade em
LEOCÁDIO — Sim, senhora. (Vai sair). que j az. Pratique um ato qualquer que o torne digno da minha
ERNANI — Você também é de circo, hein, sêo vagabundo! admiração.
LEOCÁDIO (Voltando) — Eu já o avisei que não quero eonfianças ERNANI (Pensativo) — Um ato que me torne digno da sua
comigo! admiração?... Já pencei: quer que arranje um emprego.
ERNANI — Vagabundo, sim! NAIB — Não basta. Exijo mais. Vamos, anime-se a fazer qual-
LEOCÁDIO (Avançando para ele) — Que diz, você? quer coisa que o imponha à admiração pública.
ERNANI — Não é muito fácil... E se eu aprender a tocar
ERNANI (Recuando com meão e gritando) — Ó titia! Titia, o flauta? (Desanimada) Levaria muito tempo. Não possuo a embo-
Leocádio...
cadura . . .
LEOCÁDIO — Quando eu o pilhar a jeito... (Sai E. A.). NAIR — Então fica combinado que não me tocará mais nesse
ERNANI (Indo até à porta) — Vê lá se queres experimentar assunto enquanto não se achar com direito a isso.
o peso do meu braço! ERNANI (Resoluto) — Pois bem, Nair, juro-lhe que dentro de
NAIR (Entrando E. A.) — Ó Ernani, b sêo Basilio ainda não Poucos dias eu terei conquistado esse direito!
voltou? NAIR — Bravos!
42 GASTÃO TOJEIKO ONDE CANTA O SABIÁ 43

ERNANI (Tornando-lhe a mão) — O amor faz milagres! Custe ERNANI — Não se pode ser bonito nem esportista. (Pensativo)
o que custar, dominarei esse coraçãozinho rebelde! Mas que hei eu de fazer para conquistar a mão de Nair?.. .
NAIR — Assim, ardoroso paladino! LEOCÁDIO (Entrando E. A.) — Agora também já sou aju-
ERNANI — Juro a fé de quem sou que esta mão será minha! dante de cozinha!...
(Beija-lhe a mão). ERNANI (Desesperado) — Não me ocorre unia ideia feliz! Eu,
EITINHA (Que entra neste momento E. A.) — Eu não disse? que possuo tanta força!...
LEOCÁDIO — Mas não venha experimentá-la em mim, que você
NAIR (Retirando a mão, rindo) — É um desastrado este Ernani! se sai mal! Olha: se quer experimentá-la, vá lutar com o hércules
RITINHA — Não disfarcem, que não adianta. Eu já descon- J do circo.
fiava e agora tive a confirmação.
ERNANI (Com interesse) — Que hércules é esse?
NAIR (Indo a Ritinha) — Que está você dizendo, ó tolinha? LEOCÁDIO — Ainda não sabe? No circo que estão armando ali
RITINHA (Contendo as lágrimas) — Que você é uma traidora adiante puseram um anúncio desafiando quem queira lutar com o
muito grande! (Desata a chorar). atleta.
NAIR — Mas que fiz eu para você chorar dessa maneira? ERNANI (Radiante) — Ah! Achei o meio de impor-mc à admi-
ERNANI (A Nair*J — Não faça caso. ração pública! Aceito o desafio! Vou lutar com o hércules do circo!
RITINHA (Chorando) — Para que eu vim ao mundo, meu Deus? LEOCÁDIO — Olha que ele o achata!
Sou uma desgraçada! ERNANI — Achatar-ine? Você é burro! Para que eu ando trei-
NAIR (Acariciando-a) — Escuta, Ritinha. nando diariamente? Quando estreia o circo?
RITINHA (Repelindo-a) — Amiga falsa! LEOCÁDIO — Daqui a quatro dias é a primeira função.
NAIR — Falsa, por que? (Lembrando-se) Ah!... Agora é que ERNANI (Resoluto) — Pois eu vou já inscrever-me! Impor-me-ei
estou percebendo... É por causa daquele brinquedo de Ernani? à admiração pública e reclamarei a posse daquele coração insub-
ERNANI — Por minha causa, vírgula. (Indicando Ritinha) misso!
Nada tenho com essa menina. LEOCÁDIO (Rindo) — Vai pra lá que o hércules amarrota-te
VIRGÍNIA (Entrando E. A.) — Que choro é este? Mamãe man- o canastro...
dou perguntar. ERNANI (Ameaçando-o) — Quem é que me amarrota?
NAIR — Não sei porque a Ritinha está chorando. LEOCÁDIO (Avançando para ele) — Comigo, não! Olha que eu
RITINHA -— Você bem sabe, sim. Já sei o que me resta fazer: não sou o hércules!...
vou-me embora! ERNANI (Recuando amedrontado) — Titia! Ó titia! (Leocádio
VIRGÍNIA (A Ritinha) — Afinal, o que houve? «w F.) Quando este foge, que fará o hércules. (Pondo o chapéu
RITINHA — Não sei. Vou já aprontar o que me pertence e numa atitude heróica) Vou inscrever-me! (Sai F.).
vou-me embora! Antes tivesse morrido ao nascer! Sou muito infeliz! MARCELINA (Entrando F., receosa, trazendo embrulhos, a An-
VIRGÍNIA — Responda, Ritinha. Que tem você? tónio que a acompanha) — Mas que atrevimento é esse, sêo Antó-
nio? O sr. tem a coragem de me acompanhar?
RITINHA — Eu já compreendi que não me querem nesta casa.
Querem me ver pelas costas? Pois eu vou-me embora. (Sai cho- ANTÓNIO — A senhora não quis parar na rua...
rando D. A.). MARCELINA — Parar pra que!
NAIR — Onde é que se viu uma coisa assim? ANTÓNIO — É que eu tive uma lembrança e queria dizer-lhe...
VIRGÍNIA — Vocês são umas verdadeiras crianças! Ouve, 6 Ri- MARCELINA — Pois diga de uma vez, que a patroa está espe-
tinha. (Saem as duas D. A.) rando pelas compras.
GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 45

ANTÓNIO (Hesitante) — Há pouco tive uma ideia.. . (Rindo) VIRGÍNIA (Entrando D. A. com a mão sobre o ombro de Ri-
Não se ria, dona Marcelina! tinha, que vem limpando os olhos com um lenço) — Deixe-se dessas
MARCELINA — Que inania tem o sr. de estar a toda a hora tolices, Ritinha. Todos aqui em casa gostam de você.
dizendo que eu estou rindo. Até logo. (Dirige-se para E A.). NAIR (Que as acompanha) — Não sei de que se queixa Ritinha!
ANTÓNIO — Ouça. Não vê que eu rne lembrei de convidá-la Ela é tratada aqui cm casa como se fosse da família... Como se
para irmos à estreia daquele circo... fosse nossa irmã.
MARCELINA — Eu ir com o senhor ao circo? VIRGÍNIA — Está visto.
ANTÓNIO — Que tem lá isso? Quem paga as entradas sou eu. RITINHA — Eu é que sou infeliz!
MARCELINA — Não me faltava mais nada! Adeus. (Nova in- NAIR — Uma tola é que você é cm pensar que Ernani esteja
vestida para sair). cm condições de casar cem alguém.
ANTÓNIO (Segurando-a pelo braço) — Por que se faz tão má- RITINHA — Eu não penso cm semelhante cora.
zinha para mim? NAIR — Pensa, sim. E pensa também que eu gosto dele. (Rindo)
MARCELINA (Zangada) — Que abuso é esse? Larga o meu braço! Não me faltava mais nada.. . Pois se eu não ligo a coisas melhores,
ANTÓNIO — Está mesmo zangada comigo? quanto mais a Ernani!...
MARCELINA — Decerto que estou. VIRGÍNIA (Concluindo) — ...que não tem onde cair morto.
(A Ritinha) Vamos, deixe de criancices! Faça as pazes com a
ANTÓNIO — Qual está, qual nada! Olha a carinha dela! (Rindo) Nair... Dê-lhe um beijo.
Não sã ria, dona Marcelina!
NAIR — Vem cá, bobinha.
LEOCÁDIO (Entrando F. com um feixe de lenha) — Este ho- RITINHA (Amuada) — Não vou...
mem parece que não tem o que fazer lá na estrada! Toda a hora
metido aqui. VIRGÍNIA (Empurrando-a para, o lado de Nair) — Vá, não só
faça de rogada!
ANTÓNIO (Ao dar com Leocádio, disfarçando) — Eu estava di-
zendo à dona Marcelina que... NAIR (Ab'raçanão-a) — Fica certa de que, se algum dia algu&n
a fizer sofrer, não serei eu. (Iicija-a).
LEOCÁDIO (Malicioso) — Deixa disso! O que você quer sei eu.
VIRGÍNIA — Assim!... (A Ritinha) Agora trata de ir lavar
ANTÓNIO (Alterando-se) — Você é besta! esses olhos, que estão inchados de tanto você chorar. (Impelindo-a)
MARCELINA (Assustada) — Não gritem, que a patroa pode ou- Vai.
vi-los !
LEOCÁDIO (A Marcelina) — Se você se desse ao respeito, o (Ritinha sai D. A.) .
guarda-chaves não estava aqui. NAIR (Rindo) — Para que lhe havia de dar!
MARCELINA — Não sou eu quem o chama aqui. VIRGÍNIA — Vocês não têm juízo... (Sai E. A.).
ANTÓNIO (A Leocádio) — A dona Inácia há de saber que você BASILIO (Aparecendo apressado F.) — Dá-me licença, senho-
anda a correr a toda a hora para o circo de cavalinhos. rita?. . .
LEOCÁDIO (Em atitude agressiva, arriando o feixe de lenha) NAIR — Pois não, sêo Basilio! Entre.
— Ah! Foi você que lhe foi dizer? BASILIO — Creio que poderemos fazer agora o nosso ensaio.
MARCELINA — Aí vem a patroa! (Sai apressada E. A.). NAIR — Era alguma coisa de importância?
ANTÓNIO (Esfregando apressadamente os pés na chão) — Oh, BASILIO —- Qual! Aquele praticante é que é um verdadeiro
co'os diabos! (Sai a correr F.) inepto... Uma besta! (Caindo em si) Oh, senhorita, perdão!...
LEOCÁDIO (Apanhando o feixe) — Não perdes por esperar! Vou hoje mesmo oficiar ao diretor pedindo a remoção desse prati-
(Sai E. A.). cante.
46 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 47

NAIB (Dirigindo-se para o piano) — Vamos então recomeçar..., NAIR — Mas ainda há pouco fez aquela cena. (Pausa) Vou
BASILIO (Apanhando a flauta) — Com muito prazer, senhorita. eu meôma tratar da limpeza da gaiola, senão... (Saem as duas
E. A.).
NAIR (Sentando-se ao piano) — Passamos isso rapidamente.]
FABRINO (Entrando F.) — Cá estamos nós de volta.
BASILIO — Está claro. (Experimenta a flauta, tocando-a).
ELVIDIO (Que o acompanha) — Que esplêndido passeio fi-
NAIR (Com os dedos no teclado) — Posso começar? xemos .
BASILIO — Quando quiser, senhorita. JUSTINO (Entrando F. contrariado) — Por estas e outras é
NAIR — Agora!... (Basilio prepara-se para tocar, quando en-] que a gente perde a paciência!
tra António a correr F. aflito). ELVIDIO — Que foi, sr. Justino?
ANTÓNIO — Ó sêo agente! JUSTINO — O Leocádio não fez o serviço que lhe mandei fazer.
BASILIO (Contrariado) — Que há? FABRINO (Rindo) — Aí está o meu sogro preocupado com o
ANTÓNIO — Corra à estação!... O praticante está chamando.. . jardim!...
Depressa!
JUSTINO — Estou aqui, estou pondo-o a andar. (Indo ao al-
BASILIO — Mas que refinada cavalgadura é aquele praticante! pendre chamando) Ó Leocádio!... Leocádio!
Que aconteceu? ELVIDIO (A Fabrino) — Está satisfeito com o negócio?
ANTÓNIO — Parece-me que S D 20 saltou fora dos trilhos... FABRINO — Satisfeitíssimo! O que precisamos é regularizar
BASILIO (Assustado) — Oh, diabo!... Com licença, senhori- a foriria de pagamento.
ta!... (Sai a correr F.). ELVIDIO — Não havemos de brigar por causar di::so.
ANTÓNIO (Indo até à porta, e olhando ptfra fora) — Como ele JUSTINO (Do alpendre, chamando) — Leocádio.
corre!... (Ri) .
FABRINO — Talvez esteja lá dentro.
NAIR (Que se levantou do piano e vai a ele assustada) — Houve
algum desastre? JUSTINO (Descendo ao centro da cena) — Não sei onde diabo
se raeteu ele!
ANTÓNIO — Não houve, mas podia haver.
LEOCÁDIO (Entrando E. A.) — Estão me chamando?...
NAIR — Então para que veio assustá-lo?
JUSTINO — Estou, sim. Por que não levou aquela terra que
ANTÓNIO — Ora essa! O lugar dele é na estação o não aqui. tirou dos canteiros para o fundo da chácara?
Com sua licença, menina. (Sai F.).
LEOCÁDIO — Porque a patroa mandou-me trabalhar na cozinha.
RITINHA (Entrando D. A., a Nair, que subiu ao alpendre)
— A Virgínia? JUSTINO — Você é jardineiro ou cozinheiro?
NAIR — Está lá dentro (Reparando na gaiola) Que relaxadona LEOCÁDIO — Pergunte à patroa.
é essa criada! Ainda não fez a limpeza da gaiola do sabiá! (Des- JUSTINO — Tem sempre uma desculpa.
pendura a gaiola e vem pousá-la em cima da mesa). LEOCÁDIO — Eu não sei para onde hei de me virar. O sr.
RITINHA — Eu queria fazer um pedido a você, Nair. Promete manda fazer uma coisa, a patroa manda outra...
não se zangar nem dizer nada a ninguém? JUSTINO — Não me responda mais, homem! Venha comigo cá
a
NAIR — Prometo. o jardim. (A Elvidio) Dá-me licença um instante... (Sai F.
RITINHA — Você jura que não gosta de Ernanif com Leocádio).
NAIR — 'Quantas vezes quiser. Juro pela vida de meus pais. ELVIDIO — Ora essa!
Quer mais? FABRINO — É engraçado este meu sogro sempre às voltas com
0
RITINHA — Estou satisfeita. (Abraçando-a) Eu sempre tive jardineiro.. .
muita confiança em você. ELVIDIO — Engraçadíssimo!
48 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIA 49

PABRINO — Ó Elvidio, dispensa-me por um momento. Preciso ros sentimentos de certas mulheres. Como os senhores se convencem
ir lá dentro, mas não demoro. Fica à vontade.. Está em tua casa. facilmente! Enfim, é possível que lá em Paris, com a sua expe-
(Sai D. A.). riência ...
ELVIDIO — Não te preocupes comigo. (Sobe ao alpendre e fica ELVIDIO — Como é mordaz!... Realmente sou um desastrado.
a olhar para fora). Portei-me com uma inconveniência tal, que me tornei aos seus
NAIR (Cantando, descuidada, entra E. A. trazendo alpiste, uma olhos um verdadeiro indesejável. Não é exato?...
fruta e água para o pássaro. Cvmeça a por tudo que trouxe dentro NAIR (Que já concluiu a limpeza da gaiola) — Se o sr. as-
da gaiola, de costas para Elvidio. Este, que a viu, vem se aproxi- áim pensa.. .
mando lentamente, sem que ela o pressinta. Vcndo-o, num movi-
ELVIDIO •— Seria injusto para comigo mesmo se assim pensasse.
mento de surpresa) — Oh, sêo Elvidio!... Estava aí?...
ELVIDIO (Risonho) — Que é isso? Assustou-se com a minha NAIR (Começa a brincar com o pássaro, com as mãos de cada
lado d.a gaiola, fazendo-o esvoaçar de um para o outro lado) —
presença?
Não pôs:o acreditar na sinceridade de quem assim fala. O sr. que
NAIR (Hesitante) — Realmente... Não supunha que o sr. ti- detesta a sua terra e pensa em voltar o mais depressa possível
vesse voltado. Vim tratar do sabiá... para Paris...
ELVIDIO — ,E deixaria de tratar do sabiá, se soubesse que eu
ELVIDIO (Que se sentou na cadeira fronteira à ela e tem as
estava aqui?... Não merece tal castigo o seu mavioso sabiá. De-
mãos cm cima da mesa, terno) — E se houvesse alguém que in-
mais, não sou de cerimónias. Sou um amigo da casa.. .
fluí se poderosamente para que eu mudasse de pensar e talvez até
NAIR (Sentada à direita da mesa, continua a tratar da gaiola) me impedisse de voltar à Europa?
— Sim, já sei: o sr. é amigo de Fabrino.
NAIR — Pois seria possível que o sr. encontrasse na sua terra,
ELVIDIO — Confesse que antipatiza comigo. Não éf Pode ser onde nada presta, alguém capaz dis^o?
franca, que não me zango. (Aproxima-se da mesa, do lado oposto
ao cm que está Nair sentada, pondo familiarmente o joelho sobre ELVIDIO (Dominado por uma emoção crescente) — Encontrei!
a cadeira). Sim, essa criatura existe!... É ela que me domina o pensamento
NAIR — Não. desde que a v i . . . Sinto a cada dia que se passa, a cada hora, a
cada minuto, tudo se transformar em mim, escravizado como estou
ELVIDIO — Para que há de negar? Estou lendo nos seus olhos a ela!...
o mal estar que lhe causa a minha presença.
NAIR (Sem olhar para ele, procurando dissimular a emoção que
NAIR — Engana-se. principia a dominá-la) — Ninguém diria...
ELVIDIO — Dificilmente me engano. Conheço bem a psicologia
ELVIDIO (Com os braços em volta da gaiola, vai aproximando
feminina.
NAIR — É de supor. O sr. tem convivido com tantas mulhe- suas mãos das dela) — Quer saber o seu nome?. . .
res . . . Certamente que o seu amado Paris lhe tem proporcionado NAIR — Não me interessa...
inúmeras aventuras galantes e o ensejo de bem estudar as mulheres. ELVIDIO — É necessário que saiba! (Segurando-lhe as mãos)
ELVIDIO — Exagera. No entanto, sem vaidade, confesso que... Essa mulher a quem eu já amo loucamente é . . . É a senhora!...
NAIR — Com que então julga-se um perfeito conhecedor dos NAIR (Levantando-se e procurando desprender suas mãos das
sentimentos femininos, não é? dele) — Que faz, senhor! Deixe-me!
ELVIDIO •— Sem alimentar as pretensões de um Bourget e ou- ELVIDIO (Sem lhe deixar as mãos, apaixonadamente) •— Sim,
tros, está claro, que julgaram ter descido a es;e abismo insondável Nair, eu que nunca encontrei na vida mulher alguma capaz de
que é o coração da mulher. Tenho apenas a experiência... despertar em mim a mais leve afeição, que sempre desdenhei de
NAIR — Os homens em geral iludem-se quando pensam por todas sinto-me inteiramente dominado por você!...
determinados aspectos exteriores poderem interpretar os verdadei- NAIR — Se não me larga as mãos, eu grito!
50 GASTAO TOJEIRO ONDK CANTA O SABIÁ 51

ELVIDIO (Deixando-lhe as mãos) — Perdão!... Sou um inseri-, ELVIDIO — É arriscado.


sato... ERNANI (Com importância) — Qual arriscado! O hércules pra
NAIB (Com altivez) — E sobretudo muito ousado! Como se mini é "sopa"... É canja! Hei de derrotá-lo!
atreveu a tanto?
MARCELINA (Á parte) — Vou dizer lá dentro. (Sai E. A.).
ELVIDIO — Porque a amo perdidamente!
JUSTINO — Vou ao circo mandar riscar o teu nome. (Ameaça
NAIK — Não posso acreditar na sua sinceridade.
sair).
ELVIDIO — Juro! ERNANI (Segurando-o) — Não faça isso, titio! Então eu sou
NAIK — Pensava talvez que todas as suas aventuras lhe seriam alguma criança que não assuma a responsabilidade dos seus atos?
possíveis? Engana-se. Volte para o seu Paris, que é o campo pro- JUSTINO — O atleta mata-te, desgraçado!
pício às suas libertinagens. Nós aqui ainda não atingimos a essa
perfeição de que o sr. tanto fala.. . ERNANI — Isso é o que o sr. pensa.
ELVIDIO — Se soubesse como está sendo cruel!... INÁCIA (Entra E. A., acompanhada de Virgínia, Ritinha e
Marcelina) — É verdade que o Ernani vai lutar com o homem, do
NAIR — Se insistir, vou imediatamente contar a meu pai.
ELVIDIO — Não! Peco-lhe perdão... circo?
JUSTINO — Ê verdade.
NAIR — E eu o abomino! (Afastando-se) Insolente!
VIRGÍNIA — Esse menino mete-se em cada uma!...
MARCELINA (Entrando E. A.) — Sêo Justino?... (Depois
de verificar) Não está aqui? RITINHA (Assustada, a Ernani) — Peco-lhe que não faça isso!
NAIR (A custo, procurando dominar a agitação de que se acha ERNANI (Tomando cena, numa atitude de desafio) — A minha
possuída) — Não está aqui... resolução é inabalável! Hei de lhes mostrar que vou vencer o atleta
MARCELINA — A patroa mandou chamá-lo... (Reparando cm e tornar-me o campeão dos subúrbios e adjacências!
Nair) Que é isso, dona Nair? A senhora está sentindo alguma coisa? INÁCIA — Se você tratasse de arranjar emprego é que fazia
NAIR — Não, não tenho nada... (A Elvidio) Com licença bem.
(A Marcelina) Pendura essa gaiola no lugar. (Sai D. A.), MARCELINA (A Nair, que entra D. A.) — Sabe, dona Nair,
MARCELINA — Ora essa! (Notando que Elvidio também está o sêo Ernani vai brigar com o homem de força do circo de cava-
agitado e compreendendo tudo, com malícia, à parte) Parece que linhos.
estiveram jogando futebol... (Vai pendurar a gaiola no alpendre). NAIR (Admirada) — O Ernani?!...
ERNANI (Entrando F., a Justino, que o acompanha) — Mas ERNANI (Intencionalmente a Nair) — Sim, prima, será este
se eu já me inscrevi!.. . o ato grandio::o da minha vida!
JUSTINO — Este rapaz é um maluco! (A Elvidio) Não é que : LEOCÁDIO (Entra a ctírrer F., aflito) — Fugiu, patrão! O sa-
ele aceitou o desafio de luta com o atleta daquele circo, que estão biá! O sabiá fugiu da gaiola!... (Interesse geral).
armando ali adiante? NAIR (Surpresa) — O sabiá fugiu?!... (Corre ao alpendre.
MARCELINA (Que desceu ao centro, entusiasmada) — Que co-í Exclamações gerais).
ragem, sêo Ernani! JUSTINO — Quem deixou a gaiola aberta?
ELVIDIO (Irónico) — É, realmente, uma temeridade. MARCELINA — Eu não fui.
ERNANI (Tomando atitude) — E hei de vencê-lo! INÁCIA — Como é que ele fugiu?
JUSTINO — Ó rapaz, você está positivamente doido! Como é i JUSTINO (Da porta F. apontando ptíra fora) — Lá está ele
que você quer lutar com um hércules, um profissional? pousado naquela roseira.
ERNANI (Contraindo os braços) — Eu me garanto! E depois,] NAIR (Aflita) — Corre, Leocádio! Depressa!
vou primeiro treinar para lutar com ele. FABRINO — Leva o alçapão.
52 GASTAO TOJEIKO

LEOCÁDIO (Procurando com o olhar) — Onde está ele?


JUSTINO (Indicando) — Está ali!. . . '(Desaparece com Leocá-
dio).
ELVIDIO (Da janela) — Vão devagar, senão ele se espanta..
VIRGÍNIA — Como vai sentir a Nair!... TERCEIRO ATO
NAIR (.Descendo ao centro da cena, chorando) — Meu pobre
sabiá!...
INÁCIA — Mas como o deixaram fugir!... (Todos, com exce- (Fab'rino, Virgínia e Ritinha em cena. De tarde. Fabrino
ção de Ernani, estão às janelas e à porta a olharem para fora). fuma sentado no alpendre),
ERNANI (Vindo por detrás, à Nair, que chora) — Foi-se o sabiá,,
mas fiquei eu!... . RITINHA (Inquieta) — Como Marcelina demora a passar a
ferro o meu vestido!
PANO KÁPIDO :. VIRGÍNIA — São quase sete horas. (A Fabrino) Você não vai
conosco ao circo?
PABRINO — Ainda é cedo.
VIRGÍNIA — Enquanto veste, não veste, são horas.
PABRINO — Deixem-me gozar mais um pouco este lindo cre-
púsculo .
RITINHA — Essa Marcelina!... (Indo à E. A. e gritando
para dentro) Marcelina, anda com o meu vestido!
VIRGÍNIA (A Ritinha) — Que fim levou a Nair?
RITINHA — Creio que está no jardim.
VIRGÍNIA — No jardim? Ela não vai conosco?
RITINHA — Não sei.
VIRGÍNIA — A Nair tem qualquer coisa, que não nos quer dizer.
RITINHA — Tenho reparado que de dias para cá ela anda triste.
Não sai, quase não conversa, não quer comer...
VIRGÍNIA — Será por ter fugido o sabiá?
RITINHA — Pode ser. Ela gostava tanto do sabiá...
VIRGÍNIA (Duvidosa) — Hum!... Aí anda coisa.
MARCELINA (Entra E. A. trazendo um vestido engomado) —
Pronto, dona Ritinha, o seu vestido...
RITINHA (Recebendo o vestido) — Que demora para passar
um vestido a ferro, Marcelina!
MARCELINA — O ferro custou a esquentar! O carvão não prec-
ta.. .
VIRGÍNIA (A Marcelina) — Onde está. o Ernani?
54 GASTÃO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 55

MARCELINA — Ele estava lá no fundo da chácara brigando com FABRINO — Nada direi. Mas que grande farsante nos saiu
o Lcocádio. o teu primo!
VIRGÍNIA (Assustada) — Brigando?! ó Fabrino, vai ver isso? INÁCIA (Entra E. A. trazendo o lampião aceso. A wna ilu-
FABRINO — Ver, o que? minarse) — Boa noite.
VIRGÍNIA — O Ernani está brigando com o Leocádio. FABRINO — Boa noite.
FABRINO — Que se arranjem... VIRGÍNIA — Sua bênção, mamãe...
RITINHÀ — Não é briga. O Brnani está treinando com o Leo- INÁCIA — Deus te abençoe, minha filha. (Ooloca o lampião
em cima da mesa) Seu pai ainda não veio?
cádio para a luta que vai ter com o hércules. Esta Marcelina inventa
coisas... VIRGÍNIA — Papai está demorando hoje...
MARCELINA — Sei lá! Se aquilo não é briga... Dão cada soco FABRINO — Com certeza encontrou lá na cidade algum amigo
que o convidou para jantar.
um no oiitro...
INÁCIA — O jantar dele está guardado. E Nair, que não quis
RITINHÀ (Entusiasmada) — O Ernani vai fazer uim bonito! hoje jantar. Onde está ela?
FABRINO (Rindo) •— Se não fizer um feio. VIRGÍNIA — Ainda há pouco estava no jardim.
VIRGÍNIA — Eu ainda hei de me rir muito com essa luta. INÁCIA — Não sei o que tem essa menina. Quase não se ali-
RITINHÀ — Todos desejam mal ao pobre rapaz. Que gente! menta, anda triste...
MARCELINA — O sêo Ernani tem força. Ele dá cada tombo VIRGÍNIA — Ela, que tinha um génio tão alegre...
no Leocádio!... FABRINO (Gracejando) — O que ela tem sei eu: a doença dos
VIRGÍNIA —- Mas o lutador não é o Leocádio. vinte anos.
RITINHÀ — Não quero saber! Tenho fé que o Ernani venee o INÁCIA — Já estava tardando o engraçadinho sair-se com uma
hércules, ó Marcelina, vem ajudar-me a vestir. das suas.
MARCELINA — E quem é que vai arrumar a cozinha para mim? VIRGÍNIA (A Fabrino) — Tens uma linguinha!...
Não vê!... Eu também quero ir ao circo. INÁCIA (Que subiu ao alpendre, gritando para fora) — Ó
Nair. Nair.. .
RITINHÀ — Eu logo vi! (Sai D. A.).
NAIR (Dentro) — Mamãe.
MARCELINA — Querem ter criada para tudo. Quem sabe!...
Vou acabar o meu serviço. (A cena vai aos poucos escurecendo). INÁCIA — Que fazes no jardim a esta hora, minha filha? Sobe,
que este sereno da noite pode fazer-te mal.
VIRGÍNIA — Traz primeiro o lampião aqui da sala, que já está
FABRINO (Que se levantou e tem descido ao centro da cena, a
ficando escuro. Virgínia) — Como é? Vamos preparar-nos para o e^petáciilo ou não?
MARCELINA — Ainda mais esta! (Sai E. A.). VIRGÍNIA — Por mim não se incomode, que me apronto num
FABRINO (Rindo) — Há de ser um sucesso se o Ernani for instante.
derrotado. FABRINO (Irónico) — Eu imagino... Vamos nos vestir.
VIRGÍNIA — Não é, não. Tu é que não sabes como a coisa está VIRGÍNIA — Ó mamãe, vou mudar de roupa para ir ao circo.
preparada. O Leocádio nos contou tudo. O lutador recebeu cem INÁCIA (Ainda no alpendre) — Sim.
mil réis do Ernani para se deixar derrotar por ele. FABRINO (Que se colocou à saída da porta D. A., abrindo os
FABRINO — Ah! Bem me parecia. Eu já estava desconfiado de braços para interceptar a passagem de Virgínia, baixo a ela, rindo)
tanta coragem por parte do Ernani. ~~ Sem pagar o imposto de um beijo, aqui não se passa.
VIRGÍNIA — Não lhe diga nada. O Leocádio pediu-nos segredo. VIRGÍNIA (Evitando-o) — Deixa de brinquedos!
ONDE CANTA o SABIÁ 57
.5.6 GASTAO TOJEIRO

ERNANI — A senhora devia ser a primeira a animar-me...


FABRINO — Tens mesmo que dar... (Segura-a rápido e dá-lhe Sabe quanto me custa este triunfo?
um beijo). INÁCIA (Distraidamente) - - Cem mil réis.
VIRGÍNIA (Passando a mão no lugar atingido pelo beijo) — ERNANI (Desconcertado) — Hein? Quem disse a senhora?
Sem-vcrgonha!... (Gritando) Mamãe, dê modos ao Fabrino! INÁCIA — Ninguém. Eu é que adivinhei.
INÁCIA — Veja lá isso, sr. meu genro!
ERNANI — Não devia dizcr-mc isso, titia. Quer talvez dizer
FABRINO — Não precisam chamar a Assistência. (A Virgínia) que eu comprei o hércules... 35 falso! Se o vencer é porque co-
Tu não tens querer!... (Sai a brincar com Virgínia D. A.). nheço bem as regras da luta, tenho treinado e, sobretudo, tenho con-
INÁCIA (No alpendre, a Nair, que aí aparece) — Que tens, fiança nos meus músculos!... (Ã parte) Quem lhe teria dito?...
minha filha? (Aca'riciando-a desce com ela ao centro) Sentes al- INÁCIA -- É a vergonha da família! Bem, vá e seja feliz.
guma coisa? (Sai E. A ).
NAIR (Deixando-se trazer) — Não, mamãe. ERNANI — Todos os grandes homens sofreram os escárnios da
INÁCIA -—• Tu tens alguma coisa, que e;:tás ocultando à tua ignorância. Desculpo-a...
mão... Não acredito que só por ter fugido o teu sabiá ficasses NAIR -- Não consinto que você diga isso de mamãe!
assim. ERNANI — Mas há de convir, minha querida prima, que tenho
NAIR (Scntanão-se no sofá) — Não sei explicar o que seja, ma- razão. ,Ê ela a única pessoa que se opõe à realização desse ato de
mãe. Sinto-me tão indisposta, tão triste.. . heroísmo, que me foi iiupo^to por você.
INÁCIA — Tu, que sempre foste tão alegre... NAIR — Por mim? Ora, Ernaui, até tenho pena de você.
ERNANI (Entrando E. B. a fazer movimentos desordenados ERNANI (Aproximando-se dela terno) — Bem compreendo, Nair,
com os braços e depois tomando "pose") — Eis-me pronto a partir quanto sofre por minha causa!
para o campo da luta, donde voltarei coberto de glórias!
NAIR — Eu, sofrer por sua causa? Como se engana!
INÁCIA — Eu faço ideia.
ERNANI — Não me engano tal. Então pensa que desconheço o
ERNANI — Parece que a titia não está satisfeita comigo. motivo dessa tristeza, que a aflige desde o dia em que eu resolvi
INÁCIA — Nunca desejei mal a ninguém; mas, juro que agora medir-me com o atleta? J5 o receio que eu sucumba ingloriamente
eu só desejava que você fosse derrotado pelo hércules e levasse uma na luta. Nada receie, porém, miulia prima, porque teimo a íiriue
vaia do público. certeza de que o ponho nocaute.
ERNANI (Rindo com superioridade) — Eu, derrotado?... Pa- NAIR — Olha, primo: para mini tanto faz que você vença ou
lavra de honra, só mesmo rindo. Eu, derrotado!... (Tomando ati- seja vencido. Ji-me indiferente. O que eu desejo neote momento
tude) Olhe bem para mim, titia, e diga-me francamente se eu tenho e que você não me aborreça.
cara de quem se deixa derrotar.
INÁCIA — Vai envergonhar o nome da família lutando com um| ERNANI — Você diz isso só para que eu não desanime. Jamais
desanimarei! .Dentro de duas horas íarei jus a essa felicidade a que
hércules no picadeiro de um circo de cavalinhos!
tanto ambiciono. Verá, prima, como serei digno do seu amor.
ERNANI — Aí é que a senhora está enganada. Não vou enver-|
gonhar o nome da família; pelo contrário: vou elevá-lo. NAIR — Se você soubesse como eu &jtou, não me apoquentaria
mais com as suas idiotices!
INÁCIA — Se você tratasse de arranjar um emprego...
ERNANI — Pois a senhora não vê que depois da minha vitóriaj ERNANI •— Idiotices? Deixa que se consume a minha vitória!
o meu nome tornar-se-á tão conhecido e admirado que todas afl Kstá por pouco! (Começa a passear a largos passos).
portas se abrirão de par em par diante de mim? Terei emprego ANTÓNIO (Entrando F.) — Boas noites para todos.
de sobra. ERNANI (Com importância para António) — Como passas?
INÁCIA — Havemos de ver o resultado disso.
58 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIA 59

ANTÓNIO — O sr, come passas? Também e u . . . Quando são ANTÓNIO — Ora essa! E que tem isso? É verdade que eu tenho
das boas. por esse passarito uma amizade de pai solteiro, mas eu tinha satis-
LEOCÁDIO (Entrando E. B. de casaco e chapéu, sobraçando fação em lho dar. A menina é tão boa. . .
um grande embrulho) — Podemos ir, sêo Ernani. NAIR - - Agradeço-lhe muito, mas não aceito. E depois, ne-
ERNANI — Leva aí tudo? Não esqueceu nada? nhum outro pássaro substitui o meu sabiá com seu canto tão ma-
LEOCÁDIO — Nada. Nem do vidro de arnica e do esparadrapo. vioso, tão brasileiro. . . (Marcelina entra E. A. e fica a ouvi-los).
Vamos andando que é para o sr. ter tempo de «e preparar. ANTÓNIO — Por isso não menina, porque brasileiro também
é o meu canário. É verdade que ele é um canário belga, mas nasceu
ERNANI (Apanhando o chapéu) — Vamos. (A Nair) Como no Brasil: ali na estação.
os antigos paladinos que partiam de lança em riste a bater-se em
defesa das louras castelãs, parto para a liça de combate à conquista NAIR —• Contudo.
de um coração! ANTÓNIO — Pois eu sinto, porque tinha muito gosto que o meu
canário viessse para aqui alegrá-la.
LEOCÁDIO — Vamos que ainda temos que conversar antes com
o hércules... NAIR (Com amargura) — A minha tristeza não é só do sabiá.
ANTÓNIO — Ah! Está bem. Já aqui não está quem falou. (Vendo
(Faz sinal significativo de dinheiro). Marcelina) Não se ria, dona Marcelina!
NAIR — Que quer, Marcelina?
ERNANI (Baixo para Leocádio) — Cala a boca, sua besta! (Al- MARCELINA (Que se aproximou dela) -- A senhora não quer
to) Espero-a lá, ó prima. jantar?. . .
NAIR — Vá esperando. NAIR — Não tenho vontade.
ANTÓNIO (A Ernani) — O sr. vai pegar à unha com o "ataleta"? MARCKLINA — Vá comer um pouco. A senhora quase não al-
ERNANI — Vou. moçou . . . E não quis jantar.
ANTÓNIO — E já preveniu a Assistência? NAIR — Não me apetece.
MARCELINA — Experimente, que o apetite lhe aparece. Olha:
ERNANI (A António) — Não lhe admito gracejos, hein! (A
ou guardei-lhe uim "tutu" de feijão, que está mesmo gostoso!
Leocádio) Siga-me.
ANTÓNIO (Engolindo cm seco) - - "Tutu" de feijão? Isso é
LEOCÁDIO — Assim, sêo Ernani! É preciso mostrar a esse pes- de um homem lamber os beiços! .É daqui! (Pega na tirelha).
soal que "braço é braço"! (Saem os dois F.). MARCELINA (Carinhosa, impelindo-a para E. A.) — Vá co-
ANTÓNIO (Rindo) — Esse rapazinho vai ser uni petisco para mer um bocadinho.. . Para fazer vontade à sua imãezinha. Vá.
o "ataleta". ANTÓNIO — Coma, menina. Mesmo porque, saco vazio não se
NAIR (Levantando-se) — O sr. deseja falar com alguém, sêo tem de pé.
António? NAIR (Sem vontade) — Sim, eu vou.. . (Sai E. A ).
ANTÓNIO (Olhando com interesse para a E. A.) — Eu? Não. .. ANTÓNIO — Pobre menina! Paz dó vê-la assim.
(Caindo em si) Ah, sim! Onde diabo tinha eu a cabeça! Não vê a MARCELINA — Mas não é por causa do sabiá que ela ficou desse
senhora que me lembrei de uma coisa. Como sei que a senhora, jeito. (Maliciosa) A coisa deve ser outra.
dona Nair, anda triste por via da fugida do sabiá, vai eu lembrei-1 ANTÓNIO — Por essa estou eu. Deve ser por via de algum
me de fazer-lhe presente do meu canário, que ficará no lugar do pássaro bisnau de duas pernas.
sabiá fujão. MARCELINA — U é ! . . . Que asneira, sêo António! Então todo
NAIR — Muito obrigada, sêo António. Não quero que o sr. se o passarinho não tem mesmo duas pernas?
prive do seu canário, pelo qual deve ter estimação, para me fazer ANTÓNIO — Tem? Pois se quer que lhe diga, nunca lhes contei
presente dele. as pernas.

i
60 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 61

MARCELINA (A rir) -- Este sco António c um número. BASILIO — Vou dar parte de você ao diretor!
ANTÓNIO — Já começa a senhora a rir! Não se ria, dona Mar- ANTÓNIO (Humilde) - - Não faca isso, sêo agente! Olha quo
celina! eu sou seu amigo. Quando quiser que eu lhe afine a f l a u t a . . .
MARCELINA - K engraçado!. . . Bem, eu não pos^o perder BASILIO (Impaciente) — Não perca mais tempo. Ponha-se a
mais tempo. Vou acabar de arrumar a copa e vestir-me para ir- andar.
ão circo. ANTÓNIO - - Sim, eu v o u . . . (A parte) 'Que irá ele dizer à
ANTÓNIO -- Demora muito? Marcelina? (Sai F. fazendo sinais para Marcelina que voltara).
MARCELINA -— Uma meia hora. MARCELINA (Impaciente) — Que quer o sr. de mim?
ANTÓNIO — Eu vou à estação passar o lugar a outro e depois BASILIO - - Uma grande surpresa que eu preparo para dona
venho buscá-la para irmos os dois ambos juntos ao circo. Na ir!.. .
MARCELINA — O sr. não está regulando bem! Então quer que MARCELINA — Mas que surpresa é essa?
eu vá mm o sr. ao circo sabendo que os patrões também vão lá? BASILIO — Se eu lhe dis-esse deixava de ser surpresa. Necessito
ANTÓNIO — Lá no circo nós não ficamos juntos um do outro. do sen auxílio para o completo êxito.
Ao chegar lá nos separamos. Eu sei como arranjo as coisas. MARCELINA — Não estou entendendo nada.
MARCELINA — Não venha me buscar, que pode compromcter- BASILIO — Vai entender. Diga-me: onde está a gaiola do sabiá
me... que fugiu?
ANTÓNIO — Espero-a escondido junto do portão. Seus patrões MARCELINA — Está ali, no alpendre.
não me vêem.
BASILIO — Vá buscá-la num instante.
BASILIO (Entrando F. a correr, radiante) — É uma verdadeira MARCELINA (Desconfiada) — Para que?
surpresa!. . . (Dando com António, noutro tom) Que está você fa-
zendo aqui? BASILIO — Depois saberá. Asseguro-lhe que dona Nair vai ficar
contentíssima e eu — está claro — muito lucrarei com isso.
ANTÓNIO — Nada.
BASILIO -- Como é que abandona o seu posto lá na estacão c MARCELINA (Curiosa) — Vai lhe dar outro sabiá?
vem pra aqui? BASILIO (Empurrando-a para F.) — N ã o seja curiosa. Anda!
ANTÓNIO (Zangado) - Quem lhe disse que eu abandonei? (Marcelina sai F., toma para o lado direito, voltando em seguida
Deixei o Chico no meu lugar, enquanto vim aqui. E depois já com a gaiola vazia).
estou na hora de passar o serviço ao meu substituto. BASILIO (Antegozando os efeitos da surpresa e esfregando as
BASILIO — Não está tal! (Depois de consultar o relógio) Fal- mãos de contente) — É minha! Olá se será...
tam ainda 10 minutos para a,s oito, que é a hora da sua folga. MARCELINA (Que entrou com a gaiola) — Sem o sr. dizer
MARCELINA — Th!. . . Está na hora de eu ir me vestir. (Amra- para que é, não dou a gaiola...
ça sair). BASILIO (Arrebatando-lhe a gaiola da mão) — Ora! Eu sei o
BASILIO (A Marcelina) — Espera aí, que preciso falar-lhe. , que faço...
ANTÓNIO — O sr. anda de ponta comigo. MARCELINA — Veja lá se vai arranjar alguma "encrenca" em
BASILIO (Ríspido a António) — Você ainda aí está? Vá para que eu fique mal.
o seu posto! BASILIO — Qual "encrenca"! (António aparece à F.) É a ale-
ANTÓNIO — Eu vou, mas não grite muito! Eu não sou escravo! gria que eu vou trazer novamente para esta casa! Nem uma pa-
BASILIO — Não quero conversa! Vá já para a estacão! lavra a quem quer que seja a este respeito. Você também lucrará
ANTÓNIO — Veja lá como fala! Olha que eu sou um homem livre; com a surpresa que eu preparo.
e de ideias avançadas para a frente. MARCELINA (Desconfiada) — Sei lá. ..
62 G.VSTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ 63

BASILIO (Vendo António, que pura oii.vir o que eles dizem vem RITINHA — Que tem o meu vestido, dindinha?
aproximanãa-se nos bicos dos pés) -- Você voltou? Que veio fazer? INÁCIA — Com a blusa toda desabotoada... Vem cá. (Abo-
ANTÓNIO (Atrapalhada) - - E u ? . . . Eu v i m . . . Vim ver se o toando, por trás a blusa de Ritinha) Havia de ser muito bonito
sr. ainda cá estava. ; você ir para a rua desse jeito!
BASILIO — Decididamente tenho que dar parte de você! (Con- RITINHA — Foi com a pressa. (Reparando cm Nair) A Nair
sultando o relógio, sobressaltado) Oh, co'os diabos!... Só faltam ainda não mudou de roupa?
três minutos para o B. B. 19!... INÁCIA (Que acabou de lhe compor o vestido) - - Nair não
ANTÓNIO (Lembrando-se assustada) — E o Chico é capaz vai ao circo.
de estar dormindo e não dar o sinal!... RITINHA — Ora! E por que?
BASILIO -- Depressa! (Sai a correr levando a gaiola). INÁCIA — Ela lá sabe. (Ritinha vai conversar~com Nair, baixo).
ANTÓNIO — Corre, sêo agente! (Vai saindo a ctírrer, ao chegar VIRGÍNIA (Entra D. A., já preparada para sair, a Fabrino,
a porta volta-se rapidamente, à Marcelina) Olha que eu venho bus- que vem em mangas de camisa a escovar o paletó) — És pior que
cá-la. (Gritando) Corra, sêo agente! Corra! (Sai a correr F.). uma mulher para se vestir!
FABRINO — Estás hoje muito implicante, sabes?
MARCELINA - - Não vê que eu vou nisso. . .
VIRGÍNIA — Há que tempo eu estou pronta e ele ainda não
INÁCIA (Entrando com Nair E. A.) — Fazes mal, minha acabou de se vestir.
filha, em continuar nessa tristeza. FABRINO (Depois de por a escova em cima da mesa, vestindo
NAIR -- Mas se não está em mim, mamãe!... Que quer que o paletó) — Não viste que estive procurando a escova?
eu faça? INÁCIA (Intervindo) — Se todas as vezes que se servem da
INÁCIA — Procure distrair-se. Por que não quer ir ao circo? escova, tivessem o cuidado de pô-la no seu lugar, quando a pro-
NAIR -- Não tenho gosto para nada. O meu desejo é ficar só curassem achavam facilmente.
e que ninguém me fale. (Ouve-sc o rumor de um comboio que chega FABRINO — Já sei, queridíssima sogra, já sei. (Apanha o cha-
à estacão). péu) .
ÍNÁCIA — Já que assim queres... (Vendo Marcelina, que está INÁCIA — Nunca vi gente tão desmazelada!
no alpendre) Ó Marcelina.
RITINHA — Não está na hora da gente ir andando?. ..
MARCELINA (Descendo ao centro) — Chegou um trem.
VIRGÍNIA — Está. (A Nair) Decididamente você não quer ir
INÁCIA -- É assim que você quer ir ao circo? Você não me sai conosco ao circo?
sem deixar tudo arrumado.
NAIR (Contrariada) — Mas que insistência! Já estou fai'ta de
MARCELINA — Estava esperando que dona Nair acabasse de dizer que não vou, para que essas perguntas?
jantar.
VIRGÍNIA — Não é preciso ficar zangada. Você está hoje de
INÁCIA — Aqui na sala de visitas? mau humor.
MARCELINA -- Apronto tudo num instante. (Sai E. A.) FABRINO (Gracejando) - - Pois não sabe o que perde. Só a
INÁCIA — E teu pai sem chegar! luta sensacional de Ernani com o hércules vai ser um aconteci-
NAIR — Talvez ele tenha vindo neste trem, que acaba de chegar. mento .
RITINHA — E não diga isso em ar de troca, que vai ser mesmo.
EITINHA (Entrando D. A., já vestida ptíra sair) — Já estão
todos prontos? VIRGÍNIA (Rindo) — Ninguém duvida.
INÁCIA — Devem estar. (Reparando no vestido de Ritinha) INÁCIA — O que ele precisava, sei eu.
Olha como você traz esse vestido. Que desajeitada! FABRINO — Seis ineses de colónia corrccional.
64 GASTAO TOJEIRO
ONDE CANTA O SABIA 65

RITINHA — Também é demais! Deixem o pobre rapaz sossegado.


VIRGÍNIA — Com quem jantou, papai?
JUSTINO (Aparecendo à F. trazendo jffrnais da tarde e um
embrulho. Como sempre, vagaroso e gemendo de cansaço) — Ora, RITINHA — Com o sêo Cazuza?
muito boa n o i t e . . . JUSTINO — Qual Cazuza! Adivinhem com quem...
EITINHA — Olha o padrinho! (Vai ao encontro dele beijar-lhe INÁCIA (Impaciente) — Deixemos de adivinhações!
a mão). JUSTINO — Pois fiquem sabendo que jantei com o Elvidio.
VIRGÍNIA - - Papai veio hoje tarde!... (Beija-lhe a mão). Pegou-me na rua e não me deixou mais. (Nair presta atenção.
JUSTINO — Cheguei neste trem. (Põe os jornais, o chapéu e. o Levanta-se).
embrulho em cima da cadeira). VIRGÍNIA — Ele não quis mais vir aqui.. .
INÁCIA -- Mas que demora foi esta hoje, Justiuo? RITINHA — Desde o dia em que fugiu o sabiá.
JUSTINO — Nem vocês imaginam! INÁCIA — Estará zangado conosco?
FABRINO (Que foi buscar um dos jornais que Justino trouxe) FABRINO (Dobrando o jornal que leu e atirando-o para cima
Perdeu o trem? (Abre o jornal e percorre-o com o olhar). da mesa) — Não façam caso. O Elvidio é assim mesmo... Um
JUSTINO -- Qual perdi o trem! Eu lá sou homem que perca esquisitão.
trens! Nunca perdi um trem na minha vida! JUSTINO — Outra novidade que lhes trago dele. Parte ama-
VIRGÍNIA (Rindo) — É , papai nunca perdeu uni só t r e m . . . nhã para a Europa.
RITINHA — 'Quantos!... NAIR (Não contendo um movimento de surpresa) — Ele parte
amanhã?!... (Surpresa geral que causa a notícia).
INÁCIA — É . . . Teu pai come muito queijo.
INÁCIA (Que observa Nair) — Assim, tão precipitadamente?
JUSTINO —- Ah! vocês falam por causa doutro d i a ? . . . Ora,
um dia não são dias! (Vendo Nair, que está sentada) Então, Nair? FABRINO — Em que vapor ele vai?
(Vai a ela). JUSTINO — No "Arlanza", que sai às quatro horas da tarde.
NAIR — Sua bênção, p a p a i . . . (Beija-lhe a mão). VIRGÍNIA — Mas ele não virá aqui despedir-se de nós?
JUSTINO (Acariciando-lhe a cabeça) — Estás melhor, unais ale- JUSTINO — Creio que não. Eu prometi levá-las ao seu "bota
gre? . . . fora".
NAIR — Estou, sim, senhor. RITINHA (Satisfeita) — É mais um passeio que daremos.
INÁCIA — 'Qual o que! Nem quis jantar, nem n a d a . . . FABRINO — Que resolução! Ainda anteontem estivemos^ juntos
JUSTINO — Isso é que não está bem. Por falar em jantar: e ele disse-me que só havia conseguido passagem para daqui a um
aqui está o pão que eu trouxe para o jantar. (Indica o embrulho mês.
que trouxe). JUSTINO — Cederam-lhe uma.
INÁCIA -— À boas horas... INÁCIA — Que pressa de ir para Paris!
VIRGÍNIA — Nós já jantamos há tanto tempo... FABRINO — É lá que ele se acha bem.
RITINHA — E já está na hora irmos para o circo. RITINHA (Puxando pelo braço de Justino) — Vamos, padrinho,
JUSTINO (Lembrando-se) -- É verdade: temos que ir ver o de- senão perdemos o princípio do espetáculo.
sequilibrado do Ernani.
JUSTINO — O pior é que este colarinho está me incomodando.
RITINHA — Ele já foi.
Se tivesse tempo de mudá-lo.
JUSTINO — Também lá vamos.
VIRGÍNIA (Também empurrando-o) — Quando voltar ao circo
INÁCIA (A Justino) — Afinal, já jantaste ou não?
o sr. muda.
JUSTINO — Jantei na cidade. Imaginem vocês com quem.
INÁCIA — Não há colarinho que não incomode este homem!
66 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIA 67

JUSTINO O que vale é que o.circo fica perto. A Nair não NAIR - - Não posso esquecê-lo!
vem?
INACIA — Mas é preciso que o esqueças. Um mau brasileiro.
NAIR (Que novamente se sentou, pensativa) Não, papai. Não podia ser um bom marido... Peste! E tu, minha filha, cho-
JUSTINO •— Por quê? rando por um homem desses! Esquece-o. Tu és bonita, meiga e
NAIR — Não tenho vontade. uma boa filha. És digna de um bom marido. Hás de achá-lo.
JUSTINO — Paciência. Vamos, limpa os olhos. Não chores mais!...
ANTÓNIO (Aparecendo F. sem uniforme, engravatado, de fra-
EITINHA (Puxando Justino) -- Já é tarde, padrinlio! que, chapéu e umas calças muito compridas) — Com licença...
VIRGÍNIA (Sacudindo Fabrino, que está pensativo) — Anda, INACIA (Dissimulando) — Ah! É o sr., sêo António?
pamonha!
ANTÓNIO — Eu mesmo, minha senhora.
FABRINO - - Estou deveras intrigado com essa partida súbita
do Elvidio. INACIA (Gracejando) — O sr. está elegante.
VIRGÍNIA — Adeus, mamãe. ANTÓNIO (Rindo) — Ora, dona Inácia, não diga isso. É ver-
dade que eu quando quero, sei vestir-me. O agente não estará
KiTiNiiA (Ju iw alpendre com Justino) — Até logo, dindinha. por acaso cá?
ÍNACIA — Divirtam-se. INACIA — Não, senhor.
FABRINO (Gracejando) - - Adeus, mamãezinha... ANTÓNIO — E o sr. Justino?
INACIA — Olha se, lhe cai algum dente com a graça. INACIA— Foi ao circo.
• JUSTINO (Ao passar pela janela direita, a Inácia) — Ó minha ANTÓNIO — Ah! O sr. Justino foi ao circo? Também eu vou.
velha, o pão que eu trouxe para o jantar, você faz o seguinte: Aquilo hoje deve estar gozado. O sobrinho da senhora aos tombos
deixa ficar para o chá. com o "ataleta".
INACIA — Não é preciso recomendar. INACIA - - Deve estar animado.
liiTiNHA - - Anda, padrinho! (Os quatro desaparecem a rir. ANTÓNIO -- Ainda que mal o pergunte: o sr. Justino foi só?
Inácio, foi ao alpendre vê-los). INACIA -.— Foram todos.
(Nair, escondendo o rosto entre as mãos, chora convulsiva- ANTÓNIO — Só as senhoras não quiseram ir.
mente). INACIA — Não gosto de circo de cavalinhos.
INACIA (Que ouviu, descendo do alpendre e vindo a ela solicita) ANTÓNIO — Faz bem. De maneira que só ficaram as senhoras
— Por que choras, minha filha? duas em casa.
NAIR (A chorar) - - Sou muito infeliz! INACIA — Só.
INACIA (Sentando-se no sofá ao lado dela e acariciando-a) — ANTÓNIO (Depois de hesitar) — Até a senhora dona Marcelina
Infeliz por que? Responda. Diz à tua m ã e . . . (Lembrando-se e também f o i . . .
compreendendo) Que!... Será possível? Tu gostas do amigo do INACIA — Essa não se conta. A Marcelina ainda não foi,
Fabrino., o.sêo Elvidio? . mas vai já.
NAIR (Apoiando a cabeça no ombro dela) — Sim!... ANTÓNIO (Contente) — Vai já? Sim, senhora.
INACIA — Um .homem que juraste odiar?... Ora, minha fi- INACIA —. O sr. deve ir enquanto antes, porque o espetáculo
lha!. .. Não pensa nesse homem!.. . Não serias feliz! já deve ter começado.
NAIR w. Ele .vai-se embora, mamãe! ANTÓNIO — Sim, senhora. Então com sua licença... Boas
INACIA — É a providência que vem em teu auxílio. Um ho- noites. (Sai F. olhando para dentro pela E. A.).
mem com .tais:-ideias, um depravado.,.. Não! Foi melhor assim. NAIR — Sinto um peso na cabeça!...
68 GASTAO TOJEIEO ONDE CANTA O SABIÁ 69

INÁCIA — Isso deve ser fraqueza. Não te alimentas... ANTÓNIO (Contrariado por não poder acompanhar Marcelina,
NAIR — Ah, minha mãe, se a gente pudesse dominar os im- com um riso forçado, descendo ao centro) — Não, senhora. Estava
pulsos do coração!... a olhar para a luz da lua.
INÁCIA — É preciso, minha filha. Bem, não penses mais nisso. INÁCIA (Que olhou para trás) — Ê verdade. (Indicando-lhe
Vai deitar-te um pouco. a cadeira que está do outro lado da mesa) Sente-se aqui para con-
versarmos um pouco.
NAIR (Levantando-se abatida) — Sim, eu vou.
ANTÓNIO — Para conversarmos? Com muito gosto... (Senta-se
INÁCIA (Amparando-a) — Na hora do chá, quando voltarem contrafeito a lançar olhares para a F. e a amassar o chapéu entre
do circo, eu te chamo. as mãos).
NAIR — Como sofro! INÁCIA — Então como se vai dando lá pela estrada?
INÁCIA (Acompanhando-a até a porta D. A.) — Esquece-o. ANTÓNIO — Pela estrada?... Muito bem. (Notando que ela
(Saem).
ri, distraído) Não se ria, dona Marcelina! (Caindo em si) Quero
(António entra cautelosamente. Depois de verificar que não dizer... Eu nem sei o que quero dizer!
há ninguém na sala, vai à porta E. A. e fica a olhar para dentro). INÁCIA — Eu o estou prendendo... O sr. não tem que ir
INÁCIA (Entrando D. A.) — Coitada! (Ao ver António de ao circo?
costas, assustada) Quem está aí? ANTÓNIO (Levantando-se) — É verdade!... E eu não quero
perder a luta com o "ataleta". Então com sua licença. . . (Limpa
ANTÓNIO (Colhido de surpresa, volta-se rápido e depois de rir,
aparvalhadamente, para Inácio,) — Sou eu. os pés e sai F.).
INÁCIA — Que faz o sr. aqui! INÁCIA — Eu te entendo...
BASILIO (Aparecendo F. e falando para dentro) — Grande
ANTÓNIO (Atrapalhado) — Eu explico, minha senhora. É que estúpido! (Traz a gaiola com o sabiá dentro, escondendo-a no al-
eu, queria falar com o agente antes de ir para o circo. Pode ele
precisar de alguma coisa... pendre) .
INÁCIA (Levantando-se) — Quem é? (Reconhecendo-o) Sêo Ba-
INÁCIA (Desconfiada) — Mas o agente não está aqui. silio... Entre, faça favor.
ANTÓNIO — Eu cuidei que ele cá estivesse. BASILIO (Descendo ao centro, coxeando) — A senhora desculpe.
MARCELINA (Vestida para sair, entra E. A.) — Está tudo O guarda-chaves ia tão cego, que ao descer a escada pisou-me o
pronto, patroa. Posso ir? calo de mais estimação. Mas que cavalgadura! Oh!... 'Queira des-
INÁCIA — Deixou a copa arrumada? culpar, minha senhora.
MARCELINA — Se quer, pode ir ver. INÁCIA — Ele saiu apressado. Foi ao circo.
INÁCIA— Apagou as luzes? BASILIO — Eu lhe darei o circo! (Noutro tom) Já sei que
MARCELINA — Apaguei tudo. (Faz sinais a António para que daqui foram todos ao circo.. .
não a acompanhe). INÁCIA — Menos a Nair.
INÁCIA — Pode ir. Logo que acabe o espetáculo, volte para BASILIO (Satisfeito) — Ah!... A dona Nair não f o i ? . . .
casa. INÁCIA — Não quis ir. Anda triste agora. . .
MARCELINA — Sim, senhora. Até logo, patroa. (Ao passar BASILIO — Anda triste? Pois eu trago um remédio para ale-
por António) Boa noite, sêo António. grá-la .
ANTÓNIO — Boa noite, dona Marcelina. (Vai até o alpendre). INÁCIA (Com interesse) — Que remédio é esse?
INÁCIA (Que se sentou à direita da mesa) — Já vai, sêo An- BASILIO — Vai ver. (Corre ao alpendre e traz a gaiola) Aqui
tónio? o tem.
70 GASTAO TOJEIRO ONDE CANTA O SA-BIÁ 71

ÍNÁCIA (Numa alegria incontida) — O sabiá?!... ÍNÁCIA — Espera, /sua curiosa! (Beija-a) • A- tainha - filhinha
BASILIO — Exatamente: o "Diamante". vai ser muito feliz!
ÍNÁCIA — Como o apanhou? NAIR — A senhora não me quer dizer. ,
BASILTO — A senhora sabe que pássaro criado om gaiola, não ÍNÁCIA — Como estás ansiosa!. .'•'. Depois. Agora vou preparar
foge para longe. Há dias que ele anda esvoaçando pelas imediações á ceia. Sim, porque hoje vamos aqui ter uma" ceia lauta para fes-
da estação. Que fiz eu? Comprei cinco dúzias de alçapões p. ar- tejar. . . Festejar...
mei-òs todos em diferentes lugares... Há pouco tive a satisfação NAIR — Que, mamãe?
de ver o sabiá num dos ditos alçapões. Creio que é o sabiá de ÍNÁCIA — Isso é o que tu querias que eu te dissesse. Bem,
dona Nair. vou lá dentro. (Lembrando-se,) É verdade: lá dentro as luzes estão
ÍNÁCIA (Depois de examiná-lo) — Não há dúvida... apagadas. Posso levar este lampião?
BASILIO — Tenho a certeza que é ele mesmo. Ainda há pouco NAIR —. Leve-o. Quer que vá ajudá-la?
com o luar ele pos-se a cantar.
ÍNÁCIA — N ã o é preciso. E depois, ficando aqui talvez possas
ÍNÁCIA — A Nair é que vai ficar contentíssima! (Ind<n à porta ouvir. . . (Tapando a boca com a mão. Noutro tom) Não tens medo
D. A. e chamando) Nair.. .
de ficar aqui só?
BASILIO — Não a chame! Vamos preparar-lhe uma surprasa.
(Indicando o alpendre) Vou pendurar a gaiola ali fora, escondi- NAIR — Medo de que? O luar está tão lindo!
d a . . . Quando começar a cantar, ela vai ver e . . . ÍNÁCIA — Deixa-me tratar da ceia. (Apanha o lampião < e sai
ÍNÁCIA — Bem lembrado. Esconda-a depressa, antes que ela K, A. A cena escurece. A luz da lua, através da vidraça, penetra
venha. . . (Basilio sai F. com a gaiola, dirige-se para n lado es- na, sala).
querdo, deixa-a e volta). NAIR — Que será? (Scnla-se no sofá, triste).
BASILIO — Vou agora à estacão dar passagem ao trem e de-
pois volto para vermos os efeitos da surpresa. (Ao fundo, na claridade da porta, desenha-se a figura de El-
vidio, que vem em passos lentos e depois de verificar que. a porta
ÍNÁCIA — Venha. E fica desde já convidado para tomar chá
conosco. está fechada, debruça-se no parapeito do alpendre).
BASILIO — Tomar c h á ? . . . Gosto. Com torradas?... NAIR (Vendo-o, assustada) — Meu Deus!... (Levantando-se,
ÍNÁCIA — Certamente. em -voz alta) Quem está aí?
BASILIO — Pois eu volto. Não lhe diga nada antes, sim. ELVIDIO (Voltando-se e abrindo a poria) — Não se assuste/dona
ÍNÁCIA — Fique descansado. Nair. Sou eu, o Elvidio.
BASILIO —'Então até já. (Sai F.). NAIR (Reconhecendo-o, 'reprimindo uma expansão de alegria)
— Ah! Ê o senhor, sêo Elvidio? Vou 'chamar mamãe, que levou a
ÍNÁCIA — Até já, sêo Basilio.
luz...
NAIR (Entrando D. A.) — A senhora me chamou? ELVIDIO — Não é necessário. Não passarei desta porta.
ÍNÁCIA — Sim, chamei-te... Chamei-te para te dizer que vais NAIR — Pensei que não voltasse. Papai disse-nos que o sr.
ainda hoje ter uma grande alegria.
embarcava amanhã para à Europa...
NAIR (Curiosa) — Que é, mamãe?
•ELVIDIO (Com tristeza). — Disse a verdade. Embarco, amanhã
ÍNÁCIA (Abraçando-a) — Não sejas curiosa. Garanto-te qúe: para a Ettropa e não voltarei mais ao Brasil. Tencionava mesmo
a tua alegria será tão grande, que esquecerás o que te fez chorar não voltar a esta casa... Não mais vê-la. Não tive, porém, forças
há pouco. para o fazer. Aqui estou. Vim despedir-me da senhorita e pedir-lhe
NAIK — Conte-me, mamãe! perdão.. .
72 GASTAO TOJEIRO ONDE CAXTA O SABIA 73

NAIR (Emocionada) — Perdão de que, sêo Elvidio? Nada me ELVIDIO — Nair! (Estreita-a num impulso violento contra o
fez... seu peito, colando-se os lábios frementes num longo beijo. A luz
ELVIDIO — Não poderia partir sem que pela última vez lhe forte da lua, ilumina-os. Neste momento irrompe o canto forte e
repetisse: amo-a! (Pausa) E agora, adeus. harmonioso do sabiá, enchendo o ambiente de aleffria).
NAIR — Mas para que parte assim tão precipitadamente? Podia INÁCIA (Ainda dentro) — Estás ouvindo, Nair? (Entra E.
se demorar mais... A. trazendo o lampião. A cena ilumina-se) Nair, estás ouvindo o
ELVIDIO — Não posso. Sofro muito!. . . Preciso partir, desa- sabiá? Nair.. . (Vendo-os no alpendre, estupefata) Que significa
parecer, tendo a certeza de que uma grande distância, me sopai-a isso? (Coloca o lampião em cima da mesa).
daquela que jamais me pertencerá! NAIR (Que se desprendeu de Elvidio, atónita) — Mamãe, eu. . .
NAIR — Cale-se, sêo Elvidio! Peco-lhe!... INÁCIA (Com energia) — 'Quero uma explicação disto! O sr.
ELVIDIO — Sim, calo-me. E seus pais? O Fabrino?... abusou da nossa casa!
NAIR — Foram ao circo. ELVIDIO (Adiantando-se) — Perdão, minha senhora. . . Ape-
ELVIDIO — Bem, amanhã me despedirei de todos, pois seu pai sar de tudo sou um cavalheiro.
prometeu levá-los ao meu embarque. Se vim aqui, é porque receei INÁCIA — Que dizer que o senhor. . .
que a senhorita não fosse e . . . Queria ainda vê-la. ELVIDIO — Casarei com sua filha.
NAIR .— Não vá neste vapor. .. Tenho um pressentimento que INÁCIA (Indignada) — Sim?... Então o sr. julga que eu
lhe vai suceder alguma desgraça... Um naufrágio. . . consentiria que minha filha...
ELVIDIO —• É o que eu desejaria! Para que mais viver? Já co- NAIR (Tapando-lhe a boca com a mão) — Não digas anais
nheci todos os prazeres da vida. Quando finalmente julgava rea- nada, mamãezinha! É o destino que nos impele um para o outro.
lizar a minha felicidade, sou repelido como se fora o maior crimi- Tinha de ser!... (Como que voltando a si) Que ouço? É o "Dia-
noso! (Noutro tom) E as:;im, só me resta voltar à Europa, onde mante" que está cantando? (Num alvoroço) Onde está o meu lindo
procurarei esquecer este sonho... Adeus! sabiá? (Sobe ao alpendre procurando-o. Vendo a gaiola) Está ali.
NAIR (Suplicante) — Não parta! (Dirige-se para a esquerda).
ELVIDIO — É impossível transferir a viagem. ELVIDIO (Dirigindo-se a Inácia, que está concentrada num pen-
NAIR (De mãos postas) — Suplico-lhe! samento) — Não receie do futuro de sua filha. Juro-lhe que farei
ELVIDIO — Para que? Para ainda mais uma vez me dilacerar o a felicidade dela!
coração? Não! Tenho necessidade de partir, de fugir a esta obces- NAIR (Entrando com a gaiola, numa alegria ruidosa) — É o
são!... meu querido sabiá! Quem o pegou?
NAIR — Ouca-me primeiro!... INÁCIA — Foi o sêo Basilio, que armou cinco dúzias de alça-
ELVIDIO — Í3 inútil ouvi-la. (Nuih movimento incontido, se- pões. . .
gurando-a pelos pulsos com crescente emoção) Para mais uma vez ELVIDIO — Não podia escapar.
ouvi-la repetir que me odeia? NAIR — Como é gentil o sêo Basilio! Preciso agradecer-lhe. . .
NAIR — Não, Elvidio! (Elevando a gaiola à altura do rosto) Como é tão lindo o nosso
ELVIDIO — Para ouvir essas palavras amargas cheias de repul- sabiá!
são por mim? Para sentir a frieza do seu olhar de desprezo a ma- ELVIDIO — É o símbolo do nosso amor. Fugiu quando de mim
tar-me aos poucos? Ê para isso que quer que eu fique e a ouça? fugia toda a esperança desta felicidade; e agora, que a realizo, ele
NAIR — Não, Elvidio! É para dizer que também o amo! volta à sua gaiola.
ELVIDIO (Louco de alegria) — Tu me amas, Nair? NAIR — Tratá-lo-emos com muito carinho. (Vai pendurar a
NAIR — Sim amo-te... Porque não tive forças para te odiar! gaiola no alpendre).
74 CASTÃO TOJEIRO ONDE CANTA O SABIÁ

JUSTINO (Aparecendo à F. acompanhado' de Fabrino e Virgí- FABRINO (Vindo a Elvidio) - - Então, seu celibatário de uma
nia. Os três, corno que preparando uma surpresa cómica, reprimem figa, eu só que sou o retrógrado?
o riso. Elvidio, ao vê-los, oculta-se detrás do piano) — Está pronto ELVIDIO — Teorias, meu velho, teorias que falham ao primeiro
o chá? contacto da realidade.
NA IR (Muito alegre) — ó papaizinho! • (Abraça-o e beija-o1). JUSTINO (A Nair) -- Bem me parecia que aquela tristeza tua
JUSTINO — Que é isto? Estou te estranhando. não era. ró por causa do sabiá.
INÁCIA — Acabou o c.spetáculo? NAIR — O sabiá também voltou à gaiola, papai!
JUSTINO — Se não tivesse acabado, nós não estávamos de volta. JUSTINO (Admirado, depois de olhar para o alpendre) —- í;
INÁCIA — O Ernani venceu o hércules? mesmo!.. . Mas como foi isso?
VIRGÍNIA (Irónica, contendo o riso) — Em toda a linha! INÁCLV — Foi o sêo Basilio, que o apanhou no alçapão.
FABRINO (Idem) — Ele vem aí carregado ern triunfo. . . VIRGÍNIA — Que moco prestativo.
VIRGÍNIA — í! um herói. JUSTINO — Um excelente rapaz!
JUSTINO (Dando com Elvidio, surpreso) •— Olha quem está FABRINO — Se não fosse aquele vício que ele tem de tocar
aqui! (A Elvidio) Como é que o sr. me disse que não tinha mais flauta...
tempo de vir à nossa casa?
ELVIDIO (Rindo) •—É que me esqueci de lhe fazer uma per- (Ouve-se dentro os gemidos de Ernani).
gunta importante. INÁCIA — Que será isso?
JUSTINO — Uma pergunta importante?...
FABRINO (Rindo) — É o Ernani, que regressa vitorioso.
FABRINO (A Elvidio) — Que resolução foi essa de partir ama-
nhã para a Europa? (ApaYece Ernani, em trajo de "boxeur" todo cheio de escoria-
ELVIDIO — Já não parto. ções nos braços e no rosto, com um olho negro, a gemer de dores.
FABRINO — Quer dizer que transferiste a viagem. Vem carregado por António e Leocádio, acompanhado de Rilinha
c Marcelina. Trazem-no para a cadeira de balanço, no primeiro
ELVIDIO — Talvez não parta mais. Como nunca, amo agora plano à direita).
fervorosamente o nosso querido Brasil!
FABRINO — Hein!... Teria desabado o Pão de Açúcar?! FABRINO c VIRGÍNIA — Bravos ao triunfador!
VIRGÍNIA — Realmente.. . ERNANI (Chorando) — Não admito graças comigo!
JUSTINO — Resolveu então ficar no Brasil? ANTÓNIO — Eu bem disse que o sr. era um petisco para o
ELVIDIO — Depende da sua resposta. "ataleta"?
JUSTINO •— Ah! sim.. . É a tal pergunta? Que é? LEOCÁDIO — Ele foi vencido à falsa f é ! . . .
ELVIDIO — , É . . . É . . . Se o sr. me concede a mão de dona RITINHA — Não valeu!
Nair... ANTÓNIO — Como não valeu? Tanto valeu, que, ele está aqui
JUSTINO — H u m ! . . . (A Nair, malicioso) Com que então, mi- amarrotado.
nha sonsinha... FABRINO — Venceu-o porque o hércules é um profissional, tem
NAIR (Abraçando-o) — Papaizinho! força.
JUSTINO — Sim, senhor! Eu cá por mim, consinto. Não sei INÁCIA — Muito bem. feito para ver se você toma juízo!
se a Inácia. . . ERNANI (Tentando levantar-se) — Mas eu vou processar aquele
INÁCIA •— Também consinto. Eles querem... bandido do lutador! (Gemendo) Ai! ai! ai! (Senta-se).
JUSTINO — É . . . Eles querem. E quando dois querem... JUSTINO — Processar por que? Você aceitou o desafio...
76 GASTAO TOJEIRO

MARCELINA (Distraída) — Mas o lutador recebeu cem mil réis


para se deixar vencer.. . (Caindo em si, tapa a boca como que ar-
rependida da sua indiscreção. Gargalhada geral).
ERNANI -- É mentira!
VIRGÍNIA — É verdade. O Lcocádio já nos havia dito. . .
LEOCÁDIO — Eu não disse n a d a ! . . .
ERNANI (Levantando o braço ameaçador para Leocádio) —
Ó desgraçado, tu foste contar! (Gemendo) Ai! ai! ai!
ANTÓNIO (Rindo) — Então o senhor pagou para apanhar?
Isso não é sério!
NAIR (Vindo a Ernani, irónica) — Tanto sacrifício perdido,
primo Ernani!.. . Participo-lhe que vou casar com o Elvidio.
ERNANI — Vai casar? Mais esta desilusão! (Gemendo) Ai! ai! ai!
RITINHA (Baixo a Ernani, enquanto António conversa com Leo-
cádio e os outros também conversam alegremente entre si) — Não
se incomode, que eu trato de você.
ERNANI (Também baixo à ela) — Sim, minha Ritinha! Você Este livro foi transcrito da publicação
é a única pessoa que gosta de mini! Toma-me todo. Recolhe os Revista de Teatro n 9 255,
despojos deste desiludido do aanor! (Gemendo) Ai! ai! Desgraçado Março/Abril de 1950, da SBAT.
atleta!... Mocu-me o corpo! Ai! ai! ai!
JUSTINO — Afinal reina outra vez a alegria nesta casa!.. .
ERNANI (Erguendo-se a custo) — Onde canta o sabiá!... (Cain-
do na cadeira a gemer) Ai! ai! ai!

PANO FINAL RÁPIDO


Composto e impresso pela SEDEGRA, Soe. Edit. e Graf. Ltda.
no ano de 1973. Rio de Janeiro, GB.
EAG IN
,. T. .r
BIBLIOTECA ALBERTO DE 1938; O Cazuza arranjou
juntos. . . no retraio, farsa
.vio de Janeiro Ed. Talmagráfica,
_; "Ás" do Volante ou Corrida fora da
^ísta, farsa em l ato. Rio de Janeiro, Ed.
Talmagráfica, 1941; As "Fans" de Robert
Taylor, comédia em 3 atos. Rio de Jaeiro, Ed.
Talmagráfica, 1941; O Felisberto do Café ou
Este livro deve ser devolvido na últir A Conferência do "Carpem", farsa em l ato.
data assinalada Rio de Janeiro, Ed. Talmagráfica, 1941; Sai
da poeta, Deolinda! ou Um sobrinho igual ao
tio, 3 atos cómicos ligeiros. Rio de Janeiro,
Ed. Talmagráfica, 1943; Solteira é que eu não
fico! ou Aquela que pisca o olho, farsa em l
ato e 5 quadros. Rio de Janeiro, Ed. Talma-
gráfica, 1943; Uma Vendedora de Recursos,
episódio doméstico em l ato. Rio de Janeiro,
Ed. Talmagráfica, 1943; A tal que entrou no
escuro ou A bondosa Gelásia Kent, 3 atos de
cómica atualidade. Rio, Organização Simões,
1952; Minha sogra é da polícia ou A rival de
Sherlock Holmes, 3 atos quase que policiais.. .
Rio, Organização Simões, 1952; O1 V'asco^ga-
nha sempre, ou se preferirem Os "Brotos" do
sorveteiro, farsa em 3 atos. Rio de Janeiro,
Ed. Talmagráfica, 1954; Antonica Jura-filas,
farsa em 3 atos; Pensão da Dona Esteia, co-
média em 3 atos; Quando as mulheres votam,
comédia em l ato; Sonhos do Teodoro, co-
média em 3 atos; Vote em mim, dona Xandoca,
farsa em l ato. Cf. Modesto de Abreu. O
Rio de Janeiro e o mundo na obra de Castão
Tojeiro (Boletim da Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais, Rio, n» 278, março-abril de
1954) .
Cultura também
é desenvolvimento.
Além de investimentos em vários setores
da tconomia, a Shell vem colaborando nas
áreas de educação e cultura, através de
doações, patrocínios de programas
educativos e culturais, distribuição de
bolsas de estudos, empréstimos de filmes
educativos e muitas outras iniciativas.
Afinal, desenvolvimento é mais do que
fábricas. É também cultura e educação.

Shell
nosso melhor negócio é acreditar no Brasil.

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