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Gilles Deleuze

Título origi u al:


Nit/;j(hf
Gilles Deleuze
e Pre~se$ Univel'liit aire~ de Francc. 1965

Traduçiio (k Al be rlO C.11ll(X»


Nietzsche
Capa d e F8A

OcpÓ5ilO Legal n ~ 2635 17 ( Oi

Pagi nação. impre~s:i.o c acab:mwnto:


i\1AM ltL A . PACUf(.O
par:I
EDiÇÕES 70, LOA.
AgOSlo 200i

ISBN: 978·972-44- 1422-5


ISB:-J d a I' edição: 972-44-0505-6

Direito' re~cl'\'ados para lod os os paí,es de Lín);ua I 'onugue~,


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A VIDA

o pl-imeiro livro d e litm/uslra começa po r narrar as


três me tamor foses: .. Como o espírito se LOrn a camelo,
como o camelo se lo rna leão e como lin alm clllc o leão
se torna criança." O ca melo é o animal que transpon a:
transpon a o peso dos valores estabelecid os, os fardos da
ed ucação. d a moral e da CUllUt<l. Transporta para o
dese rto c, aí, tra nsform a-se em leão: o leão pa rte as
está tuas, calca os fa rdos, dirige a crÍlica a lod os os
valores estabelec idos. Por fim, perte nce ao leão lo rnar-
-se cri ança. qun dizer, j ogo e novo começo , criador de
novos va lo res c de n ovos princípios de avaliação.
De acordo. com Nietzsche, estas (rês mClamo rfoses
signi fica m, e ntre outras coisas. mOlU cnlOS d a sua o bra e
també m estádios da sua vi d a e sua saúde . Sem dúvida,
os cortes são semp re rela tivos: O leão está prese mc no
ca mc lo, a criança eSI,á presente no leão; e na criança há
a abc rLura para a tragédia.

Frie d rich Wilhelm Nielzschc nasceu e m ]844, no


presbité rio de Roecke n, numa região da Turíngia anc-
xad a à Prússia. Do lad o da mãe como d o pai, a familia
e ra d e pasto res lute ranos. O pai , delicado e culto,
8
:-m:. [ ZSC,lIl 1\ VIUA 9


lmn b elU pas IOf . mulTe elll 18-19 (amolecimcl1to
. Ct' f C- o abandono d as velhas cren~as não for ma uma crise (o
I, I"-. 1. cncct~ililC 0 11 apoplexia ). !\iCllschc fOI educado
. • ~ue . pro~\'oca a crise ou a ntptltl<l t! de preferência a
em l'\aUlubllrg. llullI lIleio fem inino. com a ~ lI a Irma IIlSp lnlçaO, a re\'e1a~' ão de uma Idc ia nova) . Os se us
mais 110\'a. Elisabclh. Ele era ~t criança prod íg io ; g U;II- problemas não são o abandono. Não lemos ral.iio
dam a~ suas dissertações, os seu!:> ensaios dt' cOlllpo., iç[\(1 a lguma para suspeitar das Slla~ declarações de Errt'
lIlusical. Fa, os cSllIdos e m Pfort..l. depoi'i em Uono, t' t'1ll 1/01rI0, quando Nicll.Sche diz quc.j;i e m maté ri a rclibrio-
Lcip/ig. Escolhe (I filosofia coutra a teolog ia . ~ l a .. jü a sa e apes_U' dll ht:rcdilariedade, o a teísmo lhe era nalu-
filosofi;1 O assombra . com a imagem de Schopcnhall<"I', ral , inslintivo. ~hls Niell-sch l' mergu lh a na solid;io. Em
pe nsador solit<íri o, " pe nsador priv<ldo >o . O!> Iraha lh o .. I Ri I . CSCl'cve A Odgt'11/ do Tmghlia, em que o "erdadciro
liIo1ógicos de ~it'LI.sc hc (Tcógn is. Simóllidc ... Diúg:t.,nt:<.;- Nic tzschc <llran:sS<l as JI1 ásc~tra s d e Vlag n cr e de
-1"IL'rcio) J~\ ZC 11l com que seja nomeado, e m 1869. PIO- Sc. h ope nh auer: o livro é Illal acolhid o pelos fil ólogos.
fesso r de fi lo logia em " asil e ia. Niel í'~"c hc ex perimenta·se como o Inte mpes tivo e d esco-
Começa a imi1llidad c co m Wag ne r, qu e ele encon- h re a in compalibilidad e d o pe nsador p rivado com o
trara em Lcip1.ig e que morava e m Tribsc hc ll, perto de p rofessor p tíbli co. Na qua rta C()1Isidl'mçâo I Ulem/lI'slivo.
Lu t ema. Co mo d iz Nie lZsdlt:: entre os ma is belos dias «\\'agner e m Ba)'re uth » ( 1875), as rese rvas sobre Wagn er
da millh a vida . Wagn er tem quase sessen ul anos: Cosima , tornam-se exp lícitas, r\ in allg u ra~· .io de B<lyre mh , a
somente trim", Cosi ma é fi lha d e Liszt; por ca usa de atmosfera de quc rmcsst: que aí e ncontra, os disc ursos,
Wagne r, ela d t:: ixou o músico H ans vo n Bülow. Os se us ~t presença do "elho imperad or repugnam-l h e. Di ante
amigos cha m.:ml-na, por vezcs, d e Ariana c sugerem as do que lh es parece se re m as muda nças de i\ iet1.sche , os
igualdades Bü low-Tcscu , Wag n c r-D ioniso. Nicll.Schc se us amigos surpreen d e m-se, Nic t1.sch e inte ressa·se cada
c ncolllra aq ui um esquc ma afccli\'o q 1It:: é já o seu c d o \'Cí' mais pelas ciências positi\'a.s. pela física, pela biolo-
q ual se apropriará cada \'cz mais. Estes belos di;!!. nào g ia. p ela medici na. A sua própria sat"lde desa p.ucccu:
se passam , COlllUdo, sc m problemas: clc te m (111(' 1 .1 \'ive com as don:s d e cabeça c d e estômago, com as
imp ressào d e que Wagncr se serve dele t' lhe dá a ~ua pert u rbações ocu la res, com as difi culdad es d e fala.
próp ria conce pçiio do trágico, quer a deliciosa illlprc"- Rl'lllll'lcia ao e nsin o, .. A doença li be rtou-me len tamen-
são d e q uc, com a ;:üuda d e Cosi ma, levará Wagner att- te: poupou·me to da a ru ptu ra, Loda iI diligência "iole lll<l
\'crdades qu e este nunca teria descob e no sOl.inh o. c esc.abrosa ... Ela conferia-me o direilo de modificar
O seu professor tornou-se cidadão suíço, Dura nt e a radica lm e n te os m eus luí bit05. " E C0 l110 Wagne r era
gue rra de 70, é maqueiro. Aí perde os scus últimos lima co mpe nsação para Nielzsche-pro fessor, o waglleria-
", 1~ln l os .. : um cerlo n<lcio n alismo, lima ce rta simpatia nismo cai u com o p rofc!>Sorado.
por Bismarck e p ela Prússia . .l á n ão pode SlIpOrLar a
identifi cação da cult ura co m o Estad o ne m acred itar Graças a Overbeck. o mais licl e o mais inte ligen te
que a vitó ri a das armas seja UIll sina l para a cu ltu ra, dos se us a migos, e le obteve uma pe nsão de Basi leia , e m
O se ll d esprezo pela Alcmanha aparece j_i, tal como a sua 18i8. Comcça e nlão a vida d e viagens: inquieto, 10ú'l tá-
incapacidade de viver e ntre os alemães. Em Nic tí'-sch c. rio de apartamentos mod esLOs, procul1mdo um clima
10 I A VIDA
I"
ravo rá\"cl. ".ti de p~ragclll e m paragem. pela Suíça. I,lela Ihar o o lhar no traba lh o secreto d o instilllo de deGulên-
Itália. pelo Sul de França. Tanto só com o com ,-lIll1g0S cia. C,·j s a prática a que me dediquei muiLas "ezes ... ..
(Maiwida \'011 Mqscnbu rg. \'cl h a "<.tgllniana: Pc tc.- ~'-L"'.l. °
A dO(' nça não é um móbil para stueiLO pcn s'lIl1 e. mas
seu antigo a1\1no. IllllSicu co m 'lue conta p:lfa StlhSllllll r tam bé m n ão é 11 m o bj ccto paI" o pe nsa mclllo: conslitui
Wagner: Pa lll Réc. de qu em se aprox il1l a pc.:.' lo gosto das d e pr<:fc rê n cia uma in\(: rsu l~ject i vi dade secrel a no seio
ciências n3IUrais c a di ssecação ria mora l). Por "C l.es, de um mesmo ind ivíduo. A doc nç"I co mo avalia ç~io
volta a N.a umburg:. EIII Sorre n to. revê Wag ner pela da saúde , os momentos de s;:Ilide como aV;:Iliação da
ü lt ima vez. um Waguer tornado nacionali'ila c pit:doso . doen ça : 1.1i ê a ., illn:rsâo ... o .. desJocammto das IJl'Tsprrti-
Em 1878. in<luh>1.lI<t a sua crítica do!) \'a10re .. , a idade do 11(1S». em que Niell,sc he vê o esse ncial do se u método . e
Lcào. com lIuma/IO, dnllasiado Humano. O s a mi gos co m- da sua VOGlção para ulTla Iransnlluaçào dt: va lo res ( I).
preendem-lIo 111;:11 . \Vagner alacao(), Sobretudo. c,I ,i C=lda O rei. apesar das apa ,·ências. n;io há reciprocidade entre
\'CZ mais doe nte ... Niio poder ler! Só poder ler rar<tIllCIl - os dois po ntos de vis la, as duas 3\'aliaçõcs. 1)" smí dc à
te! N,io frequ t: llt<lr n in g ué m ! Nào pode r ouvir mús ica! .. doen ça . da doença ti. saúd e, mesmo que fosse a penas na
Em 1880, d escrc\'c assim o seu esl..'lclo: .. IH sofrimento id eia. esta mcsllla 1II0 bilidade é lima salld e superio r.
contínuo, todos os d ias, durante h o ras uma se nsação es te d es locamento. esta ligeireza no desloc;:IIllCll to é O
muitO próxim a do e njoo. lima sem i paralisia <Iue me sina l da «grande sa úde ... É por isso que Nie ll.Sche pode
10rna difícil f~tla r e. para variar, ataques fur iosos (no dil.cr alé ao fi m (quer dilcr, em 1888): SOIl O contrário
último, \'01I1itei durante trb d ias c três noites. tinha d e 11111 doente . no enta nto eSIOu bem no fundo. E"iLa-
sede d a mone" ,), Se e u pudesse d esCI'e"e r-\'os a conti- remos lembra r q ue ludo acabo u mal. Porque q uando
nuidade de tudo isLO . o sofrime nto con tínuo alOrme n- N iell..5che se tornou d c me1lle. fo i precisamente quando
tando a cabeça, sob re os o lhos , e es ta im p ressão geral perdeu esta mobili d ade . csw arte do deslocamento , ao
d e paralisia , da caheça aos pés ... n ão pode r mai s. /Jt4a S'/UI saúde, fazer da d oe nça um
Em que sentido a doe nça - ou até a lo ucura - cst.í pOIHO d e vista sobre a salld e.
p resente na obra d e Niel7_<;c he? Ela nUll ca é fonte de Em Nietzsc he. tu d o ê másca l". A sua sallde é uma
inspiração. Niel'l_'õch e nun ca co ncebeu a filoso fi a co mo prim e ira máscara p" ra o seu génio: os seus sofri mentos.
podendo proceder do sofri mento. do ma l-esl.lr ou da u ma scgun dil m;:iscar.I para o se u gên io c pard a sua
angústia - apesar de o filósofo. o lipo de filósofo s"üde. ao mesm o tempo. Nielzsche não acreditil na
segu ndo Niel7..5che . tcr um excesso de sofrill1l..' nto. Mas unidade d e um Eu e mio o expe rime n ta: relações Sllblis
tampouco co ncebe a d oe n ça como UIlI acomecimento d e poder e d e ava li ação e nlre diferentes .. cu .. que se
que afeCle de fora UIlI corpo-obj eclo, um cé re bro- esco nde m. mas que exprimem também forças de outra
-objeclo . Na doe nça, ele vê de preferê nci a IH/I JJOllto dI' natureza, fo rças da vida . forças do pensamentO - tal é a
vista sob re a satíde; c na sallde um /JOtltQ de uista sob re ~I con cepção d e N ie t1..sc h c. a sua maneira de viver. Wagner,
doença. «O bse l'\~ar como doen te os con ce itos mais sãos,
os valo res mais sãos. depo is, inversa me nte. ci o alto de
uma vida rica, supera bundante e segu ra de si. Illcrgu- ( I ) t.~i't' H omo• .. Porqu e sou 1:10 s.ibio-. I.
12 1
Nlf.rlSCl-lE. ,\ VlJ)A
113
Schopcnhallcr e até Paul Rée foram vivi~los por Nic tl ...ch c livros
. de 7,llraluslra. ac umu Ia no tas para uma obra que
como as suas próprias máscaras. DepoIs d e 1890. ;lco n· d cvla s:r a sua continuação. Leva a críüca a um nível
tece que alguns amigos (O\'erbcck , Ga~l ) pCIlS:lfO qUl' a quc . 1130 p~ss u ía antes; Eu dcla a a fin a para uma
demência . pard ele. é uma última mascara . El e e,c n > «trall smumçao,.
. .dos va. lo l-cs ' o Não ao servlço
. I uma
(e
\'era : .. E. por vezes. a própria IOUCU t<1 é uma m;bcara afinnaçao supenor. (Para aNm do Bf'1l1 I' do AIal. 1886,
que esconde um S<1.hcr fat... 1 e dClllasi~d~ seguro ... I)l' Crllea{ogia da Moral. 188i.) - É a terce ira llIetamorfos~
fa clO. ela não o é, mas apenas porqu e l1ull c3 o m o m e n· 011 O tornar-se criança.

10 e m que as m,tscaras. ccss<l!l<lo de comun iulI' t ' d e No cnt.'!.ll1o, expcl-imenta angústias c vi,'c co n traric-
deslocar-se. se confundem numa rig idcl d t· lIl o l te. d ad es. Em 1882, hOllve a aventura com Lou VOIl Salom é.
Ent re o s maiores momen tos da filosofi a d e N it'17,c h e , ESla . jo"cm russa que vivia com Paul Réc, pareccu "
h.í páginas em que ele fala da ncccs~idad(' de nos Nie l/oSc hc uma discípul a idca l e digna d e amor. Seguin-
mascararmos. da vi rtude e da posit ividade das Ill ,-bca ras. do um csq ue ma afcctivo ( IUC e le já tivcra a ocasião d e
da sua ins lún cia últim a. Mãos, orelhas e olh os e ra m os apli car, Nietzsche pede-a r..lpidamcllte em casament o,
enca nlOS de Nic l7-sc hc (de fe licita-se pelas SlIas OI elha:" por intermédio do amigo. Nie tzsche persegue u m
consi d era as pequcnas o re lhas como um :,cgredo sonho: se ndo ele próprio Dio niso, reccbe ní Al"i ana .
labirín tico que conduz a Dion iso ). ~las ~obrc c') La pri- c~ m a apr~'~dção d e Teseu. Teseu é "0 Ho me m sll pe-
mdra máscara há OUlra, represemada pe lo c no nne nor". 11m3 Im age m d e pai - O que j;i Wagner fonl para
bigode . .,O.t-me, peço-te. dá-me ... - O (Iut: , po i'i? - Ni e L7_~c he _ Mas Nietzschc não o usara pretender clara-
Outra máscara, uma segunda másca ra ... ment e Cos i ma-Aria na. Em Paul Rée, p recede lllementc
noutros amigos , NiclZSche encontra Tescus. pais ma is
De pois d e H uma1/ o, demasiado H u mano ( 18 i 8). jo\"e ns. menos impressiona ntes(2). Dioniso t! superior
Nicl.f..5c he prosseguiu o seu emprccndimelHo d e c rítica ao Homem superior, como Nictzsche a \Vagne r. Por
lotai: O Villj ante e (I sua Sombra ( 1879 ). Au rora ( 1880). uma razão mais forte, co mo Nict7.sc he a Paul Réc. É
Pre para A Gaia Ciéll0fl. Mas su rge alguma c oi ~a d e 11 0 \'0 . fma l. é de csperar que tal fantasma soçobre. Alia na
uma exaltação, uma Su perabundância : como se Ni e u.sc he comi nua sem pre a preferi r Tcseu . Malw ida \"0 11
tivesse sido project.ado até ao pOIHO em que a avaliação Mc)'s enburg como cobe rtu ra , Lo u Salomt!. Paul Rée e
muda de sentido e o nde julgamos a doença do ,11t0 de Nielzsc he fonmuâlll um estran ho quo/um: A sua vida e m
uma estranha sall(.le. Os seus sofrim en tos con tinua m. co mum e ra feita d e brigas e reconci liações. Elisabclh. a
mas muil.as vezes dominados po r UHI «c ntusiasmo .. quc irmã de Nietzsc he, possessiva c ciume nta , fez tudo para
afccta O próprio co rpo. É e ntão que NielZsc hc ex pe- a mplUra. Obteve-a, já que Nictzschc nào consegui;:l
rimem.'!. os seus mais altos estados, li g<ldos a um se mi- ne m se parar-se da irmã nem atenuar a sc"eridade dos
mento de ameaça. Em Agosto d e 188 1, e m Sih,.,Maria ,
ao bo rdejar o lago d e Sil\'aplana, teve a reve lação e) Jã em 1$76. Nietl.5chc pedi!.. uma j o\'cm cm Cas.1 I1lCnIO. por
d~sconc:rtanlC do Elcrno Reto rno. Oc po is, a inspira- I Jugo VOIl S<mger. seu amigo - fo i Scngcr q ue a despo5011 mais
tarde.
çao d o umlfuslra. Entre 1883 e 1885, escrevc os quatro
14 I N I tTl.SCl l E A VIDA
I 15

. .
J UI ZOS que u. n Il a 50 I) f C e la< (" pessoas co mo a m• •inha
, •
irllJ,1 {.Io ra. (: UITI dia, a le mbrança de qualq uer coisa de
. .
são ln eVIl<l \'c lmcn lc a(\CIS.111 I ' ..- ''os irreco ll clila\'cl
.• s da fo nmdavcl estará ligada ao meu nomc lO, «so. a palllr
..
" .
m .lll Ila mane .ll<l d e l,e,,"' '1" c da minha fi losofia , ISlO es ta d e m~ m c que ha a grande polític;:\ na Te rra»); mas
fu ndado na nalUreza elCl"na das co isas ... " , «as a lmas tambem se conce lltra no momc nto, preoc upa-se Co m
como a tua, minha pobre inn ã. não m e agradam », °
um sucesso im cd iato. Desde fim de 1888, Niclzsche
«eSlOlI profundam e nle 1~l r{O di.IS tuas ! nd ~ccn tcs conver- escreve ca rtas estranhas. A Strindberg: «Convoq uei a
sas mora li zado ras» ... ). Lotl Salome 0<\0 gostava de Roma uma assembl e ia de príncipes, que ro mandar
NiclZ!~chc por alllor; mais tarde. CSC r c \ 'C ll um livro so b re fuzilar o jovem Kaiser. Atê à vista! Porque nos volta re-
Nic l,,_schc , ex trema me nt e bel o C)· mos a ver. Uma só co ndição: Divorciemo-nos... Ni et7A~c h c­
Nietzsche se nte-se cada vez ma is só' To ma conh eci- -César. » A 3 de J a ne iro de 1889, em Turim, foi a crise.
mento da mo rte de Wagn e r, o que reacuva nele a Ain da escreve canas , assina Di oniso ou O CrucifiGldo,
imagem de Ariana-Cos illl a. Em ,1855, . El i sabc ll~ d cs~osa ou .os dois ao mesmo te mpo. Para Cmima Wagne r:
Foers ler, wagn er ia no e antl-sC llllla, n ac io n a li s ta «An a na, alllO-lC. Dio niso .... Ove rbeck acorre a Turim
pruss iano ; Foersle r ir,í co m Elisabeth par<l O Paragua i e ncon tra Nie L7.5che perdido, sobrcexcitado. Con du-lo ~
fundar uma colónia de ari anos puros. Niet7~che não be m o u a mal pa ra Basile ia, onde Nic ti'..5che se deixa
assiste ao casamentO e supo rta mal este cun hado impo r- inte rnar calmam ente. Diagnostica-se lima «paralisia pro-
tuno. A outro racista. escre\'c; «Queira de ixar de me gressiva ". A màe Icva-o para Jena. Os mêdicos de Ie na
envia r as suas publicações. le nho rece io pela minha sllpõem a ex istê nc ia de uma infecção sifilítiu, remon-
paciê ncia .•• - Em NieLZsche, sucede m-se, cada vel.: mais tando a 1866. (Tra ta-se de uma decl aração de NielJ'.sc he?
de nsas, as ahernâncias de euforia e de depressão. Ora Qua ndo jovc m, contava ao seu amigo Deusse n lima
lUdo lh e parece excelente: o alfaiate, o qu e co me, o cu riosa aventura , em que um piano o sa lvara. Um texlO
acolh imento das pessoas, a fascinação <Iuejulga exe rcer de Zaraluslm, «en tre as raparigas do deserto», deve ser
nas lojas. Ora o desespero o domina: a ausê ncia de co nsid er.ddo deste pon to de vis ta. ) Ora calmo 01(1. e m
Ic itores, uma impressão de morte. de trai ção. crise. parecendo ter esq uec ido toda'l sua obra, faze ndo
Vem o grande a no de 1888: O Crepúsculo dos Ídolos. O mllsiGI ai nd a. A miie Icva-o pa ra casa; Elisabeth voltou
Caso Wagller, O" Illicristo, I:.rre /-lama. Tudo se passa co mo do Paraguai no fim de J890. A c\'Olução da doe nça
se as facu ldades criadoras de Niet1.sche se exacerbas- prossegue len ta meme até à apatia e à agonia. Morre e m
se m, ganhasscm um último impulso que precede o Weimar em 1900 ('I).
afundamento. At~ o tom muda, nestas obras d e grande
mestri a: uma nova violência , um no\'o hum o r, como o Sem ce rteza absoluta , ~ pro\'â\'cJ o diagnóstico de
cóm ico do Sobre-Humano. Ao mesmo te mpo , Nic l7..5c he para lisia geral. A queslào principal é: os si ntomas de
constrói de si uma imagem mundial cósmi ca provoca-

(') Sobre a docnc;., de Nieusche, cf. () belo livro de E. F.


(' ) Lou Andreas-Salomé, l'rMe,ü !Ili,hsch" 1894. trad . fr., GllI.Ssel. I'odach , L'eJfolldrrTllmt de Nilluche (tlõl.d . fr. NJU').
16 I
18; 5. d e 188 1. d e 188l:) formam o mC~1Il0 (I"ad ,ro clíni·
c o ,, I'" a lllt'SlIla ( lo t:" ' I'a'
<.
1)'\fCCC

q ue sim . Pouco IInpOll •
<l
que !'c tratasse d e lima dem ê ncia em V('7 d e lim a P-.1C.O •
.'lC. Vim os e m que sCllI id o a doe n ça . Illc.')Il~O a IOUCII I ,~.
eSlava prese nt e 11<1 o I)I"a <It:' ",'c1"<cl'\ ~
l,c • A c n ~c d e IXlra

h-
sia ge ral marca o momen to elll que a (~oc.n<a .;;,al. (t. I
ob ra. a i nlCrrom p c. 10l"lW a sua COllli llll a çao IllIpO.')SI\'t:1.
A.. canas finai s de Nic w ;c hc testelllunh a m ('501(' m o m en-
to ex trem o: wmbém das pe rten cem it o bra a ind a. LI-
;tem pane dela . De tal modo que N iCI/..5c h t.' t~\C :\
cap;:lcidad c de desloca r as pcrs pccli v:l3. d a ..,a llcle .t A FILOSOFIA (6)
doença c inversa mellt e. fru iu . po r mais d oe n te.: q uc
esti\'esse . d e lima .. gra nd e saúde .. que torml\.t a obra
poss ível. ~hs quando lhe fa ltou esta c;lpac id;tdl.' . qWIIl - N ie llSche in tcg r:" na fil oso fia d o is me ios de expres-
do as mãscHras se confund iram com a d e 11m palha 0011 são. o afo l'ism o e o poema . Estas mesmas fo rmí-ts impli-
a d e um bobo . sob a acção d e um proce~s o o rgiul ico 0 11 cam u lll a nova con cepção d a fi losofia. lima nova ima-
outro. a doença co nfundiu-se. da mesma . com o fim d a gem do pe nsador' t:: do pensamelllo. Ao ideal do co n he-
obra C~ ieÜ'.5c hc fa la ra d.1 lo uc ura corno el e um a .. solu- ci m e nt o. à d escoberta do verdad eiro. Nielzsc he substi-
çào có mi ca ». co mo de um a última fa cécia). tui a i nIPT/m" açllo e a avaliafâo. Uma lixa o "sentid o ".
Elisabeth ~jlldoll a màe a tratar d e N iclI.5ch e . Deu a~ semprc parcial e fl<lg-m entário. de um fenô meno: a
suas piedosas interpretações da doença . La nçou ct:: n ~lI­ o ut ra determ in a o ,,\'alor ... h ierá rquico dos sent idos c
ras azedas con tra Ovcrbec k. que respolld e u co m muita tota li í'<l os frag m entos. scm ale n uar nem sup rimir a sua
dignidade. Ela tC\'e grandes Ill t! ritos: o d e tudo f;ue r pluralidadc. O arorismo , precisamente, é ao mesmo
para d ifundir o pensame nt o do inl1;lo: orga n ilar o tClllpO a a rt e de interpreta r e a coisa a illte 'lJreta r; o
Nie m ;c he-Arch iv. em Wci ma r ('). Mas estes m érit o ... poema é ao mesmo tempo a a rte de avaliar e a coisa a
eSb;Ifl<l1ll co ntra a tf<lição suprema : te ntou põr Ni(' u_"c h e: ava li ar. O int é rp re te é O fisiô logo o u o m édico. aquele
ao se n riço cio naciona l-socia lismo. Últi mo vestígio d a que co nsidera os re n ô m enos corno sinto mas c fa la por
fatal idade de Nie LZsc hc: o parente abusado r qu e figura aforismos, O avaliador é o artista, que co nsidc l<I e cria
no cortejo d e cad a " pe nsad o r maldiLO >I, "' perspectivas .... que ra la p elo poe ma . O fi lósofo d o
futu ro ê artista e m édico - numa pa la\'r.I. legislador.
Esta im agem d o fi lósofo ta m bém é a ma is velha, a
mais antiga. É a d o pensador pré-socrático, "fi siólogo"

.( ~) I) ~sd~ t950. os man uscritos foram tI;ul sport ad o~ P:II; I o (b ) A~ 1I0 ta.~ (I ue se segue m constituem apenas u ma in trodu(:;io
antigo cdlficlo do Goelhc-Sch illcr-Arc hiv. em Weimar. itOS textos ci1411105 m ai~ ad ian te.
18 I A J.l I.0SOFlA 19

c artista.. inté rprete e avaliador d o mundo. ('..om~ ~Olll; e os c1catas, os egípcios c Empédocles, Pitágoras e os
precndcr esta intimidade d o futuro c do ,ong~llal.. chin eses todas as confusões possíveis. Fala-se da viTludc
O fil ósofo d o futuro é ao mesm O te mpo o expl ol ddol do fi lósofo id eal, do seu ascetismo , do se u amor pc la
dos vel hos mundos , cum es e cavernas, e só cri a à força sabedoria. N;io sa be mos ad ivinh ar a solidão e a sensua-
de se lembra r de qualque r coisa que foi esse ncia lm ente li dade panicula res. os fins muito pouco sábios de uma
esquecida. EsU'l qualque r coisa, segund.o Nic1I.5Chc. é a existência pe ri gosa qu e se escondem sob esta máscara .
unidade do pensamen to c da vida. Urlldad e co mpl ex<,: O segredo da fil osofia, porque es tá pe r'dido desde a
um passo parJ. a vida , 11m passo panl o pensamen to. o rigem. continua po r descobrir no futuro.
Os mo d os de vida in spiram maneiras de pensar. os Portanto, en.l fata l que a fil osofia só se dese m'ol"cssc
modos de pensa r criam maneiras de viver. A \'ida or lhlfl na histó ria dege nerando , voltando-se contra si, de ixan-
o pen samento e o pensa mento, por seu lado. afi""w a do-sc prende r à sua máscara . Em vez da unidade de uma
vida. Já nem sC<lu er telllOs ide ia desta. un idade pré- vida activa e d e 11m pe nsame nto afirmativo, ve mos o
-socráti ca. Só le mos exe mplos e m que o pCn Sa l1l CIlIO pensa mento dar--se p o r tarcfajul!,>dr a \ida, de lhe opor
conté m e mutila a vida, lOrna-a se nsata . e em qu e a ,-ida valores prelcnsa menle supe riores, de a medir com esses
se desforra , pe rturbando o pensam enlO e pcrdcndo---sc valores e de a lim itar, a co ndenar. Ao mesmo tempo que
com el e. Só te mos escolha entre vidas medíocres c o pensamen to se torna assim negativo, "emos a vida
pensadores lo ucos. Vidas de masiado s;íbias para um d e prccia r-se, de ixar de ser aeliva. redu zir·se às suas
pensador, pensamentos demasiado lou cos pa ra um vivo: formas ma is fracas, a formas doentias só compatÍ\'e is
Kant e Hõlde rli n. Mas a bela unidade con tinua por com os va lores ditos supe riores. T riullfo da «reaCfào .. sob"
encontrar, de tal fonna que a loucura j á não seria üni ca a vida (utiVll (' da negação sobre o pensa mento afinnativo.
- "I un idade que faz de lima a nedota da vida um Para a fil osofia, as consequê ncias sào pesadas. Porque ,l S
aforismo do pe nsa me nto, e de uma aval iação d o pensa· duas virtudes do fil ósofo legislado r eram a critica de
me nto uma nova perspectiV"d da vid a. todos os valores estabelecidos, quer dizer, dos valores
Este segredo dos pré.socráticos. de lima ce rta man ei· supe ri ores à vida e do princípio de que eles dependem.
rd , já eSlava perdido desde a origem. Devemos pensar a e a c riação de novos va lores, valores da vida que recla-
filosofia como uma força. Ora, a le i das forças é qu e elas mam um ou tro princípio. Ma rtelo e transmutação. Mas
não podem aparecer sem se cobrirem com .a másca ra ao mesmo te mpo que a filosofia degenera , o fil ósofo
das forças preex istentes. A vida deve , prim ei ro. imitar a legislador cede o lugar ao filósofo submisso. Em vez de
matéria. Foi bem preciso que a fon;a fil osófica . no criticar valores estabelecidos, e m vez do cri ador de
mome nto e m que nascia na Grécia , se disfarçasse para novos \'alores e de novas avaliações, aparece o conserva·
sobrevi"e r. Foi necessário que o fil ósofo adquirisse o dor dos valores admitidos. O filósofo deixa de ser
porte das forças precedentes, que pusesse a máscara do lisiólogo ou médico para se tornar metafísico; deixa de
sacerdote. O j ovem fil ósofo grego, por vezes, tem qual. ser poeta, para se torna r "professor püblico». Conside·
quer coisa do velho sacerdote oriental. Ainda hoje nos ra-se submetido às exigências da verdade. da razão; mas,
enganamos sobre isto: Zoroastro e Heraclilo, os hindüs sob estas exigências da razão , reconhecemos muitao;
20 I !\'l t.."l'ZSC I-IE A FILOSOFIA I 21
"ezes forças qu e n ào sào de forma a lguma l'3cionais: trou a ide ia de um filósofo legislad o r? K,'\nt de nuncia as
Estados. religiões. valores e m curso. A filo sofia j:1 Iliio falsas p ~ete nsõ(:s ao conh eci me nto, mas não põe e m
pólSSil do rccenSCillllc ll to de todas <1S n l/.õcs que o ho- causa o Idea l de co nhece r; d e nun cia a fallm mo ral, ma.'i
mem se (1:1 para obedecer. O fil ósofo illvoc:l O amor da n;io põe e m questão as pretensões da mo ral idade n em
\'t:rdad c. mas CSla vercl;l(le não ral. Illa l .1 ninguém ( << ela :1 natureza c a Oligem dos seus valores. Acusa-nos de ter
apart:cc C0l110 uma criatura sim plóri<l. que gosta do !-C lI m istura d o domínios. interesses; mas os domínios conti-
bcm-eSl ilf. quc dá sempre a lod os os p oderes cstabclt.:ci- nuam intactos, t: os interesses da razão, sagrados (o
dos a ce rt eza de <Iu e nào ca usar;Í nu nca a ninguém o \'e rdad ei ro reco nh ec imento, ;.1 "e rdad eira moral, a "cr-
llIe nor e mba raço porque ela não passa. a pesar de ludo , dadeira re ligião).
de se r a ciência pura ") (') . O fil úsolo """lia a s ua vid<l A própria dialécti ca prolonga este passe de prestidi-
segu ndo a sua at ilude em supo rtar PCs.os . e m carrega r git ador. A dialéc ti C'l é a arte que nos convida a rec upe-
fardos. Estes fardos. estes pesos siio pn: ciS<lmCI11 C 0\ rar p rop riedad es alie nadas" Tudo volta ao Espírito. co mo
,,<,lores su periores. Tal é o espírilo de peso que reúne no m OlOr e produ lo da dia léc tica: 0 11 ti co nsciê ncia de si;
mesmo d eserto o c<,rn:gador c o c.lr regado. ti vida o u mesmo ao homem como ser genérico. Mas, se as
reaClivCl e depreciada . o p e n sa me nt o negiltivo e nossas propri edades cxpr"imem em si uma vida dimi-
dep reciado r. Então, apenas temos uma illlsiio de c ríti ca nuída . e um pe nsa lll clllo mUlilante, d e que nos sen 'c
e um fa nt,lsma de criação. Po rque nad a é mais OpOSlO procurá-Ias O H to rnarmo-nos o se u verdadeiro S\~e ilo?
ao criad o r do que o carregad or. Cl'iar é aligeirar. é Suprim iu-se a religião quando se inte riorizou o sace rdo-
d escarregar a vid'l. irl\'enlar novas p oss ibilidade ... de te . quando o coloca rdm dentro do fi e l, à maneira da
vida. O criador é legislado r-dan çarin o. Reforma ? Deus tení sido llIono quando coloGímos O
A degenerescência da filosofia apa rece claramcnte homem no seu luga r, e quando gua rdâmos o essencial,
com Sócra tes. Se d e fin imos a me tafísica pela dislinç.'io (Iucr dizer, O lugar? A única mudança é esta: e m \'Ct de
de dois mundos, pcla oposi~:ào da essência e d 'a apari'n - estar sobrecarregad o pelo ex te rior, o homem agarm .
Ci'l, do verdadeiro c do fal so, d o inteligíve l c d o se nsíve l. ele própl"io . os pesos para os colocar sobre as cos t,as.
é preciso dize r qu e Sócrates in vclHoll a me tafísica: ele e fil ósofo d o futlll'o, o tilósofo-médi co, diagnosticará a
faz da vida qualquer coisa que d eve scrju lgada , m edidCl . co ntinuação de um mesmo mal sob si nto mas diferentes:
limit<lchl. e do pensame nto, lima medida , 11m limi te. os valores podem llludilr. o homem pode colocar-se no
que exerce em nome d e valores superio rcs - o Divino. IUg<.lI" de Deus, o progresso, a felicidade, a utilidade
o Ve rdadeiro, o Belo, o Bem ... Com SóCrdtes, aparece o podem substituir O verdadeiro, O bem ou o divino - o
tipo d e um filósofo volulllária e subtillll e ntc submisso . esse ncial não muda. quer dizer. as perspectivas ou as
Mas contin uemos, saltemos por ci ma dos séculos. Qucm ava liações de qlle dependem esses valores, velhos ou
pode acredi tar que Kant rcs t<1ll rou a c ríti ca ou encon- novos. Convidam-nos sempre a subme te r-n os. a sobre-
carregar-n os com um peso. " reconhecer apenas as
formas reactivas da vida, as formas acusatória.'i do pen-
(1) cr. ConsukraçÕtJ In acillais, WScho !)Cnhaucr educador~. § 3. samen to. Quando já não quisermos, quando já não
22 I N I t;17..sCHE A FILOSOflA I 23
pudermos encarregar-nos d os va lores, superiores. convi- rica nem cterna: deve ser in tempestiva, sempre intem-
dam-nos a assumir "'o Rc.1I como c1e c .. mas es(r RPlt!, lal pestiva.
como;, ,; preÔSlllllmle o quI' os vil/ores superiort's flumm da
realidade! (Até o ex isten cialism o m a n teve, nos nossos Toda a interpretação é dete rmin ação do senlido de
dias, um goslO assombrosa de carrega'-, de assumir. um um fenô meno. O sentido consiste precisamente numa
goslo propriamente d ialéc tico <Iue o se par;\ de relação de fo rças, segu ndo a q ua l algumas agem e OUlras
Niclzsche.) reognn num conj un to com plexo e h ierarqui zado. Q ual-
NiclZSChc é o prime iro a ensinar-nos que mio basta quer q ue seja a com plcxi dade de um fe nômeno, distin-
mala r Deus para operar a transmutação dos \'a lores. I a guim os bcm forças aClivas, primá lias, de conquist.t e
obra de Nielzsche. as \'ersões da mone de Deus são subj ugaçào. e forças reaCliv3s, secundá rias, de adapta-
mú ltiplas, u ma q u in ze na pelo menos , lOdas de lima (.ia c de regulação. Esul disti nçào nào é sô quantiW liva ,
grande bclcla (8). Mas precisamente. segundo uma mas q ualit.."ltiv" e tipológica. Porq ue a essência da força
das mais belas, o assassino de DClIs é "o Illai ~ ignóbil é estar e m re lação co m o ut ras fo rças: c, nesta relaçào .
dos homens ... Nietzschc q uer dizer qu e o homem se da rece be a sua essência ou q ualidade.
avi ha a inda quan do. j;.i nào te ndo necessidade de uma r\ relação da fo rça com a fo rça chama-se .. vontade ...
instâ ncia exterior, se proíbe a si próprio o <luC lh e É por isso. a ntes de mais, que é preciso evi tar os contra-
proibiam , c se e ncarrega espon l.a ncamclllc de uma -se nsos sobre o princípio nic17,sçheano de vo ntade de
vigiltmcia e de fa rdos q ue já não lh e parecc m vir do pode r. Este princípi o não sign ifica (pe lo menos nào
ex lerior. Assi m. a história da fi losofi a, dos socrdticos significa em prim eiro luga r) que a vontade queira o
aos hegelianos, cOllli nua a ser a história das exten~as poder o u deseje d omi nar. Enquan to inte rpreta rm os a
submissões do home m, e das razões que ele se dá para vontade de pode r no semido de «desejo de dom inar,..
as legitim ar. Este m ovi me nt o da degenerescência fazê mo-Ia forçosamen te de pende r de \"alores estabelec i-
não afecta a pcnas a ril osofia, mas exp l"Ím c o devir mais dos, os t"micos capazes de de termina r que m deve ser
gerd l, a categoria mais fll ndame lllal d a história. N.io "reconh ecido " como o mais pode roso neste o u naquele
um fano na história, mas o próprio p rincíp io de o nde caso, neste o u naqut:le conOito. Desse modo, ficamos
deri' -am a maior pa rte dos aco ntecimelllos que dete r- sem conh ecer a na ture7...'l da vontade de poder como
min aram o nosso pensa me nto e a nossa vida, si nto- plincípio plástico de todas as nossas avaliações, como
mas de uma deco mposiçào. Apesa r de a ve rdade ira prin cípio esco nd ido para a criaçào de novos valores nào
fil osofia, como fi losofia do futu ro, já não ser histó- reconh ecidos. A von tade de poder, d iz Nietzsc he, não
consiste e m cobiça r nem seque r e m (omar, mas em ("ria r
e e m dor(\l). O Pod e r, como vontade de pode r, nào é o
( ~) Por \·c:r.es dta--se o tex to int itulad o - O I nSCllsato ~ (A Ca;" q ue a von tade quer, mas aquilo qUI! que r na vontade
CiillCIIl, 111 , 125) como sendo a primeil""" grande \'crs:io da Illonc d e
Oelill, De fac to. l1ão ê assim: O Viaja1lt~ t fi sua Sombra contém u ma
adlll ir.h'cl narrati\71. intilu lad a . Os Prisio llc ims,. . Cf. Illais ad iante o
texto n,o 19. Este texto tem misteriosas ressonândai com K.."lfla .
24 I NIEnSCH I:: A flLOSO FlA I 25
(Di oniso e m pessoa). A vontade de pod e r é o el eme nto a vida LOrna·se ada pta tiva e regul adora, redu z-se às suas
dife rencial de onde deriv.lI11 ~IS fo rç as e m prese nça e a formas secundá rias: já ne m sequer co mpreende mos o
sua qualidade respectiva n um compl exo . Ela ta mbé m é que sign ifi ca agir. Mesmo as fo rças da Te rra se esgotam,
sem pre aprese nlada como um elemento móvel , aé reo, sobre esta fa ce desolada . A vitória co mum das forças
plural is ta. É po r vontade de poder que um a fo rça reacuvas e da vo n t<lde de nega r, liel1..5che chama-lhe
dirige, mas é també m po r vo nl ade d e poder qu e uma .. nii lismo .. - o u triu nfo dos cscnwos. A análi se do ni ilismo
força obedece. Aos do is lipos o u qualid'ldcs de fo rças. é o bj cclO da psicoloJ..,tia, scgundo Nie t7.5che, e nlende ndo
correspo ndem , pois, d uas faces. do is fl ua /ia da vo ntad e q ue esta psicologia é també m a do cosmos.
de poder, caracleres úlLimos e fluentes. mais profund os Para uma li losofi a da fo rça o u da vo ntade, parcce
do que os das fo rças que deles de rivam . Po rque a difícil exp licar como é que as fo rças reacti vas, como é
vom ade de pode r faz co m que as forças acuva.-, {'.firmem, q ue os .. escravos», os .. fracos» le\'am a melh or. Porque,
e alirmt:m a sua pró pria dife renç.a: nelas, a afirmação se lodos e m co njunto forma m uma força maio r que a
está pri meiro, a negação não passa de uma consequ ê ncia. dos fones . não vc mos muito bem o que mudou , c sobre
co mo U lll acréscimo de praze r. Mas a caracle l"Ísti ca d as que se fun da uma avaliação quali tativa. Mas, na verda·
forças reacti}'as, pelo contrário, eSGí e m o po r-se pri- de , os fra cos, os escravos não t.riunfam por adiçào das
me iro ao que elas não são, e m li mi ta r o Outro : nel as a suas fo rças. mas por subtracção da fo rça do Outro:
negação está prime iro. é pela negação que ati ngem uma separa m o fo rte daquilo que ele pode. Eles triunfam,
aparência de afi rm ação. Afinn ação e negação são. po is, não pela composição do seu poder. mas pelo pode r do
os qlmlia da \'o lllade de pode r. co mo ac uvo e re acti\'o se u co n üigio. Acarre ta m um devir-reacuvo de LOdas as
são qualidades das forças. E da mesma man e ira que a fo rças. Ê isso a .. dege ne rescê ncia .. . Nie17..5che mOStra já
illlerpretação e ncontra os pri ncípios d o sentido nas que os c rité rios da lula pela vida, da selecção natural ,
forças, a avali ação e ncon tra os pri ncípios dos ,..,lares na favore cem necessa ria me nte os fracos e os doen tes
vontade de pode r. Por fim , evita remos, e m fun ção das en q ua nto ta is, os «secundários .. (chama-se doente a uma
cons idemções te rmi nológicas que preced e m, red uzir o vida red uLida aos seus processos reacu\'os). Po r maior
pensamento de Nic tzschc a um simples dua lismo . Po r- razão, no caso do ho mem. os critérios da histôria favo-
que, co mo \'c re mos, pe rte nce esse nc ialme nte à a fir·ma- re ce m os escravos enq uanto tais. É um de,~ r-doen tio de
ção se r ela pró pria müh.ipla, plura lista , e à neb"3ção se r toda a "ida. um d evir-escr.wo de lodos os home ns que
una, o u pesad;:lme nte monista. co nsti tue m a vitória do niilismo. Assim e \~ta re m os tam-
Ora, a história põe-nos e m prese nça do m ais estra - bém contra-se nsos sobre os te rmos nietlScheanos .. for-
nho fenóme no: as forças rcac ti,'35 triun fa m, a negação te .. e .. fraco" ... mestre .. e .. escravo .. : é e,~ dentc que o
leva a melhor na vo ntadc de pode r ! Não se trata a pe nas escravo não de ixa d e ser escravo ao tomar o pode r ne m
da história do home m, mas da histó ria da vida e d a o fra co, um frd co. As forças reacti\'3s, ao levare m a
história da Te rra, pelo me nos sobre a sua face habitad a melh or não deixam de ser reacüvas. Porque, e m todas
pelo homem. Em toda a pa rte , ve m os o triunfo d o as COi~." segu ndo Nic lZSche, trata-se de uma tipologia
.. não» sobre o «sim ». da reacção sobre a acção. Mesm o qua litativa, traLa.-se de baixeza e de nobreza. O s nossos
Nu:n.sCHE
26 I A FILOSOFIA
I 27
se nh ores são e scl<WOS que triunfam num d c "ir-csc l<l\'O fl-aco e infel iz. r\ vida rcactiV'd subtrai-se às forças activas.
universa l: o ho mem europeu. o homem d o mesti cado, o a rcacçào d eixa d e ser .. agida... A reacçào torna-se
bobo ... NictlSchc descreve os Estados mo d e rn os corno qu alquer coisa de sent ida . .. resse ntim ento .. , que se exer-
formigueiros. em que os chefes c os podcro~os 1('\,<1 111 a ce contrd tudo o que é acti\'o. Enche-se a acção d e
melh or devido à sua baixeza, ao contágio d e"la baixc là ",·c rgonha .. : a própria ,ida é acusada , separada do seu
c desta lruani ec. Qualquer que seja a complex idade de poder. separada do que pode. O cordeiro diz: eu pode-
Niclzsc he, o le itor ad ivi nha facilmente em que c:ll cgo- ria fa zer Ludo o que a .íguia faz. te nho mélito e m
ria (quer dize r. e lll que tipo) ele lcria co locado a raça impedir-me que a águi a façtl co mo eu .. .
dos «se nh ores .. co ncebidos pelos nali s. Quand o o 2.° A má co'/lsciê1U'ia: é O meu erro ... Momento da
niilismo triunfa, enl<io e só cntào a vontade d e poder illlrojecção. Tendo tomado a ,ida C0 l110 um e ngod o , as
deixa de querer dizer .. criar,., I1l ,L" sig nifica : qu e rer o forças reilCti vas po d em vo ltar a ser e las mes mas.
pod er. desejar d omina r (portanto. a tribuir-se 011 fa7cr Inte riorizam a fa lta , dizem-se culpadas. vira m-se contra
com que lh e atrib uam os valores estabel ecidos, dinhei- si mesmas. Mas. assi m , e las dão o exe mplo , faze m com
ro. ho nras, poder... ). Ora , esta voma d e deste pode r é que a vida inteira vc nha juntar-se a e las, adquirem o
precisamente a d o escl-a\'o. é a man eira C0l110 o escravo máximo de poder contagioso - formam comunid",d es
ou o impole llle co ncebe o poder, a id eia que dele f~1 7 . reactivas.
e qu e de aPlica qllando trilillfa. Acom ece que um doel1l<: 3.° O ideal asâtico: momento da sublimaçâo. O que a
pode dizcr: ah! se e u cstivesse bom. fa l-ia isto - c talv(;1. vida fraca ou reacu\'a vale é afinal a negação d a ,ida. A
o IiLesse - , mas os seus projeclOs e as suas concepções sua vo ntade de poder é vontade d e nada. como condi-
são ainda as de um doente . c nada mais que as d e um ção d o seu triu nfo. Inversamen te, a \'o ntade de nada só
doente. Passa-se o mesmo com o escravo e com a sua to lera a \i da fntca , mutil ada. reactiva : estados vizinh os
concepção do domínio ou do poder. Passa -~c o mesmo de zero. Então , es mbc)cce-se a inquietante aliança. J ul-
com O ho mem reaCli\'o c com a sua con cepção de acção. gar-se-á <:1 ,i d a d e acordo com os va lores ditos superi o res
Por toda a pane, é a invcrsão dos valores e das ava li a- à \'ida: es tes valores pied osos opõcm-sc à vida, conde-
ções, po r Lo da a pane são as cois..LS vistas do lado nam-na, con duze m-na ao nada; só prome lem a sah-açào
pequeno, as imagens ilwe nidas co m o num a clarabóia. .is formas mais reac tivas, às mais frd cas e às mais doentes
Uma das grandes frase s de Nicl1.sc h e é: .. Te mos se mpre d a \ida. Esta é a aliança do Deus-Nada e d o Homem-
d e defender os fo rtes con tra os fracos ... -Reac tivo. Tudo está invertido: os escr<lVOS chamam-se
Precisemos, no caso do ho me m , as ct<:tpas do triunfo senh o res. os fracos cham am-se fortes. a baixeza chama-
do niilismo . Estas e ta pas formam as g nmdcs d escobe r- -se no breza. Diz-se que a lgué m é forte e nobre porque
tas d a psicologia ni etzsc heana, as catego rias de uma cle carrcg-d: ca rrega o peso d os valores «supe rio res ".
tipol ogia das profu ndidades: se m e-se respo nsável. Mesmo a vida, sobre tudo a lida,
parece-lhe difícil de suportar. As avaliações estão d e tal
1.° O ressentimento: é o leu e rro , é o leu erro ... Acusa- modo d e formadas que j á não sabemos ver que o carre-
çào e recriminação p rojectivas. É por tua causa que sou g'.:ld o r é um escravo, que o que ele carrega é uma
N1E17.5CIIE
28 I A nLOSO~1A I 29
escravatura, que o carregador é um ca rregad or-fraco - humanos demasiado humanos (3 moral substi lUi a reli-
o conu.iria de um criador, de um dan çarino. Porque. gião: a utilidade, o progresso, a própria história substi-
na verdade, só carregamos à força de fraquc7a . só nos w em os valores divinos) . Nada mudou , porque é a
fazemos carregar à vontade de nada (cf. O Bobo de mesma vida reactiva, a mesma escravatura, que triun-
Zaralllslra; c o personagem cio Burro ). nlva à sombm dos valores divinos e que triunfa agora
As elapas preced e ntes do niilismo corrcspon de m. pelos valo res humanos . É o mesmo carregador. o Illes·
segundo Niclzsche. à religião judaica, depois à ( lis tra. mo Burro, que estava ca rreg'ddo com o peso das relíqui-
Mas esta foi preparada pela filosofia grega. quer dil.cr. as di"inas, pelas quais respondia dianle de Deus, e que
pela d egenerescência da fil osofia na Grécia. Ma b ge ne- agora se carrega sozinho, e m auto-responsabilidade.
ricamc lllc, Nic lzsche mostra como estas clapas Lal1lbém Até se deu mais um passo no deserto do niilismo:
s.io a gênese das gra ndes ca l ego ria'! do pen sa me nto: o prclCnde-se abarca,- toda a Realidade , mas só se abarca
Eu, o Mundo, Deus, a causalidade. a finalidade. e le. Mas aCJuilo que os \'alo l'es supe riores deixamm , o resíduo
o niilismo nào pára aí c prossegue um caminh o que fal. das forças reacüv<ls c da von lade de nada. Ê por isso que
toda a nossa h istória. Nie17_'iche, no livro IV de %lIra/listra, traça a grande
4.° A mor'" de Deus: momento da recuperação. Dur.m- mi séria dos que ele chama " Homens superiores ... ESlCS
le muito te mpo, a morte de De us aparcct.'-J10S co mo um querem subst.ituir Deus, levam consigo os valores huma-
drama inlra-reJigioso. como um assumo clllre o Deus nos. julgam mesmo encontrar a Realidade, recuperar o
judeu e o Deus cristão. Ao ponto de nós já nào ...aber- sentido da afirmação. Mas a única afirmação de que são
mos muito bem se é o Filho que morre. por rc~e n­ capal:es é apenas o .. Sim .. do Burro, l-A, a força reacli\"a
timento do Pai, ou se é o Pai que morre , para que o que se canega a si mesma com os produtos do niilismo
Filho seja independente (e se tome .. cosmopolita .. ) . e que j ulga dizer sim de cada vez que leua um não. (D uas
Masjá S. Paulo funda o cristianismo baseado na ideia de obras modernas são profundas meditações sobre o Sim
que Cristo morreu pelos nossos pecados. Com a Refor- c o Não, sobre a sua autemicidade ou a sua mistificação:
ma, a morte de Deus torna-se cada vez mais um assuntO Nielzsche e Joyce.)
entre Deus e o homem. Até ao dia em que o homem se .~." O último homem e o homem que quer morrer: momento
descobre como o assassino de Deus, quer assumir-se do fim . A morte de Deus é, pois, um acontecimclllo,
como tal e carregar este no\'o peso. Quer a consequênci'l mas que ainda espera o seu sentido e o seu valor.
lógica desta morte: tomar-se ele próprio Deus, substituir Enquanto não mudarmos de princípio de avaliação,
Deus. enquantO substilUinllos os velhos valores por novos,
A ide ia de Nie lzsche é que a morte de Deus é um apenas ass inal ando novas combinações e n tre as f~rças
gra nde acolllecim enLo barulhento, mas não sufic ien te. reacti\'as e a vontad e de nada , nada mudo u. continu a-
Po rque o .. niilismo .. cominua , a custo muda de forma. m os sempre sob o reino dos ,'alores estabell!fidos. Bem
~ niilisl~o significava até há pouco: depreciação, neg-d- sabem os q ue há valores que nascem \"elhos e qu~, desde
çao d~ Vida em nome dos valores superiores. E agora: o seu nascimento, testemunham a sua conformidade, O
negaçao dos valores supe riores, substi tuição dos valores seu conformismo. a sua inaptidão pard perturbar a
30 I Nl lT/--SGII E A FlLOSOFlA
I 31
orcl{'1I1 estabelecida. E, no Cllm ulO. a cada pas~o. o ca 'T(>gando os fmt os do Il egalivo. Apesar de o Sim do
niilismo avança mais. a inanidadc revela-se lI1elhor. Burro. I-A, se r um fal so si m. C0l110 um a carica lura da
I'orque o que aparece na llIorl C de Deus é qU(' a alian(il afirmação . Ago ...... lud o muda: a afirmação la ma-se a
elas forças rcactivas e d a \'onrad C' de nad a. do !f o rn em essên cia o u a p ró pria vontade de pod e r: quamo ao
rcaCli\'o c cio Deus niilis(<I. cst;í em \'ias de 1:<..' romper: lIegélli vo. ele subsis te. mas como o modo de ser d aquele
o home lll prete ndeu passar selll De us . valer por Dt: lIs. que afirma , co mo a :Jgressividade p rópri a à afi rlllaç;:io.
Os conce it os nicll.sch ca ll os s:io ca legorias do in con .... como o darão anunciado!" e O trovão que se segue ..\0
cie nt e. O impo rtante é a maneira com o O dr::II11 3 pros- ;:,firm a(lo - C0 ll10 acrílica tOlal que acompanha a cria-
segue no in conscie nte: quando as forças reaclivas prc- (;10. Zara IItSI.ra, deste modo, é a artnnaç.;io pura, mas
lenc!c lll passar sem a "'vontade .. , ro lam mais c m .li o; pro- que p recisa me nte leva a negação ao seu grau supremo.
rundam e nt e no abismo do Il<lda , Ilum In undo cad a \'Cl. faze ndo d e la lima acção, lima in stàn cia ao serviço da-
mais desprovido de va lol"es, divinos ou mesmo hllman os. quele que afirma e que cria (lI). O Sim de Zaratustra
A sa ída dos Homens supclio rcs. surge o últImo hOIllI'In. o põe-se ao Sim do Burro. como criar se o põe ao carre-
aqu ele que di z: tudo é vão. é prere ríve l eXlin g llil"lll o-nos ga r. O Nào (Ie Zara Llt stra o põe-se ao Não do nii lismo.
passivame n te! É prefnível UIll nada de vontade do (IUC como a agressi\"idade se opõe ao resse n time n to. A
lima vo nlade de nada! Mas, a f;wor dcsta ruptura . a tra ns lllutação signifiça inversão das rel ações afirmação-
\'onladc de nada, por sc u lu rno. \·olt.'\-se conu'3 as fo rc;as -negaç,lo. Mas \'{.....sc que a translllutação só ê possí\'c1 à
rcacti\'as, lorna-se a \'Onl,arlc de n egar a próp,'ia vida saída do n iili smo. Foi preciso ir até ao último d os
reacliva e inspira ao homem o desejo d e 'e destrllir ho me ns, d epois a lé <10 hOIllCI1l que quer mo rre r, pa ra
acti\'amenLe . Para além do üllimo homem exis te. pois. que a neg<lç.;io. voltandQ-sl! por fim (ontra (lS fOrr(lS rrfl(tiva.~.
ainda o homnn que qller mo,.,'PY. E nes te ponto de se torn e di! pró pria uma acção e passe ao sc n 'iço de
cu lminação d o niilismo (Meia-Noi le). ('s!.á ludo prolHo uma a firm ação supc lior (e o nde surge a fórm ula d e
- pro nto para uma mmslll lll ação( 10). NiCl7..5ch e : o niilismo \·en cido. mas ve ncido por ele
p ,'ó pri o ... ).
A tJd.n smIHaç~io de lod os os \'alo res defin e-se assi m : A afirmação é o mais alto pode r da vontade. Mas o
um d evir aetivo das forças. 11111 l1i1mfo da aflrma(âo '1(1 que é afirmado? A Terra, a vida ... Mas que forma tomam
vontade dI' /J{Jder. Sol> O reino d o nii lismo . o negativo é .1 a Te rra e a vida quando sào o bjeClo de afirmação?
forma e o fundo da vontade de pode r: a a finn aç;:io é Fonml desconh ecida po r n ós, que só habit.1.mos a super-
apenas segunda, subordin ada à negação. reco lh endo e fíc ie d esolada da Te rra e só vi\'e mos estados vizinhos de
zero . O que o niilismo condena e se esforça po r n egar
não é talHo o Ser, porq ue o Se ,~ sabe-se já há m,uito
• ( 111) üta distinção entre o Illti",o IIom,m t' ° lIomt'm qlu qll" mO/r". te mpo, p arece-se com o Nada como um inmio. E de
~ rundamellt~l na filoso fia de Nicll$chc: cf.. ]>01' exelllplo. e lll
0 mIU$'ra, a dIferença clllre a predição do adivinho ( .. O Ad ivin h o -.

c 23. )e o apelodeZ'
hnoll - IÕllmlra ( - Pro"I08 0 ", " e 5) . Ver os IcxtOS 21
(1 1) Cf. texlo n." 24.
32 I NIET/...SCI IE i\ Fll.OSOFlA I 33
preferência o múltiplo. é de preferência ,0 devi !". O aquele que Nic lzsc he co nceb ia sob a influência de
niilismo co nsidera o devi!" como qualquer COisa que dl'lJt Schopenhauer, como reabsor\'e ndo a vid a num Fundo
expia r c que deve ser rcabsorvido no Ser: o , lllltlliplO origi~l al , como aliando-se a Apolo para produzir a tragé-
como qualquer coisa de injusto. que dc\'c ser Julgado c dia. E verdade que. desde t\ Origem tia Tragédia, Dioniso
reabsorvido no no . O d C\r1r e o mülLipl o &-10 culpá"e is, era d efinido pela sua oposição a Sócrd lcs, mais ainda do
lal é a primeira palavra, c a última. do niil ismo. As'\im. que pela sua alian ça com Apolo: Sócrates julgod\'a e
sob o reino do ni ilismo. a filosofia te m como lllóbilcs condenava a vida e m no me dos valores supe riores, mas
sent im entos negros: um .. descontentam ento ... 11!!l3 Dioniso pressen tia q ue a vida não tem quc ser julgada,
a ngústia d escon heci da , uma inquicwdc de viver - um que ela é basüt1llc justa, suficiente me nte sa nta por si
obscuro se ntido de cu lpabil idade. Pel o con tr.í ri o. a mesma. Ora. à medida que Nie tzsc he avança na sua
primeira figura da uansll1utação el eva o IlHílt iplo e o obra, a vcrdadeira o posiç_iio aparece-lhe: já nem seque r
devi r ao mais alto pod er: fazem d cle um objcclO de ulIla Dioni so con tra Sóc rates, mas Dio niso contra o cl'ucifi+
afirmação. E, na afirmação do múlt iplo. h.i a alegria cad o. O sc u mártir pa rece com um , mas a interpretação,
pr.üiciI do dive rso. A alegria surge como o único Illóbi l a ava liação d estes má rtires dife re m: de um lado, o
panl fil osofar. A valorização dos se ntime nt os negativos testemu nh o co ntra a vida, o empreendime n tO de vin-
Oll das paixões tristes é a mis tifi caçáo na qua l o niili smo gança q ue consiste em nega r a vi da ; do outro lado, a
funda o se u poder, (J,í Lucrédo c Espinosa escreveram afirmação da vid", a aJirmação d o devir c do múlúplo,
pâginas definitivas a este respeito, Ames d c Nictl-sche. até na laceração e n os membros d ispersos de Dioniso (12) .
eles concebem a filosofi a como O poder de afirmar. Dança. ligeireza, I'iso sào as propriedades de Dio niso.
como a luta prá ti ca contrd as mistificações. como a Como poder de afirmação, Dion iso evoca um espe lh o
expuls.i.o do negath·o.) no se u espel ho, um anel no se u anel: é preciso uma
O múltiplo é afirmado enq uanto múlliplo, o dcvir é segunda afinnação para que a afirmação seja cla pró-
afirmado enq uan to devir. É dizer ao mesmo tcmpo que pri a afirm ada. Dioniso tem uma !lo iv", . Ariana ( ..Tens
a afi rm ação é, e la mesma, múltipl a, quc sc torna ela o re lhas pequcnas. tens as minh as o re lhas: põe aí uma
mesma; e que O devir e o múltiplo sào eles mesmos se nten ça ajuizada»). A única palavra <yuizada é Sim.
afirm ações. Há como que um jogo d e espelh os na Ariana culmina o conjunto das relações que d cfin e m
a fi rmação bem compreendida ... Ete rna afirm açáo ... e lcr- Dio niso e o filósoro dionisíaco.
nam en te e u sou a lua afirmação!)o A segunda fi gura d a O múltiplo já nào ê justificável do Uno nem o d evir,
tra nslllutação é a afirmação da afirmação, O desd o br;l- do Ser. Mas o Ser C O Uno fazem melhor do que pe rder
menta, a dupla dil,jna Dio niso-Ariana. o seu sentido: tomam um novo sentido. Porque, agora,
Dion iso deixa-se recon hecer em todas as carac terísti- o Uno diz-sc do múltiplo enquanto múltiplo (pedaços
cas preced e ntes. Estamos longe do primeiro Dioniso, ou fragmento s); o Ser diz-se do d evi!' enquanto
d evir. Tal é a inversão nietzschcana. ou a terceira figura
da transmutação. Já não se opõe o devi r ao Ser. o
múltiplo ao Uno (estas mesmas oposições sendo as
Kl['17.SCI-IE
34 I A FILOSOFIA I 35
Gucgor "ms (o
, n l1"" '"1:S""'o) 'I>clo
. cOll lnírio. afinna·se
• O U no
", IUlllariamen tc O benefício de conceitos no\'os que ele
do IlHI'I"
{lp ,O. o Ser do d e \' II". Ou C Il IaO. co.m o. d i z. n ào podia formar e ' ),
IN"
(C l ZSC ,l I;!,
" ".111
C r,,'"......
"'''' a necessidad e do a G . 'o. c
1)10 11150
. Também nos per'g ulltamos sobre O que h.i de espan-
jogador. O verdadeiro jogado r fa z do aG I'iO 1:1l1 o.bJt'clo toso 110 e terno Re to rn o. sc ele consiste num ciclo , q uer
(C ça'o". 'alir nn< os. f ra g Jl1t:'lllOs, os 1I1t:: lllblOS
I a I,Ir ma. • •
do di Lc r, num re torno do Todo, num re torno do Mes mo .
acaso ; d esta alirnwção nasce o mínu:ro n CCl·~,a no . ~ u c II UIII re to rno ao Mes mo: mas . precisam en te. não se
rcco nduz o lança mento d os d ad os. V(' mo, qual c a lnllH disso. O segredo de NielZ.Sc he é que o elemo Rrlomo
Terceira fi gura: o jogo do clcrno Retorno. R~I~mar é r srll'ctivo. E duplam e nte scleclivo. Primeiro , como pe n-
precisamcll1 c o se r do d C\'ir, o llI~O do, muluplo. a S;lmento. Po rque n os d., uma lei pard a autonomia d a
necessidade do acaso. Assim é prcc l'o t', UM f••"cr do vontad e d esga rrada de IOda a moral : o que quer que
e terno RClOrno um retomo tio Mrsmo. 1"10 ~L'ria desco- c u queira (a minha preguiça, a minha gulodice, a
nhece r a form a da lnlllslllmaçáo c a muda n ça n a ,"ela- lII illhil cov.al'd ia , o m e u víc io corno a min ha virtude ).
ção fundamental. Po rq ue o Mesm o n:i.o prCeXi.,lc ao .. d c\·o ,) que rê-lo de tal maneira que lhe que inl o eterno
diverso (sa lvo na categoria d o niil islIlo) . ,\'(io ,; o Ml'Smo Re to rn o. En con tra-se e liminado o mundo dos .. se mi-
que vo(lfl, já qu e o "ohar é <I forma o rig inal d o ~Ic!' m o. -qu e re res». tud o o que queremos com a condi ção d e di-
q ue apenas se d iL do d ivc rso. do múltiplo. d o d e \;r. zer: uma \'ez, nada senão ullIa vez, 1\'lesmo lima co\'ardia.
O Mesmo nào \'olta. é O vohar 'a penas que t: o ~lt:smo uma pregui ça que quisesse o seu eterno Retorno tomar·
daqu il o que dc\·é m. -se-ia outra coisa diferente de uma preguiça . de uma
Trata-se aí da essência d o Clem o Retorno, E!)la ques- covardia : torna r-se-iam ac tivas e potências de afirmaçào.
lâo do e te rn o Rc lOl'llo deve se r d esembaraçada d e todas E o e terno Retomo não é só o pensame nto sclectivo,
as espécies d e lemas inlll eis ou fal sos. Por \'c / es, pcrg un- m as ta mbém o Se r sclec tivo. Só volta a afirmação . só
lamos como Nie tzsche pôde crer q llC 11m pe nsamc nlO vo lta aquilo q ue po d e se r afirmado. só a alegria volta.
assim era no\'o c prodigioso , que, n o cntanto, parece Tudo o que pod e se r negado, tudo o que é negação t:
ser frequ ente nos antigos: mas, precisam c llIc, Nic u c h e expulso pelo próprio movimento d o e terno Reto rn o,
sabia bem que ele nâo 5' nU01l tra nos a m igos. nem n:l
Grêcia Il em no Orie nte, a não se i- de uma m a n e ira
( I') Cf. üu lIomo, .. Porque sou uma fata lid:ldc·, § 3. N" li mite,
pa rcelar e in certa , num sentido co mpl c lam e lllc dife- ~ mu ilo duvidoso qU ê a idcia d o Clerno Re tomo Icnha <llgUl113 \êl
rente do sen tido niet/.sch ean o. Nict7_'ic hc j.l faLÍa as m ais sido sustcutad;t n o llIundo .," Iigo. O pensamento grego no seu
expressas rese rvas sobre l-Ieracl ilO. E <luC ele po nha o cOlljlln lo ê 1l1lli lO rC li cclHe: cf. o Ii\'ro dt' Charlcl! Muglt'l'.
} )rux thiml'$ W la (o5 molop I,",HI/II': drlltll ir ryrliqllf ' 1 IJ{lmlillt II'J
elerno Retorno na boca de Zaratustra, co m o uma se r- mQlIdu (K]incksieck. 1953). E. segundo os espcd:l lis l a.~. paS5a-se o
pente no gasganetc , apenas sig nifica qu e dá ao p e rso n a- mesmo com o pensamen to ch inês, o u ind iano. {lU iran ia no 0 11
gem antigo de Zoroilstro aquilo que este e ra o m e nos babilÓnico. A oposi(ão de um Icm po circular nos antigos e d e UllI
lem p" hiSII'rico nos .nodem os é lima ideia r;ícil c inexa~ la . Em
capaz de conceber. N ieu.sche explica que toma o perso- lodos os aspectos pode mos. com o pl·ÓpriO N i e l L~ h e. conSiderar o
nagem de Zaratustra como u m e ufemis mo ou, mel h or. elerno Ke tonlO como lima de5(obcrla nieu.selleana. al>enas lendo
como uma antífrase e uma metonímia, d a ndo-Ih e \ '0- prem issas antigas.
36 I NIEnSCl lE A FILOSOfiA I 37
Poderíamos rCCC(lr que as combi naçõcs cio niilis mo e da volta ao meSIllO , então o home m pequeno e mesquinho,
reacção não \'ollassem e te rnam en te. O eterno Re torno o ni ilismo e a reacção voltarão também (t! por isso que
dc\'c ser comparado com uma roda : mas O mO\'imcl1lo Zam luslra dama o seu grdnde desgosto, o se u grande
de ullla roda é do Lado de um poder centrífugo. que desprezo, e declara que não pode. que não que r, que nào
ex pulsa IOdo o nega tivo. Porque o Ser se afirma do Ollsa dizer O etern o Reto rno) 5 ). e
devir, e le expulsa de si ludo o que co nlradú a ali nna- O que se passou quando Zaratustra estava convales-
ção, todas as formas do niilismo c da rcacçào: má ce nte? Ape nas resolve u suportar o que nâo suportava h ~i
consciência, rcsscnLimcllto ... , só os vcremos uma VCJ: . momcntos? Acei ta o e terno Retorno, apreende a sua
No entanto, em muitos textos, NiclI.schc co nsidera o a legria. Trala-se apena.0; de uma mudança psicológica?
cremo Retomo como um ciclo onde IUdo volta. o nde o Evidente mente que não. Tr.na-se de ullla mudança na
Mesmo volLa; c que volta ao mesmo. Mas O qu e sig nifi cam compreensão e na significação do próprio eterno Retor-
es tes textos? Nic lI'.sc he é UIll pcns..'\dor <llIC OId r<lInalil.3)O no. Zaratllstra reconhece que, doente, ele não compre-
as Ideias, quer dize r. aprcscn la-as como aconlec im c lllos e ndcra nada sobre o eterno Re torn o. Que este não é
sucessivos, a di,'crsos níveis de te nsão. Já o vimos para a um ciclo. que nào é retorno do Mesmo ne m re lo rno ao
morte de Deus. Da mesma maneira. o c terno Re to mo é mesmo. Que não é urna evidê ncia natura l plana, para
objcclO de duas exposições (c haveria mais se a obra não uso dos a nimais, ne m um triste castigo moral , para uso
tivesse sido illle lTompida pela louc ura . impedindo uma dos homens. Zilralllslra compreende a identidadc .. ctc r-
progressão que o pró prio Niell.schc co ncebera ex plicita- no Re torno = Ser selectivo ... Como é que aquilo quc é
mente). Ora, destas duas exposições que nos ficara m, reactivo e niilista, como é que o negativo poderia voltar,
lima é res pe ilame a Zaratuslfa doe"/". 4.1 outra. ZaratusLra j ,í que o ete rn o Re torno t! o se r que se diz apenas da
convalesCt1lle e qll.ase curado. O que faz com que Zara tustra a li rmação, do devir em ilcção? Roda centrífuga, _cons-
esteja doe lll e t! precisame nte a ideia d o ciclo: a id e ia qu e telação sup re ma do Se r, que nenhum vOtO atinge, que
Tudo volte, que o Mesmo \'olte, e que tudo volte ao ne nhum a negação mancha». O eterno Retorno t! a
mesmo. Porque, neste caso, o eterno Re torno não passa Repetição; mas ê a Re petição que selecciona . a Repeti-
de uma ~ ipótese, uma hipótese ao mesmo tempo banal ção que salva. Segredo prod igioso de uma repetição
e aterron zadora. Banal, porque equ ivale a uma ce rteza libertadord e selecciona nte.
natural, a~ im.al, imediata (é por isso que Zaratustra, A transmutação tem, pois, um quarlO e último aspec-
quando a agllla e a serpe nte se esforçam por co nsolá-lo. to: implica e produz o super-home m. Porq ue, na sua
lhes responde: vocês fi zera m do e terno Re to rno uma essência humana, o home m é um ser rcactivo, combi-
«omissão», reduzira m o eterno Re to rno a lima fó nnula na ndo as suas forças com o niilismo. O ete rn o Re torno
bem conhec ida, demasiado conhecida) ("1). Ate rrori za- rejei ta-o e expu lsa-o. A transmutação é respeitante a
dora tamocm ' porque , se e- verd ad c que tudo "olta, e uma con"ersão radica l de essência, que se produz no

(11) Cf. ASfim JaiDVQ ZarQtll.$tra, 111 , -o convot]cscenle _. § 2. (I~ ) Cf. texto n. e 27.
"8 I NIF.T7..5CUI:.

homem , mas q ue produz o super-homem. O supe r-


-ho mem d esigna cxac la m CIlI C o rcco lhilll l.'nlo de tudo
o que pode se r a firmad o. a fo rm a s u perior do que é. o
tipo que rep resenta o Se r sc lcc li\'o . o botào c a
su bj cclivicladc d es te se r. Ass im, ele cs t;.í n o Cflu:tm C IllO
d e duas gcnca logias. Po r um lado. é p rodu/ido no
homem, po r inte rmédi o do Lih im o dos ho m en ... c do
homem q ue quer mo rrer. mas pa ra além dclc3. C0 l110
lima dilace ração c lim a 1n1l1sformaç;io d a cs...ênc ia hu-
ma na. ~1 as. por OUlro. produLido 110 ho mem. não ê
produzido pel o ho mem: é o fruto d e Dio niso c d e DlCIO l ÁRIo DAS PRlNCIPAlS
Ariana. O próprio Za ra ttlSllâ segue a j>,'im cira linha PERSONAGENS DE NIETZSCHE
ge nca lógic<l; pomllllo. collLin ua a ser inferior a Di o niso.
é o seu profC I,(l 011 anun ciado!". Za ratllsll<l Ch ::U1l3 ao
su per-ho me m se u fil ho , mas c lc é ulLrapass:"lClo pelo se u Agllifl (e SerJJtmli!) - São os animais d e Zantlustra. A
fil ho, ClUO \'c rd adeiro pai é Dioniso e"). Ass im culmi- serpe n te est<í e n rolada em to rno do pescoço d a .ígu ia.
na m as fi gu ras d a lr.m slll lllaç'-lO: Di o niso ou a afimla- Ambos expriInclll. pois, o e terno Reto rno comO Alian-
ç;io; Oio niso-Ari ana ou a alinnaç<io de ~d o brad a: o e te r- ça. como an el no <:Ule l. como espo nsais do casa l d ivino
°
no ReLOm o ou a afirmação redobrada : supe r-h ome m Dio n iso-Aria na. M as cxprim em-no de man eira animal.
o u o tipo e O produto d a afinn aç<io . como u ma cene7.a imedi ata o u u ma e\idên cia IlitlUra1.
(A essê ncia d o e te rn o Re to m o escapa-lhes. quer di zer.
Nós. le it ores d c Nic lzsch e, d e"emos evit a r quatro o se u caráclcr selectivo. mnto d o po nto d e vista d o
contra-sc nsos possíveis: 1." so bre ~l vo ntad e de pode r pe nsa me nlO como d o Ser.) Por isso , f~z~m do el ~rno
(c rer que a vont adc de pod er sig n ifi ca .. desejo de domi- Re to rn o uma "tagarelice .. , uma "Ollllssao ... E amda
nar .. ou "quc re r o pod er .. ); 2.° sobre os ro n es e o s rracos ma is: a se rpe n te desenrolada exprime o q ue h;i d e insu-
(cre: que os mais "poderosos .. . nUIll regi me socia l, são. por tável c d e impossível no eterno Retorn o. e n qua nlO
por ISSO . .. fo rtes,.); 3.° sobre o e lerno RClO rn o (c rer que o lo ma nnos como uma ce rteza na tu ral segundo a CJual
s~ tra La d e um~ :'e~h a id eia, re ti rad a dos gregos. dos "LUdo \'o lm .. .
hmdus, dos babll o l1lcos ... ; cre r que se tra ia de um ciclo.
o u de um re to rno d o Mesmo, d e um retom o ao mes- Burro (ou Camelo) - São os animais do desert o
mo); ~ . o sobre. ~s últimas o br<lS (cre r CJu c es tas o bras são (niilismo ). Carregam . carregam com fardos ~té ao fim do
excessivas ou J3 desqualificadas p e ltt IO llCUI' t ). d ese rto . O Burro le m d o is d efeitos: o seu Nao é um fa~so
nào, um «não,. d o ressentime nto. E ainda mais, o ~eu .SlIn
(I-A. I-A) é um falso sim. Julg-.... que afirmar Slgn~fica
carregar. assu mir. O Burro é . e m prime iro lugar. O anll11al
'10 I NIt:TZSCIIF Olf:IO:-.lARI O oos PRIl\CIPAIS PERSONAGENS ... I 41
cristão: carrega com o peso dos valo res ditos .. supe rio res la .Ele també m re pl'esenta o maior perigo de Zaratustra:
à vida,.. Depois da morte de Deus , ca rreg;l-sc a si mesmo. a traição da doutr in a. O bobo despreza, mas o seu
carrega com o peso dos valores .. human os... . p rete nde des prezo vem do ressentimento. Ele é o espírito da
ass umi r .. o real como ele é,.: po r conscguimc. c l(' é o le ntidão. Como Za ra Lustfa, prete nde ultrapassar, supe·
no\'o deus dos .. homens supe riores .. , De lim a pa lHa à raro ;VIas supe ra r signifi ca para ele: ou fazer-se carregar
ou tra , o BtllTO é a cari calura e a lraiç:io do Sim d ioni 'iídCO; (subir pa ra os o mbros do homcm, e do próprio
afirma, mas só atirma os produtos d o niilismo . As 'iuas Za r.uustra ): ou, c lllão. saltar por cima. São os do is
longas orelhas opõem-se. pois. às o relhas peq ue nas, conll-a·sc nsos possíveis sob re O .. Super· Holll cm ...
redondas e labiríllli cas de Dioniso e d e Aria na .
Cristo (São Pa ulo t Buda ) - 1.0 Ele representa um
Aranha (ou 7àrân'ula) - Ê o espírito d e \; ngan ça ou mo me nto esse ncial do ni il ismo: O da má consciê ncia,
de ressen ti mento. O se u I>ode r de contágio é O se u de pois do resse ntim clHo judaico. fI:las é sempre a mes-
ven eno. A sua \'omacl e ê uma \'o nlôld c d e puni r c d e ma e mpresa de vinga nça e de ini mizadc conlra a vida;
julgar. A sua anua é o fio . O lio da Il'Ioral. A sua p rcgaç~io po rqu e o amor cristão valoriza apenas os aspeclOs doen-
é a igua ldade (que toda a ge m e se lorn c semel ha lllc a tes e deso lados da vida. Com a sua morte, Cristo parece
si mesma! ). tornar·se independente do Deus j udeu: lorna-se univer-
sal e 4I coslllopolita,.. Mas encontrou ape nas um 110\'0
A,iana (e Teseu) - É a Anima. Ela fo i amada pOI" T(,~c lI mc io de julgar a vida, de uni\·ersali7.a r a condenação da
e amOll-O. Mas então, prccisamentc. ela segurava o fi o, vida. ao interioriza r a fa lta (má consciência) . CI;stO
cra um pouco Aran ha, fria crimura do resse mim c lllo. seria morto por nós, pelos nossos pecados! Esta é, pelo
Teseu é o Herói, uma imagem do J lo mc m supe l'io r. me nos, a interpretação de 5..-l0 Paulo: e foi est..'1. interprc·
Possui todas as in ferioridades do .. Ho mc m supe ri o r_: tação que Icvou a melhor na Igreja c na História. O
carrebrar, assu mir. não saber renunciar, ignorar a li gci l"e· manírio de Crislo opõe-se, pois, ao de Dioniso: nu m
ZCl. Enquanto Ariana allla TesclI. c é amada po r el e, a caso, a \~da é julgada e deve expiar; no outro, ela é
sua fe minidade con tinua aprisio nada , ligada pelo (io. bastan te justa por si mesma para justificar tudo. «Dion iso
Mas quando Dioniso-Touro SI.! aproxima , e la aprende COlllfa o Cnlcifi cado ... - 2.° Mas se procurarmos, sob a
qual é a verdadeint afirmação, a verdadei ra ligeire za. intel-pretação paulina. qua l era o tipo p~~oal de Crislo,
Torna-se a Anima afirmativa , que dii. Sim a Di o niso . adivinhamos que Cristo pertcnce ao ... nllhsmo» de uma
Ambos constituem o casal que co nslitui o e terno Re tor. maneira comple tamente diferente . Ele é doce,. ~legrc,
no ~ . engendram o Super·Homem. I)orque: «quando o não co ndena, indiferente a qualquer culpablhdade;
he rOl abandonou a alm a, só emão se ap rox ima, e m apenas que r morre r, deseja a morte. Por i~o, lestcmu-
son hos, o super·herói". nh a um grande avanço sobre 5.-l0 Pa ulo e J3 representa
o estádio supremo d o nu" 1'Ismo, o do l',Iu'mo Homem •.
ou.

Bobo (Macaco, Anão ou Demónio) _ É a caricatura de mesmo do Homem que quer morrer: o es~d lo ma~s
Zaratustra. [mita-o , mas corno a IC"l,' da-o ImIta
" - d 10lllSlaca.
' ., Cristo e «o maIs
a I"Igeu'c- próximo da transmutaçao
NIF.TlSCIIF.
I)ICIO N,\ RIO nos I' RINC IPAIS PERSO NAGENS...
I 43
inlereSStt lltc d os d ccade ntes». lim a espéc ie de Buda. El e d os costu mes d egen enl. edi fica e sclecciona ao con-
to rn a possível u m a lra nslllu taçáo; d es tl..' ponlO dI..' Vist'l, tr;1" io , ca i e m prove iLO d a «populaça,. (triunfo dos
a sím ese de Di o niso e d e Cristo lOrna-'/;(: d .• p ró pria esc ra\"os). S~I O os do is re is que conduzem o Burro. de
possível: ... Oion iso-Cruci licado>o . que o (o ,~jun t o d os home ns supe riores farão o seu no\'o
de us.
Oio"iso - Sobre os di fe rent es aspectos de Dion iso. 1.0 3." O IIU lÍ \ igll obil dos homens: Foi e le q ue matou Deus.
em rdaçáo com Apolo: 2." e m opos içáo co m Sóc rates; porque não su po rtava a sua pied ade. M as é sem pre o
3." em contradi çáo com CrislO: 4. 0 em complcIllC Ill..1 - ve lh o ho me m , a inda mai s covarde: e m vez da má cons-
ridade co m . .\ ria n<l . cf. a exposiçáo p recedente da fil o- ciê ncia d e u m De us mo rt o para cle, ex pe rimenta a má
sofia de Nie tzschc c , mais ad ian te , os textos. consci ê ncia de u m Deus mo rto po r ele; e m vez da
pi edad e vind a de Deus, co nhece a piedade "inda dos
Homens sujJrriores - São múlliplos, mas teste m u n ha m ho me ns, a piedade da po pulaça, ainda mai s insupo n .í-
um mesmo empree nd ime nt o: d e po is d a mo n c dc De us, vel. I~ cle que d irige a lita ni a d o Burro c suscita o falso
suhstit uir os va lo res d hi nos po r ",do rcs h u ma nos. El es «Sim ».
represe ntam, pois. o de\'ir d a cuIL ura. o u o es forço para 4." O h O/1/1'111 da sanguessuga: Quis substi tu ir os valores
pô r o homem no luga r d e De us. Como o princíp io d e divi nos. a re li gião c a té a moral, pelo co nh ecimento .
ava liação permanece o mesmo. C0 l11 0 a u-a nsI1Hil<lção O COH hccime nto deve ser cientifi co, exacto , incis ivo:
nào é feita. eles pene nce m pl enam e nte ao n iili smo c pOlH.:o im pona e ntão que o seu o bjeclO seja peq ueno
estão mais próxi mos d o bo bo de Za ra tusl.ra d o que d o ou g rande ; O co nh ecime nto exacto da mais pequena
pró p"io Za raUlstra. São "falh ados .. , .. im pc::rfe itos .. , e co isa substitui ". a nossa cre nça nos "grandes" va lores
não sabem rir. nem brin car ne m d a nçar. Na o rd e m vagos. Esta é a razão po r que um ho me m dâ o seu braço
lógica. a sua proc issão é a segu in te: à sa ng uessuga , e dá-se po r tarefa e po r ideal co nhece r
ulll a coisa peque níss ima: o cé rebro d a sanguessuga
1.° O último papa: Sabe que De us está mo rto. mas (se m rcmOlH.."lr às cauSas prim eiras). Mas o ho mem d a
ac redita q ue De us se asfi xio u a si mesmo, asfix io u-se d e sa ng uessuga não sabe que o conheci me nto é a p" ó pria
piedade, j á não poden do suporta r o se u am o r pelos sa nguessuga e q ue to ma o lugar da moral e da rel igião,
home ns. O último papa fi cou sem se nh o r c. con tudo, perseguindo o mesm o fim delas: fazer ulll a incisão na
não é livre, vive de le mbran ças. vida. Illutihu e julgar a vida.
9 o O d · . Re p rese n ta m o mov im e n tO d a 5. 0 O Mendigo vohm tário: Re nu ncio u ao próprio
_. s ou reIS:
«moralidade dos costum es», que se pm põe fonnar e co nhcc im e n lO. Ape nas acredita na felicid ade humana,
e rg.ue r. o homcm, fa zer um ho me m livre pe los me ios procura a fe li cidade na terra . Mas a felicidade humana.
m~ ls \f,olc l1los. mais constrangedo res. Assim , h ,i d o is po r mais simples qu e seja, não se enco ntra mesmo e mr~
re iS, um de csque rda para os mcios, um de di reita para a po pulaça, anim ad a pe lo ressentimento e pela ma
o fim . Mas, antes COmo d epois d il mo rte d e De us consc ii': ncia . A feli cidade humana só se en contrd entre
pa ra os mcios como para o fim , a pró pri a m o ralidad~ as vacas.
NIETZSCI-IE
441 OICIONÃRI O DOS I'RINCIPA1S PERSONAGENS... ! 45
6.0 O Encantador: o hom e m de má consciê nc ia. que se esta subordi nação. Poderíamos dize r prim eiro que
)erseguc tantO sob o re in ad o d e Deus co mo depois da Zar,Hllstra se malllém no «Nào,.. Sem dúvida, este Não
:110rlC de Deus. A l11<í consciência é esse ll cia lm e nte já não é o do niilismo: é o "Nào sagrado» do Leão. É a
comediante. exibicio nis ta. Ela dese mpe nh a LOdos os deslrui ção de todos os valores est3belecidos, divinos e
papéis, mesmo o do ateu , I1'I csn~o o do poeta. m~s1l1 0 ~ hum a nos, que compunham precisame nte o niilismo.
de Ari ana. Mas mente c recrimma se mpre. Ao dIzer «c É O ... Nilo» tra ns-ni il ista, ine ren te à transmutação. Tam-
o meu e rro", ela que r suscitar a piedad e. inspira r a bém Za ratuslra parece te r acabado a sua tarefa ao
própria cul pabilidade àqueles que são rones. enve rgo- mergu lhar as suas mãos na juba do Leão. Mas, na
nh ar tudo o que é vivo. propagar o se I! veneno. «A lua verdade, Zara lustra nào permanece no Não, mesmo
queixa conté m uma a rm ~dil h a! .. sagrado e tnmsmUla ntc. Participa plenam ente da afi r·
7. ° A Sombm viaja" lP'. E a acLivid ade da cultu ra que, maçáo dioni síaca, e le é já a ideia desta afinnação, a
por toda a pane. procurou realizar o se u fim (o homem ide ia d e Dioniso. Da mesma maneira que Dioniso ceie·
livre , seleccionado e co nslruído): sob o reino de De us, bra os es po nsais co m Ariana no ele rn o ReLomo,
depois da morte de Deus, no con hecimen to, na rcl ici da- Zar3tustra e ncon tra a sua noiVoI no e terno Retorno. Da
de, e l C. Ela falhou o seu fim em toda a pa n e, po rque mesma ma neira que Dioniso é o pai do Sllper· Homem,
este fim é també m uma Sombra. Este fim . O Ho mem Z<lra tuSl.ra cha ma fi lho ao Super-Homem. No entanto,
supe rior, é ele mesmo fal hado, impe rfcilO. É a Sombra Zaratllslra é ultrapassado peJos seus próprios filhos; e
de Zaratustra, nada mai s do que a sua sombn!., que o ele não passa de pre tendente , não é o c lemen to consti-
segue por toda a pa rte, mas desa pa"cce n(!.s duas ho ras luin te do anel do eterno RelOrno. Produz menos o
importallles da Transmutação , Meia·No ite e ~ l eio.O i a. Supe r. J-Jolllem do que assegura esta produção no
8.<:> O Adivinho: Diz "' ludo é vão». An un cia o lí lti mo ho mc m, criando tod as as condições nas quais o home m
eSládio do niilismo: o momenlO em que o homem, se uhra passa e nas quais o Leão se tom a Criança.
te ndo medido a fragilidade do se u esforço para subsli-
tuir Deus, prefe ri rá já não que rer lu do, d e pre fe l-ê ncia
a que rer o nada. O adi vinh o anun cia, pois, o li /limo
homem. Prdigu rando o fim do niilismo, e le va i j á mais
longe do que os homens supe riores. Mas o que lh e
esca pa é aqui lo que está ainda alé m do ültim o ho me m:
o Iw mem qUI! quer morrer, o homem que que r ° se u
próprio declínio. Com este, o ni ilismo culmina real-
me nte, é vencido por si mesmo: a transmutação e o
super-homem estão próximos.

Zaratuslra (e o Leão) - ZaralUstra nào é Dioniso , mas


apenas o seu profeta. Há duas maneiras de exprimir
A OBRA

1872: A Origem da Traghlia. - ] 873: C,QllsüleraçÕis


InlemjJesliuff.l. I, «David Strauss», - 1874: Ibid. , 11, Utilida-
dl' e / 11(011111'11;1'1111' dos Estudos Históricos; 111 , Schopenlwuer
Eduwdor. - 1876: Ihid., IV, RidwnJ \Vaguer em BaJTt'uth,
- 1878. l-Iu II/a l/o, demasiado h1WW1IO - 1879: O Viaj ante e
(l s lla Sombra. - 1881: AIlI'O,.( I . - 1882: A Gaia Ciênria, l-IV.

- 1883: Assim Falm/ll ulmlllstra, I, 11. - 1884: Ibit/" 111 .


- 1885: Iviil., TV. - 1886: Para além do Bem e do M al.
- 1887: Genealogia do Moral; A Gaia Ciência, V. - 1888: O
Caso WflglU"~' O Crepúsculo dos id%s; O AlItiaúlo; N ielue/le
contra Waglll'Y; t 'CCI' NQmo. (Destas cinco obras, só O Caso
Wflb11l er fo i publi cado po r Nic L7,.Sche , antes da sua doen-
ça .)

A o bra de Nicl7sche com pree nde ainda es tudos


filo ló gicos. confe rê ncias e cursos, poe mas, com posições
musicais c sobre tudo lim a grande número de no tas (de
e lllre as quais é eX Lra ída A VOlitllde de Poder).
As principais ed ições de conjunto são: a do NiclZschc-
Arch iv ( 19 vo lumes , Leipzig, 1895- 1913); a .. Musarion
Ausgabc» (23 \'ols. , Munique, 1922·1929); a de Schlecllla
(3 "o is. , Mun ique, 1954) .
48 I ~[ETZSCIIE
A OBRA
I 49
Estas ed içõ es não responde m completa mcntc às cxi· jllntamos-Ihcs: A \fon lode de p,_J_ ( l d Ge ..
gênc ias críticas norma is. Foi d c acord o co m os traba· . . . ! ~ . u«" . ra . nevleve
Blanquls, NRF ); O Nascmumto da Filoso'la na Éluv I
lhos d e Coll i e Montinari que a NRF c mprt'c nde tl a l -rage(-/I(l
. G 'J' r""o lO
rega (tmd. Cenevievc Bianquis, 1 RF); Os Poe.
publi cação das ob ras fi losó fi cas c omp le ta~. Ol'llvresr mas (lrad. Hen ri Albe n ' Me rcure', lrad . R'b I emOll t-
philo.rophiqlleJ compleles. Fmf:,"'II(!tI /~ poslh llmcs. Editi o n cri-
Oessa ig nes, Le Scuil ).
tiq ue é tablie pa r G. Colli c t M. ~lol1tin ari . 14 volumes.
E A vida lie Niet.z.sche segundo a slla Correspondência
I)<tris, Ga llimard. 1977 ].
(Ceorges Walz, Ri eder); Ca'rlas Escolhidas (Alexand re
O problema é o do papel da irmã. A sua intc n:C:! nção
'.'iala tle , NRF); Cartas a Peler Gast (André Schae Ffne r,
foi completa no Nie llSc he-Archiv. Mas 131\'cl: seja neces-
Ed. d u Ro cher); Nil'lzs~"e perante os seus ContemjJorlÍruos
sário disti ng uir vá ri as q ucstões - qu e Sc hl cc hta . nas
(Ge ncviêve Bi an quis, Ed. du Rocher).
polêmi cas, tcm tend ência para mistu rar.
1." l-lo uve falsificaçõcs? - Mais depressa tCI"í havido
más leitu ras c d eslocame n tos de tex tOs nas o bras de •**
1888.
2.° A qu estão de.A Vontade de Poder- Sa bc-sc que não Nota: principais ed ições di spo níveis em português
é um li vro de Niet7...'iche. Nas no tas d os a ll 0S 80. e ncon- (editores e títulos):
tram-se ce rca de 400 passagens, num era das e re pa rtidas
em quatro g rupos. Mas um gran de núme ro d e planos - EDIÇÕES 70: O Anficrislo. A Filosofia lia Idade Trágica
diversos datam desta é poca. A \lO/l /mie d,. Poder fo i com- dos Gregos. Crepúsculo dos ídolos.
pos ta com estas 400 no tas, com OUlrtlS d e é pocas dife- - C U I ~IAR';'E.S EOITORES: O AlIlicriSlo. Assim falava

rentes e segun do um pla no d e 1887. Se ria muito impor- ~lmtllslm. Correspondência com Wagner. Crepúsrulo c/os
tante que lodos os planos fossem publi cados. E, sobre- Idol05. Difirambos c/e Dionisos. Eca 1-/01110. A Gaia Cir"cia. A
tu~lo: q ue. ? COI-UUIltO das 1l00as fosse objecto d e uma Gfllealogill da Moral. A Origem da Tragédia. Para além do
ed lçao cn ll GI e crono lógiG\ rigorosa ; não é o caso da &11/ e Mal. Páginos de Aulobiografia.
edi ção de Sch lech la. - R t-: LÓCIO D'ÁGUA: Obras escolhida.i de Nietzsche: I. O
3." A questão do co njunto das no tas _ Sc h lecht.a Nascimenlo da Tragédia e Acerco do l~dade e da Me'lIira;
pe n s~. qu: as "pósl umas". n ão trazem n ~ld a de esse ncia l 11 . I-Iu.mano Dema.iiado I-Iumano; IH. A Gaia Ciência.;
~lIe Ja nao esteja nas obras publ icad as pOI' Nieu--sche. IV. Assim falava Zaralmlra; V. Para além do Bem e do Mal;
ral ponto d e vista põe em causa a interpretação da VI. Pa m a Genealogia da M oral; V11. Anticrislo, Eca l'{omo,
fil osofia de Nie t7.sche. Niet.z.sche contra. Wagner:

_ Os prin.cipais tradutores de Nietzsche pa ra francês Um a sclccção de Poemas de Nietzsche foi traduzida ,


. : Hen
sao . n Alben (Mere ure d e F' ran ce); Gen c"levc
.. prefaciada e anotada por Paulo Quinrela, sucessivamen-
BmnqUls (N RF e Aubier) ; Ale xandre Vialatte (N RF). te editada (Po rto, 1960; 2." ed. re\'., Coimbra, 198 1;
To~as as obras ci tadas no princípio desta bibli ografia 3.~ ed. re"., 1986), e integrada nas Obras Completas d e
estao traduzidas. Pa ulo Quintela (Lisboa, Gulbenkian, 1996-2001 ).
EXTRACTOS

De cael" vez. que co rtamos um texto de Nietzsche. os


pontos de suspensão são postos entre parênteses rceLaS.
De Glda vez qlle citam os um texto retirado d ,L'; notas, a
referência é preced ida por um asterisco.

A) O que é um filósofo ?

•... agir dé lima mancim intc mpcs t i\~".


quer d izer, contra o (c mpo, e assim
sobre o tempo, em f,\\'or (espcro-o) d e
11111 tempo que est:\ p;lra vir._ (Co,uid,.
ra(~5 Intel1!ptstitlfl.)".)

I. O filósofo masCllrado

o espírito fil osó fi co leve sempre de começa r por se


travestir e por se mascarar tomando os tipos do homem
contemplativo precedentemente ! offllat/1JJ, seja os tipos do
sacerdo te, do adivinho. do ho me m religioso em geral,
para ser ape nas possível, de qualque r maneira que seja;
o ideal ascético se rviu duranle mUÍlo tem po ao fil ósofo
52 I NII:.IZSCIIt: F,xTRACl'OS
I 53
co mo 'I parê ncia exterior, C0l110 condição cl t, (·X ISlc n· como um sa lllO [ ... ]. Querer tomar a humanidade
cia _ era forçad o a rrpresrlltar este ideal par•• pode r «melh o r .> se ria a última coisa que eu prome te ria . Não
se r filóso fo. e ra o bri ga d o a a creditar n ele para c,ijo novos ídolos: que os antigos apre ndam . pois, o que
represen tá-lo. ESla a lillldc particula l' ao til ósolo. que o custa te r pés de barrol Dm-uhar ídolos - é assim que
ftl l. al~lsla r-se do Inundo . esm IlHlIlcira de se r q ue renega cha mo LOda a espécie de ideal - já é, de preferên cia. um
o mundo , que se mostra hoslil à vida. de se mido inc rê- assun LO me ti . Na m csma medida em q ue imaginámos,
dulo, auste ro, e que se mant e\'e até aos nosso<;; dias de po r Ille io de um a m c mira , o mundo ideal, re tirámos à
mane ira a passar pela aliflUJe fllosõflm por r.w elêuclfI - esta realid::ld c o scu \'a lo r, a sua signifi cação, a sua veracida-
atitude:: é a m es d e mais lima co nscqut:nc ia das condi- de ... O «mundo-\'cl'Clade .. e o «mundcraparên cia .. . tra·
ções fo rçadas, indispen sáveis par.. o nasci mento c para du /am : o mu ndo invnI/adoe a realidade ... A men tira do
o dese nvo lvim e nto da filosofia : porque . duralH{' m uito id ea l fo i até agora a maldição suspensa acima da reali·
tempo. a filosofia não Icria sido /JOSsílltl li, /0""/(1 fllg'uma d adc. A própria humanidade, à força de se penetrar
se m uma máscara c um tra"csti mc nlo ascético , se m com est..1. m c ntira , fo i vio lada e fal sifi cada até nos seus
um mal-elllc ndi do ascé tico. Para exprimir-me de uma instin lOs mais profu ndos. a té à ado l~dção dos valo res
mane int mais conc rel..1 e que s<l lta aos o lh os: o sace r- O p O~LOs aos que gara ntiriam o desenvolvimento. o ftUU-
dote ascé tico mostrou-se a té aos n ossos dias sob a 1'0. o dire iLO supremo ao futuro.
lo rma mais repug nante e mais tenebrosa. a da laga rta. Aque le qu e sabe respirar a atmosfera dos meus escri-
a única que d ii ao filósofo o dire ito d e levar a sua 105 sabe que é uma atmosfera das alturas, que o ar aí
exislê ncia tãSlcja llle ... ru coisas mudamm verd'ldeir.l- é fo rte . É preci so sc r criado para esta atmosfera.
mente ? Este inscclo peligoso alado CO Ill mil cores, .. o d e o utra forma arnsca mo-nos a apanhar frio. O gelo
espírito " que e nvolvia o casulo, põdc a fina l. graças a um está pe n o. a solidão é e norme - mas vejam com
mundo mais e nsolarado, mais quelllc C mai o; claro. que trallquilidade tudo repousa na luz! Vejam como
°
lançar se u espó lio pam lan çar-se na lu!.? Já existe hoje se respira livre me me! Quanta coisa sentimos abaixo
bastante a ltivez, audácia, bravura, conscii: ncia de si. de nós! A fil osofi a tal como a vivi , tal como a compre--
vontade de espíriLo, desejo do respon sabilid;ule. fivrt- e ndi até ao prese nte , é a ex istê ncia volumária no
arbítrio sobre a tcrrd para que d oraV"d ntc o .. fil ósofo - sej a meio dos gelos e das all..'lS mo ntanhas, a pesquisa de
possível ? tudo o que é estranho e problemático na vida, de nldo
(Gmpu logia rllI Moml. 111 . 10, o <Iu c , até ao prese nte . foi banido pel~ moral. Uma
tmd. Hcnri Albert . Mcrcurc de Fmnce.) lo nga experiê ncia , que possuo desta \'1agero dentro
de tudo o que é interdito. ensinou-me a olhar, de lima
m a ne ira dife re nte da que seria desejável, as causas
2. O filósofo crilico que até agora levaram a moralizar e a idealil.ar. A
histó ria secreta da filosofia , a psicologia dos grandes
. Sou um discípulo do filósofo Dioniso; preferiria nOmes que a ilustram, revelardm-se a mim . O grdu de
amda ser considerado mais como um sátiro do que verdade que um espírito suporto, a dose de verdade que
54 I :\IErt.sCII E I::XTRACTOS
I 55
um CS p lfllO pode ollsar. fo i o que Ille ~t.'r\'ill cada Vel. ma lll a huma na coisa pública, uns s.i.o de ouro, Outros
ma is p<tra dar a ve rdad eira medida do va lor. O c rro de tombaquc C).
(q uer dizer. li fé no idea l) não ~ ;1 Ct:gucira: o erro é a O ra . co rno é que o fi lósofo o lha il cultura do nosso
c(JV(miiIJ ... Qualquer conquista. cada pa~o e m frente 110 tempo? Para dizer a verdade. sob um aspecto completa.
dom ín io do conhecimenlO (em a sua origem na co ra· IIl cnte direrente do daqueles professo res de filosofia
gemo na dureza face a si mesmo . N,i o refulo um ideal, qu e !<IC alegram com o seu estado. Q uase lhe parece
contcnlo-mc com p ôr 1\I\'as diant e dele ... Ntlimlll' i" pNcebe r uma de struição c uma se paração com pleta da
vetillllll , po r este sinal a minha filo\olia "erá um d ia cultu ra , quan d o e le pensa lia pn::cipi tação ge r,,\. na
vitoriosa. po rq ue a té "gora só se proibiu. por princíp io. acelc Il,ção destc movimen to de qut d a, na im possibili·
a verdade. dade d e qualqucr \'ida contcmplativa e de qualquer
(Eca 1101/10• .. r'rcr<icio ... 2-3. sim plicidade. As .íguas da religião escoam--sc c deixam
I"IC\. I-I cnri Albcn. ~lcl cure de F' ,lIIce.) :lIní... de:: si pál11;lI'IOS o u charcos: as naçõcs separam·se de
novo. co mb'l tcm·sc umas âs Outras e procUl<nll destruir·
·~e entre si. As ciências, praticadas se m qualq uer medi·
3. O filósofo illlemjJt'sIivo da c no m ais co mpleto desleixo. dispersam·se e dissol·
vem toda a cO llvi cção sólida: as classes e as sociedades
Apt:rcebclllos aqu i a cO ll se<lut:ncia dc . . L..'l dOUlrina. cu ltivadas s.io <IITd.'\lad(\$ numa gra ndi osa e desprc/.alllc
pregada ain da r cccn l CIllCIllC ~obrc o~ telhad o." (' que cxploraç{1O finan ceira. Nun ca o mundo foi tanto o
co nsiste e m afirmar q ue O Estado é o fim !> upre mo da mu ndo. nllnca fo i tào pobre em amor c cm dons
huma nid ad e e que. pa ra o hu mc m . n:·lo exiMe fim preciosos. As prolissões sábias não passam de ra ró is c
supe rior ao de sen il' o ESlad o: no que cu nào rceonhe· asilos. no m eio de toda esta inquielllde frívola ; os seus
ço um retorno ao pag-dnismo. filas à panoíce. Pode representantes IOrna m-se eles próprios cada vcz mais
acontcccr que lal homem , que vê <10 ~eniço do E~lado inquietos, lendo colda vez me nos pe nsa mentos. menos
o seu dever su pre mo. mio saiba quai s il:10 os de"eres a mor. Tudo se põe ao serviço da barbárie que vem , a
supremos. Isso l1.i o impedc quc h ~ia ainda do outro arte ac tual c :t c iência acLua l mio são exce pção.
lado ho mens e dcve rcs. e um d esses dL'\·cres. qu e . pdo O ho mem cullivado é dcgcner.tdo ao ponto de se te r
menos para mim, aparece corno superior ao seniço do tornado no pior inimigo da cu ltur.t. porque quer nega r
Estado, incita a d estruir a parvoícc sob LOdas as suas a doen ç'l gera l c é um obstáculo par.t os médicos. Eles
~ormas. mesmo sob a forma (I UC ela aqui toma . Ê por e ncolel-iz.am.se. os pobres tipos en rr.tquec idos, quando
ISSO que aClualmente me ocupo de unta espécie d e se fal a d as suas rmqllczas e quando se combate o ~ell
hom em ClUa teleologia conduz um pouco mai .. ;:lIto d o pcrigoso espíri to m e ntiroso. Desejariam razer aC I~edltar
qu e O bem d e um Estado, com os fi lóso fos c co m estes que conscguiram lc::\~ar a melhor sobre todos os sec ll los.
apenas rdativamente a um d omíni o basulIHc indepc n.
d Cllle do bem do Estado, o da cuhUl<l. Entre os nume-- . . d usad·, 110
(') Lig;' de lim;u c cobre. com a ""arenel" e ouro. .
rosas anéis que. passad os uns através d os o utros , fo r. fab l'ico de jôias fals.as. (NR.)
56 I NIETZSCII F. EXTItACTOS
I 57
e as suas diligências são animadas de um a a legria artifi· 4. O fllôsofo, fisiólogo e médico
cial [ ... ].
No e ntanto, se nos arriscilmos a ser acusados de Estamos na fase cm que o ctmsciente se toma modt!$/o.
parcial idade qua ndo sali c lHamos ~Ipcnas a fraqueta do Em última ~m á l ise. não compreendemos o próprio e u
d ese nho c a falta d e co lo rido na imagem da vida con sc ien te senão como um in strum ento ao se rviço des-
moderna. o segundo aspecto não lem, con tudo. nada le in telecto supcrior, que vê ludo em conju nto : e pode-
mais sat isfatório c aparece aind a sob uma forma mais mos pergllnl a r a nós própri os se todo o quereTconscic n-
inquiclallte. Existe m CCrl as forças, forças fonnid;h'c is. te . LOdo o fim consciente. todo O juízo de valor nào se riam
mas selvagens e impulsivas, forças completamente impie- sim ples mei os deslin ados a atingir qualque r coisa de
dosas. Obsen~<lIno-l as com lima expeclauva inquieta. essen cialme n te d iferente daquilo que nos apa recia à luz
com o mesmo olha r com q ue ol haría mos ~I ca lde ira de da co nsciê ncia. J ulgamos que se trata do 110SS0 pnl.zer ou
lima cozinh a inferna l: em qualquer mo memo. podem da nossa d o r. mas o prazer c a dor poderiam se r meios
pro duzir-se ebuli ções c ex pl osões. anu nciand o terrí\'e is graças aos qua is dc\'eríamos r(!alixaroperações estranhas
cataclismos. Desde há UIll séc ul o qu e eSlam O!l prepara- à nossa co nsciê ncia. Será preciso demonstrar até que
dos para comoções fundam en tais. Se. nestes últi mos pOIlLO tudo o que é conscie nte permanece superficial,
tcmpos, se lelllOU opor a estas lendências explosivas alé que pOll1 0 a acção difere da imagem da acção, como
profundamenLe mode rn as a força cons Lilllti\~d do Esta- sabemos po uco daquilo que precede a acção; como sào
do pre te nsamenlc nacional, este nào dcixa de consti- quiméri cas as nossas in tuições de uma ..vontade livre-,
lu ir, e por muito I,em po, um ali me ntO do pe ri go uni\'er- de O(causa c e fe itO»; de que modo os pe nsamcmos, as
sal e da ameaça que pes'l sobre <lS nossas ca be(as (17). imagc ns e as palavras não passam de símbolos dos
Nào nos deixamos induzir e m C ITO pelo facto de os pe ns,a me ntos, a té que ponto qualque r acção é impene-
indivíduos se com portare m co mo se n ada soubesse m de tnívcl : e m que medida o dogio e a censura permane-
todas estas preocupa(ões. A sua inqui c ludc m O~tra quan- cem superfic iais; co mo a nossa vida consciente se passa
to eles estão informados a este respeito; pe ns;:lI11 neles esse ncialme nte nu m mundo da nossa invt1lção e da
próprios com uma precipitação e um exclusivismo que nossa imllgitwçâo; como é que só fa lamos das nossas
nunca se e ncontraram até agora ; co nstroe m e plantam in\'e nções (das nossas e moções mesmo) e como é que a
para si apenas e para um só dia ; a caça à feli cidade coeSflO da humanidade assenta sobre a transmissão destas
nunca é l.ào gra nde senão quando deve scr feit:1 hoje c inve nções - e nquanto. no fundo, a foesão verdadeird
amanhã; porque, depois dc amanhã , a caça poderá já (pela reprodução) prossegue o seu caminho desconhe-
talvez estar rechada. Vivemos na é poca dos álo mos c do cido . [ ... l .
caos atómico. Para resumir, trata-se talvez unicamente do corpo em
(Considn'afiN.j /lwctuais. SchatN'nhClIln' EdllcadoT. 4. todo o dese nvolvimelllo do espírito: este desem'olvi-
trdd. Henri Alberl. Mercure de France.) me nto consistiria em tomar-nos sensí~1 aformação de um
corpo superior. O org-dnico pode ainda elevar-se a ~us
(17) A lr.ldução do começo da frase está um pouco modificada. supc li o res. A nossa a\.jdez de conhecer a natureza e um
58
N IETZSCIIF EXTRACTOS
I ~9
. para o corl>o se "' I)crfciçoar. 011 de pl. (.'fcrênc ia.
m eIo mes ma estu p c raqào pela possibilidade de vida que
,lalemos eX.1)e r,·c·" ' c,·<·,",,", I)el as centenas de _
milhar.. para sonbe d escobrir pa ra si só: quero d izer, os pe nsadores
modifi car a a limcntaçflo. a habitação. o genelo de v. da que viveram na é poca ma is \'igorosa e mais recunda da
do C0I1J{): a con sciência c os juí/os d e va lor que lc~,<, Grécia. n o sécu lo q ue precedeu as gue rras rnedas c
consigo. todas as ,'a riedadcs do pra.~cr . c d:'
d~r ,<;ao d urantc estas guel"l-as. Porque estes pensadores foram
indícios dfSlrU IIllldallçw t (/('SI05 fxpenrllfUls. Em ullll'na alé e llco n trar belas /Jossibilidadl'-s dI' vidiJ; o ra, parece-me
amílise. IltiO; o hOIl/'I1I. deforma fllg'umfl, q/li' t'.l/ti rm ((I /lSO; que os Gregos. ult e rio rmente, esqueceram a sua melho r
1'11' ; aquilo quI' dt!lJl' ser lIf1rapa.~s(ldo. pan e: e que po\'o poderia p retende r que a encontrou
(. 1883. t\ 1'01/ I(ld,. de PlXlrr. 11 . 26 I . outra \'o? I···]·
tr-::u l. Gene' iê\c ni .III (IUi ~. NRF.) Ê. dil1cil para n ós p ressentir, segundo a nossa nature-
za c:: a nossa ex peri ê ncia, qu al pôde te r sido a tarefa d os
fil ósofos. n o im erio r de uma civili7.<tção 'llltêntica e que
5. O filósofo, il/l'nllor de /JOssibilida(/rs lir 111l1" po s~ttía ulll a fo n e unidade de estilo: po rque I\,io possu-
ímos uma ôvilil.ação desta espécie. Pelo coll lr.írio. só
Há vidas em que as dificuldad es lOcam o prodígio; lInl a ci\'i li 7ação co mo a civi lização gregoJ. pode re\'ehlr
sào as vidas dos pe nsadores. E é prccbo o ll\ ir aquilo que q ual é a tarefa d o fi lósofo: só ela, co mo d isse, pode
nos contam a se u respeito. po r<luc dc~cob rimo.. aí jus tific;,r a filosofia. porq ue só ela sabe e pode prova r
possibilidlUles de uh/ti Cl~a simples narraçáo j ;:í no~ dá porque e como o fil ósofo não é um \'h~alHe qualquer.
alegria c rorça c:: lança um a lu /. sobre a vida dos ...e us aparec ido p o r acaso e q ue surge inopinadameme aqu i
sucessores. Há aí tanta im'cnç:io. reflexão. auchicia, c ali . !-lá uma le i de bronze que e ncadeia o fi lósofo a
desesp ero e esperança como nas \'i3ge ll s do ... g ra ndes uma civil il ação autêntica. mas que aco ntece quando
navcgadores; c, para fa lar verdade. sào també m \'iagens est.a civililaçfto comete erros? O fi lósofo pa rece-se elllão
de explo"IÇão nos dom ínios ma is recuado, c ma is co m u m come ta im previsívct e. por esta razão. alelTJ-
peri gosos d a vida . O q ue estas vi d ~ tê m de :'lIrprec:: n- dor. enqualllo numa h ipótese mais favorá"e1 c1e bril ha
den te é que dois insti n tos inimi go». que puxam e m como um a.'ilro de p limeira gnmdeza no sistema solar
sClllidos opostos, pareccm ser oh rigados aí LI cam in h ar d esta civili zação. Os G regos justili carn a existência do
sob o mesmo j ugo; o insti n to Cj llC tende pa ..t o conhe- fil ósofo pelo facto de que só e nt re eles ele nào está no
cimc nlo é constrangido, sem par,u , a abandonar o Ch{IO estado de come La.
em q ue o h o me m te m o costu mc d e viver e a lançar-se (* 1875 . • A Filosofia na Época da 'liõlgédill Cr~ga ~.
no incerto e o insLin to q ue quer a vida \'f.--SC forçado .ít lrad . Gcnt:vic\'c Bianquis, in O Nasriwnlo da fifOSQfia. NRF).
p rocu rar, se lll pa rar, às apa lpad e las. um no\'o IUbra r
onde se estabelecer [ ... ].
Assim não posso cansar-me de evocar pelos o lhos da
.lIma uma sér ie de pe nsad o res em q u e cada u m leva e m
si esta particula ridad e in con ce bí\'cl e despe rta esta
EXTRACfOS
601 NIET!.SCHE
I 61

6. O filósofo fegiJlador que diri~fm p legislam . Eles .di ze m: «Aqui está o que deve
se r!" S~o eles q ue dete n.n ll~am o selllido e o porquê da
Su pl ico q ue se aca be, de vez, de confund ir os operá- evoluçao hu mana , e <lIspoem para isso do trabalho
rios da fi losofia e. de uma ma neira gera l. os homens de preparatório de tOdos os operários da fi losofia, de todos
ciê ncia com os filóso fos. Justame n te neste domínio é os q uc liqu idaram o passado; estendem mãos criadoras
importalllc q ue seja dado «a C<lda um o devido », c nào para o fultlm. e para es ta ta refa tudo o que existi u serve.
m uito a um e de masiad o pouco ..I outro. Pod e se r ·Ihes de meio. de utensíli o, de martelo. Par.. eles, «conhe-
necessário panl a educaç.ão do verda deiro fil ósofo Le r cim e nto» é oiaçâo, a S U<l obra consiste em legisla r, a sua
cle própri o passado por lodos os esuídi os em que von tad e de ve rdade é vonlade de poder.. Existe m hoje em
par.aram ou tiveram nccessaria lllc lllc de parar os seus d ia fil ósofos assim ? Já algum a vez ho uve filósofos assim?
colaboradores subalternos, os opcrâ rios científi cos da Não scní prec iso que existam um dia?
filosofi a. Ta lvez lhe seja preciso ser cle mesmo crítico e ( Para ali m do Bem ~ do Mal, VI . 211 ,
céplico, dogmático e historiado r c, por acréscimo, po. trad. Gcnc"ie"c Bianquis, Allbicr).
CL'l e co leccionador, \riajante c d ccifl<\dor de e ni gmas.
mora lista e vidente, "cs píril o li vre .. e quase tudo no
mundo, a fi m de perco rrer o ciclo in te iro do~ va lores e
B) Dioniso filósofo
dos j uízos hum anos e (cr co nsti wído para !'l i toda uma
variedade de olhos e de co nsc iê ncias para ex plorar do
alto dos cumes todos os horizontes I ngínq uos. do
.. o herói é ul'K". aqui est.i o que eSC;l-
pou ;u ê agora aos aUlores da tragédia .•
fundo do abismo lodos os cumes, de um ca lHO estre ito (· 1882)
todos os espaços. ~'I as essas são ape nas as co ndições
prévias da sua tarefa: esta mes ma tarera ex ige OUlra
coisa; exige dcle que crie valores. Os operários da filoso- 7. Dioniso e Apolo: a S ilO conciliação (o trágico)
fia, do ti po nobre de Kant e de Hegel, ter..io de avcl; ·
gua r e dc fo rmular uma massa enorme de juízos de Teremos fe ito um progresso decisivo em estética
va~or~ quer dizer, a núgas fixa ções d e va lo res. amigas qua ndo úvenn os compree ndido, não como uma \1são
cnaçoes de valores que se lOm aram p repondera ntes e da razão mas co m a ce rteza imediata da intuição, que a
foram char;~das ve rdades no do mín io q ue r da lógica. cvolu ção d a a rte está ligada ao dualismo do apolinismo e
quer da POltllCll (ou da mo ral ) q uer d a es/rtiw. Pe rtence- do diollisismo, como a geração está ligada ã dualidade
r..i a eSI~~ pensadores torn ar cla ro , pe nsáve l, ap rcel1 sí\'el dos sexos, à sua luta contín ua. cortada por acordos
e maneJavel todo O conj unto dos acontecim entos e dos prO\'isó ri os. Fo mos bu scar estes dois termos aos Gregos;
ju.ízos ante ri ores, da r um resu mo do p ró prio «te m po» e compree nde ndo-os bem, eles exprimem, não em con-
tnunfar sobre o passado; tarera im ensa c maravi lhosa ceitos mas nas fo rmas distintivas e convincentes das
que poderá satisfazer os o rgulhos m ais de licados as divindades gregas, as ve rdades secretas e profundas da
vontades mais [en'zes Mas os verdi
<I •
' fil
III elrOS '
1 0$0/0$ são' os sua cre nça esté tica. As duas divi ndades protecto ras da
NIEí/.5Cln:
62 I EXTRACfOS
I 63
lo e Dioniso , sugerem-nos que no mundo mc nt e um sonho, quer diz.er dc natu,C" ..
arte, A po . . . .. . .' la eplca, mas
grego existe um co ntraste prodigiOSO, lia ~ n gc m c nos (lHe , pOI outlO_ lado, ao ob;)1ccuvar um eSlad o d"10nISlaCO,
".
fins. Cf1{rc a arte do escultor, ou arlC apohnea , c a arte representa nao • a. rede nção apolínea I,e la aparencla ."
não escuhllral da mÍlsica, a de Oi oni$O. Estes dois m~s: pelo cOlllrano: o n~llfrdgi o e a sua absorção no Ser
instintos tão diferclllcS ca minham lad o a lad o. o mais o n~lIlal. ? (~ I:"ml c, pOI S, a representação de noções e de
das veles em est.1.do de con ni lO aberto. exci tando.se acçoes. dl~I1IS l aCas . [ ... ~. Os fcnômenos apolíneos em
Illutuamente a fazer criaçõcs 110\'<15 e mais "igorosas, a <lHe DI0l1lS0 se _ obJectt\'a já não são "um mar elemo,
fim de perpewar entre eles o co nnito d os co ntrálios uma oncl ulaçao movc nte , um a vida ardente .. , como a
que recobre em aparên cia apenas o nome de (l"/~ que rnüsi c~ d o coro. Já não sào essas forças apenas se ntidas,
lhes é co mum : até que. por fim . por um milagre mas nao co nde nsadas em imagens, e m que o servidor
metafísico do .. querer .. helê ni co. aparece m unidos, C de Dioni so ex tasiado sentc a aproximação do deus.
nesta união acabam por enge ndrar a o bra de anc ao Agor... Di oniso fa la, sobre o palco. com toda a precisão
mesmo tempo dion isíaca e apo lín ea. a tragédi'l ohica. c firm e/A da forma é pi ca, já não por intermédio de
Para represe ntar mais prCC iS;lIl1 Cntc e" tc-, d o i., instin- fo rçíls obscuras. mas co mo herói é pico e num a lingua-
tos, imagincmo-Ios, primciro. como a.., duas regiões gem quase homéli ca .
estéticas sepamdas do sonho e da embringllr-. cujas mani- ( O NascimCilO da TragMia, I e 8.
fesu'lções fisiológicas oferecem o mesma contraslC:" <Iue o muI. de Gcnevic\'c Bianquis. NRF.)
"políneo e o dionisíaco [ ... ] (111).
Falta-nos compreend er qu e a u-agédia é o coro
dioni síaco que se distendc, proj cc tand o fora dcle um 8. Dioniso e Sócrates: (l slla oposição (o dialictica)
mundo de imagens apolíneas. As panes do coro inter-
caladas na tr.:lgédia são, poi s, num senlido. a Ill<lUÜ de A c ha\'e da a lma d e Sócrales é-nos oferecida nesse
todo O diálogo, quer diz.er, de IOdo o e1cmento cênico fe nó meno estra nho que cle chamava o seu demônio.
do drdllla propriamente dito. No d ecur~o de v'.irias Em cc n3S ci rcunstâncias, quando a sua nlzão prodi-
explosões sucessivas, o fundo plimili\'o da lragêdi:1 pro- gios'l hesi tava . e le rcc nconlr.tví:l a sua segunlllça gm-
duz por irradiação esta visão dralll á tic~1 que é ('lJsc ncial· (as ã \'07 di\'ina que e ntão lh e falava. f.sla Voz, quando
se faz ouvi r, acl"c rte-o sempre pam se abster de cenos
<tCtos. Nesta nalurC7.a anormal. a sabedoria instintiva
(11) Não podcmos ci lar a dcst'l1\oh'imt'nIO dcst e lema. Nit't/.sche só se manifes ta pam se opor de tempos a lempos
caraCICI'ila A()Ola pclo son ho: a profecia como \crdade do sonho: ao co nhec imento consciente . Enquanto em todos os
a medida CO IIU'. lil~ itc do sonho; c a ptincipia de indi\'iduação
COIll~ bela llparenCla. C..tr.lctcriza Di o ni~o pela "' lIlbriaguCI: :t des-
ho mens produti\'os o instinto é uma força afirmativa c
~lCd. ldll. c?mo \'e rdadc da e lllb~;~guc1.: a resoluç.io ou ;I di"SOlu('Ão criadora. e a consciência uma força crítica e negativa,
N~ l.n.d'\ldl~O num Fundo ongmal . Na -.cquência da sua obra, em Sócrates o instimo toma-se crítico e a consciência
IC~:f..sche c?conlrará outros "'Iças para dclini r Di on i~ o (mas,
cntao ') defim -lo-a' em .unçao
r; - d c Outros personagens pai'::. além de criadora - é uma verdadeira monstruosidade por carên·
AI
poo" cia [, .,1.
64 I f..XTRACTOS I 65
Sócrates o he rói di aléClico do dram a pla tó ni co. grandes inovadores são todos, se m excepção, doentes e
Ic mbra-nOS'Q tempenunento do herói curipidiano que epilt:pti cos) : mas isso nào consiste e m o mitir um certo
se j ulg-a obrigad o a defend e r os s,e us aelOS po r motivos tipo d e homem reli gioso, o lipo pagãt? Não é o cu lto
e co nt ra-mo tivos, sob O risco, mUlI,IS \'C7<:5, de perd e r ti pagào uma fonna d e reconh ecimento para com a vida.
lI ossa simpatia migica. Po is. co mo csclueccr O (llI e há d e d a afirmaçào da \'ida? O seu represe ntantc su premo
o/JlimismQ na d ia léctica, pela qual : ad" lima d~s suas não d everia se r, na sua própria pessoa, a apologia c a
conclusões é um triunfo c que 50 P O(\(: rcspll-ar na divi niLação da \~ da ? O tipo de um espírito feli zmellle
cla ridade frü, da consciê ncia? Te ndo este o pLimis mo desenvolvido c es travazand o num êxtase de aleglia! Um
pe ne irado na uagédia . de"ia, faLa lm e nle . imw ddir as suas espíri lO que absorve e m si e resgata as contradições e os
zo nas di o nisíacas e leVei-Ias a destruir-se a si p ró prias. até eq uívocos d a vida!
ao pe rigoso salto final que culmina n o drama burguês. É aqui que eu coloc<u-ia o ideal diollisiaco dos Gregos:
Pe nsc mos nas cOll scquê ncias das Ol:iximas ~ocniLialS: a afirmação religiosa da \~da no seu todo, dc CJue não se
<tA vinude é um saber: só p CC~lIllOS por ignorância; o nega nada. d e CJu e nada se cort.... (notar que o acto
homem vinuoso é feli "." ESla~ três formas esscncia is do sex ual acompa nha-se aí de profundidade, de mistério.
o pti misrno são a morte da Lr.lgédia . Po rCJu c , doravalllc, de respe ito).
será preciso CJue exista e ntre a virlLlde c o saber. a Di o niso contra o .. Crucificado .. : aq ui está o con-
cre nça e a moral, um laço necessário e 'vide nte ; traste, A difere nça e nlre e les não ê a do seu manírio.
doravante. a justiça transce nde n tal d e ÉS<lu il o red uzir- Illas este martírio te m semidos dife ren tes. No prime iro
-se-á a uma _justiça poética " lisa e impenin ente. ladeada caso , é a pró pria vida , a sua eterna fecu ndidade e o se u
pelo seu ha bitual deus ex machi"a [ ... ] . e tCI'IlO retorno que são causa do to rmento, da destrui-
Annado com o chicote dos seus silogismos. a d ia léClica ção, d::1 vontade d o nada. No o utro caso, o sofrimento,
o ptimisla ex pulsa a música d a tragédi a , qu er dize r, o .. Cruci fi cado in ocente » testemu nham contra a vida,
destró i a essência da tragédia. ( IU C só se co mp reende se conde na m-na. Adi\~nha-se que o problema que se põe
for uma manifestação e um a represe11lação simbó li cas é O do se ntido da vida: um sentido cristão ou um
de estados d ionisíacos, ulll a e nca maç;10 \'isível da músi- se nlido tníg ico? No primeiro caso, ela deve ser o ca m.i-
ca, o mundo d o sonho CJuc se d espren de da cmbriaguez nh o CJH e co nduz à santidade; no segundo caso, ~ I",~'S­
dionisíaca. /;"ri" pal'ecc bastante sa nta /JO r si rnLsmu para Justifi-
(O Nalriml'1llo d(l Tragidifl, 13 e l<t . car po r acrésci mo uma ime nsidade de sofrimento. O
trad . CCnC\1c\'c Bianquis, NRF). ho me m I.r..igico afirm a mesmo o mais duro so~r~l~e ntO,
d e tal forma cle é fo rte, rico e capaz de dlVlIlIl:ar a
. ' o c nslao
eX .lstenCla; . - nc cr.a' •ale" a sorle mais fe liz da
o
9 . Dimúso e Cristo: li sua cOfitradição (a religião) terra: é pobre, fraco. deserdado ao ponto de sofre:
com a VIda " sob todas as suas ,lonn as . O De us em .cruz e
Os dois tipos: Dioniso e o Crucificado - Determinar se o uma maldlçao " " d a VI"d a, uma a d\'erle"" cia para se libertar
.
tipo do homem religioso é uma form a d e decad ê ncia (os "d " ma hromt:ssa de VIda.
d e la; Dioniso cSCJuarteJa o e u r
66 1 EXTRACTOS
1 6;

re nascen) elC rnam e nlC c \'oltar:i do rundo d<l d cco lll- Tod'IS as minhas lágrimas (ornam
pos ição. para li a s ua dirccção!
(* 1888. 11 l'onlat/f' dI' Poder. IV, 46'1, E a última cha ma d o me u coração _
trad. Gcne\~ c\'c Bianqui .. , NRF) despe na pa ra Li!
Oh vol la ,
Mcu dells desco nhec id o ! m in ha dor
10. Dion;so (' A 17rI1l(l: (I sita (omp!rml'1ltlllid(ull' (o di lirombo) lII illh a tí ltima feli cidade?

[ ... ] (Um relâmpago. Dioniso ([pa reCI' numa beleza de esmrralda.)

Ah! Ah !
DION ISO
E lU m arti ri1..a s-mc . 10llco que és.
LU LOrluras o m eu orgulh o?
Dá-m e amor. - Quem me aquece ainda? Sé p n ldc llle, Ariana!. .,
Quem me ama ainda ? - Te ns orel has pequenas, lens as minhas ore lhas
Dá màos quentes . Ou ve Ulll co nselho ;Uu i7. ado!
dá coraçõcs-ca nclc ia. N;io se rá preciso od iarmo-nos p rimeiro, se devemos
amar-nos?, ..
d~i- m e, a mim, iI mais soli lária
do qu e o ge lo, oh! o gelo faL Eu so u o le u la birin to ...
se le vezes definh ar j unto dos inimigos.
jU lHo dos in imigos mesmo, (* I888. Ditim lllbos dionisíacos.
Re tomada. com currecçõcs c comple mcntos.
dá , sim, abando na-
de um texto dt: ZllmtllJtra: livro IV, .. O En can lad or~ ,
-te - a mim ,
trat! , Hc nri Albe rt, Mercurc de France.)
lU , o mais cruel inimigo!. ..

Foi-sc! 1 1. Dioniso e Zarafustm: o seu pa-wnlesco (a prol/ação)


Ele próprio fugi u,
meu ún ico companheiro. Porque Oln; IIIll sussurro q u e me fa lava scm \'OZ,
meu grande inimi go, di ze ndo: "Tu sabes. ZaramsLra. »
meu d escon hecido, E este sussurro alTa ncou-me um grito de terror, e o
meu deus<arrasco! sang llc re nlliu d o meu rosto, mas mamive o si lêncio,
E qua lquer co isa em mim murmurou de novo sem
- Não! voz: ",Tu sa bes, ZaratllsLra, mas não o dizes . "
Volta! E respond i en tão como por bravat.:"1: .. Sim, sei. mas
Com lodos os teus suplícios! não que ro di zer ...
68 I NIETZSCIH: EXTRACTOS
I 69
E d e no\'o ouvi eS le Illll n m"u'io inarticu lado: . «Não A<;sim , eles disse ram-me: «Esqueceste o caminho,
qucres, . ZaratuSlI ~a., Se r<Í< n :rd'lde? Não le pavo neies no agora
E d esq ueces te d e Como
" se anda ...
tt:u d esafi o. " . c novo es t~l voz manic ulada disse-me: ... 0 que te
E. pus-me a cho rar ' e ' I tremer como uma .cna' nçap Ic int eressam _as suas. caçoadas? Desaprcndeste de obedc-
"
dlsse:« OI 1.I Bem
> gOSlarl"a
. , cu , mas. com o fazer. c a ccr: agora e precIso que dirijas.
)a me ' Está acima das mlllhas fo rças. .. ..Não sa bes d e quem o mundo tem necessidade? Do
graça, POlll • - . .' . . ' '" ' " '" "
E o uvi de novo esse munnunQ Inal uc u .tCQ. homem que ( m ge g randes coisas.
«Que inte ressa a tua I~essoa. ~~ra tuslra? Di:- a palavra °
.. Rea lil.ar g randes co isas é difícil ; mas mais difícil é
que levas con tigo, de pOIS des LroHe.» dirig ir grandes coisas.
E eu respo ndi : .. Oh ! SerJ min ha, esta palavra? Quc m .. O le u e rro ma is impe rdo;:ivcJ é que tu tcns o poder
sou e u? Espe ro um ma is d igno , e u nem seq ue r sou c recusas-te a rc in a r.»
dig no de ser destruído por e le . » . E e u respo ndi : .. Faha-me, para dirigi r, a \'oz do
E de novo cssa voz ina ni culada fez-se o uvu : .. O que leão ...
°
impo rta que te espera? Não te acho a ind a sufici c llle- E d e n ovo fo i como um murmúrio que me chegou:
mem e humi lde . Nada d e co,-iáceo com o o co uro da KAs palavras mais s il e nciosas sào aque las que traze m a
humildad e. » te mpestad e. Os pensamentos levados em patas de pom-
E eu respondi: «Qua nto já. cl e não~ e ndureceu,_ es~e ba conduze m o mundo.
couro da min ha humildade? VI\'O ao pe d o m e u p rop n o .. Oh ZamLust m . apresen ta-te como a Sombra daque-
cume . A que a ltitude se eleva m os m e us cum es? Nu nca le que d eve vir; e ntão tu dirigirás e avançarás como
ni nguém mo disse ai nda . Mas co nh eço be m as minhas senh or...
d epressões... E c u rcspond i: - Te nh o vergonha .»
E de novo a voz inanic ulada fez-se o uvir: " Oh Então ouvi o utra vez esse murmÍlrio sem \'Ol: .. Pri-
Zaratllstra , quando se é fe ilO para transpo rlar mon- me iro, ser-te-~í. prec iso lornar a ser criança e perder essa
ta nh as, podem os lr<l.Ilsportar també m vales c sublcrrá- ve rgon ha.

neos.»
E e u rcpli cava: "A minha palavra nun ca t ranspo n o ll
°
.. Tu a ind a levas contigo o rgulho dajuvemude, só te
tornaste jovem muito ta rde ; mas para voltares a ser
ain d a mo n tanhas c o que c u disse não atingiu , d e form a _ . d d "< b 'J"" l en
a lguma , os ho m ens. Achei bem ir lcr co m os ho m e ns, crian
lllde ...ça , p,-ec isaras a m a e tnlllllar so re a ua I -

ainda não consegu i jUlllal--me a e les.» E e u re Occti durant e muito tempo, LOdo a tremer.
E doraval1lC esta voz inarliculada di z-m e: «Que sabes .' N-
tu di sso? O orvalh o cai sobre a erva no mais profundo Finalm cnte, e u re pe tia o que dissera pnmeIro: «I ao
sil êncio d as no iles." que ro ...
E eu respondi: .. Eles lira m-sc d c mim quando encon- En1..-10, e m torno de mim, foi como que uma
h egarga-
alra
Irei e segui a minha própria via; e, na verdade , as Ihada. Oh! Este ri so dilacerava-me as e mran as -
m inhas pernas vac ilavam debaixo de mim . _________..____~~v~e~~~a~v~a~>~"~'e~o~c~o~r~a~ç~i~'~O "~......~......__..........______--"
1'1 I [17..5(:1-1E
70 I EXTRACTOS
I 71

E..' , pca
I Ullm
' I ' a vez , a
<
voz' d isse·l1l c : O. h Z<tt<t' lUslra, os ir " li ,. , e n fim , uma se nsação muscular acessona que,
(CUS f r uLOs estão mad uros, m as tu . lU n ao CSl.:'\S maduro mesmo scm (jllC mexamos braços o u pernas, entrJ em
pa ra os ( CU S fru LOs. . _ . ' .. . jogo COIllO que maqui nalmente logo que nos pomos a
"Volta. po is, para a tua soil dao, a fim de te mOl ll f I C~t- «q uerer». Da mesma ma ne ira que o semir, c um sentir
res n ela, .. múltiplo. é e videntemente um dos ingrcd icmcs da von-
(I\s.~im Falava Zamfuslm, 11 ... A hora do si ll:ncio s upr~mo,. . tad e. ela conté m ta m bé m um "pe nsa r .. ; em qualquer
Irad . Gcnc\'ic"c UiilllCluis. Aubicr.)
acl.O \'olunt,á rio. luí UIll pe nsamento qu e dirige; c que
náo se j ulg ue poder isola r CSl c pensame nto d o «querer»
para obter um prcdpi tado q ue se ri a ai nda vontade. Em
C) Forças C vontade d e po d e r terceiro IlIbrar. a vontade não é só um complexo de
sentir e de pensa r. mas ai nda e ant es de tudo um estado
_TC lll o~ que dcrcudcr sempre o~ IOrles afcctivo. a emoção d e dirigir de q ue falámos mais
contra OS rrncos ." (· 1888) acima . Aquilo que chamamos O .. livre arbítrio" é essen·
ciahncnte o sentimento de superio ridade que se nti mos
face a u m suba lterno . .. Sou livre, é cle que deve obede-
12. Para IWt pluralismo cer... aqui eSL,i o q ue ex iste no fundo de qualquer
vom.lIde. co m esta atenção te nsa, este olhar direclo fi xo
Os fi lósofos tê m o costume d e falar da vontade co mo sobre um a só coisa. este juízo absoluto: .. Agora, isto é
se fosse a coisa ma is be m co nh ecida d o mundo: necessário. e nada mais" , a cen e1.a ín tima de que se re-
Scho penhaue r d e ixou mesmo entender que a von t:tde IllOS obedecidos e tudo aq uilo que consti tui ainda o
era a única coisa q ue nos era rea lmente conhecida , estado d e <lIma daq uele que dirige. Quem ; dirigir em
inte ira e tot.alme n te con hec ida. sem ac réscimo e se m si q ualquer coisa q ue o bed ece o u que julgamos obede·
resto; mas pa rece-me se mp re q ue Sc h open hauc l-. neste ccr-nos. Mas se co nsideramos agonl a essência mais
caso como nOlllros. só fcz aquilo que os fi lósofos fal.em sin gula r d a vo ntade. es ta coisa tão complexa para a qual
habilU al mem c; adoplOu e levou ao extremo u m PI7'CQII - o vulgo só te m um;t palavra: se acontece que num caso
(eito po/wlar. A vo n tad e aparece-me antes d c mais co mo dad o somos ao m esmo te mpo aquele que dirige e
um a coisa complexa, uma coisa q ue como un idade só aque le qu e o bedece, ao o bedecer temos a impressão de
tem o seu no me , e é nesta u nicidade d o no me q ue nos sC lllil-mos constra ngid os, empurrados. o brig-ad.os a
reside o preco nce ito popular que f'nganoll a vigi là ncia resistil-, a mo \'e rm o-nos. impressões que seguem Ime-
sempre débil d os fi lósofos. Ao me nos d esta \'e1., seja mos, di atame lllc a vol ição; mas na medida em que lemOS, por
pois, mais circunspectos. sejamos me n os fil ósofos, diga- o utro lad o o hábito d e fazer abstracção d este dualismo.
mos que e m qual<lue r \'o ntad e h .i p rim e iro u ma de nos e n~anarm os a seu respeito graças ao ~onccilo
plu ralidade d e senti mentos, o selllim e nlo d o estad o d e sinté ti co d o .. e u .. toda lima cadeia de condusoes erra-
. o do estado pam o nde se te nde . o
Oll(Ie se que r sair. das e por conseguinte • de falsas ava I'laçoes
- da pró pria
sentido destas mesmas direcções, .. a pa rtir daqui ", "' para
----....;;
vontade vi:m ainda juntar-se ao querer. Se bem que
t:XTRACTOS
72 I NIF.TlSCJ-IE. I 73
aquele '1"C quer acredita de boa ré que ; 5/1ficil'nlt> 'para 13_ Dois tipos de forças: (Jctivo I! react;vo
agir. Como, na maior pa n e dos casos. nos co nt ('n l a n~os
em que rer e que t'llnbém pudemos eS.J~cr~r pelo Crell? ,
A rooluçâQ de uma coisa de um liSO de 11m ' -
' .
-
orgao nao
da o rdem dada , que r di ze r. pela obedlcncla. pela reah- e. de fo_rma alguma, lima progressão para um fim ,
zação do aeto prescrito. a aparência tra<hI7iu-sc pelo menos arm!a . uma progressão lógica e direcra atingida
se ntimenlO de que o aelO dc\;a 1Iect'uarillmrl1l, produLir- com um 1ll1l1lmo
_ de forças e de dispe- ndl'OS - mas antes
-se; em suma, aquele que .. quer .. acredita com um ce no um." sucessao co r~S lante de fe nómenos de subordinação
grau de certeza que quere r c abrir sào apenas um . e m mais ou Ille nos ~'Iolemos. mais ou menos independen-
ce rto se ntido. Atribui o êx iLO. a execução d o quere r ao tes uns em relaçao aos outros, sem esquecer as resistên-
próprio querer, e CSLa cre nça reforça nele o sC lllimc lllo cias que se e leva m sem cessar. as tentativas de metamor-
d e poder <IUé o sucesso Lraz. O "livre arbít rio» (: O nome foses qu_c se o pemm para concorrer para a defesa c p3m
deste est.1do de praze r compl exo do ho mem que quer, a rcacçao, enfim. os resultados felizes das acções em
que dirige c que ao mesmo tempo se con funde co m se ntido contrá rio. Se a fOI-ma é nuida, o «sentido " ainda
aquele qu e executa e experimenta ass im ° pnl.lcr de o é mais ... E em todo o organismo tomado separada.
ultrapassar ohst;kulos. estima ndo ao m es mo tempo no mente, não se p;:Jssa outra coisa: cada vez que o conjun.
seu íntimo que foi a sua vontade qu e u-iunfou d ~IS to cresce de uma maneira se nsível, o «sentido » de cada
resistências. No aclO voluntário. ac rcsccn la-st' assim ao órgão d esloca-se - em algumas circunstàncias o seu
pntzer de dar uma ordem o prazer do instrumento que enfraqu ecim e nto parcial, a sua diminuição (por exem-
a executa com sucesso; à vontade acrescenl..:'\m-se \'ont,l- plo, pela destruição dos lermos méd ios) podem ser o
des .,subalternas», alm as suba llernas c dóceis. o;endo o índice de um aumento de força e de um encaminha-
°
nosso corpo apenas edifício co lecti\'o d e v'.i r;a!'> a lm as. memo para a perfei ção. Quero dizer que mesmo o
O eftúto sou ell; passa-se aqui o que se passa em qualquer estado de in utilização p':lrcial, o enfraquecimento e a
coleClividade fe li z c bem organi7..<'\da; a classe dirigente degenerescê ncia. a perda do se ntido e da finalidade,
idelllilica-se com os sucessos da colectividadc, Em lodo numa palavra. a mone, pertencem ãs condiçôcs de uma
O querer. trata-sc ape nas de dirigir e de obedecer no \'erdade irâ progressão: a qual aparece sempre sob a
interior de uma estru tura colectiv<l complexa. feita. forma de von tade e de direcção pant o poder mais
como disse, de «várias almas »; é por isso que um fil ósofo considerável e I-ealiza-se se mpre a expensas de numerosas
deveria poder permitir-se co nsiderar O querer sob o potências infCl'iores [ ... J.
ângulo da montl, a moral co ncebida como a ciência de Ponho em relevo este pomo capital do método his-
uma hierarquia dominadora. de onde nasce fenómeno ° tórico, po rque ele vai contra os instintos dominantes e
da vida. o gosto em voga que prefeririam ainda acomodar-se ao
(Pom olém (/0 Bem e rio Moi. I. 19. acaso absoluto e mesmo ao absurdo mecânico, de pre-
trad . Ccnevic\'c Bianquis. Aubier.) ferência à teoria de uma vontade de pod,.,. intervindo em
todos os casos. A aversão contra ludo o que dirige c
quer dirigir, esta idiossincrasia dos democratas, o
EXTRACTOS
74 I I 75
° °
" ll1lsarqUlsllIo» a, coisa
mo d CI°n o (°11 . .. m
. .á' "feia
. _palavra
. > • • !) sofrim ento, até d o erro, de ludo aquilo que a existência
" I lra-se I10J,
° 11
[ J 111
•• 0 ., ,0
°c gOIO ' gO la , nas c lc ncJ.\s lIlal ~ eX.lC· tem de pr~blelllát.ico e de estranho. Esta l'dlima e alegre
. . ' ..
Las, matsobJccuvas 1M apalcl ...
," lco,a Parece-me. mesmo
...
que confirmaçao da v1da , confirmação transbordante c im-
e le j,í se tornou senhor da fil osofi a e d,a blologm l11tCI- ~clUosa, responde n~o some nte ao c llI endimemo sup<.....
ras, para ma l delas, é evident e, 110 se ntido ell1 qu,c .Ihes no!'. res pon d e Lambem ao en tendimento mais profun-
escamoteou UIll conce ito funda me ntal, o d a (I( [lVuJade do. aquele que a verdadc e a ciê ncia confimlar.un c
propriamente dita. Sob a pressão _dCSUl idios~in c rasia, apoiamlll co m mais scveridade. As panes da exislência
a\'ança-se a .. facu ldade de adap laçao ". quer (h/cr. 1I1.11~ que os cristãos e outros niilistas rejeiLam sâo mesmo de
aClividadc de segunda ord e m . uma simples «rC3ClIVI- ordem infinitalllente su pe rior na hierarquia dos valorcs
dadc », até mais. d efi niu-se a própria vida: lIm<l adapta- do que aqueles aos quais os instintos da decadência dão
ção interior, se mpre mais c licai. a circullslànci.L' exte- e têm O direito de dar a sua aprovação. Para compreen-
riores ( He rbe rt Spenccr). Mas desse modo desconhece- der isso é preciso tc r coragem e. o que é uma condi ção
-se a essência da vida, a vontade de p(){Jf>'~ fechamos os da coragem, 11m excedente de força; po rque , exacla-
o lh os diant e da preeminência fundamemal da~ forças mente 11(1 medida em que a coragem pode expor-se em
de uma o rdem espo n tâ nea, agressiva, conqui~tado ra , frente . scgundo o mesmo grau de força, aproxi mamo-
usurpantc, transformantc e que dá sem cessar n~\'aS -nos da "erdade. O co nhecimento da realidade, a apro-
exegeses e novas dirccções, estando .. a adaptaçao». "ação da realid, de são para o rorte uma necessidade tâo
prim eiro, subme tida à sua innu ência: é assim <lue nega- gra nde co mo é. para o fraco, sob a inspiração da
mos a soberania das funções mais nobres do organismo, fraqu e!.", a covard ia e a fuga diante da realidade - -o
funções cm que a vontade de \~da se manifesta aCliva c ideal ..... Nào ê livre de con hece r quem quer: os deca-
formativa. dentes têm necessic!;:lde da mc ntjra. é uma d as suas
(Cm,alogia (/a Moml. 11 . 12. co nd ições de existê n cia.
u-..d. Hcnri AJbcn. Mcrcure de Francc.) (Eca Homo. "Nascimento da Tragédia ". 2,
tnld . Henri AJbert. ~l c rcure de France) (I~).

14. Duas qualidades do von tade c/f l/ode,.: aflrmoçâo t!


nl'gaçâo 15. Como triunfamm. as forças rraclivas: o ress~n.limetlto

Fui O prime iro a ve r a ve rdadeira a nt ítese: o inslinto A revoha dos esc ravos na mo ral começa quando o
que degenera e que se volta co ntra a vida com um ódio próp rio ressnll;mmlo se torna criador e gera os valores:
suhl.erránco (cristianismo. filo sofia d e Schopcnhauer, o resse ntimento d estes seres. a quem a verdadeird reac-
num ce rto sentido j á a fil osofia de Pl atão, o idealismo ção, a da acção, está inle rdita e que apenas encontram
inteiro, C0 l110 fórmulas lípicas) e uma fórmula da afir-
mação superi01~ nascida da ple ni tude e da abundância,
lima aprovação sem restri ções , a pró pria aproovdç.l0 do (I~) A lillill13 fr.ISc da lraduc;ão está um pouco modifi cada.
t: XTRACfOS
76 I NIET'I.,SCHE In
compcnsaç.."io numa vi n ga nça imagi nária. Enquanto to d a para descobri r pretcxt~s para as paixões dolorosas;
a mo ra l a ristocrática nasce de um a triunf,-II afi rm ação desfnHam as suas suspe nas, dão voltas ao miolo a r
_. 1 I- . 1 P ()-
d e si mesma, a moral dos escravos o põe desde o princí- POSIlO ( c ma . IClaS. ' o u ( e danos aparentes de que preten-
pio um «nào» ao qu e não faz parte de si pró pria, ao que dcm lcr sido V!lImas; exa minam as entranhas do se u
é "diferente " d e si, ao que é o seu «n ãO-C ll »: c este não passado e do presente, pa ra encontrar aí coisas som-
é o seu aeto criado r. Esta in versào d a o lha d e la aprec ia- bri as e mistcriosas quc lh es permitirão exaltar-se com
do ra - este ponto d e visla necessariamente inspirado do desconfian ças do lol'Osas. embriagar-se no veneno da
mundo eX lerior e m vez d e repousa r sobre si mesmo - sua próx im a maldade - abrcm com violência as feridas
pen ence propriamente ao resse ntim e nto : a mo ral dos mais an tigas, pe rdem o sangue por cicatrizes fechadas
escravos tem sempre c antes de mais necessid ade. pa ra há muito tempo, d os seus ..unigos, da mulher, dos filhos,
nascer, de um Inundo oposto e ex terior: precisa, para de todos que lhes são próximos fazem malfeitores.
falar lisiologica menlc, dos estimul antes exteriores par.! .. sorro: certame ntc alguém dcve ser a causa disso .. _
agi r; a sua acção é profund amc lllc uma rcacção. assim racioci na m tod as as ovelhas doentes. Então o seu
( Cml'(l{Q/:"ÚI da M oral. I, 10, pastor, o sace rdote ascé tico, responde-lhes: .. É verdade,
trad . Hc nri Albcn. Mc rcurc de France.) minh a o\'c1 ha, algué m é a causa disso: mas tu és, tu
própl'io, c~ u sa d c tudo isso - tu és, tu próprio, causa de ti
mfS1flo!~ .. , E demasiado audac ioso, demasiado falso! i\'l as
16. Continuação: a mlÍ cmlscip1Icio ou a vimgnl/ CQn tra si um fim. pe lo me nos, é atingido desta manei ra; lal como
o indiqu ei, a direcção do resse ntimento é - mudada,
o sacerdot e é ° ho mem que muda a direrçiio do ( ~IU!alogia da A'loTa~ 111 , 15,
ressen timento. Com efeito, qualq ue r ser que sofre proc u- trad. l-t emi Albcrt, ~lerçUre de Fr.:l.nce.)
ra instin tivame nte a causa do seu sofrim e nto ; ele procu-
ra-lhe mais particul arm ente uma cau sa animada , ou,
ainda mais exactamente, uma causa responsável, susce p- 17. Como o n iilismo triunfa "a vontade de poder
tível de sofre r, em sum a, um ser vivo conlra que m, sob
um qualque r pretex to , pod er..í., de uma man eira CfCCli- o se m-sentido da dor, e não a própria dor, é a
va ou em efigie, descarregar a sua paixão; porque isto é, maldi ção que até agora pesou sobre a humanidade:
para o se r que sofre, a suprema tentativa d e consolação, Ora, O ideal ascétiro dava-lhe um senlido! Foi até agora o
quero dizer, de aturdimento, narcótico in conscie nte- único se nlido que se lh e deu; qualquer sentido \~.ale
mente desejado contra qualquer espécie de sofrimcnto. mais do quc não haver se nlido algum; o ideal ascético
Quanto a mim , é esta a única verdadeira causa fisiol ógi- nào passava , de lodos os pontos de vista, do .. à faha de
ca do ressentimento , da vingança c de tudo que se li ga melhor .. por excelência, o único último recurso que
a isso, quero dize r, o desejo de se atordoar contra a dor havia [ ... ]. A interpretação que se dava à vida conduzia
por meio da paixão [ .. ,]. Aqueles que sofrem são de inegavelmente a um novO sofrimento. mais profundo,
uma engenhosidade e de uma prontidão aterradoras mais íntimo, mais envenenado, mais morúfero: fez ver
78 I NIET 7..SCI-I E EXTRACTQS
I 79
qualque r sofrim cnto como o castigo d ~ III nafll/ta ... Mas, clcvam a e ne rgia d o se ntido vital: age de uma maneira
apesar de lUdo, e la trouxe a sfl{va çao ao ho me m, o depressiva [ ... ] . Ela co mpree nde o que está maduro
homem ti nha um sentido, j á não e ra mai s a fol ha levada para d esa pa rece r, protege-se e m favo r dos deserdados e
pelo venLO, o joguete do acaso inin teli gc lHe , d o « sc m ~ dos conde nados da vida. Pel o número c pcla variedade
-sentido .. , ele podia qllererdOraV<lIllC a lguma co isa - que das coisas fa lh adas quc retém na vida, dâ à própria vida
im portava ao princípio o quc e le queri a, porquê uma um aspectO sombri o e duvidoso. Te"e-sc a coragem de
coisa de preferênci a a ou tra: (l próp ria vOl/tade !Jelo IfInlOS chamar a pied ade uma virtude (em qualquer moral
eslava salva. Por OUlro lado , é im poss íve l diss imul ar a lIoJn~ el a passa po r se r uma fraq ueza); foi-se mais longe,
natu reza e o se1/lidn da VO lll.,'lde a qu e o id ea l ascético fez-se del a a virtude , o terre no e a origem dc todas as
de ra uma dirccção: es te ód io do quc é hum a no, e ainda \~rtud cs . Mas é preciso nunca esquecer que era do
mais do que é «maté ria »; este ho rro r cios se ntidos. da pom o d e vista d e uma fil osofia q ue era niilista , que
própria razão; este rece io da fel icidade e da beleza; cste in sc rc vi a so bre o scu csc udo a llegação da vida.
desejo de fugir de tudo o que é a parê ncia. mudança, Schope nh a uc l' tinh a razão quando dizia: A vida é nega-
dcvir, morte, esforço, até desejo - tudo isso sign ifica, da pe la pi eda de , a piedade torna a vida ainda mais
ousamo-lo com pree ndcr, ulll a vO II/alle dI' aniquilamento, digna d e se r negada - a picdade é a prática do niilismo.
ullla hosti lidade à vida, um a recusa c m a d m itir as Mais tlll"l a vez: este instilllO depressivo e contagioso
condições fundamcnlais da vida: mas, pelo me nos. é e cruza estes outros insumos que qucrem chegar a con-
continua se mpre a se r uma vontade.'... E pa ra re pc tir scrvar e a aum e nta l- o valo r da vida; ele é. tanto como
ainda , ao termina r, o q ue eu d izia n o prin cípi o : o multipl icado r com o co nse rvador de todas as misé rias,
homem prefe rc aindil Icr a vontad c do IIa da do qu e de um d os pl-in ci pa is instrumentos para a ressurreiçào da
forma alguma não querer... dtclldênólI - a pie dade persuade accrca do nada!... Nào
( Ge1ll'alogia (/(1 M oral, 111 , 28. se diz .. o nada ,. : pomos e m vcz disso «o além »; ou então,
u·"d.d. Il cnri Albcn, Mercurc de Fra ncc.) .. Dc us .. ; o u .. a vida verdadeira .. ; ou então, o nirvana, a
salvação . a bcatitudc .. . Esta in oce nte retórica, que volta
a e ntrar 110 do mínio da id iossincrasia re ligiosa e moral ,
O) Do niilismo à transmutação parecerJ. muito menns inocen te dcsde quc compree nda-
mos qual é a tcndência quc se envolve aqui num manto
~O n iilismo \'cn cid o por cle mesmo. " de pala\lras sublime s: a inimizade da vida [.. ·1·
(t ' 887) A concepção cristã de Deus - Deus, o Deus dos
doc ntes, Deus, a aranha, Deus, o espírito - é uma das
concepções divinas mai s corrom pidas que já alg~ma ~'ez
J8. Deus e o n iilismo
foi reali zad a na le rra: talvez mesmo esteja no mais baiXO
nível da evolução dcscendente do tipo divino: Deus
. Cltama-se ao cri stia ni smo religião da piedade. A degene rado até estar e m contradIça0 · - com a VI'da, em vez
pledadc está em oposição com as a fecções lônicas quc de ser a sua glonficaçao . - ,fi
e OJtrmaçao - etemal Declarar a
.
NIE17,SC1-IF fo: XTRAC ros
80 1 I 81
te De us. oi. vida . à nalur<.'La, à \'o lll.tdc jovens. - Ele meleu macaquinh os na cabe A
gue rra. e m no me ( •. 1 • _ ". • ça. pOSto
" , I) "
de ",\'cr. c us. a I ' 'o
"'"'lll1 la IJar.t todas <as ca ltllll;l.~ (C ·'ca", qu e d e ntro de OItO (li as amda aq ui estare mos, eXilCl,,-
• • • .
. d o "id
para to d as 3:0;" Ill cntins _ é lll_ ~!. _O nada d.vlIl l:r..·l(lo me ntc. co mo hOJe, . c o guarda da prisa"o 'Ia"o sa" be 11a( Iti. "
em Deus, a vont ade d o nada santi fi cad o!... , - •.. E se \'crd ad c lI~lIncnte . ele soube qualqu cr COisa . , Ja
..
(O A/ltlm51o. 7 (' 18,
nao sabe nada agOnl - gnlOu o " ltimo prisio nelJ""o. q ue
m iei . Hc nri All>cn , Mcrcun_ de Fr..lIlcc.)
aC:I I~a l'a de d esce r p'lnI o pâtio - po rcl1lc guarda da°
pn sao • acaba •
d e mo. rrer su bitam en te • ,. - .. DL11 I. - grua-
••
"
I, U I1 \', II'I OS pnslone lros ao mcsmo tempo _ oh! Sen hor
19 . I"i lllt-;m lw(sào d, "Deus morreu · fil!lO. sen hor fil.h? ! O.nde eSl..i a hcmnça? Tah-ez agora
sepmos ~C ll 'i pnslo n elros.» - ~J ;í vos d isse - respondcu
OS PRI SIONE IROS - Certa lIl :ln h ã. o., prisioneiros d ocemenle aqu c le (llIC cra cens urado - deixaria tine
saíra m paro! o p;ítio de trabalh o: o guard.1 nl3\'a dll~cn­ cada um daquelcs quc tê m fé em mim, afirmo-o com
te. Uns dirigiram-se imediatalllentc 1'.11":1. ~ ll1\?alho. 1"l1l'1 cencl.<1 como a fi rmo que o Ille u pai ainda eSl:í
COIllO era se u hábito. os outro"! fi ca ram 1I13CLI\'05 e
vivo . .. - Os prisioneiros não se riram . mas ergueram os
lançavam o lhares de d cs:tllo em torno d e .. i. [nldo. UIll olllbro'i c de ixaram -no a li.
deles saiu das fileiras c disse em ' OI. a lta : .. Trabalhem (O l'inj(i"l~' a .Uta Sombra, 84.
q uanto quisere m ou náo façam nada , é comple ta mente trad . I-Icnri Albert, Mcrcurc de Francc.)
indiferen te: As vossas maquinações secreta\ foram pos-
tas ti claro, o guarda da prisão surprce ndt'u-\o,-, e \W
ai, em
breve. pronunciar sobre vocês um j uí;fO leITÍ\·cl. Vocês 20. Deus 11101'''''11
co nhecem-no, elc é duro c ranco roso. ,\I a.., Otlça m o que
\'OS digo: vocês nâo me co nheciam até agora. cu nào sou . Z'II'alUslra. Zaratusu'a. adi\1nha o meu e nigma. Fala,
o que pareço ser. Melhor. sou o filh o d o g ua rda dll fa la: (Iual ê a 1';llglu/((I contra a Tl!Jtnlllwhot
plisáo e posso ob te r ludo dele. Pmso ..alv; u·-\'o~. qucro " Rec ua. p CÇo-IC. o gelo é escorregadio. Toma cuida-
s.1IvaHos. Mas. bem ente nd ido . só salvarei aqueles de do para que o le u o rgu lh o não parta aí uma pe m a.
entre vós quc creiam que e u SO Il o filh o do gu a rd:1 da ".Julgas-te s.i bio. orgulh oso Zaratustra? Adi\<i nh a. pois,
pris<io. Que os OUlros recolh am os fruto '! da ~ lIa ill c r~ estc c ni g ma , tu que qu ebras as nozes mais duras. Adivi·
d ulidade.» - " Muit o be m! - di / . passado um m o m e nto nh a estc e nig ma que e u sou. Di z-mc, quem sou eu?,.
d e silê n cio. um dos mais velhos d e entre o .. pri~ionciros Mas quando Zarat ustra OUl1U estas palavras, que
- , que importância lt:1ll para ti que n ós te nhamos fé e m julga m vocês que se passou na sua alma? A piedatÚ
ti o u não? Se és vcrdadcim lllcn lc o fi lho e se podes fazer assa lto u-o e ele Gliu co mo uma maçã, como um carva-
o q ue d izes, in tercede a nosso favor co m uma bO;1 raáo, lho quc aguc lHo u por muito tcmpo conua numerosos
assi m farás verdade iram elll c lim a boa obra. Mas deixa le nhadores e que cai com uma queda pesada, súbita,
esses disc ursos a propósito dc fé c de:: in c rcd ulidadc! .. - panl tc rror daqueles mesmos que queriam abatê-Io . Mas
.. Não acredÍl o e m nada disso - inlnrompclI UIll dos j á ele se e rg ui a e os se us traços se endureceram .
82 I NIETI..5CII E.

.. R('co nh cço-Ic. d isse com lIIna \ '01 d e hro n 7t.', til ;5 o desespemd os. aquele", qu e esltio em perigo d .r
ou de IllOIT(:"r gelados. e se . \1 Og;.1r
(lS$(I\\;1I0 tlr J)(,/H. Deixa-me passar.
.. Não p udeste SIl/JQrtar que d e te , -iSSt', q ue de te .. Conu<t mim I.Imbém . chamo-te "a ale'lç-ao. A ' (I'IVI-.
li n'3SC cOl1 stalll clllcn lc sob os o lhos c te pc rfura ...sc nhaslc o melhor' c o pior deste cnig,n" q
. . .. ue cu SOu.
lo dos o~ dias. ó m ais ignóbil dos H Olllcn~. Vi ng:.ls lc-tc Acllnnhas le o que sou e u e o que raço. Conh e(o o
dl'''sa teste munha. " machad o qu e pode aba ter-te.
Tendo ralado assim , Zara lJlstra q ui s prol; ... q.~· lIil o 'c u .. ~ I as Ele - era preciso que mo rresse. Dos seus ol hos
camin ho . mas o se r inolllin á\'cI agalTou-o pOI lima que IlIdo via m . e le ,;a o fu ndo e fi parte de trás do
sa liê ncia do se u manlO c pôs-se a braguc..:jar. ;, proc ura hom em . tod.1 a sua ve rgonh a e toda fi Sua ignomíni a
das suas pal avras. "Fica! disse . por fim . escondidas.
.. Fica! Não te afastes! Adi,'inhci qua l fo i o machado .../\ sua pi e dade n ;'to linha pudor: insi nuava-se nas
que l e a bateu . Mas, no bom mom e nto. Z<i l-:-nu'tra , dobras ma i .. im u ndas. esse curioso, esse indiscreto. esse
p uses te-te direito. maníaco da piedade; enl be m preciso que morresse.
.. Ad ivi nhaste. C II se i o q ue deve ex perim en t.n .Iq udc ..Ele o lh;:I\"a-m e se m parar; (luis vingar-me dessa teste-
que o matOu . o assassi no de Deus. Fi ca! Toma IUg;l f ao mun ha - ou d e ixar de \;"e r.
meu lado. não pc rdcr.is nada aí. °
,,0 Deus que tudo via. ,. ati homem. e ra preciso quc
... Em din:cção a quem desejaria cu ir- ::.e n ~l o a li ? Fica! morresse. h o m em ogumla de ixar viva um a testemu-
Scnw-Ic. Mas mio me olhes. Respeita lambé m - <t mi nha nha as .. im ...
rea ldade. Assim fa lou o mais ignóbil dos I-Io mens...
.. Eles pe rsegue m-me: tu és o m e u úllim o rcrúgio. ( A.ssim FalaI/a Zaralwlm. IV.
Não é o ód io deles ncm os ~Cll::' t."sbirTO::. <11Ie me "O mais ignóbil dos Homens...
lrad. GClle\'iê\'c Bianquis. Aubier.)
perseguem - o h ! rir-me-ia de lal pe l":~cglli ç.io. fi caria
orgu lh oso e conte nte com ela .
... 0 sucesso não cst.í lo ngt! d aq ueles qu e rora m bem 21. J)e/JOis da mo,.te ti,. D,,/ts. ai1lda o niilismo
pe rseguidos? E na perseguição apre ndemos a ~egllir. já
que caminh amos a seguir ao que pe rsegui mo::.. Mas Uma vez admilidos estes dois ractos, que o devi r ê o
aquilo de que rlUOé da piedruJe d e les . princípio e que não é dirig ido por qualquer grande
.. É CO lllra a pied ade deles que ve nho pcdir-tt! 'Isilo. unidade n a qua l o indivíduo possa mergulhar to talmen-
Zaratuslra , protege-me, lU , me u último rerúgio, lU , o te Como 11m el e me nto d e va lo r supremo, resta uma
único que me ad ivin haste! esra/Jal ória possível: ê conde nar todo estc mundo do
l··. J devi ,- C0l110 ilusório c inven tar um mundo situado além.
Mas, tu , 10ma cuidado com a lua pró pria pi edade. que seria o mundo tlt'rt/tuuiro. Mas desde que o homem
Po rque lim a multidão de gente pôs-se a caminho pa r... descobre qUt! es te mundo não está construído sobre ~
vir e nCO ntraNe, lOdos os sofredores. os duvid osos, os suas próp rias necessidades psicológicas e que ele nao
EXTRACfOS
84 I NII::TZSCHE I 85
está , de for ma algu ma . fu nda me ntad o e m crê-lo. vê-se Proc uro Dc us! .. Mas, como havia ali muitos d I
d erivar a última forma d o niilismo que imp liC<1 a lIegaçâo
- "
que 1.1ao acred itavam em Deus, o seu grito provocou
~~~

do mU'11do metafísico c que se interdita de acn :di mr num lima


.
Im c nsa' garga lh ada . Pe rde u-se como uma cn". nça ,. •
mundo verdadeiro. Chegado a este estádio, confessa-se disse um. Esco nde-se? Tem medo de nós? Embarcou?
qu e a real idade d o devir é a lÍlIica rea li dade , que s~ Emi grou? Assim gritavam c riam confusamente. O
interd ita m tod os os cam inhos d esviados qu e conduzI- louco saltou para O meio deles c trespassou-os com o
r ia m a cre nça para outros mundos c par.l fal sos d e uses olhar. ..Onde foi De us? - gl'i tou. Vou dizer-vos. Nós
_ mas não SI' 51.1/)orla estr 'Inlll/do qut' já não J I' I(>m (J vontade mOlám<rlo . .. \'ós e e u ! Somos nós, todos nós. que somos
de nl'gm: .. os se us assassinos! Mas C0l110 fize mos isso? Como pude-
-O qu e se passou , pois? Chcg<Í mos ao se ntim ento do mos esvaziar o m ar? Que m nos deu uma espol~ja para
nela va/or da ex istê ncia qu ando compree nde m os que ela apagar todo o horizon te? Q ue fizemos quando separá.
não se pode interpretar no se u co njunto ne m co m a mos a cade ia que ligava esta terra ao sol? Onde va i ela,
ajuda do co ncei to de «fim », n em co m a <~lIda do agora? Nós próp rios, o nde vamos? Para longe de todos
co nce ito d e «unidade » ne m com a ajuda d o conce iLO os sóis? Não ca ímos se m parar? Para a frente, para trás,
de «verdade». Nào se chega a nada, nào se alinge nada de lado. d e todos os lados? Ainda existe um em cima.
do gêne ro; a unidade glo bal faz falta na plural idade um e m bai xo? Não CSt:l rCIllOS, errallles, como que por
do d e \~r: o carácler da exis lê nci a não é ser ,(ve rdade ... um nada infini to? Não sentimos o sopro do vazio sobre
mas srr falso ... já nào há mais qualquc r razào para o nosso rosto? Não faz mais frio ? Nào \~ rão sempre
nos persuad irmos de que existe um mu ndo verdadeiro... noi tcs. cada vez mais noites? Não é preciso acender
Em suma. as categorias de Kfi m .... de .. un idadc .. , de lanternas desde man hii? Ainda não o uvimos nada do
«se r .. , graças às quais demos um va lor ao mundo, nós barulh o que faze m os cove iros. ao e nterrar Deus? Ainda
re tiramos-lh as - e o mundo parece ler perdido ,odo o não selllimos nada da decomposição divina? .. Os deu-
valor... (~'(». ses també m se decompõem! Deus está morto! Deus
(* 1887. /1 VOnllld,. d, Podl'T. 111. I I I, co ntinu a m on o! E fomos nós q uc o matámos! Como
lrad. CcnC"le\'c Bianquis, Aubic r.) nos conso lare mos. n ós, assassin os e ntre os assassinos! O
que o mundo possuiu de mais sagrado e de mais pode-
o INSENSATO - Nào ouviste falar desse louco que roso até es te dia sangrou sob a nossa faca ... quem nos
acc nd ia uma lante rn a em pleno dia e se punha a corre r Iin1par.i deste sangue ? Quc água nos poderia lavar? Que
pela praça pública a grita r sem parar: .. Procuro Deus! expiações, que jogo sagrado seremos obrigados a inven-
tar? A grandeza deste acto é demasiado grande para
(20) Este textO resume loda a h istó ria do niilismo segu ndo nós. ão será preciso que nós próprios nos torn~m os
Nit:llSche e descrC\'e a sua úllim(1 j()rnla: aq u ilo a q ue ZaralUslr.l deuses para, simplesmente. termos o ar de ser ~Ignos
clmma .. o úhimo homem" (<< Pró logo .. , 5: c cf. li\'l'o 11 . -O adivi-
dela? Nunca houve acção mais grandiosa e, quaisquer
n ho M). Não o confundi re mos com a form a seguin te: ~O ho mem que
q uer morrer". descrita no te xto n .~ 23, que marca já um alem do que sejam. aque les que vierem a nascer depois de nós
niilismo. pe nencerão . por causa dela, a lima h Istona " ." mais" alta
EXT RACT QS
86 I NIETZSCI rE I 87
q ue. a té aq \l i. nu nca fo i his ló .-ia alg um a! " O in.')(.' n<:<t to s;\cri fi c;:~r, mas ~ " e ~c in~~lam à terra, a fim de que a
GII OIl-SC co m estas pala vra s c o lho u ou tra H' L para os terra 'iCja um dia o unpe n o d o Sobre-Humano.
seus int c rl oClllo rcs: l<I lll bc..~ 1II eles se cala\':t lll . CO l1l 0 (.'k·-, Amo aq uele. ~I ue só ".i"e pant saber e q ue quer saber
c o lha\'a m-no com espa n LO. Po r fim . at i l'ou a s ua la n te r- a fim d e pc nlll tll' um dta qu e o Sobre-Hu ma no viva. É
Il a ao ch:io . ele maneira q ue da se partiu e m pecla( o.') c a~illl q ue à SIM man ei ra d e q uer a sua pró pria perda.
se apago u ..•Ch ego demasiado cedo .. , d i!).,c e n t:i.o . "- 0 Am o aque le que trabalha e in\'ellla a fi m de Cons-
me u tem po a indO! não ch egou . Esse aconlc..'c im c.: l I1 0 trui r um di a. a mo rad a d o So brt..... I·lu ma no e de prepar,tr
en o rme :l ind a cst<í a ca mi nh o . ca minh a. c <linda urlo a te rra. o a ll lma l c a planta para ;1sua vinda: é assim que
chegou ao ouvid o dos ho me n s. É p n;,'ciso te mpo para o à ~ u a ma ne ira el e (llIe r a sua própria perda.
relâmpago (' para a Icmpesladc. é preci<;;o l('IllpO pan, a Am o aquel e q ue a ma a sua \'in ud e; po rque a vinude
luz dos astros. é preciso tem po para "" acçõc', IIllc'.') IIlQ é \'olll<ldc d e morre r c ncc ha in fin ita de desejo.
qu ando 5;10 cum p r id as, para se re m vhaas l' ouvid a.,. Esta Amo aq uele (I ue nào põe em reserv,t a mínima gota
acçâo cOll tin ua-lhes a in d a Illêl is lo ngínq Ll a d o qu e as do seu es pírito . mas q ue é a quinleSSl:llcia da sua
ma is lo ngínq ua s co nstelações: 1'. 110 NlfO llf O.j01tl1ll d l's qUI' pró pri3 \'inudc: é 11 0 estad o de espírito quintessenciado
fi r{'(lli;;'(Jm m! ~ Co n til-se "li nda que estt: louco CHl ro u. no que ele ult rapas ..a r.1 a ponte.
mes mo d ia , e m d iversas ig rejas e aí e nt o o u o -;eu Hl'q/lir ll/ Amo aquele qu e fal da sua virtude a sua lendência e
(u'mUl'" DI'O. Expulso l' int errog ad o . el e nào II.:ria ddxa· a ~ua famlid adt.: ; ê assim que por amor à sua vin ude ele
do de res po nde r a mes ma co isa: "' 0 qu e ~à o. po i.. , ;:'s que r, ao mesmo te mpo . vivcr ainda e mio viver mais.
igrejas semio os túmu los e os mon u m c ntO ~ fllllebrc\ d e Amo aquele q ue nào que r d e modo albrum ter dema-
Deus?" siad as vinudes. Uma virtude é Ill" is virtud e que duas, ê
(A Gf/in Ci;'" cill, 111. 125. Irad. \ ' j ,II ,III C, NRF) um n ó fone o nde se pre nde o desti no.
Amo aq uele cuja al ma na sua prod ib"" lidade recusa
qua lqu e r gn n idào e nunca d,i n"da: porque cle d"
23. AI)roximaçiio do Im'H1I/ulllÇào se mpre e não rese rva nada para si.
AnlO aqu e le q uc sc e nve rgon ha quando os dados lhe
r\ gra ndeza do Il om cm é q ue e le é ulIl a po nte C não são favo ráve is e q ue se pe rgunta a si mesmo. en tão:
um fim: O q ue podemos a lll ar no I-I o mem é que c1e é .. Se rc i 11m balO le iro? " Po rqu e a sua vOlltade é mo rrer.
transição p IH:rrli(tlu. Amo <u llI c le que espalha d ian te das suas acçõcs uma
Am o aquel es q ue 1'1 .\0 sa be m vive r SCIÚO so b a co ndi- ramage m de pa lavras d o uradas c que supo rta mais do
ç;io de mo rre r, porq ue , ao Illorrer, ultra passam-se. que pro me te u: porq ue a sua vontade é morrer.
Amo <'quclcs que um g ran d e d esejo e nc he . po rq ue Amo aque le que d e av.. n(.o justifica os ho mens fUlU~
levam em si o respe ito su premo, e les são as ncc has d o ros e libc n a os d o passado: porque a sua vo ntade e
desejo este ndido pa ra a o utra marge m . mo rre r pelos d e hoje.
Amo aq uel es que não têm Ilecessidad e de p roc ura r Amo aque le que castiga o seu De us po rque gosta do
para além d as estrelas uma ra zão de m o rrer e d e se scu De us; po rque el e mo rrerá da cóle ra do seu Deus.
88 I NIE"F/.5C1-I E EXTR,.\ CTOS
I 89
Amo aquele nUa a lma é profun da até lIa <; suas feri- mallcim .e norme e ili_milada . ... .. Levo a todos os abis-
das e que pod e morrer d e qualquer inci<l e nte fú ti l; mos a mlllha afirmaçao que abençoa ... " Mas, isto mais
porque é d e boa von tade q ue ele a lr:wcssa a po nte. uma vn., é li prÓ/iria ideill (Ie Dioniso. '
Amo aq uele nua ahn a tríll1sborda ao pomo de perder (Ecu fiamo, .. Assim Falava Zaratustra. , 6,
a consciê nciil d e si mesmo e de IC\'3f todas ao!> cois."ls nele; trad . Il enri Albert, Mcrcure de Francc.)
assi m é a total idade das cois.:1.s q ue o m s.1 1ll a ~lIa perda.
Amo aq ue le que é livre de coração c de espírito: a
sua cabeça serve de entran has para o seu coração e é o 25. EsséncüI afirmativa da vo1ltade de poder
seu cOlâção que o leva a morrer.
Amo IOdos aq ueles que são parecidos co m aqu e las Necessidade de do min ar: chibatas mordazes rese n'(l-
pesadas gOlaS que caem li ma a uma da nu ve m negra das aos corações duros c ntre todos; cruel martírio reser-
suspe nsa em cima dos homens: eles anunciam que o vado ao mais crue l; c hama escura das fogueiras onde se
relâmpago está próx imo, m OITcm po r se re m OS se us encrespa a carne viva.
a nun ciadores . Necessid ade de d omin ar: pavão cruel imposto aos
Aq ui está, sou o anunciado r do raio, sou 11m3 pesada povos mais o rgul hosos; insulto a toda a vi n ude in cena;
gOla caída da n uvem ; Ill as este raio é o Su/m--lIomem. ca\'alciro que cavalga todas as montadas e todos os
(Assim Fatal/fi Zom/lIs/m, .. Prólogo ". 'I . orgul hos.
tr,ul. Ccnc\'ic\'(: Bianqui ~ . Aubicr.) Necessidade de do mina r: tremor de tc rrd que pan e
e csti lhaça Ludo o que é oco ou carunchoso: a\'3lanche
destnt idora que rola rimbombando e castiga os sepul-
24. A transmu taçõo: o nl'galiuo ao sUtli(o de lima ajinTllIçõo cros csbra nq ui ç'ldos: relã mpago interrogador posto
su/JeTior peno das respostas prematuras.
Necessidade de dominar: sob O olhar da qual o
o problema ps icológico no Lipo de Z'II<H USLra est.:í home m rastejn c se lorn a mais humilde e mais servil e
fo rmul ado da seguil1le maneira: como é q ue aquele que mais baixo do q ue a serpente ou o porco - até ao
pennancce num grau supremo de negação, q ue lIgt' por momen to e m qu e se desperta nele o grito do seu
neg-.tção, e m fa ce de ludo aquil o que a té agora fo i g.,mde Oesp reJ;o.
aHnnado, pode ser, apesar d isso, o mais lige iro c o ma is Necessidade de do mina r: mestre temido do grande
longínquo - Zamtuslra é um da nça rino: como é <llIe Des preJ;o. que preg-d abe rtamente às cidades e aos
aquele que procede ao exame ma is duro c mais le n 'jvel re in os: .. Ocsapa rcc;am! .. atê que uma voz se eleve neles,
da realidade, que examinou «as idc ias mais profundas", grita ndo: .. Des(I/)(Ireça mos!"
não e ncolllra nela, contudo, objecção conlra a e xistê n- Necessidad e de do mina r: tu que também \-ens en-
cia e mesmo contra o e te rn o re torn o d esta. co mo ele contra r, co m todos os teus encantos, os puros e os
cncontr.t a í, aLé, um a razão para ser ele próprio a e te rna solitários, lu que sobes a alturdS que se bastam a si
afirmação de lodas as coisas, «dizem. sim e ámen d e uma mesmas, arde nt e como um amor que vem pintar sobre
I EXTRACfOS
90 NIET/..5CI·!E
I 91
os horizontes te rrestres perspectivas sed utoras c felici- contra tudo aqu il o que ,'o)veu, ele o lha com hostilidade
dades ptll-purizadas. . todo o passad o.
Necessidade d e do minar: mas como cham ar necessI- O que re r não pode nada sobre o que está atrás dele.
d ade a esta grandeza que condesce nde ao poder? Na °
Não poder destl"Uir tempo nem a avidez devol'adol'a
verdad e, não há aí nada de mórbido, nada d e cúpido do tempo, tal é a a ngústia mais solitária do querer,
e m tais desejos. em tais condcscc ndê n cia.... °
Que re r é libe rtação; que é que o querer inventa
Que ti gra ndeza sol itá ria não qu c i rcl co ntinuar e ter- para se livrar da sua angústia c pard se rir da sua prisào?
namente solit,iria a sus tentar-se d e si mesma . qu e a Oh! qua lque r prisioneiro se toma louco! Também
montan ha se d ebruce pa ra o vale e qu e os ve lHos das lou came nte o qu e re r cativo se li berta.
al! uras d esçam para as depressões. Que O tempo não possa voltar atrás, é O seu prejuízo.
Oh ! quem poderia di zer o no me verdadei ro, o no me O .. facto co nsumado,. é a rocha que ele nào pode
de vinude que convém a lim a aspiração sc melh a lllc? A desloca r.
virtude que dá, (a i foi o nome qu e Zaratustra deu um Então el e faz ro lar blocos de despeito c de cólera e
dia a es te se ntimento indizível. vinga-se d e lUcia aqui lo que não ressente , como ele ,
(Assim FnlrlllO lllratustra. 111, «Dos t rés mal es", despe iLO e côlcra.
Lrad. Gencvic\'c Bia nquis, Au bicr. ) É assim que o que rer libertador se torna malfeilOf c,
sobre lUdo aqu il o que é aplO para O soCrimento, ele
\1nga-se d e não poder voltar atrás.
E) O eterno retorno Porque é isso a prôpria vingarlça; o ressentimento do
qu ere r contra o te mpo e o irrevocável passado.
MQucro CQmar agora a história dc 7,..1.ra· Na verdade. há uma gra nde loucura no nosso querer,
tIISlITI.. A concepção fundamc nL1.1 da obra, c para lodos os homens é uma maldição que esta
a ideia do rlmw "tOnlO. CSI;\ fó nnula lo ucura tenha aprend ido a tornar-se espírito.
suprema da a1imm.{ão..... (Eol' !-Iomo) O es!Jírito de v illg(lllça, ta l é, ó meus amigos, a Corma
superior da refl exão no homem até este dia; e onde
havia soCrimento. exigiu-se que este soCrimento fosse
26. Vontade de podl'T e etemo retomo
castigo.
Castigo - tal é o nome que a \1ngança se dá, palavra
O querer, tal é o nome do rede ntOl', do mensageiro mentirosa que lh e serve para inventar uma boa cons-
°
de alegria; aí está que vos e nsinei , m e us amigos. Mas ciê ncia.
aprendam a inda isto: o prôprio querer é calivo. E como mesmO naquele que quer há dor, porque
Querer é Iibertaçào; mas como é que se chama nào pode voltar ao passado, foi preciso que o pró~rio
aquiI? que põe fe rros no próprio libertador? querer e a vida inteira aparecessem como um caslIgo .
... E d o passado , é um fa elo" - palaVl"a que enche de E, desde então, nuvens sobre nuvens amontoaram-se
contrição e de dor o quere r na sua solidão. Impotente sobre o espírito, até ao dia em que a loucura acabou
92 I NltTlSCII E. EXTRACTQS
I 93
po r p rega r: "Tudo passa , po is, tudo tem o mé rito d e o que d eve q ue l'er o q uerer que'e querer de pod
passa r. uh_, rapassa <11.Jalquer
. reconciliação _ m as como se checr cr...
.. E é a p róp riaj usli ça, esta le i d o te mpo q ue .\ o b ri ga la. Quer m.,lhe e nsll10 u a <luc re I' mesm O O retorno a tudo
o'
a d evorar os se us pró prios liIh os" - assim prego u a o q ue ' OI.
loucura. (fusi m Falo va Zamlu.slm " 11 - Da .cd - .. .
• ençao
«Tod as as coisas são rcgnts segu ndo lima o rde m lrad , Gcnc"ie\'e Bianqu,
< · , , Ali b·ler. )
moral d e lega lidad e c de castigo. Como livl.l r-nos do
flu xo in ccssa m e d as co isas c do castigo da ex istê ncia?,.
2i. Porque o 1'1f>1'71O retomo mele medo
- ass im p regava a lo ucura.
"Pod e haver red enção, se existe um dirc ilO Clemo?
O h! ningué m poderá fa zer ro lar. '11b'1.lIn a \'e7. a rocha do A Cnl Z a que cSlO U ligad o nào é de saber (ue
I _ I o
"racto consum ad o,. : tod<ls as penas, neccs~ari a lll c nlc, IOlll e lll c mau . mas aqui est,i O que procl amei (Oll
. , . d 10
nmglle lll a m a o havia proclamado:
são c te rn as. » Assilll pregava a loucura.
Oh! Ser;.-t preciso q uc o q ue há de pi or no ho mem
",Nenhuma ac(~o po de St!f a pag<lcla. Com o é q ue o
seja a inda mesq ui n ho?
castigo a pod e ri a abo li r? Aq ui CS L.j o cade ter e te rn o
O desgos to que te nh o d o homem - aq ui está o
d este castigo que é a existência: a e xistê ncia não pode
aJ~ i ma l que me asfixiava de po is de ter deslizado para a
ser se não lima sequência clerna de aClOS c de e rros.
mlll ha ga rbranta ; e e sta frase d o Profeta: .. Tudo é igual,
" A me nos que o querer não aca be por se libe rtar c
nad a vale a pe na , o saber asfixia-nos.»
que O querer se IOrne não-quercr» - mas \'O CCS co nhc·
Um longo cre púscul o arrdSta\'a-se com dificuldade
cem , meus irmãos, este est ribilho d a desrazão .
di ante d e m im . um a triste7.a cansada a morrer, bêbeda
Desvie i·vos d este estribilho e nsinando-vos: O qu e re r é
d e morte, e q ue fa lava a bocej ar.
criado r.
.. Ele voltará sem pre, aquele de que es t~is cansado, o
T:'do o qu e foi não passa d e fr-lgm cnlO. e n igma e ho me m mesqu inh o » - assim d izia a minha tristeza, a
ho rnvcl acaso. até ao di a e m q ue o q ue re r c riad or boceja r. arrastan d o os pés sem poder adormecer.
d eclare: «Mas e u quis assim.» Vi a te rr.t d os ho me ns lOnlar·se cavernosa, o seu
Até ao dia em que o quere r cr'iad o r declare: .. Mas e u pe ito op rimilHe. LUdo o que vive apareceu-me como
quero-o assim , E q uc rê-I o-e i assim ,,, um " po d ridào hum ana, fe ita de os"';adas e de um passa-
Mas d isse alguma vez estas palavras? E quando se rá isso? do carunch oso.
O querer j á d ~~posou o arnês da sua p,-ópria lo ucura? Os me us suspiros de mo ravam-se sobre todas os se-
O qll~ rc r Ja se torno u o rede lHor de si pró prio. o pulc ros d os ho m e ns e não podiam mais abandoná-los.
n:cnsagcll'O de alegria? l cni d csapre ndido o espírito de Os me us ge midos e as m inh as interrogações não deixa-
Vl n ~ n ç a e qualquer espéc ie d e roça r d e d e m es? va m d e m e inqll iet..1.I', d e me asfixi ar c de me desgastar
E q uem , pois, lh e en sin o u a reco ncili a r·se com o e de se lam e nta r dia e no ite:
tempo e a fazer - o que e- mais , e I CV-d d o d o que qualquer -.. Oh! o ho me m voltará ete rnameruc! o homem mes-
rcconci Iiação? quinh o voltarâ e le m a mente!"
EXTRACTOS
94 I NIETI..5CHE

Vi-os a ambos. nus, o utro ra, o maior dos homens c o M.as lJue sa;b~, bem pard onde vai a sua preferê ncia e que
mais peq ue no, demasiado semel hant es enlre si. o ma io r nela rec ue dIante de 1UmllU1n mt iQ! Aí está a elernid(uk! .
demasiado huma no aind a, o maior demasiado peque no f.sla doutrina ê doce para aq ueles que não tem fé
ai nda! Aqui está o que me d csgoslOu dos homens, c do nela; não tem nem inferno nem ameaças. Aquele que
RclOrno eterno do mais pequeno de entre ele ... Aqui nào te m a fé não se ntir.í nel e senão uma "ida fUgitiva.
está o que me desgostou d e toda a ex istência. (* 188 1, A \'ÍJPltade de Podt"r. [V,242-244 ,
Ah! desgosto, desgoslO, desgos to! - assim fa lava trad . Genc\'ih 'c Bianquis. NRF.)
Zara tustra suspira ndo e tremendo: rOl"q u e cle recorda-
va-lh e a sua doença.
(Assim Palavra ZnrolllStra, 111. .. O conv:t]cscen lc ", 29. O medo ultrapassatlo: o ttmlO Retorno como stT si/ectivo
trad . Gc nc\'ic"c Uianquis, Aubicr.)

28. O metlo Illtm/)(lSsado: o eterno Retomo romo /"'1ISfI"U'UtO Eu so u profe La c chc io daq uele CSp!nlO profético
.'iI'lectivo que C ITa sobre o ClIlllC elevado c ntrc dois mares.
indo C vindo. como uma nuvcm pesada. entre o
.. Mas se tudo está delC rrn inado, tomo po')')o dispor pass..1.do e o fUlUro, inimigo das pan es baixas asfixiímtes
dos me us attos? .. O pensamc lllo e a crença são um peso e de lodos os seres ex te nuados que não sabem já nem
que pesa sob re ti , tamo e mais do q ue qualqu er Outro mOITer ncm viver.
peso. Dizes que a a lim entação, o sítio , o ar, a ')ociedadc nuvem sempre pronta a libe rtar do fundo do seu
te tr.msfOlm am c te con dicionam? Mu ito bem. as tuas coração obscu ro o relâmpago, o mio libertador, o raio
opin iões ai nda ° fazem mais. porqu e sào elas que te que diz si m, cujo riso diz sim. o relâmpago profêtico,
determinam na escolha da tua alimentaçào. da tua (no entalHo, feliz é quem trouxer tais raios no seu
morada, do teu ar, da Lua sociedade. Se assimilas este seio, porquc ê preciso. na vcrdade, que pennaneça
pensamc mo e ntre os pe nsamclllOs, ele te transformam. suspenso por muito tempo, suspenso como uma nuvem
Se. e m tudo o qU!! quiseres faze r, começas por pergu n- pes..'l.da dc te mpestade no nanco da montanha , aquele
tar a li mesmo: "E cc n o que o que ira fazer um lHím ero que está destinado a acender a tocha do futuro ) -
infinito de vezes? .. , será para ti o cenlro d e gr.widade Oh! co mo nào a rderia cu do desejo da e ternidade,
mais sô lido. do desejo do anc l d os anéis, o anel nupcial do Re t~rno!
[... J A minha doullina ensina: .. Vive de ta l ma ne ird Nun ca e nco ntre i ainda a mulher de quem qUIs ler
que devas de:"ejarreviver, é o dever - po rqu e tu rc"iverás, filh os, se nào for es ta mulher que eu amo, porque eu te
de <Iualque r modo! Aquelc cuj o esforço é ti alegria amo, ó Eternidade !
supre ma , que se esforce! Aquele que gosta sobretudo Po rque te amo, ó Eternidade!
de repouso, que repouse! Aquele que gOSla an tes de
tudo de submete r-se, obedecer e seguir, que obedeça!
EXTRt\Cros
96 I l\' 1t.T/...scm : I 97
11 - porque a tcrra é a mcsiI d os deuses c ela lrt:mc
qmllldo ribombam palavras inovadoras c criadoras c
Se a minlm cólera nunca violou tltmu los. dc~ lo cada quando os deuses lan ça m os dados _,
d os linúlcs-froll teira.'i, c fal. rolar pedaços para profun- Oh ! como n:\o ardel;a cu do desejo da etern ida-
dos abismos das antigas mesas. de. d o desejo do anel dos anéis, o anel nupcial do
se o meu sarcasmo d ispe rso u ao "eIHO palavras Re torno!
carunch osas. se fui a va'i..'iQ Ura qu e ellxot.a as ara nhas Nunca enco ntrei a inda a mulher de quem quis ter
pOrla-cru1.cs c o H: nto que areja o!\ antigos !\t'pulcros filh os. se nào for CSla mulh er que eu amo; porque cu l e
cheios d e ar con finado . amo . ó Etcmidadc!
se nunca dominei , e m triunro. so bre os IllIllU los dos 110rque te amo. Ó Ete rn idade!
deuses mortos. ben ze ndo este mun do. amando este ( /\.nim Falava lllfalllstra, 1II . Os sete sinais_o
Inundo. junto d os monUllIclllOS dos antigos detracto res trad . Gcne\'iê\'c Billnquis. Aubier.)
deste mundo.
- po rque até gosto das igrejas c dos scpulc ros dos
d euses, d esd e que o céu me rgu lh e O seu puro ol har 30. t\ dllpla (ljinlUl(iio
através das suas abóbadas qllebracla~ : parec ido co m a
erva e co m a papoila \'cnneJha . gostO da estadia das l···]
ign.:;jas em ruína - Suprema co n ~ t ehl çào do serl
Oh! COl1l 0 nào arderei cu do desejo da eternidade . Mesa da:. vi:.ões ete rnas!
do desejo do a nel d os anéis, o anel nupcia l do Retorno? És lU que vens a mim ? -
. un ca e ncontrei ai nda a mulh e r de quem q uis le r O que ninguém viu ,
filhos, se não fo r esta mu lh e r que eu amo; porque eu te a tua m uda be leza -
amo, ó Ete rnidade! como é que e la não foge d iante dos meus olh ares?
Porque te a mo, Ó Eternidade!
Símbolo da necessidade!
Mesa d as " isôes e te rnas!
111
- M as tu s'lbe· lo be m:
Se nun ca senti o corpo do espírit o n iador e desta o que todos ode iam ,
necessidade celeste qu e obriga os pró prios acasos a o que e u sou o üni co ::t amar, sabes bem que és eterna!
dança r rond as aSlrdis, que és necess<i ria!
se nunca ri como ri o relâmpago u iador qu e segue
rabuge nto mas d ócil a longa tempestade da acção. O me u a lllo r nào se inflama,
se nunca joguei os d ad os COm os d e uses. na mesa etername nte , se não com a necessidade.
divina d a terra, d e rorma que a terra est.remecesse, se Símbo lo da necessidade!
fendesse e brotassem 10ITe ntes d e fogo
NIE'17.sr.Ht: EXTRACTOS
98 1 199
Constel ação slIprem a do ser! ranças su pra .. lcITcstres. Conscientemente Ou ..
nao, são
_ que nenhum "oto pode atingir. ell\'cncnad orcs.
que ne nhuma negação mac ula , S:io ma ld i/en tes da \1da . moribundos, intoxicados de
eterna afinllação do ser, quem a terra e'l l:i ca nsada : que morram , pois!
ctcmamc ntC sou a IlIa afirmação: Blasfem a r De us erel Outrora a pior das blasfem 'las,
porq ue te amo, Ó clCrnidad c! mas Deus m o rreu c monos com ele es tão esses
(* 1889, /)iliroll1oo\ tliOIl;Ji(l(os, blasfe madores. OOra\"3nl,e, o crime mais odioso é blasfe-
Irdd . Hcnri Albc n . ~ I cl-ctl r(' (i(. Francc.) mar a terra e d:ar um maior preço às entranhas do
inson<hí.\'cl do <Iue ao sentido da terra [ ... ].
( A..uim f àlava Zara/uJ/m, .,Prólogo.. , 3,
31. O SuIJer-H olllf'111 Irad. Ccnc\iê\'c Bianquis. Aubier. )

Eu f'nsinQ-lIos o Sobre-N uII/II1l0. O homem só existe


p<lnt se r ultrapassado . Q ue fi zestcs \'ós para o ultrapas-
sar?
Até agor.t. todos os seres Cliaram (Iua lquc r coisa <llIC A pa1:wnl ...Sobrr- flummI O», por exemplo, que designa
os ullrapaS!ia. C vós desejaríeis se r o re fluxo deS la gra n- UIll tipo de perfeição abso lut'l, elll oposição com O
d e m aré c voltar ao animal de preferê ncia a ultl<lpassar homem .. moderno,., o ho mem "bom". com os cristãos e
o homem ? outros niilisLr.'\S, quando se encontra na boca de um
O qu e é O macaco para o home m ? Escárnio ou Zaratustra . o destruidor da moral. toma um sentido que
vl.:! rgonh a d olorosa. Tal se ní o home m para o Sobre- dl.i muito que pe nsar. Em quase toda a parte. inocente-
Humano: escárnio o u \'e rgon ha dolorosa. mente. dera m-l he lima significação que o põe em contro-
Vós percorrestes o cam inh o que \'<-li do verme ao dição absollll.1 com os valores que foram afimmdos pelo
hom em , e ainda tendes \'crmc de ntro de vós . O Ulrorn perso nage m de Z;uatustra, quer dizer, que se fel dele o
fornll1 macacos, e mesmo agorn o ho me m é mais maca· tipo . id calist;l)O de uma cspêcie superior de homens,
co do que qualquer macaco. meio .. s..'l ntos". meio .. gênios" ... Outros animais com
Até o mais s..í.bio de entre vós nào passa a inda d e um cha\'clhos s.:'Í bios. por causa desta palavra, suspeitaram
ser híbrido e d íspar, meio-planla, mcio-fa lll<lSm;:l. Di sse- que cu fosse darwinista; até se quis encontrar aí o "culto
-\'OS a vós que se to rn ásseis fantas mas o u phlllt,as? dos he ró is- desse grande fa lsário inconsciente que erd
Aqui está, e nsin o-\'Os o Sobre-Hu mano. Carl)'le. esse cult o que e u tão maliciosamente re~eite~.
O Sobre-Huma no é o se lllido da terra. Que o vosso Quando cu murmurava a alguém que seria melhor mqUl-
quere r diga; Possa o Sobre..Humano tornar-se o sentido rir sobre um César Bórgia do que sobre um Parsifal, ele
da terrd ! não acreditava nos próprios ouvidos. [... ].
Conjuro-vos disso. ó meus innãos, permaneçam fiéis à Vejam como ZaralUstra desce da sua montanha para
(erra e não acreditem naque les que vos falam d e espe- '
d Izer a cada um as cOIsa.s " mais b enevo
' las .l I'c'iam
".J
com
EXTRACTQS
100 1 NIETZSCII E 1101

Deus não vêm lambérn dc Deus. ,'L3tc


O .
que m<'io delicada toca mesmo nos adversários, os sacer- lI lono, nào me marol\~ lhei po' o. ' .
dotes, c como sofre com eles, d eles mesmos. - Aqui , a I . ...,5~lrr
( U.\$ "cles 30 meu
. enterro' pnmeLro
. .
cada min uto, O homem é ultrapassado, a id e ia do como conla Robllant (n'ol. e. nleu filh L o
.. Sobre- Humano .. lornou-sC .1 mais elevada realidadc. enquanto
. eu sou Carlo AlberlO . .lnlefi I a'
mlllha natun::la):
• mas Anlolldli • co cra-
.
N UIll infinito lo ngínquo. llIdo aqu ilo que a té agol1l foi
-o eu proprio ... •
chamado grande 110 homem encOIllIâ-se <Ibaixo dele . O ( ·earta a 8u.rdchQrdl
Glrnctcr aJciónico. os pés leves, a coexis tcnc ia da m::lida- 6 tkJarlriro tk 1889.)
d e c da impclllOsidade, O que existe ainda de tipi co na
fi gura de Zaralllsu'a. nunca foi son hado como atributo
33. A 10 UCII 1'(I e os dt'uses
esse ncial da grand eza. Zarawstra co nsidera-sc precisa-
melllC, nestes li mites do espaço, ncste a ces'iO fá cil para
as coisas mais contraditó rias. como a I'. :,/Jicie slllmior de Os Gregos se rvinllll-se durallle muito tempo dos se us
dcuses para se preve nirc m Contra qualquer veleidade
tudo o qUi' existe [ .. ·l·
(Ecce Homo, "Porque esc revo livros t:"lo bo ns ~ , I, de _m.-t consciê ncia .. , para tere m o direito de desfrutar
e 6 na exposiç;io d e Zar:llllSlra, em paz a sua liberdade de alma: portanto, num sentido
trdd . J-Ie nri Albert , Mercure de FmTlcc.) oposto à con ce pção que o cristia nismo fizera do seu
Deus. Eles foram muito lo nge nesta \i a. essas soberbas
crianças com coração de leão: e ,ué a autoridade de um
Conclusão: sobre a loucura Zeus homé ri co lhes dá a ente nder. por vezes, que eles
vão demasiado longe. É ,s/mllllo. d iz ele certa vez -tnua-
. E por vezes a própria lo ucura ê a -se d o caso de Egisto. um caso deveras espinhoso,
máscara que esconde UIII ~ be r fa l:ll c
demasiado seguro.· É eslrewllO ver quemlo os mor/eús se queixam dos deuses!
(para a!im I/l) Ik", t' til) Mal)
Só de " ós vt!m o ma/~ se os ouvinnos.l Eks próPrios, porim)
.No fundo. gostaria mais dt.' ser profc.... Ptdel Sllll loucura, criam as suas próprias infelicidades,
sor em Ihsileia do (Iue Dem. mas n:i.o {apesar do destino.
ti\'e coragem de le\':tf I.io longe o meu
egoísmo pessoal p:lra abandona r a cri·
ação do mundo. Veja bem. ê prcciso M as ouve-se e o bserva-se que eSle especlador. esle
fazer alguns sacrifícios, onde e de (Iual- juiz olímpi co está ainda demasiado longe de lhes que-
que r mlllleira que se \'iv·a ... rer ma l par ca usa disto e de lhes guardar rancor: «Eks
O quc é lamCllIá\'cI. o q ue perlul'lxl a
min ha m odéstia. ê que n o fundo cad;1
são mellt,cos.' .. _ assim pe nsa e m face das más acções dos
nome da Histó ri a, sou l' 1I . E. no morta is _ e a .. louc ura .. , a "d esr.lzão .. , um pouco de
respcitante lis cri anças q ue pus no óc perturbaçào no cére bro .. , aqui está o que também os
m undo , a si tuação é tal q ue pergun to a Gregos da é poca mais vigorosa e mais braV"d admitia~
mim mesmo. com dcsconlian(a. se to-
dos aqueles que entram no im pério de para ex plica r a o rigem de muitas das coisas más e falats:
EXTRI\CfOS
N If,T7.5CH E 1103

_ Loucum , e não pecado! Compree nde m? .. E ai nda eslc") aO po n ado r de ullla ide ia nova, a veneração e o receio
perturh~çáo na cabeça era para ~Ies ~m probl ~ ma . - del e próprio. e já não re morsos. e que o em pu rrasse a
.. Como era possível eslc1 perlurbaçao? Co mo pocll a pro- se r o profela c o má rli .· desta ideia? - Enquanto nos
d uzir-se em ca beça... como nós as lemos. nós, home ns de nosSOS dias nos d ào sempre a e nte nder que o génio
origem nobre . nós. hom ens feli zes. belll-vindo~, distin- possui . em \'e7 d e UIll gr.i.o de bom senso. um grão de
guidos, de boa sociedade, virlllosos?" - ESla fOI a ques- loucura. o .. ho mens de o utrora estavam muito mais
tão que põs, du rante séculos. o Grego nobre e m prese n- peno da id e ia de que onde houvesse loucura havia
ça de qualquer crime ou pe rve rsi dade , in compreensível també m um grdo de gênio e de sabedoria - qualquer
i'qucles olhos, mas com que 11m homem da sua casta se co isa d e .. divino .. , CO IllO se murmurava ao ouvido. Ou,
suJara . .. É preciso q ue um deus o te nha ceg<ldo". dizia de preferê ncia , h.wia qucm se exprimisse mais nitida-
abanando a cabeça ... ESle sub le rft"lgio é tí/Jico nos Gre- mente: ... Pela lo ucura, foram espalhados pela Grécia os
gos ... Aqui es tá a maneira como os dellses então se rviam maio res be nefícios", di zia Pla tão com toda a humanida-
para justificar os homens até UIll ce rto po nto, mes mo de a mi ga. A\71 Tl cC IllOS mais um passo: a todos estes
nas suas más acções, eles mio tomavam sobre si o homens supe ri o res levados irresisli\'elmellte a quebrar
castigo . mas, o ljue é mais //Ob rr, a fa ha .. . o jugo de u ma mo ra l qualquer e a proclamar leis novas,
(&/Imlogia da M oral. 11. 24, mio ha\'ia o utra coisa a fa zer, quando eles não eram
trad. I knri Albert , Mercure de.: Fr:ancc.) 'Va"dademllllrllll' lou(,05, se não "i r a sê-lo ou a simular a
loucura [ ... l .
.. Como é que nos tomamos loucos quando não o
34. Função da Loucura somos e qua ndo não temos a corage m de fingir que o
SOMOS?.. Quase lodos os homens eminentes da antiga
Em quase toda a pa rte , é a loucura que ap la na o civilização se d ebruçaram sobre este pavoroso raciocí*
caminho da ide ia noV"J., q ue rompe a procl a mação de nio: uma d outri na sec reta. feila de anifíc ios e de indi-
um costu me, de uma su pcrsLição vene rada . Compree n- cações die lé ticas. co nse rvou-se sobre este assunto , ao
dem por <Iue fo i precisa a assistê ncia da loucura? De mesmo lempo que o sentimento da inocência e mesmO
qualquer coisa que fosse l.ào terríve l c tão incalc ulável , da santidad e de lal inten ção e de tal sonho. As fórmulas
na voz e na ati tude, como os caprichos demoníacos da para to rna r-se médico. entre os índios, santo entre os
te mpestade e do mar e, por consequ ência, de qua lquer cri stãos da Id ade Média , ft; allgtU'coq'lle» e nt re os
coisa q ue fosse, ao mesmo título, digna do receio e do grone landeses, "lm)l'''' enlre os brasileiros, s..1.0. nas ~uas
respeito? De qualquer coisa que tra nsportasse, como as lin has gerais. as mesmas: ojejum exagerado, a con tinua
convulsões e a espuma do epi lé ptico, o sina l visível de abslin ê ncia sexual. a retirada para o deserto ou para_ a
lima manifesLação absolU lam cme involulll,iria? De qual- montanha , O ll a inda no alto de uma coluna, ou enlao
que r co isa que parece ler imprimido ao ali e nado o selo . da "a estadm
alll . num "ellI o sa Iguclro. na margem de um _
de q ualquer divindade de que ele parecia ser a máscara lago" e a ordem de não pensar noutra coisa senao
e o pona-\'oz? De qualquer coisa que inspirasse, mesmo naq uilo a que pode le\'ar o êxtase e a desordem do
104 1

espíritO. Que m, po is, Icria ti coragem cle lançar um


olha r n o in fe rn o das a ng üstias mo r"lis. as mais amarga !

e as mais in ú teis, e m que. p rovavelmente, Sé conSum i-


ram os homens mais fe cu ndos de IOCI::L.. as épocas!
Q uem terá corage m de eSCllI.ar os suspiros dos solitários
c dos ex traviados: .. Oh! d êem-me. en tão. li loucura ,
potê ncias divin as! a lo ucu ra para que c u acabe por fim
po r acreditar em mim mesmo! Dêe m-me delírios (~
convulsões, horas d e cla reza c d e obscul'id:ule súbitas,
assustem-me com co moções c <lrclorcs que ne nhum
mona l algu ma vez len ha expcl-imc ntad o. cerq uem-me BIBLIOGRAFIA
d e estrondos e de fa ntasmas, de ixem-me uiva r e ge me r
e rastejar como um a ni mal: d esd e qu e te nh a fé e m mim
mesmo ! A dúvida devora-me . mate i a lei c ten ho pela lei Entre os estudos alemàes, citaremos principalmente:
o ho rror dos vivos por um cadáver; a menos que es teja
aci ma d a lei, sou o mais rep rovado d e e ntre os re provat ~~RL LÕWlTI l, Niel1.Sches Philosaphie der ewigen Wiederkehr
doso O espírito novo q ue eSLti em mim, de onde me \'e l1"' des Cleichen, Estug-a rda , 19350
ele se não "e m d e vocês? Provem -me , po is, que e u \'0):( :'\RL j ASPEltS, Nietz.sche, Be rlim , 19360
perte nço! - Só a lo ucura mo demonstra0 " E d em asiad ~ I UGEN FINK. Nielz.Sches PhilosoPhie, Estugarda, 19600
,"ezes este fe rvor a ti ngiu o seu fi m : na é poca em q ue p l\'ARTIN I-I EIDEGCER, Nietz.sche, Pfullingen, 1961.
cri stianismo faz ia mais larga me nt e a demon stra ào da
sua fe rtilidad e ao multipl ica r os santos e os anacoretas, Entre os estudos fra n ceses:
j ulga ndo assim afirm a r-se, ha\~a e m J e rusalé m gra ndes
esta belec im e ntos de alie nados para os samos nauli-aga- CHARLES A.~DLER .
. sa r~'-
Nieusche, sa Vle, ",",ie, 6 vo\ o, \920-
d os, para aque les que tinh a m sacrifi cado o se u últim o -\93 1. Éd. Bossard _ e NRF.
grão de razãoo
(A Ilro1'll, I. 14, Mais rece ntes:
lr.l,d o !-Ien .-i Albert, Mercure d e Francc.)

J EAN W AI-Il., L'avan l-tiemim peru" de Nu/zSche, C.D.U.,


\96 1.
mmes oous aussi,
.l~ 1.1_ /'
o ,

H ENRI BUtAU LT, .. [ n quo l noUS sO o '

e ncore piClIX », Reuut de Me-' aphY"md


'1 -
" ~ ,. v,. ,

1962, o oQ 1. A h io di filosofia,
O

_ «Ni etzsche et te pari de pascal.. , rc I V


\ 962, n." 3.
N IE'íl.SCHE

G ILLES DEL.EUZE. lWftllche fI la philosophie, P.V. E, 4.;1. cd.,


1974.
ÉOO UARD GAEDE, Nietllche fI Vatb)', NRF, 1962.
PIERRt: KLOSSOWSKI , Un si fimest désir. NRF, 1963.
J EAN GRANIER, Le probt.eme di! la vérilé dons til philosoPhie de
Nietz.sche, Éd . du Sc uil , 1966.
- Nietz.sche, Vie el vmté, P. U.F., 1971.

-
INDICE

A VIDA ......................................................................................... 7
A FILOSOFIA
...................................................... ············ ......... 17
DICIONÁRI O DAS PRJNCIPAIS PERSONACENS

DE , IETZSCHE ................................................................... 39
A OBRA ....................................................... ············ ····.............. 47

EXTRACTOS ...................................................... ········· ............. 51


O que é um filósofo? (1..6) ................................... ...... 51
Dioniso filósofo (7·11) ................................................. 61
Forças e vontade de poder (l2-17) ........................... 70
Do niilismo à transmutação (18-25) ..... ..................... 78
O e te m o re tomo (26-32) ............................................ 90
So bre a loucura (33-34) ............................................. 100

BIBLIOGRAFIA ...................................................................... 105


BIBLIOT ECA BAsl CA DE FILOSOF IA 16

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