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LEIA ESTES OLF~(\O

LIVROS DE ESTUOOS BRASILEIROS DO UMENTOS


1

B~SILEIROS
GENERAL MEIRA MATTOS
Brasil - Geopolítica e destino
L. G. DO NASCIMENTO E SILVA
Mundo em transf orma~áo
i

1\ 101 HILÉIA AMAZÓNICA


ROBERTO CAMPOS
O mundo que vejo e néio desejo GASTÁO ASPECTOS DA F'LOR.A, F~t\U.NA,
LUÍS VIANA FILHO ARQUEOLOGIA E ETNOGR~t\I•"'l.t\ IND1GE~AS
O governo Castelo Branco
LUÍS DA CA.MARA CASCUDO CRULS
Civiliza~áo e Cultura (2 vols.)
!
JOSUÉ MONTELLO
Aluísio Azevedo e a polemica d' "O mula.to"
MARECHAL MASCARENHAS DE MORAES
GASTA O
Me'mÓnas (2 vols.)
( Prefácio do General Meira Mattos)
MARECHAL JUAREZ TAVORA
Uma vida e muitas lutas (memórias, 3 vols.)
CRULS
J. O. DE MEIRA PENA
Errt ber(:O esplendido (Ensaios de psicologia coletiva brasileira) 4? edic;ao
THOMAS P. BIGG-WITHER
Novo cam·inko no Brasil meridional:
A Província do Paraná (18.7 2 -1875)
SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA
Caminh.os e fronte·iras
BRITO BROCA
A vida literária no Brasil - 1900
OTÁVIO TARQU1NIO DE SOUSA
História dos fundadores do hnpério do l:Jrastl - 7 vols.
HERMES LIMA
Travessia (memórias)
AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO
Rodrigues Alves - 2 vols.
MARIO HENRIQUE SIMONSEN e ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS
A nova economia brasileira
MILTON CAMPOS
Testemunhos e ensinamentos
CLEMENTINO FRAGA
Vida e obra de Osvaldo Cruz
EDUARDO CAN ABRA V A BARREIROS
Itinerário da lndependéncia
D. Pedro - Jornada a Minas Gerais em 182!
As vilas del-rei e a cidadania de Tiradentes
DUNSHEE DE ABRANCHES
Como se fazia1n presidentes (Homens e fatos do inicio da República) :
BRUNO DE ALMEIDA MAGALHA.ES :
Arthur Bernardes - Estadista da R epública
CASSIANO RICARDO i
Marcha '¡Xlra oeste l

CANDIDO MOTTA FILHO


Contagem regressiva (memórias)

CrS 35,oo
Este pre~o só se torn<>u possível devido a participa~áo do Instituto Nacional
do Livro, que, em regime· de ~-edi~ao, permitiu o aumento da tiragem e
<!Onseqüente redu~ao do custo industrial.
UVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDITORAIMEC 11 COLE<;AO DOCUMENTOS BRASILEIROS
voc 11P1
;J-~q
A lgumas opzn1oes sobre
"HILE.JA AMAZÓNICA
"Com as figuras que vi, o texto completa /1 f.)
um livro extraordinário. Náo é um álbum. É ')...
V

um tratado, ao alcance de todos, interessante,


prendendo, ensinando, deslumbr:ando. Erudi-
i;áo profunda, ampla e segura, bom gosto
lite.r:ário, espírito de arte e simplicidade. Um
encanto. Assim possam todos, com a publica-
9áo do trabalho, ter o prazer que eu tive -
evocando, recordando e aprendendo."
ROQUETIE-PINTO

*
"Nao conhe90 outro que, no genero, se lhe
compare: quem em línguagem de leitura táo
atraente ofere9a tao avultado acervo de infor-
ma9óes colhidas todas etas nos mais seguros
especialistas. As suas qualidades de crítico
souberam apreciar devidamente os dados cien-
tíficos, sem perder a Je.veza que caracteriza a
sua obra literária."
HELOISA ALBERTO TORRES

*
"O zelo, a paciencia, o carinho eni que o
autor se esmerou para documentar-s~. segun-
do os mais honestos métodos científicos, em
nada prejudicaram o escritor, servido sempre
pelc;>s melhores dons na sua obra de fic9áo.
Por isso mesmo Hiléia Amaz.onica é trabalho
de sábio e de artista, cuja leitura jamais pro-
porciona tédio ou cansa~o."
ÜCTÁVIO TARQÜÍNIO DE SOUSA

"Náo há
*
fantasía nessas paginas que re-
presentam pachorrento estudo científico da
regiáo: da flora, da fauna, do homem. Ao
qu~ o Sr. Gastao Cruls nao se limita é a
fria enumera9áo das várias formas de vege-
ta is, da vida animal, da cultura humana que
convivem na Amazonia. O escritor surge mais
urna vez com o seu senso poético da interpre-
ta9áo do grande drama regional que é a vida
na mata amazonica."
ÜILBERTO FREYRE
HILÉIA AMAZÓNICA

1
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.wtnolinguistica.org

LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDlTORA

apresenta na
COLECAO DOCUMENTOS BRASILEIROS
(DIREC.AO DE AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO)
O VOLUME N9 101

' "
HILEIA AMAZONICA
ASPECTOS DA FLORA, FAUNA,
ARQUEOLOGIA E ETNOGRAFIA INDÍGENAS

de

GASTÁO CRULS
48 reprodu~óes de aquarelas de
HILDA VELOSO, ARMANDO PACHEcO e GEOllGES JULIEN SIMONI
Cuis-de-lampe de
Luís Jardim

4~ edi~ao
RI0/ 1976

A •
em convenio com o
INSTITUTO· NACIONAL DO LIVRO
MINISTÉRIO DA EDUCAC.AO E CULTURA
BRASÍLIA
A

Capa
JOSÉ FEllEIRA

Copyright © 1959 by Stella Cruls

Direitos desta edi~ao reservados a


LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDITORA S.A.
R,ua Marques de Olinda, 12 .
Rio de Janeiro ~ República Federativa do Brasil
Printed in Braz.il / lmpresso no Brasil
SUMARIO

NOTA A QUARTA
EDICAO • • • . . VIII
NOTA, A
SEGUNDA EDICAO • • • . IX
PREFACIO •••.•••.••.• ·. . • • • • • X

FLORA ARQUEOLOGIA INDIGENA


Aspecto geral ............. . 5
. Fei~áo getal ..........•. ~ . . • 20.S
V't · · · ·
1 or1a-reg1a .............. . 39
Cerámica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Uapé-das-cachoeiras ........ . 45
Civiliza~áo maraj.o ara ... , . . . . 219
Guaraná ................... . 49
Palmeiras .. . . . .•..... : ..... . Civ~~iza~áo tapajónica . . . . . . . 229
62
,Arvore's decorativas ........ . 73 Civiliza~oes menos conhecidas. 245

Cruls, Gastáo, 1888-1959. Orquídeas .......•.......... 80


C959h Hiléia amazonica: aspectos da flora, fauna, arqueologia ETNOGRAFIÁ INDtGEN:A
e etnografía indígenas. 4. ed. Rio de Janeiro, J. Olympio; FAUNA
Brasíliá, INL, 1976. Considera~óes gerais ........ . 261
xiv,. 447p. ilust. 21cm (Documentos brasileiros, Peculiaridades ....... . ...... . 95
Pavaozinho-do-pará .......• 146 Decora~áo das malocas .•...• 280
v. n. 101).
Pap·ag a1os
· . ... ............... . 151 Cotnplexo da mandioca ..... . 290
Elucidário. Surucuás e beija-flores . • .... 157 Complexo do curare ....... . 301
Bibliografia. Galo-da-serra : ............. . 16.1 Cerámica moderna ......... . 322
Outras coting'a s ............ . 174 Trabalhos de mi~anga ...... . 328
l. Amazonia - Descri~oes e viagens. 2. 1ndios da Amé- Uirapurus e saís ........... . 180 Colares .....•.. . ............ 336
rica do Sul - Amazonia. l. Instituto Nacional do Livr0 •
Peixes de aquário .....•..... 188 Arte plumária ............. . 341
11. Título. 111. Série.
.. . .. .
Borboletas . .. .. . . . .. . . ... '¡95 l\iáscaras de dan~a ......... . 350
· CDD - 918.11
390.09801 81BL100RAFJA GERAL . . • . . . .... 363
ELVCIDÁltio . . . . . . . . . . . . • • .. .. 405
CDU - 918.11 NOTA DA EDITORA • • • . • . • . •.•• 424
CCF/SNEL/RJ-76-0319 39(=97) f NDICE REMISSIVO . . . . • . • . .... 427
" SUMARIO DE ILUSTRA~OES

Pranchas Págs.
VrróRIA...RÉGIA • • • ••••..•••••••••••••••••••• I 43
UAPÉ-DAS.CACHOEIRAS •••••••• • ••••••••••••• II 17
GUARANÁ . . . . . • . . . . . . . . . . • .••.......•.•.• III 61 A RoDRIGO M. F. DE ANDRADE,
PALMEIRA MIRITI • . . . . . . . . ••.•..•.••..•.•. IV 69
ÁRVORES DECORATIVAS •••••• • ••••••••• • ••••• I V
VI
75
77 que, nas nossas quartas·feiras, teve ouvidos
VII 81 indulgentes para a leitura destas páginas,
VIII
IX
83
85 · a medida que iam sendo escritas.
ÜRQUfnEAS .. . ...•..•...•.•.•.....•.....•. . X 87
XI · 89 G. C.
XII 91
PAVÁOZINHO-OO- PARÁ •••••••••••••••••••••• XIII 147
PAPAGA.IOS • . . . . . . ... • .....•.•.•.•••.•.•••. XIV 153
SuRucuA E BEIJ A-PLOR • .• ••••••••••••••••• XV 159
GALQ...DA ... SERRA . . . .... ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XVI 169
XVII 175
ÜUTRAS COTINGAS •• • • ••••• ••• • ••••• • ••••• {
·x vin 179
llIRAPURUS E SAíS •••• • • • • .• •••••••• • ••••• XIX 185
PEIXES DE AQUÁRIO •••••••• •. •••••••• • ••• J XX 191
XXI 193
BoRBOLETAS ..... .... .. ... .... ....... ..... { .XXII
XXIII
XXIV
197
199
201

C1v1LIZA<;Ao MARAJOARA ... ................ { fx~ XXVIII


221
223
225
227
XXIX 2~1

C1v1LIZA<;.Xo TAPAJÓNICA •••••••••••••••••••


XXX
XXXI
2:;5
{ 237
XXXII 243
XXXIII 247

ll
. XXXIV 249
CIVILIZA<;ÓES MENOS CONHECIOAS • • • • • • • • • • • • XXXV 253
XXXVI 257
DECORA<;ÁO DAS MALOCAS ••• • • • ••••••••••• • x"x~xv~n 283
287
COMPLExo· DA MANDIOCA • ••• •••••••••• ••• XXXIX 297 l'd be an lndian here, and live content
COMPLE.XO DO CURARE • • ••.• .••••••••• • • • • XL 317 To fish, hunt, and paddle my canoe,
CERÁMICA MODERNA • • •••• • • • • • ••••• •• •••• XLI 325 And see my children grow, like young wild fawns,
TRABALHOS DE MI<;ANGA •• .• • • ••• • • • • • • • • • l XLII
XLIII
331
335 In health of body and peace of mind,
COLARES . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . . . . •. .•• • . XLIV 339 Rich without wealth, and happy without gold.
ARTE PLUMÁRIA •••••. •• . • • • •••• • •.•••••••• J XLV 343
XLVI 347 A. R. WALLACE
MÁSC.l\RAS DE DAN<;A •.•..•••••••••••••••• {
XLVII 355 Travels on the Ama;on and Rio Negro
XLVIII 361
·NOTA DA EDITORA NOTA
A QUARTA EDI<;ÁO A SEGUNDA EDl<;AO
"TRAlSALHO DE SÁBIO E DE ARTISTA", como Otávio Ao PERCORRER as provas da segunda edifiio deste livro,
Tarqüínio ae Sousa . táQ bem definiu a já clássica obra temos a impressiio que se trata dé obra quase inédita.
do saudoso e eminente escritor Gastao Cruls, Hiléia Inédita porque quando da sua primeira apresentafiio
Amazónica reaparece num momento em que, mais do ao público, em ~ numa ti;agem bastante restritá -
que· nunca, está em foco o problema da Amazonia. e de grande luxo, os poucos que a adquiriram dificil-
Esta 4f!. edifoo é honrada pelo convenio assinado com mente a teriio lido, tais as dimensoes do volume, inco-
o Ministério da Educafoo e. Cultura, através do Ins- modo de ser manuseado e a pedir atril de altar.
tituto Nacional do L~vro, nas adminlstrafoes escla- Todqvia, naque/a ocasiáo, e ao menos uma vez que
recidas do Ministro Ney Braga e do academico .Her- . fosse, era indispensável comprovar, por uma iconogra-
berto Sales,que vem dando decidido apoio a divulgafiio fia rica e policromica, a curiosidade e a beleza do ma-
·de textos capitais da área de estudos brasileiros. terial que vinha sendo descrito e era o principal motivo
A obra-prima de Gastiio Cruls, esgotada desde 1959, dos quatro ensaios enfeixados no volume.
retorna assim el sua condifiio de livro fundamental para Infelizmente, se ao leitor faltará agora essa festa
o conhecimento de uma regiiio geoeconomica essen- dos olhos, só permitida pela reprodufoo fiel de qua-
cial ao Brasil de hoje ·~ de amanhii. renta e oito pranchas aquareladas,· em compensafiio
Rio (le /aneiro, junho de 1976.
dá-se-lhe nesta oportunidade, além de um volume mais
portátil e de prefo mais acessivel, uma série de acrés-
cimos, como elucidário, bibliografía geral e completo
indice remissivo que, por motivos independentes da
nossa vontade, nao puderam ser aditados a edifiio
; .
pr1nc1pe.
G. ·c.

IX
caso presente a referencia visa apenas a trabalhos de
igual escopo - náo há contar senáo com o ÁLBUM, de
Gocldi, ern relagáo as aves, e o Ars Americana, de Nor-
denskiold, que se cinge a arqueologia. Se muito breve
será dado a público o ensaio de EZádio Lima, tani.bé·m.
copiosamente ilustrado, sobre os macacos da regiáo,
PREFÁC-IO muito ainda se fica a dever a outros aspectos da fauna
e ainda nada se fez concernente a flora e a etnografia.
:Alas que se torne a mis celanea em aprego. Sabido
.que tanto maior é o recuo até o berqo das civilizagoes e
f"'::NQUANTO prepara obra de outro teor e com golpe tanto mais o homeni surgirá na íntima dependencia da
e:, de vista niais amplo sobre a regiao amazonica, natureza que o cerca, já náo pode causar tanto espa1ito
nias que l1ie vem exigindo pacie1ites e demoradas que assuntos de ciencias naturais e sociais se enfeixem
pesquisas, pensou o auto1· realizar um álbum em que .se nu1n mesmo volume, quando nele se tem também em mi-
as~inalassem . algurts dos aspectos mais peculiares a flo- ra ressaltar ·alguns tra<}os da cultura raaterial do abo-
ra, fauna, arqueologia e etnografia indígena da. mesma rígine habitante da H iléia. E isso porque na flora e
·-
regiao.. . na f aitna locais náo só encontra o silvícola as suas fon-
· . Trabalho essencialniente iconográfico, acreditou-se, tes de alimentag4o, mas também os elementos com que
de início, que o seu texto, adstrito a explica~o das es- faze1· a stta casa, tecer a sua rede, trabalhar as suas ar-
tanipas, náo co·m portasse mais do que algum'as linhas mas e recamar os seus ado1·nos. S em o conhecimento
ou, quando muito, uma página, relativa ao. mater·ial de determinados cocos e sementes, náo se identificar-iam
apresentado. Sobre a Amazonia, entretanto, é . quase as conias e penduricalhos de seus colares. Quem nun-
impossível dizer pouco e, po1· maior que lhe fosse o dese- ca tivesse visto um surucuá ou um 'ananibé azul, náo
jo de concisáo, viu-se o· autor na contingencia de escre- saberia onde ele fora buscar penas táo belas para os
a
ver niais do que que1·ia, 1nedida que, sob a sua orien- seus capacetes. Basta que se observe um besouro como
tagáo, iam sendo executadas . as pranchas aquareladas. a niáe-do-sol, para qu.e logo se evidencie a p.rocedencia
Por outro lado~ seria muito difícil preferir esta ou aque:- daquelas plaquinhas de brilho metálico e f urta-cor que
la flor, escolher uma ave entre·--centenas, .· ou ad1nirar lhe cercam a testa de fúlgido diadema.
particula rmente um vaso de ce~amica ou ~nfeit·e de pl·u-
1

má·ria se, previamente, náo se· dissesse algo de mais H iléia amazonica, como se verá páginas adiante,
geral,· ainda que. de maneira muito sucinta, .sobre· cada · náo é apenas a H iléia brasileira. Se bem que ao Brasil
. um dr>s temas que constituem matéria para quatro ca- : caiba a maior extensáo desse imetiso vale quase ininter-
pítulos distintos. ruptaniente revestido de espessa flor·esta, nele também
N áo deixará de causar certa estranheza que num só se i1icluem boas faixas territoriais de várias .repúblicas
.e único tomo se compendiem assuntos táo diversos, ain- hispano-americanas e as tres possessoes européias sitiia-
da que nesse conjunto, ()U melhor, variegado mostruário das 1ia Guiana. Justamente devido a essa 1nes11ia vas-
de curiosidades amazonicas, esteja, talvez, a· sua princi-:- tidáo e ta1nbém a f atores ·de ordem geográfica, torna-se
pal originalidade. É que até eritao - já se ve que 1io quase certo que em nenhuma outra .parte da .A. mérica,
X XI
como aí, o elemento indígena ainda pode ser surpreen- ·na boa e, talvez, na má acepgáo do vocábulo. Na boa,
~ .d ido ·a formar o lastro cultural e bem assente daquela porque, sem a visao unilateral e, por vezes, deformante
Indo-América de que, ainda há pouco, em artigo de im~ dos especialistas, teve olhos iguais para observar com
prensa, f alava Gilberto Freyre, e no qual mergulha raí- carinho e interesse o que procura des'crever. Curioso 1ia
zes, mais ou menos fundas, a grande comunidade ame- má acep~o porqite, a falta de maiores co1ihecimentos, é
ricana. Para o silvícola, tal como para a planta ou para possível que haja matado nas f ontes de vida assuntos que,
o pássaro, náo há fronteiras políticas e, seja no Pará entre máos mais hábeis, ehegariam a pleno vigo e desen-
ou na Colombia, no· Peru ou na Guiana Inglesa, na Bo- volvimento.
lívia ou na Guiana Francesa, em qualquer ponto, desde Todavía, nessa sua mesma ignorancia se apóia o
que se esteja na Hiléia, é o amerindio quem dita os es- · arrojo de um tal empreendimento. M atéria que ~staria
tilos de vida. a pedir dezenas e mais dezenas de volumes aqui se co1i-
O Arecuna que habita nas faldas do Roroimá, sem densa apenas num tomo.
nunca deixar de ser Arecuna, tanto pode ser ingles, bra- Mas que este tomo seja a semente ou o incentivo de
sileiro ou venezu~ltino, conforme a situa~o da sua al- outras realizagóes congeneres, já entáo confiadas a
deia. O mesmo, porém, já náo acontece com· o ve·n ezue· competencia de botanicos, zoólogos e et1iógrafos, e o
lano, o brasileiro ou o ingles que se for fixar naquela.s autor ver-se-á recompensado de muitas críticas qite, sem
paragens e que, ao fim de pouco tempo, terá muito de dúvida, seráo feitas a estas páginas.
A recuna nos seus usos e costumes. Sem o conhecimento do liv.ro de William Edwards,
A Voyage up the River Amazon, é quase certo que
O f rances de Saint Georges dorme numa rede igual- Alfred W allace e Henry Bates jamais tivessem viajado
zinha a dos Oiampi,s ou U rucuianas e cedo. esquece . o
Sauterne e os filets .de sole pelo vinho · de agaí e a ven- pelo rio-mar. Por seii turno, confessa o autor que da
trecha de pirarucu. Previdente e ordeiro, o holandes leitttra do Inferno Verde, de Alberto Rangel, foi que
de Parar.·z,aribo há de' ter um curral de tartarugas no seu . lhe· veio, desde a mocidade, um particular interesse pela.';
quintal. coisas da Amazonia.
Ainda que náo se busque qualquer paralelo · entre
Seja no Madre de Dios ou ·no Purus, o seringueiro
empregará o mesmo coco urucuri para defu mar a borra- esses dois casos, pois que, no primeiro, de um livro hoje
cha. Tanto o llanero da Colombia como o vaqueiro do quase esquecido resultaram obras de considerável alcan-
.rio Branco se servem para a cobertura dos seus ranchos ce para a ciencia; e, no segundo, ao contrário, página.<>
das mesnias palmas de miriti com que o índio reveste a cheias de vigor e colorido rningitaram em observa(}óes e
sua maloca. O preto Saramacá, descendente de escra- notas de um meticuloso e dessaborido objetivisnio -
vos f ugidos, ainda ho je náo dispensa o tipi,ti e o ralador quem sabe lá se, nessa alterná1icia de conseqiienc·ias pro-
de mandioca, que recebeu das máos dó aborígine. En- pícias e ingratas, desta mesmci Hiléia náo advirá nova
! im, por toda parte, o amerindio ensinando a viver~ messe copiosa e dourada<í/
De qualquer ttnaneira, se outra valia 1iáo tiveretn,
O a1.ftor - e com pesar o diz - julga-se quase um estas páginas respondem aqueles que supuseram o au-
leigo nas disciplinas que aqui o preocupam. Quando tor desapontado ante a Amazo1iia que os seus olhos vi-
muito será um curioso das coisas da natureza. Curioso ra,m, em comparagáo com aquela outra por ele anterior-
XII XIII
mente imaginada, e que lhe serviu de cenário a um ro~ lVilde, cw ve1·, de fato, o que já tctnJas vezes contara. aos .
,. manee. cornpanheiros, servindo-se apen,as dos 'recursos da sua
Nada disso aconteceu. fan,tasia. O que náo foi relatado 1iaquele depoirnento a

A Amazonia é pródiga de coisas belas, .conforme o que sernpre estei1e presen,te iim.a atenta vigilan,cia ao ri-
atestam as estampas aqui reunidas, sendo que, se houve !JO'r das obse'rVaQoes, f oi, real1nente, o que deixou de ser
dificuldade em organizá-las, nos li1nites de uma peque·na visto. Destarte, as omissoes corre1n 1nais a con,ta do
mostra, o embarago esteve sempre nas preferencias de ·a1nb·i ente do que do escritor. Caso bem dive1·so é o do
escolha entre material que nunca pecou pela carenc·ia. rornance em que as liberdades inerentes ao genero per-
A penas, dada a vastidáo da sua área, tudo na H iléilt 1nitirarn 1·eunir, 1iu.ma área restrita, todos os leitmotive
há de ser visto a seu tempo e nos seus lugares, e aí tan,to das paisagens ama?onicas. Aliás, ainda aqiii, apenas
a flora como a fauna, ora seráo mais ricas, ora mais po- nisso se transgrediu a veracidade dos cenários.
bres, consoante as condiQoes mesológicas.
Se a vitória-régia é endemica na regiáo e, por vezes, E, agora, é chegada a vez dos agradecimentos a
com as suas folhas mons~ruosas e suas esplendidas flo- quantos, por s1ia reconhecida competencia e prestabili-
res, cobre a superfície de extensos lagos, poderá conti- • dade, acompanharam os passos do autor por veredas
nuar desconhecida para aqueles que percorram, apenas, difíceis e alheias ao seu itinerário corriqueiro. Ern,
a calha dos grandes rios. Ninguém nega que o galo- primeiro luga1·, estáo os amigos do M useu Nacional,
da-serra é da Amazonia, mas quem o quiser apreciar e·m tendo a frente a figura ilustre da sua atual direto'ra:
plena liberdade, aquecendo a paisagem com a flamancia Professora Heloísa Alberto Torres. Neste grupo, se
das suas penas, quase sempre terá de subir o rio Negro oficialmen,te ause1ite, acha-se bem em destaque o vulto
e seiis afluentes. Em certas épocas do ano, as gargas, prestigioso de Alberto José de Sampaio, eni quem o
em revoada, formam espessas nuvens sobre o lago Arari,
otium cum dignitate 1iáo arrefeceu os zelos pela botani-
em Marajó . .Entretanto, viajando . pelo Ouminá, du-
ca. O capítulo · Flora ainda muito deve· aos Profes so-
rante quatro meses afio, o autor observou menos dessas
aves do que as que se defrontam, habitualmente, na bai- res Adolpho Ducke, F. O. Hoehne, A. O. Brade e Leo-
xada fluminense, numa simples ida a Petrópolis. 'n am de Aze1·edo Pena. Os dois primeiros, freqüe1ite-
Pois bem. Foi justamente a expedigáo por esse mente importunados por cartas que .eram verdadei·ros
mesmo rio Oiiminá, rio po~re, ou melhor, rio f aminto, questionários; o último, porque mais perto, assediado
por insistentes telefon,emas e solicitagoes do rico mate-
como lá se diz, assinalando certos cursos fluviais que se
rial de qite dispoe no J ardim Botanico. Assuntos refe-
caracterizam pela escassez de. pescado nas suas ágnas e rentes a zoologia tiveram o amparo dos Professores O.
de caga nas suas matas;- foi essa expedigáo até a Serrrt de Mello Leitáo, Olivério Mário de Oliveira Pinto e
Tumucumaque, feita em caráter oficial, acompanhanrlo Agenor Oo·uto d·e Magalháes, nomes que jamais pode-
a Inspegáo de Fronteiras, sob a chefia do eminénte Ge- riam ser esquecidos nos setores em que se fizeram gran,-
neral Rondon, que deii motivo a um documentário, tido des mestres. Mesmo de longe, como aconteceu com
como revelador da já citada decepQáo. Adolpho Ducke, atualmente na .Amazonia, Oiirt Nimuen-
Ora, ao autor, em tal emergencia, náo sobreveio o dajii náo se for'l'O'll a C01tsultas e a parte dedicada a ar-
mutismo que assaltara o pescador do apólogo de Osear queologia muito se be1ieficiou das sitas luzes.
XIV
Por ser gente de casa, companheiros mais assíduo~,
,. f icaram para um agradecimento mais íntimo e comovi-
do, já fora de portas, os-artistas Hilda Velloso, Arman- HIL~IA
do Pacheco e Luís J ardim, os dois primeiros que, coni AMAZONICA
tanto desvelo e seguranga, tomq.ram a si a realiza~o das
a
pranc·has coloridas, e o último cujos dons de ilustrador
muito de ve o aspecto material do volume. Se a efusao
d'alma náo raro deperece a flor dos lábios, o aplauso
quente dos qué, percorrendo esta.s páginas, lhes adrnira-
rem os trabalhos, traduzirá o que aqui nao pode ser dito
por palavras.
Rio de J aneiro, setenibro, 1942.

2
..

ASPECTO GERAL

~I 1912, quando o aviao ainda tinha o voo curto das


FLORA
E ciganas 1, Alberto Ran~el. prefigurav~ ql1e, vista do
alto, a floresta amazon1ca. parecer1a "um bolor
imenso ªº fundo de urna cuba abandonada a umidade e
a calma, entre os escarpamentos das altiplanuras·do Bra-
sil Central, os das cordilheiras guianenses e os algares
andmos."
Nao sabemos se a mesma imagem terá ocorrido aos
pri1n.e iro·s grandes ases que sobrevóaran1 o intérmino es-
.tendal de frondes verdes. De Pinedo, cortando os nos-
sos. céus. de Mato Grosso a Manaus, estava por .demais
preocupado coro o folego que lhe permitiria a gasolina
contida nos depósitos de seu aparelho, para nao perder-
se ero conjeturas fantasiosas sob;re a avassaladora pai-
sagem, que só lhe inspirava terror, no caso de alg11m~
aterrissagem f orQada. Paul Redfern, visto pela última
vez quando o seu mqtor ainda vibrava sobre a foz do
Orinoco, talvez a falta dessa mesma gasolina, desapare-
ceu para sempre nos campos gerais por onde correm os
formadores do Trombetas. Mas, se virmos algumas das
aerofotografias que acompanham o relatório de Hamil-
ton Rice sobre a sua expedi~o ao Rio Branco-Urari-
qüera-Paríma, haveremos d~ concordar coro o escritor
patricio. Aquelas compactas e empastadas massas de
verdura apenas entrecortadas, aqui e ali, por meros file-
tes de água-tal como as grandes caudais se apresentam
1. Opisthocomus oazin. Ave única e para a. qual foi preciso
criar uma subordem a parte, é das maiores curiosidades da Ama..
zonia. De vóo canhestro e muito limitado, tem asas que, quando
jovens, ~unidas de garras, mais se diriam órgáos escansórios.
ti
6 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 7

quando dominadas da altura - tem mesmo qualquer que, se ~a área demarcada acima estáo integralmente
coisa de uma placa de cultura onde se amiudassem es- compreendidos os nossos Estados do Pará e do Amazo-
pessas colonias de f ungos. nas, o território do Acre e o norte de Mato Grosso e de
E, no entanto, só comparado ao infinitamente pe- Goiás, nela além do já citado maci<;o guianense, .comas
queno é que poderemos ajuizar do que é infinitamente suas tres possessóes européias, ~e integram grandes por-
grand~. Na verdade, ·sem o auxílio do aviáo, talvez que <;óes da Venezuela e da Colombia, boa parte do leste do
nunca se pudesse ter uma idéia de conjunto do que seja Equador e do Peru, e do norte da Bolívia, nas vertentes
esse irilenso vale, essa enorme bacia, que abarca aproxi- em que estes países volvem águas para a hacia do Ama-
madamente sete milhóes de quilometros quadrados, zonas e sobre as quais, até altitudes que raramente ul-
abrange cerca de um ter~o da área total da América ·do trapassam trezentos metros, corre o mesmo revestimen-
Sul e por onde se escoa ·um décimo da água corrente do to de selvas, apenas mosqueado, aqui ou ali, de· insigni-
.globo. Sim, porque, se o Amazonas, em comprimento, ficantes manchas de campo.
.talvez nao riv:alize como Mississípi e o Nilo, é, sem dú- Destarte, para quem está de cima, sempre o mesmo
vida, pela extensáo dos territórios que drena, pela mas- bolor, sempre o mesmo aglomerado fungif orme, alas-
.sa líquida que carreia, pelo número e pela grandeza dos trando-se monotonamepte por rnilhóes e rnilhóes de qui-
sel1s tributários, dos quais náo poucos .excedem o Reno, lometros' quadrados.
o mais importante rio do mundo. Vejamos, porém, qual será a impressá~ de quem,
Sem a ·visáo glob~ do aeroplano, quase impossível antes que a técnica moderna fizesse de cada homem um
seria aceitar que aquela ilhazinha que, entre outras, se novo 1caro, se limita a: contemplar a floresta amazonica
perde a sua embocadura, é Marajó, onde algun.s dos enquanto qualquer transporte fluvial o vai levando aci-
pequenos· países. da Europa, como a Bélgica, a Holanda ma ou abaixo, pelas águas do rio-mar ou de qualquer
ou· a Suí~a poderiam caber folgadamente. E assim, de .dos .seus caudatários .m ais graduados. Ainda aí, e já
paralelo em paralelo, já compreenderemos melhor que
a Amazonia brasileira tem set~ vezes a superfície da sem a visáo cartográfica do aviáo1 o assaltará a mesma
sensac;ao de desapontamento. A criatura ver-se-á en-
Franc;a e· que só o Estado do Amazonas é seis vezes
maior do que a Inglaterra e a Irlanda reunidas. taipada entre altos paredóes de verdura - paredóes ou
Pois bem. Náo· só essa gigantesca planície, que se simples inuros rasos, desde que se manteilha seril.pre mais
estende do sopé dos Andes ao Oceano, como ainda parte ou menos afastada das margens entre as quais segue
do alto Orinoco, as tres .Guianas,-o baixo Tocantins e o o seu barco.
litoral paraense, com certo trecho do noroeste do Estado Hartt comparou. a situa~áo desse viajante a de urna
do Maranháo estáo revestidos de quase ininterrupta flo- formiga que, subindo ao longo de uma coluna coríntia,
resta - floresta pluvial equatorial - com característi- só caminhasse pelo fundo de urna das caneluras que lhe
cas próprias e a que Humboldt e .Bonpland .aplicaram, sulcam a superfície. E náo se suponha que, no caso
pela primeira vez, o nome de Hiléia. Hiléia· na· acep- da paisagem, acidentes vários tragam maior amenidade
~áo de bosque, como aqueles -de que fala Heródoto em ao olhar. .A distancia, todos os verdes sé fundem numa
Melpomene. só tinta. Nada de grada~oes. Nenhum laivo de matiz.
Assim, hiléia amazonica, ou também hiléia equato- , Por outro lado, ben1 raro será que a aten<;ao seja des-
rial americana, náo será apenas hiléia brasileira, pois pertada por qualquer toque de outra .cor.
·s Gastáo Cruls Hiléia Amazonica 9

Wallace viajou por alguns di.as no Amazonas, sem mente amazonica, embora tenha de apresentar múltiplos
que notasse urna única árvore florida. aspectos, tantos sao os f atores qur. agem sobre a sua
Mas, entao, como há de ser vista essa floresta que, composic;ao botanica. Fatores sempre de ordem edá-
se nao é a .mais extensa do globo, urna vez que ternos de fica ou climática, que a fazem mais vigorosa aqui do
nos lembrar das matas de coníferas da Rússia, é sem qne ali, de cor mais clara ou escura, de presen<;a mais
dúvida a mais rica de aspectos, pela variedade sem con- serena ou atormentada.
ta das suas espécies florísticas' Será sobretudo exl1berante no estuário e no alto
Na verdade, sob o sol dos trópicos, e numa táo gran- An1azonas, gra<;as a copiosa precipita<;ao das chuvas e,
de superfície territorial, bem longe haveremos de estar t::.u11bén1, no prin1eiro ponto, porque, se 'a í participa da
daquela homogeneidade que caracteriza· certos tipos de
floresta nas regióes frias e temperadas; e, como pondera
ªºªº be1).fazeja das marés, já nao sofre o efeito, por
vezes riefasto, das enchentes. Ainda no estuário, essa
Parker Hanson, querer falar de urn modo geral da na- pujanc;a se acresce de maior riqueza de aspectos florís-
tureza amazonica apenas pelo que se observou, aqui ou ticos, pela deposi<;áo no seu solo das ínúmeras e .variadas
ali, nurna nesga de terra, é ch-egar a conclusóes táo dis· ·sementes que descero pelo grande rio e respectivos
paratadas como aquelas a que seriam levados dois cegos afluentes.
apalpando parles diversas de urn mesmo elefante. Qt1anto a tonalidade geral da floresta, será mais
Sim, porque, embora essa floresta tenha um facies alegre ou mais tristonha, de verdes mais vi:vos ou carre-
bem marcado, dentro da própria regiao, as condi~óes gados, conforme acompanhe rios de água branca ou
edáficas e climáticas dao-.lhe expressóes várias aos tra- água preta. Essa varia<;ao de cor de certas correntes
~os fisionomicos. flu·viais amazonicas, traindo a composi~o química do
Como também nao podia deixar de acontecer, o as- solo, a refletir-se na p~isagem ambiente, tem dado mo.:.
pecto da vegeta<.tao está ainda diretamente subordinado tiyo a várias interpretac;óes. Para uns, a tinta mais ou
ªºsistema hidrográfico, dependendo nao só da vizinhan- n1enos escura das ág.u as seria proveniente da nao preci-
<.tª do Atlantico. - cujas águas; já pela sua composi<;ao, pitac;áo, nos rios pobres de sáis de cálcio, do húmus .
já pelo flux o e refluxo das marés, repercutem f ortemen- turfoso, negro e ácido, resultante da decomposi<;áo· ve-
te sobre a flora da foz amazopi.ca e cercanias - mas getal. Para outros, a substancias ruin.erais, se1n dúvida
também da própria influencia dos rios, consoante a óxidos metálicos, apenas em suspensáo no meio líquido,
mata lhes seja ribeirinha e sujeita, portanto, ao regime pois qt1e urna boa filtragem torna essas águas perfeita-
das 'Tazantes e enchentes, ou já situadas nos altos ou 1nente claras 1 •
terras-firmes, jamais atingidos pelos transbordamentos 1\ifata bastante diferente será a que aparece nos
fluviais. igapós ou várzeas baixas, quase que permanentemente
Se a mata alu:vial marítima ou mangal, sempre rala inundados. Aí o arvoredo, sem fixidez no solo e teme-
e sem vulto, nao pode ser incluída na hiléia propria- roso de morrer afogado, levanta-se sobre o próprio rai-
mente dita, e nem nada tero de característica, pois que
1 . Sobre o mesmo assunto, há interessante mem6ria do Dr.
é peculiar a quase toda a costa da América e também Josef Reindl. da qual H. von Ihering cita alguns trechos n·um tra-
da África tropical, muito diversa é a mata aluvionica balho referente ao rio Juruá, aparecido na Revista do Museu
fluvial ou de várzea, que. esta, sim, já é bem e exclusiva-
. Paulista# vol. 6, 1904.
10 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 11
"
zame que, já no ar, confundido com os troncos, todo se Dessa montarla, já puxada até o enxuto das praias .
estreita e se emaranha em angustiantes abra~os de sal- ou apenas amarrada a qualquer tronco na barranca, é
va~ao. que saltaremos em terra para·percorrer as ilhas em f or-
E até aqui, sem sair da flora da várzea, apenas lhe 1naQaO 011 já adultas, as matas· de várzea ou de terra
notamos os tra~os mais grosseir~s, aqueles que, quando firme, os charravascais, ·as campinas e campinara-
vista apressadamente, mas já de mais perto, nao esca- nas, os campos cobertos ou lavrados, e também para al-
parao ao observador menos sagaz. Assim, nada sobre o can~ar qualquer lomba de có~oro ou tope de serra, pois
porte de urna árvore, o recorte de urna f olha, o oolorido que t.t1do isto existe· na paisagem amazónica.
de urna flor. E tudo isso, nmna floresta em que as es- Se iniciarmos a nossa excursao pela regiao do sal-
pécies quase nao se repetiriam s~ nao f osse a enormidade gado, isto é, aque1a. em que as águas do grande rio -se
· da sua extensao, o que já 1evou alguém a dizer que, para acham mais ou menos misturadas com as do oceano,
o perfeito conhecimento de um só dos seus rnjJbóes de ora estaremos entre vegeta~ao típicamente halófila, ora
quilómetros quadrados, talvez nao bastasse a existencia entre matas de várzea cada vez mais ricas e pujantes, -a
inteira de um botanico. medida que abandonam a orla costeira.
Todavia, ainda nao atingimos a mata de terra fir- · A flora aluvial marítima é sempre de um verde sem
me, cuja comp~si~ao ainda é mais rica, nem tampouco nuan~as, claro e acinzentado, e nela p~edomina~ o man-
. aludimos aos campos, que estes, também, hao de ser gue, a siriúba e a tinteira, ªº lado de elementos mais
considerados. escassos, como o mututi, .a envira e o araticu.
Por aí já ·se ve quao afastados estamos daquelas Diga-se que esse deb:rum de arbustos e arvoretas de
enganadoras impressoes dos que só viram a hiléia de . ramaria escassa e pálida, cujo aspecto molesto nao raro
relance, do alto ou de muito longe. se agrava pela exibi~o de raízes escuras e tortuosas, o
E agora é que chega a vez de responder a nossa que traza imagem de um mundo vegetal conjuntamente .
pergunta de há pouco. Para se ter urna impress·ao estropiado e todo sobre muletas, substitui, no litoral ma-
mais exata do que é a flora amazónica, na variedade dos ranhense, a fímbria de praias e dunas, mais ou menos
seus aspectos, na diversidade dos seus elementos, have- limpas, que vinham acompanhando o mar desde a Bahia
remos de examiná-la em vários pontos, mas sempre de e que, daquele ponto por diante, quase se~ altera~oes,
perto, subindo rios - rios de água branca e rios de água apenas com urna insistencia maior de siriúbas sobre as
preta -, varando cachoeiras, entrando por igarapés e rizóforas na regiao do Arnapá e em todos os locais em
paranás-mi!ins, abicando nas restingas, penetrando nas que a água se torna mais doce, prossegue numa linha
matas e palmilhando os campos. E é isso o que vamos tmida, Guianas em f ora, até a foz do Orinoco.
fazer agora, como se nos servíssemos da mais ligeira J á diferente, conquanto ainda de composi~ao bas-
canoinha, canoinha que nao ten1esse se atufar entre o tante pobre,. há de ser a paisagem ·se, ao longo de rios
matupá dos alagadi~os, que sempre achasse caminho en- e furos, f ormos travando conhecimento com as primeiras
tre os paus caídos e a galhaQa enredi~a dos furos e iga- manifesta~óes da mata fluvial. Aí, logo a beira da água,
pós, que f osse facilmente arrastada por· piqt1es e vara- formará por vezes urna verdadeira p~li~ada a aninga
douros, quando nao se aventurasse mesmo pelo pedral de roli~os troncos cónicos e grandes f olhas lanceoladas.
das pancadas e corredeiras. Esta, entretanto, poderá ser substituída por touceiras
12 Gastáo Cruls Hüeia Amazónica 13
,.
de canarana, renques de partasana ou outras plantas Do aleive desses esbarrondamentos que por -vezes
herbáceas, que nao poucas vezes lhe f orma1n anteparo; mutilam léguas e léguas de barranca e que de uma f eita
ou ainda poderá ser arredada por oiranas ou aturiás, já levou a destrui<;áo toda uma rua da cidade de Sáo Filipe,
de contextura lenhosa, e que ·no entrelagamento dos seus no J uruá, está poupado o estuário. Sofrem-no, porém,
galhos dará.o bom pouso as ciganas, como, entre as socas com freqüencia, na· sua margem concava, porque f orte-
do aningal, váo buscar refúgio ongas e j acarés. mente castigada péla correnteza, que a solapa no início
Também a grande arácea ou o aturiá, sem1)re t1n1 da vazante, os rios altos e de água branca que, ao revés
deles, nunca os dois em associagáo, cobrirá, em primeira dos de água preta, tem sempre a sua caixa mais irregu-
máo, qualquer coroa de areia que em breve estej a trans- lar, meandrosa, e menos consolidada.
formada numa ilha, e aos quais o mangal retardatário, A margem convexa desses mesmos ríos de água
mas prepoten~e~ ,rechaga:rá até as margens, como igual- branca, ·por mais lento o decurso fl11vial, nao raro se
mente será rechagado quando ali espontarem plantas de for1nam praias, onde logo surgem oiranas e, depois,
maior vulto. cecrópias, a sombra de cujas largas fülhas argentadas.
Mas, tornemos ao continente. Só depois daquela sementes de essencias várias e de maior porte eneontram
tarja florística, sempre de porte pouco elevado, ql1e acai- condi<;oes mais propícias a germina<;ao. Mas táo de-
rela o rio dos dois lados e onde, amiúde, o tabocal f orn1a pressa essas árvores levantem os seus troncos, robuste-
um pano de fundo, é que a mata da várzea come<;a grada- ~am bra<;os ou adensem frondes - manaiaras de alegre
tivamente a altear-se e· enriquecer-se, pontilhada de pal- floragao rósea, esbeltos araparis, que quando em fruto
meiras, que aí abundam tanto em número de exe111plares dir-se-iam ~om brincos a ponta dos galhos, taxizeirosi
como em variedade de espécies, jupatis, mir.itis e nluru- com os ramos espontados de amarelo, taperibás de co-
murus, agaís, inajás e paxiúbas, marajás, urucuris, ba- pagem verguda - lá se irá o imbaubal, entanguido por
cabas e mumbacas; entremeada de imbaí1bas e 1111u1gu- aquela mesma sombra com que favorecen o desenvolvi~
beiras; ostentando com freqüencia as largas f olhas das mento
. das outras, mas que lhe será extremamente
nociva.
Musáceas e Marantáceas até que, finalmente, abra no Bem diferente há de ser o aspecto da flora margi-
azul a copa das suas árvores mais altas, cedros e tauaris, nal se penetrarmos qualquer rio ··de águas pretas. Aí,
paus-mulatos e cumarus, mamoranas e maparajubas, nada do friso de capins aquáticos e praieiros, ou da orla
agacuzeiros, andirobas e copaíbas, mas entre as quais de outras plantas herbáceas que nos rios. de aluviao an-
avultará sempre o imponente pavilh~o das sun1am11ei- tecedem a mata e, por ocasiao das enchentes, náo raro
ras. se despregam das ribanceiras para formar os periantas
Todavia, essa floresta justafluvial, por maior que que descero de bubuia, ao sabor da corrente, levando no
seja a sua condensagáo e pujan<;a - e as espécies aí já seu bojo gar<;as e outras aves, quando nao até on~as,
se contam por milhares - é mais rala e de tonalidade colhidas de surpresa sobre essas ilhas viajeiras.
nlais clara do que a de terra firme. É que se, ao con- Nao. Nada disso. Tal como no rio Negro, rio de
.trário desta, tem um desenvolvimento mais rápido, nt1n- águas pretas que poderla ser tomado como padráo, a.
ca chegará a sua ancianidade, pois que está sempre a floresta nao se faz anunciar. Chega logo a beira da água.
fazer-se e desfazer-se, ora sujeita ao regime das cheias, e apresenta-se sem rebu~os. Nao se pense, porém, que
ora exposta a calamidade das terras-caídas. por vir assin1, tao prontamente, ao nosso encontro, tenha
14 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 15

um ar mais prazeroso e comunicativo. Muito ao con- ma, ainda m~is caprichosa, nao aparece senao· no rio
trário, de um verde tristonhamente carregado, essa ma- Negro e, ass1m mesmo, apenas nos seus afluentes de
ta, (J.e árvores nao muito altas e f olhagem miúda, tem águas mais carregadas. Em compensa~ao, é de todo o
um rosto bastante severo, trai qualquer coisa de sombrio margeado aluvial a nossa Hévea, a maior riqueza da
e misterioso. Isso nao impedirá, entretanto, que, de r egiáo, que por aí se faz acompanhar da palineira uru-
vez em quando, sobre o seu manto austero apare~a qual- curi, ausente dos rios de água preta. Diga-se, todavia,
quer mancha colorida. Azul neste ponto, amarela em · que se a seringueira abunda nas ilhas e nos pequenos
outro. Rosa aqui, vermelha ali, roxa acolá. Sao fron- afluentes do estuário, torna-se escassa na várzea do bai-
des que entre frondes, que se diriam sempre ig11ais, xo Amazonas e ainda ao longo do Solimoes e Marañón.
abrem os seus vistosos baldaquinos floridos, porque, no O seu habitat preferido é o curso médio e $Upe:rior dos
dizer de Adolpho Ducke, nao haverá, em toda a Hiléia tributários da margem direita do rio-mar, onde se lhe
regiáo que se lhe compare ( referimo-nos sempre a ha- amiúdam os exemplares. _ ·
cia do rio Negro) na riqueza de árvores da mais des- Vale mencionar que a mata justafluvial dorio Ne-
lu1nbrante flora~o. gro as vezes cede lugar a trecho de vegetac.;áo xerófila,
O contraste entre a flora, mais variegada e instável, mais ou menos mofina, que toda se alaga durante o in-
dos rios de água branca, de solo argiloso neutro, e a verno, dando lugar as tais caatingas-do-igapó, de que
flora, mais definitiva e uniforme, dos rios de água pre- nos fala Spruce.
ta, de solo sílico-humoso ácido, é ainda mais flagrante Mas tanto nos rios de água branca, como nos rios
quando algtun desses rios, mas sempre de importancia, de água preta, essa flora da várzea está sempre sujeita
é tribut.ário de outro, justa1nente de cor oposta. Entao ao r egime das enchentes e, consoante as sobras que lhe
-· ao contrário do que acontece em casos identicos com manda. o rio e os acidentes do terreno, viverá com água
qualquer afluente de .menor vulto, cuja vegeta~ao ribei- até a cinta por boa parte do ano. Igapós maiores ou
rinha, muito antes que o mesmo chegt1e a sua foz, passa menores seráo justamente os baixios marginais, de dre-:
a ser mesclada e, depois, dominada por aquela, mais f or- nagem precária e onde a vegetac.;áo vive quase perma-
te, do rio que o vai receber - nos caudatários possantes
nentemente inundada. ·Nao raro, tal seja a depressao
a composi<;áo florística mantém-se firme e inalterável
até a jun~áo das duas correntes. E é isso o que vemos do terreno, a água subirá a alguns metros de altura,
quando o rio Branco, rio de águas leitosas, chega ao rio num lenc.;ol ·corrido ·por grandes extensoes e sobre o
Negro, ou este penetra no Amazonas, ainda um rio de qual, sempre por igarapés, lagos e igapós, far-se-áo
aluviáo. Aí, em ambos os casos, os dois tipos de flora longas viagens de canoa, sem que preciso seja procurar
acharo-se lado a lado, sem se confundirem, e estadeiam. urna só vez a calha natural dos rios, como dizem pode
as suas peculiaridades. ser f eíto a margem direita do Amazonas, da boca do
Já apontamos, na várzea dos rios de água branca, Tapajós até Coari, já no Solimoes, ou entáo, agora pela
a freqüencia de Bombacáceas, Musáceas e Marantáceas. margem esquerda, qa foz dorio Negro até o Putumaio,
Nos rios de água preta teríamos de mencionar um maior urnas duzentas léguas acima. E nada mais encantador
acúmulo de Bignoniáceas, Lauráceas, Mirtáceas e Ru- do que um desses··percursos, que nao raro nos colocarao
biáceas. Palmeiras há que só se mostram nesses últi- quase no mesmo plano da copa do arvoredo, coro orquí-
mos rios, como a jará e a pia~ava, sendo que esta últi- deas a se nos oferecerem, frutos ao alcance da mao,

.1...
16 Gastáo Cruls Hiléia Amazonica 17
pássaros cantando ao nosso ouvido e toda a bicharada Se as árvores que aí se levantam pertencem aos
be1n pertinho. mes1nos generos já encontrados na vá·.rzea, bem outras
Se ainda, navegando por esse dédalo fluvial da c?m m_aior dure~a de cern.e ·e mais subido peso especí~
Amazonia, que no dizer de Agassiz é um arquipélago f1co, hao de.ser quase sempre.as suas espécies e destarte,
num oceano de água doce, entrarmos por qualquer furo inesrno na nomenclatura vulgar, f ar-se-á o discrime in-
ou igarapé que nos conduza a um dos seJIS inúmeros dispensável, falando-se entao num mututi da várzea e
lagos, onde, ao contrá~io dos igapós sombrios, o sol bata noutro da terra firn1e; nun1a paracuuba-branca do es-
de chapa sobre a superfície do espelho líquido, entáo tuário e noutra das terras interiores; numa mac;aran-
estaremos em pleno rein~ da vitória-régia, com o set1 dubaran.a do n1argeado fluvial, e noutra n1aQaranduba-
séquito de mururés, agu~p~s, golfos e outros _no1n~s que ver~ade1ra dos tesos enxutos; numa sapupira dos ala-
se deem as plantas aquat1cas, sobre as qua1s br1ncam gad1<;os e noutra da mata; distinc;ao que se estenderá
jac;anas e esvoac;am jacinas de asa.s .i risadas. tan1bén1 a.s palmeiras, co1n as suas mumbacas-falsas e
Ainda no domínio das hidrófitas, mas entao nos verdadeiras, con1 os seus jauaris e tucumas nada confun-
rios altos, onde a agua escachoa sobre as pedras, pode- dív~is ! e ainda a . ol1tros vegetais inais despiciendos:
remos admirar, entre outras Podostemonáceas, a linda tax1ze1ros das aluvióes modernas ou dos solos estáveis·
pluma rósea do mururé-das-cachoeiras. irnbaúbas de folhas com reverso prateado agitando-s~
a vira<;ao da beira,-rio e imbaúbas de folh~s todas ver-
Mas já é t.empo de falarmos nas terras firmes, nas des, aba!adas na calidez da mata virgem.
quais a erosao tem papel mais importante do que a alu- . Ass1nale-se, porém, a existencia de generos que se
viao e onde a flora amazonica se apresenta no seu má- insulam nas terras nao inundáveis e, para só citar exem-
ximo esplendor, a exibir, em quantidades incalculáveis, ~!os entre _os produt?s 1nais ricos e conhecidos da regiáo,
urna variedade sem conta de essencias · raras e outros ~1 te1;io~ a castanhe1ra e o caucho, que sao dois índices
vegetais preciosos, que tanto se recomendam pelas suas infali~e1s de estarmos pisando terreno maduro.
madeiras como pelos seus óleos, pelas suas gomas e A1nda nessas mesmas matas de terra firme se en-
resinas como pelas suas fibras e tintas, pelas suas flores c.ontram as árvores ~e ~aior altura e os cipós mais vigo-
e frutos como pelas suas raízes e tubérculos comestíveis; 1 osos. Entre as pr1meiras, pela sua abundancia desta-
mata. que é ao mesmo tempo um imenso parque floríst~co car~1n?.s as já aludidas castanheiras, que nao rar~ sobem
e urna esplendida estufa de plantas fmas, um cele1ro ~ c1nquenta metros e que nem sete homens abarcariam
inesgotável de matérias-primas e urna farmácia bem a sua base, dando-se as maos, .de brac;os estendidos, con-
provida de medicamentos, llm laboratório em que se quan to possam ser sobrepujadas por outros raros gi-
reúnem, lado a lado, os mais capitosos perfumes e os ga.ntes da fl?resta, como o tamboril, o angelim _o u fa-
mais violentos tóxicos. ve1ra, a ~u1rajuba, o cumaruran.a ou duraque, todos
Essa mata será a maior reserva floresta! do mundo, est~s colhidos entre as Leguminosas, que é a família
comos séus já avaliados cinco mil bilhóes de pés cú?icos m,a1s numerosa da regiao e que nao poucas vezes tam-
de madeira e cujas plantas lenhosas montam a. ma1s de bem se faz conspícua pela beleza das suas flores ou pelo
dez·mil espécies, entre as quais urnas quatro mil ~br~.n­ sabor dos seus frutos.
gem formas arborescentes, enquan}~ a Europa mt~1ra Esclare~a-se, entretanto, que mesmo entre as mais
náo contará mais de duzentas especies do. mesmo tipo. altas, nenhuma dessas árvorcs excederá sessenta metros,
G.astáo C ruls Hiléia Amazónica 19
18
,.
e nao. há de ser pelo seu desmedido porte que a floresta derá também do prodigioso número de epífitas que
da Hiléia se singularizará, principalmente se nos _recor- abarca1n troncos, cravejam rámos e afestoam galhos.
darmos dos eucaliptos da Austrália e das sequó1as da Algumas, como o apuizeiro, revelam-se implacáveis al-
gozes das suas vítin1as; outras, verdadeiramente inofen-
Califórnia. . ..
Das lianas, que estas, sim, náo só. pela ~ul~1pl1c1- sivas, fazem-se mesmo magnanimas, recompensando
dade dos seus exemplares, como pelo vigor e var1~dade con1 urna floraQao esplendida o bo1n gasalhado que lhe
das· suas espécies (já foi estimado que a pr?~or~~ de deram as companheiras, o que aconte'ce com a linda
plantas escande~tes entre .ª Europa e ~s . t~op~cos e de cebola-brava e com quase todas as orquídeas. Mas
utna para dez) dáo uro facies todo ~spec1al .ª ~lo~a ama- ainda a legiao das Aráceas e Bron1eliáceas, aquelas ser-
zonica, convém destacar, entre mu1tas, o c1po-d agua, o vindo-se do raizame aéreo para mandar amarras para
cipó:.d'alho, o-cipó-caboclo, o unha-de-gato e o escada-de- todos os lados, estas abrindo rosac.;as de verdes crus e
jabuti,. todos de grande envergad~ra, sendo que de um verm~lhos _vivos .na forquilha dos troncos vetustos, que
deles já se observou exemplar CUJO sarmento, a enros- tambero d1sf~rc.;am as suas rugas sob a policromia de
car-s~ em troncos e ramos até que cobrisse a copa de fetos, fungos, · algas, n1usgos e líquenes. ·
urna árvore, se estirava por mais de duzentos metros E é tal a profusao desses hóspedes qt1e só nt11n
de· comprimento. , . . exe1nplar de grande: árvore já se contaram oitocentas
Mas 'os cipós ainda se tornam notáv~~s ~or mll:1-t~s espécies de ot1tras plantas. Schon1burgk também cole. .
. outros aspectos. Há alguns que, como o. Jª citado c1po- cionou quatorze orqt_Iídeas diferentes povoando llm úni-
d'água e o ituá-a~u, sáo a providencia dos que .se per~em co tronco. · ·
na mata. Quando de qualquer deles se corta rap1da- Todo esse complexo n1undo vegetal, . toda essa fa-
mente um peda~o · da has.te, mais ou menos uro ~etro, lange de batalhadores aparenten1ente imóveis;-vive nu1na
que tainbém, sem perda de tempo, deve s~r logo vir8:da perpétna luta, num continuado esf9r~o, buscando esca-
para baixo, de tal modo que a sua exti:enndade su~er1or pl1lir a semi-obscuridade do snb-bosqt1e para alcanc;ar
passe a ser inferior, desta se escoara boa .qu~nt1dade nn1 lugarzinho ao ·sol, un1a clár(\ira de cét1 aberto Iá
de água, sempre.· límpida e fresca, apenas 11ge1ramente ben1 no alto, já no zimbório verde qt1e os tril1ntad¿res
ácida. Vários se recomendam pela bel~za das suas de inaior hausto. vao formar con1 as suas copas.
flores ou pelo delicado sabor dos seus frutos, quando E é por isso, por esse mesn10 anseio de luz, qt1e lia-
náo reúnem. as. duas coisas, como acontece. com os nu- nas roja1n pelo chao, colubreiam pelos troncos, lanc.;an1
merosos maracujás. Outros será.o aprove1tados pelas acúleos e gavinhas, fincam t1111a garra aql1i, mandam
qualidades estim-ulantes. oli medicam~ntosas d~ sua~ se-. n1~1a v~rgo~tea ali e, con1 um instinto que ningué1n ex-
mentes e, entre estes; vale. por .todo~ o guarana. . Ainda plica, .:1an1a1s bnscariio a.poio em ql1alquer árvore inorta,
outros pela tinta. que ·se extra1 das sua.s f olhas, como o que nao lhes garanta o acesso desejado.
caraj~u, ou pelos violentos tóxicos qu~ .se conseguem , ~1as é também por motivo igual que essas n1esn1as
dos seus caules e raízes, como dos Strychnos'· q?e entram arvores nao poucas vezes crescen1 de troncos linheiros,
na composi~o do curare, e de certas Apocmaceas, que elevan1-se de brac.;os fechados e só abrem ra1nos e só
e1niten1 galhos depois que, .já bem altas, se senten{ inais
servem para tinguijar o peixe. . ,
Contudo nao será.o apenas os cipos que concorre- a salvo dos enleios constritores e dos abra~os estor-
ráo p~ra o fausto da floresta amazoníca. Este depen- vantes.
20 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 21
,.
'l'ao denso é, entretanto, o emaranhan1ento dessa refor~o basal. O que parece nlais aceitável é que a
selva, tao fortes os lia1nes que se estendel-11 de tronco a árvore se defenda, e isto porqtre o solo é raso, tendo
tronco e de galho a galho que, nao raro, os inaiores gi- água on pedra logo abaixo.
gantes da flore.sta, ainda inortos, pern1anece1n de i)é,
an1parados pelos companheiros ql1e iliio os deixa111 to1n- Ao contrário do que acontece na Europa, onde as
, bar. Sen1 dúvida, em certos casos, para isso concorrerá esta<;oes ben1 definidas repercuten1 ftmdamente sobre
a qualidade do seu cerne impu~rescível, co1no sucede a o aspecto da vegeta<;ao, na Amazonia a paisagem será
n1uirapinima que de tudo se despoja,. folhas, copa, casca sen1pre t1n1 calendário desnorteador. Árvores flores-
e a té alburno, mas que assim mesmo, desseivada e des- cen1 enquanto ot1tras frutifica1n. U1nas perden1 as
car11ada, mostrando apenas, do ·que fora nos seus dias f olhas, enq.uanto ou tras se engalanam de copagem nova;
de gala, o lenho seco e ·nu, se mantém perfilada entre as oi...1 conco1n1tantemente sobre os galhos qt1e· se desnudam
den1ais. já estao brotos a espontar.
E já que f ala1nos nos elementos· de sustenta<;ao des~ · I sso Ievot1 Bates a dizer, co1n certo exagero, que a
ses portentosos representantes da floresta eql1atorial,. é flora da Hiléia realiza ntrm dia o qtte se faz nun1 ano
preciso nao esquecer1nos as grandes expansóes tabl1la- en1 011tros climas. Dizemos co111 certo exagero, porque·
res das raízes, conhecidas por sapopemas, que o caule outros naturalistas, tambén1 proft1ndos conhecedores da
de nlnitos deles apresenta na sna parte inferior. Por r egiao, con10 Beebe, se inst1rge1n contra a ass~rtiva d·o
vezes, essas palheta.<>, sobrett1do freqüentes nas Bomba- "eterrio verao" con1., que se costuma caracterizar a flo-
cáceas, Leguminosas, Lecitidáceas e Moráceas, com resta equatorial, pois, para ele, aos qt1e a observem mais
tnnitos centímetros de espessura, se estendem por dois atenta1nente nao escapará un1a perfeita distinc;ao entre
a tres metros do comprimento do: tro11co e também por as qnatro esta<;óes. l\ías isso tan1bén1 poderá ser u1n
dois e mais inetros dele se distancia1n, de tal n1odo ql1e exagero. O Professor .A.dolpho Ducke, hoje, seni' dúvi-
entre duas delas algumas pessoas podem encontrar bom da, a n1aior autoridade nos assuntos. de flora amazonica,
abrigo. · e en1 c11jos .trabalhos muito nos apoiamos para redigir
Muito se tem discutido por que as raízes assim .s~ este capítulo, assinala, dentro da própria Hiléia, épocas
hipertrofiam, forn1ando verdadeiros contrafortes no ,·árias de flora~ao, confor1ne estejan1os neste ou naqt1e-
sopé dos troncos. Querem t111s que isso lhes daria me- le ponto.~ A.ssim, em muitos locais, o início da esta<;ao
lhor sustentáculo ao peso das enormes copas. Outros seca, q1lando as águas. entran1 a baixar, é que corres.:.
qt1e, destarte, 1nelhor resistirian1 a violencia dos ventos. ponde a prin1avera européia. Em outros, as floradas
Ainda outros, que árvores de ta1nanho porte pedem tun Reria1n n1ais abundantes já nó co111e<;o do inverno. En1
cmbasan1ento mais amplo. Para outros ainda, tratar- Man~us, poder-se-ian1 ines1no apontar tres épocas
se-ia de urna defesa contra os insetos que; nao raro, anna1s de flora<_;ao - n1aio, seten1bro e dezen1bro -, a.o
atacam os troncos, deixarido-os quase ocos, enquanto passo q11e o Pará se contentaria co1n dt1as - junho e
poupam as sapope1nas, que passam a ser entao os· ver- dezen1bro. Destarte, se nao estamos diante do "eterno
dadeiros suportes do vegetal. Tódavia, nenhum desses Yerao", teremos quase presente un1a "prin1avera eterna".
argumentos prevalece quando se tem em mente que mui- l\ía~ se estas árYores florescen1 tanto, con10 é que
tas árvores apenas ostentam sapopemas enqt1anto jo- 9uase n1nguém as ve~ J á referimos que w al lace via-
vens, justamente quando menos necessário lhes seria o JOU por alguns dias no Amazonas, sem que os seus olhos
22 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 23
caíssem sobre qualquer copa pintalgada de outra cor. Diga-se tan1bém que, ao lado dessas árvores que nao
Para Spruce, as flores desse mesmo nlatagal tan1bé111 poupam tintas e conhecem todos os segredos da forn1a
foram por muito tempo invisíveis. Náo poucos sao os quando tratam de enfeitar os seus ra1nos outras exis-
f atores que conduzem a urna táo erronea impressáo de te111, de hábitos mais modestos e cuja flor~Qao iniúda e
pobreza dentro da maior riqueza. Em primeiro lugar, des}Jotada se c~nfunde com a tonalidade. da f olhagem.
ternos a própria extensao dessa floresta e a infinita va- Da1 o nosso amigo A. J. de Sampaio, quando viajáva-
riedade das espécies que a guarnecem, quase sempre 1nos juntos pelo Cuminá, náo abrir mao de tnn óculo de
distribuídas a esmo, um exemplar aqui, outro já muito alcance a f.im de lob~igar .qualquer galhinho florido, que
longe, sem nada dos grupos ou bosques de u~a determi- lhe garant1sse o enr1quec1mento das coleQoes botanicas.
nada árvore, que uniformizam o aspecto dos quadros
E, se difícil era descol:>ri-los, mais difícil ainda seria
europeus. Acrescente-se a isso a irregularidade co1n
que florescem essas mesmas espécies equatoriais, hoje alcanc;;á-los. ·Para isso, Spruce, bom atirador, ser~ia­
urnas, outras amanhá, e compreender-se-á f acilmente se f reqüentemente de u1na carabina, a falta, talvez, dos
por que há de ser sempre verde o dossel que cobre a inacacos adestrados que se usam hoje em. Singapura e
Hiléia. De fato; que importa que qualquer quaruba que, amarrados pela cinta, encara¡)itam-se nos ci1nos
apareºª um dia com a copa toda dourada ou que qual- 111ais altos e de lá·jogan1 aos naturalistas o material que
quer buiuºu desºª sobre as suas ramas o mais suntuoso lhes é necessário.
manto· roxo, ou ainda que alguma Quálea 1 se de ao ~e numerosas $~0; porém, as .árvores de florac;;áo
luxo de mudar por duas vezes de túnica, hoje rosa, ama- hun11lde, outras mu1tas ostentarao vistosos frutos de
nha Bi.zul ~ Tudo isso náo será nada entre ·os .milhares aleg;re a~pecto, como a.queles de certas Malpighiáceas ' e
e milhares de frondes verdes. Pol1gonaceas, que se adornam de asas escarlates, ou como
Deste ponto de vista, muito mais feliz será sem a grande cápsula da mungubeira que, quando aberta
dúvida a vegetaºªº da várzea, principalmente se a beira-: n1ais se diria urna esplendida flor. '
rio. O pau-d'arco, diademado de lilás, mirar-se-á até Árvor~s há também cuja folhage:µi, quando nova,
no espelho das águas, onde projeta grandes manchas de p~lo colorido que apresenta, simula em tudo urna co-
ametista. piosa floraºáo. Raja vista o magnífico dossel de seda
Para ·ser admirada, nao precisaria ostentar flores rosa
. que, por essa época, reveste a imensa fronde dos
tao grandes nem tao purpúreas a inamorana. caJ uac;;us.
Mas ainda existem outros motivos. para que passe .A.inda aqui estamos em contraposiQáo a Europa,
quase despercebida · a floraºáo das grandes árvores da OJ?.de as_ f o!has, só no ot1tono, quando já velhas e pres-
terra firme. . As suas franºas só se expandein sobre as tes a ca1r, e que esmaecem em tons vinhosos, numa triste
outras do sub-bosque, que as ocultam inteiramente. Des... morte-cor.
tarte, muitas vezes, só se terá notícia da grande festa Mas tudo faz com que a floresta da Hiléia tumul-
que vai lá por cima, pelo tapiz de pétalas coloridas, q11e tuária, vivamente iluminada, em nada se par~c;;a com
aparece aqui ou ali, estendido no chao da mata. aquela outra, de bosquedos serenos e sombríos, que ire-
_n1os encontrar nos climas temperados. Até, ao visitá-
1 .· Vide o que. a respeito da Qualea pulcherriina Spruce, las, a luz se comportará de maneira diversa. Na Euro-
se diz a pág. 78 pa, coada através da folhagem, ela será sempre difusa,
24 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 25
"
a degradar-se nu1na claridade su~ve. No inatarét1 tro- Poligonáceas e Borragináceas. E ainda outras que se
pical; tanto que encontre urna fr1ncha, baten~o de cha- f aze1n epífitas ou escandentes, sempre no intuito de mais
pa em troncos claros e f olhas lustrosas, que nao raro .se se aproxin1are1n da luz. Merecem também ser men-
diriam envernizadas de novo, ela reverbera por todos cionados os frutos e sementes que adquiren1 capacidade
os lados multiplicando-se ein fogachos e cintilaQoes de dissen1inaQao J>elo vento ou pela água. Esta última,
inetálica~. Presente aos dois espetáculos, Konrad utilíssima na nlata al~gada, é obtida pela riqueza em
Günther nt1ma irnagem feliz, lembrot1-se de urna cate- óleo, que os faz flutuar por mt1ito tempo, até que con-
dral gótica e de um templo barroco. Ali, a sobrieda~e 8igam lugar propício a germina<laO. Ü fruto do dura-
de linhas, . a parcimonia nos motivos orn~mer1ta1s. qae, árvore a que já nos referimos, é mesmo privile-
Aqui, a pompa da decoraQao,. o luxo dós . ~olor1d?s. . giado a esse respeito. Reúne em si as duas possibili-
Náo se pense, entretanto, que esse VIQO ma1s v1yo dadcs. Tanto pode voar, como permane_c er de bt1buia
de f eiQoes, · que esse estouvamento de ~t~tudes,. seJa, e ~er levado ao sabor da corrente.
na i11ata .tropical, un1a expr~ssao de organ1sn10 JOVe_1n. Hun1boldt, ao observar a Hiléi~, le1nbrou-se de
E111bora a infixidez do solo, con1 rios a serpearem in- Bernardin de Saint-Pierre quando :(a.Ja de "urna flo-
certos buscando can1inho, corn ilhas que se desfazem resta sobre a floresta". Na verdade, ali, ao sub-bosque,
aqui para renascer inais adiante, tudo de.spertan~o a supcrpoe-se un1 outro ·andar, este muito mais importan-
idéia de t1n1a terra· ainda e1n ser, de 11n1 mtmdo a1nda te, porque revestido pela fronde das mais portentosas
e1n forn1aQao, essa floresta talvez seja a inais velha d~ . árvores. Infelizment~, dada a sua grande altura,. esse
orbe, resíd110, segundo Deffo11taines, de floresta<_:;oes que inatingível jardim de Sen1íra1nis foi por muito. tempo
data1n de épocas i1nen1oriais, remanescentes, C01110 q11~r un1 per1nanente desafio a curiosidade dos naturalistas.
Costantin, de nn1a vegeta<láo que, outrora, se estender1a Todavia, faz alguns anos, um grupo de estudiosos bri-
uniforn1e até o pólo, 111as que, a po11co e pouco, pelo tanicos logrou desvendar-lhe os segredos, quando, na
gradual resfrian1ento do globo, foi s~1bstit11íd~ por 011- Guiana Inglesa, instalou sobre os nlais altaneiros repre-
tra de tipo predo111inanten1ente herbaceo, n1a1s co~sen­ sentantes da floresta, pequenos observatórios dos quais
taneo con1 os clin1as temperados. O que .. dela r~sto11, don1inavam largos trechos do infindo zimbório forn1ado
con1 representantes. q11e ainda len1bram . ~ carbon1f~r~, pelo. entrela<lan1ento das ramagens possantes. E que
tais os fetos, ter-se-1a condensado na r eg1ao eqt1~tor1al · espetáculo · o de entao f Que ºdiversidade de aspectos f
De resto, na vegeta<_:;ao da Hiléia, tudo e~tá a a~11sar O verde em todas as gamas. Muito amarelo e vermelho
un1a loriga adaptaQaO a vida florestal. Ass11n as arvo- das folhagens novas. Urna por<_;ao de copas floridas.
res qt1e, concentrando todas as f or<las para alcanQar o Como aquilo tudo era diferente do que viam aq11eles
n1ais de1)ressa possível o espaQo enso~lhado, cresce:u qne, pisando sempre o solo da floresta, só podiam alQar
até o·rande altura se1n se esgalhar. Ass1111 o gr<:lnde nu- os olhos para o arvoredo do sub-bosq11e.
rner~ de plantas que, herbáceas r1os c~i1nas te1np~1:ados, . . Mas os envia~os de Oxford f oram mais longe. ·ve-
passan1 aqui a ser lenl1osas, con10 111u1tas Et1forb1aceas, r1ficaram que a vegeta<_;ao na floresta hileana se dispoe,
numa estratifica<_;ao horizontal, em quatro camadas
1 . Hipóteses geológicas, que procuram explic~r a formac;áo perfeitamente distintas~ Na primeira, a contar do
do vale amazónico, contrapoem-se a cssa longev1dade da sua ~hao, ou andar térreo, as plantas, nao raro organismos
floresta. Jovens de futuras árvores e arbustos, entremeados de
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fetos e ervas, espalham-se parcimoniosamente por aqui macacapuranga, umiri e urna infinidade dé louros, chei-
e ali, sem jamais formar um verdadeiro tapete. A se- rando a cravo, a rosa, canela, funcho ou canfora.
gunda camada, que é constituída por arbustos e plantas Dessas árvores, porém, nao poucas far-se-ao exclu-
de um a tres metros de altura, com algumas espécies que sivamente procuradas pelas suas propriedádes gomífe-
lhe serao exclusivas e até predominantes sobre as Oll- ras, a comeQar pela seringueira, cujo valioso látex foi,
tras, como as Anonáceas, raramente atingirá o andar por muito .tempo, o ouro-negro da regiáo, e sem esquecer
imediato. Este, ou terceiro andar, dispor-se-á a uns o. caucho, a bala~a, a ucriquirana, a murupita e mui-
quinze metros de altura, com exemplares, preferente- tas ma~arandubas; outras, pelos seus óleos e essencias,
. mente Euforbiáceas e Violáceas, cujas copas, algo es- alguns extraídos do próprio tronco, como no caso da
pacejadas, permitirao golpes de vista sobre a quarta copaíba e do louro-inamuí, outros, de frutos e sementes,
camada ou último andar. Finalmente, este, é aquele já entáo nunia variedade sem conta,. pois raros seráo
zimbório a que já aludimos, formado pelas árvores mais aqueles que nao os contenham.
altas e que se mantém aproximadamente a trinta metros .E nessa mesma mata que o índio, como havemos
do solo, embora seja excedido aqui ou ali, mas só excep- de ver mais adiante, encontra tudo que precisa: a casca
cionalmente, por um ou outro gigante, que poderá che- para a uh~, a folha de palmeira para a casa, o pau para
gar até o dobro dessa altura. o arco, a fibra para a rede, o cuiete .para água, a paina
J á dissemos ql1e· o que caracteriza s.obremodo a flo- para a seta, vernizes e tintas para a ceramica, venenos
resta amazonica é a infinita variedade das espécies q11e com que ervar as suas flechas. E ali estao· tambero a
a compoem, fazendo que num .simples hectare de terra sua despensa e a sua farmácia. . A mandioca impres-
possam se reunir mais de duzentas árvores diferentes. cindível aos beijus e caxiris, frutas e amendoas a serem
Isto, se do ponto de vista botanico é urna riqueza, nao colhidas por toda parte e em qualquer época .do ano, a
deixa de ser urna pobreza quando encarado economica- droga alucinante que lhe dará sonhos coloridos a me-
mente, urna vez que para conseguir algumas boas toras zinha eficaz que ajuda os passes do pajé. '
de urna determinada madeira, será quase sempre preciso Tanto Martius como Spruce sao de opiniáo que os
realizar penosas buscas e fatigantes caminhadas. . índios pouco se aproveitam das plantas indígenas na
Contudo, o trabalho far-se-á recompensado pela ex- · sua medicina e que o valor terapeutico da maioria delas
celencia e variedade sem-par dessas mesmas essencias, só se .fez .conhecido .após a chegada dos primeiros colo-
urnas a se recomendarem pela dureza e imputrescibili- nizadores,. que a esse respeito já haviam ganho lima
dade do seu cerne, como o acapn, a acariúba, o cuata- grande experienci.a nas ín<:llas orientais. Tudo, entre-
qui<,;a11a, os angelins, cedros e itaúbas; outras pelo mar- tanto, se opoe a essa asserQao. · Se o ameríndio desco-
chetado ou colorido da sua contextura: mnirapinimas, brira a maneira de tornar inócua e largamente aprovei-
muirapirangas e muirajibóias sarapintadas con10 l1n1 tada como alimento urna raiz táo tóxica como a da man-
couro de maracajá ou lima pele de cobra; saboranas dioca, se conseguira .tirar partido da ·aQáo estimulante
caprichosamente laivadas de castanho ou roxo sobre lUn das sementes do guaraná, se usava os clisteres inebrian-·
fundo de mel dourado; paus-pretos, paus-violetas, paus- tes ·~o paricá, se já se ·familiarizara com o emprego do
, rosas e pa.us-amarelos ;. pau-cetim e pat1-marfi1n; ainda caap1, da coca, da ipecacuanha, do quenopódio e do bál-
· outras, pelo perfume que delas se exala: casca-preciosa, samo-do-peru, para só citar algumas das suas ·mais
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famosas descobertas, certo que nao lhe terian1 esca paclo Bem curta será a nossa excursao pelos campos. Aí
as virtudes medicamentosas · de inuitas outras plantas. embora em pleno cora~ao da Hiléia, tal seja a paisage~
Apenas, por mais a paratosos e devido as suas cren~as que se no~ depare, teremos sempre :;i. impressao de haver-
fe tíchicas, p~ra ele seriam de n1aior importancia os 1nos s~~o magic~m~nte transportados para as pastagens
sortilégios do piaga e eram tambén1 estas práticas que do Triangulo M1ne1ro, para os chapadoes de Mato Gros-
n1ais despertavam a aten~ao dos viajantes. so, ~ara os tabuleiros do.nordeste, ou até para qualquer
Aliás, o próprio 1.1:artius se cotitradisse posterior- caat1nga ou charravascal do mais adusto sertao.
mente, pois que, entre as· quatrocentas e setenta espé- E nao deixa de ser mesmo curioso que se possam
cies de plantas medicinais enfeixadas no set1 Systemci comer mangabas numa rechá mofina e arenosa a dois
M ateriae Medica.e V egetabilis, enun1era n1ais de cem passos do Tapajós; que se possam admirar ~ric;adas
cabegas-de-frade e espinhentos jamacarus rebentando
que já eram aproveitadas pelos índios.
de p~dras que, e:n pontos próxi~os, entre águas enca-
Nas matas. de terra firme nao há aquela abundan- choe1radas, estarao cobertas de Podostemonáceas · ferir
cia de paln1eiras q11e tanto contribui para o embeleza- os pés nas barbas-de-bode e trope<lar nos muricis' acau-
mento da flora da várzea, sobretudo no estuário. les, quando pouco antes se caminhava a sombra das
Entretanto, elas ali também se acha.1n representa- grandes castanbeiras campanudas.
das e, entre as mais habituais, convé1n lembrar a inajá, , Mas, também, se, e!ll pleno descampado, se chegar
tt1cun1a, pupunha, n1umbaca e ubim-a<lu. · ate a pestana de algum igarapé ou descansar-se no fres-
Diga-se ainda que, se a flora da várzea é maís ou cor de qualquer capao de mato, eis q11e outra vez a flo-
menos ·a mesma nas duas margen~ do Amazonas, bá resta amazonica estará a nossa volta, comas suas árvo.::
ende1nismos peculiares nas zonas sul e norte da terra res. ver~udas, com o f arfalbo das suas palmas, coin o
firn1e, sem dúvida oriundos da .dificuldade de dissemi.:. enl1Qamento das suas aráceas e- cipós. .E foi assi)n que,
11a<lao de certas sementes incapazes de vencer a grande b~m. nos campos de Tumucumaque, já com o rio a dís-
largura do rio. · tanc1a e bebendo a nada convidativa água de cacimbas
E é isto o que acontece coma seringueira-vermelba pudemos apreciar o mais saboroso copo de a~aí. '
e a macacapuranga, que até hoje só tero sido apontadas . Destarte, mesmo que a sua máxima caracteriza~o
nos afluentes setentrionais do baixo Amazonas. seJa a da flora geral dos campos do Brasil essas sava-
001110 é natural, nas lindes já demarcadas p.a ra a . '
n~s, essas camp1nas, essas campinaranas nunca perde-
Hiléia, a vegeta<lao, até que se diferencie nitidamente, rao de todo ·o contacto com a Hiléia que as emoldura
passa a ser n1ista com componentes da:s duas f ormaQoes ~ de cujas condi~oes edáficas ou clir:iáticas sofreráo a~
florísticas q11e aí se encontram. · Destarte, o limite oci- influencias benéficas ou nocivas. Benéficas, como no
dental da An1azonia ve-se invadido por línguas de t'e rra caso de certas zonas que em tudo e por tudo lembram
onde figuram espécies características dos vales quentes as c3:a~ingas do meio-norte, mas que por se acharem sob
dos Andes; na fronteira oriental haverá, por sua vez, cond1<loes de grande umidade, permanecem verdes por
ocorrencias da flora geral do Brasil, ou do baba<_;uzal da to~? o an?. N ociv~s,. como no caso dos campos. de Ma-
zona dos cocais, assim como na hacia do rio Branco já raJo, !1º litoral ocean1co, e outras pastagens de várzea
se notam espécies adstritas ao revestimento do baixo do ba1xo Amazonas, porque prejudicadas periodicainen-
Orinoco. . te pelo regime das enchentes. ·
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Savanas será.o os campos de árvores esparsas, ora mais se dirian1 dispostos en1 aléias, vinha-nos a idéia de
de todo achanados, ora com outeiros ou co~ ondula<;oes que íamos, ·por qualquer parque abandonado, até que
suaves· campinas, os campos limpos, apenas arrelva- alcan<;ásse1nos alguma velha vi.venda solarenga.
dos; e' campinaranas, os falsos camp~s, as f orma<;oes Embora - táo avassaladora é a extensao da flo-
iri.termediárias, sempre mais densas e mais sujas. Se r esta - estes campos pouco pesero na fisio11omia geral
o solo se torna mais duro e mais seco, teremos os char- da Hiléia, nao deixa1n de ser urna grande riqueza da
ravascais, náo raro com espesso revestimento de sapé, r egiao, dada a possibilidade . do seu maior desenvolvi-
e em certos pontos, onde abunda. o afloramento de ro- mento pastoril, até hoje apenas aproveitado em peql1e-
chas, surge a vegeta<;ao francamente xerófila, com pre- na escala. E note-se que eles somam áreas nada des-
dominancia de líquenes, cactáceas e bromeliáceas. Em prezíveis. No Estado do Pará, talvez u1n quarto do seu
compensa<;ao, quando nesses mesmos campos existem território. No Estado do A1nazonas, uns cento e qua-
sulcós d~ drenagem fluvial, baixadas ou cabeceiras, com renta mil quilometros quadrados. Dentre todos, néste
terra humosa preta, repontam as ravinas, de que os Estado, destacam-se pela sua vastidao e também por- _
esbeltos miritis será.o as almenaras auspiciosas, po.i s que qne nao inundáveis, as grandes pastagens dorio Branco.
um indício seguro de água quase que a flor da terra. l\fas é preciso nao esquecer que, no Estado do Pará,
' Das tres principais modalidades de forma<;oes cam- tan1bén1 se situa, no alto Trombetas, ql1antidade eqüi-
pesinas, enumeradas acima, a que se mostra menos valente de magníficos relvados, até l1oje inexplorados,
hileana é a das savanas, que mais se diría urna trans- ainda que nada lhes fiquern a dever.
gressáo da flora do Brasil Central em plena hacia ama- Falando em campos do rio Branco, ternos quase a
zonica. Isto já nao acontece no aspecto das campinas vista a imponente massa do Roroimá, para os índios, ·
e das campinaranas, com fei<;áo particular, devido a urna n1ontanha sagrada, nao só a moradia de Macunaí-
predominancia de certas espécies que rareiam em ou- n1a, como também a sempre fértil mae dos rios; para
tras regioes. nós, o mais lindo marco divisório entre o Brasil, a Guia-
Advirta-se também que a flora desses campos ama- na Inglesa e a Venezuela. Infelizmente nao chegare-
zonicos é bastante influenciada pelas composi<;oes flo- n1os até lá. A sua flora, talvez a mais bela do mundo,
rísticas vizinhantes. Assim, no rio Branco, as formas já pertence francamente a zona cisequatorial. ~fas
locais mesclam-se nao raro outras dos llanos da ·v ene- será. com pesar ·que o nao f aremos, ao recordar aquela
zuela, bem como em Marajó nao seráo pequenas as marcha de Schomburgk que, buscando dominar-lhe os
lembran<;as da flora litoranea trópic.o-americana. flancos, precis~va abrir caminho a golpes de facao en-
Mas que desafogo andar por esses campos, que ver- tre densas inoitas das mais belas sobrálias ero flor.
dadeira ~legria muscular sol~ar as pernas por essas lha- Consolemo-nos, entretanto, tornando a nossa Hiléia,
nuras de horizo~tes ilimitados, depois de dias e mais para apreciar mais de perto o esplendor da vitória-ré-
d.ias de canoa, sempre murados pelo espesso paredáo gia, o gracioso pendáo floral do uapé-das-cachoeiras, o
da floresta! Foi essa a sensa<;áo que tivemos ao pisar cipó de q11e se consegue o guaraná, algumas das suas
pela primeira vez os campos altos do Cuminá. Por muitas palmeiras e das mais belas árvores ornamentais,
vezes, entre árvores quase eqüidistantes e todas numa um punhado de orquídeas raras.
só altura, tendo diante dos olhos renques de miritis que
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Sl'IX (J. B. von) e MARTIUS (C. F. P. von) - Viagem pelo
C dor e que por tantos aspectos se singulariza no rei-
r10 vegetal, esperasse mais de tres séculos, após a
deseoberta do Novo Mundo, para que se tornasse conhe-
\ Brasil. Trad. brasileira promovida pelo Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. 4 vols. .Rio de Janeiro, 1938.
cida. É verdade q11e só a partir do século XIX come~a o
il
SPRUCE (Richard) - Notes of a Botanist on the Amazon and
território da América do Sul a ser mais intensamente
t Andes. London, 1908. 2 vols. percorrido por cientistas de renome, e, entáo, em diver-
STEVENS (Albert W.) · - Exploring the Valley of the Amazon sos pontos e com diferen~a de poucos anos, botamcos de
in a Hydroplane. ( "The National Geographic Magazine". várias procedencias quedam estarrecidos diante de táo
Vol. XLIX. N.9 9. April, 1926). magnífico prodígio da flora tropical.
TATE (G. H. H.) - Through Brazil to the Summit of Mount Assim acontece com Bonpland, em 1819, perto da
Roraima. ("'The National Geographic Magazine". Vol. LVIII. cidade de Corrientes e náo muito longe da confluencia
N.9 5. November, 1930).
do Paraná e do Paraguai. Depois é D'Orbigny, ainda
WALLACE ( Alfred Russel) - Palm -T rees of the Amazon. Lon...
don, 1853. . : um frances, que, em 1828, a assinala em local· próximo.
WALLACE ( Alfred Russel) - Travels on the Amazon and Rio Segue-se o alemáo Poeppig, já agora em território brasi-
Negro. London, 1895. leiro, quase a foz do Tefé, quando, vindo do Peru, descia
pelo Amazonas, em 1832. Cinco anos mais tarde, Ro-
berto Schomburgk defronta-a no rio Berbice e dá-se
por bem pago de quanto sofrera até ali, ao devassar o
interior da Guiana Inglesa. Todavia, a glória dessa
descoberta, disputada por tantos, caberia de direito,
segundo relata o próprio D'Orbigny, divulgando o que
lhe f ora contado por um missionário espanhol, teste-
munha presencial da cena, ao naturalista Haenke, que,
l em 1801, no Mamoré, caíra de joelhos no fundo da ca-
noinha em que ambos viajavam, para agradecer a Di-
vina Providencia a cria~áo maravilhosa que os seus
olhos viam: a Vitória-régia.
Havia motivo para isto. Tudo naquela planta era
extraordinário.
39
-40 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 41
,.
Folhas enormes, com quase dois metros de diametro, Diga-se, poré111, que é quase certo náo haver urna
ehatas, r edondas,_mas de bordas erectas, boiavam sobre fu1ica espécie dessa Ninfeácea. D'Orbigny, que a viu
a água como grandes bandejas de esmalte verde. Se i1ao só no río Paraná, mas também no Mamoré, achou
voltadas de horco, essas. mesmas f olhas, de um vermelho diferentes as duas plantas. A primeira teria as folhas
acobreado e polido, coro a cordoalha das nervuras a mais rasas, de bordas mais arredondadas, sem nada das
mostra, tinharn qualquer coisa de i)eQas i11etálicas intei- inargens direitas e altas da segunda. Se assim é, o
ri~as, recérn-saídas de urna fornalha. Flores troncht1- General Cruz, da Argentina ou do Paraguai, a quemo
das, que n1ais se diriarn rosas imensas, corn pétalas de naturalista quis hon1enagear com a sua Victoria Oru-
sete polegadas, brancas ao nascer, róseas dépois, rnais- . zianci, continuaria a ombrear, ao menos no terreno da
tarde já carrninadas, e trescalando un1 perfun1e intenso, Botanica, corn a soberana inglesa. Mas Martius vai
\ mistura de muitos cheiros: melao, abacaxi, anona ... inais longe e aponta ·urna terceira espécie: a Victoria
Sobre as folhas passeava111 elegantes pia~ocas. Besou- amazonica, de Planchon. · Esta, por sua vez, teria menos
... ros adoidados revoluteavam sobre as ·flores. Os botoes acúleos do que aquela descrita por Lindley. O assunto,
t nao causavam menor espanto. Eram descomunais, entretanto, ainda nao está de todo esclarecido, sobretudo
duros, piriformes, coro espinhos por. toda parte.
porque a Vitória nao é planta de herbário cujo material
Mas tudo isto havia de ser contado ·pelos outros. possa ser conservado c<;>m facilidade e calmamente es-
Haenke. morreu pouco depois, tragado por um daqueles tudado entre as quatro paredes de um laboratório.
mesmos rios em que as lindas flo.res se expandiam, e Todavia, tal foi o interesse despertado no mundo
estas, ainda por alguns anos, continuaram a vive.r igno-
científico pelo conhecimento de tao extraordinária
radas, no silencio das suas lagoas..
planta que, já em 1846, gra<_;as aos esfor<_;os de Bridges,
l Nem mesmo um nome lhe haviam dado. Contenta-
sementes foram levadas para a Inglaterra, e, entre cui-
vam-se com alguns apélidos. Irupe chamavam-na os
dados extremos e dispendiosos, nao tardou muito que
guaranis do Prata. Uapé-agu, uapé-iapuna, iapuna-
os ingleses f ormassem fila para ver, nas amplas estufas
caá, os tupis da Amazonia. O caboclo que, quando mui- de un1 horto em Chastsworth, as lindas flores que aca-
to, traduz o que os aborígines lhe ensinam, falava, en- bavam de se abrir. Poucos anos depois, nos Esta~os
tao, em forno-de-jaganá, forno-de-jacaré e forno-d'água. U nidos, os visitantes de um parque nas proximidades
Na verdade, para alguns os seus botoes florais tero o de Filadélfia se embeveciam diante do mesmo quadro.
aspecto de um forno e para outros as suas f olhas náo Foi devido a esses exemplares que a planta pode ser
deixam de recordar as grandes panelas de barro em que melhor conhecida. Paxton verificou, entao, que as suas
as índias fazem os seus beijus. f olhas, quando em pleno desenvolvimento, do amanhe-
Mas nao tardou que lhe chovessem os nomes pom- cer ao por do sol, aumentam oito polegadas de diametro
posos. E assim ela foi sucessivamente a Euryale ama- ou seja mais de meia polegada por hora. Um cresci-
zonica de Poeppig, a N ymphaea . victoria de Schom- mento quase a olhos vistos. Certificou-se também de
burgk, a Victoria Oruziaria de D'Orbigny, até que Lin- que as ja~anas e outras aves paludícolas que, no seu
dley, em 1837, criando-lhe um gei1ero a parte, e ~edi­ habitat natural, lhe passeiam sobre as folhas, sao um
eando-a a rainha da Inglaterra, a crisma3se definitiva- verdadeiro "peso-pluma" diante das extraordinárias
mente de Victoria-reg1:a. provas de resistencia a que f oi submetida em Londres.

..
42 Gastáo Cruls
"
Desde que o peso f osse bem distribuído, o limbo de
urna grande f olha suportava, sem qualquer dano, um
homem de estatura mediana. .
Outra peculiaridade curiosa da Vitória-régia é o
aproveitamento das suas sementes pelos indígenas que
delas extraem urna farinha branca e saborosa. Essas
sementes, escuras, arredondadas, lembrando grandes
ervilhas, estáo contidas numa cápsula esférica, que é do
tamanho da cabe~a de urna crian~a. Da fécula alimen-
tar é que há de ter vindo o. nome de maís del agua que a
planta dáo os espanhóis, tradu.zindo o abati-uaupé dos
'
L
aborígines. Conta D'Orbigny que as senhoras de Cor-
rientes náo queriam outro ingrediente para o preparo
l dos seus bolos mais finos. Hoehne f ala também no
1 aproveitamento alimentar das suas batatas ou carás.
A Vitória-régia é planta anual. A medida que
' secam os alagadi~os, ela também deperece; ·mas as suas
sementes, imersas no fundo lamacento, entram logo a
germinar, táo depressa voltam as águas.
Refira-se aquí que se hoje podemos ter ao alcance
l dos olhos, durante os meses de veráo, quer no horto do
Museu Nacional, quer no J ardim Botanico, belos exem-
plares da nossa Ninfeácea, isso se deve a iniciativa de
Hoehne.
Foi o ilustre bot~nico patrício que, em 1910, trouxe
de Mato Grosso algumas das suas sementes, logrando,
assim, o que, anteriormente, já f ora tentado, mas com
pouco exito, por Barbosa Rodrigues.
Essa "Rainha das Aquáticas" foi assinalada nas
bacías do Prata (Victoria O~uzianaf) e do Amazonas
(Victoria-regiaf), mas náo parece encontradi~a nos
tributários do Pacífico, talvez ríos de maior correnteza
PRANCHA I - Em cima, um aspecto da Vitória-régia, tal como
se apresenta no seu habitat natural; embaixo, urna flor e um botiio.
A primeira chega a alcan~r trinta centímetros de diAmetro,
e o segundo pode ter quinze centímetros da base do cállce ao ex-
tremo da$ sépalas.
PR. 1
Gastáo Cruls

e menos propícios a f orma~ao das lago as e r emansos


em que t_anto se apraz a planta.

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tapete de rosas". 1Ias esses sao espetáculos que só
ocorren1 durante os ineses de estiagem, quando escas-
seian1 as ágnas e o pedregal já está quase a mostra.
Para tais pontos acodem entao os pacus, e é aí ql1e os
índios os ve1n flechar. Na opiniao de alguns, o peixe
t.eria nessas Podostemonáceas o seu alimento preferido,
tanto assim que os pretos do Maroni chamam a planta
cunia1 "tt 1iian·ia (comida de cumar11), un1a vez que por
Clnnarn é conhecido na Guiana Francesa o nosso deli-
cioso Caracinídeo. Outros quere1n que o pacll procure
apenas as pedras para, de nadadeiras apoiadas a vege-
ta~ao qne as reveste, resistir ao ín1peto das águas, nu-
ma arrojada trajetória ao arrepio da corrente.
45
46 Gastao Cruls

Ricas de cóncreºoes silicosas, essas Podostemoná-


ceas, se apetecem mesmo aos pacus, o que é ainda
duvidoso, nada teriam de agradável ao paladar humano.
Contudo, parece que os índios delas se aproveitam, con-
seguindo, após incineraºªº desse caruru, cuaruru ou
caruré, .como a aludida planta designa1n vulgarn1ente
na Amazonia, um pó de sabor amargo, que lhes supre
de algum modo a falta do nosso sal.
Mas nao é a essas Podostemonáceas, entre as quais
deveni preponderar as do genero Lacis, a que nos que-
remos particularmente referir. Outra, e ainda n1ais
bela, desperta a aten<1áo dos viajantes que se aventuram
pelo alto dos rios. Trata-se da Mourera fluviatilis, ua-
pé ou mururé-das-cachoeiras dos nossos caboclos, cujas
hastes florais irrompem misteriosamente das águas,
t como lindas plumas de um róseo c~tinoso. Misteriosa-
mente, porque, do resto da planta, inteiramente sub-
mersa, nada mais se ve, muito embora as suas folhas,
grossas, carnosas, de bordas crespas e recortadas, sejam
enormes; chegando a alcan<1ar até um metro de compri-
mento. Pelo capricho do seu contorno, já houve quem as
comparasse as folhas do aca11to, mas nós que as tive-
mos entre as máos, numa imagem, talvez prosaica, em-
bora mais ao nosso alcance, .preferimos aproxirilá-las,
sobretudo pelo seu intenso colorido verde, das f olhas de
qualquer alface ou chicória, de gigantescas proporc;oes.
Será sem dúvida devido a esse táo vultoso porte, que a
Mourera fluviatilis, ao contrário das suas irmas que nao
temem o embate das cachoeiras, gosta de. viver nos
remansos de águas trai<1oeiramente mortas e represadas,
que antecedem as grandes pancadas e corredeiras. Plan-
ta que nem mesmo na Amazonia deixa de ser rara, para
a confecc;ao da estampa II, que a representa, o artista
precisou aproveitar-se de urna cromolitogravura inserta
PRANCHA II - Em cima, pendóes florais da M ourera fluviatilis,
surdlndo a flor das· águas; embalxo, um detalhe da mesma planta,
em que se véem as suas grandes folhas, sempre submersas.
PR. 11
1
48 Gastáo Cruls
" em trabalho de J. Huber e de um desenho da obra clás-
sica de Aublet, que aliás f Ói quem primeiro a descre-
veu.
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GUARANÁ
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the Roraima Expedition of 1884. (Separata sem indica~ao de- uaraná ou guaraná e apresentava-se sob a forma de
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Tapajós. ( "Boletim do Museu Goeldi". Tomo VII. Pará,. dura, era f eita exclusivamente .com as sementes de tima
1910). planta, tam:bém conhecida por guaraná, após diversas
manipula~oes, a que mais abaixo nos referiremos.
Há divergencias quanto ao significado da palavra
guaraná. · Segundo Barbosa Rodrigues, ela qµereria
dizer bebida dos parentes. Roquette-Pinto pensa que
se trata de termo composto de guabirá, Mirtácea do ge-
nero Eugenia, e rana, que significa igual, semelhante.
Bernegg acha que a sílaba gua, iniciadora de muitas
palavras, exprime, entre outras coisas, pau, tronco, ma-
deira. Assinl, associada a.· palavra ra1ia, teríamos:
igual ao tronco, parecido como pau.
Se sao muitas as manipulaºoes sofridas pelo pro-
duto até que esteja em condi~oes de ser dado ao con-
sumo, nada mais simples que preparar a bebida, a que·
logo muita gente se habituou; passando a a~otá-la como .
49
50 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 51

sncedaneo do café ou do mate, usado en1 ot1tras regióes Logo ao alvorecer do século passadó, Humboldt e
do Brasil. Bonpland assinalaram um outro habitat da mesma plan-
Ka Yerdade, se estes {1lti111os exigen1 a infusáo en1 ta, também bastante limitado, mas já agora em território
ágna f erYente, o gnaraná, pequ.ena quantidade de pó. venezuelano, na bacia do Orinoco, em zona confinante
t ( nn1a colher das de chá), raspado no ino1nento eril qt1e como nosso alto rio Negro, .por onde também se dissen1i-
Yai ser ingerido de 11111 daqueles cilindros a qt1e já alt1- nava, mas escassamente, o guaranazeiro. .Aliás, deve-se
dünos, contenta-se de ser n1isturado e posto en1 st1s- a esses dois cientistas a primeira descrigao do vegetal,
pensáo 1111111 copinho de água ( 50 c1n3 ) fresca e a<}u~a­ classificado na· familia das Sapindáceas, e a que deram
rada. o nome de Paullinia cupana, aproveitando para a for-
Para . a obten~ao de nn1 pó ben1 te11ue, generalizot1- ma~ao desse nome a palavra cupana, pela qual o cipó e
se O llSO de aproYeitar, a .111aneira de groSa Oll li1na, e o seu produto eram conhecidos na Venezuela.
C0111 a Yantage111 de na.O ser atacada, C01110 estas, pelo Uns vinte anos· mais tarde, Martius, durante a sua
tanino cont.ido no produto, o osso lingual do peixe pira- viagem pelo Amazonas, também teve ensejo de dedicar
rucn, cuja face s111)erior, extren1an1ente rt1gosa, faz aten<}ao ao guaranazeiro, e ignorando a descoberta da-
as yezes de n1ag11ífico ralador. Ta111bém para fugir a queles sábios, crismou-o de Paullinia sorbilis. Escla-
con1bi11acao do tanino con1 o ferro das ligas i11etálicas, recido, porém, da prioridade de tais estudos, Martius
·,,todo bon; bebedor de guaraná 11ao se separa da sua co- nao teve dúvida em voltar ~trás e assim a planta apa-
lher de prata pura. rece na sua FLORA com o nome de P aullinia cupan.a,
Silva Coutinl10, qt1e esteve entre os ~{aués en1 ineado sob o qual se generalizou depois o seu conhecimento.
do século passado, diz qt1e os índios designavam a bebi- Á falta de um confronto entre o material botanico
r das duas proveniencias, por aquela época, . e, aliás, até
da con1 u111a ex1)ressao qt1e significava ágitct bran,ca,
talYez porqt1e a ágt1a, adicio11ada de gt1araná, se torna bem pouco, sempre se supos que fossem perfeitamente
turYa, ligeiran1ente leitosa; e t1savan1 con10 ralador, identicas as plantas dos territórios brasileiro e venezue-
})ara a obtenQáo do pó, de un1a })edra ( conglon1erado), lano. Recentemente, porém, estudos de Adolpho Du-
con1 a superfície incrustada de fragn1entos de quartzo. cke vieram demonstrar que os guaranazeiros das bacias
X1n1es Pereira, qt1e há })OUcos anos Yisitot1 a i11esn1a tri- do Am.azonas e do Orinoco devem ser separados em dt1as
ho i1a regiáo do alto A11dirá, inforn1a qt1e ali a bebida variedades ou subespécies bem definidas. Assim, no
t. é ~onhec.ida por sapó e que os selvage11s ainda 11oje atri- vale ·do Orinoco teremos a Paullinia cupana H. B. K.,
tan1 os bastóes de encontro a t1ma pedra de grao n1t1ito var. typica, e na hacia do Amazonas, a Paullinia cupan,a
filio. var. ~orbilis (~art.) Ducke, nov. var.
Por 111t1ito te111po o guaraná foi do fabrico exclt1siYo A P aullinia cupana typica distingue-se da sua irma
dos índios, e índios de u1na zona bastante restrita, pois pelos seguintes caracteres: quando jovem, os seus f olío-
que o o·uaranazeiro é pla11ta n1t1ito capricl1osa, pedi11clo los sao mais lobados; possui. flores e frutos maiores;
solo se6o e arenoso e e1n toda a Hiléia brasileira só lhe estes últimos, que chegam a ter o dobro e o triplo do ta-
ten1 sido apontada até agora t1ma única pátria, a regiao ~a~ho da variedade amazonica, sao pronunciadamente
ocidental do Tapajós, até a bacia do ~1adeira, regiao a p1:r1formes, e de um vermelho escuro e menos brilhante.
que Aires do Casal chan1ou ~{undnrncania, pois q11e Acresce que a planta é destituída de gavinhas, sempre
ali, ontrora, don1inou a poderosa na<lao ~fundurucu. presentes na Paullinia sorbilis. ·
52 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 53
"
O guaranazeiro é um arbusto sarn1entoso, cujas se de julho a setembro e a apanha do'J frutos, de prefe-
ran1as, de folhas grandes, ásperas e recortadas, grimpam r encia feita antes do pleno sazonamento, se realiza entre
pelos troncos próximos, chegando, por vezes, a alturas os meses de outubro e dezembro. Há vantagem na poda
de dez n1etros. ~1:as destarte, quando em plena liber- anual do guaranazeiro e deve-se mantero espago de cin-
t dade e vivendo como trepadeira, frutifica muito menos. co n1etros ein quadro nas plantaQoes.
Daí o n1otivo por que sempre se prefere plantá-lo em Além das duas subespécies já referidas e que estáo
terreno limpo e onde, quando muito, tenha apoio em hoje melhor estudadas, parece haver outras variedades
estacas ou jiraus. afins, mas que dao produtos de qualidade inferior, como
Na época da f rutificagao, carregado dos set1s ca- o guaranarana ou falso guaraná, de frutos miúdos e
chos vermelhos, o guaranazeiro é bastante ornamental. n1uito amargos, revestidos de pelos. Menciona-se tam-
·I Náo fosse a sua deiscencia, que aliás lhe aumenta a bém o Y occo, da Colombia, ou Paullinia scarlatina dos
beleza, i)ois que entao se pode ver, entre os septos rubros, botanicos.
a polpa branca e polida, coro uma grande pinta negra .. Todavía, mesmo entre as plantas que medram es-
ao centro, que envolve a semente .l- e o fruto da Paul- pontaneamente e sao hoje cultivadas no baixo Amazo..
linia sorbilis, pelo formato e tamanho, lembraria uma nas, há quem diferencie certos. tipos entre a Paullinia
das nossas tao conhecidas pitangas. sor bilis, de acordo com o f eitio e tamanho dos seus fru-
As sementes, comparáveis a pequenas avelás, sao tos, como o guaraná-pera, o guaraná-boto (grande) e o
revestidas de abundante arilo encarnado, facilmente des- guaran,aí ( pequeno).
tacável, e do qual, após secagem, os índios extraem rica
1natéria corante, amarelo-avermelhada, de .que se ser- E agora, que já conhecemos a planta, voltemos a
l falar do seu afamado produto, ou melhor, das várias
ven1 para tingir os dentes. manipulaQoes até que se consiga o chamado pao de
Em cada fruto há duas ou tres lojas, cada urna com ,
guar ana. .
duas ou tres ·sen1entes, mas quase sempre apenas urna Colhidos e descascados os frutos, despojam-se as
delas chega a pleno desenvolvimento. sen1entes da polpa branca que as envolve, de sabor doce
o guara11azeiro, cujas flores sao brancas, pequenas, ~ que pode ser comida. Esta operaQao, a que denomi-
sen1 beleza e sem perfume, comega a produzir entre os 1am tirar a remela do guaraná, faz-se geralmente com.
dois e tres anos, embora só alcance o seu·apogeu após os ) auxílio de água, dentro de cochos de madeira, e é taref2
cinco anos de idade. U ma planta pode durar de trinta quase sempre confiadá as .mulheres. Ainda que um
a qua renta anos e fornecer, em cada safra, de acordo pouco suja, parece-nos feliz aquela expressao, porque
con1 sua pujanga, até tres quilos e mais de sementes, a semente, quando revestida do seu induto branco com
t 111as isso é produgao excepcional. Em média, deve-se a tal pinta negra ao centro, nao deixa de lembrar um
contar com a colheita de um quilo por pé. olho, e esta semelhan<;a serviu mesmo de principal mo-
J á se verificou que a Paullinia tem desenvolvimen- tivo a bela lenda, colhida entre. os Maués, por Silva
to muito mais rápido quando multiplicada por estacas Coutinho, ~ respeito da origem do guaraná.
ot1 pelo aproveita1nento dos f ilhos ou rebentos que nas- Mas voltemos ao fabrico da pasta.
cem junto das plantas adultas. Por isso, náo ser quase Limpas as sementes, sao levadas a um forno de
usada a prática das sen1eaduras. A floragao processa- barro, onde sofrem a torragáo a fogo lento, durante
54 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 55

urnas seis horas, até que estejam a ponto de seren1 facil- guaraná. i1reparado i)elos índios ~Iané~, qn~, en1hora.
mente desprovidas, por qualq11er procesBo ( un1 dos de aspecto n1ais grosseiro, 1nal pilado e preferenten1ente
mais rudin1entares é o do bati1nento dentro de sacos conforn1ado em grandes cilindros con1 meio quilo de
ou esteiras), da película fina que as reveste e que nao peso, se ap.resenta quase sen1pre em estado de perfeita
entrará na composi<iao da massa. Só entáo as semen- pureza.. Aliás, de longa <lata, desde qt1e se iniciou o
tes se acham prontas para seren1 socadas e rcduzi<las a cornércio do produto, estabeleceu-se logo a dif eren~a
pó mais ou menos fino, o que se consegue tu;ando gran- entre o guaraná de Luséia ( antigo non1e da atual cidade
des piloes de madeira. Depois, pela adiQáo de urna de ~Iaués) e o guaraná da "terra dos ~Iat1és", i sto é, o
certa quantidade de água, urna quarta parte, que por preparado pelos ín<lios, e que era o mais valorizado.
vezes já vai sendo reunida durante a própria pilaQao, Por outro lado, a confecQao dos cilindros ou bas-
obtém-se urna pasta elástica e consistente, com a qual tocs requer ccrta hahilidade, do contrário a n1assa se
serao feitos os paes. . apresenta fistulada ou vacuolada 110 interior. Esse
~
1 •

Estes, cujo tamanho é bastante variável e podc1n guaraná, ta111bé1n de quali<lade inferior, é chan1a<lo·
1
pesar de cem a trezento.s gramas, depois de 1nodcla<los poca, e ·o caboclo o reconhece facihnente pelo son1 q11e se
pelo padeiro, passan1 a urna estufa (os índios usam pa- ohtén1 ao ha ter tu11 pao de encontro a outro. ·uma yez
lhoQa.s feitas com talas de paxiúba) com compartimentos consolidado, o guaraná tcn1 <luraQao indefinida, o ines-
sucessivos, onde sofrem lento proccsso de secagem e dc- 1110 nao acontccen<lo com o seu pó, de fácil f ern1entaQao.
fumaQáo pelo espaQO de vinte a trinta dias. A opera- .Já dissen1os que desde que se tornou conhecido
Qao pode-se realizar também ao sol, independente dos entre os civilizados, nao tardou que o guaraná con1egasse
f umeiros. Conhece-se que o pao está bem cozido quan- a ter procura, nao só na sua zo11a de produgao, con10
do se mostra corado, quando adquire urna colora<_;ao ain<la nas províncias i11ais Oll inenos i)róxin1as, con10
escura, achocolatada. Esta <leve ser apenas externa e )lato Grosso, Goiás, l\Iaranhao, Piauí e 11inas. Diz-se
1nesn10 ter sido esta droga que ince11tiYou o i)rin1eiro
o pao é tanto n1elhor quanto mais claro no sc11 interior.
(~ontércio entre l\Iato Grosso e Pará, através do Ta11a-
Há certa importancia na cscolha <la madcira a ser .iós. DaJi, desde 1750, <lcsciam canoas carregadas de
quein1ada durante o ten1po en1 q11e os pacs pern1aneccn1 conro e ot1tros gencros, que era1n vendidos en1 Serpa e
nos fumeiros e, para isso, scgúndo Paulo Carneiro, os 'Tila Bela da I1nperatriz (hoje, Tespectivan1ente, Itacoa-
índios gostam n1uito das essencias resinosas ·e aromáti- tiara e Parintins) e que, depois, de regresso, passavan1
cas, como o pa11 do muruxi. por !fat1és, onde se atestavam de muitas arrobas de
O guaraná puro, conforme o preparan1 os silvíco- guaraná. O uso do produto difun<lit1-se ta1nbén1 por
las, deve ser exclusivamente, feito com as sementes da larga faixa do território boliviano, desde as n1arge11s do
planta. Nao raro, porém, lhes acrescentan1 outros in- alto Paraguai e do ~Iadeira, at_é as vertentes .orientais
gredientes, con10 farinha de mandioca (para lhe que- dos Andes, dando curso a outras n1on~6es que afro11-
brar u1n pouco o an1argor natural); sementes de -c acau tavan1 as cachoeiras <leste últirno rio e vinl1an1 i1egocia1·
e casca de quina, esta últin1a visando reforQar o poder co111 os índios, para de1)ois espalhar o guaraná pelos
antifebril, que lhe e1nprestam. departamentos <lo Beni, Santa Cruz de la Sierra e
~Ias isso sao artifícios de que lan~a mao o civili- Cochaban1ba, e tan1bém, em território nacional, nos
zado. Daí a alta cotaQao que ainda hoje desfruta o vilarejos ribeirinhos do Guaporé e seus afluentes.

'
56 Gastáo Cruls
Hiléia Amazónica 57
Liebig, citado por Paulo Carneiro, faz a judiciosa
Sabido que os índios da Amazonia nao se funitam
observaQáo que o homem, desde os tempos. mais remo- ao uso das sementes da planta, mas também lhe apro-
tos, sempre experimentou um natural pendor por certo veita1n as flores com que, depois de queimadas, faze1n o
genero de alimentos, de natureza vegetal e comprovada guaraná-puti1-ci ou gucirariá-flor, e ainda bebem o infuso
ªºªº estimulante, nos quais se verificou depois a exis- de f olhas e raízes, Paulo Carneiro foi levado ao estudo
tencia da cafeína. Assim aconteceu com · o café na das várias partes da planta e chegou a conclusoes in-
África e o chá no Oriente, para só citar os que lograram teressantíssimas. Assim, verificou o ilustre quúnico
fama mundial. Ora, o nosso guaraná, ao lado do ca- patrício que todos os órgaos adultos da Paullinia contem
cau e do mate, também americanos, está justamente cafeína em maior ou menor quantidade, e, fato impor-
nesse grupo, e por isso nao é de espantar que, urna vez tante e só entao apurado, que as suas flores, folhas e
conhecido, visse cada vez ·m ais ampliada a área do seu casca do caule, sao também riquíssimas ero teobromina,
consumo. Além do mais, o produto da nossa Paullinia . no que superam o cacau e a noz de cola, as duas únicas
nao se recomendava apenas pela sua ªºªºtúnico-nervina. plantas em que até entao tinha sido apontada essa subs-
tancia.
A crendice popular emprestou-lhe foros de verdadeira
Explica-se assim, pelo seu alto valor alimentar e
panacéia, com virtudes eupépticas, febrífugas, antidiar-
f armaceutico, a procura que vem tendo o guaraná, já
réicas, antinevrálgicas e até afrodisíacas. con1 bons mercados no estrangeiro, tanto na Europa
Hoje, entretanto, que o produto está bem estudado, como na América, e cujo cultivo, sempre crescente, é
sobretudo ·depois das exaustivas análises de Paulo Car- hoje urna das boas fontes de riqueza da Amazonia.
neiro, conhece-se a sua aQao fisiológica e sabe-se que Diga-se que os seus dois principais focos de produºªº
principalmente a c~feína e ªº tanino se lhe podem im- ficam nos municípios de ~{aués e Barreirinha, no Esta-
putar determinados efeitos medicamentosos. do do A1nazonas-.t e que o produto nao se exporta apenas
De início, pensou-se que o princípio ativo do gua- con10., paes, n1as ainda ero ra1na, isto é, as sementes ero
raná fosse a guaraína, un1a substancia branca, cristali- bruto, antes de sofrerem qualquer n1anipulaQáo. ~fas
zada, amarga, que dela f oi isolada, em 1826, por Theo- convén1 notar qtré, utilizando-se apenas as sementes,
dor Martius; mas anos mais tarde verifico u-se que esta até agora ·a inda náo foi aproveitada a outra riqueza
era em tudo igual a cafeína. da planta: o seu alto teor em teobromina. Ero Maués,
A pasta do guaraná, quando pura, é dentre os pro- há ainda urna pequena indústria de objetos artísticos,
dutos conhecidos, aquele que se apresenta mais rico em en1 que animais indígenas sao moldados na massa de .
cafeína, chegando a conter quase 5ro do princípio ativo. guaraná. Os indivíduos que ·se dedicam a esse trabalho
Apesar disso, porém, em dose eqüivalente, ela tem ªºªº
menos excitante do que o café, o chá e o mate, porque
sao chan1ados f igureiros.
Na regiao sul-venezuelana, o guaraná nunca foi ob-
ao contrário destes, que, quando ingeridos, já levam a jeto de comércio. Allás, ali, nunca se chegou ao fabrico
cafeína em dissoluºáo, o guaraná, apenas em suspensao da pasta seca, e1n cilindros ou páes. As populaºoes
na água, só comeºª a ser dissolvido no organismo e, locais limitam-se a preparar urna massa feita da mis-
destarte, a sua absorºªº se faz muito lenta e gradativa- tura de sementes raladas e farinha de mandioca, que
mente. é posta a fermentar dentro de folhas de bananeira ou
paln1eira.
Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 59
58

E ssa massa, de cor amarelada e consistencia variá- · co?d~na:va. o povo a eterna desventt1ra. Urna descarga
vel, conforme tenha sido ou nao exposta ao· sol para se- eletr1ca .v~10 _suspender a la1nenta<;ao, e sucedeu-lhe pro-
car, depois é diluída na água, no momento em que vai fu~do s1lenc10. ,A ~11ae do 111enino ton1ou a palavra, e
a s~1n1 falot1 aos indios estupefatos : Tupa, sen11)re boro,
ser consumida.
ve10 consolar-nos nesta grande afli~a o, reparando a dor
.E agora, para terminar, aproveitando as próprias que acaban1os de sofrer. l\leu filho r essuscitar á sob a
palavras de Silva Coutinho, translademos para aqui a forn1a de mna árvore, que há de constituir o n.osso ali-
comovente história com que os índios Maués explicam a n1ento e 11niao, curando-nos tan1bén1 tódos os 111ales do
origem do guaraná: corpo..: ~las . é pre~iso que seus olhos sej an1 plantados.
"Na prin1itiva aldeia, havia um casal notável pelas Eu nao i)osso exerc1tar essa operagao; fazei-a vós, como
virtudes. Refúgio dos infelizes, era a sua chou pana ordena Tupa. Tais palaYras l)l'Oduziran1 o·rande i1n-
como a f onte onde .se ia buscar a consolaQao. De tao 1)ressáo. Ningué1n se resolvía a arrancar ~s olhos do
bons pais saiu um filho ainda melhor. Já aos·seis anos nlenino, sendo i)reciso recorrer-se a sorte como decídi-
. ve1hos.
ram os ina1s '
o menino f azia prodígios tantos, que merecía a adoraQaO
de todos. Chuvas abundantes vinham reverdecer as O lug~r da pla~ta<_;áo ~oi r egado co1n as lágrin1as de
plantas, que definhavam, se ele implorava esse benefí- todos, e ali de sent1nela f icaran1 os n1aior ais da aldeia.
cio; como anjo da paz, fazia cessar as desaven~as, e No f in1 de alguns dias brotou o guar anazeiro."
mantinha a uniao do povo; muitos doentes foram cura-
dos ao simples contacto da sua mao ; urna auréola de . BIBLIOGRAFIA 1
felicidade sem fim parecia cercá-Jo, transmitindo-se a
todos que se aproximavam. Tanta ventura porém cau- ANDRADE (Prof. Alfredo Antonio de) ..- E studos das Matérias
·sa inveja ao anjo mau (Jurupari), que protestou ani- Corantcs de Origem Vegetal, em U so entre os Indios do Brasil
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do povo impediu que .ele realizasse tao negro projeto; AzAM (Joseph E.) ..- O Guaraná. ( "Boletim da Uniao Pan-
mas um dia, por fatalidade, o bom menino, sem ser visto, American.a ". Junho, 1920).
trepotL em urna árvore para colher os frutos; J urupari BE~NEGG (Dr. Andreas Sprecher von) ..- Tropische und sub-
aproveitou a ocasiao, e transformando-se em cobra
.
lanQa-se ao pesco<;o do menino, matando-o imediata-
' tropische Welwirtschaftspflanzen. III Teil. 2 Band. Stut'tgart
1934. . '
mente. Pouco tardou que nao fosse apercebida a falta, CARNEIRO (Paulo E. de Berredo) ..- Le Guarana et Paullinia
e prestes correu a notícia, pondo a tribo em movimento. cupana H. B. & K. Contribution a l'étude des plantes a ca-
Freneticamente foram devassados todos os recantos en- féine. París, 1931.
contrando-se finalmente o corpo ·da crianQa de ~lhos Co uTINHO (J. M. da Silva) ..- N oticia sobre o Uaraná. Rio de
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abertos e semblante tao. sereno que pare~ia rir-se para
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quem a contemplava. Ma.s pouco duroli a ilusáo; dissi- 1O. Ano III, 1937).
pou-se o último lampejo e a verdade foi como um raio
q11e fulminou a tribo. A esperanc;;a fugiu de todos os 1. Além do valioso subsidio que lhe prestou esta bibliografia,
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da f elicidade geral. Era um castigo tremendo, .que uma visita que fez a cidade de Maués, em fins de 1938.
60 Gastáo Cruls
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de Agricultura. Propaganda Agrícola. XII. Rio de J aneiro,
Imprensa Nacional. 1912. ·
SouzA ( Conego Francisco Bernardino de) - Lembranfas e
Curiosidades do Amazonas. Pará, 1873.

PRANCHA III - De cima para baixo:


1) uro ramo da Paullinia cupana. var. sorbilis, em pleno perío-
do de frutifica~ao, e quando ostenta uro aspecto francamen-
te ornamental;
2) frutos ero que o do centro se mostra aberto ero deiscencia
espontanea;
3) sementes do mesmo fruto, ou gu~raná propriamente dito,
antes de serem torradas e socadas para a conf~o da massa;
4) a língua do pirarucu, muito usada para ralar o páo e conse-
guir o p6 coro que se faz a bebida;
5) a massa do guaraná, quando já consolidada. O bastao é do
tipo preparado pelos. indios, de confec~o grosseira e semen-
tes mal piladas, mas ainda considerado o melhor.
Sao cilindros que pesam aproximadamente 500g e tém um com-
primento de 25cm. O que aparece na nossa gravura, com a sua es-
pessura norm~l, foi partido para que se lhe notasse a ~ontextura
interior. PR. 111
Hiléia Amazónica 63

verticalidade das atitudes. Nao fazem como as jacitaras


que, na ansia de atingir OS visos mais altos1--Se tornam
escandentes e passam a competir coro os mais rastejan-
tes cipós, ainda que bastante agressivas, de t~l modo se
p AL1\1EIRAS
·. mostram eri<;adas de acúleos.
Urnas... E valerá ainda enumerar~ Sao tantas
e tao diversas. U1nas temo tronco liso e polido, ou ain-
E AC01'1PANHÁSSEMOS Lineu quando dizque i) homem da rugoso, ou ainda espinhento, ou mesmo revestido de
S nasceu entre palmeiras e é essencialmente palmívo-
ro, nao tería1nos dúvida em fazer da Amazonia o
ber<_;o da humanidade. E isto porql1e das mil e muitas
cerdas vigorosas, a medida que lhes caém as f olhas.
Nas pia<_;avas, urna basta cabeleira de fios grossof? e
compridos descerá do pecíolo de cada f olha, e é nisso
plantas dessa família que estao hoje conhecidas, mais que está a sua principal riqueza.
·d a inetade tem larga representa~áo no grande vale e, Quanto a flores, bem pouco teríamos a dizer. To-
confor1ne já acentuan1os, empresta-lhe a paisagem ca- das as palmeiras, malgrado o tamanho que em algumas
1~áter todo especial~ assu1r1e a inflorescencia, sao inuito discretas deste ponto
Un1as tem porte vultoso e, de estípite grosso e li- de vista. A presentam flores pequenas e quase sem ne-
nheiro, levam o capitel até. quinze e vinte metros de nhum relevo, branco-amareladas ou verdes. 1,)ir-se-ia
altura como acontece com ·a ·p upunheira e a inajá. até que, por muito confiantes na esbelteza do seu porte
·Ot1tras' sao acaules e com a -sua fronde aberta logo a' e na el'egancia das suas linhas, despreza1~iam outras gar-
flor da terra, como f azem as curuás, reéordam garbosos ridices e atavios. Mas nao será este o caso; ou, ao
.cocares indígenas. Estas sao esbeltas e delicadas, como contrário, trata-se apenas de urna falsa modéstia, pois
a piririma ou a 111arajaí; aquelas tem o tronco descon- dessas mesmas · flores, assim miúdas, assim singelas;
f orine como a paxiúba-barriguda, ou ramificado como exala-se, por vezes, ó mais inebriante perfume. . E é
a jauari, ou descansando sobre uro p~dest~l de raízes isto o que sucede co1n as caranás, do rio Negro, que, em
adventícias, como a caiaué e ainda as I riartea. Da certa época do ano, mesn10 con1pletamente ignoradas,
estao revelando a sua presenc;a. .
i11aioria, as palmas serao pinadas e, de poucas, mas das E i1em l)Odia ser de ot1tro 111odo. Con10 fl,lg1r aos
mais belas, con10 a miriti, flabeliformes. · Haverá i1nperativos do sexo~ Co1no atrair os insetos que lhes
algumas de folhas enormes, como a jupati, ou inteiriºas, vao garantir a continuidade da espécie ~ Barbosa Ro-
con10 a úaua<_;u, para contrabalan<_;ar co~ os numerosos drigues, que tao b~m lhes estudou as núpcias, descreve
·e delicados folíolos da mumbaca, caranaí e tantas ou tras. com que ardor se realiza nelas o ato da fecunda<;ao, coro
Raras serao aquelas coro a sociabilidade ~a .a<;aí e ~a n1aior vi<_;o de colorido nas flores, acréscimo de fr&.~ .
bacabinha, que .se reúnem em greges ou acumulos e sao grancia e eleva~ao de ten1peratura. Em algu1nas, como
tanto inais bonitas quanto dispostas em harmoniosos nas Acroconiia, do pólen, nessas ocasióes, se desprende-
grupos. . . . , . ría 111CSll10 um acentuado cheiro de se111en.
Todavia, nenhuma dessas Jama1s renunc1~ra total- En1 propor~ao ao seu ta1nanl10, sao tan1bém peqt1e-
mente ao traºo que mais lhes dtgnifica a f amília: a nos os frutos das palmeiras, e1nbora q11ase sempre
62 mt1ito numerosos nos cachos em qt1e se apresentam, o
r

64 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 65


..
que faz rendosa a sua colheita, tanto para fins alimen- ossos ~ pás, arpoes, pontas de flecha e outros 11tensílios.
tares como industriais. Alimentares, porque de muitos Dos chifres, variados recipientes. Finaln1ente, mas nao
se aproveitam a polpa ou as amendoas, qlter para seren1 menos importante; da carne tirava o seu principal ali-
• comidas em natureza, quer para delas se conseguir fa- mento.
rinha, bebidas (fermentadas Oll nao) e azeites. In- Pois bem. .O aborígine amazonico encontrava nas
dustriais, porque quase todos contero grande percen- palmeiras que o cercavam quase tudo isto e mais al-
tagem de óleo, nao raro de primeira qualidade. guma coisa. Para o teto e as paredes da maloca, ele
J á tivemos oportunidade de dizer q·ue as palmeiras, tinha as palmas da uauac;u, ubuc;u, caraná, curuá, ubim
nao só pela variedade de espécies, como pela profusao e urna infinidade de outras. Para esteios, cercas, ripas,
de exemplares, sao sobretudo abundantes entre a vege- o caule da jará, da paxiúba, jupati e ac;aí, lembrando
tac;ao da várzea amazónica e, nesta, principalmente no apenas as mais usadas. Para arpoes, lan<;as, arcos e
estuário, onde por todo lado se notam as suas palmas flechas, os rijos troncos da pupunheira ou da paxiúba-
brilhando ao sol ou rugitat).do a virac;ao marítima. E barriguda, bem como para a baste da zarabatana o es-
nada mais fácil de compreender do que essa sua exces- pique oco da paxiubinha. Para os seus inúmeros traba-
siva pululac;ao nes.se ponto. Para aí afluem, carreados lhos de tran<;ado: redes, tipitis, urupemas, paneiros, as
pelas águas do grande rio e dos que lhe sáo tributários, cascas da jacitara, as folhas do tucum, miriti e jauari.
um sem-número de frutos das mais variadas palmeiras. Fibras das melhores e. mais resistentes, eram obtidas de
E a razao é simples. Todos, devido aquela mesma ri- quasé todas, a comec;ar pela pia<;ava, que tem a vanta-
queza em óleo, tem longa capacidade de flutua<;ao e as gem de nao submergir, quando molhada. O espinho da
sementes, bem protegidas e dotadas de forte vitalidade, patauá dava-lhe a seta para o canudo de sopro, co1no o
podem .aguardar por muito tempo o instante favorável da pupunheira servia para as suas tatuagens. Com o
.a gerroina<;3.o, isto é, aquele em que encont~em pouso no tronco alargado da paxiúba-barriguda era fácil impro-
margeado aluvionico ou no tijuco de qualquer ilha. visar urna .canoa; com a raiz espinhenta dessa mesma
Muito menos figuram as palmeiras na grande mata palmeira conseguia-se um ralador. natural; e a espata
de terra firme e ainda muito menos se chegarmos até os da inajá f azia as vezes de berc;o ou banheiro para crian-
campos. Aí, entáo, difícil há de ser que tenhamos dian- c;a. De outra espata, a da ubu<;u, esta fibrosa e como
te dos olhos outro vulto que nao seja o do esbelto miriti se fora tecida em largas malhas, obtinha-se um saco já
- quase o mesmo buriti da nossa flora geral, pois que pronto, .que .e ra aproveitado para muitos misteres,
duas espécies bem ~fins do mesmo genero Maitritia: no principalmente a guarda dos delicados artefatos de plu-
sul a M auritia vinif era, no norte a M auritia flexuosa. mária. As sementes do a<;aí, da jará-ac;u e da caxirana,
bem como a celulose endospérmica da jarina, eram utili-
A palmeira f oi para o nosso índio, sobretudo o da zadas na confecc;ao de colares, pulseiras e outros ador-
Hiléia, o que foi o bisao para o pele-vermelha. Na nos. Por trás do qualquer ponto da floresta onde cres-
América do Norte, do possante bovídeo, que em espessas cesse a jacitara, alastrando por toda parte as suas ra1nas
manadas errava nos campos entre o Missúri e as Mon- farpantes, seria preferentemente construída a maloca,
tanbas Rochosas, o nativo aproveitava tudo. Do couro urna vez que assim já se teria magnífica defesa natural
f azia tendas, roupas, cal<;ado, cofres e casco para piro- aos imprevistos de qualquer ataque. Também urna
gas. Da pele compelo, camas, cobertas e mantas. Dos folha de palmeira espinhenta, fincada ao pé da rede,.
66 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 67

seria um ótimo protetor contra a picada dos morcegos Gumilla, lhe entoara111 verdadeiros hinos. Para Schon1-
sanguissedentos. burgk, é "a mais gloriosa de todas as palmeiras" e, já
E citando tanto, ainda nao falamos en1 nada do que anteriormente, Humboldt, dizendo-a o saguzeiro da .A.111é-
• se conseguia das palmeiras como matéria aliinentar. rica, citava Plínio, pois que ela também fornece vict·zt1n
Pal1nitos de agaí, inajá, miriti, bacaba, uauagu e piriri- et arnicturn.
n1a. Farinha da polpa dos frutos da pupunheira e da Miriti e muriti sao as variantes do seu nome i1a
jará ou do caule do miriti. Frutos que tanto se comiam
Amazonia brasileira. Por ite ou eta é conhecida na
crus ou assados, da jará-agu, marajá, pupunha, muru-
muru, inajá, tucuma, curuá-piranga, iú. Vinhos de agaí, G·uiana Inglesa; por aguaje no Peru; murichi ou rnori-
patauá, bacaba, piagava, inajá, tucum, marajá-agu. che, na Venezuela. ·
.Azeítes de bacaba, tucum, curuá-branco, piririina, jaua- De espique erecto e glabro, coroado a quarentá e
ri, murumuru. Os frutos da jará e da inajá e as in- até cinqüenta metros de altura por um tufo de largas
florescencias da patauá, quando torrados, supriam a f olhas que se dispoem quase a maneira de um leque, é
falta de sal. ·de ·ve-la, onde qlJ,er que se apresente, seja na espessidüo
Para terminar, convém nao esquecer o muito que da mata, seja nos descampados ermos, seja isolada, seja
contribuíram as folhas das palmáceas, sobretudo as de em f amília, dominando sempre pela esbelteza do sell
tipo palmado, para o desenvolviinento da arte. do tran- porte e a agitar no azul do céu as suas grandes ventaro-
gado, com forte projegao ulterior sobre os motivos orna- las f arfalhantes.
1ne11tais, de ordem geométrica, tao em uso na ceramica .Avistá-la de longe, na aridez dos grandes chapa-
e nos adornos indígenas, como haveremos de ver mais does, é tér a certeza da boa aguada, da cabeceira aco-
tarde. lhedora, do olho-d'água_dessedentante, e para ela poderá
dirigir-se pressuroso o esfalfado viajor. E, se ágna
~ÍIRITI nao houvesse pelos arredores, a própria palmeira lhe
daria, na seiva do seu caule, a muis deliciosa das bebi-
Desejando falar ma~s detidamente a respeito de das, um vinho extrem·amente doce, tao doce que, en-
un1a das muitas palmeiras amazonicas, foi deste ponto grossado pela evaporagao, se transforma em mel e este
de vista etn~gráfico que recaiu a nossa escolha sobre o em agúcar e, se fermentado, passa a ter efeitos ebriá-
miriti. ticos. Infelizn1cnte, a obtengao desse licor pede o sacri-
De fato, já pela sua iinensa área de dispersao, fício do altaneiro vegetal. Será preciso derrubá-lo e
sabido que tanto habita a várzea, desde o estuário, como abrir no set1 espique um ou mais covos, nos quais se
povoa os campos e aí viceja, por vezes, como nas faldas acum11lará o líquido apetecido. Para ativar essa exsl1-
dagao, o índio costuma dispor o cat1le de tal modo qt1e,
do Roroima, a mais de mil metros de altj.tude, já por
deitado, mas con1 um calgo numa das extre111idades,
todas as serventias que dela se podem tirar, nenhuma por baixo dele, e e1n toda a sua extensáo, seja possível
o'u tra palmeira da Hiléia será mais útil ao . ameríndio acender um bo111 fogt1inho. Dizem que do seu pedú11-
do que a nossa Mauritia fl exuosa. culo frutífero, o grande cacho em qt1e se apinham cen-
Nao f oi a toa que os espanhóis lhe chamaram árbol tenas das st1as tao bonitas drupas, ainda se conseg11e
de lct vida e que os mais antigos cronistas, como o Padre un1a bebida mais edulcorada.
68 Gastáo Cruls

Mas antes de falarmos no aproveitamento dos seus


frutos, diga-se que o miriti, devido ao desmedido com-
.primento .de seu caule, muitas vezes também é derrubado
para servir de estivado ou ponte .sumária sobre qual-
quer igarapé ou terreno encharcado. Igualmente, se
despojado do seu miolo, desse mesmo estipe se impro-
visará rapidamente urna canoa, capaz de resolver qual-
quer embara<lo de transporte. Todavia, até aquele
miolo é nada por desprezar. Dele se extrai boa fécula
amilácea, espécie de sagu, a ipurana dos nossos ·indíge-
nas, a iaruma dos venezuelanos, que substitui perfeita-
mente a mandioca na confec~ao dos beijus.
Mesmo abatido e deixado ao abandono, o miriti
ainda permite outro recurso alimentar ao aborígine.
No seu tronco se desenvolvem as grandes larvas de um
besouro, o Rhynchophorus palmarum, que, cozidas ou
assadas na brasa, sáo pitéu muito do agrado do paladar
indígena.
Os frutos do miriti, de formato ovóide, com quatro
a seis centímetros de diametro, bastante decorativos,
pois que de cor castanho-avermelhada e com uma casca
dura, lustrosa, como se f ora f eita _d e múltiplas e peque-
ninas escamas bem. imbricadas, tem também grandes
qualidades nutritivas. Da sua polpa se conseguem
vinho; azeite e até farinha e, quando levados a f ermen-
ta<;ao, com eles faz o silVícola, principalTllente na regiao
do rio Negro, um dos seus mais apreciados caxiris.
As sementes também fornecem bom óleo -e o seu albú-
men, extremamente duro, é matéria muito procurada
para adornos.

PRA.NCHA IV - A esquerda, a palmelra miriti; a dlrelta, em


cima, o fruto dessa mesma pe.lmeira e, embalxo, um aturá (cesto),
com tr~s pés, tran~do com folhas alnda da mesma pe.lmeira, pelos
índios Macuxis, do alto rio Branco. .Este cesto, que tem 38cm
de altur:a e 61C:m de diA.metro máximo, está catalogado no Mliseu
Nacional· sob o n! 27 55L PR. IV
70 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 71
"
O pal1nito, embora se111 con1petir con1 o da inajá ou dessas palmeiras e aproveitassem a oportunidade para
do t1auaQu, ainda será ·o utro recurso alimentar tirado realizar os seus casamentos.
dos iniritis.
E agora, digamos um pouco dos muitos e variados Cruzando e recruzando os campos do Cuminá, entre
préstimos coro que tao preciosa palmeira ·facilita a vida u1na paisagem que toda se amesquinhava d?minada pela
do nosso an1eríndio, sobretudo daquele que vive nos soberbia dos miritis, muitas vezes acud1ram-nos aos
campos gerais, onde rareiam as outras palmeiras e sao lábios as belas palavras com que .Afonso Arinos abre
também escassos outros vegetais de valiosa utilizaQáo. o seu poema:
Pelo aproveitamento de suas folhas, ter-se-á mag- "Velha palmeira solitária, test~munha sobre~vente
nífico revestimento para tetos e paredes. Ripas del- do drama da conquista, que de maJestade e de tristura
gadas, para cestos, tupés e jamaxi.s, serao obtidas das ·nao exprimes, venerável eponimo dos campos t" .
bainhas dessas mesmas folhas. Ainda dessas mesmas · E há de ser também pensando nesta mesma palme1-
folhas, se novas, se ainda fechadas, conseguir-se-á urna ra, que diz coro orgulho o llanero da Colombia:
fibra fina, flexível, destinada a urdidura das redes, dos
sacos ou daqueles mosquiteiros que úsavam os Otoma- Sobre el llano, la palma;
ques do Orinoco; ou entáo, se retiradas das f olhas mais Sobre la· palma, el ·cielo;
velhas, já expandidas, urna fibra mais grossa, apropria- Sobre mi caballo, yo;
da a trama dos paneiros, ~rupemas e balaios. Y sobre mí, .mi sombrero.
O forro da base da espáta fornecerá o material coro
que, em alguns minutos, se prepare o par de ·sandálias
indispensável a quem palmilha o pedrfsco contundente BIBLIOGRAFIA
das savanas. BARBOSA RooRIGUES (J.) - Les N oces des Palmiers. Bruxelles
Na regiao do .Araguaia, segundo Couto de Maga- 1903.
lhaes, o n1iriti também serve de sinaleiro entre tribos CoRRÉA ( M. Pio) - Dicionário das Plantas úteis do Brasil. 2
qi1e viven1 .afastadas. Os índios "váo subindo por um vols. Rio de Janeiro, 1925. ..
buriti e amarrando em torno dele, co1n um palmo de FARABEE (William Curtis) - The Central Arawaks. Philadel-
espaQo, faixas de capim verde; descero depois, e ateiam- phia, 1918.
lhes fogo.: a última das faixas comunica-o as out;ras, de GATES (R. Ruggles) - A Botanist in the Amazon Valley. Lon-
modo que a gigantesca palmeira serve de farol, nao só don, 1927.
por ficar toda em brasas, mas também pela elevada HuBER (J.) - Matas e Madeiras Amazónicas. ("Boletim do
coluna de fumaQa que sobe ao céu em forma de espiral." Museu Goeldi". Tomo VI. Belém, · Pará, 1909).
HUMBOLDT (Alexandre de) - Voyage E..ux Régions Equinoxiales
Na Guiana Inglesa, conforme relata Im Thurn, os
du Nouveau Continent. Paris, 1816.
aborígines coro um único pecíolo de miriti fazem enge- IM THURN (Everard F.) - Among the lndians of Guiana. Lon-
nhosa harpa eólia que, exposta ao vento, plange em har- don, 1883.
monias errantes. LAcLETTE (P. P. Horta) - Bibliografía ("Rodriguésia". Ano 111.
Por tudo isso, tratando-se de planta que lhes era N~9 10. Rio de .Janeiro, 1937).
de tanta prestanga, nao admira que os ameríndios re- LE Co1NTE (Paul) - A Amazónia Brasileira. 111 - Arvores e
cebessen1 com grandes festas a época de frutificaQáo Plantas úteis. Belém, Pará, 1934.
72 Gastao C ruls

LE CoINTE ( P aul) - Apontamentos sobre as Sementes Oleagino-


sas, Bálsamos, Resinas, Essencias, Borrachas, Gulas e Bala-
tas. (Publicado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio). 4.¡;i edi~áo, 1931.
MAGALHÁES (General Couto de) - Viagem ao Araguaia. 4.• ÁRVORES DECORATIVAS
edi~ao. Sao Paulo.
RoMOLI ( Kathleen) - Colombia Gateway to S outh America.
New York, 1941.
A.o é sem certa melancolia que ·vemos a maioria das
S cHOMBURGK (Richard) -- Travels in British Guiana. Translated
by W alter E. Roth. Georgetown, 1922.
SPRUCE (Richard) - Notes of a Botanist on the Amazon and the
Andes. Loridon, 1908.
N nossas xuas continuarem a ser arborizadas com
plátanos, grevílias, figueiras e oitis, os indefectí-
veis oitis de que até Manaus nao se livrou e que, .quando
11
THÉVENIN (René) et CozE (Paul) -- Moeurs et Histoire des lá estivemos em fins de· 1938, todos eles, com troncos
Peaux-Rouges. Paris, 1928. recentemente caiados de branco, aparentavam trazer
WALLACE (Alfred Russel) - Palm Trees of the Amazon. Lon- altos colarinhos engomados.
don, 1853:
E, no entanto, o que nao falta as nossas mátas sao
WHIFFEN (Thomas) - The North-West Amazo~s. London, árvores da maior beleza e que em tudo e por tudo seriam
1915.
W1cKHAM (Henry Alexander) - Rough Notes of a !ournay
dignas de sombrear as nossas avenidas. Sombrear,
Through the Wilderness from Trinidad to Pará. Brazil. garrindo-se ao mesmo tempo de copas ver~udas, de
London, 1872. f olhagem esplendente, das mais vistosas flores. E nisso,
para essa escolha que permitirla urna grande variedade
ornamental, nenhuma outra mata mais do que a da
Hiléia, sobretudo com a sua riqueza de Leguminosas,
poderla contribuir com um maior número de espécies
diferentes.
É verdade que algumas dessas ~ssencias, devido ao
seu desmedido porte ou irregularidáde de esgalhamento,
ou profusao de fru~os, ou pelas raízes superfíciais, tal-
vez .oferecessem algumas desvantagens a arborizaQé.o
urbana; mas estas mesmas poderiam vir para os nossos
parques e jardins, para que pudessem ser vistas e ad-
miradas nao apenas pelos nossos caboclos ou pelos pou-
cos botanicos que as vao estudar no seu próprio habitat.
Que a maioria delas suporta bem essa transplan-
tac;ao, provam-no as várias espécies que já foram trazi-
das para o nosso J ardim Botanico, principalmente
devido ao devotamento do Prof. Adolpho Ducke, e que
73
74 Gastáo Cruls

aí se deram perfeitamente bem entre as st1as irmás mais


civil izadas.
Quantas e quantas, porém, até hoje só abriram os
seus baldaquinos floridos entre o denso emaranhado da
floresta amazonica 1 Disso nos certifica o já citado
Adolpho Ducke quando, nas suas eruditas memórias
sobre a especialidade, nao raro se detém para elogiar
mais particularmente qualquer linda florada que os seus
olhos surpreenderam. E disso também tivemos a prova
quando lhe pedimos que enumerasse dez das mais belas
árv:ores decorativas da Hiléia, que gostaríamos ·de ver
ilustrando o nosso trabalho.
Foi esta a sua escol~a: 1) Olusia grandiflora; 2)
H eterostemon mimosoides; 3) Gustavia au,gusta; 4)
Erisma calcaratum; 5) Qualea Themistoclesii; 6) Qua- .
lea suprema; 7) Vochysia eximia; 8) Eperua purpurea;
9) Nicticalanthus speciosus; 10) Heterostemon ellip-
ticus.
PRANCHA V - Em cima: Olusia gran<liflora Splitg., da familia
das Gutíferas, conhecida vulgarmente por cebola-grande-<la-niata,
sem dúvida devido ao aspecto de seus frutos que niio deixam de lem-
brar, pelo tamanho e pela forma, os bulbos do nosso indispensável
condimento alimentar. D!o-lhe igualmente o nome de apuí e mata-
pau, mas n!o deve ser confundido com a Morácea também assim de-
signada pelo caboclo. É árvore epifítlca, de grandes dimens0es, que
se desenvolve preferentemente sobre outras árvores da floresta.
Todavia, pode ter também hábitos terrestres, quando mantém raízes
adventícias. Planta dióica, · sao mais belas as suas flores nos exem-
plares masculinos, e é urna dessas que aparece na nossa gravura.
Além do 8eu gracioso contorno e delicado colorido, a flor se re-
comenda alnda por um delicioso perfume. Essa Olusia aclimou-se

bem no nosso Jardlm BotAnico, onde existem vigorosos exemplares
de ambos os sexos, que ali florescem todos os anos, por volta de
mar~o.
Embaixo, A esquerda, Qualea suprcnia Ducke, e, A direlta, Qua-
lea Themistoclesii Ducke. Sao ·duas grandes árvores da famflia das
Voquisiáceas, cujas copas, quando em plena flora~o, tomam aspecto
magnífico. Allás, segundo Adolpho Ducke, as Voqulsiáceas "sao ele-
mento primordial n~ beleza da paisagem amazOnica", pois que multas
outras das suas espécles, em certas épocas do ano, abrem sobre o
verde das matas espléndidos dosséis de variegado colorido.
Pa. V
76 Gastáo Cruls

Pois bem. Dessas, ao que sabemos, apenas as qua-


tro prin1eiras sao encontradas no Rio, (e falanclo em
Rio, voltamo-nos quase que exclusivamente para o J ar-
dim Botanico) e, assim mesmo, só da Olusia pode o
nosso pintor aproveitar-se, pois das outras nao hol1ve
oportu11idade para colhe-las em época de flóraQao.
E com que pesar dei.xamos de ver aqui representado
o H eteroste1non, mimosoides, que tanto se impóe pela
finura da sua folhagem corno pela beleza das suas gran-
des flores róseas, que nao deixam de recordar _a linda
Cattleya Eldorado, também da Hiléia e ambas compre-
ferencia pela bacia do rio Negro. Infelizn1ente, porque
tudo nao se pode reunir, é árvore peqt1ena, quase um
arbusto.
Igualmente, faz-11os pena nao ver florido o E1·isnia
calcaraturri, o jabuti ou cachi1nbo-de-jabuti do caboclo
ama.zonense, tanto os seus frutos, ricos em óleo, lem-
bram mesmo um cachimbo, e que habitando os igapós,
aí, entre as palmas dos miritis, abre as suas magníficas
inflorescencias violáceas, pintalgadas de azul.
Quanto a Gustavia augusta, menos falta nos faz a
sua imagem, uma vez que, e1nbora de porte bem mais
avantajado ( é urna das inaiores flores conhecidas), i1ao
anda muito afastada em cor e formato da Clusia gran-
PRANCHA VI - Ccrurm1,pita guianensis Aubl., da familia das Leci-
tidáceas.
Esta bela árvore, das mais características da Hiléia, devido as
panículas permanentes que lhe revestem o tronco, apresenta a confi-
gura~ao de um imenso candelabro com múltiplos bra~os irregular-
mente distribuidos por toda a sua extensa.o. É conhecida geralmen-
te por castanha-de-macaco, abricó-de-macaco ou cuia-de-macaco.
Com quinze a vinte metros de altura, as suas flores, grandes,
róseo-purpurinas, muito perfumadas, nascem diretamente sobre o
tronco ou sobre os galhos, o que torna a árvore extremamente festi-
va e ornamental no período da flora~o. Tem frutos quase esféri-
cos, com dezesseis centímetros de diametro, de polpa e seme.ntes bas-
tante apreciadas pelos símios, de onde lhe provieram aqueles nomes
vulgares, sempre em liga~ao com os macacos.
Floresce anualmente no Jardim Botanico, em mar~o e outubro.
PR. VI
Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 79
78

di flora, que ·aparece na estampa n.9 V. Aliás sao ambas da floraQao, te1n a copa toda rósea e, depois, toda azul.
da fa1nília das Gutíferas, embora pertencendo a generos I sto se explica porque, sendo rósea a pétala das flores
diferentes. e azul o seu cálice, aquela cai primeiro, com persistencia
Co1n r elagao as seis últin1as árvores citadas na lista do último.
de Dl1cke, quando inuito, teríamos ao .nosso dispor BIBLIOGRAFIA
apenas inaterial de herbário e este, se satisfaz ao bota-
nico para efeitos de classificaQao, é de todo ineficiente DucKE ( Adolpho) - A Flora do Curicuriari, Afluente do Río
ao pintor, sobrett1do quando em trabalho deste genero, Negro, observada enz Viagens com a Comissáo Demarcadora
sem prejuízo do acabamento artístico, se tem em mira das Front~iras do Setor Oeste ( "Anais da Primeira Reuniao
Sul.:.Americana de Botanica". 3.9 vol. Ministério da Agricul-
a verdade científica. tura. Rio de Janeiro, 1938).
E seria lá possível, a nao ser por artes de pajelan- DucKE ( Adolpho) - Enumerafáo das Plantas Amazónicas cul-
Qa, que diante de un1 simples galhinho seco,. espremido tivadas no l ardim Botánico e introduzidas pelo Chefe da
entre duas folhas de papel, se pudesse ter a visao do Secfáo Adolpho Ducke, de 1920 a 1928. ( "Arquivos ·do Jar. .
que é a Eperiia purpurea, a copaibarana do povo, o dim Botanico do Rio de Janeiro". Vol. V. 1930) .
iebaro dos índios do rio Negro, quando veste o seu rico DucKE ( Adolpho) - Explorafóes Científicas no Estado do Pará.
inanto em tons de rosa e escarlate ~ Ducke, de olhar ("Boletim do Museu Goeldi". Tomo VII. 1910).
sereno, n1as com amplo descortino sobre a flora univer- DucI<E ( Adolpho) - Plante.s N ouvelles ou peu Connues de la
Région Amazonienne. ( "Arquivos do Jardim Botanico". Vols.
sal, nao se arreceia de dar-lhe lugar de relevancia entre 111, V e VI. Rio de Janeiro, 1922, 1930, 1933).
as árvores mais belas do mundo. DucKE ( Adolpho) ;_ Relatório das Comissóes desempenhadas
Desse ponto de vista, fomos bem mais felizes quanto pelo Chefe da Secfáo de Botánica. ( "Rodriguésia". Ano l.
as duas quáleas, Qiialea suprerna e Qualea Themisto- N.9 l. Rio de Janeiro, 1935).
cl esii, cujas flores, já anterior1nentt~ fixadas pelo hábil IGLESIAS (F. de Assis) - Album Florístico. Ministério da Agri. .
pincel do Sr. Ne\vton Leal, a fim dé ilustrar um traba- cultura. Servü;;o Floresta!. Rio de J aneiro, 1940.
lho do próprio Adolpho Ducke, por muita gentileza HoEHNE (F. C.) - As Plantas Ornamentais da Flora Brasileira.
deste puderam ser aproveitadas pelo nosso aql1arelista. To~~s 1 e II. Cole~ao de Separatas do "Boletim de Agricul...
tura . Sao Paulo, 1930-1936.
Diga-se que an1bas essas quáleas, como também a
PoRTO (P. Campos) - Plantas Indígenas e Exóticas provenien. .
E risma calcaratuni, pertencem a privilegiada família
1
tes da Amazónia, cultivadas no l ardim Botánico do Río de
das V oquisiáceas, que tanto se recomenda pelo esplen- Taneiro. ( "Rodriguésia". Ano II. N ,9 5. Rio de Janeiro, 1936).
dor das suas inflorescencias como pela beleza da sua
f olha.gem, aql1elas sempre abundantes e formando v:er-
dadeiros dosséis, preferentemente de um amarelo inten-
so (genero Vochysia propriamente dito) mas também
róseos, roxos e azuis (genero Qualea) sobre a ran1aria
alta; e as foll1as náo raro de colorido diferente nas st1as
dt1as páginasl verde-escuro, lt1stroso, na superior, e
rt1bro-ferrugíneo na inferior.
E f aland·o en1 qt1áleas, nao podemos deixar de lem-
brar o luxo da Qualea pulcherrirna Spruce que, no início
ORQUíDEAS

Á HOUVE quem dissesse que um homem que se apaixo-


J na por orquídeas pode cometer tantos desvarios como
aquele que só tem diante dos olhos um determina-
do rosto de mulher ou que se deixou escraVizar pelo
hábito dos entorpecentes. Só assim se explica que um
exemplar raro .de híbrida dessas plantas pudesse ter
al cangado em Nova Iorque o fabuloso prego de dez mil
dólares, ou sejam cerca de duzentos mil cruzeiros em
11ossa moeda.
O interesse pelas orquídeas data do início do século
XVII, . quando espécimes exóticos dessa família, com
poucos represent~ntes na Europa, comegaram a ser trazi-
dos de algumas ilhas das indias Orientais para a Ingla-
terra e, aí, gente de pecúnia, lordes e grandes damas,
porfiavam e1n ver ·abrir -n as suas estufas as mais raras
flores, como jamais haviam sido vistas.
Na verdade, tudo concorria para que sobre essas
plantas recaísse a atengao nao só dos bqtanicos mas das
pessoas de bom gosto, e que de dia para dia mais amplo
se tornasse o círculo dos orquidófilos. A come~ar pela
resistencia de que davam prova, pois que, durante as
longas travessias de veleiro, privadas do seu habitat nas
grandes florestas úmidas e expostas. as intempéries ma-
rítimas, quando tudo fazia supor que perecessem,
amiúde rebentavam em flores, arrancando gritos de es-
panto a marujada estarrecida. Plantas que viviam no
ar, que se agarravam a um tronco ou urna pedra. Que
n1orreriam inesmo, pelo menos a maioria delas, se f os-
sem tratadas como as outras e mergulhadas na terra. PRANCHA VII - Em cima: Cattleya Eldorado Lind.; embaixo:
Jlenadeniitni labiositni Cogn.
80
82 Gastáo Cruls j l.

Plantas de aspecto estranho, quase sempre de f olhas


grossas, lustrosas, coriáceas, de formato o.val ou lan-
ceolado, as vezes já bastante decorativas, raiadas de
amarelo ou prateado, e tendo a sua base mais ou me-
nos intumescida por pseud~bulbos, característica táo
mareante que serviu para batizar toda a família. Flo-
res de extraordinária beleza; reunindo as mais esquisi-
tas formas ·aos mais ine~perados coloridos, e com a van-
tagem de apresentarem grande resistencia, desde que
nao raro permaneciam em. pleno vic;o dt1rante semanas
e até meses. Flores com sépalas táo. vistosas quanto as
pétalas e nas quais uma destas, diferenciada em labelo,
tomava os ·mais caprichosos contornos. Flores ·que;, As ....
vezes, se apresentavam com aspecto inteiramente diverso
numa mesma ·planta ou até numa única haste, de acór- ~
do com o seu sexo: masculinas, f emininas ou herma-
froditas.
Mas esses eram apenas os tra~os- mais impressivos,
e que nao poderiam escapar a quemas defrontasse pela
·-·--
primeira vez. Tod~via, a curiosidade nao f oi menor ..,.........
~

quando os naturalistas come~aram a estudá-las com ~

o-
e
mais vagar, penetrando-lhes a contextura íntima para
admirar o seu pólen aglutinado em massa,' observando-
lhes os caprichos da f ecunda~o e o importante p~pel
que nela desempenham os insetos, acompanhando-lhes
a morosidade da g~rmina~áo e o tempo exigido pelas
plantas, as vezes cin~o, ·seis e dez anos, até que cheguem -<
a completo desenvolvimento e possam florescer. En- 1
tao, quando se descobriu o processo das sementeiras ar- '
tificiais feitas em tubos de vidro, sobre campo de ágar-
ágar, como se cultivam os mais perigosos micróbios ...
Por isso tudo é que P~ydt diz que quando, nos ve-
lhos tempos, se visitava a estufa de um daqueles felizes
colecionadores de orquídeas, era com a un~o do ini-
ciado que penetra num -santuário onde se realizam os
mais transcendentes mistérios. De fato, tudo ali .era
diferente,. desde o ar que se r~spirava, quente, 1ímido,
84 Gastao Cruls
"
carregado de vapores, por. vezes impregnado 4os mais
estonteantes perfumes, sabido que há orquídeas que sao
~verdadeiros turíbt1los queimando essencias preciosas
até aquelas folhas grossas, envernizadas, c~m a arro-
gancia de clavas ou gládios, até os bulbos fartos e as
---
raizes aér eas, tentaculares, que se agarram a tudo, su-
bindo pelos troncos, aderindo aos vasos.
Entáo, entre as flores, a maravilha era completa.
U mas augustas, solitárias, esplendendo únicas, sobre as
baste~ longas. Outras, as dezenas ou centenas, vergando ..
e:
os pendoes . em que se agrupavam. Esta lembrando ·-
~

Q)
.....
t..
urna borboleta policromica. Essoutra, . illn pássaro de ';:1

asas ao pairo. .A.inda outra, um perfeito e~caravelho, ou


um casco romano, ou urna sandália grega. E havia
também as que simulavam vespas, abelhas, falenas,
aracnídeos. E até seres fantásticos, criaturas irreais.
Medusas de cabeleira colubrina. Gnomos liliputianos.
U mas dir-se-iam esculpid.as no mais puro marfim, ou,
nos seus tons de mel, modeladas em cera. Outras ti-
nham o~brilho das laca·s orientais ou..o colorido das ma-
jólicas italianas. Urnas seriam feitas de veludo ou
seda, com predomitiancia de urna só tonalidade, enquan-
to outras seriani recortadas num brocado em que en-
travam os mais diversos matizes. Pétalas franjadas,
onduladas, pubescentes. Péta~as estriadas, pintalgadas, ..
e:
maculadas, venuladas. Labelps carnosos e provocantes .a;
'=

que se ofereciam como lábios de mulher. Corolas aber- -rr.....


e'
(¡,.
tas em sexo. Flores desde o lilás mais suave ao roxo
mais saturado, do róseo mais leve ao vermelho mais
vivo. Do branco mais puro ao aniarelo mais berrante.
E azuis, e verdes, e castanhas, e salmonadas.
Diga-se que o Novo Mundo contribuiu náo pouco
para essa festa dos sentidos. Daqui, da América Cen-
tral, foram os lin~os Odontoglossum, e da América
tropical, mas sobretudo do· Brasil, as Laelia e Cattleya.
Parece mesmo que a Sáo Paulo cabe a glória da primeira
Oattleya:· que, em 1810, f oi revelada aos olhos dos euro-
86 Gastáo Cruls
"
peus. Igualmente, sem os Oatasetum americanos, em
grande parte tamb~n1 nossos, é possível que Darwin
nao houvesse escrito a Origem das Espécies por M eio da
Selegao Natural. De fato, foram essas plantas, das
mais graduadas entre as suas irmas da mesma ·fa1nília
- pois ql1e com aparelho sexual altamente diferenciado
- qt1e lhe permitiram as mais curiosas observac;;oes
sobre a f ecunda~ao vegetal a través dos insetos. ·
Nao parou aí a contribuic;;ao do Brasil. Talvez um
quarto das oito ou dez mil orquídeas origiiiais ou silves- ..
tres existentes em todo o mundo, sao endemicas ou tero
representantes no nosso território : e, dos seus seiscentos .
--
.5
~
'O

e tantos generos bem definidos, cerca U.e ·duzentos ocor- .c;S


...
rem entre nós. ·
Falamos achna em plantas originais ou silvestres
porque, no intuito de se obtérem flores ainda mais be-
las, a partir de 1850, pela fecunda~ao artificial, se lo-
grara1n as· primeiras hibrida~oes dessas plantas e, daí
por diante, f oi triplicado ou quadruplicado o número
das híbridas conhecidas. Os botanicos, a princípio, re-
voltaram-se contra essas enxertias que vinham trazer
o caos aos seus estudos, mas depois f oi verificado que
na própria natureza se realizavam ·espontaneamente
tais miscigena~óes.
Merece ser notado que f oi uni padre, o Reverendo .·.
1.;V._Herbert, Deao de ·Manchester, 'quem obteve os pri- ~=
n1eiros exitos nesses casamentos irregulares, realizados
entre plantas de espécies diferentes. O religioso des- i
f orrava-se talvez, assim, do voto de castidade que lhe <
in1pusera a Igreja e, para fugir aos acicates da luxúria, •1
levava a bacanália até o reino das flores. M
Possivelmente a idéia dessas hibrida~oes terá nas-
cido da fecunda~ao artificial praticada primeiro numa
H abe1iaria e depois, já com fim utilitário e ero larga
escala, nas baunilheiras, quando estas orquidáceas fo-
ra1n transplantadas da América Central para a Ilha da
Reuniao, e aí nao produziam as suas tao apreciadas
88 Gastao Cruls

favas na quantidade desejada. Diga-se q11e estas favas


já eram conhecidas dos Astecas, que delas se ·aprovcita-
vam para aromatizar o chocolate, a sua bebida nacional,
e que foi através deles que os espanhóis as divnlgaran1
mais tarde no Velho Continente.

A Hiléia amazonica, com as suas ótiinas condiQ6es


de calor e t1n1idade, é um excelente viveiro para as n1ais
·belas orquídeas. Apenas, ao contrário do qne se pensa,
nao será nas suas grandes matas fechadas e sombrias,
que as iren1os encontrar com maio:r freqüencia. Tra-
tando-se de plantas relativamente heliófilas, só nos ga-
Jhos das mais altas árvores estarao be1n expostas a luz
que lhes convém. E aí, se quase as nao veren1os, mai.s
difícil ainda será colhé-las. Ricos de orquídeas seráo os
igapós, certas campinas e o arredor das cachoeiras e
nascentes. Corp.o já assinalamos para as árvores deco-
rativas, e ainda baseados nas observaQ6cs de . .t\.dolpho
.
Ducke, o rio Negro e seus tributários 111er ecem ainda
tima vez o premio pela sua grande riqueza cm' plantas
dessa f~1nília, entre as quais a espléndida Oattleya
Eldorado.
Depois dele virao, talvez, o alto Tapajós e os afluen-
tes orientais do Madeira.
~Adstritos a urna modesta r eprcsentaQao iconográ-
fica das orquídeas da Hiléia, mas para que nela fign-
rassem as suas espécies mais conspícuas e caracterís-
ticas, visando a escolha do inaterial aquí cxposto, fizc-
mos u1n pequono inquérito entre as nossas 111aiores au-
toridades no assunto, entre as quais nao podian1 ser
esquecidos os nomes dos Professores F. C. Hoehnc e
1\. C. Brade. Igualmente, 1011va1no-nos na opiniao do
Dr. Luys de MendonQa, apaixonado o·r qnidófilo e dirctor
da prestigiosa revista Orquídea. ·
Infeliz1nente, foi i1n1)ossível contentar a todos e,
subordinados ainda as lll(\Sil1US dificnlda<lrs qnc já llO~ PRANCHA XI - E m cima: Oattl eya viol-acea Rolfe ; embalxo:
tinhan1 ocorrido con1 rcla~ao as ú1·,·01·rs d(\corntiYa:-:;, O<&ttleya Zuteola Ldl.
90 Gastáo Cruls
..
certas plantas, como a linda e rara Acacallis cyanea, a
Galeandra nivalis ou ainda a Brassavola M artiana, .nao
puderam ilustrar estas páginas. .A.ssim mesmo, para a
ap1·esenta~o de . outras, constantes da i:tossa mostra,
tivemos que recorrer a iconografia já existente, como
a Li,ndenia e o Álbum de W arner Williams.
.As pessoas já citadas e ta1nbém a Sra. D. Mathilde
Stern, que na sua chácara da Rua Uruguai vive entre
táo belas flores e ·a cuja gentileza deve o nosso aquare-
lista ter tido a sua disposi<láo um esplendido exemplar
de Oattleya Eldorado, aqui manifestamos os mais since-
ros agradecimentos.

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,,,_.. _ _si___


Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

PECULIARIDADES

OB o aspecto faunístico, o ..Novo Mundo trouxe gran-



de decep~o aos _seus descobridores.- Terras tao
vastas e de táo densas e imponentes florestas, tudo
fazia prever que ·também de vulto e muito numerosa
f osse a bicharada que o povoava. Pelo menos a isso
conduziam os exemplos da Ásia e da .África, com ·a sua
extrema variedade de grandes mamíferos, nao raro
reunidos em manadas de muitas dezenas e mesmo cente-
•t nas de exemplares. Daí o olhar ávido dos conquistado-
res a pr9curar no emaraµhado das nossas selvas a figu-
ra gigantesca de qualquer animal que lhes lembrasse o
elefante ou o rinoceronte, ou, na vastidao .dos nossos
can1pos, a mancha movedic;a do que poderiam ser bandos
de· búfalos, zebras ou antílopes.
Mas tudo em vao. Como paquiderme de porte nao
lhes oferecemos mais do que a nossa modesta anta,
bicho inofensivo, dócil, e facilmente domesticável. Eqüí-
deos nao os possuíamos, em,bóra muita gente pense, ªº
011vir falar nas supostas Amazonas que atacaram a
Orellana, que estas, como as suas irmas gregas, tam-
bém cavalgavam árdegos ginetes. Quanto a bovídeos,
se os tínhamos - os bisoes da América setentrional, que
estes, siro, eram dos .raros animais americanos que se
agru¡)avam em compactas tropilhas - só muito mais
tarde f oram con}J.ecidos. Pobreza também de outros
ruminantes. Apenas os camelídeos dos Andes, lamas,
alpacas, vicunhas e guanacos,. todos de pequeno porte;
e alguns cervídeos, entre os quais bem poucos se hao de
impor pelo desenvolvimento das galhadas. E nada de
. cabras e carneiros monteses que, ainda boje, asselvajam
95
96 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 97

"
certas paisagens européias. Entre os carnívoros sal- a heroicidade ao devassar a terra ignota~ Herrera diz
var-nos-ia a on~a-pintada, talvez mesmo ~ pouco que, no Darien, _quando N úñez de Balboa entrou pelo
maior do que a pantera africana, ainda que muito me- rio Sáo J oao, viu-se frente a frente com urna besta es-
nos temível quanto as suas disposi~óes gástricas para tranha, misto de elefante, cavalo e boi, e que f oi clas-
como homem. A capivara também nao faria má figura sificada de alimária monstruosa. Cardim e Gandavo
entre os da sua ordem, pois que, como roedor, nao há descrevem o Igupiara, um gigante marinho, que ma-
outro, sem d(1vida, que se lhe avantaje em tamanho. tava com um simples abraQo. Dessa zoología fabulosa
A macacada nao rivalizaria com os grandes primatas nao se livrara1-µ também os nossos pri1neiros cartógrafos
do V elho Mundo. Além disso, f azendo vida arboríco- qt1e salpicam os seus n1apas de tigres, leóes e javalis,
la, andava sempre sumida pela grimpa das árvores urna vez que nao os poden1 enfeitar de górgonas, gár-
mais altas. Dignos de curiosidade, mas só de curiosi- gulas e hipogrifos.
dade e nada por temer, seriam os nossos desdentados, N em mesmo o aborígine americ.a no escapou a ~sse
o tamanduá, a preguiQa e o tatu, estranhas alimárias olh.ar que tudo deformava. Sim, nao era possível que
com que o espanhol e o portugués jamais se teriam o home111 l1a.bitante dessas selvas fosse em tudo igual
defrontado, mD:ito embora, na SUa ansia de f eitos faQa- aos outros homens. E surgiram as lendas dos índios
nhudos, muito mais grato talvez lhes f osse arrostar os Curiqueas, con1 qt1atro metros de altura, e de outros,
seus respeitáveis ancestrais: gliptodontes, megatérios e pig1neus, os Guaiazis, e de outros comos pés as avessas,
milodontes. O resto, ainda entre os mamíferos, com voltados para trás, os Matuiús. Hun1boldt, i10 Orinoco,
exceQao do queixada e do caititu, que pelo menos for- já no início do século dezenove, ainda ot1via falar co111
mavam em varas, era urna récua desprezível. Guarás, freqüéncia nos índios Raias ou Arraias, acéfalos e com
raposas, lontras, quatis e gambas. Pacas, cutias, preás a boca na linha do umbigo, o que lhes dava certa seme-
e caxingueles. lhan<;a com os peixes do mesmo nome .
.Nada também de extraordinário entre os répteis e Se os macaco"s até entáo conhecidos eram de formas
os peixes. Apenas uns jacarés de fauces respeitáveis e modestas, no recesso . da mata forQoso seria que se en-
algumas Sllcurijus que com facilidade transformavam contrassem ot1tros, já de corpt1lencia humana, e que
em almondega o corpo do mortal que lhes caísse entre teriam intercurso sexual comas índias. Daí a tribo dos
os anéis constritores. Mas assim mesmo, essas serpen- U ginas ou Cuatá-tapuias, do J uruá, silvícolas de apén-
tes poderiam ser bem maiores do que as que eram vistas dice caudal ben1 desenvolvido, como aquele a que alude
e, toda vez que urna delas era morta e medida, davam- o Padre Monteiro de N oronha, fiado em atestado qt1e
lhe sempre mais alguns palmQs ou mesmo alguns me- sobre a ~utenticidade do ~ato passou o austero carme-
tros de lambugem. Lembre-se o peixe-boi, porque to- lita Frei José de Santa Theresa Ribeiro.
mado por um peixe, causara espanto. É que a sua O curioso é que essa crenQa de conúbio entre mu-
femea, a vaca-marinha, tinha mamas de mulher e criava lheres e símios persistiu por muito tempo. Castelnau,
o f ilho aos peitos. ainda que escarne<;a da tribo Cuatá-tapuia, relata que,
O homem branco, porém, nao se apertou ante a ao descer o Amazonas, passando por Fonte-Boa, quis
escassez do que os seus olhos viam, e com imagina<;ao adquirir de urna índia c.e rto macaco cuatá, já perfeita-
ardente passou a encher os claros da paisagem de seres mente domesticado e · bastante interessante. A í11dia,
irreais e criaturas apavorantes, que mais lhe real<;assem entretanto, n1algrado . as tentadoras ofertas que lhe
98 Gastáo Cruls Hiléia Amazonica 99

"
foram feitas, recusou-se a qualquer entendimento sobre Observe-se que essa adaptac;;ao dos quadrúpedes ·a
o assunto, negativa que teve a sua explica~9 no que vida arbórea, e que só pode ter sido conseguida muito
ao cientista frances disse um dos remadores do seu lentamente, é mais um elemento a favor do que já disse-
barco. A índia nao abria máo do macaco, porque vivia mos, baseádos em certos aspectos da sua flora, a pro-
n1aritalmente com ele. pósito da presumida antiguidade .da floresta equatorial

Aliás, a falta de monstros portentosos, a aten~o americana.
de um ou outro viajante voltou-se para a bicharada Ainda que a nossa fauna de mamíferos seja mesmo
miúda. Vicente Yáñez Pinzón, sete anos depois da bem mais reduzida, quer em número de espécies, quer
deseoberta da ·América, levou daqui para a Espanha em quantidade de indivíduos, do que as suas congeneres
um pobre gambá, que em Sevilha foi descrito como o em .regióes da África e da Ásia, tanto o abandono do
. mais estranho dos animais,. combinac;áo de raposa, ma- solo, como os hábito.s de isolamento a que se viram com-
caco e morcego, e dali teve honras de ser transportado pelidos os seus animais, nao pouco teráo concorridó
até Granada, para que os soberanos também pudessem para que ainda mais ermados de vida parecessem os
admirá-lo. recessos da floresta amazonica. Ajunte-se a isso o
Mas essa estranheza pela enorme penúria da fau- .Pelame quase sempre sombrío desses mesmos animais,
na americana ainda mais cresceu de ponto quando co- que os torna pouco discerníveis entre a meia-luz e as
mec;;aram a ser melhor conhecidas as imensas florestas tonalidades discretas do sub-bosque. .
da Hiléia. De fato, nada que correspondesse ali, como E tanto isso é verdade que essa primeira impressáo
representac;;áo do reino animal, a ·exuberancia. daquela de solitude e vazio logo se dissipa naqueles que com
mais vagar se internam pela mata e com o olhar do
flora que, estuando vida e regurgitante de seiva, com índio, a que nada escapa, aprendem a descobrir e se
árvores portentosas e cipós gigantescos, se desdobrava habitua~ a ver. Assim aconteceu a W allace que, de-
num manto eternamente verde sobre milhares e milba- cepcionado a princípio, quando iniciava as suas excur-
res de quilometros quadrados. sóes pelos arredores de Belém, a pouco e pouco f oi
Ao contrário, porém, do que tudo faria supor a um mudando de opiniao e acabou por se maravilhar ante
exame menos atento, esse mesmo ambiente límido e som- a abundancia e a variedade da fauna que o cercava.
brio das grandes selvas equatoriais em nada se mQstra Beebe também se revolta contra a apregoada po-
propício a existencia das grandes formas animais. Es- breza da fauna amazonica e cita a sua própria expe-
casseiam-lhes aí as plantas f orrageiras. Difícil se lhes riencia. Colecionando, durante cinco meses, numa res-
torna a movimentac;;ao. Tanto assim que quase todos trita área da Guiana Inglesa, conseguiu reunir 331 es-
os seus mamíferos se veem na contingencia de adotar pécies de animais diferentes. É verdade que no seu
vida arborícola. Só no alto das árvores iráo buscar o acervo os mamíferos constituem menos do que a sexta
ar e a luz dos espac;os livres. Só na ramaria elevada parte, pois. que tudo o mais sao aves e, no terreno da
encontraráo maior abundancia de alimentos, nos brotos ornitologia, como haveremos de ver, a Hiléia é de urna
tenros e nos frutos sazonados. E isso leva-os também riqueza extraordinária.
a fazer vida solitária, em contraposic;áo ao gregarismo Mas antes de chegarmos a esse .mundó alado e ca-
que, em. outros solos e sobre savanas e estepes, os asso- noro, já agora sempre dentro da An1azonia, ainda nos
cia e1n magotes e rebanhos. deteremos uro pouco sobre a bicharada de pelo.
100 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 101

Há de ser urna zoologia bastante arbitrária, sem outros ho111ens e caes, até ali ve11ha ter, qnando ~ntao
qualquer intuito de sistematizaQao, e que, ao ~abor de ambos lhe jogam o la<_to, e com for<;as q11e se equilibran1
observaQóes próprias ou alheias, respigará um ou outro da esquerda e da direita, dominam os arrancos da f era
co1nentário mais anedótico do que erudito, mas talvez at~ que nm terceiro índio lhe venha fincar a azagaia n~
nao destitl;ídos de interesse para o leitor leigo destas pe1to.
, . Quase do inesmo ta1nanho da ca11gnQu, aii1da que
pagmas.
Se nao ternos o leáo, que se de o cetro de "rei d?S n1enos temida, é a on<la-parda, suguaran,a dos indígenas,
animais" a nossa onQa-pintada, jaguarete dos Guar~~s, pul1na dos hispano-americanos. Segue1n-se-lhe outros
cangugu devido a sua cabe<;a grande, e que na fam1l1a tipos, pirttalgados ou nao, n1as sen1pre n1enores, até que
dos Felídeos é o animal mais imponente, entre as nove defrontemos os gatos-do-mato.
espécies que a compóem no Br.asil. ~om o seu metro e Segl1ndo Schomburgk, os índios da Guiana .Inglesa .
cinqüenta de corpo, que pode ir ~ do1s m~tros e de,z se distingnem treze espécies de onQa, oito 111ancl1adas e
lhe medirmos também a cauda, 01tenta e cmco cent1me- cinco unicolores. Para o inesmo at1tor, entretanto
tros de altura, corporatura vigorosa e linda pelage1n 111uitas dessas serao apenas meras varied·ades, con1~
ocelada é· bicho que logo se imporá aos olhos de quem acontece, pensamos. nós, co1n alguns lindos e raros es-
o defro~tar pela primeira vez. Ainda que arisco e ma- pécin1es de pelage1n quase inteira111ente negra.
treiro só será visto muitas vezes por quem o procurar Diz-se que o jaguar nao despreza os peixes no seu
acompanhado de boa matilb:a de caes. Basta dizer que cardápio, ba$tante variado quanto a animais de pelo,
Bates durante os seus longos onze anos de Amazonia, penas e·até de casco. -De casco, porqt1e ele tem urna ha-
confe~sa jamais ter deparado um único jaguar. Por bilidade toda especial para romper a carapaQa das tar-
esse lado fomos muito mais felizes do que o grande na- tarugas e esvaziar-lhe o conteúdo. Mas tornemos aos
turalista' ingles. Durante os quatro meses de viage1n peixes. o felino, quando quer pescar, arn1a-se de
por um dos afluentes do :rromb~tas, por duas vezes paciencia, e agachado sobre qualquer pau que se debru-
lindos exemplares desse f el1no est1veram ao alcance da ce bem sobre o rio, aí, de vez em q11ando, bate com a
nossa observa<lao. cauda sobre a superfície da água. Esta pancada, seca,
Esse carniceiro, que, como já dissemos, só excepcio- ~orno se fora ~ queda de algum fruto, atr~i o peixe, que
nalmente ataca o hornero, a menos que se sinta acua- e logo, com rap1do e certeiro manotaQo, jogado para
do, produz bastantes prejuízo~ ,entre o gado nas gr~ndes qualquer lugar _enxuto.
f azendas de críaQao de MaraJo e dos campos-gera1s do Parece que a on<;a tem ta1nbén1 como pitéu a raba-
rio Branco. Dizem que os vaqueiros daí dao-lhe caQa ·dilh?- dos jacarés, que se acovardam a sua prese11<;a,
a la<;o -e que, nao raro, depois que .º manietam, par.a embora também ela nao ouse abordá-los de frente, ·e,
isso aproveitando o tempo em que amda se acha sem1- ainda que bem vivos, os crocodilos permanecem estar-
estrangulado pela corda, amarrar~-no ~ gar~pa do .ca- recidos, enquanto a f era lhes v·ai co111endo o apendice
valo como se fora ql1alql1er le1taoz1nho 1nofens1vo. caudal. ·
Aliá's, esse processo de caQar onQas a _laQo é descr~to por A anta será, talvez, o único dos nossos ani1nais selva-
· William La .W arre como usado entre os U ap1xanas, gens que nen1 sc1npre s11c1unbe ao se ver atacado i:>ela
da Guiana Inglesa. Dois índios, postados de cada lado on<;a. Quando agredida por trás, ron1pe em· desabalada
de uma clareira, aguardam que o' ani1nal, acossado por earreira, barafustando propositadamente por entre
102 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 103

troncos e galhos bauos, com o que, nao raro, consegue muito, devastará a cria<;áo de penas. Tem, entretanto,
libertar-se do algoz que lhe vinha grudado ~os flancos as linhas de um esbelto galgo e será o nosso canídeo que
e que amiúde é gravemente ferido em conseqüencia das mais se aproxima do cáo doméstico, tanto assim que,
pancadas que recebe daqui e dali, exposto, como se acha, entre ambos, já tem sido possível a procriagao.
a todos os acidentes de um ca.minho apenas permeável Nao é, entretanto, entre o guará e o cáo importado
ªº fugitivo que nao trouxesse fardo as costas. pelos europeus, que os Macuxis, da Guiana Inglesa,
Esse ungulado substitui na fauna americana o ele- com intuito de apurar qualidades cinegéticas, conse-
fante e o rinoceronte do Hemisfério Oriental. Assim guem uma cruza de grande destreza, ótima vista e faro
mesmo só com bons vidros de aumento ve-lo-íamos em- apuradíssimo. Segundo Im Thurn, que relata o fato,
parelh~r com aqueles paquidermes. Allás, ainda que essa mestic;agem se processa aproveitando tanto o gua-
animal bem raro quanto a sua distribuic;ao geográfica, raxaim ou cachorro-do-mato (Oanis aza·rae) como a
ele está tambéµi representado na tndia e na China ~or raposa-do-campo (Oanis cancrivorus), aliás, hoje, ao
uma espécie que, tirante· a mancha branca que lhe nsca . que parece, ambos reconhecidos como um único e mes-
. o dorso, ·é bastante semelhante as nossas quatro, isto é, mo animal, o Oerdocyon tkous tkous (Linneus). Schom-
duas da América do Sul e duas da América Central. burgk acrescenta que os índios da possessáo inglesa
Viajando pelo Cuminá, tivemos a oportunidade de chamam a um daqueles animais, ou a ambos se f orem
ver confirmado um fato que, pouco antes, nos f ora rela- o mesmo, de maicang, e os colonizadores, de carasisi ou
tado pelo General Rondon. cáo-das-savanas.
A anta, quando ouve os gritos do gaviáo-pinhé, Allás, ainda nao está de todo esclarecido se a Amé-
poe-se a chamá-lo, por meio dos seus silvos agudos. rica pré-colombiana já possuía o cáo doméstico. Sabe-se
Acontece que o rapinante muito aprecia os carra- que os Astecas tinham um cáo mudo, bastante parecido
patos que infestam a ~ele do tapii: e este, proporcio:r;an- com o nosso, e do qual a carne era muito apreciada
do-lhe tal banquete, 11vra-se dos importunos paras1tas. pelos índios. Isso, entretanto; já faz afastar a idéia de
Aliás nao sao raros esses curioso~ entendimentos domesticac;ao, urna vez· que os ameríndios só excepcio-
' . .
entre bichos. Já houve quem visse graciosas garc;as nalmente comem os seus xerimbabos.
palitando coro o longo bico a dentuc;a de monstruosos Aproveite-se a oportunidade para assinalar a alta
jacarés, que de fauces hiantes se prestavam gostosa- conta em que os índios tem os caes de cac;a, tratados
mente a essa limpeza mandibular. sempre com todo o carinho, bem alimentados, e náo raro
Das onc;as saltamos para as antas e já estamos a dormindo sobre mutás especiais para que ·nao sejam
falar em jacarés, quando ainda ficou tanta cousa para atacados pelos bichos-de-pé. Há mesmo silvícolas, como
trás. N em mesmo all1dimos a qualquer outro carnívoro. os Tarumas, das cabeceiras do Essequibo, qu~ se dedi-
Na verdade, sao de somenos importancia. Merecerla, cam a criac;ao e adestramento desses animais, com os
talvez, algum destaque o guará que, pelas formas, em- quais fazem comércio, sendo para isso procurados por
bora muito mais franzinas, algo se parece com o lobo elementos de tribos diferentes. Tais caes sao treinados
europeu. Está, porém, muito longe desse, pela sua para essa ou aquela qualidade de cac;a, como onc;as, pa-·
nenhuma agressividade para com o homem e qualquer cas,. veados e caititus e, nas savanas, há alguns que se
animal de maior vulto. Trata-se de bicho covarde, que tornam mestres em rastrea~ os cágados que ali abundam,
se esgueira sozinho, pela calada da noite e, quando mas que, sem esse recurso, dificilmente seriam encon-
104 Gastáo Cruls
,. Hiléia Amazónica 105
trados entre a n1acega alta. Aos caes que se destinam
a perseguiQaO dos porcos-do-mato ensina-se. a SÓ ata- esf~egar l)Or.todo o corpo a l'esina do 11iará, certa pla11ta
caremos indivíduos que vao a rabadilha da vara, sem o mu1to ~a estima dos veados que, assim, supondo-a pelas
que serian1 furiosamente estracinhados pelos numero- cercan1a8, con1eQam a procurá-la e, distraídos, nao nota111
sos componentes do bando. a preseng~ do caQador. Este, por sua vez, só se aproxi-
O índio, contudo, por 1nais que confie no tiro da n1a da cob1gada presa muito vagarosamente e tendo sem-
sua flecha e no olfato do seu cachorro, ainda cerca o pre a mao um grande ramo de folhas verdes atrás do
ritual da ca~a de Yárias superstiQóes. Assin1, nao raro, qual se dissin1ula como se fora qualquer das r~ras arvo-
faz-se picar, e tan1bém aos caes, por certas f ormigas que retas que se erguem pelas rechas desnudas.
au111entariam em ambos a acuidade visual. Essa.s for- J á no caso de cac;ada,.. de onc;a, é o cao que passa a
migas sao presas, vivas, a urna esteirinha de palha, en1 sofrer a besuntadela do pelo. Desta vez com a infusao
for1na de esterno de veado, e que é levada sobre o peito, d~ urna Malvácea, o Hibiscus abelmoschus, de cheiro al-
a maneira de um escapulário. O tranQado imobiliza as n11scarado e que lembra bastante o que se desprende do
f ormigas pelo meio do corpo, de tal modo que o seu trem porco~do-?1ato, das s.erpentes .e dos jacarés, justamente.
anterior se projete . sobre urna das faces da esteira e o os an1.ma1s que o felino respe1ta. Assim, quando 0 cao
tre1n inferior sobre a outra. Destarte, quando o índio lhe ca1 entre. as ~arras, larga-o logo, na dúvida de ser um
quer sofrer ·a picada das formigas, volta para o peito daqueles an1ma1s com quem prefere nao medir forc;as.
o lado em que se acham as cabeQas dos insetos. Visan- . ~ara 9uase toda~ as tribos há bichos tabus, que
do ainda um maior apuramento dos sentidos, o silvícola, Jama1s serao perseguidos pelo cagador. O veado está
·antes de caQar, usa, as vezes, tomar um clister de paricá, entre aqueles que mais gozam desta regalía. Devido a
de qt1e também _nao se livra a caingalha que o auxilia. s1;1a grande ligeireza e facilidade com que desaparece da
Há igualmente a crenQa de que o faro do cao se afina vista do cagador, passa por animal fantástico e no qual
desde que lhe sejam esfregadas sobre o focinho certas f reqüentemente, se reencarna a alma dos mortos. En~
lagartas que para isso sao previamente assadas. Con10 tre os Jivaros, acredita-se que a anta possa dar asilo
se ve, se os onceiros e paqueiros gozam de muitas rega- ao espírito de perigosos feiticeiros.
lías, .passam também pelos seus maus momentos. Di- Alé~ disso, gra~as ao seu assobio, atribuem-lhe po-
ga-se que o aborígine nao só. os acompanha nessas pro- derosas ':;tudes de encantamento. Já entre os Apiacás,
vaQóes, como ainda se submete a outras piores. Assim do ,TapaJo~, por essas e outras superstic;óes, os taman-
acontece antes da cac;ada do ve~do-campeiro, sempre
duas, guar1bas e preguigas estarao sempre a salvo da
bastante difícil, porque o animal é muito· arisco e pre- flecha do índio.
cisa ser defrontado em campo aberto. Vai daí que o
índio nao sairá em sua perseguiQao sem que se acat1tele As lontras e os quatis, aquelas na água e estes em
contra todas as possibilidades de um malogro. Para terra, porque .sempre ~e apresentam em bandos, po-
isso, de boa mente ele pratica em si mesmo urna penosa de1n se tornar imagens rmpressivas da paisagem amazo-
operaQao. Consiste em enfiar por urna das narinas, e nica. Espanta o ímpeto com que as lontras sobretudo
puxá-la depois pela boca, um fio longo de embira, com as grandes ou arira~has, entre dois merguihos, emer-
o que se livrará do fartum que o faria pressentido do gem quase 9ue a me10 corpo f ora do rio, para dar um
cervo. Outra precauc;ao nada por desprezar leva-o a grande buf1~0 e logo ~esaparecer; ou a agi1idade com
que os quat1s, gragas a sua cauda preensora, se equi-
106 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 107
"
libram em correrias loucas pela fran~a .das árvores mais lados pelo zoóJogo ingles, bem poneos, como o cuatá, bar-
altas. rigudo, cuxiú e caiarara, frerao exclusivamente da Hiléia.
O índio se aproveita das qualidades piscatórias da Todos os outros terao área muito maior de distribui~o
lontra, e como esta tem por hábito ir reunindo em qual- geográfica.
quer ponto da praia ou do barranco os peixes que vni Assim acontece coro os bugios, guaribas ou barba-
apanhando e com os quais só depois se banqueteará, o dos, cujo genero, só no Brasil coro cinco espécies, tem
índio, ·dizíamos nós, fica escondido pelas imedia~óes e, representantes desde o norte da Argentina até ~ Amé-
a medida que chega ªº monte de vitualhas qualquer rica Central. Todavía, ao viajante da Amazonia, prin-
peQa melhor, trata logo de surripiá-la. Comedia de lon- cipalmente se ti.ver oportunidade de acampar em plena
tra é· o nome por que sao conhecidos certos ajuntamen- mata, hao de ser esses macacos os que mais o impressio-
tos de espinhas e escamas, que nao raro se encontram a naráo, pois que só excepcionalmente deixará de conhe-
beira-rio, traindo a vo:racidade piscívo'ra desse animal. cer-lhes os estentóricos roncos, em fúnebre cantilena de
Preocupados em apontar os mamíferos que mais se responso, prolongando-se pelo frio silencio das madru-
recomendam pelo seu porte, até aqui anida nao nos deti- gadas. Siro, porque esses bugios, que andam em grupo,
vemos sobre os macacos que, já pela variedade de espé- cantam sempre em coro, ainda que um macaco velho, o
cies, já pela abundancia de indivíduos, tanto se desta- capelao, lhes de a deixa, logo retomada pelos outros.
cam na fauna amazonica. A Hiléia, coro as suas imen- Pelo menos, é essa · a opiniao da maioria dos autores.
sas florestas, será, em verdade, o paraíso dos súnios ame- Para Wallace, porém, um só indivíduo será responsá-
ricanos, símios freqüentemente arborícolas e que, se nao vel pela insípida litania.
concorrem em corpulencia com os seus irmaos asiáticos Sllnios grandes e pesados, embora bastante destros
e africanos, os superam, talvez, em ~gilidade e esperteza. -um peSCOQO volumoso, COID saliencia a frente, trai-lhes
Essa agilidade e esperteza vem-lhes sem dúvida da- o extraordinário desenvolvimento do osso hióide e da
quela mesma vida arbórea; de incessante mobilidade, · e musculatura laringiana, tudo c~ncertado para a formar
para a qual, a pouco e pouco, .f oram transformando a ~ao de urna verdadeira caixa de ressonancia, que·lhes am-
cauda musculosa e tátil num verdadeiro órgao preensor, plifica a voz.
que lhes faz as vezes de urna verdadeira quinta máo. Do ensurdecedor regougo emitido pelo guariba, a
O curioso é que entre os macacos do Novo Mundo, crendice popular concluiu que a água bebida em osso
macacos todos platirrinos, isto é, de nariz chato e salien- hióide desse símio seria de efeitos salutares nas doen-
te, existem formas proximamente ligadas aos tipos que Qas dos órgáos respiratórios e nos distúrbios do aparelho
f oram os ancestrais da sua grande ordem, mas que atual- vocal. Humboldt, quando na Venezuela, viu aconse-
mente já de todo desapareceram do Velho Mundo. lhá-la na asma; os pretos marrons do Maroni ministram-
Alfredo Wallace apontou vinte e urna espécies de na as crianQaS gagas; enquanto Artur N eiva, citado
súnios na Amazonia. Certamente, já decorridos tantos por R. von Ihering, anotou-lhe a prescri~ao aos doentes
anos desde a publicaQao do seu trabalho, este número de papeira, em certas regióes do nosso território, onde o
deve estar hoje bastante acrescido. Sobre o mesn10 as- bócio é endemico. Aquí já estaríamos diante do axio-
sunto, há de dar-nos a última palavra a monografía, ma homeopático: Similia similibus curantur; ao passo
já no prelo, do nosso patrício Eládio Lima. Escl~re­ que nos primeiros casos, a medicina seria antes aquela
Qa-se, porém, que mesmo dentre aqueles que f oran1 arro- de que nos fala Ramón Pardal, aliás muito comum, entre
108 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 109
"

os povos primitivos, e da qual, mais por adiante, ainda Ao contrário do grande tan1and11á-bandeira que só
daremos outros exemplos, colhidos entre os nossos in- sera, enco11tra do nos campos, onde abundem os' formi-
dígenas - urna medicina "imbuída do espírito de par- gueiros e montes de cupim que lhe dao sustento, as duas
ticipa<_;ao: opoterapia de efeito e nao de intenºao." outras e~¡)écics de 1nir1necofagídcos, tan1anduá-colete e
O cuatá, também chamado macaco-aranha, devido tan1anduaí, fazem vida dendrícola e, ainda que ronceira-
ao seu corpo magro e membros extremamente longos ·e 111ente, al<_;am-se até a ramaria elevada. É . extremamen-
esguios, é o nosso maior símio, embora apenas atinja te gracioso o tamanduaí, o anaozinho da família, de pe-
cerca de metro e meio, inclusive a interminável cauda. la111e sedoso e alourado. Na regiao do rio Negro cha-
Alegre e irrequieto, se nao é visto, pois que quase sem- 1nan1-lhe 1nanibira ou arari e para muita gente passa por
pre ;:tnda pelas mais altas árvores, acusa a sua presen~a llm bom talisma que, empalhado, merece ser conserva-
por um grito f orte e característico. Faz-se ca<_;a bas- do e1n casa. En1palhado e nao vivo, i1orque dificil1nen-
tante procurada e que muito se recomenda pelo sabor e te suporta o cativeiro, a nossa ignorancia do que lhe é
macieza da carne. Todavía, quando apenas esfolado 11ecessário ao caprichoso paladar.
~ antes de ser partido, tem aspecto dos mais repugnan-· e
.Ainda n1ais vagarosas desa.jeitadas sao as pregui-
tes para quem nao possuir pendores antropofágicos. QUS, cuja sobrevivencia até hoje nao deixa de espa11tar-
Conta o General Rondon que índios do Ji-parana, para nos, tao poucos sao os seus elementos de defesa na
ca<_;á-lo, costumam pintar a cara de preto, com jenipapo, luta ¡)ela vida. Vale-lhes o mimetismo da pelagem den-
pois que} assim mascarados e imitando, com a habi.lida- sa, onde até algas se aninham, e que as torna facilmente
de que lhes é ·peculiar, a voz de diversos anirnais, desper- confu11díveis co1n o colorido morto das i1nbaubeiras on-
tam a curiosidade dos cuatás, que logo baixam dos seus de prefcrentc1nentc vivero. Contudo, assim mesmo, des-
esconderij os. cobre-as o olhar agudo das harpías, um dos seus princi-
~{acaco mais raro é o barrigudo, cujo habitat pare- pais inin1igos, que aí vem buscá-las, após u1na porfia
ce confinado ao ~Iadeira, Solimoes ·e alguns afluentes do <1uase sen1 Tisco, 1nas que de1nanda n1uito fole~ro até que
• , <..J '

rio Negro. Lanzudo, gordo, pesadao, esse símio, q11ando cons1gam arranca-las do pau a que se abra<_;an1.
em cativeiro, de iriodos tranqiiilos e fisiono111ia parada e E, por falar em mimetismo, nao será inoportuno
lembrar que f oram observaQóes de Bates e W allace, na
tristonha, tem qt1alquer coisa de um preto velho. Mui..: Amazonia, e de Fritz Müller, em Santa Catarina, que
to outra é a sua atittide quando em liberdade. 1Iostra- robuste~eram idéias expendidas por Darwin na sua
se, entao, ousado e agressivo, e, no dizer dos índios, Origern das Espécies. Apenas a teoría mimética ot1 da
se por estes perseguido, joga-lhes tudo o que lhe vem as ca~acidade de dissimula<_;ao adquirida por certos ani-
maos: frutos e peda<_;os de pau. 1na1s, como elemento de proteQao, já nao te1n hoje a im-
Segundo Humboldt; os macacos sao tanto mais me- portancia que lhe q11iseram dar.
lancólicos quanto mais se parecem com o homem e para Citadas, como já foram, as capivaras, desnecessária
certos viajantes o barbado seria o nosso. melhor sósia. será n1aior ·demora sobre os outros roedores. As cutias
J á aconselhou alguém, aos que se perdem na flores- sao numerosas e, se danificam por um lado, por outro
ta, de só se alimentarem com os frutos que f orem da conco1·ren1 a dissen1ir.taQao de se1nc11tes, principaln1ente
preferencia dos n1acacos. Con1 iss~, estarao sempre a das castanheiras. Gulosas, n1esn10 de eston1ag·o cl1eio,
salvo dos perigos de qualquer envenenamento. gostan1 de se precatar contra futuras fon1es. Para is-
..

110 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 111


"
so, transportam a distancia, e aí enterran1 a esmo ·o que Aliás monstros apenas no tamanho. Nada se deve re-
nao puderem con1er logo, e, con10, depois, nem sempre cear de nenhum deles, a náo ser o que diz a lenda a res-
se r ecorden1 dos locais em que fizeram as suas despensas peito do boto-vermelho, a uiara dos índios, sedutor de
secretas, vao destarte semeando sem se aperceber. .. · muita donzela desprecatada, que, ·assim mesmo, repro-
Entre os caxingueles, quatipurus na Amazonia, de- chand?-lhe o desvío pecaminoso a que náo pode fugir,
vem 111erecer destaque alguma~ espécies, de pelagem ver- nele amda encontra um protetor, a exculpá-la da falta .
melha e barriga branca, notáveis pelo tamanho, e que que de 9utra maneira seria irremissível.
.sao peculiares a regiao. Essa e outras supersti~oes, como· aquela que lhe em-
Foi Darwin ·q uem descobriu os primeiros morcegos presta ao olho, quando conservado seco, atributos de po-
hematófagos, quando surpreendeu, no Chile, um desses deroso amavio contra .amores mal correspondidos, deve-
quirópteros sugando o dorso de um cavalo. Na .Amazo- riam fazer com que o cetáceo sofresse implacável per-
nia os há e alguns viajantes já foram vítimas da Slla segui<_;áo. . E, no entanto, bem poucos serao aqueles coro
sanha, pois que o vampiro, a falta de outros animais, coragem bastante para arpoá-lo, malgrado coro freqüen-
também se dessedenta sobre o homem. Contudo, nao cia seja visto as cambalhotas nas águas do rio-mar e
sáo tao· encontradi<.;os como se propala e a sua p1·esenc;a seus afluentes maiores. Sobrelevando a todas, existe
tem sido mais assinalada ero restritas e determinadas também a cren<.;a de·'que no boto-verroelho vive um espí-
zonas, como, por exemplo, os afluentes baixos_do Trom- rito sobrenatural, com muita coisa de humano ou mesmo
. betas. Ao que parece, a sua picada ·é indolor, e já se
aventou que o morcego tivesse uma saliva com proprie- de demoníaco, e daí a impunidade que desfruta.
dades anestésicas e hemolíticas, ~a vez que a vítima O boto-preto, ou tucuxi, de porte menor, passa por
nada sente e a ferida permanece. a sa1tgrar por longo ser amigo do hornero, a quero auxilia em casos de nau-
tempo, depois que dela já se afastou o seu causador. frágio OU m~smO · defende, quando O ve atacado pelo seU
Curiosos sao os morcegos brancos de neve, quase irmáo de cor assalmonada. ·
prateados, de táo sedoso que lhes é o p~lo. Estes, mais O curioso é que essas abusoes em torno dos cetáceos
expostos do que .os outros .a~s s~us inimigos, enquanto sáo por assiro dizer universais. Na india, consideram-
r epousam durante o dia, ao mves de procurarem locas nos enviados dos deuses e fiéis companheiros dos ho-
escuras, abrigam-se de encontro a página inferior de mens; e os anamitas, ero vez de chamar-lhes ca-voí
certas palmeiras, que, coro o seu toro também argen- (grande peixe), preferem dizer -ca-ong (peixe senhor).
tado, lhes dissimula a presenc;a. Convém também nao esquecer que Ulisses e Telemaco
Preferiríamos falar em botos e peixes-bois quan- f oram salvos por uro golfinho.
do chegássemos ao mundo vivo das águas, mas esta nos- · A despeito de todas as lendas que o prestigiam .e
sa zoología já. anda táo ao arrepio .das sistematizac;oes protegero, o boto talvez náo f osse táo poupado se a sua
convencionais que há temer se nos increpe ainda maior carne, como acontece com a do peixe-boi, tivesse caído
ignorancia no assunto. Por outro .lado, se mesmo entre no goto dos ~omens. Este sirenio, que já povoou as
os mamíferos já tivemos que andar pelo ar, voejando costas sul do país, conforme depoero os primeiros cronis-
atrás de morcegos, justo será o mergulho que nos ponha tas, faz-se hoje cada vez mais raro e, no tocante a Amé-
em contacto com aqueles monstros· marinhos e fluviais, rica do Sul, tem como reduto único as bacias do Amazo-
também encontrados na rede hidrográfiea do Ama.zonas. nas e do Orinoc9. Assiro mesmo, aí, já anda muito afas-
112 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 113

"
tado da orla marítima e é preciso entrar de terra aden- alcandora1n-sc nas frondes altas e ali, se o olhar as al-
tro, oitenta e mais léguas, para encontrá-lo. . eanºª ·ou o canto lhes denuncia a presenQa, a luz do sol
O índio, que lhe conhece os hábitos e as ·matreirices, também lhes ofusca o brilho das penas. Por outro lado,
caºa-o a arpao. · Na reponta da enchente, procura-o nos bem poucas sao as aves da mata que andam em bando e,
lagos e afluentes menores, onde o grande mamífero, que se as há, ainda mais raras serao aquelas que faQam a
as vezes pode ter quase tres metros de comprimento, matinada de um grupo· de papagaios ou periquitos. A
co~tuma pastar, entre as touQas de canarana e ot1tros maioria tem hábitos solitários e nao se tresgasta em tri-
capins aquáticos. nos e regorjeios. Canta, muitas vezes, em determinadas
Tem curso a notícia de que a f emea do peixe-boi, ao horas do dia ou da noite ou mesmo etn determinadas
contrário do que f aziam as Amazonas de Orellana, cedo estaºóes do ano. Quando canta. Outras dáo apenas um
se desembaraQa de suas filhas, tao depressa as veja che- pio ro ufenho ou q11alquer gemido abafa40, que logo se
gadas· a vitelas e coro capacidade para viverem por si perde no grande silencio envolve~te. Bem poucas teráo
mesmas. Outra, entretanto, é a sua conduta em rela0ao a garganta da araponga, o brado rascante dos tucanos,
aos mamotes, ·guardados sempre a seu lado, até que com ou o folego do seringueiro, que este, siro, nao se cansa
eles possa procriar. Propala-se também que. os índios, de emitir os s~us agudos assobios, com que, dizem, está
na suposiQao de que daí lhes advirá sorte na.s cagadas e se1npre a escarnecer dos trabalhadores na floresta.
pescarías, com freqüencia utilizam-se sexualme11te da A ves en1 p~ofúsao, . por vezes · aos n1ilhares, f or-
vaca-marinha. inando ·nuvcns qua11do voa1n, .poderao ser vistas a beira
dos lagos, 1>rinci1)aln1ente na r egiáo do salgado, e q11an-
Se em rela~ao a fauna mamal, alguns povos nos po- do as ágnas já con1e<;:un a descer. Forma1n a legiao dos
dem olhar coro certa displicencia, espanto e admiraQáo de 1>ernaltas e pahní.pedGs, 11ns a passearem de andas, ou-
todos há de-despertar a visao panoramica da nossa órnis.. tros de patinhas tao curtas que n1ais se diria.m co1n o
Basta lembrar que aproximadamente um sexto de todas corpo ro~agando diretamente o chao. Se apontan1os a
as espécies da avifauna universal tero representantes no costa n1arítima con10 mais, .Pr..opícia a essas reunióes, é
Brasil e, neste, o mais amplo e opulento aviário sao as que alguns, e dos mais belos, como os flamingos, gnarás
florestas da Amazonia. Daí W anace dizer que em ne-
nhuma regiao do globo existirá maior variedade de aves e colhereiros, preferem a marisca~áo na água salohra.
As gar~as de imaculada plumagem nívea hao de pre-
do que na Hiléia.
Nao se pense, porém, que isso há de ser logo sur- do1ninar quase sempre entre essas aves aquáticas e pa-
.. preendido, ao primeiro exame. . Ain.da aquí, como já fi- 1ndícolas, de pe:r;meio:-as quais avultará o circunspecto
zemos sentir em relaQáo aos (p1adrúpedes, a inata, p ela tuiuiú, un1 verdadeiro. gigante quando comparado as
sua própria pujan<;a, que a faz fechada e obscura, con-. minúsculas batuíras e ja<_;anas. Estas últimas, aliás, tl.-
tinuará a dar a m~sma impressao de recesso quase ermo rando partido da sua leveza, nao limitam o ambito das
e silente. Isso sucede porque as aves terrícolas, os tí- suas excursoes a franja dos alagadi~os. Afoitam-se por
picos galináceos de que essa mesma mata é tao· rica, nao lagoas adentro, chapinhando sobre as folhas do matupá.
só tem cores sombrías que facilmente os dissi1nulam) Pájaro de J esú Cristo chamam mesmo na Bolívia a gra~
como logo se chupam entre a ramaria enredi<.;.a, ao menor ciosa ja<;ana, pois que o delicado pernaltinha dá de fa-
motivo de susto; e as ot1tras, as de plumage1n vistosa, to a impressao de qu~ também sabe andar sobre as águas.
114 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 115

Felizmente a moda, agora voltada para outras fan- E náo é que íain.os esquecendo as ciganas ti/. Estas,
tasias, e também algumas pdsturas municipais acabaram se nao andarmos pelos .rios, jamaís serao vistas, pois
por dar descanso as garc;as da Hiléia que, sem isso, te- que vivem penduradas, aos magotes, nos galhos das atu-
riam os seus dias contados, tanta era a procura de cros- . ~ás, oiranas e outras plantas ribeirinhas. Remanes-
ses e aigrettes para os aderec;os femininos. O mais tris- cente de gi.-upos extinto~, para· muitos autores é essa a
te é que essas plumas inais disputadas sao trajes nl1p- ave mais curiosa do mundo atual ·e nao foi sem razao que .
ciais de que se revestem os lindos ardeídeos por ocasiáo Goeldi, _Beebe e outros lhe dedicaram particular aten-
dos seus amor.es·e, preferentemente, a sua matanºª é fei- ~áo. Faz espanto que ~icho táo sem defesa, de voo ca-
ta nos ninhais, em pleno período de procriac;áo. nhestro e apoucado, e que só excepcionalmente irá além
. Se viajarmos pelos rios, principalmente os rios de . da ramaria mais. rasteira, goze de tamaiiha tranqüili-
água preta, escassos de sedimento, ao contrário do.s ou- dade, sem quase iiiimigos que ·o persigam. ·Mas isto ex~
tros, os de aluviáo, náo teremos grande contacto ~01n a plica-se.. Protege-o ·.um pitiú todo especial, cheiro de
avifauna amazonense. Essas cor.rentes fluviais sáo tao esterco de ,cavalo, que lhe toma a carne intragável e de
pobres de cac;a e de pesca que se lhes deu o nome de rios onde lhe adveio o nome de catingueiro, por que é também
famintos· e neles, mor.mente se atingirmos os seus al- conhecido.
tos, acima das c~choeiras, nao será di~ícil passar fome. Lembre-se. Ainda nao aludimos aos japins, cujos ·
Conhecemo-los bem, pois foi por um deles, o Erepecurt1, graciosos ninhos, uma ou outra vez, surgetn a _palou~ar
e depois o Par.u, de oeste, que subimos até chegar aos de galhos debru~ados sobre a cor.rente. E por falar em
contrafortes de Tumucumaque, já n:os limites da Guia- japins~ É tal ·a algazarra feíta por esses pássaros~ que
na Holandesa. Aí, lima ou outra ave que se visse, dt1- sempre nidificam em conjunto, que. alguns índios, usan..:·
rante todo um.longo dia de viagem, era sempre um aci- do daqt1ela terapeutica por analogia, já ·r eferida páginas
dente digno de nota. !solados maguaris que, ·com voo atrás, ministravam os .seus bicos calcinados a crianºas· e
pesado, a aproximaºªº da canoa, abandonavam um pou- adultos. As primeiras, para que viessem a falar. pre-
so ·para procurar outro, em sítio mais distante, mas sem- ~ocemente e, aos segundos, para que aprendessem com fa-
pre a mesma margem. A1Jrambas ma~ores ou n1enor~s cilidade dialetos .estrangeiros. Diga-se que os Arauca-
que riºavam o espelho .das aguas·e surgiam co~ um pe~­ nos e ós Pampas, tambéin impressionados ·com a alacri.;.
xinho no bico. Bigt1atingas de pescoºº esgu10 e colt1- dade das g~ivotas, tinham-lhes o cérebro como um .bom
breante mergulhando aqui para aparecer muitos metros medicamento para .combater a melancolia. ·
além. U m casal de araras vermelhas cortando o azul Detenhamo-nos ainda sobre os japins. Esses pássa-
do céu ou um caracará de asas ao pairo, pronto a des- ros, com larga dist:ribaj~ao no nosso território - gú.axes
pejar-se sobre qualquer presa. ~m bandos, só as gaivo- no ·sul, xexéus no nordeste, japus e japins no extremo-
tas, sempre a gritar, revoluteando sobre as praias, onde .norte - deram motivo a interessantes ob~erva~oes sobrE}-·
os seus ovos incubavam ao sol; ou, entáo, alguns patos o material empregado na confec~a'o · dos seus niiihos, que
asa-branca, nadando gostosamente nos espraiados de se adaptam as condic;oes locais. Assim, no s1tl, eles se-
água remansosa. Ainda mais raramente, mas is~o aci- rá.o preferentemente feitos com barba-de-velho, enquan-
dente auspicioso, dada a valia da cac;a, alguns 'm utuns to no Amazonas com folha.s de palmeira. Isso. nao es-
em grupo que, tangidos pela sede, chegavam até a beira ... pantará quando soubermos ·que aqui, dentro do Distri-
do barranco. to Federal e na imedia~ao de fábtjcas e oficinas, já fo-
116 Gastáo Cruls J
Hiléia Amazónica 117
"'
ram encontrados um ninho de cambaxirra e outro de ti-
aves citadas nlais aci1na, os jaca1nins andan1· en1 grandes
riri cujo arcabou~o era constituído por fios. de ferro e
bandos, nao raro de cem e mesmo de duzentos indivíduos,
peda~os de arame farpado. Como se ve, os pás~~ros
conforme Schomburgk teve ocasiao de observar . na
civilizados caminham também para as nossas ed1f1ca- Guiana Inglesa.
~oes de cimento armado.
Mas tornemos a floresta, acompanhando aqueles Também genuinamente da Hiléia, mas este de hábi-
mutl1ns que só acidentaln1ente chegaram até a beira-rio, tos solitários, é o paváozi.tµio-do-pará. Dele,"porém, nao
para logo retornar ao recesso trmbroso do arvoredo. trataremos já, urna vez que vai ter honras de ser apre-
Essas e outras aves, como os jacus, inhambus, ara- sentado numa da_s nossas estampas e há de inerecer no-
tícia mais destacada. ·
quas, urus, macucauas e cujubins, outrora.ti~os por_gal~­ ' .
náceos e boje separados em duas ordens d1st1ntas, sao t1- Jralávamos há pouco da fácil domestica~áo dos ja-
picas da regiao neotrópica e algumas delas sao das no~sas ca:rnins. O mesmo acontece com os mutuns, os jacus e
melhores ca~as de pena encontradas na -mata. D1ze- muitas das outras aves que vimos citando, embora todas
mos na mata, porque a urna dessas mesmas ordens, a dos elas, só por exce~ito, se venham a reproduzir quando as-
Tinamiformes, pertencem as codornas e perdizes, que se sim em cativeiro. Isto nao deixa de ·ser curioso ao sa..;.
· nos depararao nos campos. her-se que com aves ~uropéias do mesmo genero é jl1s-
Nao deixa de- ser curiosa a evolu~ao regressiva so- tamente o contrário que se . dá. Presos, ainda que in-
frida por todas essas aves, com capacidade de voo bast::n- submissos e bravíos, os faisoes continuam a acasalar-se.
te limitada e vida predominantemente terrestre. Alias, Aliás, nessa impossibilidade de procria~áo dos nOssos ani-
por isso mesmo, porque muito expostas aos seus inimigos, mais selvagens, quando trazidos ao .convívio do hornero,
nenhuma ousa paramentar-se com maior pompa. A rou- há de estar a explica~ao por que, ao contrário do que su-
pagem delas é sempre severa, em tons de cinza ou pardo, cedeu com a nossa flora, que revelou urna .porºªº de plan-
bem condizentes com a morte-cor da paisagem am- tas úteis aos europeus, a fauna americana, postos de la-
biente. do o peru e o pato, em nada concorreu para variar o
Conquanto pertencente a outra ordem, mas também paladar universal. Assim mesmo, se ao ·peru nativo da
terrícola, é o jacamim que, além da gra~a das suas atitu- . América Central respeitaram-lhe a origem, o nosso pato,
des, ·com raros dons saltatórios, e da estranheza da sua cairina moschata, que antes de Colombo já vivia entre
voz ventríloqua, é genuinamente da Hiléia e jamais será a miun~a de alguns índios, como os Quíchuas do Peru,
visto em outras regioes do nosso território. Facilmente · os Guaranis do Paraguai e os Tupis entre nós, onde era
domesticável, tenaz perseguidor·de serpentes, quando no respectiva1nente conhecido por nunhuma, ipé-guagu e po-
terreiro, misturado a cria~ao miúda, torna-sé um verda- tiguagu, mas que parece só entrou .na Europa depois de
deiro juiz de paz e nao é a toa que os índios o prezam ter sido levado para a África, ignorada ou esquecida a
tanto entre os seus melhores xerimbabos. Spruce, du- sua proveniencia, passou a ser conhecido por pato-da-
rante a sua estada no U aupés, refere-se a um que, como o barbaria, pato-moscovita e pato-turco. Diz Ihering
mais fiel dos perdigueiros, o acompanhava, diariamente, que a primeira descriQao desta ave foi feita no Velho
nas suas excursoes botanicas, e distraía-se ca~ando co- Mundo por Conrado Gesner, em 1555, e q11e já nesse
bras enquanto o naturalista herborizava. Muito mais me~mo ano o nosso palmípede era saboreado a mesa dos
gregários do que- os mutun$~ urus e ·algumas das ou tras parisienses, como fina iguaria.
118 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 119

Os patos selvagens sao sempre ariscos e de difícil · Embora sem competir com estas no fausto da plu-
caQada. Os índios da Guiana, para que deles se possam magem, é. _aí que paira também a imponente harpía, o
aproximar sem serem pressentidos, usam de interessan- 11osso gav1ao-real, co~ dois me~ros de envergadura quan-
te estratagema. Conhecendo-lhes os pousos preferidos do com as asas estend1das, e que em nada desn1erecerá se
em determinadas lagoas, por aí espalham, a superfície 'd a confrontado com as águias européias. Os nidios esti-
água, cabaQas ocas, com as quais as aves se familiari- mam-no muito e, n1antendo-o em cativeiro, comas suas
zam, habituando-se a nadar sem susto entre elas. É en- penas longas e rajadas fazem os mais lindos cocares.
tao que os silvícolas, mergulhados na água e só.com a ca- Esse rapinante, de bico poderoso e garras rompentes, é
beQa de fora, coino se fossem outras tantas cabaºas, os f ~roz perseguidor de macacos e pregui~as, e baixa tam-
vao sub-repticiamente agarrando pelas patas e afogan- bem aos campos para apresar os veadinhos mais tenros.
do-os sem demora, de tal modo que as aves nao se deba- Infelizmente, nao há de ser na exigüidade 'deste ca-
tam e possam com isso espantar as companheiras. derno, em que se busca quase impossível escor<1o da fau-
Conta-se que ~ caQador civilizado de Marajó e outros na da Hiléia, que -se fará o majestoso desfile da sua ór-
pontos, onde o gado, com freqüencia, pasta a volta dos ~s, ?nde s? os Passeriformes, até a qui quase sem refe-
alagadiQOS, nao raro se dissimula atrás. de urna res para renc1~, mu1to embora entre eles estejam os nossos maio-
ter visada mais próxima sobre patós e marrecos. Por res .canto.res, constituirá.o mais· da ·meta.de de todas as
boi-m,arrequeiro é mesmo conhecido aquele qt1e se afei- espécies conhecidas.
ººª a tal mister e já houve quem dissesse, exaltando a EsclareQa-se~ -porém, que essa avifauna, tal como
ladinice de alguns, qt1e váo ao ponto de voltar a cabe<1a acontece com a fauna mamal, se bem que aí ricamente
para o caQador e piscar-lhe o olho ·quando julgam ql1e representad~, nao é, n_a sua grande 'maioria, típicamente
chegou o momento mais propício a ·um bom tiro. local, adstr1ta exclusivamente a província amazonica,
Urna vez que, linhas acima, já respigamos algo so- ipas antes pe~e~ce a imensa sub-regiáo brasiliana, cuja
bre a propagaQao das nossas aves, nao será demais obser- area zoogeograf1ca excede de muito as lindes traQadas
var que as posturas nos trópicos mostram-se bastante para a Hiléia 1•
parcimoniosas. De uma maneira geral, dois ovo~ ape- . Toda~a, ent~e as aves autóctones, aquelas que lhe
nas, em vez dos seis ou dez que enchem os ninhos euro- - vm_can1 .ma1s part1cu}a!me~te o facies -paisagístico, con-
peus. Isso, talvez, como urna conseqüencia da ameni- tam...se ·Justamente varios passeriformes e, de alguns de-
dade do clima, que lhes garantirá Um maior exito a pro- les, a s~u te~po, haveremos. de f alar mais detidamente,
le. Observe-se, porém, que as posturas, aqui, sao, geral- un1a ~ez que pelo esplendor da sua plt1rnagen1 merece-
mente, mais freqüentes, ocorrendo duas e· mesmo tres ram figurar entre a nossa iconoO'rafia.
J)Or ano. Por agora, deixemos de lad~ a beleza desses pássa-
Até aqui, quase que só ternos ~ndado comos olhos ros, para tornartnos aos seus atributos canoros. Como
no chao ou, quando muito, levantados até a ramaria já observamos, está.o também, entre eles, exímios gar-
mais baixa do sub-bosque. Se os alºássemos agora até as g~nteadores, a come~ar pelo lendário uirapuru e nao es-
frondes mais altas, entao é que conieºaria a festa das quecendo o tao requestado rouxinol-do-rio-negro o cipa
cores, coma policromia das araras e papagaios, dos tuca- dos índios Tucanos. '
nos e araºaris, dos anambés e surucuás, das pipiras e
beija-flores. 1. Vide C. D.E MELLO LEIT.Ao: Zoogeografia do Brasil.
120 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 121
,.
Hot1ve quem dissesse que as aves tropicais era1n quase nao abandonaremos a rede hidrográfica, o que nos
tanto mais ricas de colorido quanto mais pobres de canto, facultará também, sempre num rápido escorºº' a obser-
e o Príncipe Maximiliano, nun1 cotejo em que o premio vaºªº de batráql1ios e peixes.
nao nos caberia, dota o aviário brasileiro apenas de ins- Os jacarés, comas sucurijus, constituem as grandes
trumentos de sopro, enquanto no seu correspondente eu- avantesmas dos rios da Hiléia e bem poucos sao os que os
ropeu também seriam usados instrumentos de corda. veem e lhes assinalam as f a~anhas sem um bom par de
Mas há exagero em tudo isso. Nao resta dúvida ql1e óculos de aumento e muito daquela imaginaºªº que ce-
o uirapuru, coma sua voz de cristal, se veste da maneira lebrizou o Barao de Munchhausen.
mais simples possivel, ao passo que certos saís, enfeitan- Nao há dúvida que os nossos caimaos podem apre-
do..:se comas sete cores do arco-íris, emitem apenas pipi- sentar exemplares, como aquele visto por Bates, me-
los insignificantes. Todavia, como depóe Alfredo W al- di11do seis metros de comprimento, e que nada ficam a
lace, em rela~ao a própria Amazonia, aí também se en- dever aos maiores aligátores e crocodilos conhecidos.
contram pássaros que,. ao aspecto atraente, reúnem qua- Todavia, tirante o caráter de violento flagelo que por ve-
lidades vocais nada desprezíveis. Em abono disso, basta zes assumem quando em abundante prolifera~ao nos la-
que se lembrem o iratauá e o galo-de-ca~pina. gos adjacentes as fazendas de criaºªº' e onde o gado se
O galo-de-campina leva-nos a falar sobre a avifauna vem abeberar, como ·st1cede em Márajó, nao tem para o
dos campos, muito mais rica do qt1e supóem os observado- homem a agressividade que se lhes empresta e, em rela- .
. res menos atentos. . Apenas, porque o que aí predomina . ºªº a sua freqüencia, é diminuto o número das vítimas
sao os passeriformes de pequeno porte e pouco vistosos, que fazem.
pássa quase inteiramente despercebida. Consign~-se, Justamente em Marajó dá-se-lhes o maior co1nbate.
poréin, que esta órnis campesina hileana nada tem de sin- Aí, na época da vazante, como auxilio de longas varas,
gular e prende-se a espécies com vasta distribui~ao nos batem-se os lagos, de tal modo que os crocodilos seja111
campos-gerais do Brasil e países viziHhos, o que nao es- tangidos até.urna praia, onde ot1tros homens, quase se1n-
pantará se a respeito disso tivermos em mente o que diz a pre destros vaqueiros afeitos ao arremesso do la~o, oR
Dra. Emília Snethlage. As aves do campo, amantes da garroteiam e i!flobilizam, até que sejam n1ortos a macha:-
luz, ao contrário das silvestres que, nao raro, ocupam dadas. E assim, numa só fazenda, inatam-se, por ve-
áreas pequenas e bem delimitadas, tendo os rios por fron- zes, centenas deles, em poucas horas.
teira, encontram nos vales desses mesmos rios, isto é, Conta-se que o índio, numa prova em que patenteia
na sua vegeta~ao marginal, um ambiente aberto e ensoa- a sua coragem, gosta de dominá-los de outra mar1eira.
lhado, muito semelhante ao seu habitat natural, e por Para isso, e tendo apenas por arma, entre os dentes .for-
aí se afoitam a longas migTa~óes. tes, a ponta de.urna longa embira, póe-se a espreita so-
Se tornarmos a figura obsoleta 4a cigana, em cuja bre qualquer galho inclinado sobre o rio, até que t1m
asa ainda haverá reminiscencias, senao anatomicas, ao dos monstros fluviais, nadando descuidado, esteja ben1.
·menos fisiológicas, da membrana costal de certos lagartos ao seu alcance. Entao; com salto certeiro, joga·-se-lhe
voadores, chegaremos sem grandes saltos a classe dos em cima, abraºando-o pelo dorso. A fera, tomada de
répteis. surpresa, rabeia enfurecida e, de bocarra as escanearas,
Aí, para discretear sobre alguns dos seus represen- entre espadanas de água, busca desvencilhar"'.'se .de quem
tantes que mais caracterizam a paisagem amazonica, assin1 tao onsadan1ente a cavalgou; n1as con10 o nao con-
122 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 123

segue, em recurso extremo, ~rata logo de mergulhar. Eis cobrirá, mal descanse o calcanhar sobre qualquer terre-
quando o índio se aproveita para passar-lhe ·muitas ve- no mais fofo. Aí, de um só desses covos, retiram-se nao
zes o fio a volta das mandíbulas, já entao fechadas~ Tu- raro muito mais de cem ovos, brancos e do tamanho dos
do isso, porém, ele há de realizar num ápice, servindo- de galinha, mas perfeitamente esféricos e com a casca
se apenas da mao direita para trabalhar coma embira mole. Daqueles ainda ·se distinguem porque tem a al-
que lhe pende dos lábios. A outra, a mao esquerda, pre- bumina incoagulável ao calor e só a sua gema serve de
cisa estar livre, para calcar fundo e dolorosamente so- alimento. Ainda nessas praias, a que afluem as tarta-
bre os olhos da presa, caso esta relute eni tornar a tona, rugas em grandes bandos para o trabalho da. postura,
ao tempo em .que, já indefesa, e ainda com o au:Xílio do f az-se-lhes a mais cruel das guerras, conhecido que a cada
cordel, será .arrastada até a praia. f emea que se mata, prenhe de ovos, corresponde o exter-
Do j acaré-aºu, de carne almiscarada, até bem pouco mínio de ·inumerável prole. Viragiio é o nome que se
t e1npo quase nada· se aproveitava, exceºªº da sua graxa, dá ·a esse incrív~l processo de caºada, urna vez que, de
utilizada, as veze&, para fins grosseiros. A mdústria início, ante a quantidade de animais a apresar, trata-se
moderna, entretanto, dá-lhe hoje grande aplicaºªº ao apenas de virá:..las de patas para o ar, até que haja tempo
couro, resistente e bonito, e a sua ca~a já tem outra fina- para imobilizá-las melhor.
lidade que nao apenas o extermínio de um animal nocivo. De outras tartarugas, como a tracajá, a piti·ú e a
l\Ienos desprezado como alimento, sobretudo pelos cabeguda, ainda se alimenta a populaºªº regional, mas
bons bifes que fornece a sua raba~ilha, é o jacaretinga, nenhuma destas, já em abundancia, já pela fartura de
de tipo muito menor, mas o único crocodilo que aparece carne, pode ser comparada com a espécie grande. Nao
no alto dos rios, acima das cachóeiras. obstante, destaque-se a tracajá, cujos ovos, embora .me-
Nao há jacaré, porém, cuja carne se compare a das nores e nunca em número acima de quarenta por covo,
iguanas, os lagartos de maior ou menor. porte, que náo sao também apreciados.
raro sao vistos, aquecendo-se ao sol, .sobre galhos que se Nos campos, pela sua freqüencia, devem ser lembra-
debru~am 3. margem dos rios. dos os j_ab11tis que, a falta de outra coisa, tanto nos vale-
E já ql1e estamos em pleno aproveita1nento culinário ran1 no alto Cuminá. Gabam-lhe muito o fígado, tal-
da bicharada amazonica, passando a tratar de quelonios, vez porque no seu bojo, a nao ser este, é só tripa e mais
ternos que dar a palma as grandes tartarugas, urna das tripa o que se encontra.
maiores riquezas da regiáo. Mas estas, coitadas, além Cágado bem típico da Amazonia, e que se f osse um
da · carne muito apreciada, tem para seu mal tunas co- pouco maior seria um verdadeiro monstro antediluviano,
piosas posturas · de ovos saborosíssimos. Daí a impla-
é o horrendo matamatá, de narinas prolongadas em bico
cável perseguíºªº que se lhes move e que já vai fazendo
inverossímil a imagem daqueles rios do Orinoco, descri- fino e carapaQa cheia de bossas e arestas. · Aliás, o seu
tos por Gnmilla, e quase vadeáveis a pé enxuto, tao gran- nome indígena que, em língua aruá, segundo Goeldi, pa-
de era o núniero delas a lhes coagularem as águas. rece querer dizer pele-pele, pele-muita, caracteriza-o
É pelo fim do verao que se sai pelo lombo das praias, bem, pois que temmesmo muitas excrescencias cutaneas e
a procura dos seus ninhos, sempre muito bem dissimula- vários apendices filamentosos na cabeQa.
Igualmente a ourela dos igarapés tranqüilos e dos
dos sob a areia alva, mas que o nativo, com um tato todo
particular, espécie de visáo paróptica, facilmente 'des- igapós sombríos onde vive o matamatá, iremos de pre-
124 Gastáo Cruls t • Hiléia Amazónica 125

"
ferencia deparar a sucuriju, a cob1·a-grande, a boiúna, impérvias, na floresta ou no campo, o autor jamais vit1
de tantas lendas amazonicas. , urna só jararaca, urutu ou cascavel.
Já dissemos das patranhas que se te1n escrito a se11 Valerá descer aos charcos, para cogitar de sua fau-
respeito, fazendo-a quase sempre inuito maior do que os na coaxadora ~ E por que nao, se há ras que, .pelo seu
exemplares que até hoje puderam ser examinados com colorido, sao verdadeiros bibelos de porcelana ~ U ma
critério. O curioso é que nem mesmo viajantes de certa delas, também vista por nós, mereceu a admiraga.o de
responsabilidade se f urtaram a esses exageros. Assim, Spruce. De dorso negro, tem o ventre e as patas de
Algot Lange fala em urna que teria mais de vinte me- um belo azul-índigo, enquanto um traQo verde-vivo, a
tros de comprimento e setenta e um centímetros de dia- partir da cabeQa, lhe corre pelas faces laterais do corpo.
metro na sua parte mais l~rga. Esta, nao há dúvida, óutra, igualmente notável, é toda sarapinta4a de bran-
seria bem capaz de comer um daqueles bois inteiros, de co, sobre um fundo também intensamente azul.
trás para diante, con10 quem chupa um caju, n1as cuja Merece ainda ser lembrado o curioso sapo cunauar1t,
digestao lhe seria tao penosa, pois qu·e toda feita con1 os que impermeabiliza o seu ninho, no oco dos paus, com
dois enormes chifres a saírem-lhe boca em f ora. urna matéria resinosa, por ele segregada, e de perfume
A verdade é que tirante aquele exemplar, visto por muito agradável.-
Gardner, e que se estirava por doze metros e pico, já Tratando-se da mais vasta hacia fluvial do mundo,
serao notáveis as sucurijus que atinjam mais de. oito me- nao será de espantar que a Amazonia tenha a maior
tros. fauna ictiológica conhecida e que já decuplicou em es-
Para felicidade nossa, mas muito maior das capiva- pécies novas o número daquelas que no século XVIII
ras, qll;e. lhe sofrem feroz perseguiQao, essa cobra, por haviam sido estudadas por Lineu.
sua vez, deve ter muitos inin1igos quando jovem. E1n- A princípio, supos-se haver exagero quando Agassiz
bora extremamente prolífica, com partos de trinta e qua- computou em quase dois mil os espécimes diferentes por
renta filhos, está 19nge de ser freqüente e o-seu encontro ele coligidos no rio-mar e seus afluentes ·no decurso de
será sempre um acontecimento. urna viagem que nao chegou a durar um ano.. Mas tudo
Abaixo da sucuri, impondo-se ainda pelo ta1nanho,. o que se tem veri'ficado posteriormente, n11m terreno ain-
vem a jibóia. Esta é, porém, de terra firme, e dos cam- da cheio de promessas, dep6e antes a favor do qt1e disse-
pos secos, onde dorme de dia para ca~ar a noite. De há- ra o grande naturalista suí<;;o. Só no rio Negro, Alfre-
bitos mais modestos, satisfaz-se com pequenos mamí- do W allace orQOU em quinhentas as qualidades de peixe
feros e, . no interior, há ·quem a conserve em casa, em que pode observar, e f oi num pequeno lago desse mesmo
plena liberdade, para livrar-se da rataria doméstica. rio, o lago J anauari, das cercanias de Manaus, que o
I sto, já se ve, enquanto ela ainda nao alcan<;;ou grande próprio Agassiz apanhou oitenta exemplares ainda des-
tan1anho e só tem olhos para os animais pequenos. conhecidos da Ciencia que, .até aquela data, nao conse-
Malgrado a extensao da ·Hiléia, as serpentes veneno- guira reunir mais de cento e cinqüenta para todo o Velho
sas, ali existentes, nao ocorrem com a abundancia ·que Continente.
se sup6e, e estao longe de constituir·a calamidade pública, E note-se que o rio Negro, rio de águas pretas, po-
com milhares de vítimas anuais, por que sao responsá- bre de sedimento, falto dos capins aquáticos ribeirinhos,
veis as suas congeneres indianas. Basta dizer que du- nao é dos rios mais piscosos da regiao, sobretudo se o
rante quatro meses de viagem, por trilhas muitas vezes con1pararn1os com certos caudalosos cursos fl11viais de
126 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica . 127
"
água branca da margem direita do Amazonas, como o ria, um barracao provisório,. en1 que se entrega ativa-
Purus, o J uru~ e o Madeira. Aliás, os ríos 9-a margem mente aos trabalhos de salga e secage1n ao sol do grande
setentrional e, em primeiro lugar, os que ficam mais pró- osteoglossídeo, que lhe será o principal sustento duran-
ximos do estuário, porque mais curtos e mais acidenta- te os meses de penúria. . .
dós por cachoeiras, excec;ao do trecho sempre breve que Sim porque a despeito de toda a sua prod1g1osa
lhes fica a jusante desses obstáculos, sao ríos aos quais ictiofa~a, ·rica nao SÓ em qualidade de espécies C .:lflJO
1

eabe bem a designac;ao local de famintos. Aí, nao só em quantidade de exemplares, a Amazonia passa anual-
escasseia o pescado, como desaparecem as suas pe~as mente por urna época de escassez de víveres. ~sso se
mais importantes, tais o pirarucu e as piraíbas. E nao dá durante o inverno, quando a enchente, decuplicando
é apenas a fauna ictiológica que se empobrece. Nao ve- o volume dos ríos, faz de todó o vale um intérmino
remos também o peixe-boi, o jacaré-ac;u e as grandes tar- agua~al, por onde o pescado se dispersa erradio ou, aos
iarugas. cardumes, nas chaniádas piracemas, busca alcan~ar as
E quem f ala em pirarucu, tartaruga e peixe-boi fala cabeceiras altas, urna vez que em tempo de gestaºªº e pro-
nos tres m.a iores recursos alimentares da Amazonia, se- criac;ao, ali naqueles· sítios tranqüilos, é que encontrará
náo nos dias que correm, em relac;áo ao último, que já maiores garantías de vida a prole indefensa.
se vai tornando vasqueiro, mas de ontem e ainda de hoje E já que falamos em Il1:Ígrac;óes,. lembre~se outra, de
para os dois primeiros. tipo diverso, mas bastante interessante. ~sta ocorre
o pirarucu, já pelo seu valor economico, já pelo justamente em esta~ao oposta, no auge da est1agem, quan-
seu porte e beleza, é o peixe que logo se impoe na ictio- do certos lagos, igapós e poc;óes estao na iminencia de
logía da Hiléia. Elegante de formas e rico . de colo- secar por completo. Entao, certos peixes cascudos que
rido, pois que o· rebordo de cada urna das suas grandes aí se abrigam, e conhecidos por peixes-do-mato, porqt1e
-escamas nacaradas é de um vivo carmesim, há exemplares dotados de aparelho· respiratório capaz de lhes permitir
·com dois metros de comprimento e oitenta quilos de vida aérea por algum tempo, rastejam de ca1npo afora,
peso. Como bem observou Agenor Couto de Maga- e, destarte, mas sempre orientados por un1 instinto que
lhaes, ainda que venha variando a sua taxinomia, até nunca os trai, empreendem long_a s ca1ninhadas, ·até que
boje ninguém ousou retirar-lhe do nome o ·d eterminativo de novo alcancem o meio líquido.
das formas avantajadas e assim tem sido sucessivamen- Entre os peixes .d e couro há um que pelo tamanho
ie: Vastres· gigas, Sudis gigas e .A rapaima gigas. Di- compete com o pirarucu e até o ultrapassa. Trata-se
ga-se que .Arapaima é a sua designa~áo entre os Macuxis da piraíba, que pode chegar aos seus duzen~os quilos de
-e outros índios Caraíbas. peso. Todavía, é só no vulto que ela se n1edirá com
De um bom pirarucu obtem-se até quarenta quilos aquele, pois basta ser um peixe de couro, um peixe de
de carne, que tanto pode ser comida fresca, em saln1oura, pele, para estar de antemao condenado.. Essa crendice
ou depois de seca. Essa facilidade de conserva~áo por de que os peixes de couro sao reimosos, carregados, pro-
longo tempo é que o torna o prato de resistencia da co- vocadores de dermatoses e até de lepra, está fortemente
zinha regional, substituindo o charque e o bacalhau de enraizada no espírito popular. Tao enraizada que difí-
outras populac;oes. É principalmente nos lagos, duran- cil será fazer um caboclo comer carne de pirarara. Di-
te os meses de plena estiagem, que se faz a sua pesca. ga-se que os índios se servem da gordura desse peixe
.A.í, de setembro a outubro, o caboclo monta a sua f eito- para mt1dar a cor das penas dos papagaios, co1no vere-
128 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 129

"mos mais adiante, no capítulo r eferente a Etnografia, ) .As arraias, cujo esporáo caudal nao é apenas far-
e nao é impossível que daí tenha advindo .s emelhante pante, inas veicula ta1nbém, segregado por glandulas que
abusao. lhe estao anexas, um violento tóxico, com reperc11ssao
O curioso é que a progenie da piraíba, enquanto geral sobre todo o organismo, vivem geralmente nas
ainda tenra, nao goza dessa mesma repulsa e há quem praias, mais ou menos dissimuladas pela are·ia, e é aí
saboreie os filho"tes e filhotinho s, como sao conhecidos que muitas vezes o incal1to, pisando-lhes o corpo achata-
os filhos desse gigantesco bagre. do, recebe a sua terrível' ferroada.
Bagre que também vai freqüentemente a panela, ·sem Outro é o meio de defesa do poraque, a nossa en-
levantar os receios provocados por outros peixes de guia elétrica, que acomete os inimigos com descargas
couro, é o surubim, de que muito nos alimentamos ao que podem chegar a quinhentos volts e, .assim, deixa
subir o Cuminá; Mas esse, ainda que de bom paladar, longe os se11s dois emulos africanos. A mais, tem sobre
está longe de emparelhar com certos peixes de escama, eles a :vantagem de poder r egularizar a intensidade dos
justamente famosos na Amazonia, como o tucunaré, a seus choques, dispondo para isso de tres órgaos elétricos,
com voltagens diferentes. Sao bastante conhecidas as
pescada, o pacu, o tambaqui, o matrinxa, o jaraqui e empolgantes páginas em que Humboldt descreve a cena
tantos outros.
de urna pescaria de poraques, a que ele assistiu na Ve-
Peixes que apenas se recomendam pelo terror q11c nezuela. Como intuito de fatigar os gimnotos, isto é, de
despertam, devem ser citados as piranhas, as arraias, esgotar-lhes a capacidade de descargas, os índios tange-
os poraques e os candirus. ·
ram para dentro da água urna tropilha de cavalos bravíos
A piranha, pela sua voracidade e águ~ada serrilha e n1uitos destes. morreram afogados, porque, a.o recebe-
dentária, constitui verdadeiro flagelo de certos rios, e rem os formidáveis choques, nao se podiam mais suster
criatura vivente que neles penetre coro qualquer arra- nas pernas. A este processo de esfalfamento dos peixes,
nhadura7 por onde poreje sangue, cQrrerá o risco de ser chamavam os naturais embarbascar los caballos. Bar-
por elas impiedosamente atacada. O peixe é pequeno, basco é o nome que lá se dá ao timbó e outras plantas
mas como, nao raro, acode as centenas, nao será difícil tóxicas usadas para estuporar o peixe e, assim, eles
que mesmo um animal de vulto, boi ou cavalo, possa Rer eomparam o efeito logrado pela presen~a dos cavalos
estraQalhado em pouco tempo. aquel'e outro obtido pelo envenenamento da água.
·N em todas as piranhas mostram essa f erocidade. No Amazonas corre a versao de que o poraque, por
As mais agressivas sao as miúdas, de cor esct1ra, qlte meio das suas descargas, poe abaixo os cocos do a~aizei­
nao se encontram em muitos rios. Nos afluentes do ro, de que gosta muito. O fato é verdadeiro, mas tem
Trombetas, pelos quais viajamos por quatro meses, fe- outra explica~ao, conforme ouvimos do nosso amigo ·
lizmente só havia as de urna espécie maior, prateada, e Carlos Estevao, diretor do Museu Goeldi. A palmeira,
embora os nossos homens vivessem constantemente den- quando a beira da, água, nao rarºo enraizada num tijuco
tro da água, ocupados na vara~ao de cachoeiras, jamais mole onde o gimnoto costuma retouQar, abala-se aos mo-
qualquer deles sofreu o mínimo acidente. Em compen- vimentos deste e daí a queda .dos frutos.
saQáo, delas nos aproveitávamos como alimento, nada Parece que certos aborígines da América pré-colom-
desprezível, sobretudo as bochechas, que lhes recomen- biana, principalmente na Guiana, já empregavam as
dam os músculos mastigadores. propriedades do poraque para combater o efeito das pa-
130 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 131

ralisias e isso nao deixa de ser· digno de nota quando na Mas isso nao admira, conhecida a riqueza ictiológica do
Europa, visando ao mesmo fim, a eletroter~pia esteve nosso mar e dos nossos rios, que o fizeram essencialmen-
também em grande voga. t e piscívoro. E talvez nao foi por outro motivo que
Malgrado a insignificancia de seu tamanho, quando também por tanto tempo o colonizador andou apenas ar-
muito uns tres centímetros, sáo bastante temidos os can- ranhando o ·litoral.
dirus, coro o hábito -singular de se intrometer pelos per- Entre gente tao afeita a pesca como foi e ainda é o
tuitos naturais das pessoas que se banham nas águ~ por aborígine amazonico, nao .e spanta que se tenham desen-
eles .infestadas. J á houve quem daí tirasse a ila~áo de volvidoºem· alta escala as práticas referentes a tal arte,
que nao ·e ra por oú.tro motivo que os Parintintins e mais sobretudo quando urna enorme variedade de espécies,
alguns indios usavam trazer a ponta do. prepúcio cons- cada urna comos .seus hábitos e as suas baldas, estava a
tantemente amarrada. exigir artimanhas e e11godos especiais para capturá-las.
N uma mostra das curiosidades ictiológicas da Ama- Entretanto, 11ao será aquí o lugar para passar em revista
.z onia nunca p.oderia ser esquecido o tralhoto, único peixe toda essa complicadá balieutica da Hiléia, a que José
conhecido coro visáo adaptada para dentro e f ora da água. Veríssimo dedicou táo lúcida moriografia. Diga-se, po-
Para isso os seus olhos tero du:iis pupilas com indices de r ém, que nas suas linhas gerais, os processos de ca~a e
refra~ao diferentes. Tirando partido da regalia com pesca, oriundos das mais remotas e prementes necessida-
que o dotou a natureza, vive sempre a flor da água, nos des humanas, sao, por assim dizer, universais. o Ílosso
ríos e igarapés do estuário, isto é, na regiáo do salgado. itapuá, ou arpao cuja ponta se desprega quando o peixe ·
Além de sua faun~ autóctone, a ictiologia da Hiléia é ferido, já era conhecido Q.o madaleniano. É possível
se enriquece, nao só na orla costeira, o que seria natural, que o are.o, mais ino~o que o propulsor, já f osse US3:do no·
mas a centenas de milbas terra adentro, pelo rio-mar e paleolítico. Tanto na Costa do Marfim como na ~{alá­
seus afluentes, de inúmeras espécies marítimas que se sia, embriaga-se o peixe como aqui, por meio de plantas
afei~oararo a.vida fluvial. Para a possibilidade de-ssas tóxicas. Apenas, os timbós de lá seráo outros. E, por
migra~óes bastante há de ter concorrido o fraco desní- falar em timbó e para dar um exemplo do .que, talvez,
vel da ba~ia amazonica, permitindo que de uma maneira seja genuinamente americano, certos índios da Gl,liana
muito lerita se efetue a mistura das águas doce-e salgada. Inglesa, em vez de envenenarem diretamente a água, re-
J á fizemos sentir que condi~óes ecológicas dao cará- cheiam grandes gafanhotos com urna erva de efeitos po-
ter peculiar aictiofauna ~e certoá rios. Assim os c~sos derosamente narcóticos, e sao esses insetos que; lan~ados .
fluv1ais de água p1:9eta serao semp~e mais pobres de .es- ao rio e vorazmente abocanhados pelos peixes maiores,
pécies e, entre estas, predominarao os peixes de ~ouro. lhes vao dar a cobi~ada presa. Tal método, se é mais tra-
O Tapajós, nao contente de ser, com as suas .á guas de um balhoso, evita as matan~as em massa e faz desde logo ~a
azul oceamco, dos mais belos rios da regiao, ainda acolhe sele~ao das melhores pe~as.
no seu seio algumas jóias de barbatanas, dignas de figu- Muito teríamos que dizer se passássemos em revista
rarem nos aquários de maior luxo. a numerosa fauna invertebrada da Hiléia. Para só citar
Ao contrário de outros amerindios, que viviam pre- um exemplo," aliás colhido na classe .mais rica entre todas
ferentemente nas terras interiores, o indígena brasileiro que a representam, Wallace nao trepida em afirmar que
fol. sempre mu.ito costeiro e ribeirinho, do que dao prova e1n nenhumá outra partJe do mundo, como ali, os insetos
os abundantes sambaquis encontrados por toda parte. existem em tao grande variedade e bel~za. Confirman-
132 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 133

do isso, apenas na cidade de Ega (hoje Tefé) e cerca- As informaQoes acima f oram-nos f ornecidas pelo Pa-
nias, Bates, que lhe foi companheiro de viagem, cole- dre Antonio Giacome, das Missoes Salesianas do Alto
cionol1-os em número superior a sete mil, computados en- Amazonas, a cuja gentileza devemos t ambém t e1· conse-
tre espécies diferentes.- guido alguns exemplares do referido in seto. E s tes: por
Nao há de ser aqui, po~ém, que se fará o arrolamen- nós confiados a reconhecida competencia entomológica do
to de toda essa bicharada miúda - miúda nem sempre Prof. .A... da Costa Lima, dele mereceram acurado estu<lo,
em tamanho, se chegássemos a outros ramos - mas em pois que se lhe apresentaran1 con10 tipo de 11111 novo ge-
rela<;;ao a sua inferioridade na escala zoológica. Apenas, nero1 na família Rutelidae, e serao conhecidos doravan-·
a um ou outro de seus representantes, porque mais cons- te, para efeitos de Rj stemática, como Geniatosoma ni-
pícuos ou mais curiosos, e sernpre orientados pelo cri- grum.
tério da peculiaridade regional, dedicaremos algumas Parece ligada a esses i11es1nos coleópteros a citaQáo
Jinhas. de Koch-Grünberg que, quando em visita aos Barás, do
Deixando de parte as borboletas, com notícia especial Tiquié, e, depois, aos Tarianas, de J aguareté, tribos tam-
páginas além, urna vez que vários dos seus espécimes bém do alto rio Negro, teve ocasiao de prová-los, achan-
mais notáveis enriquecem com o esplendor do seu colo- do-os muito gordurosos e ásperos ao paladar.
rido algumas das nossas estampas, lembremos desde logo A jequitiranabóia, sem dúvida por causa da esqui-
dois grandes coleópteros, o Dynastes hercules e o Euchro- sitice da sua configuraQao; é a avantesma dos insetos.
ma gigantea, o primeiro a impor-se pelo desmedido apen- Embora sem qualquer poder ofensivo, ninguém lhe tira
dice que lhe orna a cabeQa, a maneira de chifre único, o a fama de extraordinariamente venenosa, com ferro a da
segt1ndo pela cintilagao metálica dos seus élitros, e am- fatal. . Cigarra de la muerte chamam-lhe na Colo1nbia
bos muito perseguidos pelos índios, que com eles fazem onde os nativos se deitan1, de car~ para o chao, ao de~
vários enfeites corporais, como se há de ver no cader- frontá-la. Espalhou-se também que esse homóptero era
no dedicado a Etnografia. fosforescente e que a sua cabeQa toda se iluminava como
Besouro também _m uito apreciado pelos ameríndios, urna lanterna; mas isso ainda é outra balela, veict1lada
mas agora para fins alimentares, ~ um outro que, pelos pela .naturalista pintora Maria Sibylla Merian, e jamais
meses de maio a setembro, invade o vale do rio U aupés, confirmada por qualquer observador idoneo.
as vezes em tao grande quantidade que, nas enseadas E porque nao estamos longe das cigarras, recorde-
tranqüilas, chega a cobrir a superfície da água e reveste mos a.quela cujo estrídulo tao forte e insiste11te já foi
os troncos e galhos flutuantes. Pequeno, arredondado, comparado ao apito de urna locomotiva. Ouyjmo-la vá-
de cor castanho-escura, os índios Tucanos conh~cem-no rias vezes durante a nossa vi~ge1n até as lindes da Guiana
por ucaciá, e tanto o comem cru como moqueado. Tra- Holandesa e, em plena selvatiqueza da floresta amazo-
tado por esse último processo, isto é, simplesmente tor- nica, aquele sonido agudo e penetrante, sobretudo por-
rado, o inseto conserva-se aproveitável por largo tempo que emitido a horas certas - seis da manha, meio-dia
e os selvagens fazem ·dele grandes reservas, que sao e seis da tarde-, era mesmo como o silvo de uma iná-
·guardadas em paneiros, como se processa com a farinha. quina a vapor, a avivar-nos saudades do mundo civili-
· E é tanta a alegria dos aborígines por ocasiao da zado e tao distante.
sua safra que, nas malocas, se realizam grandes festas e I.Juz que ninguém contesta é a dos nossos pirilam-
o caxiri corre em abundancia. pos, qt1e os ternos magníficos, principalmente entre os
134 -. Gastao Cruls \ Hiléia Amazónica 135
. (

" elaterídeos. Conta-se que Cavendish deixou de f3:zer de. aguilhao abdominal, pelo qual segrega violento tó-
urna de suas inúmeras piratarias em costas ~ul-amer1ca­ XlCO.
nas, porque vendo luze~ qu~ se agitavam ~a ~:aia· do Sobre o assunto depuseram Schomburgk e Spruce,
projetado desembarque, supos que a popula<}ao, Jª de so- que lhe conheceram a f erocidade, experimentando ambos
breaviso, o aguardava munida de archotes, quando o que acerbas dores no ponto da picada e graves sintomas de
os seus olhos viam nao era nem mais nem menos do q11e envenenamento geral, cuja cnlmjnancia, no primeiro des-
um enxame de vaga-lumes a fulgirem na espessidáo das ses dois cientistas, chegou mesmo até a perda completa
trevas. _ dos sentidos.
Isso torna mais verossímil o que nos f oi relatado por E pensar-se que os índios se aproveitam dessas f or-
um comandante dos naviozinhos que ligam a vasta rede migas para várias provas de iniciaQáo, como aquela que
fluvial do Amazonas. O fato ocorreu com um dos seus emancipa os rapazes, dando-lhes direito ao casamento e
colegas que se nao nos falha a memória, fazia a Jjnba do as atividades da guerra. Para isso, sujeitam-se a cal<;ar
Purus. D¿ve ser esclarecido que esses comandantes, de longas luvas de tran<}ado, ou á enfiar o bra90 por tubo~
insuperável perícia na difícil t~refa que lhe~ é cometida, de bambu dentro dos quais se colocaram mmtos daqueles
se·orientam muitas vezes por ac1dentes' da pa1sagem: urna insetos, cuja agressividade deve ser suportada com o
pedra aqui, urna árvore mais distante. Ora, justamen- máximo de estoicismo.
te aquele a que nos referimos, tomava s~mpre ,por .pon- Conta-se tambero como certo que em al~as tribos,
to de reparo, numa manobra que se realizava a no1te, e como a dos U rucuianas, um rito matrimonial fazia fechar
durante a .q ual deyia embicar P?r um c~na~, .certa luz ql1e os noivos dentro de uma rede que continha algumas des-
acusava a moradia de um habitante nbe1rinho. Acon-· sas formigas, e assim, preocupado em delas.se livrar, ou
teceu, porém, que, ·de urna f eita, esta-luz, ou melhor, ou- acossado pelas suas ferroadas, o jovem par _perdia q~al­
tra a de um grande vaga-lume, o desnorteou por comple- quer resto de pudicícia que acaso os entibiasse em tal
to' 'fazendo-o tomar
.. -
rumo. diverso e perigoso, só verifi- A
emergencia.

cado algum tempo depo1s. Por tres motivos as aran.has merecem aqui alguns
Certas-libélulas, jacinas, como por lá lhes chamam, instantes de aten<;ao. Em primeiro lugar, para que se
seriam bem dignas de aparecer em nossas estampas. recorde. um fato que só nao pode ser posto em:dúvida
Infelizmente, tudo o -que há de cores vivas nos seus cor- porque f oi observado por Bates. Nas grandes e resis-
pos esguios e irisa<;ao brilhante nas suas asas transpa- tentes teias <las caranguejeiras, até passarinhos caem .e
rentes esvai-se cedo com a morte, e os exemplares .de se emaranham e, logo vítimas da sua mortal picada,-lhes
museu', únicos de que poderíamos dispor, já nada .~es ·vao servir para futuros e truculentos repastos. N essa
mostram da antiga beleza. Nao esqu~<}amos o prodigio- situa<}ao, um já morto e outro ainda a debater-se nas ma-
so voo de algumas . delas, os gigantes da ~amília, . co1!1 lhas cada vez mais enleantes, f oi que o grande naturalista
quinze centímetros de envergadura, a se agitarem Iñ.Go- ingles pode .surpreender dois deles. · .
lumes, comas leves e longas asas de musselina, entre a Em · segun-O.o lugar, porque se estas mesmas te1as
garrancharia espinhenta da·mata. sao sempre odientas armadjlhas, nao deixam de ser mui-
A formiga tocandira é também um Golias entre os tas vezes, pela regularidade e harmonia dos desenhos, ver-
da sua famíH a, e com armas. piores ~o que . urna la~<;a,­ dadeiras criaQóes artísticas, nas quais se in~piram asín-
pois
.
que, alé.m das valentes
.
mandíbulas, se acha provida dias rendeiras do Paraguai para realizarem os seus ma-
136 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 137
"'
ravilhosos ñandiití, merecedores da atenQao de Roqt1ette- dencia das alteraQoes atmosféricas, é o que ofer ece a
Pinto. Na verdade, observando o desenho de algumas mata amazonica, aos que lhe habitam o chao ou os anda-
teias feítas por aranhas dos generos Epeira e Argiope, res mais baixos.
que na Guiana Inglesa f oram estudadas por Hingsto:r;i, Ainda segundo Hin-gston, na Guiana há oito ma-
nao será difícil encontrar correlagao entre estes aranhóis cacos, todos de cauda preensora e pertencentes a família
e as encantadoras toalhinhas de renda reproduzidas em eebidae, que vivem permanentemente na ramaria so-
belas estampas no trabalho do etnógrafo patrício. branceira e só por excegao descero até o sub-bosque. Sao
Por fim - fim qt1e nao será apenas do que quer emos ainda moradores desses cimos, entre os mamíferos:
dizer sobre os invertebrados, mas do que já ·foi dito sobre preguiQas, quatipurus, tamanduaís e cuandus; e, entre
toda a fauna da Hiléia - as aranhas nao poderiam ser as aves: araras, papagaios, tucanos, araQarís, anambés
esquecidas porque a elas estamos hoje ligados por lagos e beija-flores. Note-se que essas aves sao todas de plt1-
de f orte parentesco. Tendo trazido do Cuminá, a pe- magem brilhantemente colorida. As camadas interme-
dido de nosso amigo· ~{ello Leitao, alguns exemplares diárias cabero sobretudo aos quatis e mucuras, mas po:-
do que lá pode ser reunid<;> nessa classe de artrópodes, e den1 ser também freqüentadas, eventualmente, por bi-
verificado que no mesmo material havia generos e espé-
charada do alto. O solo é das antas, dos veados, das
cies ainda desconhecidos da Ciencia, o eminente zoólogo
deu a aguns deles classificaQao em que aparece o nome onQas e de outros mamíferos menores, que nao será pre-
ciso recordar; e, em relaQao as aves, daquelas de voo
do at1tor.
curto e plumagem escura, colhidas, na maioria, entre ·os
E agora, fin de la fin, duas palavras sobre a distri- Tinamiformes.
buigao geográfica da fauna na Hiléia. Já anteriormente, Beebe havia assinalado urna ín-
O que já ponderamos acerca da estratificaQao da tima correlaQao entre o colorido das aves e a intensidade
flora, considerada em altura, por camadas ot1 andares da lt1z no interior da floresta. Assim, tanto mais vivo
distintos, desde o solo até o zimbório das frondes, aplica- e variado seria aquele, quanto mais f orte f osse esta. E
se igualmente a fauna. Ainda aqui f oi o grupo de natu- a medida q~e se baixasse do zimbório ao chao,. aceita a .
ralistas, chefiados por Hingston, que a U niversidade divisao da mata em quatro andares, a gradual rarefa-
de Oxford enviou a Guiana Inglesa, que contribuiu, com ºªº da luz corresponderia nas espécies da avifauna um
graduaJ empobrecimento das roupagens vivas. .A.inda
larga documentaQao, para melhor comprova<_;ao de fatos
já apontados por outros. Mamíferos, aves e insetos vi- aqui o mimetismo como elemento de defesa encontra pro-
vero também por camadas, e o chao e o teto da floresta, vas que o cónsolidam, porque aquelas aves de libré apa-
tanto pelos seus característicos físicos, como pela s11a ratosa, presas fáceis para os seus inimigos, quase que
constituigao biológica, sao dois mundos a parte. Assim, passam despercebidas na festa de cores e luminárias que
os animais que procuram.o alto das franQas verdes estao vai sempre pelo estendal das copas altas.
sujeitos a grandes variaQóes de calor, luz, uinidade e ven- Diga-se que sobre esta distribuiQao estratificada
to. Gozam de um ambiente aberto e livre. Sentem maior das aves na floresta, o :riosso patricio Carlos Estevao de
diferenQa entre o sol e a chuva, a tempestade e a calma, Oliveira tem um grande acervo de curiosas observaQoes,
o verao e o inverno, odia e a noite. O contrário, isto é, feítas .durante vários anos _nos arredores de Belém, mas
um ambiente muito mais estável, muito menos na depen- que, infelizmente, até boje permanecem inéditas. Aliás,
138 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 139
"
evidenciado como o f oi por Hingston e seus companhei- seis), que é quase s·e mvre subs~tuída por ~utra,_ ama_:e-
ros, que a alssemina<_;áo dos insetos também se su?ordina la, se vai para o lado em ·que existem tambero possessoes
a essa mesma separa<_;ao por camadas, nada mais plau- européias ( Morpho .hecuba).
sível de que muitas aves a acompanhem, urna vez que Bosquejando táo-só em 111!1 ou outro dos s~~ ~sp~c­
todas sao mais ou menos insetívoras, e todas devem ter tos mais flágrantes o panorama da fal1?8: am~zom~a, ªJ1-
também um paladar mais ou menos biqueiro. da assim fácil será compreender .as du~das e hes1ta~?es
que nos assaltaram quando, diante de tao grande. e rico
Os grandes ríos, largos e caudalosos, exceºªº das · material mas só dispondo de .doze pranchas· destinadas
suas nascentes, formam também fronteiras, e estas de a sua r~presenta~áo iconográfica, tivemos que fazer a
todo intransponíveis, para certas espécies zoológica~.
Estabelecem-se assin1 verdadeiras comunidades fauníst1-
nossa
.
escolha. , . . .
Allás, por se tratar de um repertorio a cuJa organiza-
cas, com representaºªº bem pecul~ar e _?.istinta, ~tal pon- ~ªº sempre presidiu o. critério - ~e dar destaque. e pref~­
to que até _ao olhar menos prevemdo ?ªº.passara sem re- rencia ao que, por caracteres de b~leza e colorido, mais
paro essa diferenºa ent~e os seu~ 3:mma1s. ., se recomendasse ao pincel dos pintores, <l:esde logo, por
Henri Coudreau d1z que viaJando pelo J amunda, motivos óbvios afasta.mos de cogita~o a fauna mamal,
afluente da margenÍ esquerda do .Amazonas, com c~bo­ para só conve;gir ás nossas vistas sobre aves, peixes e
clos do Tocantins,- estes nao queriam comer o guar1ba- insetos. E ainda assim, mas· já agora para atender a
vermelho daquele rio, pois que só conheciam o de pela- uro maior objetivismo científico, optamos por aqueles
gem preta; da regiáo meridional da Hiléia. . tipos que pudessem fi~ar n,a~ nossas estampas ero ta-
A mais, foi justamente observando os macacos da manho natural ou: mmto proXJmo de~te. Destarte, se
.Amazonia que W allace di~diu o grande vale em quatro
distritos distintos, da Guiana,.do Equador, do Peru e do
entre os insetos isso nao nos trouxe
. nenhw.n . emb~ra~o,
,
o mesmo acontecendo entre os peixe~ - ·po1s que so en-
Brasil, cuja separa~áo é fe~ta pelos rios ;\mªz?nas,. Ne- tre os menores os chamados peixes de aquário, é que es-
gro e Madeira, e dos qua1s certas especies Jama1s se . tao as suas mais' belasijóias ~, já Iio me10
. das aves~ nao-
afastam. Mas estas barreiras fluviais nao cerceia.m tanto pela riqueza do colorido, como pela graciosidade
apenas os símios. Isolam também outros anim~is. A das suas formas, talvez tenham sido menosprezados o
· cutia-de-rabo só é vista na margeín esquerda do r10-mar. jacamim, tao expressivo da regiáo, e urna ou duas
.A.inda as cutias, e também, como já referimos, os guari-
gar~as
1
• ,.
bas, tem nessa mesma margem o pelo mais arruivado, en- A despeito de tudo, nao quisemos tomar a nos a
quanto na margem Q.ireita, até hoje, ainda nao chegaram responsabilidade única de tao dificultosa esco~a, .e, para
a água oxigenada ou o henné. É verdade que a moda vem isso, recorremos a grandes nomes da noss~ ?1enc1a, ~oro
sempre de París e a Guiana Francesa está também a especialidade em cada uro dos setores zoologicos q~e nos.
margem setentrional do grande rio. A arara-azul, ara- interessavam. Assim, para. a sele<;ao de aves, peixes e
raúna só freqüenta a faixa meridional. Igualmente o borboletas, ouvimos respectivamente a palavra· dos Pro-
ara~arl de crista escamosa e várias · arirampas. Até a
borboleta Morpho enfeita as asas diferentemente, con- 1 . O que se diz neste par~grafo, náo se aplica a ~tual edi-
forme voe aqui ou ali. Se passeia sobre território apen~s c;ao, em que todas as .gravuras, pelo formato do volume, tlveram de
americano, guarnece-se coro uma lista azul ( M orpho cis- sofrer sensível reduc;ao de tamanho.
140 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 141
,.
fessores Olivério Pinto, Agenor Couto de Magalhaes CouDRE~U (Henri) - ·V oyage au /amundá. Paris, 1899.
e Eduardo May, aos quais nao sabemos como testemu- CREVAUX (J.) - Voyage dans l'Amérique du Sud~ Paris, 1883.
nhar o nosso agradecimento pelo interesse dispensado a CuTRIGHT (Paul Russell) - The Great Naturalists Explore South
America. New York, 1940.
este trabalho, cujo exito, se acaso o tiver, será també111
DAHL (Fr.) - A Fauna do Pará. ("Boletim do Museu Paraen..
devido, em grande parte, a aten<.;ao que lhe dedicaram o se". Tomo l. Fase. 1-4. Pará, ·1896).
Professor J oao Moojen de Oliveira e seus distintos au- DARWIN (Ch.) - Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo.
xiliares no Museu Nacional. Tradu~áo de J. Carvalho. Rio.
Diga-se ainda que se algumas das aves representa- DITMARS (Raymond L.) - Reptiles on the World. New York,
das páginas adiante sao raras mesmo na Amazonia, mui- 1937.
to mais difícil, .para nao dizer impossível, seria te-las EowARDS (William H.) - A Voyage up the River Amazon. New
aqui ao alcance de nosso aquarelista. Por isso, em u111 ou York, 1847.
outro caso, porque nao lhe fossem bastantes as pe<_;as con- FARABEE (William Curtis) - Explorations at the Mouth of the
Amazon. ( "The Museum Journal". University of Pennsylva-
servadas de museu, viu-se o artista na contingencia de nia, Philadelphia. September, 1921).
recorrer a melhor iconografia clássica, como os álb11ns F ARABEE ( William Curtis) - The Amazon Expedition. ( "The
de Gould, Descourtilz e Goeldi, ainda que a todos os Museum Journal". University of Pennsylvania, Philadelphia.
seus trabalhos buscasse emprestar sempre um curtho Mareh-June, 1917).
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l:>AVA.OZINHO-DO-PARÁ

INDA menino, quando mal sabíamos o que era a


A Amazonia, já nos tínhamos familiarizado com a
elegante figura dcsta ave, sem dúvida urna das
mais peculiares a regiao. Na chácara de u1na parcnta,
em Laranjeiras, havia um desses pavóezinhos, que an-
dava as soltase, diariamente, a hora do almo~o, subindó
urna escada, chegava até a varanda da sala de jantar, na
certeza de q1ie aí seria aquinhoado com qualquer gulodi-
ce : migal has de pao ou f arelo de bolo.
Sim, po.rq11e cmbora essencialn1entc insctívoro, .de
onde o seu outro non1e de pavao-papa-tnosca, ele, co1no
tantas outras aves e bichos, com facilidade se torna 11111
comensal do home1n. Lcmbra-nos ter lido que 11111 galo-
da-serra, quando transportado do Pará para a E11ropa,
estava na imincncia de finar-se porque recuRava todo e
qualquer a1imento que lhe era apresentado. Foi q11ando
ao set1 dono, já cansado de desafiar-lhe o capricl1oso pa-
ladar,. ocorre11 oferecer-lhe pedacinl1os de bon1bon1 de
chocolate. E daí por diante, o problema fico11 definiti-
vamente resolvido. Ora, ainda que o caca11 scja de' ori-
gem americana e 1nesmo endemico na Hiléia, nño nos
consta que entre na dieta do galo-da-serra e, n1t1ito 1ne-
nos, o seu produto já industrializado.
Mas tornemos ao pavaozinho-do-pará, para snrpre-
ende-lo agora no . seu habitat n~tural, preferentemente
sempre solitário, a beira de furos e igarapés son1brios,
mas gostando também de apanhar o sen bocado de sol,
como depoe o americano Rusby, na seguinte passagem:

PRANCHA XIII - PaYaozinho-do-parú: Eurypyua helias.


146

PR. XIII
148 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 149

"Achei muitas das aves desta regiao tao interessan- r eal, aliás de pllm1age111 i11con11)araveln1ente n1ais rica.
tes con10 as plantas. Urna das mais encantadoras era a Mas essa parece.n ºª' pelo i11enos de atit11des, é bastante
chan1ada ave-sol (Aurypyga helias) 1• Só pude ve-la flagrante, tanto assin1 que, na Guiana Francesa, tan1-
111na vez, cmbora me dissessem que elas nao eram raras. bé1n lhe chan1a1n Paon, des palétuviers e Petit paon, des
Tive urna excelente oportunidade para observar por roses.
algum tempo esta que se me deparou, aprox~inada~ente Por outro lado, Goeldi, nao sem razao, encontra-lhe
do tamanho de un1 f rango, com f orinas ina1s esgu1as e certa sen1elhanQa com algumas borboletas noturnas, nao
penas brilhantcmente coloridas. Vive na mata f (;chada, só pelo variegado da plu1nagem, con10 ta1nbé1n p.orque as
mas procura as clareiras ensoalhadas, para realizar as pintas ferrugíneas, que nela se desenham, nao deixam de
suas dancas acrobáticas. A que eu vi, estava numa abor- r ecordar os grandes olJios que ornam as asas daquelas.
ta bein iÍun1inada, corri- uns dez a doze pés de diametro, A ve ímpar na ordem dos Gruiformes, o paváo-do-
situada no meio do can1inho. Corria rapidamente, fa- pará pertence a família reduzidíssirna, de um só genero,
zendo círculos da direita para a esquerda, coma asa di- exclusivan1ente americano, e co1n duas únicas espécies,
rcita bem levantada, evidentemente para que tivesse sendo qlle destas, parece que apenas urna ten1 o seu ambi-
n1aior estabilidade, nao só para rodar com n1ais rar)idez
e scguranQa, coino também a fim de inverter o n1ovi1nen-
a a
to co11finado Amazonia, ou melhor, Hiléia, enquanto a
ontra é tan1bé1n conhecida na América Central.
to. Entao salto11 no centro do terreno e aí se pos, aos Por n1uita gentileza do Prof. Agenor Couto de ~Ia­
pulinhos1 i)ara cin1a e i)ara baixo, ora sobre os dois pés, galhaes, o nosso aquarelista pode aproveitar-.s e de urna
ora apenas sobre um. J-'evar1tava a cabeQa tao alto 91~an­ das gravuras do sell E1isaio sobre a Fa.u1ia Bra.sileira
to possívcl, para, de repente, curvando o dorso, aba1xa-la para realizar a nossa prancha XIII~ N ela o Pa.váoz·i-
até o chao. Alérn desses movimentos regulares, cntrc-
n.Ji o aparece con1 a vantagem de, en1 i)le110 voo, deixar
gava-se a inais extravagante série de sal!o~ e ~abriolas
ver 111elhor o esplendido colorido das Sllas i)enas.
que in1aginar se possa. Era clar? que nao hav1a ?- 1~c-
. nor rcla~ao entre aqueles saracote1os e qualq11er obJct1vo
11rático, con10 a procura de ali1nento~. Tratava-sc1 s~n1 BIBLIOGRAFIA
dúvida, de urn sin1ples f olgur.do em instante de alegria.
BEEI3E {Mary Blair and C. William) - Our Search for a Wil-
\ T-isivclrncnte, a ave scntia-sc rnuito feliz e isto cleu-1ne derness. New York. 1910.
tan1bém vontadc de participar do se11 brinquedo." BEEBE (William) , HARTLEY (G. Inness) and HowEs (Paul G.)
Devcn1 ter sido ccrtos adcn1ancs scns dnrant(! essas - Tropical Wild Life. Vol. l. New York City. January. 1917.
·danQas, q11ando, nao raro, distcndc ~8 as~~ e ahre u eat~la D ·ÜRBIGNY (Charles) - Dictionnaire U niversel de ·Histoire Na-.
en1 lcqnc, qnc lhe tronxerarn aprox1n1a~ao <-01n o l><l vao- turelle. Paris, 1843.
GoELDI ( Emílio Augusto) - As Aves do Brasil. 2 vols. R~o de
1. Traduzimos o seu sunbird por ave-sol e nao pássaro-sol Janeiro, 1894. ·
porque nao se trata de um passeriforme. Na Guiana Francesa MAGALHAES (Agenor Couto de) - Ensaio sobre a Fauna Brasi-
chamam-lhe também oiseau du soleil. Na Guiana Inglesa, tanto leira. Sao Paulo, 1939.
é conhecido por sunbird como por sunbittern, ou seja alcaraváo do PINTO ( Olivério Mário de Oliveira) - Catálogo das Aves do .Bra-
sol. Aproveite-se para dizer que houve erro na grafía do seu no.- sil. (Separata da "Revista do Museu Paulista". Tomo XXII.
me científico, que é Eurypyga helias. Sao Paulo, 1938).
150 Gastáo Cruls
..
R1BEIRO (Alípio de Miranda) - Esbo~o Geral da Fauna Brasilei-
ra. ( " Recenseamento do Brasil'•. Vol. l. lntroduc;áo. Mi-
nistério da Agricultura, Indústria e Comércio. Río de Janei-
ro. 1922).
Rusav (Henry Hurd) - /ungle Memories. New York and Lon- PAPAGAIOS
don. 1933.
SNETHLAGE (Dra. Emília) - Catálogo das A ves Amazó,zicas.
( "Boletim do Museu Goeldi''. Vol. VIII. Pará, 1914). ~I MAPA do início do século XVI nao S01110S nlais
E do que a B1·asilia sive te rra papagalli. Quanto ao
1

pau-brasil, pode ser. Para os papagaios, há positi-


van1ente exagero. Das qt1ase seiscentas espécies qt1e con1-
poe1n a orde1n dos Psitaciforn1es, nao nos pertence1n 111ais
do que urnas oitenta. ~fas, apesar de tt1do, fo1nos ¡)or
algun1 tempo a Terra dos Papagaios. Para isso, há de
ter concorrido a prin1eirá impressáo dos descob1·idores.
Na verdade, paprigaios e araras e1·an1 abunda11tes J)Or
aqui e deles os índios vivia1n rodeados. Tinham-nos do-
1ncsticados. Aproveitavam-lhes as penas para os sct1s
cnfeites 111ais vistosos. Ia1n mais longe, mudavan1-lhes
até a cor, conseguindo, por processo astt1cioso, qt1e papa-
gaios verdes lhes dessen1 penas an1arelas, das 111ais cobi-
~adas, porque das nlais difíceis de encontrar. . .A.liás, a
Yozearia dos })rimeiros 111arujos que lcvaran1 para Portt1-
gal un1 carreg·an1ento de })at1-brasil, jnntava-se a grazi-:-
nada de 111uitos papagaios e periquitos.
Embora nao tenha111os as lindas cacatuas da At1s-
trália, náo f oi preciso condescendencia para qt1e, n1esmo
nnn1a redt1zida n1ostra 4e aves da Hiléia, pudésse111os
aprescntar dois dos seus })apagaios. Ao contrário, tal-
Yez outros, com justa razáo, se julguem prejt1dicados. E
acoden1-nos logo a lembranQa a marianinha (Pio·n ites
leucogaste r), a graciosa curica-de-cabeQa-preta (Pion,op- ·
1

sittacus barraban,di) e o tuim-de-máscara-amarela (Bro-


toge1~ys sanctithoniae).
!fas em nossa escolha entrou também o critério da
raridade e, deste ponto de vista, tanto a gt1arajuba como
o anaca teriam que ser preferidos.
151
152 Gastáo Cruls

Se a guarajuba, de plun1agem quase que con1pleta-


mente an1arela, fosse mais co1nu1n, talvez gue os índios
nao tivessen1 descoberto o interessante processo da tapi-
rage (o termo é do frances crioulo da Guiana), a que já
aludin1os, e como qrial contrafazian1 a cor dos papagaios.
Posto que esse artifício parega t er tido por centro de
dispersao o norte amazonico, principaln1ente as r egióes
sob influencia aruaque, já estava inuito divulgado ao
tempo dos primeiros povoadores. .Assim, já a ele se re-
ferem Gandavo, Gabriel Soares e outros. o· índio, para
consect1Qao do se11 desejo, depena o papagaio e, depois,
esfrega-lhe sobre a pele e introduz-lhe inesn10 nos f olí-
culos pilosos a substancia que alterará a cor das futuras
penas, f azendo com que em vez de verdes nasgan1 amare-
lo-alaranjadas ot1 amarelas pintalgadas de ver1nelho. ..t\ .
substancia descolorizante mais lltilizada é o sangue e a
gordura de algUllS SapOS e ras, que agelll pelo \TenenO Se-
cretado por glandulas c11taneas desses batráquios, con10
acontece com ara Hylaplesia tinctoria, cujo no111e cien-
tífico terá i)rovindo n1es1no do grande uso que dela se
faz para tal fin1. !\1as igual r es11ltado 'pode ta1nbén1 ser
<>btido com a gordl1ra do peixe pirarara e outros, e até
dando de comer aos papagaios a carne desses n1esn1os
peixes. Certos da eficiencia da pirarara nessa despig-
mentagao das i>enas, os indios e caboclos ten1e1n con1e-Ia,
na convicgao de que produz doengas da pele, co1110 o pu-
rup11ru, dermatose muito espalhada entre algn1nas tribo~
indígenas. . Parece que coro a seiva de certas plantas
também se pode conseguir a tapirage. .Aliás, quer N or-
denskiold que a altera.;ao da cor ·das penas seja antes
provocada pela mudan<;a do regin1e alin1entar sofrida
pelos papagaios, quand~ en1 cativeiro,. do que n1esn10
pelas tais fricgóes cutaneas a que os índios os s11bn1ete1n.
E cita o caso dos Arect1nas, do Roroin1a, q11e ta1n-
bém consegue1n a tapirage por i11eio do llrucu, nao só
PRANCHA XIY - Em cin1a, o anaca, Dcroptyus accipitr·in'lls
Lin.; . e1nbaixo, a guarajuba, Guaruba guarouba Gn1ellin.
·PR: XIV
1
154 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 155
"
usado em esfregaQáo sobre a pele, como ainda dado de pois que pertencera a t.ribo dos Atures, já de todo extinta.
mistura a água bebida pelos psitacídeos. Para Rabaux }.{as mes1no nos te1npos modernos, os louros palradorcs
é indiferente que seja externa ou interna a via de pene- ninda podc1n prestar bons servi~os. Conta-nos Pal1l
traQáo da substancia descorante, desde que atinja os tc- Morand que, em Singa1mra, n11ma casa de hábitos s11s-
cidos e possa ser absorvida. peitos, havia dois papagaios, lllU a entrada e Olltro a saÍ-
A g_uarajuba (guaruba, arajuba, ararajuba, ajuruju- da. O primeiro atraía os transeuntes, dizendo: "En-
ba, quijubatuí, tanajuba). deram também o nome de pa- tre! Por aqui: Come in!" E o outro, a porta dos fun-
pagaio-imperial, porque ela tem na sua plumagem as co- dos, aconse1hava: "Chame o inédico: Call the doctor!"
res da nossa bandeira. Toda de amarelo-ouro, tem a penas l\Ias tanto a nossa "n1alenconizada" guarajuba, co1no
tarjada de verde a extremidade das asas. A respeito o irritadi<;o anaca n11nca se snjeitarian1 a i11ister tao
desse psitacídco, disse Cardim, no seu Tratados da Terra hun1ilhante, i1ela sin11)les razao de qt1e nunca fora1n vis-
e Gente do Brlisil: "Chan1a-sc este passaro Guigraju- tos a fa]ar 1•
ba, se.,. passaro amarelo; nao fallao, ncm brincao antes
sao muito mal_cnconizados, ·e tristes, mas muito ~stin1a­ 1. Já estavam escritas estas linhas quando o autor encontrou
urna referencia de Von den Steinen a certo papagaio anaca, que
dos, p~r se tr~zcre1n de dnzcntas, e trczentas l~guas, e nao vivia entre os Jurunas e falava corren temen te o dialeto desses índios.
se achao; scn~to cm casas de grandes r>rincir>acs, e ten1-nos
~n1 tanta estima q·uc dáo rc_sgatc, e valia de duas pcssoas
BIBLIOGRAFIA
_p or um dellcs, e tanto o cRt1n1ao como os ,Japocs as trc1r1-
pes, e panellas, e qualqucr outros senhorcs algt1ma cousa CARDIM ( Fernao) - Tratados da Terra e Gente do Brasil. Rio,
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Quanto ªº anaca, fogc tanto a forma comum dos nos- G0Eio1 (Emilio Augusto) - As Aves do Brasil. 2 vols. Rio,
1894.
sos de~ais ~apagaios, 51uc Buffon o supos urna espécie
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_d a índ1a Oriental traz1da para aquí, e, dcpois, tornada de l'allemand par J. B. Eyryes. París, 1828.
selvagem. IHERING (Dr. R. von) - Da ·'\lida dos Nossos Animais. Rio Gran.-
Distingue-se nao só I)Cla riqucz~ do colorido Cl11 que, de do Sul, 1934. ·
sobre um :fundo verde sedoso, s~ combina1n vários tons, MELLO LEIT.A.o (C. de) - Zoogeografia do Brasil. Sao Paulo,
como pela gola de penas finas, ver1nclho vivo, margina- 1937.
das de azul, que se eriQa cn1 arrogante crista quando a MÉTRA ux (A.) _..,, La Cit1ilisation M atérielle des I ndiens Tupi-Gua.-
ave está irritada, o que acontece frcqüentcmcntc. Daí rani. Paris. 1928.
o seu outro nome de papa,qltio-de-coleira. Conheccn1-no MÉTRAUX (A.) - Une Découverte Biologique des lndiens de
também por vanaquiá e iá ou iá-iá, estas duas últin1as l'Amerique du Sud: La Décol,oration Artificielle des Plumes
sur les Oiseaux Vivants. ( "Journal de la Société des Améri-
vozes pela onomatopéia. dos s9us gritos rascantcs. canistes de Paris". Nouvelle Série. Tomo XX. 1928) .
. . Os psitacídeos passam por ter vida longa, e assin1 já PINTO (Olivério Mário de Oliveira) - Catálogo das Aves do Era.-
d~z1a Alexandre Dumas: "Os egoístas e os papagaios sil. (l.~ parte). Separata da "Revista do Museu Paulista".
vivero cento e cinqücnta anos." Foi gra<;as a essa sna Tomo XXII. Sao Paulo, 1938).
longevidade e também ao seu poder de eloc11<;ao que RIBEIRO ( Alípio de Miranda) - Revisáo dos Psitacídeos Brasilei-
Humboldt, quando no Orinoco, soube da existencia de ros. ("Revista do Museu Paulista~·. Tomo XII, 2." parte.
um deles que falava cousas ininteligíveis para os. índios, 1920).
156 Gastao Cruls

SANTOS ( Eurico) - Da Ema ao Beija-flor. Briguiet fJ Cia. Rio,


1940.
SNETHLAGE (Dra. E.) - Catálogo das Aves Amazonicas. ( .. Bo-
letim do Museu Goeldi". Vol. VIII. Pará, 1914).
SouzA (Gabriel Soares de) - Tratado Descritivo do Brasil em
1587. 3.• edi\ao. Sao Paulo, 1938. '
SURUCUÁS E BEIJA-FLoRES
STEJNEN ( Karl von den) - O Brasil Central. Trad. de Catarina
Baratz Cannabrava. Sao Paulo, 1942.
ESTA 110SSa zoologia basta11te insl1b111issa as regras
WALLACE (Alfred Russel) .- Travels on the. Amazon and Rio
Negro. Fifth edition. London. 18.95.
N da sisten1ática, 111as a que o lcitor já eleve estar
afeito, nao espantará que se reú1ian1 aves tao di-
versas e a1Jc11as co111 un1 {111ico po11to de1 contacto: a ri-
queza do colorido. ~las se é só por este inotivo q11e elas
aqui aparecem, e até s11cede que fignrem 11a ines1na es-
tan1pa, ta111bé111 nao es1Jantará que de un1as e 011tras se
fale qt1ase ao mesmo tempo.
Aos sl1r11ct1ás pertence lm1a das inais. belas aves do
inundo, o quetzal da A1nérica Central, antiga111cnte ob-
jeto de culto entre os Astecas, e cujas pe11as e11feita-
van1 o turbante de lI011teznn1a, ainda hoje - conl1ecido
o se11 l1orror ao cativeiro - sín1bolo da liberdade para
os guatemalenses, q11e a trazem figurada i10 sell escudo.
Se até as n·ossas nlatas náo chega esta inaravill1a da
fa11na neotrópica, vive na Hiléia o sell irn1ao afi1n, o
Pharoniac·rus pa·vo·ninus, o uir;atu, dos índios, aquele que
sen1 lhe clispl1tar a arrogante cabe~a en1pe11acl1ada e a
n1ajestosn ca11cla em arco, pavoneia-se, ·e11tretanto, com
os seus i11esn1os tons de 011ro, es111eralda e l'llhi.
Diga-se, porén1, ql1e os surucuás só se reco1nendam
pela plu111age111, en1 llns com predon1i11ancia clo a1narelo
na barriga, en1 011tros, do vern1ell10, 111as sempre ein jl1s-
taposi~áo a ot1tras cores berra11tes e com reflexos n1e-
tálicos.
. l\_ Y(lR tristes, soH8(\gadas, de grito f ortc e siucor>ado,
111as n1elancólico, e111polej.ran1-se por in11ito ten1po n111n
a
1nes1110 gall10, espera ele que qltalq11er inseto lhes passe
ao alcance do bico 011, quando ml1ito; ·de llITI pequeno
157
158 Gastáo Cruls
,.
voo, pois que logo retornam ao ~eu pot1so preferido. A
mais, nlostram-se de urna fragilidade extr~1na. Sobre
um corpo exíguo e leve, au111entando-lhe o vulto, em ca-
111ada espessa distribuí-se o esplendido frouxel de penas
finas, mas pronto a despregar-se ao n1enor esforQO. Isso
faz o desespero dos colecionadores, que raro lhe conse-
gue1n tu11a pele perfeita.
É chocante a po~reza com que se veste111 as fen1ea_s
dos su1·ucuás, verdadeiras gatas-borralheiras ao lado dos
seus con11)anheiros, de tao rico e variado gt1arda-rot1pa.

Parece que a prin1eira notícia a respeito dos beija-


flores foi dada por Oviedo na st1a Historia, Ge1ieral y
N atu,ral de las Jn,clias Occidentales, aparecida e1n Toledo
e1n 1526. Daí para cá, n1uito se ten1 escrito sobre essas
"jóias da natureza", con10 lhes cha111ot1 Buffon, exclusi-
van1ente da An1érica tropical, e qt1e fazen1 o deslumbra-
n1e11to de qnantos as veen1 i1ela i)rin1eira vez; 111as nada
existe qt1e se compare a adn1irável 1110nografia, tao rica- ,
i11c11te ilustrada, qt1e lhes dedicot1 Got1ld, e foi mais tar-
de concluída por Sl1á11)e e -SalYin.
Ai11da que os tenhan1os Cln profu sao e, Ul11 potlCO
J>or toda i)arte, q11er nos nossos jardins, quer nos can1-
l)OS e nas 111ata.s, surja1n a adejar sobre as flores, nao é ao
Brasil que cabe ·ª i11aior riqt1eza en1 colib1;is, n1as antes
.a zona subandina de i)aÍ~es vizinl1os nossos, con19 a Bo-
lívia, o Pert1 e, i)rinci1)aln1ente, o Eqt1ador.
Tal é a graQa dos beija-flores, tal a ~ulgt1raQao das
s11é1s i)enas, tanta a ligeireza das st1as asas, a p ern1itir-
lhes, en1 .vibra"ºªº inun1erável, parar no esp.aQo e voar
para tr~s, que, até 11oje, a crendice i)opular os te1n co1110
parentes i)róxin1os das_bórboletas. Assin1, nao só estas
se i)oderian1 i11etan1orfosear naq11eles, co1110 e111 borbo-
letns ta1nbé1n se ti·ansforn1aria1n as avezinhas. - O curio-
so é qt1e algtms do~ nossos primeiros cronistas deran1 cur-
PRANCHA XV - Ern cin1á, o snru cuú Pharonzacrus paz;oninus
~, en1baixo, o beija-flor Topaza pyra. PR. XV
160 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 161

.. so a esta fantasia e a propósito dos beija-flores escreve san1 ser · um verdadeiro escrínio de gemas raras : es111e-
Cardin1: "Ten1 clous· principios de sua ge1·a.;ao: uns raldas, rubis, topázios, safiras e ametistas.
se gerao de oYos, co1110 outros i)assaros, outros de borbo-
1etas, e he cousa para ver, uma borboleta comeQar-se a Vive exclusivamente nas matas amazonicas un1 dos
converter neste passarinho, porque justamente he bor- n1ais belos e n1aiores beija-flores : o Topaza pyra. E1n-
boleta e passaro, e assim se vai converter neste formo- bora do tamanho de urna andorinha pequena, já pode ser
sissimo passarinho; cousa maravilhosa, e ignota aos plri- considerado t1m gigante da família e com ele só co1npe-
losophos, pois hum vivente sem corrupQao se converte tirá, aliás, unicamente no vulto, pois que muito me11os
noutro." rico de colorido, o Patagonia gigas, do extremo sul do
Observe-se, porém, que certas borboletas crepuscu- nosso continente. Nao há exagero em falar aqui de gi-·
lares, da família Sphingidae, de asas curtas e corpo gros- gant es, se i1os le1nbrar111os do Oalipte heleria, de Cuba,
so, t en1 mesmo q.ualquer cousa dos colibrís, e, quando em que nao pesa nlais de mna grama, e da ponta do bico ao
voo, também procurando as flores, é fácil a confusao extre1no da cauda, ambos bastante longos, tem apenas
e11tre ambos. Bates confessa que, muitas vezes, chegou duas polegadas e 1neia. Vale lembrar que no Topaza
a atirar em Lepidópteros pe11sando que visava beija- pyra o comprimento total da ave é muito favorecido
flores. Na verdade, para ele, a forma da cabeQa, a po- p elas duas longas penas pretas, medianas e cruzadas, que
' siQao dos olhos e a longa probóscida, a simular um bico, · lhe ornam a cauda, excedendo todas as outras.
fazem grande a aproximaQao entre a mariposa e o bei- De~te beija-flor, em cuja roupagem se associam
ja-flor. E Bates vai mais longe quando afirma, em re- u~uit.as cores, con10 o vern1elho cobreado, o verde, o i)reto
laQao aos Troquilídeos: "A falta de expressao nos sel1s e o roxo, i1as mais inesperadas cintilaQoes, e que na opi-
olhos, o pequeno grau de versatilidade nas suas aQoes e niao de Gould é o mais bonito de quantos se conhecem
a rapidez e precisao dos seus 111ovi1nentos sao todos pon- nun1a numerosa família que conta mais de quinhe11tas
tos de semelhan~a entre eles e os insetos." espécies, N atterer colecionou vários exemplares as inar-
Nao só dos naturalistas o beija-flor arrancou gritos gens .do rio Negro.
de espanto. O nosso índio dava-lhe também nomes dos
111ais poéticos. Ora era guanu1nbi ( raio de sol) 1, ora
BIBLIOGRAFIA
guaraciaba (cabelo do sol), ou guaracigá ( frt1ta do sol),
ot1 ainda guaracigoba (cobertura do sol). BATES (Henry Walter) - The Naturalist on the River Amazon.
Como se ve, sempre a mesma liga~ao co1n o sol, pois London, 1895.
en1bora tenham eles as n1ais variadas cores, verde, ver- BouRBIER ( Maurice) - L'Evolution de l'Ornithologie. Paris,
1nelho, amarelo, azul e violeta, o que predomina em qua- 1932.
se todos é a flamancia, é a per1nanente coruscaQáo as CARDIM ( Fernáo) - Tratados da Terra e Gente do Brasil. Río,
inciden cias da luz, fazendo com que, a t1m só tempo, pos- 1925.
CA STELNA u ( F rancis de) - Expédition dans les Parties Centra-
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1. É esta a tradu~áo que a guanumbi ou guainumbi empres- París, 1850-1851.
t am vários autores, embora Theodoro Sampaio lhe de o significa-
CUTRIGHT ( Paul Russe11) - The Great Naturalists Explore South
do de individuo preto~azulado. ·
America. New York, 1940.
162 Gastáo Cruls

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IHERING (Dr. R. von) - Fauna do Brasil. Sao Paulo, 1917.
MAGALHAES ( Agenor Couto de) - Ensaio sobre a Fauna Bra..
sileira. Sao Paulo, 1939. ·
E hot1vc n1esn10 qt1en1 passando os olhos pela órnis
universal, a classificasse de mais lindo pássaro do
mundo: "the most beautiful bird in the world." Se nao·
PINTO ( Olivério Mário de Oliveira) - Catálogo das Aves do
Brasil. (Separata da .. Revista do Museu Paulista". Tomo vumos a tanto, lembrando-nos de certas jóias aladas da
XXII. Sao Paulo, 1938). Oceunia e até, inais perto de nós, do soberbo quetzal, da
SANTOS ( Eurico) - Da Ema ao Beija.. flor. Rio, 1940. Guatemala, a ave sagrada dos Astecas, teremos de convir
SANTOS (Eurico) - Pássaros do Brasil. Rio, 1940. que numa f amília como a dos Cotingídeos, de elementos
SNETHLAGE (Dra. Emília) - Catálogo das Aves Amazónicas. tao conspícuos, pela riqueza da plumagem, penacho que
( "Boletim do Museu Goeldi". Vol. VI 1l. P ará, 1914) • por vezes lhes orna a cabeQa, e esquisitice ou agudeza da
voz, mantém ele a palma entre o ntrmeroso grupo· dos
. -
seus irmaos.
A1iás, muitos foran1 os motivos por que, desde logo,
o nosso gctlo-da-serra despertou a atenQao dos mais ·no-
táveis naturalistas que percorreram a Biléia. Em pri- ·
meiro luga1~ assinale-se a sua cor, nada comum entre as·
aves, un1 alaranjado vivo, cetinoso, ardente, e que levou
W allacc a compará-lo a um corpo flamejantc, quando
o su1~preendeu, pela primeira vez, destacando-se sobre o
f undo v.erde da mata. Verril, ao ve-lo em voo, teve a
imagcm de um raio de sol, passando de um galho a ou-
tro. N um "pássaro de fogo" fala o 1'Iarques de W avrin
ao descreve-lo.
Há também a singularidade da suu crista, dispos-
ta eu1 leqt1e, · perfeitamente semicircular e que, abran-
gcndo toda a cabeQa no sentido longitudinal, é móvel e
dupla i1a frente, podendo abrir-se em duas folhas qt1e,
por vezes, a set1 talante, lhe cobre inteiramente o bico.
Essa cl'ista, igualn1ente cor de laranja, aprcsenta qt1ase
163
164 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 165

~ a Slla orla um estreito friso vermelho-purpurino, O que cies, co1n. algumas características bem marcadas. e áreas
mais lhe aumenta a faceirice. As asas, curtas e obtu- diferentes de disseminaQao. A.ssim ternos o Rupicola ru-
sas, tem as coberteiras superiores e as rerriiges de um picola (L.), que é o nosso galo-da-serra ou galo-do-pará,
pardo quase preto, com largas f aixas brancas transver- cuja distribuiQao geográfica abrange a regi~o n:ontanl10-
sais. A cauda é pequena e quadrada, também de t1n1 sa das Guianas, sul da Venezuela e da Colombia e norte
pqrclo-acinzentado bastante escuro, mas' terminando com do An1azonas; e o Ritpicola peruvian,a (Lath.), que i)a-
un1a franja quase branca. Corpo espesso e c~eio. Tar- rece nao ocorrer em território nacional e vive no oeste
sos curtos e fortes. O pássaro mede, quando adt1lto, t1n:s setcntrional da América do S.ul, desde a porQáo ociden-
trinta centímetros de comprimento. . tal da Venezuela até o norte da Bolívia.
Mas náo pára aí, na graga das suas linhas e no es- Este último é um pouco maior que o Rupicola rupi-
plendor da sua roupagem, o interesse provocado pelo colct te1n tonalidade mais carregada, tirante ao verme- .
nosso galo-da-serra. · Trata-se também de um exímio lho. 'Além disso, a sua ca11da, mais longa, é inteiramente
danClarino, capaz dos mais inesperados volteios e figu- negra, sem o debrum esbranquiQado 9.ue já assinalamo~
raQoes com que, em certas épocas do ano, talvez procure para o nosso. De igual modo, a crista, toda numa so
requestar a companheira para a estagáo dos futuros cor, é desprovida da f ímbria mais escura. Ao que cons-
amores. Foi Richard Schomburgk quem, com a auto- ta, o Rupicola peruviana vive em grupos e jamais al-
ridade do seu nome, pela primeira vez, .se ocupou minu- guém o surpreendeu entregue a danQas. .
ciosamente desses verdadeiros torneios coreográficos, em Daq-u i por diante, tudo o que se disser será relativo
que tomam parte vários pássaros, e que, por demais fan- a espécie que também nos pertence e CtljO habitat princi-
tasiosos, haviam .sido postos em dúvida por muita gente. pal dentro das nossas fronteiras, está no alto rio Negro,
E foi isso ainda urn motivo para que mais se aguQasse sob~etudo nos seus afluentes da margem direita. Con-
a c11riosidade em torno do famoso Qotingídeo, esquivo de signe-se a sua presenQa, aliás muito rara, ao sul da linha
hábitos e pouco .encontradigo, dado que só vive em re- do Equador, onde foi visto por Paul Le Cointe e Adol-
1notas paragcris, nao raro de difícil acesso, já no alto dos . pho Ducke, próximo aos campos do A.riramba, no vale do
rios, onde as águas se despenham em cátadupas e o ter.:. Trombetas.
reno é pedregoso e acidentado. O galo-da-serra chamou-se de início Pipra rupicola;
Pois assim 1nes1no, só para conhece-lo, náo foram depois Rupicola crocea; depois Rupicola a·u rantia; final-
pot1cos os viajantes que enfrentaram todos os riscos. mente Rupicola rupicola. Os aborígines dao-lhe tam-
Para isso, Wallace fez jornada especial a Serrado Co- bó1n vários non1es.· Entre certas tribos da Gtriana In-
bati, no rio Negro; Leo Miller chegou até as cabeceiras glesa ele será ciienaro ou cu/niiaru. Crevat1x viu-o cris-
do !.Iadalena, no sul da Colombia; e mais perto de nós, mado de nieú, quando viajava pelo Oiapoque. En,eterno
en1 1910, Frost veio expressamente da Inglaterra a dirao os índios Tucanos, dorio Negro, numa voz que ex-
G·uiana Inglesa para, junto das cachoeiras do l\fazaruni, prime o que t eni a serra, o que v·i ve nlt serra. Gctll~:to e
co11firmar as observaQóes de Schon1burgk. gallo de las piedras apelida1n-no os espanhóis da Vene-
O genero Rupícola tem lugar a parte entre os Co- zuela, sendo que desta última designac;ao há de ter vindo
tingídcos, e já honvc <JlH'ln o qnisc~Rc 8Cparar nu111a. nova o cock of the rock de generalizaQao entre os ingleses.
família, a dos Rupicolidae. Todavia, sao poneos os seus Torna-se dos inais flagrantes o din1orfismo sexual
-representantes e nclc apenas se c11qnadra1n dnas espé- do Riipicolct. Enquanto o macho se i)avoneia ostentan-
166 Gastiio Cruls Hiléia Amazónica 167
,.
do a mais esplendida plumagem, a feme a, um pouco me- . canto, no que sao muito hábeis, sopram numa folha de
nor e quase sem crista, veste-se modestamente, traja11do ubim colocada entre duas palhetas de aruma.
cores sombrias, de um pardo oliváceo, quase negro, ape- Como acontece com a maioria das aves de plumagem
nas aqui e acolá salpicado de urna ou outra pena ala- brilhante, a voz do galo-da-serra muito deixa a desejar.
ranjada. . Será antes um grito, e grito rouco, como aquele .que se
Fato curioso: ao nascer, os filhotes sao todos pretos consegue com as línguas-de-sogra do nosso carnaval.
e só mais tarde se dá a diferenciagáo entre os elementos Quase sempre ele o repete de tres a cinco vezes, e para
masculinos e f emininos. Esclarega-se, porém, que os isso, de cada vez, abaixa a cabe~a, como se a emissao de
machos já saem do ovo como bico e as patas amarelas, tal som lhe pedisse algum esforgo. Em outras ocasióes,
e isso os distinguirá logo das femeas, cujo bico e patas porém, quando parece assustado ou enraivecido, tero
sao pretos. Darwin diz que o dimorfismo _sexual desse um pio breve e agudo, dado a mais longos intervalos.
Cotingídeo nao é apenas para agradar a sua companhei- Assinale-se ainda um estalidó seco, igual aquele que ero
ra, mas é também um exibicionismo de defesa e intimida- outras aves é consegri4lo, nao raro, pelo atrito das asas,
~áo. Aliás, o galo-da-serra é briguento e, com boa ca-
mas que nele parece ser também de origem vocal.
pacidade de voo, a despeito da plumagem vistosa, nao Penas de táo raro colorido como as do Ru¡ñcola nao
tem muito ~ recear dos seus eventuais inimigos.
Há dive1,.gencias quanto a época em que esses pás- podiam deixar de ser aproveitadas pelos indígenas, na
saros se acasalam, mas o mais provável é que a procria- confecgáo de capacetes, colares e pulseiras. Tornararo-
gao perdure durante os meses de estiagem, de novembro se mesmo célebres certas redes fabricadas pelos índios
~íaquiritares, do Orinoco, nas quais a plumagem bra-
a maio. O ninho, de formato arredondado, f eito de
barro e recoberto de matérias resinosas, aparece sempre sina dos galos-da-serra aparece sempre na ornamentagao
fixado a urna pedra, a maneira do que fazem as andori- das suas varandas. Lembre-se que o papo-de-tucano,
nhas. De preferencia, para a sua localiza~ao, é sempre usado em dias de gala pelo nosso primeiro Imperador,
escolhido um sítio i11acessível e bem abrigado,· nas an- f oi mais t:;trde substituído por outro, com que se para-
frattiosidades de qualquer rocha abrupta. Os ovos, do mentava D. Pedro II, e feito com as penas do galo-da-
tamanho dos de pombo, quase sempre em número de dois, serra. Para isso, todos os anos, era remetida do longín-
sao brancos, com grandes manchas f errugíneas na sua quo rio Uaupés, no alto rio Negro, para o Rio, urna de-
extremidade mais larga. Diz-se que um mesmo ninho terminada quantidade <l.e peles de Rupicola.
pode servir para várias posturas. Apenas, anualmen- O galo-da-serra passa por ter constitui<lao delicada,
te, antes de cada incubagao, súfrerá revestimento novo de suportando dificilmente a vida em cativeiro. Mas isso
fibras, líquenes e musgos. Nao raro encontram-se vá- nao é verdade, principalmente pa_ra aqueles que sao
rios ninhos num mesmo local, as vezes dispostos uns aci- apanhados ainda jovens e aos qu.ais se fornece alimenta-
ma dos outros, o que mostra que ao menos em certa épo- ~ªº variada. Tanto assim ser muito freqüente encon-
ca do ano os galos-da-serra vivem em grupos. É nos trá-lo vivendo na maloca dos índios, entre os seus ou-
ninhos, ou entao nos seus campos de danga que os índios tros xerimbabos. Convém nao esquecer, entretanto, que,
costumam pegá-los, usando para isso finos lagos feitos en1bora se trate de aves frugívoras, faz-se necessário dar-
com fibra de tucum. O Conego Francisco Bernardi- lhes, urna vez Oll ot1tra, alin1entaQao protéica, que lhes
no de Souza diz qt1e os aborígines, para irrútar-lhes o s:upra a falta de insetos, que cagam quando em liberdade.
168 Gastáo C'ruls
,..

Assim, ao lado do mamao, da laranj a, da banana e de


muitas 011tras frutas com que se contentam, 11ma vez que
nem sempre poderao ter o aQaí e muito menos certa
frutinha vermelha de urna Melastomácea, a que alude
W allace ( é possível que na pimenta malagueta, quando
be~ madura, de que gostam tanto, encontrem um suced.a-
neo daquela), deve-se ministrar-lhes também a sopa de
miolo de pao embebido em leite e mesmo um pouquinho
de carne. Sobre ess.e ponto, o autor fala com experien-
cia própria, pois que há mais de tres anos tem tres n1a-
chos e urna femea vivend~ perfeitamente bem nun1 vi-
veiro. O Rupicola, ao contrário do que sucede com ou-
tras aves trazidas do extremo norte, mostra-se bastante
resistente as variaQües climáticas do Rio de J aneiro.
Isso, entretanto, nao espantará, se tivermos em mente
que, no seu habitat natural, ele vive quase sempre em re-
gioes montanhosas, a 500 e 600 metros de altitude.
E agora, tornemos as suas danQaS que, infelizmente,
parece que só se realizam diante de um público nurne-
roso, mas público também constituído de galos-da-serra
e, assim, nunca tivemos a ventura de ve-las praticadas
no nosso viveiro. É verdade que, aoque se diz, trata-se
de urna festa pré-nupcial e, até h~je, ainda nao notamos
que a nossa representante do belo sexo (a expressao aquí
chega a ser um eufemismo) fosse motivo de rivalidade
entre os tres galos que vivem a seu lado.
Reportemo-nos, portanto, a Schomburgk e Verril
se o leitor quiser ter urna idéia do que sejam os meneios
coreográficos do galo-da-serra.
XVI - · .A estampa apresenta o ualo-da-scrra nu-
PRANCIIA
ma atitude um pouco foq;ada, mus na qual, nao ra1;0, o snrr)reen-
demos no nosso viveiro. Esta posi~ao tem a vantagem de mostrá-lo
com a cauda distendida, podendo-se ver bem assim a orla esbranqui-
~ada que a margeia. É este um dos ele1nentos que distinguem o Ru-
picola rupicola do Rupicola peruviana, cujas penas cauclais sao toclas
pretas. PR. XVI
..
170 Gastao Cruls liiléia Amazónica 171
,.
Diz Schon1burgl~ : cetin1 cor de lara11ja, soberbo topete, e cauda e asas de
·'Quanto n1ais subía111os, n1ais difícil se tor11aYa o yeludo 11egro. No centro, tres desses 111aravilhosos pás-
ca1ninho, e mais an1iúde éra111os obrigados a dcsca11sar; saros r ealizavam danQas. Enfunava111-se, espa11ejavau1
c11quanto assi1n ocupados, de repente ouvi111os, nao 11iui- as penas d~ tal inodo que parecia111 cluas e tres vezes 111ajo-
to longe, o be1n conl1ecido grito do galo-cla-serra. In1e- r es ; erguian1 as asas aci111a do dorso, co1n a cauda erecta,
diatan1e11te, n1eus co1npanheiros l)t1sera111-se de rasto, e tan1bé1n frocadas as plu1nas do pescoQo e da i·abadilha,
con1 as armas prontas, e um deles, volta11do-se 11ara 111ün nnn1a série de franjas brill1a11tes. Con1 a grande crista
.
d isse-me i '
que. o acompanhasse co1n cautela e a passos le- en1 se1nicírculo, abri11do-se e f echa11clo-se co1no 11111 leque
ves. De gat1nhas, ro1npendo por entre os ran1os, tería- donrado, esses tres i)ássaros i)avoneava1n, en1 atitucle ar-
mos dado uns ini~ passos, quando a ininha curiosi<la<le, roga1ite, o I>eito estofado, rijas as i)atas, fazendo roda
já espicaQada, se det1 por satisfeita, e, ao acocorar-1110 ao aos l)Ulinhos, Ulll a volta do Olltro. De vez e1n quando,
lado dos outros índios, fui testemtmha de t1m espctá- encontravan1-se frente a frente, jogava1n a cabeQa para
culo n1uitíssimo i11teressante. Na superfície lisa de luna {liante e para trás, cu1nprimentava1n-se tao n1esureiros,
i)edra íngre1ne, u1n grupo dos lindos pássaros estava que o bico lhes tocava o chao, depois recuavam e avanQa-
danQan~o: espetáculo que muitos ornitologistas puseran1 Yan1, co1110 se en1penhados nmn co111bate feroz, e brusca-
en1 dúv1da, embora nao só meu irmao mas muitos íi1dios 111e11te alQavan1-se do solo, dando estranhos grasnados,
já me tivessem falado a respeito. Enquanto uns vinte e libravan1-se nos ares, de asas vibra11tes, como verdadei-
pássaros, empoleirados nos arbustós que rodeavan1 o ros beija-flores. Por fin1, deixava111-se cair sobre o ro-
ca~11po de recreio, emitiam as notas mais peculiares·, e chedo. As Yezes, todos os tres ton1avan1 parte 110 torneio,
evidenten1ente formavam urna platéia .atenta, un1 dos ot1 ben1 dois dentre eles ficava1n imóveis, enquanto o ter-
inachos i·ealizava cabriolas sobre a face limpa do alca11- ceiro continua-va a exect1tar o bailado, e de tempos a ten1-
til: inuito orgulhoso de si ·1nesmo, levantava e abaixava a 1>os lnn ou dois da11Qarinos cessava111 brusca1nente de cum-
ca11da ben1 expandida e agitava as asas igualmente aber- 1)rin1e11tar e cxibir-se e, abaixando as penas e a cauda,
tas, e assin1 contin11011 a representar até que, parecendo ian1 ton1ar lugar entre os espectadores.
exa11sto, voou para o inato, e o seu lugar foi to1naclo por Frost, ao co11trário do que diz a n1aioria dos autores,
out1~0 macho. As femeas, nessc meio ten1po~ e1nitiani 11ao Yitl f emeas presentes a festa. As aves de roupage1n
un1a nota toda especial e, se1npre ate11tas e en1bevecidas, escura qt1e, por vezes, assistia1n ao espetáculo, eram sen1-
ao regresso do bailarino fatigado, clavam tu11 grito que 1)r e r epresentantes joven.s do sexo masculino. Ele ac]1a,
<lc11otava aplauso. Nao pude impedir que t1n1 dos i11dí- 110 entanto, que as femeas possam estar presentes, mas
ge11as clcssc u1n tiro, o que fez dispersar o alegre ba11do, conserva11do-se sen1pre 11os galhos mais altos e distantes,
ficanclo f cridos, no chao, quatro dos seus con1pone11tes. ~~ s ob o abrigo da folhage1n. Frost desmente també111 o
V crril, n1ais verboso, assin1 se refere a n1cs1na ce11a: que se propala a respeito do preparo prévio dos campos
·Retu1idos nesta platibanda lisa, dcbruQaclos nas a11- J)11de se vao realizar as danQas. O que acontece é que já
fratnosidades da rocha, sob as pla11tas e as Jiar1as en1 .ao fim da i)ri1neira reuniao, o local se acha pe1·feita1nen-
flor, ¡Jerccbemos t1111a dúzia e meia ot1 n1ais de pússaros. te lünpo, devido aos saltos e violentos arrasta1nentos das
~Iavia algtunas femeas sobriamente vestidas, como 111011- asas e da cauda que os pássaros executam quando cm
Jas, de pardo-escuro, mas havia inachos na sua libré de pleno f renesi da festa.
172 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 173
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1 . Além das obras constantes da lista abaixo, e na qual ape...
nas apontamos aquelas que tratam mais pormenorizadamente do
assunto, ainda nos servimos, para a confec<;ao destéi noticia de
p~eciosas i~forma<;óes que, a respeito · da distribui<;áo geográfi~a e
diagnos~ diferencial dos Rupicola nos foram fornecidas, por carta,
pel? emine~te zoólogo patrício Olivério Pinto. Igualmente, quan...
to ~ ecolog1a da ave, foram-nos de muito proveito algumas obser...
va<;o_es. que. nos teve a gentileza de enviar o nosso ¡<lmigo padre
Antonio Giacone, das Missóes Salesianas do alto .fio Negro.

'
,.

OUTRAS COTINGAS

possuindo un1 representante com os atributos


M
ESJ\10
de beleza e elegancia do galo-da-serra, a f a1nília
dos Cotingídeos é tao rica de outros lindos pássa:..
ros qt1e grave injustiQa seria se nao lhes fizéssemos aqui
qualquer referencia.
Um déles, que cedo despertou a atenQao dos natu-
ralistas viajantes, a comeQar pelo nosso Alexandre Ro-
drigues Ferreira, foi o Oephalopterus ornatus, o nosso
pavao-do-niato, anambé-preto ou toropixi, também co-
nhecido por alguns índios como guiramü"mbocó e iiira-
minibé, e a que os ingleses deram o nome de u1nbrella
bird.
Oabega-alada e pássaro-sombrinha porque o que mais
o caracteriza é o esplendido capacete de plumas negras
e crispadas que lhe ornam a cabeQa, formando um verda-
deiro cocar, que tanto se abre como se fecha, a maneira
de u111 guarda-sol, e, quando bem f rocado, é um denso
tufo de penas pretas a lhe cobrirem os olhos e o bico
fo rte. Outra peculiaridade st1a é o apendice carnoso,
revestido de penas imbricadas, que ostenta longitudinal-
mente sobre o peito e cuja extremidade, perfeitamente li-
vre, se prolonga em borla saliente. Dizem que essa ex-
crescencia também é passível de movimento, e tanto mín-
gua para se tornar quase invisível, como cresce e se en1-
pola num bem patente penduricalho. Nao seria impos-
PRANCHA XVII - Em cima, A esquerda, a cab~ do pavao-
do-mato: Cevhalopterus ornat~ts; e, A direita, o cururá: Cotinga
cotinga; no centro, o saurá: Phoenicircus carnife:c; e, embaixo, a
Ootinga cayana.
174
PR. XVII
176 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 177
,.
sível que esse lóbulo estivesse en1 conexao comos órgaos A ve esquiva, que só freqüenta as den~as matas, o
vocais, de tal modo qt1e, qt1ando be1n insufladq, ajt1dasse Oephalopterus nao é de fácil encontro, e sem o auxílio dos
o Oephalopterus a emitir o seu grito cavo e prolongado, nativos, que lhe ·conhecem os hábitos, os dois natura1is-
lembrando urna nota de instrumento de sopro. Daí tas talvez nao o tivessem reunido as suas cole<_toes.
aquele seu ot1tro nome, já citado, uira1nimbé, ou pássaro- Parece que ele náo é raro·no alto Orinoco. Segun-
trombeta. do depoe Schomburgk, nos enfeites de plumária usados
Diga-se que a náo ser essas singularidades, a a-ve náo pelos índios ~faionéons, habit~ntes das margens do Pa-
terá outros atrativos. De grande porte, co1n cinqüenta . rima; veem-se com bastante freqüencia a crista e o apen-
e cinco centí1netros de comprimento, inteiramente f>I'eta, dice peitoral do paváo-do-mato.
na opiniao de W allace tem bastantes pontos de parecen-. Falar de outrás cotingas é ter diante dos olhos" as
~a com os cor-vos. sete cores ·do 'espectro solar. . Nao tornaremos ao galo-da-
Apenas o preto da sua roupagem enriquece-se de serra, de que já ..dissemos tanto, mas cuja roupagem fla-
belas cambiancias metálicas de um verde-azulado como vescente e, as vezes, de um alaranjado quase brasino, nao
nao se encontram naqueles. pode ser esquecida. Acodero-nos, entretanto, os anam-
J á referimos ·que esse Cotingídeo náo passou desper- bés azuis, Ootinga catinga, Ootinga cayana e Ootinga
cebido de .Alexandre Rodrigues Ferreira a quem deve- maynana, em que os tons cerúleos e esmeraldinos sáo .
ria ter cabido a honra da sua primeira descri<;ao. Disso tanto mais vivos e iriantes quanto contrastam coma placa
ternos a prova examinando um dos seus álbuns de es- violácea ou lilás ,que lhes decora o peito. E a.inda o
tampas, ainda inéditos, e onde aparece um bel<> desenho Phoenicircus carnifex, n1ais modestamente conhecido por
do payáo-do-mato. Mas ainda aqui, como em outros ca- papa-aQaí ou s~urá, sendo que os índios lhe dáo um nonie
sos, foi infeliz o grande naturalista brasileiro. Um dos bastante poético, araciuirá, isto é, pássaro-do.-raiar-do-
exemplares dessa mesma ave, mandado entre as suas co- dia. É q·ue, em verdade, ele traz mesmo nas penas o ver- !
le~oes para I"'isboa, caiu entre as máos de Geoffroy Saint-.
melho afogueado dos .céus da antemanha. Lembremo'.'.' ·
Hilaire, durante a ocupa~ao de Portugal pelos france- nos também da Querula purpurata, que se diria de luto ..
se náo fosse a gorjeira carmesiin com que se enfeita, pro- ·
se~ e que, levando-o para Paris, chamou sobre a curiosa
vavelmente paJ;a nao destoar das suas irmás mais vaido-
avé a aten~o do mundo científico, náo só porque lhe de- sas. E, por fim, superando a todas, nao pela riqueza do
dicou minucioso estudo, mas, porqu~, para classificá-la, seu· manto, sem dúvida de brilho mais ofuscante em ou- -
precisou também criar um genero novo. tras, mas pelo gesto com que nele as cores se distribuem
.Apenas,. Geoffroy, que lhe conhecia vagamente a - cores raras entre as aves: tons vinhosos entre o ver-
procedencia, deu o anambé-preto, que entre nós ocorre melho-sombrio e o roxo-morado de combina~áo com o
exclusivamente na Amazonia, como existente nas cerca- branco --:-, surge a XiphOlena punicia, .bacacu de uns ín~
nias do Rio de J aneiro, erro que só mais tarde foi corri- dios, ulabala de outros, pacoque na Guiana Inglesa, no-
gido, após a expedi~áo · de Castelnau. Este ca<lou-o entre mes que -dizem menos do que o Ampelis pompadora com
Nauta e Peba, no }.{arañón, quando descia .do Peru. que, de início, f oi designada pelos cientistas~
Mais tarde W allace dele conseguiu bons exemplares nas Náo só pelo colorido as cotingas tem pontos de con-
ilhas alagadi~as que se distribuem pelo leito d9 1~io Ne- tacto comas gemas raras. Como acontece comos rubis
gro, náo muito longe da sua foz. e outras pedras preciosas, elas também mudam de cor ·
178 Gastáo Cruls

pela aQáo do calor artificial. Fúi is'so o que verificot1


Castelnatl e1n relaQaO a Cotin,ga cotinga, Clljas p enas,
quando aquecidas, passam do azul ao róseo e depois ao
vern1elho. Co11sa igual Beebe aplll'OU no tocante a Xi-
pholena punicia., e1n que os tons granadinos, pela n1es111a
aQao do fogo, yao até o an1arelo-palha.

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PRANCHAXVIII - · Em cin1a, Querula purpurata; no centro,


o bacacu: Xi.pholcna punicia; e, embaixo, a Ootinga ·m aynana.
Pa. XVIII
Hiléia Amazónica 181

n9ssas cambaxirras, os outros· se enfeitam com asma.is


vivas cores. Ali~s, o nome uirapuru, que quer dizer pás-
saro-pintado, se aplica mais .a estes .do que aqueles, a
que só por um engano ou urna falsa observa~ao .poderá
UIRAPURUS E SAíS ter cabido semelhante designa~ao.
Falan1os e1n falsa observa~ao na idéia de que, ini-
NTRE as aves da Amazonia, nenhu1na terá prestígio cialmente, ao ser ouvido o cantor, por coincidencia esti-

E igual ao do uirapuru, o cantor 111ágico das suas sel-


vas. Várias sao as lendas q11e o tornara1n fa1noso.
Quando vivo e. a cantar, faz-:-se o silencio a sua "Y<?lta e
vesse nas suas cercania·s um dos outros, qualquer daque-
les de plumagem vistosa, que logo sobre si chamaria a
atenQao de quem s.e preocupava em conhecer o gorjeador
toda a bicharada acode pressurosa, atraída pelas etéreas incomparável e nao trepidou em atribuir-lhe as vocaliza-
harn1onias que lbe brotam da garganta de ouro. Morto, ~oes argenteas. .
é amuleto dos inais·disputados, e feliz daquele que o pos- E a propósito desses dois uirapur:us, o uirapurt1 mu:-
snir, poi.s que nao conhecerá contrariedades, terá tudo o Ricista e o uirapuru de roupagem brilhante, merece ser
que desejar. .. referido aqui o que nos contou o Sr. J oao Carlos Correia
Morto, porque q11ase i1npossível será apanhá-lo vivo, Barbosa, que já serviu na Comissao Brasileira:DemarGa:..
e só a seta da zarabatana o vai buscar sobre os galbos dora de Fronteiras, no setor oeste; e que quando se acha-
altos onde se desfaz em trinos e regorjeios. Ou, entáo, va acampado as margens do rio· Querari, aflt1ente do
porque, quando em cativ~iro, queda-se cn1 absoll1to m.l1- U aú11és, ouviu," por várias manhas consecutivas, um pás-
tistno, e logo depercce e morre. Raro de canto inin1itável, pela extraordinária riqueza
Em questoes de amor, o talisn1a será propício aos das suas modula~óes. · ..A.o Sr. Barbosa afigurou-so des-
dese jos n1ascnlinos 011 f emininos conforn1e o passarinl10, de logo que tais redobres só poderiam ser impt1tados ao
j á traspassado ·pelo dardo do índio, venha ter ao chao de uirapuru, e sobre o assunto pediu a opiniao do índio Co-
hrnQÓs 011 do costas; e as dádivas, de que é pródigo, ain- beua que o acompanhava. =

da J!Oderao ser á1rmentadas se qualqt1er pajé o preparar Disse-lhe o índio que o pássaro que assim cantava
com .a resina do sapo c11nauaru 011 o pó das f olhas do ·n ao era o t1irapuru, que· mal sabia dar alguns pipilos e
caraJuru. só se recomendava pela .beleza das suas penas. Aquele.
· Se grande é, poré1n, a anréola q11e o cerca, inaior que ele ouvia·~odas as ni.anhas era o uirapur~-pataqüera,
ainda é a confusao em torno da vcrdadeira identidadc do de plumage1n discreta, entre o cinzento e o ruivo, mas
uirapuru, ou melhor, do verdadeiro 11ira.purn, o ca11tador, que era, de fato, o maior cantor entre todas as aves da
pois que muitos outros passari'nhos sao conl1ecidos por regiao. E acrescentou que na sua tribo havia o hábito
esse mesmo nome, embora nenhum deles tenha as. suas
qualidades vocais. E o curioso é que se, pelo ca11to, nada
os aproxima, também tudo os afasta no que se refere a
·plumagem. Enquanto o uirapun1 verdadeiro, 01i seja o
, de ministrar as crian~as pequenas o cérebro desses dois_
passarinbos: o do uirapuru-pataqüera,. para que elas
aprendessem a falar depressa e, mais tarde, tivessem fa-
cilidade para versar vários dialetos; o do uirapt1ru -para
músico, veste-se com tons neutros e tem muita col1sa das que se desenvolvessen1 bem, apresentando belo aspecto
180 fí.sico. . ·
182 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 183
"
Como se ve, ainda aqui, mais urna aplicaQao daquela qne~ ao que c~nsta, ja,mais se distingniram pelo canto.
t erapeutica por analogia ou opoterapia de efeito, tao co- Ñluitos deles sao tambem conhecidos por atan,garás e ou-
mun1 entre os ameríndios, e de que já citamos outros tros por cabega-encarn,ada ou cavega-bran,ca, conforme a
exen1plos em capítulo anterior deste caderno. cor das p enas que lhes coroa1n a cabeQa a inaneira de
P ataqiierc¿, cn1 língua geral, segundo reza Stradelli, r>cque~o .casco. Citam-se: P ipra, f a~ciic~uda f asci·icau-
quer dizer prostituta, e nao sabemos por que tao vcr- da, Pip1 a erythrocephala erythrocephala, Pipra ery-
gonhoso epíteto se associot1 ao no1ne do máximo cantor throcephalcb rubrocapillct, Pipra pipra cephaleucos, Pi-
das nossas sel vas. Conversando sobre esse assunto c@n1 o 'f!'t.lb cO~"'onatcb coelestipil~cita, l~iprr.b riatteri, Pipra iris
Professor Basílio de ~ifagalhaes, aventou este erudito tu- iris'. JJi.pra aureola aureola, Teleonenia f ilicaiida e Ohi-
pinólogo qne, talvez, o Sr. Barbosa houvesse ouvido mal '>"OXi phia pareola pareola. Dcstas, se1n dúvida a ma.is
o non1e ~~díg?n~, que poderia ser iiiraqiiera, isto é, pássa- f or1no~a é ~P.. i:is iri&, que parece diadernada I)¿r opalas
ro-qu e-Ja- exis ~iu,, ou n1elhor, pássc¿ro-feiticeiro, o que, e111
<la ina1s rica irisacao.
~

verdadc, cond1z bem COl:ll a lenda de pássaro encantado _ Só aí, entre Trogl?ditídeos, Vireonídeos e Piprídeos
que scn1pre cercou o uirapuru . c~tao dezcssetc passarinhos que: com o mesmo nome de
. l\1as voltemos ~ identidade do uirapuru. Ainda ql1e nirapnru, q~1e~cn1, ser o, citaredo da Hiléia, quando 0
mu1to pouco se saiha a seu ·respeito, está hoj e mais ou Orfcu am.azonico e t1m so e, como já dissemos 7 tudo leva
n1enos aceito que o 11rodigioso gorjcador é o L eucolepia a crrr scJa o L eucolepia arada arada.
arada arada da família Trogloditidae. N esse mesmo E1n 192~, ou~in:o-lo, sc1n ve-lo, as margens do Ere-
genero L eucolepia há Olltras tres espécies amazonieas, o pe~uru, nas imed:ag~es da C~choeira do Breu. E aque-
L. araclc¿ 11ioditlatrix, o L. arada salvini e o L. arada gris- l as ~naves c~nsonancia8, part1ndo de luna moita de vege-
solateralis, que tan1hén1 sao assinalados como bons ca11- t~Q~o s?1nbr1a e cerrada, onde tudo era quietagao e mis-
tores. Tanto assim que a todos, inclusive ao L. arada, terio, tinham qualquer cousa de sobrenaturaL
arada, o povo tanto chama de uirapurus como de músi- Era 1:Jm gen.io da flore~ta. a s~pr.ar por flauta mági-
cos. Sao todos passarinhos pequenos, sem nenhum real- ca e da qual ohtinha as mais incriveis n1elodias.
Benjau1in Rondon, que se achava ao nosso lado e
ce de co1·es, e em cuja plumagem predominam matizes ., .
qnc Jª o ouv1ra algn1nas vezes, assiin r eproduz nm dos
'
entre o cinzcnto-pardo e o vermelho-ferrugíneo.
se n ~ tc111as preferidos:
A f an1ília Vireo1iidae pertencem ainda alguns pas-
sarinhos, igualmente notáveis por altos dons vocais, e
que Vl1lgar1nente se apelida1n uirapurus. Sao eles o H y-
lophilus ochraceiceps rubrifrons, o H. ochraceiceps lutes-
ce1is e o H. ochrciceiceps luteifrons. No Pará, é ao pri-
meiro dest es q11e se confere o título de excelso cantor
das suas matas, e daí ser ele apontado como o uirapuru
verdadeiro.
. Quanto aos turapurus de plumagem faustosa, estes,
sim, verdadeiramente pintados, pois que ostentam as
roais deslumbrantes cores, alista1n-se entre os Piprídeos
184 Gastáo Cruls
,.
Sim, porque o que mais espanta n<;> canto do uira-
puru é a sua extrema variedade. Já Spruce, que, por
coincidencia, o ouviu também junto de urna cachoeira e
no mesmo río Erepecuru, anota da ·seguinte maneira o
motivo que, por muito repetido, melhor se lhe fixou na
retentiva:

Em publica~ao anterior, supondo dizer 11ma boutadé, .


alvitramos que a diversidade entre essas duas frases ml1-
sicais talve.z pudesse ser explicada por lim grau de aper-
.f eiQoamento nos recursos vocais 40 uirapuru, urna vez
que entre urna e outra haviam decorrido maís de oiten.t a
anos. Mal sabíamos nós, entretanto, que urp. musicista
vienense; cujo trabalho vemos ·c itado por Eurico Santos,
já chegara a conclusao de que o rouxinol contemporan-co
de Homero estava longe de ser o maravilhoso cantor clos
nossos dias. . , .
Ás viagens de William Beebe no interior da Guiana
, Inglesa é que se devein as melhores observaQoes sobr~ o
·uirapuru. Isso porq~e o grande natu.r alista· americano
l'nANCHA XIX - T>e dma para l>aixo:
Colona a esquerda:
Pipra crythrocephala rubrocapilla.
Pipra coronata coclestipileata.
Pipra pipra cephalcucos.
Coluna do centro:
Oyanerpes cyaneus cyaneus.
Pipra fasciicauda scarlatina.
Calospiza schranki.
Coluna a dlrelta:
Pipra natteri.
Chiroa:iphia pareola pareola.
Pipra iris iri8. ..
PR. XIX
Hiléia Amazónica 187
186 Gastao Cruls

pol' vál'ias Yezes :::;e deleitou con1 os chill'eios do extraol'- Phengopediiis f cisciatoven,tris albignl arici, a quo ele det1 o
dü1ário cantor da floresta tropical, que lá é conhecido non1c de llo1npositor, e que deYe srr i)a1·cnte próxiino do
por Quacl·rille-Bird, n1as qnc ele scn1prc identifica cie11- nosso uira1)nrn. Para Cha1)1nan, trata-se de 11111 dos
tifica1nentc con10 sendo o L eucolepici 111/ttsicct, atnaln1cntc inaiores n1úsicos do inundo das aves e, tanto qua11to lhe
Leucol epia aracla arada. Bcebe conscgnin rctcr seis srja possÍYel saber, i11ostra-se u1n co111positor cujos .do11s
das snas frases n1usicais que n1ais o i1npl'cssio11aran1~ e1n- nao seráo igualados por qualquer Olltro pássaro. ~!\_ pÓs
bol'a l'CCOllhe~a que qualquer delas nao paSSC de lll11U porfiosas ohserYa<;oes, Chap1nan <1nc, de início, s11pos o
inera i)aródia qnando assobiada Oll tocada por qualqncr J>hengopedius un1 in1provisador de infii1itos recursos vo-
i11~t.r1111H.\11to, dado que nenlnuna cl'iatnra lnnniina ~rrú cais, chrgot1 a conclnsao de que ele possni apenas nove
capaz de i·cp1:odnzi-las e o sou1 da inclhor flauta, ao re- ten1as diferentes, que se alter11a1n dl1rante os seus gor-
I)Cti-las, será sr1ni)rc grosseiro. jeios, o qt1e nüo deixa dé ser luna 111agnífica perf orrnarice
Eis os prüneiros tenias aJ1otados por Beebe, e ot1vi- entre as aves canoras.
dos de un1 n1esmo pássaro : Há dois saís, o Ca lospi.za, schranki (Tra11pídco) e o
Cyarierpes cyane·iis cyaneus (Cerebídeo) que, pela pon1-
11a con1 que se vesten1 e n1algrado a i1eqnenez de sell ta-
1nanho, sáo figuras proe111inentes na avifauna an1azóni-
ca. Náo perdere1nos te1npo en1 descreve-los, u1na yez
· que náo faríamos mais do q11e enumerar t1ma st1cessao de
cores e, e1n matéria de cores, quen1 está co1n a paleta na
111ao é o nosso aqua1~eJista.

BIBLIOGRAFIA
E ainda este, já colhido em outra ocasiáo: BEEBE ( Mary Blair and C. William) - Our Search for a Wilder-
ness. NewYork, 1910.
CHAPMAN ( Frank M.) - La Vie Anima/e sous les Tropiques~
Paris, 1939.
CRULS ( Gastáo) - A Amazonia que Eu Vi. Rio, 1930.
SANTOS ( Eurico) - Pássaros do Brasil. Rio, 1940.
SNETHLAGE (Dra. Emília) - Catálogo das Aves Amazónicas.
E inais estas duas varia~oes, também fixadas de ou- ( "Boletim do fyiuseu Goel9i". Vol. VIII. Pará, 1914).
tra feíta : SPR UCE (Richard) - Notes of a Botanist on the Amazon and An-
) ~ n des. London, 1908.
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Na ilha 13arro Colorado, i10 Panan1á, o ornitologista
Chap1nan deteve-se muito no estudo de um pássaro, o
Hiléía Amazónica 189

toire N atiirelle des Do1·ades de la Chirie, nns trinta anos


n1ais tarde, Ihes dedico11 Savigny e foi inagnifican1ente
ilustrado por FranQois Nicolas Martinet.
Para felicidade deles, por muito ten1po, talvez até
PEIXES DE AQUÁRIO o con1eQO .deste século, os nossos torpedin:µos, pirapitan-
gas e bandeirinhas continuaram a viver descuidados sob
os aguapés que desabrocham ao sol da Hiléia. Se era
ACORDO com o cr~tério j·á explanado, de preferen-
D
E
i)escado insignifica11te e sem nenhum préstimo. . . To-
temente escolhermos para a nossa iconografia f au- davia, de tunas décadas para cá, ao lado do caboclo q11e,
nística animais que pudessem ser apresentados nó
set1 tamanho natural 1, aqui só cogitaremos dos peixes de fisga a Inao, espera pelo pirarucu Oll pelo peixe-boi
que, de pequeno porte, mas com grand~s atributos de que lhe dará ·boa provisao de alimentos, amiúdam-se os
beleza e elegancia, .possam ser admirados nos aquários tipos. de olhos gateados e cabeleira ruQa que, m11nidos de
p·o rtáteis. · saco de filó, andam justamente a cata daquela llliUIH_;a
. Aliás, se entre os peixes graúdos, alguns se distin- desprezível, mas que quando, após longas e arriscadas
guem pelo vistoso colorido, conio o pirarucu com as suas -viagens, consegue chegar viva até os aquaristas exóti-
escamas bordadas de carmesim, o jaraqui coma nada- cos, é logo disputada a peso de ouro.
·deira raiada de amarelo e preto, ou o jacundá de tonali- N enhum outro peixinho mais do que o .bandeirinha,
dades esverdeadas, lienhum deles competirá em riqueza já citado acima, dá-nos prova táo ·f lagrante de como é
policromica com os acarás e piabinhas de que a Amazo- recente o seu apar.ecimento nos centros. civilizados. Co-
nia é pródiga e que sao verdadeiras pepitas e turmali- nhecido no Pará por esse nome e em Manaus por bandei-
nas vivas para quem, com urna· tarlatana, bateia nos seus rita-da-colo1nbia, tao depressa chegou ele aqui ao sul,
lagos, igarapés e igapós. ·.. · . crismaram-no logo de tetra-neon, urna vez. que ~ faixa
Foi e~ fins do século XVII que a atenc;áo do mundo azul que lhe risca longitudinalmente o corpo e o ver1ne-
ocide11tal se voltou ·para essas jóias aquáticas, qua11do da lho-vivo que lhe mancha o ventre .tem muito dos tubos
C.h ina chegaram a Inglaterra os primeir9s .ex·e mplares incandescentes hoje tao empregad.os em anúncios lun1i-
de alguns maravilhosos peixinhos, cómo até entáo nunca 11osos. Ora, pode-se dizer que só de uns dez ou qui11ze
tinham sido vistos na Europa e que, a partir de 1750, j~ anos para cá· f oi que esse ge!lero de propaganda, pelo
causavan1 deslumbramento aqueles que freqüentavam os i11enos entre nós, caiu verdadeiramente no domínio p{1-
saloes da Marquesa de Pompadour, a que a Companhia blico.
Francesa das índias Orientais enviara de presente urna Diga-se que esse minúsculo peixinho, cientifica1ne11-
valiosa coleQao. te H yphessobrycon in1iesi Myers, cujo comprimento nun-
Também nao há de ter concorrido pouco para a sua ca vai além de tres centímetros, foi urna das maiores
lnaior.voga o excelente trabalho. . . o título de His-
que, sob trouvailles para gáudio dos colecionadores apaixonados, .e
é tal a sua beleza que, ainda en11940, na grande éxpos1-
1. Veja-se . a nota da p~g. L39. Qao ·de Washington~ c~inpetindo com espécies da ictio-
188. f alma mundial, logrou alcanear o primeiro premio. ·
190 Gastáo Cruls
,.
Ülltros hifessobriconídeos bastante proct1rado3 sao o
·risca-!ogo (H. heterorhabdus) e o 7a niba.ri..:rosado (H.
1

·rosaceus). O i)ri1neiro é tido por u1n dos inais belos en-


tre os sens parei:ites i)róximos. É preciso, i1orém, que a
luz lhe seja faYorável para que se possa Yer ben1 a ll1n1i-
11osa risca ver111elha q1u~· 1he tra~a o corpo longitudinal-
111ente. Quanto ao lan1bari-rosado, é esplendido o· con-
traste entre o negro das suas nadadeiras dorsais e a tona-
lidade rósea geral do seu corpo.
~íerecen1 ainda n1uito a1)re~o, entre os aquaristas, o
pirapi:ta.ngct ( Ilivitlus urophthalnius), o torpedinho
("f\Tcnrnostonius trifasciatus) e o la11ibari-a.zul (He.ni.i-
g·rct1nni·us oce77ifer) . Do l)irapitanga, que . é a1na~"elo
})intalgado de vern1elho, existe un1a varie~ade de cor
nial definida, e con1 predon1inancia dos i11atizes esverd.ea-
dos. Nos torpedinhos, ós i11achos se distinguen1 ·facil-
n1ente das fen1eas, porque estas nao ten1 i11anchas ca.r-
nrinadas na f aixa ~n1arela que lhes corre ao longo do cor-
})O. ~o qúe diz respeito ao lan1bari-azul, o ql1e inais o ·
torna notável sao as ])intas rubTo-acobreadas, vérdadei-
ran1ente ignesce11tes, q11e apresenta· nos olhos e i1a bar-
batana cal1dal.
ViYe1n ainda i1a Hiléia tres pei."\:es que, e1nbora já
de i11aior vulto e i)edindo, por isso, aql1ários de ta1nanl10

PRANCHA XX - Da esquerda para a direita, horizontahnente:


B111 cin1a, lllU grupo constituído por tres torpecliuhos C~lannos­
touius trifasciatus Steindachner) e tres risca-fooos (Hyphessobrycon
hetcro·rhab<lus l"rley).
Os prhueiros te1n as nadatleiras e a cauda pintadas de yern1e-
lho; os segun<los ten1 o corpo riscado horizontahuente de Yer1nelho,
ainarelo e preto. A.inda na 1nes111a linha, llln. acará-bandeira (Ptero-
~

vhyll1on scalarc Cu,·. e Yal.).


E1nbaixo, sen1pre da esquerda para a <lireita:
U111 cu;ará-screro (Cichlasoma sci·critni Heckel), dois .1 a1nbaris-
.a zuis (Hc11iigrani1nus occllifer Steindachner.) e um acará-bandeira
(Ptcrophylli.t111, scalare Cuv. e Val.).
192 Gastáo Cruls

rnaior, 115.0 deixan1 de ser 111uito estin1ados pelos colecio-


nadores. Un1 deles, talvez dentre os 11ossos. o inais re-
1notan1ente conhecido e divulgado, é o acará-bctndeira 011
cicará-disco (Pte1'ophyll~~ni scalare), bastante freqüen-
te 110 rio Ta1)a jós e i1os seus lagos. Por ser cxtren1a1nen-
tc chato, o~ alen1aes chan1an1-lhe Blattfisch (peixe-fo-
lha), conquauto nada tenha de con1un1 con1 o peixe-folha,
1>i1'acoá,-,dos tupis (1llunochi1·us poluacnnthu,s), ainda da
Hiléia, tüo curioso pelas suas altas capacidades mimé-
ticas. O acará-bandeira, de nadadeiras prateadas e cor-
]}O qne se <liria reYestido de filia ca111ada qc nácar azula-
do, sobre a qual se destaca111 qnatro riscas do 11111 sépia
<1nasc i)1·cto, é i)eixc de extraordiuária bclcza e, tanto
i>c~lo colorido . co1110 i)elo gracioso recorte das snas for-
1nas, te1n 111Hito de 1un bibelo or11an1ental. .
O acará-sc,ve-ro ( Oichlasonict sevér-it1n) recomenda-
se pelas COllStantes 111ntagocs ele cor a qlle está Slljeito e
'q nc Yao desde o cinzento-pálido e o ver~e-1)rofundo até
o i)ardo-cscuro e 111esn10 preto.
Resta-11os falar 110 a.ca.rá-bararitá (Syphysodo1i dis-
cus) , tan1bén1 conhccido por aca,rá-disco, dado o set1 for-
n1ato arredonclado e basta11te esgnio. · Á sua policromia,
arabescos aznis sobre un1 fu11do an1arelo, e olhos viva-
n1entc vern1elhos, <leven este i)eixe ser conhecido no es-
trangeiro por i)eixe ponipadour, e tornar-se fig11ra de
destaque nos aqnários de 111xo.
Para 11ós, co1no havercn1os de ver no caderno dedi-
cado a Arqucologia, o acará-bararuá, exclusivamente
an1azonico, apresenta un1 intercsse todo especial, un1a
yez que tcndo sido n1úito be111 representad9 num dos
ídolos de pedra encontrados nas regióes de Santarém e
PnANCHA XXI - Da esquerda para a direitat Yerticaln1ente:
En1 cima, cinco baudcirin has (Hyphcssobrycon ·i nncsi l\Jyers);
en11Jaixot acar<l- bara tuá (Sypltyso<lon <liscus (Heckel); no centrot
tres virapitanuas (Ri·i.:ul1ts 'lll'OJ)htl1allll'llS Guenther) e 111ais quatro
banllcirinhas. A direitat n1ais quatro bancleirinhas · e tres lamba-
ris-rosados (H·yphcssobrycon rosaccus Durbin).
194 Gastáo Cruls

óbidos e que até entao se supunha111 oriundos de civili-


zac6es 'alienígenas, por ele tivemos ,urna deGisiva prova
~

de que tais esculturas eram bem autoctones.


BORBOLETAS
BIBLIOGRAFIA 1

INNES (William) ,_ Exotic Aquarium Fishes. Philadelphia, 1938. A}.IAZONIA é reconhecidamente a Terra da Pron1is-
KUHN (Franz) .- Der Kleine Goldfischteich. Leipzig, s/d.
MAGALHAES ( Agenor Couto de) ,_ M onografia Brasileira dos Pei-
xes Fluviais. Sao Paulo, 1931.
A sao para as borboletas. Em nenhuma outra parte
do n1undo elas se encontram, como ali, representa-
das por un1 tao grande número de espécies. c .01nprovan-
do isto, basta dizer que Bates, só em Belém e seus arredo-
1 . Além dos livros citados, foram-nos precioso subsidio para res, durante excurs6es que nunca excediam um~ hora de
~ste pequeno capítulo algumris informa<;oes que, por carta, muito
amavelmente, obtivemos do erudito Prof. Agenor Couto de Maga- marcha a pé, partindo do centro da cidade, chegou a cole-
lhaes. Igualmente, para a composi<;ao das nossas estampas, servi- cionar inais de setece11tos exemplares diferentes. E isso é
ram-nos muito duas aquarelas da cole<;ao do aludido professor. deveras espantoso ql1ando ele próprio diz ql1e as es1)é-
A ssim também, para a representa<;ao de outros peixes, tivemos que cies existe11tes Ilas Ilhas Brit.a.nicas talYez nao nltrapas-
nos aproveitar das excelentes gravuras do trabalho de Innes, cons-
tante da bibliografia.
sem sessenta e que a Europa toda se contenta com um
número que nao vai a quatrocentas. Por outro lado,
como ac.entua A.lípio de l\!iranda Ribeiro, a fauna lepi-
dóptera da Hiléia tem ·f orinas próprias que se opoem,
n1esmo no Brasil, a fauna meridional e principalmente
litoranea.
Nao 11á autor ql1e, falando nas borboletas amazoni-
cas, deixe de se referir as SllaS. . ~[
. orpho, Papilio, H el·ico-
nia, Agria, Catagra1nma e Callithea, ·que de asas rica-
mente coloridas, nos seus voos divagantes, ta11ta beleza
emprestan1 a paisagem regional. Nao se pense, e11tre-
tanto, que há de ser na Hiléia propriamente dita, isto é,
no ambiente sombrío e únrido da grande floresta eql1a-
torial, que as iren1os encontrar em maior abundancia.
E que por se tratar de insetos essencialn1ente heliófilos,
aí, preferente1ne11te, elas adejaráo 1011ge das nossas vis-
tas, sobre o dossel da ramaria alta, onde o sol bate de
chapa e a$ corolas lhes oferece1n os nectários trescalan-
tes. . Assin1 haveren1os de ve-las em maior número nas
campinas abertas e berh iluminadas, ou, entao, pousadas
195
196 Gastáo Cruls
,.
JH1S a beira de poºoes e regos de
l)l'nias de areia alYa,
c\gua. Justan1ente i1estes pontos reúnen1-se, por vezes, em
bandos densos, aquclas i11es111as eatopsilia., de cor a1na-
rela 0~1 alaranjada, ql1e a1niúde 111igra111 em n11vens de
n1ilhoes e n1ilhocs de exen1plares, a riscare1n o céu, en1
co11tínua progrcssao, por muitos dias ~ até se1nanas.
Panapaná, qt1e qt1er dizer bate-bale, chama o índ~o
a esses cxodos e1n n1assa, cuja causa ou finaliaade ai11da
hoje é discutida, 111as que for<:;a algun1a será capaz de
deter, nem mesmo a barreira dos. grandes rios, onde, 11áo
i·aro, a ineio da travessia, por esfalfamento, as lindas bor-
boletas se sepultam aos milhares. · Essas migra~oes, que
já fora1n presenciadas e descritas por muitos viajantes,
ql1ase se1npre se processam numa dire~ao nortc-sul e
nelas, ao que parece, predominara os· elementos rnachos.
Se nelas só figurassem representantes do sexo masculino,
t.udo se poderia explicar por u1n simples chercher la f e11n-
1ne, e1nbora alguns autores observen1 ql1e, até nos locais
e1n .q11e se inicia1n tais revoadas, nao é difícil encontrar
as con1panheiras dos que vao assin1 em busca de ot1tras
· paragens. E por que fazer apanágio exclusivo do bo-
1ne111 esse espírito de insatisfaºªº e aventura que o leva a·
sair de n111ndo e1n f ora, a procura de um bem _q ue nunca
encontra 7 Destarte, ines1no vivendo na Terra da Pro-
n1issao, as borboletas também aspirariam a urna outra
Cai1aa -:- a Canaa dos seus sonhos.
As.duas primeiras pranchas sao dedicadas as borho-
letas diurnas e a . terceira . as mariposas, entre as quais
ta111bén1 se encontra111 algumas espécies bastante interes-
santes.
PnANCHA XXII - De cima- para baixo:
Coluna a esquerda Coluna do centro Coluna a direita
Callithca saphira ¿ M orpho absoloni ¿ Callithea saphira S?
M esosemia furia ¿ Papilio hahneli ? Euselasia g yda ¿
Heliconia doris ¿ Metamorpha dido 9 Heliconia egeria 9
Catagramma astarte 9 Catagramma michaelis ¿ Catagramma astarte '. J
Eryphanis polyxena ¿
PR. XXII
198 Gastáo Gruis

BIBLIOGRAFIA

BATES (Henry Walter) - The N aturalist on the River Amazon.


London, 1895.
BEEBE (William) - !ungle Peace. New York, 1936.
CuTRIGHT ( Paul Ru~sell) - The Great N aturalists Explore South
America. New York, 1940.
GoELDI (E. A.) - Grandes Migra~óes de Borboletas. {"Bole-
tim do Museu P araense". Tomo IV. F ase. 1-4. Pará,
1904-- 1906) .
IHERING (Dr. R. von) - Da Vida dos Nossos Animais. Rio Gran-
de do Sul, 1934.
IHERING (Dr. R. von) - Fauna do Brasil. Texto explicativo do
Atlas da Fauna do Brasil. Sáo Paulo, 1917.
MAY (Edward) - Morpho Absoloni Sp. Nov. ( " Boletim do Mu-
seu N acional''. V ol. l. N.9 3. Rio de Janeiro. Mar~o,
1924) .
ÜRTON (James ) - The Andes and the Amazon. New York. 1870.
RIBEIRO (Alípio de Miranda) - E sbof o Geral da Fauna Brasileira.
( "Recenseamento do Brasil". Vol. I. Introduc;ao. Minis-
tério da Agricultura, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro.
1922) .
SMITH ( Herbert H.) - Brazil - The Amazons and the Coast.
London, s/ d.
SPRUCE (Richard) - N otes of a Botanist on the Amazon and
Andes. London, 1908.

PRANCHA XXIII - Sempre de cima para baixo:


Coluna a esquerda Coluna do centro Coluna a direita
Agria phalcidon Q Euselasia euphaeus ¿ A gria cresus 9
H elicopis endymion o"' H elicopis acis 9 H e/icopis endymíon 9
Euselasia f abia ¿"' M orpho merzelau ¿ A/esa prema ¿
Agria chrysotaenia 9 Ca/liana /atona ¿ A gria hewitsonius 9
Agria sardanapalus ;] A gria narcissus 9 PR. XXIII
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www.etnolinguistica.org

PRANCHA XXIV - Ainda de cima para baixo:


Coluna a esquerda Coluna do centro Coluna a direita
Castnia evalthoides 9 Copíopterix adaheli ¿ Castnia licoides ¿
Automeris auletes ¿ Citheronia fenestrata ¿ Automeris hanghaasi ¿
Castnia pylades 9
PR. XXIV
ARQUEOLOGIA
INDÍGENA
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

FEIQ~1.0 GER.A.L

os PHil\IEIROS viajantes do Amazonas, inclt1sive os


A seus descobridores, náo passot1 despercebido o grau
de cultura material a que tinhan1 atingido algumas
das inúmeras tribos que lhe povoavam as margens e as.
ilhas. Carvajal, o con1panheiro de Orellana, muito em-
bora devesse ter bem presente tt1do o que pudera ver e
adn1irar entre os Incas, observava a propósito dos Omá-
guas:
"En, este pueble estabct u1ia casa de placer de1itro de
la c1ial habíct 11iuclia loza de. diversas hechitras, así de
tinaja,s corno cántaros, 1~i'lty gra1ides de más de veirite y
cinco arrobas, y oftras vasijas peq ueñas co1no platos y
1

escitd·illas y ca1ideleros desta loza de la mejor qite se ha


visto en el_11iitrido, porque la de Málaga ·no se igitaja con
e1la., porque es toda vidrictdct y es1na.ltada de todos colo-
res y ta1i vivas que espa11,ta1i, y deniás desto los dibujos y
pin.tura-s qite e?i éllas hacen soii tan cornpados que natu-
ralniente labra1i y dibujan todo co1no lo rornan,o."
De igual 111odo, o até boje incerto autor da J orn,ada
de Dora_do y 01nagiia, qu~ndo já em águas do caudaloso
río, faz refer~ncia especial a "rnity lindas vasijas obradas
con grctn· pulicia, y pintadas y lab1·adas de 1nil fcticio1ies?
y 1:-idr-iá~lo conio lo de Espa1ía'·'.
Ai)esar disso, decorreram mais de tres séct1los até
que se desse 111aior atenc.;a0. as possíveis civilizac.;óes que
acaso 11onYesse1n florido no in1enso vale antes que o et1-
ropet1 con1ec.;asse a cortá-lo em todas as dire<lóes, no afá
ele pren r índios e co11segtJir as cohi~adas drogas do sertáo.
205
206 Gastáo Cruls

Na verdade, foi só por ·volta de 1870, qua11do Cha1·-


les Frederic Hartt, a co11selho de Ferreira J>e11a, Yol-
tou as suas vistas para certas peQas de cerun1ica, e11co11-
tradas em Marajó, que se iniciaran1 os prin1eiros est.u-
dos sérios a respeito da arqueologia da regiao. CER.A~fICA
Diga-se que se outros já ter&.am posto os olhos so-
bre material da inesma procedencia, inclusive Agassiz,
ninguém até ali lhe realQara, de público, a grande beleza e ARTE ceramica já revela nível cult~ral a que
perfeito acaba1nento artístico, a testemu11har cultura qt1e
nao fora encontrada nem pudera ser suspeitada no gen-
A muitos povos nao chegara1n. Faz supor o co-
nhecin1ento do ali1nento cozido e nao apenas
assado ou nloqueado. O índio primitivq, de pot1so
tio com quem tiveram contacto os primeiros colo11izado-
res, pelo menos entre aquelas tribos que ocupavam a foz incerto, subordinado as contingencias da caQa e da
do Amazonas e mesmo a ilha de Marajó. pesca, pa1·a o transporte de líquidos precisaria de
E data1n daí as prin1eiras exploraQóes, de c1ml10 vasilhanie menos frágil, co11tentando-se, por ÍSSO, C0111
verdadeiramente científico e ricas de descobertas precio- os odres de cot1ro, os vasos de pau ou o pericarpo
sas, realizadas no Pacoval de Arari, Can1utins, - ~faracá, de certos frutos, como a nossa cabaQa. Quando 11111i.to1
Caviana e também, mais longe' em Cunani, Santaré1n e já en1 est.ágio n1ais avan~ado, iria até a in1pel'n1eahiliza-
Miracangüera. . . · Qáo de cestos l)Or inrio de qnah1uer ir1dt1to, fosse cera, re-
Mas antes de nos determos co1n mais vagar sobre sina ou mesmo barro, q11e lhe revestisse o interior.
cada u1n desses achadouros, convé1n dizern1os algo sobl'e Aliás, para Von den St.einen, nao é in11)ossível que des':.
a arte ·da ce~amica em geral, urna vez que qt1as·e excl u- te último processo tivesse nascido, na A111érica, a arte da
sivamente aos seus produtos se restringem as aqliisi<1oes ceru111ica propria111ente dita~ isto é, a arte da confec~ao
no campo da arqueologia amazonica. de recipientes exclusivan1e11te de barro, n1as já de bojo
É qt1e as condiQoes geográficas nao nos foram faYo- an1plo e con1 parceles delgadas, bt~1n diYersos, 1101:tanto,
ráveis a esse respeito. dos rudes blocos de argila, apenas co1n t1n1a escavaQao
Ao contrário do que sucede co1n a costa do Pe1·t1, ao centro, qt1e ta1nbén1 tive1·a1n o seu llSO entre a gente
onde fatores climáticos permitiram a conservaQao, por i11ais atrasada. Assin1, s111Jonha-se 11111 dos tais cestos,
sé culos, de tudo o que f oi confiado ao seu solo, co1110 in1pern1eabilizados com barro, dcsproYido~ por qualq11cr
objetos de madeira, tranºado, plumária, e até tecidos fi- motivo - obra acidental do f ogo entre 011tros - , de sua
nos e substancias alimentares, nas cercanias do rio-mar cara1)a<_ia de t.ra11Qudo, e 1110;.;trando intacto o i·eci11icnte
o terreno, extremamente úmido e quente; e- o regi1ne i)e- a que apenas servira de 111olde. Estava criado o vaso de
riódico das grandes inundaQóes tudo destruíra1n, exceQao argila.
da louQa e de algt1ns artefa tos de pedra, aliás bastante ~1as nao i)arece que o a1neríndio precisasse de llll1
raros estes últimos, pois que para ta11to a -regiao era a1)rcndiz~do tao longo l)a1·a cJ1egar a esse r esultado. A
muito escassa de matéria-prima.
própria nat11rcza dá-lhe bons exen1plos de con10 o ba1·ro
pode ser a1)r0Yeitado. Haju Yistn o i1inho do f 01·nei1·0 e
207
208 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 209

outros i>ás:-;n1 ·0:-;. R <'<·o1·dP-S<' tnn1hé1n a «n ~n d<' <'<'i.'tns ainda h onY<.\ss<\ 1·rc·<'hido lllll i>r e·cioso en. ina1n cnto~ ve-
Yes1n1s, l)l'Íncipnhueutc ns do género E1on eues_, qnc t~_n1 rificando que, })ela UQao <lo calor, a argila se tornar a mui-
a fo1·111a 1)c1·feita d e n111a bilhazi11ha innito grn ciosa. . to n1ais r esist ente. E táo importante foi essa descober-
E até i)cla observa~ao da i11ancira 1)01' qn~ esscs nn1- ta, cu j a origc111 tanto pode t er sido a qncle acidente C01110
1nni ~ co11sogne1n levantar a s paredes das snas edifica ~oes,. qnalquer outra expe~ie11cia que p ermitis:5e a mesma co11·-
isto é, a ])On co e })Onco, })C'ln. Sll])erposic;:ao do 1)cqnc11os clusáo, que ele nunca mais dispensou a cocgao :nn t écnica
hoendos d e barro {unido suhre o que jú está nssc11te e da sna arte ceran1ica.
1nnis <·011solidndo, t<'rin ]og1·ndo o índio, ]>Ol ' üuita~ao; o Todavía, feíto ·e .c ozido o vaso, estava ap enas r eali-
1)1·oe0sso de fazcr .a 1011<.;a J?Or incio de rolet rs de nrgiln, zado ·o trabalho mais rudimentar do oleiro e no quitl o
tnn1h{·1n sn1)crpostos e arruinados e1n círculo sobre nn1 artista, que sempre existit1 entre os nossos ínclios, qunn-
di~co chato de barro. l~n1 abono desta t ese há (lnas in- clo innito })ltdera 1nanifestar os seus dons, conf or1nando
t<'l'f' S~tu1tcs passage11s en1 Ca1)istra110 ele ~i\.hren : uos sens co1n inaior ou menor elegancia o objeto da sua cria~ao.
Pstudos sobre os Caxinanás. Assin1, le-se, it l_)Úg. !>22 do Mas isto 11ao bastaYa. Era l)l'Cciso decorar aqlu\las i)a-
Jtü-1 1ma-Hu,-I'li-ku-i, na ])arte r efci·e11t c as ndi Yinhn<;: ucs : redes qne se apresentavam tao nuas. Dar -lhes cor.
·o i11a1·iho11elo rnsinon a faz<'l' n ca sa. :~ E lnni : ; 0111hni- Dar-lhes vida. E viéran1 as pinturas e orna1nentos en1
.xo, o scgni11tc csclarccin 1r nto: ·· :~ra Y01·sao <lr ·r a «asa ·qne ta11to se destacaram alguns i1ovos an1erica11os e en-
foi ensinada J)Cla Jnnria-dc-harro." ( T é a .i11i t i nl tle tre os quais foran1 mestres as nossa s inaravilhosas lou:.
Tnx-i-ni, non1c de 11111 dos índios co1n q11 0n1 in·iYon n et-
ceiras de 1viarajó. Si111, porque a arte da ceramica quase
nólogo l)Htl'ício para se as~enhor~ar da língna dos Cnxi-
sempre est eve confi.a da; entre os an1eríndios, a d elicadas
11anás.) E a púg. 292 clo capítnlo dedicado ao8 J liC~lllOS.
índio8, i1os seas Ensliios e liJstudos, 3.~ séric: . ~ ./\ 1 ttiga- n1aos f en1ininas ; e a l1111a civilizaQao d e que ~té hoje -n1ui-
1nente con1inn1 só a~;.;ados; a n1aria 011 jofio·-dc-barro ensi- to p OllCO se sabe deve-se Oque de n'ielhor p OSSUÍ a nossa ar-
queolog:ia. ·
11011 a fazer i)anclas e casas.''
· Na A1né]:ica, onde a roda só f oi conil\~rida deyJois da. Tlido leva .a crer que, no Novo ~1undo, a ceran1ica
ehrgaela dos europens, toda a cernmica era fcita })elo ])l'O- t enha tido un1 único ponto de origem, que seria qualquer
crsso dos tais rolos, q11e os fra11cescs chan1a1n lt colo111- loc;ilidade da América Central, de clin1a que11te e solo
bins, e que atual1ne11te ail1da é praticado 11clos i1ossos á1~do, com escassez de ~gua e de inatas. Alguns, pre-
~ilvícola s, conf or1ne o i·rcentc testen1nnho de algn11s et- cisando n1ais, situam essa zona entre o México e o Peru.
núgl'afos. ...:\ P<'lln ~, 11~1111a 011 11ontra tl'iho, ro1110 ncont<·- Na verdade, em regioes de abundante vegetaQao, con10
<"Ía c11trc os Gnatós e aii1da hojc fazen1 os Pa11os, en1 Y<'Z a nossa Amazonia, onde nao falta o material n ecessário
de yc\1·ias salsicl1as de barro, colocadas nn1as sobre as 011- a obras de tranc;;ado, principalmente a s folhas de pal-
tras, llSaYa-se_de llm Único e longo rolo de argila, qtle ia meira, a Ceramica nao seria tao indispensável C01110: por
s0ndo arrn111ado e1n 11élice. exen1plo, nos Andes. Tanto assim que, ainda depois ele
::\las torncn1os a 11ipótese, feita há po11co, de qne 11111 conhecida a arte do oleiro, os cestos de vime impermeabi-
dos tais cestos, com camada interna de barro, posto perto lizados continuaram a ser utilizados em toda a r egiao da :
do fogo, t.ivcsse sido alcan<;ado pelas cl1an1as. 00111 is~o, Hiléia. Contudo, do seu foco de irradia<.;ao a cera1nica
. 1

o í ndio, alén1 ele ter pela primeira vez diante dos oll1os nao alcan<;ou. os pontos mais extremos do continente ame-
11111 esplendido Ya so perfeitan1ente co11forn1ado, talvez· ricano. Destarte, ignoram-na por completo os Esqui-
210 Gastáo C ruls Hiléia Amazónica 211

rnans e povos mais setentrionais da _A111érica do Norte, cheia. En1 caso contrário, nao só a lou<;a se torna mui·
bem con10 os Fueguinos e popula<;oes do Pampa. to qnebradi<;a, con10 também produz doenQa e inorte na-
Aliás, toda essa gente, na maioria tribos 11on1ades e quelcs ·q ue se serviren1 de alin1entos nela preparados.
111uito atrasadas, nao estaria em grau de adia.ntan1ento ~Ins ainda o inelhor barro nunca é utilizado como
ca1)az de aceitar e 1nl1ito inenos de desenvolver arte tao se ap1·esr.11tn na natnrcza. A n1assa con1 que se fazem os
delicada COlTIO a da ceramica. Mas mesmo e1n outras tais cilindros ou toletes há de ser te1nperada com outras
regioes onde muito se prattcoll o fabrico da longa, gru- snbstancias qnc a tornenl'n1ais consistente e lhe facilitem
J>os hot1ve que pern1aneceran1 estranl1os ao seu t1so, ou, a secagcn1 prévia, antes do cozirnento, scm o perigo de
se l1tilizavan1 objetos de barro, estes lhes vinhan1 por fendcr-sc. E })ara isso há també111 preferencias. Uns
troca com outros povos. Para só citar exen1plos i1ossos, s~. ap1·ov~eitan1 da casca de nn1a árvore, o caruipé.. redu-
ignoravan1 a ceran1ica os Caiapós, os Botocudos e os z1da a c1nzas. Ontros, da carapa<;a da tartaruga tam-
Craós. béin já dc1)ois de calcinada. A.inda outros, de ar~ia, pó
En1 con1pensaQaO, a grande fa111ília ....\.ruaqne, de ín- <l.e pedra, de co~~has, de ossos calcinados, e até de peda-
dice cultural inuito elevado, parece caber pa1)el .prin1or- c~nhos de louQa Ja que.brada. . Mas o maior passo da téc-
dial na difusao e aperfeiQoamento da técnica cera1nista, nica, ncss~ terreno, fo1 dado Justamente por algumas tri-
nao só nas Antilhas con10 em extensa área da An1érica bos .do ba1xo An1azonas,. com a descoberta que consiste
do Sul. Na A111azonia, entao, a ela se deverá o q11e de em Jnntar ao barro o resíduo de calcinaQao do cauxi ou
1nelhor produzin1os. A1·uaq11es teriam sido os grandes caui?i, ccrto espongiário silicoso de ágna doce, que cobre
oleiros de ~1:arajó. Dos Aruaques recebia1n lo11Qa os Tu- a ra1z e o tronco, permanenten1ente suhmersos. das árvo-
pis, 'fnc~anos e J>anos. No Xingn, a (•1<}~ rstaYa restrita res rnais ribeirinhas. Pela aQao do fogo es~e zoófito
a indústria dos potes. Por influencia deles, n1uitas tri- que é ta1nbén1 conhecido por cupi1n-d'ágna,' fica reduzid~
bos Caraíbas passaran1 a trabalhar o barro con1 111estria. a lnn a1nonto~do de espículas silicosas que vao agir na
De rc.sto, nao seria apenas como excelentes cerln11istas inassa de arg1la como tlm verdadeiro concreto a manei-
• . '
que os Arnaques sobrepujaran1 os 011tros grupos i)redon1i- i·a d o f:Prro no nosRo c1111cnto arrnado, o que lhe aurnenta
11antes no gra11de Ynle. Para N" ordcnskiold, onde se en- de 1nnito a coesao e durabilidade. E de tal monta foi
contrarr n1 na An1azonia vestígios de qnalqner civiliza- essa aqnisi~ao, que Linné nao trepida en1 perguntar se o
processo nao merecería ser incorporado a indústria da
~ªº 111ais avan~ada, esta neles l)Oderá ser encontrad«1 ou, louQa er1tre os civilizados.
pelo 111<\nos, con1 eles cstevc cn1 co11tacto.
. A ccru1nica pode apresentar características pró-
~Iais do que qualqt1er 011tra, ·a arte cerun1ica exige
P!Ia~, de aco:_do com ~ qualidade do barro que lhe ser-
do indígena n1nita pacie11cia e cuidados especiais. A co- vi u a confccQao. Assrm, certas argilas da Bolívia, com
n1ccar i)ela cscolha do barro, que o 11á inais 011 inenos a~ta pcrcentagem de mica, dao-lhe. um brilho todo espe-
0·01;io con1 n1aior ou inenor plasticidade. Se11do assin1, cial. Maior fulgor ainda ostentam alguns vasos do Iu-
nao raro o silvícola se ye desde logo obrigado a 1011gas
b '
c?-ta e da Colombia, onde aterra freqüentemente é m11ito
Yiage11s, até <1ne ton siga nq1u·Jc das snns i)rrfe1·encias. rica de ouro.
Acrescente-se que a isso, por vezes, se jnnta111 algnn1as F eito ~ vaso, pelo ;processo dos roletes, e quando já
snpersti~ocs. En1 certas tribos da Guiana Inglesa a ar- se acha 1na1s ou n1enos enxuto, a sua superfíci.e é cuida-
giln deYerá ser apanl1ada na i)ri111cira noite de lna- dosarncnte alisada por meio de um pau, urna concha ou
212 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 213

lnn seixo polido. Entao, completa-se a suá sccagcn1 ao Na verdade, sabe-se hoje que o estilo geométrico, a
sol; .~ó dcpois do que vai a pc~a ser cozida a fog·o bra11- J>rocura de linhas regulares e harmoniosas que se repe-
do ·e por longas horas numa espécie de forno ahcrto no tern, é 1nanifestaQiio bastante precoce na arte de mui-
chao e p.o qual o calor precisa ser u:niforme1ncntc distri- tos l)OVOS primitivos. Diz Hun1boldt, i)ara explicá-la:
buído. Reconhece-se que a cozedura foi .perfeita pelo "Os arabescos, os meandros e as gregas encantaro os
som vibrante produzido pelo barro quando se lhc dá 11111 olho8, porque os elementos de que ·as séries sao compos-
golpe seco. tas Regnem-se nun1a ordem rítmica. Os olhos acharo
· A pintura ornamental .d a Pº<lª é quasc sempre feita ness.a .ordem, na volta periódica das mes1nas formas, o
antes do cozin1cnto. As tintas mais crnpregadas })ara qne os ouvidos distinguem na sucessao cadenciada dos
tal fim sao de origem vegetal ou mineral. · Entre as pri- sons e dos acordes." Hartt, visando escopo igual, che-
n1eiras, como das mais f reqüentes, citemos, para o v~r­ gou até a explanaQaO de urna engenhosa teoría, baseada
melho, o urucu e o ·c arajnru e, 1>ara o i)reto, o jcnipano, na constituiQao fisiológica do olho, cujos músculos mo-
o axuá e o murici, além do carvao e da fuligem. Entre tores, por urna questao de menor esforºº' prefere1n sem-
as segundas, a argila de várias cores, como a tahatinga, . J>re a·visao dos desenhos simples, f eitos com linhas retas,
n1nito usada para .o fundo bran~o de ~evcstilncnto de e que guardam boa ordem e proporºªº entre si.
··todo o vaso, e o cU:ri e o taná, cnjos tons variam do ama- Quem parece, porém, ter f erido mais de. face o pro-
. relo .ao vern1clho. No Peru, ·a 1>aleta do indígc11a era . hle1na foi Max Schmidt,- quando mostrou o papel rele-
n1ais rica, e eles jogavam co1n o verde, 9 azul, o roxo, o Yante q11e teve ~arte do.-tranQado na aplica<_;áo e grande
a
cinzento e púrp,ura. . . (lesen.volvimento do desenho geométrico entre os amerín-
·. Na An1azonia, alé1n da pintura e posterior1n~ntc a dios. E essa influencia f oi tanto maior·quanto inais rica
esta;. lisa:va-se vidrar a lon<;a por incio de vcrnizes e re- (->ra . a flora da regiao, . principalmente .de pa]meiras, e
sinas, como, por exc1n1)lo, a j utaiciea, ou bren de j11taí,. o paln1eiras de folhas palmadas, que sa.o aquelas quema.is
que lhe dáva um fino acabarnento. -se preRtam a urna i11fµiita variedade de con1bina~oes
Urna. dp,s cot1sas que 111ais causaram ad1nira~ao e es-' tfxteis. .
panto 'aOS !)rimeiros estudiosos da arqueología an1criea- Se n.os lemhrarn108 agora de que os índioH, para con-
na, foi a inlsistencia com q11e aparecian1 na sna ceran1i- ·segnirem vasilhame estanqu<=:, llsavam de cestos imper- ·
.ca~ como motivo ornamental, desenhos perfeitamcnte geo- n1eabilizados interiormente por urna camada de barro,
métricos, qi1e em tudo lembravan1 a inais pura arte clás- nada Ina~S natura} de . que, na SUperfície desse mesmo
sica. Daí ¿_:t. tendencia, logo manifestada por alguns~ de harro, quando ainda.mole, se estampasse a padronagem
radicar as. n1isteriosas . raQas an1críndias as n1ais vclhas do tecido de palha sobre o qual ele f ora moldado. ·nes-
civilizaQües oricntais. ta 1~te, e sem procurá-la, encontra:va o silvícola urna .f onte
incsgotável de motivos para a futur~ <J.ecoraQáo da s11a
Mris nao será porque aqui foi encontrada a incs1na ~erainica. Aliás, já Beuchat havia dito, referindo-se
grega que também ser.ve de friso as mais belas: aúf 01·as .a lonQa arcaica da América do Norte: "A decora~áo foi
· que já foram assinadas por qualq11er artista de Corinto n1ais freqüentemente .obtida pela aplica<_;ao do tra11~do .
ou da Bc6cia, que haveremos· de ress1~rgir co1n a Atlan- on do pano. Em geral, o corpo inteiro do vaso.é cober-
tida, buscando u1na ponte de liga<;ao entre os dois to de n1ar~as )de .te1a groRseira e o Órna.n1ento do colo é
·mundos. · eonstitt1ído pela incrusta<lao· de cordas esticadas.. "
214 Gastáo Cruls H iléia Amazónica 215
A

Igualmente, em fragmentos de ceramica achada As mar- Qa con1 ornamentaQao limitada a superfície plana, qua11-
gens do Guaporé e na regiáo de Santarém, é co~ en- <lo ar>arecem motivos naturalistas - figuras de homem
contrar-se impres~a no barro a padronagem de esteiras on animal - entre os outros, predominantes, de ordem
e panos sobre os quáis os vasos deviam ter descansado 1>uran1cnte estética, aqueles sao quasc sc1npre apresen-
enquanto secavam ao sol. tados cn1 r elevo, isto é, já com um caráter francan1ente
Se já f oi observado que o ameríndio quase sempre esc11ltural.
desprezou inteiramente os motivos da flora na ornamen.. Ti r>o <le dccora~ao 111ais Jnodcsta, n1as qne 111crece
· ta~o da sua lou~a, nao deixa de ser curioso como o meio n1cn~ao, é o charnado pa.stel de massci 1, que se conseguc·
botanico, indiretamente, através da técnica do tran<;ado, ünpriinindo no barro, com a ponta dos dedos, ln11a série
·veio a ter f orte proje~áo sobre a sua arte. <le ondulaQoes ou saliénGias, como aquelas que, de fato,
:m bem de ver que qnando transpostos do tran~ado sao n8adas en1 pastelaria. Esse genero de enfeite~ frc-
para a louc;a, nao pela simples moldagem, mas já pela qüente na cerumica arcaica de Santarém, era ain<la mn.11-
mio do arti~ta, que os riscava dircta1ncntc no barro, es- tido, ao tempo de Hartt, na Geramica moderna amazoni-
ses motivos, libertos da rigidez das linhas :retas a Qlle ca, e até hoje tan1bén1 se conserva muito en1 uso, confor-
náo há fugir no trabalho de tecelagem, pl1deram ado<;ar n1e pudemos verificar durante urna recente viage1n a re-
os seus contornos, quebrar os seus angulos duros, desen- giao, quando tivemos oportunidade de examinar n111itos
volvendo-se em graciosas curvas, espirais e sinuosidadeg. pot<)s de barro da n1aü~ variada i)rocC'dencia. Qn<)r-1108
As gregas e demais ornamentos eram simplesmente ¡>arecer que é a esse i11csn10 adorno qne se refere Goeldi,
pihtados sobre o barro ou entáo, enquanto este se achava quando, dcscreven<lo as peQas descobertas ·p or ele e1n
ainda mole, abertos a sulco mais ou meJlOS fundo, feito Cunani, fala e111 "recortes ou chanfraduras verticais",
com qualquer instrumento pontiagudo, ni\<) raro um den- delimitando as zonas de alguns vasos.
te de cutia. A arte ceramica nao veio a penas acudir as nccessi-
Processo bastante. curioso de decoraQáo é o que os ~adcs don1ésticas d~ a.m eríndio, dando-lhe a iga<;aba para
franceses chamam a champ levé e que, no Brasil, ql1ase agna, e as panelas para coz~nhar. Ela desempenhot1
· q11e só tem sido verificado cm Marajó. Era obtido pela tainhé111 J>apel n1nito in11>ortante no ritual funcrário de
aplicac;ao sobre o vaso de un1a ::;cgúnda camada; bastante rn11itas tribos, servindo para o fabrico de urnas em ql1e
delgada, de argila fina. Sobre esta se recortavam· entiio eram sepultados os mortos. Essas urnas, maiores ou
os desenhos, pela retirada dos espac;osmortos ou zonas 1ncnores, tanto podiam receber o corpo inteiro se1n prc-
de fundo, de t.al modo que ficasse novaínen~e exposta a ])aro prévio, como se fazia entre os Omáguas, ou os des-
verdadeira· parede do vaso. ])ojo8 já depois de mumificados. Ot1tras apenas ser- .
Essa ornamentac;iio em relevo é o primeiro p·a sso viam de recipientes aos ossos, após limpeza preliminar,
para a ceramica esc11lt11rada, qnc também foi muito .pra- f osse por enterramento anterior, exposiQao ao ar Oll n1a-
ticada pelos an1c·r índios, conforme havemo_s de ver, ao ccraQao na ágna. Neste últin10 caso, o cadáver era meti-
tratarmos mais partictilarmente da civilizac;áo tapajoni-
ca. A.í, ao contrário do que sucede na ceramica apenas 1. No trabalho de Hartt, Contribui~oes para a Etnología do
Vale do Amazonas, inserto no vol. VI dos "Arquivos do Museu
· pintada ou gravada, onde os desenhos sáo preferentemen- Nacional", fala~se em pastel de ma~á, conforme se poderá ver a
te geométricos, quase que só há representac;óes antropo- pág. 77. Acreditamos, porém, que se trat~ de um ·erro tipográfico
mórficas e zoomórficas. Observe-se que mesmo na lou- e daí a nossa corre~ao para pastel de massa.
216 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 217

dó nun1a rede, que lhe retinha os ossos, enquanto a car- vernas sepulcrais artificiais, co1110, respectivan1cnte, :fs
ne ficava exposta a voracidade das piranhas. Também de l\Iaracá e Cunani, no litoral da Guiana orasileira.
havia vasos que só guardavam as cinzas. O tercciro grn¡>o foi deno1ninado por Hartt bl1iff-d·lvel-
Nao raro as urnas, conhecidas e111 língua-geral por lers 011 moraclo'res dos altos, porque, em terrenos eleva-
ca1nttci1n ou ca1n,utim, corruptela de canibuci, eram· an- doi-;,. de Sa11t~ré~1, é que foran1 feitos os prin1eiros acl1a.-
tropomórficas e traziam na sua configuraC1ao esclareci- <los. dessa ceran1.1ca.; Derby acha, poré1n, que nlelhor seria
n1entos sobre a iden~idade do morto, como, por exemplo, designar essas Jaz1das como sendo as do "povo da terra
o sexo a que pertenc1a e, talvez, a sua categ·oria social. i)reta", nma vez que inaterial se1nelhante tambén1 foi en-
Aliás, essa aproxima<lao entre a forma humana e. o contrado en1 terrenos sem grande altnl·~ as tnaro·ens do
T a1)aJos., e do ·T ro1nbetas, mas se1npre e111' "'1nancl1as
b
de
v~so de ceramica, vem de muito longe. Raja vist~ os no-
mes escolhidos para os vários elementos de que se com- terra i)rcta ~spalhadas nas florestas." Hartt · separa
poe qualquer cantaro. Fala-se em lábios, emboca, em 1llUU q~1arto ~llpo a ceramica ~e Miracangüera, locali-
~olo, bra<_;os, flancos e pés. Daí nao espantar que com a dadc situada a margem esquerda do Amazon.as, tu11as
i1nagem do seu semelhante e, as vezes, da pessoa amada <1natorze n1ilhas ·UCin1a de Itacoatiara, n1na vez qllC as
<liante dos olhos, das maos do artista oleiro saíssem pri- nrnas aí encontradas, se1npre antropo111órficas, sao "de
morosas obras de arte. Moldando-as ou decorando-as as _ta!hc e caráter be1n distinto das de l\Iarajó e ~Iaracá."
.
suas cr1a~oes ele procurava t!ansmitir um sopro de vida;
' F111ahncnte, o quinte e último grupo é constitnído pelos
~a1nbaqnis fl11viais e marítimos.
1 qualquer ~ot1sa dos seus anse1os e aspira<1oes. E é por is-
so qt1e n?s povos em grau de cultura mais avan~ado, con10 . E· })Or tornar aos depósitos lacÚstres, .diga1nos alo·n-
entre nos suced·e u com os marajoai:as e tapajonicos, o nu1 consa a seu respeito. A maioria dos achados arq11~0- _
trabalho do barro nao se limitou apenas ªº objeto útil, lógicos é quase sempre feita em terrenos onde se acu1nt1- ·
la1n conchas, inadeiras carbonizadas e ossos de peixe~· e
ao artefato indispensável. Foi inais longe. Fez ídolos.
~ez _d~liciosos adornos·. Fez de cada pe<la, por· mais in-
out.ros nnin1ais, indicando q11e os índios aí vivera1n ou
. '
l•P1o nu.)noH, fr<\qü<)ntara1n eon1 assiduidade esses locais.
s1gn1f1cante que fosse, um verdadeiro lavor de arte.
. ~ agora, antes de dedicarn1os maior aten<laO aos vá- I>ada a st1a abtmdancia em moluscos fossilizádos esses
r1os tipos de ceramica já encontrados na Amazo11ia al- dr¡)ósitos, que tanto se podem situar na costa ma~ítilna
. .
guns ma1s importantes pela qualidade e abundancia do
' <·on10 a inargem de rios e lagos, tomaram. o non1e de os-
n1aterial exan1inado e denunciando talvez verdadeiras ci- treiros, concheiros, casqt1eiros, sambaquis e sernan1his.
viliza<1Ües,, como a marajoara e a tapaj9nica, que vimos "'-;<nnl>aqui, corrn11t~la de ta1nbaq:ni, q11er justa1nente di-
ZPr, Pnt Jíugna-g<)ral, d~IlÓsit.o de ostras. Ser-na.nibi é
de citar, outros de menor relevancia, mas nao desmere-
cedores de interesse, digamos algo sobre a localiza<}ao e o 1101nc vulgar de um dos mol11scos n1ais encontradiQos
n.a tureza dessas jazidas, apoiados numa classifica~ao já 11rss~s ajunt.a1nentos, e de que os i11dígenas bastar1te se ·
esbo<lada por Hartt e Derby. · <~1~r0Yci~~n1, nao só como alim~nto, inas ta1nbé111 para en-
ff\1te~, visto a beleza de suas conchas, de un1 nácar i11l1ito
Urnas sáo depósitos lacustres em montes artificiais
( moundbuilclin,gs dos americanos), como as de Pacoval I>nro. Para algnns geólogos, podem existir sa111baqnis
no lago Arari, e as do igarapé Camutins, ambos em Ma~ de f orn1a~&o excl11sivamente natural, nos q11ais as co11-
rajó. Outras sao depósitos em grutas natura.is ot1 ca- <·has se dep~sita1n pelo rec110 das úgt1as, ·o u sao a111ontoa-
218 Gastáo Cruls

das pela a~ao dos ve11tos, da mes111a 1naneira por que se


f orn1a1n as dunas. .
Outros queren1 que ein todo ostreiro haja se1111)re
a iuterfere11cia do homen1. T eriam sempre por orige1n
CI,'ILIZAC1\0
... ~fAR.l\JOARA
o uso alin1entar que os índios fazia1n dos moll1scos. Sao
estes . í1lti111os os chan1ados inontes artificiais. De ori-
gc1n artificial seriam também os tesos do Pacoval e ou-
que fosse1n estudadas con1 a de,ida atenQao as
tros ])Ontos de ~Iarajó, ei11bora aí nunca se tivessen1
achado conchas. A TÉ
prin1eiras J?eQas de ceran1ica marajoara, nunca se
dera 111aior i1nportancia a arqt1eologia amazoni-
ca. O Yasilha111e de barro exa1ninado até entao era todo
n1uito grosseiro e estava ben1 de acordo com o nível cul-
tural das i1opula<_;oes indígenas que i)ovoavam a foz do
grande rio, ao ten1po da chegada dos europeus.
De fato, n1es1no en1 toda a ill1a de )iarajó, inclusive,
i)ortanto, 11a sua zona ca1npesina onde, justamente, está
situada a peql1ena ilha do Pacoval, abeira do lago Arari,
e que é a jazida inais rica daqueles preciosos achados, ao
que se sabe, nunca hol1ve notícia de qualquer tribo que,
i)elo seu grau de cultt1ra, se distanciasse das outras e a
qual i1t1dessen1 ser atribuídos os aterros sepulcrais da
.-
rcg1ao.
· ~1.J)Cnas, con10 pela época das descobertas~ aí viviam
os Arnas, i)1'csun1e-se - para p1~esu111ir alguma cousa .
- que fossen1 estes os descendentes espúrios dos admirá-
Ycis ceran1istas, cuja 1nisteriosa civiliza<,;áo só pode ser
eutreYista a fnrto atraYés do ql1e i1os revelan1 aqueles
Yctustos cen1itérios.
Na verdade, já pela gra<la dos seus contor11os, já
i)cla bcleza dos seus desenhos, já pela diversidade dos
·objetos a que deu motivo, essa ceramica trai un1 povo
de grande aculturaQáo e que, por vários tra<,;os, nada fica
a deYer aos set1s irmáos que, na América Central e so-
bre os Andes, chegaram ao n1ais alto grau de civiliza<,;ao.
U r11as antropomórficas Oll i1ao, de vários tan1anhos
e feitios, ídolos inaiores Oll menores, iga<,;abas, alguidares,
1

219
220 Gastiio Cruls
,.
potes e tigelas, vasos, i)ratos e copos, n1aracás e tangas,
cada q11al disputando ao seu congenere a el~ga,i1cia dns
linhas ot1 a primazia dos adornos - sao estas as i)e~as
e111 que i11ais se requintou a arte do oleiro 111arajoarn.
Con10 111uito ben1 observot1 H eloísa Alberto Tor-
r es, a ceran1ica de ~farajó te1n "l1orror ao vazio" e nño
há es1)a<_;o lin1po que i1ao seja logo aproveitado para que
O artista ponha a prova a Slla in1agina~ao, pree11clH:1l-
do-O co1n qualquer desenho ou ornato. ,
},fas esses desenhos e 01"natos nunca se repeten1 de
un1a para 011tra pec;;a. ~fnltiplican1-se os inotivos qne
hao de servir para as gregas. Desdobra1n-se en1 noYns
f orn1as os arabescos e meandros. N t1nca serao os i110r-;-
n1os tra<_;os h11manos ou a esquematiza<_;ao de qualql1er bi-
.cho qt1e apare<_;am neste ou :µaquele vaso cinerário. ~.fas
t.udo isso sem nada de excessivo, se1n q11alquer laivo de
superfetaQao. Antes, ao contrário, tudo desenvolvido
dentro de linhas sóbrias, tudo combinado coro o i11uis
apurado bom gosto.
Se ao artista nao falta originá~idade, esta subordi-
na-se aos inelhores canones da arte e o trabalho sai-lhe
das máos disciplinado e escorreito.
A essa disciplina, a essa preferencia pelo desenho
harmonioso e ritmado, deve te-lo conduzido 11111 lento
tirocínio na arte do tranQado que, na Hiléia, gra~as a
riqueza da flora, atingiu o set1 máxirno esplendor.
Diga-se que essa arte da palmária sen1pre foi atri-
butó dos homens, enquanto a arte olar, intiI11amente liga-
da a culinária, com exce<_;áo de muito poucas tribos, era
e ainda é tarefa exclusivamente confiada as n1ulheres.
Prova:..se assim que o sentimento estético estava no
sang11e dos inarajoaras, pois, se aos homens é que se de-
ven1 as caprichosas padronagens dos trabalhos de es1)ar-
taria, f oram delicadas máos· f emininas que, ao tra11s1)or-
-------------------------------------------~~
PRANCHAXXV - Urna de argila, com a decora~áo grayada au.
chanip levé, _típica de l\Iarajó. ..\lt. 38c1n. Difun. da boca 25cu1.
(8 629 - Col. l\Ius. Nac.). PR. XXV
222 Gastao Cruls

'" tá-las para a superfície do barro, ainda mais as en1bele-


zara1n, quebrando-Jhes a rijeza das linhas por 111eio de
graciosas figt1ras ct1rvilíneas, de todo in1possíveis na
urdidura dos texteis.
Ainda aquí precisa111os cit~r Heloísa Alberto Tor-
res quando, nesse caso particular de 1'Iarajó, poe en1 evi-
dencia a i1nportancia capital da técnica sobre a origen1 do
desenho. De fato, se a arte ceramica parece ter sido
aquisi~ao recente na civiliza<;áo marajoara, pois qne a
sua lou<;a, quando examinada do ponto de vista do fabri-
co ( má qualidade do barro e imperfeiºªº do seu cozin1e11-
to ), mostra-se inuito inferior a da Cordilheira, e1n C0111-
pensa<;ao sobrepuja esta sempre que nas decora~oes abor-
da o estilo geométrico. E esta superioridade lhe vem da
longa experiencia na arte do tran~ado, muito 111enos pra-
ticada pelos andinos. D~í também os Aimaras e Quí-
chuas nao se fixaren1 tanto nos motivos·lineares, relega-
dos logo a um segundo plano ante as formas que a nature-
za lhes dava por modelo e em cuja cópia se mostraram
n1estres exín1ios. Já na ceramica ·marajoara inuito llle-
nos freqüent.es sao as representa<;oes natt1ralistas e, as-
sim mesmo, quase sempre limitadas a figuras, nao raro
incoinpleta~ e convencionais, do ho1nen1 e m11ito poneos
anim~is, cobras, tartarugas, jacarés e ras. '.
Já falan1os no processo de decoraºªº e1n cha1~p levé,
que parece oritmdo do Anauaque, de onde teria sido le-
vado para o leste da Cordilheira. Dele as nossas lou-
ceiras souberam tirar o melhor partido e a· ele se dev.e a
mais bela ornamenta<;áo de algumas urnas e outros
objetos. ·
PRANCHA XXVI - En1 cima: maracá de argila,· con10 só se fa-
zia1n em l\:Iarajó. Os seus lados extremos tem as faces n1odeladas,
enquanto as duas outras sao graYadas. O original desta ~a per-
tence A Col~ao Justo Chermont e a aquarela aqui reproduzida foi
feita de ~cordo corn un1a n1oldagem direta em gesso. (26 916 -
Col. l\Ius . Nac.). E1nbaixo: pratinho, ta1nbé1n de l\Iarajó, con1 de-
cora~ao de pintura na face interna e de tra~o fino gravado na ex-
terna. (5 447 - Col. 1\lus. Nac.). PR. XXVI
224 Gastao Cruls

" No desenho de tra<lo, vermelho, castanho ou preto,


sobre ~undo branco de nata, as pe~as que mais se desta-·
cam, pelo seu magnífico acabamento, sao as· peque11as
tangas triangulares, ligeiramente· abauladas, que as n1l1-
lheres usavan1 sobre o púbis, a maneira de . un1 cinto
de castidade ou folium vitis de pudicícia.
Desse curioso objeto, que na língua art1a tinha o
11ome de babal, com urna significa~ao de avental, por 111ni-
to tempo se ignorou a serventia. Isto porque, a pri11cí-
pio, dele apenas se conheceram fragmentos que, dada a
sua concavidade interior, foram tomados por peda~os
de colher. Depois, mesmo quando já .se tinham . conse-
guido_as primeiras pe~as intactas, ai.i:tda havia ·d úvidas
quanto a ·sua util~za~ao, e os caboclos, impressionados
pela Sl.1=a forma, passaram a chamá-las dragonas. Final-
mente, úm pequeno ídolo, pertencente a certo coleciona-
dor de S·a ntarém, veio esclarecer todas as dúvidas, pois
qµe . essa figurinha trazi~, bem aplicada sobre a regiao
pubiana, um arremedo de tais tanga~ de barre>. E foi
~ntao que a ·c aboclada de .Marajó já nao falava mais e111.
d1""agonas, mas só em. saias.
Vale mencionar que essas fíbulas jamais f oram en-
cont:i¡adas entre outros povos prilµitivos, nao só da A1né-
rica como de qualquer parte do ínundo. .Trata-se, por-
tanto, de objeto tipicamente marajoara.
Assinale-se tan1bén1 que é pelo exa1ne dessas tangas
que se pode con1pro~1ar con10 eram eaprichosas as cera-
inistas de Marajó. De n1a.is de sessenta exemplares qllC
já f oram observados, nao há dois em que o me sino desenl10
se repita. Todos trazem decora<laO original.
PRANCHA XXVII - Em cima: tanga feminina ,de cerAmica, das
primeiras achadas no pacoval do Arari. Sobre fundo branco de nata,
a decora~o é feita em preto. Em cada u·m dos seus AngulQs, ve-se
o furo que. permitia fosse ~ ~a ajustada ao púbis. · (9 723 - Col.
l\fus. Nac.).
.
Embaixo: vasinho con1 gravura e modelage111; abre•
'

sentando urna proeminencia mamelonar lateral. Marajó. (8 725 - ·


Col Mus. ~ac.). Pa. XXVII
226 Gastáo Cruls

Aliás, os n1arajoaras deviam ter consciencia da bele-


za da sua. ceramica. .
Ta11to assim que as suas urnas funerárias, para os-
sos ou cinzas, mais ricamente ornamentadas, só eram en-
terradas depois.de serem postas dentro de outras maiores
e de barro tosco. Entre as paredes de urna e outra, o es-
Pªºº restante era preenchido por tuna argila arenosa e
aí também se. guardavam pequenos objetos perter1centes
ao morto, como, por exemplo, no caso de urna f eminina,
a tanga de que acabamos de falar.
Já dissemos que tudo sao conjeturas quanto ªº gru-
po a que pertenceram e tempo em que viveram os mara-
joaras. Supoe-se que tal civiliza~áo se filie aos Arua-
ques e que das Antilhas, ou mesmo da América Centr.al,
essa gente, talvez em bandos sucessivos, tenha chegado
até a foz do Amazonas, para fixar-se em Marajó, onde a
vi.da seria amena, dada a fertili.dade do seu solo, rique-
za de caºa floresta! e campesina, abundancia de pesca
1naríti.ma e fluvial. O percurso até a ilha tanto poderia
ter sido f eito pelo mar como pelos afluentes da margem
esquerda do alto Amazonas.
Pelo estudo estratigráfico do terreno em que se
acham os ceramios de Marajó e onde o material arqueo-
lógico se dispoe em tres camadas, cujo índice de cultura
inaior se patenteia nas pe~as enterradas mais proftµida-
1nente, vemos que estamos diante de uma civiliza~áo de-
crescente. Difícil será avaliar-lhe a idade, e o sen fas-
tígio tanto pode pedir ao tempo um recuo de quinhentos
como mesmo de mil anos, antes da era colombiana..
De acordo com Heloísa Alberto Torres, a cujo ex-
celenté trabalho Ceramica de Marajó já nos reportamos
algun1as vezes, seriam estas as car.acterísticás mais mar-
eantes da ct1ltura materiai dos marajoaras: ornamenta-
ºªº do ·corpo com pintura, pintadeira ·de argila, fusaiola
PRANCHA XXVIII - Vaso pintado. Esta ~a singulariza-se
pelo seu fundo quase preto, muito raro- na cera.mica marajoara. Alt.
32,5 cm. Dltlm. da boca 14,5 cm. (9 503 - Col. Mus. Nac.). PR. XXVIII
228 Gastáo Cruls
"
de -barro, banco talhado em -qm só bloco de madeira, em-
prego de máscara nas cerimonias, tanga de. barro, inci-
nera~o dos· ossos, enterramento secundário em urnas,
urnas antropomórficas, constru~ao de aterro para ce~­
térios, maracás de argila, ídolos de barro e machados CIVIIJIZAQ..:\.O TAPAJóNICA
de diorito.
Quanto a estes últimos, como nao havia_pedra na re-
gi~o, teriam sido conseguidos por. troca com outros ín- s ESTU DOS a respeito desta civiliza<;ao co1ne~aram
dios. Segundo Hartt, o diorito é rocha que· nao exis-
te nem em }.farajó, nem nas duas margens fronteiras do O
·
a ton1ar vulto depois que Curt Ni1nuendaju, e1n
1923, cha1no11 a aten~ao do inundo científico para
Amazonas. Ainda segundo o mesmo autor, ele só apa- algun1as pe~as de ceran1ica conseguidas pouco antes, na .
-rece a muitas léguas acima do litoral, talvez .na altura ~i~lade de Santarém, por ocasiao de f ortes chuvas qt~e,
.das prim~iras cachoeiras do Xingu e do Trombetas. j)l'OYOCalldO a rllptura de UID bueiro, pt1seram a mostra
A civiliza~áo marajoara, bastante complexa, tem lia- táo i)r rcioso inaterial arqueológico. · ·.
mes que .a prenderiam a outros povos do alto Amazonas, Diga-se que a outros interessados no assunto, como
Venezuela, Colombia, talvez mesmo ·América Central e, Hartt e Barbosa Rodrigues, uns cinqüenta anos antes,
sem dúvida alguma, das Antilhas. . nao i1assara 4esper_cebida a grande diferen<;a existente
entre .cssa ceran1ica e a da foz do Amazonas.
A penas ningué1n tinl1a tido aind~ a f elicidade de
exan1inar i)e·~as grandes e quase perfe1tas, conserva11do
o luxo da Slla orna1nenta~ao esculpida, co1no aquelas
(1ue se a1)rese11taran1 . ao argucioso olhar de Curt Ni-
1nnendajt1. · .
Note-se que o terreno do vale do Tapajós, na sua foz
e cercanías, justa1nente onde se localiza1n os inaiores ce-
rftn1ios da regiao, é também zona populosa e· que, en1 _
~ertos pontos, como e1n Taperinha, já foi bastante t:aba-·
]hada pela agricultt1ra. Assim, a despeito.da sua r1que:
za arqt1eológica e a f acilidade e abundai;c~a coro qu~ a1
~<.' ClllCOl1tl'a1n, qnase a f]or da t erra, Yest1g1os de .ant.1ga~
<~iYiliza~oes indíg~nas, q11ase se1npre este 1nater13:l esi::á
r~dnzido a frag1nentos i11últiplos, o que torna mu1to di-
fícil, para nao dizer i1npossíYel, a reconstitui~áo das
pe~as tais con10 se apresentava1n antes do set1 esfacela-
1nento. E essa difículdade sobe ·de ponto por se tratar
<le lon~a extre1nan1ente•compósita, quase toda con1 ador-
. ii9
230 Gastáo ·Cruls

,. nos em relevo - figuras humanas e de animais, que se


multiplicam nas mais variadas formas e atitudes. Sáo
justamente essas esculturas que mais se encóntram nas
escayaQóes, tanto assim que o povo da regiáo, já familia-
rizado com as mesmas, deu-lhes o expressivo nome de
caretas. Caretas porque o que mais predomina entre
elas .sao cabecinhas de gente ou de bichos e que, nao raro,
se mostram em muito bom estado de co_nservaQao, pois
que, feitas de barro maCÍQO, resistiram melhor as injú-
rias do tempo do que as paredes dos vasos a que serviram
de enféite.
Dessas· figurinhas; depois que come<1aram a ser pro-
curadas por etnógrafos e curiosos, faz-se mesmo hoje
certo .comércio na localidade-e raro é o caboclo que nao
possua algumas de reserva entre os seus teréns, para ofe-
re ce-las, por qualquer cousa, ao primeiro viajante que
por elas se interesse.
Foi assim que conseguimos várias, nao só em Santa-
rém como em Alter do Chao, um vilarejo próximo.
A ceramica tapajonica está para a marajoara como
o estilo barroco está para o clássico. N aquela, tudo f oge
a harmonía de linhas, a simplicidade nas decora<1Óes.
A come<1ar pela própria forma dos vasos e outros objetos,
sempre caprichosa, quase sempre as&i.métrica. Essa dis-
paridade ainda mais se acentua na stia pesada ornamen-
taQáo esculturada, toda modelada, que se distribuí ero
variados adornos, fazendo de cada exemplar urna pega
extremamente compósita.
E diga-se que aí raramente entra a pintura. Os
jarros, pratos, vas~lhas e outrós objetos quase sempre
teráo apenas a cor da argila coro que f oram f eitos, sendo
. assim de urna tonalidade entre o branco e o cinzento es-
PBANcHA XXIX - Vaso de cerblica, bem típico da arte tapajl}-
nlca. Aqul niio há pintura. Toda a ornamenta~o é esculturada.
Esta ~, encontrada no bairro da Aldeia, em Santarém, fol recen-
temente oferecida ao Musen Nacional pelo Sr. Valentlm Bou~as. (

(31709 - Col Mus. Nac.).


232 Gastáo Cruls
Hiléia Amazónica 233
"curo, consoante o sen grall de n1aior ou n1enor coc~ño,
que podcrá diYcrgir ncste 011 11~~1ele i)o11to,. sobret~1do <lo já visto, haveremos de convir que ao ceramista q~1e ~he
nas ¡)ec;;as en1 que ho11Ye a apos1~ao de elcn1cntos 01na- lllOdelou O original, a peQa-padrao, nao faltavan1 tecn1ca
1nentais. l<>'nahnente, bcn1 raro, há de ser qne 11cles Ye- segura e alto poder imagill;~tivo. Por vezes..? a esses
ja1nos os be b
los dcscnhos geome't ricos,
. as gre~as. e aral)es- dons se soma indiscutível bom gosto e surge entao a obra
cos, p erfeita. Tais sao aqueles vasos, fruteira~ ou o q.ue fo-
. que for1na1n o pano de fundo da ceran11ca n1ara- .J.'em, e1n· que p equenas figuras humanas, a ~a~e1ra .de
Joara. . . , , cariátides, dispostas sobre a borda de um rec1p1ente in-
Todavia, a u111 cxan1e n1enos atento, dcYido a pro-
pria ¡)01npa <pie cstadeia, é possíYel que :" arte tupa- f erior as vezes apenas urna base anular, sustentam un1a
joniea possa ¡1arecc.r ex¡)ressao cultural n1a1s elevada do copa ~aior, o que.dá ao todo urna graciosa con!iguraºªº
que aqucla que se l)l'atiCOll a foz do An~azonas._ 1\-'.las t~l
de a1npulheta, para nos servirmos de urna f ehz compa-
. racao de Linné. . , .
.iuízo será a¡)enas o resltltado de 11111a i1n1~re~sao de ])ri- ~ '
1n<~ii·a hora. Basta co11sidrrar qne a 1naior1a daqnelas
Mas até se descermos as mmuc1as e passarmos a
pc<;as, se inuito con1plicadas, se innito d1:ffcei.~.- seria fre- examinar detidamente cada urna das infindas caretas,
qüenten1ente f~ita en1 série, por in~io ~e 111oldes que re- das inumeráveis peq11eninas esculturas 9ue seryem o~
pctüu11, scn1 e_rros nen1 desvios, nao so, talvez, o corpo serviram a,, ornamentaQao de peQas ma1ores, a1nda a1
})rinci¡)al dos objetos, con10,. ccrta111e11tc,_ todos ~s ador- n1uit.o teremos que louvar, p~_la expressao que traern nos
11os qne 1hc ia111 fazer de])Ois a dccora<_::ao. Da1 · a ~re:- sens rostos e feliz fixac;ao dos seus gestos, quando se
. qücncia dos inesmos acl1ados, dos vas~s qnase ¡)erfeita- trata de. fig~ras humanas, ou pela cópia fiel das. suas f or-
1nente io-nais já encontrados duas e nla1s vezes~ das ca.re- n1as no caso em qu~ a bicharada local tenha sido o ele-
tas identicas que surgen1 aqui e ali, repetindo os 111esn1os 111en'to aproveitado nos motivos decorati~o~. . ,
gestos, insistindo nos 111cs1nos esgares ~ . . Nesse setor, entao, eles foram prodigiosos, e L1nne
Ora, justamente isso foi o q11e. Jan1a1s_ se .v111 em chega a dizer que a ceramica tápajo~ica é u~ ':ve~~adei­
nfarajó, onde ·todo o trabalho era fe1to a n1ao livre e a ro catálogo · de toda a fauna da hacia amazonica.
cada pec;;a o artista e111prestava u1n ¡)ouco da sua perso- · ·ne fato nela surgem, com ·maior ou menor fregüe~-
nalidade. · cia, representadas apenas pela cab~Qa ou. ~e corpo in~e1-
. ro a onc;;a, o.quatipuru, o urubu-re1~ gavioes, papaga1os,
Con1 i~~o, entretanto, 11ao qnerr1nos incnoscabar a
arte tapajonica, de c11nho ben1 defini~o, co!11 car~ct~rís­
p~tos, tucanos e mutuns, cobras, jacar~s e lagartos, P~1:ª
ticas bastante i)eculiares, e que por nin1tos t1tnlos e digna nao falar nos sapos e ras, que, .como s1mbolos da fert1li-
dade eram muito estimados pelos nossos índios. Esses
do 1naior a¡)rc~o.
ornatos avulsos, embora ul}icolores, :p.ao raro_a_presentam
· Assim, se há 1·éplica,s e se diante d~ 1!111a das su~s
ex¡)ressoes artísticas pode1nos ter a f ast1d1osa sensa<;ao tons diferentes, talvez pela qualidade da arg1la, ou tal-
vez porque fossem pintados ou .envernizados. Na verda-.
1. Frederico Barata que, entre nós, se vem de~icando, com de, alguns sao achocolatados ou mesmo pretos e, bastante
devotada inteligencia, ao estudo da civiliza~ao tapajón1ca, achaque 1ustrosos, chegam a lembrar o bronz~. . . ,.. . ,
nenhum desses vasos ou qualquer dessas figurinhas sáo exatamen.. A área de dissemjna~o da cerannca tapaJomca e
te semelhantes e, com argumentos ponderáveis, nao acei~a que os inuito . extensa e, talvez,1 coro núcleo central na hoje ci-
oleiros de Santarém se hajam servido de moldes ou formas na
confec~áo da sua ceramica. (Nota a 3.' edi~áo. ),
dade de Santarém, sobretudo no seu bairro chamad.o Al-
dei.a, porque antigo aldeamento de índios, e se irradia
234 Gastáo Cruls
"
para este, oeste e sul da mesma cidade. Embora em me-
nor escala, ela é ta1nbém encontrada a margem esquerda
do .Amazonas, nao só na foz do Trombetas como nascer-
canias de Monte Alegre. Nimuendaju marca-lhe o li-
mite mais ocidental em Parintins.
Mais recente do que a marajoara, a civiliza~ao ta-
pajonica, ainda segundo Nimuendaju, poderia estar en-
troncada nos ·p róprios índios Tapajós, cuja total extin-
~ao data do século XVIII, mas que ainda constituíam
na~ao poderosa ao tempo das descohertas. Dela diz
Heriarte, que a viu em 1639: "Bota de si 60.000 arcos,
quando manda dar guerra." Também ao mesmo cro-
nista nao f oi estranha a bela ceran1ica por eles fabrica-
da e que lhe mereceu a seguinte referencia, na qual se
alude em primeiro lugar aos aborígines do Trombetas:
"Tem estes índios e os Tapajós finíssimo barro de que
fazem muita e boa lou~a." .
Para Nimuendaju, entretanto, nao seriam só os Ta-
pajós os seus únicos fabricantes, mas apenas os seus
principais divulgadores. Note-se que esse mesmo in-
cansável pesquisador, ªº lado .da ceramica típica dos
Tapajós, ·encontrou em área restrita de Santarém, justa-
mente no já referido bairro de Aldeia, restos de outra, •

sem ·dúvida mais remota, bastante diferente, tanto no


material como nos desenhos, e que tem pontos de ·contac-
to coma dos antigos Aruaquises, dorio Urubu, nas pro-
ximidades de Silves. ·
Nao sabemos co1n que fundamento o Conego Fran-
cisco Bernardino de Souza e Barbosa Rodrigues f azem
os Tapajós terem descido do J;>eru, ao tempo das inva-
XXX - Arte tapajonica. Em cima: um vaso cuja
PRANCHA
copa superior fica ligada ao recipiente basal por tres figurinhas hu-
manas que se disp0e1n a 111aneira de carii'ttides. (31707 - Col. ~1us.
Nac.). Embaixo: dois ornatos esféricos, com representa~a<> da · face
humana. O da esquerda provétn clo lago Sapncaná, no vale do rio
Trombetas (20 625 - Cocl. ~lus. Kac.); o da direita foi achado em
Santarén1 (31917 - Col. :\lus. Xac.).
PR. XXX
.-236 Gastiio Cruls

('Spallholas, ].)Hl'a se Yil'Clll fixar a 111argen1 direit.a


:-;()ps
do Ta11ajós, talvez en1 Alter do Chao.
Se :lsso parece un1a sin1ples hipótese e a arte tapa-
jonica - exceQao feita aos moldes de que ambas s_e ser~
Yirn1n - nao reflete nenhuma influencia andina, o que
11ao resta d(1vida é que ela tem muitos traQOS de u11iao,
sobretudo nos motivos ornamentais, con1 a arqueologia
das A11tilhas e da América Central.
J á disse1nos que a ceramica tapajonica., só encontra-
da, a 11rinc.ipio, em terrenos elevados, caracte.rizou-se
inais tarde pela sua habitual presenQa, se nem sen11)re
Hos altiplanos, muito freqüentemente eni inanchas de
tcrra preta e fértil. Daí ao seu primitivo nome de lot1-
Gª dos "moradores dos altos" ter sido depois preferido o
de lo11Qa das "terras pretas". ·
Vale ser consignado que, ao contrário do que acon-
tece na foz do Amazonas, os ceramios dessa terra preta
PRANCHA XXXI - Civiliza~áo tapajl>nica. E1n cima, da esquer-
cla para a direita: em primeiro lugar, ornato avulso, representando
urna figura humana que veda os olhos con1 as próprias maos. É
1noth·o muito encontra<li~o na ceríl.Inica de 8antaré1n. (31923 -
Col. l\Ius. Nac.). No ce.n tro: cabe~a antropozoo1nórfica, destacada <le
qualquer vaso. l.,oi aehada
. no quintal de urna
. pensao de Santarén1,
unde o autor este\·e hospedado. (32 494 - CoJ. l\fus. Nac.). A direi-
ta: vasinho em forma de pato. · Pe~a completa. Pertence a cole-
c;ao do autor, e foi por ele conseguida em Santarém ou Alter do Chao,
e1n 1938. No centro, e sempre da esquerda para a tlireita, tres n1ui-
raquitas, as fa1nosas pellras vercles que estao ligadas u Jenda das
.:\.rnazorias. O primeiro, ranifor1ne, foi encontrll;do nun1 lago a barra
do rio Tro1nbetas (30 331 - Col. :\fus. Nac.); o do centro, inenor,
que representa talvez um macaquinho, provém do lago Jaciuaruá, no·
rio Jamundá. (26 251 - Col. Mus. Nac.); finaln1ente, o último, da di-
reita, ainda batraquiano, chegou ao l\Iuseu sern in<licac;fío de origein.-
(27 420 - Col. ~Ins. Xac.). En1haixo, ainda da esquerda para a di- ·
reita: tres frag1nentos de cerftn1ica de Santarém. O primeiro, fi-
gura zoomór.fica, de difícil identificac;ao, talYez represente a cabe~a
de um lagarto (31922 - Col. l\fus. Nac.); o do centro, ornato prova-
velmente felto em forma, é dos que mais .se repeten1 entre os acha-
dos da regiao. Figura a cabec;a de um abutre, talvez o urubu-rei.
.Pertence a colec;ao do autor. . En1 último lugar, aparece um ornato
batraquiforme~ ta1nbén1 de argila. (20 689 - Col. l\fus. Nac.).
238 Gastao Cr.uls · Hiléia Amazónica 239

nunca f ornecen1 urnas funerárias, n1ostrando assim que Biclade des1)ertaran1 nos seus prin1eiros exploradores.
os Tapajós davam outro destino aos seus mortos. Pro- Curiosidade nao só porque aqueles pequenos objetos pa-
vavelmente, após enterran1ento provisório, os ossos, já r ecia1n ser feitos de jade, n1iné1·io de que nao se acusa-
in~inerados, seriam inisturados a q11alquer caxiri, consu- Yan1 jazidas na regiao, mas tan1bén1 porque eram capri-
mido p ela gente da tribo em dia de cerin1onia fúnebre ehosnn1ente trabalhados, sen1pre ·n1uito bem polidos e,
como ainda hoje fazem os Tuca11os e Tarianas, do ri¿ US Yezes, até ostentall~O forn1as de ::tnin1ais, rfis princi-
Negro. pahnente, o que e1nprestava aos s~u~ fabricantes um alto
Por esse e outros motivos, entre os quais avulta a gra11 de cultura, be1n en1 contraste co1n o e·v idente atraso
diferen<_ta entre as duas cerimonias, pode-se concluir que das tribos· que ali viviam na ocasiao.
a cultura tapajonica era muito diversa da marajoara. Por isso, nao tardara1n e1n aparecer várias suposi-
E há outros tra<_tos, embora apenas presumíveis, que a ~oes que lhes procurava1n explicar a origem, desde a
separam numa civilizaQao a parte, como sejam o uso lenda ouvida entre os índios de que os muiraquitás eram
mais freqüente do milho do que da mandioca entre os feitos de um barro especial, retirado do fundo de certa
seus alimentos, o emprego de qualquer veneno sagitário lagoa e capaz de endurecimento rápido pela exposi~ao
que nao era o curare, dada a sintomatologia apontada ao ar, até a hipótese de Barbosa Rodrigues que os tinha
pelos cronistas para aqueles que se ·viam atingidos pelas con10 prava inconcussa da proveniencia asiática dos ame-
su as flechas, a sua preferencia pelas terras uberosas rí11clios, u1na vez que nao havia diferen~a entre os nossos
coincidindo com o encontro nos seus ceramios de disco~ an1nleto~ e os que eram fabricados pelos povos de Bur-
que p~recem rodelas de fuso, o que tudo indica a cultu- 1na e do Turq11estao.
ra do algodao ou outra planta textil. Se a história contada pelos índios era invero~símil,
E agora digamos alguma cousa sobre os n1uiraqui- l1ao deixav·a de ser bonita. Assi111, diziam eles que, e1n
tas e os ídolos de pedra que, na Hiléia, para certos auto- a
certa época do ano, as Amazonas se reunian1 beira do
res, parecem estar em íntima ligaºªº com a civilizacao lago J acil1aruá 011 Espelho da lua e aí faziam urna gran-
t~aj~ica. · • de festa a 111ae dos muiraq11itás, que nele habitava um
palácio encantado. Era entao que as · icamiabas, já sob
MUIRAQUITIS a luz do luar, 1nergulhavam nas águas límpidas do lago
e ian1 receber, da n1ae das pedras verdes, o barro mole
Poneos assuntos ten1 dado inotivo a tantas con-
co1n que desveladamente trabalhavan1 os seus muiráqui-
trovérsias como as famosas pedras verdes ou pedras
ta ~, até qt1e o calor do sol chegasse para os consolidar de-
das "'"4.mazonas, pois que a elas se prende a lenda
das mulheres guerreiras que, na foz do J amundá, ataca- finitivamente. Essa festa coi.11cidia com a vinda anual
ra.ro Orellana e seus co1npanheir·os e cujo no1ne acabou a t.ribo das Amazonas dos seus maridos fortuitos, e aos
por dominar os outros por que também, era conhecido o índios, que no consórcio anterior ll1es tinha1n dado urna
grande rio. filha, elas ofereciam o an111leto que acabava1n de ino-
O muiraquita, fetiche de pedra dura e esverdeada delar.
que os ín~ios prezavam muito e traziam dependurado ao Pnl'a leuda, n1as le11.da que t<)1n o se11 lago no vale
pescoQo, e um dos achados amazonicos que mais curio- do J an1u11clá, justamente regiao onde já té1n sido encon-
Hiléia Amazónica 241
240 Gastáo Cruls
O curioso é que a lenda das Amazonas também ail-
trados muitos muiraquitas 1, inclusive um dos que figu- dava espalhada por essas longínquas paragens, con.forme
ram na nossa prancha XXXI. · . puderam verificar o mesmo Humboldt, no alto r10 Ne-
Allás ainda que sempre achados coro grande parc1- gro, e Schomburgk, no ,int~rior da Guiana ~glesa. Es-
m0Iiia é ~xtensa a área de dissemina~ao desses talismás, te último ouviu-a dos mdios Aruaques, habitantes das
nao só' na América como mesmo no Brasil. Assinalaram- marO'ens do Mazaruni, afluente do Essequibo.
no no :híéxico, onde o Asteca o chamava chalchihuítl e os Informa~áo pouco merecedora de crédito, dada a dis:
· espanhóis, esmeralda · baja. Foi i~ualmente ap<:_nta~o plicencia com que ~e ~rata de assunto tao. momentoso, e
nos Estados Unidos, Guatemala, Chil~, Peru, Colomb!a, a que nos dá um viaJante moderno, em 11vro sem data,
Venezuela e Antilhas. Para Schomburgk, que tambem ma~ bastante recente. Assiin, diz ele que, nesse mesmo
os identificou na Guiana - e era para os ingleses calicot rio Mazaruni num encontro com índios que nao nomeia,
stone e para os ·nativos macuaba -, ele teria .entrado em vi u nas maos 'de um deles urna sacola cheia de muiraqt1i-
Georgetown at:ravés dos Caraíbas, ao longo da costa. tas sendo que algl1ns eram primorosamente esculpidos.
Entre nós, a sua máxima freqüencia é na Hiléia, e pri11- Es~es índios, que na regiao eram os fabr~cantes d~s ~lu­
cipalmente nos vales do Tapajós, Trombetas e J ªr:r1~dá, didos talismás, iam trocá-los; por algodao, com s1lv1co-
os dois primeiros, como vimos, grandes focos de c1viliza- las residentes err1 ponto mais baixo. .
~o tapajonica. J á Heriarte, quando parou a foz do
Advirta-se que a presen~a do jade nessas altas re-
Tapajós, fala em pedras verd~s, que os índios.chamavam gióes do Amazonas e do Orinoco, em .tempos idos, parece
baraquitás. La Condamine cita também a tr1bo dos Ta- ter sido amiúde verificada. Osculat1, descendo. o Napo,
pajós como das que eram mais ricas nos famosos amu- nota a f reqüencia dos machados de pedra verde entre os
letos. · . índios que encontroll pelo caminho. E há ta~bém a ob-
Mas s_e, acaso, os nossos, ou melhor, os an1azonicos, servaQáo de Barrington Bro~, que, na ~~iana ~n~le­
tiveram aí ·o seu principal centro de. produ~áo, cedo os sa entre os rios Iacali e Itabai, teve ocas1ao de visitar
espalharam um pouco por toda parte.. E quem sa_be lá u~a grande área de .terreno abandonado, talvez ~ntigo
· · se muitos deles· nao teriam vindo das fontes do Orinoco -local de cerimonias indígenas, onde ao centro havia U!11
e dorio Br~co, onde, seg1:illdo informaram a HUJ!1boldt, círculo, com uns trinta pés de diametro, cercado, de es-
também havia pedras verdes e igualmente se fabr1cava1n paQo a espa~o, _por grandes lascas de pedras verdes.
muiraquitas' Esse autor chega mesmo a aventar· que Em abono da possível existencia 9-o jade nessa~ pa-
as piedras df! M acagu,a, como em Esmeralda as conhe- ragens, depóe Hamilton ~ice, n~ dos seus relator1os,
ciam, pudessem ter duas procedencias diversas. Aque- quando refere que n~ reg1ao do no Branc_?, na Serrada
las que eram encontradas entre os índios do rio Negro, Pregui~a, f oram obt1das pedras verdes tao duras como
teriam vindo do baixo Amazonas, enquanto outras, con- o jade. . , , .
seguidas através das Missóes do alto Orinoco e do Caroni,. Assim, já nao precisaríamos ir ate a Asia co~ Ba~-
seriam manufaturadas· no Essequibo e no rio Branco. bosa Rodrigues, para explicar a prese~Qa dos muir3:qu~­
tas entre os nossos índios. .A.liás, muito antes das Jaz1-
1. St"gundo . Adolpho · Ducke: nas suas Explora~óes Cientí-- · das citadas por Hamilton Rice, já se .verifica.ra a ocor-
ficas no Estado do Pará ( "Boletim do Museu Goeldi", Tomo VII, rencia do jade em Amargosa, na Bahia e, mais recente-
191 O) , o lago Jaciuaruá fica situado na regiao de Faro, a sudoeste mente em Conquista, ainda na Bahia, bem como no Es-
da Serra do Copo.
242 Gastáo Cruls
,. ·.
.'
tado do Rio e no Paraná. Quanto asua presenQa na A1na-
zonia, acha Luciano J acques de ~1orais, distinto geólo-
go patrício que dedico11 interessa.n te trabalho ao assunto,
qne ali, dada a constitni<;c:io do terreno e1n ccrtas r egioes,
o jade pode ter seus depósitos originais, como, por exen1-
plo, na cabeceira dos afluentes· da margem esquercla clo
J..\n1azonas ( J ari, Paru, Trombetas, rio Branco e rio Ne-

gro) e tan1bé1n na margem sul, nos ·altos vales do Tocan-


tins, Xingu, Tapajós e alguns formadores do Madeira.
E ainda, de acordo' co1n o mesmo autor, nao é impossível
que a pedra verde do A~azonas possa ser, e1n vez do jade
propria111ente dito, o que vale dizer jadeíta, nefrita e
ln11a variedade de saussurita, qualquer outro mineral,
co1no, l)Or exemplo, o epídoto, a serpentina e a ama-
zonita.
E, para ter1ninar, d~gamos algo sobre a significa~ao
da palavra rnitiraquita. Para Barbosa Rodrigues ela
c111ereria dizer nó de pait, nome que lhe parece justificá-
Yel devido a semelhan~a que .tem o jade, de aspecto céreo
e raias sanguinosas, com a resina de algumas madeiras.
José Veríssimo nao aceita esta etimologia e traduz o
Yocábulo l)Or pedra de gente, de mirá gente e ita pedra.. .
I"adislau Neto prcfcre co1npreende·-1a por pedra de
chefe. Fica ao leitor o enibarras du choix.

ÍDOWS DE PEDRA

A civilizaQao tapajonica também se pre11de1n os


ídolos de ]?edra, preferentemente de esteatite, que pela
sna ductilidade bastante se aproxi1na da pedra-
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

PRANCHA X~-XII - Em cima: ídolo (?) talhado em esteatite.


Foi encontrado a 60cm do subsolo, na ilha Botoas on S. Joao, no
rio Tro1nbetas, e oferecido ao l\iuseu Nacional, em 1929, pelo Gene-
ral Rondon. (20 755 - Col. l\Ius. Xac.). E1nhaixo: Yaso ¡1ro,·eniente
· das cercanias da Serrado Ereré, situada a nqroeste da ci<lade de Mon-
te .Alegre, inargem esquerda do Amazonas. Esta ceramica tem pon- \
tos de contacto com a de Santarém e parece prender·se A civiliza~ao
tapajónica. (31250 - Col. 1\ilus. Nac.).

PR. XXXII
244 Gastáo Cruls
,.
sabáo. Náo deixa de ser interessanté que, justamen-
te onde aparecem esses ídolos, nos vales dq Tapajós,
Paru, Trombetas e Jamundá, nunca se pode verificar a
existencia da estea,tite.
Barbosa Rodrigues f oi, entre nós, o primeiro a CI,TILIZAQOES MENOS CONHECIDAS
achar um desses ídolos.de pedra, as margens do Paru, e
a
a eles, em trabalho posterior, passou dedicar especial
áten~áo. A pe~a encontrada pelo naturalista patrício, LÉ l\I d~scivilizaQoes marajoara e tapajonica, tanto
e que ele classificou como um ídolo de pesca, representa-
va um carnívoro procurando devorar um quelonio.
A no ba1xo como no alto Amazonas, alguns ceramios,
embora m~nos importantes, tem revelado a exis-
Mais tarde, José Veríssimo conseguiu obter e des- tencia de outros povos a respeito dos quais muito pouco
crever um outro, proveniente da cidade de óbidos e mo- se sabe, mas que merecem considera<.;ao.
delado na forma de um peixe: o acará-bararuá. Outro Destarte, diremos duas palavras sobre as jazidas de
ídolo curioso, da regiao do Trombetas, figura um peixe Can1utins, Maracá, Caviana, Cunani e Miracangüera,
qúe abocan ha urna mulher pelas costas. Infelizmente,. ben1 como sobre alguns achados esparsos, mas nao despi-
esta pe<.;a, bem polida e de cor rósea, _estava partida em ciendos, feítos na regiao de Tefé. Infelizmente, quase
quatro fragmentos, quando f oi conhecida. i1ada co11hecemos sobre a arqueologia do alto Amazonas
Parece que todas essas esculturas, f eitas num só blo- e ~ de lamentar que hajam sido interrompidas as pes-
co, algumas volumosas e pesadas, eram tidas em gran- J qu1~as que com tanta proficiencia e tao bons resultados
de ~stima pelos índios, que nelas viam fetiches propicia- ali vinham sendo f eitos por Nimuendaju.
dores das suas várias atividades: ca<_;a, pesca, lavoura e
guerras. Freqüentemente perfúradas, nao é impossí-
vel que muitas vezes fossem penduradas a proa das em- CAMUTINS
barca~óes, como ainda hoje o caboclo gosta de levar a
Situadas ta1nbém em Marajó, essas jazidas, como
frente da montarla, plantado numa latinha, um pé de
as do Pacoval, sao localizadas em montes artificiais,
tajapurá para que náo volte panema da pescaria.
Os ídolos de esteatite tem a cor natural da pedra,
a n1nrge1n do igarapé Ca1nutins, afluente do rio
que varia entre o branco acinzentado e o vermelho arro- Anajás. A louga nelas encontrada tem muitos pon-
xeado, e o seu comprimento, entre os colecionados até tos de co11tacto con1 aquela·, embora a sua ornamentacao
agora, nunca vai além de uns vinte a trinta centímetros. St\ia inais l)Íntada do que gravada. Por outro lado,~ as
Como esses ídolos, f eitos co:cn material pouco encon- 111·nas, 1naior es do que as de ~Iaraj6, nao t en1 formato
tradi~o na regiao, já foram assinalados em outros pon-
snbcilíi1dl'ico ou conico, mas globular. Aí também fo-
1':1111 encontradas bastantes tangas de barro, n1as, quase
tos da América, inclusive por Bancroft que os estudou no
México, e em Nicarágua, alvitrou-se que os nossos pu- sen1pre, n1u_ito grosseiras, apenas de argila vermelha, sem
dessem ter sido importados. Entretanto, o ídolo a qlte qua lqner pintura. Entretanto, tudo isso sao caracteres
1 di fcr enciais de somenos importancia, e que permitem in-
já nos referimos, descrito por Verí-ssimo, depóe a favor
da sua origem autóctone, uma vez que figura um peixe col'porar essa ceramica a civiliza~ao marajoara. Nao
bem: típico da Hiléia: o acará-bararuá. 245
246 Gastáo Cruls •
faz muitos anos os mounds de Camutins foram novai11en-
te explorados por Farabee, que deles retirou algtn11as
peQas bastante interessantes.

~ÍARACÁ

E sta jazida foi descoberta e estudada por F·e r-


r eira P ena en1 fins do século passado. Sao i)eqlte-
nas grutas naturais a inargem de um afluente do ~fara­
cá, rio que deságua no brago norte do Amazonas, u1n
pouco acin1a da extren1idade ocidental de ~Iarajó, i1a r e-
giao conhecida por Guiana brasileira. Aí só se eJ1con-
tran1 urnas, nao i·aro a.inda contendo esqueletos i11teiros.
Conquanto essa louQa seja bem mais grosseira do qt1e a
de 1vfarajó, n.áo deixa de ter grande interesse arqueoló-
gico. Essas ltrnas sao freqü.e ntemente tubulares e ora
representa1n um simples cilindro comp:i;ido, coberto por
tampa chata e arredondada, ora mostram o inesmo cili11-
d:i;o transforn1ado e111 figura 11ln11ana,· sc11tada 11ui11 ba11-
co, co~ braQos e pernas bem destacados, e urna tampa; en1
forma de cone truncado, correspondendo a cabeQa, e onde
se vee1n os traQOS f isionomicos ei;n relevo. Ainda aí há
outro tipo de depósitos funerários, també1n esculturados,
mas com a configuragao de qualquer animal, con10, por
ex~mplo, o jabuti, que é das mais predominantes. To-
das essas urnas sao tosca1r~ente pi11tadas, se nao co11ser-
vam apenas a cor nat11ral do barro, _e nas antropo1nórfi-
cas há sempre a caracterizagáo do sexo. Os cera111ios
de Maracá nao parecem ter existencia muito re1nota, urna
vez que sobre a figura de urna das suas urna~ forun1 en-
contradas, a maneira de enfeite e presas com resina, al-
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

PRANCHA XXXIII -CerAmica de l\1aracá. Urna antropo1nórfi-


ca masculina. A fig ura descansa sobre nin ba11quinho L>nix o, iden-
tico em forma aos bancos de madeira, talbados numa só ~a, ainda
muito em uso entre algumas tribos da Amaz~nia. Alt. 33,5cm. (5 445
- Col. Mus. Nac.).
PR. XXXIII
248 Gastao Cruls

gumas contas de vidro, das qt1e para aqui trouxe1~a111 os


curopet1s.
CAVIANA

Os ceramios dessa ilha, situada ao norte da foz


do A in azonas, f oram explorados por Nimuen4aju,
que deles recolhe11 interessante inaterial. Aí tall)bén1
predo1ni11am as t1rnas que, como em ~Iarajó, serviam
apenas para o enterra1nento secundário. E talvez Reja
csse o set1 único ponto de contacto com a lou~a do Paco-
va1, de que se distancia muito pela inferioridade da orna-
menta<_;ao. A presen~a de mi~angas, nelas também veri-
f icada, dá a esse cemitério origem pós-colombiana. O
enrio so ·é que em Caviana nao f oram poneos \>s ~trira­
quitas e11contrados. Assinale-se que os ossos' contidos
nas urnas esta-vam pintados de vermelho.

CUNANI

Parece que Coudrea11 já visitara esses ceran1ios


que, mais tarde, em 1895, foram cuidadosamente es-
tudados por Goeldi. Trata-se de cavernas artifi-
ciais, verdadeiros poc;os sepulcrais, protegidos por gran-
des hlocos de granito. Aqui o material, muito rico e va-
riado, embora nao se possa comparar ao de Marajó, é
bastante superior ao de Maracá e Caviana. Alén1 de
urnas funerárias, desprovidas de tampa, mas com caras
hnn1anas esct1lpidas sobre o gargalo, 11á mt1itas pe~as -
Pn.\xc nA XXXI Y - Cer íhnica ele Cuna ni. E1n cima : -raso e1n
f or1na de 11ote, con1 tres zonas na parte lJojuda , além de duas no
ga r~nJo. .Alt. H-tcin. J) Ulln. 1núxin10 (lo hojo 37~1n. E1nbaixo:
r ecipiente en1 forn1a de bnndeja. A.lt. 9cn1. Co1npr. (marg. sup.)
üOcn1. Larg. (niarg. sup.) 41c1n. Nüo possuindo o ~Iuseu Nacional
11enhu1n exe1nplar <lessa cer illnica, ti-reinos <le apro,·eltar na nossa
p1·a 11d1a ~ra,· 1 11·a s <·0 Jn1·idas dP 11111 t rahal ho dt>· noPllli, onde se apre-
s enta111 as pe~as por ele colccionadas e que se acham no l\Iuseu Goel-
dl, no Estado do Pará.
PR. XXXIV
Hiléia Amazónica 251
250 Gastáo Cruls

Y aso~, ])r atos, t errinas - de forn1as i10J;>res e elegantes, f ci~ao con1 que pintavam caba<las e lou~as. Diz o
l Hl n1nioria zo11árias. N essa lou~a de fundo .1miforn1e- Padre Fritz que elas tinham por hábito chamar as
1nc11tc a1nnrelo, além de gregas, predominam os desei1hos cobras por meio de encantamento, a fim de copiarem as
Yirgulnr e escalar, sempre en1 vern1elho. N ela aparece mar cas e as figuras existentes na pele desses r épteis.
t n111b~n1 a orna111enta<lao plástica, con10 os r ecortes e as l\f ns t nn1bcn1 f ornn1 donas dessas terras muitas ou tras
('hnn:fr nclur as verticais a qt1e já aludimos anteriorn1ente, tribos e, assim, nao saberemos a quem atribuir as pe~as
(~ tn1nbé1n f iguras nlais Oll nlenos salientes de vários ani- que l)Or vezes se conseguem nessa regiao, como· aqueles
1nni~ : cobras, ras, qnatipurus, jabutis e aves. belos vasos que o Padre Tastevin enviou para o Museu
do Trocadero, em Paris, e que mereceram atento estudo
~JIRA.CANGÜERA
de ~Iétraux. Dessa ceramica o autor reproduz, numa
das J>ranchas deste livro, nao só um pequeno vaso per-
Este ceríln1io fica a marge111 esquerda do A.1ua- f cito, originário de Coari, con10 alguns curiosos frag-
zonas, entre ltacoatiara e a foz do rio N cgro, i11ais mentos de lou<la já encontrada partida.
01t u1e11os na longitude do !fadeira e dilata-se i)or
nlais de 5 nlilhas. Foi visitado primeiro por Fer- · · BIBLIOGRAFIA
r eira P ena e dc1)ois por Barbosa Rodrigues, que lbe
cledico1t n1e111ória. É das 111ais curiosas jazidas da . A. 1na- Acu ÑA (P. Christobal de) - Nuevo Descu_brimiento del Gran Río
zonia, ])Cla ·peculiaridade da SUa lOU<la, toda feíta nu1na de las Amazonas. Madrid, 1891.
argila f i11a e qt1e nos vasos, antes de serem pintados, é BEAUVOIS (Eug.) - Lá.Fable des Amazones chez les lndigenes de.
r evestida _de llrna can1ada de tinta branca, o que ll1e dá l'Amérique Précolombienne. Louvain, 1904.
aparencia de porcelana. As suas urnas sao antropon1ór- BEUCHAT ( G . ) - Manuel d'Archéologie Americaine. París, 1912.
f i cas e n elns Goeldi ve po:n tos de co11tacto com as de ~{a­ BRAZIL ( Themistocles Paes de Souza) - Cauici. Ministério das
rnj ó, ~íaracá e Cuna.ni. Das prin1eiras teria a forn1a, Rela<;oes. Exteriores. Rio de J aneiro,- 1938.
dns segundas a ta1npa e das terceiras os tra<lOS fisiono1ni- BROWN ·(C. Barrington) - Canoe and Camp Life i~. British Guia ...
cos e1n r elevo. Presu1ne-se qt1e essas jazidas prove11l1am . na. London, 1877.
BRo WN & L10STONE - Fifteen . Thousand Miles on the Amazon
dos ascendentes dos Aruaquises, cuja dispersao con1e<lou and its Tributaries. London, 1878.
i10 séc11lo XVI e terminou no século passado. Para al- CAR\'AJAL (Fr. Gaspar de) Descubrimiento del Río de las Ama...
gun~ autorrf-\, os Aruaquises do Amazonas tcriam sido os zonas, con una introducción histórica por José Toribio Medi...
en1nlos e t alvcz n1esmo os contemporaneos dos Nl1een- na. Sevilla, ·1894.
gaíbas de Marajó. CASTELNAU (Francis de) - Expédition dans les Parties Centrales
de l'Amérique du Sud. Histoire du Voyage. París, 1850...
1851.
CERiMICA DE TEFÉ E' CERCANIAS DERBY ( Orville A.) - Contribui~óes para a Geología da Regiáo

N essa r egiao, sobretudo em Coari, te1n sido en- ,, do Baixo .4mazonas. ( "Arquivos do. Museu Nacional" - Vol.
11. Rio de Janeiro, 1877).
contradas algumas pe~as de ceramica bastante inte- DERBY ( Orville A.) - Os 1
Povos Antigos do Amazonas. ("Re...
ressantes. Aí vive11 a poderosa na~ao dos J urin1á- vista da Exposi<;áo Antropológica Brasileira". Rio de Ja-
guns, cujas nl nlhcrcs scn11)re se destacaran1 pela llCr- neiro, 1882).
252 Gastiio Cruls Jl
,.
D1AS (Antonio Gon~alves) - Se existiram Amazonas no Brasil.
(ºRevista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro".
T orno XVIII) .
D1AS (Antonio Gon~alves.) - Brasil e Oceánia. ("Revista do lns...
tituto Histórico e Geográfico Brasileiro". Tomo XXX.
P. 2.•).
D'ORBIGNY (Alcide) - L'Homme Américain. Paris, 1839.
EsTÉVAO (Carlos) - A Cerámica de Santarém. ("Revista do
Servi~o do Patrimonio :f:iistórico e Artístico Nacional". N.f)
3. Rio de Janeiro, 1939).
FARABEE .(William Curtís) - Explorations at the Mouth of the
Amazon, ( "The Museum Journal" . University of Pennsy} ...
vanía. Philadelphia, September, 1921 ) .
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sentado em 1929 ao Exmo. Sr. General Gandido Mariano Ron...
don; Chef e de lnspe~iio de Fronteiras. (Inédito).
FRITZ ( Samuel) - fournal of the Travels and Labours of the. Fa ...
ther Samuel F ritz in the River of the Amazons between 1686
and 1723; translated from the Evora Ms. Edmundson. Lon-
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PRANCHA XXXV - Cerfi.rnica de Miracangüera. Em cima : tampa


de urna funerária. Ao contrário do que acontece na arte marajoara,
onde a face humana é representada no próprio corpo da urna, aqui
ela aparece servindo de motivo a ornamenta~ao da tampa. Diam.
24cm. (8 651 - Col. Mus. Nac.). Embaixo: urna antropomórfica
masculina, também de Miracangüera. É apenas num modelado li-
geiro que se assinalam os bra~os, os mamilos e as coxas, ao passo
que o · sexo e as pernas sao muito mais fortemente esculturados.
Alt. 39,5cm. DiAm. da boca 19,5cm. (9 492 - Col. l\1us. Nac.).
PR. XXXV
254 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 255
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PRANCHA XXXVI - CerA.mica do alto Amazonas. Em cima, da


esquerda para a direita: l. 9 - Fragmento de vaso. Municipio de
Coari, situado a oeste de Tefé (28 879 - Col. Mus. Nac.); 2.9 -
Borda de vaso. Airao, na margem direita do rie Negro (28 877 -
Col. Mus. Nac.); 3. 9 - Ornato em forma de cab~a de papagaio. Fa.-
zenda Sao Paulo, Coari (28 846 - Col. Mus. Nac.). No ~entro: Frag-
mento de vaso. · Vila de Manacapuru, a margem esquerda do So-
limoes. (28 878 - Col. Mus. Nac.). Embaixo, sempre a direita:
1.9 - Vasinho perfeito. Coari. Pertence a col~o do autor; 2. 9 -
Fragmento de vaso. Rio Jauperi, afluente da marge!Jl esquerda do •
rio Negro (28 881 - Col. Mus. Nac.); 3. 9 - Fragmento de vaso.
Coari. Distingue-se pelo colorido azul que apresenta nos sulcos da
ornamenta~ gravada. (28 880 - Col. Mus. Nac.).
258 Gastáo Cruls

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CONSIDERAQüES GERAIS

TÉ o início do século pas~ado, nada mais fácil do que


A classificar os nossos índios. De um lado, índios da
costa, índios mansos, índios de língua solta, que
falavam o abanheenga ou o nheengatu, a língua de gente
-ou a língua boa; de outro, ·os índios do interior, índios
bravos, índios de língua travada, que falavam o nheen-
9aíba ou língua má.
Os primeiros, os Tupis, f oram aqueles com quem os
portugueses logo tomaram contacto e que pelo seu tem-
peramento mais dócil em breve se acamaradaram com os
recém-vindos. Os segundos, os Tapuias, como os da orla
marítima os conheciam, com isso querendo dizer inimi-
9os,· pois que com eles viviam em constantes guerras;.
.eram gente insubmissa e feroz, que a despeito do seu
.maior atraso, ou talvez por isso mesmo, náo queriam re-
1a~oes com ninguém.
Pelo estudo e coordena~ao dos dois dialetos em cur-
:SO na costa, o abanheenga dos Guaranis, ao sul, e o nheen-
gatu dos Tupis, ao norte, aliás dois dialetos. inuito pouco
diferenciados do mesmo tronco comum, logo se aprovei-
iaram os j esuítas, transformandó-os no principal ins..;
trumento de liga~áo náo só entre os europeus e os natu-
rais da terra, como até do próprio gentio entre si, isto é,
tornando-os também familiares as tais na~oes d~ língua
travada, cada uma com fala própria, o que fazia desta
parte da América uma outra confusíssima Babel.
Aliás, para essa fácil difusáo de uma língua-geral,
como também ficou conhecido o tupi, bastante há de ter
~oncorrido a índole aventurosá. e erradia dos índios dessa
família, tidos como. os nossos fenícios, dada a valentía
261
262 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 263
,.
com que afrontavam o mar e os rios, e que ap tempo da acepºªº j·á mais ampla de gentio atrasado e hostil, q11e
descoberta já haviam empreendido grandes iµigragoes e lhe deram os colonizadores 1, bem injusta e erronea pas-
estavam espalhados um pouco por toda parte. sou a ser essa designagao quando levada, como o f oi, aos
Se ao sul do país, ao contrário do que acontecen no índios da regiáo amazonica, pois que, aí, a maioria dos
Paraguai e em algumas províncias da Argentina, o aba- índios de língua travada, isto é, que nao falavam o nheen-
nheenga, sem nunca ter tido grande divulga~ao, cedo se gatu, pertencia justamente a dois grupos, os Aruaques e
transfor:qiou em língua morta, ante o rápido e avassala- os Caraíbas, que em matéria de civilizaºªº nada ficavam
dor domínio dos colonizadores, outra repercussáo teve ao a dever aos Tupis, principalmente os primeiros, como
norte o nheengatu, por longo tempo de trato muito comum haveremos de ver depois.
em cidades e vilas, a ponto de ser falado dos púlpitos, e Tudo i~so, entretanto, só se apurou a partir do sé-
que, sempre levado pelos missionários, Amazonas acima culo XIX, quando comeºamos a ser visitados por cientis-
e através dos seus afluentes, varando· cachoeiras e aden- tas de valor, entre os quais avultam as figuras de Mar-
trando-se pelas florestas, transpos as nossas fronteiras e tius, V on den · Steinen e Ehrenreich, os verdadeiros
chegou até territórios já pertencentes as possessoes es- criadores da etnología brasileira.
panholas. · Devemos a primeira ·classificaºªº dos nossos índios
Foi justamente no alto Amazonas e no rio Negro a Martius que, deixando de lado as tao falhas caracterís-
que a língua-geral ·m ais servi~os prestou, como veículo ticas antropológicas, das mais aproveitadas até entao, se
natural de entendimento entre o civilizado e o silvícola. apóia exclusivamente no critério lingüístico, na estrutu- .
Aí, em certas localidades, ela era tao falada como o por- ra gramatical das línguas faladas pelos vários grupos.
tugues, quando nao o suplantava de todo, como acontecia Mas, co~o era de esperar, Martius, ainda imbuído do es-
nos pontos mais afastados, onde imperava o elemento pírito da época, que em cada selvagem brasileiro quería
aborí~e. Ainda em meados do século passado,. Alfre- ver um Tupi, cometeu vários erros, inclusive o de reu-
do Wallace cita o caso de um frances que, residindo nir esses mesmos Tupis a importante familia Caraíba.
havia vinte anos no S~limoes, só conversava com a mu- Esses e outros enganos f oram mais tarde corrigidos
lher e os filhos em nheengatu, cuja prática já lhe era por Von den Steinen e Ehrenreich, cujas viagens, com
mais fácil do que a do portugues e mesmo a da própria longa permanencia no alto Xingu e diuturno convívio
língua materna. É também do mesmo .autor a observa- com várias tribos primitivas, lhes permitiram urna me-
gao de que crian~as, filhas de portugueses, nao sabiam lhor visao do nosso . nativo, principalmente no que se
se expressar de outra maneira. Mas, mesmo hoje, nao refere a sua separagáo em alguns grupos bem distintos,
será raro encontrar, as margens do rio Negro, quem verse sempre de acordo com os elementos fonicos de expressao.
com desembarago a língua-geral e dela se utilize no con- Tanto assim que, a despeito de urna ou outra modifica-
vívio doméstico. ºªº -e de vários acréscimos ou desdobramentos, aliás mui-
to naturais eni estudos que estao sempre .em marcha, ain-
Se ria regiao meridional do país, os índios que vi- da boje prevalece, nas suas linhas básicas, a classificaºªº
viam retirados e que, mais tarde, em grande·parte, foram estabelecida por ambos.
incorporados ao grupo Je, estavam, na verdade, muito
l
abaixo dos Tupis no tocante ao grau de cultura, e a eles, 1. Hoje, este nome é dado ao caboclo puro. isto é, ao índio
com razao, se poderia aplicar o nome 4e Tapuias, na já assimilado a civiliza~áo.
264 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 265

Foge ao.s moldes deste trabalho uro exame mais pe- recursos da cac;a e ·da pesca. A flora e a fauna, riquíssi-
netrante dos muitos grupos ou troncos indígenas que se mas, forneciam-lhes, além do alimento, a matéria-prima
dist~ibuem pela primeira_província etnográfica das tres para a construc;áo da casa· e a manufatura de armas e
criadas por Ehrenreich para a América do Sul, e que ·é utensílios indispensáveis, tudo trabalhail.o em pat1, osso
justamente aquela. ero que o Brasil figura ao lado da ou fibra, devido a escassez de pedra, por esse motivo um
Venezuela, das Guianas e do arquipélago das Antilhas. elemento secundário na sua cultura material. Quanto ao
O que podemos dizer, entretanto, e ist9 nos interessa vasilhame ·para a conservaQáo de líquidos e os trabalhos
bastante, é que, nessa mesma província, os tres grupos de cozinha, se náo lhes faltavam as cabac;as, os gomos de
principais - aqueles de maior importancia já pelo gran- taquara e outros recipientes naturais, também havia mui-
de número das suas tribos, já pela sua vasta dispersáo, to boro barro a beira dos rios e náo f_o ram poucas.as tri-
já pelo seu mais alto nível cultural, ou sej'am os Arua- bos que se especializaram na arte ceramica.
ques, Tupis e Caraíbas - náo só estavam muito bem re- Como conseqüencia dessas boas condic;óes de vida em
presentados na Amazonia, mas também parecem ter tido qualquer ponto onde se localizassem, ao contrário de
por centros de forniaQáo e irradiaQáo pontos compreen- amalgamac;áo, hou-ye entre os silvícolas da Amazonia um
didos dentro da-própria área da Hiléia, ou muito próxi- incessante processo de desassociaQáo, que desdobrou os
mos dela. grupos em numerosas tribos e estas, por sua vez, em sub-
Assiin, os Tupis-Guaranis, tidos, de iníció, ·como tribos. Todavía, dada a facilidade das com.unicac;óes,
oriundos da mesopotamia do Paraguai e Paraná,._pare- por meio de urna incomparável rede fluvial, que abria
ce que se originaram na {aixa compreendida entre o·Ma- caminhos e encuttava distancias, todas essas tribos, mes-
deira e o T~pajós.. A pátria dos Caraíbas está ·situada mo as m·a is afastadas, viviam em permanente contacto,
náo longe dessa regiáo, ent;re o alto Xingu e o Tapa- indireto quando mais náo f osse, por meio do ativo comér-
jós, e comprova essa aproximac;áo de ambos o número de ci_o que s~ praticava entre elas, e assini a Hiléia, segundo
elementos culturais comuns as tribos ·desses dois troncos. Métraux, foi um grande centro de aculturac;áo, onde, a
Finalmente, o centro de dispersáo dos Aruaques, o mais pouco e pouco, se iani. fundindo, num cadinho único -
notável dos tres grupos, náo só pela sua mais larga disper- talvez berc;o de próxima e grande civilizac;áo - muitos
sáo, que abrange as tres partes do.continente americano, contrastes individuais e valiosas contribuic;óes de vária
mas também pela grande influencia que exerceu só})re ou- procedencia.
tros grupos, inclusive os próprios Tupis e Caraíbas, se- Muito terá concorrido para essa ligaQáo entre as
ria o território venezuelano-brasileiro correspondente as popula~óes amazonicas o trabalho. de especializac;áo em
bacias do Orinoco e ·do rio Negro. determinados generos de indústria a que se dedicaram
muitas tribos, tornando os seus produtos famosos e cobi-
_Conhecidas as condic;óes do meio físico·, nao é de es- <lados pelos vizi.."l.hos. Assim, náo haveria melhor z~ra­
pantar que a Amazonia tenha sido um verd~deiro éden batana do que a dos Arecunas, nem melhor ralador de
para as nossas populaQóes indígenas, que aí se conden- mandioca do que o dos TarUm.ás; notável pela sua viru-
savam em grandes e inumeráveis tribos. Allás, tudo na lencia era o curare dos Ticunas; dignos do maior apre~o
regiáo, coberta de florestas e cortada de rios, tor11:ava a eram os banquinhos de madeira f eitos pelos Tucanos e
vida fácil e prazerosa, para índios erradios, de agricul- . Tarianas. E do mesmo modo a preferencia era dada
tura ainda rudimentar e que quase só se sustentavam dos as redes de fibra ou de .algodáo, as canoas ou aos potes
266 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 267
,.
d~ ceramica, se se lhes apontava urna determinada ori- embora o exagero da tirada, bem ao sabor da época, prin-
gem. Até no adestramento de caes para caQa havia tri- cipalmente quando partida de urn espanhol, e há de se
bos que se tornaram célebres e, em busca de um bom ter sempre diante dos olhos urna paisagem a que nunca
acuador de onQa ou atilado farejador de paca, empreen- faltou a animaQao da figura humana.
diam-se longas viagens. Aliás, isso se confirma nas relaQoes que nos deixa-
Mas mesmo dentro da própria tribo havia indiví- ran1 Carvajal e Acuña, onde nao há página em que nao
duos que se aperfei~oavam no. fabrico desse ou daquele se f ale do encontro com novos índios, alguns deles per-
artefato, flechas, arcos, obras de tranQado ou plumária, tencentes a grandes e poderosas naQoes.
conforme nos relata Krause, que, quando entre os Caia- E isto apenas entre as populaQóes ribeirinhas, aque-
pós, era mandado dé urna a outra maloca, de acordo coro las que .lhes iam aparecendo, sem que as procurassem, a
o genero de objeto que desejava adquirir. medida que desciam o rio. O segundo desses. cronistas
Embora nunca tivessem sido muito grandes as i·ela- dá o nome de cento e seis tribos com que tratou ou de
Qoes entre os silvícolas amazonenses e as populaQoes do que ouviu falar; e em certa passagem da sÚa narrativa
planalto andino, há dois exemplos bem típicos de con- dizque por ali viveriam urnas cento e cinqüenta nagóes. ·
tacto entre ambos que nao só comprovam a que grandes Markham avalla em setecentas as tribos que habita-
distancias podiam chegar os objetos permutados, mas vam o grande vale e Mariano Rivero or<}a em duzentos
ainda a rapidez coro que essas trocas se ~ealizavam. e oitenta os diferentes idiomas em curso na regiao. Só
É o caso que, entre os Tupinambás da costa, os pri- para o Estado do Amazonas, Louren<}o da Silva .Ama-
meiros portugueses aqui desembarcados encontraram zonas cita duzentas e quarenta e tres tribos, cifra exígua
alguns machados de bronze ·que· só poderiam ser de pro- se nos lembrarmos das setenta e oito enumeradas por
veniencia incaica, un1a vez que o uso dos metais ainda era Alexandre Rodrigues Fer:reira para o rio Negro e as
desconhecido dos nossos ameríndios. Por outro lado, os trinta que Alfredo W allace menciona para o U aupés,
anzóis de ferro que esses mesmos portugueses distribuí- apenas um ~fll1ente daquele. , .
ram entre a indiada da orla marítima 'em pouco chega.:.. Ainda que um melhor conhecimento dos .v arios gru-
vam a mao dos Quíchuas, por· intermédio dós Guaranis. pos ling~ísticos, só conseguido mais modernamente, fa~a
Isto provou-o N ordenskiold pelo estudo da distri- ver que alguns desses cálculos devem ir além da re3:lida-
buiQao da palavra pinda, que nascida entre nós para de- de estatística recente de Chestmir I~oukotka assmala
signar aqueles anzóis, também subiu até os Andes, acom- p¡ra o Brasil trinta e sete grupos ou troncos indíg~n3:s
panhando-os, e aí se generalizou._ com duzentas e trinta e nove tribos e dezenove subtri-
bos. Ora, boa parte destes grupos, e dos mais impor-
J á dissemos quao densa era a populagao ameríndia tantes está largamente representada na Amazonia, em
da Amazonia ao tempo em que o grande rio comeQou a cujo a~biente encontrou o ameríndio condi~oes das mais
ser conhecido. Refere o primeiro piloto da viagem de propícias a sua proliferaQaO e desenvolvim~nto. .
Pedro Teixeira que, a respeito da quantidade de silví- Se difícil, para nao dizer impossível, seria avaliar a
colas que lhe povóavam as margens e as ilhas, teve Ben- popnlaQao da Hiléia ao tempo da descoberta, e tendo sido,
to de Acosta as se_g uintes palavras: "Eram tao nume- daí para cá, principalmente nos tres primeiros séculos,
rosos os índios que, se um dardo caísse do ar, iria bater na sua dizimacao tremenda e impiedosa, escritor moderno
cabeQa de um deles e nao cairia ao solo." Desconte-se ainda estima para os dias atuais em t1m milhao e qui-
268 Gastáo Cruls Hiléia ·Amazónica 269
,.
nhentos mil os aborígines da .Amazonia tropical, sendo foi na Amazonia, através dos Omáguas, que se logrou o
que destes apenas uns duzentos ou trezentos mil estariam melhor produto desse genero e também o seu aproveita-
distribuídos pelas repúblicas espanholas vizinhas so- mento, por pura iniciativa indígena, no fabrico de serin-
bretudo a Bolívia e·o Peru, cabendo o restante ao :d.osso gas, bolas e anéis elásticos. A seringa, principalmente
território. Mas nao sabemos em que se apóiam esses usada pelo ameríndio para clisteres de efeito inebriante,
cálculos quase impraticáveis e talvez exagerados, embo- entre os quai~ aquele em que se empregavam as semen-
ra escapem ao seu conjunto total os aborígines das tres tes do paricá ou rapé-d~-niopó, tornou-se logo tao vulga-
Guianas, cujas tribos quase todas também estao inclllÍ- rizada que o seu nome passou a designar a própria árvo-
das na mesma regiao. re de que se conseguía matéria-prima para a sua confec-
. Conforme pondera Nordenskiold, embora, no pri- <;;áo, ficando
..
destarte
. a nossa
. Héve..a até hoje conhecida
~e1ro momento, a asser~áo possa parecer ·paradoxal, é por seringa ou seringueira.
Justamente onde a vida decorre fácil e feliz que o ho- <.Jomo se ve, diante desses índios que tantas provas
mem, com tempo bastante <liante de si, faz o maior nú- deram de inteligencia e espírito empreendedor na -sua
mero de descobertas e inven~óes. E confirmando isto, adapta<;;ao a vida na floresta tropical, longe estamos da-
o mesmo autor aponta várias e importantes aquisi<;;óes queles índios broncos, os tais índios bravos com que fo-
que, no domínio da cultura material, se devem exclusi- ram também confun~dos, urna vez que, como já disse-
vamente aos índios amazonicos. mos, quase todos falavam outras línguas qlle nao o tupi-
Haja visto o conhecimento da mandioca, do abacaxi, guaran1.• .
Diga-se que, além ·de ignorancia, sempre houve da
do guaraná, do curare, da rede, da canoa de casca, do re- parte do ádvena europeu o maior interesse em menos-.
f or~o da ceramica por meio das espículas de um espon- cabar o aborígine, fazendo-o urn ser quase irracional,
giário, conforme já assinalamos no capítulo referente a bem pouco afastado Q.os animais. Para o missionário,
arqueología, e também de alguns utensilios muito neces- sequioso de implantar a sua doutrina e os .Preceitos da
sários a manipula~áo da mandioca, como o tipiti, o rala- moral crista, ele seria, quando muito, urna criatura digna
dor e o abano de palha. da maior compaixao, pois que de alma turva e espírito
Se algumas dessas descobertas e inven~óes só tive- carregado de abusóes. .
ram proveito no estilo de vida ameríndia, outras reper- Para ·o conquistador, ávido da fortuna e do maior
cutiram fortemente até nós e foram de grande alcance número de bra~os que por ele e para ele pudessem con-
para o mundo civilizado. Cite-se desde logo a mandio- seguí-la, urna presa fácil para.o trabalho sob o relho do
ca, ainda hoje um elemento básico na alimenta~ao da nos- feitor. E aos que contra isso se opuses~em, rebeldes ao
sa gente, e ainda a rede, que de urna maneira tao enge- descimento para os currais, onde os esperavam o jugo e
nhosa resolveu o problema da dormida nos climas quen- os maus tratos, entáo a ca~a ~piedosa e o extermínio
tes, como, para as regióes polares, embora com muito n1e- em massa.
nor proje~ao, já o resolvera o esquimau com a sua caba- O curioso é que a despeito dos quatrocentos anos já
na de gelo. decorridos desde a bula de Paulo III, com a qual adver-
Parece que o conhecimento do látex coagulável de tía de que os índios eram homens feitos a imagem de
algumas plantas também teve ocorrencia em outras par- Deus, essa idéia de ver no primitivo quase um ser irra-
1

tes da América; entretanto, merece ser consignado que cional tanto se enraizou no espírito do branco, que, ain-
270 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 271

da boje, o suposto civilizado, quanto mais próximo está Assim aconteceu com Martius que, primeiramente,
do silvícola, pela sua falta de cultura, tanto mais dele se muito pessimista nos seus juízos sobre o nosso amerín-
julga distanciado. dio, enquanto apenas lhe conhecera o tipo já descultura-
U m escritor moderno, percorrendo o México e o do, mais tarde, quando no Amazonas, deixava escapar da
Peru, impressionou-se coma seguinte frase, ou.v ida mui- pena as seguintes palavras a respeito de urna índia Pacé:
tas vezes dos plantadores em relacao aos índios a se-q. "A mulhe:r do tuxaua Albano tinha traQos tao regulares,

sernºo: olhos tao brilhantes e o físico tao bem proporcionado que
- "Non son gentes, señor, son animales." coma sua boquinha negro-azulada até na Europa causa-
ria sensaQáo." O mesmo sucede ao Príncipe Adalberto
Lembre-se também de qu.e há pouco mais de trinta .da Prússia que, ainda guardando nos olhos o aspecto fe-
anos, numa grande companhia peruana que, no P.utu- roz .e desconfiado dos Puris e Coroados que vira no vale
maio, explorando a borracha, ganhou triste celebridade do Para:íba, pasma de surpresa e admira~ao ante a beleza,
pelos horrores cometidos contra o elemento indígena, por a forQa e a afabilidade de trato dos índios que vai encon-
ela sujeito ao mais duro regime de escravidáo, os capa- trar na Amazonia. E vem-lhe esta tirada ao observar al-
tazes de turma, urna récua de bandidos, eram chamados guns índios que remavam numa canoa: "Artistas deviam
racionales, para que confusáo náo pudesse haver P-ntre visitar estas regi~es. A vista de tao belas formas e ati-
eles e os pobres silvícolas. tudes traza recordaQao de estátuas da antiguidade, pois
Tendo por mero escopo ressaltar e comprovar pela entre este povo o livre desenvolvimento da forQa e da
documentaºªº iconográfica alguns traºos da cultura ma- forma do corpo nao é ·prejudicado. pelas roupas e pela
terial observada entre os atuais índios da Hiléia, náo nos efemihaQao; tudo é natural e a afetaQáo é desconhecida,
deteremos sobre os caracteres antropológicos, sociológi- tanto
. nas atitudes . como nos movimentos." É também
cos e animalógicos das muitas tribos que ainda a poyoam, grande o contraste de reflexóes emitidas por Clol1gh, qt1e,
embora daí também nos adviessem novos elementos com depois de achar Slljos e relaxados os aborígines semi-
que situá-las em nível bastante superior aquele que por civilizados da costa, chega ao entusiasmo quando, subin-
. muito tempo lhes foi atribuído. do o Solimóes, defronta índios de tribos mais selvagens.
· Todavia, náo nos furtaremos ao gosto de citar álgu-. E diz, entao, a respeito dos Iáguas: "Sao decididamen-
mas opinióes que vem em abono do que acabamos de dizer t e bel os ; a simetria e proporQao das suas figuras torna-
e sáo tanto mais valiosas quanto expendidas por estran- os dignos modelos ·para o cinzel de um Policleto ou de
geiros, quase todos cientistas de alto renome, que obser- um Fídias." Aliás, esse paralelo entre a figura do ín-
varam longamente os nossos índios e nao tinham qual- dio e as da estatuária antiga é dos que ocorrem mais fre-
quer motivo para emitir conceitos que visassem o nosso qüentemente. Humboldt também dele se serve ao ver
agrado. na aldeia Cari, no Orinoco, um numeroso bando de Ca-
De início, acentue-se que a impressáo desses viajan- raíbas, cada qual mais esbelto e mais forte. E agora,
tes era sempre cada vez melhor a medida que, deixando Alfredo Wallace: "Comparando a opiniao de outros
a costa e as margens fluviais, alcanºavam contacto eom viajantes· com as minhas próprias observaQóes, os índios
as tribos mais afastadas, isto é, com os índios mais pu- do vale do Amazonas aparecem como muito superiores,
ros, aqueles que ainda náo tinham sido desmoralizados tanto física como intelectualmente, aos do sul do Brasil
pelo comércio com os brancos. e de muitas outras partes.da América do Sul ;'eles mais se
272 Gastáo Cruls Hiléia Amazó11ica 273
,.
aproximam das inteligentes e nobres ra<;tas que habitarn alguns deles poderosan1e11te· al'cabouQados e extren1a1nen-
as planícies do este da América do Norte/' E em ou- te fortes.
tro tópico, ainda sobre os mesmos índios: "Em muitos, Destarte, n1es1no que nao chegnen1os aos exagEpros do.
de ambos os sexos, existe a mais perfeita regularidade Padre J oao Daniel que, referindo-se a nn1 índio, assiln
de tragos, e sao numerosos aqueles que só na cor da pele se expressava: "R.a¡)agao tan1bé1n alvo, branco e rosado
diferem de bem-parecidos europeus. Suas figuras sao como um ingles", já podemos ver quao longe estamos da-
soberbas e diante das mais perfeitas estátuas eu ntmca quele silvícola de aspecto sen1pre repulsivo, corpo tosco
senti prazer igual ao que encontrava admirando esses e f ace alvar ou bestial, quando náo um verdadeiro mons-
n1odelos vivos da beleza a que podem atingir as for1nas tro de olhos no peito e pés para trás, conforme; ªº sabor
htunanas." .Abonando Wallace, cujos conceitos se re- da sua fantasia, o pintaram alguns dos nossos mais an-
ferem a índios da mesn1a regiao, diz Spruce que achot1 tigos cronistas.
algt1ns silvícolas do rio Negro de feigoes muito perfeitas E agora a1guns tragos morais que também apaguem
e nao fosse a ligeira obliqüidade dos olhos haveria poll- as falhas graves, por vezes ii'reparáveis, igualn1ente
eo com qt1e distingui-los de muitos europeus. E concluiu apontadas no caráter do nosso índio.
afirmando que os índios do Uaupés estáo entre os mais Quanto a sua aprego.a da ferocidade, sao os próprios
finos aborígines sul-americanos. Koch-Grünberg, tan1- prin1eiros viajantes que a desmént~m. Já diz .Acuña,
bén1 na bacia do rio Negro, encontrou entre os Taurepás o companheiro de Pedro Teixeira: "Sao mansos e de
algun1as índias que, no seu dizer, se poderiam colocar en- natural pacífico, como se verificava dos que saíam ao
tre as n1ulheres mais f ormosas do mundo. .Aind·a o nles- nosso encontro, que com grande confianga conversavam
1110 choque, provocado pela diferen<;ta entre os índios abas- comiam e bebian1 entre os nossos, sem nada temer." E
tardados do litoral e os índios estre1nes de vícios do inte- a melhor prova desse seu espírito de cordura fornece-
rior, ressalta do livro de Richard Schomburgk. .Aí, aos l10S a viagem dos dois religiosos Frei Diogo de Brieva e
grosseiros e desleixados tJarraus ele contrapos os Frei Domingos de Toiedo que, e~ 1636, apenas na com-
A.cauaios, U a:pixanas, Macuxis e .Arecunas, entre os panhia de seis soldados, puderam vir de Quito ao Pará
quais ad1nira tipos muito belos e da mais vigorosa corn- sem sofrer quaJquer dano do numeroso gentio com que
pleigao. E chega a trn1.verdadeiro hino quando louva os tivera1n d!3 se defrontar durante a longa e perigosa jor-
encantos de duas indiazinhas gemeas que, no set1 enten- nada, pelas águas dorio-mar.
der, só precisariam de urna companheira para que se Propalou-se que os índios náo tinham nas suas lín-
completasse o mais harmonioso quadro das Tres Gragas. guas o f, o l e o r e que assim nao podiam ter nem f é,
.Aliás, se todos esses juízos, acordemente lisonjeiros, de- nem lei, nen1 rei. Pura estultícia, em todos os sentidos.
corren1 de urna simples impressao visual, estudos mais Se a sua f é era outra, todos eles, dentro das suas tabas
atentos, con10 aqueles de que nos dá conta u1n relatório obedeciam a urna chefia e viviam na mais absoluta nlora~
inédico das expedigoes de Hamilton Rice, depoen1 ain- lidade. Esta absoluta moralidade nao é nossa, mas de
da a favor do aspecto físico e da robustez do nosso ame- Im Thurn, o etnógrafo ingles que teve íntiino e prolon-
ríndio, consoante os exames realizados entre tipos de gado convívio com inuitas tribos guianenses.
várias tribos da regiáo do rio Branco, pois que todos fo- Da sua fidelidade,' dá-nos testemunho Schon1burgk:
ram encontrados saudáveis e bem nutridos, sendo que que, por vezes, por contingencia de viagem, se viu f or-
274 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 275

~ ºado a confiar a uma ou outra trib~ a g_uarda ~a sua ba- nheiros europeus vir a .casar-se coro alguma índia, logo
gagem, sempre escrupulo~_amente respeitada1 amda mes- ouvia de uma delas obje<;óes como esta: - E para que.é
mo que os silvícolas nao ignorassem q~e, d~ntro daqu~­ que voces nos serviriam, se já está.o aquí há quatro se-
las caixas, que lhes eram entregues, havia coisas das mais manas e dificilment~ mataram um veado ou um pato e .
tentadoras para eles. . nao pescaram nada. . . .
A Dra. Emília Snethlage, durante a sua arroJada Sempre na sua maloca, ainda encontraremos un1
travessia entre o Xingu e o Tapajós, entregou-se cora- mdio que nada ·tero de falso e desconfiado, bronco e ca-
josamente a proteºªº de alguns índios que l~e .promete- nhestro, arredio e taciturno, mas é antes leal e presti-:
ram e cumpriram a risc~ levá:la até as prox~m1dades do moso, inteligente e hábil; comunicativo e afável, repar-
primeiro barracao de s~r1ngueiros. ~º~º. muito be!11 ~es­ tindo coro os que lhe· sao caros, sentimentos de afeto e
taca a ilustre ornitologista, i:iada mais fac1l a esses indios, a~e:r:i<;ao. Nada do silvícola que abandona os velhos e
entre os quais ela viajava sozinha, d? que abandon~;en:i, apressa a morte dos doentes. Até entre os Botocudos,
pelo caminho", aquela pobre mulher J.Ildefesa, que J~. v1- tribo das mais primitivas, o Príncipe Maximiliano viu
nha bastante doente, razao pela qual a marcha, freque~­ um rapaz cheio de cuidados junto ªº pai que era cego
te1nente interrompida; se arrastou por longos e fasti- e a que ele, servindo de guia, acompanh~va por toda
diosos vinte e seis días, pela solidao das florest~s. parte. Ainda do mesmo viajante lembre-se a observa-
Conforme atestam todos esses autores que .~os d~ <;áo, feíta na mesma tribo, de um ·pai que teve lágrimas
citar e ainda muitos outros de igual responsab1l1dade, e nos olhos ao 3ibra~ar-se comovidamente com um filho,
na sua maloca, quando ainda no seu mei_? e. f azen~o a ausente por inuitó tempo.
sua, vida, que se precisa conhecer o no~so indio. , Ai, ze- Schomburgk, que chama aos índios, que o acompa-
loso das suas ocupa<;óes, ora entregue a ca<;a ou a pesca,
que nao sao nenhum divertimento, ma~ encargos ~e ca. . nharam durante as longas mcursóes pelo interior da
G.u iana, de seus "conipanheiros amados e queridos", tam-
1)ital importancia P.ara o sus~e~to da tr1bo; ora de~1cado .bém nos relata urna cena bastánte · significativa do res-
a confecºªº dos mu1tos utensilios de que caree~, pois que peito e do carinho que lhes merecemos mortos mais ex-
todos lhe saem das maos : arcos e flechas, arpoes e zara-
batanas, obras de tran<;ado, adornos e instrumentos de tremados. Morrera um chefe de família e o seu enter-
ramento, conforme já prescrevera o p~stor protestante,
111úsica · ora fazendo as derrubadas e preparando as ro<;as
em que' as mulheres irao plantar; ora faze~do canoas, ~iio poderia ser mais realizado no chao da própria malo...
levantando casas ou empreendendo longas viagens p~ra ca, como. se processara até ali. Por isso, o corpo teve
conseguir as plantas necessárias ao preparo d~s suas tin- de ser transportado ~té certo ponto já distante da al-
tas . e venenos - é aí, na sua maloca, que se b~ de encon- deia, onde ·os próprios filhos lhe abriram a sepultura.
trar um tipo bem diverso daquele que traz1do bru~ca­ Pois bem, enquanto isto, máe e filha, infatigáveis de so-
n1ente ao contacto do branco, perde todos os seus estilos licitude, sentadas junto ao cadáver, afugentavam os in-
de vida e será f orºosamente um ocioso para nós, cor;io setos que lhe voejavam em torno e evitavam que os raios
nós,. no seu meio e perante eles, nao J?a.ssaremos tambero do sol lhe causticassem as faces.
de uns grandes madra<;os. E a propos~to, conta Scbom- Nao é raro ouvir-;;e dizer que os índios pouco pe-
burgk que, quando hospedado numa tr1bo, falava, a gra- saram na forma~áo da nossa nacionalida:de. Isso, na
cejar~ na possibilidade dele ou de um dos seus compa- boca de gente culta, chega a ser quase urna boutade.
276 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica, 277

Respondendo a todos, e dt urna maneira irrefutável, aí média dos europeus. Para urna entrada no mato, sao
está o capítulo segundo de Casa-Grande & Senzala, em indispensáveis. Para nós, eles eram cagadores, trepa.-
que Gilberto Freyre, com exaustiva doc11mentagao e a dores de árvores,_ canoeiros, taxidermistas, derrubado-
sna aguda visao dos problemas que nos dizem respeito, r es de pau, construtores de a.campamento, pescadores,
poe em evidencia ·o papel preponderante que teve o indí- abridores de estradas e realizavam centenas de outros de-
gena, mas principalmente a mulher indígena, em vários ver es necessários e relacionados com a vida do mato."
"complexos característicos da moderna cultura brasi-
leira." Desses e de outros índios que ainda vivero na Hiléia,
E essa influencia do ameríndio é tanto maior e mais é que nos vamos ocupar, agora, nas páginas subse-
i)rofunda quanto mais nos aproximamos do extre1no nor- qüentes, estudando-lhes os principais aspectos da cultt1..:
te do país. Aí, principalmente na Hiléia, por toda parte ra material. E há de se ver, entao, pelos seus trabalhos
se sente a presenga do índio, aquele mesmo índio que foi de miganga, pelas suas obras de espartaría, pelos seus en-
guia prestante aos seus primeiros desbravadores e sem f eites de penas, enfim, pelo bom gosto e apurado acaba-
o a11xílio do qual talvez nao nos tivessem cabido a posse mento artístico de tudo o que concebem e realizam com a
e o domínio do imenso vale. 1náxima perfeigao, que eles nao sao de nenhum modo os
~1as mesmo nos dias que correm, embora rechaga- irmaos bastardos dos Tapajós, Omáguas ou Curizaris,
dos dentro das suas próprias terras e em situagao cada que tantos gabos receberam de Acuña, Heriarte e outros
vez mais angustiosa e periclitante, os índios que aí vivem cronistas que ainda OS conheceram, . nem tampOllCO sao
contin11am a ser um elemento de extrema valia para os filhos espúrios daqueles outros que na foz do Amazonas
que deles se acercam. Exemplo disto nos dá o Major
R.. Hingston que, em 1928, chefiou, pela Universidade nos deixara111 tao evidentes provas da sua -civilizagao.
de Oxford, urna importante missao científica ao interior
da Guiana Inglesa. Pois bem. .A despeito de toda a BIBLIOGRAFIA
i11aquinaria moderna de q11e se haviam provido os expe-
dicionários, diz o Maj or que a maioria dos seus desígnios AcuÑA (P. Christobal de) - Nuevo Descubrimiento del Gran Ríe?
de las Amazonas. Madrid. 1891.
teria fracassado se nao fora a inestimável colaboragáo
AMAZONAS (Louren~o da Silva. Araújo e) - Dicionário Topográ--
de alguns índios, tomados a seu servigo, e a respeito dos fico, Histórico, Descritivo da Comarca do Alto Amazonas. Re--
quais nao tem mao nos elogios. Embora longo, merece cife·, 1852·. .
ser citado o seu depoimento: "Estes homens eram es- BAKER (J. N. L.) - A History of Geographical Discovery and Ex--
plendidos camaradas, quietos, bem dispostos, alegres, ploration. London, s/d.
engenhosos e particularmente interessados nas nossas BALDUS ( Herbert) ~ A Obra de Karl von den Steinen. ( "Revis-
atividades. ~1uitos deles tinham nascido naturalistas, ta do Arquivo Municipal". · Vol. . L. Sáo Paulo, 1938).
atilados e precisos nas suas obsel'vagoes, e nijo houve dia BALDUS ( Herbert) ·- A Viagem pelo Brasil de Spix e M artius.
en1 que nós nao os consultássemos repetidamente sobre ("Revista do Arquivo Municipal". Vol. LXIX. Sao Paulo,
1940) ;
ass1mtos relativos a vida na floresta. Em qualquer tra-
CARVAJAL (Fr. Gaspar) - .Descubrimiento del Río de las Amazo-
balho que requeresse cuidado e paciencia, tal -como esva- nas. Sevilla, 1894. ,
ziar passarinhos, preservar plantas, colher, alfinetar e CLOUGH (R. Stewart) - The Amazon, Diary of a Twelvemonth's
separar insetos, eles se 111ostravan1 ina.is aptos do que a Journey. London, s/d.
278 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 279

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'

Hiléia Aniazónica 281


,.
llti1it.ário, a nao ser servirem de alvo as pequeninas setas,
sem v~neno, co1n que os indiozinhos, desde cedo, se exer-
citam no sopro da zarabatana. Exemplo disso é um belo
DECORAQ.AO DAS MALOCAS· carará, de asas raiadas de preto, reproduzido num dos
trabalhos do Koch-Grünberg, e cujo corpo está traspas-
sado por um dardo. Encontram-se também bonecas de
barro Oll de palha entre os brinquedos das crianc;as e, As
que tanto gosta do enfeite in~ividual, qua-
O
ÍNDIO,
vezes, como sina~ de festa no aldeamento, as do último
se nunca se preocupa com a decora~ao ~a sua ma; tipo sao levantadas num pau, sobre as casas.
loca. Assim mesmo entre os bons etnografos, so Ornamento bastante mais raro foi o que Whiffen
excepcionalmente 'encontrar-se-á qu~lquer referencia a apreciou em urna das malocas dos Uitotos, do Japurá:
objetos artísticos ou motivos decorativos que fac;am par- duas estátuas de madeira, pintadas a cores, e que re-
te integrante da ca~a, servindo ao seu embelezamento, presentavam um homem e urna mulher, em tamanho na-
quer externo, quer interno. · tural.
Falando em ornamentac;ao integrante do corpo das Dizíamos, porém, que o ameríndio bem poucas vezes
edificac;óes ficam excluídas, já se ve, pec;as do mobiliá- . se lembra de embelezar os seus interiores e nao será di-
rio quase hiexistente, mas entr~ as quais, afora as ~edes, fícil explicar as razóes desse seu descaso pelo que tanto
nao podem ser esquecidos os mteressantes banqumhos agrada aos civilizados. Em primeiro lugar, por melhor
- aliás para N ordenskiold, elemento cultural an1azo- que lhe seja o acabamento, mas dado o material com que
nico - f~lqueados num só bloco de made~ra ~ que,. além é feita, a habitac;ao indígena nunca será urna construc;ao
de pintados, amiúde tomam a forma de an1ma1s, como on- duradoura. Por outro lado, muitos sao os motivos que
c;as, jacarés e jaburus. . levam os seus moradores a abandoná-la com freqüencia.
Dignos ainda de assinalan1ento sao certos obJetos .e1n Motivos de guerra em que, nao raro, as choc;as sao quei-
qt1e se testemunha o evidente desejo do adorno case1ro. madas pelo inimigo. Motivos de doenc;a ou morte. Es-
Tal é o caso de algumas figuras zoomórficas, quase sen1- gotamento das terras próximas, em que fazem as roc;as.
pre aves (jaburt1s, anhingas, andorinhas), · feitas com Escassez da cac;a e da pesca.
espigas de milho, ainda · revestidas da ~ua palha. Esse~ Mas há mais ainda. No que se refere a decora-
bichos, as vezes em tamanho natural, f1cam suspensos a <lªº dos tetos e paredes, esta nao poderá ser feíta direta-
climeeira em ati.Íude de voo, ou sao equilibrados, de pé, mente sobre a palha ou o barro 1 empregados nas cons-
sobre as traves transversais do teto, mostrando-se nao trnQóes. Quando muito, terá de ser realizada em pai-
raro tao perfeitos que se diriam vivos. ·Para alguns au-
tores, essa é apenas urna maneira artística de que ~anc;a 1 . O barro só excepcionalmente s'rá utilizado nas edifica~óes
mao o ameríndio para guardar o cereal a ser aprove1tado indígenas. Na verdade, os fatores climáticos e a riqueza da flora
mais tarde. Diga-se, porém, existiren1 outros manufatu- . fazem com que seja sempre preferido o material vegetal, principal-
mente folhas de palmeira. Todavia, certas tribos que vivem .e m
rados exclusivan1ente coma palha do milho ou. com fo- campo aberto de regioes altas, mais expostas, por isso, ao vento e
lhas de palmeira, e que nao tem, portanto, qualquer fim ao frio, protegem as suas casas circulares, de cúpula de palha, com
espessa parede de barro. Assim acontece com os Macuxis e Are-
280
cunas, com aldeias já nas cercanias do Roroimá.
282 Gastáo Cruls
,.

néis, . só depois aplicados sobre as superfícies de reves-


timento. Acrescente-se, porém, que no interior qas ca-
sas, esses mesmos painéis dificilmente resistiriam a con-
tínua fumaceira que se desprende dos f ogos sempre ace-
sos e que t:udo tisnam de fuligem. Tanto assim que, para
os seus adornos mais delicados, principalmente os de plu-
mária, tem os índios· cuidados especiais, mantendo-os
sempre dentro de cestos bem fechados. Há mesmo em
algumas tribos urna casinha A parte, ·destinada exclusi-
vamente a guarda das máscaras só utilizadas nos di~s -dé
festa. Se esse uso parece obedecer a certas supersti-
c;oes, pois que as mulheres é vedado o ingress9 nesses re-
cintos sagrados, pode-se também pensar que tal prática
visa a melhor conserva<;ao de pe<;as muito trabalhosas, e
que devido as suas dimensoes, difícilmente seriam pre-
servadas como os objetos menores.
. Contudo, ·a · despeito de tantos empecilhos, há urna
ou outra· tribo· que se tem destacado por pequenos en- ·
saios de ornamenta9áo das suas malocas, seja por dese-
nho·s, a trac;o preto ou de cor, sobre os postes e traves-
soes que lhes sustentam a ·cobertura, seja pela aposiQao
As suas p~;redes de painéis ou frisos também com repre-
senta<;oes pictográficas. .
Estes painéis como Von den Steinen os viu numa
aldeia Bacairi do Xingu e o Rev. P. P. Kok entr~ os Tu-
canos do Papuri, afluente.do U aupés, sao sempre feitos
com o _mesmo líber ou entrecasca de certas árvores ( Mo-
ráce·as, Esterculeáceas), que lhes serve também para o
preparo das grandes .m áscaras,· co:t>ertores, -tapa-rabos,
saquiilhos e tudo o mais em que possa substituir o pano
que lhes falta. Tururi é o nome que em língua-geral se
dá a essa estopa natural e que abrange ainda a espata
XXXVII - Painel, com pinturas a cores, feltas nu-
PRANCHA
ma folha de líber, bastante grossa. Tem l,75m de comprimento
por 1,35m de largura. É obra executada por indios do grupo
Tucano, do alto rio Negro. PR. XXXVII
Hiléia Amazónica 285
284 Gastao Cruls
,. Foi ainda entre índios do Uaupés (Cobeuas, Uana-
de certas palmeiras, aproveitada também para o me.smo nas) que o mesmo auto;r viu figuras humanas com um
f im. . metro e um metro e meio de altura, pintadas a branco e
O friso da maloca Bacairi era bastante tosco. So- amarelo, sobre fundo vermelho-escuro, nas vigas verti-
bre um fundo previamente enegrecido a fuligem, tinha cais de sustenta~áo do teto. Essas figuras por vezes se
·todos os seus desenhos f eitos com argila branca ou ama- estilizavam· tanto que perdiam os seus caracteres antro-
rela.. N ele se viam represe11tados, além de pontos, -anéis, pomórficos..
triangulos e quadriláteros, alguns péixes e, repetidamen- O painel i'ep-roduzido . na nossa prancha XXX.VII 1
te, o pequeno triangulo de f ~líolo de palmeira, ch~~ad? provém da mesma regiao, embora nao nos f o~se possível
uluri, que as mulheres da tribo trazem sobre o pubis, a i)recisar por que indios do grupo Tt1cano teria sido exe-
maneira de tanga. c11tado. O autor adquiriu-o em Manaus de um colecio-·
· Máis ricos de colorido e também com motivos mais nador que nem sempre tinha dado~ ~eguros sobre a p:o-
variados sao ºos painéis descritos pelo Rev. Kok entre 'OS cedencia dos seus objetos etno.graf1cos. A peQa, feita
Tucanos, De9anas, Piratapuias e outras tribos do alto numa só folha de líber, bastante grossa, tem 1,75m de
rio N ~gro. Ali, sobre o mesmo fundo negro de· picuma, comprimento por 1,35m de largura. Alguns dos moti-
mas pintados a duas cores, vérmelho e preto-azt1lado, vos nela representados mostram que o artista já tivera
apareciam serpentes, máscaras de dan9a e até uns arre~ t~mbém contacto coma civiliza9ao. Assim, os dois ho-
medos de veleiros e vapores. Est~s duas últimas re- mens que aparecem vestidos, um naviozinho (tipo. dos
presenta~óes provavam que alguns daqueles índios já te- gaiola8 que percorrem os rios da Amazonia) e até 11ma
riam descido, com os brancos, até Santa Isabel ou mes- teso11ra que, pela regularidade dos contornos, deve ter
mo Manaús. . sido decalcada sobre o próprio original.
Quase sempre essas guarni~óes de parede eram vis- Merece menQáo o exibicionismo dos bonecos, cujas
tas nas casas de danga, isto é, nas cho~as especialmente cal9as, de braguilhas fechadas, nao consegue~ vesti-los
destinadas as festas. de todo. É que o ínQ.io, por mais que se esforce, há de
Pelo que diz Kok, ª"tinta vermelha empregada pelos sempre ver nu o seu semelhante. Allás, essa necessi4ade
indígenas e a que chamam eengenonja parece ·s er o ca- da representa9ao de certas partes do corpo nos seus de-
rajuru que, ao lado do urucu, é dos corantes encarnados senhos, já f ora notada por Von den Steinen, quando se
mais em uso entre os aborígines. Quanto a tinta preto- achava entre os Bacairis. Deste modo, sempre que os
ázulada, conhecida por ueé, era obtida pela torrefaQao índios f aziam o seu retrato ou o de seu primo; ambos ves-
das f olhas de tres arbustos, nao se tratando, portanto, tidos e de frente, nunca deixavam de figurar-lhes o· se-
do tao divulgado suco de jenipapo. xo, o umbigo e. . . até o que só poderla ser visto se eles es-
Koch-Grünberg, que também privou com índios da tivessem de costas e em posi~áo bastante for9ada.
n_a~ao Tucano, refere-se a painéis semelhantes, mas entao
Mas tornemos a ornamentac;áo dos interiores indíge-
nas, para nos referirmos, especialmente, a urna das mais
dispostos na parede externa das casas, já se ve que qua-
drangulares, e nos quais, a quatro cores, preto, vermelho, 1 . Ao contrário das outras pranchas de Arqueologia e Etno-
amarelo e branco, se podiam admirar nao só alguns mo- grafia, todas devidas a S~ta. Hilda Velloso,.ª aquarela que rep~o­
delos dos tran9ados usados na tribo, mas também fi~­ duz este tapete foi execufada pelo nosso amigo Sr. Georges Juhev
ras de homens, animais e utensilios domésticos. Simoni.
286 Gastáo Cruls

"raras e belas pe~as Visando a esse objetivo. Dela, do


que pudemos apurar, só existe urna referencia, feita por
Crevaux, no seu Voyages dans l'Amérique du Sud.
Quando esse médico·frances descia o Jari, por volta
de 1870, teve ocasiáo de admirar, e depois de adquirir,
um lindo disco de madeira, que servia de remate ao poste
central de urna das malocas circulares dos índios Uru-
cuianas. Tao belo er~ ésse enfeite, todo pintado a cores,
branco, amarelo e vermelho, que Crevaux teve a impres-
sao de ·estar diante de um verdadeiro mosaico. E que-
rendo eonhecer a significa~ao das ·figuras que néle apa-
reciam, urna rá e · vários monstros fabulosos, ouviu do
tuxaua a seguinte explica~ao. A rá, em atitude de sal-
to, exprimía o anseio dos U rucuianas, querendo vencer
as cachoeiras do J ari para ir ver os brancos que mora-
vam .mais embaixo. Mas esse desejo déles era obstado .
pela fórc;a das mesmas cacñoeiras,·ali representadas pelos
tais animais fantásticos, espécie de dragóes apavora~tes.
Mais tarde, entre os Apalaís, também do J ari, Cre-
vaux teve ensejo de ver outros ornamentos semelhantes,
semp:t_e engastados na yiga me~ana, e servindo .de rema-
te interno ao teto das malocas em forma de colmeia.
Pois bem. Pas~a-se·. mais de meio século e, agora,
em 1938, alguns membros da Comissáo Brasileira De-
marcado~a de Limites - Setor Norte, tem a ventura
de ~ncontrar e adquirir urna pe~a- em tudo igual a que
f oi descrita. por Crevaux. O mais curioso é que ~sse
adorno f oi também conseguido no J ari e dos mesmos
índios u rucuianas.
Grac;as a ·muita gentileza do Com. Brás Días
de Aguiar, podemos reproduzir aqui,. na prancha
·XXXVIII, dois aspectos désse esplendido enfeite, qt1e
se acha, hoje, em Belém do Pará, na sede da aludida Co-
' ,...
PRANCHA XXXVIII - Ein. ?«!nia'.t dt~ de madelra, .com pin-
turas a cores, sobre fundo negrÓ, ~~ · como adorno interno numa
maloca dos fndlos Uruculanas.
Emba1.x9: Maneira por que esse mesmo. disco serve de re-
mate ao poste oontral de urna maloca de forma <!Onlca. PR. XXXVIII

288 Gastáo Cruls H iléia Amazónica 289

"missao, de que é chef e aquele ilustre oficial da nossa tar-se-á do nosso anil, desconhecido do silvícola, mas que
Marinha. pode ter chegado as maos dos Urucuianas através do
O disco, tirado num corte transversal de árvore, tal- civilizado ~ É verdade que Roth nos fala de urna bela
vez um cedro, tem O,78m de diametro e cerca de 0,05m tinta azul conseguida, pelos índios de E ssequibo, dos
de espessura. Infelizmente, nao foi possível obter que frutos do Pterocarpus guianensis. Náo sabemos se esta
os índios lhe interpretassem os desenhos, mas que, certa- planta existirá na r egiao do J ari, mas como para a troca
mente, hao de ter também alguma significa~ao simbó- entre os aborígines nao há distancias. . . Por Olltro
lica. Nos dois casos, conforme r elata Crevaux e con- lado, convé1n náo esqt1ecer que os U rl1cnianas, t.arnbén1
firma a Comíssao de Limites, o disco era sempre urna conhecidos por Guianas, U aianas, e Oianas, espalham
insígnia de chefe e estava localizado na casa do tuxaua. os seus aldeamentos por terras das Guianas Francesa e
Segundo informa~oes colhidas no local, o fundo da pe~a, Holandesa. .
todo preto, teria sido previamente carbonizado, para que E para terminar, diga-se•que esses mesmos silvícolas
depois se lhe fizessem as pinturas 1 • Assinale-se a ri- tiver am o seu momento de notoriedade e1n meados do
queza das suas cores, entre as quais avulta o azul, tinta século XVIII, pois que a e.les é imputado o rapto, e para
das mais raras na paleta do índio sul-americano. Tra- sempre, de urna mo~a francesa, Mlle. Dujay, que,. como
desenhista, integrava a expedi<;ao do Dr. Patns aos
1 . Recentemente, um amigo chamou-nos a aten\áo para a Montes Tumucumaque.
obra de Frobenius, História da Civiliza~áo Africana. onde se des..
crevem pe\as iguais, também de madeira e com representa\óes
simbólicas, encontradas nas cabanas da localidade de Morca, na cos- BIBLIOGRAFIA
ta dos Somalis. Ora, para náo falar nos pretos Saramacás da
Guiana Francesa e nos bush-negros da Guiana Holandesa, a cha ... ANDRADE (Prof. Alfredo de) - Estudos das Matérias de Origem
macla Guiana brasileira foi também regiáo das mais procuradas Vegetal, em Uso entre os Indios do Brasil e das Plantas de
pelos nossos quilombolas, ou pretos fugidos. O autor destas }i... que· pr<;>cedem. ( "Arquivos do Museu Nacional" . Vol.
nhas, subindo o rio Trombetas. em 1928, ainda encontrou rema- XXVII. Rio de Janeiro, 1926) .
nescentes desses escravos evadidos que, por meado do século pas.- KocH-GRÜNBERG - Zwei !ahre unter den lndianern. Berlin,
sado, chegaram a formar populosos redutos a margem daquele e 1909-1910. 2 vols.
de outros afluentes do Amazonas. lnforma~áo recente, ouvida do KoK (Rev. P. ·P.) - Quelques Notices Ethnographiques sur les
Coronel Armando Levy Cardoso, que também foi membro da ji lndiens du Rio Papuri. ( "Anthropos". Tomo XX, fase. 3 , 4.
citada Comissáo de Demarca~áo de Fronteiras. diz-me que na me... 1925 e Tomo XXI. fase. 5, 6, 1926).
sopotamia do Marapi e do Paru de oeste, formadores do Cuminá NoRDENSKIOLD ( Erland) - Comparative Ethnographical Studies.
Grande ou Erepecuru, por sua vez afluente do Trombetas. vive 2· vols. Goteborg. 1919- 1924.
uma tribo de pretos, os Mecoró ( talvez corruptela de negró). em
estado de completo asselvajamento e .fazendo a vida dos nossos RoT.H (Walter Edmund) -. An lntroductory Study of the Arts,
índios. O próprio Erepecuru, a engrossar-lhe as águas, recebe o Crafts and ·Customs of the Guiana lndians. Washington,
igarapé Urucuiana, cuja toponimia se prende aos índios do mesmo 1916- 1917.
nome, com aldeamentos pelas suas cercanias. Por tudo isso. pelos STEINEN ( Karl von den) - Entre os Aborígines do Brasil Cen-
constantes contactos que, de longa data. se teráo processado aí tral. Trad. de Egon Schaden. Sao Paulo. 1940.
entre negros e ameríndios. é muito possível que o táo raro e belo IM THURN (Everard F .) - Among the lndians of Guiana. Lon-
enfeite até hoje só observado nas malocas dos Urucuianas e dos don, 1883. l
Apalaís, tenha buscado inspira\áo nos modelos africanos. (Nota WHIFFEN (Thomas ) - The N orth-West Amazon. London,
a 2.• edifaO.) 1915.
Hiléia Amazónica 291

,.
bém para os seus ordálios, f oge a regra que. de detern1i-
nada planta apenas se extraísse o veneno visando tor-
ná-la comestível. Daí o pensar-se que o suco letal da
mandioca tivesse tido também qualquer utilidade para
COMPLEXO DA MANDIOCA os índios que, ao procurá-lo, dessa ou daquela maneira,
provavelmente pelo esmagamento e expressáo das raízes,
teriam entáo verificado que a massa, quando dele expur-
Á HOUVE quem observasse que o hornero branco, nestes gada, perde a sua nocividade. Mas isso sao apenas con-

J quatrocentos e tantos anos. dec~rridos ap~s a sua ins-


talaºáo no Novo Mundo, Jama1s descobr1u, na flora
americana, urna só planta útil, pois que o conhecimento
jeturas, pois quando os europeus aqui aportaram, já o
suco da mandioca náo tinha qualquer serventia como tó-
xico, a nao ser, talvez, mas isso mesmo muito raramente,
de todas aquelas - e sao inúmeras - de que se tem apro- para atonar o peixe, a maneira do timbó, conforme urna
veitado até agora para fins alimentares, medicamento- referencia . de Martius. Ao contrário, o próprio leite
sos ou industriais lhe veio sempre através do indígena. da manQ.ioca, depois de fervido, era também aprovei-
Assim aconteceu como milho, a mandioca, o cacau, tado pelos índios que o faziam, temperado com bastante
a batata, a coca, a quina, a ipeca e a borracha, para só pimenta, o caldo principal das suas paneladas de carne e
citarmos aquelas de maior importancia e cujo uso teve peixe. E é esse o mesmo tucupi ainda hoje táo aprecia-
repercussao universal. De algumas, entáo, como o mi- do na Amazonia.
lho e a mandioca-brava, o civilizado recolheu do amerin-
dio todo o seu complexo, isto é, conhecimento do melhor Hesita-se ainda em precisar qual teria sido, no No-
terreno e da época mais favorável ao seu plantio, ma- vo Continente, o habitat inicial da mandioca. Querem
neira de cultivá-las e multiplicá-las, utilizaºªº alimen- alguns autores que ela seja oriunda da América Ce11-
tar das suas sementes ou raízes e utensilios necessários tral, e que daí é que se tenha divulgado o· seu conheci-
ao preparo dos produtos ·que as mesmas podem forne- mento pelo Hemisfério Ocidental. N ordenskiold, en-
cer. Diga-se qu·e no caso da mandioca essas aquisiºóes tretanto, dá-lhe por berºo a Amazonia t:r;opical, onde, se-
se acresceram de urna descoberta de valor excepcional: gundo outros, os Aruaques teriam sido, senao os seus
a possibilidade de transformar urna raiz extremamente primeiros cultivadores, pelo menos os seus grandes dis-
tóxica numa substancia inócua e salutar. Ignora-se seminadores. Aruaque, que ·parece significar comedor
ainda como os índios teriam chegado a esse resultado, de f arin,ha, seria até, segundo Chamberlain, um no111e
mas o fato é que eles já estavam perfeitamente senhores pejorativo dado pelas outras· tribos a índios que se cha-
da técnica que, por meio da extra~o do seu suco leitoso mavam primitivamente Locono ou Lucunu.
e rico de ácido cianídrico, torna inofensivo o tubérculo l\fas tenha nascido aquí ou ali, o fato é que, sob a
da Euforbiácea. floresta da nossa Hiléia, a mandioca foi sempre o ali-
Se os povos primitivos sempre se aproveitaram do n1ento básico do ameríndio, que nao a dispensava nas
Reino Vegetal para a obtenºªº de tóxicos que seriam suas roQas e lhe aperfeiQoou o con1plexo, criando alglms
empregados nas suas armas de guerra e de caºa e tam- utensílio$ de grande utilidade para a sua manipulaQáo,
290 como o tipiti, o ralador e o abano de palha.
292 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 293

Antes, porém, de nos determos mais particularmen- Von den Steinen, ainda em fins do século passado, os ín-
te sobre esse complexo, cujos elementos principais figu- dios do alto Xingn eontinnava1n a ignorar a sua exis-·
ran1 na nossa estampa XXXIX, acentuemos o extraor- tencia.
dinário alcance que tiveram para o ameríndio as cultu- A · n1andioca-doce, de consumo fácil, como o da ba-
ras do milho e da mandioca. Por meio delas hordas que tata e do cará, ambos também de origem americana e que
seriam até entao errantes, pois dependiam da caQa e da apenas pedem um cozimento prévio, náo tero o interesse
p esca, puderam congregar7se, fazendo vida sedentária e da mandioca-brava, que pos a prova o engenho do índ_io,
desenvolvendo-se em civilizaQoes mais ou menos adian- levando-o a urna série de descobertas e invenQÜes, até que
tadas. Todavia, essas conquistas no campo da agricul- conseguisse aproveitá-la eril vári.os produtos alimentares.
tura parecem datar de época bastante remota tima vez
De início, mas quando já se fizera a descoberta fun-
que até hoje jamais se pode reconhecer, na flor~ do Novo dan1ental de que a mandioca de venenosa se tornava co·
C:ontinente, qualquer planta selvagem que pudesse ser mestível desde que lhe f osse extraído o suco, a operaQao,
t1da como o ancestral daqueles utilíssimos vegetais. r ealizada para tal fim seria feíta por simples expressáo
Quanto a mandioca, valerá talvez ser lembrado que Piso
manual da massa branca que fora conseguida das raízes
na sua Historia N aturalis Brasiliae, de 1658 descrev~
depois de descascadas e convenientemente piladas ou ra-
e dá a figura de certo tubérculo, que nao é ~ manihot
ladas. A guisa de ralador e antes que se f abricasse
utilissirna e que os índios Tadaperias da costa ao norte
do Rio de J aneiro, aproveitavam com¿ alimento. Aliás utensílio especial coro esse objetivo, usaram-se e ainda
a despeito do acolhimento que merecem as informaQoe~ Re usam em certas tribos mais primitivas vários produtos
desse autor, tal planta jamais pode ser identificada por naturais que preenchiam a mesma finalidade, como sejam
outrem. pedras de superfície irregular, pedaQOS de troncos rugo-
Obedecendo a fatores de ordem climática, na Amé- sos ou a raíz espinhenta de certas palmeiras. Mais tar-
rica indígena f oi muito maior a difusa.o do milho do qt1e de, e isso parece ser urna invenQáo amazonica, foi ql1e se
a da mandioca, cujo uso, na dieta diária do amerínélio, fizeram os primeiros ·raladores artificiais, hoje muito
só _logro~ g:ande exp~nsao nas regioes tropicais, de solo cm voga entre os ameríndios mais adiantados, sendo que
ba1xo e um1do, revestido de espessas florestas, e onde a certas tribos, como a dos Tarumás, na Guiana Inglesa,
cultura daquele cereal só vingava coro dificuldade. se tornaram verdadeiramente famosas . pela perfeiQáo
. Ao tempo das descobertas, já os indígenas se apro- com que os f abricam. Essas peQas, simples pranchas de
ve1tavam das duas principais variedades da Euforbiá- madeira cujas dimensoes variam, mas que raramente
cea: a mandioca-doce ou aipim e a mandioca-brava. t en1 mais de um metro de comprimento por quarenta
Apenas e, talvez, ainda, por ca-usa de condiQoes meso- centímetros de largura, recebem na sua face superior,
lógicas, nem todos tinham conhecimento dos dois tipos ligeiramente concava, por embutimento direto no pau,
de tubérculos. Assim, por exemplo, se o oeste da Amé- urna infinidade de pedrinhas pontiagudas, amiúde dis-
rica do Sul só estava familiarizado coro a mandioca-doce postas em desenhos regulares e geométricos. A adesáo
e o mar dos Caraíbas coma mandioca-brava, em outras das pedras a madeira é reforQada· por espessa camada
regio es f azia-se largo consumo das duas plantas. de p ez, que se espalha por toda a superfície do ralador.
Precisando mais estes fatos, diz-se que só depois de Por vezes, as pedras sao substituídas_por dentes de ani-
1500 f oi que o aipim chegou ao Haiti, enquanto, segundo n1ais otl espinhos de algumas plantas.
294 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 295

Falávamos há pouco nos Tarumas. Conta um via- operatório ainda mais sumário, como seja o de compri-
jante recente, nao sabemos coro que foros de .veracidade, mir e torcer a massa dentro de um simples peda~o de
mas a quem nao parecem faltar conhecim~ntos minera- esteira.
lógicos que, quando em contacto coro aqueles índios, Diga-se que em certas tribos, como Von den Stei-
pode examinar muitos dos tais raladores fabricados pelos nen observou no nordeste mato-grossense, a urupema
mesmos, e em todos encontrou, entre as pech·inhas que de crivo fino fazia as vezes do tipiti, que lá ainda nao
lhes eri~avam a superfície, um grande número de dia- era conhecido. Igual serventia tinha a peneira, entre a
mantes do mais puro quilate. maioria dos índios Túpi-Guaranis. Como já pondera-
mos, haveria mesmo alguns silvícolas que dispensavam o
Mas tornemos a expressao da massa da mandioca, auxílio de qualquer utensílio para fazer a expresf?ao da
depóis que já se acha ralada. Para isto, o índio amazoni- massa de mandioca, que era toda executada a mao livre.
co também engendrou um instrumento bem interessante.
Retirada do tipiti, já isenta do seu suco letal, a man-
Trata-se de ·u m longo cilindro de palha, oco e elástico, ar-
rematado por duas al~as nas suas extremidades, e que dioca e~tá apta a ser transformada em ·alimento. Este,
tem apenas urna abertura na parte superior, por ondeé quase sempre, é preparado sob a forma do beiju, um
ele cheio da polpa farinácea que se deseja expurgar do grande bolo cjrcular, com mais de uro metro de diametro _
suco venenoso. Suspenso longitudinalmente por meio e dois a tres centímetros de espessura. Ao contrário do
da al~a superior a qualquer esteio f orte, passa-se, pela que acontece ou acontecía em outras regióes do nosso
sua al~a inferior, urna longa baste de pau, que fica dis- território, inclusive na zona costeira por ocasiao da des-
posta transversalmente, e sobre a qual se fará grande coberta, os silvícolas da Hiléia raramente fabricam fa-
f or~a para baixo (as vezes sao duas mullieres que se rinha. Tanto assim que quando alguns viajantes das ·
sentam nos seus extremos), de tal modo que se consiga Guianas a encontram em uso entre os seus aborígines,
distender o mais possível as paredes do tubo compressor. como entre os Esmerilhóes da possessáo francesa e os
E destarte, enquanto o cilindro perde em largura o que Atoraís, os Uapixanas e os Tarumás, da possessao ingle-
ganha em comprimento, e a mass~ é cada vez mais aper-. sa, dizem logo que se trata de urna influencia brasileira
tada, vai-se escoando, através das malhas do tran~ado, - brasileira, já se ve, de muito longe, pois que, como dis-
todo o líquido que se deseja eliminar. semos, o ameríndio amazónico sempre preferiu o beiju.
O tipiti tem geralmente uns dois metros de compri- Para o cozimento dos seus bolos de mandioca o ín-
mento, por quinze centímetros de diametro, e é f eito com dio se serve de urna laje arredondada, pouco espessa,
talas de várias plantas, como as palmeiras jauari ou e de superfície lisa, ou de um grande tacho de barro, tam-
jacitara, o cipó-imbé ou ambé e o aruma. Além deste bém circular e de bordas bem rasas, no que nao deixa
tipo de tipiti,. que é o mais aperfei~oado (na Guiana de lembrar a folha da vitória-régia, urna ou outra coisa
Francesa chamam-lhe couleuvre devido a sua forma e fle- descansando sobre um. forno adrede preparado ou sobre
xibilidade), haveria outro ainda em uso entre os Caia~ tres suportes também de argila, entre os quais se acen-
pós e Uitotos, aberto em toda a sua extensao e que, de o fogo. Durante essa opera~ao, a índia nunca aban-
manuseado em posi~ao transversal, era apenas torcido dona um abano de palha que lhe serve nao só para avivar
por duas pessoas, que pegavam nas suas pontas. Este as chamas, como também para virar várias vezes o beiju,
tipiti, por sua vez, teria sido inspirado num processo a fim de que a sua coc~áo se processe uniformemente.
296 Gastáo Cruls
"
O beiju, verdadeiro páo dos índios, depois de cozido,
é ainda exposto ao sol por várias horas, até que se torne
be1n seco e duro, mas quebradiQo, quando entao se con-
serva por longo tempo.
Certas tribos preferem prepará-lo coma mandioca
já fermentada, isto é, imersa previamente na água por
alguns dias, o que dá a massa um certo sabor azedo, mas
nao de todo desagradável.
Servindo-se do beiju os índios conseguem a sua be-
bida inebriante mais apreciada: o caxiri. Para .isso a
torta de inandioca, geralmente mais tostada e mais es-
pessa quando se destina a tal fim, é partidá em pedaQos
que sao colocados, a fermentar, dentro de grandes vasi-
lhas contendo água. Para que a levedaQáo se processe
com mais rapidez, as índias costumam mastigar os pe-
daQos de beiju antes de lanQá-los a água, e o conhecimen-
to dessa prática, sem dúvida de valor químico, mas na-
da higienica, faz com que os civilizados, quando em visita
a alguma tribo, só por muita cortesia e considera<láo aos
seus hospedeiros, se aventurem a participar das liha<lóes
em comum. É verdade que entre certos silvícolas, essa
PRANCHA XXXIX - A esquerda, em todo o comprimento da
estampa, as extremidades superior e inferior de um tipiti ou espre-
~edor de mandioca. Essa p~;i, feita quase sempre de miriti ou
outras palmáceas, pertenceu aos indios Ticunas do alto Solimoes
(32 732 - Cod. l\ilus. Nac.).
Ainda da esquerda para a direita:
Em cima: . Ralador de madeira. indios do Uaupés (21862 -
Col. l\fus. Nac.); e paneiro ou balaio de tran~ado a duas cores, com
desenhos geométricos. indios do Uaupés. (5 794 - Col. Mus. Kac.).
Xo centro : Uruperna ou peneira. indios Tucanos, rio Tiquié
(20 412 - Col. l\Ius. Nac.); e janiaxi ou cesta de carregar as costa~.
preso a cab~a por meio de urna faixa que volteia a testa, e do qua!
se servem as Indias para transportar as raízes de mandioca de suas
r~as pa ra a maloca. fndios do Río Branco. (8147 - Col. ~in s. Nac. ).
Embaixo: Abano de palha, para ati<;ar o fogo e virar o beiju
~nquanto está cozinhando. indios do Rio Branco (2 669 - Col.
l\ius: Nac.); e tacho de barro, sobre tres suportes também de barro,
no qual é cozido o mesmo beiju. PR. XXXIX
298 Gastáo Cruls · Hiléia Amazónica 299

,. tarefa de mastigar o beiju está apenas afeta a~ rapari- do sexo forte, mas de que os índios se esquivam apenas
gas ad<;>lescentes, que ainda teni o cuidado de untar pre- por espírito de pura madraQaria. Razóes outras, porém,
viamente a boca com mel, o que torna menós repulsiva e bastante aceitáveis, quando lembradas, explicam por
a lembranQa dessa opera~o reputada indispensável ao que, na América indígena, como já ocorria entre os Me-
preparo de um bom caxiri. das e os Persas, a agricultura sempre esteve confiada as
Nas Guianas, a bebida que corresponde ao nosso ca- mullieres. Em primeiro lugar, entre os povos primiti-
xiri tem o nome de peiuari, paiuru ou pajuaru, ao passo vos, nao raro existía a crenc;a de que a mulher, ser f ecun-
que aquela designaQáo se aplica a outro licor ebriático do por excelencia e que tem por func;áo precípua pro-
feíto de milho, batata-doce-roxa e um pouco de caldo de
cana. Segundo Im Thurn, que o experimentou, esse· criar, é que deve ficar entregue o trabalho da multipli-
caxiri, de cor avermelhada, é bastante agradável e sabe a caQaO das plantas.
um clarete fraco. Confiado ao homem, qualquer esforQo nesse sentido
Ainda na regiáo ·guianense, inclusive a brasileira, redundaría estéril. A respeito dessa convicc;ao, funda-
mas já nos seus altiplanos, onde predomina a flora cam- mente arraigada no espírito do ameríndio, oc-µpa-se lon-
pesina e o solo náo é muito propício ªº desenvolvimento gamento o Padre Gnmilla no seu El Orinoco Ilustra<lo.
da mandioca, náo raro, a sua falta, tanto o beiju como o Em segundo lugar, há nisso urna distribuic;áo de ativi-
paiuru s·áo feitos com milho - milho que no caso da be- dades. O homem nao se pode furtar aos encargos da
bida fermentada sofre também, por parte das índias, cac;a e da pesca, que lhe consomem muito tempo, e sao
a. insalivac;áo .preliminar. também -tarefas bastante pesadas, além do que acresci-
Ao descrever esse complexo da mandioca, freqüen- das de grandes riscos. E urna vez que assim é, ainda toca
temente ternos falado em índias e ná'O em índios ocupa- ao sexo frágil o melhór quinbáo.
dos nos vários atos operatórios por que passa a raiz até
ser transformada em alimento ou bebida. Isto, entretan-
to, náo ~ de espantar, pois que entre os povos primitivos . BIBLIOGRAFIA
as tarefas culinárias sempre estiveram entregues as mu-
BELT (Thomas) - The Naturalist in Nicaragua. London & To,..
llieres. Todavía, se f ossemos mais longe, haveríamos de ronto. 1928.
ver que todos os trabalhos agrícolas reierentes nao só Bo1s (D.) - Les Plantes Alimentaires chez tous les Peuples et
a mandioca como também a outras plantas cultivadas en- 4 a travers les Ages. Paris, 1927.
tre os nossos aborígines, estáo na dependencia do elemen- CANDOLLE (A. de) - L'Origine des Plantes Cultivées. Paris,
to feminino. Assim, para só ficarmos no campo da Eu- 1883.
forbiácea, sao as mullieres que fazeni a sua plantaQao, CHAMBERLAIN ( }\lexander F rancis) - N omenclature and Distri,..
abrindo no solo, a cavadeira de pau, os huracos que rece- bution of the Principal Tribes and Sub--Tribes of the Arawa,..
bemos estolhos; sao elas que fazem as várias capinas da kan Linguisti~ Stock of South America. ( "Journal de la Socié--
té des Americanistes". Tomo X. Fase. 11. Paris, 1913).
lavoura, enquanto as plan.tas está.o crescendo; sao elas, COLON (José L.) - A Mandioca. Seu Cultivo e Aproveitamento.
finalmente, que váo arrancar as raízés e as trazem da ( "Boletim da Uniao Pan--Americana". Washington. Vol.
roga até a maloca, em grande cesto suspenso as costas. XXXV. N.9 6. Junho, 1933).
Ora, tudo isto, trabalho penosíssimo, pareceu a muita FARABEE (William Curtis) -
1
The Central Arawaks. Philadel,..
· gente que seria encargo mais condizente com as energías phia, 1918.
300 Gastáo Cruls
..
GoELDI (E. A.) - O Estado Atual dos Conhecimentos sobre In-
dios do Brasil. ( "Boletim do Museu Paraense". Tomo 11.
Fase. 1..4. P ará, 1897-1898.).. ·
GuMILLA (Joseph) -:-' El Orinoco Ilustrado, y Defendido, Histo-
ria Natura!, Civil y Geografica de este Gran Río. y de sus
Caudalosas Vertentes ... Madrid, 1754, 2.• edi~áo. COMPLEXO DO CURARE
IM THURN (Everard F.) - Among the lndians of Guiana. Lon-
don. 1883.
}ACQUET (Raymond) et NATAP (Berthe) - Le Manioc et son MBELLONI chamou ao alto Amazonas província dos ve-
Utilisation Alimentaire. Paris. 1936.
LA VARRE (William) - Gold, Diamonds and Orchids. New
York-London, s/d.
I nenos, de tal modo os índios daquela regiao se notabi-
lizaram pela descoberta de vários tóxicos, usados para
fins diversos, mas todos muito eficientes, razao por que
Low1E (Robert) - Manuel d'Anthropologie Culturelle. Trad. par logú se tornaram conhecidos, alcan~ando vastas zonas
E. Métraux. Paris. 1936. de dissemina<_;ao.
MARKHAM ( Clements R.) - Expeditions Into the Valley of the De acordo com o emprego que deles se faz, podere-
Amazons, 1539, 1540, 1639. Translated and edited by the
Rev. Dr. George Edmundson. London, 1859. mos dividir esses tóxicos em substancias de que se apro-
MÉTRAUX (A.) ~La CiPilisation Matérielle des Tribus Tupi-Gua- veitam apenas, quando usadas em doses ·moderadas, os
raní. Paris, 1928. . efeitos inebriantes, ilusógenos ou narcóticos, e que sao
NASH (Roy) _.;.., A Conquista do Brasil. Trad. de Moacyr N. consumidas pelos próprio$ índios, quase sempre sob a
Vasconcellos. Sao Paulo. 1939. · forma de beberagem, nas suas festas orgiásticas, guer-
NoRDENSKIOLD ( Erland) - Comparative Ethnographica( Studies. reiras ou de inicia<_;ao; e substancias cujos efeitos noci-
2 vals. Goteborg, 1919.-1924. vos e até letais sao utilizados como armas de ca<_;a, de
NoRDENSKIOLD (Erland) - Origin of the Indian Civilization in pesca ou de guerra.
South America. ( "Comparative Ethnographical Studies".
Vol. 9. Goteborg. 1931).
Os venenos do primeiro grupo sao de origem vege-
PERRET (Jacques) - Observations et Documents sur les Indiens
tal e, entre eles, apontaremos como principais, o caapi,
Emerillon de la Guyane Franfaise. ( "Journal de la Société iaje ou aiauasca, conseguido das Banistérias; o paricá,
des Américanistes". Nouvelle série. Tome XXV. Fase. rapé-de-1iiopó, coboba, cur1tpa ou iupa, obticlo das Pip-
J. París. 1933). tadenias; e o toé, maricau ou huanto, extraído das Dá-
STEINEN (Kad von den) - Entre os Aborígines do Brasil Cen- turas. · Os venenos do segundo grupo, embora entre eles
. tral. Trad. de Egon Schaden. Sao Paulo. 1940. predominem também os de proveniencia exclusivamente
VERÍSSIMO (José) - As Populafóes Indígenas e Mestifas da Ama- vegetal, <;orno os timbós e alguns curares, podem, contu-
zonia. ("Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasi.-
leiro". Tomo L) . Q.o, ser de origem exclusivamente animal - como certo
WALLACE (Alfred Russel) - Travels on the Amazon and Rio Ne- veneno sagitário usado por índios da Colombia e que é
gro. London. 1895. preparado, segundo W assen, com a pe<_;onha de urna rá,
WHIFFEN (Thomas) - The North-West Amazon. London, a. Phillobates bicolor var. toxicaría, também chamada
1915. Phillobates chocoensis 1 - , ou ainda podem ser produtos
W1ssLER ( Clark) - The American lndian. Oxford University .
Press. New York. 1922. 1. Gadow, tratando de Anfíbios, na The Cambridge Natu-
ral History, diz que esse veneno é conseguido da Hylaplesia tinc-
301
302 Gastáo Cruls Hiléia ·Amazónica 303

mistos em que entrem elementos vegetais e·animais como urna prancha colorida em que se poderao admirar, mais
parece acontecer com determinados curares;. ' tuna yez, o engenho e a técnica do ·silvícola amazonense.
Razao existe a Lewin quando diz que deve ter-se Em quase todos os cronistas dos séculos XVI e
coi:no. ~a :r:>:ov~ de civilizac;ao nascente o fato de povos XVII há referencias a um violento veneno sagitário que
pr1~1t1vos Jª nao se contentarem apenas com alimentos era usado pelos amermdios nas suas armas de guerra.
obtidos pela cac;a selvagem, mas irem também procurar Diz Acuña sobre o mesmo . assunto:
certos excitantes artificiais do sistema nervoso, que os "Possuem muitas plantas venenosas, de que algu-
levem, _de tempos a tempos, a zafarse de su. memoria n1as nagóes se servem para preparar urna pe~onha tao
. como tao saborosamente dizia um índio da Guatemala, f orte, que as flechas com ela ervadas, se provocam sa11-
buscando desculpa para os seus .excessos alcoólicos. gue, causam também a morte."
Infelizmente, foge ao plano deste trabalho cuidar E1nbora para a caracterizac;áo do curare seja de
~ais detidamente das várias drogas com que o amerín- grande importancia· ess~ condi~áú estabelecida pelo re-
d~o! ~o?retudo o amazoJ?-i<:o, ~e transporta a paraísos ar.. · latorda viagem de Pedro Teixeira, de que o veneno para
tifici<!'i~, .coro suposta V:d~nc1a sobre o futuro, o que ~he atnar precisava ter contacto direto com o sangue, ne-
pei:rmt1r1a conhecer o ento ·de guerras próximas ou a nhum dos autores que descrevem a sintomatologia apre-
maior ou menor p:o~abil~dade de boa cac;a ou pesca nas sentada pelas vítimas dessas mesmas flechas nos traga
t~rras de seu ~omm10. E que· como material iconográ- um quadro clínico típico dos acidentes produzidos pelo
fico, :pouc~ !er1amos a apresentar, excetuadas as plantas curare. N em mesmo W alter Raleigh, que, em 1595! de
que. sao ~t1l1zadas para o preparo daqueles tóxicos, ou o volta da sua primeira viagem as Guianas, f oi o primeiro
curioso instr~ento que em certas tribos é empregado· a tornar conhecido o urari na Europa, na sua derrama-
para ª. absorc;~o n~sal do pó de paricá. A menos que da descrigao dos atrozes tormentos provpcados pelo .ter-
um artista de rmagmaºªº aloucada nao conseguisse pas- rí\·el tóxico, nos refere algo que ~e aproxime de longe
sar para.º papel as aluci~a~óes sensoriais provocadas do que a respeito do curare e de urna maneira tao con-
~~lo caap1 e .q11e, segundo dizem, vao rouito além do que cisa disse um índio a Humboldt: "é um veneno que mata
Ja fora previsto no belo verso de Baudelaire: "Les par- baixinho", querendo com isso .s ignificar que era um ve-
fums, les couleurs et les sons se répondent." · neno que matava de manso, sem qualquer ruído.
Mas nao foi isso o que pedimos aos nossos ilustra- Na verdade, nenhtuna definigao melhor do que esta
do,re.s H~lda Velloso e Armando Pacheco. Antes, pelo con- para um tóxico cujos efeitos sao sobretudo paralisantes,
~rar10, f~zemos sempre questáo de que eles, sem dar asas e até que se de o desfecho fatal já existe, no indivíduo
a ~an~as1a, e usando apenas da mestria· a que ambos já por ele acometido, "um simulacro de roorte coro todos
at1ng1ram na sua arte, se limitassem a cópia fiel dos mo- os sinais de·.vida."
delos que lhes eraro apresentados. Mas f oi só a partir do século XIX, quando a Ama-
~ dito isto, passemo~ ªº complexo do curare, que es- zonia - e aqui nao nos reportamos apenas a Amazonia
te,. s1m,. com os seus potinhos de veneno, setas, cu·r abis, brasilei.r a - teve a honra de ser visitada por figuras do
alJavas e zarabatanas, nos fornece motivos de sobra para porte de Humboldt, Martius; Castelnau e os irmaos
Schomburgk, que os efeitos do curare e também a st1a
toria, aquela mesma rá de que se servem alguns ameríndios para composic;ao comegaram' a ser melhor estudados e conhe~
contrafazer a cor dos papagaios. eidos.
304 Gastao Cruls Hiléia Amazónica 305
.. ti
Vale assinalar que já em meados do século anterior, '

nino dardo curarizado, bastante, todavia, para causar a
.La Condamine, quando de regresso da sua: viagem ao morte do vegetal dentro do curto espaQo de tres dias.
Peru, primeiro em Caiena e, depois, em Leiden, preocu- Outra, era praticada· sobre o próprio homem. De qual-
pou-se também coma aQáo do mesmo tóxico, experimen- quer maneira, espetadela 011 ligeiro talho, trazia-se um
tando sobre animais algumas setas ervadas dos Ticunas, pouco de sangue a flor da pele e desta se aproximava -
que lhe tinham sido oferecidas no. alto Amazonas. mas aproximava-se apenas, sem tocá-la - urna das setas
Para esse interesse provocado pelo curare, nao deve já providas do veneno. No caso em que o curare esti-
ter contribuído pouco .a atenQaO que todos dedicaram a vesse bom, bastava esta ameaQa para que o sangue, ate-
zarabatana, a curiosa arma de caQa constituída por um morizado, logo desaparecesse da ferida, refluindo para
caniQo oco através do qual, servindo-se apenas do seu o interior dos tecidos.
próprio hausto, o índio lanQava os seus dardos curari- Se essas e outras invencionices atingem as raias do
zados. absurdo e custa a acreditar que houvesse quem lhes pu-
Com o uso de um tal instrumento, absolutamente desse dar f é e as divulgasse, nao resta dúvida que o índi<?
silencioso, e o emprego de um tóxico como o curare, de cercava o preparo do curare de nao poucas supersti~oes,
efeitos rapidamente paralisantes, o ameríndio resolvia e disto foram testemunhas alguns etnógrafos do melhor
o dificultoso problema da caQa na espessidáo e emara- conceito. A esse propósito, conta Im Thurn que, na
nhamento da selva tropical, onde tudo, no silencio envol- Guiana Inglesa, a água que serviría para o preparo do
vente, será motivo para ruídos que rápido alertará.o a tóxico havia de ser sempre de proveniencia especial e
presa cobi~ada, e onde esta, qu~do apenas ferida, mas apanhada a pequena distancia da .maloca. Assim nles-
ainda com capacidade para afastar-se das vistas do ca- mo, o índio que a 'transportasse, do ponto da sua colheita
~ador, mesmo que venha a cair exangue, difícilmente
até o aldeamento, haveria de fazer, durante o trajeto,
será encontrada. sucessivas altas, de tal modo que o vasilhame que conti-
Tornemos, porém, a composi~o e preparo do cura- vesse o líquido, por várias vezes descansasse, pousado
re, a :respeito dos quais os índios sempre guardaram no chao. Se tal prática nao f osse rigorosamente obser-
urna particular reserva, o que deu motivo a que nao pou- vada, o curare preparado com essa água teria a sua aQao
muito diminuída, isto é, permitiría que o animal por ele
cas lendas se criassem em torno do famoso veneno. As- afetado, sem ·ser logo paralisado, ainda tivesse urna ca-
sim. dizia-se,
. , .
e isso propalaram os primeiros ,cronistas
. . e pacidade de carreira ou voo tao longa quanto f ora a
nnss1onanos, que o seu preparo, por expor a senos nscos distancia vencida sem interrupQáo pelo carregador. E
de vida, só era confiado as mulheres velhas e impres- também importante, segundo relata Richard Schom-
táveis das tribos, pois que os vapores desprendidos da burgk, que vários índios, e principalmente o pajé, ve-
panela onde f erviam as muitas. substancias necessárias nham soprar o líquido, enquanto está f ervendo, e merece
a sua confec~áo tinham poder letal e nao raro faziam especial cuidado a manuten~ao de um f ogo sempre bem
vítimas. Dizia-se também que o veneno só estava no vivo durante todo o longo tempo (horas e até dias) pedi-
ponto de ser usado quando era submetido a algumas do para a concentraQáo do veneno. Exige-se igualmen-
provas que atestassem o seu alto grau de virulencia. te que o preparador do tóxico guarde absoluto jejum e
Urna delas consistía em experimentá-lo sobre árvores ao ato náo devem estar presentes mulheres, sobretudo se
jovens, cujo tronco era alvejado com um único e peque- grávidas. ·
..

306 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 307

.A.os homens que andero pelas cercanias torna-se ve- 4) Curare da Guiana Francesa, tendo por base o
dado comer coisas doces e entre estas avulta, como extre- Strychnos Crevauxiana.
mamente nociva a eficácia do curare, a cana-de-aQÚCar.
Grande também sempre f oi a confusao reinante a ~Iais tarde, Le J at1ne reduziu a tres as regióes esta-
r espeito dos muitos ingredientes que entravam na sua belecidas por Planchon, fundindo num tipo único os
con1posiQao e a qual deles deveriam ser imputados os sel1s curares do alto Orinoco e da Guia.na Inglesa, cujo ele-
ef eitos letais. Além do suco de inúmeras plantas, apon- mento primordial seria sempre o Strychnos toxiferci.
tavam-se con10 elementos i11dispensáveis a sua maior Nao resta dúvida de que muitas outras plantas po- ·
eficiencia, muitos produtos animais, como dentes de co- dem entrar na composiQao dos curares, como certas Me-
bra, pe<_;onha de sapo 011 de lagarto, for1nigas e aranhas nispern1áceas, Amarantáceas, e mais rara~ente pin1en-
ve11enosas, e até carne putrefacta. tas;fumo e raiz carnosa de alguns caládios. Estes últi-
Foi por isso tudo que se chegou a .por em dúvida a 111os, entretanto, como pensa Im Thurn, nao teriam outra
palavra de Humboldt quando afirmo11 que a toxidez do aQao do que aumentar a consistencia do produto.
curare parecia ser exclusivamente devida a um cipó do Já o papel das ~{enispermáceas é muito mais impor-
genero Strychnos, bastante parecido ·com o Rouhamon tante. Assinaladas no curare dos Ticunas, que se tornou
já descrito por Aublet. f an1oso pela sua virulencia, mas no qual figuram tam-
Diga-se que ao grande sábio alemao ·cabe a priori- . bém plantas do gene;ro Strychnos, por muito tempo hou-
dade, até entao. nao conseguida por qualquer civilizado~ ªºªº
de ter podido assistir, entre indígenas de Esmeralda, no
Orinoco, ao preparo do curare. . .
• ve dúvidas sobre a que aquelas caberia na nocivida-
de do tóxico. Certos autores supunham as Menisper-
máceas pot1co verienosas e tinham por falsos ou fracos os
Allás, depoimentos ulteriores de Caste~au,. Spix, curares em que elas predominavam ou apareciam co~o
dos irmaos Schomburgk, Crevaux'. e outros nao f1zeram único ingrediente. TaJ, porém, nao era a opiniao de
mais do que confirmar a asserQao de Hum?oldt, P?is que Barbosa Rodrigues e J. B. de La.cerda, sendo que este
todos eles assinalara1n nos curares,. de CUJO f abr1co pu- último chegou a preparar, no Museu Nacional, um cura-
deram se inteirar, a constante e indispensável utiliza<_;áo re em cuja composi<_;ao entrava exclusivamente o cipó-
de um ou mais Strychnos. Apenas, conforme as tribos icu, de uso no curare dos Ticunas, e que é urna Menis~
e de acordo com as possibilidades da flora local, essas permácea, o Anamospermum grandifolium. Posterior-
plantas podiam ser de esp~cies diferent~s.. E ~oi basea- meríte, pesquisas de King também demonstraram a ex-
do nessas observaQóes que Planchon d1stmgu1u quatro trema virulencia de um curare exclusivamente feito com
til) OS de curare : plantas dessa f amília.
1) · Curare do alto Amazonas, tendo por base o Do que vimos de dizer, pode-se concluir, ao contrá-
Strychnos Oastelnaui; rio do que propalava a crendice popular, que a toxidez
dos curares provém sempre de substancias vegetais, em-
2) Curare do alto Orinoco, tendo por base o Strych- bora a essas, por motivos vários - desejo de aumentar-
'nos Gubleri; lhes a virulencia, supersti<.;ao, despistamento -, nao raro
3) Curare da Guiana Inglesa, tendo por base o os an1eríndios associem outras de natureza animal.
Strychnos toxifera, associado comos S. Schoni- Alén1 de plantas, cujo aproveitamento também pode ser
burgkii e Cogens; explicado por aquelas e outras razóes, como auxiliar-lhes
308 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 309

~ a conserva~ao oll contribuir para o ~eu espess,a~ento, to- Dqs plantas que·entram na composic;áo do curare os
dos os curares teráo por base vegeta1s da fa~1:11a da~ Lo- índios quase sempre só se utilizam do caule (casca e al-
ganiáceas (genero Strycknos) ou das Memsperma~eas burno), que depois de partido em pedacinhos, ou m~smo
(generos A.buta, Ooccul'!"s, _Okondrodendron), usadas iso- pilado, é posto em macera~ao na água fria pelo espa<;o
ladamente ou em assoc1a~ao. de vinte e quatro horas e mais. Filtrada essa água, na
Curare do primeiro tipo, isto· é, em que só entre ~o­ qual se dissolveram os princípios ativos do vegetal e que
ganiácea, f oi o curare que Richard Schomburgk, no in- com isso adquire urna cor pardo-avermelhada, é posta a
terior da Guiana Inglesa, preparou, ele mesmo, coro uro mesma a f erver e referver sobre uro f ogo vivo, até que,
cipó que lhe f oi fo mecido pelo~ U apix~!1as, e que n~o apurada, se réduza e condens~ nurna massa pegajosa, e
era outro senao o Strychnos toxifera, alias um dos ma1s que toma entáo m;na cor pardo-achocolatada, já tirante
violentos. Curare também proveniente de uro único a preto.
St rycknos, foi o curare que Vellard viu prepa~ar e pre-
1
Sem dúvida, a virulencia do curare variará de acor-
parou ele próprio entre os N ambiquaras-Sabane das nas- do nao só coro a qualidade e a quantidade das substan-
centes do Tapajós. Vale a pena dizer que em contrapo- cias vegetais empregadas, mas também coro o grau de
siºªº a esse curare feito coro urna só plant3:, Hoehne concentra~áo a que for levado o produto. Tanto assim
aponta um outro, o erivá, t~mbém dos Namb1quaras e que, segundo dizem, alguns índios preparam proposita-
Parecis do J uruena, que pede nada menos de nove plan- damente tipos de curares fracos, cujos efeitos serao ape-
tas dif~rentes na sua composic;ao. Finalmente, Paulo ·~

nas nlólestos e Iiao letais, quando desejam apanhar ca~a


Carneiro conseguiu todos os efeitos fisiológicos do cura- viva, que será incorporada aos seus animais domésticos.
re comas raspas da casca de urna planta do alto Amazo- Por outro lado, visando, talvez, maior facilidade de
nas e que pode ser identificada como o Strychnos letha- transporte, a concentrac;áo do curare pode ser levada
lis Barb. Rodr. até o ponto de transforiná-lo num verdadeiro co.r po só~
Como já dissemos, curare feito unicamente de Me: lido, resinoso, que será dissolvido em água, ou melhor, no
nispermácea, além do já citado de Lacerda, h~ o q~e f 01 - suco da mandioca ou de certos frutos ácidos, a medida
estudado por King, segundo modernas comumcaºoe~ ~e · que se. fizer necessário para o envenenamento das fle-
Paltlo Carneiro de cujos trabalhos, sobre a compos1~ao chas. E em tal estado, índios alheios ao seu preparo,
química do cur~re, ainda em prosseguimento, muito já eomo os Camaracotos, da Venezuela, o recebem de urna
se conseguiu e muito há ainda que se es~erar.. , Quanto tribo vizinha, a dos Maquiritares.
ao tóxico em que as duas plantas se assoc1am, Jª nos re- Segundo V ellard, o curare ·dos N ambiquaras é f ei-
portamos ao dos Ticunas e a esse talv~z poderíam.os to nao como caule mas comas raspas da casca .da raiz
acrescentar o dos Orejones, Pebas. e U itotos propr1a- do tal. cipó ainda indeterminado, mas sem dúvida um
111ente ditos. Em algumas tribos os índios chamam r~ St1~ychnos, raiz essa que é rica de uro suco de cor ave¡t:.
11io1i ao Strychn,os Oastel1iaui e pani ao Oocc·ulus toxi- inelhada e consistencia gomosa. Aliás, a opera~ao é mui-
cof erus. to simplificada entre eles. Esgotamento das raspas em
Na Guiana os Macuxis passam por preparar o me- água fria, fervura rápida e concentra~~º a fogo le11to.
1hor curare, ju~tamente porque é aí a pátria do Strych- Os curares, quando guardados em lugar seco, tem
nos to xif erá. dura~ao indefinida e já foi verificado que amostras com
. .
(· Hiléia Amazónica 311
310 Gastáo Cruls 1
111

mais .de um século ainda conservam todas as suas pro- curto espac;o de 20 a 30 minutos. Essa morte, porém,
priedades. . ., nao se dará se, pela respirac;áo artificial, puder ser man-·
Falamos em curares e nao curare porque, como Jª tida a vida do intoxicado, até que se processe a comple-.
dissemos e merece ser acentuado, esse veneno, longe de ta eliminac;ao do veneno, ou se, por ac;ao bioquímica,
ser urna substancia definida, coro fórmula fixa e única, como já tero sido conseguido nos laboratórios de fisiolo-
é um produto complexo, cuja COJl!PO~ic;áo P?derá variar gía, · os efeitos do tóxico puderem ser interrompidos e
consoante a regiao da sua procedencia, a tnbo que o fa- anulados. Diga-se que nunca se comprovou a eficácia
bricou e até a receita do seu manipulador. E tanto as-
sim é verdade que, conforme o seu acondicionamen~o
i de n~nhum dos antídotos que de longa data f oram apon-
tados para o curare, como o sal, o ªºúcar, e alguns outros
(pote de barro, cabacínha ou tubo de bambu), ver~ade1- 1i de menor fama. Entre estes, entretanto, de acordo co1n
ro selo de origem, já s~ sabe muitas ,,yezes a q~3:lidade Castelnau, merece ser citado o cipó-turucuá, cujo suco
de curare que está contido em determmado rec1p1e~te. 1 seria administrado depois que o local de penetra<_;ao do
Embora anteriormente cientistas franceses se t1ves- ~ dardo fora convenientemente lavado. Mas talvez que /
¡
sem preocup~do coma composic;áo e, os..efeitos ~,? Cl_ll'are, 1
nessa opera<_;ao, preparatória, com possível eliminac;ao
foi só a partir de 1884, aposas notáve1s exper1enc1:was ~e J mecanica do veneno, estivesse o exito que era depois atri-
Claude B ernard, que comec;ou a esclarecer-se a ac;ao fi- buído as virtudes da beberagem. Aliás, a maioria dos
siológica desse toxico. Para Claude Bernard o curare 1
índios conhece a inanidade de qualquer contraveneno
age sobre a placa motora, ~sto é, s_obre· º. elemento de co- l
. coro que se possam combater os efeitos do terrível tó-
nexao entre o nervo e o musculo, impedmdo a passagem xico. E a esse propósito, Richard Schomburgk trans-
da cor rente nervosa. Modernamente, os estudos de La- mite-nos a seguinte história, que lhe foi contada no in-
picque vieram mostrar que o curare atua sobre o mús~u- terior da Guiana. Estavam dois índios a ca<_;ar quando
· lo diminuindo a sua excitabilidade e rompendo ass1m sobre um deles veio cravar-se a própria seta que o seu
uma condiºª º n ecessária para que a excitac;áo do ne~o sopro desferira a través da zarabatana e que nao logra-
possa provocar a excitac;áo do músculo, a saber: ~ e~c1- ra fixar-se. sobre o alvo ·visado. Como primeiro gesto,
tabilidade de p.mbos deve ser igual para que o pnme1ro quase instintivo, o silvícola arrancou a ponta ervada que
possa agir sobre o segundo. se lhe cravara no ombro; mas, imediatamente' depois, já
A paralisia resultante da ac;áo do curare comec;a pelo certo do fim que o esperava, partiu a zarabatana e dis-
trem p ost erior, estende-se .progressivamen~e aos mei:i- se para o companheiro: - "Já nao preciso mais de
bros anteriores, a cabec;a eªº tronco, paralisando entao
voce." A seguir, calmamente, deitou-se ali mesmo, n.o ·
os músculos respiratórios, quando se dá a morte J?ºr .ª~­
fixia. Este é o desfecho de um estado em que o md1vi- chao, até q-q.e a morte lhe viesse f echar os olhos.
duo, coro plena consciencia e sensibi~idade perfeita, qu~­ O curioso é que · esse veneno, de a<_;áo tao letífera
da inerte, p ela incapacidade de realizar qualquer movi- qt1ando pe11etra diretamente na circulaQao, é de todo ino-
fensivo .se absorvido ,por via gástrica. T anto assin1 que
mento.
V eneno que se absorve e elimina facilmente, já f oi algumas tribos o tero como bom estomáquico. Por outro
calculado qt1e bastam dois miligramas de curare forte, lado, nao é raro que o índio, antes de lan <_;á-la, passe ra-
dissolvidos num pouco de água e injetados snb a pele, pidamente entre os lábios a seta curarizada, a fim de
para que se mate um quilo de animal mamífero adulto no t1medece-la coro um pouco de saliva, de tal modo que o
312 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 313

veneno, ligeiramente amolecido, mais depressa se mistu- Os curabis nunca excedem o comprimento de dois
re ao sangue do animal f erido. metros e as suas extremidades envenenadas sao geral-
Aliás, só o fato da ca~a morta pelo ·c urare poder ser n1ente protegidas por estojos de taquara, visando evi-
const11nida sem qualquer efeito nocivo, mostra a inocui:. tar possíveis acidentes.
dade do veneno quando introduzid~ pela boca. Alguns viajantes, como Osculati, falam em outras
A despeito do seu alto poder mortífero - ou, talvez, armas curarizadas e de combate, que teriam sido veri-
por isso mesmo - o curare só raramente.teria sido ero- ficadas na Amazonia. Entre elas, está um punhal de ma-
pregado como arma de guerra. Nao há dúvida que os deira, o lhiaperi, usado pelos índios do Purus, e também
cronistas antigos se referem coro freqüencia a terríveis o uc'1rará dos indígenas do rio Tefé, um bastao ct1rto em
flechas ervadas de que os silvícolas lan~avam mao nas cuja extremidade ficava engastada uma garra de felino
suas lutas. Todavia, a sintomatol<_>gia apresentada por recoberta de espessa camada do tóxico.
aqueles que eram vítimas de tais agressóes e cujos pa- V ellard diz que os N ambiquaras empregam o cura-
decimentos, coro desfecho mortal, nao raro se prolonga- re como arma de guerra, envenenando com ele a ponta
vam por alguns dias, nao condiz em absoluto com as ma- de grandes flechas denteadas. Mas isso deve ser fato
nifesta~óes provocadas pelo curare~ Releva notar que excepcionalíssi1no, se nao quisermos supor que o ilt1stre
esse depoimento dos primeiros viajantes é de todo des- etnógrafo f oi mal informado .a respeito. Desses n1es-
norteante, pois que, até hoje, além do curare, nunca ·f oi 1nos N ambiquaras receberam flechadas, e algu1nas pro-
encontrado qualquer outro veneno sagitário entre as vocando ferin1entos gravíssimos, vários n1embros da de-
tribos da regiao amazonica. nodada Comissao de Linhas Telegráficas, chefiada pelo
Se empregado como arma de guerra, o curare enve- General Rondon, e embora essas flechas parecessem en-
nenará a ponta de flechas comuns, a serem atiradas com venenadas, n1mca i1enhuma das suas vítimas apresentou
arco, ou entao a extremidade de certas lanQas delgadas, qualquer sintoma que fizesse lembrar a presen~a do
arremessadas a mao livre, os curabis, que, preferente- curare.
mente, se l.itilizam nos combates corpo a corpo. Esses J á demos as razóes por que o curare, ervando pe-
curabis, segundo Barbosa Rodrigues, sao compostos de quenas setas que sao lan<_;adas através da zarabatana, é
tres partes: a ca.maiúa· (haste de flecha), a suumba sobretudo urna arma de ca<_;a, e ca<_;a de animais pequenos,
( fuso) e o itapuá (pedra da ponta). A camaiúa ou flecha principalmente aves. Aliás, o seu próprio nome, uiraeri,
propriamente dita, feita da haste floral do Gynerium con1 várias corruptelas para urari, urali, ulali, urati e
saccharoides, é por vezes empenada na extremidade infe- curare, segundo Barbosa Rodrigues, quer dizer líquido
rior, que tarnbém pode ser revestida de resina, enquanto petra, niatar pássaros.1. Isso nao significa, entretanto,
a sua extremidade superior recebe, por embutimento, a que ele també1n nao seja muito utilizado para .a ca~a de
suumba, sempre de madeira muito f orte, com~, por exem- 111a1níferos nao muito grandes, sobretudo os macacos, por-
plo, a maQaranduba. Por sua vez, com o auxilio de qual- que estes, se atingidos por flechas apenas vulnerantes,
quer fio vegetal, a suumba é preso o itapuá, um dardo )
longo e .muito afilado, no qual se praticam entalhes, para 1. Grande a sinonímia do curare. Os Jivaros chamavam~
lhe iguanche; e supai os 1Canelas ou Quixos, do rio Napo. Em
que a sua. ponta, revestida de curare, se quebre facil- língua quíchua é pucuna; em aruaque, macuri; e no dialeto tamana-
mente dentro da ferida por ele produzida. que, marana.
314 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 315
,.
se1n a aQáo paralisante do veneno, nao raro se agarram um longo canudo oco que pode ter de dois a tres metros
tao fortemente aos galhos do arvoredo que, mesmo ·que •• de comprimento, é preciso que ela seja perfeitamente
venha1n a morrer, ainda aí permanecem por longo tem- retilínea e tenha o seu pertuito interior cuidadosamente
po, até que se dé a completa relaxac;;ao n1uscular. polido, de tal modo que o dardo, durante o percurso q11e
Para esses tiros de eleva<_;ao, con1 alcance de qua- faz, nao sofra qualquer aleive nem encontre a nlenor re-
r entc;t e n1ais metros, n1as de difícil percurso entre a den- sistencia.
sa ra1naria da floresta tropical, a pequenina e silencio- As melhores zarabatánas sao feítas como colmo da
sa seta da 'iarabatana mostra-se particularmente indica- Arundinaria Schomburgkii, urna Gramínea que só cresce
da, permitindo que sejam abatidas sucessivas pe<_;as de na regiao do Orinoco, ·e daí a pro.cura que tem as armas
"ca<_;a de um n1esmo bando de animais, quer de pelo; quer dessa proveniencia, f eitas pelos índios Arecunas e Maion-
de pena, sem que os sel1s companheiros notem a devasta- cons. A falta desse material, elas podem também ser
Qao que ven1 sendo feita entre eles. conseguidas do caul~ de certas palmeiras, como a pa-
Chega a ser qt1ase inacreditável a destreza com q11e xiubinha, que já tem a vantagem de apresentar-se natu-
o índio usa a zarabatana, nao raro servindo-se ·apenas de ralmente perfurado.
lima das maoHpara mante-la em equilíbrio sobre a boca, Até boje foram descritos tres tipos de zarabatana.
e com ela realizan.do tiros que só excepcionalmente dei- O primeiro é feíto de dois tubos, inteiri<;os, um metido
xam de alcanQar a meta. Aliás, isso nao espantará se no outro ; o segundo é feíto ·ainda de .dois tubos, mas o
nos lembrarmos de que o seu trato com tal instrumento externo, dividido em dois segmentos por um·corte longi-
t.
vem desde a in'.fancia, pois que aos "indiozinhos sao dadas,
co1no brinquedo, pequenas zarabatanas, e eles, dentro tudinal, adapta-se sobre o interno, que é pe~a indivisa;
das malocas, nao fazem. outra cousa senao alvejar os bi- finalmente, o terceiro é formado de um único tubo, mas
. chinhos que lhes caiam sobas vistas. também constituído por dois segmentos divididos por
O índio, que sai para caQar munido da zarabatana, corte longitudinal e unidos, como também acontece com
· leva a tiracolo ou pendente da- cintura vários petrechos, os do segundo tipo, por faixas de fibra, recobertas de

que sao indispensáveis ao manuseio do canudo de sopro, goma resinosa.
co1no sejam um carcaz que guarda, bem protégidas, as Ao cani<_;o da zarabatana se ajusta um bocal, que
. setas, urna pequena caba<_;a ou bolsinha com paina de st1- tanto pode ser a metade da casca de um coco redondo,
~naumeira, alguns fios de qualquer bromeliácea, e náo como qualquer pe<_;a de mad·e ira moldada para tal fim.
r aro um maxilar de piranha. Nao é raro que a um ou dois palmos da extremidade
A este conjunto, do qual nao pode ser omitido o .pró.- distal da zarabatana, sejam fixados um 011 dois dentes.
prio· tóxiyo e o seu respectivo recipiente, seja cuieté, po- de cutia ou de caititu, sendo que neste último caso as duas
tinho de barro ou gomo de ·bambu, dá-se o nome de com- pec;as ficam dispostas paralelamente. Para alguns,
plexo do curare, e sua representa<;;ao aparece na nossa estes dentes exerceriam a fun<_;ao de al<_;a de mira. Para
estampa. Im Thurn, porém, eles nao fazem mais do que assinalar
· Examinemos agora cada urna dessas pe<;;as em parti- o lado-em que as fibras do caniQo sao mais fracas, com
cular e a maneira por que sao utilizadas. tendencia a faze-lo vergar-se ao próprio peso, quando,
A zarabatana é urna arma muito delicada e na sua· feíto o tiro em posi~ao Horizontal, tais fibras ficam vol-
fatura o índio púe extraordinário zelo. Constituída por tadas para baixo.
316 Gastáo Cruls

.Ainda para evitar que o longo cani<;;o perca a sna


-v-erticalidade, os índios guardam sempre as zarabatana8
cn1 posiQao horizon~al, amiúde suspensas de duas cordas
que, pendentes do teto da maloca, tem alQas nas st1as
pontas, por onde sao passadas as extremidades da ar1na.
Diga-se que durante todo o século XVI, conforine
len1bra N ordenskiold, sao bastante escassas as referen-
cias a zarabatana. Daí, esse autor concluir que, talvez,
só depois da migra<;;áo dos· Hianocotos-Umauás ou dos
Carijonas, da Guiana para o alto .Amazonas, foi que o
curar.e passou a ter considerável importancia em grande
parte .da .América do Sul.
.As setas,. com vinte a trinta centímetros de compri-
111ento, sao feítas com lascas de taquara ou como pecíolo
das folhas de algumas palmeiras, como a paxiúba, a pa-
tauá ou a inajá. Comas suas. pontas curarizadas nu1na
extensáo de dois a tres centímetros, elas tanto sáo guar-
d~das soltas dentro das aljavas, como depois de terem
'
PRANCHA XL - A esquerda, em sentido longitudinal, as extremi-
dades superior e inferior de urna zarabatana. Essa ~a, que no
sen tamanho natural tem 2,811n, pertenceu aos indios Ticunas, do
alto Sollmoes. (32 749 - Col. Mus. Nac.).
Ainda da esquerda para a direita:
Em cima: Potinho de ~arro, contendo c~rare. indios do rio Pa-
dauari, afluente do rio Negro (5 652 - 001. Mus. Nac.); e caba~a,
servindo também de recipiente a curare. ·tndios do alto Amazonas,
sem lndica~o precisa. (5 632 - Col. Mus. Nac.).
No centro: Carcaz para setas curarizadas, feito de fólhas de
palmáceas, t~~~io apensa uma bolsinha, Igualmente de fibra vegetal,
destinada a guardar o algodao com que se fazem as buchas para as
cestas. Pendente desta bolsinha, há um peda~o de maxilar de pira-
nha. tndios Jauaperis (2 571 - . Col. Mus. Nac.); outro carcaz con-
tendo setas, feito de um gomo de bambu, e tendo ao lado um cuieté, 1
de forma esférica, servlndo de depósito ao algodao. tndios Conlbos.
(2 582 - Col. Mus. Nac.).
Embaixo: Pali~ada de setas cura rizadas, protegidas por pe-
quena rodela de madeira. tndios da Guiana Inglesa, de acordo co1n
Im Thurn; e carcaz de tran~ado, tendo a ·s ua parte inferior revestida
de espessa. camada de resina. indios do rio Uaupés (3 527 - Col.
Mus. Nac.). · PR. XL
318 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 319
,.
sido rel1nidas a nlaneira de urna paliC1ada, por mei9 de léia, o seu conhecimento ter-se-ia estendido a Ai11érica
dois fios paralelos. Esse conjtmto, lembrando urna estei- Central, principalmente a Costa Rica, e mesmo a Amé-
ra, é enrolado a volta dé um pauzinho, na extremidade rica do Norte, mas aí, apenas e excepcionalmente, a sua
do qt1al, justamente para onde se acham voltadas as pon- parte sul, onde teve uso entre os Iroqueses que, convém
tas venenosas, exiRte urna rodela protetora, feita tan1- nao esqu~cer, foram primitivos habitantes da Flórida.
bém de madeira. Todo esse trabalhoso dispositivo nao Advirta-se, porém, que nessas partes da América outros
visa mais do que pou,pár o índio de possíveis acidentes tóxicos que nao apenas o curare. seriam empregados nos
quando lida com os trai<1oeiros dardos. Ainda por me- canudos de sopro. Na América do Norte, parece até que
dida de precáu<1iio alguns silvícolas, como os Camaraco- se usaram os dardos simples, sem qualquer veneno.
tos, só curarizam ·as suas setas .a partir de um ,ou dois Aliás, a zarabatana também surge como elemento cultl1-
centímetros da extremidade, e que destarte só poderao ral de outros povos. Assim, f oi largo o seu domínio na
ser nocivas quando penetrarem fundamente nos tecidos. ·rndonésia, de onde, como nome de sumpitan, que signi-
As aljavas, também chamadas patronas, que serven1 fica literalme~te canudo de sopro, chegou até Madagás-
de recipiente a essas mesmas setas, sao feitas de tecido car. U saram-na igualmente alguns indígenas da Pa-
de palha, revestido por f ora de resina ou verniz preto,
vegetal. Munidas de tampa circular, para a qual é apro- puásia, mas, aí, aoque consta, ela era sobretudo um ins-
veitado o couro forte da anta, quase sempre elas tem, ein trumento de diversao~
ponto grande, a forma de um copo para o .jogo de dados.
Aljavas desse tipo, que ~presentam melhor, acabamen- BIBLIOGRAFIA
to, pois nao raro ostentam graciosos desenhos geométri-
cos, sao as que provem da regiao do U aupés. J á o car- BATES (Henry Walter) - The Naturalist on the River Amazon.
caz dos Ticunas é cilíndrico ou quase cilíndrico, lembra11- Seventh edition. London, 1895. .
do bastante um coldre, que tivesse as suas bordas viradas CARNEIRO (Paulo E. de Berredo) - Les Príncipes Actifs du
Curare. ( "Anais d~ Academia BrasHeira de Ciencias". Tomo
para fora. XI. N,9 2. Rio de Janeiro, 1939).
A paina de Bombax serve para cht1n1aQar a extre-. CARREY (E.) - L'Amazone. Huit Tours sous f'Equateur. Paris,
inidade nao venenosa do dardo, antes que o mesmo seja 1856. •
·colocado na zarabatana. Essa espécie de hucha, ajl1s- CASTELNAU (Francis de) - Expédition dans .les Parties Centrales
tada perfeitamente ao cano, tem por fim comprimir o de f'Amérique du Sud. Histoire du Voyage. Paris, 1850-
ar que, ao. sopro do atirador, produz o arremesso da seta. 1851.
Resta-nos falar na utilidade do inaxilar de piranha. CosTA (Oswaldo de A.) e FARIA (Luiz) - A Planta que faz So-
nhar. O lagé. Rio, 1936.
Este, com a sua afiada serrilha de ·dentes, é aproveitado
CREVAUX (J.) - Voyages dans f'Amérique du Sud. Paris, 1883.
para f azer ental hes na haste do dardo de tal modo ql1e
FARABEE (William Curtis) - lndian Tribes of Eastern Peru.
ele, ªºpenetrar no corpo do animal, se qt1ebre fácilme11- Cambridge, Massachusetts, U.S.A., 1922.
te, deixando apenas na ferida a ponta envene~ada. FARABEE (William Curtis) - The Central Arawaks. Philadel-
J á dissemos que o complexo do curare _parece ter phia, 1913.
tido berQo na floresta guiano-norte-amazonica, coro disse- GIL (Richard C.) - White }Vater and Black Magic. New York,
mina<;ao de oeste para leste, dado que os Aruaques e os 1940.
Caraíbas só dele se utilizaram secundarian1ente. Da Hi- GuMILLA (Joseph) - Historia del Orinoco. Madrid, 1791.
320 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 321

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Hiléia Amazónica 323
,.
para secá-lo ao abrigo das inte1npéries, e depois també1n
bom fogo, para coze-lo conveniente1nente. E tudo isso
feito nurna seqüencia irrevogável, sempre com desvelada
aten<}ao. Se ·a massa nao for bem homogenea e nao tiver
CERAMICA MODERNA certa consistencia, o pote nao tomará feitio; se o calor
nao f or uniforme, a louQa es talará. Sendo assim, se
mesmo para o vasilhame mais simples nao há fugir a es-
já fizemos sentir no capítulo referente a Ar-
e OMO
queología, o solo extremamente 1ímido da Hiléia
nao.permitiu chegassem até nós as obras de tranQa-
do e plumária realizadas por aqueles mesmos índios que
ses cuidados, como pensar no supérfluo, nos caprichosos
desenhos geométricos, nas belas decoraºóes em champ
levé, nos arroja.dos adornos esculturados que fizeram a
glória daqueles que, trabalhando com tranqüilidade, ·pu-
tanto se destacaram na arte cerfuni ca. Todavía, pode-se deram dar livre curso ao seu temperamento artístico~
pensar que os seus tr~balhos de espártaria e os seus ador- Pense-se também que o material ceramico, devido a sua
nos de pena f ossem mais ou menos semelhantes, isto é, f ragilidade, é dos mais dif~ceis de ser transportado, e·
sem nenhum grau de superioridade, aos que ainda hoje ter-se-á a fácil explicaQao por que o ameríndio de hoje,
sao executados pelo silvícola amazonense. Mas se isso é ainda e sempre um bom ceramista, pois que o domínio do
de presumir, o mesmo já nao acontece em relagáo a cera.- barro lhe vem de longe, tanto se descurou da pintura e
mica moderna que esta, em verdade, está longe de atin- ornamentaºªº da maioria das peQas que lhe saen1 das
gir, tanto nos seus caracteres morfológicos como nos de- maos, mais como utensílios indispensáveis aos seus usos
corativos, a perfectibilidade e a beleza a que .nos habi- domésticos do que como objetos de arte para deleite da
tuaram os achados das velhas civilizaQóes extintas. alma e regalo dos olhos.
Aliás, pela mesma razao por que os trabalhos de Se nos dias que correm ainda poderemos encontrar
tranQado e de plumária podem ter-s~ conservado os mes- algumas tribos que se esforQam por manter a tradiQfio
1nos desde tempos imemoriais, a arte ceramica, por urna da bela ceramica, elegantemente conformada e artistica-
série de eontingencias, há de f orQosamente ter decaído mente decorada, essas, pelas suas condiQóes de vida, lon-
desde que o íncola; com a chegada dos europeus, passou ge de desmentirem o que vimos de dizer, apenas confir-
a viver em peri:p.anente desassossego e, constantemente mam o nosso ponto de vista. 'rodas desf.rutam de certa
perseguido, nunca mais soube se no dia seguinte amda tranqüilidade, quer porque habitam regióes bastante re-
ocupa.ria a sua maloca da véspera. condita.S e onde dificilmente serao importunadas pelos
Ora, se um cesto de talas ou um enfeite de plumas brancos, quer porque já foram mais ou menos assimi-
pode ser iniciado e interrompido a qualquer tempo, sem lad:;:ts por esses mesmos brancos e com eles vivem en1 re-
prejuízo do seu acabamento ulterior, e esse trabalho pode lativa paz.
ser f eito tanto aqui como ali, até mesmo durante urna Do primeiro caso, ternos um exemplo nos índios do
viagem em canoa, tal nao sucede com a arte <lo oleiro que alto rio Negro e seus afluentes, onde Koch-Grünberg,
está a. pedir horas seguidas de paciente labor, em pouso entre tribos do U aupés e do IQana, preferentemente ·do
fixo, onde se prepare o barro, modele o vaso, haja lugar grupo Aruaque, como o~ Tarianas, pode admirar mag-
níficas p~gas de ceramica, que tanto se recomendavam
322 pela graciosidade dos. seus contornos como pelo esmei;a-

324 Gastáo Cruls

do acaba111ento dos set1s desenhos e pinturas. E é aí, nas


páginas do grande etnólogo, que se detém ero.minuciosa
descriQao de todas as fases do trabalho de urna mulher
entregue a confecQao de um vaso, que haveremos de ver
o te1npo, a paciencia e a habilidade exigidos de urna tal
artista.
Excetuados os desenhos incisados e os -0rnamentos
escultt1rados, nas suas linhas gerais essa louQa moderna
do noroeste amazonico ainda se conserva fiel aos melho-
res canones da velha arte ceramica ameríndia. Assim,
ao set1 barro, para que se torne mais consistente e menos
friável, também se ajuntará a cinza da casca de urna
árvore, no caso presente o caraipé, urna Bignoniácea; as
paredes do vaso também seráo levantadas pelo mesmo
processo dos cilindros de argila em superposiQao heli-
coidal; a peQa, só depois de bem seca ao sol, é que será
})ii1tada e depois cozida ao f ogo; os desenhos, em que pre-
don1inam OS motiVOS geométricos, também serao inspira-
dos lla pad·r onagem dos tranQados; a decora~áo dar-se-á
fixidez e brilho por meio de um ulterior envernizame11-
to, conseguido quer por meio de sucos vegetais, como o
leite do cumá ou· do ·umari, quer pela aplicaQao sobre a
superfície da peQa, quand~ ainda quente, de urna leve
camada de resina pulverízada. Como se ve, tudo isto
anda bem perto do que se deveria fazer nos bons tempos
de l\'Iarajó.
Richard Schomburgk, durante as .suas viagens pelo
interior da Guiana Inglésa, em meados do século passa-
PRANCHA XLI - Alguns exemplares da cera.mica moderna,
que ainda hoje se pratica na Amazónia. Em cima, está um 'aso,
pertencente a cole~ao do autor, e que lhe foi oferecido ero l\:Ianaus
com a indica~ao bastante vaga de que fóra feito por índios do rio
Negro. No centro, dois vasinhos de proveniencia Pano. O da
1

esquerda é atribuído aos Xamas (28 838 - Col. Mus. Nac.) ; e o


da direita aos Conibos, do rio Pachitéia (30 427 - Cól. Mus. Nac.).
Embaixo, cera.mica dos Caxibos, do alto Ucaiale. (30 294 - Col.
· l\1us. Nac.). PR. XLI

326 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 327

do, ainda pode apreciar magníficas pe~as de cer3.mi-


ca executadas por mullieres de tribos do grupo Aruaque BIBLIOGRAFIA
e que pela beleza de suas· 1inbas e equilibrio de seus de-
FARABEE (William {:urtis) - lndian Tribes of Eastern Peru.
senhos geométricos lhe traziam a lembran~a os velhos Cambridge, Massachusetts, U.S.A., 1922.
modelos etruscos. KocH-GRÜNBERG - Zwei /ahre Unter den Indianern. Berlim~
E agora passemos ao segundo caso, aquele dos ínco- 1909-1910.
las que, já em contacto amistoso com a nossa civiliza~ao, MEILLET (A.) et CoHEN (Marce}) - Les Langues du Monde, par
encontram certa tranqüilidade para se dedicarem mais un Groupe de Linguistes. París, 1924.
confiadamente a delicados trabalhos de ceramica. Des- ScHOMBURGK (Richard) - Travels in British Guiana. Transla-
tes, ternos um exemplo bem típico entre as tribos do gru- ted by W alter E. Roth. Georgetown, 1922.
po·Pano, que vivero na regiao fronteiri~a brasil.o -perua- TESSMANN ( Günther) - Die I ndianer N ordost-Peru. Hamburg,
1930.
na, as margens do Hualaga, U caiale e· Pachitéia, e en~re TESSMANN ( Günther) - Menschen Ohne Gott. Stuttgart, 1928.
os quais, como notáveis ceramistas, se distinguein os Xa-
mas e os Conibos, embora os Caxibos, Sisibos, Setibos
e outros, todos da mesma familia, ainda nesse terreno,
mere·Qam também ser elogiados.
Infelizmente, a ceramica desses índios já se acha
. bastante industrializada e as suas pe~as hoje mais en-
contradi~as raramente atingem a perfei~o de .algumas
dáquelas que s~o reproduzidas a cores nos livros. de Gün-
ter Tessmann sobre a etnologia do nordeste peruano.
Na decoraQao do vasilhame Pano predomina o fundo
b!anco nacarado, a que já nos referimos falando das
tangas de Marajó e.de potes de Miracangüera, e sobre o
qual, em preto e vermelho, aparecem delicados desenhos
feítos a tra~o fino. Para Tessmann, toda essa ornamen-
taQao gira em torno de um motivo único, que é a represen-
taQaO da figura humana, allás, já táo estilizada que difi-
cilmente se tornará reconhecível.
Mais acima citamos particularmente os Xamas e os
Conibos como grandes ceramistas. Ainda pairam dúvi-
das sobre o grau de parentesco entre estas duas tribos.
Para alguns os Co~bos sao apenas um subgrupo
dos Xamas, que tamb.ém abrangeriam os Sisibos e os Se-
tibos, todos de origem Pano. Para outros, os Xamas sao
do grupo Tacana, ou ainda um mero produto de acul-
turaQao onde se evidenciaria grande influencia Aruaque.
Hiléia Amazónica 329

vável origem oriental, viriam em apoio daqueles ql1e


acreditam que, muito antes de Colombo, barcos feníciog
ou normandos teriam chegado até as costas do Novo
}.{undo.
TRABALHOS DE MIQANGA Mas nao é a essas pérolas, de taµianho grande e fei-
tas numa pasta de vidro ao mesmo tempo bra~ca, azul e
quer que pouco versado em cousas de etnogra- vermelha, que nos queremos referir. As mi~angas disse-

Q
UE:!\1
~ia examine pela .primeira vez qualquer artefato
1ninadas entre os nossos atuais aborígines sao as de tipo
. in~ígen~ feito com miQangas, seja tanga, braQal ou 1niúdo, cada pérola de urna só cor, e que se prestam ad-
pulse1ra, u:~ed1atamente poe em dúvida que tal trabalho miravelmente a composiQaO dos seus delicados adereQ(.)S.
possa ter sido executado por gente que, as vezes, nunca E justamente porque se trata de quinquilharia re-
teve o menor contacto como civilizado. E há razao para lativamente recente, ~ó aquí introduzida depois da des-
.isto. Em pri;meiro lugar, .espan~a desde logo o emprego de coberta, elas, quando ~ncontradas dentro de urnas fune-
contas de v1dro, das ma1s variadas .cores e as vezes de rárias, como já aconteceu nas grutas de Maracá, servi-
forn1atos diferentes, e que, na verdade, só poderiam' ter ram como elemento de prova de que essas peQas eram pos-
chegado as máos do silvícola através do homem branco. teriores a Cabral.
Por outro lado, há também como motivo de surpresa a Como é muito freqüente entre os índios a especiali-
.a rte co1n que ~ao aproveitadas essas mesmas miºangas zaQáo em determinados generos de indústria, dedicando-
para a confecQao de desenhos perfeitan1ente geométricos se uns ao preparo da ceramica, outros ao das zarábatanas,
. . . '
·q uase se1npre gregas, esp1ra1s, e outros motivos decora- ainda outros ao do curare, e assim por diante, é de habito
iivos que se repetem no mais puro estilo clássico. ent~e eles ~a grande ..atividade de tr.ocas, para o que nao
Vejamos, porém, como, com alguns conhecimentos raro empreendem longas viagens. Destarte, expp.ca-se
tudo isto se esclarece. ' como objetos de longínqua proveniencia, passando de ináo
. A . 1~iQanga, porque muito apreciada, se1npre foi ob. . en1 máo, possam chegar a indígenas que jamais · trata-
Jeto de intensa troca comos povos primitivos. Assim ram co1n os seus fabricantes ou, em caso de manufaturt\
já no século XIII, Marco Polo espalhava-a em abundan~ exótica, com os alienígenas que os puseram em circul~Qáo.
cia pelo coraQáo da Ásia. De igual nlodo, os conquista- E é este o caso das miQangas que, de fácil transporte e
dores espanhóis e os nossos portugueses nao tardaram após atormentadas viagens, puderam chegar até tribos
-e1n difundí-la entre os ameríndios. que vivem em paragens remotas e no mais completo se-
Há mesmo certas pérolas de vid.ro, encontradas em gregamento. E onde elas nao chegam, os índios, como
antigas sepulturas, na América do Norte México e tam- já o fariam antes de 1500, conse~em perfeitos enfiados,
bé1n aqui, entre. nós, no Rio Grande do Sul que consti- para a realiza~áo de suas tangas e outros adere~os, apr.o-
tue111 verdadeiras preciosidades arqueológic~s e tem da- veitando as inúmeras sementes. de que podem lanQar mao.
Ape11as, as pérolas de . vidro, já pérfuradas e de várias
do motivo a muita controvérsia. Estas pérolas, em tudo
cores, nao só muito lhes facilitaram o trabalho,.como ain-
semelhantes a outras de reconhecida antiguidade e pro-
da bastante háo de ter contribuído .para o desenvolvi-
328 mento dos seus motivos ornamentais.
330 Gastáo Cruls

E é chegado o momento de dizer alguma cousa a res-


peito dos desenhos geométricos que predoID;inam ~orno
decoraQáo nesses objet~s feítos com a utilizaQao de
contas.
.A admiraQao que os mesmos despertam pela perfeita
regularidade das suas linhas, já fora pretexto para mui-
tas cogitaQóes quando comegou a ser conhecida e estu-
dada a admirável ceramica de Marajó. Nessas pegas
também aparecem, conio principal ornamento, gregas,
volutas e meandros, de fino lavor artístico, e em tudo
iguais aos harmoniosos frisos que decoram ce:rtos vasos
da mais bela antiguidade grega.
Daí haver logo quem quisesse entroncar os nossos
ameríndios as mais cultas civiliza~óes d-o Oriente.
Sabe-se hoje, entretanto, que o desenho -regular e
simétrico é realizagáo precoce no desenvolvimento das
artes plásticas e a ele chegará, independentemente de
influencias estranhas, qualquer povo que se preocupe
com a decora~ao artística.
Mas de tudo isso já tratamos com mais cuidado ao
falar justamente da cera.m ica de Marajó e, assim, pare-
ce-nos dispensável insistir sobre o mesmo assunto.
Diga-se apenas que devido A riqueza de cores que
lhes proporcionam as mi~angas, ainda maiores do que nos
trabalhos de ceramica sao os efeitos. decorativos conse-
guidos pelos índios ao executar os seus desenhos lineares
com contas de vidro.
Os artefatos de mi~anga, cuja confec~áo está afeta
as mulheres, constituem também pertences de toilette e
adere~os preferentemente usaP.os pelo sexo f eminino.
Pelo menos, assim acontece em rela~ao as vistosas tan-
gas tao em uso entre os Caraíbas e Aruaques das Guianas
e margem esquerd~ do Amazonas e que nunca foram vis-
tas trazidas pelos homens. .Aliás, parece que as mulhe-
PRANCHAXLII - Apresenta urna bela tanga de india Piano--
coto, ornamentada com sementes de urna Anonácea. Ainda aqui
se pode observar a preferéncia pelas contas azuis. A ~ per-
tence A col~o do autor.
332 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 333

"
res sempre tiveram um esmero todo especial no pre1)aro Isso, entretanto, só se observará· entre as tribos mais
dos apetrechos com que "escondem o cofre Q.os deleites atrasadas, urna vez que pelos trabalhos de plumária e jus-
da ternura", para nos aproveitarmos de urna deliciosa tamente por esses de mic;angas de que nos ocupamos
frase de Baena. J:Iaja vista o artístico babal n1arajoara, agora, verifica-se que a maioria dos nossos silvícolas náo
o uluri das índias do Xingu e as tangas de vidrilhos, a só joga admiravelmente comas cores, como até lhes dis-
que nos reportamos agora, e conhecidas na Guiana In- tingue os mais delicados matizes. Observe·-se, a este pro-
glesa e no alto rio Negro por cueio, conforme consignarn- pósito, a tanga que figura na nossa estampa XLII, e na
Im Thurn e GonQalves Dias. Apenas o ingles grafa qual estáo perfeitamente separados os dois tons de azul
queyu. Será un1a corru1)tela do nosso c1teiro levado até em que se divide o seu corpo central azul-turquesa em-
tao longínquas paragens pelos portugueses 1 Essas tan- baixo e azul mais claro em cima.
gas sao tecidas num bastidor especial, de contorno acam-
panulado, e f eito com o al1xílio de duas -varas flexíveis. Entre as tribos que usam tangas de mic;ang.a s ( espé-
E1nbora raras, há tribos, contudo, em que os adornos cie de pequeno avental pendente do baixo ventre. até o
de contas figuram principalmente na indumentária n1as- meio das e.oxas e atado a cintura por u~ delgado··cordel),.
culina, como acontece comos Curuaés e os Xipaias, ín- até as meninás nao as dispensam e, por isso, esses cache-
dios do Xingu, visitados pela Dra. Emília Snethlage. sexes, sempre do mesmo formato de um trapézio isósce-
Enquanto as mulheres dessas tribos se contentam le, sao feitos dos mais variados tamanhos.
com grosseiras tangas de pano, os seus homens trazem A despeito de caprichosamente desenhadas e ale-
un1 largo cinto de contas azuis, que lhes cinge estreita- gremente coloridas, niuitas índias ainda enfeitam suas
1nente o ventre e a parte superior dos quadris. Além tangas com franjas e penduricalhos em que náo raro se
disso, USam também a volta do peSCOQO inúmeras fieiras reúnem sementes de frutos, asas de in setos, dentes e até
de contas azuis e brancas, que, por vezes, dada a sua abun- chapinhas de metal. E tudo isto, a maneira de guizos,
dancia, chegam a constituir llln grosso colar com alguns chocalha enquanto .elas andan1.
centí1netros de espessura.
Outro adorno de contas também apreciado pelos- ho-
n1ens é un1a bra~adeira que reveste inteiran1ente o braQo, BIBLIOGRAFIA
estendendo-se da axila a prega do cotovelo. Vimo-la em
BAENA (Antonio Ladislau Monteiro) - Ensaio Corográfico sobre
uso entre alguns índios Pianocotos, do vale do Tron1be- a Provincia do Pará. Pará, 1839.
tas, e, coincidencia curiosa, era também bordada a con- CAMINHA (Pero Vaz de) - Carta a El--Rei D. Manuel escrita dB
tas azuis. llha de Vera Cruz em J.9 de Maio de 1500. Babia, 1900.
Aliás nao passou despercebida de alguns viajantes CHILDE (A.) - Carta ao lns.tituto Histórico e Geográfico do Ma-
a preferencia que muitos dos nossos índios dao as mi- ranháo sobre Pérolas de Vidro · - ditas Fenicias. ( .. Anais
~angas azuis, talvez porque verdes e azuis eram as pe- da Academia Brasileira de ·Ciencias". Tomo 11. N.9 3. 1930).
dras usadas nos seus antigos tembetás e inuiraquitas, a CouoREAU (H.) - La France Equinoxiale. 2 vols. Paris, 1886.
que sempre emprestaram subido valor. CRULS ( Gastao) - A Amazonia que Eu Vi. Rio de Janeiro, 1930.
Diz-se qt1e certos ameríndios, tal como sucede com D1As (Antonio Gon~alves) - Rel~tório E. ( Apenso ao Relatório
alguns povos africanos, nao distinguem o azul do verde do Presidente da Prov1ncia do Amazonas, Manuel Clementino
e ten1 urna só palavra para designar essas d,uas cores. Carneiro da Cunha, 1861).
334 Gastao Cruls

"
EHRENREICH (Paulo) - A Segunda Expedifao Alemá ao Rio
X ingu. ( "Revista do M useu P aulista". Tomo XVI. 1929) .
GoELDI (E. A.) - O Estado atual dos Conhecimentos sobre os
Indios do Brasil', essencialmente sobre os lndios da· Foz do
Amazonas, no Passado e no Presente. ( "Boletim do Museu
Paraense". Tomo 11. Fase. 1..4. Pará, 1897... 1898).
lM THURN ( Everard F.) - Among the I ndians of Guiana. Lon.-
don. 1883.
MARQUEZ (Carlos Cuervo) - La Percepción de los Colores en
Algunas Tribus Indígenas de Colombia. ( "Anais . do XX
Congresso Internacional de Americanistas", realizado no Rio
de J aneiro em agosto de 1922. Vol. l. Rio de Janeiro, Im--
prensa Nacional, 1924).
SIMPSON (Dr. George Gaylard) - Los Indios Kamarakotos.
("Revista de Fomento". Ano 111. Ns. 22--25, Marzo a Ju.-
nio, 1940. Ministerio de Fomento. Venezuela).
SNETHLAGE (Dra. Emília) - A Travessia entre o Xingu e o Ta-
pajós. ( "Boletim do Museu Goeldi". Tomo VII. Pará,
1910).

PRANCHA XLIII - Em cima, urna pequena tanga felta por in-


dios do alto rlo Negro, provavelmente do grupo Tucano. i.~ de notar
que os seus ornatos t~m como motivo, várias vezes repetido, a esti-
llza!;Ro de um animal, evidentemente a on~a, o que constitui fato
bastante raro em trabalhos desse género, que quase sempre os-
tentam desenhos geométricos. Embalxo, aparece urna delicada pul-
seira executada pelos indios Arecunas, do sopé do Roroima. Am-
bas as ~as pertencem ao autor. PR. XLIII
Hiléia Amazónica 337

pre usadas como diadema, feitas com os élitros de um


grande Buprestídeo, o Euchroma gigantea, vulgarmente
conhecido por mae-do-sol ou olho-do-sol. Este inseto,
.c ujas asas tem brilho metálico com reflexos irisados
COLARES que váo do verde-vivo ao vermelho-purpurino, é bastan-
te comum na regiao das Guianas e noroeste da nossa
Amazonia, e dele se utilizam muito as tribos dorio lJau-
de muito bom gosto e atilado engenho dá o nos- pés. Outro coleóptero, que f ornece belo enfeite para co-
P ROVAS
so silvícola na escolha e aproveitamento do material
que o cerca, para a confec~ao dos seus adornos. De
tudo se serve ele como enfeite e nos tres reinos da na-
lares e diademas, é o gigantesco Dynastes hercules, com
longo chifre sobre a regiao cefálica.
Roquette-Pinto, na sua Rondonia, destaca também
tureza encontra sobejos elementos com que decorar os as lindas pulseiras que as índias N ambiquaras f azem co1n
seus colares e braceletes. os anéis da cauda do tatu-canastra.
Se o muiraquita, a que já nos reportamos páginas A rica flora amazónica, com incontáveis sementes
atrás, é boje peQa arqueológica, nos dias atuais os índios de forma e colorido diversos, comas suas cascas de coco,
do alto rio Negro ainda trazem, pendurados ao pescoQo, e variados tipos de taquara e gravetos, é outro nlanancial
pesados cilindros de quartzo branco, a que muito esti- a que o aborígine recorre com disce1'}imento, dela reti-
mam e que, de acordo com seu tamanho, exprimem vários rando abundante material de ornamentaQao.
graus de nobreza. E há razóes para que esses ornamen- Se e.sses elementos, fornecidos pela fauna e pela flo:.
tos sejam tidos em táo alta conta. O mineral de que sao ra, quase sempre sao aproveitados tal como se aprese11-
feítos parece provir de regióes bastante afastadas, talvez tam na natureza, em alguns casos o índio deles apenas
da falda dos Andes. Além disso, conformar eni cilin- se serve como matéria-prima que afeiQoa a seu talante e
dro e perfurar pedras tao duras, sem utensílios apropría- no que dá provas de apurado senso artístico. Assim
dos, é tarefa que requer anos e mais anos de porfiado · acontece com bichinhos, pássaros, ras, tartarugas e ja-
labor.
Ainda na hacia do rio Negro, sobretudo para as carés, que esculpe no endocarpo ósseo· dos frutos de cer-
crian~as, f azem-se enfiados de seixinhos mais modestos,
tas palmeiras, como a tucuma e a bacaba. N esse tra-
pacientemente perfurados, e. que preenchem o papel das balho muito se distinguiram os índios Ticunas, confor1ne
contas de vidro, quando estas lhes faltam. se pode ver por um dos colares que aparecem na nossa
Do reino animal, mostra-se variadíssimo o material estampa. Do nácar de certas conchas fluviais, outros
de que se aproveita o indígena.; dentes e unhas de mamí- índios recortam discos e triangulos que depois vao guar-
feros, ossinhos de aves cortados em pequenos fragmen- necer colares e pulseiras. Na regiáo do Caiari-Ua11pés,
tos, bicos e penas também de aves, substancia córnea dos sao comuns as figas rasgadas na carapaQa do jabuti e
tubos dessas mesmas penas, costelas de cobra, conchas e que ornam o pescoQo das crianQas.
caramujos, rostros e asas de besouro. Mas nao é só do que lhe oferece a natureza, que se
Entre esses adereQos, merecem especial menQáo, aproveita o índio. Qualquer objeto que lhe tenha sido
pelo vistoso efeito que produzem, as fieiras, quase sem- trazido pelo civilizado; desde que apresente qualidades
336 decorativas, passará logo a ser incorporado aos seus en-
338
,.
Gastáo Cruls
'.
.feites. Nao é raro, por isso, encontrarmos nos seus e11-
fiados, ao lado de sementes, conchas e dentes, ~hapinhas
de metal, moedas e até cápsulas deflagradas de arma de
f ogo. Simpson viu mesmo, entre os Camaracotos da
Venezuela, um apontador de lápis, entre os ornamentos
que pendia1n de um colar.

BIBLIOGRAFIA

KocH--GRüNBERG - lndianische Frauen. ("Archiv für 'Anthro--


pologie". Neue Folge Band VIII, Heft 1 und 2. Braun-
schweíg, 1909) •
KocH--GRÜNBERG - .Zwei /ahre unter den lndianern. Wasmuth.
Berlin, 1909--191 O.
RoDRIGUEs. (J. Barbosa) - L'Uiraery ou Curare. Br.u xelles, 1903.
RoQUETTE--PINTO (E.) - Rondónia. Terceira edi~áo. Sao Paulo,
1935.
~------------------------------------------------------·~
PRANCHA XLIV - Aqui se reúnem tres ader~os de pro,·e-
niencia diversa e que bastante se afasta1u pela natureza · do ma-
terial com que forarn f ei tos. • •
Em cilna, está um colar que pertenceu aos indios Parintintins.
É ~a heteróclita e na qual figuram os 1nais variados elementos.
Caramujos fluviais, da família Orthalicidae, sementes grandes e
pretas, pr<;n·avel1nente de u1na L-egu1ninosa, cápsulas inetálicas de ri-
fle 44, e alguns coquinhos de difícil iclentifica~ao. Esse é o material
que aparece entre os seus pingentes. No colar pr9priamente dito,
composto de tres ordens de fios, veen1-se mi~angas ele cor, contas pre-
tas feitas coro casca de coco e cilindros de osso tubular, se1u dúvi-
da de ave. Esta bela pe~a pertence ao nosso a1nigo Sr. A.mérico Facó,
a quem ficamos de,·enclo a gentileza ele poder aquí reproduzi-la.
No centro aparece 11111 colar dos Ticunas, daqueles a que já
nos referimos e no qual, eútre se1nentes de tenteiro (genero Ot·-
niosia), se Yee1n graciosas representa~oés de aYes esculpidas na
drupa óssea de cocos. (30 35~ - Col. :\Ius. Xac.) . .
Por último, ternos um colar, ou melhor,. diade1na, dos indios do
Uaupés, alto rio Negro. É urna fieira de élitros do belo Buprestideo
Euchronia gigantea, já assinalado. As asas · desse coleóptero, de
n1atizes entre o verde e o roxo, apresentam brilho 1netálico e cam-
biante, de aéordo con1 as incidencias da luz. (~32 - Col. ~1us. Nac.).
PR. XLIV
340 Gastáo Cruls

S1MPSON ( George Gaylord) - Los Indios Kamarakotos. ("Re-


vista de Fomento", Ano 111. Ns. 22-25. Marzo a Junio, 1940.
Ministerio de Fomento. EE. UU. de Venezuela)".
WALLACE (Alfred Russel) - Travels on the Amazon and Rio
Negro. Fifth edition. London, 1895.
ARTE PLUMÁRIA
WASSEN (Henry) - T he F rog-M otiv among the South American
lndians. ( "Anthropos". Tomo XXIX. Fase. 3-4. Maio-
ágosto, 1934).
s vistosos, feítos com penas de aves,
O ORNAMENTOS
f oram sempre dos mais estimados pelos amerín-
dios. Entre certos povos, como, por exemplo, os As-
tecas, a arte plumária atingiu perfeic.;ao incomparável.
Diz~se mesmo que a célebre bula de Paulo III, buscando
por cobro as atrocidades praticadas no Novo Mundo con-
tra os aborígines, teria sido expedida depois que as máos
do Soberano Pontífice haviam chegado alguns daqueles
famosos mosaicos de pluma em que se notabilizaram os
antigos habitantes do Anauaque. EsclareQa-se que, já sob
as vistas do conquistador espanhol, os artífices, nos tra-
balhos remetidos para a Itália, tinham substituído os sel1s
truculentos deuses por st1aves figuras do hagiológio
cristao. ·
Poder-se-ia supor que esse gosto pelo enfeite de pe-
nas nao fosse m~is do que urna conseqüencia da riqueza
e variedade da ornitofauna americana, se nao soubésse-
mos que os silvícolas da Austrália, dispondo também de
aves magníficas, nunca se le1nbrara1n de aproveitá-las
para fins sen1elhantes. Assim, a arte plumária já é un1
índice de civiliza<;ao, evidenciando certo nível cultural
que nem sempre f oi atingido por outros povos primitivos.
Possivelmente, de início, esses adornos, quando cor-
porais, traíam apenas o desejo, experimentado pelo ín-
dio, de guardar sobre si e ostentar aos olhos dos ot1tros,
os seus troféus de caQa, e daí o enfeite de penas ser un1a
prerrogativa do hornero. Mais tarde, porém, co1n a per-
feiQao da técnica e a multiplicidade dos artefatos assim
'\
preparados, passaram, em determinados casos, a orde1n
de insígnias, apontando guerreiros valorosos ou chefes
341


342 Gastáo Cruls
"
respeitados. Pericot diz que, entre ·os peles-vermelhas,
os ornamentos de penas, de acordo co1n o seu. f eitio, ta-
manho e combinaQao das cores, contavam as faQanhas de
quem os ostentava, como número dos inimigos mortos
por ele e maneira por que os tinha sacrificado. De igual
modo, nao haveria turbante de 1/Iontezuma que nao trou-
xesse o emblema de sua nobreza: as lindas plumas verdes
do quetzal; nem capacete de Ataualpa que dispensasse as
arrogantes penas do coraqúenque.
Mas olhemos mais para o ·Brasil e, principalmente,
para -a Amazonia, que é o centro de convergencia das
nossas observaQoes, embora, por vezes, a título compara-
tivo, tenhamos que alongar a vista até pontos mais dis-
tantes.
Ainda que com variantes, mais desenvolvida aqui,
menos ali, a arte plumária se1npre rnereceu desvelado ca-
rinho dos nossos indígenas, que ·nela encontravam o prin-
cipal elemento de sua tao sumária quao caprichosa ind11-
mentária. .A.liás, f oi esse um dos aspectos que mais im-
pressionaram os primeiros visitantes da nossa terra, a
come<;ar pelo que se le na carta de Pero V az. Diz o
missivista, descrevcndo os pri1neiros índios com que teve
contacto a gente de Cabral: " ... e huum de elles trazia
por baixo da solapa de. fonte a fonte .e pera detras huila
ma11eira de cabeleira de penas d'avé amarella, que seria
de comprida1n de um couto n1uy basta e muy Qarada, que
lhe cobria o toutuQo e as orelhas a qual andava pegada
nos cabelos pena e pena coro huíía confei<;am branda
coma cera ... "; e mais adiante: "cheio de penas pegadas
pelo corpo que parecía aseetado coma Sam Sebastiam;
outros traziam carapu<;as de penas amarellas, e outros
e
de penas vermelhas, outros de verdes ... " Hans Sta-
den, prisioneiro dos Tupinambás, viu-os muitas vezes
PRANCHA XLV - Urna coifa-rnantelete dos indios Mundurucus.
É das mais ·b elas ~as do lVIuseu Nacional, onde está catalogada
sob o n.~ 572. Destinada a adulto tem, do alto da cabe~a a franja
preta terminal, 56cm de comprimento. PR. XLV
344 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 345

afastarem-se por muitos dias, a fim de irem procurar as chrus pavon,inus, o G_yanerpes cyaneus cyaneus e a peque-
flamejantes penas dos guarás. Esses mesmos índios che- 1íina Pipra iris iris. E isso vem demonstrar como é
gavam a manter viveiros em que dispusessem mais amao apurado o gosto desses silvícolas.
de a ve tao necessária a seus adere<_;os, do mesmo modo Mas mesmo s_em chegar a perfei<;áo dos U rubus, cu-
que silvícolas do Madeira ainda hoje, visando ao mesmo jos adornos prímam nao só pela vivacidade e contraste
fim, f azem cativo o imponente gaviao-real ou harpía, o dos matizes, como pela delicadeza do seu acabamento, a
maior dos nossos rapineiros. plumária de outras tribos nao pode ser esquecida. En-
Parece que ao grupo. Tupi coube entre nós o maior tre os Tl1pis, citemos ainda os Oiampis, do J ari; Tem-
esmero nos trabalhos de arte plnmária e, para isso, se1n bés, do Capim; e Anetos, Jurunas e Camaiurás, do Xin-
dúvida, há de ter concorrido o ~eu precoce apropriamen- gu. Dos Caraíbas, os Araras; Apalaís e Macuxis. Ain-
to de tecelagem coro fio de algodao. Assim, grande nú- da que mais distantes e já de grupo isolado, pedem tam-
mero dos seus adornos era f eito sobre f aixas e redes de bém referencia os Bororos, que com seus diademas de
tecido, enquanto em outros grupos sáo dominantes os or- penas azuis, de arara, criaram urna caracteriza~áo pró-
natos sobre tran<;ado de fibra ou arma~áo de palh8<, como pria, verdadeiro estilo da tribo, para nos servirmos de
acontece com tribos do alto río Negro e Guianas. · tuna feliz expressáo de Raimundo Lopes; como, talvez,
As coifas coro tapa-nuca e os mantos que desciam os ornamentos em que predominem os tons verdes sobre
até a cintura e mais, ainda podem ser encontrados entre fundo vermelho acusam urna origem Maué.
os Mundurucus e, possivelmente, os Maués e os Apiacás, De igual maneira, h6, de se pensar nos Carajás ao
tribos Tupis do vale do Tapajós, um dos principais focos ver adornos que se abram em leque sobre a cabe<;a; como
em que se mantém viva a melhor tradi<láO da bela arte aos índios do Uaupés estará sempre ligada a idéia de de-
plumária. licadas aigrettes ql1e, q11ando lan<;adas pela moda de Pa-
Hoje, porém, em trabalhos. do mesmo genero, talvez ris, quase despovoaram os gar<;ais da Amazonia.
sobrepujem a todos os nossos ameríndios, outros Tupis,
Diga-se q11e, anteriormente, no século XVIII, tam-
os Urubus, do Maranháo, conforme ressalta Raimundo bém foi muito exportado para a Europa o célebre papo- ·
.Lopes numa das suas memórias e sáo-prova concludente·
as magníficas pe<las que ele conseguiri reunir para o Mu- de-tucano, mais tarde lima d~s gorjeiras mais vistosas
seu Nacional. Esses índios, mais exigentes do que quais- no gu~rda-roupa de Pedro I.
quer outros na procura do material a ser empregado nos Mas seja de que tribo for, qualquer índio quando
seus artefatos, além das penas de arara, papagaio, tu- completamente ajaezado, coro capacete, tanga, colares,
cano, gavióes, guarás, habitualmente em uso, lan<lam braceletes, ligas e ornatos nasais, labiais e auriculares,
mao de um variadíssimo número de aves, escolhidas en- isto é, coberto de penas da cabe<;a aos pés, tero qualquer
tre as mais notáveis da regiáo, como cotingas, surucuás, T cousa de urna ave caprichosamente colorida e talvez pos-
saís e uirapurus, de cujas penas iridescentes ~onseguem sa causar inveja a muitos seres realment~ emplumados.
adornos que sáo verdadeiras jóias. Merece ser assinala- Já observamos que o adorno de penas é um privi-
do que algumas dessas aves contam justamente entre légio masculino. As mulheres, quando muito, conte:il-
aquelas que, após rigorosa sele<láo, apontamos como das tam-se coro o mosaico de penas, também usado pelos ho-
mais belas da Hiléia e figuram nas nossas estampas de niens, e feíto diretamente s<\_bre o corpo. Para isto,
Fauna, tais sejam o Phenicircus carnifex, o Pharoma- tranQam-se na pele, com qualquer resina ou o leite viscoso
346 Gastáo Cruls
"
de alguma planta, arabescos e outros desenhos que, de-
pois, sao recobertos com pedacinhos de plumas.
Observe-se que se a arte do mosaico, na ornamenta-
<_;áo de objetos, nunca alcan<_;ou entre nós o desenvolvi-
mento conseguido no México, nao deixou, entretanto, de
ser cultivada por algumas tribos, sobretudo do alto rio
Negro, .como é exemplo o balaio de urna das nossas pran-
chas. V erdad~iros mosaicos de penas podem igualmen-
te ser considerados os enfeites que, ainda no mesmo rio
e também no Madeira, se f azem em redes de tucum e
miriti, emprestando-lhes grande beleza e inestimável
valor.
A pena, aliás, era ornamento para tudo, entre os
indígenas. Nao as dispensavam as cabe<;as de inimigos,
mumificadas pelos Mundurucus e usadas a guisa de tro- ~1
féu. Os pentes amiúde também traziam pingentes de .
pluma. E assim os instrumentos de música e até os ar-
cos em días de festa. Isto para nao falar na empluma-
<_;ao das flechas, por vezes realizada com verdadeiro aca-
bamento artístico. Tribos houve também, ·come a dos
Ticunas, que se especializaram na difícil arte de con-
serva<_;ao e empalhamento das aves, após serem abatidas
pelo dardo sutil da zarabatana.
Dentre as cores 'inais preferidas pelos silvícolas, sem
dúvida porque nao é freqüente na avifauna, está o ama-
relo. Daí o apre<_;o dado a guarajuba, o lindo papagaio
que figura numa das nossas pranchas. Foi mesmo es-
sa carencia de penas amarelas que os levou, talvez, a des-
PRANcHA XLVI - Em cima, um balaio tran~ado a duas cores
e sobre o qual foi feito delicado inosalco de penas, em que apa- ·
recem flores, pássaros e borboletas. A pec;a prové1n do alto "rio
Negro, embora nao se possa precisar a sua origern. Há de ter
sido executada por qualquer tribo do grupo Tucano. O autor con-
seguiu-a em Manaus e boje está no ~luseu Nacional catalogada
sob o n.9 31676. Tem 30cm de diftmetro.
EmbaL"i.:o, um bracelete dos indios Urubus (n. 9 24 676, da cole~ao 1
etnográfica do Musen), que se recomenda pela extrema delicadeza
de sua fatura. PR. XLVI
Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 349
348
,.
MÉTRAUX (A. ) - Une Découverte Biologique des lndiens de
coberta da tapirage, processo de <}lle já tratamos inais f Amérique du Sud. La Décoration Artificielle des Plumes sur
de espa<;o ao falar dos psitacídeos e pelo qual ~onseguem les Oiseaux Vivants. ( "Journal des Américanistes de París".
que em papagaios verdes as penas passem a nascer ama- Nouvelle Série. Tomo XX, 1928).
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E agora, urna· anedota que bem evidencia a astú- lona, 1936.
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ram que o naturalista tinha especial interesse pelos pás- la collaboration de nombreux écrivains du Brésil, sous la direc-
saros raros e que ainda nao vira, motivo pelo qual os pre- tion de M. F. J. de Santa Anna Nery. Paris, 1889).
senteava regiamente a cada exemplar novo que lhe era STEINEN ( Karl von den) - Entre os Aborígines do Brasil Cen ..
trazido. Mas tanto se amiudaram essas descobertas no tral. Trad. de Egon· Schaden. Sao Paulo, 1940.
campo da ornitologia, que Sch.o mburgk nao tardou em
:verificar que estava sendo vítima de wn logro. Aqueles
espécimes nunca tinham existido. Eram pe<;as compó-
sitas, feitas com extrema perícia e nas quais se reuniam )
duas e mais peles de aves distintas.

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Hiléia Amazónica 351
'
te amazonico, nas regioes sob influencia do grupo Tu-
cano. Esclare<la-se, porém, que o seu uso, como roupa
propriamente dita, é de escass(l exemplifica~áo na Amé-
rica do Sul. Quandomuito teria sido apontado entre tri-
MÁSCARAS DE DANQA bos que se situam em regioes montanhosas e de clima mais
áspero. Tal é o caso dos Conibos e Caxibos, do U caiale,
os -On1águas que, segtmdo referem ve- que da entrecasca de certas árvores faziam urna espécie

E
xcETUANDO-SE
lhos cronistas, vestiam mantos, camisas e cal~oes de samarra larga, a que davam o nome de cusma. Hum-
muito bem tecidos com fio de algodao, os índios da boldt e, depois, Schomburgk referem-se a iguais cami-
Amazonia quase sempre andaram nus, ou melhor, para ~oloes trazidos pelos Maioncons e outros índios do alto
servirmo-nos da pito~esca expressao de um outro viajan- Orinoco. · O primeiro desses exploradores diz ter vis~o,
te, "só traziam a libré que lhes deu a natureza." Aliás, o nas faldas do monte Duida, n.a Venezuela, árvores de
clima os levaria a essa despreocupa~ao pelos agasalhos, camisa com inais de cinqüenta metros de altura, e acres-
cuja falta talvez só venham a sentir nos raros dias de centa que os nativos .v estiam esses agasalhos de marima
friagem, quando, entao, um bom f oguinho os supre das por ocasiáo das grandes chuvas. No norte da Bolívia,
peles de que nunca puderam prescindir os seus irmaos f oi também largo o emprego dos. artefatos de estopa ve-
da ·Cordilheira. Nunca pudera1n prescindir porqt1e a getal. Aí, além de roupas, com ela se preparavam re-
natureza, sempre sábia, lhes deu a roupa confor1ne o frio . des, mosquiteiros, cobertores, esteiras, sacos e os suspen-
e eles tinham ·a inao; até coro embara<lo de escolha, a la sórios com que as cargas sáo carregadas as costas~
do lama, da alpaca e da vicunha. Mas muitos outros s~o os préstimos desse produto.
A falta desses can1elídeos andinos ~ també_
1n porque, Raja vista o cacke-sexe, espécie de cintura em T, usada
pela razao já apontada, pouco desenvolvimento deram a
indústria text~l~ os nossos índios, quando. precisam de por inúmeras tribos e para a confec~áo da qual, ~ falta
qualquer material a ser utilizado_como pano, recorre1n do verdadeiro pano, é sempre preferida a entrecasca.
ao líber de certas árvores que, na tra1na de suas fibras, Na Amazonia, a . esse encacho dáo o nome de tapar
lhes f ornece já pronta urna estopa que, com a vaiitagem rabo ou mesmo rabo, porque o seu ramo longitudinal,
de ser· leve e fresca, é bastante resistente. · depois de ·voltear o períneo, da frente para trás, passa
Esse tecido natur~l é de uso corrente ·e ntre povos nas costas sob a faixa que f or-ma a cintura e quase sem-
da África e da Oceania. Por tapa tornou-se ele conhe- pre pe.nde, após isso, numa ponta longa, que, de fato, nao
eido no Taiti, nome que prevaleceu de urna maneira ge- deixa de lembrar um rabo. Já nos referimos também a
ral, embora em outras localidades lograsse designa~oes certos painéis decorativos das malocas, feitos da mesma
-diversas. Provavelmente, através do Pacífico, a técni- substancia, e de que é belo exemplo aquele que figura ·na
ca do tapa passou da Polinésia ao Novo 1\iundo, onde logo nossa prancha XXXVII.
s~ divulgou, pois que aqui, também, é grande a sua disse- Todavia, a maior se1~entia que esse pano natural
·.111ina<la-o. Todavia, convém ser assinalado que, como cen- traz aos silvícolas, é no preparo das suas má~caras de
-tro mais vivo do seu cultivo, está justamente o noroes- dan~a, _principalmente . na regiáo do rio Negro, onde ain-
350 da hoje se torna indispensavel ao ritual de muitas festas.
I

352 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 353

Antes, porém, de falarmos mais detidamente nessas partindo dos dois extremos da primeira e abrangendo a
máscaras, como sao elas conhecidas, mas que melhor se- circunferencia do tronco. Assim, dada a distancia entre
riam chamadas fantasías, pois que, amiúde, sao disfarces os dois cortes transversais e paralelos, e tomada também
de corpo inteiro, digamos qualquer cousa sobre a maneira em considerac;áo a grossura do tronco, ter-se-á um pano
por que os índios conseguem o material com que as mes- retangular de ta1nanho proporcional aqueles. Entre os
mas sao f eitas. lábios da ferida longitudinal, o operador introduz entao
Verdade seja dita que, dada a vulgarizaQao que lo- urna espátula de madeira, que age a maneira de cunha e
grou essa estopa, nao raro utilizada em regioes das mais coma qual, a golpes delicados, para nao feri-la, vai des-
afastadas e diferentes, geograficamente falando, várias tacando a estopa. U ma vez conseguida esta, é logo, en-
hao de ser as árvores de que se servem os índios para quanto ainda úmida, aberta sobre uro plano duro e_ hori-
consegui-la. Entretanto, o assunto ainda nao mereceu zontal e submetida a um demorado processo de batimen-
especial atenc;ao dos botanicos, que neste caso teriam to feito como auxilio de um macete, também de madei-
toda a vantagem de trabalhar ao lado dos etnógrafos, e r;, e que apresenta, na sua superfície cilíndrica, vários
é esta a razao por qt1e apenas poderen1os adiantar que a entalhes ao comprido. Essa opera~ao visa fazer com. que
tres famílias parecem pertencer as plantas mais empre- o primitivo pano, sempre grosso e de aspecto esponJoso,
gadas para tal fim. Sao elas as Lecitidáceas, as Ester- pela desagrega~ao das fibras, dispostas em c~_!llad~5 re-
culiáceas e as Moráceas. gulares, se desdobre em outros tantos panos, J.ª entáo de
Contudo, se a matéria-prima pode ter origem diver- natureza mais delgada. Sao estes que, depo1s de secos
sa, é serhpre o mesmo o nome vulgar de tururi, que na ao sol, vao servir a confec~ao dos vários artefatos. Por
Amazonia se d~ indistintamente a qualquer espécie de vezes como no caso das máscaras, os panos, enquanto
tecido natural, possa ele até provir da espata de alguma úmid~s, já sao moldados nas várias formas que deverao
palmeira, como acontece coro a da ubuc;u. Apenas há a tomar, e só depois é que sáo levados a secagem. Qua~­
designac;áo especial de tauari para o líber mais fino da do se desejam pe~as inteiriQas, em forma de manga ou ci-
árvore do mesmo nome, quase sempre urna Lecitidácea, e lindro e é ainda o caso das máscaras e das roupas, entao
que é muito usado no interior da regiao como invólucro ' necessário abater a arvore
se torna , . um
para conseguir
para cigarros, no que substitui perfeitamente a pal ha e boro toro e praticar a operaQáO de desprendimento da
o papel. entrecasca, nao por meio do corte longitudinal, mas pelo
Mas, repetindo o que dizíamos, se de várias árvores rebordo da superfície de secQáo. Assim, desde que se
pode provir o líber de que se f azem roupas e máscaras, possa dispor de tres toros, um mais grosso e dois mais
é quase sempre a mesma a técnica empregada para al- finos, conseguem-se as tres pe~as necessárias a confec-
canc;á-lo. ~ao de urna máscara ou camisa, isto ·é, o seu corpo e as
· O processo cor1siste em raspar primeiro a epiderme duas mangas, tudo já pronto, o que simplifica de muito
da casca de urna árvore ainda de pé,. de maneira a por o trabalho posterior das costuras.
a mostra a sua parte interior, branca e mais tenra. De-
pois, faz-se nesta urna incisao longitudinal, maior ou E agora as máscaras e a dan~a.
menor, n1as que, em profundidade, atinja apenas a su- Entre os índios, tudo é motivo para dan~as. Dan-
perfície do lenho e, a seguir, duas outras tránsversais, ~ª enquanto prepara a guerra ou quando dela volta vi-
354 Gastáo Cruls
~

torioso. Danºa para celebrar um cacique, ou carpir a


morte de alguém. Danºa ainda para comemqrar a sa-
fra da mandioca ou o amadurecimento da pupunha, do
.
-::;
><:
ingá ou do nmiri. Para assinalar a puberdade de urna
rapariga ou a terminaºªº de um ajuri.
Essas danºas, de que raramente as mullieres parti-
cipam e durante as quais ainda mais raramente usam
máscaras, na maioria dos casos sáo verdadeiras pantomi-
mas, em que cada indivíduo se apresenta sob os mais
estapafúrdios disfarces. Todavía as representaºóes
mais freqüentes sao aquelas em qµe aparecem animais,
bichos de toda sorte: onºas, macacos, preguiºas, caititus
e até· beija-flores, libélulas, carrapatos e larvas de in-
setos.
Se nem sempre as máscaras retratam bem a imagem
que pretendem figurar, o índio, pela mímica e pela voz,
supre, com habilidade inatingível, as suas deficiencias.
Tanto assim que, utilizando-se de um mesmo disfarce,
poderá. encarnar animais diferentes. Encarnar é o ver- .
dadeiro termo porque, segundo Koch-Grünberg, a más-
cara é aí mais um símbolo do que uma representaºáo e,
quando o silvícola nela se mete, corporifica-se, ou melhor,
consubstancia-se com o espírito, quase sempre maligno,
do animal que vai }3Ímular. Assim, a linda borboleta
Morpho, comparsa habitual de certas danºas no alto río
PRANCHA XLVII - Duas máscaras dos indios Uananas, fa-
milia Tucano, do rio Caiari-Uaupés, afluente do Negro. Sao ambas
de líber, como as descritas um pouco atrás. A entrecasca, que
serviu A confec~ao das mangas, é de cor mais escura, castanho-
a vermelhada, e deve ter sido conseguida de árvore diferente da-
quela que forneceu o pano para o corpo da fantasia, quase branco.
Nas duas, A altura dos quadris, há por dentro um arco de madeira,
que faz o saiote armado e ao qual esta.o cosidas as franjas de
fibra que o comp5em. As mangas, igualmente, tanto nos ombros
como nos punhos, sao refor~adas por pequenos arcos de pau. Essas
duas máscaras pertencem As col~es do ?\fuseu Nacional e estáo
catalogadas, a da esquerda, sob o n.9 20 566 e, a da direita, sob o
n.9 20 571. A primeira tem l,26m de compriménto e a segunda
1,49m.
356 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 357
" Negro, nao vem ao baile pelo azul esplendente das suas ceQao das mangas, numa só peQa de entrecasca que, com-
asas, mas porque ao seu espírito maléfico sao atribuí- pletada por um saiote de franjas de fibra, cobre o indi-
das certas febres que aparecem naquela regiao. víduo da cabe<;a aos pés. No rosto, cuja máscara quase
E isso abona a qpiniao de Montandon quando diz se1npre retrata urna carantonha hedionda, de dentuQa a
qne, em princípio, toda máscara é ritual, para o que r e- mostra, nem mesmo se ·a brem orifícios para os olhos,
corda a origem da palavra~ do baixo latim niascha, que urna vez que a estopa, bastante porosa, permite a visao
quer dizer feiticeira. No entanto, ainda há quem se- através do próprio tecido.
pare as máscaras em tres grandes grupos, enumerando, Todos esses dQminós sao cuidadosamente pintados
além das rituais, outras de gt1erra e de espetáculo, sen- comas tintas mais comumente usadas pelos índios: fuli-
do que as rituais ainda se subdividem en1 máscaras de gem de fundo de panela para o preto, pasta de uruct1
culto, máscaras de enterramento dos n1ortos e máscaras para o vermelho e argila terrosa para o amarelo. Se-
de justi~a.
gundo observa Koch-Grünberg, o índio tem trabalho
Mas isso sao qt1estoes de somenos importancia para ¡)ara dez a doze días quando se entrega a confecQáo de
nós, que aqui queremos apenas apontar alguns dos tipos
urna dessas máscaras. U ma das que lhe requer maior
de disfarce mais usuais entre os nossos índios.
Registre-se, de passagem, que as máscaras nao sao paciencia é a de onQa, toda pintalgada dos ocelos que ma-
lham .a pele do animal, e que ele consegue reproduzir com
peculiares ao Novo Mundo, onde f oram observadas na
América do Norte e do Sul, mais lá do que aquí. Delas o auxílio de um talo oco de imbaúba. E dizer-se que ar-
também fazem largo empregp certos povos da África tefatos de tao penosa execu<;ao, segundo manda o ritual,
guinéu-congolesa e da Papuásia, justamente em regióes sao logo queimados, tao depressa termine a cerimonia
onde a tapa ou estopa natural é encontrada com muita para que foram especialmente preparados! Daí a difi-
f acilidade. culdade que muitas vezes tiveram os etnógrafos para
No Congo, a roupa dos homens é feíta de t1ma só conseguir algttmas dessas fantasías, pois que a nao ser·na
pe~~ inteiriQa, ao passo que a das mulheres se compoe ocasiao das festas, jamais sao encontradas em qualquer
de um mosaico de pequenos fragmentos de casca reuni- tribo. Assim mesmo Koch, porque muito se demorou
dos por costura fe ita coro a fibra de t1ma paln1eira. entre os índios, conseguiu fazer delas urna rica coleQao
Como acontece na América, é geralmente aos homens que de cinqüenta modelos di.ferentes. Das mesmas tem
cabe a tarefa de preparar es ses tecidos. também o nosso Museu um belo mostruário, que lhe foi
Sem dúvida que, entre nós, onde também ocorre o doado pelo General Rondon, e dentre o qual escolhemos
aludido pano vegetal, este há de ser sempre o preferido os dois exemplares que ilustram a nossa estampa XI-'VII.
para a confec~ao dos disfarces. E isto é o que acontece Ainda segundo Koch-Grünberg, durante as su~
em larga zona do noroeste a.niazonico, onde se localizam danQas, certas tribos do alto río Negro, como a dos Tuiu-
muitas tribos dos grupos Tucano e Aruaque. Aliás, pare- cas, cingem-se ao uso de u.ni simples avental, con1 inscri-
ce qt1e na América do Sula máscara é um elemento cul- Qóes a cores, azltl e principalmente vermelho. Outras,
tural aruaque, logo transmitido a ol1tras famílias, mas como a dos Hianocotos-Umauás, empregam, para o mes-
qt1e só tardiamente chegou ao conhecimento dos Tupis. mo fim, urna larga faixa de líber, a que dao o nome de
Entre as tribos já citadas do alto río Negro, as más- hono, e qt1e lhes volteia apertadamente o tronco, desde as
caras de tu ruri sao verdadeiros dominós, feítos, com ex-
1
axilas até os quadris. Sobre esse cerdadeiro colete, sao
358 Gastáo Cruls Hiléia Amazónica 359
"entao passadas outras tiras de líber, mais estreitas e ina- mente Von den Steinen, ao relatar sua visita aos Bacai-
cias, e sobre as quais foram previamente feitos desenhos ris, N auaquás, ~feinaús, Trumaís, Camaiurás, Auetos e
de pe~es, cobra~, costelas de tamanduá e outras repre- outros. Aí, o principal elemento dos disfarces de danQa é
s~ntaQoes que ~o por eles poderao ser explicadas. Há
a1nda ou tras tribos que enfeitam esses mesmos coletes a grande máscara de madeira com olhos de madrepérol3:,
com penas de aves. nariz de cera e dentes de peixe. Essas máscaras se com-
pletam quase sempre por urna longa saia, que desee dos
Para Lowie, os desenhos que os povos primitivos
fazem nas suas máscaras e que, desse ponto de vista, po- ombros ao chao, e é feita com f olhas de palmeira, .quase
dem ser aproximadas das inscriQóes rupestres, devem sempre buriti, ou palha de capim. Em certas fantasias,
ser enquadrados dentro da pictografia. De urna manei- trata-se de urna verdadeira saia-balao ou crinolina, com
ra ger~l, n~o se trata de urna manifestaQáo artística, pois armaQao interna, e que pode ter muitos metros de circun-
que na? .visam .ª beleza, mas antes procuram fixar ou ferencia. Isto se dá no disfarce de pombo e naquele cha-
tr~nsrmt~r urna J:iiormaQao. E convém nao esquecer que mado cualoé, em que o índio procura representar urna
fo1 da p1ctograf1a que nasceu a escrita. verdadeira maloca, de formato redondo e toda de palha.
No Xingu, há também máscaras feitas de duas pe-
.A árvore que fornece aos Tucanos a estopa i1atural ~as, camisa e calQa. N estas, no lugar competente, sempre
é conhecida entre eles por uaquegoque caq_uecero, a que sao postos em evidencia os órgaos sexuais. U m pedaQo
se prende o nome de uaquegoro com que designam o tapa- de sabugo de milho simula o penis, enquanto a bolsa es-
rabo ª. 9ue já 3:ludimos 1• Dizem alguns autores que nes- crotal é. feíta com um tranQado de palha.
sa regi~o do .r10 N eg~o é ~ guaxinguba ou caxi.nguba do O peixe raramente é esquecido entre os animais que
nosso caboclo, }o"'!brigu:ira dos portugueses e uapuim- tomam parte nas festividades indígenas. Entre os Ba-
agu de alguns rndios, a arvore que produz o tururi. cairis sao mesmo várias as espécies que figuram nas
Entre os Tarianas e outras tribos do · Caiarimédio mascaradas·, como o pacu, o mamuri e a matrincha.
sempre no noroeste amazonico, além das máscaras d~ Dessa insistencia com que o peixe é lembrado, concl.1ri
estop~, há outras muito mais raras e das quais cada tribo Kunike que ele deve ser para o índio urn símbolo de
possm ~p~nas um par. ~ssas máscaras, ainda do feitio f ertilidade, urna vez que muitas das suas celebra~óes sao
de donnnos, e que sao fe1tas pela reuniao de várias pe- realizadas para que propícias lhes sejam as pescarias, ca-
les de, I?acaco ~ozidas com fio de cabelos de mulher, ao Qadas e colheitas. E em apoio da sua tese, cita urna más-
contrario. das outras sao conservadas com grande cui- cara Carajá que, nao contente de representar um boto,
dado no mtervalo das festas, embora só aparegam de ainda o prove de enorme falo. Note-se que aí já anda-
raro em raro por ocasiao qas cerimonias em que é invo- mos longe da elasse dos peixes. ~1as co~o se trata ain-
cado o J urupari. Chamam-nas macacaraua o que em da de animal aquático. . . Tastevin nao aceita, porém, a
língua:--geral, quer dizer pelo de macaco. ' ' opiniao de Kunike. Para ele, o peixe, um dos elementos
Bem diversa é a indumentária dos índios do Xingu primordiais na alimentaQao do nosso índio, jamais pode-
por ocasiao das suas festividades. Dela se ocupou longa- rla ser olvidado numa partida ero .que se reúnem tantos
outros bichos. E quanto ao boto, de acordo com a fama
1 · Estas informa~oes nos foram fornecidas particularmente que já lhe criaram, seria antes urn símbolo de luxúria do
pelo Padre Antonio Giacone, das Missoes Salesianas do Amazonas. que propriamente de f ertilidade.
360 Gastáo Cruls

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PRANCHA XLVIII - Capacete-máscara usado pelos indios Tu-


cunas, do rio Ucaiale, por ocasiao do Ieboá ou festa da puberdade.
Esses indios também fazem máscaras de líber; a sua especialidade,
porém, sao esses capacetes, com representa~es de animais, como
.o que. aparece na nossa gravura, e é encimado por um tatu escul-
pido em madeira. A ~a pertence ao 1.fuseu Nacional e tem
-0 n. 9 916. PR. XLVIII
362 Gastáo Cruls
!"

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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


www.etnolinguistica.org
/ Na enumera~ao abaixo, nao só se arrolam as obras já cons-
tantes das bibliografias selecionadas que acompanham cada capítu.-
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