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Louis-Jean Calvet

.. ,
OCIOLINGUISTICA
uma introdução crítica
Louis-Jean Calvet

uma introdução crítica

rRADuçAO
Marcos Marcionilo
Título original: La socíolinguistique - 4a édition mise à jour: 2002, Jan ier
© Presses Universitaires de France, Paris,1993
ISBN: 2-13-052433-8

EDITOR: Marcos Marcionilo


CAPA E PROJETO GRAFICO: Andréia Custódio
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Carlos Alberto Faraco [UFPR]
Egon de Oliveira Rangel [PUCSP]
Gilvan Müller de Oliveira [UFSC, Ipol]
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José Carlos Sebe Bom Meihy [NEHO/USP]
Kanavillil Rajagopalan [Unicamp]
Marcos Araújo Bagno [UnB]
Maria Marta Pereira Scherre [UFRJ, UnB]
Rachei Gazolla de Andrade [PUC-SP]
Stella Maris Bortont-Ricardo [UnB]

CIP-BRASIL. CATALOGAçAO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C167s
Calvet,Louis-Jean
Socíolingüística:uma introdução crítica / Louis-JeanCalvet;
traduçãoMarcosMarcionilo.- SãoPaulo:Parábola,2002.176p.,18cm
(Naponta da IIngua; 4)

Traduçãode: Lasociolinguistique
Inclui bibliografia
ISBN978-85-88456-05-1

1.Análisedo discurso- História. 2. Sociolingüística- França-


História-1945-.1.Título.11.Série.
CDO:410.9

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ISBN: 978-85-88456-05-1 (antigo 85-88456-05-2)

terceira edição: abril de 2007


© desta edição: Parábola Editorial, São Paulo, 2002
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7
INTRODUÇÃO.......................................................... 11
CAPÍTULO I: A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL
,
DA LINGUA . 13
1. Saussure / Meillet: a origem do conflito . 13
2. As posições marxistas acerca da Iíngua • 17
3. Bernstein e as deficiências Iingüísticas.; 25
4. William Bright: uma tentativa de síntese 28
5. Labov: a sociolingüística é a lingüística .. 31
6. Conclusão 33

CAPÍTUI.O 11: LÍNGUAS EM CONTATO 35


1. Empréstimos e interferências 35
2. As línguas aproximativas 39
3. Misturas de línguas, alternâncias de
código e estratégias lingüísticas............ 4:~
4. O laboratório crioulo..... 51
5. As línguas veiculares 55
6. A diglossia e os conflitos lingüísticos S9

CAPÍTULO 111: COMPORTAMENTOS E ATITUDES 65


1. Os preconceitos 67
2. Segurança / insegurança........................ 69
3. Atitudes positivas e negativas 73
4. A hipercorreção 77
S. As atitudes e a variação lingüística 80

CAPÍTULO IV: As VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS


VARIÁVEIS SOCIAIS . 89
1. Um exemplo de variáveis lingüísticas:
as variáveis fonéticas . 90
2. O "vernáculo negro-americano" . 98
3. Variáveis lingüísticas e variáveis sociais 102
4. Os mercados lingüísticos . 105
5. Variações diastráticas, diatópicas e
diacrônicas: o exemplo da gíria . 109
6. Comunidade lingüística ou comunidade
. I?
SOCIa . 115

CAPÍTULO V: SOCIOLINGÜÍSTICA OU SOCIOLOGIA DA


LINGUAGEM? 12:3
1. A abordagem micro 123
2. A abordagem macro 129
3. As redes sociais e as línguas 134
4. Sociolingüística e sociologia da linguagem 138

CAPÍTULO VI: As POLÍTICAS LINGüíSTICAS 14S


1. Duas gestões do plurilingüismo: o in vi vo
e o in vitro 146
2. A ação sobre a língua 148
3. A ação sobre as línguas 154

CONCLUSÃO........................................................... 161
BIBLIOGRAFIA t.. 1.63
GUIA DE LEITURA 164
GLOSSÁRIO 167
,
INDICE DE N()MES 171

6
APRESENTAÇÃO
Marcos Baqno

Por ser a primeiríssima obra de introdução à


sociolingüística que se imprime no Brasil, a publi-
cação deste livro de Louis-Iean Calvet equivale, na
prática, a denunciar uma situação injustificável que
só pode ser explicada por uma análise detalhada dos
misteriosos mecanismos que operam em nosso meio
editorial, e dos ainda mais misteriosos labirintos da
nossa vida acadêmica. A situação injustificável é
esta: como é possível, num país onde se tem desen-
volvido uma intensa atividade de pesquisa
sociolingüística há pelo menos três décadas (pesqui-
sa de qualidade científica reconhecida internacio-
nalmente), não haver no mercado absolutamente
nenhum livro que apresente os princípios básicos
da teoria sociolingüística, sobretudo para o enorme
contingente de leitores composto pelos estudantes
de graduação em Letras? São inúmeros os projetos
(já concluídos ou em andamento) de descrição e
análise da realidade lingüística do Brasil; já são cen-
tenas as dissertações de mestrado e teses de douto-
rado empreendidas à luz das diversas teorias

7
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

sociolingüísticas, e mais numerosos ainda os arti-


gos científicos publicados em revistas especializadas
- mas livro introdutório de ampla circulação, de
acesso fácil, não temos nenhum, a não ser a limita-
da (por questões de espaço) iniciativa de Fernando
Tarallo em A pesquisa sociolingüística (1985).
Começar a preencher essa falta com este livro
é um passo importante, sobretudo por se tratar de
Louis-] ean Calvet, um sociolingüista que não se res-
tringe à teorização e às atividades acadêmicas, mas
que empreende uma verdadeira militância política,
de luta assumida contra as atitudes discriminatórias
que se servem da língua como instrumento de do-
minação e de exclusão social. Com visão crítica e
engajada, Calvet não se limita a expor, com "neu-
tralidade" e "objetividade", os conceitos básicos que
sustentam as teorias sociolingüísticas. Ao contrá-
rio, ele mostra de que modo os mecanismos ideoló-
gicos atuam nessas teorias, inclusive sob a forma de
"preconceitos positivos", COlHO o que ele detecta na
atitude de Labov de extrema valorização da "verbo-
sidade" dos falantes do "vernáculo negro-america-
no" e de desprezo pelos recursos lingüísticos do cha-
mado "código elaborado" das camadas sociais do-
minantes, que para ele são apenas "as marcas
registradas do falar muito para dizer nada, do dizer
desdizendo [...], recursos que muitas vezes obscure-
cem qualquer contribuição positiva que a educação
pode dar ao nosso uso da língua" ("The logic of non-
standard English", 1969, tradução minha).
8
APRESENTAÇÃO

De autoria de Calvet, o leitor brasileiro já ti-


nha a seu dispor a obra Saussure: pró e contra, cujo
subtítulo revelador é "rumo a uma lingüística social".
Ali, demonstrando a insustentabilidade das opções
epistemológicas do estruturalismo, em suas versões
pré- e pós-chomskyanas, Calvet insiste na necessi-
dade incontornável de se construir uma ciência da
linguagem em que o "social" seja o próprio objeto
de estudo, ao qual a chamada "lingüística interna"
tem obrigatoriamente de se subordinar. Essa mes-
ma insistência aparece aqui, sobretudo na conclu-
são da obra, onde o autor declara que a palavra
(socio) lingüística só pode ser escrita assim, com o
"socio" entre parênteses, na esperança de que, um
dia, o que está dentro dos parênteses desaparecerá.
Quando este dia vier, será possível escrever simples-
mente lingüística e definir esta ciência como "o es-
tudo da comunidade social em seu aspecto
lingüístico".
Para conferir a esta publicação um caráter
eminentemente didático, os editores oferecem ao
leitor, no final do volume, um guia de leitura com a
relação da (escassa) bibliografia sociolingüística
existente no Brasil, bem como um glossário dos prin-
cipais termos técnicos empregados pelo autor. Me-
rece destaque também o cuidado de fazer acompa-
nhar o texto de Calvet de notas de rodapé que ofere-
cem exemplos tirados da realidade lingüística brasi-
leira com vistas a tornar mais facilmente reconhe-
cíveis os fenômenos abordados na obra.
9
INTRODUÇÃO

A lingüística moderna nasceu da vontade de


Ferdinand de Saussure de elaborar um modelo abs-
trato, a língua, a partir dos atos de fala. Seu
ensinamento, que foi compilado por seus alunos e
publicado após sua morte', constitui o ponto de par-
tida do estruturalismo em lingüística. E, não obstante
certas passagens nas quais se encontra a afirmação de
que a língua "é a parte social da Iinguagem'", ou que
"a língua é uma instituição social'", este livro insiste
sobretudo no fato de que "a língua é um sistema que
conhece apenas sua ordem própria'" ou que, como
afirma a última frase do texto, "a lingüística tem por
único e verdadeiro objeto a língua considerada em si
mesma e por si mesma". Saussure traçava assim uma
nítida separação entre o que lhe parecia pertinente,
"a língua em si mesma", e o resto, e nesse ponto foi
seguido por pesquisadores tão distintos quanto
Bloomfield, Hjelmslev ou Chomsky, Todos, elaboran-
do teorias e sistemas de descrições diversificados, con-
1. COlas de linquistiquc qénéraíc, Paris, Payot, 1916. As nu-
merosas edições posteriores conservaram a paginação da primeira
edição. Citaremos preferentemente a edição crítica de Tullio di
Mauro, Paris, Payot, 1985.
2. Cours, p. 31.
3. Cours, p. 33.
4. Cours, p. :314.

11
SOCIOLlNGüiSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

cordavam em delimitar o campo de sua ciência de


modo restritivo, eliminando de suas preocupações
tudo o que não fosse a estrutura abstrata que eles de-
finiam como objeto de seu estudo.
Ora, as línguas não existem sem as pessoas que
as falam, e a história de uma língua é a história de
seus falantes. O estruturalismo na lingüística foi
construído, portanto, sobre a recusa em levar em con-
sideração o que existe de social na língua, e se as teo-
rias e as descrições derivadas desses princípios são
evidentemente uma contribuição importante ao estu-
do geral das línguas, a sociolingüística, à qual se con-
sagra este livro, teve de tomar o sentido inverso des-
sas posições. O conflito entre essas duas abordagens
da língua começa muito cedo, imediatamente depois
da publicação do Curso de lingüística geral, e nós vere-
mos que, até bem recentemente, as duas correntes vão
se desenvolver de modo independente. De um lado,
insistia-se na organização dos fonemas de uma lín-
gua, em sua sintaxe; de outro, na estratificação social
das línguas ou nos diferentes parâmetros que na lín-
gua variam, de acordo com as classes sociais. Será pre-
ciso na prática esperar por William Labov para en-
contrar a afirmação de que, se a língua é um fato so-
cial, a lingüística então só pode ser uma ciência social,
isto significa dizer que a sociolingüística é a lingüísticas.
Hoje a sociolingüística floresce, multiplica suas
abordagens e terrenos. Este livrinho ocupa-se de
trazer um pouco de ordem a essa profusão.

S. "Durante anos recusei-me a falar de sociolinqidstica, pois


este termo implica que poderia existir uma teoria ou uma prática
lingüística fecunda que não fosse social", William Labov,
Sociolinquistiquc, Paris, Minuit, 1976, p. 37.

12
CAP(TULO I

A LUTA POR UMA


CONCEPÇÃO SOCIAL DA LfNGUA

1. Saussure/Meillet: a origem do conflito

o lingüista francês Antoine Meillet (1866-


1936) insistiu em numerosos textos no caráter so-
cial da língua, ou a definiu preferentemente como
um fato social. E dava um conteúdo bem preciso a
essa característica. Em seu célebre artigo, "Comment
les mots changent de sens" [Como as palavras mu-
dam de sentido], ele propunha uma definição desse
"fato social" enfatizando, ao mesmo tempo e,- sem
ambigüidade, sua filiação ao sociólogo Emile
Durkheim:
"os limites das diversas línguas tendem a coincidir
com os dos grupos sociais chamados nações; a au-
sência de unidade de língua é o sinal de um Estado
recente, como na Bélgica, 011 artificialmente consti-
tuído, como na Áustria";
"a linguagem é eminentemente um fato social. Com
efeito, ela entra exatamente na definição proposta

13
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

por Durkheim; uma língua existe independentemen-


te de cada um dos indivíduos que a falam e, mesmo
que ela não tenha nenhuma realidade exterior à soma
desses indivíduos, ela é contudo, por sua generalida-
de, exterior a eles";
"as caraterísticas de exterioridade ao indivíduo e de
coerção pelas quais Durkheim define o fato social
aparecem na linguagem como evidência última'",

Antoine Meillet foi quase sempre apresentado


como discípulo de Ferdinand de Saussure (1857-
1913). Contudo, com a publicação (póstuma) do
Curso de lingüística geral, Meillet tomou distância
e, na resenha que faz do livro, ele ressalta que "ao
separar a variação lingüística das condições exter-
nas de que ela depende, Ferdinand de Saussure a
priva de realidade; ele a reduz a uma abstração que
é necessariamente inexplicável'". Portanto, as posi-
ções de Meillet estavam em contradição com, ao
menos, uma das dicotomias saussurianas, a que dis-
tinguia a sincronia da diacronia, e com a última fra-
se do Curso ("a lingüística tem por único e verda-
deiro objeto a língua considerada em si mesma e
por si mesma"). Mesmo que não seja de Saussure e
represente muito mais a conclusão dos editores, ela

1. Antoine Meillet, Cornrnent les mots changent de sens,


publicado em L'Annü socioloqiquc, 1905-1906, reimpresso em
Linquistique historique et linpuistiquc qénéralc, Paris, Champion,
1921, aqui citado em sua reedição de 1965, p. 230.
2. Antoine Meillet, Compte rendu du Cours de linquistiqtu:
{jf1lérale de Ferdinand ele Saussure, Bullctin de la Socicté linquistiquc
de Paris, p. 166.

14
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LíNGUA

resume perfeitamente seu ensinamento. Contradi-


ção porque a afirmação do caráter social da língua
que se verifica em toda a obra de Meillet implica ao
mesmo ternpo a convergência de uma abordagem
interna e de uma abordagem externa dos fatos da
língua e de uma abordagem sincrônica e diacrônica
desses mesmos fatos. QuandoSaussure opõe lingüís-
tica interna e lingüística externa, Meillet as asso-
cia; quando Saussure distingue abordagem
sincrônica de abordagem diacrônica, Meillet busca
explicar a estrutura pela história. Realmente tudo
opõe os dois homens tão loqo os situamos no terreno da
lingüísticageral. Enquanto Saussure busca elaborar
um modelo abstrato da língua, Meillet se vê em con-
flito entre o fato social e o sistema que tudo contém:
para ele não se chega a compreender os fatos da lín-
gua sem fazer referência à diacronia, à história.
Diante da precisão com que Meillet definia a
noção de fato social, as passagens em que Saussure
declara que a língua "é a parte social da linguagem':"
ou que "a língua é uma instituição social"! chocam
por sua indefinição teórica. Para ele o fato de ser a
língua uma instituição social é simplesmente um
princípio geral, uma espécie de exortação que mui-
tos lingüistas estruturalistas retomarão depois dele,
sem nunca prover os meios heurísticos pura assu-
mir essa afirmação: dá-se como certo o caráter so-
cial da língua e se passa a outra coisa, a uma lin-

3. Ferdinand de Saussure, Cours de linquistiuuc qénéralc, Pa-


ris, Payot, 1931, p. 31.
4. Idem, ibidem, p. 3:3.

15
SOCIOLlNGüfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

güística formal, à língua "em si mesma e por si mes-


ma". Para Meillet, essa afirmação deveria, ao con-
trário, ter implicações metodológicas, ela deveria
estar no centro da teoria lingüística: a língua é para
ele, ao mesmo tempo, um "fato social" e um "siste-
ma que tudo contém", e ele continuamente tenta
dar conta dessa dupla determinação. E isso é bem
fácil para ele quando estuda o léxico (que ele trate
de nomes do homem, do vinho, do óleo ou da reli-
gião indo-européia) ou quando se inclina sobre a
expansão das línguas (por exemplo, sobre a história
da língua latina). Certamente as coisas se tornam
mais difíceis para ele no campo da fonologia ou da
sintaxe, mas continua valendo que sua insistência
constante sobre esses pontos faz dele um precursor.
Um exemplo é a passagem seguinte: "Por ser a lín-
gua um fato social resulta que a lingüística é uma
ciência social, e o único elemento variável ao qual
se pode recorrer para dar conta da variação lingüís-
tica é a mudança social'", posição muito próxima
da que se encontrará mais tarde na obra de William
Labov.
Mesmo que Saussure e Meillet utilizem quase
a mesma fórmula, eles não lhe dão o mesmo senti-
do. Para Saussure, a língua é elaborada pela comu-
nidade, é somente nela que ela é social, enquanto,

5. Antoine Mei11et, "L'État actuel des études de linguistique


générale", aula inaugural no College de France, 13 de fevereiro de
1906, retomado em Linquistique historiquc ct linquistiquc génàalc,
Paris Champion, 1921, aqui citado na reedição de 1965, p. 17.

16
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LíNGUA

já vimos, Meillet dá à noção de fato social um con-


teúdo lTIUitOmais preciso e muito durkheirniano
(aliás, ele colaborou regularmente com a revista
dirigida por Durkheim, La nnée socioioqique). De fato,
enquanto Saussure distingue cuidadosamente estru-
tura de história, Meillet quer uni-las. Enquanto o
empreendimento do lingüista suíço é essencialmente
terminológico (ele tenta elaborar o vocabulário da
lingüística para embasar teoricamente esta ciência),
o de Meillet é programático: ele não deixa de dese-
jar que se leve em conta o caráter social da língua.
Vemos, então, que o tema da língua como fato
social, central em Meillet, é um tema profundamen-
te anti-saussuriano, de modo seguramente incons-
ciente antes da publicação do Curso, mas conscien-
te depois, e que a história da lingüística estrutural
pós-saussuriana se caracteriza por UlTIafastamento
constante desse tema. Surge assim, desde o nasci-
mento da lingüística moderna, em face de um dis-
curso de caráter estrutural e insistindo essencial-
mente na forma da língua, outro discurso que insis-
te em suas funções sociais. E, durante quase meio
século, esses dois discursos vão se desenvolver de
modo paralelo, sem nunca se encontrar.

2. As posições marxistas acerca da língua

Na mesma época, surgia outra abordagem so-


cial da língua, aquela que nasce na corrente marxis-

17
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

ta. Já em 1894, Paul Lafargue, genro de Marx, pu-


blicara um estudo sobre o vocabulário francês "an-
tes e depois da Revolução", mostrando que a língua
mudara consideravelmente nesse período e vincu-
lando essa mudança aos fatos políticos. Havia, por
certo, um certo mecanicismo em sua visão: "A lín-
gua clássica caiu com a monarquia feudal; a língua
romântica nascida na tribuna das assembléias par-
lamentares durará enquanto durar o governo parla-
mentar'". Mas não se pode negar que temos aqui a
primeira tentativa de aplicar certa análise socioló-
gica aos fatos da língua.
Posteriormen te será da URSS que virão os tex-
tos mais extravagantes ou mais inovadores, segun-
do o caso. Do lado da extravagância é preciso ins-
crever Nicolai Marr (1864-1934), que, bem antes
da ascensão do comunismo ao poder, elaborara a
teoria das línguas jaféticas (do nome do terceiro fi-
lho de Noé.jafet, nascido depois de Sem e Cam, cujos
nomes já tinham classificado as línguas camíticas e
semíticas), à qual ele vai tentar aplicar o marxismo:
Marr postulava uma origem comum para todas as
línguas do mundo. Inicialmente a comunicaçào te-
ria sido gestual, em seguida quatro elementos fônicos
teriam aparecido - sal, her, }jon et roh - e consti-
tuído a linguagem de uma casta que estava no po-
der (os feiticeiros). A língua foi, portanto, desde a

6. Paul Lafargue, La langue française avant et apres la


révolution, VEre nouveile, janeiro-fevereiro de 1894, reeditado em
1.-]. Calvet, Marxisme et linguistique, Paris, Payot, 1977, p. 144.

18
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LíNGUA

origem, o instrumento do poder e é sempre marcada


pela divisão da sociedade em classes sociais. Depois
essas quatro sílabas vão se combinar, se deformar,
se multiplicar, para originar as diferentes línguas
do mundo, que Marr classificava em quatro está-
gios sucessivos, correspondentes a situações
socioeconômicas diferentes:
primeiro estágio: chinês, línguas africanas;
segundo estágio: línguas fino-ugrianas, turco;
terceiro estágio: línguas caucasiana e camíticas;
quarto estágio: línguas indo-européias e semíticas.

Cada um destes estágios correspondia a um


"progr sso"; e, por trás dessa classificação, é difícil
não ver traços de racismo ou, quando menos, de
eurocentrismo. Toda essa construção inspirada por
um marxismo bem reduzido certamente devia ter
sua visão de futuro: Marr pensava que o advento
mundial do socialismo deveria provocar a aparição
de uma única língua, o que estava em conformida-
de com a idéia de que as línguas refletem a luta de
classes. Mas por pensar, sem dúvida, que ninguém
é mais bem servido do que por si mesmo, ele milita-
va pela criação de uma língua internacional artifi-
cial, o que explica por que, durante cerca de quinze
anos, o esperanto será bem visto pelo poder e relati-
vamente difundido na URSS. As teorias marristas
terão o status de teoria oficial. Hoje a aplicação do
marxismo que elas pretendiam realizar parece bem
primária, mas via-se nelas, sobretudo à época, ajusti-

19
SOCIOLlNGüfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

ficação em lingüística de princípios ideológicos mais


gerais: primado da luta de classes sobre a idéia de
nação, língua como superestrutura, tudo isso entra-
va perfeitamente em uma visão internacionalista,
sem contar que respondia perfeitamente aos pro-
blemas da URSS em face das minorias nacionais,
mostrando em particular que a organização social
estava acima da divisão em nações. Oficializada com
o nome de nova teoria lingüística, o pensamento de
Marr vai ser imposto na URSS até bem depois de
sua morte, até bem entrados os anos 1950.
Essa situação de monopólio, aliada a meios de
pressão consideráveis de que dispõe todo Estado
forte, dificulta distinguir o que se elaborava teorica-
mente fora do pensamento oficial: enquanto alguns
ensinavam a nova teoria lingüística nas universida-
des, os que a criticavam arriscavam-se a ir aplicar
suas análises à situação lingüística da Sibéria", Não
obstante, é preciso destacar o grupo de jovens pes-
quisadores, cujo mais célebre representante é hoje
Mikhail Bakhtin (1895-1975). Há também entre eles
Valentin Nicolaevitch Volochinov (1895-1930?) do
qual conhecemos dois livros: O [reudismo - uma
crítica marxista (1927) e Marxismo efilosojia da lin-
guagem (1929). Nestas obras, ele desenvolve simul-
taneamente uma crítica a Saussure e urna crítica a
Freud, visto que falta a Freud urna teoria da língua-

a. Referência aos campos de trabalho forçados da Sibéria,


para onde eram enviados os críticos do regime soviético In. do E.J.

20
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LfNGUA

gern e que Saussure não soube ver que o signo


lingüístico é o lugar da ideologia.
Bakhtin nunca teve problemas efetivos com o
regime e continuou a ensinar e a publicar suas obras,
particularmente sobre Dostoievski, depois sobre
Rabelais, enquanto Volochinov desaparecerá nos
campos de trabalho forçado, sem dúvida exatamen-
te depois da publicação de seu segundo livro. Mas
aqui começa outra história: nos anos 1970, espalha-
se um rumor segundo o qual nem Volochinov nem
Medvedev (outro membro do grupo) teriam escrito
os livros que tinham assinado; eles teriam empres-
tado seu nome a seu "mestre", para permitir-lhe
publicar sem correr riscos ... Na origem do rumor,
poucos fatos, as declarações de um tal Prof. V. V.
Ivanov, retomadas na introdução à tradução francesa
de Marxismo efilosofia da linguagem, publicada sob o
nome de Bakhtin (seguido do nome de Volochinov
entre parênteses) e com algumas linhas de Roman
Jakobson avalizando a tese sem dar prova alguma 7•
Verdadeiro ou falso, esse enredo é ao mesmo tempo
idílico e confuso. Ele começa por uma hipótese que
faz de Bakhtin um "mestre" com discípulos de sua
mesma idade e permite à URSS esconder a possibili-
dade de que livros importantes e a partir de então
reeditados tenham podido ser escritos por pessoas

7. Mikhail Bakhtine (V. N. Volochincv), Lc marxisme ct la


nhilosophic du la ngage , prefácio de Roman J akobson, tradução e
introdução de Marina Yaguello, Paris, Éd. de Minuit, 1977 (ed. br.:
Marxismo efilosofia da linguagem, São Paulo, Hucitec, 1979).

21
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

mortas em campos de trabalho forçado. Note-se que


Volochinov, que nada escrevera, segundo esse enre-
do, é morto por nada escrever, enquanto Bakhtin,
que trabalhava na sombra, a despeito da imposição
do marrismo, pôde depois vir à boca de cena",
Nesse ínterim, a nova teoria lingüística seria
abandonada em circunstâncias muito particulares.
No começo do mês de maio de 1950, tem início no
Pravda a publicação de uma série de intervenções
sobre a atualidade do pensamento de Marr e sobre
o problema de saber se convinha trabalhar a partir
de suas teorias, mesmo que alguns meses antes, ja-
neiro para ser preciso, por ocasião do décimo quin-
to aniversário da morte de Marr, tenha-se evocado
a primazia de suas teorias. Em 20 de junho, Stálin
em pessoa intervém longamente, na forma de res-
postas a perguntas, e assim se encerra o debate. Suas
conclusões podem ser resumidas em dois pontos:
a língua não é uma superestrutura;
- a língua não tem caráter de classe.

Mesmo que seus argumentos não sejam lá mui-


to científicos, seu peso político faz com que doravan-
te a página seja virada sobre Nicolai Marr.

b. Ver a respeito do caso Bakhtin- Volochinov a posição dos


biógrafos de Bakhtin, os americanos K. Clarke e M. Holquist, que
defendem a atribuição da autoria dos dois livros citados a Bakhtin,
admitindo, quando muito, contribuições pontuais de Volochinov e
Medvedev ao texto. A biografia de Bakhtin foi publicada no Brasil:
Clark, K. & Holquist, M., Mikhail Bahhtin, São Paulo, Perspectiva,
1998. Para uma exposição das teses lingüísticas de Bakhtin, ver B.
Weedwood, História concisa da lingüística, São Paulo, Parábola,
2002 In. do E.l.

22
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LfNGUA

Na França, Marcel Cohen, especialista em lín-


guas semíticas e membro do partido comunista, saú-
da essa intervenção". Em seguida, Cohen publicará
uma obra" que mostra que o marxismo dali por dian-
te aborda de modo muito diferente os problemas
lingüísticos: não se trata mais de enquadrar os fatos
da língua numa moldura teórica preestabelecida, mas
de
~
lançar sobre eles uma olhar sociológico marxista.
E bem verdade que as teorias de Marr nunca tinham
sido levadas a sério: A. Sauvageot vinha criticando-as
desde 1935, M. Cohen guardara a respeito delas um
silêncio prudente, e os lingüistas franceses estavam
muito mais marcados por Meillet que por Marr!".
A intervenção de Stálin, que teria desbloquea-
do a situação, era, já vimos, muito mais política que
lingüística. Haverá, porém, um país no qual seu texto
será considerado uma base teórica para a pesquisa:
a China. Para concluir este ponto, e para o
anedotário histórico, é preciso destacar que em ou-
tubro e novembro de 1974, uma delegação de lin-
güistas americanos (entre os quais estavam Charles
Ferguson e William Labov) visita a República Po-
pular da China e encontra numerosos colegas chi-

8. Une lecon de marxisme à propos de linguistique, La Pcnsée,


n. 33, novembro-dezembro de 1950.
9. Marcel Cohen, Pour UNe socioloqic du lanqaqe, Paris, Albin
Michel, 1956.
10. Sobre isso, ver Daniel Baggioni, Contribution à l'histoire
de la "Nouvelle Théorie du Langage" en France, in Lanqaaes, n.
46, junho de 1977.

23
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRiTICA

neses. Desse encontro surgirá uma obra coletiva 11


na qual se abordam diferentes assuntos: a reforma
da língua, o ensino de línguas estrangeiras, as lín-
guas das minorias, a lexicografia etc. O capítulo que
deveria ter sido o mais interessante, desde nosso pon-
to de vista, refere-se à teoria da linguagem, mas se
sua leitura não nos ensina grande coisa sobre a apli-
cação do marxismo-leninismo à lingüística, ao me-
nos nos mostra que a delegação americana estava
teoricamente desarmada diante de seus interlocu-
tores. Realmente ela se contenta em registrar algu-
mas provas: que a referência suprema é o texto de
Stálin de que falamos acima, que a lingüística, COlTIO
todas as outras ciências, deve servir à política prole-
tária, que o vocabulário muda mais rapidamente que
a sintaxe etc. Por fim, para concluir, ela destaca que
se é pouco provável que a China pode contribuir
para o progresso da lingüística teórica, da neurolin-
güística ou da lingüística histórica, ela obteve, por
outro lado, notáveis resultados no que diz respeito
à padronização do putonghua (a língua oficial), à
simplificação dos caracteres e ao ensino das línguas
/

das minorias. E claro que a ausência de dimensão


crítica deve-se em parte à redação coletiva da obra
(que não teve um só capítulo assinado) e é preciso
sem dúvida considerar esse texto como produto de
um compromisso assumido. O fato é que em nenhu-

1l. Winfred P. Lehmann (org.], Language and Linquistics


in the People's Republic ofChina, Austin, University ofTexas Press,
1975.

24
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LfNGlJA

ma parte aparece o mínimo embrião de discussão,


porque a sociolingüística nascente nos Estados Uni-
dos não tem verdadeiramente uma teoria e porque
a vaga idéia segundo a qual a sociolingüística deve
estudar as relações entre a língua e a sociedade não
é suficiente o bastante para dar início a um debate
com um discurso que certamente procede sobretu-
do do dogmatismo, mas diz ao fim e ao cabo um
pouco a mesma coisa. Em 1974, os lingüistas ame-
ricanos estão desarmados diante do dogmatismo
marxista-leninista, porque eles não têm teoria, não
têm bases sociológicas sobre as quais se apoiar, e
essa segue sendo a característica da época na qual a
sociolingüística faz sua aparição.
Mas essas avatares tragicômicos não devem mas-
carar o principal: não pode haver sociolingüística sem
sociologia, e se a tentativa soviética não foi em nada
satisfatória, o problema de uma análise da língua em so-
ciedade subsiste.Desse ponto de vista, o episódio manista,
seguido da resolução de Stálin, só poderia fazer recuar
o ponto de vista sociológico na lingüística.

3. Bernstein e as deficiências lingüísticas

Doravante, será nas pesquisas publicadas em


inglês que a sociolingüística moderna vai essencial-
mente se manifestar. Basil Bernstein, especialista
inglês em sociologia da educação, será o primeiro a
levar em consideração, ao mesmo tempo, as produ-
ções lingüísticas reais (o que era feito em peque-
25
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

níssima escala pelos autores inspirados no marxis-


mo) e a situação sociológica dos falantes. Ele parti-
rá da constatação de que as crianças da classe ope-
rária apresentam uma taxa de fracasso escolar mui-
to maior que as crianças das classes abastadas. Ele
passa então a analisar as produções lingüísticas das
crianças e a definir dois códigos: o código restrito, o
único que as crianças dos meios desfavorecidos do-
minam, e o código elaborado, dominado pelas crian-
ças das classes favorecidas, que dominam também
o código restrito. O exemplo mais conhecido, e o
mais expressivo, destes códigos é uma experiência
que consiste em pedir às crianças que descrevam
uma história em quadrinhos sem texto. As crianças
provindas dos meios desfavorecidos vão produzir
um texto quase sem sentido sem o suporte das ima-
gens: "Eles jogam futebol, ele chuta, quebra a vidra-
ça etc.", enquanto as crianças saídas de meios favo-
recidos vão produzir um texto autônomo: "Meni-
nos jogam futebol, um deles chuta, a bola atravessa
a janela e quebra uma vidraça etc."
Os dois códigos se distinguem ainda do ponto
de vista das formas gramaticais. O código restrito
se caracteriza por frases breves, sem subordinação,
bem como por um vocabulário limitado, e seus fa-
lantes vêem-se fortemente defasados em seu apren-
dizado e em sua visão de mundo.
Em seus trabalhos, incessantemente retoma-
dos e esclarecidos, Bernstein está especialmente

26
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LfNGUA

preocupado com problemas de lógica e de semânti-


ca. Sua tese principal é de que o aprendizado e a
socialização são marcados pela família em que as
crianças são criadas, que a estrutura social determi-
na, entre outras coisas, os comportamentos
lingüísticos. De uma perspectiva sociológica,
~
Bernstein está fortemente marcado por Emile
Durkheim: "Em certo sentido, os conceitos de códi-
go restrito e de código elaborado têm origem nas
duas formas de solidariedade distinguidas por
Durkheim?", Suas primeiras publicações (essencial-
mente artigos) foram inicialmente recebidas de
modo positivo, pois era a primeira vez que se tenta-
va uma descrição da diferença lingüística partindo da
diferença social. Mas, pouco a pouco, passar-se-á a
contestar primeiramente sua oposição binária en-
tre dois códigos (não se trataria mais propriamente
de UlTI continuuméí e depois seus conceitos lin-
güísticos. Foi sobretudo William Labov, ao pesquisar
a fala dos negros americanos, que desenvolveu es-
sas críticas, mostrando que Bernstein não descre-
via verdadeiramente códigos, luas sobretudo estilos,
que ele não apresentava nenhuma teoria descritiva:
"Quando se trata de descrever o que realmente se-
para os falantes da middle elass dos falantes da
workinq class, somos expostos a uma proliferação
de eu acho, de passivas, de modais e auxiliares, de

12. Basil Bernstein, Lan/lalJc et classes sociales, Paris, Éd. de


Minuit, 1975, p. 306.

27
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

pronomes de primeira pessoa, de termos raros etc.


Mas do que se trata, senão de limites [...] Prestare-
mos a nós mesmos um grande serviço quando che-
garmos enfim a distinguir no estilo da middle class
o que é questão de moda e o que realmente ajuda a
exprimir suas idéias com clareza" u.
Bernstein por certo responderá a essas críticas
(particularmente no posfácio a Linguagem e classes
sociais), mas suas teses terão cada vez menos eco na
comunidade dos lingüistas e hoje ele é bem pouco
citado e utilizado. E contudo ele significou uma vi-
rada na história da sociolingüística: Bernstein foi
uma espécie de catalisador, de acelerador na lenta
progressão rumo a uma concepção social da língua,
e o fato de suas teses terem sido depois rejeitadas
em nada diminui o papel que ele desempenhou'.

4. William Bright: uma tentativa de síntese

De l l a 13 de maio de 1964, por iniciativa de


William Bright, 25 pesquisadores se reuniram em
Los Angcles para uma conferência sobre a
sociolingüística. 8 eram da UeLA, a universidade
que organizava a conferência, 15 outros eram ame-
ricanos e só 2 participantes vinham de outro país (a

13. William Labov, Le parler ordinairc, t. 1, Paris, Éd. de


Minuit, 1978, p. 1:36.
c. O leitor brasileiro dispõe de uma discussão das teses de
Bernstein na obra de Magda Soares, Linquaqem e escola: uma pers-
pectiva social, São Paulo, Ática, 1985 [no do E.].

28
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LfNGUA

Iugoslávia), mas estavam temporariamente na


UeLA. 13 dentre eles apresentaram comunicações:
Henry Hoenigswald, ]ohn Gumperz, Einar Haugen,
Raven McDavid]r., William Labov, DeU Hymes,]ohn
Fisher, William Samarin, Paul Friedrich, Andrée
Sjoberg, ] osé Pedro Rona, Gerald Kelley e Charles
Ferguson. Os temas abordados eram variados: a
etnologia da variação lingüística (Gumperz], a plani-
ficação lingüística (Haugen), a hipercorreção como
fator de variação (Labov), as línguas veiculares
(Smarin, Kelley), o desenvolvimento de sistemas de
escrita (Sjoberg), a equação de situações sociolingüís-
ticas dos Estados (Ferguson) ... e os referenciais teó-
ricos não eram menos variados.
William Bright, que se encarregará da publica-
ção das atas, tenta em sua introdução sintetizar es-
sas diferentes contribuições. Ele nota, já de princí-
pio, que a sociolingüística "não é fácil de definir com
precisão". Seus estudos, ele acrescenta, dizem res-
peito às relações entre linguagem e sociedade, mas
essa definição é vaga, e ele então esclarece que "uma
das maiores tarefas da sociolingüística é mostrar que
a variação ou a diversidade não é livre, mas que é
correlata às diferenças sociais sistemáticas"!'. Ele
se propõe então elaborar uma lista das "dimensões"
da sociolingüística, afirmando que em cada interse-
ção de duas ou mais dessas dimensões se encontra
um objeto de estudo para a sociolingüística. As três

14. William Bright (org.], Sociolinuuistics. Proccedinqs oflhe


U'Cl.A Sociolinouistus Conjercncc, La Haye-Paris, Mouton, 1966, p. 11.

29
SOCIOLlNGüíSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

primeiras dessas dimensões aparecem em resposta


a uma pergunta: quais são os fatores que condicio-
nam a diversidade lingüística? E ele distingue três
fatores principais: a identidade social do falante, a
identidade social do destinatário e o contexto, situ-
ando-se assim no marco de uma análise lingüística
que tomou emprestadas noções-chave da teoria da
comunicação (emissor, receptor, contexto). As qua-
tro dimensões seguintes são para ele:
a oposição sincronia/diacronia;
os usos lingüísticos e as crenças a respeito dos usos;
a extensão da diversidade, com uma tríplice classifi-
cação: diferenças multidialetal, multilingual ou
multissocietal;
as aplicações da sociolingüística, com mais uma clas-
sificação em três partes: a sociolingüfstica como diag-
nóstico de estruturas sociais, como estudo do fator
sócio-histórico e como auxílio ao planejamento.

E ele concluía: "Parece provável que a sociolin-


güística entre em uma era de rápido desenvolvimen-
to; podemos esperar que a lingüística, a sociologia e
a antropologia venham a sentir seus efeitos"!' . Este
texto tem, especialmente hoje, um valor histórico: o
encontro de maio de 1964 marca, com efeito, o nas-
cimento da sociolingüística que se afirma contra
outro modo de fazer lingüística, o modo de Chomsky
e da gramática gerativa", Mas Bright só pode conce-

15. Idem, ibidem, p. 1S.


16. Louis-Iean Calvet, Aux origines de la sociolinguistique,
la conférence de sociolingusitique de l'UCLA (1964), in Langage
et societé, n. 88, junho de 1999.

30
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LíNGUA

ber a sociolingüística como uma abordagem anexa dos


fatos de língua, que vem complementar
,
a lingüística
ou a sociologia e a antropologia. E essa subordinação
que vai pouco a pouco desaparecer com Labov.

5. Labov: a sociolíngüística é a lingüística

Vimos que Meillet não demorou a se opor às


concepções da lingüística propostas por Ferdinand
de Saussure. O lingüista americano William Labov"
não se enganou acerca disso e, numa nota, assim
analisa a contribuição de seu predecessor e os limi-
tes da lingüística saussuriana: "Meillet, contempo-
râneo de Saussure, pensava que o século XX veria a
elaboração de um procedimento de explicação histó-
rica fundado sobre o exame da variação lingüística
enquanto inserida nas transformações sociais (1921).
Mas discípulos de Saussure, como Martinet (1961),
aplicaram-se a rejeitar essa concepção, insistindo for-
temente em que a explicação lingüística se limitasse
às inter-relações dos fatores estruturais internos. Com
essa atitude, aliás, eles estavam seguindo o espírito
do ensino saussuriano. Com efeito, um exame
aprofundado dos escritos de Saussure mostra que,
para ele, o termo 'social' significa simplesmente 'pluri-
individual', nada sugerindo da interação social sob
seus aspectos mais gerais".

17. William Labov, Sociolinquistique, Paris, J:<:d.de Minuit,


1976, p. 259 Cedo or.: Sociolinquistic Patterns, Philadelphia,
University of Pennsylvania, 1972).

31
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

E adiante, depois de ter apresentado exemplos


fonológicos da influência negra sobre o falar de Nova
York, Labov conclui com um retorno a Meillet: "Es-
ses exemplos dão peso ao que Meillet afirmava, que
é preciso buscar a explicação da irregularidade das
variações lingüísticas nas flutuações da composição
social da comunidade lingüística"18.
Quando, em 1966, Labov publica seu estudo
sobre a estratificação social do Irl nas grandes lojas
de departamento nova-iorquinas, texto que soa COlTIO
um manifesto, pode-se ver ali uma retomada das
idéias de Meillet. Encontra-se o mesmo tom desde o
título do capítulo 8 de Sociolinguistic Patterns, "Es-
tudo da língua em seu contexto social", e uma pas-
sagem mostra claramente o laço que une Labov a
Meillet: "Para nós, nosso objeto de estudo é a estrutu-
ra e a evolução da linguagem no seio do contexto social
formado pela comunidade lingüística. Os assuntos
considerados provêm do campo normalmente chama-
do 'lingüística geral': fonologia, morfologia, sintaxe e
semântica [...l. Se não fosse necessário destacar o con-
traste entre este trabalho e o estudo da linguagem fora
de todo contexto social, eu diria de bom grado que se
trata simplesmente de linqidstica':", Henry Boyer, em
um livro de apresentação da sociolingüística, quali-
fica esta afirmação de "polêmica'?". Contudo não

18. Idem, ibidem, p. 425.


] 9. Idem, ibidem, p. 258.
20. Henry Boyer, Éléments de sociolinquistiquc, Paris, Dunod,
1991, p. 5.
A LUTA POR UMA CONCEPÇÃO SOCIAL DA LíNGUA

há aqui nada de polêmico. Trata-se simplesmente


da afirmação de um princípio segundo o qual não é
possível distinguir entre uma lingüística geral que
estudaria as línguas e uma sociclingüística que le-
varia em conta o aspecto social dessas línguas: em
outros termos, a sociolingüística éa lingüística. Labov
radicaliza Meillet levando a sério até o fim a definição
da língua como fato social, mas a comparação pára
aqui. Meillet, comparatista de alto nível, trabalhou so-
bretudo com línguas mortas, enquanto Labov traba-
lha continuamente com situações contemporâneas
concretas, enfrenta problemas de metodologia da pes-
quisa, em suma, constrói um instrumento de descri-
ção que tenta ultrapassar, integrando-os, os métodos
heurísticos da lingüística estrutural (ver capo 11l). De
suas pesquisas nascerá a corrente conhecida pelo
nome de "lingüística variacionista"

6. Conclusão

Os anos 1970 vão constituir uma virada. Ve-


mos doravante serem publicadas revistas ou coletâ-
neas de artigos referindo-se explici tamen te à
sociolingüística, que adquire mais e mais importân-
cia e vem deslocar posições consideradas definitivas.
Citemos, em 1972, Pier Paolo Giglioli que publica
Language and Social Context", obra na qual encon-
tramos os nomes de ]oshua Fishman, Erving

21. Pier Paolo Giglioli, La nauaqc a nd Social Context,


Harmondsworth, Midd., Penguin Books, 1972.

33
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTlCA

Goffrnan, Basil Bernstein, William Labov, J ohn


Gumperz, Charles Ferguson etc. Os textos seleciona-
dos já tinham sido todos publicados (entre 1963 e
1971) de modo isolado, mas esse reagruparnento,
após a obra de Bright, é o indicador de uma nova
corrente na lingüística. No mesmo ano, a mesma
editora publicava Socioiinquistics", outra seleta de
artigos organizados por J. B. Pride e Janet Holmes,
na qual encontramos, entre outras, contribuições de
J oshua Fishman, Einar Haugen, Charles Ferguson,
William Labov, John Gumperz etc. Dois anos mais
tarde, era publicado um pequeno livro de Peter
Trudgill, Sociolinquistics, an tntroâuction, que fazia
uma avaliação do estado da ciência, dando numero-
sos exemplos de pesquisas concretas". No mesmo
ano, na França, era publicada uma Introduction à la
sociolinguistique que resumia essencialmente diferen-
tes teorias e concedia amplo espaço à abordagem
marxista da língua". Para falar das revistas, indi-
quemos Lanquaqe in Socictu, que começa a circular
em 1972, depois o International [ournal of the
SociologU ofLanguage, a partir de 1974 ... e essa ati-
vidade em várias frentes é um indicador irrefutável
de mudança: a luta por uma "concepção social da
língua" está em vias de se concretizar.

22. J. B. Pride, J. Holmes, Sociolinquistics, Harmondsworth,


Midd., Penguin Books, 1972.
23. Peter Trudgill, Sociolinqusitics, a n I ntroduction,
Harmondsworth, Midd., Penguin Books, 1974.
24. jean-Baptiste Marcellesi, Bernard Gardin, lntroduction
à la sociolinquistiquc, la linquistiqur socialc, Paris, Larousse, 1974.

34
CAPfTULO 11

LíNGUAS EM CONTATO

Há na superfície do globo entre 4.000 e 5.000


línguas diferentes e cerca de 150 países. UnI cál-
culo simples nos mostra que haveria teoricamente
cerca de 30 línguas por país. Como a realidade não
é sistemática a esse ponto (alguns países têm menos
línguas, outros, muitas mais), torna-se evidente que
o mundo é plurilíngüe em cada U111 de seus pontos
e que as comunidades lingüisticas se costeiam, se
superpõem continuamente. O plurilingüismo faz
com que as línguas estejam constantemente em
contato. O lugar desses contatos pode ser o indi-
víduo (bilíngüe, ou em situação de aquisição) ou a
comunidade, E o resultado dos contatos é U111 dos
primeiros objetos de estudo da sociolingüística,

1. Empréstimos e interferências

"A palavra interferência designa um remane-


jamento de estruturas resultante da introdução de
elementos estrangeiros nos campos mais fortemen-
te estruturados da língua, COl110 o conjunto do

35
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

sistema fonológico, uma grande parte da morfologia


e da sintaxe e algumas áreas do vocabulário (pa-
rentesco, cor, tempo etc.}'",
Assim Uriel Weinrich definia em 1953 a in-
terferência, em seu livro, Lanquaqes in Contact. Se
esta obra marcou e se ainda hoje é lida, mais de
quarenta anos depois de sua publicação, é porque
ela foi a primeira a ir direto ao ponto, com pers-
picácia e profundidade, dos problemas do bilingüis-
mo. Mas a definição que acabamos de citar, que
poderia se aplicar ao problema das línguas em con-
tato na sociedade, só será utilizada por Weinrich
em referência ao indivíduo bilíngüe, Ele considera-
va que as línguas estavam em contato quando eram
utilizadas alternadamente pela mesma pessoa.
Podemos distinguir três tipos de interferên-
cia: as interferências fônicas, as interferências sin-
táticas e as interferências lexicais. O quadro ao
lado, emprestado de Weinrich, apresenta os
fonemas de um dialeto alemânico falado na aldeia
de Thusis (schwJjzertütsch) e de uma variedade do
romanche falada na aldeia de Feldis (essas duas
aldeias se encontram nos Grisões, na Suíça}".

1. Uriel Weinrich, Languages in Contact, New York, 1953,


republicado por Mouton, Haia, 1963.
2. Weinrich, Languages in Contact, p. 15.

36
LíNGUAS EM CONTATO

INTERFERÊNCIA FÔNICA

Romanche Schwyzertütsch
(Feldis) (Thusis)

m n m n
b d g B D G

P t ~
k p t (k)
ts ts ~
ts ts ~
f s s h f s s h
v z [TI v z
1 [SJ 1
r r
.
J. [W] J.
.
'--I
1 U 1 U 1" Y' u'
1
I
1
O
._j
e ~ O e' 0' O·
,I:
L. .. __
ai.._J re o re' O'

1'1 Acento 1'1 Acento

A oposição entre vogais breves e vogais lon-


gas em schwyzertütsch levanta problemas, porque
em romanche as vogais são longas e1n certos con-
textos e breves em outros. Disso resulta, de um
lado, confusões entre algumas palavras e, de ou-
tro, um "sotaque" romanche em schwyzertütsch.
Encontraremos um exemplo semelhante na difi-
culdade que os brasileiros podem ter para realizar
a distinção inglesa entre o li:1 longo e o /i/ breve
em palavras como sheep e ship, sheet e shit etc.
As interferências sintáticas consistem em or-
ganizar a estrutura de uma frase em determinada

37
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

língua
,
B segundo a estrutura da primeira língua
A. E como um italianófono produzir em francês,
partindo do modelo corrente de frases como vienne
la pioD/lia ("vem chuva") ou suona il telefono ("toca
o telefone"), frases como sonne le téléphonc',
No campo lexical, as interferências mais sim-
ples são as que consistem em cair na armadilha
dos falsos cognatos, quando um inglês, por exem-
plo, utiliza em francês o termo instance com o
sentido de "exemplo" que ele tem em sua língua.
Podem-se também encontrar traduções literais:
estar direito entre os portugueses dos Estados
Unidos traduzindo diretamente o inglês to be riqlu;
"estar certo, ter razão". Ou ainda criações em urna
língua calcadas no modelo de outro: o francês do
Quebec está cheio de exemplos desse tipo, como
vivoir para "sala de estar" (inglês: living roomv:
Mas a interferência lexical é mais freqüente quan-
do as duas línguas não organizam do mesmo modo
a experiência vivida. Encontram-se, por exemplo,
no francês da África um uso do verbo ga<-qner de
sentido muito amplo ("ganhar", 111astambém "ter",
"possuir"), acepção calcada no modelo de algumas
línguas africanas que têm apenas um verbo para

a. Ao contrário do português e do italiano, o francês não


admite normalmente a inversão da ordem sujeito-verbo. Por isso,
sonne le réléphonc, com o verbo antes do sujeito, causa estranheza
para um falante nativo de francês [nodo E.].
b. O termo vivoir deriva do verbo vivre ("viver"), tentando
reproduzir portanto a idéia contida em Iivina rOO1n (literalmente,
"espaço para viver") [no do E.].

38
LíNGUAS EM CONTATO

essas noções. Dessa forma, uma frase como Ma


[emme a gagné petit significará que ela teve um
filho e não que ganhou em alguma loteria ...c
Levada ao limite de sua lógica, a interferência
lexical pode produzir o empréstimo: mais que pro-
curar na própria língua um equivalente a um termo
de outra língua difícil de encontrar, utiliza-se direta-
mente essa palavra adaptando-a à própria pronún-
cia. Contrariamente à interferência, fenômeno indi-
vidual, o empréstimo é um fenômeno coletivo: todas
as línguas tomaram empréstimos de línguas próxi-
mas, por vezes de forma massiva (é o caso do inglês
emprestando ao francês grande parte de seu vocabu-
lário), a ponto de se poder assistir, em contrapartida,
a reações de nacionalismo lingüístico. Como, por
exemplo, no Quebec e, em certa medida na França
e no Brasil, onde se desenvolveu um movimento
oficial de luta contra os empréstimos. Voltaremos a
este ponto no último capítulo deste livro'',

2. As línguas aproximativas

oplurilingüismo suscita evidentemente um


problema diferente, quando um falante se encon-

c. Curiosamente, no português brasileiro, também se usa o


verbo qanhar com sentido de "dar à luz": "Minha irmã ganhou
neném" [n, do E.I.
d. Para o caso do Brasil, cf. Carlos Alberto Faraco (org.),
Estranacirismos -Jjucrras em torno da linqua [Coleção "Na ponta
da língua, 1"], São Paulo, Parábola Editorial, 2001 [nodo T].

39
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

tra numa comunidade cuja língua ele não conhe-


ce. Temos aqui dois casos típicos: pode se tratar de
uma pessoa que está de passagem (um turista, por
exemplo), que tentará então lançar mão de urna
terceira língua que tanto ele como a comunidade
em que se encontra conheçam, Neste caso, ele se
vale do que se chama uma língua veicular, noção
à qual retornaremos adiante. Mas pode se tratar
também de uma pessoa que tem a intenção de
permanecer naquela comunidade, sendo-lhe, por
isso, necessário, para se assimilar, adquirir a lín-
gua da comunidade de acolhida. Esta é a situação
na qual se encontram os trabalhadores migrantes,
que ch egarn a seu país de acolhida sem conhecer,
ou sabendo benl pouco a língua. Eles são forçados /

a adquirir essa língua no ambiente de trabalho. E


interessante analisar esse tipo de aquisição. Veja-
mos a seguir um curto excerto de conversação com
um imigrante espanhol em Paris que exemplifica
claramente o fenômeno:
- Vous l'aviez connue avant de venir en France?
- Ah non! Mais non, c'est porque yo habia
metté une annonce SUl' un, journal Figuro, y elle
me va escrir. Et ma une otra petite qui travaille à
Paris va me mener'.
Temos aqui uma aproximação do francês,
cujas características mostram bem a origem lin-
güística da falante:

3, Christine de Heredia, Le français parlé des migrants,


.J'causejl'ançais, non, Paris, La Découverte, 1983, p, 101.

40
LÍNGUAS EM CONTATO

termos espanhóis no texto "francês": porque em vez


de pourquoi, otra em vez de autre;
termos inventados, produzidos por uma interferên-
cia entre as duas línguas: escrir em vez de écrire (em
espanhol é escribir);
misturas sintáticas: lfO habia metté em vez de j'avai
mis, onde encontramos ao mesmo tempo um segmen-
to espanhol e um mau uso do particípio passado ir-
regular do verbo mettre etc.

Pode-se também pensar que essa situação im-


plica não mais um indivíduo, mas um grupo so-
cial, confrontado com outro grupo cuja língua ele
não fala e que, por sua vez, também não fala a sua.
Se não há uma terceira língua disponível, e se os
dois grupos têm necessidade de se comunicar, eles
vão inventar para si outra forma de língua aproxi-
Inativa, geralmente urna língua mista. Por is '0 se
falou, até o século XIX, nos portos do mar Medi-
terrâneo, a lingua franca, forma lingüística basea-
da no italiano com um vocabulário que também
fazia empréstimos às outras línguas do coutorno
mediterrâneo. Moliere, em O burquês fidalgo (ato
IV, cena V), recriou uma passagem em lingua fran-
ca. Não se trata exatamente do sabir tal qual fala-
do nos portos do Mediterrâneo, mas podemos
encontrar em seu exemplo as características de
certas formas lingüísticas: nelas os pronomes são
reduzidos a uma só forma (ti para "tu" e "ti") e os
verbos ficam todos no infinitivo:

41
SOCIOLINGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Texto de Moliere Tradução


Se ti sabir Se sabes
Ti respondir Respondas
Se non sabir Se não sabes
Tazir, tazir Cala-te
Mi star Mufti Sou Mufti
Ti qui star ci, Tu, quem és?
Non intendir Se não compreendes
Tazir, tazir Cala-te

Estas formas, chamadas de sabirs, são origi-


nalmente utilizadas entre comunidades que não
têm língua comum, mas que mantêm, por exem-
plo, relações comerciais. Trata-se de um sistema
extremamente restrito: algumas estruturas sintáti-
cas e um vocabulário limitado às necessidades de
comunicação imediata. Quando essas formas co
brem necessidades de comunicação mais amplas e
seu sistema sintático se torna mais desenvolvido,
fala-se de pidqins, cujo primeiro exemplo é o in-
glês pidgin que se desenvolveu nos contatos co-
merciais entre ingleses e chineses ao longo da costa
do mar da China, tomando o vocabulário empres-
tado ao inglês e sua sintaxe ao chinês (a origem do
termo pidqin seria, aliás, a deformação do termo
inglês business, o que indicaria bem a função so-
cial dessa forma lingüística). Essas formas aproxi-
mativas, ao contrário das formas individuais que
evocamos acima nas situações de aquisição, geral-
mente não estão destinadas a evoluir para uma
prática da língua melhorada. Elas são simplesmen-
te auxiliares utilizadas em uma situação de contato.

42
LíNGUAS EM CONTATO

3. Misturas de línguas, aIternâncias de


código e estratégias lingüísticas

Quando um indivíduo se confronta com duas


línguas que utiliza vez ou outra, pode ocorrer que
elas se misturem em seu discurso e que ele produ-
za enunciados "bilíngües". Aqui não se trata mais
de interferência, mas, podemos dizer, de colagem,
de passagem em um ponto do discurso de urna
língua a outra, chamada de mistura de línguas (a
partir do inglês code mixinqí ou de alterná ncia de
código (com base no inglês code switcnina), segun-
do a mudança de língua se produza durante uma
mesma frase ou se dê na passagem de uma frase a
outra. Vejamos um primeiro exemplo, extraído de
uma conversa entre mulheres espanholas vivendo
na Suíça, em Neuchâtel: "Ahora, con cabronas de
pornemelos en lo alto de la oficina, en lo alto de
la mesa de la oficina; sin explicación y sin na! Ça
va pas ou quoi? Por quién se torna este imbecil
que apesta a vaca, eh? Y subo y digo, dice: bueno,
je vais voir si je trouve, je monte tout de suite'".
A inserção de segmentos em francês (ça vas
ou quoi?, je vais voir si je trouve, je monte tout de
suite) em um discurso em espanhol testemunha
aqui a situação de contato de línguas em que se
encontra a falante e constitui, segundo o autor, o
"falar bilíngüe", uma mescla de línguas, na verda-

4. jean-Prançois de Pietro, Vers une typologie des situations


de contacts linguistiques, La I1/Ja/le ct Societé. n. 43, março de 1988.

43
SOCIOLlNGüíSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

de, que é certamente comum às duas pessoas: as


duas são espanholas, as duas trabalham em um
contexto francófono e a alternância entre uma lín-
gua e outra funciona o mais das vezes como cita-
ção de um fragmento de discurso que foi enuncia-
do em outra língua, ou como modo de ancorar o
discurso na realidade à qual ele se refere: não há,
aqui, estratégia particular.
A alternância de código ou a mistura de lín-
guas podem responder a estratégias conversacio-
nais, fazer sentido. Vejamos um exemplo de con-
versação em uma família de origem italiana viven-
do no Canadá anglófono. Os pais nasceram na
Itália, os quatro filhos nasceram no Canadá e uma
dentre eles, uma filha, está na França estudando.
Toda a família lhe envia uma espécie de carta oral,
gravação numa fita cassete de uma conversa cole-
tiva dirigida à filha/irmã ausente:
Irmã caçula - E goes, "oh those Marines, dangerous 'n"".
Irmão - Yup; Stay away from i marins e tutti soldat (risos).
Irmã caçula - E tuiji soldat (risos).
Pai - E mit sendcmind nde ...
Irmã caçula - Ah' Ok (irmão: risos).
Pai - E nen fa la Stupet la ma'Em a la franóg pe fal:a
devend'da kju smart envEc a'pu/ ... Anh.
Irmã caçula - Fa kju Stupet.
Pai - An (kju) keva ala skol e kju se devendEm le kos bon',

5. Elena Silvestri, Choix de langues et rôles discursifs dans


une conversation familiale italo-canadienne, Plurilinquismes, n. 1,
1990, pp. 75-90.

44
li

LíNGUAS EM CONTATO

TRADUÇÃO
(trechos em inglês em negrito, trechos em italiano em itálico)
Irmã caçula - Ele está dizendo: oh, esses "marines"
são perigosos.
irmão - Vê lá, evita liasmarines e todo' ossoldados" (risos).
Irmã caçula - E todos os soldados (risos).
Pai - Seja esperta, não ...
Irmã caçula - Ah, ok! (irmão: risos).
Pai - E não vá fazer besteira. Nós mandamos ela pra Fran-
ça pra ela se tornar mais inteligente, e não pra depois...
Irmã caçula - Ela virar mais burra.
Pai - Vê lá, quanto mais se vai a escola, mais coisas boas
alguém pode ser.
Vemos que a irmã caçula começa citando, em
inglês, uma frase que o pai proferiu em italiano
(mas ela pronuncia a palavra periaosos com o so-
taque italiano do pai). O irmão encadeia em in-
glês, nlas cita a frase do pai em italiano, frase que
a irmã caçula retoma, sempre em italiano. Duran-
te toda a conversação o pai só fala italiano, mas
introduz em seu discurso um termo inglês (smart).
Desse modo, as mudanças de língua efetuadas
pelos filhos têm aqui uma função irônica: trata-se,
toda vez, de zombar do pai, de encenar lingüística-
mente seu comportamento, a alternância corres-
pondendo, portanto, a uma estratégia.
Vejamos outro exemplo de alternância de códi-
go, correspondendo ao que se chama de negociação
da língua de interação". Na cidade de Montreal

6. Monica HeIler, Negotiations of Language Choice in Mon-


treal, in john Gumperz, Lan!Juage anel Social idcntitu, Cambridge,
Cambridge University Press, 1982, pp. 108-118.

45
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

(Quebec), majoritariamente francófona, o inglês


está em tal progressão que os francófonos se de-
fendem COIU uma verdadeira bateria de leis lin-
güísticas. Uma das conseqüências dessas leis é que
a administração deve ser bilíngüe, e a situação é
tão complexa e tão crítica que o autor observa que
comprar um par de meias se tornou um ato polí-
tico ... É imprescindível escolher a língua de comu-
nicação sem impor ao outro a língua que ele não
fala ou não quer falar.
O exemplo abaixo é uma conversa telefônica
entre a telefonista do serviço de marcação de con-
sultas de um hospital e uma paciente:
Telefonista - Central Booking, may I help you?
Paciente - Oui, allô?!
Telefonista - Bureau de renseignement, est-ce
que je peux vous aider?
Paciente - (passa a falar francês)
Telefonista - (permanece falando francês)
Paciente - (passa a falar inglês)
Telefonista - (em inglês)
Paciente - (volta ao francês)
Telefonista - (em francês)
Paciente - Êtes vous française ou anglaise?
7clejànista - N' importe, j'suis ni l'une ni l'autre.
Paciente - Mais ...
Tclejonista - Ça ne fait rien.
(A comunicação continua em francês).
Os comentários de Monica Heller a esta con-
versação podem ser assim resumidos:

46
LíNGUAS EM CONTATO

durante toda a conversa, as duas falantes dão prova


de que dominam tanto o inglês como o francês;
mas em sua primeira réplica ("oui, allô") , a paciente
força a telefonista a repetir sua frase, como quem
diz: "Não podemos ter essa conversa sem saber se
nos decidimos a falar inglês ou francês". Ela poderia
também perguntar "Você fala francês?", e a telefo-
nista poderia responder "Sim", ou "Um pouquinho"
ou pedir à paciente para falar devagar, ou ainda cha-
mar alguém, pedir para ser substituída por um
francófono (ela é realmente anglófona e espontanea-
mente atende o telefone falando inglês);
a telefonista escolhe seguir a paciente em francês. A
paciente, não satisfeita, passa ao inglês e por fim
pergunta à telefonista que língua é a dela. A telefo-
nista se recusa (em francês) a responder, e a conver-
sa segue em francês. Assim termina a negociação, e a
escolha de uma das línguas significa que a paciente
fez o explícito pedido de falar francês e que a telefo-
nista avalia falar um francês suficientemente bom.
A conversação pode então prosseguir.

No próximo caso, ao contrário, a comunica-


ção chega ao fim antes que a negociação gere um
acordo. Essa conversa foi gravada no bar d um
hotel, em ereta. Um hóspede (que falava francês
com sua mulher no momento em que chega o
garçom) se dirige ao garçom em grego:
Hóspede - KaÀf)OlTEpa ("Boa tarde").
O garçom lhe responde em francês, e as res-
postas vão alternar grego e francês:
Garçom - Bonsoir monsieur ("Boa tarde, senhor").

47
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Hóspede - EXETE OuÇo? ("O senhor tem ouro?").


Garçom - De 1'ouzo, bien sür monsieur
("Ouzo ... temos sim, senhor").
Hóspede - Ola ouça. rrcpcxoxo ("dois OUZO,
por favor" com um erro de grego: dia em vez de dio).
Garçom - blO? ("dois?": o garçom repete o
adjetivo numeral em sua forma correta).
Hóspede - Nm, OlO ("sim, dois": o hóspede
aceitou a correção).
Garçom - Tout de suíte monsieur ("Agora
mesmo, senhor"}
Esta interação pode parecer paradoxal, pois
durante seu desenrolar cada um fala, até o fim, a
língua do outro (o grego só intervém em grego
uma vez, para corrigir um erro cometido pelo
hóspede). Temos aqui um exemplo quase
caricatural de alternância de código. A interação é
muito curta para que se possa julgar a capacidade
de cada um dos interlocutores de avançar em uma
conversação em uma ou outra das línguas. Mas
fica claro que o garçom quer mostrar sua compe-
tência "profissional" em francês e que o hóspede
insiste em mostrar que pode falar grego. Por isso,
quando ele diz EXETE OuÇo?, não está simples-
mente perguntando se há ouzo (certamente há; o
ouzo é simplesmente a bebida nacional da Grécia ...),
ele mostra ao mesmo tempo que pode fazer essa
pergunta em grego (apesar de saber muito bem que
em um bar de um hotel internacional o garçom com-
preenderá francês ou inglês). Por sua vez, o garçom
48
LiNGUAS EM CONTATO

poderia contentar-se com um diálogo em grego: ele


compreende perfeitamente o que lhe diz o hóspede,
segundo suas respostas. Mas, ao responder à per-
gunta citada acima: "De l'ouzo, bien súr monsieur",
ele diz que há ouzo, certamente (o que é evidente),
mas demonstra ao mesmo tempo que compreendeu
o grego do hóspede e indica sobretudo que identifi-
cou o sotaque francês do hóspede e que prefere falar
francês ou se recusa a falar grego.
Nessa curta seqüência, ocorrem muito mais
coisas do que o simples pedido de duas bebidas: de-
senrola-se um conflito de papéis quanto à escolha da
língua de intercâmbio, e o intercâmbio chega ao fim
sem que nenhum dos interlocutores recue. Contudo,
mesmo ninguém vencendo, o garçom marcou um
ponto simbólico ao corrigir um erro de grego do
hóspede e ao não cometer nenhum erro em francês.
Vejamos agora uma última situação de comu-
nicação plurilíngüe: um colóquio sobre a língua
galega, reunido na primavera de 1991 em uma cida-
dezinha da Galiza, do qual participavam, além de
uns cinqüenta participantes galegos, quatro convi-
dados estrangeiros:
um belga, de primeira língua flamenga, mas falante
também do francês, do alemão, do inglês, do espanhol
e praticante de uma "aproximação do galego", valen-
do-se da forma fonética de seu espanhol e produzindo
algo como um espanhol pronunciado à portuguesa;
um francês 1 que só falava francês;
um francês 2 que falava espanhol, italiano e inglês;
um italiano que falava francês, inglês e espanhol.

49
SOCIOLlNGÜrSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Os quatro convidados falavam francês entre


si. No quadro do colóquio, os galegos só falavam
galego, o belga falava sua "aproximação do gale-
go", os três outros falavam francês. Mas fora do
colóquio, nos cafés ou restaurantes, as coisas eram
bem diferentes. O francês 1 falava francês, sua
única língua, e todo mundo lhe falava em francês.
Os galegos, de acordo COlU seu domínio do fran-
cês, falavam francês ou espanhol com os outros
três convidados estrangeiros, o francês 2 e o italia-
no falavam espanhol ou francês com os galegos,
francês ou, às vezes, italiano entre si, o belga fa-
lava igualmente francês ou espanhol (reservando
sua "aproximação do galego" para as situações
formais do colóquio). Isto significa que tínhamos
ali comportamentos lingüísticos ditados seja pela
necessidade (falar a única língua que se domina: é
o caso do francês 1), seja por estratégias mais
complexas: para os galegos, recusar-se a falar espa-
nhol no colóquio configurava uma demonstração
de suas posições políticas (todos eles eram mili-
tantes de sua língua), e, para o belga, falar sua
aproximação do galego era uma manifestação de
seu apoio à causa dos galegos (falo a língua de
vocês, estou de seu lado).
Misturas de línguas e alternâncias de código
podem ter, portanto, funções diversas. No exem-
plo ítalo-canadense, tratava-se de zombar docemen-
te do pai; no exemplo quebequense, de decidir em
comum acordo qual seria a língua da interação; no

50
LíNGUAS EM CONTATO

exemplo grego, cada um queria provar sua compe-


tência na língua do outro etc. Mas eln todos os
casos, o contato das línguas produz situações nas
quais a passagem de uma língua a outra reveste
uma significação social. A telefonista e a paciente
chegam, por fim, a um acordo (implícito), o hós-
pede do hotel e o garçom não chegam a acordo
algum, os participantes galegos do colóquio im-
põem sua língua aos convidados estrangeiro . A
cada vez, a comunicação se produz a despeito do
plurilingüisrno, ou sobretudo sob a forma de ad-
ministração do plurilingüismo. Mas o bilingüismo
social nem sempre é tão harmonioso. Ele pode
também ser confli tu oso.

4. O laboratório crioulo

o contato entre línguas não produz apenas


interferências, alternâncias e estratégias. Ele gera
sobretudo um problema de comunicação social. Vi-
mos um tipo de resposta a esse problema sob a
forma de línguas aproximativas (sabir, pidgin), que
têm como característica não ser a primeira língua
de ninguém. Mas algumas situações sociológicas
fazem com que as línguas primeiras percam a efi-
cácia comunicacional, quando as populações estão
a tal ponto misturadas que ninguém fala a língua
/

do outro. E, por exemplo, o que se produziu nos


/

deslocamentos de escravos da Africa para as ilhas:


51
SOCIOLlNGÜrSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRrTICA

de origens diferentes, misturados nas plantações,


os negros não podiam se comunicar em suas lín-
guas primeiras e tiveram de criar para si uma lín-
gua aproximativa, um pidgin.
O modo de emergência dos crioulos, ligada
ao comércio triangular e ao tráfico de escravos, é
ainda objeto de discussão na comunidade científi-
ca. Com efeito, nem todos os lingüistas estão de
acordo sobre a origem dos pidgins e dos crioulos
(duas hipóteses se opõem, a hipótese monogenética
e a hipótese poligenética) e sobre seus processos
de formação. Para alguns, um crioulo é um pidgin
que se tornou língua veicular (isto é, a língua
primeira de uma comunidade), tendo um léxico
muito mais ampliado, uma sintaxe mais elaborada
e campos de uso variados. O crioulo se caracteri-
zaria então por um vocabulário emprestado a uma
língua dominante, a dos plantadores, e uma sinta-
xe fundada sobre a sintaxe das línguas africanas.
Outros enfatizam que nenhuma descrição pôde
provar verdadeiramente as relações entre a gramá-
tica dos crioulos e as das línguas africanas e se
inclinam especialmente para ~a hipótese de uma
aproximação de aproximação. E a tese de Robert
Chaudenson. Baseando-se especialmente no crioulo
da ilha da Reunião, defende, com argumentos con-
vincentes, que nUlTI primeiro tempo os escravos,
pouco numerosos e vivendo relativamente perto de
seus senhores, adquiriram um francês sumário ("uma
aproximação do francês") e que, num segundo tem-
S2
LfNGUAS EM CONTATO

po, com a multiplicação do número de escravos, os


recém-chegados aprenderam o "francês" com os
escravos mais antigos (adquirindo assim "uma apro-
ximação da aproximação"). Baseando-se em uma
meticulosa análise da história do povoamento da ilha
da Reunião, ele vê três fases na história dos criou-
los. Antes de tudo, uma primeira fase, de instalação:
"A importância numérica, econômica e social do
grupo branco me leva a pensar sempre mais que
essa fase deve ter sido muito menos caracterizada
pelo surgimento de um pidgin que pela realização de
aproximações do francês pelos falantes que, aliás,
conservavam o uso de sua língua de origem".
i\ segunda fase "começa com o desenvolvi-
mento de culturas coloniais (café ou cana-de-açú-
car) que geram considerável necessidade de mão-
de-obra e de expressivas imigrações, que reduzem
sensivelmente a porcentagem de brancos da popu-
lação total". Durante essa fase, os recém-vindos,
que trabalham nas plantações, têm pouquíssimos
contatos com os brancos. Eles se enquadram no
con texto dos primeiros escravos que são ou do-
mésticos ou capatazes e lhes transmitem seus ru-
/

dirnentos de francês. E no decorrer da terceira fase


que o crioulo vai se estabelecer definitivamente
como um código separado do francês 7, no seio de
uma relação diglóssica (ver abaixo).

7. Robert Chaudenson, Créole et enseiqnemcnt du jrançais,


Paris, L'Harrnattan, 1989, pp. 164-166.

53
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Diante disso, Derek Bickerton avança outra


hipótese, baseada na existência de um "bioprogra-
ma" inato a cada indivíduo, que vai ser ativado e
dar nascimento a um crioulo nas situações sociais
que esboçamos e quando a língua dominante é
imperfeitamente transmitida". O problema ainda
não acabou de ser debatido, e a relativa juventude
das línguas crioulas faz com que seu estudo seja
extremamente importante para a compreensão da
gênese da linguagem. Por isso Claude Hagege fa-
lou de "laboratório crioulo", expressão que reto-
mei no título deste parágrafo.
Entre os numerosos crioulos falados no mun-
do, é preciso destacar os que têm por origem lexical:
o inglês (no Havaí, na Jamaica, na Melanésia, onde
é chamado beach-Ia-mar, bislama, bechez-de-mer, em
Santa Lúcia etc.);
o francês (no Haiti, em Guadalupe, na Martinica, na
Guiana, nas ilhas Seychelles, na ilha da Reunião etc.};
o espanhol (em Porto Rico etc.):
o português (nas ilhas do Cabo Verde etc.).
Não obstante sua extrema variedade e suas signifi-
cativas diferenças, os crioulos às vezes manifestam
traços comuns. Por exemplo, a repetição enfática das
formas verbais:
sé manjé m ap manjé (crioulo das Antilhas francesas),
a nuam mi a nuam (crioulo dajamaica),
come mi ta come (papiamento),

8. Derek Bickerton, Roots ofLanquaae. Ann Arbor, 1981.

54
LíNGUAS EM CONTATO

com o mesmo sentido, "estou comendo", e li-


teralmente "comer estou comendo".
De todo modo, o crioulo é uma língua como
as outras, cuja única característica específica está
em seu modo particular de emergência. Por longo
tempo desprezados, considerados como formas in-
feriores e exatamente por isso sem acesso às fun-
ções oficiais (ensino, administração), hoje os criou-
los são promovidos à posição de língua oficial (nas
ilhas Seychelles e no Cabo Verde) e utilizados em
caráter experimental no ensino (nas Antilhas fran-
cesas e no Hai ti) .

5. As línguas veiculares

Seja qual for a teoria explicativa da origem


dos crioulos que venha a ser unanimemente acei-
ta, vimos que sua emergência implica duas coisas:
um grupo dominante e minoritário (c a língua
desse grupo) de um lado, uma maioria de escravos
dominados de outro, sem uma língua comum.
Mas há outras situações nas quais o plurilin-
güismo cria dificuldades de comunicação entre gru-
pos homogêneos que têm línguas próprias e que
não têm dificuldades em se comunicar entre si.
Veremos um exemplo urbano de uma situação desse
tipo, o da capital do Senegal. Segundo uma pesqui-
sa feita em 1986 nas escolas dessa cidade", podem-

9. Pesquisa inédita de Martine Dreyfus, Dakar, 1986.

ss
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

se encontrar ali sete línguas principais (línguas


primei ras ou ma ternas) (ver gráfico abaixo).

DAKAR 1986

~ s('n:l'l

fJ malldillg
II1II pt·td
O fr;IIlCt'S
bd dinb
LO m.m iak

S/\ N l)i\G ,\
,'" "
)

wolo:
~ wolot. trnuces
IX% II1II pcul
D l'r;lllcl'S

A cada U ma dessas línguas corrcsporidcm fa-


mílias, às vezes bairros, os falantes da línguas vêm
de regiões onde essas línguas são majoritárias (o
diola etn Casarnancc, () peul na região do rio Senegal,
na fronteira C01l1 a Mauritânia etc.), e a comunica-
ção interna é assegurada em peul, em diola ou em
manjak, Mas o que acontece quando os falantes de

;;0
LfNGUAS EM CONTATO

wolof, de peul e de diola se encontram? Em que


língua vão se comunicar? Uma segunda pesquisa,
conduzida num mercado central da cidade, o merca-
do de Sandaga, nos mostra que apenas três línguas
são utilizadas no trato comercial, e que ali o wolof
é a língua amplamente dominante.
Isso significa que as pessoas que têm o wolof
como primeira língua o utilizam para se comuni-
car com as outras pessoas que ~
não têm a mesma
primeira língua que elas. E a definição de uma
língua veicular: uma língua utilizada para a comu-
nicação entre grupos que não têm a mesma primeira
língua. São
,
muitos os exemplos: o swahili que atra-
vessa a Africa da costa leste africana até o Zaire;
o, quíchua na Cordilheira dos Andes; o, sango na
Africa Central; o bambara/ dioula na Africa Oci-
dental etc. 10 Em todos os casos, a emergência de
uma língua veicular é a resposta que a prática so .ial
e comunicativa dos falantes dá ao problema posto
pelo plurilingüismo da comunidade. Essa resposta
pode se traduzir em duas formas diferentes:
a língua veicular pode ser a língua de um dos grupos
em presença (por exemplo, o wolof no Senegal, o
bambara no Mali etc.l:
a língua veicular pode ser uma língua criada, língua
compósita com empréstimos dos diferentes códigos em
presença (por exemplo,o munukutuba no Congo]11.

10. Cf. Louis-lean Calvet, Les ianques véhiculaires, "Que sais-


je?", n. 1916, 1981.
11. Louis-Iean Calvet, Les langues véhiculaires, p. 78.

57
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Para ter idéia da importância da função veicu-


lar de uma língua, calcula-se uma taxa de veicularidade,
ou seja, a relação entre os falantes dessa língua e os que
não a têm como língua primeira. Desse modo, uma
língua utilizada em uma comunidade de um milhão de
habitantes na qua1300.000 a têm como língua primeira
terá urna taxa de veicularidade muito mais expressiva
(70 %) que uma língua utilizada em uma comunidade
de um milhão de habitantes dos quais 700.000 a
têm por língua primeira (30 % ).
De todo modo, é interessante estudar as rela-
ções entre forma e função que o fenômeno veicu-
lar nos revela. Assim, os trabalhos de Paul N zété
no Congo" e de Ndiassé Thiam no Senegal" mos-
tram que em função veicular o lingala, no primei-
ro caso, o wolof, no segundo, se simplificam. A
noção de simplificação não é muito científica. Nós
a utilizamos aqui para designar o fato de que a
língua veicular vê seu sistema gramatical se redu-
zir, se regularizar. De forma que o sistema de clas-
ses dessas duas línguas é mais complexo no meio
rural (onde são sobretudo línguas primeiras) que
no meio urbano, onde são línguas sobretudo vei-
culares. E o fato de a função de uma língua poder
ter influência sobre sua forma é uma das desco-
bertas fundamentais da sociolingüística,

12. Paul Nzété, Le linqala de la chanson zairo-conqolaise de


varietés, tese de doutorado, Universidade René Descartes, Paris, 1991.
13. Ndiassé Thiam, L'évolution du wolof véhiculaire en
milieu urbain sénégalais; le contexte dakarois, Plurilinquismcs, n.
2, Paris, 1990.

58
LfNGUAS EM CONTATO

6. A diglossia e os conflitos lingüísticos


Vimos que para Weinrich o bilingüismo era
um fenômeno individual. Ferguson vai enfrentar
o bilingüismo social quando, num artigo de 195914,
lança o conceito de diglossia, coexistência em uma
mesma comunidade de duas formas lingüísticas
que ele batiza de "variedade baixa" e "variedade
alta", Para esclarecer, ele dá quatro exemplos: as
situações arabofônicas (dialeto/árabe clássico), a
Grécia (demótico/katharevoussa), o Haiti (criou-
lo/francês) e a parte germanófona da Suíça (suíço
alemão/hochdeutch). E ele caracteriza as situações
de diglossia por um conjunto de traços relaciona-
dos a seguir:
uma divisão funcional de usos: a variedade alta é
utilizada na igreja, na correspondência, nos discur-
sos, na universidade etc., enquanto a variedade bai-
xa é utilizada nas conversações familiares, na litera-
tura popular etc.;
o fato de a variedade alta gozar de um prestígio so-
cial de que a variedade baixa não goza;
o fato de a variedade alta ter sido utilizada para pro-
duzir uma literatura reconhecida e admirada;
o fato de a variedade baixa ser adquirida "natural-
mente" (é a primeira língua dos falantes), enquanto
a variedade alta é adquirida na escola;
o fato de a variedade alta ser fortemente padroniza-
da (gramáticas, dicionários etc.):

14. Charles Ferguson, Diglossia, Word, 1959, 15, apud


Giglioli, Lanquaqe and Social Contcxts, 1972.

59
SOCIOLINGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

o fato de a situação de diglossia ser estável e de po-


der durar vários séculos;
o fato de essas duas variedades de uma mesma lín-
gua, ligadas por uma relação genética, terem uma
gramática, um léxico e uma fonologia relativamente
divergentes.

Tudo isso lhe permite definir a diglossia como


"uma situação lingüística relativamente estável, na
qual, além das formas dialetais de uma língua (que
podem incluir um padrão ou padrões regionais),
existe uma variedade superposta muito divergen-
te, altamente codificada (quase sempre gramatical-
mente mais complexa), veiculando um conjunto
de literatura escrita vasta e respeitada (...), que é
estudada sobretudo na educação formal, utilizada
no escrito ou num oral formal, mas não é utilizada
na conversação COIllum em nenhuma parte da
comunidade?".
Alguns anos depois, joshua Fishman retoma
o problema, ampliando a noção de diglossia 16. Ini-
cialmente ele distingue o bilingüismo - fato indi-
vidual, que interessa à psicolingüística - da
diglossia-fenômeno social- e acrescenta que pode
haver diglossia entre mais de dois códigos e, sobre-
tudo, que esses códigos não precisam ter uma ori-
gem comum, uma relação genética. Quer dizer que

15. Ferguson, Diglossia, p. 245.


16. Joshua Fishman, Bilingualism with and without
Diglossia, Diglossia with and without Bilingualism, journal ojSo-
cialIssues, 1967, 32.

60
LfNGUAS EM CONTATO

qualquer situação colonial, por exemplo, tendo


posto em presença uma língua européia e uma
língua africana, implica a diglossia. Restam as re-
lações entre bilingüismo e diglossia, que Fishman
estrutura num quadro de dupla entrada. Vimos,
segundo Fishman, quatro situações polares:

Diglossia

1. bilingüismo e 2. bilingüismo
diglossia sem diglossia
Bilingüismo
3. diglossia sem 4. nem diglossia
bilingüismo nem bilingüismo

1. Bilingüismo e diglossia: todos os membros


da comunidade conhecem a forma alta e a forma
baixa. É o caso do Paraguai (espanhol e guarani).
2. Bilingüismo sem diqlossia: há numerosos
indivíduos bilíngües em uma sociedade, mas não
se utilizam das formas lingüísticas para usos espe-
cíficos. Esse seria ocaso de situações instáveis, de
situações em transição entre uma diglossia e uma
outra organização da comunidade lingüística.
3. Diglossia sem bilingüismo: numa comuni-
dade social há a divisão funcional de usos entre
duas línguas, mas um grupo só fala a forma alta,
enquan to a outra só fala a forma baixa. Fishman
cita aqui o caso da Rússia czarista (a nobreza fa-
lava francês, o povo, russo).

61
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

4. Nem diglossia nem bilingüismo: há urna só


língua. Só se pode imaginar essa situação em uma
comunidade muito pequena.
A noção de diglossia teve um eco muito im-
portante na sociolingüística nascente, antes de abrir
o flanco a certo número de críticas, vindo particu-
larmen te dos pesquisadores que trabalhavam com
os crioulos e com o bilingüismo hispânico (sobretu-
do os lingüistas catalães). E realmente tanto Ferguson
quanto Fishman tendiam a subestimar os conflitos
de que as situações de diglossia dão testemunho.
Quando Ferguson introduzia a estabilidade na defi-
nição do fenômeno, dava a entender que essas situa-
ções podiam ser harmoniosas e duráveis. Ora, a
diglossia, bem ao contrário, está em perpétua evolu-
ção. O caso da Grécia, que Ferguson tomava como
um de seus exemplos, mostra-se, trinta anos de-
pois, completamente modificado: a variedade "bai-
xa" de Ferguson, o grego demótico, é hoje língua
oficial e a antiga variedade "alta" será dentro em
pouco uma língua morta. De modo mais geral, a
história nos mostra que quase sempre o futuro das
variedade "baixas" é vir a ser variedade "alta" (foi
esse o caso das línguas românicas, francês, espa-
nhol, português etc., com relação ao latim},
'remos a impressão de que o sucesso do con-
ceito de diglossia se explica pelo momento históri-
co em que ele foi lançado. Na época das indepen-
dências africanas, numerosos países confrontavam-
se com uma situação lingüística complexa:
62
LíNGUAS EM CONTATO

plurilingüismo, de um lado, e predominância ofi-


cial da língua colonial, por outro. Ao dar um qua-
dro teórico a essa situação, a diglossia tendia a
apresentá-la como normal, estável, a minimizar o
conflito lingüístico que ela testemunhava, a justi-
ficar de algum modo que não se muda nada (o que
foi, aliás, o caso na maioria dos países descoloniza-
dos). Essas relações entre ciência e ideologia não
são raras, e nós apresentaremos no capítulo VI os
problemas que elas podem suscitar no quadro de
uma política lingüística.

63
CAP(TULO 111

COMPORTAMENTOS E ATITUDES

Uma das reservas que se pode manifestar con-


tra as definições da língua que a reduzem a um
"instrumento de comunicação" é que elas podem
levar a crer em uma relação neutra entre o falante
e sua língua. Um instrumento é realmente um
utensílio de que se lança mão quando se tem ne-
cessidade e que se deixa para lá em seguida. Ora,
as relações que temos com nossas línguas e com as
dos outros não são bem desse tipo: não tiramos o
instrumento-língua de seu estojo quando temos
necessidade de nos comunicar, para devolvê-lo ao
estojo depois, como pegamos um martelo quando
precisamos pregar um prego. Com efeito, existe
todo um conjunto de atitudes, de sentimentos dos
falantes para com suas línguas, para com as varie-
dades de línguas e para com aqueles que as utili-
zam, que torna superficial a análise da língua como
simples instrumento. Pode-se amar ou não um
martelo, sem que isso mude em nada o modo de
pregar um prego, enquanto as atitudes lingüísticas
exercem influências sobre o comportamento
lingüístico.

65
SOCIOLlNGüfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTlCA

No início dos anos 1960, Wallace Lambert,


ao estudar o bilingüismo franco-inglês em Mon-
treal, chamava a atenção para a metodologia do
"falante disfarçado" ou dos "falsos pares'". Ele
utilizava falantes bilíngües e gravava dois textos
de cada um (um em francês, outro em inglês). As
gravações eram em seguida apresentadas corno
vindas de pessoas diferentes a "jurados" que de-
viam, numa escala de "muito pouco" a "muito"
descrever os falantes do ponto de vista da altura,
da beleza física, da aptidão para dirigir, do senso
de humor, da inteligência, da religiosidade, da
confiança em si, da confiabilidade, da jovialidade,
da bondade, da ambição, da sociabilidade, do cará-
ter e da simpatia. Tratava-se, era-lhes dito, de ve-
rificar a possibilidade de julgar pessoas pela voz.
Os resultados da experiência são extremamente
interessantes. De um lado, os "jurados" não se
davam conta de que as duas gravações eram pro-
duzidas por uma só pessoa. Por outro, os "jura-
dos" de fato não avaliavam as vozes, corno eram
convidados a fazê-lo, mas as línguas. Essa técnica,
desenvolvida no campo da psicologia social, foi
depois utilizada por lingüistas, permitindo desta-
car atitudes ou representações lingüísticas.

1. Cf. W. Lambert et alii, Evaluational Reactions to Spoken


Language,journal of Abnonnal and Social Psychology, 11.60,1960;
W. Larnbert et alii, judging Personality trough Speech: A French-
canadian Example, Thrjourna! oj Communication, n. 16, 1966.

66
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

1. Os preconceitos

A história está repleta de provérbios ou de


fórmulas pré-fabricadas que expressam os precon-
ceitos de cada época contra as línguas. Conta-se
que Carlos V falava aos homens em francês, em
alemão a seus cavalos e em espanhol a Deus. Tullio
di Mauro cita um provérbio do século XVII que
diz: "O alemão urra, o inglês chora, o francês can-
ta, o italiano faz comédia e o espanhol fala", e
acrescenta: "Estamos aqui claramente no limite em
que os estereótipos lingüísticos e nacionalistas se
confundem'": Podemos também pensar na expres-
são francesa: "Parler français comme une vache
espagnole'", cuja origem ("comme un Basque
espagnol "b) nos mostra que, lá também, o juízo
sobre a língua atinge outro alvo, o falante.
Esses estereótipos não se referem a línguas
diferentes apenas, mas também às variantes geo-
gráficas das línguas, freqüentemente classificadas
pelo senso comum ao longo de uma escala de
valores", Desse modo, a divisão das formas lingüís-
ticas em línguas, dialetos e patoás é considerada,

2. Tullio di Mauro, Une introduction à la sémantique, Paris,


Payot, 1969, p. 48.
a. "Falar francês como uma vaca espanhola" [nodo T.J.
b. "Como um hasco espanhol" [nodo 1.].
c. Como não pensar aqui no preconceito contra alguns fala-
res brasileiros, especialmente dos interiores do país e do Nordeste
como um todo? Para essas questões, cf. Marcos Bagno, Preconceito
lingüístico - o que é como se faz, São Paulo, Edições Loyola, 1:12002.

67
SOCIOLlNGüfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

de maneira pejorativa, como isomorfa a divisões


sociais que por sua vez ,
também se fundam em
uma visão pejorativa. A língua corresponde uma
comunidade "civilizada", aos dialetos e aos patoás
comunidades de "selvagens", os primeiros agrupa-
dos em povos ou em nações, os segundos, em tri-
bos', E se utiliza todo um leque de qualificativos,
dialeto, jargão, algaravia, patoás, para significar em
que baixa conta se tem certo modo de falar.
Outros estereótipos referem-se ao "bem fa-
lar". Ou vimos dizer em todos os países que há um
lugar onde a língua nacional é pura (diz-se, no
caso da França, que seria a província de Anjou;
no caso do Brasil, que seria São Luís do Mara-
nhão"), que existem sotaques desagradáveis e ou-
tros harmoniosos etc. Por trás desses estereótipos
se perfila a noção de bon usaqe ("uso certo"), a idéia
segundo a qual há modos de bem falar a língua e
outros que, em comparação, são condenáveis.
Encontramos assim em todos os falantes uma es-
pécie de norma espontânea que os leva a decidir
que forma deve ser proscrita, que outra deve ser
admirada: não se fala assim, se fala assado.
Se os usos variam geograficamente, socialmen-
te e historicamente, a norma espontânea varia da

3. Cf. Louis-jean Calvet, Linquistique et coloniaiismc, Paris,


Payot, 1974.
d. Aqui a argumentação de Louis-Jean Calvet nos leva a in-
dicar mais uma vez a leitura atenta de Marcos Bagno, Preconceito
lingüístico - o que é, como sefaz, São Paulo, Loyola, 1999.

68
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

mesma maneira: não se tem as mesmas atitudes


lingüísticas na burguesia e na classe operária, em
Londres ou na Escócia, hoje e cem anos atrás.
Aqui, o que interessa à sociolingüística é o
comportamento social que essa norma pode pro-
vocar. De fato, ela pode desenvolver dois tipos de
conseqüência sobre os comportamentos lingüísti-
cos: uns se referem ao modo como os falantes
encaram sua própria fala, outros se referem às
reações dos falantes ao falar dos outros. Em um
caso, se valorizará sua prática lingüística ou se
tentará, ao invés, modificá-la para conformá-la a
um modelo prestigioso; no outro, as pessoas serão
julgadas segundo seu modo de falar.

2. Segurança/insegurança

Comecemos com um exemplo bem simples, o


da relação que os falantes podem ter com algumas
pronúncias de sua língua.
Peter Trudgill conduziu na cidade de N orwich,
na Grã-Bretanha, uma longa pesquisa da qual rete-
remos um só ponto: a pronúncia de termos como
tune, student, music etc. pelas duas variantes
coexistentes em Norwich, /ju:/ e /u:/. Assim, para
tune, ternos /tju:n/ de um lado e /tu:n/ de outro.
A primeira é considerada como mais prestigiosa
que a segunda. Depois de observar, nas gravações,
se os pesquisados pronunciavam mais a variante 1

69
SOCIOLINGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

ou a variante 2, pedia-se a eles que dissessem como


. .
pronunciavam, ou seja como pensavam que pro-
nunciavam. Vejamos, num quadro resumido, o
resultado desse cruzamento:

QUADRO 1
dizem dizem
pronunciar pronunciar
/tju:n/ /tju:n/
Pronunciam /tju:n/ 60% 40% = 100%
Pronunciam /tu:n/ 16% 84% = 100%

40 % das pessoas que praticavam a pronún-


cia "prestigiosa" tinham tendência a subavaliar sua
própria pronúncia, ao passo que 16 % dos que pra-
ticavam a pronúncia "desvalorizada" tendiam a
supera valiar a própria pronúncia.
1\.0 cruzar esses dados com a variável sexo,
Trudgill obteve resultados surpreendentes:

QUADRO 2
Total H01nens Mulheres
Superavaliarn 13% 0% 29%
Subavaliarn 7% 6% 7%
Avaliam corretamente 80% 94% 64%

Trudgill comenta os resultados: "Podemos di-


zer que as mulheres, em inúmeros casos, se
autodefinern como usuárias das variantes mais
prestigiosas sem realmente o serem, sem dúvida

70
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

porque gostariam de utilizá-las ou pensam que


deveriam fazê-lo, passando então a crer que real-
mente o fazem. Isso quer dizer que os falantes se
vêem como quem utiliza a forma a que aspiram e
que para eles tem conotações favoráveis em com-
paração à forma que realmente usam'".
Ele interpreta corretamente esses dados. A
variável sexo nos mostra aqui a existência de ati-
tudes diferentes dos homens e das mulheres em
face do comportamento social, sendo a língua ape-
nas um dos comportamentos sociais. Mas qual é a
significação dessa diferença? Há em um livro de
Pierre Bourdieu uma passagem sugestiva: "Com-
preende-se assim por que, como os sociolingüistas
freqüentemente observaram, as mulheres são mais
inclinadas a adotar a língua legítima (ou a pro-
núncia legítima): do fato de que elas são votadas
à docilidade para com os usos dominantes e pela
divisão de trabalho entre os sexos, que as especia-
liza no campo do consumo, e pela lógica do casa-
mento, que é para elas a via principal quando não
exclusiva, da ascensão social, e onde elas circulam
de alto a baixo, estão dispostas a aceitar, especial-
mente na Escola, as novas exigências do mercado
de bens sirnbólicos'". No capítulo IV, voltaremos

4. Peter Trudgill, Sociolinquistics. Harrnondsworth, Midd.,


Penguin Books, 1~74, p. 97.
S. Pierre Bourdieu, Cc que paricr vcut dirc, Paris, Fayard,
1882, p. 3S (ed. br.: li (,C01lOmÍa das trocas linqúisticas - O qu«
falar quer dizer, São Paulo, Edusp, 1996).

71
SOCIOLlNGÜrSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRrTICA

às posições de Pierre Bourdieu, que se dedicou


pouco ao problema das atitudes como o tratamos
aqui, mas vemos que o comportamento lingüístico
aqui está ligado a um comportamento social mais
geral. Poderíamos então dizer inversamente que
os homens não sentem necessidade de questionar
seu modo de falar, que eles o consideram legítimo.
E essas duas interpretações complementares nos
levam ao binômio segurança/insegurança lingüís-
tica. Fala-se de segurança lingüística quando, por
razões sociais variadas, os falantes não se sentem
questionados em seu modo de falar, quando con-
sideram sua norma a norma. Ao contrário, há in-
segurança lingüística quando os falantes conside-
ram seu modo de falar pouco valorizador e têm
em mente outro modelo, mais prestigioso, mas que
não praticam.
Relataremos extensamente no próximo capí-
tulo um pesquisa de W. Labov sobre Nova York
que, entre outras coisas, mostrou que os falantes
consideravam como marca de prestígio algumas
formas de pronúncia que eles mesmos não pratica-
vam. Existe na sociedade o que poderíamos cha-
mar de olhares sobre a língua, de imagens da lín-
gua, em uma palavra, normas que podem ser par-
tilhadas por todos ou diferenciadas segundo certas
variáveis sociais (o sexo, no exemplo de Norwich)
e que geram sentimentos, atitudes, comportamen-
tos diferenciados. Labov dá um belo exemplo disso
a propósito da pequena burguesia nova-iorquina:

72
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

ele nota que "as flutuações estilísticas, a hipersensi-


bilidade a traços estigmatizados que algumas pes-
soas empregam, a percepção errônea do próprio
discurso, todos esses fenômenos são sinal de uma
profunda insegurança lingüística entre os falantes
da pequena burguesia". E acrescenta: "Em geral,
os nova-iorquinos têm certa repugnância pelo 'so-
taque' de sua cidade. A maior parte deles se esfor-
ça por modificar seu modo de falar, e recebem
como um verdadeiro elogio alguém lhes dizer que
conseguiram mudá-lo. Não obstante, quase todos
eles se reconhecem imediatamente assim que põem
o pé fora da aglomeração. Além disso, eles estão
convencidos de que os estrangeiros, por uma ra-
zão ou outra, também detestam o modo de falar de
Nova York. Enfim, eles estão convencidos de que
há uma língua 'correta' que se esforçam por atin-
gir em sua conversação monitorada'".

3. Atitudes positivas e negativas

Veremos no próximo parágrafo (hipercorreção)


as influências que essas atitudes podem ter sobre
as práticas lingüísticas. Mas, em face da variação,
temos atitudes de rejeição ou de aceitação que não
têm, necessariamente, influência sobre o modo de

6. Williarn Labov, Socioiinquistique. Paris, Éd. de Minuit,


1976, pp. 200-20l.

73
f

SOCIOLINGOfSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

falar dos falantes, mas que certamente têm influ-


ência sobre o modo com que percebem o discurso
dos outros.
Morales López 7 também fez uma pesquisa so-
bre a percepção, na ilha de Porto Rico, de uma
pronúncia velarizada do Irl em espanhol (mas
pouco importa aqui o objeto da pesquisa, ele pode-
ria ter sido qualquer outro fato lingüístico). De
modo geral, 66,6 % dos falantes pesquisados tinham
uma atitude negativa em relação a essa pronúncia e
33,4 % a aceitavam. Mas essa atitude variava segun-
do a origem geográfica dos sujeitos interrogados:

Origem Atitude positiva Atitude negativa


Capital 29,6 70,4
Leste 37,9 62
Norte 38,4 61,6
Centro 42,1 58,3
Oeste 46,3 53,6
Sul 56,8 43,1

Interrogados sobre as razões de sua rejeição àque-


la pronúncia, as pesquisas dão cinco tipo de resposta:
a pronúncia não é espanhola, é um regionalismo
(59,9 % das respostas);
é típica de zonas rurais, é pronúncia de camponês
(72,4 % das resposta );

7. Humberto Morales López, Sociolionquistica. Madrid,


Gredos, s.d., pp. 236-240.

74
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

é pronúncia característica de um nível social pouco


elevado, é vulgar (35,6 % das respostas);
decorre de uma deficiência anatômica, uma mem-
brana (frenillo em espanhol) sob a língua (25,6 % das
respostas) ;
é uma pronúncia feia (7,9 % das respostas).
Como se vê, temos de tudo nas respostas, e
esse leque é característico do espectro de atitudes
lingüísticas encontráveis na sociedade.
A primeira explicação ("é um regionalismo")
repousa sobre uma realidade (a pronúncia velar
do Irl é típica de Porto Rico), mas considera de
modo implícito que há, nalgum lugar, fora do país,
um bOln modo de pronunciar, diferente da pro-
núncia local, ou seja, que há um modo prestigioso
de falar espanhol, que não velariza os Irl, e que o
falar local está, nesse ponto, desvalorizado.
A segunda explicação ("é pronúncia de cam-
poneses") é típica do desprezo social que se pode
ter para com os rurais, nIas é preciso imediata-
mente indicar que se pode encontrar o fenômeno
exatamente inverso. Em situações nas quais a ur-
banização é vivida COlTIO um perigo para a identi-
dade, vai-se ao contrário valorizar o modo de falar
dos camponeses, como mais próximo da língua
"verdadeira". Notei essa reação em numerosos
países da África: em Barnako (Mali) , se diz que o
bambara da capital não é puro, que o "verdadeiro"
bambara é o que se fala em Segou (pequena cidade
situada a 200 quilômetros de Bamako): diz-se no
7S
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Senegal que o wolof dos camponeses é mais puro


que o da cidade, muito influenciado pelo francês etc.
O mesmo se pode dizer da terceira explicação
("pronúncia vulgar"): ela se origina no mesmo tipo
de desprezo, não mais para com a diferença geográfi-
ca (cidade/campo), mas para com a diferença social.
A quarta explicação ("deficiência anatômica")
é produto da fantasia, mas é também portadora de
racismo potencial.
Por fim, a última explicação ("pronúncia
feia") é unicamente afetiva, mas essa atitude é
muito difundida tanto acerca de formas locais de
falar como em face de línguas estrangeiras.
Quanto às pessoas que tinham uma atitude
positiva para com essa pronúncia, elas se explica-
vam de dois modos:
- é pronúncia típica de Porto Rico (82,2 % das respostas);
- todas as pronúncias são aceitáveis.

Os falantes pesquisados se separam em sua


apreciação da pronúncia do Ir/ segundo certo nú-
mero de linhas de força. Uma primeira separação
se dá entre os que defendem a pronúncia local e
os demais: reencontramos aqui o tema da seguran-
ça e da insegurança supramencionado. Do mesmo
modo, os falantes britânicos tendem a rejeitar a
pronúncia americana do inglês, ou seja, conside-
ram correta a própria pronúncia. Outra separação
se dá entre os que consideram de modo desfavorá-
velo espanhol dos camponeses ou dos operários e

76
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

aqueles que o admitem: trata-se de outro comporta-


mento social característico que aparece aqui. Em
todos os casos, emerge uma idéia que desenvolvere-
mos no próximo capítulo, com Bourdieu, a idéia da
forma legítima da língua. Com efeito, os comporta-
mentos que acabamos de descrever são, ao mesrno
tempo, lingüísticos e sociais: há por trás deles rela-
ções de forças que se exprimem mediante asserções
sobre a língua, mas que se referem aos falantes des-
sa língua. E, quaisquer que sejam as formas estig-
matizas, rejeitadas, classificadas como ilegítimas (em
nome de critérios de prestígio, de classes sociais, de
anormalidade congênita etc.), elas o são por referên-
cia a uma forma tida como legítima. O modo com
que essa legitimidade se instaura está, como vere-
mos, no centro da reflexão de Bourdieu.

4. Hipercorreção

Crer que há um modo prestigioso de falar a


própria língua implica, quando alguém pensa não
possuir esse modo de falar, tentar adquiri-lo. Bom
exemplo disso é a peça de teatro de Bernard Shaw,
Pigmalião (filmada com o título MJjFair Ladu).
Vemos ali uma jovem florista, Eliza Doolittle, pro-
curar um professor de fonética, Henry Higgins,
para adquirir o modo prestigioso de falar inglês.
Mas sua motivações não são lingüísticas, são so-
ciais: "Quero ser uma lady numa loja de flores, e
77
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

não vender na esquina de Tottenham Court Road".


A história tem, com se sabe, um final feliz, mas
Shaw transcreveu perfei tamen te os sen timen tos
lingüísticos dos britânicos em relação a uma pro-
núncia fortemente desvalorizada, a dos cocencus',
que se caracteriza em particular pela ausência de
aspiração na inicial (airlJ e hairu, por exemplo,
não se distinguem), por algumas variantes nos
ditongos (late por exemplo pronunciado /lait/,
como light, em vez de /leit/) etc.
Ora, esse movimento com tendência à norma
pode gerar uma restituição exagerada das formas
prestigiosas: a hipercorreção. Essa tendência geral-
mente se manifesta na grafia: sobre o modelo do
latim noctem, já existiu por exemplo a grafia nuict,
pretendendo restituir o c perdido, mas foi justa-
mente este /k/ que se palatalizou para dar o lil de
nuit ("noite"). Mas ela se manifesta especialmente
na vontade de alguns falantes de imitar a forma
prestigiosa e de "exagerá-la". Essa prática pode
corresponder a estratégias diferentes: fazer crer que
se domina a língua legítima ou fazer esquecer a
própria origem. William Labov cita, por exemplo,
o caso de falantes do iídiche, migrantes de primei-
ra geração que, em inglês, não realizam a distinção
entre vogais posteriores arredondadas e não-arre-
dondadas (isto é, cup e coffee são pronunciados
com a mesma vogal). Trata-se aqui de uma inter-

e. Cockney: variedade lingüística característica das classes


sociais das periferias de Londres [nodo E.].

78
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

ferência fonética com sua primeira língua. Mas


seus filhos tudo farão para evitar essa pronúncia:
"Na segunda geração, se produz uma reação con-
tra essa tendência que, por hipercorreção, gera um
exagero de distinção, de modo que (oh) se torna
então alto, tenso e super-arredondado'",
Essa hipercorreção
~
é testemunha de insegu-
rança lingüística. E por considerar o próprio modo
de falar corno pouco prestigioso que a pessoa tenta
imitar, de modo exagerado, as formas prestigiosas.
E esse comportamento pode gerar outros que vêm
se acrescentar a ele: a hipercorreção pode ser per-
cebida como ridícula por aqueles que dominam a
forma "legítima" e que, em contrapartida, vão jul-
gar de modo desvalorizador os que tentam imitar
urna pronúncia valorizada. Esse círculo pode ir ao
infinito ou quase, e nos mostra o profundo
enraizarnento social das atitudes lingüísticas. Lan-
çando um olhar de sociólogo sobre o fenômeno,
Pierre Bourdieu escreve: "A hipercorreção peque-
no-burguesa que encontra seus modelos e instru-
mentos de correção junto aos mais consagrados
árbitros do uso legítimo, acadêmicos, gramáticos,
professores, se define na relação subjetiva e obje-
tiva com a 'vulgaridade' popular e a 'distinção'
burguesa", e acrescenta pouco à frente que, em
contrapartida, "o evitamento consciente ou incons-
ciente das marcas mais visíveis da tensão e da

8. Wiliam Labov, Sociolinauistiaue. Paris, Éd. de Minuit,


1976, p. 251.

79
SOCIOLlNGüfSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

contenção lingüísticas dos pequeno-burgueses (por


exemplo, em francês, o passado simples típico dos
antigos professores primários) pode levar os bur-
gueses ou os intelectuais à hipercorreção controla-
da que associa o relaxamento convicto e a igno-
rância soberana das regras minuciosas à exibição
de facilidade nos terrenos mais perigosos'".
De todo modo, a hipercorreção e a hipocorre-
ção são estratégias que se deixam ler nos discur-
sos, mas que têm uma outra função, uma função
social. As circunstâncias da aquisição dessa ou
daquela forma lingüística, do controle dessa ou
daquela pronúncia só aparentemente são lingüísti-
cas. A competência que se encontra por trás desse
domínio é uma competência social, assim como
são sociais os benefícios que se pode extrair dela.
Vemos claramente as influências dessa análise: a
impossibilidade de distinguir, no plano teórico, o
jogo lingüístico do jogo social, e de modo mais
geral a dificuldade de separar o social do lingüístico,
tanto na teoria como na descrição.

5. As atitudes e a variação lingüística

As atitudes e os sentimentos de que tratamos


(segurança, insegurança, hipercorreção, hipocorre-

9. Pierre Bourdieu, Ce que paria veut dire, Paris, Fayard,


1982, p. 55.

80
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

cão) podem, como vimos, caber a indivíduos (como


Eliza Doolittle em Pigmalião) ou a grupos sociais
(como a pequena burguesia nova-iorquina). No
segundo caso, se passamos de uma análise
sincrônica a uma análise diacrônica, surge a per-
gunta sobre o papel dessas atitudes na variação
lingüística. Como as línguas variam, por que evo-
luem? Estas perguntas são tão antigas quanto a
lingüística, e algumas respostas levaram a ciência
a evoluir notavelmente, particularmente pelo viés
das leis fonéticas que, por exemplo, permitiram a
reconstrução de uma língua da qual não se tem
nenhum vestígio, o indo-europeu. Mas essas respos-
tas situam-se majoritariamente no quadro de uma
lingüística interna, que só leva em conta a estrutura
ou, para usar a fórmula final do Curso de linqüistica
qeral de Ferdinand de Saussure, a "língua em si mes-
ma e por si mesma". Veremos que, ao contrário, as
atitudes lingüísticas (que, bem entendido, nada têm
a ver com a lingüística interna) são poderoso fator
de evolução. Primeiro utilizaremos um exemplo de
alcance restrito, mas muito interessante no plano
~
teórico, o da liaison em francês'. E bem conhecida

f. Liaison: "ligação, junção". Fenômeno fonético característi-


co do francês que consiste em pronunciar a consoante final de uma
palavra quando a palavra seguinte começa por vogal ou 11 mudo. Em
geral, essas consoantes finais são escritas, mas não pronunciadas. Em
português, essas ligações são obrigatórias, e o falante não pode, como em
francês, deixar de fazê-las, para evitar cacófatos ou ambigüidades: elas
unem e elas zunem têm portanto igual pronúncia [nodo E.l.

81
SOCIOLlNGüfSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

a história do político que começa seu discurso com


Je suis émú! e ouve a multidão hilária responder:
Vive Zémur. Para evitar essa infelicidade, bastaria
que ele ou não fizesse a liaison, pronunciando "[e
/syi emu!", ou a fizesse sem encadear a consoante
de liaison com a vogal seguinte, que seria então
precedida de uma oclusão glotal: "Je /syz ?EmlJ/".
Pierre Encrevé estudou esse fenômeno, que
ele chama de liaison com ou sem encadeamento.
Analisando um corpus constituído de discursos de
dirigentes políticos franceses, Encrevé nota de
início que em um curto período, entre 1978 e 1981,
a taxa de não-encadeamento tende a crescer. Por
exemplo, 8 % das liaisons possíveis não são
encadeadas por Raymond Barre em 1978 contra
15,5 % em 1981, e essas porcentagens são respec-
tivamente de 11,6 % e 17,6 % para Jacques Chirac,
10,9 % e 13,1% para Valéry Giscard d'Estaing,
11,4 % e 25,7% para Georges Marchais, 6,9 % e
15,6 % para François Mitterrand etc. Pelo fato de
a amostragem ser limitada no tempo, Encrevé fez
então, outros corpora baseados em documentos de
arquivo. Por exemplo, estudando os discursos de
François Mitterrand durante quatro períodos, e os
de Valéry Giscard d'Estaing durante três períodos,
obtêm-se os resultados seguintes:

g. "Estou emocionado", sentido alterado pela liaison para


"Eu sou Zemi"..
h. "Viva Zemi".

82
COMPORTAMl'.NTOS te A1ITUDES

IvII '1"I' I.:R R A N I )


porcentagem de linisons facultativas nào-cncudeudns
14

lO

(1

()

GISCAI' D !YES'L\ ING


porcentagem de li({iSOIlS facultativas nao-cncadcadas

l~

10

(-j

·1
.)
'-'

o
(iO-liK

Essa evolução 110 i ntrriot dos discursos de urna


mesma pessoa é confirmada, de modo mais amplo,
pela evolução dos discursos do conjunto de chefes
de Estado considerados desde 1928 [Pétain, Blum,
de Gaulle, Pompidou, Giscard d'Estaing, Mitterrand}.
A tabela da próxima página apresenta as porcenta-
gens de Iiaisons não-encadeadas no período de tem-
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇAO CRíTICA

po desde 1928: o n. 1 remete a Pétain, 1928-1938;


o n. 2 a Blum, 1936-1938; o n. 3 a Pétain, 1940-
142 etc., até o n. 15, que remete a Mitterrand,
1978-1981:
1928-1981
14

12

10

2
o

Encrevé ressalta que os números "parecem


refletir uma nítida evolução de UlTI estado em que
() encadeamento era categórico no hon usaqc, em
estilo monitorado, à situação atual em que o enca-
deamento é um fenômeno variável, mesmo que ele
se imponha de modo majoritário"!".
Mas esse fenômeno não aparece apenas nos
discursos dos chefes de Estado: "Sobretudo não se
deve concluir do fato de termos estabelecido a reali-
dade linqidsiica da liaison sem encadeamento na jóia
pública dos políticos que se trata de um traço que
lhes é próprio. Sequramente não. (...) Ele é encon-
trável em proporções semelhantes na maior parte

10. Pierre Encrevé, La lia iSOl1 a vec ct sans encha incmcnt, Pa-
ris, Í~d.du Seuil, 1988, p. 71.

84
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

dos falantes de todas as categorias de profissionais


da fala pública: jornalistas de rádio e televisão,
intelectuais (especialmente membros do ensino
superior), pregadores, advogados etc."!'
Nessa categoria social, a prática em questão
pode ser explicada de modo muito simples: reali-
zação da liaison (porque tanto a norma cotidiana
como a norma escolar o exigem, mas também por
medo do hiato), mas realização sem encadeamen-
to, pelo cuidado de não separar as palavras: "Des-
tacar bem as palavras sem renunciar a fazer ouvir
a consoante de liaison conduz inevitavelmente à
liaison sem encadeamento", conclui Encrevé.
O leitor pode pensar que estamos fazendo
muito barulho por nada. Não se pode negar que o
fenômeno descrito é restrito, e os falantes pratica-
mente não têm consciência dele. Vejamos um ex-
certo do corpus de Encrevé, no qual o falante (um
ex-primeiro-ministro) se refaz, se corrige: "Quand
monsieur Mitterrand était ministre, et Dieu sait qu'il
l'a beaucoup été, euh beaucoup été'" , pronunciando
primeiro Ibokupete/ e depois Ibokup Pete/. Que se
passa? Tecnicamente, poderia se dizer que, no pri-
meiro caso, temos a silabação à direita (o p final de
beaucoup é atribuído à primeira sílaba de été) e, no

11. Idem, ibidem, p. 269.


i. "Quando o senhor Mitterrand era ministro, e Deus bem o
sabe o quanto ele o foi [ministro]", frase irônica que, pelo fenôme-
no da liaison, também pode soar como: "Quando o senhor
Mitterrand era ministro, e Deus bem o sabe o quanto ele peidou".

85
SOCIOLlNGOíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

segundo caso, silabação à esquerda (beaucoup tem


seu p preservado ...). Aqui o falante alternou cons-
cientemente encadeamento e não-encadeamento,
por causa da ambigüidade resultante da silabação à
direita ("il a beaucoup pété'"), Mas tal consciência
do fenômeno é extremamente rara.
Mesmo que, de modo geral, esse fenômeno se
resuma a uma ligeira evolução entre os profissio-
nais da fala pública, não deixa de suscitar uma
interessante questão sociolingüística: a língua. da
mídia e da política pode influenciar os falantes que,
diante dela, são apenas receptores, ouvintes? Em
outros termos: "Que relações lingüísticas os ouvin-
tes mantêm com uma forma de linguagem que eles
ouvem, mas não produzemi"'" Pois a multiplicação
em todos os lares da presença do rádio e da televisão
faz com que hoje se ouçapor todo lugar a "língua
legítima". Diante disso, podemos perguntar se, nesse
ponto específico, ela vai ser imitada segundo o modo
da hipercorreção que descrevemos antes.
Encrevé conclui sua obra de maneira inespe-
rada: a I iaison sem encadeamento, que tem por
conseqüência multiplicar as sílabas travadas (com
consoante final), desemboca na prática de "pro-
nunciar como se escreve, pois parece excluído que
se possa
~
escrever legitimamente como se pronun-
cia. E perfeitamente lógico que essa tendência se

j. "Ele peidou muito".


12. Idem, ibidem, p. 279.

86
COMPORTAMENTOS E ATITUDES

manifeste inicialmente na fala dos profissionais


da fala pública, que são também profissionais da
escrita" 13. O leitor poderá, se tiver bom ouvido
fonético, verificar nos anos vindouros a eventual
progressão da liaison sem encadeamento em fran-
cês. De nossa parte, passaremos agora ao proble-
ma geral das relações entre atitudes lingüísticas e
variação, que esclarecerá de outro ângulo o fato
menor da Iiaison com ou sem encadeamento.
Em poucas palavras, William Labov apresen-
tou de que modo se produz a evolução: "Pode-se
considerar que o processo de variação lingüística
se desenrola em três etapas. Na origem, a mudan-
ça se reduz a uma variação, entre milhares de
outras, no discurso de algumas pessoas. Depois ela
se propaga e passa a ser adotada por tantos falan-
tes que doravante se opõe frontalmente à antiga
forma. Por fim, ela se realiza e alcança a regulari-
dade pela eliminação das formas rivais":". Esse
resumo é, não há dúvida, muito breve. É possível
encontrar em outro ponto uma apresentação mais
rigorosa do fenômeno feita pelo mesmo autor:
"1. Um traço lingüístico utilizado por um grupo A é mar-
cado pela relação a outro dialeto-padrão.
2. O grupo A é tomado como referência por um grupo B,
que adota o traço e exagera seu uso, como sinal de certa
identidade social, por reação a pressões exteriores.

13. Idem, ibidem, p. 284.


14. William Labov, Socioli nquistiquc, Paris, Éd. de Minuit,
1976, p. lHO.

87
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

3. A hipercorreção gerada por uma pressão crescente,


combinada às forças de simetria que agem na estru-
tura, conduzem a uma generalização do traço em
relação a outras unidades lingüísticas do grupo B.
4. Uma nova norma se instaura à medida que se insta-
la o processo de generalização.
S. Essa nova norma é adotada pelo grupo contíguo e pelos
seguintes, para os quais o grupo B serve de referência'?',

Constatamos que a liaison sem encadeamen-


to, à qual consagramos um longo desenvolvimen-
to, só pode ser incluída no ponto 1 do esquema
acima. Mas há um exemplo mais claro dele na
pronúncia do francês dos bandos de jovens beurs'
dos subúrbios parisienses, lioneses e marselheses,
e no modo como essa pronúncia se difunde, de um
modo que aqui configura hipocorreção e não
hipercorreção, e que o movimento consiste tanto
em se afastar da fonética do francês padrão como
em simular uma pronúncia árabe.
Vemos assim que a abordagem sociolingüística
pode enriquecer, isto é, renovar, a explicação e a
compreensão da variação lingüística, só imperfei-
tamente analisada por um estudo que se faça em
termos de estrutura interna. Mas, para que essas
explicações sejam completas e convincentes, a des-
crição deve levar em conta certo número de fato-
res lingüísticos e de fatores sociais aos quais se
consagra o próximo capítulo.

15. Idem, ibidem, p. 90.


k. Migrante árabe norte-africano, nascido na França [n, do T.J.

88
CAP(TULO IV

, .. ,
AS VARIAVEIS LINGUISTICAS
,
E AS VARIAVEIS SOCIAIS

As línguas mudam todos os dias, evoluem,


mas a essa mudança diacrônica se acrescenta uma
outra, sincrônica: pode-se perceber numa língua,
continuamente, a coexistência de formas diferen-
tes de um mesmo significado. Essas variáveis po-
dem ser geográficas: a mesma língua pode ser
pronunciada diferentemente, ou ter um léxico dife-
rente em diferentes pontos do território. Desse modo,
um réptil comum em todo o Brasil é chamado de
"osga" na região Norte, "briba" ou "víbora" no
Nordeste, e "lagartixa" no Centro-Sul". Um atlas
lingüístico como o de Gilliéron e Edmont nos dá
milhares de exemplos dessa variação regional' . Mas

a. o exemplo do autor é o seguinte: "Desse modo, um obje-


to simples como a scrpilicrc, peça de pano usada para limpar o chão,
pode também ser chamada de panossr (na Sabóia e na Suíça),
wassinquc (no Norte), torchon (no leste), sincc (no sudeste)".
1. ]. Gilliéron e E. Edmont, Atlas linpuistique de la France,
Paris, Éd. Champion, 1902-1920.

89
.)

SOCIOLlNGüfSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

essas variáveis podem também ter um sentido so-


cial, quando, em um mesmo ponto do território
uma diferença lingüística é mais ou menos isomorfa
de uma diferença social. O problema se torna então
distinguir as variáveis lingüísticas das variáveis so-
ciais correspondentes, e veremos que a sociolingüís-
tica nem sempre conseguiu juntar as duas pontas
desse conjunto, o lingüístico de um lado e o social
de outro.
Entenderemos aqui por variável o conjunto
constituído pelos diferentes modos de realizar a
mesma coisa (um fonema, um signo ...) e por varian-
te cada uma das formas de realizar a mesma coisa.

1. Um exemplo de variáveis lingüísticas:


as variáveis fonéticas

É bem conhecida a diferença entre a fonética


(que descreve a pronúncia efetiva de sons da lín-
gua entre os diferentes falantes) e a fonologia (que
extrai dessas pronúncias uma estrutura abstrata
que permita organizar os sons da língua). Pode-se
sintetizar essa distinção na dicotomia saussuriana
entre língua e fala: a fonética está do lado da fala,
a fonologia do lado da língua. E essa separação
entre o abstrato e o concreto permite prever que
ao lado do fonema abstrato e invariante suas rea-
lizações fonéticas podem apresentar, ao contrário,
variantes. O problema é saber se essas diferentes

90
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

realizações são explicáveis por variáveis sociais ou


se, ao contrário, permitem estruturar o grupo social.
William Labov foi o primeiro a trabalhar de
modo convincente essas questões, estudando o tra-
tamento de duas semivogais na população de uma
ilha situada junto à costa de Massachusetts, Martha's
Vineyard: a pronúncia do ditongo layl em palavras
corno rij]ht, white, pride, wine ou wife e do ditongo
I aw I em palavras como house, out, doubt etc.
O que a pesquisa de Labov mostra é que o
primeiro elemento desses ditongos, o lal, tem, entre
os viniardenses, tendência a ser "centralizado", isto
é a ser pronunciado mais próximo do Ief. Surge
então o problema de como explicar esse traço: "Por
que Martha 's Vineyard deu as costas à história da
língua inglesa? Creio ser possível dar a isso uma
resposta específica estudando em pormenor a confi-
guração dessa variação fonética à luz das forças
sociais que agem no mais profundo da vida dessa
ilha'". Labov parte então em busca das correlações
entre esse traço lingüístico (a "centralização" dos
dois ditongos) e traços sociológicos: distribuição da
centralização segundo a divisão geográfica (ilha bai-
xai ilha alta), distribuição segundo os grupos sociais
(pescadores, agricultores, outros), segundo a etnia
de origem (inglesa, portuguesa, indiana) etc. Mas é
fora daí que ele vai encontrar sua explicação.

2. Williarn Labov, Les motivations sociales d'un changement


phonétique, in Sociolinquistique, Paris, Éd. de Minuit, 1976, p. 73.

91
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Inicialmente ele insiste nas dificuldades dos


ilhéus de se manter na ilha. Na época da pesquisa,
a população fixa da ilha era de 5.563 habitantes,
complementada por mais 42.000 veranistas nos
meses de junho e julho. Mas essa invasão de turis-
tas não era suficiente para ocupar toda a popula-
ção local, e os viniardenses tinham uma taxa de
desemprego que era o dobro da taxa de desempre-
go do resto do Estados Unidos. Diante dessas di-
ficuldades, alguns viniardenses queriam ir embo-
ra, queriam ir viver no continente; outros, ao con-
trário, queriam defender sua ilha. E o estudo da
situação social da ilha permite a Labov formular
seu esquema definitivo: ao levar em conta as ati-
tudes dos falantes pesquisados para com a ilha
(atitudes que ele classifica em três níveis: positivo,
os que querem ficar; neutro, os que não têm opi-
nião formada; negativo, os que querem ir embo-
ra), vê-se que quanto mais gente tem uma atitude
positiva mais se centralizam os dois ditongos estu-
dados. Em outros termos, há uma distribuição
social dos ditongos: os que querem ficar na ilha
adotam uma pronúncia "insular", e os que que-
rem partir adotam uma pronúncia "continental".
Esse estudo, para além de seus limitados re-
sultados, é de interesse no plano metodológico. O
que devemos reter da pesquisa de Labov é:
a idéia de pesquisar umals) variável(eis) freqüenteis)
que geralmente aparecem na estrutura lingüística,
variáveis cuja distribuição deve ser fortemente

92
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

estratificada: "Isso equivale a dizer que as pesquisas


preliminares deveriam indicar a seu respeito uma
distribuição assimétrica entre as mais diversas fai-
xas etárias, ou entre outras categorias mais hierarqui-
zadas da sociedade'": ,
o estabelecimento de uma metodologia que extrai
essas variáveis dos textos produzidos pelos falantes;
a pesquisa da correlação entre essa distribuição de
traços lingüísticos e uma distribuição de traços socio-
lógicos.
E, no plano teórico, é preciso ressaltar que a
pesquisa, ao trabalhar com variantes fonéticas, não
questiona os grandes princípios da lingüística es-
trutural e que os resultados, a preditividade da
variação lingüística segundo a definição social dos
falantes, constituem por outro lado um questio-
namento dessa lingüística. O fato de Labov, à épo-
ca, não se ter dado conta disso não tira o mínimo
mérito dessa minirrevolução.
Depois ele vai, em outra pesquisa, analisar a
"estratificação do Irl nas grandes lojas nova-
iorquinas", definindo ao mesmo tempo sua metodo-
logia e sua teoria das relações entre as estratificações
lingüísticas e as estratificações sociais". Labov es-
tudou aqui o tratamento da variável Irl em posi-
ção pós-vocálica em palavras como car, card, four,
fourth, partindo da seguinte hipótese geral: "Se dois

3. Idem, ibidem, p. 53.


4. La stratification sociale de Irl dans les grands magasins
new-yorkais, in Sociolinquistiouc, pp. 94-126.

93
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

subgrupos de falantes nova-iorquinos quaisquer


forem dispostos em certa ordem em uma escala de
estratificação social, essa ordem se traduzirá tal
qual sua diferença quanto ao emprego do Ir/"5.
Num primeiro momento, ele vai verificar essa
hipótese observando a prática lingüística dos em-
pregados de três grandes lojas nova-iorquinas.
Essa primeira pesquisa baseava-se numa
metodologia bem simples: perguntar aos emprega-
dos como chegar a determinada prateleira de pro-
dutos, ou em qual andar ela se localizava, a fim de
obter uma resposta (de antemão conhecida) na qual
figurasse a forma fonética estudada: fourth fioor
(quarto andar), a fim de saber se o Irl de jourtn e
o Irl de f Zoar eram ou não pronunciados. As três
lojas em que a pesquisa foi realizada apresentaram
diferenças notáveis (localização geográfica, preços
praticados, veículos nos quais inseriam publicida-
de etc.) e foram classificadas em três categorias:
- "topo da escala": Saks Fijth Avenue;
- "meio da escala": Mac)j's;
- "base da escala": S. Klein.
Quan to às realizações do I r I, elas foram
registradas como r-I se o fonema era pronuncia-
do, r-O se não era pronunciado ou se era manifes-
tado por um alongamento da vogal e d quando os
resultados eram duvidosos. O cruza nento desses

S. Idem, ibidem, p. 96.

94
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

dois conjuntos de dados (realização do Ir/, tipo de


loja) aparece nos histogramas abaixo.
Presença de r-I
70

so
so
,lO

:Hl

20

lO

()

Saks Klein

"N O total, 62 (Yc> dos empregados da Sahs, 51 %


dos da Nlclí:zj 's c 20 % dos da Klein empregavam
(r-I) exclusivamente ou parcialmente (... ) Como
já previra a hipótese, a diferença de emprego de (r-
I) dispõe esses três grupos en1 uma ordem idênti-
ca à ordem gerada por fatores extralingüísticos'".
Em outra pesquisa', Labov vai realizar testes
para medir a avaliação social das variantes selecio-
nadas. A pesquisa consistia em estudar as reações
subjetivas à linguagem fazendo 200 testemunhas
escutarem "falsos pares", isto é, frases pronuncia-
das diferentemente (por exemplo com ou sem os
r) pelo mesmo falante sem que as testemunhas se
dessem contam de que se tratava do mesmo falan-

6. Idem, ibidem, p. 104.


7. Les dimcnsions subjcctives d'un changernent linguistique
en cours, in Sociotonquis: iuui, pp. 212-2:W.

!JS
SOCIOLlNGÜrSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

te, e de pedir-lhes para classificar os falantes em


uma escala de aptidão profissional, como se fos-
sem empregadores selecionando candidatos. Os re-
sultados podem ser vistos em uma frase: 100 % dos
pesquisados entre 20 e 39 anos manifestam uma
reação positiva à pronúncia de r-I, considerada como
marca de prestígio. Mas o mais interessante é que
essa avaliação positiva independe da pronúncia dos
pesquisados: eles consideram o uso de r-I como mar-
ca de prestígio mesmo que eles mesmos não o utili-
zem. O que permitiu a Labov concluir: "Seria falso
conceber a comunidade lingüística como um con-
junto de falantes empregando as mesmas formas.
Ela é melhor descrita como um grupo que partilha
as mesmas normas quanto à Iíngua'",
Acabamos de expor longamente exemplos de
variáveis fonéticas, mas esse problema toca igual-
mente outros campos da língua, tanto o léxico como
a sintaxe. De fato, a maioria dos estudos de lin-
güística variacionista incidem sobre os sons da
língua, porque as variações são aqui ao mesmo
tempo mais evidentes e mais fáceis de descrever e
de quantificar, mas o léxico e a sintaxe nos dão a
ver os mesmos fenômenos".

8. Idem, ibidem, p. 228.


b. Exemplos de pesquisas sociolingüísticas centradas na va-
riação sintática no português brasileiro se encontram em Tarallo
(1985), Silva & Scherre (1996) e Bagno (2000), citados no guia de
leitura no final deste livro [nodo E.l.

96
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

Geralmente essas variáveis estão ligadas à va-


riação na língua. Podem ser vistas por exemplo em
português brasileiro em dois casos, o uso do pro-
nome reto e oblíquo como sujeito de infinitivo, e
do pretérito mais-que-perfeito simples. É certo que
em determinadas circunstâncias formais, quando
monitoram seu modo de falar, os falantes brasilei-
ros cultos tendem a utilizar o pronome oblíquo
("deixa-me ver isso") e a utilizar (mesmo sem ter
disso consciência) a forma reta ("deixa eu ver isso")
quando não se monitoram. Essas duas formas
podem então ser consideradas como indicativas de
dois estilos que podemos grosso modo definir como
"formal" e "distenso". Do mesmo modo, o fato de
utilizar o mais-que-perfeito simples ("A atitude que
ele assumira ...") deriva de um estilo rebuscado, ou
seja, escrito, e é sobretudo o mais-que-perfeito com-
posto ("A atitude que ele tinha assumido ...") que se
utiliza de modo espontâneo. Mas essas variantes
sincrônicas se inscrevem de fato na história: é pro-
vável que o pronome oblíquo nas construções acima
venha a desaparecer assim como o mais-que-perfei-
to simples praticamente desapareceu do oral'.

c. Substituímos os exemplos dados pelo autor, tirados da rea-


lidade lingüística francesa, por situações de variação característi-
cas do português brasileiro, analisadas no trabalho de Bagno (2000).
Para referências completas, ver o guia de leitura no final deste li-
vro [no do E.].

97
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

2. O "vernáculo negro-americano"

Voltemos a William Labov. Vimos que as duas


pesquisas sobre Nova York representavam notável
evolução com relação ao estudo sobre Martha's
Vineyard, mas é sobretudo em seu trabalho sobre
o Harlem que ele vai avançar. A pesquisa sobre o
falar dos jovens negros do Harlem parte de um
problema eminentemente prático: estudar as cau-
sas de seu fracasso escolar, em particular de suas
dificuldades de aprendizado da leitura. Lembre-
mos (cf capo 1) que Bernstein tratara esse proble-
ma em termos de código restrito e de código ela-
borado, concluindo que crianças de meios favore-
cidos dominam os dois códigos, enquanto as de
meios desfavorecidos só dominam o primeiro. Isto
significa que ele tratava o problema em termos de
déficits lingüísticos explicáveis por déficits sociais,
em particular familiares.
Labov, por sua vez, vai trabalhar com crian-
ças de "guetos urbanos", e esclarece que "quanto
à população que nos interessa, ela se compõe de
membros pertencentes por completo à cultura
vemacular das ruas, rejeitados pelo sistema esco-
lar'", e assim ele será levado a considerar o que
chama de "vernáculo negro-americano", que pos-
sui suas próprias regras e apresenta tão grande

9. William Labov, Le parur ordinaire, t. 1, Paris, Éd. de


Minuit, 1978, p. 114.

98
AS VARIÁVEIS LlNGÜfSTlCAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

número de formas "não-padrão" que é inútil que-


rer descrevê-los em termos de desvios da norma. E
isso o levará a concluir que as dificuldades de
aprendizado do inglês entre os jovens negros são
o produto de conflitos entre dois conjuntos, seu
"vernáculo" e o inglês padrão. De fato, não se trata
para ele de duas línguas, mas "de um subsistema
distinto no seio da gramática geral do inglês"! o ou
ainda de "um sistema distinto estreitamente vin-
culado ao inglês padrão, contudo separado dos
dialetos brancos que o cercam por um certo núme-
ro de diferenças estáveis e sistemáticas"!'.
Quanto ao objetivo da pesquisa, as razões do
fracasso escolar, as conclusões de Labov são que
"o principal responsável pelo fracasso do aprendi-
zado da leitura é exatamente o conflito cultural. O
ambiente e os valores escolares claramente não
têm influência alguma sobre meninos solidamente
enraizados na cultura das ruas. Por sua vez, os
que aprendem são em grande parte meninos que
não entram nessa cultura, ou porque a rejeitam ou
porque são por ela rejeitados"! 2.
Há aspectos criticáveis nesse texto de Labov.
Por exemplo, ao querer se instituir claramente
como o avesso de Bernstein e sobretudo de alguns
autores americanos que utilizaram Bernstein de
modo quase-racista, ele vai tentar mostrar que,

10. Idem, ibidem, t. 1, p. 107


11. Idem, ibidem, t. 1, p. 155.
12. Idem, ibidem, t. 1, p. 173.

99
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

apesar dos preconceitos, o falar dos jovens negros


não é menos estruturado ou menos lógico que o
dos membros de classes abastadas. Quando ele
compara o discurso de um jovem de 15 anos,
membro da gangue dos Jets, Larry H., e o de um
negro com curso superior, Charles M., para con-
cluir que o segundo tem muito menos a dizer que
o primeiro, mas que mascara isso por trás de uma
"verbosidade" atraente, ele se torna ao mesmo /

tempo vítima de sua ideologia e de um artifício. E


perfeitamente possível que um falante X falando
uma forma lingüística trabalhada, tenha muito
menos coisas a dizer ou seja menos inteligente
que um falante Y falando uma forma lingüística
desvalorizada. Mas isso não significa que a forma
lingüística de Y seja mais propícia à expressão de
idéias que a de X. Aqui Labov confunde a forma
do discurso com seu conteúdo e cai numa armadi-
lha que ele mesmo armou ao adotar uma posição
sistematicamente contrária à que ele quer criticar,
e quando escreve: "Em muitos aspectos, os mem-
bros da classe trabalhadora surgem como falantes
mais eficientes que muitos membros da classe mé-
dia que chicaneiam, paroleiam e se perdem em
uma multidão de detalhes sem importância "1\ ele
se torna simplesmente vítima de sua ideologia.
Não obstante isso, as conseqüências teóricas
de seu trabalho nos interessam diretamente. Com

13. Idem, ibidem, t. 1, p. 126.

100
AS VARIÁVEIS LINGÜfSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

efeito, observamos que suas diferentes pesquisas nos


trouxeram mudanças metodológicas importantes:
Enquanto, em suas pesquisas anteriores, ele obser-
vava diretamente as produções lingüísticas, indo por
exemplo às grandes lojas gravar as produções ver-
bais dos empregados, ele utiliza aqui observadores
vindos do meio estudado, o que lhe permite resolver
o que chamava de "paradoxo do observador".
Enquanto, em suas pesquisas anteriores, ele traba-
lhava com amostragens de populações elaboradas
segundo critérios sociológicos, aqui ele vai estudar a
linguagem de grupos de adolescentes do Harlem to-
mados como um todo (os Jets, os Cobras, os
Thunderbirds etc.).
Enquanto, em suas pesquisas anteriores, ele só traba-
lhava com variáveis sociolingüísticas (essa ou aquela
realização de um ditongo, ausência ou presença do
Irl pós-vocálico etc.), doravante tomará como objeto
de estudo a gramática da língua de um grupo conside-
rado como falante de um vernáculo próprio.
Enquanto, em suas pesquisas anteriores, ele parece
se situar no quadro da lingüística estrutural (mais
particularmente da fonologia de Praga), agora ele
parece, em seus esboços de descrições, situar-se no
quadro da gramática gerativa.
Por fim, enquanto em suas pesquisas anteriores, ele
estava continuamente em busca de cruzamentos sig-
nificativos entre variáveis sociolingüísticas e
parâmetros sociais, agora trabalha com grupos por
assim dizer unificados: uma mesma faixa etária, uma
mesma situação social...
Tudo isso, contudo, ainda suscita uns poucos
questionamentos. Teoricamente não muda muito
101
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

a questão do vínculo que se estabelece entre lín-


gua e sociedade o fato de partir de um grupo alea-
tório (por exemplo, a amostragem de população
estudada em Martha's Vineyard) ou de um grupo
pré-constituído (por exemplo a gangue dos Cobras
do Harlem). Entra-se no primeiro caso pelo viés
da língua e se estrutura a sociedade da ilha a par-
tir de variantes, ou se entra no segundo caso pelo
viés do grupo e se estrutura uma língua (um "ver-
náculo") a partir desse grupo, mas resta, nos dois
casos, uma incompletude teórica. Labov escolhe
uma ou outra das entradas não, como escreveu
Pierre Encrevé, porque lhe teria ocorrido uma
evolução teórica profunda", mas porque seu terre-
no o conduz a isso, porque as condições concretas
dos falantes observados o empurram para isso, em
suma, porque a isso o dispõe. Nesse ponto, aliás,
nada nos autoriza a criticá-lo. Mas é preciso enfatizar
que, nessas escolhas, o problema das relações entre
variáveis lingüísticas e variáveis sociais não está
definitivamente resolvido: as soluções encontradas
por Labov são, por assim dizer, contextuais.

3. Variáveis lingüísticas e variáveis sociais

Temos pois variável lingüística quando duas


formas diferentes permitem dizer "a mesma coi-

14. Apresentação ele Sociolinguistique.

102
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

sa", OU seja, quando dois significantes têm o mes-


mo significado e quando as diferenças que eles
representam têm uma função outra, estilística ou
social. Dizer, por exemplo, o toalete, o reservado, o
banheiro, a latrina, o wc ou o sanitário evidente-
mente manifesta uma variável, mas resta o proble-
ma de saber a que função correspondem essas di-
ferentes formas. E aqui começam as dificuldades ...
Realmente pode-se considerar que essas dife-
rentes palavras se dividem em seu uso em uma
escala de faixas etárias: os jovens diriam banheiro,
seus pais wc e seus avós, reservados, por exemplo.
Pode-se então imaginar que eles se dividam segun-
do o sexo dos falantes, os homens dizendo mais
banheiro e wc e as mulheres, toalete e reservado.
Pode-se ainda imaginar que eles se dividam segun-
do uma escala social, com as classes abastadas usan-
do preferentemente toaletes, e as classes desfavore-
cidas latrina etc. Teríamos assim um uso forçado, e
o fato de utilizar um ou outro termo indicaria que
o falante se encontra nessa ou naquela categoria
social (mulher, jovem, classe abastada etc.). Urna
descrição sociolingüística consiste precisamente em
pesquisar esse tipo de correlações entre variantes
lingüísticas e categorias sociais efetuando sistemati-
camente triagens cruzadas e interpretando os cruza-
mentos significativos. Mas também é possível que,
em um meio social dado, um falante utilize latrina
enquanto os que o cercam utilizam reservados ou
toaletes, com o único propósito de chocar, de in-
103
SOCIOLlNGÜrSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

fringir a norma, de se rebelar etc. Num caso, a


utilização dessa ou daquela forma é inconsciente,
involuntária, mas ela nos indica algo sobre a cate-
goria social do falante, no outro ela é consciente,
voluntária e nos diz algo sobre o comportamento
do falante que utiliza a língua para agir.
Temos, portanto, de um lado um conjunto de
variáveis lingüísticas, todas as que a análise per-
mite descobrir, e de outro um conjunto de variá-
veis sociais, todas as que uma teoria sociológica
permite isolar. Claro que cada um desses conjun-
tos é produto de uma teoria, uma teoria lingüística
no primeiro caso, uma teoria sociológica no se-
gundo, e a multiplicidade de teorias agrava o pro-
blema. Admitamos contudo que essa hipótese seja
levantada, que disponhamos, para determinada
situação, de uma descrição de todas as variáveis
lingüísticas e de uma lista de todas as variáveis
sociais. Nosso problema é, então, saber quais são
as relações entre esses dois conjuntos. O caso mais
simples é seguramente aquele no qual um elemen-
to do primeiro conjunto (a utilização dessa ou
daquela variável fonética, por exemplo) permitiria
situar seu usuário em um ponto do segundo con-
junto. Em Martha's Vineyard, por exemplo, a cen-
tralização de ditongos permitiria saber que o fa-
~
lante tem uma atitude favorável à ilha. E preciso
então perguntar se essa implicação é recíproca, se
todos os falantes que têm uma atitude favorável à
ilha centralizam os ditongos, e a análise dá a essa

104
AS VARIÁVEIS LlNGÜrSTlCAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

questão uma resposta positiva, concluir que entre


o conjunto de variáveis lingüísticas e o conjunto
de variáveis sociais há uma relação biunívoca. Ao
fim das contas, passando as listas das variáveis
lingüísticas pelo filtro da lista das variações so-
ciais, e vice-versa, se poderia talvez chegar à con-
clusão de que temos dois conjuntos ligados por
uma série de relações biunívocas.
Deixemos o aspecto de certo modo mecanicis-
ta dessa visão, pois a pergunta é outra, é saber o que
fazemos nessa abordagem: partimos de uma análise
da língua que nos diz algo da sociedade, partimos de
uma análise da sociedade que nos permite compre-
ender a língua, ou é possível levar em conta esses
dois elementos na mesma análise? Em outros ter-
mos, é possível realizar o programa de Pierre
Bourdieu, para quem "uma sociologia estrutural da
língua, instruída por Saussure, mas construída con-
tra a abstração que ele instaura, deve dar-se por ob-
jeto a relação que une sistemas estruturados de dife-
renças lingüísticas sociologicamente pertinentes e siste-
mas igualmente estruturados de diferenças sociaisr'"

4. Os mercados lingüísticos

Com efeito, um princípio de resposta a essas


perguntas foi dado pelo sociólogo Pierre Bourdieu.

15. Pierre Bourdieu, Ce que parler veut dire, Paris, Fayard,


1990, p. 41.

lOS
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Ele parte da constatação de que a lingüística pós-


saussuriana se construiu sobre a rejeição do cará-
ter social da língua e que "os lingüistas não têm
escolha senão buscar desesperadamente na língua
o que está inscrito nas relações sociais onde ela
funciona, ou de fazer sociologia sem o saber?",
Ora, diz ele, o discurso não é apenas uma mensa-
gem, é também um produto. A contracapa da edi-
ção francesa, que Bourdieu assina com suas ini-
ciais' é notável porqu alinha certo número de me-
táforas econômicas: "O discurso não é apenas uma
mensagem destinada a ser decifrada; é tamb ~m um
produto que entregamos à apreciação dos outros e
cujo valor se definirá na relação com outros pro-
dutos mais raros ou mais comuns. O efeito do
mercado lingüístico (...) não pára de se exercer até
nas trocas mais comuns da existência cotidiana
(...) Instrumento de comunicação, a língua é tam-
bém sinal exterior de riqueza ..." (grifes meus). Sua
idéia é que a lingüística tende a incorporar à teo-
ria um objeto pré-construído, a língua, esquecen-
do a história social que a molda. Ora esse objeto
pré-construído corresponde de fato a uma defini-
ção oficial, a língua do Estado, fruto de uma uni-
dade política: "A língua oficial está vinculada ao
Estado. E isso tanto em sua gênese como em seus
usos sociais':". Ora, para que uma língua entre

16. Idem, ibidem, p. 15.


17. Idem, ibidem, p. 27.

106
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

outras se imponha como a língua legítima é preci-


so um mercado lingüístico unificado, no qual o
valor das diversas outras línguas e dos dialetos
(sociais ou regionais) seja medido em comparação
à língua dominante.
Tudo isso o conduz a insistir na metáfora eco-
nômica: "A troca lingüística é também uma troca
econômica, que se estabelece em determinada rela-
ção de forças simbólicas entre um produtor, deten-
tor de certo capital lingüístico, e um consumidor
(ou um mercado), e que é feita para proporcionar
certo lucro material ou simbólico" 18. Isso significa
que, para Bourdieu, para além da simples comuni-
cação de sentido, os discursos são signos de rique-
za, signos de autoridade, eles são emitidos para ser
avaliados e obedecidos, e que a estrutura social
está presente no discurso.
A partir disso pode tu-se desenvolver diferentes
estratégias. Quanto mais um falante possui "capital
lingüístico" (capital essencialmente simbólico, razão
pelo qual seu poder deve ser reconhecido pelo gru-
po), mais livre ele é para jogar no mercado, utilizan-
do por exemplo o que Bourdieu chama de "estraté-
gias de condescendência" ("estamos em casa", "fala-
mos a mesma língua"), derivadas da manipulação.
Não é a primeira vez que se tenta aplicar uma
grade econômica à análise lingüística. Ferruccio
Rossi-Landi em particular, em uma obra de título

18. Idem, ibidem, pp. 59-60.

107
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

evocador (A linguagem como trabalho e como mer-


cada), partia da idéia de que faltou a Saussure
uma teoria do trabalho lingüística e buscava
fornecê-la a ele inspirando-se em Marx. Seu ponto
de partida era que o valor saussuriano devia ser
reexaminado à luz da distinção marxista entre valor
de uso e valor de troca, e sua construção era tão
bonita quanto um círculo vicioso: os signos são os
produtos do trabalho lingüístico, a língua é um meio
de troca universal, como a moeda era para Marx o
equivalente geral, ela constitui o capital constante
do trabalho lingüístico, cujo capital variável é a
força de trabalho dos falantes e as mensagens são
unidades de valor de uso e de valor de troca. Tudo
isso o levou a escrever que "uma comunidade lin-
güística se apresenta como uma espécie de imenso
mercado, no qual as palavras, as expressões e as
mensagens circulam como mercadorias"!", fórmu-
la que não deixa de ter certa relação com as que
mais tarde serão utilizadas por Bourdieu.
Mas todo o seu edifício era essencialmente
analógico, consistia em projetar a análise marxista
sobre a língua e sobre a comunicação, ao passo
que Bourdieu, talvez com a vantagem de não ser
lingüista, parte de outro ponto de vista: refletir
sobre os efeitos sociais dos discursos, o que torna
sua intervenção muito mais fecunda.

19. Ferruccio Rossi-Landi, Illinl/uaggio come lavoro e come


mercato, Milano, 1968, p. 83 [ed, br.: A linguagem como trabalho c
como mercado, São Paulo, Difel, 1986].

108
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

Mas ao intervir na questão enquanto sociólo-


go, ele não fornece aos lingüistas (que ele censura
de considerar a língua como um objeto pré-
construído) sua definição da sociedade, que desde
então surge, ela mesma, como um objeto pré-
construído. Com efeito, tudo leva a pensar que o
mercado lingüístico de Bourdieu é delimitado por ele
pelas fronteiras do Estado, dentro das quais as prá-
ticas lingüísticas são confrontadas com práticas legí-
timas, ou, ° que dá no mesmo, que ele é delimitado
pela existência de uma língua legítima, a língua
dominante. Ora, de um lado, a legitimidade de uma
língua não se limita a fronteiras estatais (pense-se
no francês na França, na Suíça, na Bélgica...) e so-
bretudo, por outro lado, a sociedade não é
estratificada apenas por referência à língua legítima,
ela é também plurilíngüe, e se existe um mercado
lingüístico, ele tem de ser plural, o que levanta o
problema da definição de uma comunidade lingüísti-
ca. Voltaremos a isso no parágrafo 6 deste capítulo".

5. Variações diastráticas, diatópicas e


diacrônicas: o exemplo da gíria

Na introdução deste capítulo, distinguimos


entre variantes <..qeo,qráficas (a osga, a víbora, a la-

d. Uma boa análise da teoria das trocas lingüísticas ele


Bourdieu se encontra na obra de Soares (1985). A comparação
entre Bourdieu e Rossi-Lancli aparece em Bagno (2000). Ver refe-
rências completas no guia de leitura, no final deste livro.

109
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

gartixa, por exemplo) e variáveis sociais. Mas essa


distinção é frágil, pois as atitudes e os sentimentos
lingüísticos (ver capítulo anterior) fazem com que
características regionais possam ser socialmente
percebidas. Esses fatos só se encaixam imperfeita-
mente no quadro do mercado lingüístico de
Bourdieu. Peguemos o exemplo de uma atividade
simples e cotidiana que consiste em mexer a sala-
da com os talheres adequados a fim de misturá-la
ao tempero. Pode-se, em francês, la mélanqer ("mis-
turar"), la touiller ("mexer"), lafatiguer ("cansar"),
la tourner ("virar"), la brasser ("agitar"), la remuer
("remexer") etc. Todas essas formas são regionais:
remuer e retourner são usados em Paris, fatiguer e
tourner são usados no sudeste da França, mélanger
é usado no norte, brasser é usado em Saintonge
etc." O fato de um falante do francês vindo de
Marselha dizer fatiguer la salade em Paris pode ser
considerado como a marca de sua origem geo-
gráfica", Mas a frase precedente pode ter dois sen-
tidos: o falante pode inconscientemente indicar sua
origem e pode voluntariamente, em face do uso
parisiense dominante, conservar (por fidelidade,
por desafio) seu uso regional. Além disso, ao indi-

20. Henri Walter, Le[rançais dans tous les sens, Paris, Laffont,
1988,p.167.
°
e. Compare-se, por exemplo, uso de a vexado, apressado e
apurado no português do Brasil. O falante que usar avexado será
logo identificado como originário da região Nordeste, ao passo que
apurado indica variedade lingüística da região Sul [n, do E.].

110
AS VARIÁVEIS LlNGÜfSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

car que vem de Marselha, ele se oferece eventual-


mente ao julgamento ou à crítica dos que podem
ter os marselheses em baixa conta, e ele se apro-
xima de outros falantes que mantêm o mesmo uso.
E esse duplo movimento, criar solidariedade por
um lado e enfrentar o juízo de outro, passa tam-
bém tanto pelos fatos fonéticos como pelos fatos
sintáticos ou lexicais. Também acontece de o uso
de fórmulas antigas desempenhar o mesmo papel.
Pode-se usar fórmulas lingüísticas antigas (quem
há-de?, Em se tratando de...) por brincadeira, por
provocação ou porque não se conhece outras, e
pode-se ainda usar fórmulas antigas para afirmar
uma posição política (por exemplo, os caracteres
chineses clássicos em vez dos caracteres simplifi-
cados da China popular).
Portanto, temos aqui três parâmetros: um pa-
râmetro social, um parâmetro geográfico e um
parâmetro histórico, e a língua conhece variações
nesses três eixos: variações diastráticas (correlatas
aos grupos sociais), variações diatópicas (correlatas
aos lugares) e variações diacrônicas (correlatas às
faixas etárias). Daremos o exemplo das práticas
lingüísticas às quais se dá um nome genérico, a
gíria. Bourdieu, em uma rápida nota, indica que, a
seu ver, "a única afirmação de uma verdadeira
contralegitimidade em matéria de língua é a gíria;
mas se trata de uma língua de chefes'?'. Curiosa-

21. Idem, ibidem, p. 67.

111
SOCIOLlNGÜrSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRrTICA

mente Bourdieu incorre aqui na falta que censura


nos lingüistas, incorporando a sua teoria um obje-
to pré-construído, simplesmente considerando que
a gíria existe como forma aos mesmo tempo sepa-
rada e unificada. Ora, não existe razão lingüística
alguma para considerar a gíria como uma forma
separada da língua. Todos os corpora de gírias nos
mostram que essas formas diferem essencialmente
da língua padrão por seu léxico, e essas diferenças
lexicais baseiam-se em princípios produtivos que são
estritamente os da língua. Pierre Guiraud mostrou,
em seus trabalhos sobre as estruturas etimológicas
do léxico francês, a existência de matrizes semânti-
cas produtivas que permitem derivar a partir de uma
metáfora, inicial toda uma série de signos lingüís-
ticos". E, por exemplo, uma imagem forte que asso-
cia o dinheiro ao pão e mais genericamente ao ali-
mento que se pode comprar graças a ele, e essa matriz
nos permite compreender toda uma série de formas
lingüísticas. Sempre foi comum dizer que se ganha
o pão, ou que se ganha o leite das crianças. Nos dois
casos o dinheiro ganho serve para se alimentar. Do
mesmo modo, a palavra salário (latim: salariumi
vem de sal, porque os soldados romanos eram pagos
em sal. Encontra-se o mesmo princípio de produção
no vocabulário da gíria no qual o dinheiro é resul-
tado do ganha-pão, é o cacau, o cominho, a erva, lã,
lcaumc. milho ... etc.

22. P. Guiraud, Les strucutures étJj1nololJiques du lexique


jrançais, Paris, Payot, 1986.

112
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

ma triz de base:
DINHEIRO - ALIMENTO

ganhar
/
o pão cacau,
~
sal/ salário
cominho, etc.
erva,
lã,
legume,
milho
etc...
Vemos que a matriz de base dinheiro = alimento
não se limita ao vocabulário da gíria (nem se limita a
uma só língua, dinheiro se diz ora no, "grão", em gíria
italiana e bread "pão" ou douan "farinha" em gíria
, , V"l:)' , ,

inglesa). O que se chama de gíria é na realidade um


conjunto de práticas caraterizado por:
alguns traços sintáticos, por exemplo a utilização
intransitiva de verbos normalmente transitivos: "Su-
jou!" para se referir a um evento inesperado, porta-
dor de eventual risco;
alguns traços fonéticos, por exemplo a pronúncia
"véio" por "velho" e "sartá" por "saltar";
um conjunto lexical produzido seja pela aplicação de
regras do tipo que acabamos de descrever, seja pela
aplicação de regras de transformação, como no verlanf•

f. Verlan [de I 'envcrs, "ao contrário"] processo morfológico


de inversão da ordem das sílabas da palavra para torná-la
irreconhecível aos não-iniciados. Ocorre na gíria de alguns segmen-
tos sociais do Brasil (exemplo: "chabi" por "bicha", i. é, "homosse-
xual") [no do E.].

113
SOCIOLlNGÜrSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

,
E realmente preciso conceber que todos os
falantes, mesmo quando se acreditam monolíngües
(que não conhecem "línguas estrangeiras"), são
sempre mais ou menos plurilíngües, possuem um
leque de competências que se estendem entre for-
mas vernaculares e formas veiculares", mas no
quadro de um mesmo conjunto de regras lingüís-
ticas. Cada uma dessas formas corresponde a uma
função social particular e as variações que aí se
encontram derivam ao mesmo tempo do diatópico
(como, por exemplo, a utilização de uma forma
local pode responder a uma função gregária, a
vontade de conivência regional), do diastrático
(quanto a esse ponto as primeiras pesquisas de
Labov são esclarecedoras) e do diacrônico (a gíria
dos adolescentes responde parcialtnente a uma
vontade de conivência no seio da faixa etária).
Mas essas variações não são apenas lingüísti-
cas, elas têm ao mesmo tempo uma pertinência
social e participam de uma certa "cultura". Um
exemplo são as gangues de jovens adolescentes que
no início dos anos 1990 se tornaram o único as-
sunto nos subúrbios parisienses, lioneses e marse-
lheses e que se caracterizam ao mesmo tempo por
uma faixa etária, uma situação social (meios so-
ciais desfavorecidos, fracasso escolar), uma origem
étnica (principalmente "blacks" e "beurs") e so-

23. Louis-Iean Calvet, La aucrrr des tanques, Paris, Payot,


1987, pp. 79-82.

114
AS VARIÁVEIS LlNGÜISTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

bretudo pela busca de uma cultura "intersticial"


(termo emprestado à Escola de Chicago), tradu-
zindo-se por seu modo de falar, é claro, mas tam-
bém por seu modo de se vestir, por suas produções
musicais (o rap, o ragamuffin) e gráficos (as le-
gendas, os grafites nos muros e paredes) etc.
Vê-se, portanto, onde se encontra a pertinên-
cia dessas diversas variações, através do tempo, do
espaço ou dos estratos sociais: elas definem gru-
pos, e isso suscita o problema do que se chamou
de uma comunidade lingüística.

6.~Dlurnüdadeling~ticaoucoDlurnüdadesocUU?

A noção de comunidade lingüística é quase


tão antiga quanto a lingüística, mas os diversos
lingüistas deram-lhe definições variadas. Para
Leonard Bloomfield: "Uma comunidade lingüísti-
ca é um grupo de pessoas que age por meio do
discurso?", mas ele escreve, algumas páginas adi-
ante que "os membros de uma comunidade lin-
güística podem falar de um modo tão semelhante
que cada qual pode compreender o outro ou po-
dem se diferenciar a ponto de pessoas de regiões
vizinhas chegarem a não se entender umas às
outras?", afirmando que membros de uma mesma

24. L. Bloomfield, Le lanqaqe, Paris, Payot, 1970, p. 44.


25. Idem, ibidem, p. 54.

115
SOCIOLINGOfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

comunidade podem não se entender entre si, o


que pode parecer paradoxal. André Martinet, por
sua vez, querendo definir a comunidade lingüísti-
ca, escreve: "A língua existe desde que a comuni-
cação se estabelece (...) e que cabe a uma só e
mesma língua enquanto a comunicação é efetiva-
mente assegurada'?", Nos dois casos, vê-se que é a
língua que preside a definição, e não a comunida-
de. Vimos acima que William Labov considerava a
comunidade lingüística não como "um conjunto
de falantes empregando as mesmas formas", mas
como "um grupo de falantes que têm em comum
um conjunto de atitudes sociais para com a lín-
gua'?", Acrescentemos a esses autores Charles
Ferguson, que, ao tratar da diglossia, define a co-
munidade lingüística de modo implícito: "Em
muitas comunidades lingüísticas, duas ou mais
variedades da mesma língua são utilizadas por
determinados falantes em condições diferentes?".
Em todos os casos, a atitude é a mesma: par-
te-se da língua (sem jamais defini-la) para definir
o grupo. Mas esse grupo de definições deixa na
sombra alguns pontos.
1) Antes de mais nada, é preciso considerar
que uma comunidade lingüística é constituída de

26. A. Martinet, Éléments de linguistique qénérale, Paris,


Armand Colin, 1964, p. 148.
27. Sociolinquistiquc, p. 338.
28. C. A. Ferguson, Diglossia, Word, voI. 15, 1959, apud P.
Giglioli, Lanquaqe and Social Context, p. 232.

116
AS VARIÁVEIS LlNGOfSTlCAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

pessoas que têm a mesma primeira língua? A coisa


não fica clara no texto de Bloomfield ou no de
Martinet, enquanto Labov por sua vez faz referên-
cia aos "native new yorkers", de onde se pode
supor que eles têm o inglês por primeira língua
(seus trabalhos, aliás, referem-se exclusivamente a
essa língua), e Ferguson concebe a comunidade
como o lugar onde coexistem a língua padrão e
um de seus dialetos. Se se responder afirmativa-
mente a essa questão, uma das conseqüências dessa
definição seria que, exceto alguns casos estatistica-
men te marginais (os bilíngües precoces), um indi-
viduo só pode pertencer a uma única comunidade
lingüística. Mas isso levantaria alguns problemas.
Quando Labov, por exemplo, trabalha com a co-
munidade lingüística nova-iorquina, ele restringe
seu campo de estudo à parte dos habitantes da
cidade nascidos em Nova York e que têm o inglês
como primeira língua, isto é, exclui cerca de um
terço da comunidade (há em Nova York 30% de
estrangeiros): o critério lingüístico restringe então
o grupo social.
2) Há outra possibilidade: uma comunidade
lingüística poderia se constituir de pessoas que se com-
preendem graças a uma mesma língua. Um indiví-
duo poderia, então, pertencer a diferentes comu-
nidades lingüísticas, por pouco que maneje várias
línguas, e os estrangeiros de Nova York pertence-
riam à comunidade lingüística nova-iorquina angló-
fona na mesma medida em que pertenceriam à co-

117
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

munida de sinófona, hispanófona OU crioulófo-


na, de acordo com sua primeira língua, e eventual-
mente a uma terceira comunidade, se manejam e
utilizam com freqüência alguma outra língua ...
3) Mas, se é possível pertencer a várias co-
munidades lingüísticas, surge o problema de saber
quem decide essa pertinência (fora da comunida-
de determinada pela língua materna, seguramen-
te): uma comunidade lingüística pode se constituir
de pessoas que pensam ou querem pertencer a essa
comunidade? Nesse caso, a pertinência seria um
ato voluntário que geraria no indivíduo comporta-
mentos de adaptação à comunidade escolhida, de
inserção em suas redes e em suas estratégias.
Mas na realidade as coisas não são tão estan-
ques assim, nem tão simples. Vejamos o caso de
um cidadão senegalês, originário da região fluvial,
na fronteira mauritânia, que vive em Dakar. A
que comunidade ele pertence, sabendo-se que sua
língua materna é o peul, sua língua veicular, o
wolof, e a língua oficial de seu país, o francês?
Segundo se adote a solução 1, 2 ou 3, haverá res-
postas diferentes para a pergunta, mas não se pode
negar que sua realidade é trilíngüe e que, segundo
os momentos de sua vida cotidiana, ele vai se in-
serir em uma ou em outra dessas comunidades.
Ela participará da comunidade lingüística peul em
família, da comunidade wolof na rua e da comu-
nidade francófona no escritório. Ora, aceitar essa
fragmentação corresponde a centrar a análise no

118
AS VARIÁVEIS LINGÜfSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

indivíduo e não na sociedade, o que é paradoxal


para uma abordagem sociolingüística, ao mesmo
tempo corresponde a estruturar esse indivíduo em
grupos do ponto de vista dals) Iínguaís) que ele
conhece ou utiliza. Como a sociolingüística partiu
da idéia de que a língua reflete a sociedade, ela se
fechou nesse tipo de definição. Mas como a lín-
gua, uma língua, poderia refletir a sociedade quan-
do ela é plurilíngüe?
O único modo de se desvencilhar desses pa-
radoxos é sair da língua e partir da realidade so-
cial. Pois, ao definir o grupo pela língua, entramos
num processo tautológico que só fará mascarar, na
análise da multiplicidade de relações lingüísticas,
as imbricações dos códigos, ou seja, o próprio cerne
da comunicação social. A comunidade lingüística
nova-iorquina~
de Labov é, entenda-se bem, um
artifício. E realmente possível a UlTI indivíduo
participar, ao mesmo tempo, da comunidade de
falantes de uma língua veicular (no caso senegalês
acima, o wolof; em outros lugares, o swahili, o
malaio, o bambara etc.), da comunidade de falan-
tes de uma "língua étnica" (aqui 0 peul, em outros
lugares, o kikuyu, o javanês, o dogon etc.) e, en-
fim, da comunidade de pessoas que vivem num
país cuja língua oficial é o francês, o inglês, o
português ... Do mesmo modo, é possível que um
parisiense pertença ao mesmo tempo à comunida-
de dos falantes do francês e à dos falantes do ára-
be, que um berlinense pertença ao mesmo tempo

119
SOCIOLINGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

à comunidade dos falantes do alemão e à dos fa-


lantes do turco ... Em tais situações, não interessa
perguntar se nosso indivíduo de língua materna
peul, ao falar o wolof no mercado, tendo estudado
e trabalhado em francês, pertence à comunidade
francófona, peul ou wolof. Ele pertence à realida-
de social senegalesa, que se caracteriza, entre ou-
tras coisas, por sua situação lingüística, como o
turcófono de Berlim pertence à comunidade
berlinense, o arabófono de Paris pertence à comu-
nidade parisiense.
Esse problema é central pois os lingüistas,
quando querem definir uma comunidade lingüísti-
ca, só consideram o segundo termo desse sintagma,
o adjetivo, como se na comunidade lingüística só
houvesse língua, esquecendo que há também co-
munidade. Desse modo, nas citações acima, o pro-
blema de Martinet, apesar das aparências, não é
definir o que é a comunidade lingüística, mas a lín-
gua. Ele se questiona a partir de quando se pode
dizer que uma forma e uma outra não pertencem
mais à mesma língua e responde: quando ela não é
mais compreendida. Mas aqui ele se toma prisio-
neiro de sua definição da língua como instrumento
de comunicação, definição extremamente limitadora,
que leva a confundir código e comunicação. Um
código é, sem dúvida, necessário à comunicação,
mas não há código lingüístico fora de seu uso social.
A única maneira de ir até o fim da concepção
da língua como fato social não é perguntar quais
120
AS VARIÁVEIS LINGüíSTICAS E AS VARIÁVEIS SOCIAIS

são os efeitos da sociedade sobre a língua, pois


isso seria, uma vez mais, fazer o problema sociolin-
güístico derivar do problema lingüístico, como um
problema diferente, sucessivo ou ulterior. Trata-
se, bem ao contrário, de dizer que o objeto de estudo
da lingüística não é apenas a língua ou as línguas,
mas a comunidade social em seu aspecto linqidstico.
Desse modo, as diversas abordagens que vez por
outra foram tentadas pelas variantes da sociolin-
güística podem se hierarquizar de maneira lógica.
Com efeito, em um grupo social, há falantes,
códigos, variedades de códigos, relações dos falan-
tes com esses códigos e situações de comunicação.
A tarefa do lingüista é portanto descrever cada um
desses elementos, bem como suas mútuas relações:
1/ Descrever os códigos em presença (é o que fazem,
grosso modo, as diferentes lingüísticas), mas levando
em conta a dimensão diacrônica, a história desses
códigos e das pessoas que os utilizam (o que nem
todas as lingüísticas fazem);
2/ Estruturar a comunidade em função desses códigos,
ou seja, descrever os subgrupos de acordo com as
línguas que eles falam, com os lugares onde falam,
com quem falam, porque lhes falam etc., descrever
também as redes de comunicação, os comportamen-
tos, as atitudes ...;
3 / Descrever as variações no uso dos códigos em fun-
ção das diversas variáveis sociais (sexo, categorias
sociais, idade etc.):
4 / Descrever os efeitos dessa coexistência sobre os pró-
prios códigos: empréstimos, interferências etc.;

121
SOCIOLlNGorSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRrTlCA

S/Descrever os efeitos da situação social sobre os códi-


gos: é o problema das relações entre forma e função.
E cada uma dessas problemáticas é, ao mesmo
tempo, lingüística e sociológica.

122
CAPfTULO V

SOCIOLINGüfSTICA OU
SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

Vimos nos capítulos anteriores que a pergunta


sobre os vínculos entre língua e sociedade provinha
mais de lingüistas, como Meillet, que de sociólogos,
como Bourdieu, e vimos um incessante vaivém en-
tre duas posições simétricas: interrogar a sociedade
por meio da língua ou interrogar a língua por meio
da sociedade. Ao mesmo tempo, veremos que a
sociolingüística distingue entre dois tipos de aborda-
gem, uma abordagem microssociolingüística e uma
abordagem macrossociolinquistica. Neste capítulo, ten-
taremos mostrar que essas distinções não são imedia-
tamente visíveis e que essas abordagens, freqüen-
temente opostas, são na verdade complementares.

1. A abordagem micro

De fato, a diferença entre microssociolingüís-


tiea e macrossociolingüística, freqüentemente uti-

123
SOCIOLlNGüfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

lizada, não pode ser encarada de forma tão biná-


ria. A análise da comunicação em uma família,
por exemplo, parece evidentemente mais "macro"
que a do idioleto de um falante e mais micro que
a de um bairro ou uma cidade, que por sua vez é
mais "micro" que a análise da situação sociolin-
güística de uma região ou de um país. Aqui o que
está posto é o problema da comunidade lingüística
e sociológica estudada, mas não se pode esquecer
que se, entre a análise de uma conversação e a de
uma cidade, por exemplo, existe uma escala contí-
nua que vai da atenção dispensada ao pormenor à
atenção dispensada aos conjuntos, essas duas abor-
dagens ainda estão ligadas. De determinado ponto
de vista, essa escala é isomorfa à escala que iria da
"sociolinguística" à "sociologia da linguagem", tais
como as definiremos adiante; e o mesmo vale para
esta distinção: veremos que a primeira abordagem
é inseparável da segunda.
Apresentaremos, resumidamente, dois exem-
plos de microanálises.
Vejamos uma interação bem sumária entre um
estudante negro da Universidade de Berkeley e seu
professor, ao final de um seminário. O estudante se
aproxima do professor, que estava deixando a sala
acompanhado de estudantes brancos e negros, e lhe
diz: "Could I talk to you for a minute? I'm gonna
apply for a fellowship and I was wondering if I
could get a recommendation" ["Posso falar com você
um minuto? Vou me inscrever para uma bolsa de
124
SOCIOLlNGüíSTICA OU SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

estudos e gostaria de saber se você pode me fazer


uma carta de recomendação"].
O professor responde: "OK! Come along to the
office and tell me what you want to do" ["Certo!
Venha a minha sala e me diga o que quer fazer"].
E o estudante, juntando-se ao grupo, diz aos
outros estudantes: "Ahma git me a gig'" ["Vou
descolar um trampo"],
Trata-se aqui de uma conversação extremamen-
te curta, entre um professor e um estudante na
presença de outros estudantes, que podemos resu-
mir, do ponto de vista do conteúdo, a poucas coisas:
1. O estudante para o professor: preciso de uma carta
de recomendação.
2. O professor para o estudante: certo, venha comigo.
3. O estudante aos outros estudantes: vai dar certo.
Mas a terceira réplica apresenta, em compa-
ração com as duas primeiras, diferenças lingüísti-
cas interessantes. Com efeito, na última frase, vê-
se uma série de transformações fonéticas (I am
lJoinB transforma-se em ahma, get torna-se git)
características do falar dos negros americanos, bem
como o uso do termo gig, que na gíria dos músicos
tem o sentido de "compromisso temporário",
"cachê", mas que entre os negros tomou o sentido
mais amplo de "emprego", "trabalho". John
Gumperz nota que "o falante deve ser descrito

1. J ohn Gumpcrz, Discourse Strateqies, Cambr idge,


Cambridge University Press, 1982, pp. :30.

125
SOCIOLINGüíSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

como um falante do Black English que domina uma


gama que vai do dialeto dos negros ao inglês pa-
drão ";~.E essa passagem de um discurso formal
(dirigido ao professor) a um discurso informal
(dirigido aos colegas) não nos diz mais que isso.
Não obstante, ao fazer um grupo de estudantes
ouvir a gravação dessa passagem durante um pai-
nel, Gumperz obteve as avaliações seguintes:
um primeiro grupo, essencialmente formado por pes-
soas que mantinham pouco contato com os negros,
declarou não compreender formas como ahma ou
gig e ser, por isso, incapaz de dizer algo a respeito;
um segundo grupo viu na passagem ao Black English
uma forma de rejeição do professor branco e da es-
trutura acadêmica como um todo;
um terceiro grupo viu na passagem uma estratégia
do falante para indicar que estava se dirigindo ape-
nas aos negros do grupo;
um último grupo, por fim, composto de negros e de
um branco muito familiarizado com os negros, pen-
sou que o estudante quis se justificar junto a seus
pares: "Jogo o jogo que a gente deve jogar no mundo
dominado pelos brancos". Os membros deste grupo
acrescentaram que as formas utilizadas aqui não são
freqüentemente utilizadas pelos negros formados,
que têm uma linguagem a meio caminho entre o in-
glês-padrão e o Black English. Além disso, a
entonação utilizada na réplica (sing-song, salmodia,
melopéia) permitia-lhes pensar tratar-se de uma es-
pécie de imitação enfática de um modo tipicamente
negro de se expressar.

2. Idem, ibidem, p. 31.

126
SOCIOLlNGÜrSTICA ou SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

o certo, nota Gurnperz, é que todas estas in-


terpretações se fundam numa percepção de signos
lingüísticos, e que o falante, para passar sua men-
sagem, agiu a partir de um conjunto de tradições
culturais específicas dos negros, de alguma forma
dizendo: "Se vocês decodificarem o que eu quero
dizer será sinal de que compartilham minhas tra-
dições e nesse caso compreenderão por que estou
me comportando assim'", De modo que, sobre tão
curta interação, vemos brotar todo um pano de
fundo constituído ao mesmo tempo pelas diferen-
ças lingüísticas entre brancos e negros, pelo jogo a
partir dessas diferenças, pelo modo com que os
negros percebem pares seus que tentam obter fa-
vores dos brancos, isto é, de modo mais geral, pela
situação social dos Estados Unidos.
Tornemos agora outro exemplo" de uma farní-
lia senegalesa originária de Saint-Louis, que vivia
na capital, Dakar. O pai, médico, impunha o uso
do francês em casa, língua falada pela mãe, pelos
dois filhos (de 14 e 12 anos respectivamente), por
um primo (de 12 anos) que vivia com eles e por
uma filha (de 10 anos). Por outro lado, o filho
caçula (de 7 anos) só falava o wolof. Na presença
do pai, a comunicação familiar se apresentava como
mostra o esquema abaixo: o pai fala francês com

3. Idem, ibidem, p. 36.


4. Extraído de Louis-Jean Calvet e Martine Dreyfus, La
famille dans l'espace urbain: trois modeles de plurilinguisme, in
Plurilinquismcs, n. 3, Pais, 1992.

127
SOCIOLlNGüiSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

todo mundo e todo mundo lhe responde em fran-


cês, exceto o caçula, que compreende o francês,
mas responde em wolof.
INTERAÇÕES EM FRANCÊS

PAI
FILHO 7

PRIMO 12
FILHO 12

Quando o pai está ausente, a mãe fala uma


mistura de francês e de wolof com todos os filhos,
exceto com o caçula:
INTERAÇÕES EM FRANCÊS/WOLOF

FILHO 7
FILHO 14

FILl-IA 10

Por outro lado, todo mundo se comunica em


wolof com o caçula, exceto o pai, que lhe fala em
francês e ao qual ele responde em wolof:

128
SOCIOLlNGüfSTICA OU SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

INTERAÇÕES EM WOLOF

Esta organização das redes de comunicação


numa família não é rara num país como o Senegal.
Haverá lugares onde o pai imporá à família sua
língua (o peul, o sereer, o manding etc.) ou proi-
birá o wolof ou o francês ... Mas é impossível ana-
lisar esse corpus sem ressituã-lo no quadro de um
país neocolonial, cuja língua oficial é o francês,
cuja língua dominante ou veicular é o wolof e onde
se falam umas vinte línguas diferentes: tudo o que
se passa entre os membros de nossa família é es-
treitamente determinado pela situação mais geral.

2. A abordagem macro
Vamos agora pegar um exemplo de pesquisa
sociolingüística tirado de uma comunidade muito
mais ampla, "o mercado Escala" em Ziguinchor,
Ziguinchor é uma cidade do sul do Senegal, em
Casamance, na qual coexistem várias etnias e várias
línguas. No pequeno mercado que iremos analisar,
os comerciantes tinham mais de dez línguas mater-
nas diferentes. O quadro seguinte, baseado em en-
trevistas que fizemos com todos os comerciantes,
apresenta a divisão estatística das línguas principais.

129
SOCIOLlNC;OíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Número de comerciantes por primeira língua declarada

I11III wolof
D serecr
• manding
D peul
O balante
[J diversas
diola

Vemos que o diola (35 %) é a língua dorni-


nante, seguido do wolof (26~»), depois do manding
e do peuI. Mas estas línguas não têm o mesmo
status. O diola é a língua dominante na cidade
como língua de origem, o peul e o manding são as
línguas da região, as línguas de Casamance, enquan-
to o wolof é uma língua do norte do país, que vai se
difundindo lentamente por sua função de língua
veicular, levada ao mercado pelos comerciantes wolof,
que vinham para a região fugindo da seca e que
tinham poder econômico superior ao de seus con-
correntes locais. Pode-se até crer que esses esclare-
cimentos não têm nenhuma importância: de um
ponto de vista sincrônico, o mercado é constituído
por essa pluralidade. Mas veremos que o modo como
se constitui a comunidade lingüística tem impor-
tantes influências sobre os comportamentos.
Se considerarmos agora o grau de plurilingüis-
mo desses comerciantes, o número de línguas que
SOCIOLlNGOíSTICA OU SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

eles declaram falar (inclusive sua primeira língua),


obteremos os números seguintes:

MERCADO ESCALA
so :,\\ílllero dt'
l'( mu: rciu 11t (':-,
40

:w

lO

()
')
li 7
.)

,)

Esses números referem-se ao conjunto da po-


pulação constituída pelos comerciantes: vemos ali
Ulll lento decréscimo que vai dos comerciantes que
falam um só língua aos que declaram falar sete
línguas. Mas se cr uzur m o s esses dados (o
plurilingüismo dos comerciantes) com sua primei-
ra língua, obteremos resultados hem contrastados.
Eis o resultado do cruzamento para as quatro prin-
cipais línguas apresentadas no mercado:
ZlGUINCHOR
') :-
~,)
N Ú IIlL'rO dl:
m« rc ia 11te s
('(l
20
diola
15

10

s
o
(j 7

Falantes de 1 a 7 línguas

l:n
SOCIOLlNGOíSTICA: lJMA INTRODUÇÃO CHíTICA

ZIGUINCHOR 4
Numero (k
cntucrcinnu-s
wolo!

+--~----+----~
li 7
Falantes de 1 Li 7 lmguas

ZIGUINCHOR S
NÚlIlLTO de
(' () 111( '1"(' ia 11 t ('<;
7
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'*

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') :) .~ .s (j 7
Falantes de 1 a 7 líllgllas

ZICUINCIIOl{ ()

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I}( '\ li

..
')

()~---+-
')
4 Ij
Falantes de ! a 7 Illlguas
SOCIOLlNGÜrSTICA ou SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

Vemos agora que a repartição do plurilingüis-


mo não é a mesma, de acordo com a primeira lín-
gua dos comerciantes: mais de 50 % dos wolofs
são monolíngües (falam apenas sua própria lín-
gua), nenhum peul é monolíngüe, quase 30 % dos
mandings são quadrilíngües e apenas 36 % dos
diolas podem, entre si, contentar-se com sua lín-
gua para trabalhar no mercado. Esta organização
lingüística do mercado tem apenas pertinência lin-
güística ou, mais amplamente, uma pertinência
social? De fato, ela seria incompreensível se não
esclarecêssemos o status da línguas e de seus fa-
lantes. O wolof é aqui uma língua que ganha cada
vez mais terreno e à qual o diola mal pode resistir;
a etnia wolof, a mais numerosa do Senegal, ocupa
o poder político e econômico. Quanto aos peul,
sua língua praticamente não é falada por outros
além deles. Em todo lugar, eles são obrigados a
adquirir uma língua veicular.
Desse modo, assim como a abordagem
microssociolingüística de um curto diálogo entre
um estudante negro americano e seu professor
branco nos falava da situação social dos Estados
Unidos, a abordagem macrossociolingüística de um
mercado senegalês nos fala das relações entre as
etnias em presença e do país em seu conjunto. Isto
significa que somos aqui confrontados com uma
série de redes de comunicação e de interferências
entre estas redes, que se opõem à distinção entre
micro e macroanálise.

133
SOCIOLlNGüISTICA: UMA INTRODUÇÃO CRITICA

3. As redes sociais e as línguas

A noção de redes sociais (social networks) sur-


giu inicialmente entre alguns sociólogos, em con-
seqüência dos trabalhos da Escola de Chicago. John
Barnes, por exemplo, ao estudar uma pequena pa-
róquia de pescadores e de camponeses em Bremnes
(Noruega), viu ali três campos sociais diferentes:
um sistema territorial (as casas, ° bairro, a paróquia);
um sistema baseado na indústria da pesca (os bar-
cos, seu equipamento, as cooperativas, as fábricas
de óleo de arenque);
um sistema de relações com os pais, os amigos, os
conhecidos.

Ele apresentava esses campos como um con-


junto de pontos ligados por linhas, cada ponto re-
presentando uma pessoa ou um grupo, e as linhas
indicando as interações entres as pessoas ou os
grupos'.
Posteriormente o conceito de social networhs
será utilizado por outros sociólogos, Elizabeth Bott'',
Phillipp Mayer? etc., antes de ser retomado pelos
lingüistas. Com efeito, as interações de que Barnes
falava, as relações sociais, passam por uma língua

5.john Barnes, Class and Committees in a Norvegian Island


Parish, in Human Relations, n. 7, 1954.
6. Elizabeth Bott, rumily and Social Network, London,
Tavistock, 1957.
7. Phillipp Mayer, Labour Migrancy and the Social Network,
in Prohlems oj Transition, Natal, University of Natal Press, 1964.

134
SOCIOLlNGüfSTICA OU SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

ou por línguas, e os pontos ligados por linhas sim-


bolizam, como para ele simbolizavam, toda uma
paróquia ou, como no exemplo apresentado acima,
uma simples família, cada uma das linhas represen-
tando o discurso. Mas os discursos não têm necessa-
riamente a mesma forma e essas redes podem
corresponder a socioletos ou a línguas diferentes, ao
mesmo tempo que podem desempenhar um papel
na difusão das inovações lingüísticas, da variação.
Dessa forma, a lingüista britânica Lesley Milroy,
estudando as redes de comunicação na cidade de
Belfast", nota que os membros da classe operária
têm uma rede de comunicação muito mais densa
que os membros das classes médias ou superiores:
eles se freqüentam ao mesmo tempo no ambiente de
trabalho, de lazer, de vizinhança e seu socioleto é
reforçado por essa estreita convivência.
Por isso a coesão de urna rede de comunicação
assegura a coesão de um socioleto, enquanto, em
uma comunidade lingüística, as diferenças entre os
socioletos são função da distância entre seus falan-
tes. Essa abordagem, simultaneamente inspirada na
antropologia e na etnografia da comunicação, de-
semboca no problema da mudança das práticas lin-
güísticas. Vejamos um exemplo mais circunscrito:
Ao analisar com a ajuda de um estudante, Li
Wei, a comunidade chinesa de Newcastle (de 5 a

8. Lesley Milroy, LangUtlfjf and Social Nctworks, London,


Blackwell 1980.

135
SOCIOLlNGOfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

7.000 pessoas falantes ao mesmo tempo do inglês


e de um dialeto chinês), Milroy nota que:
a família constitui o primeiro grau de organização
social (a comunidade chinesa se organiza principal-
mente na base do trabalho familiar, em particular
mercearias e restaurantes);
pode-se identificar três grupos de falantes (que não
correspondem exatamente à tripartição que se pode-
ria imaginar entre os avós, os pais e o filho): o grupo
da primeira geração de migrantes, um segundo gru-
po constituído pelos migrantes que vieram com a
ajuda dos migrantes anteriores (que Milroy classifi-
ca de "migrantes subvencionados", geralmente pais
ou amigos dos que tinham vindo primeiro), e o gru-
po de chineses nascidos em Newcastle, de nacionali-
dade britânica",
Estes grupos entram em redes de relações bem
diferentes. Os dois primeiros estreitam relações es-
sencialmente com os membros da família e com
outros chineses envolvidos nas mesmas atividades
econômicas, mas no segundo grupo os que têm
uma atividade econômica limitada freqüentam so-
bretudo a família, enquanto o terceiro grupo de-
senvolve relações fora do meio chinês e fora das
atividades de restaurantes e mercearias. A maior
parte de seus membros estudou e visa outros tipos

9. Lesley Milroy, Li Wei, A Social Network Perspective 011


Code-switching and Language Choice: the Exarnple ofthe Tyneside
Chinese Community, in Plurilinauistics, n. 3, Paris, 1992, pp. 88-
108.

136
SOCIOLlNGüíSTlCA OU SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

de ocupação profissional. Milroy resume essa situa-


ção no quadro a seguir.
Relações de Relações de
orientação orientação
parental étnica
Grupo 1
[migrantes da
primeira geração) forte forte
Grupo 2
(migrantes "subvencionados") forte fraca
Grupo 3
(britânicos de nascimento) fraca fraca

Quais são as implicações lingüísticas dessa


organização em diferentes redes? A análise de vinte
e três horas de gravação de conversações entre
membros de dez famílias diferentes mostra que as
escolhas de língua variam consideravelmente, de
acordo com o interlocutor:
os falantes só usam o chinês para falar com os avós
ou com os chineses da geração dos avós;
a conversação entre marido e mulher se dá igual-
mente e exclusivamente em chinês;
nas conversações com os chineses "britânicos de
nascimento", mistura-se o inglês com o chinês
(exceto os falantes que nunca aprenderam inglês);
alguns chineses britânicos de nascimento (todos com
menos de 18 anos) só falam em inglês com seus pares.
Com raras exceções, esses falantes são bilín-
gües, mas pode-se ver que as redes sociais em que

137
SOCIOLINGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

eles estão envolvidos levam a supor uma mudança


em curso, que iria do monolingüismo chinês ao
mo no lingüismo inglês, passando por um
bilingüismo dominado pelo inglês. Algumas crian-
ças já começam a se recusar a responder em chi-
nês quando alguém lhes fala nesta língua. Milroy
cita o exemplo de uma mãe que oferece arroz à
filha em cantonês. A filha não lhe responde e
depois pede arroz em inglês e, por fim, aceita a
oferta em cantonês. As estratégias de comunica-
ção que aqui aparecem estão ao mesmo tempo li-
gadas à situação (sincronia) dos atores em ação e
à evolução dessa situação (diacronia). É bem pro-
vável que mais tarde a menina só fale inglês com
seus filhos, mesmo que ainda compreenda o
cantonês,
Esta análise ainda não está completa. Falta
cruzar essas variáveis com o sexo, a idade, a ocu-
pação profissional etc. Milroy se propõe a fazê-lo
ainda. Mas já vemos nitidamente os vínculos en-
tre as redes sociais, a alternância de código, as
escolhas de língua e o futuro do bilingüismo in-
glês/ chinês nessa comunidade.

4. Sociolingüística e sociologia da linguagem

O lingüista americano Ralph Fasold publicou


duas obras concebidas como complementares e com
títulos bem significativos: The Sociolinguistics of

138
SOCIOLlNGÜrSTICA ou SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

Societu e The Sociolinguistics of Lanquaqe", No pre-


fácio do primeiro livro, ele explicava esta divisão:
"Uma das subdivisões toma a sociedade como pon-
to de partida e a língua como problema social e
como corpus [...] A outra grande divisão parte da
língua, e as forças sociais são consideradas como
influenciando a língua e como contribuindo para
uma compreensão de sua natureza [...] Outro modo
de ver essas subdivisões é considerar este volume
como consagrado a uma forma especial de sociolo-
gia e o segundo como consagrado à lingüística de
um ponto de vista particular"!'.
Por sua vez, José Pedro Rona fazia em 1970
a distinção entre uma sociolingüística propriamente
lingüística, que estudaria a estratificação interna
do conjunto constituído pela língua, seus dialetos
e seus patoás, e uma sociolinqidstica alinauistica,
que estudaria os efeitos da sociedade sobre o con-
junto precedente 12.
Teríamos assim duas abordagens diferentes
que, sob nomes variados, se refeririam sempre à
mesma distinção de base: há, de um lado, a língua,
de outro a sociedade, e nenhuma impostação heu-

10. Ralph Fasold, The Sociolinquistics of Societu, Oxford,


Blackwell, 1984; Idem, The Sociotinquistics of Lanquaqe, Oxford,
Blackwell, 1890.
11. Idem, Thc Sociolinquistics ojSocictu, op. cit., p. x.
12. José Pedro Rona, A Structural View of Sociolinguistics,
1970, citado por Humberto López Morales, Sociolinquistica, Madrid,
Grcdos, 1989, pp. 2~-24.

139
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

rística pode considerar esses dois conjuntos de um


mesmo ponto de vista. Joshua Fishman ia na
mesma direção quando, depois de ter longamente
apresentado a "sociolingüística", escreveu: "A so-
ciologia da linguagem é tão interessante para quem
estuda pequenas comunidades como para quem se
ocupa da integração nacional e internacional. Ela
deve esclarecer a transição de uma situação de con-
tato direto a uma outra. Ela deve esclarecer as
diferentes convicções e os diferentes comportamen-
tos no que se refere à língua de grupos inteiros ou
de classes inteiras da sociedade. Em certos casos,
é preciso enfatizar a variação entre variedades es-
treitamente aparentadas; outras vezes, estuda-se a
variação entre línguas nitidamente diferentes"!',
Vemos, pois, que a posição dominante consis-
te em manter duas entidades distintas, a língua e
a sociedade, a considerar a língua corno fato so-
cial, sem deixar de considerar sua autonomia, ou
seja, sem deixar de conservar a autonomia da lin-
güística. Humberto Morales López é bem claro
quanto a isso. Ele distingue dois grandes grupos
de estudos consagrados à lingüística: os mais fre-
qüentes, aqueles que, segundo ele, descrevem os
aspectos lingüísticos da sociedade, e os outros, que
estudam os fenômenos lingüísticos em relação com
determinadas variáveis sociais. E acrescenta: "As

13. ]oshua Fishman, Sociolinquistique, Paris-Bruxelles,


Nathan-Labor, 1971, p. 69.

140
SOCIOLlNGÜrSTlCA ou SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

diferenças, que saltam aos olhos, procedem do


objeto de estudo selecionado: a língua ou a socie-
dade [...] O fato de aceitar a (sociollingüística como
uma disciplina lingüística tornaria vã toda discus-
são de seu objeto de estudo, pois ele só poderia ser
a língua. Em toda pesquisa dessa natureza, a lín-
gua é a variável dependente. Mas a língua também
entra em jogo em pesquisas de outra ordem. Fique
claro aqui que sua gramática ou seu léxico, que
constituem o material de análise do lingüista, não
nos interessam mais; não passam de entidades
homogêneas que fazem parte de estruturas sociais
mais amplas'?".
Para ele, há fenômenos claramente ligados às
línguas que dizem respeito ao estudo das socieda-
des: o número de línguas, suas funções, o número
de seus falantes etc. Mas trata-se aqui da descrição
do aspecto lingüístico da sociedade, que se poderia
descrever sob outros aspectos: do ponto de vista
da religião, do direito, das artes populares etc.
Podemos ver em todas essas discussões uma
exacerbação do conflito original, o conflito que opu-
nha Meillet a Saussure. Com efeito, mesmo que a
obra de Meillet esteja longe de responder a suas
exigências teóricas, mesmo que ele não tenha sa-
bido ver que a abordagem social dos fatos
lingüísticos só poderia ser feita em contraposição

14. Humberto Morales López, Sociolinquistica, Madrid,


Gredos, 1989, pp. 25-26.

141
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

à lingüística estrutural nascente, o problema está


exatamente aí, na defesa, de um lado, de uma lin-
güística que estude inicialmente "a língua em si
mesma e por si mesma" e, de outro, de uma lin-
güística que vá até o fim das implicações da defi-
nição da língua como fato social.
Os exemplos analisados nos capítulos anterio-
res nos mostram que os diferentes problemas abor-
dados neste livro estão profundamente imbrica-
dos, que os sentimentos lingüísticos dos falantes
de N orwich não serão compreensíveis se não se
levar em consideração o sexo dos falantes, que a
pronúncia dos habitantes de Martha's Vineyard
não se explica se não passar pela atitude dos falan-
tes com relação à ilha, que a situação lingüística
do mercado de Dakar dá testemunho de um fenô-
meno veicular, que o plurilingüismo dos comerci-
antes de Ziguinchor é determinado pelo status
social que o fato de ser wolof ou peullhes confere,
que o comportamento lingüístico dos chineses de
Newcastle está estreitamente ligado às redes so-
ciais nas quais eles estão envolvidos etc. E, ao mes-
mo tempo, a discussão que fizemos no capítulo
anterior sobre a noção de comunidade lingüística
nos mostra que nos fechar na língua ou nos fechar
na sociedade nos condena à impotência. Eis por
que as distinções entre sociolingüística e sociologia
da linguagem, entre abordagem micro e abordagem ~
macro, não têm pertinência teórica alguma. E cla-
ro que elas têm um valor metodológico: pode-se,

142
SOCIOLlNGÜrSTICA ou SOCIOLOGIA DA LINGUAGEM?

segundo o caso, trabalhar com grandes grupos ou


com alguns falantes, estudar as realizações de uma
variável ou a alternância de código, analisar os
sentimentos lingüísticos e a forma das línguas
utilizadas, calcular a estatística de aparição de lín-
guas num mercado ou descrever a sintaxe de uma
língua, mas todas estas abordagens não constituem
ciências separadas, dado que seu objeto é único e
que, como já dissemos ao final do capítulo ante-
rior, o objeto de estudo da lingüística não é apenas a
língua ou as linquas, mas a comunidade social sob
seu aspecto lingüístico. Segundo este ponto de vis-
ta, não há mais possibilidade de distinguir entre
sociolingüística e lingüística, e ainda menos entre
sociolingüística e sociologia da linguagem.
Realmente é necessário conceber a aborda-
gem dos fatos da língua como um vasto continuum,
que vai do analógico ao digital, das relações sociais
à minudência dos fatos lingüísticos, como se esti-
véssemos aplicando uma técnica de zoam ",
Fique entendido que esta posição não é dita-
da pelo gosto (uma preferência que se teria por tal
ou qual definição da lingüística ou da sociolingüís-
tica) , nem pela ideologia, mas por uma preocupa-
ção de ordem completamente diversa. O que aqui
está em causa é o poder explicativo da ciência. Uma

15. Cf. Louis-Jean Calvet e Lia Varela, De l'analogique au


digital, à propos de sociologíe du langage et/ou sociolinguistique
et/ou linguístique, in Langagc et socicté, n. 89, setembro de 1999.

143
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

teoria é tanto mais poderosa quanto melhor expli-


ca o maior número de fatos. Ora, para retornar ao
início deste livro, à concepção de Meillet da língua
como fato social, é evidente que o desafio lançado
à ciência por essa concepção (desafio que Meillet
não soube perceber) era de poder explicar todos os
fatos das línguas (tanto sincrônicos como
diacrônicos) em relação constante com a socieda-
de da qual essas línguas são o meio de expressão.
Explicar e não meramente descrever. A descrição
das línguas e das situações das línguas é com efei-
to coisa relativamente simples (mesmo que para
isso seja preciso elaborar uma teoria), mas que
permanece na superfície dos fatos, que é cientifi-
camente frágil. Para compreender o porquê dessas
situações, o porquê da variação lingüística, das
atitudes e das estratégias, é preciso ir à raiz -
social - dos fenômenos; e é isso que faz caducar
a oposição entre lingüística e sociolingüística.

144
CAPITULO VI

, .. ,
AS POLITICAS LINGUISTICAS

o interesse de UIna ciência não se mede ape-


nas por seu poder explicativo, mas também por sua
utilidade, por sua eficácia social, em outras palavras,
por suas possíveis aplicações. A leitura dos capítulos
anteriores terá levado a compreender que as aplica-
ções da sociolingüística são numerosas. Mas o cam-
po no qual elas foram mais elaboradas concerne à
intervenção nas línguas e nas relações entre as
línguas no quadro dos Estados.
Comecemos por duas definições. Chamaremos
política lingüística um conjunto de escolhas cons-
cientes referentes às relações entre línguafs) e vida
social, e planejamento lingüístico a implementação
prática de uma política lingüística, em suma, a
passagem ao ato. Não importa que grupo pode
elaborar urna política lingüística: fala-se, por exem-
plo, de "políticas lingüísticas familiares", pode-se
também imaginar que uma diáspora (os surdos, os
ciganos, os falantes de iídiche) se reunisse em um
congresso para decidir uma política lingüística.
Mas, num campo tão importante quanto as rela-

145
SOCIOLlNGüfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

ções entre língua e vida social, só o Estado tem o


poder e os meios de passar ao estágio do planeja-
mento, de pôr em prática suas escolhas políticas.
Por isso, sem excluir a possibilidade de políticas
lingüísticas que transcendam fronteiras (é, por
°
exemplo caso da francofonia, da lusofonia, entre
outras), nem a possibilidade de uma política lin-
güística que abranja entidades menores que o
Estado (sobre línguas regionais, por exemplo),
vamos apresentar essencialmente exemplos de
políticas lingüísticas nacionais.

1. Duas gestões do plurilingüismo:


o in vivo e o in vitro

Quando se pensa no número de línguas que


existem na superfície do globo terrestre, tem-se a
impressão de que todas as condições para que as
pessoas não se compreendam estão dadas. Contu-
do, apesar de alguns considerarem a multiplicação
das línguas como a maldição de Babel, a comuni-
cação funciona em todos os lugares. Isso porque
há dois tipos de gestão do plurilingüisrno: um que
procede das práticas sociais e outro da interven-
ção sobre essas práticas. O primeiro, que chamare-
mos de gestão in vivo, refere-se ao modo como as
pessoas, cotidianamente confrontadas com proble- .
mas de comunicação, os resolvem. Vimos diversos
exemplos disso nos capítulos anteriores. Dessa

146
AS POLíTICAS LlNGÜrSTICAS

forma, o que chamamos "línguas aproximativas"


(OS pidgins), ou ainda línguas veiculares são pro-
duto típico de uma gestão in vivo do plurilingüismo.
Com efeito, nos dois casos a comunicação está
assegurada graças à "criação" de uma língua, e
essa criação não deve nada a uma decisão oficial,
a um decreto ou a uma lei; ela é simplesmente o
produto de uma prática.
Prática que, aliás, não resolve apenas os pro-
blemas do plurilingüisrno. Todo dia, em todas as
línguas do mundo, aparecem novas palavras para
designar coisas (objetos ou conceitos) que a língua
não designava antes. Essa neologia espontânea foi
particularmente ativa nas línguas africanas, na
época colonial. Com efeito, as sociedades coloniza-
das eram confrontadas com tecnologias (o carro, o
trem, o avião ...), com estruturas (a administração,
o hospital. ..), ou com funções (oficial, médico, go-
vernador ...) importadas do Ocidente e que era
preciso nomear. Pode-se, portanto, estudar o modo
como uma população se vale de sua competência
lingüística para forjar novas palavras que desig-
nem noçoes novas.
Mas existe outra abordagem dos problemas
do plurilingüismo ou da neologia, a abordagem do
poder. E" a gestão in vitro: em seus laboratórios,
lingüistas analisam as situações e as línguas, des-
crevem-nas, constroem hipóteses sobre o futuro
das situações, proposições para regular os proble-
mas; depois os políticos estudam as hipóteses e as

147
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

proposições, fazem escolhas, aplicam-nas. Veremos


adiante vários exemplos desse tipo de gestão, mas
é preciso ressaltar primeiro que essas duas aborda-
gens são extremamente diferentes e que as rela-
ções entre elas podem por vezes ser conflituosas,
se as escolhas in vitro se chocam com a gestão in
vivo ou com os sentimentos lingüísticos dos falan-
tes. Por isso é difícil impor a um povo uma língua
nacional que ele não quer ou que ele não conside-
ra uma língua, mas um dialeto etc. Será igualmen-
te pouco coerente tentar impor para essa funçao
uma língua minoritária, se já existe uma língua
veicular amplamente utilizada. A política lingüís-
tica suscita problemas de controle democrático (não
deixar os que tomam decisões fazer o que lhes der
na telha) e de interação entre a análise das situa-
ções feita pelas instâncias de poder e a análise,
quase sempre intuitiva, feita pelo povo.

2. A ação sobre a língua

As línguas, como vimos, mudam; elas mu-


dam sob o efeito de suas estruturas internas, de
contatos com outras línguas e atitudes lingüísti-
cas. Mas também é possível fazê-las mudar, inter-
vir em sua forma. A ação sobre a língua pode ter
diferentes objetivos, sendo os mais freqüentes: a
modernização da língua (na escrita, no léxico), sua
"depuração" ou sua defesa.

148
AS POLíTICAS LINGüíSTICAS

1. A reforma da escrita na China - Todos


sabemos que a língua chinesa não é transcrita com
um alfabeto e que para escrever são utilizados
caracteres. Por não serem, como o alfabeto, organiza-
dos segundo o modelo da "dupla articulação" (um
número limitado de fonemas que permite compor
um número ilimitado de palavras), os caracteres são
necessariamente numerosos. Por isso se diz haver:
6.763 caracteres de base, 4.000 dos quais seriam
muito freqüentes e necessários para a leitura ou a
escrita de texto simples, cotidianos (um estudante
de nível médio chinês deve conhecer todos esses
caracteres) ;
16.000 outros caracteres que, acrescentados aos an-
teriores, permitem imprimir todos os livros antigos
e modernos (temos, então, quase 23.000 caracteres);
34.000 caracteres, pouco utilizados, que vêm se so-
mar aos anteriores 1 •

Cada um desses caracteres é composto por


certo número de traços que devem ser traçados em
uma ordem e em um sentido imutáveis: esse traço
antes daquele, da esquerda para a direita ou de
alto a baixo etc. 'Temos abaixo um exemplo sim-
ples, o exemplo do caractere que transcreve a "flor":
~

it
1. Zhou Youguang, Modernization of the Chinese Language,
in InternationalJournal ofthe Sociology of Language, n. 59, 1986.

149
SOCIOLINGüfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

Os sete traços que compõem esse caractere


devem ser traçados na seguinte ordem:

1
Nesse exemplo vemos imediatamente os pro-
blemas de aprendizado e de memorização que esse
sistema apresenta. O governo comunista, para fa-
cilitar ao povo o acesso à escrita, fez em 1955 uma
reforma ortográfica: 515 caracteres e 54 partículas
foram simplificados, passando de uma média de
16 traços a uma média de 8 traços. Vejamos três
exemplos da simplificação:

Caractere clássico Caractere simplificado

ma (cavalo)
~

ji (calcular)
lt
chi (carro, veículo)

Essa simplificação, reduzindo o número de


traços, certamente favorece o aprendizado e a
memorização dos caracteres, mas gera ao mesmo
tempo uma perda semântica. O caractere clássico

150
AS POLíTICAS LINGüíSTICAS

para "calcular" é composto, à esquerda, do caractere


da "palavra" e, à direita, do caractere para o nú-
mero "dez", o que dá um sentido global de "dizer
os números de um a dez", sentido que não é mais
evidente no caractere simplificado.
2. A intervenção sobre o léxico de uma
língua. O planejamento lingüístico pode também
intervir sobre a formação das palavras, quando falta
vocabulário à língua ou quando se quer substituir
alguns termos por outros.
No primeiro caso, trata-se da neologia. Quan-
do uma língua muda de status, tornando-se, por
exemplo, língua de ensino, é preciso forjar para
ela as palavras necessárias a sua função: termos
gramaticais, vocabulário para a matemática, para
a química etc. Esse caso típico se produz
freqüentemente nas situações pós-coloniais, e a
neologia in vitro pode entrar em conflito com a
neologia in vivo se, diante das novas palavras pro-
postas pelos planejadores, já existem palavras que
os falantes forjaram em sua prática",
A Turquia nos dá um bom exemplo do se-
gundo caso. En1 1923, Mustafa Kemal, levado à
presidência da República por um movimento laico
e nacionalista, lança paralelamente a toda uma série
de reformas econômicas a "revolução lingüística"
(di! dcvrimii. Tratava-se de modernizar a língua

2. Cf. Lou is-] ean Cal vet, La qucrre des Ianques ct lcs politiqucs
linquistiqur«, Paris, Payot, 1987, pp. 234-245.

151
SOCIOLlNGÜrSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

turca, suprimindo dela todas as influências muçul-


manas e otomanas, e as principais decisões foram:
passar do alfabeto árabe (que notava mal as onze
vogais do turco) a um alfabeto inspirado no alfabeto
latino (o novo alfabeto foi adotado pela Assembléia
Nacional em 1928);
suprimir o ensino do árabe e do persa nas escolas
(1929);
substituir sistematicamente as palavras tomadas de
empréstimo ao árabe ou ao persa por termos de ori-
gem turca (uma comissão ad hoc foi criada para esse
efeito em 1932);
pedir aos cidadãos turcos que adotassem nomes de
origem turca: para dar o exemplo, Mustafa Kemal
mudará seu nome para Ataturk, "o pai da Turquia'? .

3. A padronização de uma língua: o exem-


plo da Noruega. Quando, depois de três séculos
de dominação dinamarquesa (1523-1814), a No-
ruega passou para a jurisdição sueca, antes de
alcançar sua independência, sua situação lingüistica
era complicada, Realmente coexistiam o dinamar-
quês literário, ensinado nas escolas, um padrão
urbano e diferentes dialetos. Numerosas propostas
se sucederiam, para construir uma língua norue-
guesa propriamente dita. Dessa forma se oporiam
inicialmente o dinamarquês (dansk) ao norueguês
[norsk), depois o rigsmaal ao landsmaal, o bokmaal

3. Sobre todos esses pontos, ver L. Bazin, La réforrnc


linguistique en Turquie, in La réjorme des ianques, histoire et avcnir,
t. 1, Hamburg, Buske Verlad, 1985.

152
AS POLíTICAS LINGüíSTICAS

ao landsmaal e, por fim, o bokmal ao nunorsk. Por


trás dessas classificações, há realidades variáveis:
rigsmaal e, depois, bokmaal designam sempre a
língua mais próxima do dinamarquês, enquanto o
landsmaal e, depois, o nJjnorsk designam a língua
que se tentou padronizar, partindo dos diferentes
dialetos do país.
Essa padronização vai incidir essencialmente
sobre a grafia da língua, e o Parlamento norueguês
votará sucessivas reformas ortográficas (1907,
1913,1916,1923,1934,1936,1938,1941,1945 ...),
reformas que, cada vez, correspondem a opções
políticas diferentes: os defensores do bokmaal são
sobretudo de direita, e os do nlJnorsk, sobretudo de
esquerda. Os primeiros são partidário de uma lín-
gua mais próxima do dinamarquês, os segundos,
de uma língua popular.
Essa duas línguas coexistem até hoje. As es-
colas podem escolher livros didáticos redigidos
numa ou noutra das ortografias, os jornais usam
igualmente uma ou outra das formas, mas uma
pesquisa de opinião (Gallup, 1946) mostrou que o
povo se inclinava bastante para uma fusão do
landsmaal com o nunorsk. Mesmo aqui os senti-
mentos lingüísticos, a política lingüística "espon-
tânea", in vivo, eram diferentes das escolhas dos
planejadores, in vitro, muito mais marcados que o
conjunto dos falantes pela vontade de distinguir o
norueguês do dinamarquês. Vemos, portanto, que
a política lingüística pode ter uma função simbó-

153
SOCIOLlNGüiSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

lica e ideológica forte: na Noruega, trata-se, essen-


cialmente, de apagar na língua os traços da domi-
nação dinamarquesa e de afirmar pela unificação
lingüística a existência de uma nação norueguesa.

4. A ação sobre as línguas


,
As vezes, em situações de plurilingüismo, os
Estados são levados a promover esta ou aquela lín-
gua até então dominada, ou, ao contrário, a retirar
de outra o status que desfrutava, em suma, a modi-
ficar o status e as funções sociais das línguas em
presença. Apresentaremos a seguir dois exemplos
desse tipo de intervenção: a escolha de uma língua
nacional e a "recuperação" de uma língua.
1. A escolha de uma língua nacional: a
Malásia. Quando a Indonésia obteve sua inde-
pendência em meados dos anos 1940, ela decidiu
adotar como língua nacional o malaio, língua vei-
cular até então utilizada principalmente nos portos
e nos mercados. A língua mais falada do arquipéla-
go era então, de longe, o javanês e se encontravam
na Malásia mais de duzentos falares diferentes, agru-
pados em dezessete conjuntos dialetais. Mas a esco-
lha do malaio apresentava a vantagem de oficializar
a linqua de ninquém, uma língua que permitia eco-
nomizar polêmicas e conflitos étnicos. Essa política,
que constituía uma inegável intervenção in vitro
sobre as línguas, se faria seguir de uma ação sobre
154
AS POLíTICAS LlNGÜiSTlCAS

a língua. Com efeito, era preciso prover o malaio


(rebatizado de bahasa indonesia, "língua indonésia")
de um vocabulário adequado a suas novas funções.
Para tal fim, decidiu-se uma estratégia de
"asiatização" do léxico: escolher prioritariamente um
termo já existente em bahasa indonesia, escolher um
termo de outra língua do arquipélago se ele não
existisse em bahasa, ou escolher um termo de qual-
quer outra língua asiática. A solução consistia em só
escolher um termo de uma língua internacional
européia em última instância".
Desse modo, no campo político, se preferirá
ao termo autonomi, amplamente utilizado pela po-
pulação, um termo mais local, swantantra, e no
campo científico preferir-se-á o termo árabe zarrah
para designar o átomo, em lugar do termo interna-
cional derivado do grego. Aqui, a neologia - como
a grafia, no exemplo norueguês _. tinha fortes
conotações ideológicas.
2. A "recuperaçâo'" de uma língua: a Cata-
lunha. O caso da Catalunha é paradigmático, pois
nele o trabalho dos lingüistas, a política lingüís-
tica e a política convencional estão estreitamente
ligadas.

4. S. Tu kd ir Al isjahbana, Plun.ninu [ot


LallI11Ul{/C
Modernizai íon. Thr Case oI lndonrsia n aiul Malausian, Mouton,
1976.
5. Os lingüistas catalães utilizam a noção de normalização,
que não utilizo, pois ela derivou da teoria (os trabalhos de Lluis
Aracil] para a ideologia e, além de tudo, conota certo dogmatismo.
A idéia de normalizar pressupões que se saiba o que é normal.:

155
SOCIOllNGüiSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRiTICA

A situação catalã, à época do franquismo,


poderia ter sido tomada por Charles Ferguson como
exemplo de diglossia: o castelhano (espanhol) era
evidentemente a língua dominante ("variedade
alta", segundo Ferguson) e o catalão, a língua do-
minada ("variedade baixa"). Diante dessa situa-
ção, os lingüistas catalães (particularmente Lluis
Aracil e R. Ninyoles) desenvolveram inicialmente
uma crítica literária do conceito de diglossia a partir
da situação concreta que a Catalunha vivia. Como
já indicamos no capítulo 11, Ferguson e Fishman
tendiam mesmo a minimizar os conflitos que ca-
racterizam as situações de diglossia e a apresentar
como normal uma situação de dominação. Mas é
preciso destacar que a expressão "língua domina-
da" (assim como a expressão "língua dominante")
é uma metáfora: são os povos, não as línguas, que
são dominados (ou dominantes). Ora, depois da
morte de Franco, a Catalunha obteve um estatuto
de autonomia e seu governo abriu espaço para os
lingüistas, criando algumas instituições voltadas
para a mudança da situação lingüística. A consti-
tuição espanhola de 1978 introduziu em seu arti-
go 3 uma distinção entre a língua oficial do Estado
e as línguas oficiais das comunidades autônomas
e, sobretudo, batizou a língua do Estado de
castelhano e não mais de espanhol, enfatizando com
essa variante semântica que se tratava, originaria-
mente, da língua de Castela e não da Espanha. No
mesmo espírito dessa constituição, o Estatuto de
Autonomia da Catalunha estabelecia:

156
AS POLfTICAS LINGüíSTICAS

"1. A língua específica da Catalunha é o catalão.


2. A língua catalã é a língua oficial da Catalunha, as-
sim como o castelhano é a língua oficial de todo o
Estado espanhol".
É nesse quadro jurídico estreitamente balizado
que se dará a "recuperação" do catalão na
Catalunha. Em 1983, foi votada uma lei de "nor-
malização lingüística", que estipulava, por exem-
plo, que todos os estudantes (catalães ou não)
deviam aprender as duas línguas, que as ativida-
des comerciais, publicitárias ou esportivas deviam
se desenrolar em catalão etc.
Como insiste Henri Boyer, a finalidade de todo
esse planejamento era instituir na Catalunha um
bilingüismo não-diqlássico". Ela interveio no cam-
po do ambiente lingüístico (sinais de trânsito, ins-
crições oficiais) e favoreceu os trabalhos dos
sociolingüístas, que multiplicaram as pesquisas so-
bre a situação de bilingüismo, Podemos demarcar
a evolução dessa situação comparando as respos-
tas às perguntas referentes ao conhecimento do
catalão nos censos de 1975 e de 19867:
não compreen- compreendem falam o escrevem
dem o catalão () catalão catalão o catalão

1975 25,7% 74,3% 53,1 % 14,5%

1986 11% 90,3% 59,8% 30,1 %

6. Sobre o caso da Catalunha, ver Henri Boyer, Éléments de


sociolinquistique, Paris, Dunod, 1991.
7. Segundo Boyer, op. cit., p. 133.

157
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRíTICA

Vemos que, em todos os planos (compreen-


são, uso oral, uso escrito), o catalão teve notável
progresso. E este exemplo constitui uma espécie
de otimização da política lingüística, visto que a
ação sobre as línguas, a tentativa de construir um
bilingüismo não-diglóssico, não pode ser aqui con-
siderada uma intervenção unicamente lingüística.
A Catalunha tinha necessidade dessa política lin-
güística para fundamentar sua autonomia. Na fa-
lência ou no êxito dessa "recuperação" é que se
decide o futuro da Generalitat.
E isso nos conduz, para concluir, a algumas
considerações mais teóricas. Realmente podemos
perguntar o que a idéia de política e de planeja-
mento lingüístico implica de propriedades da lín-
gua e de seus vínculos com a sociedade. Em outras
palavras: que deve ser a língua para que uma polí-
tica lingüística seja possível? Vimos ao longo deste
livro que a sociolingüística só podia se constituir de
modo coerente pela recusa da cisão instituída pelo
estruturalismo entre um "instrumento de comuni-
cação", a língua, e suas condições de utilização. A
solução que propusemos consiste em inverter a abor-
dagem do problema e em dizer que o objeto de estudo
da lingüística não é apenas a língua ou as línguas,
mas a comunidade social em seu aspecto lingüístico.
Essa sociolingüística aplicada que é a política
lingüística só pode ser, então, uma intervenção
sobre a sociedade pelo viés das línguas. E ela pres-
supõe, então, duas propriedades da língua:
158
AS POLíTICAS LINGüíSTICAS

a propriedade de variação interna, e a história das


línguas está aí para confirmá-la: todas as línguas
mudam através dos tempos;
a propriedade de variação externa, ou seja de mu-
dança nas relações entre as línguas. Os casos
indonésio ou catalão resumidamente apresentados
a confirmam igualmente.
Mas a política lingüística pressupõe ainda que
essas variações podem ser o produto de uma ação
in vitro, que uma pessoa pode conscientemente mu-
dar a língua, as relações entre as línguas e, por
conseqüência, as relações sociais. O desafio dessa
proposição é enorme, especialmente quando pen-
samos nas numerosas situações nas quais a domi-
nação social se lê na dominação lingüística. Mas
esse desafio não é apenas prático, ele é também
teórico, toda intervenção sobre as línguas e sobre
as situações lingüísticas está estreitamente ligada
à análise prévia dessas línguas e dessas situações.
As políticas lingüísticas, que são intervenções
sobre a língua e sobre as línguas, o mais
freqüentemente por parte de Estados, poderiam
justificar uma nova disciplina, a "politologia lin-
güística", que seria para os políticos lingüistas o
que as ciências políticas são para os políticos.

159
CONCLUSÃO

Vários pesquisadores enfatizaram o fracasso


daqueles que tentaram dar uma definição da
sociolingüística, Mas a razão deste fracasso é muito
simples: em todos os casos, os autores tentaram
definir a sociolingüística com relação à lingüística.
Ora, é o inverso o que se deve fazer. Se se leva a
sério a afirmação, muito amplamente aceita, de
que a língua é um fato (ou um produto) social,
então a lingüística só pode ser definida como r estu-
do da comunidade social em seu aspecto lingüístico.
E, por sua vez, a sociolingüística só pode ser defi-
nida como a lingüística. Vemos todos os inconve-
nientes semânticos desta proposição. Realmente ela
nos força a definir duas lingüísticas, a lingüística
1, exemplificada pelo estruturalismo e pelo gerati-
vismo, e a lingüística 2, que decorre da definição
acima. Mas nesse caso a lingüística 1 deixaria de
ter a mínima razão de ser, exceto se considerada
parte da sociolingüística que descreveria o funcio-
namento interno das línguas. Não se pode ter
certeza de que tal abstração (funcionamento inter-

161
SOCIOLlNGüíSTICA: UMA INTRODUÇÃO CR[TICA

no da língua e das línguas, sem levar em conta sua


realidade social) seria sequer aceitável.
Por isso a conclusão deste livro consistirá em~
pouca coisa, em uma simples inovação gráfica. E
bem difícil manejar os termos sociolinqiiistica e lin-
güística quando se pensa que o primeiro engloba o
segundo, e os hábitos lexicais são resistentes. Por
isso o título deste livro faz uma modesta inovação
mediante o uso de parênteses: (sociojlingüística.
O leitor terá compreendido o que os parênteses
significam: vocação a desaparecer com o que en-
cerram. Mas para poder voltar a batizar de lingüís-
tica a ciência que estuda a comunidade social sob
seu aspecto lingüístico, é preciso esperar que a
lingüística 2 tenha absorvido a lingüística 1. E
ainda serão elaboradas descrições que exemplificam
essa proposição. A (socio'llingüística é uma ciên-
cia em devir.

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166
,
GLOSSARIO

Alternância de código: mudança de língua ou de variedade


lingüística por parte do falante segundo o contexto de
interação social em que estiver envolvido (em inglês, code
switching) .
Code switehingr ver alternância de código.
Comunidade lingüística: conjunto de seres humanos que
compartilham o mesmo espaço geográfico-social e o uso
de uma mesma língua ou variedade lingüística.

Crioulo: nome que se dá a um pidqin quando se torna língua


materna de uma comunidade lingüística.

Diacronia/sincronia: na lingüística estrutural de Saussure,


divisão rígida entre o estudo da língua em sua evolução
histórica (diacronia) e o estudo da língua num deter-
minado ponto dessa evolução (sincronia).

Diastrática (variação): variação segundo a classe social dos


falantes.

Diatópica (variação): variação segundo a localização geo-


gráfica dos falantes.

Diglossia: uso de duas línguas ou de duas variedades lingüís-


ticas dentro de uma mesma comunidade lingüística, cada
uma delas detentora de um status social determinado,
o que lhe garante um conjunto específico de usos.

167
SOCIOLlNGüfSTICA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

Elaborado (código): na teoria de Bernstein, uso lingüístico


relativamente formal, culto, que implica um espectro
diversificado de estruturas lingüísticas (vocabulário am-
plo, sintaxe caracterizada pela subordinação etc.). A ele
se opõe o código restrito.
Estruturalismo: corrente da lingüística moderna, inaugura-
da por Saussure, que se preocupa em estudar a língua
em si mesma, como um sistema autônomo, sem levar
em conta os fatores sociais implicados no uso desse
sistema.
Franca (língua): meio de comunicação usado entre pessoas
que falam línguas maternas diferentes.
Hipercorreção: forma lingüística que vai além da n.orma da
variedade-padrão por causa do desejo do falante de se
expressar corretamente (por exemplo, pronunciar
"tocalha" por tocaia ou "previlégio" por privilégio). Tam-
bém chamada de hiperurbanismo ou ultracorreção.
Indo-europeu: língua que teria sido falada por volta de 3000
a.C. e que teria começado a cindir-se em diferentes lín-
guas no milênio subseqüente, dando origem à família
indo-européia, que inclui a maioria das línguas da
Europa e diversas línguas asiáticas (persa, armênio,
sânscri to etc.).

Interferência: introdução de elementos estrangeiros nos


campos fonético, morfológico, sintático e lexical de uma
língua.

Neologia: criação de vocabulário novo numa determinada


língua. As palavras novas são chamadas de neologismos.

Padrão: variedade lingüística de prestígio social, usada como


norma institucionalizada numa comunidade, quase sem-
pre associada aos usos escritos literários ou mais for-
malizados; as variedades que não se conformam a essa
norma são chamadas de não-padrão.

168
GLOSSÁRIO

Padronização: processo de transformação de determinada


variedade lingüística na norma de prestígio social den-
tro de uma comunidade de falantes. Esse processo pode
resultar de movimentos históricos ou de políticas cons-
cientes de planejamento lingüístico.
Patoá: originalmente, em francês (patois), designava varieda-
des lingüísticas de regiões geográficas específicas. Com
o tempo, porém, passou a ser usado como termo pejo-
rativo para designar qualquer tipo de variedade lingüís-
tica não-padrão, sobretudo as empregadas por indiví-
duos das classes sociais menos prestigiadas.
Pidgin: sistema de comunicação lingüística que não tem fa-
lantes nativos, sempre utilizado, portanto, como segun-
da língua e que resulta do contato entre grupos falantes
de línguas diferentes; língua de comércio, língua de
contato. Quando se torna língua materna de uma co-
munidade, o pidqin passa a ser designado como crioulo.
Planejamento lingüístico: conjunto de políticas oficiais
implementadas pelos poderes executivos para definir os
usos de uma ou mais línguas no território de um país;
política lingüística.
Restrito (código): na teoria de Bernstein, uso lingüístico
espontâneo, inculto, que implica um espectro limitado
de estruturas lingüísticas (vocabulário pobre, sintaxe
caracterizada pela coordenação etc.). A ele se opõe o
código elaborado.
Sabir: denominação que se dava à língua de contato formada
por elementos provenientes do italiano, do árabe, gre-
go, turco e espanhol, desaparecida por volta de 1900, e
que foi utilizada nos portos do Mediterrâneo desde a
Idade Média; língua franca.
Sincronia/ diacronia: ver diacronia/sincronia.
Variação: numa comunidade lingüística, possibilidade de
representação de determinados elementos lingüísticos

169
SOCIOLlNGüISTICA: UMA INTRODUÇÃO CRITICA

(fonéticos, morfológicos, sintáticos etc.) por diferentes


modos de expressão. A sociolingüística se caracteriza
pelo reconhecimento da variação lingüística como
constitutiva das línguas humanas e por assumir essa
heterogeneidade natural como objeto de estudo.
Variante: forma lingüística que representa uma das alternati-
vas possíveis para a expressão, num mesmo contexto, de
determinado elemento fonológico, morfológico, sintático,
ou léxico. Por exemplo, no português brasileiro, as pro-
núncias praca e placa para o que se escreve PLACA. Um con-
junto de variantes recebe o nome de variável lingüística.
Variedade: sistema de expressão lingüística que pode ser identi-
ficado pelo cruzamento de variáveis lingüísticas (fonéti-
cas, morfológicas, sintáticas etc.) e de variáveis sociais (ida-
de, sexo, região de origem, grau de escolaridazação etc.).
Veicular (língua): língua amplamente utilizada pelo falante,
como, p. ex., na educação e no contato com instituições
oficiais, e que não é a sua língua materna. É o caso, por
exemplo, do português nas ex-colônias portuguesas da
África. Também chamada de segunda língua.
Vernáculo: a língua materna de um indivíduo, falada sobretu-
do em situação de comunicação espontânea.

170
fNDICE DE NOMES

A Chaudenson, R. 52, 53
Alisjahbana, S. T, 155 Chirac, J. 82
Aracil, L. 155, 156 Chomsky, N. 11, 30
Clarke, K. 22
B Cohen, M. 23
Baggioni, D. 23
Bagno, M. 7, 67, 68, 96, 97, 109 D
Bakhtin, M. 20, 21, 22 De Gaulle, C. 83
Barnes, j. 134 Dostoievski, F. M. 21
Barre, R. 82 Dreyfus, M., 55, 127
Bazin, L. 152 Durkheim, É. 13, 14, 17,27
Bernstein, B. 25, 26, 27, 28,
34,98,99,168,169 E
Bickerton, D. 54
Bloomfield, L. 11, 115, 117 Edmont, E. 89
Blum, L. 83, 84 Encrevé, P. 82,84,85,86, 102
Bott, E. 134
Bourdieu, P. 71, 72, 77, 79, 80, F
105, 106, 107, 108, Faraco, C. A., 39
109,110, 111, 112, 123 Fasold, R. 138, 139
Boyer, H. 32, 157 Ferguson, C. 23, 29, 34, 59,
Bright, W. 28, 29, 30, 34 60,62, 116, 117, 156
Fisher, J. 29
C Fishrnan.]. 33, 34, 60, 61, 62,
Calvet, L-j. 7,8, 9,30,57,68, 140, 156
114, 127, 143, 151, 163 Franco, F. 156
Cam 18 Friedrich, P. 29

171
SOCIOLlNGÜrSTlCA: UMA INTRODUÇÃO CRfTICA

G 113,116,126,142,143,
146,179
Gardin, 13, 34
Giglioli, P. P. 33 Lafargue, P. 18
Gilliéron, 5, 89 Lambert, W. 66
Giscard d'Estaing, V. 82, 83 Lehmann, W. P. 24
Guiraud, P. 112
Gumperz,]. 29, 34, 125, M
126, 127 Marchais, G. 82
Marcellesi, ].-B., 34
H Marr, N. 18, 19, 20, 22, 2:~
Hagege, C. 54 Martinet,A.31, 116, 117, 120
Haugen, E. 29, 34 Marx, K. 18, 108
Heller, M. 46 Mauro, T. di 11, 67
Heredia, C. de, 40 Mayer, P. 134
Hjelmslev, L. T. 11 McDavid]r., R. 29
Hoenigswald, H. 29 Medvedev 21,22
Holquist, M., 22 Meillet, A. 13, 14, 15, 16,
Holmes, ]. 34 17, 23, 31, 32, 33,
Hymes, D. 29 123, 141, 144
Milroy, L. 135, 136, 137, 138
I
Mitterrand, F. 82, 83, 84, 85
Ivanov, V. V. 21
Moliere 41
Morales López, H., 74, 139,
J 140, 141
]afet 18
] akobson, R. 21
N
K Ninyoles, R. 156
Kelley, G. 29 Noé 18
Nzété, P. 58
L
p
Labov, W. 8, 12, 16,23,27,28,
29, 31, 32, 33, 34, 72, Pétain, P. 83, 84
73, 78, 85, 87, 91, 98, Pietro, ].-F. de, 43
102, 103, 104, 106, 107, Pompidou, G. 83
108, 110, 111, 112, Pride, ]. B. 34

172
íNDICE DE NOMES

R T
Rabelais, F. 21 Tarallo, F. 8, 96
Rona,]. P. 29, 139 Thiam, N. 58
Rossi-Landi, F. 107, 108, 109 Trudgill, P. 34, 69, 70, 71

S V
Samarin, W. 29 Varela, 1., 143
Saussure, F. de 11, 13, 14, Volochinov 20, 21, 22
15,16,17,20,21,31,
81, 105, 108, 141 y
Sauvageot, A. 23
Scherre, M., 96 Youguang, Z., 149
Sem 18
Shaw, B. 77, 78 W
Silvestri, H., 44 Walter, H., 110
Sjoberg, A. 29 Weedwood, B., 22
Soares, M., 28, 109 Wei, L. 135
Stálin, J. 22, 23, 24, 25 Weinrich, U. 36, 59

173
ESTA OBRA FOI COMPOSTA EM ESPRIT BOOK E
COPPERPLATE CORPO 11/13,4 E IMPRESSA PELA
GRÁFICA IMPREN A DA FÉ EM CHAMOIS FINE
DUNAS BOG DA RIPASA PARA A PARÁBOLA
EDITORIAL EM ABRIL DE 2007.

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