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BAPTISTA SIQUEIRA
Prof. catedrático da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, e Vice-Presidente da Academia Nacional de Música.

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TRÊS VULTOS HISTóRICOS
DA
MúSICA BRASILEIRA
MESQUITA- CALLADO -ANACLETO

Dustrações
Retratos - Mesquita - Callado,
Prof. Gerson Pinheiro.
Capa e retrato de Anacleto,
Prof. Santlno Parplnelli.

... ... -,.


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OBRAS DO MESMÓ AUToR

AJnerú1dia etc ... (esgotada)


Modinhas do passado (esgotaEla)
PentJaimodalismo na música dto Nordeste (esgotada)
Ernesto Nama.reth na bM.SiLeira
Raridades musicais da impr.ensa. imperial
(Inédita)

Reservados todos os direitos de reprodução nos Palses que


aderiram à Convenção de Bema, Lei n.0 2. 577 ;,912.

Impre.sso na República Federativa do Brasil.

Oo,pyright, 1969 by Baptista Siqueira

Registrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,


de acôrdo com a Lei.
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pulares, sem a perspicaz previsão sociológica de que ''uma
elite puTamente cultura,z acaba por expor a comunidade a
uma completa estagnação". Um dos maiores conhecedores
da vida musical brasileira, o Maestro Baptista Siqueira, com.
.. 1'- positor dos mais oonceituados e seguro investigador de nossa
nu.ísica 1Jopular publicou, em 1956, sob o título Modinhas
do Passado, um volume realmente precioso, em que reuniu
TRÊ:S VULTOS HISTóRICOS DA MúSICA BRASILEffiA grande número de modinhas brasileiras antigas, folclóricas e
popularizadas, precedidas de um excelente estU:do crítioo es-
clarecendo vários pontos controvertidos ou mal conhecidos
Prefácio em matéria dess.a natureza. Aludo a êsse livro do ilustre mu-
sicólogo e lvomem de lJetras porque, ao examinar os seus mé-
todos e processos de investigação depois ampliados em ou.
tros trabalhos de sua autoria, senti que jamais se poderá ter
A bibliografia brasileira ainda não é, na ver- uma exata noção e um perfeito conhecimento acêrca da opu-
dade, muito extensa, sem embargo das numerosas e signi- lência da música brasileira, sem a sistematização de tais
ficativas contribuições que nos têm dado, além dos muitos processos, já usados, em litera_tura, por Gilberto Freire, de
curiosos da musicologia nacional, alguns dos mais autori- investigação atra.vés de jornais amtigos, de publicações apa-
zados histor.iadores e críticos musicais, através de livros, rentemente sem importância como aquêles esquecidos folhe.
conferências e de crônicas publicadas na imprensa diária e tos da "lira modinheira" da Livraria Quaresma e outras já
especializada. Entretanto, não parece exagê:ro afirmar que, desaparecidas, e dos compactos catálogos das numerosas edi-
em pouco mais de um século e meio, quandJo se pode fixar tôras de música que dominavam esta cidade, tudo quanto
o início da evolução da música brasileira, com o aparecimen- já se realizou no âmbito dessa grande arte, quer como cria-
to, um tanto imprevisto, do genial José Maurício Nunes Gar- ção artística quer como elaboração anônima do povo. O ilus-
cia, de indiscutível precedência sôbre as grandes figuras de tre crítico Andrade Muricy definiu oom precisão êsse fenô-
Marcos Portugal e Sigismund Neukomm, que tão ruidosamen- meno quando obs.ervou, em uma das· páginas do seu livro
te se projetaram no caótico cenário de nossa vida colonial, Caminho da Música, que a música ·erudita e .a popular vi?J<J-
o nosso Pmís de tal modo se avultou nos domínios da 1Jelha ram, entre nós, durante muito te-mpo, em oompartimentos
e delicada arte, que chegamos à conquista de uma plena estanques, acrescentando haver sido por influência européia
autonomia, que cada vez mais .se revigora, conferindo-lhe que tôda essa estagnação se transformou em efervescência.
uma posição de real e inequívoco relêvo entre os el:ementos Para o .esclarecido e br-ilhante crítico, essa transformação se
básicos da cultura nacional. Quem quiser ter U1TUD impres- operou, notadmmente aqui no Rio de Janeiro e em S. Paulo,
são mais nítida acêrca do intenso florescimento e exuberân- graça;s à ação renovadora de Villa Lobos e Mário de An-
cia da música brasikira, não se deve limitar à consulta dos drade. É certo, porém, que, não obstante os preconceitos
nossos raros compêndios de "história da música", qU(J)$e sem- que se opunham à fusmo ou maior interpenetração das duas
pre falhos, tendenciosos e des-vinculados do espírito de pes-.. termas de cultura musical, essa transformação já se vinha,
quisa, refletindo, via de regra, um personalismo qwe não de algum modo, O]Jerando de longa data, não sendo difícil
se harmoniza muito bem com os seus objetiv.os e que des- apontar, em várias épocas, grandes nomes da música bra-
figura, 1JOr completo, o verdadeiro sentido de nossa evolu- sibeira, sem excluir o próprio José 111aurício, que sofrera'm
ção musical. De resto, êsses compêndios, geralmente escri- essa influência, tecendo algumas de suas composições com
tos com fins didáticos e que apenas se preocupa:m com a "o fio de ouro de nossas tradições", na expressão de Sílvio
chamada música erudita, com ligeiras referências aos no. Romero. Essa influência me parece lógica. A nossa música
me.s de maior evidência em cada época, sem nenhum crité- popular, por imperativo de 7l!Ossa formação étnica, se cons.
rio de investigação, meramente informativos, rara-mente se tituiu, como notou Mário de Andr.ade, de "uma complexa
interessam pelos naturais reflexos da arte nas oamadas po- mistura de elementos estranhos". Andrade Muricy, repor-
tando-se a essas influências, observou que "a música brasilei-
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ra atual está cheia de reminiscéncias musicais ou literárias
dos velhos bailados pátrios, das cheganç.as, dos reisados que
I ensino oficial da música em rvosso País, em 1841. Dois dos
mais brilhantes compositores que aí se incluem Henrique
vieram com os colonizadares". E acrescenta: "Se se exce- I;; Alves de Mesquita e Joaquim Antônio da Silv•a éallado sô.
tuar a modinha do século XIX e algumas danças cantadas bre os quais muito pouco se sabia, sem embargo da /ama
de origem ameríndia, tudo mais ficou impregnado do tote- 't conquistada por algumas das suas composiçõ•es mais popu-
mismo do africano e da lascívia irresistível e capitosa ". A lares, reaparecem agora, neste amplo e estupendo trabalho
influência italiana sobretudo, foi notável. Ninguém ignora de pesquisa do infatigável e autorizado mestre que é Baptista
que, já em fins do século XVIII, o famoso satírico português •• Siqueira, a quem tanto já devem a música brasileira e a sua
Nicolau Tolentino, aludindo às nossas modinhas, levadas ',f literatura. :Esses dois cmnpositores, juntamente com Anacle-
é! to de Medeiros, deram motivo a êstes três excelentes ensaios
para Lisboa pelo padre Domingos Caldas Barbosa, '[YTOCla-
biográficos, que representam mais uma valiosa contribuição
mava com azedume:
' do ilustre pesquisador brasileiro para o enriquecimento de
••sobem nas asas dos ventos nossa literatura musical. O próprio autor confessa que nãxJ
As modinhas brasileiras". foi fácil o levantamento histórico-biográfiao dos três com-
positores, entre outras razões, pela "escasSiez de documentos
A modinha, que ainda sobrev.i:ve nas nossas canções po- em nossos arquivos públicos e particulares'·'. Seu trabalho,
pulares, marcou uma época na história da músoca bra.sileira, diz êle, é uma simples achega bibliográfica e "não pretende
dilatando, por assim dizer, as fronteiras do nosso rdmantis- mais do que realçar tudo aquilo que fôr possível através de
mo e fortalecendo as tendências nacionalistas desta forma d!ocumentação adequada'-, corrigindo "erros e lacunas em
de arte em nosso País. Brasileiros e estrangeiros -empolga- dados já publioados" acêrca dês ses três destacados vultos de
ram-se com a sua seduç.ã<J tropical. O Maestro Baptista Si- nossa música. De que o autor conseguiu êste objetivo não
queira, neste seu livro, lembra o fato curioso de h(JJI)er o mú- há a menor dúvida. Suas pesquisas f'or.am exaustiv'Us, mas,
sico alemão Adolfo Maerch, que aqui apartou em 1850, com na verdade, esclareceram vários pontos obscuros ou contro-
o propósito de inovar o ens-inamento da composição, canto vertidos no tocante à vida e à obra dos três músicos cariocas.
e piano, mesmo "aos meninos de pouca idade", acabando Dos seus três ensaios constantes do volume, o mais ex-
por escrev·er modinhas. E o historia·dor Luís Norton, no seu tenso e completo é o que se refere a Henrique Alves de Mes-
livro A Côrte de Portugal no Brasil, notou que Neukomm, que quita. 2ste composit<ar foi uma das figuras mais curiosas do
havia sido contratado para a capela Real, ao regressar à seu tempo. Ficou ligado ao nosso teatro como autor de ope-
Europa, publicou em Paris, uma ooleção de modinhas de retas. O Maestro Baptista Siqueira recordJa que "Mesquita
autoria do célebre guitarrista Joaquim Manuel, que chegou fazia esta cidade vibr.-ar com a magia de sua arte, dentro e
a ser quase tão famoso como o popularíssimo modinheiro fora dos teatros populares quando, à frente dos seus mú-
Xisto Bahia. Fôrça é convir que nem tôdas as suas com- sicos, empolgava; multidões, no fim do século passado". Um
posições eram destituídas de valor cultural. Bem ilustra- dos periódicos da época (1878), colocando-o ao lado de Car-
tivo, a êsse respeito, é o magnífico Album de Músicas do los Gomes, chamava-lhe ••o talento mais original a organi-
Império, organizadJo pelo Professor Baptista Siqueira oe que zação musical mais completa que possui o Brasil". Dos três
acaba ·de ser publicado pela Sociedade Cultural 'e Artística biognaifados dêste volume foi o que viveu mais tempo: mor-
U:f:rapurú, em convênio com o Ministério da Educação e Cul- reu com 76 anos, em 1906, enquanto Callado e Anacleto de.,._
tura. ÊSse Album, que despertou o mais vivo interêsse nos sapareceram, o primeiro, e1n 1880, ainda muito môço, com
meios cultos do Rio de Janeiro, abrange os anos de 1830 a 32 anos, e o segundo, em 1907, com 41. Callado e Anacleto
1885, sendo de intenso brilho e profundamente significativo foram discípulos de composição de Alves de Mesquita no
na vida musical do Brasil. São três discos, contendo mais Conservatór.io de Música. Mesquita e Calln:do gozaram de
de vinte composições das que ma:is se popularizaram nesse imensa popularidade. Notável flautista e professor t:Ze flau-
espmÇIO de meio século, figurando, entre seus autores, alguns ta no Conservatóri!o, Joaquim Antônio da Silva Callado che-
nomes injustamente esquecidos, de par com vários outros gou a ser, como registra o fidelíssimo autor dêste livro, .. a
famosos, inclusive o nosso grande Framcisoo da Sil- ffgtwa mais popular da metrópole", sendo muito querido e
va a quem devemos a bela melodia do Hino Nacional e o "grande cortejador de mulheres".
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Apreciando a origem do tango brasileiro e do chôro, a
que se vinculam historicamente os nomes de Mesquita e
Callado, o Maestro Baptista Siqueira, que já havia estudado
detid.amente o assunto no seu livro '·Ernesto Nazareth na
Música Brasileira, oonclui que "é um engano la"Jnentável
procurar-se uma forma de música bras.ileira ", porquanto o
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gular e sugestiva personalidade de Catullo da Paixão Cearen-
se, que se ligou muito estreitlamente à música de Anacleto,
O estudo que o Maestro Baptista Siqueira dedica a êste ex-
traordinário músico é dos menos completos do volume mas
ainda assim o situa oom o devido destaque, n.a vida
brasileira, além de proporcionar abundantes informes e es-
que pode haver é "alguma variedade nas formas musicais». clarecimentos sôbre os fatos princinais de sua vida ou liga-
:{
Defende, vodavia, a legitimidade dos tangos brasileiros, s-alien- dos à sua obra, retificando, com indiscutível arutoridade, vá-
tando mesmo a sua ('l,nterioridade ao tango argentino, que i rios aspectos controvertidos de sua mal conhecida biografia.
teria aparecido em 1880, enquanto, já em 1871, surgia o pri- ] Enaltecendo sua fascinante individualidade, diz que Anacle-
meiro tango brasileiro, de Mesquita, sob o título Olhos Ma- to foi um compositor de grandes méritos, limitado pelo
tadores. Já no seu aludido livro sôbre Ernesto N(J)aar.eth, de- meio tacanho em que viveu. E acrescenta: "M<elcdista dos
fendera ardorosa·mente a tese do tango brasileiro, contra- maiores, hábil, serewo, inspirado, fecundo e sábio no discor-
pondo-se a Mário de Andrade e outros que afirmavam tra- rer das idéias, Anacleto tem lugar marcado na galeria dos
tar-se simplesmente de maxixe, que a crítica realista do au- .autênticos mestres de nossa música Baptista
tor dêsve livro aponta como dança plebéia "procedente de Siqueira atribui-lhe a criação da schottish (chótis) brasilei-
baixas camadas populares". Outra notação interessante do ra, o que confirma a conhecida observação de Mário de An-
ilustre escritor de Modinhas do Passado, é a que se prende drade, segundo a qual, nossa modinha, por vêzes, "se reveste
ao chôro, ou, mais explicitamente, ao chôro carioca do qual, do corte rítmioo da chótis". Aí está, neste incisivo concei-
no oonceito do autor, "não se pode fixar a data àe apare- to, bem definida, a vigorosa e inconfundível personalidade
cimento, porquanto o fato popular, que sempre se confunde do sempre admirável compositor paquetaense. faço
com o folclórico, não deixa vestígios históricos suficiente- ponto, nestas despretenciosas linhas que, com o simplJes pro-
mente positivos". Entretanto, escla'T'ece que a sua origem se pósito de fazer justiça a um dos mais autorizados e operosos
filia à polca que durante mais de quarenta anos dominou historiadores de nossa música, escrevi para a abertura dêste
plenamente esta cidade. Com a sua natural evolução, em livro que, enriquecendo a obra já copiosa e brilhante, do
contato com os costumes locais e com out11as formas de mú- Maestro Baptista Siqueira, muito contribuirá para o pleno
sica popular, acabou por assumir características diferentes. e seguro conhecimento de um dos períodos mais fecundos e
Uma destas foi a chamada polca de serenata, de que derivou fascinantes da música brasileira.
o chôro, de que Calla:do, como o mais popular flautista da
época, tf!ria que ser necessàriamente o iniciador. Ainda aqui, Rio de Janeiro, 12 de abril de 1969
não posso deixar de aproveitar a sagaz observação crítica
de Baptista Biqueira, ao sublinhar a profunda impressão po- Othon Costa
pular causada pela polca, "dadas as suas correlações com Presidente da Academia Carioca de Letras.
o piano e com a flauta, os dois instrumentos predile"bos dos
metropolitanos." Quando começaram a surgir os seresteiros,
com a vida boémia noturna que invadiu a cidade, o piano
t.eria fatalmente que ser substituído pelos conjuntos instru-
mentais ou pe"Vos pequenos instrumentos de maior expressi-
vidade mJelódica, como a flauta e o violão. Assim é que o
chôro se tcrfnou a mais viva expressão da música popular,
no final do século passado.
Foi também, por essa época, que mais se evidenciou a
grande figura de Anacleto de Medeiros, que marcou vigoro-
samente a transição para uma nova estrutura, mais evoluí-
da, do nosso cancioneiro pop-ular. Nessa fase, surgiu a sin-

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if;:! INTRODUÇÃO
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:1'I A convicção pessoal, além de seu liame psicológico in-
discutível, tem, na maioria das vêzes, relação direta com de-
terminados fenômenos e fatos latentes no ambiente social.
Somente assim se pode justificar a importância, cada vez
maior, dos estudos culturais e científicos ligados intimamen-
te aos problemas da linguagem popular.
Essa convicção pessoal, a que nos estamos referindo, não
exclui, de modo algum, certos reflexos observados entre in-
divíduos de um mesmo grupo social, advindos do pendor es-
pontâneo e humano para determinadas circunstâncias de
marcadas tendências psicológicas recíprocas.
Diz Sílvio Romero, com justificada razão, que Gregório
de Matos "é o documento por onde podemos apreciar as pri-
meiras modificações que a língua portuguêsa sofreu na Amé-
rica".
Pensamento igual poderia refletir o que sucedeu com nos-
sa música, onde Cândido Inácio da Silva, segundo entende-
mos, tem papel idêntico ao do mordaz poeta baiano. Mes-
quita seria, nessa escala de valàres, um continuador da obra
inacabada daquele inspixado cantor da Guanabara. Tivemos,
com Mesquita, em Os beijos-de-frade, um documento surpre-
endente de originalidades. Nascido de mãos ainda inseguras
(do jovem trompetista imperial), veio assegurar conquistas
apenas acenadas através do célebre Lá no Largo da Sé.
Muito se tem escrito, porém, sôbre o índice de brasili-
dade na música popular- primitivas manifestações de acen-
tuada tendência nativista - sem uma convicção arraigada
sôhre sua verdadeira objetividade.
A tese que temos sustentado, e que aqui se robustece,
tem base, preliminarmente, num fato concreto: existência
real de síncopes regulares inacentuadas - empregadas com
exuberância - que vêm despontando desde pelo menos, a
primeira metade do século XIX. ·
Como êsse fato aconteceu não é difícil explicar e, muito
menos, entender: resultou de certos têrmos existentes, abun-
dantemente, em nossa linguagem; da maneira de falar, onde
15

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as submetidas ao contrôle de sons, pertencentes a na segtJ.n<lª metaqe do século observava-se que 0 fe.
determinadas melodias, obrigavam o intérprete a abandonar nômenQ, lpp.ge <le arrefecer, em seu impulso inicial, amplia-
um dos valores teoricos do tradicionalismo clássico. Trata- va...se consideràveJmente. Anacruses versejadas se vieram
se da substituição de acentos rígidos que eram exigidos pelas .aglutinar a conteúdos, dando a medida que a índole
leis do ritmo em uso na Europa Ocidental. Explicando me-
lhor: é indiscutível, para os eruditos, do velho mundo, o
fato da acentuação tónica da not.a sincopada, seja qual fôi·
o tempo do compasso em que ela possa ser encontrada ...
Por outro lado, é sabido que uma palavra, em nosso
idioma, mudaria de sentido se mudada lhe fôsse a acentua-
I
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Iingüística estava a
Eis a contextura que mais salientava a supra citada in-
cidência de acentos originais:

"Mulatinha do caroço no pescow" (Popular)


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ção correspondente.
Examinemos, por exemplo, o que aconteceria se não usás. "Quisera amar.te mas não p_osso ó '!}irgem" (Folclore)
semos os têrmos com suas tônicas nos respectivos lugares:
.. papa" e "papá"; "fábrica" e "fabrica": "sabia", "sàbia ", Essa demonstração ligeira (como não podia deixar de
"sabiá", etc. ser, pela circunstância do escrito), deixa bem clara a ima-
Ora, a tonicidade vocabular, evidentemente tem um lu- gem da ampliação do ritmo anteriormente examinado que
gar certo, apropriado, não podendo ser substituído, por ne- tem estrutura semelhante às seguintes, muito mais recentes
nhum motivo, a novas inflexões, sejam quais forem os mott- no cancioneiro nacional:
vos apresentados.
No Brasil as síncopes - que aparecem de maneira obs- "Minha espemnça é urn sonho" (Folclore)
tinada - são inacentuadas, não por exceção, como sempre '"Anjo do céu, tu me matas" (Folclore)
aconteceu, mas por contingências lingüísticas jmutáveis. Não
se presuma que exista alguma motivação estética de pressu- Talvez calhe bem aqui um paradigma entre conceito e
posta índole atávica. Não! O que existe é um imperativo imagem como fêz Silvio Romero; a síncope exacerbada e acen-
de ordem geral que transforma, na música "acentos rítmi- tuada de nossa música representa a primeira manifestação
cos" em "acentos métricos" de maneira imperiosa e infalí- que sofreu a música européia no solo da América do Sul.
vel. Resulta, em suma, da manifestação dos valôres foné-
ticos da linguagem falada no Brasil. É um coroamento da Além dêsse aspecto particular que está condicionado aos
ação salutar que deve existir entre o bom entendimento e a têrmos da linguagem e sua exata pronúncia no canto, foi-
função da inteligência a serviço da expressão. nos dado identificar outro modismo igualmente sugestivo:
Não é, entretanto, recente essa convergência de fatôrel§ harmonia expressiva, relacionada com as atividades dos
dialetais em nossas originalidades: encontramo-la, até mes- cutores dos instrumentos de cordas dedilhadas, usadas prin-
mo nas configurações folclóricas de perdida origem tradicio- cipalmente no acompanhamento de timbres graves. Talvez
nal. Já no início do século XIX, porém, a documentação, isto tenha decorrido do uso continuado, que em algum
proveniente da arte popular, demonstrava haver uma pene- po se fêz, do oficleide (depois, bombardino) nos conjuntos
tração sistemática e profunda no âmago dos versos da for- regionais. Nota-se, sem grande esfôrço de imaginação ou
ma redondilha maior, chegando a atingir exteriormente, o pesquisa, que êsse acontecimento começou a aflorar em de-
conteúdo das poesias líricas - seus respectivos títulos suges- corrência de certas práticas locais tendo, depois, difusão sis-
tivos: temática, na atuação calculada de agentes da música
"Minha Marília não vive" (1837) siv a.
Q'l!!!ndo SPT_!!.iw e vivido" (1857) Expostas algumas das principais manifestações de nos-
sa música característica, vejamos como foi planejado ê.sse
Aí, ritmos téticos e femininos- trazendo os acentos pe- volume em que aparecem conglobados os dados biográficos
culiares aludidos- começaram a estabelecer normas através de três dos nossos inspirados compositores da música
das imitações, nas usanças da arte popular. leira.
16 17

·- - -- . -- _,. 1
__:I Estudo das personalidades .sob os aspectos literár.io e
artístico, não excluindo-se a idéia de algumas- incur-
sões nos domínios -da apreciação crítica;
II Documentos e notas, de caráter nitidamente
co, para sustentar o tirocínio cii:mtífíco que orienta a
principal norma do trabalno;
III Relações das obras dos três autores biografados comó
subsídio a futuras avaliações do mérito musical que,
de nossa parte, julgamos, precioso do ponto de vista íNDICE
nacional. Pags.
Quando resolvemos escrever êste ensaio não pensamos, 8
inicialmente, no seu mérito consentâneo, nem que êle pudesse Introdução - Abertura .......................... . 25
ter tal ou qual categoria nesta ou naquela direção; conside-
ramos, an_tes, a necessidade de salvar do esquecimento, a
I
i MESQUITA
que estavam relegadas personalidades que legaram ao nosso t
,' .Dados biográficos 35
País, verdadeiras jóias de fino acabamento, notadamente nas
melodias nascidas da inspiração criadora. Deixaram-nos, não J I - M·ncidad·e num m,e1o advf!r5o
haja dúv.ida, cantos de eloqüentes contexturas que podem ser Um jovem embevecido .................... . 43
a qualquer momento, avaliados nas suas despretenciosas e Aperfeiçoamento na Europa ............... . 46
claras expressões. Quem os puder julgar pelo merecimento Noivado em Paquetá ...................... . 47
objetivo que possam ter, que não se esqueça da imperecível Regresso ao Brasil ....................... . 48
valia atribuída aos cantos que possuem o privilégio de atra- A queda do Humaitá ..................... . 50
vessar a fria poeira dos séculos. Aparecem sempre muitas A História se repete ...................... . 51
vêzes, quando menos se espera, num influxo de circunstân- Retorno às polcas de salão ................ . 54
cias, rompendo véus que os prendiam a um silêncio continua-
II - Atividad-es artísticas
do e indefinido ...
Que fazemos aqui? Um acontecimento feliz ................... . 62
Reativamos mensagens passadas que falam de aconte- Coincidências que geram superstições ...... . 62
cimentos espirituais de um tempo em que a saudade era ima- O critério da relatividade ................. . 64
gem inseparável do afeto! A Música na côrte de D. Pedro II .......... . 67
Isto passou, é bem certo, mas a v1são do belo coexiste Uma noite no Castelo .................... . 69
nesse dinamismo que pretende desconhecer razões válidas a desaparecimento e retôr.no do
quem percebe que não morreram ainda tôdas as esperanças lundu ................................. . 72
sôbre a terra. Supremacia das danças de salão ........... . 73
Características musicais ................... . 75
Evolução do tango brasileiro .............. . 78
Baptista Siqueira Criação do tango brasileiro é obra de Mesquita 80
Presidente da Sociedade Cultuml e Artística Uirapuru ::rn - E.mbate e advt:II"sidade
Falsa suposição - .................... : ..... . 85
Excursão artíst'ca ........................ . 86
Um compasso de espera .................. . 85
Q...caso e .não descaso .......... .:. .... \ ... . 88

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CALLADO ANACLETO
Dados biográficos 97 Dados b:ográficos ........................ . 157
I - O composit-or e seu meio Intuição e coerência ...................... .
A verve melódica de Callado 100• I - Chamamento à vocação 164
Fatôres educativos da música ligeira ....... . 102. A schottish de Anacleto 168
Música popular .......................... . 104 Musicalidade e musicalização ...... . 169
Perspectivas e detalhes .................... . 108 Análise sucinta de duas chotis .... . 175
A polca de salão ......................... . 111 II - Intuição e coerência ............. . 176
Apreciação do conteúdo melódico 113 III - Notoriedade ..................... . 178
II - MúSlica caractelriÍ!Stic;a Um homem afável 180
Danças instrumentais 118 Razões sentimentais 181
A música no alegre teatro francês ......... . 123 IV Consunção ....................... 184
A flor amorosa ........................... . 123 v Retificando enganos . . . . . . . . . . . . . . . 187
Confusão ou embuste? ................... . 125 Razões da supremacia cultural . . . . . . 189
Como nascem as Músicas Dramáticas ...... . 126 ......................... 192
Análise objetiva da polca brasileira ......... . 133 Exéquias em Paquetá . . . . . . . . . . . . . . 194
III - Chôro cario-ca
Identidade do chôro carioca .............. . 138
Conclusão geiral 199
Coesão do grupo-chôro ................... . 138
:j Notas aos textos 207
Fatôres psicológicos ...................... . 139
O dhôro e as serenatas 140 .I1 Mesquita ............................... . 215
Aparecimento do chôro carioca ........... . 141. '! Callado .................................. . 225
Origem do nome chôro ................... . 141 Anacleto ................................. . 231
Integração do grupo ..................... . 142:
Complexos de traço.:; culturais ............. . 142
Decadência do grupo chôro 143
IV - Im,::tginação em c.nnfronto
Quem conta um conto ................... . 146.
O destino êsse desconhecido ............... . 148.

i
Motivo

"Nó-mais, musa, nó-mais; que a lira tenho


Destemperada, e a voz enrouquecida;
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida."
r
f.

Camões: Canto X

j
i. I
ABERTURA

Não foi fácil tarefa o levantamento histórico-biográfico


de Mesquita, Callado e Anac:leto, êsses três inspirados músi-
cos brasileiros.
Tem sido assim em nosso País: os que se dedicam a em-
preendimentos tais, acabam encontrando enormes dificulda-
des que são resultantes da escassez de docl.!-mentos em nossos
arquivos públicos e particulares.
Dias e dias são gastos em bibliotecas, igrejas, cartórios,
irmandades em busca de notícias que, geralmente, escasseiam
de maneira flagrante. Revistas e jornais, em número consi-
derável, são consultados para o mesmo resultado negativo.
Geralmente sobram referências a fatos de determinada épo-
ca que adiante desaparecem misteriosamente como se uma
interferência brusca e contrária houvesse sido imposta; e as
mais necessárias informações acêrca de fatos que deveriam
suceder (dentro do princípio da fatalidade temporal) somem,
deploràvelmente, sem deixar o menor vestígio histórico.
Outra impropriedade digna de nota, no fim do século
passado, era o hábito arraigado que tinham os homens de
grafar seus nomes pelas iniciais maiúsculas; ?estava aí um
dos mais sérios inconvenientes que se haveria de juntar a
alguns erros tipográficos e lapsos de memória, no processo
da confusão generalizada que depois foi possível observar.
Agora que se procura, com justiça, reviver nomes ilus-
tres da música brasileira, tomamos a iniciativa de focalizar
êsses três vultos que consideramos históricos e cujas vidas
preciosas deixaram, no meio social em que v,iveram, lembran-
ças de um passado artístico digno de ser rememorado.
Estamos certos de poder conseguir resultado positivo
nessa iniciativa pi<'Ileira, por não haver açodamento na rea-
lização do trabalho, nem qualquer contingência de ordem sen-
timental que pudesse influir nos necessários julgamentos.
Iniciemos por MéMJUita que fêz esta cidade vibrar com
a magia de sua arte, dentro e fora dos teatros populares,
quando à frente de seus músicos empolgava multidões, no
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fim do século passado. Do seu nome glorioso nada mais res- tigo Conservatório de Música, hoje Escola de Música da Uni-
tava senão certas informacões contidas nos anúncios do Jor.
nal do Comércio, graças às iniciativas das Emprêsas teatrais
coetâneas que precisavam utilizar êsse veículo indispensável
versidade Federal do Rio de .Janeiro - foi mister escrever
êste ensaio dando maior destaque a êsses vultos do passado
da propaganda comercial. uma vez que Anacleto de Medeiros, tendo sido um músico
recente, suas atividades ainda continuam repercutindo em
Callado está mais vivo na memória do povo por haver vários setores da arte, em nosso País. Como, porém na maio-
sucumbido prematuramente de grave e repentina moléstia ria dos casos, nossos musicólogos preferem, quando' registram
epidémica, poucos dias após o haver empolgado com sua flau- os casos relacionados com as obras musicais, enveredar pela
ta maravilhosa nos festejos carnavalescos, nas serenatas e fantasia, em razão mesmo da ar.idez da verdade histórica,
nos saraus de sua querida Guanabara. Não há dúv.ida de que os ensaios bibliográficos que possuímos se recentem da obje-
teremos de deixar muita coisa apenas esboçada, e a culpa, tividade somente encontrável em frios e despretenciosos do-
por semelhante desídia, devemo-la aos críticos da época e cumentos, tais como: certidões de nascimento, de casamento
pessoas responsáveis pelas iniciativas culturais e artísticas ou de óbito. Todos nós sabemos, porém, que se o fato não
de então. Todos sabiam que Arte não se faz sem ajuda finan- está relacionado no tempo e no espaço perde seu interêsse
ceira e que a glória do País exigia melhor tratamento para frente ·às exigências da História. Daí a razão maior para a
seus artistas geniais. Infelizmente, porém, em nossa terra, divulgação dêsses dados que, em muitos casos, se confundem
existe uma discriminação odiosa que se baseia num princípio com apontamentos curriculares. Descemos, muitas vêzes, a
altamente prejudicial ao progresso e à vivência da Arte: detalhes que talvez evitássemos se não existisse a necessidade
tudo para quem sempre teve tudo, nada para quem nunca
teve nada! Não interessa a obra em si mesma, porém o au- t imperiosa, no Brasil, de averiguar a importância, cada vez
maior, do atavismo racial. Por coincidência, os três biogra-
tor protegido. fados possuíam, em alto grau, dosagem de sangue das três
Daí êsse estado de coisas que transforma nossa história raças que deram (ou estão em processo para fazê-lo) tipos.
da música numa iniqüidade: muitos são os que pouco sa- brasileiros inconfundíveis: o caboclo e o mulato.
bem de um artista, que o citam a cada passo, dêle sa-
ber mais que alguma anedota pitoresca ou pilhéria espalhada
com habilidade.
De Anacleto de Medeiros, que foi até bem pouco tempo,
mestre da banda do Corpo de Bombeiros desta capital, con-
tam histórias rocambolescas indignas de espírito tão tran-
qüilo e prasenteiro, como foi o seu.
E porque tudo isto aconteceu?
Porque quando tudo era fácil de escrever, tudo se fêz
para que nada se fizesse ...
Por tudo isto, nossa História da Música não é senão um
vazio onde os personagens se escondem, sem nada revelar
daquilo que realmente foram.
Portanto, êsse trabalho, que é uma achega bibliográfi-
ca despretenciosa, não pretende mais que esclarecer tudo
aquilo que fôr possível através de documentação adequada.
Pretendemos, com isto, corrigir erros e lacunas existentes em
dados já publicados, acêrca dêsses três eminentes artistas
nacionais, e também divulgar trabalhos realizados com o pro-
pósito de realçar e p1·estigiar as nossas originalidades.
Em razão da inexístência, até o presente momento, de
biografias específicas de Henrique Alves de Mesquita e .Toa.,
quim Antônio da Silva Callado - ambos professôres do an-
26 27

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a
"Ninguém se mata porque não tirou a sorte
ou porque perdeu o primeiro ato do
do Mesquita.
Semana Ilustra·da, 20 de de 1872.
Machado de Assis

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MESQUITA

(1830 - 1906)

ii Henrique Alves de Mesquita, trompetista, organista,


compositor e regente, nasceu no Rio de Janeiro em 15 de
i março de 1830, na Freguesia de S. José, numa humilde re-
!' sidência da Ladeira do Castelo nas proximidades do Largo
da Misericórdia, e faleceu, nesta capital, com 76 anos de ida-
de, no dia 12 de julho de 1906. O desenlace ocorreu, na Rua
Padre Miguelinho, 30 (antiga Rua da Floresta) Bairro do
Catumbi, e foi sepultado no cemitério de S. Pedro, anexo do
S. Francisco Xavier.
Foram seus pais: José Alves de Mesquita Bastos e Anna
Rosa de S. Francisco.
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I
Mesquita começou estudando música com Desidério Do-
risson. Vêmo-lo, pela primeira vez, com seu antigo professor
de instrumento de sôpro, executando uma difícil fantasia
para "pi.ston" no ano de 1847. 1 Em janeiro do áno seguinte
passa para o Liceu Musical onde se inscreve no cur-
so dirigido por Giannini, cujas aulas eram dadas na Rua do
,:: Conde, 13.
:
,,
Tendo sido instalado definitivamente o Conservatório de
Música (13-8-1848), Giannini passou, depois, a dirigir a ca-
::' deira de Composição, tendo transferido seus alunos para a
i recém-organizada instituição oficiaL
,,
ii
Muito jovem iniciou Mesquita, suas atividades artísticas
na capital do Império, aliando-se ao clar.inetista (depois seu
colega no Conservatório), Antônio Luiz de Moura,2 num ne-
gócio de Copistaria e Liceu Musical, que passou a funcionar
(em 1853) na rua da Constituição, 79. Desde cedo, revelou
tendência para a composição musical tendo publicado várias
obras do período inicial da carreira artística. 3 Entre essas
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I! compos1çoes pioneiras podemos destacar: Ilusão, romance e
Corropio, de 1855; a valsa Saudades de Mme. Charton e Os
beijos.de-frade, de 1856.

Nessa época fecunda o jovem compositor escreveu um


Te-Deum e a Missa da Festa de Santa Cecília, de que fala
i elogiosamente a Revista Popular de 1859. 4
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I - MOCIDADE NUM MEIO ADVERSO

Ao completar vinte anos de idade, Mesquita, que teve a


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pouca sorte de nascer num lar humilde, em condições adver-
sas na capital do Império, se viu, de repente, diante de uma
.sociedade angustiada com uma das mais terríveis calamida-
. des já registradas na história da Côrte Imperial. A epide-
mia das febres malignas que irrompera, no Rio de Janeiro,
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- E em 1850,5 com incrível incidência de mortalidade; tudo por
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falta, na época, de condições higiênicas, resultantes da au-

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1--:;:: sência completa de serviços sanitários compatíveis com a ex-
pansão demográfica da metrópole brasileira. Mesmo assim,
f .-· • - - em condições francamente desfavoráveis, o carnaval foi rea-
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vr. v7 "'I l-izado, embora no interior de casas de diversões, como o "Pa-


raíso" e o "Hotel Itália", com bailes mascarados e "limões-
h': de-cheiro", que eram atirados sôbre os transeuntes, quase
sempre de maneira incauta. Era uma imprudência e logo
-· teve funestas conseqüências comprovadas, após a procissão
de cinzas.
Entretanto, se êsse ano foi nefasto para as diversões e
para a saúde pública, não o foi menos para a arte em seus
diversos e múltiplos aspectos. N.tuitas iniciativas auspiciosas,
já consideradas consolidadas na 'côrte, desapareceram com os
efeitos da mortandade generalizada.
A "Sociedade de Música", que nos anos anteriores tan-
.. ,":" tas campanhas vitoriosas empreendera, acabou apenas anun-
ciando sessões de pouca utilidade prática. Contudo serviram
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elas para comprovar o engano dos que sustentavam que o
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Conservatório foi uma continuação da referida Sociedade.
Provam as reuniões, anunciadas pela imprensa, que as duas
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... uuua•· qn•· cul!,l t" lt•tn: ... Os lu·ijinhu" ,.jnb.t• U1n PUI õ\:;,neil'.t-'14 entidades continuaram existindo paralelamente, apesar de
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,-•..-lhut·lhtl1 .-.uctlhtr.i. St·j·• -.cu bri_ju,... ip:'U ter sido o Conservatório criado, em 1841, por iniciativa de
:"i.ü, at•·\··ln·ii.ar
Francisco Manuel da Silva na qualidade de presidente da-
quela organização particular.
Voltando a Mesquita, diremos que apesar da ausência
quase completa de notícias sôbre as atividades dêsse compo-
sitor, antes e depois daquele concêrto em que tomou parte
<: ,como solista de trompete, em 1847, sabemos, com certeza
41

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cepcionais, dotes artísticos, voz de contralto admirável e to-
absoluta, que êle assistiu, como muitos de seu tempo, ao apa- cava um pouco de guitarra. Foi cttada em Milão com bas-
redmento àa polka em 1844, e depois, da schottish, nas ativi- tante destaque, segundo refere a ]}Iarnwta Fluminense.
àades do teatro popular do Rio de Janeiro.
Entre os dois gêneros dançantes, a que nos estamos re- Maria Malibran 8 era cantora espanhola de incríveis fa-
ferindo, Mesquita preferiu, inicialmente a polca talvez por culdades vocais: contralto, conseguia atingir os sons mais
considerá-la mais relacionada com a índole brasileira. Con- agudos do soprano. Como não havia uma ordenação clássica
correram para isto, vários fatôres que convém ressaltar, pa- para tal voz privilegiada convencionou-se dizer que ela era
ra melhor entendimento: o compasso binário simples, a pre- um "contralto absoluto".
ponderância do tom maior, o andamento moderado e, final-
mente, a tendência coletivisante da dança boêmia. Ao falarmos de cantoras célebres não podemos esquecer
A Schottish, chegada em 1851,6 era, inicialmente em com- de Mme. Charton que foi a primeira impressão forte de Mes-
passo quaternário e afeiçoava o tom menor; a dança de pa-
res isolados, começou, por um engano, como "valsa nova da quita.
Rainha Victória ". Seu lançamento nos teatros populares Isso aconteceu quando escreveu a valsa "Saudades de
coincidiu com uma tragédia que ficou marcada na memória Mme. Charton" 9 que foi várias vêzes, executada no Teatro
do povo: o horrível incêndio que lavrou no Teatro S. Pedro Lírico Fluminense, em 1856.
de Alcântara 7 destruihdo todo o material arquivado, inclu-
sive instrumentos e "músicas raríssimas". No ano anterior a maior novidade foi a iluminação a gaz,
Nos primeiros dias do ano seguinte anunciou-se a cons- comentada, em peça ligeira, no Teatro das Variedades.
trução do Teatro Provisório, que, tempos depois, foi cha-
mado Lírico Fluminense. A propósito dêsse acontecimento, que revelava um gran-
' O clarinetista (colega e amigo de Mesquita) Antônio de avanço no progresso, Eleutério Feliciano de Sena 10 escre-
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Luiz de Moura escreveu, a propósito do acontecimento, uma veu uma valsa que, durante muito tempo, foi comentada com
quadrilha descritiva de nome Incêndio do Teatro S. Pedro real interêsse.
de Alcântara, com os seguintes números: "Espectador", "In-
cêndio", "Lamentações", "Propósitos de Reconstrugiio", UM JOVEM EMBEVECIDO
"Inauguração ···.
Depois dêsse triste acontecimento a cidade voltou à vida
normal, agora com redobradas energias e esperanças pois o A década que vai de 1847 a 1857 foi de sonhos e promes-
Imperador, em pessoa, costm,nava assistir aos espetáculos le- sas na vida do jovem trompetista imperiaL Giannini corri-
vando muitos, (que poucos se davam a tal capricho), a com- gia-lhe os exercícios teóricos e Desidério Dorisson (descenden-
parecer também para acompanhar o monarca, e apreciar o te de família francesa),* o orientava no manejo dos instru-
seu bom gôsto. O Rio tornou-se novamente uma cidade feliz, mentos de bocal. E tal era a sua vocação para a música que
cheia de atividades promissoras, onde os artistas competiam naquele mesmo ano de 1847 (mês de julho) aparecia tocan-
lealmente e podiam levar avante realizações árduas mas pro- do um solo de corneta de pistons, num benefício do mestre
fícuas. de trompa Luiz José da Cunha. Mesquita, nesse tempo, es-
ri:
Da evolução social, nessa quadra fecunda, embora efê- tudava no Liceu Musical, que ficava na Rua S. Pedro, 92.
mera da música nacional, falam os jornais diários e algumas
publicações periódicas: as "anquinhas" davam novos toques Estava funcionando diàriamente no Rio uma Companhia
às danças de salão; ·à tardinha, aquêles adeptos da extinção Lírica Francesa que atuava no Teatro S. Francisco.
da escravatura (revelados no S. Januário em 1849), iam ver
o cosmorama da rua do Ouvidor e depois apreciar as vende- O ano de 1847 foi fértil em organizações musicais. Des-·
doras de flôres da rua detrás do S. Francisco (a tual Sete de tacaram-se porém, com suas atividades dançantes, onde um
Setembro) onde outros, mais expeditos, falavam da "Malibran executor podia exibir-se, o Tivoly, o conservatório de danças e
Preta". Era uma referência erudita pois essa crioula (Ma- a Sociedade da Constante Polca.
'iq ria Martinez) criada por D. Aguiar possuía qualidades ex-·
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No ano seguinte, isto é, em 1848, Giannini, que era a A organização dirigida pelos jovens músicos brasileiros,.
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maior autoridade da música teórica, funda, com Dionísio fêz que ao lado do Fluminense e_ que
!ti Vega, um Liceu Musical na Rua do Conde, 13, que atraiu fornecia, tambem, pianistas para sozrees, dava curso pratico
'l' vários jovens candidatos ao aprimoramento, e entre êles musical, imprimindo, modinhas e romances .dos diretores.
contrava-se o Mesquita. O ano de 1854 foi de enorme sucesso para a música ca-
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O momento era plenamente favorável a proliferação do racterística nacional. Os teatros populares concorreram para
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gôsto artístico, pois duas companhias estrangeiras exibiam- isto incentivando o gôsto pelas novidades procedentes do in-
se diàriamente na capital do Império, cada qual procurando terior do País. Mme. Charton era a maior personalidade da
:;: ópera lírica e os amantes da boa música não se continham
;,1 impressionar o mais possível proporcionando ao povo
;li; lhores divertimentos. Ao chegar o mês de agôsto, Francisco quando a bela Arsene Charton cantava a Sonâmbulm de Do-
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:IJ lVIanuel da Silva conseguiu realizar seu grande sonho ideal, nizzetti. Os franceses passaram a dominar soberanamente
!!t;r1 que vinha sendo protelado desde 1841. E assegurado o fun- no Teatro do Rio de Janeiro. Mesquita assistiu aí à represen-
ill cionamento do Conservatório de Música. A cadeira de Har- tação de uma composição de Rossini que lhe iria dar motivo,
!'::.I monia e Composição ficou a cargo de G. Giannini que se des- posteriormente, para a composição de sua obra A Gata Bor.
:li ligou do Liceu Musical, indo para a Organização oficial alu- ralheira. Mas, por enquanto, sua técnica não ia além da
!j! dida. valsa de sucesso que escrevera para homenagear a grande
,.,i:! Nesse tempo o teatro italiano representava, no Rio, o intérprete do Teatro Lírico Fluminense.
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que havia de sucesso em matéria de música operística: So- O nome de Mme. Charton, já várias vêzes referido, pro-
nambul.a, Otelo, Lucia di La•mmermóor, Ernani, Barbeiro de t: pagou-se com intensidade depois que ela apareceu com "a
Sevilha, Diamantes dm Corôa, etc. nova dança varsoviana", imediatamente após o fraquíssimo
A artista mais famosa era Augusta Candiani, na ocasião
considerada insuperável. Tão eloqüentes eram as convicções i carnaval de 1855. Nesse ano que, se :pode dizer, fói terrível
para a arte ( pela fuga inevitável do genial Thalberg, em ra-
de seus fanáticos admiradores que até saiu um opúsculo in- f1.: zão da presença, no Rio, de evidentes casos de péste), surge
titulado Candianeida. Essa artista, de primeira categoria, lt uma nova esperança para os nacionais: o aparecimento do
afeiçoou-se aos cariocas e não mais quis deixar a côrte do
Rio de Janeiro. Pensou talvez, que a única parte do mundo l editor Theotônio Borges Diniz, professor e copista de mú-
sica de S . M. I. (Praça da Constituição, 11) . Houve aí uma
onde havia possibilidades para um artista consumado era
na capital do Império sob a proteção auspiciosa de D. Pedro l" absorção do "Liceu" de Mesquita e Moura. Logo saiu a "nova
varsoviana" dedicada à Mme. Charton, obra feita com temas
II. Pura ilusão que a levou à decadência total! " da ópera O Trovador. O eminente pianista e compositor Thal-
Terminada -a temporada oficial, Giannini, que era uma berg ainda se exibiu em concêrto no Lírico Fluminense, n:o
espécie de ditador da música, viajou para a Europa com in- mês de julho; permaneceu na metrópole alguns meses (se
tuito de organizar as futuras representações dramáticas, do não há engano do.s cronistas), quando estava disposto a de-
ano seguinte. morar-se indefinidamente, segundo deixa transparecer o lei-
Foi, inegàvelmente, um período fecundo para nosso fu- Ião de seus custosos pertences, a seguir realizado.
turo 1\IIaestro Mesquita. Acompanhando de perto as ativi- Já em 1856, estava funcionando, no mesmo lugar da.
dades artísticas do mestre italiano, ia também firmando-se Copistaria de Mesquita e Moura, um Curso de Composição
na coorte dominadora do mundo musical obviamente favo- e Piano, em que atuava Dionísio Vega. O Jornal da Comércio·
recido pelos cofres públicos. Assistiu, assim, representações trazia o seguinte comunicado: "Diónísio Vega; professor de
de obras, no francês, que lhe causariam impressão piano pode ser procurado na Copistaria do Conservatório de
psicológica profunda, como se viu depois (Memória do di.abo Música, na Rua da Constituição, 79".
e o Di.abo na esc.oZa:) . Mesquita não se esqueceu da música característica e nes-
anos se passaram sem grandes novidades, para a se ano de 1856 conseguiu publicar o trabalho denomilUldO
música profissional, quando surge (ao terminar o ano de Os beijos-de-frade. considerado polca-lundu.
1853), um Liceu Musical e Copistaria sob a direção de dois Chegaram ao Rio de Janeiro as primeiras Zatzuelas es-
brasileiros: Antônio Luiz de Moura e Henrique Alves de Mes- panholas destacando-se, entre tôda.s, O Duende, que ficou
quita. no cartaz do GináiSio Dramático, o fim do ano. Segue-se,
44 45

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que vai marcar época em tua vida, possam chegar até ao
liii,l'i daí em diante, período terrível para os cariocas, diante da fundo do cárcere onde a fatalidade te arrojou".
!ii," implacável calamidade da cólera morbus. Talvez por equívoco ou conclusão apressada tenha Vi-
No ano seguinte, Mesquita, que fôra contemplado com o cente Cernicchiaro dito em sua Storia della Musica nel Bra-
Prêmio de Viagem à Europa,U cheio de ilusões e esperan- sile que Mesquita retornou à pátria em 1862. Êsse engano é
cas deixa a Guanabara em busca de maiores ensinamentos lamentável por todos os motivos, inclusive porque, baseado
musicais na velha e culta pátria de Victor Hugo. numa .inverdade, levou diversos autores a incidirem no mes.
mo êrro.
ÊSSe mesmo autor comete outra falta da mesma cate-
APERFEIÇOAMENTO NA EUROPA goria quando, sem um exmne mais preciso, declara que La
muit au cha·tea-u é tradução de "Noivado em Paquetá ··,como
se uma obra feita em 1856, com dois ou três atas (não se
Em 1857 seguiu Mesquita, no vapor "Petrópolis" da li- sabe ainda ao certo), pudesse ser traduzida para uma de
nha de Hamburgo, para a Europa onde ir.ia estudar Compo- um só, composta em 1870. Poderia, quando muito, ter aque-
sicão no Conservatório de Paris. Havia êle sido favorecido la opereta sido aproveitada, ca.so o compositor se desinteres-
pelas leis brasileiras que regulavam o ensino musical e seu sasse por ela, como obra autônoma.
aperfeiçoamento. Quando um dia. fôr encontrado o material que estêve
Tendo chegado à França, nesse mesmo ano, matriculou- em preparação como elenco da Imperial Academia de Mú-
se na classe de Harmonia, a cargo do eminente professor sica e ópera Nacional - ficará provado que essa informação
François Bazin, onde trabalhos julgados excelen- não tem, nen1 nunca teve, quafquer valor histórico.
tes. Dêsse período, fecundo-... compositor patrício, são as
·!I''i' obras Ouverture L'etoile du Brésil, a quàdrilha Noites Bra-
,[I sileiras e outros trabalhos menores. Entretanto, uma aven- O NOIVADO EM PAQUETA
I :)1
. J·,·
tura amorosa (que jamais foi esclarecida), que teve na ca-
,. pital francesa, o fêz perder os estudos, a proteção do Impe-
rador, e, além disso, acabou encarcerado por muito tempo. É ês.se o sugestivo titulo da primeira composição i:eatra1
\' Depo.is dessa marcante aventura em Paris, chegaram ao de Henrique Alves de Mesquita, cujo libreto até hoje não
Hi"asil, notícias de dificuldades financeiras que Mesquita es- foi identificado. A referência mais longínqua que existe, se-
taria sofrendo na Europa. Foi então que alguns amigos leais gundo cremos, sôbre êsse trabalho, vem na revista Brazil AT-
- convocados por seu irmão Antônio Mesquita, também tístico, de julho ele 1357. Aí se diz textualmente: "a ópera
músico profissional, resolveram, organizar um festival em be- Nacional estreou com a zarzuela, em dois atas, intitulada
nefício do artista A cstTéia de uma aTtist.a.. Prometeu-se o Noivado em Paquetá,
A iniciativa foi coroada de êxito, tendo sido representada música do Sr. Mesquita, mas não temos mais ouvido falar
a ópera de sua autoria O Vagabundo que havia sido levada nisto".
à cena, no Teatro Lírico Fluminense, em primeira audição, Logo a seguir, volta a aludida publicação a referir-se ao
no dia 24 de outubro de 1863, pela ópera Nacional. O refe- mesmo assunto nos seguintes têTmos: o Sr. Mesquita é autor
rido benefício teve lugar dois dias após, segundo dados que da Missa de Sta. Cecília que foi executada na festa dedicada
convém trasladar: "Uma realização em benefício do maestro a esta santa, bem como "da ópera em três atos, intitulada
Henrique Alves de Mesquita, ex-aluno do Conservatório de Noiva·do em Paquetá, que se está imprimindo na casa dos
Paris". (Sabe-se, assim, que o caso ocorrido eth Paris foi sucessores de Laforge. Vemos assim, que o Sr. Mesquita não
muito grave; chegou a ponto de levar nosso estudante a ser é simples aluno do Conservatório de Música como por aí apre-
-desligado do Conservatório de Música da Capital francesa!) goam e fazem crer.,.
Eis alguns dados recolhidos em O Bazar Volante os quais Um anúncio do Jornal do Comérc-io esclarece plenamen-·
se referem diretamente ao fato: "Depois dos aplausos veio te essa informação: "Abelha Musical, n.0 1. Traz a ária de
à cena o irmão do compositor para receber. por êle as home- soprano e o romance da ópera N•oioodo em Paquetá de Hen-
nagens do autor. A regência estêve a cargo de Júlio Nunes". rique Alves de Mesquita - janeiro -de ., ,
E. adiante, conclui: "Que as palmas e bravos dessa noite,
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46
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Trata-se, pois, de uma composição anterior à sua viagem . Logo .que_ País, cheio de planos sérios
à Europa, estando enganados os que se pronunciaram a êsse sobre reallzaçoes artlstlcas, vm que o ambiente ao contrá-
respeito, sem o cuidado de uma averiguação. rio do que sucedera ao seguir para o Velho Mundo em 1857
Mas além dessa confusão, lançada por comentaristas tornara-se hostil e insuportável. A influência opereta;
apressados, logo recopiada, sem referência à fonte principal sobrepujara o que hayia deixado na metrópole, inclu-
(motivo que aconselhava maiores cautelas), aparece outra sive as danças mstrumentais. Agora preponderava 0 teatro
que deixa o observador em dificuldades para um pronuncia- ligeiro com tôdas as conseqüências desfavoráveis para a arte
mento sereno e correto: "Na Europa aperfeiçoou os estu- nacionalista.
dos. . . etc. e lá fêz vários trabalhos inclusive uma ópera A primeira coisa que fêz Mesquita, diante de tanta in-
Noivado em Paqu-etá, traduzida para o francês sob o título certeza, foi voltar às suas antigas funções de simples trom-
Une muit au chateau''. Essa mesma informação vem na petista de orquestra e professor de instrumentos de sôproJ2
obra de Cernicchiaro, parecendo constar de alguma fonte Êsse aspecto da opereta sobrepujando tudo o que havia
anterior. O certo é que outros documentos provam justa- de belo no teatro dramático, foi talvez a maior surprêsa de-
mente o contrário, isto é, que a ópera-cômica em um ato sagradável para o nosso compositor de músicas caracterís-
Une nuit au chateau fol escrita especialmente para o Teatro ticas. Que iria fazer com todos os seus trabalhos, já reali-
Alcazar no ano de 1870. Eis o que vem no livro O Teatro zados, com base no aspecto suntuoso, das mágicas,l3 com
Brasileiro de Múcio da Paixão: o maestro Mesquita "escre- suas cenas surpreendentes e feéricas?
veu a partitura da opereta Une nuit au chateau que al- No Brasil, o sonho de Jacques Offenbach havia sido rea-
lizado, a despeito da ausência de seu idealizador: um teatro
t
cançou grande êxito", para o Teatro Alcazar.
exclusivo para as partituras escritas no seu estilo alegre e
Analisando-se bem o assunto compreende-se que uma facêto estabeleceu-se no Rio de Janeiro com indizível sucesso
ópera em três atos não poderia mesmo ser traduzida para de bilheteria. A côrte do Brasil acolheu, com entusiasmo inu-
outra de um só ato. Não se pode negar que tenha havido ou ,r sitado, a opereta de sentido jovial e sobretudo brincalhão,
não algum aproveitamento de material ocioso engastado nu- i· abandonando à sua própria sorte o teatro dramático e a
ma velha obra abandonada há muito tempo. Talvez desani- • mágica durante um vasto período de nossa história musical.
mado pela falta de oportunidade para o Noivado em Paque- ,,, Retrocedendo um pouco:
tá, Mesquita tenha utilizado alguns de seus trechos noutros Uma surprêsa aguardava Mesquita no momento do de-
trabalhos mais atualizados. Contudo isto não passa de hi- ,.;
sembarque no cais do Pôrto do Rio de Janeiro: a ausêhcia
pótese, sugestão que não encontra basé sólida em que se pos- quase completa de amigos e patrícios, que esperava ansiosa-
sa realmente apoiar. Encontramos depois, em janeiro de mente ver em grande número . 14 Esquecera-se de que nosso
1858, uma notícia que dizia ser a ópera cômica de Mesquita, País estava em guerra no Sul e que muitos conhecidos, ami-
O Noivado em Paquetá, constante de dois atos. Dêsse assun- gos e parentes haviam sido incorporados às fôrças que se-
to trataremos pormenorizadamente em momento oportuno. guiam para o teatro da guerra. Como viu alguns elementos
da colônia italiana radicados no Brasil (por ter sido Mesquita
ex-aluno de G. Giannini), não atinou com a verdadeira cau-
REGRESSO AO BRASIL sa da suposta desatenção. A passagem dos batalhões volun-
tários pelo Rio de Janeiro chamou a atenção para o equívoco
que, lamentàvelmente, havia cometido.
No ano de 1866, Mesquita pôde resolver seus problemas' Precedendo o desembarque do compositor, uma casa de
na capital francesa e regressar ao Brasil; o fato se verif.icou música fêz distribuir a polca Georgienne que, segundo anún-
em julho, tendo sua chegada cercada de estranho silêncio cio, fôra muito aplaudida em Paris.
por parte da imprensa especializada. O Bazar Volante foi Alguns dias passados, após o regresso de Mesquita, foi
a única publicação a registrar o acontecimento. Esqueceram- realizado, no Teatro Ginásio Dramático, um festival em be-
se ràpldamente do sucesso obtido por Mesquita quando, três: nefício do incomparável flautista M. A. Reichertm que se en-
anos antes, :teU nome fôra aplaudido freneticamente no Tea- contrava em verdadeiro estado de miséria, vivendo com ex-
tro S. Pedro de Alcântara. trema dificuldade económica.
48 49
\

!
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l
Inteiramente entregue a seus afazeres, já na capital do A crítica contemporânea silenciara capciosamente. por-
Império, viu Mesquita publicadas duas de suas últimas com- -que sabia que, por traz de todo o aparato publicitário, es-
posições do gênero popular, as polcas Minha Estrela e Laura. tavam interêsses econômicos de grandes emprêsas internacio-
La brésilienne havia sido anunciada poucos dias antes do au-
tor de O Vagabundo haver chegado à capital da côrte de D. nais.
Já em 1868, deu-se a queda da fortaleza de Humaitá e
Pedro II. com ela a primeira oportunidade de Mesquita, nessa dura
Os Cafés-Concêrtos continuavam resistindo a tôdas as .fase de sua vida de artista. É que haviam falecido sucessi-
dificuldades que a vida de um grande centro oferece às ini- vamente, em 1860 e 1865, Joaquim Giannini e Francisco Ma-
ciativas particulares, enfrentando galhardamente as mais nuel da Silva.
sérias crises que a história em sua continuidade temporal Assim o oficialismo que vinha, há muito, hostilizando
pode registrar com exatidão. o recém-chegado maestro, por todos os meios e modos, viu-
se obrigado a convocá-lo para escrever uma peça, no estilo
A QUEDA DO HU1\IIAITÃ pochade, para a Emprêsa - dirigida artisticamente pelo fa-
gotista e cantor Thiago Henrique Canongia - que, naquêle
ano, estava sendo organizada pelo artista Vasquez.
Recuando um. pouco no tempo, observe-se que, quando Essa iniciativa, que começou como "Associação Empre-
Mesquita desembarcou na Guanabara, pensando encontrar sária", passou, em pouco tempo, para a direção geral do ar-
um ambiente favorável aos empreendimentos elevados, a mú- tista Heller que muito fêz pela obra de Henrique Alves de
sica artística 1 6 demonstrava agonizar lentamente pela ação Mesquita, a partir da representação, em 1872, das óperas
deletéria do amadorJsmo e de outros males sócio-econômi- Uma noite no Castelo, Trunfo às .avessas e Ali-Babá ou os
c os. quarenta ladrões.
Um fenômeno nada animador se vinha revelando desde
muito: os músicos verdadeiros iam sucumbindo paulatina-
mente enquanto surgiam eventuais substitutos sem o neces- A HISTóRIA SE REPETE
sário aprimoramento técnico. 17 Havia um conhecimento, é
certo, mas num sentido extensivo, sem nenhuma base obje-
tiva. De modo que grandes mestres da música séria, técni- Mesquita ao pisar o solo carioca, de retôrno à terra de
cos de elevada categoria, iam morrendo e levando para o tú- sua mocidade, sentiu aquela alegria que inunda as almas
mulo conhecimentos que os jovens não haviam chegado a as- bem formadas, e teve um impulso único: visitar aquêles lu-
similar completamente. Assim, o saber musical declinava os- gares que sua, mente fizera ressurgir, tantas vêzes, nos so-
tensivamente como sob o impulso de implacável destino ... nhos da pátria distante. Por mais que raciocinasse, sentisse
Surgem, nesse período de 1866, na capital do Império, que ali nada havia de atraente, uma fôrça sobrehumana o
de um lado, um número excessivo de canções espanholas de obrigava a pensar naqueles recantos onde passeara descuida-
grande beleza, e, de outro, o empolgante Café-Concêrto onde damente. Precisava rever aquela encosta do morro do Cas-
artistas de fama mundial iam cantar para o povo. telo, mesmo sabendo de sua decadente situação, de sua quase
Surge, logo a seguir, em setembro de 1866 o Teatro Fran- ruína material. Se fôsse possível um retrocesso à infância, pre.
cês (Alcazar-Lírico-Fluminense), sob a direção musical de feria pegar de seu antigo bodoque e correr, em bando, na
André Gravenstein (pai). Foi encenada a ópera mitológica encosta perseguindo o corrupião, a pomba-rola ou a própria
Telêmaco e Calipso, em um ato, música de Florimond Her- saltitante cambachirra. Seu desejo sincero era correr, des-
vé.1S Começa assim, a fase de eclosão da ópera cômica que cuidado como outrora, do Largo da Misericórdia ao do Rossio
iria sobrepujar tôdas as iniciativ'as culturais na côrte brasi- onde encontrava tanta gente estranha falando linguas que
leira. nunca entendia; gente que vinha para o Brasil fazer o povo
Estava lançado, no Brasil, o teatro alegre de Jacques daqui conhecer aquilo que era popular em sua terra natal.
Offenbach que iria, em breve, ofuscar, por certo espaço de Já agora sabia contemplar êsse colosso desgovernado e per-
tempo, a ópera lírica e o teatro dramático na capital do Im- guntava, em solilóquio: por que somente nós aceitamos tudo
pério. o que é pensamento dos outros e nada fazemos para que os
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I
j
nossos ideais sejam igualmente levados para outras terras.
distantes? O segrêdo estava, pois, no cancioneiro popular, nas can-
Quando se entregava a tais devaneios, ouviu dos sinos da ções singelas dos de rua. Êsses acervos que, com
Igreja de S. José, da Freguesia onde nascera, as melodias alguns retoques eruditos, talvez pudessem servir a empreen-
mais recentes das operetas de Jacques Offenbach. Saiu da1i dimento de elevada categoria artística. Tudo isso poderia ser
cabisbaixo por saber, e reconhecer, ainda uma vez, que a feito desde que se não comprometessem os estilos para con-
fôrça da publicidade organizada é indomável no universo. servar a integridade essencial do acontecimento. Nesse parti-
E assim se justifica que sàmente o capital tem verdadeiro. cular, o estilo é tudo porque revela, desde logo, a origem da
poder sôbre a terra! criação através de suas peculiaridades e singelezas que se
não amoldam às criações elaboradas tecnicamente. Da im-
Aquêle castelo de cartas que v.inha acumulado em sua portância cultural das melodias singelas, tinha Mesquita ple-
consciência se desfêz como o próprio castelo que os jesuítas na certeza porque vira como elas eram aproveitadas na velha
julgavam perene e eterno. . . Quem lhe fêz voltar do mundo e culta Europa de seus dias.
das ilusões para a vida, tal como era, foram os versos imor- Ali os poetas mais em evidência estavam sendo musica-
tais de Casemiro de Abreu: dos com tanta eficiência que poucas eram as obras que não
serviam para que o povo as conhecesse através dos temas
"Eu me remoço recordando a infância musicais. A princípio, foram escolhidas poesias líricas más,
E tanto a vida me palpita agora, a seguir, cuidou-se de gêneros mais complexos e formas inde-
Que eu dera oh! Deus a moc-idade inteira, finidas ... Êsse fato deu como resultado entrechos que, de-
Por um só dia do viver de outrora." pois, se transformaram em elementos altamente orgânicos,
em razão da emotividade despertada pela sucessão rápida
Caminhando para o Alcazar Lírico, foi pensando no po- dos estados anímicos dos artistas criadores. E isso se deu
der étnico da música e da poesia, na ação benéfica que exer- justamente quando novos problemas se vieram juntar às nor.
cem, em conjunto, sôbre o espírito humano e, jovem, sentiu mas do canto dran1atizado. Viu-se, depois, êsse processo se
aí a inspiração em efervescência e relembrou que já pudera desenvolvendo ràpidamente no solo da Guanabara onde Mes-
também em sua maturidade -"quando sereno e vi- quita pôde contar com elementos indispensáveis como Heller,
VIdo ... Vasques e Garrido. As composições que daí saíram, malgra-
Mas na época em que escrevera tal melodia, sua alma do o estilo ligeiro, são produtos de uma época em que o gôs-
aflita sentia ver seu futuro esbarrar diante de um abismo to da sociedade titubeava nas primeiras manifestações de
que não pe1·mitia a salvação. Alguns dados fiJosóficos que alguns diletantes e amadores entusiasmados.
conhecia da vida prática lhe deram alento ria amargura Dois tipos de músicas, a sociedade metropolitana come-
e na desilusão, e, como Verdi, adotou uma atitude passional çou cedo a preferir, para as atividades do teatro popular: a
dentro dos quadros da música retrospectiva: volver a exa- ópera mágica do tipo Ali-Babá e A Coroa de Carlos M-agno,
minar a arte antiga! Mas que representaria na sua vida êsse e a ópera-cômica do estilo de Offenbach, tal como Uma noite
retôrno ao antigo a que lhe .incutira o mestre italiano? Cer- no Castelo, etc. Consistia essa preferência, numa vitória da
tamente o étnico o telúrico, para atingir o ideal que sua alma concepção melodramática, isto é, daquela em que a melodia
ilustre tanto aspirava. Foi sem nenhuma dúvida essa ex- exerce fôrça central altamente valorizada. Mas era preciso
pressão mínima, êsse quase nada eloqúente que exerceu in- fazer o povo vibrar e êle, na sua soberani.a, escolhera justa-
tensa influência na arte de nosso compositor Mesquita. E mente aquilo que a crítica aconselhava que se deixasse em
outro mestre amigo o havia chamado a atenção para um paz! ...
fato musical correlativo: "não esqueça a importância da Foi uma surprêsa, até para os mais otimistas, essa pro-
melodia. Tenha cuidado com as vozes extremas; cante sem- pensão do carioca para as alegrias facêtas em idioma estran-
pre sem interromper as idéias". Como coincidiam essas re- geiro! ...
comendações práticas de Desidério Dorisson com aquela sim- Essa tendência das platéias inflamadas pela propaganda
ples frase, do grande criador do movimento internacional de- de vários tipos e formas, demonstrou claramente, ser o povo
nominado verdismo! (Giuseppe Verdi). levado a aplaudir, de maneira um tanto inconsciente, acom-
panhando aquilo que se julga atual para não parecer fútil ...
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l
...

Aceitar calado o que se não entende tem sido arma de menta radicados na metrópole brasileira. Todos estavam
velhacos que sempre estão adiante nas iniciativas destinadas mais ou menos de acôrdo quanto à importância primordial
a manter o povo em sua santa e útil ignorância das coisas da melodia Somente, ela poderia fazer o povo
realmente sérias ... vibrar e1n seu entusuisn1o, apaganuo, por nlon>ento, as an-
rzústias e as descrencas.
- Foi diante de fenômeno social de tal monta que se con-
RETôRNO AS POLCAS DE SALÃO vencionou retroceder à "polca de salão" que trazia no seu
conteúdo as melodias enérgicas simbolizadas peb adoção sis-
temática do tom maior e compasso binário simples. Aí, po1·
Todos nós guardamos na memória qualquer coisa partL 1S66, quando Mesquita saltava no cais do pôrto, a "polca de
cularmente grata à nossa expectativa, e, entre essas remi- salão" demonstrava claramente que sua trajetória marcava
niscências avultam sempre algumas melodias tradicionais àecHnio positivo. E ê.sse mesmo compositor trazia a missão
ouvidas durante o período da infância. É a presença indefi- histórica de fazê-la florescer em outro sentido, porque tinha
nida de um fato íntimo qualquer que a todo instante, desde algo de importante a fazer na evolução da música nacional.
que revivido, nos interessa e nos faz vibrar de emoção. Não Os brasileiros sentiram que havia chegado o momento oara
é êle menos sensível à reflexão, mas costuma empolgar o reativar suas atividades musicais e passaram a apresentar
espírito quando evocado em momento adequado e oportuno. antigas danças dramáticas, com o intuito de apoiar novas
Tal forma de reflexão foi sempre aproveitada como subsídio conquistas que se avizinhavam: o lundu que indiretamente
nas atividades educacionais, seja no teatro, escondida na ma- simbolizava a cultura dos negros escravos foi contempLidO
neira diversiva, seja diretamente no ensino aplicado à mo- nessa revivescência, ao mesmo tempo em que se procurava
ral e ao patriotismo. Contudo, no seio do povo, não temos rdembrm: o caf.c_reté de remota origem ameríndia.
dúvida em afirmar ês::e fato psicológico teve maior penetra- Quando chegou o ano de 1868, êsses dois tipos de músi-
ção através das atividades de alguns espíritos privilegiados, cas populares haviam conquistado grandes aplausos nas ati-
atuando na ribalta. Daí a fôrça despertada pelas lembranças
que estavam adormecidas nos meandros da mente, com ím-
t vidades de artistas de mérito indiscutível. Nessas obras re-
vividas existiam valiosos elementos da composição, notada-
mente a forma do rondó de cinco seções em. tons obrigatària-
peto criador, tendo como conseqüência a reciprocidade das
platéias embevecidas!,.. No caso do Brasil êsse fenômeno fi; IIlente brilhantes.
psicológico tev..e importância vital pela repercussão forte e \>
enérgica que teve, manifestando-se diretamente, na massa
popular, malgrado a opinião contrária de vultos julgados
identificados com o gôsto aprimorado da sociedade.
É a opinião unànime de todos os setores do pensamento
musical que a crítica perde muito de sua eficiência quando
se atem à parcialidade ou segue um grupo que usa o incen-
so quando não há lugar, nem motivo, para a defumação. 1!:s-
se aspecto negativo continua quando se identifica com a prá-
tica da omissão propositada ou a parcialidade no julgamen-
to. A opinião do povo é justa se se baseia na justiça e na
fôrça dos argumentos que a justificam.
A música na Côrte Imperial, na década que vai de 1860
a 1870, estava sempre presente nas manifestações indispen-
sáveis às atividades .da vida associativa. Ao vasto domínio
do amadorismo, surgido pr.incipalmente com as campanhas
em favor do piano-forte, aliaram-se os diletantes e apaixo-
nados incondicionais do lirismo italiano. Eram interessados
na arte musical e procediam das várias correntes de pensa-.
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54

'

:•
I
I I - ATIVIDADES ARTíSTICAS

Na Emprêsa Phenix Dramática (Associação inicialmente


dirigida pelo ator e flautista Vasques) Mesquita demonstra,
juntamente com o compositor e v,ioloncelista Manuel Joa-
quim l\1aria, o que era, na realidade, um cateretê (7 de ju-
lho de 1868, na peça Orfeu na Roça).
Quando foi representada a peça Nono Mandamento, hou-
ve necessidade de uma obra musical para servir de inter-
médio e Mesquita aproveitou a oportunidade para mostrar
o aue era, ern verdade, o lltndu b1-asileiro. l!:sse fato acon-
teêeu em 1870, e teve por motivo a confusão generalizada
que começava a se 1nanifestar entre lundu e polca-canção.
No ano seguinte, sobe à cena Trunfo às Avessas levado
em dois teatros simultâneamente: Lí1"ico Fluminense e Phe-
nix D-ramática. Tratava-se de peça evocativa de uma fazen-
da Madureira com danças de pastôres, dos velhos, na qual se
incluíam quadrilhas, terminando pela dança do F·ado - ve-
lha tradição portuguêsa revivida com a transmigração da
família Real. Havia, assim, um Presépio em que o autor fo-
calizava aspectos coloniais.
Procurando configurar os gêneros dançantes, escreveu,
I também, nessa fase, a primeiTa música, com subtítulo de

i
tango. Referimo-nos à obra denominada Olhos m.ataclo-res
(Jornal do Comérc.:"io de 21 de novembro de 1871).
i Convém ressaltar que Mesquita escrevera, na época do
término da guerra do Paraguai, a peça "Extinção da Dita-
dura" aue foi levada no Teatro S. Pedro de Alcântara. Nessa
oportunidade, sua vida econômica insegura fêz com que acei-
tasse preparar as peças que o editor e músico Thiago Hen-
rique Canongia iria, depois, reger no teatro popular. Foi isto
causa do engano de muitos que tiveram conhecimento de
que ensaiava as peças no Teatro Phenix Dramá-
tica, desde 1869. Tais eram as dificuldades financeiras de
Mesquita, nos três anos precedentes à sua efetivação em 1872,
que novamente é realizado um festival em seu benefício, des-
ta vez com as augustas presenças de SS. AA. a Princesa Im-
perial Regente e o Conde D'Eu. Mais uma vez foi executada
57

I
a ópera O Vagabundo. Representação, aliás, já comentada.
linhas acima.
Com o falecimento de Thiago H. Canongia, proprietário
da Lyra de Apollo, passou Mesquita a regente definitivo da
Emprêsa de J. Heller, em 1872. Curioso é notar os caprichos
do destino: J:i!esquita foi também nomeado, nesse período,
professor interino para a cadeira de Rudimentos de Harmonia
e Solfejo do Conservatório. Êsse ano, pelo que se depreende
dos acontecimentos, estava fadado a liquida:;_· com as dificul-
dades financeiras do con1positor brasileiro. E mais: A Mági-
ca 13 em 3 ates e 12 quadros intitulada Ali-Babá etc., cuja
e.'::tréia vinha sendo diflcultada por dispêndio vultoso, pôde f,
h•
finalmente, ser levada, em espetáculo público; a Emprêsa
enfatizou o montante colossal das despesas com a represen-
ts.ção faustosa que a peça necessg,riamente exigia. A letra
f
ele Eduardo Garrido foi muito elogiada e a primeira apresen- t
tacão ocorreu em 28 de setembro de 1872. Vinha também :;,
Hí "tfmgo ,. que, pelo visto, é o segundo na orden1 das
composições dêsse gênero, em nosso País. Êsse "tango" al-
cancou tal sucesso aue a.s eàitôras tiveram de 1nandar rea- i1
lizai: apressadamentê várias edições. A prova. disto está na.s r
repetições da peça, com pequenos intervalos durante cêrca !f:'
de trinta anos consecutivos. &
Teve aí o apogeu de sua carreira como com-
positor do povo, e pôde ajudar a muitos de seus colegas que
r
nunca deixararn de reconhece1· nêle essa aualidade de mentor
P c-nir;t, . . ..-.1 •
r
'. .:. •-..te.
Vemo-lo admirado por Chiquinha Gonzaga, homenagea- t-
do par Ernesto :t-raza.reth e sempre referido com os maiores
elogios pelos colegas de tôdas as categorias.

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58

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Grande sucéeuo ao Theatro da Pheab: Dramatiea !1l

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UM ACONTECIMENTO FELIZ
:li mane_ja:das mã?s - escreveu, em
segmmento, musicas mferna1s CUJOS t1tulos dão bem uma
O êxito da ópera Ali-Babá foi tal que permaneceu nos idéia do conteúdo das obras: A pera de Satanaz (1872) vam-
cartazes dos teatros até ao fim do ano de 1872. A partir dessa piro (1873) e Loteria do Diabo (1877). '
da.ta, Mesquita viu-se assoberbado com inúmeros afazeres pois Como é público e notório, Mesquita era um artista .sen-
acumulava os cargos de professor do Conservatório, e ensaia- sível e de inspiração criadora digna dos maiores encômios.
dor ào Teatro Phenix Dramática, além das atividades de com- Quando escreveu a pequena müsica para A pera de Satanaz
positor, e organista da Igreja de S. Pedro. Vemo-lo, no ano (quadrilha que foi editada pelo Lyra de Apollo, em maio de
àe 1873, regendo um 'Te-Deum, ao ar livre, para festejar a 1872), boato, no meio dos interessados nos efeitos má-
Padroeira de Copacabana. gicos, de que essa peça iria arruinar o compositor.
É nesse ano que Mesquita se impõe ao público do Rio de É claro que o mestre colocou-se eqüidistante dessas mes-
Janeiro, como compositor e regente, apresentando seus tra- quinhas murmurações, que apareciam circunscritas a certas
balhos mais recentes: A coroa ele Carlos Magno, Ali-Babá, áreas pertencentes a grupos interessados na propagação do
Vampiro e O Vagabundo. Nessa oportunidade dizia-se: bas- sentimento mágico. Porém uma coincidência inexplicável fêz
ta o nome de Mesquita para encher o Teatro Phenix Dramá- aumentar a credulidade pública, projetando o assunto, an-
tica. tes limitado a certas camadas menos cultas do Rio de Janei-
Todo o ano de 1374 passa sem apresentar novidades mu- ro, a outros setores evoluídos e de maneira evidente. A ver-
sica!s dignas de nota, porém já no ano seguinte Mesquita, I dade é que A pera de Satanaz colheu grandes louros, mas
continuando a.s non:.0as que vinha adotando, desde muito, k Mesquita sentiu a saúde inteiramente abalada e Thiago Hen-
escreveu uma obra ligeira de nome Cenas àa Escravi-dão, onde
apresentava a forma correta do Jongo dos prêtos. Nesse mes- i rique Canongia, regente do Teatro Phenix, e editor da refe-
rida música, não conseguiu sobrev.iver à terrível doença que
mo período escreveu, também, outra peça de caráter nacional o levou ao leito, e depois, à morte (1872).
O 'l'error dos Jesuítas, drama original brasileiro, onde fêz Os comentários, à sorrelfa, continuaram num crescendo
um cateretê autêntico, de nome: Quebra, quebra minha gen- misterioso, mas Mesquita n§.o deu demonstração de receio,
te, obra encenada pela Empré.sa do artista HeJler. pelo contrário, escreveu outra peça no mesmo sentido- Vam-
Observamo.s, com imparcialidade, que a ópera Ali-Babá piro - música oTiginal que saiu .impressa em outubro de
continuou sendo l'epre.sentada, pelo menos uma vez em cada 1873.
ano, de 1872 a 1375, e lVIesquita muito aplaudido até que, Pelo livro de atas do antigo Conservatório, nos anos de
em 1377, apresentou, no mês de maio, a mágica em 4 atas 1875 a 1876, vemos que Iv1esquita nessa, época era obrigado a
e I 7 quadtos denominada Lots·ria do Diabo. estB.r ausente da repartição, justamente quando se tratava
Apareceu, no Jornal elo Comércio do dia 12 daquele mês de um dos períodos mais importantes para a música: a reor-
e a.no, nosso rnaestro IVIesquita como Cavaleiro da Ordem ganização do Conservatório Musical. Vemos ali discutindo
üe S. Tiago. Entretanto, por mais que fizéssemos, não encon- o relevante problema, Callado, Bussmeyer, Derbilly, sem que
tramos documento lVIEsquita se pudesse manifestar a respeito da reforma aus-
no Rio de J·aneiro. algum sóbre essa infmmação generalizada piciosa.
Loter:;a do Diabo agradou tanto que já em outubro do Os murmúrios, a princípio disfarçados, acabaram che-
referido ano, contava com cinqüenta :representações. Desde gando ao conheelmento do artists.. E qual foi a reação de
aí começa a maior crise da história do teatro nacional. Mesquita?
i: Corílo resposta, a essas conversas de elites pequenas, es-
creveu A loteTia do Dia,bo e, em 12 de maio daquele ano, fêz
COINCIDENCIAS QUE GER.Al\-1 SUPERSTIÇõES representar a referida mágica que tinha 4 atas e 17 quadros.
O libreto era de Eduardo Garrido e Francisco Palha.
Até o popularíssimo compositor Francisco L. Silveira,
Houve uma fase na vida de l'viesquita, cm que zle, revol- aproveitou o ensejo para escrever a polca Provocante! O cer-
tado com certas situações eventuais, desagradáveis - que to é que A loteria do Diabo, que é do ano de 1877, já em ou-
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tubro havia sido representada 54 vêzes, seguidamente.

63

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li''Iii,. Nesse interrégno, o teatro Phenix Dramática enfrentou falecimento de Francisco Manuel da Silva, cujas reaLizações,
!ii• a mai.or crise econômica de sua história e Mesquita foi obrL no domínio da música social, não tivera substituto condigno.
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gado a abandonar temporàriamente o cargo de regente. as coisas passaram a descer de nível e cair ràpidainente ...
dj: As vêzes, ertt momentos de melhoras passageiras, ensaia- Mesquita encontrava-se em Paris (e muita correspondên-
va outras peças que seus auxiliares apresentavam nas exibL cia deve ter recebido do Brasil), mas longe estava de perce-
ções programadas. ber o que, de fato, ocorria em relação à arte nacional. Quan-
Quando, em 1879, a Revista Musical relatou as doenças do regressou à pátria em 1866, não tinha sequer uma ligeira
contínuas de Mesquita o fêz com certa ênfase que não deixa idéia do descalabro a que circunstâncias várias a haviam le-
de ser um toque na argúcia do investigador. vado. As polcas numerosas explicavam, melhor que qualquer
outro anúncio, a baderna generalizada, através de seus tí-
tulos caprichosamente escolhidos para sugerir a situação ém
O CRITÉRIO DA RELATIVIDADE que se encontrava a música na côrte .imperial: Capenga não
forma, Barrigudo não dança, Careca tem chinó, Corcunda
não perfila, etc.
O único critério, em matér.ia de arte, certo a nosso ver, O nível do teatro musicado, com ligeiras exceções, havia
é aquêle baseado na lógica estética. descido tanto que muitos achavam grande progresso em Offen-
Houve, porém, em todos os tempos, uma clara relativi- bach e nas manifestações do teatro lírico francês.
dade entre as culturas humanas e as concepções artísticas Mesquita não estaria atualizado se não compreendesse
contemporâneas .. ràpidamente essa situação e não cuidasse de acompanhar o
Quando em 1871, apareceu na Alemanha um folheto sô- gôsto da época. Assim se justifica a pressa em distribuir a
bre o projeto de construção do grande teatro destinado às quadrilha La brésilienne e mandar ao editor as polcas Minha
realizações operísticas de Wagner, era porque havia lugar Estrêla e Laura. Continuou, depois, atendendo aos pedidos
para êsse refinamento artístico. Mas a elevação do empre- das firmas, escrevendo quadrilhas como a Heróica, a Coquete,.
endimento custou muitos sacrifícios que não seriam cercados bem como a polca Virgínia.
de êxito não houvesse o País chegado a tão elevado grau A partir de 1869, com a vitór.ia brasileira à vista no sul,
de consciência coletiva. Mesmo assim, sàmente em 1878 o a Espanha começou a remeter pa.ra o Brasil um número cada
resultado do empreendímento pôde ser considerado anima- vez maior de canções que recebiam títulos vários, em razão
dor. de seu estilo inteiramente nôvo. Entre elas podemos desta-
Ora, nesse período de sete anos aqui referido - em que car El destino, La Paloma e O Chico. Parecia uma prepa.ra-
vemos a arte européia se acercar de um vfrtuosismo a ponto ção estudada do lançarp.ento, no Rio de Janeiro, das Zar-
de dar margem à superação do melodrama italiano pelo dra- zuelas espanholas. Mal terminou a guerra aparecE;)ram as pri-
ma lír.ico alemão -qual seria a verdadeira situação da mú- meiras Companhias dêsse tipo com obras sugestivas como O
sica na capital do Império do Brasil? Jovem Telêmaco. O assunto, apesar de velho entre nós, vinha
Pode1•íamos sintetizar nosso pensamento numa única agora renovado com músicas de José Rogel que, por sinal,
resposta: mais do que decadente, porque em plena. degrada- foram aqui modíficadas e adaptadas por Mesquita, o mesmo
çao
- ....
I sucedendo com o enrêdo, que foi totalmente modificado ao
Quando Mesquita deixou nosso País, em 1857, rumo à jeito brasileiro pelo famoso Eduardo Garrido.
Europa onde iria estudar no Conservatório de Paris, a situa- Mesquita, que viera da França cheio de ilusões, pensando
ção era bem diferente. Basta lembrar a estada entre nós talvez nas grandes óperas que assistira em Paris, con-
de um Thalberg, em 1855, Tamberlick La-grua e Casaloni, seguiu, sabe Deus como, ver encenado seu maior trabalho -
Em 1856. O Vagabundo. Escrevera óperas mágicas faustosas como Ali-
A partir de 1860, porém, com o falecimento de Giannini, Babá, A Ooro.a de Carlos Magno, mas o resultado de tais rea-
cujas atividades na Guanabara eram conhecidas até no Velho lizações .idealistas só serviram para agravar sua crise alian-
Mundo, onde apareceu como Empresário, a música foi cain- do-a à que lavrava no teatro popular, e demonstrar que suas
do progressivamente acompanhando o declínio das demais ati- obras estavam fora do interêsse das coletividades. Ninguém
vidades artísticas da metrópole. Cinco anos depois, com o mais pensava em simbolismos mágicos de heróis civi.li.zado-

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res! Todos conheciam os avanços da ciência e compreendiam A MúSICA NA CóRTE DE D. PEDRO II
que a quimera já não impressionava tão bem do mesmo modo
que as situações estudadas dos efeitos deslumbrantes! ...
Havia um desnível completo entre o gôsto das platéias e as Sendo a música uma arte essencialmente hmnana, não
realizações puramente artísticas. E não havendo, como não podia deixar de influir e ser ig·ualmente influenciada, nos vá-
havia, união entre os sentimentos do povo e dos artistas rios setores da vida social da elegante côrte de D. Pedro II.
mais famosos, as iniciativas operísticas começara,m a decli- Concorria para o desenvolvimento artístico da metró-
nar até que um dia ressurgiram com a apresentação de novas pole o prestígic diretamente dado à arte pela família impe-
oportunidades. Há dessas paradas necessárias, no correr do rial, com n•percussão favorável nos meios sociais.
tempo, que justificam, até certo ponto, a ponderação A razão dessa ocorrência é bem clara: necessidade de
ta dos gênios criadores! estimular as diversões públicas numa cidade onde a natureza
Foi numa fase assim da vida, quando tudo parecia cons- exuberante, aliada a um clima invejável, dava privilégios sem
pirar contra sua arte, que l\1:esquita v.irou as costas aos maus conta aos moradores, em flagrante contraste com as organi-
orientadores das atividades musicais, na côrte imperial, e foi zações governamentais que quase nada podiam oferecer para
viver em paz com sua consciência. Já aí podia agir dessa ma- distrair a população nas horas ociosas das longas noites tro-
neira porque não hav.ia incerteza no dia de amanhã ... Por- picais.
tanto, aquêles que escreveram, em sua simplicidade ferina, O Rio de Janeiro, por isso mesmo, tornou-se a cidade·
que Mesquita,. desilud!do de tantas tentativas, fôra para casa onde atôres e músicos estrangeiros encontravam fácil traba-
Eem mais pensar no teatro, se esqueceram do terrível dilema lho e lucros compensadores.
que êsse inspirado artista, homem de alma nobre e generosa, Temos assim, uma síntese do fato tantas vêzes observado
teve de enfrentar e resolver, antes de buscar, no o.stracismo, a relativo ao acolhimento dispensado, no Rio de Janeiro impe-
única resposta para as frustrações que durante mais de meio rial, aos artistas itinerantes. Com efeito, era raro - prova-o
século o perseguiam atrozmente. a história - o concertista famoso que visitasse o Brasil e
aqui não fixasse residência após convite formal do próprio
Não está perfeitamente esclarecido se Os Jesuíta·s, de monarca. Êsses virtuoses, deslumbrados pelas belezas natu-
José de Alencar (1875), tem alguma relação com a peça O rais do Rio e animados com o anoio moral da acolhida es-
terror dos Jesuítas que foi levada no Teatro Phenix Dramá- pontânea que aqui recebiam- dfretamente da população-
tica em 30 de julho de 1875, onde existem algumas peças ori- geralmente atendiam aos apelos do Imperador, dando após,
ginais de 1\riesquita. Todavia, temos certeza, Mesquita lera em troca, aos habitantes da Côrte, o que de melhor traziam
as seguintes do grande romancista cearense e as :li da velha Europa: expressão e técnica em primorosas inter-
a dotou .integralmente: pretações.
lp Dessa contingência cultural participaram diferentes ca-
"Se algum dia o historiador da nossa ainda nascente li- deias do pensamento humano, destacando-se entre variados
teratura, assinalando a decadência do Teatro Brasileiro, lem- grupos, três etnias de áreas geográficas diferentes: espanhóis,
brar-se de atribuí-la aos autores dramáticos, êste livro pro- franceses e alemães. Todos procuravam, a seu jeito, atrair
testará contra a acusação. A representação de Os Jesuítas é as simp3.tias e as atenções dêsse aglomerado humano multi-
a nossa plena justificação. Ela veio provar que o afastamento forme e ativista que reuresentava a Côrte do Rio de Janeiro.
dos autores dramáticos não é um egoísmo mas um banimen- Dois professôres alemães precisam ser citados nominal-
to. O charlatanismo expulsou a Arte do templo". mente por se haverem dedicado firmemente à arte musical
Se usando paradigmas, o pesquisador buscar um confron- do País. Foram êles Adolfo Maerch e Hugo Bussmeyer. O
to entre o que ocorria no teatro popular e na música brasL primeiro chegou ao Brasil em 1850 e mandou publicar, no
leira, no após guerra do Paraguai, acabará dando razão a Jornal do Comércio, o seguinte e curioso anúncio:
quem, cansado de lutar inutilmente, se resignou ante a im- "Professor chegado recentemente da Alemanha a esta
possibilidade material de continuar resistindo às contratações Côrte, se propõe lecionar. Ensina Composição, Canto e Piano
promovidas pela ignorância organizada e miséria resultante por método prático por meio do qual até meninos de pouca
do poder econômico dirigido contra o altruísmo artístico ... idade farão os mais rápidos progressos. Sua residência é no
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!1!: Castelo, em frente à igreja. Para maiores informes, na Casa era excelente músico, sobretudo prático, tomou conhecimen.
W' Laemmert, na Rua da Quitanda, 77 ".
:i to das músicas sugestivas em seus cantatas diretos com o
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{li.I
IIII
Nesse mesmo ano de 1850, preparava-se a cidade, com
desmedido esmêro, para seu divertimento preferido- o car-
povo. Selecionou vários temas nacionais que fêz incluir na
peça teatral aludida. Entretanto, apesar dessa feliz e opor-
naval (os já anunciavam "limões de cheiro" para en- tuna interferência êsses cantos pátrios desapareceram quase
trudo), quando surgiu violento surto de febre epidêmica. completamente de nossos arquivos públicos. Talvez, algum
Em aviso ao público, assinado pelo Dr. Duque Estrada, as dia, quem sabe, consiga-se descobrir alguns elementos dessa
autoridades reconhece.Jtam a gravidade do momento e a im- perdida composição através dos temas reincluídos na Fanta,..
prensa registrou o fato incluindo, para agravar a situação, sia sôbre motivos da A-mérica do Sul, pelo mesmo autor
notícias de alguns casos de peste. cutada em 1853.
O jovem professor de música Adolfo Maerch não se in-
timidou diante de tão grave crise, como f.izeram tantos artis- UMA NOITE NO CASTELO
tas coevos, muitos dos quais abandonàram precipitadamente
nosso País, mas, ao contrário, até modinhas brasileiras es- A partitura dessa ópera-cômica, em um ato, publicada
creveu, no afã de se integrar na alma da nacionalidade. E, em francês e português, não traz expressamente qualquer
não só isto, compôs até uma Fantasia sôbre o nosso Hino data elucidativa.
Nacional, que dedicou a Francisco Manuel, constituindo-se Consta de uma abertura, de árias, de estribilhos, coros,
o primeiro autor a escrever no gênero, precedendo nesse mis- duas, quartetos, melodrama, trios etc. (Edição de Paris Chou-
ter a Hugo Bussemeyer e Gotschalk, respectivamente. dens- Fere et Fils edités. Brésil Proprieté exclusive de MM.
Nesta altura, precisamos retroceder um pouco, até ao A. Narciso et Cia. Rio de Janeiro).
ano de 1848, para configurar mais objetivamente o que era, Sôbre essa partitura, a Revista Musical de 1879, diz em
em verdade, a música na Côrte imperial. Foi, nesse ano, que breve nota, o seguinte: "Une nuit au chateau ., - Aos ge-
os artistas nacionais imprimiram maior vigor às intenções nerosos esforços de Narciso José Pinto Braga, chefe da firma
nativistas, de que é fruto ímpar o Conservatório cuja sobre- Narciso & Cia. se deve a publicação, em Paris, desta obra do
vivência é mantida pela atual Escola de Música. Pode-se di- Sr. Mesquita. Não há no Rio de Janeiro quem não conheça
zer, sem evasivas, que existia uma verdadeira floração musi- o talento inspirado dêste compositor.
cal nesse período áureo em que os compositores eruditos da A música de Uma woite no Castelo é pura, Iímpida como
época, buscavam descobrir certas singularidades imanentes tôdas as composições dêste maestro, que com um pouco mais
nas danças dramáticas, notadamente entre as populações de estudo se teria colocado em primeiro plano.
mais humildes. Essas originalidades, desde logo identif.icadas Nêsse mesmo ano de 1879, essa ópera.cômica foi à cena
como exceções métricas, procediam de regiões longínquas, no festival em benefício de Mlle. Delmary, e repetida pelo
tendo por veículo principal as migrações, de que se fêz um- menos, cinco vêzes. É dessa época o material que existe em
bral a "chistosa e facêta Bahia ". nossa Escola onde as partes cavadas trazem a seguinte in-
Já em 1851, quando foi reaberto o Teatro S. Januário, dicação: "Uma noite no Castelo- Phenix Dramática- Em-
com a peça "O baiano na côrte" 19 tornaram-se ev.identes es- prêsa do artista Heller ".
sas tendências, na inclusão de trinta e duas músicas do can- Tudo isto vem provar que êsse trabalho de Mesquita é
cioneiro popular, as quais, arranjadas pelo maestro Francis- aquêle mesmo anunciado, no fim do ano de 1884, nos jornais
co Sá Noronha, demonstravam possuir inúmeros modismos diár.ios da metrópole: "Uma noite no Castelo - ópera cô-
que a grafia ainda confusa do tempo teimava em rejeitar. mica em um ato, libreto de Paulo Kock, tradução do francês
A ação dessa referida obra teatral, passava-se no Rio, da por Lino de Assunção, com música original de Mesquita".
época, constituindo-se o trabalho, em verdadeira revista de Depois de tôdas essas explicações, é possível esclarecer
costumes. O maestro Sá Noronha era português de nasci- que a ópera Uma noit.e no Castelo teve sua primeira represen-
mento, mas viera para o Brasil ainda infante tendo aqui se tação assegurada no Teatro Lírico Fluminense, no ano de
definitivamente. Suas atividades musicais no Rio 1870, e somente foi publicada (por interferência do editor
são referidas desde 1842, quando apresentou duas sinfonias Narciso) nove anos após sua estréia no Rio de Janeiro.
de sua composição, nos teatros da cidade. Sá Noronha que Quando o fato ocorreu O Mosquito, de maio daquele ano, pu-
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I
J
blicou os dados biográficos do compositor, os quais vinham
aí com a data corretamente explicada. Admira que depois
tEnha sido ela confundida a tal ponto de Cernicchiaro su-
primir, nada menos de dezoito anos. Na publicação aludida,
que existe na seção de obras raras da Biblioteca Nacional,
se dizia claramente que Mesquita havia nascido em 1830,
como os documentos vieram, a seguir, comprovar.
Eis, na íntegra, êsses dados esclarecedores:
'·Henr.ique Alves de Mesquita nasceu no Rio de Janeiro
em 15 de março de 1830. Dedicou os seus primeiros anos ao
estudo da música e de tal forma se desenvolveu nesta arte
o seu talento que, em pouco tempo, pôde apresentar-se mú-
sico excelente em mais de um auditório respeitável.
Escreveu a Missa de Paris, a ópera O Vagabundo, a Missa
de D. Pedro V, por ocasião das exéquias solenes "mandadas
celebrar pelo descanso eterno daquele rei tão amado". Hen-
rique Alves de Mesquita acaba de submeter à prova pública
uma nova composição que tem sido esplêndidamente vito-
riada: La nuit au chateau, libreto de Paul Kock represen-
tada, com satisfação, na noite de 30 de junho de 1870, no
Lírico Fluminense".
Conclui-se de tudo, que a ópera cômica referida nada tem
de comum com o Noivado em Paquetá, que foi escrita preci-
samente treze anos antes. Estão enganados redondamente os
que afirmam que Uma noite no Castelo é tradução daquela
ópera.

"" "Ao talento mais original, à organização musical mais


completa que possui o Brasil".
Ao popular maestro enviamos daqui uma saudação de
respeito e admiração pelo seu enorme talento. Enquan-
to o Brasil aplaudir talentos como o de Mesquita e de
Gomes será um País".
O Besouro, 1878

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1
TRANSFORMAÇÃO, DESAPARECIMENTO E RETORNO DO a palavra modinha, era tão comum que Machado de
LUNDU URBANO AsSis a repete em suas Cronicas, sempre que tem de falar
da música nacional indeterminada ou de forma imprecisa.
A respeito dos sinos musicais, que exístiam na Côrte diz
O lundu, tal como aparece no início do século XIX, já textualmente: "Hontem, ao passar pela igreja, ouvi um
não existia após a Independência. Essa conclusão baseia-se tango ou fadinho; não sei bem que era; mas realmente era
no precioso documentário que constitui a obra O Rio de Ja- coisa patusca!" (Crônicas, pág. 268).
neim como é - 1824-1826. Vem à página 142 o seguinte: Já havíamos notado que o grande autor chamara o sam-
"A inconstância do negro deixa-o gozar o que o momento ba apresentado em 1878 no Skating-Rink, de fadinho de um-
lhe propicia, sem cuidados sôbre o futuro. Sua dança pre- bigadas, demonstrando assim a generalização do têrmo por-
dileta é o fado e consiste num movimento trêmulo do corpo tuguês.
que suavemente embalado exprime os sentimentos sensuais Quando nossos artistas começaram a buscar motivacões
de um modo tão natural como indecente. São tão encanta- para a campanha da libertação dos escravos, nada melhor
doras as posições dessa dança que muitas vêzes os dançari- acharam do que a volta ao lundu do início do século XIX. A
nos europeus as imitam no teatro S. Pedro de Alcântara". porta· aberta, para essa incursão ao passado, encontraram-na
Dá-nos a idéia de uma interpretação das conhecidíssimas na polca, que tendo o mesmo compasso, estava em evidente
pranchas de Debret (1816-1831) onde existem dois lundus degradação. Assim surgiram, notadamente na década que vai
de brancos e de mulatos- danças de pares soltos, picaresca, de 1870 a 1880, alguns lundus que marcam a fase de retôrno
semelhante à dos ciganos. Não faltam sequer as respectivas ao gênero -adotado anteriormente.
castanholas. A polca-lundu passou a ser a principal peça do repertó-
Entretanto alguns autores cultos não deixaram que o rio popular tendo recebido a colaboração inestimável do flau-
lundu desaparecesse completamente. Um espécime dêsse tipo tista brasileiro Joaquim Antônio da Silva Callado (Júnior).
foi salvo pela diligência de Pierre Laforge:, editor-de origem Não fôsse essa contr.ibuição erudita e o ensejo da campanha
francesa. Trata-se do "lundum" L.á no Largo da Sé da au- que precedeu à lei áurea, o lundu seria hoje simples obra de
tor.ia de Cândido Inácio da Silva, com letra do discípulo de referência histórica.
Debret, Araujo Pôrto Alegre. O grande mal causado ao lundu foi entretanto, a atuação
A partir do momento porém, em que apareceu, por in- de artistas estrangeiros que nada conheciam da obra e que,
fluência ainda da colônia francesa, a dança lundu du mon lí mesmo assim, o incluíram em suas atividades teatrais. O

'
roy, isto é, desde abril de 1839, o verdadeiro lundu dramático, lundu A Mulatinha dJo caroço no pescoço - mera cançoneta
entrou em pleno declínio nas mãos de curiosos e diletantes. francesa em língua nacional - foi o sucesso de várias atri-
Em pouco tempo estava completamente desnivelado e, pior ir zes do teatro popular. Essa obra, possível de ser revivida, por
do que isto, confundido com a cl:i.nçoneta f se encontrar no Trovador (pág. 50) não tem entretanto, fina-
francesa, pela identidade maliciosa dos versos, leveza do can- lidade artística, deixando, por isso mesmo, de ser aqui exa-
:
to dialogado e das sátiras velhacas. minada.
Nossos arquivos estão cheios de peças denominadas Zun-
dus que, na realidade, fogem do estilo dêsse gênero musical SUPREMACIA DAS DANÇAS DE SALÃO
brasileiro. E as deformações estilísticas, geradas pelo acúmu-
lo de obras típicas oriundas de várias regiões do País, em
pleno estágio na Côrte do Rio de Janeiro, chegaram a tal É mister iniciar êste capítulo informàndo, de maneira
ponto que até autores nacionais se viram conturbados sem dara e precisa, o que significa a expressão dança programá-
saber designar corretamente suas obras características. Na tica.
falta de orientação melhor, os músicos começaram a adotar Não é, propriamente falando, música, para ser dançada,
a designação de fado que era geral entre nós, desde a trans- mas destinada a sugerir pares entregues às evoluções de um
migração da família real. bailado. Todavia, essa síntese não exclui outros aspectos de
Essa propensão para nomear nossa música popular, in- relevante importância que estejam expressos no texto-progra-
distintamente de fado, como em algum tempo se fêz com :rna.
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I
Êsse tipo de música tem relação íntima com certos fa- de se lhe oferecesse, _até _como meio de esque-
tôres psicológicos da arte: através de determinadas fórmulas cer o pengo Iminente. Era, er11 razao disto, que funcionavam.
rítmicas, regularidades, passagens evocativas, estilos carac- dià.riamente, dois ou mais teatros no centro da cidade (quase
Ü::lísticos, acompanhamentos dançantes, o compositor erudito sempre sob a direção de companhias estrangeiras), além dos
evoca circunstâncias relacionadas com um ambiente popular bailes familiares, dos saraus e das "partidas".
onde a animação se reflete na alegria de convivas enieva- A polca veio para o Brasil fazer dançar, livre e coletiva-
dos e eufóricos. Escalas ascendentes entrecortadas por no- mente, ajudando no processo já lançado no País, pela Vals.a
tas expressivas esteriotipad.as e, logo a seguir, repetidas den- pulada e pelo galope infernal.
tro da quadratura e métrica obstinadas lembram pares que uma novidade absorvente, trazia a polca: fazia levantar
se movimentam em tôdas as direções na exuberância de fi- a perna numa ginástica que aguçava a curiosidade dos as-
sionomias risonhas ... sistentes. Era, além de tudo, uma reação contra as danças
Tal era a concepção de maestros obrigados a compor pe- palacianas de outrora, do tipo minueto da Côrte_ Teve ela
ças ligeiras para atender às exigências de editôres ganancio- a glória de servir, no País, para a emancipação da mulher
sos. Não poàe ter sido outra a intenção de Mesquita ao es- que vivia insulada no lar, furtivamente bafejada pelos en-
crever polcas de concêrto tais como Cm·los Gomes, Camões levos do minueto galante.
e outras.
O gênero ligeh·o, principalmente o das danças de salão,
nas atividades de um Mesquita, tinha qualquer coisa de im- CARACTERíSTICAS MUSICAIS
posição ec<mômica que se justifica pela necessidade de aten-
der a encomendas insistentes. Quem se não conformasse
com a .situação de fato, cairia no ostracismo para não mais Inicialmente diremos que a música sendo, ao mesmo
encontrar trabalho profissional. Entretanto, n1esmo nesse tempo, arte e ciência, é representada por uma linguagem sim-
estilo ingrato a que quase todos os brasileiros foram levados, bólica de caráter internacional. Pode, perfeitamente, ser sub-
as peças de Mesquita destacam-se pela originalidade, singe- metida a rigorosa análise através de seus elementos essen-
leza do canto e da literatura p.ianística empreg-ada. ciais: ritmo, melodia e harmonia.
O gôsto da época, pela dança vinda da Boêmia, era tal :í!:stes coeficientes musicais formam conteúdos que vão
que as próprias óperas, para obterem sucesso indiscutível, dar ensejo a outro grupo cultural, também tripartível, não
traziam polcas (como número avulso) que eram dançadas menos importantes: forma, gênero e estilo.
pelos grandes agrupamentos de coristas e bailarinos profis- O bilateralismo, representado por componentes ,ideográ-
sionais. ficos, importante do ponto de vista da pesquisa, pois ser-
É possível comprovar-se que o gôsto pelas quadrilhas não virá para uma aferição dos elementos, desde que se possa
ficava atrás nessa estimativa. Era hábito a ,introdução de delinear, com objetividade e síntese, dados positivos daquilo
quadr.ilhas nas operetas para fazer dançar sumidades da ca- que se possa chamar "música brasileira".
tegoria de uma Arsene Charton. Para isto teremos de partir, para outro
Quanto ao aspecto musical teve a polca, no Rio de Ja-- setor mais recente da arte: o nacionalismo musical.
neiro, e, de resto todo o País, imensa repercussão; não No caso particular do Brasil, o assunto é levado imedia-
diríamos pràpriamente que seu conteúdo estético fôsse, des- tamente para os chamados exotismos rítmicos. Estamos, já
de o início, sumamente elevado; menos ainda que se desta- aí, num plano estético que congloba três novos fatôres exe-
casse como obra feita para o espír.ito, porém, isto é certo, géticos: acentos rítmicos, acentos métricos e acentos patéti-
muito contribuiu como elemento útil para as finalidades re-- cos. Não foi difícil, diante de tais premissas, comprovar que
creativas a que se destinava, na Côrte de D. Pedro II.
O povo carioca, pode-se dizer, num estilo ameno, vivia: nossa música se caracterizou, inicialmente, utilizando estra-
sufocado entre morros e, além disto, sujeito a perder a vida nhesas que consistiam na substituição obstinada, dos acentos
a qualquer momento pelas constantes epidemias que grassa- rítmicos- de caráter universal - por acentos métricos de
vam repentinamente, dizimando parte da população. LOgi- caráter local -pretendendo assim, estabelecer normas fixas
camente êsse povo aceitava, de bom grado, qualquer espécie de interêsse estilístico. Trazia, como contribuição recente,
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j
:agrupamentos estésicos iterativos, isto é, síncopes regulares além disso, agravado pelas condições mesolóO"icas inerentes:
sugerindo belezas que, ao mesmo tempo, insistiam no fator a cada região do planêta. o
repetição.
E;>s_a argu:n:entaç,ã<? à tese _de_ que têm origem
Nossa música, é preciso destacar, foi, no início, rigorosa- idiomatlca (e nao ataviCa) as s1ncopes ms1stentes de nossa
mente prosódica; vale dizer: surgiu como música cantada mÚSica característica.
onde necessàriamente existe preponderância da inflexão ver- Quase todos os ritmos de nossos -versos, quando subme-
bal. O som é elemento coadjuvante e os acentos coincidem, tidos ao compasso binário simples (em uso no cancioneiro na-
para haver coesão, entre a idéia e a melodia que daí deve ne- cional), fornecem fórmulas equivalentes a grupos em sínco-
cessàriamente resultar. pes inacentuadas. Verifique-se que existe correlação métri-
Entretanto apesar de encontrar-se nessa síncope regular, ca entre uma palavra trissilábica e duas constituídas por
principalmente na clássica, a base de nosso nacionalismo mu- monossílabos seguidos de dissílabos. É o que se pode cons-
sical, foi justamente essa fôrça coercitiva, exercid8.1 através tatar na generalidade de nossas poesias populares.
do ensino oficial, que retardou, por muito tempo a eclosão É um engano lamentável procurar-se uma forma de mú-
.do movimento brasileiro, atualmente vitorioso. sica brasileira. Pode quando muito haver alguma variedade
Vejamos como o chamado exotismo (acentuação contrá- nas formas usuais. Formas, estruturas, em tôdas as nossas
ria à lei rítmica universal), surgiu entre os músicos eruditos obras musicais são feitas com as mesmas disposições morfo-
brasileiros dentre os qua.is se incluía Mesquita: lógicas da música universal.
Outro ângulo do problema da música brasileira, reside
1.0 - constituía grave êrro, no século passado. deixar nos modismos que, apesar de se encontrarem diversamente
de acentuar a nota sincopada; divulgados, não podem ser submetidos a uma rigorosa aná-
2.o - os acentos tônicos dos têrmos paroxítonos não se lise crítica. São acontecimentos que existem em outras mú-
coadunavam com essa lei geral; sicas nacionais porém que aqui são empregados de maneira
s.o - era preciso achar um meio de contentar as duas particular. Nos referimos aos acentos expressivos oriundos
correntes. das modinhas sentimentais. O fenômeno é, porém, priva-
tivo de comunidades que- se fixaram em regiões onde a na-
Vem, para a área das explorações técnicas, o problema tureza do clima e as condições humanas determinaram um
das exceções: seria possível resolver o .impasse empregando certo insulamento populacional. O violão é um dos maiores
grupos em quiálteras? Verificou-se depois que essa alterna- responsáveis por êsses acentos de marcada tendência har-
tiva tão bem apresentada não correspondia às necessidades mônica.
da música prosódica. Em muitos as palavras dos ver- Nessas modinhas acompanhadas de ouvido (heterofonia)
sos iam ficando deturpadas por essa aplicação de quiálteras os modismos nativistas procuram a simetria acompanhando
generalizadas. a metrificação dos versos líricos.
Os músicos populares que estavam fora da contenda re- Depois dessas considerações oportunas, podemos voltar
solveram ignorar as discussões dos mestres e continuaram à música brasileira e justificar a tese de que ela tem mar-
a escrever suas síncopes onde não se exigia o acento obri- cada influência na concatenação da poesia musicada. Te-
gatório. A celeuma foi grande mas venceram finalmente os mos dêsse acontecimento: idéias, substratos, tradicionalis-
que empregavam a lógica e raciocinavam assim: não pode mos, tudo de procedências várias, elementos êsses que puri-
haver lei para contrariar as tendência lingüísticas das popu- ficados na prática por meio da crítica instintiva, possibili-
lações. O acento brasileiro era diferente porque sua língua taram aos artistas, a identificação de imagens, evanescentes
também o era. de trechos cantados, que puderam depois, ser ideografados
Mesquita foi pois, um pioneiro dessa norma de bom sen- com os símbolos da notação musical.
so: aceitou e escreveu muitas músicas nacionais em que o :í!:sses subsídios da música cantada passaram assim a
acento tônico não deve existir obrigatoriamente nas síncopes esfera dos estilos, inicialmente na literatura pianística, para
reiteradas. logo a seguir, se projetarem nos agrupamentos orquestrais
A música cantada está condicionada a determinados nro- onde os denominados Choros cariocas, eram os mais singu-
cessos, e, não raro, ao fenômeno fisiológico do sotaque qtie é, lares, em razão de sua requintada execução.
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Muitos são os que pretendem ver nessas a que maior interêsse despertava nos auditórios do Rio de
-contribuições atávicas seja do negro seja do indígena. A evL Janeiro. Tal era a influência espanhola que temos a. impres.
dência nega tal especulação: é muito difícil um juízo equâ. são de que algo estava sendo feito, com propósito definido,
nime a respeito dessa questão, num País onde, desde o sé. para a apresentação, com sucesso dos propalados bufos eu-
culo XVI, se vêm amalgamando, em tantas glebas distintas, ropeus. E foi no meio dêsses cómicos que surgiu o tango como
indivíduos de procedências várias. título de uma música dramática. Tinha ela o seguinte nome:
Como os fatos musicais apenas sugerem idéias, sem re- Tango Chanson Avanaise de M. Lucien Boucquet.2D Não
tratar com fidelidade linhas positivas, é claro que um acon- está bem ciaro se êsse personagem havia composto o tanao
tecimento, um fato primitivo, uma simples onomatopéia, po. ou se ap_enas arranjado de música conhecida, 'pois mal saiu
dem ser expressos por meio do fenômeno dos exotismos, como -o primeiro anúncio conforme nossa citação, foi publicada
no caso da síncope irregular e das antecipações abstrusas. outra matéria paga onde se dizia que a obra era ·i.ranscrita
Equivale dizer, que essas ocorrências, tanto podem lembrar para piano por F. Crose, nome êste inteiramente desconhe-
um batuque de roda, dos negros, como uma pocema de guerra cido no Brasil. A partir dessa transcrição não se falou mais
ou um porat:é indígena. Não têm, essas insinuações, fixação em Mr. Lucien Boucquet, coisa que vem aumentar nossas
no tempo e no espaço, restando como fatos independentes suspeitas de que êle apenas adaptara algum tema conhecido
do raciocínio. Podem, pois, ensejar i:rrtagens atávicas, usan. na época.
i ças, práticas de cerimonial, etc. Perdem destarte, o mérito Com o recrudescimento da guerra do Paraguai, os mú-
consentâneo e amplo como acontecimento relacionado com sicos metropolitanos, como a própria imprensa, mudaram
o nacionalismo musical brasileiro. completamente de orientação, passando da arte refinada aos
assuntos mais do gôsto do povo, notadamente os que se Te-
lacionavam com os fatos heróicos. Porém o espírito da po-
EVOLUÇÃO DO TANGO BRASILEIRO pulação carioca era muito volúvel para dedicar-se com tan-
ta seriedade, e durante tanto tempo, de coisas realmente se-
veras. Por isso mesmo as Bandas de Música dos batalhões
Começamos por informar que o tango br-asileiro é ante- de voluntários passaram a executar obras vindas justamente
rior ao argentino. Carlos Vega autoridade indiscutível no do teatro das operações, como motivação para alegrar as
assunto, diz em seu livro Danças e Cangões Argentinas, pá- massas populares, nas suas horas ociosas.
gina 239, o seguinte: "Aquêles tangos andaluzes populare.s Em 1866, (há mais de um século), foi apresentada, no
e inéditos, os primitivos, de 1870 a 1880, se cultivaram na Rio de Janeiro, a célebre música La Paloma, do compositor
Argentina com a mesma intenção que os da Andalúcia. E espanhol S. Yradi.er, que talvez tenha passado despercebida,
adiante: o mais antigo tango que encontro é o de nome Bue- nessa época, necessàriamente por se tratar de música evo-
nos Aires, de 1880 ". cativa do sentimento espanhol, muito do agrado dos conten-
Como contribuição à história do tango, gênero ligeiro, dores do Brasil no Sul do Continente. Pois bem, em 1871,
nossa informação é de cunho específ.ico: o nome havaneira precisamente cinco anos após a chegada de La Paloma, uma
apareceu, pela primeira vez no Brasil, em 13 de novembro Companhia de Zarzuelas Espanholas estréia, no Rio, com a
de 1851, conforme se pode ver no Cm·reio Mercantil daquele peça O Jovem Telêmaco. Essa obra que era musicada por
mês e ano. Mas é preciso esclarecer, desde logo, que essa José Rogel havia sido influenciada pelos bufos parisienses.
havaneira referida era uma valsinha no estilo espanhol e É mister frisar que essa composição serviu para inaugurar
não um tipo de música particular. A chegada simultânea em Madrid o gênero dos bufos parisienses. Note-se, além do
dessa obra e da Schottish, valsa brilhante da Rainha V:itória mais, a persistência do têrmo tango ligado ao assunto Telê-
(assunto de que voltaremos a tratar adiante), deu como re- maco na Ilha de Calipso que, segundo Varnhagen é obra
sultado positivo, o arquivamento da peça latino-americana. •de Antônio José - O Judeu (Florilégio da Poes.ia Brasileira,
Porém em 1?.63, oito anos depois, portanto, reaparece no pág. 257, Rio, 1850).
teatro francês, grande número de obras do repertório espa- Voltando a José Rogel, diremos que êle não adotou o
nhol, notando-se entre muitas novidades, as havaneiras, pe- ·nome genérico de tango, mas de habatnera. 21 Daí não cons-
ruviennes e o famoso Chico-Quendo. Era esta última obra .tar em espanhol o título aludido. Aqui em nosso País é que
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habaneira espanhola, apareceu no Brasil com a obra deno-


o fato se deu: foi obra de Mesquita e Eduardo Garrido para. minada Dama das flôres, trazida do Sul, ao terminar a guer.
a verdadeira adaptação do Jovem TelêmG!Co ao gôsto da pla- ra. No Rio de Janeiro a peça foi editada como habanera pa-
téia carioca. A peça, segundo os anúncios dos jornais diários, raguaya (1871).
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foi totalmente refundida pelos dois artistas brasileiros aci- Fato digno de nota, como referência histórica foi a ho-
ma indicados. Como o fato sucedeu é fácil rememorar: essa menagem a Mesquita, prestada por Emesto Nazareih quan-
habanera de Rogel era semelhante às levadas no teatro fran- do escreveu seu Tango Brasileiro Mesquitinha. Vem na edi-
cês, por influência de Mr. Lucien Boucquet, quando ali se ção de E. Bevilacqua a seguinte, e expressiva dedicatória:
encenou a peça L'ilhe du Calipso, em 1863. Somente assim ..A memória do grande maestro Henrique A. Mesquita". :€
justifica-se a substituição, no Brasil, do nome habanera por oportuno destacar que essa lembrança de Nazareth veio a
;:· tango dto Calipso e do Telêmaco, conforme fêz Eduardo Gar- propósito da insistência com que alguns escribas, em 1914,
!,
rido ou Mesquita. procuravam modificar o têrmo tango porque o julgavam
i·::! privativo do povo argentino. Nazareth baseara sua estética
I•;
A CRIAÇAO DO TANGO BRASILEIRO É OBRA DE nas observações de seu ilustre orientador amigo, mestre e
MESQUITA companheiro mais velho - o Maestro Mesquita, verdadeiro
criador do tango brasileiro, de que Nazareth foi o sistemati-
O gênero musical denominado tango foi uma das muitas sador a-enial.
iniciativas de Henrique Alves de Mesquita.
Vejamos, em linhas gerais, a razão de tal acontecimento:
aqui no Brasil, notadamente no Rio de .Janeiro e circunvL
zinhanças, continuara sendo cantado e contado o velho as-
sunto do tango-lo-mango da época da colonização.*
No século passado um dos bufos franceses de nome Lu-
cien Boucquet divulgou uma música que denominou de
Tango. Porém aí não se tratava de um gênero, senão do tí-
tulo de peça ligeira, hoje totalmente esquecida. A referida
composição foi anunciada no Jornal do Comércio da seguinte
maneira - "Tango Chanson havanaise de L. Boucquet,
transcr.ita por F. de Crase, op. 118, Editôra Salmon, sucessor
de Laforge ".
Logo a seguir a firma tentou inutilmente despertar o in-
terêsse do público para a canção de Boucquet. O assunto
desapareceu inteiramente a partir do ano de 1864.
Como se vê, alélT.! dessa obra não ter tido repercussão no
meio musical, tinha ão "tango" apenas a sugestão.
Muito tempo depois, Mesquita já de regresso à pátria,
adota o têrmo tango para designar certas peças caracterís-
ticas muito assemelhadas às habaneras que estavam inundan.
do o País, desde 1866 (El arreglito, La Paloma, etc.).
Em novembro de 1871, saiu o primeiro tango brasileiro
criação de Mesquita; tinha o sugestivo nome de Olhos ma-
tadores. Êsse tipo de música ligeira, um pouco diferente da

• cancionero Musical Espano! de los Siglos XV y XVI


Francisco Asenjo Barbieri
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III - EMBATE E ADVERSIDADF.


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Quando voarem minhas esperanças


,p: Como um bando de pombas fugitivas:
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!ii;' E destas ilusões doces e vivas
Só me restarem pálidas lembranças;

Quando assim seja, por teus olhos juro,


Voto minh'alma à escura soledade,
Sem procurar melhor felicidade,
E sem ambicionar prazer mais puro.

Crysálidas - Machado de Assis, 1864.


FALSA SUPOSIÇÃO

(A Princesa Flor de Maio nada tem de Mesquita)

Foi muito difícil identificar a fonte de informações em


que se baseou Souza Bastos para, em 1898, no seu livro Car-
teira de Artista, atribuir a Mesquita a composição da mági-
ca A Princesa Flor de Maio. Pensando no respeito que tal
obra nos merece e também no valor informativo de trabalhos
como êsse do século XIX, fizemos uma busca. minuciosa para
esclarecer tão palpitante quão complexo assunto. Já ali ha-
víamos encontrado um engano lamentável sôbre Mesquita e
suas atividades à frente do Teatro Phenix Dramática: o
maestro passou a dirigir o conjunto em 1872 e não em 1869,
como diz o grande escritor brasileiro.
Pois bem, a Princesa Flor de Maio grande mágica em
3 atas e 15 quadros- obra de Eduardo Garrido e J. A. de
Oliveira - teve sua estréia marcada para o dia 16, mas o
fato sàmente ocorreu dois dias após, isto é, em 18 de ou-
tubro de 1871, em razão de um pequeno acidente sofrido
pela atriz Eugênia c;imara num dos últimos ensaios da peça
acima referida. As publicações mandadas à imprensa diária
aludiam à presença nos ensaios, do regente Canongia, e
a..."'Sim permaneceu o seu nome no cartaz até o dia da pri-
meira representação. Porém o nome dêsse artista foi abrup-
tamente suprimido, sem qualquer explicação, a seu nume-
roso público. E, já em maio de 1872, a Lyra d'Apollo passa-
va a ser dirigida pela viúva Canongia sem jamais encontrar-
mos publicada a notícia do falecimento do conhecido pro-
prietário. Estava grassando a terrível febre amãrela tendo,
f nessa ocasião também falecido (março de 1872), o famoso
músico e professor Eleutér.io Feliciano de Sena.
No momento em que se representava a P1inces.a Flbr de
Maio, Mesquita era homenageado com um festival em seu
benefício pela companhia italiana sob a regência do maes-
tro M. A. Agostini. :íi:ste excelente músico chamou Mesquita
i pa.ra assistir ao ensaio geral e dar sua preciosa opinião sôbre
85

I
o assunto fato que foi objeto de anúncio da imprensa espe- nos bailes do carnaval sob a regência da contrabaixista e
cializada. Por incrível que pareça, êsse grande diretor de orquestrador D. Juan Caneppa, que viera ao Brasil em 1871
orquestra faleceu também, vít.ima da epidemia, em julho de e aqui se radicara. No Phenix regeu o maestro Mes-
1874. quita outra orquestra tambem composta de excelentes exe-
cutores. Entre as peças mais aplaudidas no carnaval dêsse
EXCURSÃO ARTíSTICA ano de 1877 destacou-se a polca Atra-ente de Chiquinha Gon-
zaga, que era uma admiradora .incondicional do maestro
Mesquita. Em maio dêsse ano foi levada a peça má-
No mês de setembro de 1876, a Emprêsa do artista Heller gica em 4 atas e 17 quadros, "Loteria do Diabo,23 música ori-
deslocou-se para a cidade de S. Paulo com todo o seu con- ginal do cavaleiro maestro Henrique Alves de Mesquita".
ceituado elenco. No início do ano, chuvas torrenciais agravaram as já
Mesquita, diretor da Orquestra, arregimentou os melho- precárias atividades artísticas da metrópole e Mesquita, em
res executores existentes na capital do Império. Os motivos abril, por motivo de enfermidade, foi obrigado a se ausen-
da excursão, apesar de arguído com insistência, não foram tar do Teatro Phenix Dramática.
suficientemente esclarecidos. Talvez não passasse de mera Com as sêcas do Nordeste, o Rio de Janeiro foi invadido
necessidade cultural, mas não se despreza a hipótese das di- por enorme contingente de flagelados, aumentando assim as
ficuldades econômicas em que se encontrava o teatro po- dificuldades que as autoridades vinharn encontrando para
pular do Rio de Janeiro. Como quer que fôsse o certo é socorrer os necessitados.
que a Emprêsa do Teatro Phenix Dramática, do Rio de Ja- Vejamos como Machado de sempre tão bem infor-
neiro, deslocou-se para São Paulo, no fim do ano de 1876, e mado, e justo no analisar, comenta a situação do nosso com-
ali permaneceu representando diàriamente cêrca de dois positor e regente:
meses. 22 "Enquanto morre um padre, ressuscita um artista.
A Tribuna Liberal, jornal bandeirante fêz a cobertura U Mesquita, obteve nesta semana uma esplêndida
total do empreendimento. Observamos ali que, de tôdas as manifestação do pessoal do Phenix, a que se asso-
obras representadas, a que mais agradou ao público paulis- ciou o público. Trazem os jornais a narração des-
ta foi, sem dúvida, a ópera mágica Ali-Babá, que teve nada sa homenagem ao talentoso regente da orquestra,
menos que cinco representações, quase consecutivas. cujos dotes de compositor há longos anos merece
Entre os grandes músicos que acompanharam a orques- a estima e o aplauso do povo fluminense. 23 -A O
tra de Mesquita, destacamos o Viriato que se exibiu em rP.- Mesquita estêve às portas da morte; padeceu lon-
cita extraordinária, sob a regência de Mesquita, tendo a co- gamente, mas triunfou, enfim, não quis deixar tão
laboração de dois eminentes músicos da capital de S. Paulo: cedo a sala da vida, onde é de desejar se demore
L. Levy (piano) e Canongia (violino), homônimo do editor longos anos. Era tempo de dizer muita coisa do
carioca. talento do Mesquita, das suas finas qualidades de
Concluindo. diremos que a Emprêsa do artista Heller, compositor, se o espaço me não estivesse a fugir
no interregno de sua estada em S. Paulo, representou dià- debaixo da pena e no mostrador do relógio". ( Crô-
riamente perfazendo um total de trinta espetáculos. nicas, 4.o vol. pág. 169 - Machado de Assis)

Depois dessa enfermidade realmente perigosa, Mesquita


UM COMPASSO DE ESPERA reanimado, tentou voltar às suas antigas funções no Teatro
Phenix, tendo, porém, de recolher-se ao leito por não estar
ainda completamente restabelecido. Quem nos dá a entender
Ao regressar de S. Paulo a Emprêsa do Teatro Phenix -essa situação é a Revista Musical do fim do ano de 1879,
encontrou o Rio de Janeiro em crise ainda mais acentuada. quando registra o seguinte:
No ano de 1877, foi publicada uma relação dos principais
músicos que atuaram em S. Paulo, quase todos pertencentes "'H. Alves de Mesquita. Tem sentido algumas me-
,à orquestra de Gravenstein. Essa orquestra também atuou, lhoras êste distinto maestro brasileiro, que há dias

86 87

1
tornou a ser vítima dos seus últimos padecimen- o autor de tantas obras populares, queridas dos cario-
tos. Os nossos votos pelo pronto restabelecimento cas, F. L. Silveir!;t, que havia a Provocante, chegara
de tão digna pessoa, tão necessária à sua família ao fim de seus dias, mas a Mesquita não restava mais âni-
como á pátria". (Rio, 18 de janeiro de 1879L mo para retrucar musicalmente, completando o quadrívium
internal.
Em 1883, Heller, que era um espírito iluminado e pare-
OCASO E NAO DESCASO cia talhado pela natureza para dirigir o Phenix, fêz repre-
sentar a peça A Mascote que foi "ensaiada a capricho" pelo
maestro Mesquita. Veio o Bocácio e o resultado foi o mes-
Um sentimento profundo apoderou-se do maestro Mes- mo: queda financeira! ...
Ainda uma vez a voz do destino: quando os alicerces
quita quando, em 1879, v.iu todos os seus colegas do Conser- estão abalados, e existe .infiltração, não pode haver resistên-
vatório condecorados com o hábito da Rosa e seu nome su-
primido propositadamente da relação oficial. :í!:sse ressen- cia material; virá fatalmente o desabamento! ...
Heller recorre então ao prestígio jamais negado do atar
timento nunca lhe saiu da lembrança pois reaparecia, em e flautista Vasques e ambos, reunidos ao Dr. Augusto de
sua clara visão, com a obstinação do Monarca em lhe não Castro, tiveram uma idéia salvadora: seguir o gôsto da atua-
perdoar antiga ocorrência quandC' estudava em Paris. D. Pe- lidade. Resolveram representar uma peça do gênero das re-
dro II. ostensivamente, deixava de comparecer às realizações vistas, O ]j!forro do Nheco, onde o 4:0 quadro era, nada mais
promovidas por Mesouit a, mesmo quando circunstândas so- nada msno.s, que o discutido Maxixe, da Cidade Nova.
ciais e filantrópicas aconselhavam a que tivesse. com P.le uma A propósito dessa dança, aproveitamos o ensejo para di-
atitude mais conciliatória. Em algumas ocasiões, tais como vulgar um documento inédito e autógrafo do eminente es-
as representações de sua célebre ópera O Vagabundo por critor brasileiro - Joaquim Ribeiro, que o deixou em nosso
companhias estrangeiras o Imperador se fêz representar por
sua filha e genro- Princesa Isabel e Conde d'Eu- jamais arquivo particular:
comparecendo pessoalmente. "É um habitudismo verbal nomear danças com ba-
Essa mágua foi avivada e reativada quando Mesquita tismos de animais: pa.v.ana (de pavo) , pé de chi-
viu que, como artista, estava ficando só no mundo. Sentiu bau (do provençal : pie de chivau) , (de
de perto o que era a saudade de amigos como Callado e fax, rapôsa), cururu (sapo), calangro (lagarto).
Reichert, que tanto o acatavam e auxiliavam nas realizações É possível que maxixe, nome de dança, dança, aliás,
de elevado índice cultural. Foi também, em 1881, seu velho violenta, esteja por machiche (dança do macho).
companheiro nas composições nacionais, Francisco de Sá Macho em linguagem popular é sinônimo ãe mulo.
Noronha que, embora português de nascimento, era o maior A grafia preferível nesse caso, deve ser machiche
incentivador das tendências da música característica bra- (dança) distinta de maxixe (planta),..
sileira.24
Que restava agora de tudo aquilo que fôra esperança de Tinha muita razão, aliás, o extinto folclorista patrício
uma continuidade histórica da música nacional? Apenas uma vez que sabia, por tradição que a expressão dita, em
aquêles Suspiros mandados à imprensa pela inteligente e se- 1883, no Morro do Nheco, por uma nordestina, que dançava
dutora Chiquinha Gonzaga. Que era porém um tango com com um homem vestido de mulher, fôra: é macho iche (é
que se enriquec-ia o espírito diante do destino inclemente?! ... homem virgem!) 25
Saíra também o Lírio Fa;nado - recitativo deixado pelo O maxixe, que havia sido terminantemente proibido pela
saudoso ex-aluno Callado, para aumentar talvez o acentuado polícia, (até mesmo nas citações) reapareceu, após a Pro-
desânimo ... ·damação da República, com ímpeto e, porque não dizer, ar-
Já em 1882, o Teatro Phenix Dramática comecara a rogância de seus propugnadores. A Vida Fluminense, de ou-
baquear com sua transferência para o Sant'Anna. re- tubro de 1889, já falava nas "volutas de uma polcarmachiche"
presentou-se, parece que por uma fatalidade inexplicável, a (sic) ao se referir às atividades do músico popular conheci-
Loteria do Diabo, que o povo julgava azíaga. ·do como Chh"Ol, que costumava organizar torrobodós.
89
88

I
Depois dessa digressão necessária ao esclarecimento do-
problema, podemos voltar ao caso específico do maestro Mes-
quita e explicar sua resolução de abandonar o teatro de bai-
xa categoria. Podemos então, averiguar que êle, desiludido,
com o rumo que ia tomando a música brasileira, que tanto
desejara ver engrandecida, recolheu-se à vida pacata do bair-
ro do Catumbi, mantendo sua atividade circunscrita aos afa-
zeres do ensino no Conservatório de Música, para onde fôra,
finalmente, designado por nomeação efetiva. Isto se deu em
1890. E, "nomeado para professor efetivo de instrumentos
de bocal", tomou posse na data prevista em lei. Quatorze
anos após, em de 1904, era jubilado por Decreto Fe-
deral, podendo, assim, v,iver em paz com sua consciência de
artista de altos dotes espirituais.
Com essa conquista, tão ansiosamente esperada, pôde
adquirir a casa n. 0 30 da Rua Padre Miguelinho (antiga da
Floresta), cuja escritura mandou passar em nome de sua
querida companheira D. Maria Thereza de Mesquita, que,
após o falecimento do mestre no dia 12 de julho de 1906, ali
permaneceu até 1912. A referida moradia de dois pavimen-
tos ainda lá se encontra, conforme pudemos constatar num
dêsses dias em que a visitamos para l'ecolher informações
do atual proprietário, Sr. Angenor Márcio Alves, que gentil e
prontamente nos atendeu. A comissão composta de elemen-
tos da Sociedade Cultural e Artística Uirapuru contava com
a presença do Dr. Othon Costa e do primeiro secretário Prof.
CALLADO
Alfredo Peres, além do presidente autor dêste ensaio.
Vimos aquelas mesmas salas onde o velho maestro car-
pira tôdas as suas desilusões e pensamos em tributar essa
pequena e justa homenagem à memória de quem trabalhou
com tanto amor por esta terra dadivosa onde a ingratidão se
fêz prêsa fácil das coletividades pela supremacia de tantos,
espíritos frívolos.

90
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--·
""Foram convidar um lacedônlo a ir ouv.ir um
mem que imitava com a bôca o canto do rouxinol.
"Eu já ouvi o rouxinol", respondeu êle. A mim
quando me falaram de um homem que tocava flau-
"!;a com as mãos, respondi: "Eu já ouvi o Callado ".

Crônioas, 3.o volume, 82

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M:achado de Assi.s
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CALLADO
{1848 - 1880)

Joaquim Antônio ds. Silva Callado, flautista de excep-


cionais qualidades e compositor de músicas características
para seu instrumento, nasceu nesta cidade no dia 11 de
]ulho em 1848 e faleceu, muito jovem ainda (32 anos de ida-
de), no dia 20 de março de 1880. Era filho de Joaquim An-
tônio da Silva Calladó e de D. Mathilde de Souza Callado.
o pai, que tinha· o mesmo nome foi professor de música e
mestre da banda da Sociedade União dos Artistas,26· tendo
falecido com 52 anos de idade, no dia 19 de junho de 1867.
Pelo anúncio da missa de trigésimo dia sabe-se que o flau-
tista Callado, seu filho, já havia contraído núpcias com D.
Feliciana Adelaide.
Não possuímos notícias exatas dos estudos preparatórios
àe nosso eminente flautista, mas tudo leva a crer que tives-
se começado a aprender música com seu próprio pai que
tocava cornetim e, como acima se disse, era professor. Já em
1856, sabemos que estêve fazendo um curso específico com
o professor Henrique Alyes de Mesquita. Mas foi efêmera
essa fase, pois o viajou para a Europa, pouco de-
pois. Nessa oportunidade, Callado Júnior exercia intensa
atividade como músico profissional nas orquestras da cidà-
de. Atuava principalmente nos pequenos conjuntos organi-
zados para atender pedidos relacionados com os bailes fa-
miliares e festas de diversas categorias. Sabe-se, com certe-
za, que Callado, para vencer as dificuldades iniciais e se pro-
jetar como exímio flautista, estudava apaixonadamente. E
tão ativos e eloqüentes eram seus programas que, em razão
da importância da personalidade invulgar, fêz surgir no Rio
o famoso conjunto denominado Chôro Carioca. Como isto
aconteceu é fácil ajuizar.
Essa feliz oportunidade teve-a Callado, em razão das ati-
vidades que exercia como músico profissional na metrópole.
O conjunto regional, a que nos referimos, vivia precària-
mente das atividades amadoras, principalmente dos executo-
97
res de instrumentos de cordas dedilhadas, como os violões
e os cavaquinhos. O grupo aludido teve sua formação a8se-
gurada por influência dos tocadores de cavaquinho. ÊSses
artistas aprendiam uma polca, de ouvido, e a executavam
para que os violonistas se adestrassem nas passagens modu-
lantes, transformando exercícios em agradáveis passatempos.
O resultado sonoro agradou ao genial Callado que não teve
dúvidas em se incorporar, com sua flauta famosa, ao con- O COMPOSITOR E SEU MEIO
junto instrumental nascente. Era um quarteto ideal! ...
Ficou então constituído o mais original agrupamento A música e a sociedade não se completam, se unem numa
reduzido de nosso País- O Chóro do Callado. Constava êle, mesma atmosfera, num mesmo ambiente repleto de recipro-
desde sua origem, de um instrumento solista, dois violões cidades.
e um cavaquinho, onde somente um dos componentes sabia Un1 compositor de canções pode ter o dom de expressar-
ler a música escrita: todos os demâis deviam ser improvisa- se numa série de episódios destacados. A música, porém, con-
dores do acompanhamento harmónico. siste não apenas na melodia fluente, senão também no con-
Daí em diante, não havia serenata no Rio de Janeiro junto que representa o todo musical.
sem um "Chôro ao luar ··, onde as músicas da época fôssem Sôbre o grande flautista brasileiro conhecido, na inti-
executadas de maneira admirável. midad<:, por Callado Júnior (até 1867 quando falecEu o ve-
Com o falecimento, repentino de Callado, logo após ha-27 lho Callado, trompetista), é sabido que escrevia canções de
vel· abrilhantado as festas carnavalescas no início de 1880 beleza profunda, como no caso da Salomé, de Cruzes, minha
houve como que uma estupefação geral, e a cidade, que per- prima!... e tantas outras, mas não se preocupava jamais
dera seu ídolo, não encontrou serenidade para registrar os com a urdidura harmónica que as haveria de abrilhantar.
dados biográficos de um dos mais sugestivos artistas, entre A música está, porém, tão intimamente ligada às ini-
os nascidos nas plagas da Guanabara. ciativas de caráter social que ser.ia inútil querer aqui, negá-
Diante do fato consumado só nos resta seguir o único ca- lo. No caso do Rio de Janeiro do século passado, não se po-
minho que pode levar ao esclarecimento necessário: cotejar deria conseguir vitória popular sem essa contingência a que
a imprensa diária, as revistas e publicações especializadas, se submeteram tantos artistas geniais.
através do processo da documentação objetiva. O pior em tudo isso é que nem sempre as sociedades acom-
Antes porém vejamos outros fatos mais importantes de panham o progresso artístico da nacionalidade, para que se
suas atividades artísticas. estabeleca a necessária comunhão de idéias entre seus elemen-
tos componentes. Quase sempre não são sinceras as corren-
tes dominadoras dos grandes centros populacionais, e a Arte
é levada, às vêzes, para caminhos inteiramente inesperados.
Há sempre um quer que seja inexprimível que a desvia da
estrada do bom senso, não sendo, pois, esta a mP-lhor ma-
neira de orientar as realizações artístico-culturais.
Essa observação pode ser generalizada, pois jamais hou-
ve civilização que se pudesse julgar fora das cogitações, no
julgamento de diátribes dêsse teor. Vimos, em plena Alema-
nha do romantismo, as queixas e atribulações constantemen-
te pelo grande Schumann, até aquêle dia em que
teve de protestar de maneira impressionante.
Conta-nos a história que Schumann, já casado com a
eélebre pianista Clara, compareceu a uma festa onde essa
.admirável artista se exibiria na residência de um Príncipe,
99
98

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L
f
I lhes eruditos do embelezamento harmônico; já existe a fas-
I cujo nome não foi possível revelar. A jovem espôsa apresen-
tou o compositor ào nobre que ingênuamente indagou: que
cinação e o encantamento no próprio canto escorreito.
As melodias, nas atividades artísticas de Callado, repre-
i\
instrumento toca êle? sentam o principal objetivo, pois, com a flauta na mão, dis-
O artista retirou-se do palácio, sem nada responder, ante pensava os arranjos pianísticos, que, segundo êle, conduziam
a estupefação dos que assistiram à breve cena. a deturpações das tendências nativistas; se referia ao uso
No tempo de Callado, ser um compositor devia ser coisa que inconscientemente faziam alguns de processos mecâni-
ainda mais deprimente. Dizemos no Império, mas, guardadas cos automatizados, e oriundos de técnica importada. Callado
as devidas proporções, atualmente a ignorância é mais acen- preferia, com muita razão aliás, a atmosfera violonística onde,
tuada. outros gênios da execução, como êle próprio o era, se encar-
Naquele tempo, o curioso, o amador, o diletante sabia regassem do acompanhamento na estilo de
observar as conveniências: quando inventava um canto atra- sua preferência. Pena é que assunto de tanta relevância para
Ii I vés do texto poético, jamais se dizia artista. Por igual, pedia a "música nacionalista" ficasse sem registro na história,
ajuda ao músico para o registro gráfico daquilo que inven- pois as improvisações dos acompanhadores, muitas vêzes,
tava, com humildade e até carinhosamente. Hoje são êles apesar de surpreendentes, tinham a efemeridade dos lampe-
os tuteladores da cultura. Não saber nada de música é um jas crepusculares. Tal como as fotografias, não traduzem
privilégio! Não ter cursado um Conservatór.io é título hono- ou revelam a essência do necessário e autêntico fenômeno
rífico porque os financiamentos são dirigidos por ignorantes observado. Por tal motivo, as propaladas fragilidades das
i extrovertidos que assim sentem. o problema. Ai de quem músicas de Callado, que foram publicadas no fim do século
!\ aprendeu e sabe as regras musicais! ... Tôdas as dificuldades passado, não se justificam, plenamente. Suas músicas eram
lhe serão impostas até que venha finalmente o silêncio re- destinadas a um público que tinha outros ideais, concepções
:r sultante da degradação inevitável - a falta de verba para hoje apagadas, mas nem por isto indignas de registro e aca-
.i as resJizacões dos empreendimentos . tamento. Muitas de suas polcas, verdadeiramente originais,
Que música brasileira nos poderia deixar registrada o
'..\·.
nosso genial flautista carioca?
como melodia, não chegaram a ser publicadas, apesar da i
1:
r.1
Aquela que interessava aos editôres metropolitanos que
também viviam da exploração de um negócio nem sempre
enorme fama do autor, simplesmente porque os editôres da
época, as julgavam muito complicadas melodicamente. Eram
a.S modulações passageiras, que apareciam vertiginosamente
!
1
favorável, por depender do gôsto de um povo em nada cons- no canto, e tinham enderêço certo: os flautistas bem dotados.
,':1
tante, nas suas preferências. 1J.Iesmo assim, nos poucos exemplares impressos, antes de
1880, 2 8 vemos como o inspirado autor tratava os problemas
do acompanhamento, do lugar comum em voga
A VERVE MELóDICA DE CALLADO nas obras contemporâneas.
Na primeira peça que editou, por conta própria: "Que-
rida por todos, dedicada à Exma. Sra. D. Francisca H. N.
As melodias de Callado revelam uma particularidade ín- Gonzaga, Armazém de Música Narciso, Ouvidor 62" - já
tima: são tôdas instrumentais e nasceram espontâneamente existe, na introdução, um dos elementos formadores da mú-
da inspiração criadora. Tal aprumo e segurança externam, sica nacional: o baixo cantante do velho cateretê evocativo,
que não temos dúvida em afirmar: jamais cairão totalmente que se refugiara no cancioneiro interiorano.
no esquecimento. Os oito compassos da primeira parte demonstram um
Como sabemos, as melodias podem ser construídas de
três maneiras distintas: por adaptação através do ritmo poé- período originalíssimo em que o compositor procura sugerir
:tico; por idealização técnica através do contraponto e, fi- as harmonias baixos violonísticos e o pontilhado do ca-
nalmente, sob o influxo da imag.inação (inspiração criado- vaquinho no cerrado contratempo. Repete o elemento da
em tom diferente como sugestão de variedade na
ra).. . Emprega, nos dois casos, a resolução excepcional
. ·Apenas êsse último recurso utilizou o inspirado cmupo-
sitor popular e flautista carioca. Sua música, por mais sin- que é demonstração de um avanço considerável, sabendo-se
gela que possa parecer, não se preocupa muito com os deta- que, na época, essas coisas eram consideradas proibitivas.
101
ioo
A parte em dó maior, que traz a indicação com muita ex--
pressão, vem como terceira parte, se considerarmos a intro- completas dêsse gênero para a construção de "fantasias"
dução no lugar do estribilho da forma rondó. Há nesse tre- e "variações" que constituem verdadeiras preciosidades.
cho, de extrema singeleza, uma tal expressividade que o Passemos a averiguar alguns elementos integrantes da
observador, por mais que deseje, não pode negar que existe música popular brasileira e o que nêles ex.iste de energia
algo de renovado; levaremos êsse acervo como crédito na con- criadora, aplicável às finalidades didáticas: em primeiro-lu-
quista de nossas singularidades. gar destaquemos as "formas" em que elas se estruturam
Os editôres não quiseram assumir a responsabilidade que são, na maioria dos casos, canções simples e rondós de
econômica com a publicação dessa obra: vem uma indica- cinco seções. l!::sses elementos, além de clássicos, tê1n a van-
ção acêrca dêsse fato na expressão - "propriedade do au- tagem de ajudar, com mais precisão, a configurar as sutL
tor". Iezas lingüísticas, colaborando, assim, na elucidação das ima-
Logo a seguir, Narciso José Pinto Braga lança a segun-
da polca de Callado - A sedutora . .. gens sonoras, através de processo automático, embora sejam
Essas duas obras não tiveram sucesso, nas mãos dos êles nitidamente incidentes; segundo, o próprio conteúdo
pianistas e "pianeiros ", mas as bandas de música se encar- musical que se apresenta, podemos dizer, exclusivamente em
regaram de sua divulgação, em todo o País. Três anos de-. seções ou partes com períodos quadrados e necessàriamente
pois, saía outra polca de Callado: - Linguagem do coração. regulares; terceiro, o interêsse tonal que é uma das principais
Em 1874, novamente volta Callado com a polca tman de características dêsse gênero de música intimamente ligado
às populações iletradas.
que encontramos um exemplar na Biblioteca Nacional. Essa
composição, de caráter popular, foi feita para piano e de- A não ser num ou noutro autor genial, as músicas po-
pois transcrita para as bandas de música do Brasil. Tem pulares seguem estilos uniformes que, em virtude da difusão
a mesma estrutura da outra que dedicou à querida ChiquL nas diversas glebas, acabam constituindo assunto nacional.
nha, isto é, uma espécie de introdução servindo de estribL :tsses estilos, metodizados espontâneamente dentro de
lho permanente a duas estrofes que se sucedem em alterna- tura bàsicamente clássicas, deixam transparecer modismos,
tivas na execução. Essa estrutura foi, depois, servir de base sainetes, singelezas, originalidades e até mesmo exotismos sin-
ao "maxixe" que apareceu em 1883. * gulares que interessam de perto no estabelecimento da mú-
sica nacional.
A flor amorosa - polca-canção foi editada logo após a
morte do genial compositor carioca. A edição que possuímos Diante de tudo isto, devemos convir em que música po-
foi feita a mando da Viúva Canongia. Traz os seguintes pular, num sentido construtivo, não é, absolutamente, sinô-
dizeres: Polca do Comendador Joaquim Antônio 1da Silva nimo de arte desprezível, uma vez que demonstra, claramente,
Callado, dezembro de 1880. possuir, no seu conteúdo, elementos dos mais elevados padrões
artísticos. As banalidades de alguns compositores populares
FATORES EDUCATIVOS DA MúSICA LIGEIRA - que realmente existe nunca passarão de exceções, pôsto
que a maioria das produções, nesse gênero, não pode, com jml- l
Durante séculos e séculos tem prevalecido um conceito
tiça, ser levada em tal consideração. E, particularmente, no
caso do Brasil, a expressão música popular, no bom sentido,
í
unilateral de música popular que não convence plenamente equivale a peça de caráter simples, justamente para ser fà-
ao estudioso imparcial. Tem.se, como certo, e numa pro- cilmente entendida. É, pois, música socializante ...
porção arraigada, que êsse gênero é aviltante artlsticamente.
Entretanto, sabemos que existem músicas populares de ex- Não venham, agora, confundir lamentàvelmente música
popular com música popularizada que é coisa muito diferen- 11
trema beleza, feitas sob estruturas rigorosamente clássicas.
E tanto isto é verdade que autores mundialmente famosos te: enquanto aquela agrada espontâneamente, no momento
se têm servido, tanto de temas populares quanto de obras da execução, essa outra é impingida sistemàticamente pela
propaganda, chegando, pelo processo de repetição ostensiva,
• A referência aqui é a apresentação no teatro popular feita por a despertar limitado interêsse, notadamente em pequenos re-
Francisco Corrêa Vasques. Jornal do Comércio, 14-4-1883. dutos populacionais destituídos de tradições arraigadas ou
de características próprias, adquir.idas conscientemente.
102
103

f!i
- Diga, minha senhora.
Entretanto, uma coisa é certa: enquanto a música po- - É que nos toque agora sua polca - Não bula
pular, em qualquer rememoração é sempre querida do povo, comigo, Nhô-nhô.
a música popularizada ainda que revivida, apresenta-se sem- Pestana fêz urna careta, mas dissimulou depressa
pre, cada vez roais, desenxabida! ... inclinando-se calado, sem gentileza e foi para o
É, em suma, produto artificial. piano sem entusiasmo. Ouvidos os primeiros com.
Até bem pouco tempo, seria urna temeridade def€nder, passos derramou-se pela sala uma alegria nova, os
corno agora fazemos. postulados da música popular; roas po- cavalheiros correram às damas e os pares entraram
demos, através de fatos, até mesmo concretos, demonstrar a saracotear a polca da moda ".
corno andavam enganados aquêles que se encastelavam nos
preconceitos conservantistas. Diz nosso famoso escritor e poeta, o seguinte sôbre Pes.
tana: ''Quando o pré to acendeu o da sala, Pestana
sorr.iu e, dentro dalma, cumprimentou uns dez retratos que
MúSICA POPULAR pendiam da parede. Um só era a óleo, o de um padre, que
o educara, que lhe ensinara latim e música, e que, segundo
os ociosos, era o próprio pai de Pestana. Certo é que lhe dei-
Entre vários casos conhecidos de trechos sôbre música po- xou em herança aquela casa velha e os velhos trastes, ainda
pular que impressionaram. a autores célebres destacamos um do tempo de Pedro I" etc.
que achamos oportuno referir numa resenha explicativa: E adiante: "Os demais retratos eram de
Machado de Assis, em Várias Hi.stórias focaliza a persona- clássicos, Cimarosa, Mozart, Beethoven, Gluck, Bach, Schu.
lidade de um músico carioca - o Pestana - que em tudo se rnann, e ainda uns três, alguns encaixilhados e de diferente
assemelha ao célebre Emídio Pestana, autor da música de O tamanho mas postos ali como santos de urna igreja. O piano
bemtevi. 29 Seu colaborador nesse trabalho foi Mello Morais era o altar; o evangelho da noite lá estava aberto; era uma
Filho. Sabemos, também que Pestana não assinava as polcas sonata de Beethoven.
que compunha, por simples inconformação; era amigo do cla- Veio o café, Pestana enguliu a primeira xícara e sen-
rinetista Domingos Miguel e teve grande nomeada como com- tou-se ao piano. Olhou para o retrato de Beethoven, e come-
positor que usava pseudônimos para as músicas populares. çou a executar a sonata, sem saber de si, desvairado ou absor.
Diz Machado de Assis, na obra referida, em tom que mais to, mas com grande perfeição. Repetiu a peça: depois parou
parece a biografia do compositor atualrnente esquecido, exa- alguns instantes levantou-se e foi a uma das janelas. Tornou
tamente 1o seguinte: ao piano; era a vez de Mozart, pegou de um trecho, e exe-
"Ah! o senhor é o Pestana? perguntou Sinhàzinha cutou-o do mesmo modo, com a alma alhures. Haydn levou-o
Mota, fazendo urn largo gesto admirativo. E logo à meia-noite e à segunda xícara de café.
corrigindo a familiaridade. Desculpe roeu modo, mas Entre meia-noite e uma hora, Pestana pouco mais fêz que
é o senhor? estar à janela a olhar para as estrêlas, entrar e olhar para
Vexado, aborrecido, Pestana respondeu que sim, que os retratos. De quando em quando ia ao piano e, de pé,
era êle mesmo. Vinha do piano, enxugando a testa dava uns golpes no teclado, como se procurasse algum pen-
com um lenço, e ia a chegar à janela quando a mô- samento; mas o pensamento não aparecia e êle voltava a
ça o fêz parar. Não era baile; apenas um sarau encostar-se à janela. As estréias pareciam-lhe outras tantas
íntimo, pouca gente, vinte pessoas ao todo, que ti- notas musicais fixadas no céu à espera de alguém que as fôs-
nham ido jantar com a viúva Carnargo, Rua Areal, se descolar; tempo viria em que o céu tinha de ficar vazio,
naquele dia dos anos dela, cinco de novembro de mas então a terra seria uma constelação de partituras", etc.
1875". De manhã, diz-nos Machado de Assis:
E adiante: "Pestana correu à sala dos retratos, abriu o piano, sen-
"Finda a quadrilha a viúva pediu um obséquio
tou-se e espalmou as mãos no teclado. Começou a tocar uma
to em particular.
105
104
coisa própria, uma inspiração real e pronta, uma polca, uma l:IALOME Ant&n1G da B11Ta
polca buliçosa como dizem os anúncios dos jornais." Pcll:ca ••••
Na crónica aludida, Machado de Assis focaliza o caso de
músicos populares que, depois de tudo empregar para atingir
um grau superior, compor uma música de grande fôlego, aca-
bam voltando à música ligeira, por falta absoluta de técnica
especializada.
Somente assim talvez se explique porque Pestana, usava o
prooesso do anonimato para as polcas que compunha.

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DC.
106
Ambas as polcas têm certos pontos de contato evidente-
te semelhantes como assunto musical.
Salomé tem início num ritmo tético, fazendo a motiva-
-ção feminina no segundo compasso da primeira parte. O au-
. tor usou, nos dois casos, o processo da imitação melódica para
construir a seção correspondente.
Nota-se o mesmo interêsse dinâmico na organização das.
PERSPECTIVAS E DETALHES principais idéias: seção curta em forma de estribilho; segun-
da parte ou estrofe mais desenvolvida; fragmentos bem defi-
nidos que se sucedem na concatenação dos elementos; salto
Quem observa a linha melódica de Saudosa 30 verifica, de quarta justa duplicada, de belo efeito na flauta; apogiatu-
ras inferiores que se repetem formando ambiente caracterís-
imediatamente, que a grafia- aspecto material- não está
tico.
concebida na forma usual da polca européia. A terceira parte ou trio de Salomé é propositadamente
O início do canto é fe.ito por anacruse suspensiva que de- feita sem interêsse melódico, (diríamos melhor, talvez, despre-
pois aparece nos desenhos seguintes; há modulação franca tenciosa no aspecto cantante) para servir de incentivo aos
e clara desde o comêço da obra em análise. A primeira parte improvisos da harmonia violonística. No entanto, as marchas
-ou estribilho começa em lá menor e termina em dó maior. melódicas numerosas possibilitavam modulações que os acom-
Es.sa inflexão ao tom relativo maior diz bem da verve meló- panhadores de ouvido encontravam com relativa facilidade,
dica do saudoso Callado. dando ensejo a virtuosismos, compatíveis com o ambiente so-
Outro aspecto a destacar: apogiaturas expressivas, que cial. Um som articulado no tempo forte dos compassos, que
se sucedem em razão de or·dem estética. Verifique-se que mem- se desliga do conteúdo seguinte, empresta à composição dêsse
bros e frases têm uma propensão natural para a conclusão tipo de trio, uma importância marcante. Era, num caso co-
feminina. Além disso, outros fatos, que mais parecem inferên- ma êsse, que se evidenciavam as originalidades do compositor
cia que realidade objetiva, mostram ao Gbservador certas fa- e flautista carioca.
-cêtas de extrema originalidade: um som é repetido em cres- Callado é aí surpreendido, nas suas peculiaridades meló-
cendo até atingir o clímax para, logo adiante cair de maneira dicas com tanta evidência, de modo a patentear certos pro-
quase imperceptível. É uma derivante da alternativa dinâ- cessos indeléveis pela obstinada ·aplicação que dêles fazia na
mico-agógica de que nosso ex-professor adjunto do Liceu de construção de suas frases onde divisamos eufemismo e genia-
Artes e Ofícios fazia motivação constante. :í!:sse fato, obser- lidade. ·
vado pelos cronistas da época, deu à ocorrência de caráter
estético o apelativo de q,maci.ando.
Observe-se, finalmente, que as entradas e retornos, tan-
to dos temas como dos elementos fraseológicos, têm qualquer
coisa de original e demonstram a habilidade e a inspiração
controlada do homem verdadeiramente genial.

SALOMÉ E SAUDOSA

Essas duas polcas evolutivas de Callado, não foram di-


·vuigadas convenientemente, em seu tempo. Eram destinadas
aos flautistas, interessando muito pouco como obras pianísti-
cas. Entretanto, estavam elas constantemente nas cogitações
dos executores mais chegados ao grupo regional da Guana-
bara.
109
108
A POLCA DE SALãO
!!M!mM
(De Mesquita a Callado)

Não há dúvida de que a polca conseguiu impressionar o


carioca, não apenas pelas melodias, mas sobretudo pela dan-
.ça e a correlação com os dois instrumentos predHetos dos
metropolitanos: o piano e a flauta.
Foi, sem nenhuma dúvida, o piano a causa da divulga-
cão da polca, essa contagiante dança coletiva. Por isso a pol-
ca estabeleceu no Brasil normas positivas de gênero, e.Stilo
-e forma. O tango brasileiro adotou, depois, sua estrutura de
cinco seções e também a preferência pelas tonalidades maio-
res.
Todos sabemos que, nos meados do século passado, as
formas musicais sofreram sérias restrições por parte dos ro_
mânticos, culminando no abandono, quase completo, das nor-
mas rígidas dos antepassados. Se isso acontecia no plano es-
colar, que não dizer das iniciativas populares?
Aqui no Brasil, as canções não tinham, rigorosamente fa-
lando, uma estrutura definida: até as formas oriundas do
rondá, passaram a inverter os valores tradicionais: a estrofe
precedia o estribilho, fazendo, em alguns casos, uma intro-
dução se incorporar à estrutura, funcionando de forma epL
sódica (Vejam-se as polcas do Callado, Querida por todos e
íman).
Vale a pena comentar que as danças primitivas de negros
.-: .
\ ;v-u-'1 t t!Ti-J; i "1 1!±! 1 t
. . •· ...
H
e silvícolas desconheciam, ostensivamente, quaisquer ordens
-de idéias que pretendessem subjugar seus impulsos instintivos.
Veio, porém, a polca e, pelo seu descomunal interêsse de
massas, estabeleceu uma forma definida: o rondó de cinco

1tfihttrtf 1 t-r r V-f-r seções ou partes. E mais, acabou com a tendência lamentosa
das modinhas dos estrangeiros radicados na côrte imperial
e que eram consideradas, por literatos apressados, propensão
"t tr:!
IU1ffilfi) . Ji..:: li c f q
r nativista. Por outro lado, apresentou-se ostensivamente como
música pura, repelindo as de subordinação de
ordem prosódica. Era, em suma, música instrumental ou
. r .--,
nu r t tJ do g;p4 ,
j pura .
As lutas de bastidores continuaram a se registrar no solo
carioca, e, cêrca de dez anos após sua chegada ao Brasil, a
polca manteve-se num aparente estado de inatividade até que
o exímio flautista italiano Giovanini Scaramelli tocou uma
:polca de Concêrto no salão do Provisório, em 1853. Por in-
:felicidade, êsse artista admirável foi vítima das febres perió-

111
31 Mesquita escrevia suas polcas sofridamente, pensando
dicas, morrendo prematuramente em março de 1857. A co-- . numa grande orquestra que as possibilidades iam tornando
lônia italiana, radicada na capital, ficou traumatizada, como- ca.da dia mais remotas ...
não podia deixar de ser, com tal fatalidade. Callado queria que suas polcas se identíficassem com o
A calamidade da febre ·amarela dizimou grande parte dos espírito seresteiro, com a magia do luar onde o amor contra-·
artistas metropolitanos. Por isto é muito difícil conseguir-se: feito ia gemer diante das estrêlas faiscantes do céu, indi-
saber, com certeza, como desapareceram tantas vocações sem ferente ao pesar, à dor, à af1ição!
deixar vestígios ... Mesquita, olhares diferentes: via o teatro engala-
Para desanuviar o ambiente carregado de 32 pessimismo, nado, pares volteand-:> cerno borboletas estonteadas, diálogos
que até nos deu depois, duas modinhas funérias, coisa que repetidos em momentos de sofreguidão, enfim outra forma
era mais comum aos portuguêses, os cariocas recorriam às de querer no meio de gambiarras e cenários deslumb.r<Ultes.
pilhérias e aos ditos jocosos, como que para espantar o mêdo. Foram contemporâneos, mas foram, sobretudo, ausculta-
As pilhérias a que nos referimos como demonstração dores das tendências dêsse povo jovial e amigo que agas::tlha-
de que a epidemia era mais conversa do que realidade, coisa va gente estranha como o fazia indistintamente, com os pró-
que resultou em completo desastre, surgiram na peça ence- prios habitantes das regiões interioranas.
nada para ridicularizar a cólera morbus. Os incautos não Dois gênios tão Jh ersos no realizar e tão próximos 1:0
chegaram a repetir o feito! ... Durante três anos, pelo me- idealismo arti..:>tico. TinlJam uma meta comum: agradar,
nos de 1855 a 1857, não houve carnaval de rua. da melhor m8.ntira po::;sível, os ouvintes da música caracte-
Todavia, a verve do carioca não se transmudou, e uma.
demonstração disso foi o grito que se tornou célebre- chora, rística nacional.
pitanga!
O caso deu-se assim: o violoncelista Casemiro de Souza
APRECIAÇÃO DO CONTEúDO MELóDICO
Pitanga havia ficado famoso pelo vibrato que tirava do ins-
33
trumento. Tocava êle no salão do Congresso Fluminense,
com extrema virtuosidade, a Fantasia em Adágio do Concêrto Callado é expoente da música ligeira e característica do
dado por .José .Joaquim dos Reis, quando alguém, no auge Bras.il. Cabe-lhe a glória de haver contribuído, com sua per-
do entusiasmo, não se podendo conter, gritou -- chora, Pi-
sonalidade marcantemente genial, para atribuir aos modts-
tanga! mos e sainetes nacionalistas, nova concepção estética. Não
Uma oportuntdade destas não podi'am perder os faze- é lícito, pois, olvidar sua contribuição à causa da música
dmes de polcas e já em março o caso havia sido popularizado brasileira, principalmente ao ajudar na luta empreendida
com A pola'J. do grito. pelo seu antigo mestre de música (depois colega no Conser-
Foi nessa quadra que se verificou que a polca já havia. vatório), Henrique Alves de Mesquita.
o estágio da evolução entre nós, começando a fixar- A literatura musical de Callado precisa ser observada
se numa atmosfera particular . .Já se podia reconhecer uma de maneira particular e objetiva, êle procurava dar às melo-
polca brasiLeira e uma estrangeira: as européias eram ale- dias que criava uma compatível_com a técnica de seu
gres; graciosas porém as brasileiras possuíam, além disso, instrumento predileto - a flauta. Tinha Callado o mérito
outros atrativos, tinham outra sorte de procedimentos; pro- do virtuosismo instrumental, porém .sua imortalidade foi
Guravam fazer dançar mas de tal modo que se sentissem as conseguida pelos originalíssimos cantos que brotavam de sua
tendências dos próprios dançarinos. inspiração pronta e cativante.
A polca que nas mãos de um Callado tem uma finalidade·
inteiramente expressiva, em Mesquita se orientava no sen- Cada uma de suas polcas inéditas mereceria um exame
meticuloso, à parte, não fôsse o tom mecanicista de sua reali-
tido objetivo. zação.
Callado, ao escrever ou improvisar suas polcas, tinha a Mas, como íamos dizendo, se sua escrita linear era ca-
mente voltada para as atividades de seu grupo e das possi- prichosamente dificultada (aos olhos dos apreciadores dos
bilidades de seu instrumento. A harmonia. era um comple- manuscritos) o mesmo não acontecia com os executores por-
mento, nunca a finalidade objetiva.
113
lf2
que tudo ali era. feito por mão de mestre, que não QUERIDA POR TODOS
nhece os segredos mais il!lperceptíveis do instrumento. POLK.ll
outra observação a fazer diz respeito aos títulos U.N.C.
.Pnoi·u l!OOO

polcas, que muitas vêzes eram improvisadas com intenção O d.ut.Aur


programática. Mas em razão dos andamentos, sempre vigo- JO.\.QUili ANT0810 DA óiLY.\
rosos - pois raramente atendia ao sentimentalismo, suas
mensagens sonoras, ora demonstravam alegria e volúpia, num
ambiente carregado de ironias facêtas, ora queixumes e in-
certezas, procurando a sugestão direta, nos saltos quase im-
possíveis numa interpretação ilibada.
Escrevia polcas e quadrilhas, pois essas eram as músicas .)
da época, deixando registrado um lundu característico, que i
fJ.cou inédito sendo, depois, publicado por iniciativa do pro-
ftH.or Pedro de Assis.34

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Nota - Esta obra é considerada protótipo da composição de forma
mista denominada polca-ludu. Foi dedicada à distinta artista Chi-
.quinha Gonzaga. Callado já era Comendador quando compôs essa
•Original e singela composição.
\I 115
114
III.
\
\I
L h"fl-k
MúSICA CARACTERÍSTICA

A música tem duas linhas mestras, de certo modo gene-


ralizadas,
tico: que podemos sintetizar no seguinte esquema didá-

1:o - Música artística -música refinada, técnica, pró-


pria dos pequenos setores da sociedade.
2. o - Música cultural - música que congloba três as.
pectos de divisões e precisas: música po.
pular, música folclórica, música plebéia.

Vejamos, agora, coisa por coisa, em seus devidos luga-


res, dentro de um critério estritamente pedagógico:
En1 referência à música artística, diremos que ela é pri-
vativa de técnicos aprimorados, tem sentido restritivo e, por
isto mesmo, limitada às atividades de uma elite.
Quanto à música cultural, ao contrário da precedente,
adota processos espontâneos da educação, sendo, neste caso,
extensiva nas suas possibilidades; assim passa a assumir uma
posição catalisadora dos sentimentos das coletividades. Nela
reside o que há de étnieo, telúrico, mesológico, finalmente
todos os fatôres naturais de alta significação nacionalista.
Continuemos nesse paralelismo esclarecedor:
A música artística prepara o homem para o virtuosismo,
para o manejo dos instrumentos indispensáveis às realizações
metódicas, para a composição elevada, sendo, pois, absolu.
tamente limitativa. ·
A música cultural vê, com maior amplitude, os proble--
mas humanos da Arte; aproveita as experiências colêtivas
"Querid-a por todos - polka do Callado. Editor: Narciso José Pinto -que tenham resultado de realizações sociais, bem como das
Braga, rua dos Ourives, 62. O primeiro anúncio saiu no JoJ:"Illal do tradições folclóricas correlativas, para levar todos êsses coe-
Oomércio de 13 de janeiro de 1869. Já era tão conhecida dos músicos ficientes didáticos às atividades criadoras da música.
populares, entretanto, que no comêço de fevereiro apareceu outra,,
em resposta, de nome Por todos querida, da autoria de J. L. Pina.. Finalmente, a música artística leva o homem para as
em edição de J. S. Arvellos (Filho). áreas menos comuns das sociedades, influindo no meio, pela
intensidade dos estudos de natureza teórica.
116
117
- - :- --- -----

ora, essa música diversiva deveria necessàriamente ser


A música cultural pretende menos: quer .o despertar das. simples e espontânea, como o era o entendimento coletivo.
idéias singelas, da inspiração criadora, tle uma ação nitida- Foi então que começaram a aparecer, em ..grande escala, as
:músicas dançantes dos diversos tipos europeus.
mente utilitária.
Resumo final sôbre o aspecto individual: as pessoas que Música nativa não, isso era atraso! Até que um dia sou-
se dedicam exclusivamente à música artística são maestros, beram os nacionais de uma música feita apenas para su-
virtuoses, musicólogos; as que se aplicam necessàriamente gerir o ambiente dançante. Era o "Convite à valsa" de We-
à música cultural, que constitui a maioria considerável das ber.
populações, vão formar os tocadores de ouvidú. os composi- Nossos autores não se fizeram de rogados: começaram
tores populares, os propagadores das músicas ligutras ou sim- a escrever quadrilhas descritivas: O incêndio do Teatro S.
Pedro de Alcântara.,35 a Quàdrilha de valsas, Os arredJores
plesmente
Músicadiversivas.
carz.ctedstica é aquela que, ao primeiro mo-. ào Rio de Janeiro, etc.
menta da execução, demonstra possuir qualidades próprias Vêm depois as interpretações psicológicas dos títulos das
que a distinguem das demais; principalmente daquelas per- polcas de salão: Faceira, Traquina, Cascata da Tijuca,
tencentes ao mesmo gênero ou estilo musical. Como exem- A polca dominava tudo, por ser dança coletiva, e a schottish,
plo, diríamos que uma canção brasileira difere de uma ou- denominada brasileira, começava a desenvolver-se lenta-
tr americana porque possui características que lhe são :rnente por sua condição de dança refinada. E quando, tem-
pos depo.is, o ambiente se mostrou favorável à superação da
peculiares.
Para melhor entendimento, digamos que uma orquestra poíca, vinda da Boêmia, começaram os nacionais a reviver
executasse uma peça musical e nós, sem o auxílio de outros o antigo lundu dramático, geralmente feito por brancos, imi-
recursos não musicais, reconhecêssemos que se tratava de tando assuntos dos negros.
obra ora,
nacionaL Tão precário era, porém, êsse aspecto da música ligeira
que coisa. nos fêz saber aí, que a canção era nossa? que, mesmo quando escrito por músico da categoria de um
As palavras dos versos que, embora suprimidas textos, Francisco Manuel da Silva, não tinha nenhuma repercussão
continuaram exercendo uma função de vital importância na no meio social. Passaram a justificar o fato dizendo que não
composição musical, através dos ritmos. se tratava de assunto negro mas sim do antigo Lundum me-
dieval, isto é, talvez de um tipo de entremês dos que escre-
via Stefano Landi em obras populares corno Santo Aleixo,,
DANÇAS INSTRUMENTAIS espécie de nossa conhecida São Gonçalo do Amarante.
:í!:sses Louduns 36· e dançados possivelmente
dentro dos templos, contribuíram, sem dúvida, para a con-
As danças instrumentais, em nosso país, resultaram de cepção do Oratório, servindo de preparação, como se faz
fenômeno evolutivo da sociedade metropolitana. Não havia, atualmente com a Ouverture. 3 6-A Entretanto, o uso abus.ivo
no Brasil Imperial, como ainda: hoje não há, condições favo- das danças, no interior das igrejas, fêz com que, pouco a
ráveis à existência de uma música inteiramente retinada. Era pouco, fôssem elas sendo proibidas e ridicularizadas. . . Teve
reduzido o número de pessoas habilita<!as a ouvir, com pra- seu destino traçado quando os clérigos começaram a deno-
zer, a boa. música, e êsse fato deu como resultado a estagna- miná-la "devoção patusca".
ção do mercado de trabalho e difusão dêsse tipo erudito de Há, portanto, uma diferença fundamental entre Lundum
música.
Fato semelhante ocorreu com a música das grandes for- e lundu, malgrado a semelhança dos vocábulos.
Um músico erudito destacou-se na divulgação retrospec-
mas, cujos dispêndios execuções e nas publicidades não tiva do Lundum: Francisco Sá Noronha, de origem portu-
estavam à .altura do reduzido número de apreciadores since- guêsa mas considerado músico brasileiro, por haver chegado
ros, Todavia,
e editôresa gananciosos.
sociedade exigia música que pudesse ser ou- ao Rio de Janeiro (segundo consta), em 1838 aqui falecendo
vida por todos dispensando o aprimoramento dos auditórios. a 26 de janeiro de 1881. Foi êle o primeiro a apresentar as
Recorreu-se à música diversiva e em quantidade jamais idea- originalidades brasileiras, no teatro popular com a peça o
... 'f" , _ _ ...__. • ...,.
Bahiano na Côrte, em 1851. Incluiu várias músicas do fol-
lizada! 119
118.
11'?+::'-- -. -------- .•, -*"'""5"1 ___.,.,_-,

clore, muitas delas vindas de Salvador (Bahia). Entre essa:s


pequenas composições, por êle arranjadas, encontravam-se· assim poderia ser entendida pelos músicos práticos .. No sis-
duas (qúe ainda fpi possível salvar do esquecimento) - tema de acompanhamento encontramos alguns ritmos per-
dum das Beatas e lundum das Môças, ambas publicadas pelo -feitamente renovados, podendo êsse espécime ser considerado
Jornal das Senhoras, para canto e piano. Noronha não iria, um dos precursores do nacionalismo musical. Mesquita em"
de modo algum, escrever música de assunto negro, o que fêz prega abundantemente o ritmo em que as notél.S sincopadas
foi seguir a orientação do fim do século XVIII quando Ni- .não são obrigatoriamente acentuadas, motivo de críticas se-
colau Tolentino, nas suas Obras Poéticas, escreveu: "Loiro ve1·a.;; dos contemporâneos. Entretanto, o compositor cario-
peralta adamado, foi depois tocar por pontos o doce Lundurn -ca provou que êsse procedimento não era bárbaro, pois assim
-Chomdo···. o artistas da categoria de um J. S. Bach, de
um Chopin, etc.
É o caso do Lundum, de que nos fala Barbinais, em Voya-
ge au tour de Monde, em 1718, quando, na Bahia, asststia a Muito tempo depois, já em 1868, havia motivo para uma
uma representação de danças cantadas dentro do templo sa- tomDda de posição em favor da música nacional. De fato,
grado, referindo-se certamente às danças de entremês do tipo tendo H. Alves de Mesquita regressado, dois anos antes, de
das de Stefano Landi no Santo Aleixo, ou de "Los Demonios depois de alguns estudos feitos na capital francesa,
de Loudun ". - ajudou nesse salutar empreendimento ao chamar a atenção
Foi em 1855, quando o Rio de Janeiro estava sendo dizL ·dos brasileiros sôbre o interêsse que nossas originalidades es-
mado pela cólera morbus, que ressurgiu o verdadeiro espí- tavam despertando no Velho Mundo. Com êsse encoraja-
rito do "lundu ··, atribuído aos negros escravos na peça do mento, o violoncelista, formado pelo Conservatório, Manuel
.estrangeiro ainda não identificado Osbden, cujo título er.::. .Joaquim Maria, compôs um cateretê que incluiu na peça
Lundu Monstro 37 com motivos de lundus da peça Bamboula teatral Orfeu na Roça, a qual foi representada no Teatro
do teatro francês do Rio de Janeiro. Tratava-se de um Pot- Phenix Dramática, onde Mesquita aparecia como auxiliar
pourri (sôbre trechos de antigos lundus) que foi edita,do por
-de T. Henrique Canongia.
T. B. Diniz, Praça• da Constituição, 11. Enltretanto, ésse Essa obra e interessantíssima porque evoca tradições
não pode ser debatido nesta oportunidade pela com- atribuíd<.ts a nossos indígenas. O cateretê, como sabemos, foi
plexidade de sua elaboração. aproveitado peles jE·suítas para ajudar no trabalho da cate-
·quese.
Depois, Henrique Alves de Mesquita, já professor do Con-
servatório, escreveu uma peça cuja forma oferecia tal varie- o compc.sitor ap:::oveitou-se de elementos subjacentes no
dade que foi classificada como P.§lca,_.undu. Tratava-se de interior do país e dêles fêz motivação de caráter evocativo.
Os beijos-de-frade, onde (apesar de alguns rasgos da1 técnica É assim uma obra de grande significação para o nacionalis-
italiana) pode-se notar alguns modismos dignos de aprecia. mo musical br.::.sileiro.
ção. Mesquita .interpret.ou o nome da flor introduzida no Bra- Manuel Joaquim Maria foi um dos músicos mais ilus.
sil cuja delicadeza de frutos não admite lesões: quando to- tres de seu tempo, na capital do Império, entretanto, não
cados abrem-se e lançam sementes em várias direções. Dá, dados biográfico:; divulgados de sua personalidade
o autor, uma ligeira idéia dêsse acontecimento, através das n1arcante. E tudo isto por que? Na verdade, por dedicar-se
interrupções sucessivas para sugerir, dentro do possível, a -exclusiv.unente à música nacionalista, como seu colega An-
""impaciência" e o "'ciúme" da flor. tônio Luiz de Moura.
A peça consta de uma curta .introdução que termina Manuel Joaquim Maria chegou mesmo a .aparecer como
abruptamente dando idéia da rutura, em traços largos. Se- :regente em 1868, tendo desaparecido depois, sem mais regis-
gue-se um canto verdadeiramente brejeiro, que vai sendo en- tro na diária.
trecortado _ de dois em dois compassos, para concluir num
retardamento melódico infenso à movimentacão do bailado. Um documento podemos revelar aqui, descoberto por nos·
Temos aí outra peça cuja classificação fÔi muito difícil .sa atividade didática, a. propósito dêsse famoso artista impe-
na época, uma vez que não se enquadrava normas rial: no livro n:o 2, de Registro do Conservatório de 1867,
puras da "polca de salão". Foi também chamada de Lundum, ·vêm dados que interessam de perto ao pesquisador. Diz o
·documento. "Manuel Joaquim Maria, filho de Joaquim Ma-
ma.$, ao ser publicada, como polca-lundu, porque .ria Costa Ferreira, natura.J. do Rio de Janeiro, com 21 anos
120
121
JE-------------- A MúSICA NO ALEGRE TEATRO
de idade matriculou-se, em 1861, na classe de violoncelo, fi--
cando dois anos fora da casa. Regressou em 1864 e perma-
nos estudos até 1868 ". . Jamais se pôde avaliar, em· tôda a sua extensão, o que
Nesse ano de 1868, Manuel Joaquim Maria ficou célebre, ficou, no ambientE' social do ruo de Janeiro, da primitiva
no Rio de Janeiro, com a publicação de sua original polca cultura tamoia. E como êsses silvícolas foram sempre amigos
Chora, Pitanga! inspirada num grito dado no teatro quando· e aliados dos franceses, resta também, sem resposta nos anais
um seu colega de nome Pitanga executava um trecho andan- da história, e na própria etnologia, o que nos deixaram, em
te eom muita expressão Iírico-dramática. razão da influência recíproca, essas duas etnias. A verdade
As danças instrumentais estavam consolidadas na Côrte· é que apesar de sérios incidentes políticos e sociais de con-
Imperial, quando em 1871, o Rio de Janeiro se viu repleto tratempos sem conta, no correr dos séculos, há qualquer coi-
de artistas de várias províncias, que resolver,un, após o sa de est.ranho, no· solo carioca, que talvez resulte de longín-
mino da guerra, pemanecer na metrópole com a dissolução quos e indeléveis traços culturais noutros tempos havidos
dos batalhões voluntários a que pertenciam. Muitos foram eatre os dois grupos étnicos referidos. Essa simpatia mútua.
os qu::! preferiram regressar aos lugares de origem, outros ou fato que melhor nome possa ter, nunca deixou de existir
mais expeditos, sonharam com a conquista da glória musi- entre franceses e cariocas. É possível mesmo que essa con-
cal, confiados na aptidão e talento que possuíam. Acabaram, vergência espontânea de ânimos, a que nos estamos referin-
porém, tendo que se dedicar, como os próprios naturais, às do, ierilia concorrido, embora indiretamente, para. favorecer
atividades dos saraus e bailes familiares, uma vez que não a vitória do teatro francês na côrte do Rio de Janeiro. E
possuíam capacidade para as lides do ensino, através da mú- quando foi preciso e oportuno, aniquilar a atuação ostensi-
va e nefasta das mediocridades que se encastelavam em nosso
sica clássica. teatro popular, nada melhor se achou que a troupe parisienne
É possível que o aparecimento de José Soa.res Barbosa,
na capital do Império, tenha tido origem num dêsses casos aue atuava no Alcazar Lírico Fluminense. Aí, além de bons
acima indicados. Tudo, porém, não passa de hipótese, uma ãrti.stas, existia ótima orquestra. J"oseph Arnaud, seu diretor,
vez que nad&. nos informam as verdadeiras fontes históri- conseguiu coisa surpreendente: espetáculos que·se iam aper.
cas. Era êle, não há dúvida, um excelente trompetista, pois. feiçoando à medida que o tempo passava, atendendo assim
até u1n concurso fêz no Conservatório, em 1883, onde foi ao gôsto de assembléias de ouvintes cada dia mais exigentes.
"habilitado", sendo o trompista João Soares Côrtes clas- Sondagens diretas, das preferências do povo, eram realizadas
sificado para a nomeação de professor do Conservatório. nos Cafés Cantantes da cidade chegando-se a resultados su.
José Soares Barbosa tornou-se conhecido, no Rio de Ja- mamente objetivos. As tendências das platéias cariocas ani-
neiro, pela sua polca Que é da cha?Je? a qual teve várias edi-- maram os artistas para a eclosão do teatro alegre, onde o
repertório dos vaudevilles demonstrou eficiência incalculá-
ções e se propagou por todo o Brasil. vel. Nesse ambiente, onde predominavam as côres, as modas
O estranho título causou muita impressão na côrte, e e, porque não dizer também, atrizes internacionais, era onde
outro músico respondeu com a polca Não sei da chave! os jovens os escritores os poetas os músicos iam buscar
O ano de 1875 foi um dos mais propícios às atividades vos conhecimentos e apurar o gôsto estético, servindo-se do
da música de caráter nacional. Os nomes mais em evidên- mecanismo da crítica especializada.
cia eram os de Henrique Alves de Mesquita, Joaquim Antô-
nio da Silva Callado, Viriato Figueira e José Soares BarbOsa.
A orquestra organizada para o carnaval dêsse ano, dirigida A FLOR AMOROSA
pelo contrabaixista D. Juan Caneppa, contava com Callado
na flauta e José Soares BarbOsa no trompete. Ambos esta-
vam em grandes atividades como compositores de músicas 11: êste o título da composição ligeira publicada logo
ligeiras que empolgavam a cidade. Foi quando saiu a maior o desaparecimento do "sempre chorado Callado ". O nome
novidade do gênero: a polca O Sr. Padre Vigário da autoria. estava intimamente ligado às imagens poéticas que vinham
florescendo no solo brasileiro, surgindo, ora no lirismo de um
do trompetista anteriormente indicado.
123
122
Casemiro de Abreu, ora na elegante e polida verve de um ex!bição da harmonia expressiva dos tocadores de vio-
Olavo Bilac. Aquêle impressionado com as "flôres do cora- lões. Era uma motiv<:.ção de ordem estética e tinha por nor-
ção", êste com a música brasileira, "flor amorosa de três ma quebrar a rotina estabelecida de uma terceira seção em
raças tristes". Essas fantasias, êsses devaneios, que hoje estão que se evocava o nefasto realejo do periquito.
sendo combatidos pelos modernistas, continuam a merecer Já na segunda metade do século passado os uutores na-
nosso respeito, porque tiveram seu tempo, foram também cionais começaram a escrever polcas com duas seções meló-
atuais e representam, sem ·nenhuma dúvida, imagens re- dicas e uma de interêsse modulatório, não apenas no tom
pletas de ternura. vizinho senão também com aglutinação de p.;:;ssagens cro-
Mas o espírito do investigador é levado para outros pla- máticas, evanescentes das resoluções excepcionais. Foi, aliás,
nos menos idealistas; o fato de se tratar de uma obra singela, essa fase, evolutiva em nosso cancioneiro, que margem,
o canto do cisne de um homem genial. O observador quer tempos depois, aos prélios em que se destacaram os tocadores
saber, por exemplo, em que condições foi publicada essa peça de instrumentos de cordas dedilh<:.das. A polca Traquina,
deix.1.da inédita, talvez até com outro título, bem como se que foi impressa em 1856, como de autor anônimo, e que
houve ou não algum abuso no momento da publicação1 por trazia, pelá primeira vez no Brasil, "os dedos marcados"
interferência de elementos saudosistas ou interessados na re- (dedilhado) que encontramos em um velho caderno de "pis-
percussão popular do acontecimento. ton" (do Sr. Veny Rodrigues França), na Fazenda do The-
Essas cogitações baseiam-se em dois fatos importantes: ;:,ouro, (norte do Estado do Rio de Janeiro), possui apenas.
primeiro, ter sido a obra impressa logo depois da morte do as duas partes cantantes a que acima nos referimos.
artista; segundo, o encontro de uma polca, no caderno de
flauta do ex-professor do Instituto Nacional de Música, Pe-
dro de Assis, com a mesma música e nome diferente, copia- CONFUSÃO OU EMBUSTE?
da em 1893. Êsse conhecido mestre foi também professor
-de um neto de Callado, de nome João Damasceno.
São, parece-nos, dois casos insolúveis, mas que não dei- Em matéria de Arte as coisas que a princípio parecem
xam de representar um valor cultural digno de nota. É que destituídas de importância civilizadora, trazem apenas ocul-
uma grande dúv.ida assalta nosso espírito diante do fato tas algumas de suas facêtas eloqüentes. Recentemente foi
que a seguir relataremos: polca A Flor amorosa, publicada publicada, por uma firmE!. desta praça, uma "canção" cuja
simultâneamente por duas editôras, trazia uma "terceira par- música é a mesma de uma polca do Callado publicada no ano
te" com um trecho completo retirado da Marcha Fúnebre de 1880. Mas, já agora, não se trata de "polca" mas de
.de Chopin. "canção" com o título ligeiramente alterado. Até aí tudo
A incerteza gera nova crítica: teria o grande se poderia explicar pela adaptação de letra num conteúdo
flautista sido inspirado por uma fôrça superior em forma musical, exigindo, inclusive, pequena introdução para pre-
de premunição? Não teria, ao contrário, a inclusão abstrusa, parar a entrada do canto.
-Eidc por algum espírito apressado para home.. Houve de fato, um tempo em que as polcas escritas ini-
a seu modo, o amigo desaparecido? Como quer que cialmente como música instrumental, receberam versos po-
seja, não se justifica essa ocorrência lamentável por todos pulares e se transn'lUdftram em canções seresteiras.
os motivos. O melhor, o certo seria a supressão da parte Poderíamos citar o caso da polca esçrita para flauta por
defeituosa, no ato da publicação. Mas isto não acon'.eceu Viriato Figueira da Silva, 1877, intitulada S-ó para moer,39
e o Trio de A Flor Am.orosa traz, com clareza meridiana, que foi muito cantada no interior, com os seguintes verseis.
uma frase inteira da célebre Marcha Fúnebre de Chopin. tniciais:
A crítica desconhece a responsabilidade no da "Senhor, tréguas a meus ais!
música pois, estava sepultado quando a edição foi lançada- Mata-me esta dor
no mercado. · De não vê-la mais", etc.
Ê preciso reconhecer ainda que, naquele tempo, era mui-
to comum uma polca somente com duas partes: a teréei- (Trovas e Cancões - 1910)
ra. era improvisada no momento, quando não, deixada para Catullo da Paixão Cearense)

1.2"4 125.
r
Fato semelhante aconteceu com a polca instrumental :Sica dramática, nos dois casos aludidos, não tem a necessária
de Albertino Pimentel (Carramona) Fantasia .ao luar que espontaneidade da melodia nascida da inspiração criadora.
também era cantada assim: Quer dizer, que quando um tema tem determinadas
rísticas, que lhe são própri;:ts, não pode ter nascido da con-
"Lá em São Cristóvão, jugação de duas artes autônomas, como é o caso da música
Onde fui criado", etc. e da poesia. Quando a consideração envolve a "forma musi-
cal" obrigatória, como no caso. das danças populares ou
A Flor AmoTosa, por estar relacionada com. a figura pularizadas (geralmente feitas na forma de rondó de cinco
vulgar e fascinante do maior de todos os flautistas de seu seções), a convergência da poesia sôbre a música é ainda
tempo (no Brasil), não poderia escapar dêsse chamamento mais assinalada. Não se poderia jamais escrever os versos,
:popular da arte dramática. Então, apareceram versos hoje digamos, de uma dança schottish, de uma polca, de uma
esquecidos que assim: valsa, para depois compor a música correspondente. Isto
mente ocorreria no caso de um decalque de outra valsa, de
"Dona Sinhá, outrg polca, etc.
Oh! venha cá Êsses reparos vêm a propósito de recentes edições de
Não seja má obra& do passado (entre elas A Flor Amorosa) onde certos
.t\ssim" . . . etc. esclarecimentos precisam ser feitos para focalizar ocorrências
obscuras as quais, embora parecendo sem importância,
Catullo, que não tolerava essas rnacaquices, viu que, com vertem inteiramente fatôres artísticos e culturais.
tantos ve1·sos assoantes, acabaria tudo gagá e, com espírito, Pela capa da polca aludida, que vem neste volume,
escreveu outros versos subordinados, é claro, ao texto musíclll J"ifica-se que Callado não colaborou nem pediu auxílio a quem
d<mtro da limitada esfera que lhe ofereciam os desenhos quer que seja para realizar a composição singela,
do, pois, um absurdo o que se tem divulgado nas últimas edi-
,sicais:
ções dessa famosa "polca., transformada em "canção
"Flor amorosa, lar''_
compassiva, Por causa desta palavra colaboração entre Callado e
sensitiva", etc. tullo, tivemos um trabalho sério para descobrir a verdade
sôbre o fato em tela.
Tudo está de acôrdo com a documentação que temos à Encontramos, finalmente, em Trovador Brasileiro, de 1880
'disposição em nosso arquivo. Rt>sta esclarecer um ponto a (épcca em que morreu Callado), livro de modinhas, lundus
que não podemos emprestar nossa colaboração nem o nosso e recitativos, muitas obras e tôdas, com exceção de Carolina,
.silêncio porque a História não perdoa a omissão premedi- hoje inteiramente desconhecidas. Em 1898 saiu a Lira de
tada. em edição da Livraria Quaresma, que, também, nada
traz sôbre as obras de nossos principais compositores
COMO NASCEM AS MúSICAS DRAMATICAS lares. No fim dê.sse ano, faleceu no Rio de Janeiro, o chefe
da tradicional- firma Buschmann Guimarães, pioneiro no gê-
nero, passando depois a propriedade da editôra para seu
Fugindo ao didaUsmo aplicado, sem nenhum propósito mão Ivianuel Antônio. Já no fim de 1899 saiu um precioso livro
:no caso presente, vejamos como são feitas as músicas em que "organizado pelo Sr. Gatuno da Paixão Cearense, distinto
.a poesia é indispensável: há dois processos práticos, que es- môço, conhecido poeta e prosador, excelente professor de
tão em pleno uso. Versos que emprestam seu ritmo a uma guas, nome que tôda gente conhece e tem aplaudido" (Livra-
melodia; música, já consagrada, que recebe versos adaptáveis na do Povo, Rua São José, 65 e 67 Rio de Janeiro) .
.ao seu metro particular. Nos dois casos, existe conexão entre
os elementos componentes sem o que o trabalho resultar.ia Perguntamos nós: que colabcma-ção foi essa na
um monstnngo sem· valor estético algum. Todavia, essa -ção de A Flor Amorosa? ·

127
:126
Lemos, com todo o cuidado a interessante publicação re-
ferida e nada encontramos sôbre Callado e seus contemporâ-
neos ...
Quem desconhece tais assuntos e sutilezas não deveria,
iamais, torcer verdades culturais e históricas! O futuro irá
desvendando os subterfúgios e deixando à mostra ·a ignorân- ,/_:-:
J _, :.;·:: """-.,
cia ou o embuste que poderão representar, na verdade, crimes. J ' .. ' ;;.

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cuja reparação mereceria um nôvo leito de Procusto. . f._\ :. ._ .. ·- .. ' /"


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128
ANALISE OBJETIVA DA POLCA BRASILEIRA .

. o presente estudo tem. por finalidade tomar conhecimen-


to das particularidades empregadas pelo. flautista composi-
tor quando procurava sustentar, através de exemplos eluci-
dantes, o que era a polca verdaqeiramente brasileira. A vida.
do autor foi, todavia, assaz efêmera, para poder servir de
exemplo suficientemente claro na busca de característic-as
próprias e estáveis. Contudo, uma observação bem dirigida
.há de apresentar qualquer resultado compensador.
Justificada a necessidade, ou melhor; a oportunidade· de
tal empreendimento, vejamos três obras publicadas no sé-
culo pass:;tdo que nos possam servir de orientação, na escolha
de trabalhos realmente evolutivos. Resolvemos, então, apre-
sentar as seguintes obras que obedecem a certa sucessão, mais
ou menos, uniformes no processo da composição:
a) Querida por todos - polca de 1869
b) Cruzes, minha primaJ! - polca de 1875
c) A d·esejada- de 1880

As datas aí ernpregadas se referem às publicações dos


2núncio·> das editôras, que assim passam a auxiliar na ma-
neira de avaliar e relacionar os recursos empregados péJo
.autor à medida que ia progredindo na. composição.
I. Querida por todos 40

Eis a síntese analítica da polca brasileira Querida por


todos, que foi publicada por Narciso José Pinto Braga- Rua
dos Ourives, 62, em 13 de janeiro de 1869 (Trazia a seguinte
nota que convém destacar: propriedade do autor) . A Casa
Narciso era um Armazém de pianos e músicas.
I - Tom de Sol Maior com o seguinte esquema formal:
Introducão semelhante a um estribilho onde o canto
vem no Segue-se uma parte contrastante com ritmo
si'ncopado bastante melódica que é, como a anterior, repetida
pelo processo do. Volta à introdução e conclui mo.
Nqta - Temos nessa original e admirável composição singela, vá.:. dulando para Mi menor. A seguir vem um trio, em Dó Maior,
rios fatos musicais importantes <L. considerar:
1.0 - · É obra instrumental, da literatura pianís;tica., e não uma que tem a forma normal. É um Rondó evolutivo apresen-
simples polka como se diz na "edição póstuma"; tando já uma estruturação que pode ser reduzida num es-
2.0 - Foi publicada 11 dias após a morte do genial artista, pare-
quema assim: A-· B - A1 -·-c- A.
cendo que ..de fato já estava escrita a parte de piano; I I - Canto no baixo com acentos métricos preponderan.
3.0 - Há um inconcebível aproveitamento do "motivo principal da tes onde o autor adota o processo popular usado pelos violo-
Marcha Fúnebre de Chopin", justamente na parte que constitui 10t
Trio. (Tom de Fá maior).
133
nistas quando empregavam harmonia secundária sôbre me-
lodia principal na voz superior.
I - Estribilho / II Interlúdio Estrofe Etribilho
III - Processos usados na construção dos cantos de se-
-1

I
ções correspondentes às alíneas B e C: conteúdo melódico A sem repetição B I
de interêsse popular com algumas peculiaridades como aque- A

I
la do 6.o grau baixado (como acento patético), que aparece repetido em e no mesmo repetida ritornelo
no 7.o compasso da primeira parte. A seção denominada trio si bemol maior tom em
sol menor normal.
tem muita originalidade principalmente na maneira de acom-
panhar o período da voz aguda. No 5.o compasso dessa se-
ção, existe um acorde modulante que, na literatura violonís- III - Estrofe ou trio Estl"ihilho
tica popular, tem o nome de faluJ.. O autor emprega ainda
c
no compasso n.o 6 um acorde alterado de poderoso efeito
expressivo.
Eis o ritmo exacerbado que integra essa composição:
em
mi bemol
maior.
I A
ritornelo
normal.

I
Exemplo: ----·
-..:c:='q;:
. .
Ji
--1
O material que serviu de base para esta análise, perten.
ceu ao neto de Callado de nome João Damasceno, e, como não
traz as indicacões cuidadas apenas servirão para focalizar o
... I I
aspecto pouco comum da forma rondá configurada .
Uma parte de flauta foi, depois, encontrada na Biblio-
NOTA: Prefere o acento rítmico ao métrico, suprimindo teca Nacional.
êste, clara e ostensivamente, no segundo tempo do compasso III - Desejada 42
binário simples.
"Polca do Comendador Joaquim Antônio da Silva Calla-
OBSERVAÇÃO: A forma rondó clássica, de cinco do ". A obra foi adquirida na Casa V.iúva Canongia, Ouvidor,
111.
foi aí modificada com o aparecimento daquele A- que, no
I - Começa no tom da peça (Dó Maior), e termina em 1
caso, configura um estribilho variado. Sol Maior
II '-- Seção modulante, a tom afastado, sem repetição,
terminando no tom de Sol Maior.
II - Cruses! minha prima! III - Repetição da primeira parte, porém concluindo no
tGm da obra, isto é, em Dó Maior.
Esta obra foi divulgada pela parte de fiauta, sem acom- IV- Trio, em Fá Mabr; modula para lá menor e con-
clui voltando ao tom inicial.
panhamento. Destinava-se, pois, ao numeroso contingente V - Retôrno ao estribilho.
de executores dêsse importante instrumento na Côrte Impe- VI - Outra parte em Dó Maior bastante expressiva e
rial. característica, onde os ritmos iterativos se sucedem abundan.
temente.
I - Tom de si bemol maior, com um esquema formal um VII- Finalmente aparece uma Coda sôbre pedal da tó-
tanto estranho, uma vez que usa um interlúdio entre a pri- nica.
meira seção e a que lhe segue, dando como resultado a for- É, como a análise sucinta revela, uma forma evoluída
ma abaixo exposta: .do rondá de sete secões.
Há muita motivação para uma análise mais detalhada
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que uma obra dêste gênero não comportaria. Contudo, de.,.
vemos destacar a forma dialogada que o autor introduz, nas
três composições aqui sumàriamente apreciadas, no seu as-
pecto musicai formalística.
N?,o podemos deixar de aproveitar a oportunidade, que
.se nos oferece, com esta rápida análise, para falar sôbre cer-
tas particularidades observadas no correr da interpretação
objetiva ou seja, da apreciação musical. Referimo-nos, ex-
pressamente, à forma, à estrutura, que, em Callado apre- CHóRO CARIOCA
senta uma certa peculiaridade de marcada índole nacional.
Seu Rondá absorve algo do ambiente e da tradição não po-
dendo ser, absolutamente, considerado forma simples. O au- Não há nada melhor para _nos encorajs.r na realização
.tor ia buscar, na temática brasileira, dados para uma justa de um trabalho cultural e artístico do que a necessidade de
(e real inovação que convém, de pronto, ressaltar. Ao aludido esclarecer a verdade e desfazer dúvidas. .
Rondá de origem européia, que se pode representar gràfica- Foi o que nos sucedeu ao ouvirmos, certo dia, a seguinte
_mente por A.B.A.C.A. onde A é o estribilho e B e C as estro- observação que nos deixou sumamente pensativo:· "O Chôro
fes diferentes, Gallado costumava aglutinar novos elementos Carioca nada mais é que um :fenômeno de catálise musical,
.como que pretendendo variar os contextos, seguindo suas onde a polca brasileira oferece os meios e as idéias para a
:inclinações vinculadas ao comportamento, por sua vez in- sublimação necessária e final".
terligado ao gôsto artístico da época. :í!:sse aspecto, de certo É uma oração lapidar, malgrado apoiar-se numa espe-
modo, atraente e original, Callado foi buscar nas manifesta- culação filosófica.· A verdade é que, de fato, o Chôro Carioca
·.ções da arte popular isto é, nas usanças e folguedos drama- somente começou a interessar de fato ao grande público do
tizados. Consiste essa derivante formalística na inciusão, di- Rio de Janeiro após haver a polc.a brasileira atingido seu apo-
riamos melhor talvez, na intrusão de coeficientes novos na geu nos salões dançantes da côrte de D. Pedro II. É preciso,
conhecida forma do rondá clássico europeu. entretanto, averiguar se essa ocorrência tem, efetivamente,
Que elemento nôvo seria êsse utilizado? Precisamente a importância que se lhe quer atribuir.
:aquêle que ficou patente ao analisarmos a polca de 1880 (De- Comecemos por esclarecer que a polca brasileira, parti-
sejada), onde sete seções se unificam num "rondá popular". cularmente como gênero dançante, já em 1883, estava em
Resultou essa concatenação de duas formas que se ajustam constante processo; de superação, com o aparecimento de
numa só composição. Vemos ali uma tercei.ra parte que se danças novas, mais compatíveis com a índole do brasileiro
vai anexar ao Rondá de cinco seções, sem jamais voltar ao em geral: o tango brasileiro (1871) de Mesquita e o samba
estribilho, como seria de esperar na mão de um autor clás- interiorano apresentado por alguns cultores estrangeiros no
sico. Em lugar disto, o que se nos apresenta é uma estrofe Skating-Rink na Rua do Costa, 31-A, em 1 de julho de 1878.
nova seguida de Cada construída sob a base de um belo e A polca brasileira, que estava generalizada em todo o
oportuno baixo-pedal. País, para não desaparecer adotou, dai ein diante, a forma
Não há nenhuma dúvida de que essa estrutura vem do mixta polca-lundu, polca cochicho, 44 polca cateretê: servia
velho cateretê ou de outra dança desaparecida onde, além de .assim de centro de equilíbrio formal emprestando às demais
uma introdução, para preparar o ambiente sonoro, existia sua estrutura básica de cinco seções.
um interlúdio entre o II estribilho e o trio (segunda estro-
fe) que tinha por finalidade dar ensejo aos violeiros de apre- A Aria-de-polca 45 representou a fase inicial da dança vin-
sentarem o passa pé. 43 Depois, seguia-se a moda-de-viola que da da Boêmia e também a sua fase evolutiva no Brasil, pela
estava incorporada ao todo formando o conjunto que servia influência que teve na ribalta dos teatros populares.
à ação dramática, de interêsse nitidamente cultural. O grupo chôro começou adotando a polca-de-serenata,
Não se pode dizer que seja uma forma brasileira, mas .que trazia como novidade, passagens modulantes em ritmo
isto é certo, constitui uma inovação da formalística nacional, acelerado, para contrastar com as modinhas dolentes e as
que se deve creditar às atividades artísticas de Callado. -valsas-canções que eram executadas nas noites enluaradas.
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IDENTIDADE DO CHóRO CARIOCA Parece que o primeiro conjunto teve por assim dizer
uma retroatividade -atávica, ao agrupar tôrno do
Êsse conjunto típico dos cariocas teve, inicialmente, pela. ta Joaquim Antônio da Silva Callado, tocadores de instru-
orientação de Callado, a seguinte organização pioneira: uma. mentos de cordas dedilhadas altamente dotados de tendên-
flauta, um cavaquinho e dois violões. Apresentava, assim, cias nativistas. Porém, a atividade dêsse genial artista foi
uma das melhores conformações, que se pode enquadrar no• uma espécie de _Iuzeiro, brilhou demais e queimou depressa:
modêlo do quarteto de câmara. morreu logo apos o carnaval em que tomara parte saliente,
Na sua peculiaridade, de cunho original, não admitia. a 20 de março de 1880, deixando como substituto lógico seu
intromissões do canto ou da bateria. colega Viriato Figueira da Silva (o Viriato). filho do mu.'nicí-
Era, pois, uma raridade ambiente, como organismo e uni-· pio de Macaé, do vizinho Estado do Rio de Janeiro, porém
dade autónoma. radicado na metrópole. Infelizmente, êsse artista, fecundo
Evoluiu na segunda metade do século passado, por cir- em imaginação criadora, faleceu três anos depois (abrJl de
cunstâncias a que não estiveram ausentes os prélios de acen-- 1883).
tuadas tendências virtuosísticas, tendo por centro de inte-- Estava assim impulsionada, através dos que ficaram sem
rêsse a flauta de ébano de cinco chaves. Daí proveio, talvez,. orientação, a onda de paixões intensas que se refletiu de per.
a nomenclatura popular de «orquestra-de-pau-e-cordas'' que to, nas manifestações artísticas dos contemporâneos. o im-
começou a ter no período experimental. pacto foi ampliado a primeiro de maio daquele ano, quando
o Jornal do Comérc.fo publicou a relação das obras mais su-
A atmosfera dos chorões, tal como se foi estruturando,. gestivas do ilustre artista fluminense desaparecido (o Vi-
plena de originalidades, trazia muitas singelezas, astúcias e riato), onde se destacava a polca Caiu, não disse!, que fôra
meiguices características da. sociedade afável do Rio de Ja-. feita antes, como motivação na fase ideal do conjunto típico
neiro, ante o impacto do romantismo ocidental que nos atin- dos cariocas. Ali também estava a polca de serenata, Macia,
gia tardiamente. Sàmente muito tempo depois o Chôro Ca- publicada em 1881, quando Viriato lembrava as passagens ex-
rioca, resultante das atividades do genial flautista Callado,
tomaria aspecto mais ou menos estável e o binómio auspicio-· pressivas do amigo e colega Comendador Callado, que, se-
samente celebrado. gundo se dizia, a17UJ,()'[ava na flauta de maneira invulgar. O
ambiente se foi .impregnando de tantos sentimentos, pela sau-
dade dos dois flautistas nacionais desaparecidos, que em agôs-
to de 1884, "saiu à luz" a polca, Quero chorar. . . não posso
COESÃO DO GRUPO-CHóRO de Viriato Teixeira da Rocha (Edição de Buschmann Guima-
rães).
Por uma questão de ética profissional, cada elemento· FATORES PSICOLóGICOS
do grupo chôro carioca deveria possuir qualidades musi.cais.
inatas e, ainda, em alto grau, tendências improvisativas. A
plangência dos violões, criando ambiente próprio, se deve- Com a polca Caiu, não disse! e sua resposta feita por
riam unificar flautas solistas e cavaquinhos com seus siste .. Ernesto Júlio de Nazareth com a Não caio n'outr.a, em ou-
mas harmónicos originais e sugestivos. Como se pôde dar tubro de 1881. estava formado o ambiente afetivo reinante
tal coesão iremos averiguar: o virtuosismo de alguns flautis •. entre os componentes do grupo regional da Guanabara. Po-
tas metropolitanos, percebido, desde cedo, pelo povo, (logo deríamos resumir essa amorável SI'"tuação com dois têrmos:
exacerbado pelas referências da imprensa), bem como a pre. confiança e simplicidade.
ferência oficial de determinados artistas, deu ensejo à eclO-- Era, sem dúvida naquela época, o flautista que costuma-
são e unidade do chôro carioca que, possivelmente, sem pos- va incentivar o gôsto pelo "chôro" aguçamlo as qualidades
suir ainda o apelativo referido já funcionava íntegro e com_ musicais inatas dos acompanhadores de ouvido, arranjando
tôda a eficiência. Junta-se a isso a influência do meio, sem. tropeços através de modulações exaustivas empregadas nas
o qual não teria consistência bastante para se manter irou .. "polcas de serenatas". Quase sempre, essas obras eram da au-
ne e coeso na sociedade em que se estruturou. toria do próprio flautista e nunca chegavam a ser editadas
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porque não tinham sentido dançante; sugeriarp, apenas, pes. riamente), .receberam, em nosso País, novas modalidades es--
soas que estão dançando. A finalidade da de tais tilísticas, passando a constituir motivação ideal para o grup()
_peças era jocosa: fazer cair o tocador de cavaquinho (Apa- denominado ch,ôro carioca. reduzido conjunto orques-
nhzi.te, cavaquinho). tral; incomum, excêntrico, e essencialmente brasileiro, desen-
Tal propósito, embora de sentido jovial, evidenciava, ao volveu-se, com çerteza, espontâneamente no centro urbano,
.contrário, as qualidades excepcionais dos executores; o obje- e não teve maior repercussão, em face das variedades cons-
tivo se estiolava, assim, pela prodigiosa capacidade inventiva tantes a que estavam sujeitas as iniciativas populares, mor-
.dos profissionais dos instrumentos de cordas dedilhadas. mente as de caráter diversivo. É preciso considerar também
.se adestravam com esmêro, superando qualquer dificuldade a instabilidade das soCiedades sul-americanas que se desta-
imprevista, e no momento da execução. Com isto, alguns càm, no universo pela sua inconstância e avidez de progresso.
executores populares chegaram a tal aperfeiçoamento que
tornaram célebres e afamados os acompanhadores de impro- DO CHôRO CARIOCA
viso, notadamente do cavaquinho. E, fato curioso: existia,
entre o músico solista, de orientação erudita, e seus compa- Definido e conceituado o chôro carioca, resta-nos agora.
nheiros, tocadores de ouvido, verdadeiros prélios artísticos, descer a detalhes sôbre sua possível eclosão no meio musical
onde havia abnegação e camaradagem, feitas em noites en- do Rio de Janeiro do século passado. E o faremos dentro de
luaradas, ou nas alvoradas que se seguiam às festas familia- certos limites que cumpre determinar: das polcas de salão
res. Os torcedores, que acompanhavam o grupo, cheios de do Império, ao aperfeiçoamento das chapas de gramofone.
.curicsidade e absortos pelas execuções das passagens Não é possível, como seria de desejar, descobrir-se uma
intr:ncadas, das polcas modulantes, rompiam em aplausos, data irifalível para o aparecimento do grupo chôro carioca,
quando o executor do cavaquinho, num piscar de olhos, rit- porque o fato em certo sentido, quase sempre se
.mava o arabesco complicado e cadenciava adiante, gingando GOnfunde com o folclórico, por não deixar vestígio histórico
·O corpo nos acentos das síncopes iterativas. A perspectiva suficientemente positivo.
do malôgro, ou a possibilidade de fiasco. do acompanhador, Contudo, já sabemos, com certeza, que "as polcas de se-
tinha suas revanches, quando o flautista engasgava num renatas", que deram por "fenótipo" o chôro, estão relaciona-
salto de mais de duas oitavas, ou não atacava o motivo após das com a figura simpática e atraente do imortal flautista
um rasgado (strapata) convencional, dos instrumentos de
.cordas. Nasce daí uma expressão sestrosa: "que discaída!" Callado.·
·quando o instrumentista descia na inflexão melódica carac- Como chegarvos a essa informação persuasiva?
terística.
Um documento autêntico prova a existência dessa prá- Porque, nas várias buscas efetuadas, encontramos, em
tic!). motívica: a polca "Apanhei-te, cavaquinho muito própria mãos de um seu neto que foi aluno do Instituto Nacional
:para serena tas ". de Música, duas polcas inéditas, uma delas sem nome, que
era obra escrita para chôro. A refer,ida peça oferece, de fato,
O CHôRO E AS SERENATAS as dificuldades modulantes próprias do estilo e tem o nome
sugestivo de "Perigosa".
Tôdas as peculiaridades do. chôro carioca, até aqui refe-
ridas, não teriam razão plausível, sem o aparecimento das ORIGEM DO CHóRO CARIOCA
:polcas e quadrilhas de contradanças, feitas sempre em tom
:maior e movimento animado, assunto que comporta a jus- O nome chôno está intimamente ligado a um conjunto
tificação do virtual desaparecimento do lundu, (em certa instrumental surgido no solo da Guanabara. Tem, pelo me-
época) como obra autónoma e popular, nas iniciativas dos nos, três origens prováveis que talvez resultem de colisões
músicos metropolitanos. As peças dançantes, da música pura, culturais: a idéia de cordas que choram, como "chorar no·
jmportadas principalmente <:la França (que mantinha, na pinho" ou "lundu chorado" porque executado em instrumen-
côrte do Rio de Janeiro, teatro dramático funcionando dià- to de cordás; segundo o aludido caso' do "chôro rio Paraíso"
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e, finalmente uma "colisão cultural" entre chôro de chorar -pontânea: a os europeus e a pol-
e chorus, igual a côro em latim. A convergência cultural ocor. ;ca da mesma procedenc1a; depms, a exclusao da voz humana
rera por um equívoco prosódico gerando a galhofa. Com ..e dos instrumentos de percussão.
i efeito no catálogo da antiga Casa Edson, do ano de 1920, dis-
tribuído como resumo das atividades de mais de uma década,
Da modinha, do início do século, conservava os tracos
-culturais das modulações imprevistas, como se verificava em
il ·vem a palavra chôro relativa aos chorões e chorus a pequenos ·um Cândido Inácio da Silva. Como traço ancestral acolhia
l conjuntos que ali gravavam no início do século. Está aí a a flauta (membi) que era o instrumento mais .utilizado pe-
comprovação documental da "colisão cultural". Jos silvícolas do Brasil. E, finalmente, o espírito buliçoso e
Tanto isso é verdade, que a originalíssima Chiquinha -outro tanto burlesco do mestiço ladino.
Gonzaga, já em 1889, lançava no mercado, da música ligei-
ra, o tango característico, de sua autoria, Só no chôro, que
como nos parece, é a mais antiga referência escrita sôbre o DECADÊNCIA DO GRUPO CHôRO:
palpitante assunto. Convém frisar, entretanto, que, nessa
época, não havia um tipo formal de música destinada aos
_grupos de choros existentes na Guanabara: podia ser um Se, por um lado, há dúvida sôbre o início da evolução
tango, uma valsa-canção, uma polca, etc. ,do acontecimento singular que foi o chôro, não existe incer.
teza sôbre a área geográfica onde efetivamente se desenvol-
veu. Porém, o grupo chôro, mal se esboçava no conceito po-
INTEGRAÇÃO DO GRUPO INSTRUMENTAL pular, e já alguns elementos ligados à música chula, contri-
-buíam, com sua ignorância e intromissão, para o estabeleci-
A divisa estética dêsse grupo de executores regionais, se mento da confusão entre o todo e a parte, isto é, o conjunto
.consubstanciava na premissa da execução primorosa. E, com instrumental e o gênero ou forma da música que executava .
efeito, dessa decisão unitária, surgiu, na música popular, o E a polca brasileira movimentada e dinâmica, por uma assi-
conjunto mais equilibrado que até agora possuímos. A êle :milação vulgar, passou a ser conhecida como chôro, embora
estão vinculadas as figuras quase legendárias de Callado e realizada por qualquer agrupamento musical, inclusive as
Viriato, em razão das célebres tertúlias em que o conjunto bandas e fanfarras. Tempos depois são os tangos de um
_famoso se fazia ouvir numa assembléia bizarra de animado- .Ernesto Nazareth que assim aparecem confundidos.
res e diletantes, que os aplaudia freneticamente. Não tar-
daram as intimidades do convívio, nos ditos amaráveis usa- Na época surgiu o primeiro catálogo da Colúmbia (1910)
dos, pelos amadores, para mimosear quem, com tanta inspL q_ue traz, além de várias notícias importantes, precioso sub-
ração e virtubsidade, fazia a flauta "chorar amaciando nos sídio para a história do grupo-chôro do Rio de Janeiro. É o
_gorgeios de um sabiá imaginário ". registro de famosos músicos do povo cujos nomes estão li-
Foi impressionante para o carioca o desaparecimento dos _gados às atividades nacionalistas do original conjunto bra-
dois flautistas chorões, ambos falecidos com a idade de 32 sileiro: "Chiquinha Gonzaga ", "Quincas Laranjeira" "Lulú
.anos entre 1880 e 1883, um em março, outro em abril ... O .do Cavaquinho", "Grupo do Honório", "Grupo do Luiz de
·povc ficou traumatizado de tal modo, que, no ano seguinte, .Souza" e do "Januário ", para citar apenas os mais conhe-
uma frase pessimista começou a invadir a cidade: "quero ·cidos. Êsses grupos eram tão importantes, no meio social,
chorar, não posso!" Depois, como dissemos antes e não po- -que, em pouco tempo, suas gravações, em chapas de fonó-
·dia deixar de ser, apareceu a polca com êsse nome (27 de _grafos e gramofones passaram a constituir verdadeiras pre-
.abril de 1884). ciosidades. E, daí em diante, por questão de interêsse ou
:mesmo evolução, já não se respeitava mais, em rigor, a tra-
COMPLEXOS DE TRAÇOS CULTURAIS -dição da flauta como elemento indispensável à formação do
_grupo orquestral. Tanto isso é verdade que Luiz de Souza
do grupo dêsse nome era trompetista de fama, e muitos dos
Temos motivos para falar dos fundamentos e organiza- denominados choros da época .constavam apenas de instru-
·ção do chôro carioca, que se fêz pelo processo de evolução es- mentos de cordas dedilhadas.
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E, portanto, um período em que a estrutura do grupo
começa a flexionar no sentido da variedade ou da extensão,
assunto que, como se tem visto, nas iniciatiYas do povo, cos-
tuma terminar em confusão generalizada.
Já noutras publicações, do mesmo gênero (1912 e 1913
da Odeon), a intrusão do gênero musical sôbre a homogeneL
dade formal, do grupo-chôro, é flagrante. Vem, essa ubi-
qüidade, do grupo dos Irmãos Eymard, que tudo indica, não
estava suficientemente vinculado ao tradicionalismo musical
dos brasileiros. Poderíamos dizer o mesmo do "Grupo de IMAGINAÇõES EM CONFRONTO
Manuel Pereira", composto de saxofone, trompa, trombone
e baixo, que deu motivo à sátira popular, a que se juntou
a verve carioca, na denominação de grupo dos tr.astes (uten- Não possuindo o homem método científico para medir
sílios por antinomia de tasto dos instrumentos de cordas de- a capacidade artística, avaliar numericamente a grandeza de
dilhadas). duas celebridades que se encontram eventualmente, no mes-
No ano seguinte (1914), o catálogo foi ampliado passan- mo tempo e espaço determinados, usa uma teimosa e sútil
do a focalizar a peculiaridade do chôro evoluindo para a praxe que consiste em comparar os valores por dois processos.
absorção completa da polca estilizada. Aparece aí o "Grupo hipotéticos: ora, apela para a simpatia, qúe é frágil como
do Malaquias ", formado exclusivamente de instrumentos pro- uma bôlha de sabão; ora, para a notoriedade, que resulta, qua-
venientes das Bandas de Música· (Clarinetas, trombone, sax- se sempre, de intensa preparação psicológica. Ê uma ação, até
horne e baixo). :í!::sse procedimento arbitrário transforma com- certo ponto, nefasta, sobretudo para o real progresso da Arte,
pletamente a história do chôro carioca, em sua autenticidade porque se exerce, no n1ais das vêzes, como verdadeira obses-
original. Ê uma pequena fanfarra executando polcas am- são. Entretanto, na época das prima-donas, era essa obsessão,
bientadas. E, para cúmulo dos desmandos, grava uma autên- ainda mais acentuada. Nos centros populosos onde essa es-
tica polca de Viriato (Oomo é doce), como polca-chôro, numa pécie de mania impertinente, não havia sido controlada nem
flagrante deturpação histórico-cultural. defendida pelos diletantes e amadores, P.xtravasava para ou-
O sumário da Casa Edson, de 1920, tenta encontrar uma tros setores da arte contemporânea. No Rio de Janeiro, por
solução justa para o problema do chôro (já aí em plena con- exemplo, notamos através da história, que essa prática co-
fusão), através das críticas sensatas de Chiquinha Gonzaga meç::m a ser utilizada para acirrar os ânimos entre artistas
e Ernesto Nazareth. O ponto de vista formal e estético fixou- de várias categorias como foi o caso Reichert e Callado.
l';e na polca de feitio nacional, em andamento rápido desde acontecimento começou, de fato, a se projetar sorrateiramente,
que não se uzassem retenções de movimento. O modêlo es- segundo se depreende das palavras empregadas por Leporello,
tava no Apanhei-te,· cavaq-uinho, (1915) "polca muito pró- na Revista Musical de 27 de marco de 1880. Diz êle: -"Rei-
pria para serenatas". chert não poderia já competir éom aquêles que, em outros
. Como, porém, o assunto continuou controvertido, escre- tempos, apenas ousariam aspirar à honra de serem seus dis-
veu Nazareth um chôro autêntico a que deu o nome de Ca- cípulos. Os .se.us ruins instintos acordaram mais enérgicos
vaquinho, porque choms. (Edição, sem data, da Casa Car- que nunca para empolgar a sua prêsa, tanto mais ferozes e
los Gomes). · insaciáveis, quanto por várias vêzes tinham sido vencidos".
Nessa mesma Revista, na página 54, vinha a notícia do fa-
Entretanto, já em 1926, o chôro estava em franca evolu- lecimento dos dois flautistas aludidos e através das palavras
ção para outras tendências, passando para as cogitações dos publicadas podemos ver, nas entrelinhas, a ponta de um véu
autores eruditos,, e também para os cprüentáriqs infelizes de mal encoberto: "No curto espaço de oito dias, desapareceu
muitos neófitos arvocados em críticos musiGáis. d'entre nós o afamado concertista e compositor A. Reichert
sôbre o qual o nosso ilustrado colaborador Leporello nos en-
viou um artigo que em lu,gar competente, e o flau-
tista Joaquim Antônio da Silva Gallado que, se bem não fôs-
se uma celebridade da ordeii1 do primeiro, soube com peque-
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I nos elementos de progresso que oferece a arte no Brasil, su-
bir a uma altul"a inteiramente fora do vulgar, como executor
.seguintes têrmos: "Certa vez voltando Callado de uma lição
chegou à casa de música, trazendo a sua flauta de ébano de
no seu instrumento". cü:1co chaves. Alguém o convidou para subir, pois o Reichert
Vê-se claramente a parcialidade nos julgamentos, pois ia tocar para um pequeno auditório". Segue-se a descrição
Callado também era um músico popular como o outro, ape- do hipotético encontro entre os dois concertistas.
nas guardadas as proporções no âmbito internacional, de Quem lê atentamente as duas versões, sabendo que am-
que não cogitara o grande intérprete carioca. Mas tudo isso bas são fruto da inventiva popular ou da imaginação fér-
surgiu por duas razões quixotescas: a flauta de prata de til, fica sem saber se o que se procurava com 1sto era con-
·'1
Reichert, e a de ébano de Callado; 46 a decadência financeira versa para encher papel ou zombar da ignorância dos in-
e a saúde abalada do artista belga em contraposição com a cautos recopiadores do futuro. O certo é que o assunto é de-
Jlp i'ápida ascensão e glória do intérprete nacional.
l·i veras gaiato!
O estado deplorável a que chegou Reichert, no ano de Nessa altura, podemos destacar tudo o que há de inve-
:;: 1879, levou êsse gigante da flauta à mais triste condição rídico no artigo intitulado Galeria Sonora, para, a seguir,
ii
!I humana! Teve de ser internado na Santa Casa da Miseri- averiguar o que ainda resta para esclarecer devidamente.
l' l córdia do Rio de Janeiro. Ali o foi tentar salvar uma alma
nobre e generosa que, afinal, nada pôde fazer diante da fa- Comecemos por dizer que Callado não foi o primeiro pro-
i! talidade da morte do ilustre artista, poucos meses depois. fessor de flauta do Conservatório, mas sim Francisco Mot-
j,i
i•,I Callado, ao contrário, nesse ano de 1879, muito jovem ta 4 7 que faleceu deixando a cadeira vaga em 1859. Seu subs-
1 ainda, conseguiu ser condecorado com o grau de Cavaleiro tituto interino foi o clarinetista Antônio Luiz de Moura, e
.,.!1 também o flautista Santa Rosa. No ano de 1871, apareceu
da Ordem da Rosa (Comendador) além da estabilidade eco-
'!:
nómica que possuía por ser um dos professôres do Imperial Callado como professor do Conservatório de Música, sendo
Conservatório de Música. Quando, em fevereiro do ano se- portanto o terceiro na ordem cronológica.
guinte, apareceu tocando nos festejos carnavalescos, jamais Prosseguindo nessa resenha, nosso desejo não é outro
'"i
se poderia supor que, daí a pouco, seria vítima da terrível senão chegar à verdade dos fatos históricos.
l}j epidemia que o levou à morte no mês seguinte. Consultando os jornais cariocas vamos encontrar Cal-
I">
l1 Não é justo, pois, que se faça paralelo entre duas vidas lado tocando segunda flauta no festival que se realizou no
assim, quando sabemos que a Arte tem outras aspirações e Teatro Ginásio Dramático, em benefício do eminente
enlêvados caminhos para falar às almas bem formadas assun- tista Reichert, concerto que, por sinal, contou com a pre-
r to de tal grandeza ornamental. sença da família Imperial. Isto aconteceu em julho de 1866
w ·e foi uma verdadeira apresentação do ilustre executor bra-
sileiro às grandes platéias da côrte.
H QUEM CONTA UM CONTO ...
Nessa época, Callado Júnior não era sequer conhecido
m
l• Um artigo publicado por Mariza Llra, com o título Ga- no Rio, pois todos admiravam o grande músico que era seu
);I!
leria Sonora, focalizando intrigas e perfídias envolvendo os pai, o professor Callado, da banda de música da Sociedade
hl Musical União d.'JS Artistas. No ano seguinte morre de en-
nomes consagrados de Reichert e Callado - dois flautistas
da mais elevada categoria - e que foi recopiado, sem a de- docardite Joaquim Antônio da Silva Callado (pai), com 52
vida correção, obriga-nos a uma explicação obj etiva e do- anos de idade deixando viúva D. Mathilde Joaquina de Souza
cumentada. Callado.
Em Galeria Sonora, conforme acima indicamos, diz Ma- Depo.is do desaparecimento do pai, Callado, com maiores
riza Lira: "Aí por 1860 (sic) convidado Callado para um encargos e responsabilidades, procurou recompensar, pelos
sarau em um dos mais aristocráticos salões da cidade, ao estudos excessivos, as dificuldades económicas em que se en-
chegar, notou, entre os artistas presentes, o célebre flautista contrava tôda a família sob sua proteção.
belga André Matheus Reichert (Matheu André Reichert). Enquanto Callado estudava e subia nas posições que ia
A professôra Iza de Queiroz comentou também outra conquistando, Reichert, imprevidente, e, mais do que isto,
passagem de Mariza Lira, mais ou menos semelhante, nos desambientado, caía na mais triste das falências: a ruína
146 147

I
i.·.·.·;.. i·l
da saúde e da algibeira. . . A tal estado chegou que teve,
como se disse antes, de ser recolhido à Santa Casa da Mise-
ricórdia. Aí o foi buscar já em 1879 um grande artista pe-
nalizado de sua miséria moral e artística - Pereira da Costa.
Na residência dêsse abnegado concertista, Reichert faleceu
em março de 1880, portanto um ano após haver sido tentada
sua recuperação.
Ninguém vai acreditar que Caliado, um artista daquela.
envergadura, fôsse pensar em competir com o verdadeiro
fantasma que era aquêle que se tentava sustentar com palia-
tivos de efeitos morais e sobretudo filantrópicos. O que sa-
bemos nos leva a outras conclusões inteiramente contrárias.
a essa premissa: A Vidw Fluminense registra, em 1873, um
outro concêrto que foi organizado para salvar a situação
desesperadora em que se encontrava Reichert. Nesse festival,.
em que Callado novamente tomou parte, colaborando com
Reichert, êste apresentou uma Fantasia para flauta e um
Rondó Caprichoso, de sua autoria, e os dois expoentes da
flauta executaram um duo na Variação sôbre o Carnaval de
Veneza, escrito expressamente para o admirável instrumento.
Outra brilhante invencimüce se refere a uma perfídia
praticada contra Callado e que resultara em uma vitória
espetacular: estava presente D. Pedro II a uma festividade
em que Callado deveria executar um solo de flauta. Tendo
deixado o instrumento num lugar qualquer, urn .invejoso
desparafusou uma chave com intuito de o deixar em difi-
culdades. insuperáveis. Mas o solista percebeu o defeito e
conseguiu ir até o fim brilhantemente. O resultHdo deixou
todos perplexos. Dizem os comentaristas despreocupados que
por .isto foi agraciado pelo monarca que do ocorrido teve
pleno conhecimento.
Aqui é preciso tirar o chapéu a essa patacoada! Não
sabiam, por certo, os mal informados, que a comenda de
cavaleiro da Rosa fôra conferida a Callado juntamente com
as de todos os professôres efetivos do Conservatório naquêle·
ano fecundo em honrarias. Elas se destinavam a prestigiar
o trabalho honesto de tantos educadores do ensino oficial
da música, conforme atesta longo artigo da Revista Musical' REVISTA ILUSTRADA
de 1879. Côrte Publicada por ANGELO AGOSTINI
O DESTINO DESCONHECIDO ... Foto de 1880
Um jatobá arrancado violentamente pela tormenta e arro-
jado à terra em que nasceu e viveu, na encosta de um monte
é a figura que nos invade o pensamento quando imag.inamos
148
e refletimos sôbre as conseqüências do desaparecimento de
um artista de imensas possibilidades criadoras, o qual teve
suas atividades cortadas pela brutalidade de morte violenta.
Começara o ano de 1880 cheio de expectativas e benes-
ses· reveladas nos desejos de uma "vida próspera e feliz",
como diziam as mensagens de Ano Nôvo.
A primeira polca que "saiu à luz" tinha por meta: criti-
car a decadência carnavalesca da famosa rua das Violas, que
juntamente com a da Quitanda, durante muito tempo, man-
tiveram a preponderância nos festejos de morno, nos .idos
venturosos da Baderna. A obra referida (Edição de Arvellos)
Adeus Violas! 48 apresentava um dito popular antigo como
dardo atirado às escondidas para, com mais serenidade, atin-
gir o alvo preferido.
Callado, nessa época, era a figura mais popular da me-
trópole, notadamente entre as senhoras casadouras que dêle
precisavam para as festas de apresentação das jovens à so-
ciedade elegante. Era êle um espírito enlevado (também
muito levado!), e conservava de seus ancestrais uma filoso-
fia da figura feminina, realmente curiosa: "cortejar sempre
que possível porque os meios fazem chegar aos fins". Essa
frase, de sentido ambíguo, era o trampolim "que fazia chegar
até lá." Aqui, outra metáfora de fina argúcia, pois a nota
lá era o limite máximo da escala no sistema hexacordal usado
até então.
Que o espírito de Callado estava sempre voltado para a
beleza feminina não há qualquer dúvida, bastando para isso
um ligeiro relance de olhar sôbre os títulos de algumas de
suas composições do gênero alegre, tais como: Ernestina,
Salomé Polucena, Maria Carlota, Munuelina, Ermn·linda, etc.
Juntemos a isso o rol das expressões íntimas, que êle
ia lançando nas composições relacionadas, com o domíruo
do bem-querer: Cruzes, minha prima! Mimosa, Suspiros, úl-
timo Suspiro, etc.
Porém a última mensagem, do enérgico espírito conquis-
tador, veio no dia 19 de fevereiro, quando a firma Narciso
divulgou "a Desejada, polca do Comendador J. A. da Silva
Callado, Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa e Professor
no Imperial Conserva tório e Lyceu de Artes e Ofícios ".
Um mês após êsse verboso encomio, o corpo inerte desse
homem, que representava um dos primores ornamentais da
vida boêmia, da cidade, descia silencioso, à sepultura no São
João Baptista, com pequeno acompanhamento de amigos por
haver sucumbido de doença contagiosa e estar sendo proibido
qualquer tipo de aglomeração humana.
151
ANACLETO
ANACLETO DE MEDEIROS

qi (1866 - 1907)
'li
.,'li

Anacleto Augusto de Medeiros nasceu na antiga


dos Muros (depois Dr. Aristão e hoje Príncipe Regente),.
I no dia 13 de julho de 1866, na ilha de Paquetá.
,''
!
Era filho de Izabel de J\·fedeiros e foi batizado na "Fre-
I guesia do Senhor Bom Jesus do Monte de Paquetá". Foram
• seus padrinhos Antônio de Souza Malta e Alexandrina de
J Medeiros. Seu nome foi dado de acôrdo com a indicacãO'
da folhinha, pois nasceu no dia de Santo Anacleto. ,
IIiI
j

I UM ACASO FELIZ
I
m
Acontecimento imprevisto, ocorrência que não sucede
] duas vêzes na vida, veio possibilitar a aquisição de impor-
tantes dados biográficos de Anacleto de Medeiros.
i 1
ij

l !
t)
Comemorava-se o Jubileu do Corpo de Bombeiros da
então Capital Federal e o ato deu oportunidade a que·
Anacleto escrevesse uma das páginas mais sugestivas de
nosso arquivo marcial especializado - o dobrado Jubileu.
A Gazeta de Notícias, um dos maiores e mais impor-
tantes órgãos informativos da época, tomou parte ativa
na efeméride armando, inclusive, uma barraca no interior·
j;,;
do quartel. O fato vem registrado em notas e fotografias
publicadas que ilustram os comentários alusivos ao
Tôda a primeira página do referido jornal, do dia 8 de
julho de 1906, foi dedicada às comemorações; porém, ne-

I nhuma palavra foi escrita sôbre a coisa mais importante

I
I_
nesse dia festivo: a banda famosa e seu nôvo dobrado.
157
Anacleto ficou :ressentido, e com muita razão, o mesmo sica, dedicou e ainda dedica, todos os seus esforços
:acontecendo com os demais componentes do conjunto, pois no aprimoramento da referida organização.
,êles viviam mais do resultado de suas ações artísticas, no O saudoso Carlos Gomes quando estêve hospedado
meio social, do que das glórias militares. na ilha de Paquetá, era incansável em elogiar o
:Êsse acontecimento ficou positivado quando, no dia 13 talento musical de "seu caboclo", como o tratava.
de julho, daquele mesmo ano, a Gazeta de Notícias fazia o grande maestro, não só pelas suas inspiradas
gestões para que a referida banda, sob a regência de Ana- produções, como pela afinação severa dos instru-
cleto, comparecesse às solenidades que faria realizar dia mentos de sua pequena banda, que êle conseguia
15 no seu clube de São Cristóvão. obter, apesar de seus instrumentos serem, em sua
Souberam os diretores que havia uma certa queixa, em maioria, de diversos fabricantes.
vários se tores, causada pela injustiça do comentarista; que
os argumentos dos músicos eram justos e que os ressen- A filha dêsse ilustre maestro ofereceu-lhe um retrato
timentos dificilmente poderiam ser contornados, no mo- ·do pai, quando Anacleto, a seu pedido, executou, em um
mento. coreto do Largo da Lapa, a Protofonia do Guarani.
Era, porém, a data natalícia de Anacleto e a solução É, atualmente, mestre da banda da Fábrica de Tecidos
salvadora veio no registro do importante acontecimento. Bangú.
Por isso saiu na primeira página do jornal o retrato do Sua última produção é o dobrado Jubileu, oferecido ao
regente e compositor bem como sua autobiografia que aqui Corpo de Bombeiros e executado durante as últimas festas.
transcrevemos, na íntegra: Tem por motivo o "sinal do Corpo", o qual é ouvido durante
·a execução, em diversas partes da inspirada composição.
"Faz anos hoje o Anacleto. Conhecem-no todos. O vigário de Paquetá, atendendo aos vários serviços
É o mestre da banda do Corpo de Bombeiros. prestados por êle à igreja, cedeu perpetuamente, a sepul-
Anacleto nasceu em Paquetá a 13 de julho de 1866, tura em que descansa sua idolatrada mãe, D. Isabel de
sendo anos depois, aprendiz de flautim e sax de Medeiros.
uma banda que existiu naquela ilha .. Saudamos o grande Anacleto, no dia de seu aniversá-
Matriculou-se, em 1884, no então Conservatório de -rio."
Música, tendo colega Francisco Braga, obten-
do a carta de professor, em. 1886. PERSONALIDADE DE ANACLETO
Fundou o clube "Gutenberg", quando aprendiz, e Na bucólica ilha da Guanabara, onde desde a infância
mais tarde oficial, de tipógrafo da Imprensa Na-
cional. viveu, tomou conhecimento da música que ali chegava -
cheia de esperançosa alegria, no bojo de embarcações fes-
Com alguns músicos da extinta banda de Paquetá tivas - e sentiu os primeiros lampejas da inspiração cria-
fundou o "Recreio Musical Paquetaense", escre- ·dora. As belezas profusas, existentes no limitado espaço
vendo para êsse conjunto, diversos cantos sacros, onde as água tranqüilas parecem acariciar paisagens de
missas, Te-Deum, que têm sido cantados em várias lenda, se fixaram em sua mente contemplativa.
igrejas, principalmente em Paquetá, onde dirigiu E quando isto se deu?
muitas festas internas e externas. Justamente no momento em que seu espírito enlevado
Convidado em 1896, pelo tenente-coronel Eugênio ·contemplava a quadra fagueira - da infância à juventude.
Jardim, que era, então, comandante interino do Criado no meio humilde em que nascera, nem por isso
Corpo de Bombeiros, para dirigir a banda de mú- ·deixou de tomar conhecimento das grandezas da arte atra-
1.58 159
Iutamente relativo. Q, que. nos informam críticos e histo-
vés das histórias contadas pelos mais velhos que conhe\.:li:urr_ riadores sôbre Anacleto, antes da tomada da ilha pela fôrça
as realizações programadas ali em homenagem ao Príncipe, legal, em 1894, tem qualquer coisa de incerto ou fantas1oso.
Regente. Não há, por assim dizer, nada de positivo nem compatível
Para se avaliar em extensão a vida artística de Ana-- com a história. Muito menos existem provas documentais
cleto de Medeiros, é preciso tomar como ponto de referência para o que se Q.iz como se essa mesma história se pudesse
a Revolta de 1894, quando a ilha de Paquetá foi, primeiro- limitar a algumas anedotas de efeito ou bizarras- inven-
tomada pelos revolucionários e, posteriormente, em 17 de cionices de pessoas despreocupadas.
março, reocupada pelos legalistas do marechal Floriano Pei-- A mais antiga referência que conhecemos, até agora,
xoto. Segundo se depreende das notícias veiculadas pela im-- sôbre Anacleto de Medeiros, como Regente, é a que vem
prensa diária, notadamente O Paiz, de 24 de fevereiro da-- .no dia 22 .de fevereirQ de 1895, no jornal O Paiz:
quele ano, a ilha foi totalmente abandonada pela população,. . . \ '

na data acima indicada. "0 maestro Anacleto de Medeiros é. a. queín está


Ora, a família de Anacleto também se deve ter refugiado· confiada a direção da maior de tôdas as ba:ndas,
em Magé, como as demais. que se pode imaginar; garantimo$ que erp. varie-
dade de polGas, valsas etc.,, ninguém o imitará.'.'
--III-- E adiante:· · . .·.
"Regente da orquestra, Anacleto de MeQ.eiros di-
"O Paiz (Revolta restauradora) . rigirá as 300 mulatas J.Ilaxixeiras." ·
Rio, 24 de fevereiro de 1894: "Os frigoríficos J ú- ·
piter e Mercúrio escaparam milagrosamente do .. · . Era a festa de carnaval que se realizava no. T.eatro
fogo da Madama e se refugiaram nas proximidades. Phenix onde o maestro Mesquita exercia o cargo de regente
das ilhas de Brocoió e Paquetá. .titular. . . .· .. . , .
A luta recrudesceu com as salvas com que os gover- · . Já no ano seguinte, quando passa pelo Rio, rumo , a
nistas saudaram a data da República." Campinas, o cortejo fúnebre. de Carlos Gomes (51), é
No dia 28 de fevereiro, Magé foi libertada pelas quita que dirige, na igreja. de S. Francisco, a banda -de
tropas de Floriano, e Miguel Inglês que era consi- música de Paquetá, criada e dirigida por Anacleto de· -Me-·
derado a "alma da revolta em Magé", caiu prisio- deiros.
neiro. No dia seguinte as famílias, inclusive a de· Considere-se, também a importância de Mesquita na.
Anacleto, respiravam tranqüilamente. educação musical de Anacleto, pois e.ra professor do Con-
Foi apenas uma fantasia a tomada da Ponta da. servatório quando êste ali estudou. Mesquita, em 1886, já era.
Areia; "os rebeldes estavam perdidos." Cavaleiro da Ordem de Cristo, tinha 56 anos e Anacleta,·
É essa a origem que a tradição nos dá da Fantasia . era apenas um jovem de 20 anos de idade. · .· ·, , ·
28 de fevereiro, da autoria de Anacleto. Um fato nôvo veio agora dar maior realce às · infor_.
mações da Gazeta de Notícias, de 1906. No livro de atas.
É uma página realmente triste de nossa história essa. do Conservatório de Música, 1881' a 1889, destinado·
em que uma população pacata e humilde, é submetida a. às "juntas de professôres" encontramos à página 29 verso,,
holocausto por circunstâncias alheias a sua vontade, como· a confirmação da notícia da conclusão do curso de Anau
organismo social e político deliberativo. cleto, em 14 de dezembro de 1886. Foi aluno de clarlne.ta.
Antes dêsse acontecimento trágico, que ficou marcado, na classe de Antônio Luiz de Moura e colega; .;:portanto, de
nas poucas informações da imprensa, tudo o que se sabe Francisco Braga..
de Anacleto, tem por contingência própria um valor abso--
161·
160
Diz o seguinte, o texto, na parte que nos interessa: anunciou-se a· construção do Teatro Provisório. É
"alunos aprovados nesse ano: D. Alexandrina da Concei- nesse casarão de dois andares, depois chamado Lí-
ção Oliveira, e E. Vieira de Castro (na aula de Canto). ric? Fluminense, que_ o carioca recebe, pela pri-
Antônio Francisco Braga Júnior e Anacleto Augusto de m:n:a vez, a sugestao do nome chôro ligado à
Medeiros, na classe de clarineta." musiCa.
Entre os professôres que assinaram a ata encontram-se Isso aconteceu, quando a famosa artista Sholtz
H. A. Mesquita e Antônio Luiz de Moura. cantou a canção n pianto gue os jornais da época
traduziram pela expressão "o.chôro" no Provisório.
OS PRIMEIROS EMBATES (53) Nesse Teatro Provisório alguns artistas das
companhias líricas iam cantar árias e duetos como
Para o estudo da vida artística de Anacleto de Medeiros incentivo à arte dramática. Foi essa prática co-
merece um destaque todo especial a dança importada da mercial da música que fêz nascer a idéia, depois
Europa conhecida como Schottish. generalizada, dos Cafés Cantantes, de tanto movi-
Foi essa dança, por seu caráter virtuosístico nos salões mento na côrte imperial. O A Marmota
dançantes da côrte, que aí por 18891 mais impressionou o Fluminense, n.o 299, comenta essas atuações e cri-
jovem músico de Paquetá. Quando nasceu Anacleto a polca tica-as juntamente com as danças chamadas mo-
de salão, de sentido coletivizante, já estava em franco pro- dernas.
cesso de acrisolamento. Vemos já aí claramente que a dança Schottish
Aschottish, que chegara em 1851 (52), fôra apresentada da Rainha Victoria -valsa nova- chegou ao Rio
nos teatros populares e dançada por bailarinos consumados. de Janeiro no dia 28 de junho de 1851. Já nas pu-
Tinha assim um sentido de virtuosidade dançante e logo blicações do mês seguinte "os amantes das danças
demonstrou sua tendência para o gôsto das elites pequenas. poderiam encontrar funcionando normalmente um
Mesmo quando se tornou popularizada, através das aulas curso de schottish na capital do Império."
de dança que funcionavam na capital do Império, ficou res-
trita a certos tipos de alta capacidade para o bailado. Poucos Vários autores da música brasileira reagiram energica-
eram, pois, os pares que se atreviam a enfrentar os olhares mente, embora sem resultado positivo, contra a polca e a
de pais e matronas que assis'9am a essas exibiÇõe.s dan- schottish.
çantes. Era preciso muito adestramento e espontaneidade Francisco Manuel da Silva escreveu até um "lundu" da
dos que dançavam diante de pessoas de fino gôsto, que ali Marrequinha para mostrar que essa obra era mais original
os espreitavam, nas salas elegantes da cidade.· e sugestiva. Dava, assim, destaque ao "lundu urbano" que
É num período realmente promissor como êsse que nos andou sendo reavivado, por várias vêzes, no início do sé-
chega a primeira dança schottish. Coincide êsse aconteci- .culo. É óbvio que seu esfôrço resultou inútil diante da
mento com as atividades soci'ais do Hotel Ravot, onde as esmagadora maioria dos adeptos das tendências interna-
quadrilhas de contradança estavam em grande evidência. cionais da música no Brasil. E com a inutilidade da reação
A DANÇA SCHOTTISH NO a utilidade da derrota para a efetiva vitória da schottish
RIO DE JANEffiO sôlrre a música popular brasileira.
O certo é que a dança importada, de tendência virtuo-
Por se haver incendiado o Teatro S. Pedro de sística, teve uma evolução lenta mas pontilhada de aconte-
Alcântara, assunto de que fêz uma polca o clari- cimentos que se fixaram através do convívio e da familia-
netista Antônio Luiz de Moura (fevereiro de 1852), ridade, dentro' dos salões elegantes da metrópole.
162 163
A personalidade de Anacleto de Medeiros estava for- v-antes de cantos instrumentais e solos de vozes enrique-
mada quando em 1887 (com 21 anos de idade); apresen- cidas pelos potentes sons do oficleide e da fanfarra junta-
tou-se diante de seus companheiros com um diploma do mente com os demais jovens que ali estavam. O certo po-
Conservatório de Música. Fêz suas primeiras schottishs que, rém,· que seu aquêles acordes,
como era natural, não puderam ser editadas na ocasião por- melodias, com e mexced1vel afeto. Tudo isso estra-
que o gênero estava sendo considerado fora de moda. To- vasaria; muito depois, no famoso Te Deum que compôs -e
davia na ilha, a schottish continuava a ser a dança prefe- que causou tão viva impressão à comunidade local. Daquele
rida porque dava ensejo aos dotes dos dançarinos locais. E dia em diante tornou-se êle um corifeu da arte maravilhosa
ninguém precisa lembrar, nessa altura, que Paquetá era um parceiro de serestas e, muito além no tempo,
para êle, a sede de tôdas as aspirações artísticas. dos colegas trânsfugas da ensurdecedora metrópole, que
Na côrte estava em franca evolução, nesse tempo, o saíam em busca de uma vida serena e tranqüila.
gênero denominado maxixe, que todos sabiam proceder de
assunto de ordem inferior. A exploração dos baixos instin-· A evasão dos centros populosos, na fase mais aguda do
tos .e a crise que se avizinhava para a completa libertação período da decadência musical, no Brasil, levou grande nú-
dos escravos tiveram, é óbvio, como resultado um avilta- mero de músicos, altamente dotados e verdadeiros técnicos,
mento da arte popular. No carnaval, grupos de indivíduos a procurar refúgio na bucólica ilha de :paquetá. Essa es-
pintados de negro cometiam tôda sorte de baixezas para colha não era, assim, uma coisa ocasional. Obedecia a im-
comprometer _a campanha. que vinha sendo desenvolvida pulsos naturais aliados à fantasia da educação tradicional.
por homens, como José do Patrocínio e tantos outros bra- Foi, destarte, que, em pouco tempo, a ilha modesta e hos-
sileiros ilustres. pitaleira acolheu um considerável grupo de bons artistas
que ali fixaram residência. Em visita a muitos dêles, lá
A decadência musical, admitida pela crítica contempo- estêve o célebre Carlos Gomes, cujo nome foi dado a uma
rânea, provocada desde a guerra do Paraguai, e que mais
se acentuara com a proclamação da. República, fêz com que praça local. Entretanto, a busca da ilha solitária não exis-
artistas da categoria e índole de um Anacleto de Medeiros tiria sem aquela tradição que vinha desde o tempo do "Rei
se retraíssem esperando melhores oportunidades para suas Velho" (D. João VI), o qual achava que "aquilo era um
realizações de caráter estético. pedaço do céu caído no mar."
O certo é que, já em 1878, ano em que apareceu no Rio
CHAMAMENTO À VOCAÇÃO de Janeiro, como elemento de torna-viagem, o samba de
umbigadas, trazido pelos canadenses ao Skiting-Rink, do in-
Estava Anacleto na idade em que a infância se despede terior do Brasil, a música erudita brasileira enfrentava a
dos sonhos, quando teve a feliz oportunidade de assistir,. na mais séria competição que pode registrar a história: a mú-
própria ilha, onde nascera, a um grande concêrto instru- sica estrangeira feita com acentos métricos e propositada-
mental realizado ao ar livre. mente dinâmica oferecia diversões em que o sexo era ele-
A Sociedade de Música Paquetaense executou, no largo mento preponderante. Êsse fato teve renovação ativada
do Medeiros, seleto e significativo repertório, cuja realização quando começaram as alegres noitadas do Alcázar Lírico
bem demonstra o elevado grau a que chegara a organização Fluminense (Teatro Francês). Ali, os moços da época (e
insular. Talvez tenha sido êsse o acontecimento excepcional muitos velhos, também), iam ver pernas de dançarinas jo-
e impressionante que despertou, revelou e decidiu sôbre vens e elegantes, que lhes parecia melhor divertimento do
sua verdadeira vocação para a arte musical. que escutar os trinos e passagens melódicas executadas pelas
Não nos diz claramente a história, entretanto, se Ana- celebradas vozes líricas e dramáticas, do S. Pedro de Al-
cleto, de calças curtas, ouvira aquelas harmonias coadju- cântara.
164 165

t
Tinha curso, assim, a contenda intenninável entre as . FQi assim que nos deslocamos para a pequena ilha onde
artes do espírito e as da sedução da matéria; esta, usando depois de vários dias (e também algumas noites), de intensas
fonnas, princípios e meios de despertar, manter e ativar a buscas, verificamos que nada mais havia em Paquetá, nem
libido. mesmo a lembrança, da Sociedade de Música Paquetaense,
E naquela noite tranqüila em que as vagas pareciam re- de sua famosa banda, de seu precioso arquivo.
petir algum refrão de prece, em murmúrio, as fantasias
musicais se iam perdendo na imensidão do céu infinito. Um ***
quase menino, quem sabe? sonhava de olhos abertos, alheio Quando atribuímos um valor todo especial às compo-
até aos revérberos da luz. Nesse instante, ouviam-se os úl- sições de Anacleto de Medeiros, não estamos exagerando,
timos acordes da V assourense, obra nacional incluída no pro- nem falando levianamente. Verificamos, ao contrário, que
grama, que estava assim redigido: nelas existem mensagens que, corno brasileiros, identifica-
mos imediatamente, através dos traços de acabado nacio-
SOCIEDADE DE MúSICA PAQUETAENSE nalismo essencial. Suas idéias são, na verdade, simples, ní-
tidas, até transparentes, mas é nessas qualidades que se
"A banda achar-se-á no largo do Medeiros até às 9 define a pureza do elemento virgem que vive escondido na
horas da noite e, desta em diante, na sede Social. natureza à espera de que chegue o momento de divulgação.
Anacleto é, sob êste aspecto, um liame perfeito entre a
1 - Marcha - La fluer de matin expressão musical, em estado latente, e a fonte misteriosa
2 - Fantasia - ópera - Anna de Lapriex de onde promanam as idéias particularmente brasileiras.
3 - Cavatina - I Lombardi (Os Lombardos de Verdi) Seus cantos soam, na sua singularidade, corno toques de
4 - Overture - Bela Pastora - Santa Cecília um hino ouvidos distante e que a gente deseja perceber os
5 - Overture - Croix d'honneur sons com nitidez, mas que a brisa os carrega brincando com
6 - Cavatina - ópera - Lucrécia Bórgia - Donizetti as vibrações.
7 - Cavatina para Oficleide - por M. M. B. ( J) Erraríamos se conceituássemos Anacleto apenas como
8 - Cavatina para Trombone - por M. M. B. um melodista de primeira categoria. E, não somente isto,
9 - Côro com Ária - Terceto da ópera Luisa Miller faltaríamos a um dever que nos impõe a ética: Anacleto
10 - Ouverture - Vassourense - por M. M. B. era um educador1 de massas. Essa atividade salutar ficou
11 - Polca- Gabriela- por Santa Cecília (Prof. Manuel marcada na tradição que deixou em sua vocação para criar
Luís de Santa Cecília). e dirigir bandas musicais. Aí está um movimento que poucos
Obs.: - No salão da Sociedade tocar-se-ão escolhidas qua- perceberam, mas que tem imensa valorização cultural para
drilhas, polcas e valsas terminando com o Hino Nacional.
o Brasil.
Paquetá, 27 de dezembro de 1878. (O Cruzeiro) Tendo percebido que nosso povo era, realmente musical,
concluiu que precisava, todavia, de intensa rnusicalização.
Notícia tão auspiciosa não podia deixar de causar forte Seus processos de ensinamentos diretos estavam ligados a
impressão a quem vinha empregando todos os meios para problemas locais inusitados. Exercia uma atividade didá-
descobrir qualquer informação sôbre a infância de Ana- tica, sem cátedra, mas era, ao mesmo tempo, eficiente como
cleto. E essa sofreguidão, essa expectativa se justificava-. doutrinador e infatigável executor. Sua tese definir
plenamente, sobretudo depois de se haver desfeito, como assim: finnar as estruturas e sôbre elas construir os textos
"castelo de cartas" a propalada presença de Anacleto, correlativos. E foi firmando as estruturas e procurando as
como menino prodígio, na banda do Arsenal de Guerra. belezas de sua fértil imaginação que criou a chótis brasileira

166 167
em·· seguidos exemplos considerados normativos p_ara os MUSICALIDADE E MUSICALIZAÇÃO
exercít;ios clássicos. Anacleto não é um pioneiro, mas o gênio
fecúndo da ch6tis brasileira;; · . · Todos nós .reconhecemos que o Brasil é um país essen-
cialmente musical. O povo, desde os primeiros albores de
A SCHOTISH.DE ANAGLETO s?a política, te_m essa aptidão artís-
tica adnnravel. Todavia, nao basta que uma comunidade
A chótis brasileira (na forma adaptada de rondó de três social tenha tendências musicais para que já exista musica-
seções), teve sua ·estabilidade garantida -·- como música lização. O que é preciso, antes de tudo, para caracterizar essa
pura - através das atividades de Anacleto ·de Medeiros, mencionada propensão civilizadora, é, necessàriamente des-
como organizador de bandas em vários lugares vizinhos do cobrir o sentido ético em que se apoiam as iniciativa's po-
Rio de Janeiro. É êle, portanto, o sistematizador do gênero pulares para averiguar até que ponto elas estão ligadas ao
aludido em nosso País. A condição de música exclusiva- cancioneiro regional. É preciso, além do mais, conferir se,
mente instrumental que teve a schottish, no início de sua de fato, os elementos encontrados nos folguedos do povo-
evolução, conferiu-lhe uma particularidade de elevada cate- em suas manifestações espontâneas -· apoiam-se nas re-
goria· entre os compositores nacionais. servas folclóricas da nacionalidade. Em têrmos mais sim-
Como sabemos, a schottish chegou ao Brasil de maneira ples, na linguagem vulgar: . a música nacionalista, de um
um tanto estranha - apresentada no palco, como "grande país, representa um valor simbólico equivalente ao confe-
valsa brilhante", cuja estréia ocorreu no Cassino Flumi- rido aos heróis civilizadores de suas tradições. Essa inter-
nense, em 1851. Em junho do mesmo ano apareciam os cursos pretação pode não ser aceita por todos e até considerada
da dança schottish, com os anúncios dos bailarinos locais. impertinente, por muitos; entretanto, é uma verdade im-
No comêço houve tal confusão que não se sabia, ao certo, a possível de ser logicamente refutada. Nenhum povo real-
procedência da dança de pares isolados. Assim, por ter o mente civilizado deixa de reconhecer o valor étnico, como
eompasso ternário, pensou-se na suá filiação com a cultura elemento idea1 de educação. E a música é uma atividade
alemã. Tudo, não passou de lamentável equívoco, pois, como fortemente educativa, justamente por seu conteúdo étnico
a seguir foi esclarecido, a origem era escocesa. e telúrico.
Eis como Pierre Laforge anunciou a dança: Quando uma sociedade humana mostra indiferença pela
"Schottisch da Rainha Victória-valsa nova't Foi essa sua própria arte está inevitàvelmente perdida, porque mar-
a causa de haver Anacleto adotado essa grafia para as com- chará fatalmente para a dissolução, quando não para a
posições dêsse gênero, o mesmo acontecendo com os de- perda total de sua independência política. Sabe-se que as
mais autores da música ligeira. primeiras manifestações de um povo autônomo surgem de
A schottish brasileira não teria, porém, o sucesso que suas canções, de suas danças coletivas, enfim, de suas ati-
teve a polca de salão na segunda metade do século passado. vidades espirituais na literatura e nas artes. São êsses atri-
A razão é óbvia: a polca era coletivizante e em tom maior, butos, reunidos, que vão constituir o acêrvo encontrado
ao contrário da schottish que, além de ser em tom menor, no hinário que não deixa de ser uma síntese do todo, pois
afeiçoava o ritmo obtido com o compasso quaternário. Por contém os traços positivos das manifestações culturais, so-
tal motivo observa-se a lentidão com que evoluiu, em nosso bretudo daquelas já depuradas no cadinho das miscige-
País, a dança importada da Escócia; além de ·tudo, a
schottish, com sua dança figurada, dava ensejo a pensar-se nações.
que ela acolhia antigos traços culturais da. contradança A schottish de Anacleto de Medeiros começou a perder
que desaparecia, deixando assim, êsse vestígio suas características de música pura quando alguns poetas
indeléveL introduziram versos nos seus inspirados cantos. Isto acon-

168 169
teceu já no início dêste século onde se destacaram dois
astros de primeira grandeza: Catullo da Paixão Cearense
e Hermes Fontes. Ambos fizeram letras para a schottish,
t: Yara sendo a mais célebre aqu-ela que se conhece como
!i Rasga o coração do genial poeta maranhense.
I
li Nesse aspecto particular da inspiração criadora, para YÁRA
IIi as melodias da schottish, Anacleto somente teve um rival SCHOTTISC.Jl

!i à altura de sua espontaneidade, o célebre Irineu de Almeida di<GCÚIII t/11

lj,i com Meu ideal e os Olhos dela, ambas interpretadas com


imaginação incomparável pelo saudoso cantor do Norte,
,to l'rw<lu&eoBi•e!.of

;;I•'
acima mencionado.
Em "O meu ideal, schottish de Irineu de Almeida
{como diz o próprio autor dos versos), o poeta demonstrou
possuir imaginação genial quando começou: "Pudesse esta
ri paixão, na dor cristalizar etc...

e I: r,;
.-.,. i . .:-. . ---
Não foi menos inspirado ao versejar a schottish de Iri-

I: I

neu de Almeida - Os olhos dela:
"Eu sou capaz de confessar aos pés de Deus
que eu nunca vi, em mundo algum, uns olhos
F; t : r: l ·: r H E: r ·: Jl J
como os teus ! "
{Lyra dos Salões, págs. 57 e 62, respectivamente)
Através de uma síntese, podemos deixar clara a evo-
lucão da schottish no estilo da cancão dramática.
se
fato
pode ser atribuído exclusivâmente a Catullo da Pai-
xão Cearense, pelo menos a êle pertence a glória de haver,
com suas atividades artísticas, difundido o gôsto por essa
e ; 1:: r: ; E

..,.--.,.
-

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-1'".

I: f ; r
- ,.

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ã--,

nova etapa da musicologia nacionaL No livro Chôros ao


Violão, de 1902, não encontramos nenhuma schottish, bem
como na Lyra Brasileira {1908) e no Cancioneiro Popular ... 4l-
...
..-
- - -
i '1
Fl-E
{1908). Somente na Lyra dos Salões, que é anterior a esta
obra, vêm diversas schottishs "trazendo em cada uma a
indicação da música com que deve ser cantada."
T t::J:W"" " ---..-
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ANÁLISE SUCINTA DA CHóTIS BRASILEIRA
Duas obras sugestivas foram selecionadas para êste
trabalho específico:
1. YARA- música pura escrita inicialmente para pé-
0

j; J! ;'Jf
queno conjunto instrumental.
I;
1." Parte
1: I - Tom de lá menor, três seções repetidas na conformidade
. do rondó clássico;
II - Melodia espontânea e escorreita construída com de-
senhos rítmicos de início tético e final feminino;
li t ! ' I \ i I • I •
III- Harmonização singela coni alguns acordes arpejados
principalmente no tempo fraco dos compassos (Acentos rít-
micos).
. 2: Parte
l IV - Tom relativo maior. Aí continuam imperando os de-

e
senhos simétricos. ·

f:• F1: ; t.r r!= ::1 3: Parte


V - Tom de lá maior coni ligeira inflexão ao tom do II
grau (si menor), jm;tamente no terceiro desenho como de-
monstração da influência local através da modinha bárdica.
***

l:;t
2. IMPLORANDO -música pura escrita inicialmente
0

·t:: t• ló:ZSS
:::
, I -
para banda. A parte que nos serviu de elemento
de análise é uma segunda edição (100 números),
conforme indica o original que pertenceu ao edi-
tor (1909).
Tom de ré menor, com três seções repetidas: ·
;t;.

. a) desenhos rítmicos de dois em dois compassos ini-


ciados por anacruses. As ligações melódicas (do tipo
175
das empregadas na Yara são aqui substituídas até certo ponto, que êsse julgamento, possa
pelo ritmo anacrúsico dos diversos desenhos; - ser a:ol}ndo para debate e reflexão; a história, porém, ofe-
b) Os membros ora são femininos ora masculinos. rece mumeros exemplos que contradizem, frontalmente a
tese sustentada. '
I I - Inflexão ao tom do IV grau (sol menor) norma gene- Anacleto não saiu, em suas obras de caráter instru·
ralizada no cancioneiro das modinhas brasileiras. mental, contemporâ.nea, isto é, do gênero cantante
(54) que Jamais pôde prescmdir da arte da melodia acom-
2." Parte panhada. Não havia, no Brasil, como ainda hoje não há
ambiente favorável ao pleno desenvolvimento da
III - Tom relativo maior (ré maior)· com modulação ca- integral.
racterística. Aí observam-se alguns procedimentos já es- N assa opinião sôbre Anacleto está consubstanciada na
tabelecidos no antigo cateretê de ca9ôclo, que se ostenta equanimidade: êle é um compositor de grandes méritos que
na sistemática repetição de sons da melodia. o meio tacanho limitou inteiramente. Melodista dos maio-
res, hábil, sereno, espontâneo, fecundo e sábio no discorrer
3." Parte das idéias, Anacleto tem lugar marcado na galeria dos mes-
tres inspirados de nossa música nacionalista.
IV - Tom de si bemol maior com as mesmas características Suas composições características oferecem ao observa-
analisadas. porém, uma modulação para o· tom maior dor inúmeras singularidades imediatamente sentidas no
do segundo grau (mi. bemol maior) que é uma· reminis- momento da execução instrumental. E essas mensagens,
cência do ambiente .violonístico, ·muito do agrado dos neo- que nos enviou por intermédio das bandas que criou no
clássicos. Rio de Janeiro, e adjacências continuaram a repercutir nos
meios musicais de todo o País, mesmo após o seu desapare-
INTUIÇÃO E COERÊNCIA
cimento.
Seu espírito sincero conservava a simplicidade que ia
Nas produções orquestrais de Anacleto de Medeiros, deixando registrada nas obras que conseguia divulgar, mal-
uma obstinação podemos observar ·Claramente: a busca grado as dificuldades surgidas com a proclamação da Re-
constante da beleza melódica construída através de ritmos pública. Não aceitava, por isso mesmo, o conflito entre es-
simples e desenhos regulares. Mas a qualidade essencial de pírito e idéias. O rebuscamento não encontraria jamais aco-
sua música é a fluência das idéias brotando com singeleza lhida em tais circunstâncias desfavoráveis. Sabia êle que
e naturalidade, procurando fugir do esdrúxulo, próprio das cada gênero aeve permanecer dentro dos limites em que
obras exóticas. Não se pode desejar melhor tirocínio em foi concebido, sem ultrapassar a medida exata que sõmente
matéria de composição musicaL É certo que alguns es-
píritos, supostamente evoluídos, se insurgem contra essa o verdadeiro artista pode reconhecer!
Seu estilo era inconfundível, sua iqealização priviie-
derivante clássica, porém é melhor continuar seguindo o
bom-senso que procurar atender às exigências de uma crí- giada! Assim, com muita facilidade ia de vitória em vi-
tica desarrazoada. Alegam tais estetas, que o ritmo deve tória numa terra onde o cantar é atributo de cada cidadão.
ser variado e nunca permanecer como que submisso a uma Muitas vêzes, repelia determinadas fórmulas acadêmicas
ordem preestabelecida, como se a arte poética continuasse (que conhecia pràticamente, diríamos melhor talvez, utilità-
interferindo na organização melódica. riamente, como deu provas na composição do Jubileu), para
Puro engano de quem talvez desconheça o processo das manter a coerência do empreendimento artístico. O que é
concatenações, que nos vieram através de ensinamentos s!mples contrasta violentamente com o sublime pela opu-
técnicos da vitoriosa escola alemã. lência que êste último atributo precisa oferecer. Daí ter
177
176
Anacleto adotado um sistema de harmonização e acompa. Houve Te·Deum e festejos em que a banda, dirigida por
nhamento orquestral compatível com as tendências de sua Anacleto, tomou parte saliente.
inventiva realmente baseada na simplicidade. É preciso es. O próprio Anacleto, em 1906, refere-se a êsse aconte-
clarecer, porém, que nem sempre aquilo que parece primi. cimento que lhe ficou na memória como vivência da mo-
tivo deixa de esconder atrativos inesperados. É aí que a cidade. Nessa festa em que foi cantado o Te-Deum de Ana-
coerência e a intuição se conjugam para encontrar as ori. cleto, na qual tomou parte a banda da Recreio
ginalidades procuradas nos dados da harmonização dra. Musical Paquetaense, tudo está mais ou menos esboçado em
mática. notícias de várias procedências, registradas nos jornais
Finalmente, estudando as obras de Anacleto, de ma.
neira generalizada, não encontramos, na parte caracterís. diários.
tica, traço algum das escolas tradicionais. Êle procurava, A schottish YARA (55) foi seu cartão de visitas mas,
muito ao contrário, traduzir seu temperamento inegàvel· apesar de executada por tôdas as bandas do País, não foi
mente peculiar, usando a arte de compôr de maneira equi- impressa na época, porque êsse tipo de dança estava em
librada, de modo a permanecer nas páginas da história. completo abandono.
Todavia, não houve banda do Brasil que não tocasse
NOTORIEDADE essa obra, no início do século. Mesmo assim, ela sõmente
foi publicada, para piano, após haver Catullo da Paixão
Quando, em 1896, o nome de Anacleto de Medeiros re· Cearense feito versos imortais que adaptou à melodia com
percutiu na Capital Federal, vindo já glorioso da pequena o nome de Rasga o coração.
ilha da Guanabara, muitos foram os que indagaram, com Foi depois disto, que o editor Manoel Antônio Guima-
razão, qual seria a verdadeira causa do estranho aconte- rães (1916) correu à Biblioteca Nacional para registrar a
cimento. obra do compositor desaparecido. que os registras
O Rio de Janeiro possuía tudo o que de melhor havia autorias começaram logo depois da proclamação da Repú-
em matéria de regência de banda de música. Uma pergunta blica e Manoel Antônio Guimarães só registrou a Y ARA
tornou-se geral: porque se preferiu Anacleto entre tantos muitos anos depois do falecimento do compositor.
valores, sem uma prévia consulta às organizações do gê. Teve o cuidado de dar o verdadeiro nome do grande
nero? artista: Anacleto Augusto de Medeiros - e não simples-
Foi, sem nenhuma dúvida, a melhor recomendação que mente a referência artística, muito mais comum.
êle poderia oferecer - A schottish Y ARA. Revendo as obras do genial poeta e trovador Catullo
Conhecíamos, por tradição, a origem da célebre música da Paixão Cearense, não encontramos Rasga o coração em
de Anacleto, e os dados da imprensa diária vieram con- Chôros ao Violão (1902) e Cancioneiro Popular (1908).
firmar as referências que nos haviam deixado precavidos. No livro Novos Cantares aparece Rasga o coração, que
Anacleto teria composto a obra para celebrar a vitória de está dedicado a Pedro da Silva Quaresma (ver pág. 49 da
uma embarcação que ganhara um prêmio na ilha famosa. edição de 1909).
Por feliz acaso, encontramos num anúncio da festa de Na página 53, em itálico, escreveu Catullo: Schottish
S. Roque, de 15 de novembro de 1896, a procurada alusão, Y ara de Anacleto de Medeiros.
a ansiada informação: Fica assim sumariada essa ocorrência que deu ensejo
Vem, de fato, o seguinte: "YARA, 2. páreo de S. Ro-
0
ao grande e merecido prestígio de .Ânacleto de Medeiros,
que, nas regatas· realizadas na festa de Paquetá". na música popular brasileira.
178 179
Essa schottish Y ara única no gênero, em todo o País
' elogios de todos e se despediu reconhecendo a afabilidade
que serviu para consagrar o nome de seu autor, possui uma· incomum daquele homem talentoso e, sobretudo, simples.
beleza digna dos maiores encômios.
Mas a inspiração criadora de Anacleto não se restrin- * * *
giu a esta ou aquela parte ou seção, para fazer contraste Essa informação, o grande mestre José Raymundo da
com alguns elementos secundários. Silva que agora está completando 92 anos de idade faz
Não! questão de repetir, para realçar as qualidades de Ana'cleto
que não eram iguais às dos mestres de seu tempo. Confirma-
Y ara é uma obra prima de beleza e simplicidade. Sua se, dêste modo, a propalada gentileza de Anacleto que, em
estrutura revela, por sugestão, a grandeza do ambiente que todos os momentos, procurava ser atencioso e solícito.
inspirou a original composição: algo de encanto na con- Quando faleceu, a "Revista da Semana", (56) sôbre êsse
templação do azul das águas limitadas pela faixa de luz, aspecto de sua vida, escreveu o seguinte: "Anacleto era
sob um anel vegetal côr de esmeralda. um artista de real merecimento, afável em extremo, pos-
Essa música de Anacleto tem tal grandeza, na sua suidor de coração sempre à prática do bem. Por isto
se fêz respeitado e querido no meio da corporação que
configuração de nítida tendência instrumental, que, trans- muito honrou."
crita para piano solo, perdeu aquela pompa lisonjeira que - Vem, nessa mesma revista n.o 380, pág. 5 081), um belo
lhe conferiam os timbres claros e escuros, responsáveis pela trabalho sôbre Anacleto feito pelo Amaro, o qual foi pu-
magia da urdidura orquestraL blicado quando o regente compôs o dobrado Jubileu (Um
Yara é, pois, uma jóia da música ligeira para pe<tuena ano antes do falecimento do compositor).
orquestra. E foi prevendo a imperecível constância de sua
vida que Villa-Lôbos a escolheu para construir o "Chôro
RAZõES SENTIMENTAIS
n.o 10" que tanta celeuma levantou, principalmente por ha- Por haver deixado uma obra bastante sugestiva, grande
ver omitido o nome do famoso compositor paquetaense. número de amigos e admiradores, Anacleto de
não ficou nem ficará inteiramente esquecido. Os músicos
UM HOMEM AFÁVEL da corporação tinham-no como um verdadeiro ídolo. Porém,
entre as pessoas que se dedicaram permanentemente a cul-
Conta o ilustre professor José Raymundo da Silva, que tuar sua memória, podemos destacar Albertino Pimentel
foi mestre de várias gerações no antigo Instituto Nacional (Carramona) que o sucedeu na direção da banda, após um
de Música, que, no fim do século passado, visitou a banda curto período em que a mesma estêve sob a regência do
Professor do Instituto Nacional de Música, Agostinho Luiz
do Corpo de Bombeiros. Levava debaixo do braço uma mar- de Gouveia. Foi êsse Tenente Albertino Ignacio Pimentel
cha, de sua autoria, já pronta, que desejava mostrar ao (57) que tudo fêz para perpetuar o nome do saudoso ca-
Anacleto. marada e companheiro nas atividades culturais do Rio de
Foi recebido pelo regente com demonstração de agrado Janeiro.
e simpatia. Admirou-se de vê-lo fardado, porém soube que N a:s gravações constantes do catálogo da Casa Edson,
tinha apenas as honras de primeiro-sargento, pois não era do ano de 1910, em que Albertino Pimentel dirigia a fa-
militar. mosa banda do Corpo de Bombeiros, jamais foi omitido o
Qual foi sua surprêsa quando ouviu o regente mandar nome do compositor paquetaense, desaparecido três anos
distribuir a música e a executar à primeira vista. Recebeu antes. E tal impulso deu, nessa época, ao empenho em que
os músicos e regente se alternavam na expectativa da di-
180
,181
vulgação do eminente artista desaparecido, que
tempo grande era o interêsse da população e dos demais
artistas pela obra do criador da banda dos soldados do.
fogo.
Daí em diante, as peças de Anacleto, feitas para pe-
quenas bandas, começaram a ser gravadas pelos conjuntt>s
mais populares da capital.
Catullo da Paixão Cearense, que era a maior auto-
ridade em poesia popular, passou a contribuir, com sua
personalidade marcante, para o êxito do empreendimento
incentivado pelos antigos comandados do regente desa-
parecido.
POPULARIDADE DE .ANACLETO (58)
Para a informação justa sôbre êste discutido problema,
achamos indispensável uma investigação nas fontes legí-
timas da arte popular. Estamos certos de poder averiguar
a penetração do nome de Anacleto nas esferas dessa ma-
nifestação do pensamento criador. Nosso primeiro impulso
foi a produção do conhecido poeta maranhense, cujas obras
deixaram a marca do espírito genial.
Em nosso arquivo particular, possuímos a quase tota-
lidade das pequenas obras dêsse inspirado trovador.
Nada encontramos, porém, nas edições do Cancioneiro
Popular, Chôros ao Violão e Lyra Brasileira publicadas
1907. (Nesse ano, Anacleto faleceu na pequena ilha da Gua-
nabara.)
No livro Novos Cantares, edição de 1909 aparece a polca
Deliciosa, versejada com o nome de Tu és uma flor, bem
. como a Schottish Yara cuja poesia recebeu o título de Rasga
o coração.
Não são precisos grandes esforços para se saber que
a deficiência do piano, como veículo de difusão através do
disco, deu como resultado a proliferação dos pequenos con-
juntos instrumentais que passaram a operar nas gravações
comerciais, do início do século.
Ora, as obras de Anacleto que também se ressentiam
da falta de uma literatura pianística à altura do nome do
ilustre compositor, passaram a ter uma valorização fora do
comum.
182
Trovas e Cantares, de Catullo da Paixão Cearense claro que essa consunção envolve diversas fases desde a
(1909), é uma prova cabal do que afirmamos. Nada menos· preparação ritualística ao ato do recebimento da hóstia ou
de três novas peças, que os pequenos agrupamentos or- do vinho consagrado.
questrais executavam, aí sã9 incluídas na seguinte ordem: A união entre a alma e a música tem assim uma figura
A valsa Despedida, a polca O que tu és e Implorando, esta retórica paralelística: ela aparece rediviva no momento em
última sob o nome de Palma de Martírio. que o artista, dominado por uma fôrça interior, se entrega
Prosseguindo n@Sse cotejo, vejamos a Lyra dos Salões
(1913), que é muito mais fértil nesse empreendimento sa-
exclusivamente à prática da criação e da execução, deixan-
lutar. Aí o autor incluiu vários trabalhos feitos no ritmo do virtualmente de lado os sentimentos de caráter genésico.
das melodias do célebre compositor carioca, que passamos Essa consunção, sem ser patológica, pode ser idiossincrásica,
a enumerar: Terna saudade - valsa com o nome de Por isto é, dominar por imagens sonoras completamente o es-
um beijo, Predileta -. valsa que vem como Perdoa; Ben- pírito, a ponto de não deixar, por assim dizer, que as sensa-
zinho "shottish", que aparece com outro nome, ou seja Sen- ções se desenvolvam com a normalidade requerida.
timento Oculto; Medrosa -·. polca que teve o nome de Fa- O belo continuado pode, inclusive, levar o homem a não
dário, mas que o vulgo transformou em "Nasci para te saber aquilatar a perfeição existente, por exemplo, entre
amar" por ser o primeiro verso da poesia e assunto de
maior agrado do público. várias formas bem proporcionadas; a não distinguir pe-
Entretanto, duas músicas têm seus nomes conservados: quenas nuanças coloridas; a desprezar, enfim, a capacidad'e
o tango Bohêmios e a "schottish Olhos matadores. avaliativa por mera contemplação ocasional. Talvez, as ful-
Eram raros, pois, os títulos das obras ligeiras, da au- gurações constantemente sentidas por Anacleto, no ambiente
toria do conhecido autor. de "Jubileu", que se podiam man- insulado, o vogar contínuo em paragens bucólicas, o silêncio
ter após a transformação da música absoluta em peça de triste da tristeza, tudo isto reunido e unificado na mente do
caráter dramático. É preciso não esquecer o papel que essas artista, tenham criado, segundo entendemos, uma atmosfera
modificações exerciam nas conveniências das firmas comer- peculiar para enfim extravasar na pureza das melodias
ciais que financiavam tais empreendimentos pela franca encantadoras que criava.
tendência. diversiva, que os mesmos revelavam, após essàs-/
transformacões de músicas instrumentais canto acom- Quem ouve as primeiras notas da valsa- Terna Sau-
panhado. dade (59) -sente que um deslumbramento existe nos pri-
meiros compassos executados. Dois sons longos seguidos de
três mais rápidos dão idéia de que um véu se descerra fa--
CONSUNÇÃO zendo surgir uma imagem serena que nos contempla e
Foi preciso procurar no simbolismo, na abstração, um afaga:
recurso filosófico extremo para dizer o que entendemos
na problemática estruturação dos cantos legados ao Bra-
sil pelo co:rnpositor que foi Anacleto de Medeiros. &i J.l
a a
J. I J J j

I J.l J. I r· I r rJ I J
Ora, a consunção da hóstia sagrada, para o católico
praticante, não é apenas o ato da comunhão, nem tampouco
o fato consumado da administração do sacramento. É muito Uma pergunta se impõe, nesta altura: não seria isto
mais que isto: se opera num indivíduo psicologicamente pura coincidência? Parece que não, pois o fato se repete
preparado. p:;tra comungar, receber santamente, aquilo que em outras obras das quais podemos dar como prova a valsa
acredita sim,bolizar o imarcescível. Queremos deixar bem Despedida que, além dessa derivante assinalada, procura se
185
184

externar na região mais grave pelos sons característicos do bolizar uma operação em sua idealização, em sua
bombardino: síntese.
A consunção não implica, necessàriamente, na pura ini-
:1 e! · I r I r·I Jíl I
J I J · ;1 J I J
4A-----------------------------------------·-!---.-----
ciativa, isto é, no aparecimento repentino ou fortuito dos
motivos ou temas melódicos. Pelo·· contrário, muitos são os
casos em que· a inspiração criadora persiste do início ao
fim de tôda uma seção musical.
Na "schottish" O que tu és, a beleza melódica espontâ- Observemos o fenômeno com exemplo elucidante:
nea nasceu de um arpejo da nona da dominante que vai re-
cair numa apogiatura que, antes de resolver, emprega a
variação:

[#$ 4 I f#Jbt!:!1:!! I h JJ {
# r<S: r
continuação de valsa

I r !fE r
Despedida

Ir rF I r r I rH<
Com isto consegue despertar um interêsse verdadeira- Trio ( TttrnD. Sa.udade )
mente excepcional, pois, no geral, os cantos começam fir-
mando a tonalidade principal.
p-t& r I= r· J I Ilwt:! n I t> ·IT&.
Cremos sinceramente que os leitores, infensos ao eru- Êsse aspecto analítico das melodias que sabemos ser
ditismo literário, nos haverão de perdoar o emprêgo do têr- altamente importante para a música teórica talvez não o
mo consunção em .lugar de concepção. Em verdade, o ar- seja, com igual mérito, para o leitor não especializado. (60)
tista inspirado não recebe idéias, mas divulga mensagens Daí ficar o trabalho, nesta altura, apenas ameado como
interiores que lhe surgem à mente, no mais das vêzes, pou elemento útil de uma sugestão oportuna.
circunstâncias alheias à sua vontade. Logo não é o caso
da concepção que prevê, de início, a geração ou a com- RETIFICANDO ENGANOS
preensão das coisas. As músicas inspiradas brotam como a
luz de uma fonte de vibrações completamente fora do Eis como se deslustra o escritor que divulga uma utopia
contrôle de quem recebe seus influxos salutares. Um ho- contra respeitáveis figuras da música brasileira ao registrar
mem que está, por felicidade, num estado de inspiração, sem refletir no que escreve :
como no caso de Anacleto, vê ou sente de maneira muito
particular que à sua mente estão chegando imagens que "Em 1896 Anacleto foi escolhido para dirigir a
procura reconhecer pela renovação e tenta ràpidamente re- nova banda do Corpo de Bombeiros, derrotando os
gistrá-Ias da melhor maneira possível. Mas quantas vêzes, candidatos Francisco Braga, Agostinho de Gouveia
a falta de meios faz com que o elemento recebido desa- e Paulino do Sacramento."
pareça sem deixar vestígio! A concepção, houve mas a
l consunção não. Não houve concurso algum para a Banda do Corpo de
Bombeiros em 1896; e, se por ventura tal empreendimento
Eis porque, parecendo exigente demais abusamos tal- houvesse sido realizado, a única pessoa que não poderia dêle
-vez, ao empregar um vocábulo pouco conhecido, para sim- participar era justamente Francisco. Braga, pela simples
·186
I 187

L
razão de se encontrar na Europa, em missão de estudo e Quem quiser conhecer êsses detalhes é procurar a polca
aperfeiçoamento na Composição. Ernestina da autoria de Callado, a qual se estrutura em
Anacleto foi convidado para dirigir artisticamente a acordes arpejados do cancioneiro popular. Todavia o am-
banda do Corpo de Bombeiros por duas razões de ordem biente dos dois artistas era, se assim podemos dizer anta-
prática: em primeiro lugar porque possuía, em alto grau, gônico: Callado utilizava os violões e Anacleto os instru-
qualidade de regente e compositor do gênero; segundo, por- mentos integrantes das bandas marciais. Sabemos, de fonte
que tinha, mais que qualquer outro, tôdas as possibilidades insuspeita, que Anacleto aparecia em Paquetá, em compa-
de recrutar elementos de primeira ordem para formar uma nhia de amigos do Rio com o propósito de fazer serenatas
organização exemplar. Estava em contato permanente com em noites de luar. Entretanto as músicas executadas eram
três bandas atuantes: a de Magé, a do Arsenal de Guerra, sempre as valsas e as schottishs já largamente difundidas
e, finalmente, a da Sociedade Recreio Musical Paquetaense: pela famosa banda que dirigia no Rio de Janeiro. Daí a
( 61) Foi aliás, dessa banda civil que levou os melhores ele- nossa justificada dúvida sôbre essas propaladas impro-
mentos para a nova organização militar. visações que, afinal, em nada contribuiriam para tornar o
Devemos aproveitar o ensejo para desfazer uma dúvida: compositor maior ou menor do que, realmente era. Entre:-
a banda do Arsenal de Guerra não foi extinta como se tem tanto se tal caso sucedeu aqui fica essa referência e está
divulgado, entre 1884 e 1886. salva nossa imparcialidade nesse julgamento que fazemos
. Há informações de que Anacleto, com nove anos de ida- para a posteridade.
de, foi incluído nesea organização musical, mas as pesquisas
realizadas em tôrno do assunto, no próprio Arsenal de RAZõES DA SUPREMACIA CULTURAL
Guerra, não as confirmaram, mas, pelo contrário, desauto-
rizaram sua propagação. Ao estudarmos a personalidade simpática do saudoso
Anacleto de Medeiros, uma pergunta surge espontanea-
COMENTÁRIOS mente: porque êsse homem, com tanta inspiração, tamanho
talento e capacidade de trabalho tão grande, não pensou
Informações fidedignas, embora sem a mínima proba- em escrever uma música artística elevada a ponto de servir,
bilidade de comprovação, revelam que Anacleto de Medeiros ao mesmo tempo, para consolidar sua glória no País e elevar
tinha o dom de improvisar melodias, como fizera antes o o nome do Brasil como pátria de mais uma celebridade real-
célebre Callado. Dizem pessoas sensatas, ligadas às práticas mente valiosa?
da música popular do Rio de Janeiro do fim do século pas- Uma resposta completa a essa interrogação, que pu-
sado, que muitas das peças ligeiras de Anacleto tiveram desse configurar tal quadro - cujas dimensões não se li-
essa origem espontânea. Entretanto os fatos musicais ob- mitam na sua total magnitude - sõmente poderia ser dada
jetivos em nada contribuem para justificar essa afirmação objetivamente, através de explicações relacionadas com o
e, muito menos para sua aceitação integral. ambiente social em que êle viveu.
Vejamos porque: É claro que após a proclamação da República, a mú-
As peças improvisadas. têm certas normas invariáveis sica nacional mudou completamente em nossa terra. Porém,
as quais resultam do próprio ato intuitivo; êle precisa li- mudou para pior, no sentido das realizações de caráter
berar a mente das preocupações normais. As formas mu- erudito. ·
sicais são singelas e as modulações convencionais, sob pena A queda da Monarquia, entre outros problemas sociais,
de criarem obstáculos intransponíveis à orientação central graves e sérios, espalhou o terror entre os editôres musicais
que repousa nos processos do canto acompanhado, com ó -·· mais ou menos comprometidos em atividades político-par-
temperar da voz e o ferir do tom, escolhido por simpatia. tidárias. Êles foram apanhados completamente despreve-
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nidos, pois, no Brasil, ficar com o govêrno, foi sempre a A artística estava, há muito, inteiramente de·
melhor solução. Firmas afamadas, que vinham operando na saparecida,. e o mesmo processo que a perdeu estava agora
Côrte (desde o início do século), recebiam favores oficiais sendo relaciOnado com o teatro dramático.
tendo sido obrigadas, pelas novas circunstâncias, a· fechar. Que caminho poderiam tomar os nacionais diante de tal
suas portas, imediatamente. E, curioso, todos êsses nego;. situação de fato?
ciantes da música, eram estrangeiros ou descendentes di. A resposta é uma só: explorar as tendências da música
retos dêstes. ou do. cenário das e do
· Diante de tais explicações, não precisa muita argúcia meio social e artistico. Confiar na arte classica ou livre de
para acompanharmos a crise musical que se propagou na alto nível seria um holocausto inútil nas condições lamen·
cidade do Rio de Janeiro, logo nos primeiros dias da Repú· táveis em que se encontrava a população da metrópole.
blica. Mas êsse impacto não teria sido tão violento se a As corporações organizadas na Europa, E>m capitais
verdadeira arte, não viesse, desde o fim da guerra de 1870, como Paris e Roma, tomando conhecimento da situação ca-
decaindo de sua antiga posição, na capital do Império. O lamitosa da música em nosso País, começaram a enviar-nos
caso é que, durante todo o século XIX, houve supremacia artistas de real mérito que nos viessem ajudar no soer-
da música estrangeira na Côrte de D. Pedro II, fôsse ela guimento do gôsto pela música erudita. Porém, êsses exe-
popular ou erudita. E essa interferência, cuja importância cutores jamais poderiam cumprir sua nobre missão, com
não vale a pena discutir, foi sempre reconhecida, sem ne· eficiência, sabendo-se, de antemão, que sua arte refinada
nhum subterfúgio, pelos cronistas e críticos especializados. exigia, de algum modo, a reciprocidade àas platéias. O que
Sempre que algum artista original procurava mostrar vinha sucedendo, desde muito, demonstra bem o espírito
que era possível construir algo relacionado com as tendên- do tempo: homens com a capacidade técnica de um Dr. A.
cias do povo, surgiam estetas e puristas que tudo faziam Maerch, obrigados, por contingências locais, a escrever mú-
para que as novidades não se propagassem; eram, diziam sica ligeira para comprovar sua capacidade artística. E êle
êles, prendas da arte inferior. E quem poderia contrariar o fêz de a.côrdo com exigências tácitas: compôs a polca Café
êsses senhores arrogantes, geralmente donos de Emprêsas com leite. (62) Fato mais ou menos igual sucedeu com o
jornalísticas ou pessoas de suas relações? incomparável Reichert (Matheu André), insígne flautista
O curioso é que tais singularidades, quando surgiam belga a quem não podemos deixar de mencionar nesta re--
senha, e que acabou, no Rio de Janeiro, tendo que escrever
nas atividades de algum grupo importante, eram logo aba- sua polca Faceira para provar que era de fato, bom músico !
fadas e·levadas para o exterior. Depois de aproveitadas por
alguns técnicos amigos voltavam como assunto de interêsse A sociedade carioca era e é um complexo muito difícil
de ser examinado, notadamente quanto à sua concepção es-
geral. Uma obra assim, contendo ingredientes nativos, já
piritual.
retornando de terras estranhas, revestidas com roupa-
Os habitantes da metrópole gostavam de diversões, mas
gens mais elegantes, deveria, necessàriamente, ser rece-
diversões picantes como aquelas do Alcazar: bailarinas de
bida com acolhimento total; satisfazia aos extrovertidos e belo porte, pernas sublimes, atraentes que deixavam os es-
igualmente aos contemplativas de um imenso País, onde os pectadores algo atónitos; cantoras que pudessem dar gritos,
poetas tinham o dom de "entender estrêlas". Foi, aliás, essa o mais alto possível, para contentar os inúmeros e fogosos
contingência repassada de naturalismo, misturada com a diletantes; as danças precisavam ser dramáticas para que
velhacaria dos empresários que nos deram a conhecer o que as mulatas pudessem saracotear sem nenhum constran-
de pior havia no repertório do teatro de terceira categoria, gimento; as canções que agradavam mesmo eram aquelas
trazido da Europa para os brasileiros. que lembravam a "mulatinha do caroço no pescoço" e, ao
190 191
mesmo tempo, as devoções patuscas de S. Gonçalo do Ama- ,
rante. ·
mos que o pr. · Otho_!l Costa muito· bem quê estava
dando uma mformaçao, em primeira mão.
Nas noites de tédio, aí estavam as "partidas" em que Deixando a explicação para momento mais oportuno
a flauta casava tão bem com o marcando os dois · vamos a um fato que comoveu a assistência que lotava
extremos de música lírica, cuja harmonia ficava confiada salão Leopoldo Miguez. Foi no momento em que Almiran-
aos plàngentes violões. Vez por outra, um sarau, onde um te (65) (a maior patente do rádio), chegou abraçado a um
lundu de brancos, imitando coisas dos negros, servia de in- grande quadro em que Anacleto aparecia no meio de seus
terlúdio entre duas polcas como O Senhor Padre Vigário e músicos vestindo uma farda honorífica de primeiro-sar-
Que é da chave? (63) gento do Corpo de Bombeiros. A tela ficou em exposição
Um povo assim, com tendência dêsse tipo, inseguro no durante tôda a realização do ato solene das comemonicões
viver e pior ainda na manutenção das tradições, teria fatal- centenárias. Uma voz unânime parecia estender-se pela
mente que produzir artistas que procurassem atender a platéia como que dirigida por fio invisível: só um grande
tôdas essas facêtas exigidas pelo meio social e político. amigo lembraria tal homenagem, realmente, tocante e
Queriam, com certeza, que Anacleto houvesse escrito sensibilizadora.
alguma ópera. Não importava se o assunto fôsse lírico, dra- . A família do ilustre homenageado, admirada de ver
mático ou burlesco, contanto que .os cronistas e críticos tanta gente estranha unida na mesma comunhão de idéias,
dela tivessem tomado conhecimento. Isto sim, bastava! reconheceu que Anacleto longe estava de ser aquêle caboclo
Ficasse ela inédita, como tantas outras de contemporâ- simples que conheceram na intimidade. Ali estava a prova
neos desiludidos, não importava! O que se desejava era cabal de sua reputação generalizada!
apenas a referência num rol de composições ou nos louvores Depois dessa curta digressão, tornemos ao assunto le-
da pena de algum escriba! vantado pelo eminente escritor e poeta Dr. Othon Costà,
Que viesse a ópera, para contentamento dos bibliófilos sôbre a Fantasia 28 de Fevereiro.
e regozijo dos panegiristas. Uma ópera de que se falasse Parece não haver dúvida quanto à correlação ê:Xistente
muito, que não chegasse mesmo a ser representada para entre a data relativa à Fantasia 28 de Fevereiro e o Clube
crescer o número das coisas superadas. Quão oportuno seria Republicano 24 de Fevereiro. Vejamos porque:
êsse "superado" numa obra dêsse caboclo de Paquetá! O Paiz, 17-2-894.
"Resolveram os legalistas dq Marechal .Floriano Pei-
FANTASIA xoto comemorar, com salvas, a data da consolidação da Re-
pública. Os revoltosos responderam violentamente ao fogo
Quando se comemorou o centenário de nascimento de travando-se combates decisivos." Três dias após, Paquetã,
Anacleto de Medeiros, (64) promovido pela Sociedade Cul- que estava dominada pelos marujos amotinados, ficou de-
tural e Artística Uirapuru, em colaboração com a Escola serta com a fuga em massa da população. Todos procuraram
de Música e do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, refúgio na velha Magé que tanta ligação tinha com a ilha
quê mandou sua banda sob a direção do capitão Othônio famosa. No dia 28 de fevereiro, com a prisão de Miguel
Benvenuto - o Dr. Othon Costa, que é um grande conhe- Inglês, "alma da insurreição", estava pràticamente termi..,
cedor de nossa história, lembrou que havia uma certa cor- nada a revolta da armada que não deixou de ser uma
relação entre o Clube Republicano 24 de Fevereiro e uma simples fantasia de quantos acreditaram poder fazer re-
Fantasia escrita pelo saudoso paquetaense homenageado. troceder o movimento republicano, vitorioso em 15 de no-
Essa informação causou certa confusão porque o nome vembro de 1889. Eis, segundo nos parece, conforme os dados
da peça referida é Fantasia 28 de Fevereiro. Haveria assim que aí ficam combinados com as informações de pessoas
um equívoco do eminente conferencista. Entretanto, dire- amigas de Anacleto, a origem do nome da Fantasia 28 de
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Fevereiro, que está, sem dúvida, interligada à data que preciso recorrer à arte poética e buscar nela no seu sim-
origem, igualmente, ao Clube Republicano 24 de Fevereiro. bolismo, expressões que correspondam à sauda'de de alguém
que se não viu e nem se conheceu mas que vive na lem-
EXÉQUIAS EM PAQUETÁ brança de quantos o amam e veneram ...
Se é lícito dar vasão aos sentimentos que ditam as sau·
No sepultamento de Anacleto de Medeiros, em Paquetá, dades de um artista querido, pediríamos imagens ao poeta
dia 14 de agôsto de 1907, estiveram presentes várias bandas·. que viu os "círios em seu pranto mudo" desfiando "um ro-
de música, destacando-se, entre elas, as três que o ilustre sário de lágrimas de cêra."
desaparecido havia criado com tanto idealismo: "Corpo de Quando o esquife de Anacleto assomou à via pública, a
Bombeiros", "Fábrica de Chitas Bangú" e "Banda de Ma- Natureza sacudiu uma atmosfera de nostalgias, pois ali
gé". (66) passava o cantor das "gratas serenatas"... O espêsso véu,
Anacleto faleceu, segundo documentos inequívocos, na que encobria tôda a ilha, se desfêz em pranto, gotejando
rua dos Muros, 44, chamada depois "Dr. Aristão". lágrimas de chuva ...
Vêm essas informações no livro de Vivaldo Coaracy.
(67)
Em 1935 apareceu a rua Maestro Anacleto, por inicia-
tiva do excelente pintor e escultor Pedro Bruno, em subs-
tituição ao antigo nome Covanca Deve-se também a Pedro
Bruno o pequeno, mas sugestivo monumento que se levan-
tou, no cemitério local, a Anacleto, com inscrições sôbre
mármore branco onde uma lira sugere homenagem singela
nascida do puro idealismo artístico.
Para as cerimônias do sepultamento, em 1907 a banda
de Música do Corpo de Bombeiros seguiu, do Rio de Ja-
neiro, na lancha Aquarius, segundo informação da época.
Vários oficiais da briosa corporação constituíram a comissão
oficial, que damos, a seguir:
"Cap. Paulo da Costa (representando o comandante);
Cap. Vieira (representando o Inspetor) ; Tenentes: Bue-
no e Silva. Alferes: Afonso, Leonardo Ferreira, Tenreiro,
Carneiro e Antônio Fernandes. (68)
A Banda de Música da Fábrica de Bangú, se fêz re-
presentar pelo Sr. J. Trota de Aguiar.
O maestro Francisco Braga estêve presente como Pro-
fessor integrando a representação do Instituto Nacional de
Música.
* * *

Manhã chuvosa. Céu encoberto.


Existem pensamentos e conceitos cujas imagens não en-
contram ressonância nos têrmos comuns da literatura, sendo
194 195

'
CONCLUSÃO
CONCLUSÃO GERAL
Mesquita - Callado - Anacleto

Não seria possível estudar a vida dessas três perso-


nalidades históricas sem recorrer aos princípios humanís-
ticos do culto à linguagem e às formas, no seu primado
clássico. É no equilíbrio dêsses elementos vitais para a Arte,
que repousam todos os acêrvos constituídos pelas obras
definitivas da música dos mestres consagrados e como tal
reconhecidos pela critica científica.
Para haver linguagem musical capaz de servir de men-
sagem entre os membros de uma mesma comunidade, nos
quadrantes de cidades populosas ou nações i:nteiras, é pre-
ciso, antes de tudo, que não sejam desprezadas as expres-
sões e as formas, enfim que estas possam ser entendidas
claramente através dos processos da escrita como lingua-
gem simbólica.
O mal do romantismo musical, em suas diversas mani-
festações e etapas, foi justamente ignorar a importância
formalística e abusar das expansões do sentimentalismo
buscando renovações num ambiente ilimitado. Isso podemos
perceber quando examinamos o material deixado na esteira
de suas antigas projeções. Verificamos que o grande mal
residia exatamente na busca impertinente de efeitos extra-
humanos, isto é, que estivessem para além das leis da cons-
ciência e do entendimento comum. Na maioria dos casos,
recorria-se até mesmo às sensações em prejuízo da sensi-
bilidade. Procuravam, pois, dar vôos às imagens num sen-
tido obstinado, incentivar os sentidos genéticos até que final-
mente chegaram à tentativa das descrições materiais. Não
viram, no arroubo das idealizações, que estavam infringindo
as mais elementares regras do conhecimento: leis básicas do
199
équliíbr:lo, das proporções, do· ritmo, e assim caíam no vazio mente. precioso (pelo menos, como concepção), as singelas
das incompreensões. Depois, já na decadência, não exami- melodias que nos legaram nossos compositores da música
naram, sequer, os insucessos para uma tomada, oportuna, de ligeira.
posição no progresso científico. As obras que escreveram representam queiram ou não
O pior veio depois: a confusão generalizada, entre ro- uma contribuição à arte nacional porque a
mânticos, num bom sentido, e romanesco ou seja a exa- exigências reclamadas pelo meio social e ambiente artístico
cerbação, que termina quixotescamente dando vasão a es- em que viveram. Não podia ser de outra maneira! Assim
píritos ridículos por 'inclinação inata. deveria ser e assim o foi! Manifestação clara e inequívoca
Tudo o· que existe de bom, em matéria de Arte, traz do espírito liberal e resoluto que possuíam. Se em alguns
sempre uma distinção lógica e consciente, assim quem cria setores, pouco ilustrados sôbre as verdadeiras intenções e
ou analisa procura os meios proporcionais, através dos di- convicções, foram e continuam a ser recebidos com reserva
tames da consciência. Verificou-se que a forçada pesquisa isto não quer dizer pobreza de quem, produziu mas
do elemento nôvo dos intransigentes ia criando, paralela- nhecimento de causa de quem analisa parcialmente. Muitos
mente, como conseqüência natural, uma espécie de necessi- são partidários da obtusa mania de escrever obras sun-
dade.· própria, que acionava outras fôrças vitais e antagó- tuosas sem jamais ouví-las ou ter pelo menos esperança de
nicas. A filosofia empregada passava, assim, do problema à fazê-lo: do que se depreende haver uma idealização do
história, registrando-se em fatos e atos no tempo e no es- fazedor de música para encher baú ou canudos de papel
paço ... para sustentar bombas de foguetão. Isto, nunca foi ideaJ
Procurou-se, então, um terceiro vocábulo que pudesse da evolução humana!
servir de anteparo ideológico entre as duas palavras a re- Os três artistas de que nos estamos ocupando, não haja
pudiar. E justamente daí saiu a chave da solução ideal: um dúvida, foram espíritos práticos, legítimos intérpretes do
retôrno ao romanceiro. As coleções publicadas começaram gôsto dos metropolitanos. Tinham inteira consciência de
a aparecer cheias de canções de vários tipos e tôdas elas que, naquela altura, não estavam construindo música para
relacionadas com a literatura, a poesia e a música de di- J.S elites pequenas mas para um cancioneiro de futuras ge-

versas nacionalidades. Destacou-se, nesse período, o valor rações. Isso virá um dia quando nossa sociedade estiver à
étnico das melodias, obviamente, relacionado com as tradi-. altura de tais sutilezas; por enquanto elas não passam de
ções; as lendas e os racontos de cada setor geo-político da cantos de outras eras... 1
humanidade. Ninguém pode, entretanto, negar que fizeram música
Foi mister destacar e dar ênfase a êsse aspecto da para uma determinada sociedade co.eva; na verdade, não
musicologia para sustentar a tese, aliás perfeitamente dis- se concebe uma música realmente útil, inteiramente divor..,
cutível, do valor relativo das ·obras instrumentais, no âmbito ciada do povo, contrária ao modus vivendi das populações.
da fue,ramente popular. Com isto, pretendemos foca- E, se persiste tal atitude, não pode existir plenamente
c.omo fator de progresso, por desconhecer os caminhos da
lizar ó problema moderno da música em sua ação cataliza- átividade concêntrica, que deve, necessàriamente, ter na
do,ra de interêsse real e objetivo. Cada dia que passa, mais evolução da vida social.
acentuada sê mostra a importância da música construída em Seria talvez redundante focalizar o aspecto positivo
que esteja ao alcance de massas humanas relevantes. que as melodias fáceis exercem sôbre as coletividades. Mui-
precisamente por causa dêsse tirocínio, que imperava tas vêzes, singelos cantos provocam estímulos psicológicos
na soCiedade carioca do fim do Império (como efeito e não de primeira ordem e isto se observa nas mais variadas ma-
corno causa), que a música seguiu caminhQ inteiramente nifestações dos agrupamentos populacionais. Ora, se havia
i,}1esperado: reconheceu como trabalho válido e um meio físico que reagira em razão de certas ativações,

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não era menos justo pensar nas reações ·várias partidas de Se nos não tomassem como remanescente inconforma-
setores independentes que, nas suas manifestações, impu- do ou saudosista romântico- desconhecidas as razões por-
sessem novos traços característicos e peculiares. Com essa que se diz que a fantasia foi e será sempre eterna - com-
teoria, vamos surpreender nossos três vultos históricos. pararíamos Mesquita ao sabiá moreno, que cantou suave e
Êles agiam e reagiam no meio social em que viveram e, manso, enquanto espaço lhe não negara o limitado mundo
por fôrça ·das circunstâncias, escreveram mensagens na em que viveu - espécie de recanto na gaiola da vida·
única linguagem em que poderiam necessàriamente ser Callado seria, nesse quadro imaginário, o vivo e
entendidos. Se essas mensagens, diante de muitos, num sanhaçu que cantava, em certeiro vôo, quando seta trai-
sentido artístico, representavam verdadeiras parábolas, çoeira o fêz tombar em plena mata; Anacleto, compararía-
não deixavam elas, por isto, de ser elevadas somente por- mos à saíra agreste, sempre tímida e meiga, até no viver
que a literatura as desprezava em suas incertas conclusões. do ninho, mas cintilante e álacre quando chegada a hora
Era linguagem e, como tal, reflexo de uma civilização. de cantar ...
Mesquita, Callado e Anacleto nos deixaram melodias imOI·- Pois bem, seja lá exagêro ou utopia, o que quiserem!
tais que falam de uma etapa histórica, de um tempo pre- Não há, porém, mal algum em ter que dizer aquilo que
térito, mas no tom em que deveriam falar: com simplici- precisa ser dito sem rebuço:
dade e singeleza. Se numa alvorada de primavera, ouvirdes, ó jovem ca-
Callado destacou-se dos demais pela beleza de seu só- rioca, na árvore frondosa - galhos fronteiriços - desfe-
pro e prodigiosa velocidade com que executava os saltos rindo o canto, velho sabiá, em concêrto estranho com o
- em intervalos compostos de incríveis dificuldades num ins- esbelto sanhaçu e a tímida saíra, não interrompais a ma-
trumento realmente imperfeito. tinada!. . . São aves encantadas que estão embalando as
Foi, sem nenhuma dúvida, um dos precursores da mú- últimas ilusões - sombras mágicas que ainda vibram nas
sica característica do Brasil, levando-a quase à perfei- derradeiras ondas sensíveis em liquidação na face da
ção.(69) Teve, por outro lado, a coragem de enfrentar a Terra.
crítica coetânea e escrever os agrupamentos rítmicos se-
guindo a tendência das acentuações vocálicas de nosso País.
Por sua virtuosidade, no instrumento, enalteceu nossa arte
e colocou-se num centro de interêsse plenamente favorável
à fixação dos modismos nacionais. Callado foi o necessário
instrumento de que se serviu a música nacional para sua
evolução em etapas sucessivas, em futuro promissor. (70)
Sua literatura eminentemente flautística revela as modu-
lações mais imprevistas, porém dentro de uma lógica que
tende fartamente às imposições estéticas. Era essa, aliás,
a constante básica de suas inovações no terreno da música
brasileira. Sua arte revela, além disso, os valores de nossas
características, tanto nos desenhos melódicos como na har-
monia coadjuvante sob ritmo em que os sainetes são cons-
tantes. Pode, pois, com justiça, ser considerado um grande
pioneiro da música nacional, de que Mesquita foi o incen-
tivador e Anacleto um fulgurante adepto.
202 203
NOTAS EXPLICATIVAS

A fim de evitar as sucessivas interrupções da


leitura ocasionadas pelas chamadas habituais, por
nfunero, resolvemos fazê-las na ordem numérica,
em seção à parte, que poderá ser ou não utilizada
na ocasião da leitura. Ficarão elas como esclare-
cimentos de certos aspectos de ordem histórico•
cultural.
NOTAS AOS TEXTOS

1 - .Jornal do_ Comércio, de julho de 1847 - Benefício de Luiz José da


Cunha (trompista). Mesqwta executou uma bela melodia no "piston" (cor-
netim) composta por Desidério Dorisson.
2 - Antônio Luiz de Moura foi professor de clarineta do conservatório
de Música, desde 1869. Teve como aluno distinto, Anacleto de Medeiros.
3 - Em 1855 saiu publicada a primeira composição do jovem professor Hen- _
rique Alves de Mesquita: Dusão, romance, em edição de T. B. Diniz. (Cons-
tituição, 11).
A segunda obra publicada era dedicada a Mme Charton, valsa, que também
foi publicada pela firma acima indicada.
4 - Em março de 1859 a Revista Popular do editor Garnier, trata de um "Te-
Deum" que fêz sucesso, comparando Mesquita com o padre José Mauricio e
Francisco Manuel da Silva. Ai também fala-se da célebre Missa da Festa
de Santa Cecília.
5 - Ver no .Jornal do Comércio um aviso sôbre a peste, que saiu dia 13
de fevereiro de 1850 e, logo após, os bailes mascarados nos dias 8, 9, 10 e
11 daquele mês e ano.
6 - Correio Mercantil: "SCHOTI'ISH - grande valsa brilhante, que foi to-
cada no Cassino Fluminense" (Abril de 1850.
7 -.Jornal do Coméreio N.0 219 - "Horrivel incêndio no Teatro São Pedro
de Alcântara, na noite de 10 de agôsto de 1851".
8 -Ver La Musica de Espaõa, Gilbert Chase, pág. 228. (Los virtuosos)
9 - Ver .Jornal do Comércio de 1.0 de março de 1856. Ed. T. B. Diniz.
10 - Sôbre Eleutério existem várias notícias no .Jornal do Comércio de 1850
(mês de julho). Escreve êle: Os amigos na Ponta do Caju, Lembrança do
passado e um hino dedicado à imperatriz Teresa Maria Cristina. (Missa de
7.0 dia - 9 de março. (Faleceu a 3 de março de 1872).
11 - Brasil Artístico, 1857, pág. 124: "O paquete Petrópolis, da linha Ham-
burgo, levou para a Europa, no dia 2 de julho do corrente ano, o Sr. Hen-
rique Alves de Mesquita, um dos nossos mais distintos músicos, da Comissão
Artística da Sociedade, o <tua! foi, como pensionista do govêrno, aplicar-se
ao estudo artístico e freqüentar os grandes estabelecimentos musicais".
12 -Ver Carteira de Artista de Sousa Bastos, pág. 503, 1898.
13- Ali-Babá, Coroa de Carlos Magno, etc.
14- Bazar Volante, 3 de julho de 1866
15 - .Jornal do Comércio de 25 de julho de 1866, programa do Teatro Giná-
sio Dramático. Diário do Rio de .Janeiro, N.0 45 de 1866.
16 - Guerra do Paraguai . .Jornal do Comércio de 24 de abril de 1866: mortes
no Itapicuru_
17 - Giannini 1860), Francisco Manuel da Silva (1865), Cruz Lima (Antônio
Xsvier) (1866), Joaquim Antônio da Silva Callado (pai) (1867) etc.
18 -Ver .Jornal do Comércio de 21 de fevereiro de 1866. No fim dêsse ano
é grande a freqüência aos Cafés-Concertos.
19 - Ver .Jornal do Comérçio do dia 4 de outubro de 1851. Abertura dos tra-
balhos da Companhia Dramática.
20 - Sôbre M. Ijucien Boucquet existem várias notícias no .Jornal do Co-
mércio dos dias seguintes: 31 de maio de 1863, 24 de outubro de 1867 e 30
de abril de 1868_
M. Lucien Boucquet atuava no Lírico Fluminense na Troupe Parisienne -
(Alcazar).
21 - Ver no .Jornal do Comércio de 12 de fevereiro de 1871. Confronte-se
com o documento fotográfico incluído neste livro.

207
22 - Jornal do Comércio de 23 de novembro de 1876. Em São Paulo ver a missa do trigésimo dia. Ai vem a expressão tantas vêzes usada no Império:
Tribuna Liberal. A Companhia Phenix atuou, na capital paulista, no Teatro •o sempre chorado Joaquim Antônio da Silva Callado". •
São José. 27 - Na relação dos professôres da orquestra de André Gravenstein que
23 - A polca Provocante, de Francisco L. da Silveira, saiu dia 4 de agôsto saiu no Jornal do Comércio de 8 de fevereiro de 1880, o nome de Callado
de 1877. 1!:sse excelente pianista, inspirado compositor popular,· foi inicia a lista dos quarenta componentes da organização musical. Estêve êle
das epidemias em julho de 1882. tocando no Teatro D. Pedro II durante o carnaval e faleceu no dia 20 de
23A - Jornal do Comércio, 28 de agôsto de 1878: março de 1880. Foi sepultado no Domingo de Ramos.
"H. A. Mesquita - Achando-se, afinal, inteiramente restabelecido de sua 28 - Das obras impressas, de autoria do flautista Callado, Querida por todos
longa .enfermidade, êste festejado e inspirado maestro, nosso patrício, gratos é a primeira. Saiu em 13 de janeiro de 1869. Em 1872 foi impressa outra
aos grandes serviços dêle recebidos, por espaço de anos, a Emprêsa do Phe- polca com o nome de Linguagem do Coração. Já no ano seguinte apareceu
nix Dram.ática fêz celebrar um Te-Demn em ação de graças e programou a polca Iman. Como é bom foi publicada em 1875, mas para flauta, junta-
esplêndida festa para amanhã, ao voltar Mesquita a ocupar o selu pôsto mente com Cruzes, minha Prima!
naquele teatro." Desejada foi annnciada para o dia 19 de fevereiro de 1880, justamente um
No dia seguinte os grandes anúncios comerciais registravam o acontecimento mês antes do falecimento do artista. A casa Narciso fêz a publicidade no
deStacando a banda que compareceu para abrilhantar a festa ·dos artistas Jornal do Comércio na data acima citada.
do povo -Prazer da Glória. Flôres foram jogadas sôbre o maestro e duas 29 - A edição mais antiga dessa obra de Emidio Pestana vem no Cancio-
meniri.as entregaram-lhe uma batuta e uma partitura em cena aberta. neiro Flmninense. Cantares Brasileiros, de Mello Moraes Filho, pág. 65 (1900).
24 - Descobrimos uma excelente fotografia dêsse talentoso compositor dé 30 - Esta polca foi encontrada em um velho caderno de flauta pertencente
origem portuguêsa que vai incluída no livro Raridades da Imprensa Impe- ao professor Pedro de Assis, escrito em Campinas, no Estado de São Paulo,
rial. no fim do século passado (1893 >.
31 - Sôbre o flautista italiano G. Scaramelli veja-se o Jornal do Comércio
25 - Trata-se aqui de assnnto cultural e não prbpriamente histórico. Fomos de 14 de março de 1857.
levados a referir êsse caso pelo interêsse incomum que êle tem despertado
illtimamente. Todavia, não pode haver provas documentais sôbre um episódio 32 - Trata-se do impacto emocional com a morte prematura da bela Emí-
verificado em uma Sociedade Dançante da Cidade Nova. Era comum, na- lia Falhares dos Santos. Ver Jornal do Comércio de 2 de outubro de 1856.
quela época, a dança entre pessoas do mesmo sexo como adestramento, as- acontecimento favoreceu o aparecimento das modinhas: "Já tudo dorme
sunto de que se têm ociupado os cronistas coevos. Entre êles destacamos vem a noite em meio" e "Perdão, Senhor meu Deus!"
o criterioso Machado de· Assis que, em Ilustração Brasileira, escreveu em 33- Pitang!l> tocou uma Fantasia em Adágio no Concêrto Vocal e Instru-
1877: "No meio da sala dez ou doze rapazes, abraçados uns aos outros exe- mental dado por José Joaquim dos Reis no salão do Çongresso Flmninense.
cutam as figuras dançantes que o mestre, dedicado e atento, lhes vai ensi- Jornal do Comércio de 14 de novembro de 1857. Nesse mesmo ano José Joa-
nando e corrigindo. Aprende-se a dançar". quim dos Reis apareceu na ópera Nacional "executando na rabeca, pelo seu
nôvo sistema (sic) o Hino Nacional e uma melodia de sua composição". (Rio,
Fala o mestre justamente das primeiras manifestações de danças livres no
Rio de Janeiro imperial que acabaram repercutindo no Teatro Popular em 17 de julho de 1857)
1883. A partir de 1883 o grito que passou à alçada da policia começou a ser 34 - A Biblioteca da Escola de Música posSflli um único exemplar que foi
substituído pelo homófono MAXIXE. Quem primeiro usou tal artificio foi · salvo graças ao esfôrço do professor Pedro de Assis, que o fêz publicar.
o artista Francisco Correia Vasques ao realizar o trabalho que deu o nome 35- Veja-se o anúncio do dia 14 de fevereiro de 1852, mandado à imprensa
de Aí! Cara Dura! J!:sse era também outro grito da época. Todavia, a "Polca- diária por Mercês e Cia., Constituição, 19. A quadrilha tinha as seguintes
Machiche" foi referida, pela primeira vez, por Chirol. O assnnto estava, peças: Espectador, O Incêndio, Lamentações, Projeto de Reconstrução e
desde o inicio, ligado ao caso da "MULHER-HOMEM". Inauguração.
João Chagas, em seu livro De Bom:l (1897), diz o seguinte a respeito dêsse 36 - Não está bem esclarecido êsse tema mas já se sabe, por exemplo, que
assunto: "O brasileiro vai aos bailes dançar o machiche". E interroga: Lundmn é assnnto europeu e I.:undu é assnnto brasileiro. Todavia, êsse pro-
"Que vem a ser machiche?" blema sbmente poderá ser esclarecido em trabalho específico.
37- Veja-se o mês de dezembro de 1855. Anúncios de T. B. Diniz, Praça
Nada mais simples e, todavia, nada mais difícil de contar. O machiche pode-
da Constituição, 11.
se definir desta forma: enlace impudico de dois corpos; ou assim: conjnnção
indecorosa dos dois sexos. 38 -Os Beijos-de-Frade. A poesia do Sr. Villas Boas vem no Jornal do Co-
mércio de 17 de maio de 1856.
O machiche é um tango dançado à espanhola, por brasileiros.
39- Obra publicada por J. M. Alves da Rocha, em março de 1877, e escrita
Será isto?
sôbre um dito popular do Rio de Janeiro. Foi feita como polca de serenata
A sua música é a música dos tangos com um ritmo nôvo, introduzido no (chôro) mas, depois que lhe adaptaram versos, passou a ser cantada como
Brasil por compositores brasileiros; na realidade, dança-se ao som de da Silva, publicamos no álbum Música Imperial uma raríssima fotografia
tôdas as músicas: valsas, polcas, mazurkas, árias, porque machiche é o ato encontrada êste ano. Catullo dedicou uma poesia a êsse saudoso artista de
de dançar e não a própria dança." (A referida obra encontra-se no Arquivo canção. Sôbre o compositor popular e flautista dÓ Império, Viriato Figueira
Almirante) . Macaé, que vem à pág. 29 de Trovas e Cantares, mas supôs que a polca
26 - Os anúncios do falecimento do pai do Callado foram encontrados no Só para, moer fôsse do Callado e assim enganou-se, conforme se pode ver
Jornal do Comércio dos dias 16 e 18 de dezembro de 1867, que falam da nas págs. 116 a 119 da edição Quaresma de 1910.

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56 - Revista da Semaria de 25 de agõsto de 1907, pág. 5081, n.0 380.
40 Desta polca existe um exemplar na Biblioteca da Escola de Música.
57- Albertino Inácio Pimentel (Carramona), filho legítimo de Clementina
41 - Encontramos duas cópias dessa obra, sendo uma delas na Biblioteca
Inácio Pimentel, nasceu em 1871, nesta capital. Engajou no Corpo de Bom-
Nacional.
beiros, em março de 1900, reformou-se em maio de. 1924 e faleceu em
42 - Possuimos em nosso arquivo uma cópia manuscrita da parte de piano
agõsto de Substituiu o prof. GÓuveia, que sido desig-
que foi publicada em 19 de fevereiro de 1880.
nado subst1tuto de Anacleto de Mede1.ros (Dados fornecidos pelo Prof. José
43 - O Passapé não é assunto particular do Brasil, como muitos julgam,
Carlos de Castro}.
pois já fazia parte das Suites Clássicas do século XVIII. Veja-se o Passapé A notícia do falecimento de Albertino Pimente1 vem em A Noite de 7 de
(em Rondó} da Suite Inglésa n.0 5 de J. S. Bach.
agõsto de 1929.
44 - ::i!:sse têrmo ligado à música apareceu no Rio de Janeiro em 1876 :
58 - Revendo a literatura de cordel podemos concluir que Catullo muito
"Grande ária e cõro do cochicho no Teatro São Pedro de Alcântara, dia 8 contribuiu para a consagração popular de Anacleto. As músicas que êste
de fevereiro". Também apareceu a obra Coxixos à polca, para significar escreveu, apesar de simples, eram destinadas às bandas que, no geral, exe-
pessoas que segredavam ao par, no momento da dança coletiva. A crítica cutavam obras e mais obras sem jamais referir seus respectivos autores.
foi feita na Zarzuela O Juramento. 59 - Essa linda valsa foi encontrada no arquivo particular do mestre Djal-
45- A primeira Ária de Polca do Sr. Martinho foi cantada no Teatro São ma Vicente do Carmo. Os versos que Catullo adaptou a ela são, de fato,
Francisco nos dias 8 e 9 de janeiro de 1847. dignos do renome de que mereciQ.amente gozava. Vêm na Lyra dos Salões,
46 - A flauta de Callado foi localizada por um seu neto de nome Guaracy pág. 67. Aí, o poeta inspirado escreveu: A memória de Anacleto de Medeiros
e adquirida pelo flautista nacional Lenir Siqueira, que a possui atualmente. e, na pág. seguinte, ainda em itálico: "walsa", Terna Saudade, de Anacleto
47 - No dia 19 de junho de 1859 faleceu o professor de flauta do Conser-
de Medeiros.
vatório Francisco Motta, que também foi secretário do Estabelecimento. 60- Nos referimos ao aspecto analítico que depende, antes de tudo, dos
48- Essa polca, em edição de J. S. Arvellos, safu no mês de janeiro de conhecimentos da harmonia tradicional.
1880. 61 -Ver O Paiz, de outubro de 1896, quando pelo Rio de Janeiro passou o
49 - Callado foi sepultado em uma cova rasa 6852 número de ordem 1.940, corpo do saudoso Carlos Gomes.
no dia 21 de março de 1880,no Cemitério São João Batista. Em 1885 seus 62 - Saiu, no inicio do ano de 1856, a polca Café coin Leite, da autoria do
restos mortais. foram transladados para o São Francisco Xavier, junto da Dr. Adolfo Maersch. Edição de T. B. Diniz. O anúncio pode ser lido no
sepultura de Viriato Figueira da Silva.
Jornal do Comércio de 8 de maio de 1856.
50 - Vincenzo Cernicchiaro, em seu livro História da Música no Brasil, nota 63 - Esta polca do trompetista José Soares Barbosa, que se tomou conhe-
do pé da pág. 511, diz que Callado tendo tantos colegas, "só um, um só, cida em todo o País, foi publicada em 3 de outubro de 1874.
o acompanhou até a última morada". Não se lembrou que Callado morreu 64 - Aqui desejamos focalizar o interêsse do pianista amazonense Amaldo
de doença contagiosa, e que Antônio Luiz de Moura, citado pela família, Rebello, que se tem distinguido pelo cuidado em não esquecer essas datas
compareceu ao sepultamento representando o Liceu de Artes e Ofícios. Essa comemorativas dos artistas nacionais. Assim, executou, no dia do Centenário
notícia, veiculada com insistência na época, levou o Liceu à contU1géncia do nascimento de Anacleto, um programa na Rádio Ministério da Educação
da homenagem que fêz a 29 de março mandando celebrar missa na igreja e Cultura onde colabora com Belmira Frazão.
do Santíssimo Sacramento. 65 - Trata-se de Henrique Poreis, atual diretor do Arquivo Almirante, do
51 - Sõbre as exéquias de Carlos Gomes, ver O Paiz de 2, 6 e 8 de outu- Estado da Guanabara.
bro de 1896. No dia 15 dêsse mês e ano vem a relação das bandas que 66- Vem a informação, que é aliás do domínio público, registrada na obra
acompanharam o cortejo fúnebre. , Magé, Terra do Dedo de Deus, de Renato Peixoto dos Santos, pág. 58 (Ser-
A banda do Arsenal de Guerra tocou a marcha fúnebre do próprio Carlos viço Geográfico Brasileiro, 1957}.
Gomes, segundo diz o jornal. 67 - Paquetá - Imagem de ontem e de hoje, Vivaldo Coaracy, 1964, págs.
52- Vêm os anúncios no Jornal do Comércio do mês de julho de 1851. 119 e 120.
''Schottish, música nova". Assembléia, 89. 68 - Ver a Gazeta de Notícias de 16 de agõsto de 1907.
53 - O primeiro MaJP:xe foi apresentado em uma festa em benefício do ar- 69 - Já existia música brasileira desde a publicação da polca Querida por
tista Vasques. Era o IV número da peça Aí! Cara dura. Ver o Jornal do todos.
Comércio de 10 de abril de 1883. (Teatro Sant'Anna}. 70 - Trata-se da influência que exerceu sõbre compositores populares como
54 - Gênero cantante aqui se refere à melodia e não propriamente a cantar Chiquinha, Viriato, etc ...
com palav'ras. Em música o canto com palavras é chamado gênero dramático.
55 - Essa obra foi registrada na Biblioteca Nacional após o falecimento do
compositor. Convém destacar que a firma do Sr. Manoel Antônio Guima-
rães era sucessora de Buschmann Guimarães e Irmãos.
Êsse estabelecimento musical (dos irmãos portuguêses} vinha funcionando
no Rio de Janeiro desde 1881 quando, das oficinas de Isidoro Bevilacqua,
saiu a polca galope Hip! de Francisca Gonzaga. Como pode êle registrar a
obra de um artista desaparecido há mais de cinco anos não sabemos nós!
A Schottish Yara, em 1912, teve registro n.0 1916, chapa da editõra citada
n. 0 4.930.
211
210
PARTE
COMPLEMENTAR
MESQUITA

Documentos e notas
Documentário
HENRIQUE ALVES DE MESQUITA

1 - Declaração da Secretaria da Venerável Irmandade do Príncipe dos Após-


tolos S. Pedro, assinada por Mons. João Victoriano Barreto de Alencar:
"HENRIQUE ALVES DE MESQUITA- Aos dezessete dias do mês de julho
de 1883, em o Consistório desta Venerável Irmandade e em virtude de deli-
beração da Mesa da Sessão de hoje, por proposta do Revm.0 Tesoureiro
da mesma Irmandade, foi proclamado- por votação unã.:nitne Irmão, pelos
seus relevantes serviços e nomeadamente pela partitura das "Novenas do
Nosso Santo Patriarca, São Pedro", o Professor Henrique Alves de Mesquita,
de 50 anos de idade, filho legitimo de José Alves de Mesquita e Ana Rosa
de São Francisco, nascido e batizado na freguesia de São José desta
Côrte, e isenta da jóia compromissal de admissão por ser considerada, a
dita partitura, de valor muito superior. Eu, Padre José de Souza Borges
Accioli, Secretário da Irmandade o subscrevi e assinei." Assinam o documen-
to Pe. José Souza Accioli e Henrique Alves de Mesquita. Livro N.0 5, dos
Têrmos de entrada de Irmãos:
"O referido Irmão Professor faleceu no dia 12 de julho de 1906, sendo se-
pultado no dia 13 do mesmo mês e ano, no Carneiro N." 25, Quadra 19 de
São Pedro, no Cemitério de São Francisco Xavier. Livro de Obitos da Ir-
mandade - Registro pág. 54 e 54 verso".
2 - Notícia do Correio da Manhã do dia 14 de julho de 1906, trazendo cli-
chê, sõbre o falecimento do compositor que ocorreu no dia 12, em sua re-
sidência da rua Padre Miguelinho, 30.
3 - "Entrou para o magistério oficial dêste Conservatório, em 1872, na classe
de instrumentos de bocal." Livro de Assentamentos da Escola de Música.
4 - Em 1871 a situação económica de Mesquita era precária e um festivàl
foi realizado em seu beneficio no Teatro D. Pedro II, com a apresentação
ae sua opera o Vagabundo, sob a regência do maestro italiano M. A. Agos-
tini. Ao espetáculo estiveram presentes: SS. AA. a Princesa Imperial Regente
e o Conde D'Eu (Jornal do t.;omércio, 23 de dezembro de 1871).
5 - Eis o que diz o jomal O Paiz, de 13 de julho de 1906, dia em que o
grande mÚSJ.co foi sepultado:
"O maestro Mesquita é um dos contemporâneos de Carlos Gomes. Quando
moço o Imperador o mandou estudar na Europa. Entretanto, uma aventura
galante, em Paris, fê-lo perder as boas graças do Soberano e o Mestre
Mesquita foi recambiado para o Brasil onde completou seus estudos (sic).
Aqui, com O fêz época nos nossos teatros, mas o desvalimento
em que o tinha o monarca, cortou-lhe completamente a carreira.
Quando morreu Carlos Gomes, foi Mesquita reger o grande concêrto fúne-
bre que teve lugar no largo de São Francisco de Paula. Era músico de muito
merecimento a, quem uma má estrêla perseguia".
6 - Henrique Alves de Mesquita foi nomeado, por portaria de 18 de janei-
ro de 1890, professor de trompa, trompeta, trombone e congêneres, e tomou
posse em 20 de janeiro do mesmo ano. Foi, depois, jubilado por decreto
de 22 de fevereiro de 1904 (Livro de Registro da Escola de Música).
7 - "Teve lugar no sábado (há engano, pois nesse dia foi o falecimento),
no Cemitério de São Francisco Xavier, o enterramento do Sr. Henrique Al-
ves qe Mesquita, brasileiro, casado, com 76 anos de idade e falecido na rua
Padre Miguelinho, 30".

217
8 -Certidão de óbito, passada pela 7.a Circunscrição <GB), Livro 52, fls.
149 v., n.0 588. Falecido às 17 horas do dia 12 de julho de 1906, na rua Pa-
dre Miguelinho, 30, com 76 anos, de uremia. (ass.) Dr. Clímaco Barbosa.
9 - "Na igreja de São. Francisco de Paula foi ontem rezada uma missa de
7.0 dia pelo falecimento do maestro Henrique Alves de Mesquita, mandada
rezar pela famflia. Foi celebrante o Revmo. Amorim. •
Ao ato religioso compareceram, além da famflia e parentes, as seguintes MONS. f}J;nufi.do de
pessoas, entre muitos: Azevedo Coutinho, Henrique Oswald, Eugênio, Augus-
to de Castro Pereira, maestro Luiz Pedro, maestro E. Pizzarone, Antônio
de Mesquita Júnior, Moysés Alves de Mesquita, Dr. Carmo Neto. Segue-se da de @.
lista imensa. (Jornal do Brasil de 20-7-1906).
10- Faleceu ontem às 7,30 da noite. Seu entêrro sairá hoje, às 5 horas, de I rd. p. I I ('Õ," I C7' •
sua residência à rua Padre Miguelinho, n.O 30 em Catumby, para o Cemitério ao o... ac ac:
São Pedro. Durante a noite velaram o corpo grande número de parentes e
amigos do finado". (0 Paiz - sexta-feira - 13-7-1906). CERTIFICA que no livro 8 de termos ãe batismos
11 - Nome de pessoas da família divulgados por ocasião da missa de séti-
mo dia: desta freguesia, á folhas 203, consta o eguinte:
Espôsa: Maria Thereza de Mesquita; Irmãos, Antônio e Alexandrino- Mes-
quita. Eis como vem o relato: - Henrique -
"Maria Thereza de Mesquita, Luiza Pereira de Mesquita, Antônio Alves de
Mesquita, Alexandrino Alves de Mesquita, Henrique Themoteo da Costa, seus
irmãos Domingo e José Martins, e sua família; Manoel José de Freitas e "Aos trinta e um dias do mes de julho de mil oi.to
sua famflia; Francelina da Costa, espôsa, irmão, tio e avô, agradecem às
pessoas que assistiram ao ato religioso". (Jornal do Brasil - 18 de julho centos e trinta anos, nesta lõatriz de São José do Rio
de 1906)
Nesse jornal vem a notícia de que a Banda do Corpo de Bombeiros com- de Janeiro, batizei e puz os Santos Oleos a HENRJQUE,
pareceu às exéquias de Mesquita. inocente, nascido a quinze de março prox1mo passado,
filho natural. de José Alves de Mesquita Basto e de
"'
Anna Roza de São Francisco, o qual disse em minha pre-
sença e das testemunhas com el.e abaixo assinadas que
reconhecia o dito inocente por seu filho, como se hou-
vesse nascido lebitimo matrimonio, e por tal. o reco-
nhecia e perfilhava,. foram pacir1.nl'.os Manoel Pereira das
Beves,digo, Manoel. Pereira da Silva Maia e protetora.
Nossa Senhora da Conceição - de que fiz este assento.
O Coadjutor Jozé Joaquim da Cunha - Jozé Alves de Mes· ·
quita Basto - Manoel. Pereira da Silva Maia - Manoel An-
tonio Maia - Antonio de Amorim P;i.nto." - NADA.MA.IS
CONSTA. ITA lN FIDE PAROCHI. - - - - - - - - - - -

._s
218
Notas fG"ra dos textos
1- de do Henrique, nascido· a quinze de março
SECRET ARfA DA VENERAVEL IRMANDADE DO de mil mtocentos e tnnta anos, filho de .José Alves de Mesquita Basto e de
Ana Rosa de São Francisco", datada de 31 de julho de 1830 - Freguesia de
PRINCIPE DOS APOSTOLOS S. PEDRO São .José - documento fomecido pelo Arcebispado do Rio de .Janeiro. (Sem
ônus, em 11 de agôsto de 1965).
2 - Declaração da Secretaria da Venerável Irmandade do Príncipe dos Após-
ÇRio de <Ja.neito, 23 de Março de 1965 tolos de São Pedro: "Foi proclmnado - por votação unânime - Innão, pe-
los seus relevantes serviços e nomeadamente pela partitura d;l.s Novenas de
Nosso Santo Patriarca São Pedro, o professor Henrique Alves de Mesquita,
DECLARAÇlO de 50 anos de idade, filho legitimo de .José Alves de Mesquita Basto e Anna
Roza de São Francisco etc.". O documento traz as assinaturas de Mesquita
e do Secretário da Irmandade. "Livro n.0 5 dos têrmos de entrada de Ir-
mãos, pág. 54 verso".
3 - Livro de registro da Escola de Música: "Entrou para o magistério ofi-
cial dêste Conservatório, em 1872, na classe de solfejo".
Tendo sido pedido verbalmente pelo Dr.Francisco Josá 4 - .Jornal do Co111éreio do dia 13 de dezembro de 1879. Vem aí um subs-
Pessêa de Morais, o que consta nesta Venerável do tancioso artigo sôbre a injustiça das comendas no Conservatório. Trata-se
das condecorações de vários professôres e negativa para Mesquita por ques-
c!pe dos ApÓstolos São Pedro, sôbre o finado Irmão Professor tões antigas. O Imperador vetou a homenagem ao grande artista nacional
HENRIQUE ALVES DE MESQUITA (Maestro), a fim de ser fei baseado na moralidade do título de cavaleiro da Rosa. A Revista Musical,
que era dirigida artisticamente por Miguez e A. Napoleão, no número de
de Artística UIRAPURÚ, que está fazendo a biografia dos mÚsicos 20 de dezembro de 1879, comenta com detalhes o fato aludido, em longo e
célebres para publicaçÕes e festejos do IV Centenário, G que cons consciencioso artigo, cuja repercussão foi surpreendente nos meios artísticos
da metrópole. O Govêmo foi severamente criticado em todos os setores da
ta dos nossos arquivos ó o seguinte: opinião pública.
5 - Revista Musical, dirigida por A. Napoleão e L. Miguez, ano de 1879:
"LIVRO Nl! 5, DOS TEIDmS DE ENTRADAS DE IID.:ÃOS; Página 54 Tarso: "A Noite no Castelo - Aos generosos esforços do Sr. Narciso .José Pinto,
"HENRIQUE ALVES DE - Aos dezassete dias do mez de Julho chefe da firma Narciso e Cia., se deve a publicação, em Paris, desta parti-
de mil oitocentos oitenta e tres, em o ConsistÓrio Venerável tura, composição do Sr. H. A. Mesquita.
Irmandade e em virtude de deliberaçao de Mesa na Sessao de hoje,por Não há, no Rio de .Janeiro, quem não conheça o talento inspirado dêste
proposta do Reyml! Thesoureiro da mesma Irmandade, foi proclamado-
por votaçao unanime Irmao pelos seus relevantes serviços e nomeada- compositor.
l!.ante pela partitura das Novenas do Nosso Santo Patriarcha -S.Pedre, A música de Uma Noite no Castelo é fresca e límpida como são tôdas as
o Professor Alves de Mesquita, de 50 snnos_de idade, filho composições dêste maestro que um pouco mais de estudo teria colocado
legitimo de Jose Alves de t:esquita e Anna.Rosa de Sao Frfillcisco em primeiro plano.
e baptisado na freguesia de S.Jose desta Corte, e iseap{a
da joia compromissal de admissao por ser CQnsiderada a dita partitu- O gênero pertence à escola de Offenbach; não é um gênero que mereça os
ra de muito superior. Eu, Padre Jose de Souza Borges 4ccioli, nossos sufrágios, o que não impede que reconheçamos seu mérito relativo".
Secretario da Irmandade o subscrevi e assignei. Ass. Pe.Jose Souza Nesse mesmo ano volta a Revista Musical a falar na obra de Mesquita:
Borges Accioli. Ass. Henrique Alves de Mesquita.• "Uma Noite no Castelo - Esta opereta foi à cena em beneficio de Mlle.
O refuido Irmão P1·ofessor blecsu no dia 12 de julho Delmary, na noite de 11 do corrente.
de 1906, sendo eepultado no dia 13 do mesmo mês e ano, no Carneiro Há pouco tempo ainda tivemos ocasião de falar desta pequena partitura,
cujo principal merecimento consiste em pôr, mais uma vez, em relêvo a
nº 25, da Quadra 19 de são Pedro, no Cemitério São Francisco Xavier. veia facêta e mimosa do compositor H. A. Mesquita."
(Livro 3 de Óbitos da Irmandade-Registro Página 54 e 54 verso).- A Revista Musical entende que não deve sufocar com espessa -nuvem de iii-
censo o maestro H. A. Mesquita, só porque a Emprêsa do Teatro Phenix
Dramática se lembrou de levar à cena esta partityra que o maes-
Rie de Janeiro, 23 de março de 1965 tro fêz em poucos dias para uma companhia dQ Teatro Alcazar.
Henrique Alves de Mesquita, ou o autor da missa de Paris, da missa de D.
(, Pedro V e tantas outras composições que, no Brasil e no estrangeiro, têm
sido tão bem recebidas, não carece do turibular afanoso da crítica por uma
de Alencar composição musical que é muito para qualquer; mas muito pouco para o
que êste maestro sabe fazer.

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A ópera cómica Uma Noite no Castelo tem melodias fáceis, que o ouvido IV - Trunfo às Avessas ( 1871)
recebe desde logo, instrumentação feita com graça é, sobretudo, sem a me-
nor pretensão. A instrumentação, que deve ser delicada, como é costume _em 2 atos no teatro Phenix Dramática pelo artista
em todos os trabalhos do nosso maestro, não se pode avaliar executada como Heller. O libreto e de França Juruor. Para maiores detalhes 0 Jornal
do Comércio de 5 de agósto de 1871. ·
foi por uma orquestra. deficientíssima. V - Ali-Babá ou Os Quarenta Ladrões ( 1872)
Mal iria a fama do maestro se tal crítica tomasse a ligeira produção, que
ópera mágica em 3 atos e 12 quadros. letra de Eduardo Garrido e mú-
se está representando no Phenix, como uma obra-prima do maestro".
sica original de Mesquita. Foi levada no Phenix, sob a direção musical do
Ein 1884 o Jornal do <:mnércio do dia 19 de novembro trazia mais esclareci-
compositor. O Jornal do Comércio de 11 de outubro de 1872 traz anúncio
mentos sôbre essa obra de Mesquita: bastante explicativo sôbre êsse trabalho de Mesquita.
"Uma Noite no Castelo - ópera cômica em 1 ato, de Paulo Kock, tradução VI - A Coroa de Carlos Magno (1873)
do francês por Lino de Assunção, música original de H. A. Mesquita". ópera em 4 atas e 24 quadros imitada de um original francês de Ani-
6 - Na Biblioteca da Escola de Música existe todo o material da ópera o ceto Bourgeois e traduzida por Joaquim Antônio de Oliveira. Direção artís-
Vagabundo, de H. A. Mesquita, copiado em 1871. tica de Vasques e Heller e cenas de Eduardo Garrido. Existem algumas pe-
Ali também encontramos Uma Noite no Castelo, material completo para ças ligeiras feitas por Mesquita que foram publicadas separadamente.
execução.
A Estrêla do Brasil para quarteto VQCal e L'Êtoile du Brésil (Ouverture) VII - Vampiro (1873)
Todo o material de orquestra. Drama fantástico em ·5 atos e 11 quadros, de Alexandre Dumas, em ver-
(Numa das partes vem o nome do antigo proprietário do material - Mi- são de Vicente Coaracy.
randa Machado). Francisco Braga chamava Miranda Machado de colega e Música original do maestro Henrique Alves de Mesquita. Existe aí uma
amigo. valsa que foi muito aplaudida.
7 - Apontamentos de um livro da Escola de Música: "Henrique Alves de VIII - Loteria do Diabo (1877)
Mesquita foi nomeado professor de trompa, trompeta, trombone e congê- Mágica em 4 atos e 17 quadro::;, libreto de Eduardo Garrido e Francisco
neres, por portaria de 18 de janeiro de 1890. Foi jubilado em 22 de feverei- Palha, com música original de Mesquita que já aí aparece como cavaleiro,
ro de 1904". por iniciativa do Govêrno português.
8 - No Album de Poesias, ãe Albano Cordeiro, existente na Biblioteca Na- IX. - A Gata Borralheira ou Chapim de Cristal (1884)
cional encontra-se uma composição de Mesquita de nome O Sono. Mágica em 3 atos e 9 quadros, imitação feita por Eduardo Garrido com
9 - A Revista Popular registra o nome de uma composição de Mesquita música original do maestro cavaleiro Henrique Alves de Mesquita.
enviada de Paris. Trata-se de um Te-Deurn que foi anunciado em fevereiro X - Existe na Biblioteca da Escola de Música uma ópera-cómica em dois
do 1859. atos, escrita por Mesquita, que, por não trazer fôlha de rosto, não foi pos-
10 - Sóbre Mesquita existe uma poesia da lavra de Pereira Rôça, que saiu sível ser identificada como era de desejar. Pelos personagens verifica-se
publicada na revista Vida Fluminense, em 1873. que não se trata de nenhuma das nove obras teatrais referidas nesse ensaio.
11 - Mesquita, já muito alquebrado, comparece às exéquias de seu parti- A partitura, para pequena orquestra, pertenceu a José Paulo Britto e
cular amigo Carlos Gomes. Rege na Igreja de São Francisco a banda de Silva. Traz os trechos numerados, como era comum na composição das ópe-
música de Paquetá, que teve oportunidade de executar uma marcha fúnebre. ras bufas. Tudo leva a crer que talvez se trate efetivamente de parte da
(Ver O Paiz de outubro de 1896) procurada opereta Noivado eDl Paquetá, obra de que nos fala Carlos de
12 - Composições para o teatro: Laet, no seu folhetim, dizendo que ela tinha apenas dois atas.
I - O Noivado em Paquetá 0857) Para uma identüicação plena resta o descobrimento da cavatina e do
A notícia mais remota que conhecemos sôbre essa composição de Mesquita romance dessa ópera, que foram publicados por Salmon, sucessor de P. La-
é de julho de 1857. Vem no Diário do Rio de Janeiro e diz o seguinte: "Mes- forge em Abelha Musical N.0 1, em janeiro de 1858.
quita, que tão súbita e brilhantemente revelou-nos um grande talento, com- 13 -Certidão de óbito passada pela 7.a Circunscrição - Registro Civil. Li-
punha a música de Noivado em Paquetá, linda opereta em 2 (dois) atos. vro 52, fis. 194 v., n.0 588. Consta o seguinte: "Henrique Alves de Mesquita
Essa informação, que deve ser correta, discorda de outra do Jornal do Co- faleceu a doze de julho de 1906, às 19 horas, na rua Padre Miguelinho, 30.
mércio que dá o trabalho como tendo 3 (três) atos. Era de côr parda (não consta a filiação), tinha 76 anos de idade e a pro-
fissão de maestro".
II - O Vagabundo (1863)
Do laudo médico consta que faleceu de urernia. O facultativo que assi-
Melodrama em 1 prólogo e 3 ates, composto em Paris. O libreto, escrito em
nou a certidão foi o Dr. Climaco Barbosa. O documento revela que Mesquita
italiano por Francisco Gumírato, foi reduzido em lingua nacional pelo Dr. L.
foi sepultado no cemitério de são Francisco Xavier, em 13 de julho de 1906.
V. De-Simoni para atender necessidades imperiosas dos contratos da ópera Foi declarante o Sr. Ulysses da Cunha Arantes.
Nacional, assinados com o Govêrno da Metrópole. A descrição dos quadros Documento fornecido pela Cúria Metropolitana declara que Mesquita foi
vem no Jornal do Comércio de 24 de outubro de 1863 quando a peça foi sepultado no carneiro 25 da quadra 19 de São Pedro, no Cemitério do Caju
representada pela primeira vez. (São Francisco Xavier).
III - La nuit au cbateau (1870) 14 - Mesquita entra para o Liceu de Artes e Ofícios antes de viajar para
ópera-cómica em 1 ato, letra de Paul Kock, traduzida por Lino de As- a Europa.
sunção. Existe na Escola de Música, como Uma Noite no Castelo, todo o Damos a seguir a notícia que revela êsse acontecimento e que vem publi-
material que pertenceu ao Phenix Dramática. cada na revista Brasil Artistico !ile 1857.

222 223
"O entusiasmo é surpreendente e admirável: O Sr. Henrique Alves de Mes-
quita, professor de música que acaba, há pouco, de escrever a magnifica
Missa da :Festa de Santa Cecília, músico distinto, bem como o Sr. Francisco
José Monteiro, hábil prof. de contrabaixo do Teatro Lírico e mestre de ban-
das militares, sç oferecem, cheios de vontade e dedicação, para acompanhar
neste filantrópico empenho, ensinando a música necessària à prática de
qualquer Com êste oferecimento ficam preenchidas as cadeiras
de tôdas as aulas do Liceu." (Tip. Nacional de B. Baptista Brasileiro).
15 - Festejos - "Ontem o maestro Mesquita ensaiou, no salão da Sociedade
Congresso Brasileiro, as bandas que têm de tomar parte no concêrto público,
para cuja 61{ecução levantou-se, no largo de São Francisco de Paula, um
majestoso corêto. No programa todos os trechos escolhidos recomendam-se
pelos nomes de seus ilustres autores". (Revista Musical, 17 de julho de 1880>
Para descobrir o que significava êsse escrito tivemos que recorrer à Folhi-
nha Laemm.ert do ano nôvo de 1881:
"Houve uma homenagem a Carlos Gomes que regressou ao Brasil no navio
Gaudia.na, no largo de São Francisco, onde foi levantado· um grande corêto,
para uma orquestra que ali se achava dirigida pelo maestro H. A. de Mes-
quita. Essa orquestra tocou um trecho do Guarany e, depois, Carlos GOmes
subiu e abraçou o amigo maestro Mesquita".

CALLADO

Documentos e notas

224
.JOAQUIM ANTONIO DA SILVA CALLADO

1 -Rio, 7-5-1876 - Escritura pública:


"Eu abaixo assinado, cidadão brasileiro, declaro que cedi à Sra. Viúva
-Canongia o direito de propriedade das polcas de minha original composição,
·intituladas: A Dengosa, Cruzes minha prima, Como é bom, Linguagem do
coração e lman, para a mesma senhora poder imprimi-las e vendê-las em
-todo o Império do Brasil, podendo, a dita Senhora, usar de todos os meios
que a lei faculta contra os infratores que as imprimam ou delas façam
-qualquer transação, como se eu próprio fôra. E para clareza passo o pre-
-sente, tendo vigor como escritura pública." Assina: Joaquim Antônio da Silva
Callado."
.2- 20-3-1880- Morre inesperadamente o grande Callado.
21-3-1380 - "Faleceu ontem, às 8 horas da noite, vitima de uma meningo-
-encefalite pemiciosa, o distinto artista nacional Joaquim Antônio da Silva
·Callado. O finado era professor-adjunto do Conservatório de Música Impe-
rial - Liceu de Artes e Ofícios, cargo em que, por sua incontestável profi-
-ciência e qualidades pessoais souqe angariar a amizade de seus colegas e o
xespeito dos discípulos, tendo sido recentemente condecorado com o hábito
da Rosa".
3 - 21-3-1880 - Livro de Registro do Cemitério São João Batista:
"Joaquim Antônio da Silva Callado, com 32 anos de idade, falecido na
.rua Visconde de Itaúna, 40, foi sepultado na cova rasa n.0 6.852, com número
-de ordem L940, no dia 21-3-1880". (ll:sses apontamentos não constavam da,
arqmvo da Santa Casa da Misericórdm.)
-4- 28-3-1880 - Flor Anlorosa - com êste título publicou-se uma polca,
última composição do exímio flautista Joaqmm Antônio da Silva Callado.
Esta composição, que é o canto de cisne do falecido artista, tem aquêle
ritmo característico e lânguido das nossas danças nacionais e que Callado
tão bem soube traduzir, nesta como em tôdas as anteriores composições, as
quais foram por muito tempo executadas em salões fluminenses, com justi-
ficada preferência. O limitado teatro que o pais oferece aos artistas é cer-
tamente a causa de que Callado não deixasse produções de maior vulto.
5 - 28-3-1880 - "D. Feliciana Adelaide Callado e seus filhos. D. Mathilde
Joaquina de Souza Callado e suas filhas, D. Feliciana Donevan, agradecem a
tôdas as pessoas que se dignaram a acompanhar os restos mortais de seu
_prezado espôso, pai, filho, irmão e compadre, Joaquim Antônio da Silva
Callado. Muito particularmente agradecem ao Ilmo. Sr. Dr. Luiz de Moura
:pela sua dedicação, convidando-os para a missa de 7. 0 dia que será celebrada
na Igreja do SS. Sacramento, às 8,30 horas, confessando-se gratos por êste
ato religioso".
-6 - "Sepultou-se ontem, no Cemitério de São João Batista, às expensas do
professorado do Imperial Liceu de Artes e Ofícios, o distinto artista brasi-
leiro Joaquim Antônio da Silva Callado, professor-adjunto da aula de música
daquela Escola. Sôbre o caixão viam-se duas coroas de saudade, tendo uma
-delas na fita as seguintes palavras: "Gratidão dos professôres do Imperial
Liceu de Artes e Ofícios".
Ao baixar ao sepulcro, o corpo do saudoso professor, o Sr. Major Dr. Pe-
:reira, (sic) pronunciou, em breves e sentidas palavras, uma alocução rela-
tiva ao ato".
; 6 - Família do Professor Joaquim Antônio da Silva Callado:

227
D. Feliciana Adelaide da Silva' Callado - espôsa.
Fiitws:
D. Leonor Callado Rodrigues; Alice Callado Corrêa; Luiza Callado Ribeiro.
de Castro; Elvira Callado e Arthur da Silva Callado, todos já falecidos.
Netos de Caliado, ainda vivos:
Guaracy Callado Rodrigues e Juracy Rodrigues de Morais, filhos de segundo
matrirnônio de Leonor Cal! ado Rodrigues.
Obs.: De todos os descendentes sõmente um se dedicou à música, João Da-
masceno Callado, já falecido. · ARQUIDiOCESE DO RIO DE JANEIRO
D. Feliciana Adelaide da Silva Callado, foi Inspetora do Liceu de Artes e
Ofícios até, mais ou menos, 1921. Faleceu em 27 de julho de 1923, na rua
Frei Caneca, 21.
Todos êsses informes foram fornecidos pelo Sr. Guaracy Callado Rodrigues.
Foi confirmada a informação da Gazeta da Noite de 23 de março de 1880
onde se diz que o Ccnservatório resolveu tomar luto por 8 dias, logo
teve conhecimento da morte do grande artista. Livro .... S... Folhaso?4.S""y- Têrmo -

--··-···--•••·••··• ••••••-••·•·••••••••••·•-·•••••••••••••-•••••••-••-•••--·--·-•••-•-•• •••-•-•••-••••-••·•-•·-•--··-·-••••••-•••••••-•••n•••••• •• ••••••••-• ••··-•••

Rio de Janeiro, ........ b .. de ............ , . /L ..................- ..-.. d• 19.. 12...•


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228

tE
I
I
ANACLETO
I
Documentos e notas
1 - Cópia fiel do Livro 4 de Batizados, Fólio 76, N. 0 2:

Aos treze de janeiro de mil oitocentos e sessenta e sete, nesta Freguesia do


.Senhor Bom Jesus do Monte de Paquetá, batizei solenemente e puz os santos
úleos ao inocente Anacleto, nascido aos treze de julho do ano passado, íilho
natural de Isabel, criola, liberta. Forão Padrinhos Antonio de Souza Malta
e Alexandrina de Medeiros, do que fiz este termo.

O Vigario, Joaquim da Rocha Cristallino

"2 - Cópia fiel do Livro 7 d.e óbitos, Fólio 200, N. 0 107:

Aos quatorze dias do mez de Agosto de mil novecentos e sete, no Cemiterio


de Santo Antonio desta Freguezia, sepultou-se o cadaver de Anacleto Au-
gusto de Medeiros, brasileiro, solteiro, com quarenta e U.."'l annos de idade,
residente nesta freguezia, que falleceu de ins1.úiciencia mitral com atenose
do orifício aórtico, por attestado do Dr. Soeiro Guarany, e como consta do
registro civil. E para constar mandei passar este termo que E.ssigno.

P. JciVenal Madeiro. Vigario,

233
A antiga Casa Guarani deu-nos uma demonstração de quanto era querido·
Anac!eto de Medeiros, ao remeter seu retrato, como homenagem póstuma do.
grande instrutor e ensaiador da banda de música do Corpo de Bombeiros,
a: seus fregueses de todo o Brasil, no ano de 1911. O Bilhete Postal do Sr.
Jerónimo Máxlmo Nogueira Penido, fôra devolvido porque o destinatário não·
residia mais na rua Conde de Bonfim.

l\1EDROSA
Quando procurávamos documentar êste volume lembramo-nos de um pe-
queno caderno de música que pertenceu a Pedro de Assis, professor do an-
tigo Instituto Nacional de Música.
Entre várias polcas, do tempo do Império, de autoria de Joaquim Antô-
nio da Silva Callado, uma de Viriato Figueira (Macia,) deparamos com o que
menos esperávamos: a polca Medrosa, da autoria de Anacleto de Medeiros,
copiada em 1893. Não trazia, o espécime, a 3.a parte nem qualquer indicação,
como se pode ver pelo clichê que aqui divulgamos. A identificação da obra
[oi possível em virtude de uns versos que Catullo da Paixão Cearense adap-
tou à referida composição popular, com o nome de Fadário. Os versos alu-
didos vêm na Lyra dos Salões, editada em 1913, pela Livraria Quaresma.
Como não encontramos qualquer referência a essa obra na imprensa
diária, mesmo através dos anúncios das editôras especializadas, é possível
que ela tenha sido escrita apenas para as bandas de música, como era uso
naquele ten1po. De qualquer forma o documento agora encontrado vem co-
locar essa composição popular em relação com a história, assunto que es-
tava fora de qualquer cogitação por falta absoluta de documentos idóneos.
I\'Iedrosa é uma composição bastante original, como obra popular que
teve ampla divulgação nos vários setores do nosso cancioneiro. O autor deu
à contextura melódica muito do que aprendeu no Conservatório com o maes-
tro Mesquita: na Primeira Parte usa o processo da "variação melódica" para
iniciar a segunda frase do período. Êsse fato é singular se pensarmos que
o trabalho era destinado ao grande público. O mesmo sucede com a seção
em tom maior onde o autor aplica processo técnico filiado à modelagem
rítmico-tonal.
:_,c;'Pilif ,, .. - r "{ . -· .. ···.·. E evidente que esta pequena peça, de apenas duas seções, conforme vem
TI i 1h s ta no cademo acima aludido, destinava-se à consagração através da música ins-
trumental e não . propriamente da música dramática, como depois se verificou

6- Memória Imperecível

Tentando dar uma idéia, a mais justa possível, da personalidade atraente


de Anacleto de Medeiros que, com sua música simples - muitas vêzes in-
gênua - deleitava o povo carioca, notadamente o de Paquetá, resolvemos
'! 't·; penetrar no ambiente de seus mais elevados sonhos - a banda de música
do Corpo de Bombeiros.
Nosso propósito inicial, de levar ao conhecimento do grande público
brasileiro os tesouros deixados na· corporação dos homens do fogo pelo ins-
pirado artista, arrefeceu por instantes, ao encontrarmos, em poder de Hen-
rique Foreis (Almirante), o documento que adiante transcrevemos.
n, c.;--t:;nç .,;. I«:c A prática das execuções musicais foi muito prejudicada no fim do sé-
culo XIX. Havia naquele tempo deficiência em tudo que se relacionava com
fiU?-\l\:f\l\V a música brasileira, e Anacleto teve de enfrentar sérias dificuldades técnicas
RtU út):5 OtJ .. e humanas quando organizou a famosa banda militar a que nos estamos
ih

235

..
referindo. Uma das questões mais irapertinentes, naquela época, era a exi-·
gência de dom improvisativo, que se atribuía a todos os mestres valorosos,
e essa toleima vinha desde o tempo do saudoso Callado.
Os dotes excepcionais de Anacleto não decepcionaram, todavia, aauêles
que "gostavam de ver um mestre compor meloãias de improviso". Por- isto,
talvez, muitas de suas obras circulam, em certos meios ortodoxos, como
('a;.-.;..f"'""'-6VJ I ./ g d..< -4.. .,1 8 tendo essa discutida origem. Nasciam assLTTI essas peças ligeiras com um
caráter relativamente anónimo pois jamais se relacionavam com .seus verda-
deiros autores. Outro fator que vinil..a propiciar essa prática abusiva era a.

$'Z i%'if#lt·p Iºyt;·&t.y


destinação dos cantos nascidos do inspirado Anacleto. Suas composições se
2:
a.....t. · "· 1-t., .
t I i i Ji
I êJ: e -
. . destinavam, desde logo, aos instrumentos das bandas, restando i..'Il.próprias
para execuções suntuosas ou de caráter específico, como ora o caso das mú-
sicas escritas para o "piano-forte". Os pequenos conjuntes musicais estavam
porém, fortemente adaptados a êsses tipos de composições. e o efeito que·
conseguiam, com o rEpertório de Ana.cleto, era excelentB! l\.'l:as como naquela
ocasião não se cuidava do direito autoral pr.otegido pouca importância era
l:ada ao nome do compositor ou poeta ligado ao trabalho que cnava.
Outro inconveniente de ordem estética: no meio dos entendidos êsses
tipos de músicas dançantes neiLl-Ium valor artístico representavarn e, por isto,
muitos preferiram que seus non1.es permanecessem ocultos sob o aspecto
do anonimato. Destarte o número de composições que A..1acleto escreveu
(reduzido geralmente pelo descaso com que eram recebidas) era objcto de
comentários apenas de um reduzido círculo de especialistas, ou aficionadas.
É claro que não nos referimos às produções que pelo seu gnm de origins.-

fb J : 1.Q I !tJEU U I tto ;fj&F @- HH i{. ?l


lidade extravasavam da fonte original como o manar,cial que vai forrnar,
aléiTI a grande caudal .
1

Convém destacar, para esclareciment0s, que o tipo de música. que agra-


dava às massas da população brasileira era que poderia aparec'Or cm
distintas "partes sôltas" que correspondessen'l às melodias em s:.:a bel·2za
( 19 Gtf nt;JJJ I i.. I Clj I Cf #G,. I fluent-e ... As obras nas quais o contraponto tinha papel saliente ficavam
relacionadas com as normas convencionais adotadas pela sociedade em seus
dias comemorativos - Quer dizer: um único original ey..istia capaz de ser
emprestado para uma execução eventual em UITI dia festivo. Talvez venha

;w r· u&urf--m;;
f cr 1 q, 7, ur u 1 de tal prática nociva o desaparecimento quase completo das obras que Ana-
c!eto escreveu entrB 1890 e 1905.
Vejamos agora o documento, a que linhas acima nos referimos, encon-
trado no "Arquivo Almirante", que deu margem a êsse comentário, até certo
ponto oportuno, malgrado numa "Parte complementar" do Livro:
tib tJ! lo: I CJ;j pgkf I c:J U I (ya.gef!l· "FUNDAÇAO VIEIRA FAZENDA - Museu da Imagem e do Som - Me-
morondo N." 22 - 19 de junho de 194ô.
Ao 1.0 Ten. EDGARD FRANKLIN DE ALENCAR LIMA
Atendendo à solicitação feita, informa que dos livros de assentamentos.
da Secretaria consta que:

f'i Q;gttrl ja: I. ·


1 f#rit; M I
AGOSTINHO LUIZ DE GOUVÊA foi nomeado mEstre da banda de mú-
sica dêste Corpo por Portaria do lVünistério da Justiça e Negócios Interiores,
de 22 de agôsto de 1907, ass1.unindo as funções na mesma data, tendo sido.
exonerado, a pedido, por Portaria de 17 de agôsto de 1910.
Quanto ao mestre da Banda de Música A:riACLETO DE MEDEIROS, nada
ij ãí f5 .IJ .' I ;t 1 t , H foi encontrado nesta Secretaria.
Emilio CarlGs Schneider - Capitão Ajudante-de-Ordens."

237

..
Inteiro teor da resposta à carta acima trasladada:
"Rio de .Janeiro. em 7 de novembro de 1967
Prezado Mestre
Professor Baptista Siqueira:
Só agora respondo sua significativa carta pela qual solicita-me a relação
das obras do maestro Anacleto de Medeiros, valoroso fundador da Banda de
Música desta Corporação, existentes em nosso arquivo musical. Escusando-
me pela demora da resposta, tenho a dizer-lhe que foi motivada por algu-
mas providências indispensáveis tomadas, a fim de melhor atender, como
modesta contribuição nossa ao seu louvável método de pesquisa, ou seja:
;l;t 1 o que confirma, "com docUT'lentos, tôdas as afirmações categóricas".
Assim sendo, tão logo recebi sua carta, solicitei do Sr. Comandante-Ge-
?;4 li ••
ral do Corpo de Bombeiros autorização no sentido de que ficasse o arquivo
desta Banda efetivamente à sua disposição para o objetivo em causa, fato
A-r v .. consignado em nota do Boletim Geral do Corpo de Bombeiros de 31 de
Jf; ·.• julho p/passado. Outrossim, por feliz coincidência estávamos, nessa época,
Ai)·tYfTI!i.li\1 !..:J.lk "'SX gravando com nossa Banda um nôvo LP, em cujo disco havia incluído duas
46 }Li:6:,i.Jit."ó:&.rti
composições do festejado (e muitas .vêzes injustiçado ... ) maestro Anacleto
de Medeiros. Havendo esperado o la."lçamento do disco ao qual me refiro,
']'2
com esta, ao seu julgamento, entrego-lhe um e>xemplar do mesmo_
. id,.-1-o.
Agora, a relação das obras existentes e solicitadas:
:. l;,:.-ú Dobrados: Pavilhão Brasileiro, Avenida, AI'aribóia, Jubileu.
f.c.-i. Fantasia: 28 <ie Fevei·eiro.
Marchas: 1'\'Iarcha Conde de S!:..ntn Agostinho, Ill.arcl:ns 1 c 2,
Pinheiro Freire.
"Polkas": Eulália, "Bouqu.et", Qui-pró-quó.
N
Quadrilhas: No Baile, Segredos do Coração, Flumit1ense
Romance: A P1imavera (romance para clarineta solo)
Acontece que nem sempre essas afirmações têm caráter absolutamente "Schottishs": Benzh-ülo, Santinha.
-definitivo. Muitas e muitas vêzes resultam de dificuldades que poderiam ser Valsas: A Despedida, Predileta, Farrula
perfeitamente contornadas por uma vontade férrea, não fôssem outros afa-
_zeres (ostensivamente preferenciais) surgidos no momento. Quem se dedica Tango-Brasileiro: Os Boêmios.
com amor e desprendimento aos misteres d!lS pesquisas culturais, em nosso Devo esclarecer-lhe que certa parte do material acima aludido está ne-
País, não pode desconhecer tais circunstâncias. Foi pensando e agindo assim cessitando ser recopiado ou "partiturado". Isto é o que estamos fazendo,
que resolvemos bater em tecla que parecia muda mas que conservava sinais para tanto c9ntando com o oportuno apoio da administração do Corpo de
bem evidentes de lampejos cuja vivência jamais se extinguirá. Anacleto é Bombeiros.
-simbolo perene da banda que criou quando, aos trinta anos, tin.l1a crista- Finalizai!do, na qualidade de mestre atual desta instituição musical,
lizado todos os sonhos da juventude ... apresento-lhe, pelos seus (dela) componentes, sinceros cumprimentos por
As cartas que se seguem falam melhor sôbre êsse aspecto particular que sua nobre iniciativa, que é a de colocar, com a autoridade de quem pode
qualquer argumentação: fazê-lo, "o famoso ex-regente da Banda do Corpo de Bombeiros no plano
"Rio, 29 de junho de 1967 de elevação que reaL-nente merece".
Meu caro amigo Do 1nais, meu caro mestre, sempre agradecido por suas memoráveis
aulas de Harmonia, que tanto me têm ajudado na vida profissional, do seu
Cap. Brnvenuto: discípulo.
Conforme lhe falei, há dias, estou concluindo um ensaio sôbre Anacleto Atenciosos cumprhnentos.
-de Medeiros, que será publicado oportunamente. (ass.) Othonio Benvenuto
Como não podia deixar de ser, coloco o saudoso maestro da Banda do
-Corpo de Bombeiros no plano da elevação que realmente merece. Mas, como Uma observação devemos fazer nesta oportunidade: em O Jornal de 10
sabe, a simpatia não basta para satisfazer exigências de um público seleto. de julho de 19ô6, Jota Efegê divulgou sugestivos dados colhidos no Corpo
.É preciso confirmar, com documentos, tõdas as afirmações categóricas que de Bombeiros do Rio de Janeiro que interessam de perto nessa apreciaçãoí
·porventura venha a fazer. Desejaria, pois, saber que obras do ex-regente falam das atividades do antigo mestre da Banda famosa, que convém reco-
possui o arquivo dessa briosa e simpática Corporação. piar: "Aviso n.0 1.225, de 30 de julho àe 1896. O Ministro da Justiça atendeu
Certo da acolhida dessa iniciativa despretensiosa, agradeço antecipada- ao pedido do Tenente-Coronel Eugênio Rodrigues Jardim, Comandante inte-
:IIJ.ente a colaboração solicitada." rino do Corpo de Bombeiros, para criar a banda de música (sem ónus).

238 239

L
Anaclsto de lVIedeiros já estava indicado como orgaP.izador c regente do RELAÇÃO DAS OBRAS DE MESQUITA (Ordem alfabética)
moso conjunto". (Ver O Jo1·nal de 17-12-19ô7}.
NO:i\IE G1l:NERO EDITOR
* *
Pequeno período ins<:rto em Avante Bombeiro, de julho de 1965, escla- AGUA-DE-VINTÉl\-1 I Polca A. Napoleão
rece muitas indagações feitas sôbre a relação existente entre Anacleto e 0
Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, do fim do Império aos primôrdios_ ALI-BABA - mágica em 3 atos A. Napoleão
àa República. Diz o seguinte o referido texto: e 12 quadros, libreto de E. Gar-
"Só dois meses antes de morrer é que uma portaria o designava com o, rido e música original de Mes-
título de mestre ensaiador da banda de música". quita. Foi representada no dia
28 de setembro de 1872 no Tea-
** * tro Phenix
7 - No livro Jl1Ia;;é, Terra do Dedo de Deus, ele Renato Peixoto dos Santos
AMA A LUA BRANCA VAGA Romance A. Napoleão
(1957), vem, à pág. 58, o seguinte: "Em Piedade (Magé) U..."'lla banda de mú-
sica foi organizada pelo mestre Anacleto etc ...
8 - Informações do professor Djalma do Carmo e corroboradas pelo antigo
AURORA Polca J. C. Meirelles (1867)
mestre do Corpo de Bombeiros, Pinto Júnior, segundo testemunho do ilus-
t:;:e músico Dionísio Reis. São três distintos músicos tod0s iigados a Ana-
A TERRA UlU ANJO BAIXOU J. P. da Silva
cleto de Medeiros pelas mesw..as circu..TJstâncias. O ex-mestre da banda do
Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Dionísio Reis, é de tal modo afei- Constituição 11
çoado a .'illacleto que durante as comemorações de seu Centenário de nas- BAHIANA (A) Polca
cimento, em 1966, trou..""e a Paquetá aquela recém-formada banda do Corpo
de Bombeiros de Brasília constituindo êsse gesto incomum homenagem das BARCAROL.J\
r:12.is expresshras. Buschmann Guimarães
Por não haver sido possível, dos esforços empregados, confirmar, com BRASILIENSE I Polca A. Napoleão
documentos, as notícias que a seguir daremos servimo-nos do processo das.
notas que assim servirão a posteriores averiguações. Foram inúteis nossas BATUQUE - sôbre essa peque- I Dança Característica V. Machado
tentativas para localizar algu.<n informe no atual Arsenal de Guerra do Rio na obra Catullo fêz extensa
de J2.neil'O. poesia que vem no Cancioneiro
Diz textualmente o mestre Djalma do Carmo, em documento assinado: Popular (págs. 34 a 38). O poe-
"Aos nove anos, Anacleto foi internado no Arsenal de Guerra do Rio de· ta fêz também sugestiva adver-
Janeiro, na Companhia de menores ali existente. Seu primeiro mestre foi tência.
Antônio dos Santos Bocot e o primeiro instrumento, o flautim.
Aos 18 anos Anacleto saiu da banda e foi para a Imprensa Nacional, como BATUQUEIRA Polca (dedicada a Mlle.
aprendiz de tipógrafo. Isto ocorreu em 1884 quando também começou a Jesuína Mafra) (1874)
estudar no Conservatório de Música. Anacleto de Medeifos nome com que·
se tornou conhecido, tocava todos os instrumentos de sôpro da banda, mas . CAMõES - existe na Revista 1Polca Narciso e A. Napoleão
preferia o saxofone soprano. Musical de 19/6/1880
Anacleto quando assumiu a direçã.o da nova banda do Corpo de Bombeiros,
em 1896 outubro) aproveitou grande parte de ex-alunos do Arsenal de Guerra C.4..RLOS GOMES Polca B. Guimarães
cujos nomes são: Luiz de Souza (cornetim), Casemiro Rocha (cornetim),
Edmundo Otávio Ferreira (requinta), João Ferreira de Almeida (bombardino), CARNAVAL DO RIO DE JA-j Quadrilha (1875)
e Sebastião (C. baixo em si bemol).
O primeiro contra-mestre da banda do Corpo de Bombeiros foi João Fer-
NEIRO I
reira de Almeida." Cita, a seguir, outros músicos trazidos por Anacleto da CENAS DA ESCRAVIDÃO (1875) I' Jongo
banda do Arsenal de Guerra: "Manuel Salgado (fagote)? Oscar José Luiz·
ele Souza (sayJlcrne)." CONFISSÃO E DESENGANO Romance
"Grande parte das composições de Anacleto foram feitas de improviso tal Existe uma poesia escrita em
como a célebre Terna Saudade. Paris por Mesquita, para a mú-
Anacleto era mestre de várias ba..'1.das: Fábrica de Tecidos de Bangu, Fábrica. sica dêsse romance. Saiu publi-
de Tecidos de Macacos (atual Paracambí); esta êle entregou a direção a seu cada, depois no TROVADOR de
antigo contra-mestre João Ferreira de Almeida (João Mulatinho). 1876 (1. 0 vol., pág. 47).
Dados fornecidos pelo amigo Djalma do Carmo que conheceu pessoalmente·
Anacleto de Medeiros de quem era grande amigo." COQUETE j Quadrilha A. Napoleão

240 241
·. ·.- -\. ', \
G:f!:NERO EDITOR G.E.:NERO EDITOR
NOME

ópera LAURA Polca A. Napoleão


COROA DE CARLOS MAGNO
Polca T. B.Diniz
CORROPIO LA NUIT AU CHATEAU

DUQUE D' ALBA IPolca A. Napoleão


{Uma noite no castelo)
1.a representação no Lírico Flu-I ópera Cômica
minense em 30 de maio de 1870
I Narciso
EU VI TEU ROSTO Modinha Paulo KLJck em tradução para o
português de Lino de Assunção
ESTR:fl:LA DO BRASIL I Ouve rture
Existe o material de execução
na Biblioteca da Escola Nacio- L'ETOILE DU BR:ESIL I Ouvertura
em homenagem
nal de Música a M. Morais Barreto.
LOTERIA DO DIABO
FANTASIA Solo de trompete Mágica em 4 atos e 17 quadros
Eduardo Garrido e Francisco
FAUSTINO Quadrilha A. Napoleão Palha com música do· Cavaleire
Henrique Alves de Mesquita.
FESTIVAL Quadrilha B. Guimarães Phenix Dramática, 12-5-1877.

GANGANELLI ou o terror dos I Jongo


YAYÃ Polca B. Guimarães
jesuítas. Drama original em 4
atos e 5 quadros. Assunto da
Maçonaria, representado em 30 A. Napoleão
MARCHA HERóiCA Marcha
de junho de 1875 no Phenix.
Há um Jongo de Mesquita 1
MINHA ESTR1l:LA Recitativo A. Napoleão
GATA BORRALHEIRA ou Cha- I ópera
pin de Cristal. Mágica em 3 atos MINHA VIRGíNIA (A) Polca
e 9 quadros Imitação de EDU- {1868)
.ARDO GARRIDO e música ori-
ginal de MESQUITA. Levada em
.22 de abril de 1885 no Phenix MISSA DA FESTA DE SANTA
CECíLIA (1856)
·GUERREIRO 1 Quadrilha A. Napoleão

MISSA DE PARIS
HERóiCA Quadrilha A. Napoleão

MORENINHA Romance A. Napoleão


HINO DAS NAÇõES
Executado em Lc;mdres (1863) Hino
NA FILOSOFIA ... Romance 1 A. Napoleão
lAIA Quadrilha B. Guimarães
(1899) NONO MANDA_lVIENTO Lundú do 2. 0 ato da peça
No Jornal do Comércio de I dêsse nome
ILUSAO Romance T. B. Diniz
15/5/1870 essa música está anun-
(1855) ciada como polca-cateretê. Foi
A. Napoleão executada no Teatro Phenix
.JOCKEY-CLUB Quadrilha
Dramática.

242 243

..
EDITOR NOlliE Gl'l:NERO EDITOR
NOl\'IE

SETE DE SETEMBRO Quadrilha A. Napoleão


NOIVADO El\1 PAQUETA (1857) ópera em 3 a tos ( desa-
A ópera Nacional prometeu o parecida) (Enganam-se os
SOIRÉE BRÉSILIENNE Quadrilha A. Napoleão
que pensam ser Une Nuit
Noivado em Paquetá ·do Mes- (Enviada de Paris em 18ô4)
quita e não cumpriu a palavra Au Chateau). Saiu a ária
empenhada. Brasil Artístico 1857. de soprano e o romance
SOUVENIR Melodia Lagos e Cia.
na Abelha Musical n.0 1,
de janeiro de 1858 (su-
SURPRtt:SA ( 1861) Polca
cessores de Pierre La-
forge.)
TE-DEUl\1 (1859) Envbdo de

OLHOS 1\IATADORES (1868) Tango .. Pa.r'.s

TAI\'ffiERLICK Polca Lyra de Apollo


OS BEIJOS-DE-FRADE (1856) Polca-lundú
A. Napoleão TENENTE DOS DIABOS Quadrilha A. Napoleão
ORAÇÃO A INFÃNCIA Recitativo
A. Napoleão TRUNFO AS AVESSAS - Na Opereta Nacional no es- Jornal da Tarde 9/8/1871.
Quadrilha
PERA DA SATANÁS biblioteca da E. N. de Música tilo de O!enbadh, em dois Traz a descrição do as-
A. Napoleão existe a ouverture n." 3 - Bai- atos, que foi :i-epresenta- snnto, bem como os per-
Quadrilha
PEIXOTO le e .1\..niceto - quadrilha n.0 9 da, em 1871 no. Phenix. O sonagens.
A. Napoleão - Estrofa e cõra n. 0 12 - Ro- libreto é de França Jú-
PONT DES SOUPIRS \Quadrilha
berto, Silvano e Aniceto {Ter- nior. Corrija-se Cernic-
Romance ceto) chiaro que diz ser de Ar-
QUANDO SERENO E VIVIDO thur Azevedo. Na Esco-
la de Música existem vá-
QUEBRA QUEBRA MINHA A. Napoleão rios trechos dêsse traba-
GENTE! I Polca-cáteretê lho de Mesquita. Em 1871
Quadrilha A. Napoleão foi T. Canongia o regente
RAIOS DE SOL (1871) da orquestra.
Peça para o 1.0 ato da
RELÃMPAGO (1873) zarzuela espanhola dêsse VAIDOSA - Tocata B. Guimarães
nome.

Tango.
A. Napoleão
TRUNFA GIGANTE Lundú I Lyra d' Apollo

REl\IISSAO DOS PECADOS VAGABUNDO (0) Melodrama em 4 partes


Quadrilha (1863) Francisco Gumi.Í-ato e Luiz
ROBERTO DO DIABO Vicente De Simoni. Re-
gente: Júlio Ntines.
SAUDADE DE MADAl\IE CHAR- I Valsa
TON (1856) VA.S'IPIRO (0) Drama fantástico. 5 atas
Quadrilha A. Napoleão cu Demõnio da meia noite 11 quadros, de . Alexandre
...,
SATAN

SEMPRE
Recitativo IA. Napoleão
(1873) Dumas, versão de Vicente
Coaracy e músiça original i
do maestro Mesquita. Foi 1
repr·esentado no Teatro i
Phenix em 1875: .

VICTORIA _Quadrilha 1 L.·

VIOLETE [Romance I )

215
244

L
·-.>t_.
RELAÇAO DAS OBRAS DE CALLADO
Pagodeira
Quadrilha
Perigosa
. NOME DAS ·PEÇAS G:t!:NERO OUTRAS Polca . fi
Polca em dó maior
Polca
Polucena Encontrada num caderno
As cinco deusas Quadrilha Inédita Polca de Pedro de Assis. Cam-
Puladora pinas, 1893.
As fiôres do coração Quadrilha Inédita Polca
Querida por todos
Carnaval de 1867 Quadrilha Inédita Polca
Salomé Jornal do Comércio,
Consoladora Polca Editôra: Viúva Canongia Polca 17/1/1869.
Saudades de lnhauma
Como é bom Polca Ammciada no Jornal do. Quadrilha
Comércio de 14/4/1875. Saudosa
Cbôro Polca
Sedutora
Cruzes, minha prima! Polca Anunciada no mesmo jor- Polca
nal· Souzinba
Dengosa Polca Viúva Canongia, Ouvidor. Quadrilha
103. último !i'uspiro Narciso: janeiro de 1869.
Desejada Polca Ed. Narciso.
Ermelinda Polca
Obs.: As obras sem anotações pertencem a nosso arquivo particular.
Ernestina

Família Meyer Quadrilha


Fantasia para flauta

Flor amorosa (A) Polca Publicação póstuma.


(1880)
Iman Polca Jornal do Comércio,
22/4/1873.
Lembrança do cais da Glória Polca
Linguagem do Coração Polca Idem, idem, 18/7/1872_
Lirio fanado Recitativo (1882)
Lundu caracteristico Lundú
Manuela Quadrilha
Maria Csrlota Quadrilha I
l
Mimosa Quadrilha

I
Não digo Polca
O que é bom ... Quadrilha

246

247. I!
11:

.-'

I
·.lõ - DULCE - valsa (1895)
LISTA COMPLEMENTAR ·17 - TI PENSANDO - polca (manuscrito)
18- ENIGMáTICA - polca (chõro)
Peças de Callado e de ANACLETO encontradas em cadernos que per- 19 - ESPERANÇA - quadrilha
tenceram a J. Japyaçara Xavier, atualmente constantes do acêrvo do Arquivo ·20- ESTÁ SE COANDO -polca (1891)
Almirante. Não foram incluídas as obras já relacionadas e pertencentes a '21 - FARRULA - valsa
.nosso arquivo particular. 22 - FLUMINENSE - quadrillla
23 - FUGA DOS ANJOS, (A) - Letra de Arlindo Pinheiro Bastos
CALLADO: 24 - GRACIOSA - valsa
25 - MARCHA FúNEBRE N.0 1
quadrilha pág. 20
1 - As fiôres do coração pág. 9 - Vcl. VII · 26 - MARCHA FúNEBRE N.0 2
polca 27 - 1\'IELOSA - polca
2 - Celeste pág. 62 - Vol. II
:3 - Cinco Deusas quadrilha '28- MEDROSA- polca- Letra de Catullo- Lyra dos Salões, págs. 145/46
polca pág. 75 - Vol. I
4 - Canceição 29 - MIGUELINA - quadrilha
polca pág. 94 - Vol. I
c5 - Florinda . 30 - MISTERIOSO - passo dobrado
quadrilha pág. 17 - Vol. I
·6 - Laudelina pág. 85 - Vcl. VIII MORRER SONHANDO- polca
polca
-rz- Maria polca pág. 49 - Vol. I . 32 - NA VOLTA· DO CORREIO - passo dobrado
8 - Roshl11a -33 - NAO ME OLHES ASSIM schottish 0899, O Paiz)
quadrilha pág. 20 - Vol. I
9 - Suspiros de uma donzela . 34 - NENEZINF..A - polca - BN
polca pág. 51 - Vol. I
10 - Saturnina :.35- NOITES DE INVERNO - schottish (Hã, também, um romance para
polca pág. 7'7 - Vol. I
11 - Saudade do cais da Glória - pág. 41 - Vol. II cornetim, com êsse nome)
12 - Uma noite de folia quadrilha 36 - l'II"'PCIAS - valsa
polca pág. 33 - Vol. VIII
13 - Vinte e um de junho 37 - OH! NAO FUJAS - habaneira
. 38 - OLHOS MATADORES - schot-tish - Poesia de Catullo - Lyra dos Sa-
ANACLETO lões, pág. 136
·39- PAVILHAO BRASILEIRO -passo dobrado - BN
14 - ltleu sonhar -polca 40.-.PERPÉTUA- mazurka
quadrilha 41 - PRECIOSA ---' quadrilha
15- No baile
16 - Sinhàzinha - polca -42- PREDILETA - valsa (15/4/1901 - Ed. M. Guírnarães, Ouvidor, 50) -
17 - Três estrelinhas - polca Poesia. de Catullo no livro Lyra dos Salões, pág. 95
18 - Os fantoches -tango -43 - PRUIAVERA (A) - Romance para clarineta solo
·44- QUE TU ÉS ( 0 ) - polca- Poesia de Catullo, no livro Lyra dos Salões,
pág. 119
COMPOSIÇõES DE ANACLETO DE MEDEIROS
-45 - QUEIMOU A LUZ - polca
46 - QUEl\1 COlUEU DA VAC..I\.?
Relação organizada com apontamentos de várias fontes fidedignas, entre ·47- SANTINHA- schottish
elas: Biblioteca da Escola Nacional de Música (BNM), Biblioteca Nacional 48 - SENTIDA - polca
(BN), jornais da época, arquivo de Djalma Vicente do Carmo, Jacob Bitten- 49 - SENTINEI.A - schottish
court, informações de Dionísio Reis e Othõnio Benvenuto: '-50- SILENCIOSA - quadrilha (Pesquisa de Djalma do Carmo)
51- TATÃ- polca
1 - AÇUCENA - (1890) BN 52- TERNA SAUDADE- valsa
2 - A..l'/!AR SONHANDO - polca :53 - URSO (O) - polca - Foi dedicada ao amigo Frederico Bischof.
3 - ANDORINHA (AS) valsa (1890)
4 - ARARIBOiA - passo dobrado Lista complementar de nosso arquivo e referências colaterais:
5 - AVE MARIA - obra sacra
6 - AVENIDA - passo dobrado (1905) BN ACORDA ESCUTA ... -polca
7 - BAILE (NO) - quadrilha BN 55 - Aí EU CAí! - valsa
8 - BLONDIN - polca dançante (1890) 56- BRASIL-PORTUGAL- polca
9 - BOUQUET -polca de concêrto (solo de trompete) '57 -CAROLINA - polca (1896) (Há um anúncio da valsa Carolina)
10 - CASA DE CóMODOS - 58 - CATUTINHA - polca
11 - CAFÉ AVENIDA - tango -59- CONDE DE SANTO AGOSTINHO- marcha
12- CAPRICHOSA - polca (manuscrito) ,,60 - CARíCIA DE AMOR - schottish
13 - CAPRICHO - tango '61 - C0!\-10 EU QUISERA MORRER! - passo dobrado
14- CARNAVAL DE 1905- polca 62.-.DELICIOSA- quadrilha
15- DESPEDIDA - valsa - Catullo fêz uma poesia para essa valsa. Vem •63- EULÁLIA -polca (1897)
no livro Trovas e Canções, pág. 69
249
248
64- FACEIRA- quadrilha 22.75 Faceira
65- JUBILEU- passo dobrado (1906) BN 27.57 Em ti pensando - polca
66 - JURACY - polca manuscrito (Também aparece como tango-polca) 34.20 Morrer
(Djalma do Carmo) 34.54 Cabeça de porco
67 - LOUCO DE Al\'IOR - schottish 34.55 (1896)
Carolina - polca
68 - LYDIA - polca 37.86 (1896)
Eulália - "linda e dançante polca" (1897)
69 - MISSA - (1896) 39.14 Não me olhes assim
70 - O SALUTARIS 41.06 Caricias de amor
71 - PINHEIRO FREIRE - marcha BN 43.11 Qui-pro-quó - polca
72 - QUI-PRO-QUó - polca (1901) (Gazeta de Nctícias, 17/2/1901) 43.17 (1901)
Benzinho
73 - RADIANTE - polca 43.87 Despedida
74 - RAINHA DOS G€NIOS - valsa BN 44.57 O Urso
75 - SEGRÊDO DO CORAÇAO - quadrilha 47.97 Nenezinha e Catiiinha
76 - TE DEUM - ( 1896) 48.15 O teu olhar
77- TEU OLHAR (0) - schottish 48.77 Segrêdo do Coração
78 - TRIUNFO DO BRASIL - Encontrado no interior de Minas (DionisiO> 48.87 Santinba
Reis) 49.30 Yara- schottish
79 - 28 DE FEVEREIRO - fantasia 51.18 Avenida Há outra edição'
80 - VOU CONTIGO - polca 51.90 O Salutaris com chapa 645
31 - CABEÇA DE PORCO - polca (1896) 52.46 Pavilhão Brasileiro
82 - A FUGA DOS ANJOS - canto. Letra de Arli..""ldo Pinheiro Bastos - 52.66 Sentida
Jornal do Brasil, 12/2/1925. (Indicação do jomalista .Jota-Efêgê) 52.74 O que tu és
83 - OS BOHÊMIOS - tango ( 1901) - Poesia da Catullo - Lyra elos Salões,. 52.85 Implorando - schottish
pág. 133 53.75 Jubileu -- passo dobrado
84- YARA- schottish- Edição de 1916 53.95 Os bohêmios - tango
85 - FADARIO - polca (Medrosa)
86- POR UM BEIJO (Terna Saudade)
Observação importante: ***
87 - IMPLORANDO - schottish - Há letra de Catullo, publicada no livro
Trovas e Canções, págs. 22 a 24
88- BOLERO As primeiras gravações feitas pela banda do Corpo de Bombeiros, sob a.
89- Noites de inverno <romance para cometim) direção de Anacleto de Medeiros, iniciaram-se em 1902.
90 - Três estrelinhas A Gazeta de Notícias (20/10/1902) traz um anúncio do Zanofone (com dese-
91 - BENZINHO - schottish - Letra de Catullo, no livro Lyra dos Salões. nho). Aí aparece a banda do Corpo de Bombeiros com um disco: 1.a face--
pág. 141 Modinha. 2.a -banda do Corpo de Bombeiros.
92 - COMO EU QUISERA MORRER - dobrado

Há um engano sôbre a polca Três estrelinhas

Composições de ANACLETO cujos números de chapa podem orientar


novas pesquisas. Seu editor foi sempre Buschmann Guimarães e, quando
faleceu João Gomes Guimarães, a firma continuou sob a responsabilidade-
de Manoel Antônio Guimarães. A missa de aniversário do proprietário João.
Gomes Guimarães foi anunciada no jomal O Paiz de 18 de novembro de
189&.
Números das chapas e alguns dados importantes:

Chapa Nome da peça Anotações

19.88 Acorda, escuta O Paiz 1890

I
20.45 Medrosa
20.47 Açucena (1890)
.,
20.83 Ai ClU.
22.19 As andorinhas
22.38 ·Deliciosa

250

1
rb
II
.I

I
I

este livro foi composto e impresso


nas oficinas da editôra D. AR..!\.UJO
Rio de Janeiro, 1970 - Guanabara

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