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Maria Fernanda Espinosa Gomes Ga Silva


dc Olivcira Marques nasceu cm Lisboa,
cm 26 dc Janeiro dc 19.31, e faleccu na
mesma cidade, em 9 dc lunho de 1971.
Liccnciou-se em Ciéncias Yiis§orico-Filo- I f-—

soficas pcla Faculdade dc Letras dc Lis-


boa, ingrcssando depois no ensino secun-
dério (Liceus dc D_ Filipa dc Lencastre,
Rainha D. Leonor, Pedro Nunes e D. Pe-
dro V), onde se disringuiu como uma das pr_ J-U9-IF
~ _ ~ 1 in
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mclhores professoras dc todos os tempos.


Dedicou-se também 51 invésrigaqéo, publi-
uando nunwrosos artigos sobre historia. _ \~

Em livro, dcu £1 estampa 0.: Manuscrilqs


do Arquiva da Casa de CadavaI- Respei-
lanles ao Brasil, 2 vols. (1956-1958), em
colaboragio com Virginia Rau, e um-
rla, 3 vols. (1966-I967), para os 3.", 4%," e
5." anos dos liceus, em colaboragéo com i an-0¢_
Maria Luisa Guerra. Os"s=ai1s dispersos
sobrc historia e pedagogia vio sear breve-
mentc reunidos em volume.
Dc 1966 a 1969 msidiu nos Esrados Uni-
dos da América, nz cidade dc Gainesville
(Florida).
Foi casada com A. H. dc Oliveira Mar-
qucs.

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DE TEXTOS msromcos ' “‘f."'; *3‘ 'i
MEDIEVAIS _ - ‘
A p!'¢$¢n!e antologia dc fontes historians ANTOLOGIA DE TEXTOS HISTQRICOS MEDIEVAIS
medievais -prétende acima de tudo servir " ‘
dc pom-r. de apoio ao estudante de Histo-
ria. ‘Pu: esia razln procurou acorn;-anhar, '
sem se lhe submeter rigidamente, os vzirios
penws qu; 0 actual programa liceal exige,
EF demro "db periodo inedievo. No cmamo,
na medida em que perspectivou eses te-
mu de maneira a conferir-lhes unu certa ‘iuan
:. l;.

amplidio 2 diversidade, poderé igualmente


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V'sIn‘\4fi
ofereoer matéria de estudo a alums do
ensino superior ou até ao piiblico em ge- '
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I Para os lextos apresentados houve o oui- i <~- *. I _.=1;'
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dado de dar, tanto quanto possivd, uma '_ 2" i ‘ "”":'
traduaio directa obtida" a partir das ver- " -¥‘~?;1~ ?n%fl&L
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soes originais. Quando ate desidenlo nio ~
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1 tmduqoes reputadas seguras. Em relagio 5 _ ._ 1 V
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v aos originais portugueses optou-se por uma ' * i-Q . .,,
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grafia actualizada, mantendo nio obstante
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0 voczbulério e a sintaxe medievais. ._ __;‘_.;I,
Temou-sc dar is fontes seleccionadas uma ,,m ‘. ' >l"“T‘ a

extensio equilibr4da—um texto historico, -l


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muitas vezes narrative, nem semple pode M "._f4<“.1
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! ser demasiado breve e sincopado —e evi- _.~


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‘,; . tar um excesso de notas. Esta: vinrn ex- f _“I'u=‘}, i
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plicar os nomes cujo conteudo obscure 4-. r-..>».:
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possa prejudicar a boa interpretaqio do ,.
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conjunto e dar as balizas cronol6u':as que .
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pennilam a localizaeio de peosoase acou- _ 3,‘-~‘-.’¢~.1

tecirnentos. elk‘
Pcquerras. introducoes a cada um dos ex- .1;-‘_v;~.»I _i
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oertos ajudario 0 leitor a situar-se no ._ ’- 'Y~:.';-
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problem focado; uma abermra do capl-
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l tulo sintética e concisa~sen/iré de fio con- '!~ 'v_
1 dutor aos assuntos que a seguir se abre-
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r sentam. (Da nota inlrodutdria.)
TEXTOS DF. APOIO
_ 1 ' A_ ..r , 1,‘ °
ANTOLOGIA DE TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS , t
Fernanda Bpinoso
A soumma DA ABWANW _ do to:-atos his.téri"os
medievais
John Kenneth Galbraith

PEQUENO MANUAL DE FILOSOFIA


V. dc Magalhfies-Vilhcna ‘ '
'."er.1anda. Ylspinosa
A SOCIEDADE MEDIEVAL PORTUGUESA
A. H. dc Oliveira Marques

ELEMENTOS DE LINGUISTICA GERAL ‘


. §_ .
-_ Andre’ Martina: "
‘ ANATOMIA MICROSCOPICA no SISTEMA NERVOSO CENTRAL
M. J. Xavier Moroto ' ,'.'-"-:‘-
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‘fa-"'5 "E! ‘
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_A CONTABILIDADE mcroum. rz ANALISE MACROECONOMICA i


Richard e Nancy Ruggles '7'~_§.._-
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_‘T;_'-1*“ ANTOLOGIA DOS ECONOMISTAS PORTUGUESES (século XVII)
-~ Amdnia sérgia §£
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u_ @_.:7.Ȣ r BREVE ANTOLOGIA FILOSOFICA
_ A Filosofia & Psicologia
I volume-—Inlrodu<;io _. ~'_. '>-? /35
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II volume-Filosofia ‘ii ‘_\;_,~_'~ ~.M.;.H_._
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0 ; " i‘. ‘"9 is Lisboa
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INDICE GERAL

CAPlTULO I
-4s 1'-Nmsoss
1'-NVASUES
Lamentagbcs de
Lamentaeoes dc S. J.-ronimo
J.-Aronimo sobre 0o saque
saquc de
dc Roma (410, 1

a. A PRIMEIRA VAGA INVASORA r;

"I. As grandes invas5es


invaszies dos .:_é:uIos IV e V 1
O aspecto e os costumes dos Hunos, 4. As mracterlstitas
asracteristicas dos Alanos,
Alsnos, 6. A he
Ins
talaoio dos Visigodos no Império (século xv), 7. 0 saque de
talaeio dc Roms por Alerlei
Alida
,2:
.2. (410) e as incursoes
incursocs birbaras no
na Gélia e.na'Espanha, 8. A iIlVl8lO
invsslo do
ds Pnlnluli
Pninlull
‘-H1 Ibérica pelos Vflndalos, Alanos e Suevos, 9. Os Vflndalos em l0. A quodi
qusd|
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...t'/V
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'1“.- do Irnpério
Império Romano do Ocidente
Ocidcnte (476), ll. .
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Z. A ocupagfio do Império no decorrer dos séculos V e VI
2. ll
Sobre-a origem dos "Frances, 13. A fixaeio
fixaqio dos Anglos o0 dos Suoorllo
Subsrlll In
tanha (séwlo v), 14. O reimi dos Ostrogodos Teodorioo venoeu
Venoeu Odoeoro
Odoncro I Ito
Isl
beleoeu-so na Itélia (493), 15. A invasio do
beleoeu-se da Itilia pelos Lombardos
Lombsrdos (568), I7
Leovigildo tentou a unificaeio
unificagio polltim
politim da Espauha (568-$86), 18. '

b. CONSEQUENCIAS DO EMBATE DAS SOCIEDADEQ BARBARA B IO


MANA ' ' ll
LIVRARIA sA DA cosm
cost». EDITORA
¢_| Augusto sa
SA da Costa, Lda. I. Os problemas juridicos llI1
\,_.
\r_. Praca Luis dc
Praea de Camoes,
Cambes, 22-4.‘, I294 Lisboa Codex
T=|=x= 15574 SACOST P
r=|=x= Exoerto do epilogo
opilogo do‘ Edictum de
dc Teodorico, rei
rci dos Ostrogodos, 20. Ullll ‘ll
-1:):
1 _-_,_. posi<;!ro_da lei silica, 21. Uma oomposieio
posi<;!»o_da oomposiodo segundo a lei ripulrla,
ripulria, 21. I-ltrlllil
l I.
- --.-~. . .~ A - 3~.- mam, 19s| dailei burgrindla
burgiindia sobre a venalidsde,
venalidade, 22. A lei dos Visigodos o0 1 oprotlllllfll
apmtlllllfll
',,. 1 .. 1'1:
_ ,-.’- »-*1 " " das:a¢as,,23.
daso:a¢as,,23. As asortes
asoncs goticasi
goticasa segundo o oodigo
obdigo visinotioo,
visindtioo, 24. Um IIQQI
71- .‘,_i_.
,‘,_i_. “fl. _ , ©gSé_da
©»Sé_da Costa Editora
' ‘re "
Todosv os direitos reservados de
Todos dc harmonia
hannonia da lei lombarda Edictu: R0!IIari—A oomposieio
oomposiqio aroma
amrca du mum injilrlu GOIDOIII
jfoitas ourohomem
jfeitas oum_homem um;
livré; '25.
. _. _v com a lei em vigor
2. A cristianizagdo dos Germanos 34
Cdpa dc !/ilnr da Silva
Cops
A conversio de
dc Clovis (496, 498 ou 506), 27. O retorno
rewrno dos Suevos A fl we
0516
lien, 28. A eonversio
conversio dos Visigodos (581), 29. S. Gregorio Memo
Mano 0 I coo con
Impresso em Portugal
lmpresso
vérsiodos Lombardos, 30. "Cam de
versiodos dc S. Gregorio Magno para Eul6Bi0- P131119!
Pl\1'|lNl
1 NDICE GERAL VI]
W mores GERAL
3. A quesuio do Filioque e a separapdo definitiva das duos Igrejas (sleu-
de Alexandria, sobre a evangelizaedo dos Anglos (598), 31. A eoexisténcia dos
bispos ariano e catolico nas cidades lombardas (século vn), 32.
los IX a XI) 64
0 patriarca Focio e a questio do Filioque, 65. O Papa Ledo IX (1049-1054)
3. A transfomnagfio cultural 33 condenou a actuaqio do oatriarca Miguel Cerulario (1043-1058), 66.
A polltica de Ataulfo em relaeio a Roma (séculr v), 34. Sobre a decadéncia
dz: culture rornznz (século v), 3$. Desealabro da civilizaqio romana na Galia c. 0 nnuzno E A AD\MIN1STRACAO s1
(século V1), 35. 1. A reforma de Justiniano 67
O imperador Justiniano encarregou Triboniano de organimr as Dlgma, 68.
c. A SEGUNDA VAGA INVASORA 37 Proémio das butitutianes de Justiniano, 69.
1. As incursfies na Europa Oriental 37 2. As codificapfies posteriores a Justiniano 7|
, Da diversificaqio das tribos eslavas, 37. 0 avaneo dos povos das estepes (se- Extracto do prefécio da Ecloga de Leio III (717-741), 71. Lei de Lalo VI 0 Slblc
culos vn a IX), 38. (886-912) limitando a autoridade do Senado, 72. Extractos da Epanagon, 73
2. 0 cerca do Europa cristii nos séculos IX e X 39 Introdugio a obra Da Cerimdnia de Constantino VII (913-957), 74. A orlgon
dos Tamas, 75.
, A expansio mueulmana na Eurooa no prin¢iPi0 11° $59910 V111, 40- A5 influ-
_ soes dos Vikings em Franca (século Ix}, 41. A fundaqio do estado russo de d. AARTEEALITERATURA 71
_ ,_ Novgorod-Kiev (séculn ix), 42. Os Hiingaros devastaram a Lombardia (924), 43.
I. As marufestagfies artlsticas 71
Santa Sofia, 76. A estétua equestre do imperador Justiniano, 78. 0 psllclo lmps
CAPl'I'ULQ n rial, 79. A Porta Aurea, 80. As rnaravilhas de Constantinople: os logos dl
.4 CIVILIZACAO BIZANTINA Imperador, 81. ‘
2. A cultura humanistica l
a. BIZANCIO PONTO on LIGACAO ENTRE 0 ORIENTE E 0 ocmrzma 41 Miguel Pselo (1018-1078) refere s orientaeio dado sos seus sstudos, 82. Pr!
I. Canstantinopla cabega do Império Romano do Oriente 47 foeio da Alexlada de Ana. Cornnena, 84. ‘I
A fundagio de Constantinople, 47. Constantinopla no século v1, 48'.’ O fausto
imperial em 949. 49. o geografo lama (século xn) descrevw Cvnmntmovla, 51- CAPITULO III
Relapoes wmerciais de Bizdncio com o Mediterrdnea. 0 34111110 ¢ 0 A CIVILIZACAO MUCULMANA
Oriente 52
8. A GENESIS DO ISLAMISMO I
Kiev e Bizdncio no princlpio do século X, 52. Regulamentos bizantinos para
a guilda. dos mercadores de seda crua ($81110 X). 54- 05 imP°5‘°5 a"and°¢ri°‘ I. Os principios e as prdticas religiosas I
em Constantincpla no princlpio do século XIV, 55. Trebizonda e o OOmér¢i0 _ A existéncia. de um so Deus, Allah, 90. A oraoio, 90. O jsjum do IND
oriental (século XIV), 56. dam, 91. A esmola, 91. A peregrinaqio, 92. Um mueulmnno do mule I
descreveu a npedra negra», 92. Os rituais religiosos em Moos, 94. A oslsbsssl
. IGREJA E OS CONFLITOS RELIGIOSOS .. 57 do Ramadan em Meca, 95.
As "primeira-s heresias no Império Oriental (séculos IV 0 V1) 57 2. ‘A forrnagfio do Império Arabe '
go ()5 ensigamentos dos Arianos, 58. 0 Concllio de Caloedénifl (451) wndmou A i=,<>nqu_i=_nja= Darnasco (ass), 91. Depois do baialha do A1-Ysnntlk (0:
0 monofisismo e 0 nestorianismo, 58. ' ‘ Bizaneio perdeu a Siria, 9s. A invasio da Peninsula Ibérica pelos Mueulnnl
. . s . 7 . $9 A (711). 99. A expansio do Império Mueulmano no tiltimo tereo do soeulo X, ll
A c:sao»rco;:ocI:zsta ' 62
-Gregoriocll e a iconoclasria, 60. S. I050 Damasceno defendeu as lmasens. - 3. “A religifio e a lingua como elemerztos aglutinadores do Império 1
A oondenaeie das imagens om Bizfincio, 63. O 2.‘ Concflio de Nioeia (787) Q Corio e a instrueao da crianea rnuqulmana, 102. O ensino no nmqults
oondenou 2- iconcdastia, 63;
Vlll INDICE GERAL lNDlCE GERAL [X

Damasco (século xrv), 104. As escolas de Bagdad (soculo XIV), 104. A divul-
de relaeoes entre o Papado e a Monarquia Franca, 138. Os Merovingios e os pre-
gacfio da llngua arabc, 105.
feitos do palécio, 139. O rim da dinastia merovlngia, 140. A doaeao de Pepino
(756), 140.
b. ASSIMILACAO E TRANSMISSAO DA CULTURA DOS POVOS oom-
NADOS 107 2. A coroagdo de Carlos Magno 141
A adoaeio de Constantino», 142. A confirrnaeio da doaido de Pepino por Car-
I. A osmose étnica e cultural 107
los Magno (774), 142. Carlos Magno diriglu-se ao Papa Leio III definindo
Os sabios muqulmanos so por excepqio foram arabes, 108. O saque e os impos- os deveres de ambos (796), 143. Sobre os (mes mais altos poderes do Mundo»,
tos como objectivo da conquista arabe, 109. A mesquita de Damasco (705) 144. O acto de aclamaqio (800), 145. Razoes da eleieao de Carlos Magno, 146.
foi edificada por artifices bizantinos, 110. O plano da cidade dc Bagdad, 111. A coroaqio de Carlos Magno segundo Eginhardo, 146. A paz entre os impérios
A influéncia persa na azquitectura abassida, 112. A mesqujta de Cordova, 112. do Oriente e do Ocidente (812), 147.
2. As contribuigoes do pensamento cientifico, literdrio e filosofico 114 1* -c. O all ENASCIM ENTO» CAROLINGIO 149
O desenvolvimento da medicina mueulmana: exemplo de um diagnostico, 114.
Sobre a existéncia do contégio, 115. A lenda do mar Tenebroso, 115. A poesia. I I A fundag,-do de escolas e a revivescéncia do latim cldssico 149
no Ocidente peninsular (século xr), 116. A ciéncia da jurisprudéncia, 117. A escola do Palacio e as artes liberais, 150. Da neoessidade do estudo das letras,
A finalidade da historia, 118. A educaeio de Avicena, 119. Aristoteles visto 151. A fundaeio de escolas monacais e catedrais, 152. As reformas legislativas e
por Averrois, 120. a defesa da llngua germanica, 152. Sobre a reforma dos livros liturgicos, 153.
2. 0 desenvolvimento do arquitectura e dos artes menores 154
CAPITULO IV O ernbelemrnento da catedral de Aachen, 155. Carlos Magno e as oonstruqoes
arquitectonicas, 155.
A IGREJA CATOLICA E OS CAROUNGIOS
K‘.

' a.A IGREIA NOS QUADROS DO IMPERIO ROMANO 123


CAPITULO v
I. 0 bispo de Roma conquistou a chefia da Igreja Catolica 123 ORIGENS E c01vs01.1z>.4¢10 no FEUDALISMO
Valentiniano III estabeleoeu a primazia do Papado (445), 124. Roma e Cons~
tantinopla: a hierarquia eclesiastica, 124. S. Leao Magno defendeu a autori- a.A ESTRUTURACAO ECONOMICA ‘ 159
dade da Santa. Sé (452), 125. As vinudes inerentes a.o sacerdocio,.seg1mdo S. Gre- _ I A astenia comercial precursora e geradora do feudalismo 159
gorio Magno, 126.
As invasoes e a decadéncia urbana, 159. A vida rural na oorte merovlngia, 160.
2. A Igreja, organizando-se como um estado, supriu a autoridade civil 127 O rendimento de uma villa carollngia, 161. As invasoes normandas e a crise
O Concllio de Niceia (325) regulamentou a organimeio eclesiéstica, 127. Sobre da monarquia (século IX), 162.
os bispados nas regioes ocupadas pelos barbaros, 128. Sobre a delimitaeio dos ;A 2 0 parcelamento do direito de propriedade 153
poderes espiritual e temporal (494), 129. Sobre os bispados em terra de infiéis, 130.
Formula pela dual um homem livre se enoomendava a urn senhor (século vru),
3. 0 nascimento dos instituigoes mondsricas 130 163. "Formula para obter uma terra em precario (século vn), 164. A capitular
I Os eremitas estilitas, 131. A fundaeio da Ordem de S. Pacomio (c. 320), 132. dc Quiersy-sur-Oise (877) e a hereditariedade do beneficio, 165.
Regra de S. Bento: cap. 1—Sobre as categorias de monges, 133. Regra de b. A FSTRUTURACAO SOCIAL
l
’ l 167
S. Bento: cap. 48—Sobre o trabalho manual diério, 134.
. *1 A criapfiopde umd oristocracia militar 167
b. A RESTAURACAO no IMPERIO ROMANO no OCIDENTE 136 .:-7- A Condieio do buccellariu: no estado visigodo, 167. Formula para nomear um
-Kr-1*‘,-
I. A aproxiniapfio entre 0 Papado e a Monarquia Franca 136 2-. flrlrrustio (primeira metade do século vn), 168. A conoessio de uma forrna espe-
9111 dc precaridaos militares (743), 169. O juramento de fidelidade foi acres-
Formula pela qual se pedia ao exarca de Ravena a confirrnaeio de um novo oentado a encomendacao (século vm), 169. 0 serviqo militar como razio de
pontlfice (soculos vn a XI), 137. A cisio iconoclasza provocou 0 estreitarnento ser do beneflcio, 170.
Iii _: W

X M3155 GE-‘AL Iumcn GERAL / x1


Oriente, 204. As feiras da Champagne, 205. 0 ercad 11¢
2. A hierarquizagfin dos reIa¢;5es de dependéncia pessoal 171
O desenvolvimento das relagbes de dcpendéncia pessoal, 171. A renovaqio de
fflm dz Champagne. 201. As feiras Ada 1=1m<1r:=,m2os. om muck ms
um contrato dc vassalagem no século xn (1127), 172. A nooio de fidelidade O DESENVOLVIMENTO URBANO 209
segundo um acritor do século XI, 173. Os deveres dos senhores e dos vassalus
na Inglaterra do século x1, 174.
I. 0 nascimento das comunas 209
As agitacbes sociais na Lombardia, no século x1, 209. A proclamaoio da mmuna
3. A Ordem de Cavalaria 17$ em Le Mans (1070) 210. A revolta de Colonia contra o seu arcebispo (1074),
A prepamgio do cavaleiro, 175. A entrada de um escudeiro na corte régia, 175. 211. Conslderaqoes sobre a proclamacio da comuna ern Laon (1115) 212
O ingrosso an Ordem da Ca'.'a1a.rin, 177. Festejos cm torno dc um novo cavaleiro, 2. A organizapfio comunal 213
178. A conoessio da Cavalaria antes de uma batalha, 179. A concesséo da. Cava-
laria depois de um combate, 180. Vassalidade e Cavalaria, 181. A linhagcm Di$P°5i95¢S da comuna de‘Rouen (s ' d" entre 1169 e 1180‘/1 214 - Al guns extrac-
do cavaleiro, 181. A posigio social do cavaleiro, 182. ;(‘s_ da Carta Cornunnl de_ Arras (1211), 21$. Privilégio de comuna dado por
oao sem Terra aos c1dadaos de Bayonne (19 de Abril de 1215) 216 A3 lum
4. ImpIica¢6es juridico-econdmicas da estruturagfio social 183 sociais em Florenqa (1177), 217,
Sobre a. condicio social dos servos, 183. As obrigaooes dos colonos, 185. As 3. Confrarias e guildas 218
imposiqbes sobre os vilios, 185. O servioo militar do vilioz o fossado, 186.
A obrigatoriedado do serviqo militar (século IX), 187. Direitos de casamento PIi“'1§8i<>§ d= _H=nriqu= II dos teoelocs de Londres (1154-1162), 219. Alguns
(séculos xn-xm), 188. O problerna das homenagens m1'11tip1as(sécu1o xm), 189. precenos da gmlda da Santissuna Trindade ern Lynn (século xxv) 220 A admis.
sio dc um novo mestre alfaiate (1430), 220. Sobre a nat da L" I-Iansgé
I c.A ESTRUTURACAO POLITICA A 190 11% (1469), 221. , 1.‘-
.1 mm '8“
,
4. ..,
. 1
I. A fiagmentagfio do podefpoliiico 190 C o mcnsmsrrro no COMERCIO 15 AS NOVAS vms DE COMUNICA
-V '1'.‘->
1
. .
_‘-'. As lutas civis no Império Franco (século 1x), 190. A fragmentaoio do Império (SECULOS x1n E XIV) CA0
Z23
,_",-“‘.¢"“' .1.
.., , Carolingio (século IX), 191. I. A sedentarizagfio do mercador '
' .1 p‘ } 9 1
- -‘ .'
>
71;. 1 2. A monarquia e a hierarquizacfio das autoridades locais 1 192 a f;m"“a9ab_‘)3: "E3 5°°1°§a4¢ 863011683. 223. O prooesso do crédito; a letra
~~ 1.» ~ A multiplicaoio dos vassalos reais, 193. Carlos Magno procurou combater as. 1°» - piglna do <<L1vro Secreto» de um mercador florentino
usurpaooes territoriais dos seus vassalos, 193. O poder pdblico nasrnios dos (1334). 225. A actwxdade de um mercador florentino no século xxv 226
condos (século 1x), 194. 2. 0 predominio do comércio maritime 227
‘K mm mamima It51i3'F13Il<11‘=5, 227. Bruges como entreposto comercial 228.
CAP1TULO v1 fixaoio de mercadorcs italianos em Iiisboa (século XIV), 229. ’

1,. _
0 RENASCIMENTO 0.4 CIVILIZAC10 URBANA
~.,_F
1
~ b CAP1TULO v11
.
.-
1- ‘J
1.. '
. .'.'v ‘R ‘H; .
I-‘ '
a.O APARECIMENTO DA BURGUESIA 197_~
A VIDA _ INTELECTUAL
'1 . I. O mercador itinerante e 0 despertar das cidades 197
.
- . IV-.~"
--1 3- AS INSTITUICCES DE CULTURA 233
—1 -. ~."“.13~.~‘" A formacio de um xnercador (século X1), 198. O aparecimento de um <<bu1'8°
. .\' 3."-'.,'~;.
.. . .1; - 3-,
.-- .x novo»: Edges. ooexisténcia das vérias classes sociais nas cidades Raha- 233
.3 0-; \~.
nas, 199. A poli1i~c§{*expansionista de uma cidade lombardaz Milio, 20'). I‘ A 071-81’-‘m
D ecreto do dd-9
Pooauniversidades
Alexandre III
' no 3. o Concilro
I - dc Latrio (1179), 233, A fun-
.'||_1 1'

x
, 2 Os grandes centros e rota: comerciais “I91u da¢5° d° c°l°3‘° d°5 D¢1°il° (1130). 234. As escolas de Toledo no século xn
23$.
lad Sobre a natureza dos aestudos» (século xm), 236. Pencio . do alluns pro-'
1 Concessio de privilégios comerciais aos ‘lenezianos pelo patriarca de Jeruso
1ém(11‘23), 202. Tratado de paz e comércio cntre o califado almohada c a repu- °$ P°m\811¢S=s a0 papa acerca. do estabelecimento de um estudo ml (12 d
NLi:g°mb1'° dc 1233). 237. Carta de D. D1ms. . pnv1leg1ando
. . . 3° Geral de°
o Estudo
blica de Pisa (15 de Novembro de 1186), 203. O dominio dos mares do Norw
pelos mercadores hanseatas, 204. A rivalidade genoveso-venezianz no P1'6xim0 M (1 dc Marco de 1290), 233.
, ;1~~~— -<__ . .

XIV Iumcs can/11.


_ 311
2. A revolueao dos rransflafles

<‘“":° ““
. _

= . -
. 1
.. .............. 1. W mm-
u. 1203 ¢ 1208), 312. 0 aparecimento do leme

Q popésicséiu OX3!“ 'xv).313 A utilizacio do quadrante néutico (1462). 314-


fimas ( u os
, . 315
A presente antologia de fontes histéricas medievais, que se vird a integrar
3. Os inventos belzcos numa edigiio mais ampla abrangendo outras épocas, pretende acima de ludo
~ _
9 "11"?" ‘3Z€‘.“. °.‘§§‘ ‘;:;"‘:*1.?1;.. .:“;::::.“:. ......
ria na batalha de A1" "T9 . '
8u¢m (3 pa.1't11' do século XIV). 317-
. -

'
_ A‘ ' da art1lha-
- ae
servzr I ponto de apoio ao estudame de Historia. Por esta razfio procurou
acompannar, sem se Ihe submeter rigidamente, as vdrios pontos que 0 actual
programa Iiceal exige, dentro do periodo medievo. No entanto, na medida
b. A REESTRUIURACAO POL1TlCA DA EUROPA NO LIMIAR DO MUNDO em que perspectivou esses temas de maneira a conferir-lhes uma certa am Ii-
319 P
dfio e diversidade, poderzi igualmente oferecer matéria de estudo a alunos
MODERNO
.. , . .- ' I XIGXIII 319 do ensino superior ou ate’ ao pziblico interessado em geral.
I. A evolueao polztzca em Fran,a e em Inglaterra (secu as )
. - ' do capetingio, 319. Guilherme I orde- Para os textos apresentados houve 0 cuidado de dar, tanto quanta possi-
A monarqdla cloct_1va e1:1afi:1;§z.)no3;;1'10A avauacio dc um manso Segundo O
vel, uma tradugfio directa obtida a partir das versfies originais. Quando este
$1! “I2: c321
A Calrta de Henrique I (1100), 322. O rei de Franoa desiderato nfio pode ser alcaneado, cotejaram-se vdrias tradupfies reputadas
°""’"" 1’ ‘ ’ ' . - lta dos
, o re1 de Inglaterra (1202). 323- A "W seguras. Em relapfio aos orzgmau; portugueses optou-se por uma grafia actua-
:m§;x?u1:s::r1::1:§;E:ov::1S:l'(1'erra(1214'1215).
ar 1118 324- A Mam Cm (1115)- Iizada, mantendo niio obstante 0 vocabulério e a sintaxe medievais
325.
Tentou-se dar a‘s fontes seleccionadas uma extensfio equilibrada — um
. . . - - ' IV 313
2. A crzse economzco-sacral dos fimll-9 d0 $961410 X texto histdrico, muitas vezes narrativo, nem sempre pode ser demasiado breve
1349), 328. O estatuto dos trabalhadores (1351). e sincopado - e evitar um excesso de notas. Estas visam explicar os homes
;;opcs:;i:,?c;?(:§§:;:te1?j1a2( A revolta dos ciompi em Florcmia (1373 3- 1332). cu. . . . .
‘ ' ' ‘ ‘ . P til fomes Jo conteudo obscuro possa pl’¢’]lldlCtZ!' a boa mterpretapfio do conjunto e
333. As revoltas de Gand (1331) ° <1¢ Pans (1382), 334 =8 W938 9 dar as balizas cronologicas que permitam a Iocalizapiio de pessoas e acou-
em 1437, 336.
_ - ~ - 331 tecimentos. I

3. 0 Grande Czsma e a perda do autorxdade pontzficm Pequenas introduefies a cada um dos excertos ojudarfio 0 Ieitor a situar-se
- ' 'ma_l 1 mporal segundo o Papa Bonifécio VIII
no problema focado; uma abertura de capitulo sintética e coneisa servird
A(bu‘,°"‘,j‘°
a nam emf;am:°i,,;':de1r;;z§Sp::;l7
. . " - oe <1:¢1m1o das ideias teocrétiws:
K a critic» h -

_ Q co lo dc Plsa
' ‘ ' e a ele1<;ao
' _ de Alexandre V (1409)1 fio condutor aos assuntos que a seguzr se apresentam.
A colectdnea agora apresentada, possivel graeas d utilizagrfio da biblioteca
319°C?
_ e e1 l313:1'tinl1o vnfl. fun do Grands ¢1-W1 (14171 341' h - . -
Uruverszdade da Florxda (E. U. A.), serzi decerto, se a sua aceitapfio o
4. o fim .1.- Império Biwmhw (1453) ' turcos 342. 0 saque de Constan-
3“ 1'"-"ificar . remodelada de manexra
' a preencher as muztas
' falhas a que se ndo
A ocupaoao do Corno do Ouro pelos nawos gm dz ed dc Constmw P548 furtar.
tinopla. 14:. 0 papa 1=1f°'m°“ 3 °°"° d‘ 3°"-"° q“ 3
v
nopla 344 l..amenW;i° $°1"° '1 mmada dc consmmnopla’ 916' 1;

. ,,. FERNANDA ESPINOSA


J-1 .
1 ........ --
,-.
-..

INDICE ANAL1'l'1C0 :41 Gainesville, Florida, 1968 — Lisboa, 1970


. '1
a

CE GERAL Xlll
Iumce GERAL 1ND‘
(seculo xn). 275. A populaoio de Rouen colaborou na construeao da sua cate-
_ _ . . - - zsa dral (1145), 276. A reconstmcao da catedral de Canterbury (1174-1184), 277.
A orgamzagao e 0 ensmo umversltdrlo I
Condig5¢5 pm 5¢ poder ser rnestre em Artes na Universidade de Pans (1215).
_ . . , 240. Sob e 2. As artes deco-ativas 278
239. As funcoes do .reitor nos ..estudos da E5P¢11113 ($é¢l11° XIII) . 1'
274), A ourivesaria religiosa em Reirns (século x), 279. S. Bernardo de Claraval con-
' ' ‘ oedldos aos estudantes pela eomuna de Bolonha (c 1 denou os exorssos decorativos das igrejas do seu tempo (século xn), 280. O gosto
Os pnoflégojmioisiaaae <16 tipo estudantil: Bolonha. 241- 1==fl¢<> <1<= P°"*' pelas pedrarias na ourivesaria 1-eligiosa (século xn), 281. Um grande centro
241- matmngggm para os esoolares de Coimbra (16 de Setembro de 1310), 242- da arte do vitral: a Abadia de S. Dinis, 282.
3"“ ° °°S _ . ‘ . . . -1 Regulam tos
some 0 pawl dos 1"'=“°“ "3 “““’°“.“‘“°? 1“ O 3”?” <124§£¢..1<. xiv) “£44
sobre a utilizaqio da biblioteca na Umversidade de x or ( . - TEOCRACIA PAPAL 284
246
0 conflito entre a Igreja e o Império 284
6 MANIFESTACOES DE . CULTURA ' 7/16 A fundaeio da abadia de Cluny, 284. Apologia dc Cluny, 286. A divulgaoio
As Iiteraturas vernaculas da d San M ' E_ das instituiooes de paz (século x1), 287. A eleioio do Papa Gregorio VII (Abril
_ - - - ' nalz a vi e ta aria 81

. . >. =48. cortés


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. ‘ 2 . l .<-““'-,1”;
=1-'= .--‘.’. ".‘ de_1073), 288. Os Dictalus Papae Gregorii VII (1075), 289. Gregorio VII depos
o imperador Henrique IV (Fevereiro dc 1076), 7.90. Os bispos do Império des-
ligararn-se da obediéncia a Gregorio VII (laneiro de 1076), 2.91. A Concordata
ciclo bretio: a Demanda do Santa Gr V ( OS - de Worms (Setembro de 1172), 292.
‘2?()mnlcJcm romance oortes pen1n'sular: o Amadi: de Gaula (século xm), 251-
‘Um canto de cruzada: incita<;5° 5 11113 °°nm‘ °s a1{n6ha'd:_“_ (século xm)’ 252' ‘ 2 A Igreja a caminho do teocracia: as Cruzadas e a obra de Cister 294
- u-oyadgfgga; uma mntip de amor dc El-Rei D. Dims (século XIII). 254- O entusiasrno popular pela Primeira Crumda (1096), 294. Privilégios ponti-
gfimséma pomica. mph; ménimas contra o rei Henrique IV (1454-1474) de
ficios aos membros da Segunda Crumda (1 de Dezernbro de 1145), 295. Uma
Castela pelo seu mau governv. 255- ' rmocio crltica a Segunda Crumda (1147), B6. A pregaeao da Quarta Cmmda,
297. S. Bernardo e a primazia do Papado, 298. A admissao de um novo irrnio
0 pensamemo filv-"5fi¢0 "0 q""d'° ‘1°."""‘""'"""""° 256 da Ordern do Templo, 298.
Para Santo Agostinho os filbsofos 111116111005 115° @5150 em desacordo com os .,
fundamentos _ do cristianismo’ 257. O ensino O triunfo da teocracia papal ‘ 300
- da légica aristotélira
~ <1 (seculo
Aristét x),
16.
zsa. Dialéctlca 6 re(=ecu1o_xu). 159- 1’-}['°=f1@ '2 :3 xm). ;61_ As relaqoes entre o Império e o Papado segundo Inooéncio I1I(Outubro de 1198),
300. Inoeéncio III e as eleiooes imperiais (Maroo de 1202), 301. A tornada
(século XI)’ 260' Da sub“ :52“123.3: e metafisica (século XIII). 252-
Inteligéncia e $1103-($5°\11° X111)’ _ ' cle Constantinopla em 1204 seglmdo 0 eronista Vil1ehardouin(c. 1150-c. 1212),
Ockham e a 11118.1 aristotélica (seculfl xw). 263- 301. O Papa lnocéncio III oondenou a oonduta dos cruiados (1205), 303.
O pontlfice romano e o problema da unidade cristi, 304. A Regra de‘S. Fran-
0 pensamento cientzffico e 0 adverlw 110 ¢XP"1'"e"1alis'"° 264 cisco (1223), 305.
A erenga na astrologia
._ (século
. IX),
- 265. O ensino das ciéncias
. no século
' da x,Mate-
266. _
- 267
Das vantagens da c1enc1a exP°1'\m°m31 (5é°“1° nu)’ ~ - O ammot ,26a. -
matica cm 01161.1 ($661110 xnl). 268- A 1'" ‘"1 °‘"“$“‘ (*°°"*'° ""1 CAPITULO IX
CAMTULO vm 4 I TRANSFORMACUES E DECUNIO
A IGREM CATOLICA E A RENOVACXO ESPHUTUAL 0.4 CIVILIZACAO MEDIEVAL
ENTRE 0s sEcULos x 1; xm O 273' 2 -
1- OS DIVENTOS TECNICOS COMO FACTORES DE TRANSFORMACAO
SOCIAL 309
- 2 E O G TICO
O RENASCIMENTO ARQUITECTONICO. O ROMANICO " I As novas técnicas ao servi o do a ' Itu
_ , . - 173 , - p grzcu ra 309
'
I . Do mosteiro d catedral (11-?P¢¢1°-Y “"Iu"ec"5""°s) H, ."L A rotacao trienal numa granja cisterciense (1248), 309. A rotaqao bienal numa
a r em de Cristo (1405) 310. A difusao da charrua, 310.
A rernodelaoio da basilica de Reims no seculo X. 274- 0 51“'1° da f°nS1mca° ‘F . - herdade d O d '
. - . - de Suger e a reconstru<;30 de S. Dims _ .
giosa no 1n1c1o do século xr, 274. O 8128
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- LAMENTACOES DE S. JERONIMO
4»-diva
some 0 SAQUE DE ROMA (410)
0
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<<Quem acreditaria que Roma, edificada pelas vitérias sobre todo o uni-
€ verso, viesse a cair (1); que tivesse sido simultéineamente a mic das naqocs
1
e o seu sepulcro; que as costas do Oriente, do Egipto e da Africa, outrora
pertencentes a cidade dominadora, fossem ocupadas pelas hostes dos seus
servos e servas; que em cada dia a santa Belém (2) recebesse como mendigos
pessoas de um e outro sexo que haviam sido nobres e possuidoras dc gran-
des riquezas?»

[S. Eusebii Hieronymi, Commenrariorum in Ezechielem Prophetam,


lib. In, in J. P. Migne, Patrologiae Cursus Completus, Series Latina,
t. xxv, Paris, 1884, col. 75.] -

(1) S. Jeronimo refere-se ao saque de Roma pelos Visigodos em 410. (1)'1‘endo rnorrido
nu‘: -1‘ ‘I’ ' I o papa Darnaso I e sido eleito o papa Sirlcio (384), adversério de S. Jerénimo, este, que
. '4,’ - TAX? \‘£¥" bavia passado t1-es anos em Roma, retirou-se para Belem na Palestina, onde edificou
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um convento e urn hosplcio. . .
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1
AS INVASOES 5

prodigiosamcnte disformes e feios que os poderiamos tomar por anitnais


bipcdes ou pelos toros desbastados cm figuras que se usam nos lados das
pontes.
Tendo porém 0 aspecto dc homens, cmbora dcsagradzivcis, sio rudes
I no scu modo de vida, dc tal maneira que nao tém necessidade nem dc fogo
a A PRIMEIRA VAGA INVASORA _nern dc comida saborosa; comem as raizes das plantas selvagcns e a carne
semicrua de qualqucg espécie de animal que colocam cntre as suas coxas
e os dorsos dos cavalos para as aquecer hm pouco.
I. Vestem-se com tecidos dc linho ou com as peles dc ratos-silvestres cozi-
AS GRANDES INVASGES das umas as outras, e esta veste serve tanto para uso doméstico como de
DOS SECULOS IV E V fora. Mas uma vez que meteram 0 pescoqo numa tfinica desbotada, nao
a tiram on mudam até que polo uso quotidiano se faqa cm tiras e caia aos
UANDO no fim do século IV nas r€gi5@-\' do "'4' N¢-’8'°- 03 H"”°~" Se Pm“ pedaqos.
Q‘ '
czpxtaram sobre as Godos - desencadeou-se
_ _ a primeira grande
I hinvasfio,
de wasa qual
de Cobrem as cabeqas com barretes rcdondos e protegem as pernas hirsu-
' ' Rgmana, amda mtacto, uma ava anc e
Ianpou sobre 0 Imperw
" ' var:‘adds.
mgas e provemenczas _
p
mu
tas com peles dc cabra; os seus sapatos nao tém forma nenhuma c por isso
impedem-nos dc caminhar livrcmente. Por esta razio nao estio nada adap-
\ \1\1\
Se os Alanos e sobretudo os Hww-Y 4?ausaram 3randes _devastagoes ml e tados a lutas pedestrcs, vivendo quase fixados aos cavalos, que s50 fortos,
- ‘d - vestida 4 imP°"5"¢i¢1
_
palm dew P"“"g“"' f°'- "° ‘""”"°'pu “"“‘
agoe
mas disformes c por vezgs sentam-se a amazona e assim execqtam as suas
nula. Perdendo a umdade , ambos as povos se fun ,zram _ com as p I tarefas habituais. E nos seus cavalos que dc dia e de noitc aqueles que
I0 cais, passando a desempenhar um Pa-Del seamdarm A vivem ncsta naqio compram e vendem, comcm c bebcm c,inc1inados sobre
- - ' do o local onde esta- _. 0 cstreito pcscoqo do animal, descansam num sono tio profundo que pod:
Outro tanto se nao p0de dxzer dos Godos, We» dflxu"
. Dmepre
- vzeram
- a fwxdar no' sew
' da romanidade estados let acompanhado dc sonhos variados. - . ‘s ._
cxonavam no W118 d0 '
I
|
' ' ' d cultural. Ninguém entre cles lavra a tcrra ou toca num arado. Todos vivem sem um
dumdoums e com certa ongmagda e '8ra§‘5es vindas do Oriente outras ‘"811’ fixo, sem lar nem lei ou uma forma de vida cstabilizada, pareccndo
Como repercussfio destas gran es ml
M
. Germanla,~ ~ zrromperam
- no Império. De entre estas. '¢mPl'¢ fugitivos nos carros onde habitam; ai as mulheres lhes tecem as
trzbos. abandonando a
’ 1
.
as Vandalos. 08 51"’-“'03 9 as Burgundzos
I - conseguzram' _f1*" dar reinos aut6no- ‘ 1l0l'n'vcis vestimentas, ai elas coabitam com os seus maridos, dao a_ luz
I
"103 cuja independéncia foi todavia de curta dura¢ao. _ 08 filhos e criam as crianqas até a puberdade. Nenhum deles se for inter-
~7- "°83d0 podcra dizer donde é natural, porque, conccbido num lugar, nas-
-°=\l ii noun-0 ponto e foi cducado ainda mais longe.
O ASPECTO E OS COSTUMES DOS HUNOS '»
. . . - 1' c. 330- o gm L,_ ’
~;;»_:§,fl [Ammianus
2, 1 a ll, Marcellinus, com trad.Press,
Harvard University inglesa. dc John
1939, C. aRolfe
pp. 381 387:] liv. xxx: '
5,__"
_ Para um
_39I) asromano
Hungs czwhzndo como de
revelavam-se Amumo {"0 ( dlf7¢!
um przmmvzsmo _ 1 ,1} ' 0

de conceber e ameacl1d'0f- 1 ;_ '4 Q-a


_ mu dB AIAV.
-'
M-F/_;_ .
[ 1 O pow dos Hunos, pouco conhecxdo -
pelos antlgoslmongdmezjgig v|- -,

I ._ ~ Id‘ "

vendo por tras da lflgoa M°°t15(l)= Perm d° Oceano Glacla ’ exc e g .. s*


modos dc ferocidade. [---1 e S50 tic
~ mcmbros compactos e firmes , P esc09°5 81'°$5°5:
Todos eles tem ,
v

_ .‘_.a-
AS INVASCES 7
6 TEXTOS HISTCRICOS MEDIEVAIS

AS CARACI'ERISTICAS DOS ALANOS


A INSTAI-AC3-O nos VISIGODOS
NO IMPERIO (SECULO IV)
Como em relapfio aos Hunos, o nomadismo e 0 espirito guer-
reiro dos Alanos foram as caracteristicas que mais impres- 31 h‘.-“°""”d°" 801111 _~7°'d4'1e~1 ($56110 VI) relata-nos a razdo
sionaram 0 autor romano Amiano Marcelino (c. 330-391). sua entrada dos Visigodos em terms romanas (376) e da
conversao ao ariamsmo.
Quase todos os Alanos sio altos e forniosos, com os cabelos quase louros,
um olhar terrivel e perturbador, ligeiros e velozes no uso das arinas. Em O 5 V" 15180 d OS, ou S6_]3.' aqueles outros aliados
- .
e cultivadores do solo
tudo sao semelhantes aos Hunos, mas na maneira de viver e nos costumes, ocupado, estavam aterrados [como o haviam estado os sens] aroma,
menos selvagens. Roubando e caoando, andani dc um lado para o outro, e nio sab'lam 1111*? falflr, por causa do povo dos Hunos PorémP de ois
até sitios tao distantes como a lagoa Meotis (1) e o Bosforo Cimério (1) <1F 1 °11811§ <1¢libeI'8<;5¢S, de comum acordo, enviaram
_ A .'
embaixadores a' Roma-
P
e também até a Arménia e Média. maf 3° 1111P¢1’fld0r 'Valente (1), irmio de Valentiniano I(2) o i ‘d
Assim como para os homens sossegados e plaicidos o repouso é agra- mais velho , P1113 dug r que se ele lhes desse, a fim do 3 cumvamn ' mpcrauma or
davel, assim eles encontram prazcr no perigo e na guerra. E considerado arte dfieTra:la(
gala ’ ' 3) ou da ‘L/iésia
- (4), se submeteriam
- . e decisocs.
as suas leis ’.
feliz aquele que sacrificou a sua vida na batalha, enquanto (que aqueles que ta q Pu “Se t" ma-1°1' °°111111119a M188, prometeram tornar-so cris-
envelheceram e deixaram 0 mundo por uma morte fortuita atacam com os, se lhes dessem professores [que falasseni] a sua lingua
terriveis censuras do degenerados e cobardes; e nfio existe nada de que mais Q““‘“d° va1°111° °“vi\1 isw. ¢0n¢=d¢i1 akgre e pmntamente ue =1
se orgulhem do que de matar um homem, qualquer que ele seja: como glo- Préprio havia tcneionado pedir. Reoebeu os Getas (5) na rcgiiq (1: M55;
rioso despojo do assassinato, cortam-Ihe a cabeoa, arrancain-Ihe a pele e colocou-os ai como uma miiralha de d f -

cums trib i E [ 6 osa] para o seu reino contra


k e colocam-na sobre os seus cavalos de guerra como jaez. 1 05 (6) como naquele tempo o imperador Valente contami- 9

nad 1 0 - . , _ _
N50 se vé entre eles nem um templo, nem um lugar sagrado, nem mesnio fid°° :1V? P¢l1;1fldl3. ariana, uvesse fechado todas as lg1'¢_]8S do nosso par.
se pode discernir um tugiirio com um tecto do colmo, mas com um ritual f ’ _°“' _°s °°m° P1é8ad_0res os que favoreciam a sua seita (7). Eles
barbaro enterram no chao uma espada deseinbainhada e adoram-na revel‘ daoram
su e unediatam
_ ente nesse povo rude e ignorant:- o veneno
rentemente, como ao sen Marte, a divindade principal destas terras por .m_im°sP:m‘v;
=1 rf'di . -$551111 <15 V151g0dos foram feitos, - .
pelo imperador Valente,
' 0 onde vagueiam. "' gem e cristaos. Além disto, por afeioio, prégai-am o Evan-
Ignoram o que seja a servidao, tendo nascido todos de sangue nobfév 0 tanto aos Ostro godos como aos seus arentes Gé idas ' - 0s
. ‘ mvemndar P p , ensinando
'4
r
e rnesmo agora escolhem como chefcs aqueles que se distinguem na ex ,0 d ‘ma Peffidia, e oonvidaram todos 0 povos da sua lingua, de
.-
I ‘(H- riéncia quotidiana da guerra. ‘a 11 = quer ue f - .
diaemos,aga °55°111, 8 llgarein-se a rnesma seita. Eles propnos, como
_
. '1"-I If‘ 1 Am Mésia e nV=$;1f&m 0 Danubio e estabeleceram-se na Dacia Ripense (8)
[Ammianus Marcellinus, oom trad. inglesa de John C. Rolfe, liv. H‘ _ > a , - _ _ ' I 9
"1 .1. 1.“ 9
‘,__i?<.Q- 2, 17 a 25, Harvard University Press, 1939, pp. 390 a 395.] sq,-‘Em breve f 13°13, com autorizaqao do pnncipe_
‘H -_ 11¢an ‘ um povo 8- ome e a_ indigéncia _ caiii sobre eles , como . muitas vezes acon-
~U.r1 3*‘. (1) O mar de Azov. (1) O actual estreito de Kertch, lipndo o mar Negro ao mar do ' '- Egyfiluos Q as tr _ :111= amda nao esta bem estabelecido numa regiio.‘ [Os
. . _ ax oe
u-;r 1 . ,3,’
,_ ambamm - 9' -1 d°~'»‘_ dlefes romanos provocaram uma revolza dos Godos,
\' ' . :_»
< !~ §(_ L. . .1 godos e £8‘: d°'"'"”" 1' -1'11"‘1?50-] [...] Assim este dia pos fim A fome
:1‘ u_.‘ auangeitos e dos Romanos, porque os Godos, nfio mais como
- '"o@~§».. 1. »-§‘,:. ‘W Os ::b§:1'I1l1t1°$, mais sim como eidadaos esenhores, comeoaram
. Rflfigg
- do None até es aoe Damibio.
a ominar, sob o seu proprio ' ' senhorio,
' todas as
v

4
- 1 c-

8 TEXTOS HISTCRICOS MEDIEVAIS


AS INVASOES 9

4 Quando o imperador‘Va1ente soube disto em Antioquia, apgestou ini; lidade para a repiiblica. Entretanto, dois anos antes do ataque a Roma
diatamente um exército . e partiu
. para a regiao
._ , . Ai, cu _ se ui
'1‘racia. excitados por Estilicio (7), como ja disse, os povos dos Alan d 1
terrivcl batalha (9) e os Godos vencerani. O préprio lmp¢1’fl<101' 1111011 f°1111° dos Vandalos, e muitos outros corn eles, csmagaram os Francos os, os Suevos,
atravessa-
v ' uma herdade perto do Hadrianépolis (1°). Os Godos, nao sabendo ram o Reno, invadiram as Galias e com um rapido iinpeto chegaram até I

ctone
fugm plfu-a rador
UEI1olI1;1(E1¢é estava
habitual escondido
precede, mmnuma
um tao pobrecruel),
inimigo cabana, lancaram-lh=
e assim cle foi aos P‘iron é us: retidos
' durante um tempo por esta-barreira, disseminaram-se
ogo c p¢1a§ provincias vizinhas (3). .
1 cremado em espleiidor real. [...]
[Pauli Orosii, Historiarum adversus Paganos, in J. P. Migne, Patro-
4 G 1' ' Monuments Germaniae Hist0rica— Iogiae Cursus Completus, Series Prima. t. XXX1. Paris, 1846,
i E2: ’ A€i‘i:z1ql,ii.iZli:airr:¢:rur:i,w:’\":l pars-prior, Bcrlim, 1832, P- 92-1 cols. 1166-1167.]

-
(1) Lmpei-ador do Onente do 364 a 378 _ ) Imperador do Ocidente de 364 a 375. (3) Na
da (1) Em 410. O saque durou apenas trés dias: de 24 a 27 de Agosto. (1) Govemou os Visi-
actual Bulggfla. (4) Na actual Bulgaria. (5) Jordanes oonfiinde os Gems, P01/° godos até a sua morte, em 410. (3) O imperador Teodosio I (379-395) (4) Imperado
Trac'ia. corn o s Godos - (5) Em 376 - (7) N3 mllidadc 3 arianizaqio dos Visigodos iniv
. . - ' da t al
ciara-se alguns anos antes. merceprelflioddo:;1;>°8<;io3gJgila-(*0?)r;Ep‘;a.
Bu]gj_fi3_ (9) A batalha dc OP ° 4 '
1 do Oriente (395-408). (5) Imperador do Ocidente (395-423). (5) Govemou
de 410 a 415. (7) General dc origem vfindala, que servi
contra as incursoes gerinanas e foi pelo mesmo impcrador
'
u.0mandado
. os Godos1'
imperadorassassinar
Honorio em
na 408.
luta
1 1 1 1 1 1»
E hoje a cidade tuna de Edime. (1) A invasao da Espanha deu-se no final de 409. -
I
I

7 I

.
'1'.’_v Q SAQUE DE ‘ROMA POR ALARICO (410) =- A INvAsAo DA PENINSULA IBERICA
1; As INCURSOES BARBARAS » i PELOS VANDALOS, ALANOS
NAG.5.LIAENAESPANI-IA 1 E SUEVOS ‘
Em 410, Roma foi pela primeira vez saqueddd P0" P<1f’°i' A Peninsula Ibérica, desarmada é enfiaquecida por lutas
germanos, os Visigodos, chefiados par_AIarico. Se tmszgg, intemas, nfio ofereceu qualquer resisténcia aos bdrbaros
mente as estragos nao foram desrnedzdo.;', oRaconne0s pela que al invadiram. Muito rdpidamente os invasores dividiram
K
' foi no entanto profundamente sentido pe as oma a.GéIia entre si as terms conquistadas. Santa Isidoro de Sevilha
mesmo época, outras hordas barbaras atravessaram ‘- (C. 560-636) relata-nos esse episddio.
.- I
. - ~ ' tam?
e a Peninsula Iberica. 0 texto que se segue é _de um con 8
V"- pordneo destes acontecimentos, Paulo Ordsio. - Na era de 1), os Vandalos, os Alanos e os 'Suevos ocuparam a Espa-
11111, mataram e dcstruiram muitos nas suas sangrentas incursoes, incendia-
. £1 E assim no ano 1164 depois da fundacio da cidade (1), foi-Ihe feito um
, .

rani cidad es e saquearani as propriedades


' assaltadas, de forma que a carne
l!\"TL ataque por A1arico(2): embora a ineinoria deste facto ainda sejal recente) llllmana era devor d
‘v mh a a pelo povo na violéncia da fome. As macs comiam
1:51.
1 “F: 0
nenhuma pessoa que veja a multidio dos R01I13l1OS.C que os Ol<;flt
admitira, como eles pr6pri0S <11Z¢1_I1, 111111 318111113 °°15a tcnfm acon ainda‘ (M.
“ . . .
OS. ¢ também os animais, que se haviam acostumado aos cadaveres
; S108 que mo mam ' pela espada, de fome ou de peste, eram mesmo levados
T §’~
,4» Salvo se, por acaso, tomar conhecimento do fogo p61aS'I'.111D335 que 5 ‘L os vivos; desta maneira quatro pragas diziniaram toda a Espa-
r- sen o °‘1111Prida
' a predioao
- - divina
- - que ha muito tinha sido eserita pelos
existem. Nesta invasao, Placidia, _filha doprincipe Teodosio (d) c 111110 mu; __
impcradores Arcadio (4) e H0I1<5f1° (5), f°1 °aP11_11'ada_° t°ma 1? fomdivina, '"‘ Pfofetas.
_'V
llier por Ataulfo (6), parente de Alarico, como se, devido auII1J111Z° Mm; z;'l"*“~N‘
I "11 11¢_ 449 (Z), depois da terrivel devastacao
ha ‘ das pragas pela qual a
Roma a tivesse entregue a rnaneira do rcfém e penhor especial. Com £6 ud- , f 1°! destruida, os Barbaros, decididos finalmente pela gra a d
unida pelo casamento ao mais poderoso rei barbaro, ela foi dc gran _ Dfll-I a c; (3)e
mi’ 11 P111, sortearam as provincias para as ocupar. Os Vandalos
I

Q
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_1 ' * 7 — 7 — ———~-_—- __ _ »%...n__~.. . _ _ _—_A _ _

AS INVASOES H
l0 TEXTOS msrolucos MEDIEVAIS

e os Suevos ocuparam a Galécia (4); os Alanos, a provincia da Lusitania (5) transmutados os rnistérios, entregou as igrejas dos santos aos inimigos dc
e a Cartaginense (6); porém os Vandalos, cognominados Silingos, abando- Cristo. [...] ,
nada a Galécia e depois de terem devastado as ilhas da provincia Tarra- [...] Genserico, nao contente com as devastaqoes da terra de Africa, passou
I
~' ...‘
conense(7), voltando a tras tiraram a sorte a Bética (8). [...] a Roma (3), transportado por navios, destruiu os bens dos Romanos durante
-195
_ 4.;-3 .
catorze dias e trouxe consigo a viuva de Valentiniano, as suas filhas e Inui-
A-_ v
~. ~k ;._~~ [Sancti Isidori, Hispalensis Episcopi, Historic! de Regibus Gothorum, tas mulheres de cativos; e pedida a paz, por meio de enviados, ao impera-
. . .,~;. Wandalorum er Suevorum, in J. P. Migne, Patrologiae Currus Com- dor (9), remeteu a viuva dc Valentiniano para Constantinopla e uniu pelo
u -~r~ pletus, Series Latina, t. uotxm, Paris, l862, cols. 1076 e 1077].
F
".6" *7‘ MN‘
," \_hr‘&
matriménio uma das filhas [de Valentiniano] com o seu filho Huguerico.
v_ ,_ *1’-'
1 - -3'
.. (1,) Era de César, on I-Iispanica, correspondente a 408 da Era Cristi. (1) Em 411.
t.
1- ¢,w *\.
-- v » - (3) O grupo dos vindalos Asdingos. (4) Ou seja, a actual Galiza espanhola e o ter- [Sancti Isidori, Hispalensis Episcopi, Historia dc Regibus Gothorum,
-_
'v I '3‘
1-~,-..~
' Wandalorurn er Siaevorum, in J. P. Migne, Patrologiae Cursus Com-
ritorio portugués até ao rio Douro. (5) Grosso modo correspondente ao territério pletus, Series Latma, t. LXXXIII, Paris, 1862, cols. 1077 e 1078.]
4r ‘xv
,,;_. portugués. (5) Abrangendo uma grande parte do Centro e Sueste da actual
Espanha. (7) Norte e Nordeste da Espanha. (5) Correspondente at actual Andaluzia
' _'\'.£
(1) 429. (1) Nesta rnigraefio (429) parece terem-so incluido tanto Vandalos Asdingos
Q _.,u-- espanhola. . '
e Silingos como alguns alanos e hispano-romanos. (3) Valentiniano III (423-45$).
(4) 0 acordo foi assmado em Bona a 11 de Fevereiro de 435. (5) Em Outubro de 439.
(5) Em 440. (7) A actual Palermo. (5) No ano 455. (9) O imperador do Oriente,
Marciano (450-457).
os VANDALOS EM AFRICA
Depois de uma estadia de vinte anos em Espanha, as Vdn-
dalos (divididos em dois grupos, Asdingos e Silingos), perse- A QUEDA DO IMPERIO ROMANO _
guidos pelos Visigodos, que Ihes haviam cortado a retirada
par terra, atravessaram 0 Mediterrdneo e ocuparam parte DO OCIDENTE (476) - '
_ . .x _
do provincia da lfrica, ninica do Ocidente até entdo pou-
pada ds incursoes germanas. E de Santa Isidoro de Sevilha Com a deposigdo de Rdmulo Augzistulo em, 476 pela bdr-
(c. 560-636) 0 texto que se transcreve. baro Odoacro, desapareceu 0 Império Romano do Ocidente.
Jordanes (século V!) narra-nos sintéticamente este episddio.
Na era de 467 (1) Genserico, irmio de Gunderico, sucedeu-Ihe no reino por
quarenta anos. Este, que de catélico se havia tornado apéstata, foi 0 primeiro Oreste (1), tendo tornado 0 comando do exército, partiu de Roma ao encou-
levado a transitar para a perfidia ariana. Tendo abandonado a Espanha, atta- tro dos inimigos e chegou a Ravena, onde parou para fazer imperador
vessou com todos os vandalos e as'suas familias (2), desde 0 litoral da pro- seu filho Augl'1stulo(Z). [...]
vincia da Bética até a Mauritania e Africa. Valentiniano Junior (3), impe- Porérn, pouco depois de Augustulo ter sido estabelecido imperador
rador do Ocidente, nao se lhe podendo opor, fez a paz (4) e coneedeu paci- em Ravena, por seu pai Oreste, Odoacro, rei dos Turcilingos (3), tendo con-
ficamente a parte da Kfrica que os Vandalos possuiam, aceites por um sigo ciros (4), hérulos (5) e auxiliares de diversas tribos, ocupou a Italia.
jurarnento as condiqoes de que nada mais invadiriam. [Genserico] porém, Oreste foi morto e 0 seu filho Augfistulo expulso do reino e condenado a
sobre cuja amizade ninguém duvidava, profanada a inviolabilidade do jura- pena de exflio no Castelo Luculano, na Campania. V
mento, invadiu Cartago (5) com o engano da paz e transferiu em seu pro- Assim, o Império do Ocidente do povo romano, que 0 primeiro dos Augus-
prio proveito todos os poderes depois de ter afligido os cidadaos com diver- tos, Octaviano Augusto, tinha comeqado a dirigir no ano 709 da fundaqio
sos géneros de tormentos. Em seguida devastou a Sicilia (6), cercou Panor- da cidade de Roma, pereceu com este Augustulo no ano quinhentos e vinte
mo (7), introduziu a pestilenqa ariana por toda a Africa, afastou os sacer- e dois ('5) do reinado dos seus antecessores e predecessores. Desde ai Roma
dotes das igrejas, fez muitos mzirtires e, de acordo com a profecia de Daniel, e a Italia sao governadas pelos reis dos Godos.
.__._,Y- , .._. -

1; 'r!=.x"ros msrolucos MEDIEVAIS


AS 1NvAso1=s 13
Entretanto, dominada toda a Italia, Odoacro rei destas tribos, para esta- i

belecer o terror entre os Romanos, matou no inicio do seu reinado o conde SOBRE A ORIGEM DOS FRANCOS
Bracila junto de Ravena e conseguiu dominar 0 seu reino durante quase
treze anos, até ao aparecimento dc Teodorico, por quem subsequentemente E muito obscura a arigem do povo franco. Gregorio de
..3,. Tours, nas passos cé_Iebres que a seguir transcrevemas,
L ~ ..4 temos sido dirigidos. _.do._~.-1. registou algumas explicagfies mais au menos Ienddrias cor-
rentes no sua época (século VI). "
Llordanes, Ramona er Getica in Manumenta _Germaru‘oe Historica-
Auctorum Antiqullssimarum, t. v, pars prior, Berlun, 1882, pp. 119-120.]
Sobre os reis dos Francos, ignora-se qual tenha sido 0 primeiro de entre
I 0‘. (1) Romano nascido na Panonia, foi secretario do rei huno Atila. (1) Romulo Augus- . _. -. _
eles: com efeito, se bem que na sua Historia Sulpicio Alexandre (1) fale muito
¢
tulo, imperador de 47$ a 476. (3) Odoacro, posslvelmente urn rugio (lat. Rugii), tor- destes povos (2), todavia nao nomeia de maneira alguma 0 seu primeiro
nou-se chefe dos exércitos mercenaries no Norte da Italia. Se alguns autores o cogna- rei: diz apenas que eles tinham duques. [...] Muitos autores contamique estes
minaram Rei dos Rfigios, outros chamam-lhe Principe dos Ciros. Os Turcilingos s50
povos sairam da Panonia e que se estabeleceram primeiro na margem do
um povo de origern obscura, arrastado para ocidente pela invasio huna. (4) Ou esciros
(lat. Sciri), tribo germinica do Baixo Vistula. (3) Os Hérulos (lat. Aeruli), outra tribo Reno; tendo em seguida atravessado este rio, passaram-a Turingia (3) e
§.+;_._:_
gerrnanica que surgiu a luz da Historia no século In, na regiao ao norte do mar Negro, ainas aldeias ou nas cidades escolheram reis cabeludos idos buscar a primeira,
junto do Dniestre. (5) Romulo Augustulo foi deposto em 4 de Setembro de 476. e, se assirn posso dizer, a mais nobre das suas famflias. Isto foi provado
mais tarde pelas vitorias de Clovis, que contaremos em seguida. Lemos
_.- .»- .- u-_. - nos Fastas consu1ares(4) queio rei dos Francos Teodomiro, filhode Rici-
mer e de Ascila e sua mic, morreram pela espada. Diz-se também que entio
C16dio,_notavel entre o seu povo, tanto por méritos prdprios como por
nobreza, foi feito rei dos Francos. .Ocupava no termo dos Turingios a for-
2. A 3 taleza de Dispargum (5). Nessas mesmas partes, ou seja ein direcgio no
A OCUPAC/1'0 DO IMPERIO sul e até ab rio Loire, habitavam os Romanos. Para la do Loire domina-
N0 oscozmsn 00$ sscuros V E VI vam os Godos (5); os Burgfindios, seguidores da seita dos Arianos, habi-
tavam do outro lado do Rédano que banha a cidade de Lyon. Clodio, tendo
EM cerca de um sécula (fins do século lVa fins do sécula V) o Império Romano enviado batedores para a 'cidade de Cambrai e mandado explorar toda a
do Ocidente foi ocupado par uma primeira grande vaga invasora e dividida wgiio, pos-se ele prdprio em seguida a caminho, esmagou os Romano:
numa série de unidades politicos de vida instével e por vezes mesmo efémera. e apoderou-se da cidade. Residindo ai por pouco tempo, ocupou tudo ate
A rapidez e a brutalidade da ocupapfio, destruinda as quadros do admi- 80 rio Somme. Ha quem pretenda que 0 rei Meroveu, de quem Childerico (7)
nistraodo romano, nfia puderam contuda fazer desaparecer a cultura subje- foi filho, era da sua estirpe.
cente, a qual se foi impando ds tribos invasaras. Mas este povo mostrou-se sempre entregue a cultos fanaticos sem tel‘
_ Esta situapfio modificou-se no entanto no decorrer dos séculos V e VI; qllalquer conhecimento do verdadeiro Deus. Fez imagens das florestal
Novas vagas germanas, agora numa infiltrapdo mais lento mas mais segura, 5 das aguas, dos pzissaros, dos animais selvagens e dos outros elementos IOI
se apropriaram do solo do Romdnia. Os Francas, Ianpando as fundomentas qllais tinha por habito prestar um culto divino e ofereeer sacrificios. [...]
de uma napfio estével, as Alamanas e as Bdvaros fixanda-se aa Iango do Reno
e do Danzibio, as Anglos e as Sax6es ocupando a Bretanha, as Lambardos tro- [Sancti Georgii Florentii Gregorii, Episcopi Turonensis, Hmorlu
canda a Panania pela Peninsula Itélica, operaram' uma germanizapfio pra- Ecclesiasticae Francorum. lib. n, IX-X, com trad. franoesg e revhlo
gressiva de vasras zonas do Império. Pela primeira vez o Iatim sofreu um recuo
.
I1
de J. Guadet et Taranne, ed. Société de l'Histoire de France, Pu-ll,
t 1836, 1. 1,'pp. 147 a 163.]
nfrido no sua drea Iinguistica. i
I (l) Este historiador s6 é conhecido através de Gregorio de Tours. (1) Os Franco: resul-
i
wg . _-.__. .

~. ‘ i, J-vi’; - r
.;-,;~s» »
. .f;~1.-.
- .. -,.,,:-p. d
14 "r1=.x'ros rnsrorucos Maorsvms A5 INVASOES 15
. ¢;. 4"; $5’
94

, .. 3.. taram aparentemente da fusao de diversas tribos que habitavam a zona inferior do Reno.‘ e desde aquele tempo até hoje se diz permanecer deserta, entre as provin-
JI4‘ - (3) Erro geogafico manifesto. (4) Conjunto de anais onde os anos erarn contados segundo eias dos Jutos e dos Saxoes, descendem os Anglos Orientais, os Anglos
3 s
o sisterna romano, ou seja pelos consoles eponimos. A obra a que se refere Gregorio
..g,
de Tours perdeu-se. (5) Era o principal povoado dos francos Salios. Trata-se
Mediterraneos (7), os Mércios e "toda a geraqao dos Nordanimbrios(11),
1 velmente da actual Diest, no Brabante. (5) Estabelecidos na Aquitania, desde 418, ou seja daqueles povos que habitam para norte do rio Humbrus (9) e dos
como federados. (7) A existéncia historica de Meroveu 6 duvidosa. So com Childerico, restantes anglos. ‘
\
<
pai de Clovis, a genealogia dos reis francos se torna mais clara.
h. r [Baedae Historia Ecclesiastica Gerttis Anglarum. lib. I, cap. xv, in
.7 72> '51; . 2);‘ Baedae. Opera Historica. corn trad. inglesa de J. E. King (The Loeb
Classical Library), London, New York, 1930, pp. 68 a 71.]
7 ' "1 viii
. ,1- \' .
‘--¢.'
L’
v. ,-
A FIXACAO DOS ANGLOS E DOS SAXOES 1 (1) imperador do Oriente de 450 a 457. (3) Valentiniano I11, imperador do Ocidente
NA BRETANHA (SECULO v)_ 411$ de 423 a 455. (3) Desde 0 fim do século II que a Bretauha sofria incursoes de povos ger-
manos. No entanto, so a partir dos iiltimos anos do soculo v estas tribos uma
"'3-.
verdadeira colonizacao. (4) Da ilha de Wight. (5) O Holstein. (5) O Schleswig. (7) Os
A historiografia medieval inglesa Iocaliza o desembarque
ehamados Uplandish Angles. (5) Os Northumbrianos. (9) O rio l-lumber.
anglo-saxonico na Grit"-Bretanha em meados do sécula V.,
Assim no-Io diz 0 trecho que se segue do venerdvel Beda_.
h. (675-735). , . .:. ~,~=,
_. -\ 5
4 --
.\‘-‘afi
Ix\

'|:- ._‘; , v No 449.° ano da encarnacao do Senhor, tendo Marciano (1) com Valeri- O REI DOS OSTROGODOS TEODORICO
, r

U9“
tiniano (1) obtido 0 reino, o 46.° a partir de Augusto, deteve-o por sete anos. A VENCEU ODOACRO -
_s
(.- Entao o povo dos Anglos ou Saxoes, convidado pelo rei citado, arribou E ESTABELECEU-SE NA ITALIA (493) ~-
Ti‘lid
m‘ .\
a Bretanha (3) em trés longos navios e por ordem do mesmo rei . . ,, _ 1 _ 1' . - "1-

. 715
: -,-1.,5.-e-4: ‘.-I“H.70-
r~.':'"t‘2"' como local de permanéncia a parte oriental da ilha, como para combateif: . Educado em Constantinople, para onde havia sido enviado
- ‘\_.' i.¥’"~' coma refém em crianca, Teodorico conhecia de perto, todos
' ‘W’. ‘--
Ir‘ a favor da patria, mas na realidade a fim de a conquistar. Iniciada a bata-I as meandros politicos do Império do Oriente. Este conhe-
r“_ '1 "‘<'-;
‘M .‘
.- eh’
:.
lha com os inimigos que do norte tinham vindo para a luta, os Saxoesl; t
cimento proporcionou-Ihe a criacdo do estado ostrogodo
»
1
'
"\v, ' |'_~-
“ ‘ 1-. obtiveram a vitoria. Por isso mandaram para casa a noticia tanto da ferti-L na Itdlia. A obra de Jordanes que inclui o relato aqui trans-
.1" lidade da ilha como da inércia dos Bretoes e imediatamente lhes foi enviada 6. crita data de meados do sécula VI.
'7."
. ¢_ uma frota maior, transportando um grupo mais forte de homens de armas, s
Quando o imperador Zenao (1) ouviu que Teodorico tinha sido nomeado
‘I.

' 9.. .5414».


.. ., V . os quais juntos a coorte anterior constituirarn um exército invencivel. Os
l n 4 .
que chegaram, obtiveram, por doa<;5.o dos Bretoes, um lugar para habita- rei do seu povo (2), recebeu com prazer a noticia da nomeacio e convidou-0
‘ _-.3145;
rem entre eles, com a condicio de que uns lutariam contra os adversaries .-.a-. H vir para junto de si na cidade. Recebendo-0 com todas as honras, colo-
>
pela paz e salvaqao da patria e outros contribuiriam com o estipéndio devido cou-o entre os grandes do seu palacio. Algum tempo depois [Zenao], para
'\'i;"'j_v
, 4?"-
,n,.-~. 4~
..-,.{§, para os que combatem. Vieram porém os povos mais fortes das tribos lhe aumentar as honrarias nas armas, adoptou-0 como filho e concedeu-lhe,
v. T;l~§r~" da Germania, ou seja Saxoes, Anglos e Jutos. Dos Jutos sao originarios 5 sua custa, um triunfo na cidade. 4
.1 -'-
~-
os [habitantes] de Cantuaria e de Victuaria (4), ou seja aquele povo que [Teodorico] foi também feito consul ordinario (3), o que se diz ser a benesse

E
€ at‘
n1
t V‘ detém a ilha Vecta e aqueles que até hoje sao chamados a nacao dos Jutos suprema e a mais alta honra no mundo. Nem isto foi tudo, pois [Zenda]
. 14,- » .
.'i 4:1
na provincia dos Saxoes Ocidentais, junto da propria ilha Vecta. Dos Saxoes, ergueu diante do palacio real uma estatua equestrc para 8115113 <19-4i“°l°
»!-\:_5_g_‘_§r .
on seja daquela regiao que agora 6 chamada dos Antigos Saxoes (5), vie- grande homem. -
ram os Saxoes Orientais, os Saxoes Meridionais e os Saxoes Ocidentais. [Entretanto Teodorica, sabendo que a sua tribo, estabelecida na Iliria,
Mais adiante, dos Anglos, isto é, daquela terra que se chama Angulus (5) estava Ionge de viver com bem estar e abunddncia, pediu Iicenca ao impe-
AS INVASOI-3 17
16 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A INVASAO DA ITALIA PELOS LOMBARDOS (568)
rador para abandonar Constantinopla e ir Iibertar o Ocidente <<da tirania
do rei dos Turcilingos e dos Ri2gios»(4).] A deslocagfio dos Lombardos_em direcctio ti Peninsula Itolica
Teodorico deixou pois a cidade real e voltou para junto dos seus. Em foi, momentaneamente, de consequéncias desastrosas. Par
companhia de toda a tribo dos Godos, que lhe deu o seu consentimento um lado, a Ittilia, onde as Lombardos nfio conseguiram esta-
unanime, partiu para ocidente. Caminhou a direito de Sirmium (5) até a belecer um estado unitario e organizado, caiu na anarquia.
2- . . -._-tr.»
Por outro, afixactia dos .-fvaros na Panonia veio cortar durante
vizinhanga da Panonia e, avanqando no territorio da Venécia até junto da séculos as comunicacoes entre o Adrititico e o Bdltico.
Ponte de Sontius (5), acarnpou ai. Tendo feito alto por algum tempo, a fim Paulo Diécona (século VIII), o autor do trecho que se trans-
de dar descanso aos corpos dos homens e dos animais de carga, Odoacro creve, era um lombarda que redigiu com certa parcialidade
enviou contra ele uma forqa armada, com a qual se encontrou nos campos a historia do seu povo.
de Verona, destruindo-a e fazendo nela grande mortandade. Entao desfez
o acampamento e avaneou pela Italia com a maior ousadia. Atravessando Na verdade, Alboino (1), antes de partir para a Italia com os Lombardos,
pediu auxflio aos seus velhos amigos Saxoes a fim de entrar naquela espa-
o rio Po, assentou campo perto da cidade real de Ravena, cerca do terceiro
marco miliario a partir da cidade, no lugar chamado Pineta. Quando eosa terra e ocupa-la com maiores efectivos. Acorreram ao apelo mais de
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Odoacro viu isto, fortificou-se dentro da cidade. Frequentes vezes atacou >-..¢.».,qu.~~...
:-1.4»-a.pt-.¢>.s\ vinte mil saxoes (1), acompanhados pelas mulheres e os filhos, para com ele
o exército dos Godos durante a noite fazendo surtidas furtivamente com penetrarem na Italia. Tendo conhecimento disto, Clotario e Sigeberto, reis
dos Francos, colocaram Suevos e outros povos nos locais de onde tinham
os seus homens, e nao uma ou duas vezes, mas muitas; e assim combateu
durante quase trés anos completos. Mas trabalhou em vao, porque toda a saido os Saxoes (3). Entao Alboino entregou aos seus amigos Hunos as
xvWAM.».
proprios territories, ou seja a Panonia, sob a condieao de que, se em qual-
Italia por fim clramou a Teodorico o seu senhor e a Repfiblica obedeceu
quer altura fosse necessario aos Lombardos voltar para tras, tornariam a
aos seus desejos. Mas [Odoacro], com os seus poucos partidarios e os roma-
pedir aquelas terras(4). .1 ' -"r H.
nos que estavam presentes sofria quotidianamente com a guerra e a fome
Portanto os Lombardos, abandonada a Panonia, com as mulheres, os
em Ravena. Visto que nada conseguia, enviou uma embaixada e pediu
filhos e todas as alfaias, precipitaram-se na Italia para a ocupar. Tinham
cleméncia (7). Teodorico primeira concedeu-lha, mas depois tirou-lhe a
habitado a Panonia durante quarenta e dois anos. Dela sairam no mes
vida. _
de Abril, pela primeira indiceao (5), no dia seguinte a santa Pascoa, cuja fes-
Foi no terceiro ano depois da sua entrada na Italia, como dissemos,
tividade se deu naquele ano de acordo com os calculos da razao no proprio
que Teodorico, por conselho do imperador Zenio, pos de lado o traje
dia das Calendas de Abril(5), quinhentos e sessenta e oito anos depois da
de cidadao privado e o vestuario da sua raga e adoptou uma veste com um
encarnacio do Senhor.
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manto real, visto ter-se transformado, agora, no dirigente tanto dos Godos
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__ como dos Romanos. [Paulus Diaconus, Historia Langabardarum, in Monumenta Germaniae
Historica -— Scriptores Rerum Langabardicarum et Italicarum, Saec. VI-
llordanes, Romano at Getica, in Monumenta Germaniae Historica- -IX, Hannover, 1878, p. 76.]
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.3',.:u§.,-,»
Y§‘~&i'fi¢_ Auctorum Antiquissimorum. t- V, par! Pfiflf. 917- 132 5 134-]
(1) Rei dos Lombardos dc 561 a 572. (1) Além dos Saxoes, ter-se-iam unido a Alboino
(1) Imperador do Oriente de 474 a 491. (1) Em 473. (3) Em 484. (4) AP111’°111°11‘1=111° Bavaros, Suevos, Bfilgaros, Gépidas e Sarrnatas, entre outros. (3) Os reis francos pro-
0 imperador achou a oportunidade excelente para se desembar-acar dos Ostrogodos e curavam estabelecer protectorados no Saxe, Baviera e Panonia. (4) Este acordo foi
simultaneamente liquidar Odoacro. (5) Hvie Mitr<>vi<=. na Jusoslfivia (5) O rio feito por um prazo de duzentos anos, nao com os Hunos, mas sim com as Avaros.
lsonzo. (7) Em B de 1'-‘evereiro de 493. (5) No primeira ano dc um ciclo de quinze anos. (5) A 1 de Abril.
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1

> _. - Ill!
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13 naxros HISTORICOS MEDIEVAIS
LEOVIGILDO TENTOU A UNIFICACAO POLlTICA §
DA ESPANHA (568-586) 1)-

0 reinado de Leovigildo marcou um grande avanco no pro-


cesso de unificactio politica do estado visigoda e de fortn-
Iecimento do poder real. Santa Isidoro de Sevilha (c. 560- 1

-636), autor do texto que se segue, é um cantempordneo E b. CONSEQUENCIAS DO EMBATE DAS


g-A ~_
dos eventos que nele registou. i
SOCIEDADES BARBARA E ROMANA
I “ ,.-3*
~ -. 2
Na era de 606(1), no terceiro ano do governo de Justino II (1), Leovigildo (3)
tornou-se o dirigente da Espanha e da Galia e decidiu- alargar o reino pela , I.
guerra e aumentar o poder. Assim, com o impeto do seu exército e a boa 5 OS PROBLEMAS JURIDICOS
fortuna das suas vitorias adquiriu muita coisa com distinqao. Obteve a I
Cantabria, tomou Arégia(4) e toda a Sabaria(5) foi conquistada por ele.‘ 0 convivia de populagoes romanas e germanas, num mesmo territorio, sob a
. ,
Também muitas cidades rebeldes da Espanha se renderam as suas armas;
-1
~ It
direccao de um rei bérbaro, trouxe consigo graves prablemas juridicos.
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.'->3. ~
. 0 ,t ,-I
igualmente derrotou em varias batalhas os soldados romanos (5) e recuperou -4.-10. .»-1 A salucfia momentanea parece ter sido a da personalizacfio das leis, ou seja,
pela luta certos fortes por eles ocupados. Entio cercou o seu filho Herme- i11 as Romanos continuariam a ser regidos pelos seus codigos tradicionais e as
.-*»3>~.‘1:i
. rip. negildo, que estava actuando como um tirano no império, e venceu-o. Germanos pelas suas pniticas consuetudindrias nfio escritas. _ _ ‘ _
Finalmente fez guerra aos Suevos e com espantosa velocidade transferiu 0 exemplo do lei escrita romana veio no entanto a triunfar. 0 Germano
o reino deles para a autoridade da sua naeao (7), conquistando o domimo sentiu a necessidade de codtficar as seus costumes, e fé-lo. , - ~ v
da maior parte da Espanha. [...] " . RM! Estes corpus de lei bdrbara foram em alguns casos, jd por contdgia am-
biental, ja' por influéncia dos proprios campiladores, certamente romanos, pro-
0'. v I 1‘

[Sancti Isidori, Hispalensis_Episoopi, _Historia de Regibus Gothorum.


Wandalorum ct Suevarum. In J. P. Mrgne, Patrologiae Cursus Can!- fundamente marcados pela legislacao cléssica imperial. Servem de exemplo
1
pletus, Series Latina, t. uootrn, Parts, 1862, col. 1092.1 =-1‘i 0 Codigo de Eurico para as Visigodos e a Lei Gundobada das Bur-
gundios.
(1) 568. (1) imperador do Oriente de 565 a 578. (3) Rei dos Visigodos de 568 a 586. Também a populagdo romanizada sentiu por vezes a urgéncia de uma trans-
(4) Regiao vizinha de Orense, onde Leovigildo dorninou uma rebeliio chefiada pelo
nobre romano Asfidiu. (5) Zona das Asturias. (9) A5 701935 51311111135 41115 11371111?
formagfio e recodificagiio das suas proprias leis, nem sempre actualizadas.
ocupado a faixa oosteira entre Denia e Cadiz. (7) Em 585. Assim nasceram a Erevidria de Alarico, a Lei Romana das Burgtindios e o
Edicto de Teodorico, codigos onde é jd patente uma <<barbariza;a'o» da lei
romano, quicé preexistente aa triunfo politico dos proprios Bdrbaros.
. -. . .a,. _.-t ».¢ .- .- .
Se em alguns estados germanos, como no Visigodo e no Burgundio, duas codi-
1
ficacaes distintas comecaram por reger cada uma das populacoes, é possivel
que a regra niio fosse geral. Do reino dos Ostrogados conhecemos apenas a
C0mpild§50 romano, enquanto dos Francos ou dos Lombardos so restam as
codigos bdrbaros.
a-4.4-Au-
Além do personalidade das leis, autras caracteristicas comuns a todas
as leis bérbaras ou <<barbarizadas» estao patentes nos excertos que se
seguem:

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20 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
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AS INVASOES , _ 21
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._ ’__.. EXCERTO DO EPILOGO DO EDICTUM DE
>0 UMA DISPOSICAO DA LEI SALICA
\. .., a§‘ ~TEODORICO REI DOS OSTROGODOS(1)
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A Lei Sdlica, formada por 65 titulos e redigidod voltade507-
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v "A /I
Teodorico, rei dos Ostrogodos (473-526), ordenou a com- -511, foi a mais primitiva dos compendiocoes do direito ger-
1‘ \ posipiio de um edicta de 155 capitulos inspirodos no lei mtinico. Dela transcrevemos as célebres disposicoes sobre
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‘ .
romano, o qual se deveria oplicar tanto ti populocfio germana o posse e a heranco do terra.
¢
‘.- como a romano. Este codigo ficou conhecido por Edicto, t

I
. _H . no medida em que as Ostrogodos entendiom que o direito Tir. LXII—SOBRE os ALODIOS(1)
de promulgar leis propriamente ditas cabia apenas ao impe-
rador "do Oriente. I — Se um homem tiver morrido e nao deixar filhos, mas o pai ou a mac
*¢~>=. *1
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>
lhe sobreviverem, sucedam-lhe na heranca. -
l
Ordenamos estas coisas, tanto quanto as nossas ocupacoes nos permitiram, II — Se o pai e a mic nao lhe sobreviverem, mas ele tiver deixado irmaos
ou como nos ocorreram dc momento, para comum beneficio de todos, tanto on irmis, sucedam-lhe na heranca.
1
v barbaros como romanos, e desejamos que a devocao dos mesmos barbaros III—Se nem estes existirem, entao sucedam-lhe na sua heranca as irmas
e romanos as conserve. Aqueles casos que nao foram integrados, ou pela do pai. _
- I brevidade do Edictum on porque os nossos cuidados pliblicos nao no-lo IV—Se porém nao existirem irmas do pai, entao sucedam-lhe na sua
‘V permitiram, devem ser decididos, quando ocorram, segundo 0 tramite regu- heranca as irmis da mac.
. .... -. -4.
ele
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lar das leis. Nem se permita nenhuma pessoa, qualquer que seja a sua digni- V — Se porém nenhum destes existir, quem quer que da geracio patema
J . dade ou riqueza, poder, categoria militar. ou honra, pensar que pode dc J
esteja mais proximo suceda-lhe na heranca.
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qualquer maneira vir contra estes estatutos que reunimos principalmente 1 VI—Porém que nenhuma porcao da terra salica caiba por heranca a
5r t \\‘
.. _ . a partir das Novellae (7) -e da santidade do direito antigo. E saibarn todos uma mulher: mas toda a heranca da terra caiba ao sexo viril.
"'3.<*» os cognitores (3) e todos os autores de decisoes que se em alguma coisa vio-
larem estes edictos serio justamente atingidos com a penalidade da pros- [Ferd. Walter, Corpus Iuris Germanici Antiqui. t. I, Berlim, 1824,
pp. 82, 83.] ’ ‘- ’
cricao e banimento. Mas se por acaso alguma personagem influente, o seu
procurador ou substituto ou um cobrador de impostos, seja ele barbaro i
(1) O termo diz respeito aos bens moveis possuidos por uma pessoa, em oposicao k
'1'2-,;~
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on romano, nao permitir em qualquer espécie de causa a observacao destes Ktcrra sélica», que designa a propriedade imobiliaria patrimonio da linhagem.
edictos e se o juiz que estiver julgando 0 caso nao for capaz de 0 impedir 1
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‘-_:._‘ T5-" :
-
e deter, nem de fazer cumprir a lei como aqui esta' formulada, seele (juiz)
54-wf. ‘J
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14; ._
.
tiver interesse na sua propria seguranca, que ponha de lado qualquer ideia
1
UMA COMPOSICAO SEGUNDO A LEI RIPUARIA
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de temor e traga imediatamente perante 0 nosso conhecimento um rela-
torio completo de todo 0 caso. So desta maneira ficara ele proprio isento A Lei Ripuoria, utilizada pelos Austrasianas, é formada
por elementos heterogéneos que datam ainda do periodo
,.. 1:-'. de culpa: porquanto as provisoes feitas para seguranca de todos os provin- 4. a»A.a- meravingio (mos ndo onteriormente o 633). Nela se encou-
E’K
v4- f ciais devem ser cuidadosamente defendidas pelo zelo de toda a comunidade. tram muitos disposicfies do Lei Sailica e olgumos do Lei
_L-,. ".$-av.wL-'l.$i:- dos Burgtindios. Transcrevemos uma elucidotivo tabela de
w 3'“-' composicoes pecunitirios (Wergeld). '
ti.
[Edictum 77reoderici Regis in Manurnento Germaniae Historica-
Legum, t. v, Hannover, 1875, p. 168.]
.¢~,!' '. TH‘. XXXVI—SOBRE VARIOS HOMICIDIOS
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(1) O <<Edicto» foi redigido posslvelmente -por Cassiodoro, cerca do ano 500. (1) Refe- I_S¢ algum ripuario matar um estrangeiro franco, seja considerado
réncia a compilacio de Justiniano. (3) Os juizes relatores.
culpado em duzentos soldos.

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AS INVASOES 23
TBCIOS HISTORICOS MEDIEVAIS
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,». 11 4-Por isso saibam todos os dignitaries (3), conselheiros (4), condes,
I '3'. -2'
. ;- II — Se algum ripuario matar um estrangeiro burgiindio, seja considerado dornésticos (5), mordomos (5) e chanceleres das cidades ou termos, tanto l
‘ \

_ » ,.If .
. I, * culpado em cento e sessenta soldos. burgilndios como romanos, assim como todos os condes e juizes militantes,
III—Se algum ripuario matar um estrangeiro romano, seja multado em 1
que nao podem aceitar nada das causas que receberam um parecer ou foram
. cem soldos. julgadas e que nada pode ser solicitado em nome de uma promessa ou
IV —Se algum ripuario matar um estrangeiro alamano, ou um frisao, u~¢-. ._
recompensa por parte dos litigantes; nem podem as partes ser compelidas
ou um bavaro, -ou um saxi-io, seja considerado culpado em cento e ‘l
i a fazer um pagamento, pelo juiz, a fim de este poder receber qualquer
sessenta soldos. coisa. [...]
10—Por conseguinte, se qualquer juiz, quer seja barbaro ou romano, l
[Ferlcl7.4);Valter, Corpus Iuris Germanici Antiqui. t. I, Berlim, 1824,
p. . nfio prestar justica de acordo com 0 que as leis contém, tendo sido disso >
\\
4!!» impedido por simplicidade ou negligéncia, afastando-se desta maneira da \
justica, saiba que devera pagar uma multa de trinta soldos e que o caso J

-_.-rel»
.-'1, EXTRACTOS DA LEI BURGUNDIA sera de novo julgado a favor das partes agravadas.
SOBRE A VENALIDADE
'3
' .¢,ff'
. .,~
-v '\ [Leger Burgtutdionum (Liber Legurn Gundeboti) in Monumenra Ger-
at. -1 manioe Historica-Legum, t. m, Hannover, 1863, pp. 526-527.]
0 codigo dos Burgundios, coligido pela rei Gundoboda
(474-516), que nele incluiu leis dos seus predecessores e iprb.huAv~.»~1-.A_».-- . ,.

l
proprias, foi posteriormente completodo pelos sucessores (1) Em 29 de Marco. (1) Lyon. (3) Oplimotes no original latino. (4) Consiliarii no
imediatos do mesmo rei. Destinodo essenciolmente a popu- original latino. (5) Domestici. Este titulo aplicava-se a um delegado do rei encarregado
locfio burgtindia, focava, no entanto, também as casos de tarefas financeiras e domésticas ou da administracao de dominios reais. (5) Maiores
domus nostroe, em latim. 1' e ' ' ‘ ‘
que pudessem surgir entre esta e a populapfio de roiz
romana. ‘ 4' s -
_ .. ,
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.
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Em nome de Deus, no segundo ano do reinado do nosso senhor e muito 1


1
"4 rnrnosvrsroooos"” 1" "'__‘"'
l'fl> >1-4 APROXIMACAO DAS RACAS
glorioso rei Segismundo Gundobado, este livro dizendo respeito as leis
passadas e presentes e devendo ser conservado por todos os tempos futuros 0 rei godo Recesvinto (649-672) fez, provovelmente no
foi dado no quarto dia antes das Calendas de Abril(1), em Lugdunum (3). ano 654, uma codificocao de leis dos monorcos que o ante-
1 —Pelo amor da justica com a qual Deus se sente aplacado e o poder. cederam e outros suas, destinodas tanto aos Romanos como
do senhorio terreno é adquirido, e obtido primciramente 0 conselho dos aos Visigodos. A lei que se segue, permiiindo as casamentos
mistos, foi pramulgodo pelo propria Recesvinto.
nossos condes e proceres, procuramos ordcnar tais leis que a integridade 45-:_.<- . . a-A.- . . -. ,-._

e equidade daqueles que julgam possam afastar dc si todas as recompensas


LIV. H1, TIT. I—SOBRE AS DISPOSICOES DO CASAMENTO
e corrupcoes.
2—Por isso todos os administradorcs e juizes deverao daqui para o A solicita preocupacao de um principe esta cumprida quando foram pro-
futuro fazer julgamentos entre burgimdios e romanos segrmdo as ‘nossas videnciados os beneficios para futura utilidade dos povos. Nem a ingénita
leis, as quais foram compostas e emendadas por um comum acordo, para liberdade [do principe] deve deixar de cxultar quando, quebradas as forcas
que ninguém possa esperar ou presumir receber qualquer coisa a maneira da antiga lei, tiver sido abolida a sentenqa que pretende impedir sem razio
de recompensa ou prémio de nenhuma das partes, como resultado dos pro- 0 casamento de pessoas.que sac iguais por dignidade e linhagem. E por isto,
'2
cessos ou decisoes; mas permita-se que aquele cujo caso esta a ser consi- removida a sentenca da antiga lei [...] sancionamos esta lei que ha-de valer
derado obtenha justica e possa iinicamente a integridade do juiz ser sufi- para sempre: que 0 Godo possa, se quiser, ter uma mulher romana e que
.-_ 9-_ ciente para a conseguir.
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24 rraxros msrotucos MEDIEVAIS As INVASOES 25
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a Goda possa casar com um romano [...] e que 0 homem livre possa casar UM ASPECTO DA LEI LOMBARDA
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com qualquer mulher livre obtido o solene consenso dos parentes e s (EDICTUS ROTHARI)
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a licenca do conde. _ .1 —-A COMPOSICAO ACERCA
a DAS INJURIAS CORPORAIS FEITAS K
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[Fe‘:5%.]Walter, Corpus Iuris Germonici Antiqui, Berlim, 1824, pp. 465 1
NUM HOMEM LIVRE
2;—-. 3-.? !"__»(,‘
‘. 1 v, p*%\'(.‘{.“<\ e . ' i ‘F
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13.5.3"-_ Publicoda em 643, no tempo do rei Rotdrio, a Lei Lom- <@
: Pg bardo é uma das mais notoveis no dmbito do direito ger- <@
‘$-._
at .,_"_ As <<SORTES GOTICAS» ' monico epocol. Utilizou nfio obstante olgumos fontes roma-
..' -»_\_ 5 SEGUNDO 0 comco VISIGOTICO nos e visigoticos. , " if

F21
. -

Tarnou-se habitual, desde o Baixo Império, terem as popu- 46 — Se alguém fizer a outrem uma chaga na cabeca que apenas lhe ras-
Iocoes romanos de ceder aos invasores btirbaras parte dos gue a pele que os cabelos cobrem, do-lhe de composicio seis soldos; se lhe
suas terras e casos. A estas fracpoes cedidos se chomavam fizer duas chagas, dé-lhe de composicao doze soldos; se forem trés, dé-lhe
<<sortes». As usortes goticas» correspondiam o dois tercos
l._1,TI dos prapriedodes, cabendo o <<terco dos Romanos» aos anti- de composicio dezoito soldos; se porém tiverem sido mais, nao sejam
~_~I0'
,.
‘*1 ";.
gos passuidores.
mitauna dnA-.n1-¢\A4 uB€nJuAli-oabvngoan-.5
contadas, mas déern-lhe a composicao por estas trés. » -
47 — Se alguém chagar outrem na cabeca, de maneira que os ossos sejam
\\\
:31 ii . LIV. X. TIT. I =DAS REPARTICOES B DAS TERRAS ARRENDADAS
11
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' l)~
quebrados, por um osso dé-lhe uma composicio de. doze soldos; se tive-
rem sido dois, dé-lhe de composicio vinte e quatro soldos; se tiverem sido
VHI—Da divisio das terras feita entre godos e romanos. A ‘ \»

a
!
Y trés ossos, dé-lhe dc composicao trinta e seis soldos; se tiverem sido mais,
A divisao feita entre godos e romanos das terras e das matas nao deve nao sejamcontados; e isto de maneira que seja contado como um osso aquele
ser quebrada por nenhuma razao, desde que a divisio efectuada seja pro- que, laneado na rua, a doze pés [de distancia] contra um escudo, possa
7:“:
r-\-r*, 1!‘'-V.921.
-1 ‘IM.cJ~A.tC-I
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;""§‘ 'r._A.\'-1-4
1'. I
-\ I-1§'4>-1-Jnbui
@<» vada. N50 devem os Romanos tomar nem demarcar nada das duas partes fazer ruido; esta distancia deve ser medida com um pé de homem médio
v~_l_ ;_.t“3 C I130 C0111 8. 1113.0. -
*2‘. '>.'i.‘Lt 1 dos Godos; mas que nao ouse 0 Godo usurpar ou reivindicar nada da t-.|.~.

. - 34.3‘
\ terca dos Romanos, salvo aquilo que a nossa liberalidade lhe tenha por 50—Sobre o ldbio cortodo—Se alguém cortar um labio a outrem,
'?. i_5§*1 acaso concedido. E que a posteridade nao tente mudar aquilo que foi
dividido pelos pais ou vizinhos.‘
dé-lhe de composicio dezasseis soldos, e se aparecerem um, dois ou trés
‘ -4..._ -I:
dentes, do-lhe de composicao vinte soldos. .
51 — Sobre os dentes dianteiros — Se alguém arrancar a outrem um dente
' .;'
XVI—-Se os Godos tomarem alguma coisa da terca dos Romanos,
que apareca no riso, dé-lhe dezasseis soldos; se forem dois ou mais dentes,
w-~'rHi:-‘$84
‘ devem os juizes reentrega-la imediatamente aos Romanos.
, -.. aparecendo no riso, faeam por esse nirmero uma composieao e um preco.
Os juizes dc cada uma das cidades, os vilicos e os prebostes, obtenham, 62 — Sobre o corte de uma moo — Se alguém cortar uma mao a outrem,
- - por sua exaccio, daqueles que as tém ocupadas, as tercas dos Romanos dé-lhe de composicao metade do preco que teria sido avaliado se 0 matasse;
Ԥ ,. ~'~.'_
11$‘-,1-!T-'-.\-.‘ e restituam-nas a estes sem qualquer demora, para que o fisco em nada e se a paralisar mas nio a separar do corpo, dé-lhe de composicao a quarta
J‘-'2 -.,'
"(>5
seja prejudicado. N50 serao excluidos aqueles [que as ocupom] desde ha parte deste preco.
/I ‘
cinquenta anos.
A I ye 63 — Sobre os dedos do mfio - Se alguém cortar a outrem o polegar da
‘-3.. . mao, dé-lhe de composicfio a sexta parte do preco em que o mesmo homem
. 1‘_‘_.- ‘ [F¢1'<1- Waller. Corpus Iuris Germonici Antiqui, t. t, Berlim, 1824,
‘r_‘.t~:‘.vi
pp. 518 3 62l.] teria sido avaliado, se fosse morto.
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.-.,_~*t.' .
".:i£Q(~'
.. A. WW5,
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I

s."‘.$;'_‘{<; AS INVASOES 27
" L =\*w.‘ vs 26 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS 1
93". "2311
;--‘$1.. ,;_‘a
~ " '-'1’-1"
geral, intoleronte. A coexisténcia pacifico dos dois cultos, o oriano e q mm.
I‘ '3 64 - Sobre o segundo dedo — Se alguém cortar a outrem o segundo dedo lico. em muitas cidades, é exemplo desta talerdncia.
>,=~:,'¢~*-:!i.~.»*.~" da mao, dé-lhe de composicao demsseis soldos.
13 A fusfio gradual das duas raeas e o importante popel religioso, politico ¢
1
65 — Sobre o terceiro dedo -- Se alguém cortar a outrem 0 terceiro dedo cultural desempenltodo pela Igreja Romano derom por fim ao cotolicismo uma
‘<_ :4
da mao, que é o do meio, dé-lhe de composigao cinco soldos. _,-._-. .~_ a vitoria unificadora.
66 -—Sobre o quarto dedo - Se alguém cortar a outrem o quarto dedo,
dé-lhe de composicao oito soldos. A CONVERSAO DE cLovIs
67 —Sobre o quinto dedo—Se alguém cortar a outrem 0 quinto dedo. (496, 498 ou 506)
Infiifi
.‘:-'-.';f,~.;’"'_$- dé-lhe de composicao dezasseis soldos.
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74 — Em todas estas chagas e feridas acima escritas que podem acontecer Este ocontecimento foi norrado por S. Gregorio de Tours
cerca de um século depois do sua ocorréncia. Por esta rozdo
entre homens livres, estabelecemos uma composicao maior do que a dos e pela facto de o norrodor pretender enoltecer a figura do rei,
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_‘, ff '2?‘ nossos antepassados, para que a vinganea que é inimizade seja relegada a depoimento que se segue tem sido alvo de muitas criti-
,' -‘oi-1. depois de aceite a citada composiqao e n5.o seja esta mais exigida nem per- cos historicas. .
-1"/I‘ - L
maneca o desgosto, mas dé-se a causa por terminada e mantenha-se a
amizade. [...] Todavia a rainha (1) nio deixava de pedir ao rei que reconhecesse o ver-
dadeiro Deus e abandonasse os idolos; mas nada o podia levar a essa crenca,
' [Manummta Germaniae Historico—Legum, t. rv, Hannover, 1868, até que, tendo surgido uma guerra contra os Alamanos, ele foi forcado
pp. 20 a 24.]
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pela necessidade a confessar o que sempre tinha negado obstinada-
mente. [...]' ‘ ' ; - . ' . .. . ~. .. "1"
Entao a.rainha chamou em segredo S50 Remigio, bispo de Rcims, supli-.
cando-lhe que fizesse penetrar no coracio do rei a palavra da aalvaqio,
2. O sacerdote, tendo-se posto em contacto com Clovis, levou-0 pouco a
A CRISTIANIZAC./IO nos GERMANOS pouco e secretamente a acreditar no verdadeiro Deus, criador do céu e da
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terra, e a renunciar aos idolos, que nao lhe podiam ser dc qualquer ajuda,
nem a ele nem a ninguém. [...] '
ORIGINARIAMENTE pogos, a maioria das tribos germanos aderiu ropi- O rei, tendo pois confessado um Deus todo-poderoso na Trindade, foi
damente ao arianismo por influéncia do corte de Constontinopla, entfio marcada baptizado em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo e ungido do santo
por essa heresia cristfi. Crisma com 0 sinal da cruz. Mais de trés mil homens do seu exército foram
Convertidos os Visigodos no fim do século IV, seguiram-se-lhes as Vondalos. lgualmente baptizados. [...]
as Burgtindios, as Ostragodos, as Suevos (depois de uma tentativo de adesfio
ao cotolicismo), os Gépidos e os Lombardos. [Soncti Georgii Florentii Gregarii, Episcopi Turanerutlr, Historioe
Ecclesiasticae Francarum, lib. 11, com trad. francesa e revisao de
Apenos as Francos no continente e as Anglos e os Saxoes no Grd-Bretonha ;tp.T;l;gl'l:¢,2 Socrété dc l'Histoire de France, Paris,
'se mantiverom pogiios até d conversfio ao cotolicismo.
A orianizocoo dos Germanos tornou mais funda o disttincia que por muitas l

outros razoes teria jo de vir a existir entre as invasores e as populacoes roma- l (1) Clotilde, princesa burgirndia catolica.
nizadas. -‘
No entonto, ti excepczio do reino vondolo de Africa onde as vencedores
exerceram violentas perseguicoes religiosos, 0 arianismo mio foi, de forma
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28 TEXTOS HISTORICOS MEDIEV $. -
r. a*4 INVASOFS 29
0 RETORNO DOS SUEVOS A CONVERSZO DOS VISIGODOS
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A FE CATOLICA ~- *“ ‘ I (587) ~
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-‘ Depois de 0 rei Requiério (448-456) ter tentado estabele I, Arianos durante mais de dois séculos, as Visigodos conver-
‘-
N, , v
. 0 catolicisma entre os Suevos, 0 arianismo veio a trim teram-se ao catolicismo depois de 0 seu rei Recaredo ter dado
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'- par volta de 465, mediante a iuterven;:fi0 de Atjaac, um bis esse passo (587). A umficayfio religiosa assim obtida havia
vindo da Gélia visigdtica. S. Martinha de Dume conseguiu sido anteriormente tentada no seio do arianismo pela rei
Q1 a conversfio aa catolicismo do rei Teodomiro, cerca de 561
Leovigildo, como 0 documenta 0 texto de um escritor godo
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0 relato que se segue é de Santa Isidoro de Sevilha e dat
dos principios do século VII.
contemporéneo, Jofio, abade dej Biclara. ' -
*1.
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Na era dc 502 (1), morto Frumalrio, Remismundo trouxe, pela autoridac i
580? ' \i\11‘Ii i
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real, todos os Suevos a sua direcoio, restaurou a paz com os Galécios O rei Leovigildo reuniu na cidade dc Toledo uma assembleia dc bispos
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enviou embaixadorcs ao rei dos Godos, Teodorico, para concluir um tta < da seita ariana c corrigiu a antiga heresia com um novo erro, dizendo que
Q’: 1' . . vi;
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tado e dele recebcu, tambéxn através dos embaixadows, armas c uma mulh aqueles que vinham da religiio romana para “a nossa fé catélica nio deve-
. :- riam ser baptizados, mas apenas [confirmados] pela imp0si<;50 das mios
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para si. Entio passoua Lusitania e saqueou Conimbria com um engan
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_ 3' dc paz. Também Olyssipana foi por ele ocupada, tendo-se rcndido Lusidio, c pela comunhio e deveriam dar gldrias ao Pai, através do Filho, no Espi-
um cidadio que ali governava. Nessa época Kjax, da naqio gaulcsa, tot- rito Santo. Por isso, devido a este aliciamento, muitos dos nossos cairam no
nado apéstata Ariano, para auxilio ao seu rei apareceu no meio dos Suevo, uh.-\¢_0.,-4.
dogma ariano, mais por cupidez do que por seu livre impulso.
~\ como inimigo da fé catélica e da divina Trindade, trazcndo ate
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~__<<’ pestifero da rcgiio galicana dos Godos e contaminando todo o povo dos 581 . ’
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Suevos com 0 veneno daquela poxfidia letal. Seguidamcnte muitos reis No décirqo més do primoiro ano do seu réinado, _Recarcdo, com a ajuda
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dos Suevos se mantivcram na hercsia ariana, até que Teodomiro tomou dc Deus, tomou-se catolico e »rcuniu-se com os sacerdotcs da scita ariana
0 poder do reino. ' num sapiente coléquio, fazendo com que“ sc convcrtesscm a fé catélica,
Este [Teodomiro], destruido o erro da impiedade ariana imediatamente mais pelo poder da razio do que pelo seu mando, lcvando todo o povo
in restituiu os Suevos a fé catolica, com a ajuda dc Martinho (2), bispo do_ .4 -.-. -4.- dos Godos e dos Suevos a unidade c paz da igreja crista. Pela graga dc Deus,
\
Mosteiro Dumiense, homem ilustre pela fé e pela ciéncia por cuja diligéncia as scitas arianas vieram para o dogma cristio.
. a paz da Igreja foi ampliada e instituidas muitas coisas das disciplinas ecle- O rei Recaredo restituiu pacificamente os bens alhcios tomados pelos seus
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‘ :1 sizisticas nas regioes da Galécia. ~ predecessores e acumulados pelo fisco, tornando-se 0 fundador c patrooo
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de igrejas e mosteiros.
J [Sancti Isidori, Hispalensis Episcopi, Historia dc Regibu: Gothorum.
Wandalorum er Suevorum, in J. P. Migne, Patrologiae Cursus Complains,
L Series Latina, t. Lxx_xln, Paris, 1862, pp. 1081-1082.] 590?

(1) 464. (1) Nascido na Panonia cm principios do século VI, S. Martinho vcioamorrer Um santo sinodo dc bispos dc toda a. Espanha, Gélia c Galim, sendo
cm Dume, nos arredores dc Braga, cm 579.
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Setenta e dois o seu mimero, foi reunido por ordem do principe Rccaredo
na cidade_de Toledo. Neste sinodo tomou parte o nota'vcl e cristianissimo
=¢'\i_'-‘—’~ Recaredo e 0 processo da sua conversao e 0 da confissio de todos os saccr-
K- 3 dotes, assim como o do povo godo foi cscrito por sua mio num livro, sob
é
"Q1 ..
8 orienta<;5o do bispo. Foram dadas a conhecer todas as coisas que per-
~6;{;.'k. Iencem a pI'OfiSS5.0 da fé ortodoxa, o registo das quais o santo sinodo dos
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so nzxros ulsromcos MEDIEV 0 AS INVASOF5 at
bispos decrctou, dc acordo com as rcgras canénicas. Todavia o lugar Porém, induzido por sucessivos pedidos da. rainha, o rei(1), firmando-3¢
important: nos ncgocios do sinodo foi ocupado por S. Leandro, bispo na fé catélica, deu a Igreja dc Cristo muitas possessbes c concedeu dc novo
da igreja dc Sevilha, c pclo beatissimo Eutropio,-abade do Mosteiro Ser- aos bispos, que até entao tinham sido oprimidos e dcsprezados, 0 seu
vitano. No cntanto o notavcl rei. Recaredo, como dissemos, tomou parte mtigo lugar dc honra.
no santo Concilio, renovando no nosso tempo, pela sua ilustre presenea,
[Paulus Diaconus, Historia Langobardorum, lib. xv, S c 6, in Monu-
a antiga direcqao de Constantino 0 Grande durante o santo sinodo dc Ni menta Gerrnaniae Historica-Scriptores Rerum Langobardicanun ct
ceia (1) e também a do cristianissimo imperador Marciano, por cuja in Italicarum, s. v1-1x, Hannovcr, 1878, pp. 117, 118.] V
tancia foram emitidos os decretos do sinodo de Calcedonia (2). [...] -'
(I) Teodolinda era uma prinoaa bévam. (1) Agilulfo, segundo marido dc Teodolindn.
[Iohannis Abbatis Biclarensis, Chronica (590), in Theodor Mommsea,
ed. Chronica Minora Saec. IV, V, VI. VII, vol. II, Monurnenta Ger-
rnaniae Hi.uorica—Auctorum Anriquissimorum, t. Jtt, Berlim, 1894,
pp. 215-219.] . CARTA DE s. GREGORIO MAGNO
. :-

PARA EULOGIO,
(') 0 primeira ooncilio ecuménico, rcunido em 325. Ncle foram condenadas as dou PATRIARCA DE ALEXANDRIA,
trinas dc Ario. (1) O quarto concilio ecuménico, reunido cm 451. Al sc afirmou, contra
SOBRE A EVANGELIZACKO DOS ANGLOS
os monofisitas, a existincia dc duas naturems, a humana c a divina, na imica pessom
do Cristo. " ~ ‘ _<.t.-»., 4.w-A.»- .4 (598) "
5‘)
'?: , Nesta missiva, Gregorio I dd coma do inicio do realizag.-6'0
L .-4 0-4
de um dos seus mais profundos desejos, a evangelizapao
s. GREGORIO MAGNO QT dos Anglos. A fim de coriseguir este objective o papa enviou
E A coNvERsAo nos LOMBARDOS v para Inglaterra todo um mosteiro, ou seja, quarenta monge:
chefiados por Santa Agostinho. ' '
. _. .. . 4.
Devido em grande parte ti sua obra, Gregorio I viu desa
parecer as ailtimos reino: arianos. Na Itdlia, a rainha Teo- [...] Porque vcjo que actuais por bem c vi/os regozijais com os outros, ‘vou-
dolinda, com quem 0 papa manteve uma estreita cones: -vos fazer uma retribuiqio pelos beneficios recebidos, cnviando-vos noti-
pondéncia, conseguiu a conversdo de seu marido, o rei dos cias do mesmo género. O caso é que, enquanto o povo da Inglaterra, colo-
Lombardos Agilulfo (590-616), e de quase toda 0 seu 4--..¢,.__>4,. -..¢»
cado num canto do mundo, ainda permanecia sem fé, adorando troncos
povo (607). 0 relato é de Paulo Diacono, autor do
século VIII. .-y-
c pedras, pcnsei, ajudado nisto pelas vossas preces, que deveria com a
9
assisténcia de Deus enviar a este povo um monge do meu mosteiro (1), para
Nesta época o sabio e piedoso Gregorio papa da Cidade Romana, depois prégar. [Este monge], com licenca dada por mim, foi feito bispo pelos bis-
dc ja ter escrito muito para beneficio da Santa Igreja, compos também pos das Germanias e com 0 seu encorajamento lcvado até junto do povo
quatro livros dizendo respeito as vidas dos santos; a estes livros chamou acima citado, nos confins do mundo; e ja nos chegaram cartas dizcndo-nos
Dialogos, ou seja uma conversa dc dois, porque neles se incluiu a si proprio da sua seguranoa c do seu trabalho. Tanto ele como os que foram cnviados
conversando com 0 seu diacono Pedro. O papa enviou estes livros a rainha com ele cstao encantados com os tao grandes milagres sucedidos entre este
Teodo1inda(1), que sabia ser vcrdadeira na fé em Cristo e prédiga em boas povo, os quais pareccm reproduzir os poderes dos apéstolos nos sinais
obras. que aprcsentam. Com efeito, na festa solene da Natividad: do Senhor
Através desta rainha a Igreja de Deus obteve muitas e grandcs vantagens. ocorrida nesta primeira indicqao (Z) mais dc dez mil anglos, segundo a nossa
Na realidade os Lombardos, quando ainda estavam dorninados por uma informaqao, foram baptizados pelo dito nosso irmao e colega bispo. Con-
dcscrenoa paga, tinham tomado posse dc toda a propriedade da Igreja. tei-vos isto para que possais saber nao apenas o que fazeis entre 0 povo
32 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAI3
1;
s

dc Alexandria pregando, mas também 0 que realimis nos confin I


A5 mvAsO1=.s - 33
mundo, pela oracao. Porque as vossas oracbes estao no local ondes vdao
ue estava nessa cidade, de nome Anastasia, tendo-se convertido a fé
nao estais, enquanto as vossas boas accoes se exibem no local onde vos gagélica dirigiu posteriormente a Igreja de Cristo. Este rei Rotario ordenou
3
encontrais. 1' numa série de escritos as leis dos Lombardosque eram conservadas apenas
. .
‘L :
at
‘-1
dc meméria e por costume e decidiu que o codigo se chamasse um
[Sancti Gregorii Magni, Epirtularum, lib. vm, <<Epist. xxx», in .,~¢.“ ,|.-4nta-s. ».
Edicto. [...] 5 '5
J. P. Migne, Patrologiae Cursus Completus. Series Latina, t. Uctvn,
Paris, 1896, col. 932.1 '
' ' ' Lmgg b d , lib. IV, §42, in Manumenta Germaniae
(1) Santo Agostinho, entao rior d M ' 5:1;,§f:,,-[¢1Zs:’C§:,¢;ar:;aaegwmgabardimmm et Italicarum, Saec.
p o ostczro dc Santo Andre, fundado pelo Papa Gre- VI-IX, Hannover, 1878, p. 134]. .
gorio Magno em Roma. (1) A indiocao corrcspondia ao pcriodo de quinze anos que, i
partir de Constantino, se tomou habitual separar, dois lancamentos extraordinarios
de impostos. Esta contagcmgdo tempo mantcve-se nas bulas papais. ‘S, (1) Rei dos Lombardos dc 628 a 652. (2) Pavia $0bf¢ 0 T15110-

. 1|

A COEXISTENCIA DOS BISPOS ~16.


1

ARIANO E CATOLICO
NAS CIDADES LOMBARDAS
(SECULO vn)
9
1I 3
i 3. I ' Iv
u 4

Apds a conversdo do rei Agiluljb, em 607, as Lombardos vol-


taram ao arianismo. so em 671 se canverteram definitiva-
t »‘ A TRANSFO-RMAC.-1'0 CULTURAL
.
4, .-
. t 1 1\ \ \1 1
mente aa cotolicismo. Entretanto, na Itdlia Iambarda, coma 0 problema da decadéncia da etdtura antiga mercé‘ das invasaes germanas
em muitas dos outros estadas barbaros,
' ' " ainda hoje se revela camplexa e w esgatada. _ _~ A ., -,~_ »
as duas relzgzoes
coexistiram pacificamente, Iago que foi ultrapassado 0 A ruptura com o passado e a desmembramenta do uriidade cultural romana
primeira embate da invasda. 0 relato transcrita, de Paulo so por exceppfia foram cansciencializadas pelos autores cantempordneos.
Diécana, data do século VIII.
Um e outro fenamena se processaram Ientamente e mergulhavllm 4-! -W4-1'
1
raizes mmza Romdnia ainda niia dividida politicamente. V
O governo dos Lombardos foi assumido por Rotario. [...](1). 3 Também a transformapzio cultural ado se aperau simultfineamente em todos
Era um homem forte c seguidor do caminho da justiqa, embora nao as estados, nem eni todas as classes saciais. Encantramos uma cultura de ins-
aderisse a linha direita da fé crista, maculado pela perfidia da heresia ariana. pirapfio cldssica ainda muita viva na Espanha visigdtica e na Itdlia das 0stro-
Na real 1‘da d e os ananos
' ' ' que o Filho
' godos, A <<barbariza;a'a» foi, por outra lado, mais rdpida entre as Francas, as
afirmam, para sua perdicao, 6 inferior
ao Pai, e 0 Espirito Santo, inferior ao Pai e ao Filho; mas nos catdlicos Saxfies au as Lombardos. Da mesmo maneira, se a cultura eclesiastica revelou
C f . . . . cantinuidade foi a cultura laica quem mais sentiu o c/1_0qll8'8e"m""° ‘
on essamos que 0 Pai e o Filho e 0 Espmto Santo sio um e verdadeiro
Deus cm trés pessoas com poder igual e a mesma gldria. Por essa época mais rejlectiu as consequéncias do desorganizagfia admimstratzva e4 insti-
em quase todas as cidades do reino havia dois bispos, um catolico e out tucional.
ariano. Na _cidade ticinense (1) ainda agora se mostra o lugar onde 0 bispo ro
ariano tinha o seu baptistério, situado perto da Basilica dc Santo Eusébio, i
en u . . . . ,. (
q anto outro blSp0 resldla na Igreja Catollca. No entanto, o bispo ariano

t. m.-3
(
s4 naxros msroiucos 551NVASOF$ - as
A POLlTICA DE ATAULFO . somuz A DECADENCIA DA CULTURA ROMANA
EM RELACAO A ROMA (SECULO v) ._ . -
(SECULO V)
No excerta que se segue de uma carta de Sidania ApaIi-
ndria ao seu amigo Arbogasto (c. 477) é bem patente a
O histariadar Paulo Ordsia (‘séculas IV-V) atribuiu a preacupapfio do primeira pela desaparecimenta pragressivo
uma intenpfio politico que teria sido zinica entre as do cultura Iatina; ‘ " ’ ’
germanos: a do criapzio de um estado godo que
esquecer a romano. Ataulfo, coma todas as outros reis
baros, acabou no entanto par se inserir nos quadras 0 vosso amigo Eminéncio, honrado senhor, entregou uma carta por v6s
e administrativos romanos. ditada, admiravel no estilo. [...] Tivestes contactos com os barbaros e no en-
tanto nio permitis que nenhum barbarismo atravesse os vossos labios; em
eloquéncia e valor igualais aqueles antigos generais cujas macs podiam ma-
O reiAtau1fo era entao 0 rei do povo godo. Depois da invasao da Cidade nejar 0 estilo com nao menos habilidade do que a espada. A lingua romana
e da morte de A1arico(2) tomou por esposa, como ja disse, a irma do foi ja ha muito banida da Bélgica e do Reno; mas se o seu esplendor sobre-
rador (3), Placidia, que estava prisioneira, e sucedeu a Alarico na viveu de qualquer maneira, foi certamente convosco; a nossa jurisdiqao
do reino. O rei, como muitas vezes ficou dito e como o provou o seu fim entrou em decadéncia ao longo da fronteira, mas enquanto viverdes e pre-
era um zeloso partidario da paz; desejava servir fielmente 0 servardes a vossa eloquéncia, -a lingua latina permaneeera inabalavel.
rador Honério e consagrart as forqas dos Godos a defesa da Ao retribuir as vossas saudacoes 0 meu coragao alegra-se dentro de mim
romana. [...] por a nossa cultura em desaparicao ter deixado tais traces em vés. [...]
Tinha principalmente desejado com ardor apagar o nome romano
fazer de todo o territorio um império dos Godos, que deles usasse o Gal Solii Apallinaris Sidanii Epistularum. lib. IV, 4<Epist. XVII». in
para que, falando claramente, a Gotia fosse o que tinha sido a Maruanenta Germaniae Histarica-Auctarum Antiquissimaruml t~ V1"-
Berlim, 1887.]
_ , G.
e Ataulfo se tornasse agora 0 que outrora havia sido Cesar Augusto. mas
a sua muita experiéncia provara-lhe que os Godos eram absolutamente
incapazes de obedecer a leis por 681188. da sua barbaric desenfreada. Orzi,
como nao se podem suprimir, numa republica, as leis sem as quais uma
0 DESCALABRO DA crv1L1zA¢Ao ROMANA
repfiblica nao é repfiblica, preferiu glorificar-se restaurando na sua inte-
NA GALIA (SECULO VI)
gridade [a Romania] e erguendo o nome romano com as forcas dos Godos,
No prefdcio d Histéria Eclesiastica dos Francos, S. Cre-
para aparecer a posteridade como o restaurador do Império Romano, visto goria de Tours (538-593) justzfica a sua obra pela ausenczo
que o nao tinha podido transformar. “ de qualquer outro autor apta a registar as acantecimentas
contemparaneas.
[Pauli Orosii, Histariarurn adversus Paganas, in I. P. Migne, Patro-
logiae Cursus Campletus, Series Prima, t. xxxt, Paris, 1846, eols. 1168- Extinguindo-se a cultura das letras, ou melhor, definhando nas cidades
-1169.] '
das Galias, enquanto o bem e o mal igualmente ai se acometiam, ¢.1ue.a.1
se desencadeava a ferocidade dos povos ou o furor dos reis, que as igrejas
(1) A invasao de Roma por Alarico em 410. (1) Ocorrida nesse. mesmo ano de 410.
eram atacadas pelos heréticos e defendidas pelos catélicos, que a fé cristi,
(3) I-Ionorio (395-423). (4) Ataulfo foi assassinado em Barcelona (Agosto de 415).
fervorosa ainda no maior mimero, arrefecia em alguns, que 85 181'°Jf15
~~
eram enriquecidas por homens piedosos e despojadas por impios, e que nao
se podia encontrar um unico gramzitico conhecedor da dialéctica para des-
a
4 ’ 7
. ‘Q 36 raxros msroiucos MEDIEV‘
crever todas estas coisas, quer em prosa, quer em verso, e carpindo-se - ' h- ti
muitas vezes a maioria dizendo: <<Desg1-acado seja o nosso tempo,'p'q
hie?‘
'1
0 estudo das letras pereceu entre nos e ja nao se encontra ninguém -J a '1»
r-'
4. possa traduzir por escrito os acontecimentos presentes»; decidi-me, movi .
por estas queixas e outras semelhantes, repetidas todos os dias, a transmi'
aos tempos vindouros a memo'n'a do passado; e, se bem que falando --
u

linguagexn inculta, nao pude no entanto calar nem os empreendimentos


c, A SEGUNDA VAGA INVASORA '
>
dos maus, nem a vida dos homens de bem. O que sobretudo me excito
foi ter muitas vezes ouvido dizer, entre nos, que poucos homens compreen .1‘. .
dem um reitor que fale como filosofo; quase todos, pelo contrario, com
preendem um narrador falando como o vulgar. [...] Q"; AS INCURSOES
1
.1
4 NA EUROPA ORIENTAL
[Sancn Geargu Flarentu Gregam. Eptscapi Turanensis, Histariae Eccle-
siosticae Francorum, lib. 1, com traducao franeesa e revisio de J. Guadet -1
31"3'-1*!.~_.*‘»~
‘£"L ENTRE o fim do século VI e 0 principio do VIII a Europa Ocidental viveu
4
et Taranne, ed. Société de l’l-Iistoire de France, Paris, 1836, t. 1, pp. 3
a 5.]
D
-v -
V‘ '
5
1
;
1.
um periodo de relativa acalmia, momentaneamente Iiberta de incursfies inva-
soras. Outro tanto ndo acontecia a Oriente. A Panonia, abandanada pelos
Lombardos, sofrera a invasda dos Jvaras, tribo namada vindo do Norte
\||_-_
1‘-‘.9
Qt? V
-.,<4.-a do Cdspia. No peugado dos dvaros, as Btilgaros e as Eslavos atacaram as
rjt‘.
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-414' Balcfis, onde a partir do século VII se fiqraram pragressivamente.
qi J1‘ . -A

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- -. . 1.. ._»

" I DA DIVERSIFICACAO DAS TRIBOS ESLAVAS


das--<_L..o-.
< '. Ocupando uma vasta zana entre o Baixo Damibio, o Dniestre
W.
e a Vistula, as Eslavos compreendiarn uma grande variedade
1 -dlnA¢n3Iu4-lam
q t de tribos, das quais muitas tinham um nome geogrdfico.
, is v A expansfio destas tribas fez-se-especialmente para as Bal-
.-yo) v czis, para as planicies polacas e em direcpda ds terras finesas.
A cranica de que extraimas o excerta que se segue foi com-
J pilada por monges de um masteiro de Kiev entre 1037 e III8.
1
Durante muitos anos os Bslavos viveram junto do Damibio, onde agora
ficam as terras dos Hungaros e dos Bfilgaros. Destes eslavos, alguns gnipos
espalharam-se através da regiao e ficaram conhecidos por nomes préprios
de acordo com os lugares onde se estabeleceram. Assim, vieram alguns
que se estabeleceram junto do rio Morava, sendo chamados Moravios,
~
,¢ enquanto outros foram denominados Tchecos.
,. 1..._ _;~,‘;;_ Entre estes mesmos eslavos incluem-se os Croatas Brancos, os Sérvios
V,'.-4;,.
1,. _
\' . e os Khorutanianos. [...] Também outros viviarn entre 0 Pripiat (1) e o Dvina,
.53,
.
." , -
A-la‘
a-‘B-,1;
u

5.
-1‘ M
38 TFJCTOS I-HSTORICOS MEDIEVAIS A5 INVASOES , 39
<' .
sendo conhecidos por Dregovitchas. Outras tribos residiam ao longo do Morreram todos, nao sobrevivendo um fmico Avaro. Ainda hoje existe
1‘. -“
Dvina e eram chamadas Polotchanas, devido a um pequeno curso de agus uma expressao corrente na Russia: <<Morreram como Avaros.» Deles
, .,.
,_a chamado Polota, que corre para 0 Dvina. [...] Os Eslavos também se fixaram nao permaneceu qualquer tribo nem herdeiro (3).
cerca do Iago llmen, onde eram conhecidos pelos seus nomes apropriados;
[Extraido da Paves: Vremennykh Let (A Histdria das Ana: Passadas),
Construiram uma cidade a que chamaram Novgorod. Outros tinham ainda também conhecida por Nachalnaia Letopis (Crdnica Primdria), in
as suas casas ao longo do Desna, do Seim e do Sula (1), sendo denominado§' Basil Dmytryshyn, Medieval Russia--A source book, 900-I700, 1967,
.-_.-. >§;~r. -1»-M:-a’. pp. 6 e 7.] .
Severianos (3). --A
Assim estava dividida a raga eslava; a sua lingua era conhecida por (1) Populacao de origem mongol, iranizada a partir do século vn a. C. (1) Esta: tribos,
eslavo. - 1* de raca turca, que no principio do século vu se enoontravam a norte do Irio, ocuparam
‘@- depois as margens do rio Ural, até virem a desaparecer esmagadas por novos invasores
[Extraido da Pavest Vremennykh Let (A Historio das Anos Passados), (século x). (3) Povo também de origem turca que em 680 ocupou a Mésia. (4) Os Hun-
~Z. também conhecida por Nachalnaia Letopis (Crdnica Primdria), in garos, populacao de origem finesa, que havia sofrido influéncias iranianas e turcas.
ft Basil Dmytryshyn, Medieval Russia— A source book, 900-1700, 1967, (5) Imperador do Oriente de 610 a 641. (5) Chosroes II (590-628). (7) Este povo, pos-
P. 4.] ' \'
4 slvelmente de origem turca, apareoeu junto das fronteiras do Império do Oriente por_
volta de 461. (3) Nao ha qualquer referéncia aos Avaros posteriormente a 822. ' ‘
(1) O bereo da raca eslava parece serem justamente aszonasda bacia do rio Pripiat (afluentkey afi , A . .~....1

do Dniepre). (1) Estes trés rios sao afluentes do Dniepre. (3) Esta denominacio signil . - .' . . >
fica upovos do Norte». A. A, .¢. L. l
_ ' !. . ~t->ac-lumna-u:A1nd.u :¢.no‘u-ts».
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O AVANCO DOS POVOS DAS ESTEPES U 2O

(SECULOS vn A IX) _ g 0 CERCO DA EUROPA cnzsr.-if ‘ff’


Apos a avoneado das Hunos no século IV, outros tribos mimo-
NOS szscuros IXE"X__._._,. , _
_ _. ‘ __, _,,
das deixaram as estepes asidticas em busca de terras do
Ocidente. Esta segundo vaga de povos arientais, alguns das D0 século VIII ao XI, de novo toda a Europa iria ser devostado por invasores
quais Ianparam de novo a pzinico e a canfusfia no Europa, foi heterogéneas e ariundos das regi5es mais diversos. . A
a ultimo antes do aparecimenta dos Mongois. O reloto per- Dos estepes asidticas vieram as Hungaras, as Ifltazars, as Petchenegues
tence a uma crdnica russo compilada entre 1037 e 1118. e as Curnanos; do Escandindvia, as vérios grupos vikings. Uns e outros povos
parecem poder Iigar-se o movimentos migratorios anteriores: as primeiros
[...] Entretanto, enquanto os Eslavos viviam ao longo do Danubio, como
seguiram a peugado dos Hunos; as segundos, a dos piratas soxoes que desde
dissemos, saiu de entre os Citas (1_), isto é, de entre os Khazars (2), um povo a século III atacavom as costas do Bretanho e do Galio. Um novo e ines-
de nome Bt'1lgaros(3) que se fixou no Danfibio e oprimiu os Eslavos. '
pefado perigo surgira no entanto a suI—-o expansdo mupulmona. '
Depois vieram os Hunos Brancos (4), que herdaram o territério eslavo. Se todas estes povos foram mavidos par diferentes razo'es e apresentavam
Estes Hunos apareceram pela primeira vez no reinado do imperador Hera-
eles praprias caracteristicas muita variadas, a simultaneidade e a conver-
clio (5), que fez uma campanha contra Chosroes (6), 0 imperador da Pér-
géncia do seu ataque crioram mais uma vez d Europa cristd e Iatina uma crise
sia. Os Avaros, que atacaram o imperador Heraclio e quase o capturaram, de estruturas. ' _
também viveram neste periodo (7). Fizeram guerra aos Eslavos e inco-
modararn também os Dulebianos, que eram igualmente eslavos. [...] Os Ava-
ros eram de grande estatura e espirito orgulhoso e Deus destruiu-os.
1 40

Tax-ros msrotucos MEDIEVAI3 .. As rNvAS0E$


A EXPANSAO MUCULMANA NA EUROPA ~. ‘ 41
NO PRINCIPIO DO sficuro vnr - r 1 . As INCURSOES Dos VIKINGS EM FRANCA
A resisténcia do reino jranca a ocidente e de C . <‘ '- (sécuro IX)
¢
nopla o oriente deteve a ex ans"
pavaaEuropa.Pu1 " p oo mupulmona queonstantt
"' dos Lombard amea-_ Ermentdria (século IX), religioso de Noirmoutier, reIatando-
a o Dtocano no Histona -nos a maneira como as monges do seu mastetro fugtram
que redigiu a partir de 787, lembra, em cranico breve. estes
os, ~
dois importantes acontecimentos. ~“ as invosfies dos Dinamarqueses, do-nos, em muitas passos.
uma imagem viva da insegur4PI§4 83"41 das P°P"1°9°e-1' P‘=""'"'e
‘""'-c< 17 Nesta época (1) o povo dos Sarracenos, deixando a Afr: 1 M _. .-u. -.~ -. as assaltantes.
1‘

que é chamada Ceuta inv d' ' prai


-.2.1“-
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, a 11.1 toda a Espanha. Dez anos 'ca por
com as mulheres e os filhos, invadiram, como para se estabelecerem, a
uma
depois vindo Abandona-se a defesa das costas do Mar Oceano: cessam as guerras _d0
Aquitania , uma p rovincxa' da Gaha.
" Carlos (2) tinha
'
7 ' as aumentam as do interior. Multiplica-se 0 mimero dos navlos
por essa altura uma dis-'1'; “tenor, m ultidao inumeravel dos Normandos. Por todos os lados os cris-
puta com Eudo principe da Aquitania Che a
, . g ram no entanto a um acordo‘ " fafiscsgaawzmas de massacres, pilhagens, devastacdes e incéndios, dos quais
e combateram em perfeita . barmoma . contra os Sarracenos (3). Os Francos'1 ‘-
cairam sobre eles e mataram trezentos e setenta e cinco mil; do lado ficarao, através dos séculos, vestigios manifestos. [OS N0!'II1a_nd°5] t°ma_m
dos Francos cairam apenas mil e quinhentos. Eudo irrompeu com os \41w.ma a_-A-1.<»-idu-m-eta. todas as cidades por onde passam $9111 (1119 mnguém “$15”: °fmqms'
seus homens no campo [dos Sarracenos], matou muitos e deixou tudo de- tam Burdigala (1), Petrocoris (2), Sanctones (3). L¢m°"1°a(‘)» EE°1'“Pa (5)
vastado. e a cidade de Tolosa(5). As cidades de Andegavi(7) e de Tl1r0l118 (8)-
Pela mesma altura (4) 0 mesmo d assim como a de Aure1ianum(9), sac aniqui1_ad=*$- .Mmtas cmzas dc san-
tos foram [por eles] levadas e assim se realrzou a amea<;a q"° ° 5°92“
1\\ \ \ \1‘
nopla com um imenso
' '
exéreito, e povo os Sarracenos
fé-lo durante cercou
trés anos, Constanti-
até que, depois .-_.-M_- ._-

de a populacao ter invocado Deus com grande fervor, muitos dos inimigos anuncioupelo seu profeta: <<Uma praga Vmda d° n°Ft° °spalh,ar's°'i re
morreram de forne e de frio, assim como pela guerra e pela peste, abando- I todos os habitantes da terra...».A18l1Il$ anos d¢P°1$» ""1 "“m°‘° mm‘
nando desta maneira o cerco. Quando se retiraram encaminharam-se em culavel de navios normandos sobe 0 rio Sena, P610 qu° aummta a mm“
4--3. “--1 -45
pé de guerra contra 0 povo dos Bulgaros, que ficavam para além do Da- naquelasregides. [Os Normandos] invadem a_ °idad° d° R°t°mfl8'|:15(m)»
mibio, mas, vencidos também por eles, retrocederam para os seus pilham-na e incendeiam-na; da mesma maneira sio tomadas as mdlfiw
navios. de Parisii, Belvacis (11) ¢ Meldae (")- Dsmtam _° °as‘°1° ‘1°_M° 1“_'
num (13); Carnotes (14) é ocupada; Ebr°¢a$(_15)= 355"" °°_m° Ba1°°as( 6)‘
1
sao pilhadas. E invadem todas as outras cidades sucess1vam¢nl¢- Qua?
[Paulus Diaconus, Historia Langobardorum. lib. vr, §§ 46, 47, in
Monlunenta Germanioe Hist0rica— Scriptares Rerum Langabardicarum nenhuma localidade ou mosteiro permanecem rntactos: Todos Se PW?!‘
et lralicarum, Saec. VI-IX, Hannover, 1878, pp. 138 a 140.] pitam na fuga e raro é aquele que diz: <<Ficai, ficai, resrsti, lulal Pda 1151"“-
(1) No ano 711. (2) Carlos Martel (689-741). (3) Referéncia s batalha de Poitiers pelas criancas e pelo povo.» E assim entorpecidos e d¢Sll-I1ld08- "dimes,
(732)- (‘) Em 717. ' por meio de tributos o que deveriam ter defendido pelas armas, filqum
0 reino dos cristaos se despedaca. [...]

.
['E|-mentanus, .
Mrracula -
S. Filtberti, - Monumerggzfennnnloo H:
111 l-
tariea—Scriptares XV. 1. H8I!n0V¢l'. 1887, p. -

.
(1) B déus. (1) Péngueux. .
(3) Saint-Ouen - - _ (4) Limoges. (5) Anlwllme.
ou Saintes L
<6) '(l)“oulouse. <1) Angosw to Tom (°> °"*"1=- l<'°)Bf~°‘:;“" ‘"’ ”°"""
(11) Manx, (11) Melun. (14) Chartres. ('5) E"="X- (°) Y‘ '
$12‘-.:~§f>._
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16'") ti-‘a"7 1.
42 '1'EX'1'0S HISTORICOS MEDIEV "
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A5 INVASOES ‘3
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A FUNDACAO Do ESTADO RUSSO - dc] Qleg instalou-se como principe em Kiev, declarando que ela viria a
DE NOVGOROD—KIEV (SECULO 1X) J 5;; a mite das cidades russas(3). [...] li
’|
‘.
l d da P t V nnykh Let (A Histario do: Ana: Passadas).
,1
Segundo a Crdnica Primaria (compilada entre 1037 e 1114 EQ§im°mnh;?1'; ;6i'MNachalnaia_ Letapis (Crdnica Prirndrta),
‘ -1i ;$fig»
"%>.,' ;_‘_£'_~.
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“r-1..y_ ‘Q-$,‘l§“:i'
.- '- ‘Z; 0 principado russo de Kiev estaria canstituido par va in Basil Dmytryshyn, Medieval Russta—A source book, 900-1700,
1!

,
M - , . 1967, pp. 8 a 10.] ‘ ‘l
."\"~.: t
. I‘ .-'» ' de 880, depois de a populaedo eslavo ter sido dominada pe
,\-_’-ea‘ -:32‘-; invasores normandos.
(1) O termo deriva do esemdinavo vaeringi, termo que designava os membros de um
1 grupo orgammd'o para fins eomerciais ou mesmo militares. Os Normandos foram assim
6367 (859). Os Varangios (1) do outro lado do mar impuseram um tribr denominados pelos eslavos (varjagi) e pelos bimntinos (varangoi). (1) A denominacao
sobre os Chuds, os Eslavos, os Merianos, os Ves e os Krivichianos. M 4e Rus e portanto Russos, parece ser uma adaptacio fonétim eslavo. de um tenno escan-
dimvo e fink (em suw; anfigo mdi) significando ((8qU6l¢S que remain». (3) Adinastin
os Khazars impuseram-no aos Polianos Severianos e Vyatichianos, < inaugm-ma pol‘ Oleg e conhecida por Rurikovltch, em homenagem a Runk, reinou em
brando uma pele de esquilo e uma pele de castor por cada lar. 6 . * ¢. . Kiev até ao século XVI.
6368-6370 (860-862). Os tributarios dos Varangios expulsaram-nos para
la do mar e, recusando-lhes mais tributos, deeidiram governar-se a si pr6-
.“;
--8-~-..-=_j.'T-"<%_-:4-.
*"sa-*-.-'5=?=‘1 .
prios. N50 havia leis entre eles e as tribos erguiam-se umas contra as outras. os HUNGAROS DEVASTARAM
Seguiu-se a discérdia e comeqaram a entreguerrear-se. Disseram entio A LOMBARDIA (924)
1 "‘ ~ -. para si préprios: <<Procuremos um principe que nos possa governar
julgar segundo a lei.» De acordo com isto atravessarain os mares até junto‘ _ -'.>-.A‘¢-..._4_-:.1 As incursfies dos Htingaro-Y. f¢iPI'dll-f- ill?-*P¢""d4-1' ¢ d¢~“""i' ‘
“'1 all-; "ff 1' doras, tinham par finalzdade essenctol a saque. Roras vezes
‘H in_
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dos russos Varfingios (2). Estes varangios em particular eram conhecidos 3 este povo se preacupou com cercar cidades. A tomado de
.‘ -,,
, ‘xv! por russos, assim como alguns eramchamados suecos, e outros normandos» § Pavia constituiu uma exeepeao. 0 relato que se segue per-
.7‘
anglos e godos, por serem assim denominados. Os Chuds, os Eslavos e '; tence o um cranista francés cantemporaneo dos acante- I
lb
- cimentos. _ ~ A = l
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os Krivichianos disseram entao ao povo de Rus: <<A nossa terra 6 grande
e rica, mas nao existe ordem nela. Vinde para governar e reinar sobre nos.»
Os Hfingaros, conduzidos pelo rei Beren8==i1'i° (1), <11" °5_L°mba_"d°5 unmfm
l
Escolheram entao tree irmios com os seus parentes, que tomaram consigo ; -1»
repelido, devastaram a Ita1ia(2); l9»I1<}aY3m f°8°. 3 P3-V13 (3), ‘°1d§d¢ mum’
r todos os russos e emigraram. O mais velho, Rurik, instalou-se em N6v- Q 1» Ml
‘I gored; o segundo, Sineus, em Bieloozero; e 0 terceiro, Truvor, em Izborsk. populosa e opulenta; ai pereceram infimflfas flq11¢Za$§ as 1811.135 f°1'am it
A
incendiadas e o prdprio bispo da cidade com 0 bispo de Vercelli que ‘estava
. 3‘, ." Devido a estes varangios, o distrito de Novgorod passou a ser conhecido ‘f;
. .\.'
pela terra de Rus. Os actuais habitantes de Névgorod descendem da raca " com ele foram mortos pelas chamas e o fumo; ° '33¢l“¢13- mult1da° [d°
varangia, mas anteriormente eram eslavos.[...] " ' habitantes], quase inumeravel, conta-se terem ficado apenas duzentos
que, entre os restos da cidade incendiada, recolheram nas cmzas oito mddios
6378-6387 (870-879). No seu leito de morte, Rurik legou o reino a Oleg, A
que era da sua gente, e confiou nas suas maos o filho, Igor, porque ainda de prata que entregaram aos Hiingaros Para "$8313? 3 vida ° as mumlhas l

era muito novo. ' da cidade deserta.


Saciados, os Himgaros, atravessando os desfiladeiros abruptos dos Alpea.
6388-6390 (880-882). Oleg pds-se a caminho levando consigo muitos guer- [1
entraram na Galla-
reiros de entre os Varangios, os Chuds, Eslavos, Merianos e Krivichianos. ;
Desta maneira chegou com os Krivichianos perante Smolensk, tomou a . [Flodoardi Annales, in Monurnenta Germaniae Histarica —Scriptares, Ill,
cidade, estabelecendo nela uma guarnicio. Entiio prosseguiu e conquistou I-lannover. 1339. P- 373-]
an--no4._
Lyubeck, onde também postou uma guarnieao. Finalmente caminhou (1) Rei dos Lombardos de 888 a 923. G) A Lombardia foi invadida pelos Hungaros
I

até as colinas de Kiev. [...] [Depois deter assassinado os governantes da cida- treze vezes, de 899 a 955. (3) A 12 do MRIGO d° 924-
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CAPiTULO 11 — A CIVILIZACAO BIZANTINA

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8- BIZANCIO PONTO DE LIGACAO \

ENTRE O ORIENTE E O OCIDENTE

1.
CONSTANTINOPLA
CABEQA DO IMPERIO ROMANO
DO ORIENTE ‘

A0. fundar Constantinopla em 330, 0 imperador Constantino garantia a con-


w
0-
tinuidade de um <<Impéri0 Romano» por mais de um milénio. Depois de algu-
mas tentativas anteriores por parte de outros imperadores para eleipiio de
uma capital no Oriente, a nova escolha fora finalmente acertada.
Situada num local geogrdficamente privilegiado, entre 0 Egeu e o mar
Negro, ponto de Iigapfio entre a Europa e a /fsia, Constantinopla viria a ser.
pela sua riqueza e pela seu esplendor, <<a,cidade» medieval por exceléncia, a
nova Roma.

A FUNDACAO DE CONSTANTINOPLA

Fundada por marinheiros gregos de Mégara em 657 a. C..


Bizdncio teria de esperar cerca de mil anos até a atengfio
de um imperador romano a transformar numa grande capi-
tal. Inaugurada a II de Maio de 330 por Constantino, que
Ihe chamou Nova Roma, veio de facto a ficar conhecida 1

por Constantinopla. 0 trecho aqui inscrito pertence a um


historiador do Igreja do século V.
\,\
\

DE QUE MANEIRA O IMPERADOR CONSTANTINOO) ELEGEU (


A CIDADE DE BIZANCIO E LHE CHAMOU CONSTANTINOPLA
[\
\

O 'mP°\'ad0r, depois de concluido o concilio (2), pretendeu viver com grande


alegrii Celebrada portanto a festividade pfiblica do seu vicenal(3), ime- Ft‘w\,/
\

1“
M
4s TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A CIVILIZACAO BIZANTINA 49

diatamente dirigiu toda a atenqio para 0 estabelecimento de igrejas. Digni- natal a fim de fazerem uma petieio ao imperador; e todos estes passam
ficou desta maneira tanto as outras cidades como a urbe com 0 seu nome. a residir na cidade por qualquer obrigaeao urgente, iminente ou amea<;a-
Na verdade deu 0 nome de Constantinopla aquela [cidade] anteriormente dora. A juntar as outras dificuldades estas pessoas tém também necessidade
denominada Bizancio e ampliou-a muitissimo, adornando-a com uma cinta de alojamentos, sendo incapazes de pagar 0 aluguer de qualquer residéncia
de enormes muralhas e com vzirios edificios, equiparando-a Z1 régia cidade aqui. Esta dificuldade foi-Ihes totalmente resolvida pelo imperador Justi-
dc Roma; sancionou mesmo uma lei para que fosse chamada a Nova Roma. niano e pela imperatriz Teodora. Muito perto do mar, no local chamado
Esta lei foi inscrita numa coluna de pedra e colocada pilblicamente no Estadio (porque ern tempos antigos, suponho, se destinava a jogos de
Estratégio junto da estatua equestre do proprio’ imperador. Na mesma qualquer espécie), constniirarn uma muito grande hospedaria destinada
cidade [0 imperador] edificou duas igrejas: uma chamada [St.’] Irene e a servir de alojamento temporario aqueles que assim se encontrassern
outra com 0 nome dos Apostolos. Na realidade nao incrementou apenas embaraeados.
as coisas dos cristios, como anteriormente disse, mas destruiu também
a superstieio dos gentios. E certo que propfis abertamente imagens de deu- [Procopio de Cesareia, De aedtficiis, I, x1-23-27, trad. inglesa de
. H. B. Dewing, Londres, 1940, vol. vu, pp. 95 a 97.]
ses para ornamento da cidade de Constantinopla e tomou pfiblicas profe-
cias délficas no circo da mesma cidade. Mas estas coisas supérfluas, tam- (1) Imperador de 527 a 565.
bém hoje em dia se véem celebradas, mais para serem admiradas pelos iI
I
olhos do que percebidas pelo ouvido. [...]
i
[Socratis Scholastici, Historia Ecelesiastica, lib. i, cap. XVI, in J. P.
Migne, Patrologiae Cursus Completus, Series Graeca, t. Lxvn, O FAUSTO IMPERIAL EM 949
Paris, 1864, cols. 115 a 118.]

(1) Constantino 0 Grande, imperador de 306 a 337. (7-) O Concilio de Nieeia (325). Sendo a diplomacia uma armas mais hdbilrnente mane-
(3) A celebraeio do 20.’ ano do seu govemo, realizada em 326. jadas pela imperador bizantino, este procurava sempre impres-
sionar os embaixadores enviados pelas naefies estrangeiras
por meio de ofertas e recepefies faustosas.

No dia l de Agosto deixei Pavia (1) e navegando pelo P6 cheguei ao fim


CONSTANTINOPLA NO SECULO vr de trés dias a Veneza. Ai encontrei um enviado grego, o eunuco Salerno,
camareiro do palacio que acabava de voltar de Espanha e da Saxénia.
Centro da administraefio e residéncia imperial, Constanti- Estava ansioso por navegar para Constantinopla levando consigo um
nopla atraia homens vindos de todas as provincias na espe- enviado do meu presente senhor, que entao era rei e agora é imperador (2).
ranea de melhorar 0 seu modo de vida. A descripfio que se
segue partiu de um contemporéneo do imperador Justi- Este homem, que era portador de presentes faustosos, era um rico merca-
niano, o historiador Procdpio de Cesareia. _ dor de Mogfincia chamado Liutefredo. Finalmente deixamos Veneza no
oitavo dia das Calendas de Setembro (3) e alcaneamos Constantinopla no
Visto que o imperador [Justiniano (1)1 mantém aqui [em Constantinopla] décimo sexto dia das Calendas de Outubro (4). Sera tarefa agradzivel descre-
a sua residéncia, resulta da grandeza do Império que uma multidio de ver a maravilhosa e inaudita forma da nossa recepeao.
homens das mais variadas condiqoes chegam a cidade, vindos de todas as Perto da residéncia imperial em Constantinopla ha um palacio de nota-
partes do mundo. Cada um deles é levado _a vir on por alguma necessidade vel tamanho e beleza que pelos gregos é chamado Magnaura (5), [Mayvmypml
de negdcios ou por qualquer esperanqa ou por acaso; e muitos na verdade tomando a letra <0.» o lugar dc ap», como Ase dissessem Magna Aula. Cons-
vém por os seus negocios nao se encontrarem em feliz situaeio na terra tantino (6), a fim de receber alguns cnviados espanhois recentemente che-
t. m.-4
7-

Ti
so rsxros msroaicos MEDIEVAIS A CIVILIZACAO BIZANTINA 51

gados, assim como a rnim proprio e a Liutefredo, ordenou as seguintes 0 GEOGRAFO IDRISI (sécuto xn)
preparaeoes. DESCREVEU CONSTANTINOPLA
Diante da sede do imperador havia uma arvore feita de bronze dourado,
Idrisi foi contemporéneo dos dois mais brilhantes impe-
cujos ramos estavam cobertos de passaros igualmente de bronze dourado, radores do dinastia comnena, Jodo ll (I118-I143) e Manuel I
cantando de diversas maneiras segundo as suas espécies. (1143-1180). Constantinople era ainda uma cidade fabu-
O préprio trono do imperador era feito com tal arte que num dado losa, capaz de impressionar 0 muito viajado gedgrgfg drabg,
momento parecia uma construeao baixa e noutro erguia-se alto no ar.
Era de um tamanho imenso e estava guardado por leoes de bronze ou de Esta capital esta construida sobre uma lingua de terra de forma triangular.
madeira coberta de ouro, os quais fustigavam 0 chao com a cauda e emi- Dois dos seus lados s50 banhados pelo mar; 0 terceiro compreende 0 ter-
tiam um rugido de boca aberta e agitando a lingua. reno sobre o qual se ergue a Porta Aurea (1). O comprimento total da cidade
Reclinado sobre os ombros de dois eunucos fui levado a presenea do é de 9 milhas (1). Esta rodeada por uma forte muralha cuja altura é de vinte
imperador. A minha chegada os leoes rugiratn e as aves cantaram de acordo e um covados (3) e revestida de um parapeito com a altura de dez covados,
com as suas espécies sem eu me aterrorizar nem impressionar de espanto, tanto do lado da terra como do do mar. Entre este parapeito e 0 mar existe
porque me tinha préviamente informado sobre todas estas coisas com uma torre que se ergue a altura de cerca de cinquenta covados rechachi.
pessoas que as conheciam bem. Assim, depois de me ter prostrado por trés A cidade tem cerca de cem portas, das quais a principal é a que chamam
vezes em adoraqao ao imperador, levantei a cabeqa e aquele que primei- a Porta Aurea; é de ferro coberto de laminas de ouro e nio se conhece
ramente tinha visto sentado a uma distancia moderada do solo havia agora nenhuma que lhe seja comparavel na grandeza, em toda a extensio do
mudado de vestuario e estava sentado ao nivel do tecto. Como isto foi Império Romano.
feito nao consigo imaginar a nao ser que ele fosse puxado para cima por Esta cidade encerra um palzicio (4) afamado pela sua altura, vastidao
qualquer espécie deiengenho, como 0 que usamos para levantar as traves e beleza das suas construqoes e ainda um hipodromo pelo qual se chega
de uma prensa. a esse palzieio, 0 mais espantoso circo que existe no universo. Caminha-se
Todavia nunca se me dirigiu directamente, e, rnesrno que tivesse desejado nele entre duas ordens de estatuas de bronze de um trabalho precioso,
fazé-lo, a grande distancia entre nos teria tornado a conversa impossivel, representando homens, cavalos, leoes, etc., esculpidos com uma perfeigao
mas por intermédio de um secretario informou-se sobre os actos e a safide capaz de causar o desespero dos artistas mais habeis. Estas figuras sao de
de Berengzirio. Tendo eu dado a resposta conveniente, a um sinal do inter- uma estatura mais elevada que a grandeza natural. O palacio contém igual-
prete deixei a sua presenga e retirei-me para os aposentcs que rne foram mente um grande ntimero de objectos de arte infinitamente curiosos. [...]
dados. [...]
[Géographie D'Ea'risi, traduite de l'a.rabe en francais par P. Amédée
[Liutprandi. Cremonensis Episeopi, Historia Gestorum Regum et Impe- Jaubert, Paris, 1840, t. II, pp. 298-299.]
ratorum sive Antapodosis, lib. VI, in J. P. Migne, Patrologiae Cursus
Completus, Series Latina, t. CXXXVI, cols. 894 e 895.] (1) No canto sudoeste da cidade. (Z) A milha tem cerca de 1500 rn. (3) O covado
corresponde a 0,70 m. (4) Refere-se ao Pal:-icio imperial, conhecido pelos viajantcs
(1) O narrador é 0 lombardo Liutprando. entio servidor do rei Berengario I (888-923). ocidentais por Palacio dc Boueoleon, a sudeste da cidade. Os imperadores da dinastia.
(1) Otio I, imperador da Alemanha de 936 a 973. (3) 25 de Agosto. (‘) 17 de Setembro- comnena viveram no entanto quase sempre no palacio dc Blachcrnae, no extremo noroeste
(5) Part: do palacio imperial onde se encontrava a sala do trono e eram recebidos os embai. de Constantinopla.
xadores e cuja construeio remonta a Constantino I. (6) Constantino VII Porfirogeneta.
(944-959).
TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A CIVILIZACAO BIZANTINA 53
3

2. pelos Gregos como a Grande Citia. Com esta forqa Oleg conduziu um
RELA cores COMERCIAIS DE BIZANCIO ataque a cavalo e de barco; o nfimero dos seus navios era de dois rnilhares.
COM 0 MEDITERRANEO, 0 BA'LTlC0 Chegou perante Tsargrad (4), mas os Gregos fortificaram 0 estreito(5) e
E 0 ORIENTE fecharam a cidade. Oleg desembarcou na praia e ordenou aos seus sol-
dados que acostassem os navios. Fez a guerra em torno da cidade e cha-
4NDO, a partir de meados do século VII as /lrabes ocuparam a Palestina, cinou muitos gregos. [Os Varangios] também destruiram tnuitos palacios
ria, o Egipto e todo o Norte de A:frica, Constantinopla viu ainda crescer e queimaram igrejas. Dos prisioneiros que capturaram, alguns foram deca-
I; importancia no seio da Cristandade, como centro eeonomico, politico pitados, outros torturados, outros seteados e outros ainda atirados ao
'ligioso no Mediterrdneo oriental. mar. Os Russos infligiram ainda muitos infortiinios aos Gregos segundo
zndo inerementado a construefio naval e desenvolvido uma importante a maneira habitual dos soldados. Oleg ordenou aos seus guerreiros que
stria de armamentos e artigos de luxo (como sedas e marfins), B[zg'n_ fizessem rodas as quais ligaram aos barcos e quando o vento se tornou
ranalizava os seus excedentes tanto para os portos mediterrdneos favoravel, desfraldaram as velas e cairam sobre a cidade vindos de terra
COMO
os mercados asidticos. aberta. Quando os Gregos viram isto, ficaram aterrados, e, enviando mensa-
zmbém as navios das nascentes republicas italianas e das cidades bizanti- geiros a Oleg, imploraram-lhe que nio destruisse a cidade, oferecendo-se
io Sul da Itdlia demandavam Constantinopla em busca desses mesmos pro- para se submeterem ao tributo que ele desejasse. Desta maneira Oleg man-
s e das rotas que Ihes dariam acesso as mercadorias do Extrema Oriente. dou fazer alto as suas tropas. [...]
rm efeito, Trebizonda era no mar Negro a cidade que se abria para 0 i
ircio asidtico, enquanto Quersoneia, na Crimeia, drenava as matérias- Os Russos fizeram as seguintes propostas: <<Os russos que aqui vie-
ias vindas do Béltico em caravanas que atravessavam as planieies russas. rem receberio tanto trigo quanto quiserem. Aqueles que vierem como
e
ultima eorrente comercial era, como sabemos, alimentada por povos mercadores receberio provisoes para seis meses, incluindo pao, vinho,
idinavos, os Suecos, conhecidos nas margens do Dniepre por ((russ» au peixe e fruta. ~
tgios. A sua influéncia se deveu o crescimento das cidades de Kiev e Ser-lhes-5.0 preparados banhos na quantidade que pedirem. Quando
.'0r0Id, sobre as quais Constantinopla veio a estender a sua presenea os Russos voltarem para as suas terras, receberao do imperador alimen-
itua. - tos, ancoras, cordoame, velas e tudo o mais que for necessario para a
viagem. [...]

KIEV E BIZANCIO NO PRINCIPIO DO SECULO X Entio os imperadores Leao (6) e Alexandre (7) fizeram a paz com Oleg
e depois de terem concordado sobre 0 tributo e de se terem ligado mt‘1tua-
No principio do século X os Vardngios, que jti haviam consti-
tuido um estado poderoso em Kiev, atacaram Bizancio. mente por um juramento, beijaram a cruz e convidaram Oleg e os seus
Deste ataque resultou 0 primeira tratado comercial entre homens a fazer um juramento da mesma maneira. Segundo a religiio dos
as dois estados (907). 0 relato que se segue e'-nos dado por Russos estes juraram pelas suas armas e pelo seu deus Perun, assim como
uma crontca russa compilada num mosteiro de Kiev entre por Volos, 0 deus do gado, e isto confirmou o tratado.
1037 e 1118.

'07 — Deixando Igor (.1) em Kiev, Oleg (2) atacou os Gregos (3). Levon [Extraido da Povest Vremenrtykh Let (A Histdria dos Anos Passados)
ou Naclialnaia Letopis (Crdnica Primdria), também eonhecida por
go uma multidao de varangios, eslavos, chuds, krivichianos, meria- Cronica de Nestor, in Basil Dmytryshyn, Medieval Russia — A source
polianos, severianos, drevlianos, radimichianos, croatas, dule- book, 900-I700, 1967, pp. 12 e 13.]
)S e tivercianos, que sao turcos. Todas estas tribos 5:10 conhecidas
U) Principe de Kiev entre 912 e 945. (7-) Regente durante a menoridade de Igor (879
i --

54 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A CIVILIZACAO BIZANTINA 55

a 912). (3) Os Bimntinos. (4) Ou seja “cidade do tsar» . Era. o nome que os Eslavos 8 — Os mercadores de seda crua nao deverio ter licenea para fiar a seda,
davam a Bizancio. (5) O Corno'de Oiro. (5) Leio VI (886-912). (7) Alexandre I mas apenas para a comprar e a vender. Aquele que for apanhado [em
(871-912). transgressio] sera castigado com a penalidade da flagelaqio e a barba
ser-lhe-al cortada. _
9 — Os mercadores de seda crua nao deverao vender seda a qudeus on
REGULAMENTOS BIZANTINOS PARA A GUILDA
a [outros] mercadores para revenda fora da cidade. Quem assim o fizer
DOS MERCADORES DE SEDA CRUA (SECULO X)
sera aqoitado e a barba ser-lhe-a cortada.
[Constantinopla, 911 ou 912].
0 Livro do Prefeito, eonjwzto de regulamentos para o exer-
cicio da industria e do comércio bizantinos (dizendo respeito . - - ' Irving
no esséncia ao século X) dd-nos uma ideia da rigida organi- [Ltvro do Prefetto, VI, 31-33. 113-nsfmto em R°_b¢1'1 5- I-OP" 9
W, Raymond, Medieval _Trade_ in _the llledtterranean Worlgb Nzezva
zaezio das associagoes mercantis ou guildas. York and London, Columbia University Press, 2." ed., 1961. PP- 3 -

SOBRE OS MERCADORES DE SEDA CRUA ( 1) Keration ou karat era uma moeda de prata. CorresP0I1d13- 3 1/14 (19 11°m15ma~ m°°lda
de ouro que continha aproximadamente 4,5 g desse m¢l8»l- (2) T11111°_ 1153“ gm
I -— Os mercadores de seda crua nao podem exercer qualquer outra pro- prebostes das guildas bizantinas. (3) Os mitata eram os albergues estabelecidos em :5-
llssilo, mas tem de praticar a sua piiblicamente no lugar para eles esta- tantinopla para os mercadores estrangeiros. (‘) APY°X1111ada-m°111° 9 3 d° °“'°' er
hclccido. E quem assim nao o fizer sera aeoitado e banido, sendo-lhe nota 1. (5) Vet a nota anterior.
cortnda a barba.
2 — [Os mercadores de seda crua] tém de pagar apenas um keration (1)
aos exnrcas (2) [da guilda] por cada cem cargas - Quem quer que P ossua
buluneas ou pesos nao marcados com 0 selo do prefeito, sera aooitado os IMPOSTOS ALFANDEGARIO8 EM CONSTAN-
e n barba ser-lhe-ti cortada. TINOPLA NO PRINClPIO no SECULO XIV ,
3 —-Aqueles que vierem de fora para os mitata(3) _com seda crua nao
Francesco
. Baldueci » Pegolotti, mercador
_ 170'‘"1910 d4bP'1'o
terllo dc pagar tributos, excepto pela renda e alojamentos; da mesma ma- metra metade do seculo XIV, revela nos neste texto so re_
ncirn aqueles que lhes fizerem compras nao serao obrigados ao pagamento comércio de Constantinopla entre 1310 e 1314. 4 8111411?!"
do impostos. privilegiada em que se encontravam os Genoveses e l’ene-
4 - Quem quer que esteja para ser admitido [na guilda dos] mercadores zianos em reIa;o'o~ aos demais mercadores mediterraneos.
dc seda crua devera obter 0 testemunho de homens honrados e de con- * no
llnnqa acerca da sua boa reputaeao. Entao, apos ter dado duas nomis- pnuarros QUE se PAGAM EM CONSTANTINOPLA EISA AL;;::%E€€vAM
mata(4) ll guilda, podera ser registado. IMPERADOR PELOS GENEROS Que 0s MERCADOR IRA
5 —Toda a comunidade da guilda tera de fazer um depésito na altura
do mercado, cada membro segundo os seus meios. E a repartiqio sera
Os Genoveses e os Venezianos tem entrada e saida franca, 115° P383111
feita de acordo com o deposito de cada membro. nada’ . ' ' m o rt am ar a Cons-
6 — Se um mercador de seda crua for apanhado a viajar para comprar Os Pisanos pagam por todas as mercadorlas que 1 P P _ I
seda, deverzi ser expulso da guilda.
tantinopla 2 por cento do valor da mercadoria em Constantinop a,
7 — Os mercadores de seda crua nao devem vender seda por lavrar em sem deduzir quaisquer despesas relacionadas com ela, e outros 2 por
suas casas, mas no mercado, de maneira que a seda nio possa ser enviada cento sobre 0 que exportam. [...] _ . T e todos
secretamente aqueles que estfio proibidos de a comprar. Aquele que assim Os Florentinos, Provenqais, Catalaes, Anconianos, S1°11a;°;0r cento
-
os outros estrangeiros pflgam 2 P91‘ °¢111° 3° en
trar e
0 fizer pagaral l5 nomismata(5) a guilda.
ss rsxros HISTORICOS MEDIEVAIS$5?
do que vale a mercadoria ao partir. E sao obrigados' a pagar ao mes -.-15-

tempo a entrada e a saida, sendo entao senhores de exportar quandomoo


desejarem sem pagar outra taxa', no entanto 0 d'in h eiro
' que adquiriram‘
p ela s ua mercadoria nao podera ser usado para fazer negocio de com
pra
e revenda dentro do pais, mas apenas para exportaeao. Mas se compra-
rem para revender no pais, cada vez que comprarem e venderem dentro
d . -
o pars, pagarao 2 por cento. E se navegarem no mar Negro uando
b. A IGREJA E OS CONFLITOS RELIGIOSOS
Q
voltarem pagarao do que trouxerem 2 por cento e nada mais. [...] 9

:. 1
t

[Francesco Balducei Pegolotti, La Pratica della Mercatura, ed. Allan 1


Evans, Cambridge, Massachusetts, 1936, pp. 41-42.] 1.
>.
1
:-
AS PRIMEIRAS HERESIAS
w.
NO IMPERIO ORIENTAL 1
TREBIZONDA E 0 COMERCIO ORIENTAL (SECULOS IV A VI) 1
(sécuto xrv) -
1
A Igreja, ao estruturar a sua doutrina, encontrara um problema delieado e
Trebizonda, na costa norte da A'sia Menor, sobre o mar 1
Negro, era 9 porto que recebia as sedas do Pérsia e as espe- t de dificil definiptio. o da natureza de Deus. Pretendia-se esclarecer as rela-
ciarias da India. Depois da restauraefio da dinastia paleo- ¢6es entre as pessoas da Trindade, especialmente entre Deus-Pai e Deus- 1
loga em Constantinopla (I261) os Genoveses estabeleceram Y -Filho. Politico, linguistica e culturalmente heterogéneo, 0 Império Oriental
uma feitoria em Trebizonda, assim como em vérios outros
@- 1
tomou-se um campo ideal para a proliferaezio das heresias.
portos do mar Negro cujo comércio dominaram. O relato ¢ 11
que se segue é do primeira metade do século XIV. 1, O arianismo abriu 0 conflito considerando o Filho inferior ao Pai, unlco
verdadeiro Deus. O Filho derivaria do Pai, tendo sido por ele criddv. I18-71'" -1
DIREITOS QUE SE PAGAM EM TREBIZONDA como 0 E.-spirito Santa do Filho. 1
0 Concilio de Niceia (325) condenou o arianismo exprimindo 0 ponto dc
‘I
Quem leva mercadorias para Trebizonda ou as vende no pais aos naturais vista ortadoxo na redacefio do Credo. N50 obstante, esta heresia dissemi-
|(|
paga ao imperador de Trebizonda (1) 3 por cento, mas se as vender a geno- nou-se entre os Visigodos, Ostrogodos, Suevos, Burgundios, Vdndd/08 ¢
veses ou a outras gentes Iatinas, nao pagara nada. ' Lombardos, persistindo no Ocidente por cerca de doisséculos. Neste mesmo 1
E se nio quiserem vender em Trebizonda as mercadorias que ai intro- espaeo de tempo desenharam-se no Oriente duas tendéncias extremrstas
d . . ., '1
uzem, (.'l¢SC_]3.11d0 ir com elas ou envia-las para Tabriz, pagarao ao dito Opostas. Os monofisitas defendiam a existéncia em Cristo de uma unica natu-
1“
imperador 28 aspres (2) por soma e ainda l aspre por soma ao consul (3)- reza, a divina, enquanto os nestorianos opinavam que em C'ri-W0 9X1-"17""
b.
E quem vier de Tabriz para Trebizonda com mercadoria paga em Tre-
. .
duas naturezas distintas, a divina e a humana. p <<
izonda 15 aspres por soma, tanto de especiarias como de qualquer outra
mercadoria, dos quais 14 aspres sao para 0 imperador e um aspre para 0
Discutido 0 assunto no Concilio de Calcedonia (451), foram cvfldefiddll
as duas posieoes declarando-se que Cristo verdadeiro Deus e verdadeirv l10"l¢'"
'<
consul. era nfio obstante auno», sendo as suas duas naturezas indivisiveis e insepa- <1
rziveis. Esta soluefio aceite por Roma e Constantinopla foi mal F8!-‘E5144 lc
[Francesco Balducci Pegolotti. La Pratica della Mercatura, ed. Allan no Egipto e na Siria, onde se mantiveram e perduraram igrejas mono- 1'<
_ Evans, Cambridge, Massachusetts, 1936, p. 31.]
fisitas. '
(1) O imperador bizantino. (2) Moeda de prata. turca. (3) O consul da feitoria genovesa.
~.<
11
s‘I
_-\ CIVILIZACAO BIZANTINA 59
ss TEXTOS I-IISTORICOS MEDIEVAIS
cian0(1) 6 valen[inianO(2), Augustos, em Calcedonia, a metropole da
OS ENSINAMENTOS DOS ARIANOS
provincia da Bitinia, na igreja da santa e vitoriosa inartir Euférnia, decre-
Um historiador do século V, Socrates, autor de uma I-Iistoria tou 0 que abaixo se escreve:
Eclesiastica que abrange o periodo entre 324 e 439, expoe [...] Seguindo os santos Padres, todos nos em unissono ensinamos que o
as doutrinas arianas, transcrevendo uma carta dirigida aos Filho e Nosso Senhor Jesus Cristo sao um so e o mesmo, que Ele é per-
fiéis por Alexandre, bispo de Alexandria.
feito na divindade e perfeito na humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro
Os dogmas que inventaram e afirmam, contrarian-iente a autoridade das homem, com uma alma racional e um corpo, consubstancial com 0 Pai
Escrituras, sao estes: Que Deus nao foi sempre 0 Pai, mas que houve um segundo a sua divindade e consubstancial connosco pela sua humanidade (3),
tempo em que ele nao era 0 Pai; que o Verbo Divino nao existe desde sem- semelhante a nos em todas as coisas, sem pecado; nascido do Pai antes de
pre, mas foi criado a partir do nada [...] pelo que houve um tempo em Clue todos os séculos segundo a Sua divindade; mas nascido da Virgem Maria,
nao existiu, e portanto 0 Filho é uma criatura e uma obra. Que ele nao a Mae de Deus (Theotokos) nestes iiltimos dias por causa de nos e da
é como 0 Pai no que respeita a substancia nem é o verdadeiro e genuino nossa salvaeao, de acordo com a sua humanidade. Um so e 0 mesmo
Verbo Divino, ou a verdadeira Sabedoria, mas certamente uma das suas Cristo, Filho, Senhor, Unigénito ('1), em duas naturezas inconfundiveis,
obras e criaturas, sendo abusivamente chamado Verbo e Sabedoria, visto imutaveis, indivisiveis, inseparaveis, salva a especificidade das naturezas
que Ele proprio foi feito pelo Verbo de Deus e pela Sabedoria que esta e concorrendo numa so pessoa e liipostase, nao separada ou dividida em
D _ duas pessoas, mas um so e o mesmo Filho e Unigénito, Deus Verbo, 0
em eus, pela qual Deus fez nao apenas todas as coisas, como a si proprio
tambem. Por esta razao Ele é, pela sua natureza, mutavel e susceptivel Senhor Jesus Cristo, como desde o principio os profetas anunciarain a
de transformagoes, como todos os outros racionais o sao, pelo que o Verbo seu respeito e como Jesus Cristo, ele mesmo, nos ensinou, e como 0 credo
é estranho a tudo o que nao seja a substancia de Deus; e o Pai é inenar- dos Padres nos transmitiu.
. 1 . . . Tendo estas coisas sido expressas por nos com grande cuidado e atenqao,
rave e invisivel para o Filho, porque nem o Filho conhece perfeita e exac-
tamente o Pai, nem o pode ver distintamente. Com efeito 0 Filho nao conhece 0 sagrado sinodo ecuménico decreta que a ninguém se3a permitido di-
a natureza da sua propria substancia, porque foi criado por. nossa causa, vulgar outra fé, nem escrever, compor, pensar ou ensinar [tal coisa] a
a fim de que Deus pudesse criar—n0s por Ele, como por meio de um ins- outros.
trumento; nem Ele teria jamais existido se Deus nao tivesse desejado criar- [J. D. Mansi, Sacrorum Canciliorum nova et amplissima collectia.
-nos. [...] t. vn, Florentiae, 1762, cols. 107, 115 e 118.]

[Socratis
P .Scholastici, Histaria EccIesiastiea.1ib.
. i, cap. vi, in J. P. Migne,
atrologiae Cursus Completus, Series Graeca, t. Lxvn, Paris, 1864, (1) Imperador do Oriente de 450 a 457. (1) Imperadotdo Ocidente de 42$ a 455.
cols. 46 e 47.] (1) Afirmacio que ataca 0 monofisismo. (‘) Contra os nestorianos que dividiam a pessoa
de Cristo em dois filhos.

O CONCILIO DE CALCEDONIA (451) CONDENOU


O MONOFISISMO E O NESTORIANISMO

Completando as definipoes do Concilio de Niccia, 0 sinodo


2.
de Calcedonia afirmou a existéncia de duas naturezas incon- A CISAO ICONOCLASTA
fundiveis e insepardveis em Cristo e esclareceu a posiefio
da Igreja face aos heréticos. AS relagoes entre as igrejas de Roma e de Constantinopla, dificeis d8Sd8 8
Definiefio —'<<O santo sinodo, grande e ecuménico reunido pela graca de Deus origem e complicadas por problemas politicos, viveram uma crise aguda
e por ordem dos nossos muito piedosos e cristaos imperadores Mar- aquando da <<questc'z'0 iconoclasta».
so TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A CIVILIZACAO BIZANTINA 61

Lefio III (717-740), 0 primeira imperador da dinastia isauriana, homem


no assassinate do pontifice, mas, pe1O contrario, lutariam animosamente
oriundo da regido meridional da Asia Menor e possivelmente influenciado
em sua deiesa. Anatematizaram o exarea Paulo (4), aquele que 0 tinha
pela doutrina muculmana e quicd judaica, decretou (730) a supressdo do
enviado e aqueles que consentiam em se lhe submeter, recusando-se a obe-
uso de icones. Os icones ou imagens de Cristo, do Virgem, dos Apostolos e
decer as suas ordens e através da Italia todos escolheram chefes para si
Santos, eram, na opinifio do imperador, motivos de idolatria. Assim 0 admitiu
proprios, estudando assim em conjunto 0 que respeitava o pontifice e a
também grande parte do exército, do clero secular e da populaczio ndo euro-
sua seguranca. Quando as iniquidades do imperador foram conhecidas,
peia. A maior oposicfio ao ditame imperial partiu dos mosteiros, numerosos
toda a Italia se prontificou a escolher para si propria um imperador e a
e injluentes, e teve como porta-vozes S. Teodoro Studites e S. Jofio Damas-
conduzi-lo a Constantinopla, mas 0 pontifice impediu a realizacao deste
ceno. Ambos defendiam nao apenas a legitimidade do uso das imagens, como
plano, esperando a conversao do principe.
o direito exclusivo de ser a Igreja a decidir em matéria de doutrina.
[...] Depois destes acontecimentos a malicia do imperador tomou-se evi-
Muitos conventos foram extintos e Constantino V (741-775), filho e conti-
dente, nao apenas por ter perseguido o pontifice, mas porque compeliu
nuador de Leda III, conseguiu mesmo a reunido de um concilio (754), que 1
todos os habitantes de Coristantiiiopla, pela forca e» pela persuasao, a
declarou a iconoclastia de acordo com a ortodoxia. Por mortedo imperador
deslocar as imagens do Salvador, assim como as da sua sagrada mic e de 1
Constantino o movimento iconoclasta decresceu, sendo mesmo formalmente
todos os santos, dc onde quer que estivessem, e, o que é horrivel de contar,
condenado no 2.° Concilio de Niceia (787). Incentivado no principio do sécu- 1
a queima-las pelo fogo no meio da cidade, assim como a caiar todas as
lo IX, foi finalmente rejeitado por um novo concilio em 843.
igrejas pintadas. Porque muitos de entre o povo da cidade recusaram o 1
encargo dc tal enormidade, foram submetidos a castigos; alguns foram 1
degolados, outros mutilados. Tambéin da mesma maneira, como Germano (5).
GREGORIO rt E A ICONOCLASTIA 0 prelado da santa igreja de Constantinopla, estivesse sem vontade de con-
sentir nisto, 0 imperador desapossou-o do seu cargo pontificio e nomeou
As medidas iconoclastas provocaram graves perturbapoes em seu lugar 0 presbitero Anastasio (6), um cumplice.
na Itdlia. Estes acontecimentos e as noticias do que se estava [Anastasio] enviou para Roma uma carta sinodica, mas quando este
passando em Constantinopla Ievaram o pontifice Gregorio II
(715-731), como posteriormente 0 seu sucessor Gregorio III santo homem (7) viu que ele defendia 0 mesmo erro, nao o considerou como
(731-741), a admoestar o imperador, denunciando os seus seu irmao e colega, mas escreveu-lhe cartas de admoestacoes, ordenando-
actos ti Cristandade. A obra que inclui 0 treclio aqui regis- -lhe que abandonasse 0 cargo sacerdotal até voltar a fé catolica. Tambérn
tado foi escrita no ultimo terpo do século IX. incitou o imperador, insistindo no mesmo sao conselho de desistir de tic
execravel perversidade, e admoestou-o por carta.
[...] Numa ordem enviada posteriormente, o imperador(1) decretou que nao
ficasse por mais tempo em nenhuma igreja qualquer imagem de santo, [Anastasii Bibliothecarii, Historia de Vitis Romanorurn Pormficum
martir ou anjo, pois dizia que todas elas eram malditas; se o pontifice esti- — S. Gregorius ll, §§ 184 e 188, in J. P. Migne. Patrolograe Cursuzt COM-
pletus, Series Latina, t. CXXVIII, Paris, 1880. cols. 979 a 984.]
vesse de acordo com a medida, obteria a graca do imperador, mas se 5 4 4 ‘;-
impedisse a realizacao deste acto, perderia a sua posicao. O piedoso ho- (1) Leio III, Isauriano (717-740). (1) Gregorio II. (3) Cinco cidades do Adriltieor 11
mem (2), desprezando nao obstante a ordem profana do principe, armou-se
contra 0 imperador como contra um inimigo, rejeitando esta heresia e
Rimini, Pesaro, Fano, Sinigaglia e Ancona. (4) O represeniante da autoridade impe-
rial em Ravena. (5) Patriarca de Constantinopla de 715 a 730. (6) Patriarea de Com- ta
escrevendo para toda a parte a fim de prevenir os cristaos contra tal im- tantinopla de 730 a 754. (7) O papa. '4
piedade. . ta
Alarmados por isto, os habitantes da Pentapole (3) e os exércitos da Vene-
cia resistiram as ordens do imperador, dizendo que nunca consentiriam
ra
<1
<1
<1
g 1
A CIVIUZACAO BIZANTINA es
62 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS gr

S. JOAO DAMASCENO
A CONDENACRO DAS IMAGENS EM BIZANCIO
DEFENDEU AS IMAGENS Num sinodo reun'ido em Hiereia
' ' ' imperial
, palacio ‘ - na ma r—

gem asidtica do Bosforo no ano d .


Em desacordo com a heresia iconoclasta, S. Jocio Damas- sancignou a iconoclast!-a. e a Igreja BIZHHIIIIO
ceno (século VIII) monge na Palestina, combateu-a em diver-
sas obras polémicas que ficaram famosas. Damos, de uma 5°b =1 iflspiracfio do Espinto
' ‘ Sant ° , J“
- 1 ga111°5 que a arte ilegitima
- . . _
de pm-
delas, 0 excerto.que se segue. - _, tar criaturas vivas é uma bl asfemia
' ' contra a '
I _ n doutnna
. fundamental da nossa
53 ‘"1980 — nomeadamente a E °a1'113<;fl0~ de Cristo Para ue s 1
Visto que alguns nos culpam por adorarmos e_ venerarmos a imagem do cura do pintgr que com as suas maos _ maculadas tenta
- modelar
q erve . a ou-
aquilo 11¢
Salvador, a de Nossa Senhora e também as dos restantes santos e servidores a boca? Faz
P°d°1’~‘1. apenas ser entendido no coracao
~ e confessado com q
de Cristo, fiquem a saber que desde o principio Deus fez o homem a sua uma imagem e ch ama-111e Cnsto
- O nome Cristo. si, ifica
_ D h
propria imagem. Por que outros motivos, entio, nos amariamos uns aos Consequentemen I8 pmtou
' 1 gm
~ pode em
a natureza d‘‘"1113
' (1116 1180 ser erepresen-
omem '
outros senao por sermos feitos a imagem de Deus’? Porque, como diz
Basilio (1), esse doutissimo ‘intérprete das coisas divinas: <<A veneracao
tada-
M Refugifim, ' se na descu 1 P a: <R
< epresentamos apenas o corpo de Ci-ism,» .
as como e que esses loucos ousam se . .
prestada a imagem transita para o prototipo.» Ora um prototipo é aquele Caem no ab.ismo da impiedade
_ _ or pflran 0 corpo da natureza dlvlna?
que é representado na imagem e a partir do qual esta tira a sua forma. . . ue .
tencia em si proprio e isto introdtii Z q“ma ambuem ao corpo
qllarta pessoa uma subm-
na Trindade. [...]
Por que razao 0 povo moisaico se prostrava em adoracao a volta do taber- Mas se alguém disser : o dem " - .
naculo que encerrava uma imagem e figura das coisas divinas, ou melhor Cristo , mas nao " esta' certoP araOsnoter raiai) no que respma - as 1maB°1'15 dB
de toda a criaeao? O proprio Deus disse a Moisés: <<Presta atencao, para taneamente imaculada e scglpre gl;-i:°1b;\l"I_também as imagens da simul-
sa 3'9 dc D9115, replicaremos que
I "s 4 que possas fazer todas as coisas segundo o modelo que te foi mostrado adcCristandade rejeito 1 mid .
nov A . ua 0 ade do paganismo. Se alguém pensa trazer
J na montanha.» [...] Mas visto que nem todos tem conhecimento das letras ° Para a vida os santos por meio de uma arte morta descob ta 1
nem tempo para ler, pareceu aos Padres que certas facanhas notaveis deves- "
P3.gaOS, torna-se culpado de blasfémia- Quem ousarii com uma arte er gemj-
P9 os
sem ser representadas em imagens que delas seriam uma breve recordacao. s? A E - . . .
0
11%
b, pintar_ a Mae' de Deu -
_ scntura diz. <<Deus é um espirito», e mm-
_-
Muitas vezes, sem duvida, quando nao temos a paixao do Senhor no espi- em: <<Nao faras nenhuma imagem ¢$¢u1p,da,,_ _
rito e vemos a imagem da crucificaeao de Cristo, lembramo-nos dessa
mesma paixio e prostramo-nos em adoracio, nao ao material, mas aquilo [Post Nicene Fathers, series second vol 14 pp 543 544]
de que ele é imagem; da mesma maneira também nao prestarnos culto ao
material do Evangelho nem ao da cruz(1), mas ao que por eles é expresso. 0 2." CONCILIO DE NICEIA (737)
[S. Joarmis Dasnasoeni, De Fide Orthodoxa. lib. rv, cap. xvi, in J. CONDENOU A ICONOCLASTIA
Migne, Patrologiae Cursus Completus, Series Graeca. t. xciv, Paris,
1864, cols. 1167 a 1171.1 Este concilio ' - -
dade de coiaigigizdovieia ""p”“"5’ I"”‘ 1') "“ "'“”°""
congmmr as Igrem de R 1)» wflsfgwll. momentaneamente,
(1) S. Basilio (329-379), bispo de Cesareia. na obra De Spiritu. Sancto, cap. 18. (1) Este 1
_ J oma e de Constantinople. A questfig
argumerito tem um valor especial, na medida em que os iconoclastas prestavam culto ressurgiu em 815 com - -
a vera eruz. - nodmm. um novo surto do movimento ico-

] O 531110, Iuagno e ecuménico sinodo ¢l11¢, pela graca de Deus e o man-


dato do piedoso e adorador de Cristo impera
' d or Constantino e Irene
sua mae de Cristo amantissimo ' " 9
’ S’ 1°‘ 1911111119 19°13 Segllnda vez em Niceia
i
4
6
(>4 TEXTOS I-nsromcos MEDIEVA
a A CIVILIZACAO BIZANTINA 65 I
a espléndida metropole da Bitinia, na sagrada Igreja de Deus que é cha- I
>é~. -ifdgiflw-o=" Idrio no século XI, que lutaram pela independéncia do patriarcado de Cons-
mada Sofia, tendo seguido a tradieio da Igreja Catélica, definiu 0 que se
rantinopla. As diferenpas doutrinais entre 0 Oriente e 0 Ocidente haviam-se
segue:
inrensificado devido a um incidente conhecido pela questfio do Filioque.
[...] Nos, portanto, seguindo a via real, apoiando-nos na doutrina dos
A Igreja de Roma transformara a expressfio do Credo de Niceia referente ao
nossos santos e divinos Padres e observando as tradigoes da Igreja Cato-
€A
Espiriro Santa, qui ex Patre procedit, em qui ex Patre Filioque procedit.
lica na qual habita 0 Espirito Santo, definimos com toda a diligéncia e
A ideia de que 0 Espirito Sanro procedia do Pai e do Filho, de acordo com 0
cuidado que as venerandas e santas imagens da mesma maneira e forma
conceito ocidental de Trindade, foi formalmente rejeitada por Constanti-
que a veneranda e vivificante cruz, que as imagens pintadas, de mosaico
nopla em 879, sob o patriarcado de Fécio. 1'
e de outros materiais apropriados, devem ser consagradas, colocadas e
¢ 0 cisma definizivo entre as duas Igrejas, ocorrido no século XI, foi assim ape-
estimadas por Deus, nos vasos sagrados e vestimentas, nas paredes e nas 1
nas 0 culminar de lado um processo de divergéncias que havia comepado
tabuas, nas casas e nas bermas das estradas; e 0 mesmo no que respeita 15
muitos séculos antes. ,
as imagens de nossa Senhora Imaculada, a Mae de Deus, dos veneraveis 5
Apos alguns incidentes nas dioceses do Sul da Itdlia, um Iegado do Papa
anjos e de todos os santos homens. Porque quanto mais frequentemente Ledo IX Ianpou 0 anétema da excomunhfio contra 0 patriarca Ceruldrio,
elas forem vistas em representaefio artistica mais prontamente seriio os em Santa Sofia (16 de Julho de I054). 0 patriarca, tendo obtido 0 consen-
homens conduzidos a merndria e recordaqio dos seus prototipos e a um
timento do imperador, reuniu um sinodo que excomungou 0 legado do Papa.
' desejo deles. A estes sera prestada a devida saudaeio e reveréncia honros
Nesse mesma ano de 54, a Igreja de Constantinopla deixou de rezar par inten-
mas nao evidentemente para lhes dedicar a verdadeira adoraqio que pe-.=-= (:a'o do Sumo Ponnfice.
tence apenas £1 natureza divina. Ser-lhes-50 oferecidos, assim como a ik113*
ilvafla
Estava consumado o cisma que desligaria a Igreja Grega Ortodoxa da
figura da veneranda e vivificante cruz e ao livro dos Evangelhos e a outros Igreja Catolica Romana.
objectos sagrados, o incenso e as luzes, como tem sido um piedoso hzibito
desde a Antiguidade. Na realidade a homenagem prestada A imagem tran-
> ,
sita para o seu prototipo original e aquele que adora uma imagem adora
o que nela esta representado.[...] §
0 PATRIARCA Foclo A
[J. D. Mansi, Sacrorum Conciliorum nova er amplissima collectin.
t. xm, cols. 728 a 730, Floremiae, 1767.] E A QUESTRO DO FILIOQUE A
ml
(1) Regent: dc 780 a 789 c imperatriz de 797 a 802. (1) Reinou, depois da regéncia dc Invocando a autoridade dos concilios ecuménicos, Fdcio(l)
sua mic, entre 789 e 797. negou a possibilidade de a Espirito Santo proceder sm|u!!d-
(I
neamenle do Pai e do Filho. (I
~Quem, pergunto, dos nossos santos e gloriosos Padres afirmou que 0 (I
3. ' Espirito procede do Filho? Que sinodo sustido e apoiado pelas confissdes
A Qussmo no FILIOQUE llniversais, ou, melhor, que assembleia de sacerdotes e de bispos reunida
E A SEPARACZO DIFINITIVA Pela graqa de Deus, nao condenou também, por inspiraofio do Espiriw
Santissimo, esta sentenqa, antes que ela viesse a luz?[...]
DAS DUAS IGREJAS (sscuws IX A XI) Definiu logo o segundo dos sete sacros sinodos ecuménicos que 0 £33
""
Espirito Santo procede do Pai; aceitou-0 0 terceiro, confirmou-0 0 quarto.
A tensfio diplomética enrre as duas Igrejas, a Romana e a Bizantina, deveu-se votou-0 0 quinto, prégou-0 0 sexto; corroborou-o com claras mostras
especialmente a actuaofio de dois patriarcas. Fdcio, no século IX e Miguel Ceru-
0 sétimo; em qualquer parte deies se diz com clareza entender livre-
L {IL-5

Q
66 1'£x'ros HISTORICOS MEDIEVAIS

mente a louvada religiao acerca do Espirito, proceder ele do Pai e nao do


Filho. [...]

[Photii Patriarchae Cp., Liber de Sacra Sanctissimi Spiritus Docxrina,


in J. P. Migne, Patrolagiae Cursus Campletus, Series Graeca, t. cn, c. O DIREITO E A ADMINISTRACZO
Paris, 1900, cols. 283 a 286.]

(1) Focio (820-891) foi nomeado patriarca de Constaminopla pela primeira vez em 858
e deposto em 863. Reassumiu 0 cargo em 878, vindo a perdé-lo pela. segunda vez em
886. 1.
A REFORMA DE JUSTINIANO

NASCIDA de direito romano, a legislayfio bizantina foi-se individualizando


0 PAPA LEAO IX (1049-1054) através das vdrias codzficagfies ordenadas pelos supremos magistrados que
CONDENOU A ACTUACAO ' eram os imperadores.
DO PATRIARCA MIGUEL CERULARIO A primeira e mais importante foi sem dzivida a de Justiniano (527-565).
(1043-1058) Este empreendimento feiro sob a orientapfio do questor Triboniano (T545),
Na carta In terra pax hominibus, de Setembro de 1053, 0 qual se rodeou de vdrios jurisconsultos, permitiu a regulamentagfia de
0 papa, condenando 0 patriarca de Constantinopla, referiu todos as problemas, tanto pziblicos como privados, sendo um forte esteio
|
0 pretexto em que se baseou este ziltirno para ordenar 0 encer- para 0 Estado Bizantino.
rianiento de todas as igreja: de ritual Iatino sob a sua juris-
iv
'11
‘1

4!
wan.

5— [...] Sois acusado de ter condenado pixblicamente a Igreja Apostolica


Conhecida desde a Idade Média por Corpus Iuris Civilis, a colectfinea
compreende quatro obras: I
I) 0 Codex Justinianus (529) reuniu os principais edictos imperiais
e Latina sem um julgamento ou uma prova. E a razao principal desta
desde a época de Adriano.
condenaqao, a qual demonstra uma presunofio sem exemplo e uma impu-
déncia inacreditzivel, é que a Igreja Latina ousa celebrar a comemoraqfio 2) As Digesta ou Pandectas (533) coligiram os prazeres dos mais im- I
da paixao do Senhor com pio azimo. Como é bem vossa uma acusaqiio portantes juristas romanos clcissicos.
tao gratuita, um tio pernicioso exemplo de arrogancia! <<Colocais a vossa 3) As Institutiones (533) ordenaram, para uso dos estudantes de Di-
boca no céu, enquanto a vossa lingua caminhando através do mundo» (1) reito, extractos das duas obras anteriores.
procura por meio de argumentos humanos e conjecturas arruinar e sub-
4) As Novellae [Leges] reuniram as edictos de Justiniano posteriores
verter a antiga fé. [...]
ao aparecimento do Codex. Iniciando-se a sua publicagrdo em 534,
1l—[...]Tomando para vosso julgamento o caso da Santissima Sé,
foram continuadas depois da morte de Justiniano.
a Sé acerca da qual nenhum juizo pode ser feito por nenhum homem,
recebestes o anatema dc todos os Padres de todos os veneraveis Con- 1
I
cilios. [...]

[L D. Mansi, Sacrorurn Conciliorum nova e! amplissima collecrio,


t. XIX, Venetiis, 1774, cols. 638 e 642.]
1

(1) Salmo LXXUI, 9.

1
_

C
as TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A c1vn.1zA¢Ao BIZANTINA 69 ~e
0 IMPERADOR JUSTINIANO o plano, estando todavia entendido que tudo sera organizado sob a orien-
ENCARREGOU TRIBONIANO taqio do vosso muito avisado espirito. [...]
DE ORGANIZAR AS DIGESTA
[The Digest of Jusrinian, trad. inglesa de Charles Henry Monro,
vol. I, Cambridge University Press, 1909.]
£\_/;00Z:_ll'1’s‘;'?0d‘{“s_f"i‘;",0 f-"W1""[@8014 Triboniano de rever todas
o "'8! o c asszc ' - (1) Triboniano, magister officiorum aquando da redacqio do Codigo, preenehia agora o
ter, valor actual e_P_ondo ade“par ecfmnandq
e as l€lS0ultrapassadas.
que amda Pudesse
Em cargo de quaesror sacri palalii, funeio instituida pelo imperador Constantino. Cabin a
;:l‘Za?Z0s'ta ‘§0m'~‘5a° C/jfiada P0!’ Triboniano realizou este este questor (que era uma espécie de chanceler), redigir as leis, fazer relatorios sobre as
0 - en 0 manusea 0 cerca de dois ~ mzlhares
- .
de Izvros. instancias dirigidas ao imperador e referendar os escritos. (2) O Codex Juslinianus
publicado em 529.

O imP¢rador César Fla ' J ' ' ' - » .


e triunfador ’ sem PW Avlo usnmanp Pic’ Fehz’ celeb“ conqulstadof
ugusto, a Triboniano seu questor(1), safida PROEMIO DAS INSTITUTIONES DE JUSTINIANO

foiGovernando sob a autoridade


concedido pela Majestad ' cl dtelDeus o nosso Imperio,
- '- o qual nos Partindo do principio de que nem todos os juristas e especial-
, e e e5 13 , ¢mPT¢¢fld¢m0S guerras com sucesso, mente as jovens estudantes de Direito estariam aptos a
ornamentamos a paz, sustentamos a estrutura do Estado.[...] manejar o Codigo e as Digesta, Justiniano ordenou a fei-
tura de um manual prdtico e sintético, as Institutiones.
1 _dP°"am°, atendendo a que nao se pode encontrar em todas as co,‘
sas na a tz.-"10 digno de res eito co ' - - Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
ordem bem as coisas tam}; diviniii(:1 fllltlffldfldfi da lei decretada, a qual
dada e embora nés encom mo umanas e repele toda a iniqui- A juventude avida [do estudo das leis], o Imperador César Flavio Jus-
_ remos todo o curso dos nossos estatutos assim tiniano, Alamanieo, Gotico, Francico, Germanico, Antico, Alanico, Van-
iffno lvlemm desde a f"11da<;5o da cidade de Roma e desde os dias de dalico, Africano, Pio, Feliz, lnclito, Vitorioso e Triunfador, sempre
omu 0 num estado de co " - - . . Augusto (1).
umapasga Os “mites d€ todnfi15a° qlfe aka-I1<;a uma dimensao infinita e
meirocomgir
desejo Os
come<;ar m a a cépacldadc human’
. N50 convém a majestade imperial ser apenas decorada pelas armas, mas
P05 seu co os é todavla
mais sagrados imperadores nosso tern-
dos velhos pri-
também fortalecida pelas leis, para que possa governar rectamente, quer
neira que Possam sci‘ estliniclos
CO1 1 e coloca-105
' ‘ numa
- ordem clam’ dc tal ma- em tempo de guerra quer de paz.[...]
as repeti<;6es supérfiuas ea a OS gum so hvro’ _e’ Sendo expurgados dc Qssam
maior parte das imquas discordancia mdas l—Alcan<;arnos estas duas finalidades com sumas vigilias, suma pro-
oferecer a todo o énero h 11 S’ P »
vidéncia e a protecqio de Deus.[...]
imegro g ma-"° ° °°mP1¢I0 recurso do seu caracter 2—E quando erguemos a uma brilhante consonancia as sacratlssimas
constituigoes anteriormente confusas, entao estendemos o nosso cuidado
caiictc: ::1fa;':(:g£K1(:),-‘<,I§:S;i:Z:n:eOiufimlfiziflfuicfvlgo do vosso devotado aos imensos volumes da velha jurisprudéncia; e ja completamos, com 0
nal, tendo recebido provas da vossa habilidade 2) este mibfllho ammo-
favor celeste, como se caminhantes foramos em meio de pélagos, a obra
de que desesperzivamos.
cddigo (2) ¢ ordenamo-vos que escolhais comop ca comphosicao do nosso 3-Quando, sendo Deus propicio, isto ficou terminado, convocados
trabalho quml qufif que penseis servir de entre 0 ?mpandc"os no vosso o magnifico vario Triboniano, mestre e ex-questor do nosso saero pala-
professores como de entre os mais eloquentes hgnlirelrzodeoioggmdftzisas
cio, com os varoes ilustres Teofilo (Z) e Doroteu (3), nossos antecessores
homens da mais hon ' ' - . . ’
e tendo sido. aprescntrscjz-SPl::1<;I:1(:>S-S:5 jgfisgas iicima, tendo sido reumdas (dos quais ja conhecemos, entre muitas outras coisas, a habilidade, a cien-
nés ao abrigo do vosso tesmmunho elilcarre e avorave mente aceites Por cia das leis e a fidelidade as nossas ordens), ordenzimos-lhes especialmente
, gamo-las da execuqao de todo que compusessem sob a nossa autoridade e os nossos conselhos as Insti-
_ _

71
- F‘
O\"w 70 TEXTOS HISTQRICOS MEDIEVAIS A civn.izAC5\0 B1ZANTIN”‘
<
;_
A
tutiones para que vos seja possivel discernir as fontes primeiras das leis
7
nao pelas antigas fzibulas, mas através do esplendor imperial; e assim os ZS CODIFICACCES POSTERIORES
vossos ouvidos e os vossos espiritos nao receberfio nada inutil nem des- A JUSTINIANO
I d . , .
oca o, mas aquilo que se obtém nas proprias razoes das coisas.[...] Desta
maneira, enquanto no tempo passado mal resultava aos melhores depois _ _ . . - a' rimezra
. . remodelaeao~ com Lefio III
_
9 A c0d1fi¢a¢a0 Jusnmanela sofr? rwilcoribclasta A Ecloga [seleqfial rev” i
de quatro anos, a leitura das constitui<;oes'imperiais, vos agora as rece- . _ ' era 0 - . . i
b . . , . . l

eis de inicio, tornados dignos de tanta honra e de tanta felicidade ue o Isaunana (717tllgumas
e seleccionava 747)’ 0l”'npd
lets 6°_ Corpus no intuito.
0 A hjngua dizia-se,
“Sada era agora de lhes imPri-
exclusivamente
il
<1 l
principio e 0 fim do conhecimento das leis vos procede da voz do princi e. . - - 1 ic . ,_ .
P mir um caracter Z‘l8lSfi(17‘t‘t1‘vfi a influénu-a cada vez mais nitida da Igreja
I
4—Portanto, depois dos cinquenta livros das Digesta ou Pandectas a grega. Este c6 [go marc , . - -
nos quais todo 0 direito antigo esta’. coligido e que fizemos graeas ao mesmo _ . to em relagao ~ ao Pemam ento e II'l1dl§,‘fl0 latmos.
Bizantma 8 0 "fa-“amen . ' da
excel so varao
" Triboniano
' ' e aos outros homens ilustres
' e fecundissimos,
ordenamos que as mesmas Institutiones fossem divididas em quatro livros
_ . do de certa maneira cortllmlll
A Ecioga foi p0Sl8fl0Tente ‘fef?S:aimp:,adgres macedonicos, Basilio I I
ela obra Iegislativa dos ois Prlmel
para que se tornassem os primeiros elementos de toda a legitima ciéncia. P 7-886) e Leiio VI (886-912). . d_
5 N . . _ ‘/86 " P ocheiron [Manual], obra de caracter pr
— os quais [livros] se expoe com brevidade tanto o que anteriormente Foram entfio 0I‘gdIll2U(l0S 0 1’ O e [lntrodwgo] que veio a ter grande
se conhecia como o que posteriormente, ensombrecido pelo desuso foi
tico usada nos rribumzzs; a E%an?ligcag[ (Leis) Imperiais]. 0 ""111" °'°l“'d"e"
pela decisio imperial iluminado.
-
injluéncia no direito
, _ russo.
. - 8 0 a51_ _d 60 volumeS.!helm-a "50 S6 as his
.’#$--- 6 — Os quais [livros], formados por todas as antigas Instituiqoes e rin- de leis do Imperio Bizantino. Rezgiilczsem
'7
_¢ , P
. .-,.-.4 cipalmente pelos comentarios do nosso Gaio (4), tanto os das Instituiqoes
, .- . 1.:J- como os das coisas quotidianas e de outros muitos comentarios, foram-nos secular”, comoo bmmb;m
. ‘z___*i-_‘*n,j,f. Todas estas_ _ras _ oramasegziiitas
_ etil _ grego.
dd alguns ad-itamen ms Por parte
apresentados pelos trés supraditos varoes prudentes . Lemos , toma mos ,4 adnti!llSlt'G§00 lmp1?'l5Zf9t’€C$l;ju9-:91; que Ndenou trés compilapoes de
-¢.~.-st»
rig’-,.vl~
A conhecimento e coneedemos-lhes a forqa das nossas Constituieoes mais
.,, :3 de Constantino
- _ VII . . (9 - 9 b' a ' Administraqao
. . - do Império dizia
_
Q; _ '11;-'1, ‘ plenas. caracter encicloPed‘c°' A obra
\ flu.‘ , _ so re . . as M;-6es estrangetras.
"W"-_~='
1 i* 7—Aceitai pois estas nossas leis com a maior diligéncia e o ma'is cui'- . . - ' aticas de Bizancto com
_ ¢ . .... respeito as r'¢’l¢1¢°e~*' d'PI°m ' ta do corte bizantina;
~ -\ dadoso estudo e mostrai-vos de tal forma eruditos que vos favoreqa a . - ' ' m tratado sobre a Eflque , _
0 Livro da Cerimonia era u _ _ __ das rovmcias do Imperm
-
o_i belissima esperanea de, uma vez completado todo 0 vosso estudo das leis, r l1!IlZG§£10 militar
finalmente Os Temas fomva a 0 g
P . l
poderdes também governar a nossa republica nas partes que vos forem
confiadas. l
Dado em Constantinopla no undécimo dia das Calendas de Dezembro, EXTRACTO no Pizizi=Acio DA EC!-064
no terceiro consulado (5) do divino Justiniano pai da patria, Augusto. DE LEAO iii (717-741)
[The Institutes of Justinian. introdueio, tradueio e notas de Thomas - - ser uma 0bra pr¢i-
Collett Sandars, 7.‘ ed., London, 1883, pp. 1 a 3.] A Ecloga, P"b"‘ada -6'? 726, pretendta
udessem apuiar no seu labor
tica e clara, Md? 05 Jmzes Se P
(1) Justiniano acrescentou ao seu tltulo o nome dos povos por si dominados. (1) Teo- quotidiano.
filo era entio professor de Dii-eito na escola de Constantinopla. (3) Doroteu era pro-
fessor na escola de Beirute. (4) Gaio foi um jurisconsulto romano que viveu na época
_ tes de nos foram imP¢'
de Antonino Pio e Marco Aurelio. Sabe-se muito pouco da sua vida e quase toda a sua l...] Sabendo
. que
- as leis emanadas
. tadas de' a¢luelels
em muitos que 3!; tcndomos assegurado
v0 umes.
obra se perdeu._ _Conhecem-se apenas alguns fragmentos dispersos, coligidos nos Digesta, radores tem sido F6815
C Os C . . . . . . . . - 50 <1 es t as leis e difieil de comi>r==I1<1='
_ Pa“
omentarios ou Iristiruttones, tratado de direito civil romano que serviu de base dg que o significado e a 1nt¢I19 - O5 es ecialmente 9-Que1 es
as Institutiones de Justiniano. (5) 21 de Novembro de 533. alguns e de impossive l com P reensao para 011" - P
12 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A civii.izA¢"‘O BIZANTINA 73
que nao vivem na nossa cidade imperial que Deus guarde, convoczimos mo nome de decurioes nomeavam os prefeitos (que todavia
juntamente 0 nosso mais excelente patricio (1), o nosso mais excelente ques- usando 0 mesdiam ao que hoje entendemos por prefeitura militar, sendo
tor (2), o nosso mais excelente hipatos (3), e outros que temem Deus, e orde- H50 °°"°SPonmai5 elevada e encarregados de outras obrigacoes).
namos-lhes que todos os volumes que usam fossem reunidos na nossa de categ°"a to naquele tempo as coisas se processavam de outra manei-
presenca: examinamo-los a todos numa cuidadosa inspeccio; e em seguida Como P°"tar:1m exigia esta lei.
(fazendo uso simultaneamente do que esta bem expresso nos citados volu- ra, o uso Com todas as coisas dependem da administraciio do principe
mes e do que nos proprios ordenzimos dc novo em vzirios edictos e acor- Porémi 85°15 5 julgadas pela sua providéncia com a ajuda de Deus.
dos) julgamos conveniente que as decisoes a serem tomadas e as penalidades e sic examlnzllei nao preenche nenhuma finalidade necesseiria e por isso
adequadas as ofensas deveriam ser registadas com maior evidéncia e sim- L080 esta que seja abolida com as outras leis que foram excluidas
plicidade neste volume; sendo nosso objectivo que venha a haver uma determinflmos
compreensiio mais clara da forca dc leis tio sagradas, que os assuntos pos- da Rep1'1b1ic3'
sam ser estabelecidos com juizo seguro, que haja um justo castigo para [Lem-iis Philosophi, Novellae Constitutiones, Constitutio XLVII, in
os que procedem mal e reforma e correccio para aqueles que estao dispos- J p, Migne. Patrologiae Cursus Completus. Series Graeca, t. cvn,
Paris, 1863, cols. 531 a. 534.]
tos a proceder mal.

[Transcrito in Emest Barker, Social and Political 77iougIit in Byzantium, EXTRACTOS DA EPANAGOGE
Oxford, 1957, p. 85.]

(1) Titulo nobiliarquico criado por Constantino o Grande, nao directamente relacionado A0 legislar sobre as obrigacoes do imperador, a Epanagogc
:4
com qualquer funcao especifica. (1) Os questores tinham a seu cargo a fiscalizacio dos (Publicoda a partir de 879) focava as suas duplas funcoes,
I
estrangeiros, no seu sentido mais largo. (3) Denominaeio grega dada aos consules. cm‘; e eclesiristicas.
. ‘*7.’
‘ 4»-'
1?.
~-~41
e\"v‘\
TTYUL0 [1-SOBRE o IMPERADOR E o QUE ELE E

IF
1.. LEI DE LEAO VI O SABIO (886-912) - erador (Basileus) é uma autoridade legal, uma bencio
LIMITANDO A AUTORIDADE DO SENADO § 1_'O Imp 05 seus subditos, que nunca castiga com antipatia nem
comum A tog‘: pai-cialidade, mas se comporta como um arbitro tomando
Pela Novella XLVII, o imperador Lefio VI sancionou a recompensa .
autocracia imperial proibindo ao Senado a nomeacfio de decisoes "um io€ivos do imperador sao conservar e segllrar Pela sua habi-
certos magistrados. Posteriormente o mesmo imperador § 2-O5 oblec que ja possui; recuperar, esforcando-se sem descanso,
tirou a esse orgzio a sua capacidade legislativa, ou seja o lidade os Rode“:-deram; e adquirir com sabedoria e por meios e costumes
poder de emitir senatus consulta.
aqueles qv= Se pue [ainda] nao estio nas suas maos.
Antigamente, quando a organizacio da Republica era outra, a ordem dos J'115t°5 aquekis qrador tem Por missao defender e manter em Primeiro
assuntos também era diferentemente arrumada. Com efeito, nem todas as § 3-O Imp; esta registado nas sagradas escrituras; em seguida. as
matérias ficavam sujeitas a deliberacao do principe: cabia ao Senado con- lug?" tudo O is pelos sete sagrados concilios(1); além disto e em acres-
siderar e tomar decisoes acerca de alguns assuntos, e era através dele que dOUI1‘lI1a5 I12:a romaicas aceites
. (2).
as pessoas eram propostas para os seus cargos. Eram assim nomeados cimo, as
por ele [0 Senado] trés pretores na cidade para a administracio dos assun- ran5¢rlIO em Ernest Barker, Social and Political Thought in Byzan-
mm, Oxford. 1957, pp. 89-90.]
tos, e este acto dependia de um decreto legal. N50 se passava isto apenas
na cidade [que era a sedc do Governo]: também em outras cidades. pessoas
. - de Niceia (325);
‘ 1." Concilio de Constantinopla (331); C°l1¢lli° d¢
(‘) 1." Co"¢"‘°
72
TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A civILizA¢Ao BIZANTINA 73
que nao vivem na nossa cidade im '
juntamente 0 nosso mais excelente penal ' ' quc Dcus guardei i convo Camus
'
usando o mesmo nome de decurioes nomeavam os prefeitos (que todavia
patricio (1), o nosso mais excelente
t°1'(2), 0 nosso mais C‘(CClEl'l
7 '
te hipatos (3), e out;-Q5 q ues- nio correspondiam ao que hoje entendemos por prefeitura militar, sendo
namos-lhes que todos os volum que temem Deus, e orde-
es que usam fossem reunidos 113, de categoria mais elevada e encarregados de outras obrigacoes).
presenca: examinamo-los a todos numa ' ' nossa Como portanto naquele tempo as coisas se processavam de outra manei-
cuidadosa ins " - -
(fazendo uso simultaneamente d o que esta' bem expresso peccao’ e-em seguida
nos citados volu- ra, o uso comum exigia esta lei.
mesedo <1 uenos proprios
" ordenamos ' ,. edictos e acor-
de novo cm varios Porém, agora todas as coisas dependem da administraciio do principe
d°5)
d lulgeimos conveniente que as d ecis' 6 es a serem tomadas
- e as penalidades
. e sao examinadas e julgadas pela sua providéncia com a ajuda de Deus.
a equadas as ofensas deveriam ser registadas com maior evidén ' ' Logo esta lei nao preenche nenhuma finalidade necessaria e por isso
plicidade neste volume‘ sendo ‘ ' cia e Sim‘ determinamos que seja abolida com as outras leis que foram excluidas
, nosso Ob_]CCtlV0 que venha a h
compreensio mais clara d ' ~ aver pos-
uma da Republica.
a forca dc leis tao sagradas, que os assuntos
sam ser estabelecidos com ' ' ~
_]111Z0
~ e seguro, que l'l3._]3. um ' -
os que procedem mal e refonna correccfio para aquelesjusto castigo
que esta d. para [Leonis Philosophi, Novellae Constitutiones, Constitutio XLVII, in
tos a proceder mal. o is P05 - J. P. Migne, Patrologiae Cursus Completus, Series Graeca, t. CVII,
Paris, 1863, cols. 531 a 534.]

[Tran ‘i ' 15 ~ .. _
0xfors:,n1o95r'lI, gicszisl-alarm’ Sam] and POM“, T"”"g"' "' B""""‘"""
EXTRACTOS DA EPANAGOGE
(1) Titulo nobiliarquico criado '
I4 com qual uer fu " - por Cons tammo 0 G.rande’ nao ~ d"°°tam°m°
- .
"°|a°1°flfld0 Ao legislar sobre as obrigacoes do imperador, a Epanagoge
O q no "9a°
mi-angel,-Os, Sc“ °5P°¢'fi°3-
semido m .(2)I O5 questores
3 tinham -
_ a_ seu cargo a fiSCall73<;5O do; (publicada a partir de 879) focava as suas duplas funcfies,
. tar
40%
31$ “'80- () Denomina¢a0 SW83 dada aos consules. civis e eclesiiisticas.
K Hi
‘F.
"/vi.”
“_-',.|z‘ _"rirui.o II—SOBRE 0 IMPERADOR E o QUE ELE E
» IF LEI DE LEA0 VI 0 SABIO (sas-912)
LIMITANDO A AUTORIDADE no SENADQ § l—O imperador (Basileus) é uma autoridade legal, uma bencfio
comum a todos os seus subditos, que nunca castiga com antipatia nem
Pela Novella XLVII, o imperador Lefio VI ‘ recompensa com parcialidade, mas se comporta como um zirbitro tomando
autocracia imperial proibindo ao Senado a njancmriou a decisoes num jogo.
certos magistrados. Posteriormente o mesmo "l'f7f;:‘1;?gdjf-
§ 2 — Os objectivos do imperador sio conservar e segurar pela sua habi-
tirou a esse ‘oirgao a sua capacidade legislativa, ou seja o
poder de emitir senatus consulta_ lidade os p_oderes que ja possui; recuperar, esforcando-se sem descanso,
aqueles que se perderam; e adquirir com sabedoria e por meios e costumes
Antigamente, ua d ' " ' ~ justos aqueles que [ainda] nao estao nas suas mics.
q “ ° 3 °T8a"1Z~'"19a° da Repl-1bllC3. era outra, a ordem dos
assuntos
' _ também era diferent emente arrumada. Com efeito, - nem todas
' as § 3-0 imperador tem por missfio defender e manter em primeiro
materias
_ ficavam 5 ' ' ‘ ' ~ - - .
ujeitas a deliberacao do principe: cabia ao Senado con_ lugar tudo o que esta registado nas sagradas escrituras; em seguida. as
siderar e toma r decisoes
' " acerca de alguns assuntos, e era através dele que doutrinas legadas pelos sete sagrados concilios (1); além disto e em acres-
as Pessoas
1 eram pro P ostas p ara os seus cargos. Eram assim
. nomeados cimo, as leis romaicas aceites (Z).
P0!‘ 6 6 [0 Senado] trés pretores na cidade
' - - - dos assun-
para a administracao
IOS, e este actb depen d‘ia de um decreto legal. Nao_ se passava isto
. apenas [Transcrito em Ernest Barker, Social and Political Thought in Byzan-
tium, Oxfdrd, I957, pp. 89-90.]
na cidade [que era :1 sed e d o Governo].- tambem
' em outras cidades,
- pesggas
<1) 1.“ Concilio de Niceia (325); 1.“ Concilio de ConSt2l.nIiI10P13 (381); C<>n¢1'li<> dc
A
€'

74 TEXTO s HISTGRICOS MEDIEVAIS _


A CIVILIZACAO BIZANTINA 75
, _; Efeso
m d
(431); Concilio de Calcedonia (45l)- 2.~ conc ii; o dc Constantinopla ($33)- 3) ¢°n_
v ,<~ ° ° = C°"$'=1minopla(680-681); 2." Concilio dc Niceia (131) (2) A M him ',i A ORIGEM DOS TEMAS
_», u
-.- ficada por Basilio I (867-886) e Leio Vl (886-912). ' n nacodi.
. -4* Esta obra de Constantino VII (913-957) e’ a fonte bizan-
. .,, tina mais importante para o estudo da origem e constituiccio
dos Tcmas, nao obstante o imperador se haver baseado
-1
em trabalhos geograficos ja desactualizados, dos séculos V
e VI.
INTRODUC-10 A OBRA DA CERIMONIA
DE CONSTANTINO VII (913-957).
O nome de temas, segundo me parece, nao tem aquela origem que muitos
. < Nesta obra se sistematizou 0 cerimonial da corte bizant' opinam: porque na verdade nem é antigo, nem nenhum daqueles que com-
in
nas suas multiplas facetas. Fstas
- reg,“ , rigid“ e C0ma puseram historias faz mencio dessa deiiominaciio que agora se usa. Na
plicadas, nao deixaram de influenciar as cortes da Europa verdade outrora e de inicio distribuiam-se certas tropas e legioes por cada
Octdental e as dos estados eslavos, incluindo a R;;_y_¢ia_
uma das provincias, como por exemplo a legiiio quarenta chamada Ful-
minatrix martyrum e outra Marmaritarum, outra Pisidica, outra Thessa-
[...] Muitas coisas estao aptas a desaparecer com o decorrer do tempo [ ]
e entre elas uma l1'1']pOl‘[ant¢ ¢ vene,-anda a descn ao e os lica e outras denominadas de qualquer outra maneira; estavam subor-
d a cerimonia
- . . im. erial.
. Des reza-, ’ _ 9 regulamentos
- dinadas a chefcs e prefeitos e muitas vezes também a prepositos. Estas
I mom é fi P P _ la como 'se tivesse desaparecido pela [legioes] outrora fizeram expedicoes com os imperadores juntamente com
car com uma perspectiva do Im -
., Ky‘ . perio or com leto o povo. Conduziram forcas militares para junto daqueles que recusavam
indecorosa. p p dlsforme e
‘u
..
Se o corpo do homem nao fosse elegantemente formado m o jugo da servidio romana e em quase todo o orbe da terra subjugaram
, as os seus 0s renitentes e os relutantes. Assim o fizeram Julio César, o veneravel
membros nele se colocassem torpe e distorcidamente diriamos ue 1-
tado era o caos - O mesmo é ve rd adeiro
A ' quanto a* Casa
’ imperial Augusto, o celebérrimo Trajano, o grande imperador Constantino e Teo-
' - q, se 0nao
-resu
foi- dosio; e depois deles foram incrementadas a religiao crista e o culto do
‘ ~<. administrada e governada com ordem sera reduzida a n d ,
,...,_:Q"_"'L<i"_"ihr.-‘£;_,131j;‘
~-
- . ._ desonesta e pouco [lbw-a|_
instituicao _ » aa,como uma divino Numen. E iia verdade nem era normal o pretor ser designado pelo
». proprio imperador no cxército em manobras, dirigido pelos chefcs e
P°m"1t0, para que isto nao suceda e nos, negligentes ar am d centurioes. Todos os assuntos bélicos dependiam da vontade do impe-
u
lustrar a ordem e l'l'l3_]CSI3dC
' ' '
imperatonal, »
reputamos ' P cc Osreunir
necessario cs‘
rador e os olhos dc todo o povo recaiam sobre um so e unico impera-
com assiduo cuidado
_ e ex P or aos olhos de todos na presente obra os cos-
dor. Quando osi imperadores deixaram de tomar parte nas expedicoes,
tumes patrios' nao so os ue fo ' -
com 1 ’ Q Pam encontrados _]Ul'1[O dos mais antigos, entio se constituiram finalmente os pretores e os temas. E por esta mesma
o os re atados por aqueles que os viram e ainda os por nos rd r‘
ios razao sc manteve o Império Romano até ao dia de hoje.
presenciados e no nosso palacio praticados' e oferecer a posteridage [P
'
costumes] agora des P rezados , :1presentando-os ao esplendor imperial
- esses
- como [Constantini Porphyrogeniti, De T/iematibus, lib. 1, in J. Migne,
[5¢ $6O tratasse]
ele I de algumas
_ I _ fioresv c 0 lh'd -
i as nos prados, decoro incomparavel; Patrologiae Cursus Completus, Series Graeea. t. cxm, Paris, I864
col. 66.]
g co ocar a meio atno esta recente obra, espelho tao claro quao pglido
para que nele sc exponham aos olhos de todos tanto o que convém a digiii 9

dade d° imP°Yad01' Como 0 que beneficia o conjunto dos ministros para


que se governem as redeas do poder com ordem e beleza [ ]

“ lib.
[Constantini
I’ in J. P. Porphyrogcniti
Mi ’ P 1. _ De Cerimoniis
‘ '- Aulae _Byzanttnae,
.
t. cxii, Paris, is9giie¢oi§.mi§g§”e1sfi“"'“ Campinas’ Senes Gram’
A CIVILIZACAO BIZANTINA 77

mostrarem que nao era so contra 0 imperador que tinham pegado em


armas mas também contra o proprio Deus, miscraveis e impios como eram,
tiveram a ousadia dc incendiar a igreja dos crist5os(2), a que 0 povo dc
Bizimcio chama <<Sofia», epitcto que muito apropriadamente inventaram
para Deus e pelo qual nomeiam 0 Seu templo; e Deus permitiu-lhes a rea-
d. A ARTE E A LITERATURA lizaqfio desta impiedade, sabendo em que objecto dc beleza esta reliquia
estava destinada a transformar-se. Assim, ‘toda a igreja por essa altura
era um monte de ruinas calcinadas. [...] _
l. O imperador, nao olhando a qualquer problema de despesas, instou
AS MANIFESTAQUES ARTISTICAS entusiasticamente que se iniciasse 0 trabalho de construqio (3) e comeqou
a reunir artifices dc todo o mundo. E Antémio dc Tralles (4), 0 homem
OS Iimites temporais e espaciais da arte bizantina sfio, como todas as balizas mais sabedor na dificil profissio que é conhecida por arte dc construir,
deste tipo, discutiveis e amficiosos. Aproximadamente poderemos, no entanto, nao apenas entre todos os seus contemporfineos, mas também quando
dizer que as mamfesta§6es artisticas bizantinas abrangem 0 periodo que vai comparado com aqueles que viveram muito antes dele, veio ac encontro
desde a fundayfio de Constantinopla em meados do século IV até d integrapfio do entusiasmo do Imperador, regulando devidamente as tarefas dos varios
no Império Turco em meados do século XV. artifices e preparando adiantadamente os planos da futura construcio;
Quanta d area onde essas manifestagfiesfloresceram, coincidiu grosso modo e associado com ele estava outro mestre-de-obras, de nome Isidoro, mile-
com as regiiies daminadas pelos imperadores de Biztincio, tendo como centro siano por nascimento, inteligente e capaz de assistir ao imperador Jus-
esta cidade, mas influenciando por vezes zonas distantes com as quais 0 tianiano. [...]
Império mantinha reIa¢6es politicos ou comerciais como as cidades russos, Assim a igreja tomou-se um espectaculo dc maravilhosa beleza,.esma-
a Sicilia normanda ou 0 Império Otonida. gando aqueles que a viam e complctamcntc impensavel para aqueles que a
Em termos de contetido, a denominaaio de arte bizantina e’ também diff- conheciam so por ouvir dizer. Porque ela erguc-se a uma altura dc tocar
cil de definir. Ela surgiu afinal da fusfio de elementos romanos, helenisticos no céu (5) e surgindo entre os outros edificios domina-os de alto e mira 0
e orientais (dando a este termo uma acepgffio genérica), sob a orientaofio resto da cidade, adornando-a, visto que constitui uma parte dcla, mas
de uma nova directriz, a do cristianismo. glorificanclo-se na sua propria beleza, porque, embora seja uma part: dcla
e a domine, ao mesmo tempo ergue-se a tal altura que toda a cidade 6 vista
dai como dc uma torre dc vigia. '
SANTA SOFIA Tanto a largura como 0 comprimento foram tio cuidadosamentc pro-
porcionados que nao se pode dizer com propriedade que seja excessivamente
0 maior protector da arte bizantina foi certamente 0 impe- longa e ao mesmo tempo invulgarmcnte larga. E exulta numa indescritivel
rador Justiniano, em cujo longo reinado (527-565) se defi- beleza.
niram as aspectos arquitectdnicos e decorativos mais camc-
teristicos desse estilo. 0 historiador Procopio de Cesareia [Prccépio dc Cesarcia, De aedificiis, I, 1, 12-29, trad. inglesa do
(primeira metade do século VI) fala-nos de Santa Sofia. H. B. Dewing, Londrcs, 1940, vol. vn, pp. 7 a 17].
que era entfio o edificio mais notdvel da Cristandade. Iliétfifii.i,v-r_:m;p-4
(1) Em 532. Varios grupos politicos, entre os quais os oélebrcs averdcs» e <<Azuis», uni-
Alguns homens da ralé, toda a escoria da cidade, ergueram-se numa dada ram-5¢ contra o govcrno imperial aos gritos dc <<Vitéria» (Nika). (1) Edificada por
Constantino o Grande. (3) Em 532. A Igreja foi inaugurada cinco anos mais tarde.
altura contra 0 imperador Justiniano em Bizfincio, quando provocaram
(‘) Cidade da Asia Menor, situada na. Caria. (5) A nave central tem dc altura 55 metros.
0 lcvantamento conhecido por Insurreiqio da <<Nika»(1). [...] E a fim de S05": ela ergue-se uma ctipula com 31 metros de circunferéncia.
.-———-—————————————#
78 TEXTOS HISTCRICOS MEDIEVAIS A CIVILIZACAO BIZANTINA 79
A ESTATUA EQUESTRE Olha para 0 levante, dirigindo 0 seu curso, suponho, contra os Persas.
DO IMPERADOR JUSTINIANO Na mio esquerda segura um globo, com o qual o escultor significa que
toda a terra e o mar lhe estao sujeitos, embora nao tenha qualquer espada
A escultura bizantina deixuu-nos, como vestigios, especial-
mente baixos-relevos em madeira e pedra, pe¢as de orna- ou lanca, nem qualquer outra arma, mas sobre 0 globo que segura ergue-se
mentapfio em marfim, bronze e metais preciosos. A grande uma cruz, fmico emblema mediante 0 qual obteve tanto 0 Império como
t
escultura de vulto, de tradigfio romana, foi mais rara. Pro- a vitoria na guerra; e estendendo a mao direita para 0 sol nascente, abrindo
copio de Cesareia (primeira metade do século VI) descre- os dedos, ordena aos barbaros que ai vivem que fiquem nas suas terras
ve-nos um destes exemplos, a estdtua equestre de Justiniano e nao avancem mais. E basta quanto it eSta'I11fl-
em Constantinopla.
[Procépio de Cesareia, De aedificiis, 1, I, 2-12, trad. inglesa de H. B.
Acontece que diante da Casa do Senado existe uma espécie de praca de Dewing, vol. vn, L0ndr¢S. 1940. PP» 33 3 "371-
mercado, a que o povo de Bizancio chama 0 Augusteu(1). Nesta praqa
ha uma estrutura de pedras, construida com mais de sete fileiras colocadas (l) Nome dado por Constantino l a praga piiblica em honra dc sua mic, a aaugusta»
em rectangulo, todas ligadas umas as outras nas extremidades, sendo a Helena de quem na mesma praca existia uma estatua, cujo podio veio a sustcntar a
fila de cima mais estreita que a de baixo e recuada, resultando que cada de Justiniano. (1) Sirio.
uma das pedras se toma, devido a forma como é colocada, um degrau
saliente, de maneira que o povo aqui reunido se senta sobre elas como O PALACIO IMPERIAL
em bancos. No topo das pedras ergue-se uma coluna de tamanho extraor-
dinario, nao monolitica, todavia, mas formada por grandes pedras em A decorapfio dos edificios com tésseras e mdrmores atingiu.
desde a época de Justiniano, uma p_er;fet;ao e um esplendor
seceoes circulates, partidas de maneira a formar angulos nas suas faces zinicos. Procdpio de Cesareia (primeira metade do século V1)
internas e ligadas umas as outras pela habilidade dos pedreiros. E o mais descreve-nos o interior do paldcio imperial.
belo bronze, moldado em almofadas e guirlandas, cobre as pedras em todos
0s sitios, tanto para as ligar seguramente e as revestir com adornos, como N50 muito longe desta praea do mercado fica a residencia do imperador.
para dar a todo 0 fuste, mas especialmente a base e ao capitel, a aparéncia Praticamente todo o Palacio é novo e, como eu disse, for construido pelo
de uma coluna. Este bronze é mais delicado na cor do que o ouro puro imperador Justiniano (1).
e o seu valor nao muito inferior ao de igual peso em prata. No cimo da Todo o tecto se orgulha das suas pinturas, que nao foram fixadas com cera
coluna esta um gigantesco cavalo de bronze, voltado para leste, de aspecto derretida e aplicada a superficie, mas engastadas corn pequenos cubos de
impressionante. Parece prestes a avanqar, lanqando-se espléndidamente pedra lindamente coloridos em todos os tons, os quais representam.figuras
para a frente. Na verdade, ergue a pata dianteira esquerda no ar, como humanas e varios outros géneros dc assuntos. Os temas destas pinturas,
se estivesse para dar um passo no chio a sua frente, enquanto a outra Se descrevé-ios-ei agora. Em ambos os lados ha guerras, batalhas e muitas
apoia na pedra que lhe serve de base como se prestes a dar o passo imediato; cidades a serem conquistadas, algumas na Italia e outras na Libra; 0 impe-
as patas traseiras estao juntas parecendo prontas para quando ele decidir rador Justiniano esta alcancando vitérias através do seu general Belisario (2)
mover-se. Sobre este cavalo esta montada uma colossal figura de bronze e O general regressando para junto do imperador com todo o exército
do imperador. A figura esta vestida como Aquiles, ou seja o traje que envergfl intacto ¢ enttcga.ndO-lhe os despojos, tanto reis como remos e todas as
é conhecido por esse nome. Usa umas botas de cano baixo e as pernas n50 coisas qu¢.mai5 550 prezadas entre os homens. No centro estao o impe-
estio cobertas por grevas. Veste tambem uma couraqa a maneira heroicfl rador e a imperatriz Teodora (3), ambos parecendo regoznar-se e celebrar
e a cabeqa _e_sta coberta por urn elmo, dando a impressao de que se move para as vitorias sobre 0 rei dos Vandalos (‘) 3 ° Tel d°$ G°d°5 (5), Q“ d°l°_5
cima e para baixo e dardejando uma luz deslumbrante. Pode dizer-se, =1" $¢ aproximam como prisioneiros de guerra para serem conduzidos ao cati-
linguagem poética, que esta aqui a estrela do Outono(2). veiro. A sua volta esta 0 Senado Romano todo, com aspecto festivo. Este
80 TEXTOS HISTCRICOS MEDIEVAIS A CIVILIZACAO BIZANTINA 81

espirito é dado pelos cubos de mosaico que pelas suas cores exprimem o AS MARAVILHAS DE CONSTANTINOPLA:
jtibilo nas suas muitas facetas. [...] OS JOGOS DO IMPERADOR
E todo 0 interior do edificio [...] esta revestido com belos marmores, nao
apenas nas superficies das fachadas, mas tambem no pavimento. Alguns O circo ou hipddromo era um dos grandes centros de reunido
destes marmores s50 de pedra Espartana, a qual rivaliza com a esmeralda, de Constantinopla. A ele afluiam as vzirias classes sociais,
nao so para assistir as corridas e Iutas, como para presen-
enquanto outros simulam as labaredas do lume, mas a maioria deles sio ciar debates politicos, ou mesmo aclamar o imperador.
de cor branca, se bem que 0 branco nao seja puro, mas adornado com 0 hipodromo comportava umas 40000 pessoas. A tribuna
veios ondulantes azuis, que se misturam com 0 branco. [...] imperial estava directamente ligada ao paldcio. A descri-
cfio que se segue, do principio do século XIII, foi feita por
[Procopio de Cesareia, De aedificiis, liv. t, x, 10-20. trad. inglesa
de H. B. Dewing,rLondres, 1940, vol. vn, pp. 83 a 87.] um cruzado que tomou parte na conquista de Constantinopla
em I204.
(1) Trata-se do Palacio de Boucoleon, 0 qual sofreu muitos acrescentamentos poste-
riormente a Justiniano. (1) Nasceu por volta de 494 e morreu em 565. Venceu os Persas,
Noutra parte da cidade havia outra maravilha. Era uma praca que ficava.
os Vandalos e os Ostrogodos. (3) Mulher de Justiniano, imperatriz do Oriente de 527
a 548. (4) Gelimer, 0 iiltimo rei dos Vandalos de Africa (532), foi levado pnsioneiro perto do Palacio da Boca de Leio (1) a que chamavam os Jogos do Impe-
para Constantinopla em 534. (5) Vitiges, rei dos Ostrogodos de 536 a 540, data em rador. Esta praca tinha bem de comprimento um tiro e meio de besta e
que Beliszirio 0 levou prisioneiro para Constantinopla. quase um de largura. A roda deste lugar havia trinta ou quarenta degraus
onde os Gregos costumavam subir a fim de ver os jogos, e por cima destas
A PORTA AUREA fileiras estava um camarote, muito elegante e nobre, onde 0 imperador e
a imperatriz se sentavam quando havia jogos, assim como os outros homens
A Porta Aurea, através da qual os imperadores faziam a e damas de alta jerarquia. E se houvesse dois partidos a jogar ao mesmo
sua entrada triunfal em Constantinopla, foi construida nos
finais do século IV ou princtpios do V. A descricfio que se segue,
tempo, 0 imperador e a imperatriz apostariam miituamente em como um
feita por um cavaleiro francés que tomou parte na 4.“ Cru- lado jogaria melhor do que o outro e assim fariam os demais que obser-
zada, data do principio do século XIII. vavam os jogos. A todo o comprimento desta praea havia um muro com
uns bons quinze pés de altura e dez de largura. Sobre esse muro havia figu-
[...] Noutro ponto da cidade ha uma porta que é chamada a Porta Aurea.
ras de homens e mulheres, de cavalos, bois, camelos, ursos, leoes e muitas
Sobre esta porta havia dois elefantes feitos dc cobre, tao grandes que eram
outras espécies de animais, todas de cobre, tao bem feitas e tao natural-
uma verdadeira maravilha. Esta porta nunca era aberta excepto quando
mente formadas que nao ha nenhum mestre no mundo pagio ou na Cris-
os imperadores voltavam de uma batalha depois de terem conquistado ter-
tandade que assim saiba retratar e fazer imagens.
ritorio; entao 0 clero da cidade ia em procissao ao seu encontro, a porta
era aberta e faziam sair uma carruagem de ouro feita a maneira de um [Robert de Clari, La conquéte de Constantinople, in Historians ct Chro-
carro com quatro rodas a que se chamava curre (1). No centro dessa car- niqueurs du Moyen Age. Bibliotheque de la Pléiade, 1952, p. 77.]
ruagem havia uma alta sege, e na sege, um trono, e a roda do trono, quatro
colunas que sustentavam um baldaquim para proteger 0 trono, 0 qual (') Boucoleon. Este palécio foi assim cognominado pelos viajantes ocidentais por so
debruear sobre uma enseada onde se eneontrava. a estatua de um leéo combatendo um
parecia todo de ouro. Entio o imperador, coroado, sentava-se no trono, touro.
entrava por esta porta e era levado na carruagem, com grande alegria e
regozijo, ‘para o seu palzicio.
" [Robert de Clari, La conquéte de Consrantinople_,_ in Historiens H
C/lroniqueurs du Moyen Age, Bibliothéque de la Plerade, 1952, p. 76-]
(l) Do latim currus, us, coche, carro.
I. m.-6
I Q QI I I I I IA

s2 rexros msroiucos MEDIEVAIS A CIVILIZACAO BIZANTINA 83

2. a partir de toda a espécie dc efeitos, voltei-me para as ciéncias naturais,


A CULTURA HUMANISTICA aspirando a conhecer os principios fundamentals da filosofia através da
matematica.
A vida intelectual bizantina parece ter sido sempre marcada por uma curac-
[...] Partindo destes autores [Aristételes e Platio], completei um ciclo por
teristica essencial: a culto do passado. 0 passado era para Bizdncio a tra-
assim dizer, descendo até Plotino, Porfirio e Jamblico (1). Depois, conti-
dicfio grega. O estudo da literatura e filosofia helénicas, assim como a pra-
nuando a viagem, aportei ao admiravel Proclo (Z). [...] De Proclo tencionava
tica da retorica, foram as coordenadas fundamentais que orientaram as inte-
continuar com estudos mais adiantados —- metafisica com uma introducao
resses humanisticos bizantinos. Prosseguidas com uma continuidade noto-
a eiéncia pura -, de maneira que comecei com um exame dos conceitos
ria, estes estudos atingiram, pela exaustfio da matéria e pelo aperfeicoamento
abstractos na chamada matematica que detém uma posicao e meio caminho
da forma, 0 preciosismo rebuscado que ficou conhecido por <<bizantinismo».
entre a ciéncia da natureza corporea, com a captacao externa desses corpos,
A0 culto da tradicfio, que originou especialmente compiladores, comen-
se as ideias em si, objecto de conhecimento puro. [...]
tadores e enciclopedistas, além de historiadores, juntou-se_a necessidade
Além disso consagrei tempo ao estudo da musica e da astronomia, bem
de insercfio de um quadro novo, 0 do cristianismo. Tendo de fazer face a
como as suas diversas artes subsidiarias.
uma proliferacfio de heresias que nfio alcancaram 0 Ocidente, a Igreja Orien- Primeiro deveria concentrar-me em cada estudo de per si, depois sinte-
tal trabalhou com brilho a discussfio teologica. Além dos cultores das letras tizaria o conhecimento, na crenca de que os varios ramos da aprendizagem
cléssicas, Bizdncio produziu também misticos e teélogos nao menos notziveis. me levariam pelos seus contributes individuais a um simples objectivo,
de acordo com os ensinamentos do Epinomis (3) de Platao. Assim graqas
a estas ciéncias fui capaz de me lancar a estudos mais desenvolvidos. [...]
MIGUEL PSELO (1018-1078) Por outro lado, nao esta deforma alguma para além das nossas capa-
REFERE A ORIENTACAO cidades naturais determo-nos numa ciéncia como assunto especial e por
- DADA Aos SEUS ESTUDOS amor da investigacio fazer a partir dela como que excursoes para outros
ramos do conhecimento, num abarcar geral, regressando mais tarde ao
No relato que se segue, Miguel Pselo, o maior nome da his- ponto inicial dc partida.
tdria do pensamento bizantino, hierarquizou os seus conhe- A literatura tem dois ramos. Um compreende os trabalhos dos oradores.
cimentos desde a aprendizagem da retorica a meditacfio
teolégica. Este texto da'-nos uma interessante perspectiva Do outro apropriaram-se os fi16sofos.[...]
das preocupacfies humanisticas de um Ietrado bizantino do Mas ha uma nova filosofia baseada no mistério da nossa religiao cristii,
século XI. que transcende os antigos sistemas. Este mistério também tem um aspecto
dual, na natureza (humana e divina) e no tempo (finito e infinito), sem men-
Nesse tempo tinha eu 25 anos e dedicava-me a estudos sérios. Os meus cionar um outro dualismo, a saber: o de ser capaz de prova e por outro
esforqos concentravam-se em dois objectivos: treinar a lingua pela lado ser objecto de fé e divinarnente inspirada na consciéncia do homem.
9
retorica, a fim de me tornar um bom orador e aperfeicoar 0 espirito 2* Foi esta filosofia, mais do que a profana, que se tomou objecto do meu
com um curso dc filosofia. Depressa dominei a retérica a ponto de ser especial estudo. [...]
capaz de distinguir o tema central de uma discussio e de 0 ligar logicamente I-Ioje, com efeito, nem Atenas, nem Nicomedia, nem Alexandria no
as partes principal e secundaria. Também aprendi a nao permanecer num at
\
Egipto, nem a Fenicia, nem mesmo as duas Rornas (a Roma antiga, a
completo enojamento em relaeiio a arte nem em seguir em tudo os seus menor e a moderna, a mais poderosa), nem nenhum outro estado, se pode
preceitos como uma crianca. [...] Depois dediquei-me ao estudo da filosofia
Vangloriar dc realizacoes literarias. Os veios auriferos do passado, os me-
e, tendo-me familiarizado completamente com a arte de raciocinar, tanto nos ricos de prata e os ainda menos valiosos de outros metais, todos estao
dedutiva, da causa ao efeito imediato, como indutiva, determinando causas
(EUGC CG@C Gfi:CH flfi~.I'C:

CM HU LO _ A CW H EA CAO M U CU L M A NA

l
1 l

A CIVILIZACAO BIZANTINA 85
84 TEXTOS HISTQRICOS MEDIEVAIS

cortados e entulhados: 0 seu bloqueio é completo. Por isso, na medida mas também os servicos que prestou a varios imperadores antes dc ele
em que sou incapaz de alcancar as préprias fontes da vida, estudo neces- proprio receber 0 ceptro.
sariamente as suas imagens. Estes feitos vou-os relatar, nao para mostrar a minha proficiéncia nas
letras, mas porque sao assuntos de tal importancia que nao devem ficar
[The Chronographia of Michael Psellus, trad. do grego por E. R. A. intestemunhados para as futuras geracoes. Porque mesmo o maior dos acon-
Sewter, New Haven, Yale University Press, 1953, <<Constantine IX tecimentos, se nao for casualmente preservado por palavras escritas e tra-
(1042-toss)», pp. 121 a 130.1
zido a lembranca, desaparece na obscuridade do siléncio.[...]
(1) Filosofos neoplatonicos da esoola de Alexandria (séculos m-iv). (1) Filosofo da
mesma escola (século v). (3) Dialogo cuja autoria tem sido discutida. [The Alexiad of the princess Anna Comneno. trad. inglesa de Elizabeth
A. S. Dawes, New York, 1967, pp. 1 e 2.]

(1) Nasceu em 1083 e morreu em 1150. (1) Aleixo I Comneno (1081-1118). A Alexlada
PREFACIO DA ALEXlADA DE ANA COMNENA diz respeito aos anos que decorrem entre 1069 e 1118. (3) Esquilo (525-456 a. C.).
(4) Princesa da familia Ducas. (5) Os principes bizantinos nascidos de pais reinantes
Ana C0mnena(1), princesa e historiadora, deu-nos, no pre- diziam-se <<porfirogenetas» (nascidos na purpura). Com efeito, as criancas da familia
fdcio d obra em que narrou a vida de seu pai(2), uma pers- imperial nasciam num quarto de cor purpura. (6) O quadrivium: aritmétiea, geome-
pectiva sobre tempo e historia. tria, astronomia e mtisica, era, assim como o trivium, ensinado na escola de estudos
superiores que funcionava no palacio real.
O tempo, em curso irresistivel e incessante, arrasta na sua onda todas as
coisas criadas e lanqa-as nas profundezas da obscuridade, indiferente a
que elas mal sejam dignas de mencao ou pelo contrario sejam notaveis
e importantes, e assim, como diz o tragico (3), at escuridao arranca todas
as coisas para nascerem e a todas as coisas nascidas envolve na noite».
Mas a trama da histéria forma um baluarte muito forte contra a corrente
do tempo e até certo ponto detém a sua vaga irresistivel; e de todas as
coisas nele praticadas, aquelas que a historia agarrou, segura-as e liga-as
umas as outras, nao permitindo que escorreguem para 0 abismo do esque-
cirnento.
Agora dei-me conta deste facto, eu Ana, filha de duas personagens reais,
Aleixo e Irene (4), nascida e criada na purpura (5). Nao sou ignorante das
letras, pois levei 0 meu estudo de grego até ao seu mais alto grau, e também
nao sou inexperiente em retérica; analisei as obras de Aristoteles e os dia-
logos de Platio cuidadosamente e enriqueci o meu espirito pelo quater-
nion (6) da erudicao (devo declarar isto e n50 é orgulho esclarecer o que
a natureza e o meu zelo pela aprendizagem me deram, assim como as
dadivas que Deus me conferiu ao nascer e o tempo acrescentou).
Todavia, voltando ao assunto, pretendo neste meu escrito narrar os
feitos do meu-pai, pois nao devem certamente perder-se no siléncio ou serem
varridos, como 0 seriam, pela corrente do tempo para 0 mar do esqueci-
mento; e narrarei nao apenas os seus cometimentos como imperador,
E

a. A GENESE DO ISLAMISMO

1.
OS PRINCIPIOS
E AS PRATICAS RELIGIOSAS

A religifio prégada por Muhammad (c. 570-632) fundiu elementos cristdos


e judaicos com tradicoes puramente ardbicas. 0 resultado, expresso no Cordo
de uma maneira considerado definitiva, foi um corpo de doutrina extrema-
I ,
mente simples e acessivel ao crente.
Como ponto de partida, o islamismo estabeleceu um mimero de dogmas
diminuto: a existéncia de um iinico Deus, a missiio profética de Muhammad.
0 Corfio como palavra divina, a admissfio de anjos e nomeadamente do arcanjo
Gabriel portador da revelacfio, a crenea na vida extraterrena recompen-
sando os'bons e castigando as maus.
As préticas religiosas que deveriam acompanhar estes principios teoricos
resumiam-se nos chamados cinco <<piIares da fé»: a oracdo realizada cinco
vezes por dia em estado de pureza (depois das ablucoes) ,' uma pfece em comum
ao meio-dia de sexta-feira; 0 jejum do Ramadan (quarenta dias); a esmola.
tornada imposto obrigatorio, para os necessitados ou para a construcfio de
edzficios religiosas; a peregrinacfio a Meca. ,
Além destes principios fundamentais, o Corzio e as Hadiths, livros que regis-
taram assergoes do Profeta e tradieoes variadas, legislaram sobre toda a cir-
cunstancialidade da vida do individuo, aproximando os ctinones religiosas dos
problemas concretos do quotidiano.
Y

90 raxros msrorucos MEDIEVAIS A CIVILIZACAO MUCULMANA 91


,.
y A EXISTENCIA on UM so DEUS, ALLAH (Nas preces da alvorada acrescenta-se a frase:
Rezar é melhor do que dormir).
A tradicdo do paganismo ardbico era 0 politeismo. _Sob _a Qi-~.-¢»1—0-—

pressfio do cristianismo e do judaismo, a_ide1a da exxstencza [ln Islam, Muhammad and his Religion, ed. e introd. de Arthur Jeffery,
v The Library of Liberal Arts, 1958, pp. 167, 168.]
de um so Deus foi-se impondo e vdrios pregadores, anterrores lV
e contempordneos de Muhammad (570-632), a haviam defen-
dido. Muhammad fez dela o principio mais importante do Q
islamismo. 1
l O JEJUM DO RAMADAN
l —- Tudo o que existe nos céus e na terra glorifica Allah; e Ele é o Omni- l
\
potente, 0 Omnisciente. .' 0 jejum constitui uma das manifestacoes mais importantes
2 —- E seu 0 Reino dos céus e da terra: Ele é o que ordena a vida e 0 da religifio islamica. Durante um més lunar, o crente deve
la abster-se de qualquer alimento enquanto ho luz do dia, reser-
que da a morte; e Ele tem poder sobre todas as coisas. vando para as noites as festividades religiosas e as refeicoes.
3 — Ele é 0 Primeiro e o Ultimo, o Visivel e 0 Invisivel; e ‘é Conhecedor Esta obrigagtio vem expressa no Corfio, compilado durante
de todas as coisas. o califado de Othman (644-656).
4—Ele é O que criou os céus e a terra em seis Dias; depois subiu ao l

Trono. Ele conhece tudo 0 que entra na terra e tudo o que dela Oh vos que acreditais, 0 jejum é-vos prescrito como foi prescrito aqueles
sai e tudo 0 que desce do céu e tudo 0 que a ele a5¢¢nd¢; e 51¢ que vos precederam. [...] E no més do Ramadan (1), no qual o Corio foi
esta convosco onde quer que vos estejais. E Allah vé tudo o que vos enviado como um guia para os homens. [...] Assim, aquele que de entre vos
fazeis. ' estiver presente no més, que jejue enquanto ele durar, mas se alguém esti-
5 -— E seu o Reino dos céus e da terra, e a Allah todas as coisas voltam. ver doente ou de viagem, entao faea-0 num numero diferente de dias.
-6 —Ele faz que a noite penetre no dia e que 0 dia penetre na noite e Allah deseja o vosso bem-estar e nao o vosso desconforto, e que possais
Ele conhece os pensamentos dentro dos coracoes. completar 0 niimero de dias e glorificar Allah pela maneira como Ele vos
[Corfio, xix, Sura 57, l-2-3-4-5-6.]
guiou ficando portanto agradecidos.
[Cord0, ll, Sura Z, 179-183-185.]

(') O 9.° més do ano muculmano.


A ORACAO
Cinco vezes ao dia, o muezzin chama os fiéis para a oraczith
Fri-lo no pdtio da mesquita ou, mais vulgarmente: no 010 A ESMOLA
do minarete. As expressoes usadas nesta znvocapao d pr‘?!-'8

p sdo as seguintes:

Allah e muito grande (dito quatro vezes).


i A necessidade de as ricos darem aos pobres parte do seu
supérfluo foi muito acentuada por Muhammad (c. 5 70-532).
se bem que a esmola jo fosse uma prdtica pré-isldmica.
Eu afirmo que nao existe qualquer outro deus, salvo Allah (duas veZ8-\‘)- De dddiva ocasional, a esmola passoua ser considerado pra-
Eu afirmo que Muhammad é 0 mensageiro de Allah (duas vezes)- tica obrigatoria, transformando-se numa espécie de imposto.
vl"d° 55 °rfl¢6es (duas vezes).
Vmde a salvagfio (duas vezes). A Piedade nao consiste em voltar a cara para leste ou para oeste, mas ser
Nio ha qual q ue r outro deus, salvo Allah_ piedoso e' acreditar
' '
em Allah e no Ultimo Dia, nos Anjos, no Livro, nos
92 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A CIVILIZACAO MUCULMANA 93

Profetas e dar a sua propria fortuna, apesar do amor que se tem por ela, coco. Esta ela pegada com o angulo do lado oriental (1), cuja largura é da
aos parentes, aos orfaos, aos necessitados, ao caminhante, aos pedintes, terga parte de um palmo e 0 comprimento de um palmo; e de tal $0115
redimir os cativos, cumprir a oracao e pagar 0 zakat(1). encravada, que nunca se soube 0 que entrou dela no dito angulo. Nela 1-15,
[C0r5o. n, Sura 2, 177.] quatro pedacos grudados, dizendo-se que A1carmati(2) (Deus o amaldicoe)
a quebrara; e também se diz que fora outro 0 que a quebrara com um ca-
(1) O zakat era a esmola obrigatoria que se destinava as obras piedosas. Incidia sobre cete; e que o povo se apressara a mata-lo, por causa do qual foram mortgg
os haveres de cada um, incluindo gado, cereais, fruta, mercadorias e dinheiro. muitos dos mauritanos.
Os lados da dita pedra estao embutidos em chapas de prata, cuja alvura
resplandece sobre a negrura da nobre pedra, da qual se manifesta aos olhos
A PEREGRINACAO admiravel beleza e ao que a beija suavidade com a qual se deleita a sua
boca, de maneira que nao aparta dela o seu osculo, particularidade agra.
Muhammad (c. 570-632) sancionou um hzibito ancestral dalvel nela e favor devido para com a mesma. Enfim, o dito do enviado
de peregrinacoes a Meca, mantendo nessa cidade a ((p8¢l!'t1 de Deus é suficiente, de que ela na terra é a sua bencdo. O mesma Dgus
negra» e relacionando a edificacfio da Kaaba com as figu- nos aproveite com o osculo e toque dela e faca chegar a mesma a todos os
ras biblicas de Abrado e Ismael.
que a apetecern.
E quando estabelecemos para Abraao 0 lugar da Casa (1) [dissemos-lhe]: N0 P¢d3»9° $5-0 da pedra negra pelo lado contiguo ao lado direito, em que
l
N50 assoeiaras nada comigo e purifica a minha casa para aqueles que nela ela se toca com a mio, ha uma pequena malha branca luzente, como 53
l
andam, aqueles que nela estio para rezar, aqueles que se inclinam e aqueles
fosse lama, naquela resplandecente face. V_ém as gentes, quando giram,
cair umas sobre outras por causa do apertao, para beijarem a dita pedra, I QIQ IQ Q Q
que se prosternam. E anuncia aos homens a peregrinacao. E eles virio
até junto de ti a pé, on em qualquer espécie de animal fatigado, vindos 0 que poucas vezes é possivel a algum, senao depois de violento apertao;
e 0 mesmo obram a entrada da respeitavel mesquita. [...]
in
das ravinas mais remotas para testemunharem o que lhes é proveitoso e "I
para mencionarem o nome de Allah, nos dias estabelecidos, sobre os ani-
[Viagens Extensas e Dilatadas do Célebre rlrabe Abu-Abdallah mais Co- in
mais dos rebanhos que por Ele lhes foram dados como provisoes. nhecido pelo Nome de Ben-Batuta. traduzidu por I055 de Sgnfg A135.
mo Maura. Lisboa, 1840, t. 1, pp. 147-148.1 in
_.-_.~».-. .
[Cordo, XVII, Sura 22, 26-27-28.]
g)uAnf::ba’,\ que é rectangular, tem por conseguinte quatro cantos, cada um deles com is
(1) A Kaaba (cubo), edificio que encerra a apedra negra».
(2) Q<<P°dl‘:l Mgra» fica no canto onental, denommado ‘o acanto negro». In
por Qarm _ "mags-t um lmqllfalio fundador da seita Baum, postenormente conhecida
ocidcmal Pée _grupo dissidente veio a fundar um estado lndependerite na Costa ~u
UM MUCULMANO DO SECULO XIV
negra» ° 8; 0 ‘l'$l<_>0 (399).= ¢m_930 conquistou levando consigo a apedra <1
DESCREVEU A <<PEDRA NEGRA»
brada - q\1= =11 0 lena sido partida. Diz a tradieao que 1a antenormente havia sido que-
pelo fogo que em 683 devorou a Kaaba. in
‘I
Abu-Abdallah, mais conhecido por Ben-Batuta, nasceu em
Tdnger em I303. Dai saiu em I325 para, durante trinta anos. <1
percorrer grande parte da Africa, Asia e Europa. Eis com0
ele nos descreve a apedra negra». <1
(
C°m° 3 Pedfa "@813 tem seis palmos de elevacio da terra, pOl isso qual- (
quer homem alt‘) “*5 $¢8111'0 <16 =1 beijar e o baixo estende para isso o p88- (
(
T
A CIVILIZACAO MUCULMANA 95
94 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

A CELEBRACAO DO RAMADAN EM MECA


OS RITUAIS RELIGIOSOS EM MECA
0 més de jejum inicia-se com o aparecimento da lua nova
Chegado a Meca com a sua familia e criados, _Ben-Batuta
do Ramadan e termina quando surge a lua nova do Shawwal
(século XIV) entregou-se imediatamente ti prarica dos rztos 5 (0 més imediato). Ben-Batuta (século XIV) do-nos conta
nos lugares sagrados. 0 texto que se segue elucida-nos sobre l das festividades que na sua época se faziam em Meca pelo
as vdrios momentos dessa pratzca. Ramadan. . -

[...] Tendo chegado ao amanhecer a fiel cidade de Meca, cuja nobreza Deus
Quando aparece a lua nova do Ramadan, tocam as trombetas e os timbales
lhe aumente, penetramos por ela para 0 sagrado te"°iF° da Sua m¢5q“"a»
junto da casa do emir (1) de Meca; "tem lugar o conselho na mesquita a
lugar da morada de Abraio, escolhido de Deus, e do enviado Muhammad,
respeito da renovacio das esteiras e- aumento da cera e lanternas a fim de
seu sincero amigo; e entramos pela nobre mesquita, cuja magnificéncta
a mesquita resplandecer com a luz e infundir formosura e resplendor. [...]
Deus lhe aumente [...] e tendo dado nela 0 giro (devido), tocado com a mic
Algumas pessoas ha que se restringem a celebracio da oracao, a pedra
a nobre pedra, feito a oragio com duas inclinacoes no lugar do assento negra e aos giros. A maior parte dos prelados de Axafeaia (2) é diligente
de Abraao, suspensos da cortina da Kaaba junto do Almoltazam,
e é seu costume, quando completam o exercicio estabelecido, que siio vinte
que medeia entre a porta e a pedra negra onde se ouve o chamamento,
inclinaeoes, girar o respective prelado com a sua turba; e quando estio
bcbemog da figua (do pogo) de Zamzam (1), a qual quando se bebe é como
acabados sete giros, bate a farca (3), que mencionamos estar diante do ora-
se chegasse do Profeta. Andamos depois entre os montes Assafa e Alma- dor no dia de sexta-feira, o que é sinal da volta para a oracio [...] e quando
raua (Z) e ai nos hospedamos em uma casa na proximidade da Porta de é tempo de tomar a refeicao ao romper da aurora, retira-se o almuaden (4)
Abraao. A Deus seja dado o louvor por nos enobrecer e honrar com a de Zamzam que esta no angulo oriental em a torre da mesquita, o qual
chegada a esta nobre mesquita; e ele nos faca do mimero daqueles a quem se levanta chamando, admoestando e instigando para a dita refeicao, e o
chegou 0 chamamento do amigo de Deus [Abraao], sobre o qual desqa mesmo praticam os mais almuadens em todas as torres; e quando um deles
a mais exuberante e pura saudacao; e o mesmo Senhor nos fa<;a gozar fala responde-lhe 0 seu companheiro. No mais alto de cada uma delas
dos lugares dc concorréncia, a saber: da nobre Kaaba, da magnifica se erigiu um pau com outro atravessado sobre a sua cabeea, em que se
mesquita, do terreno que a cerca, da pedra negra, do pogo de Zamzam dependuram dois grandes farois de vidro que se acendem. [...] Como as casas
e do muro que rodeia a Kaaba. de Meca tem eirados, aquele que nao ouve o pregio, por estar a sua casa
distante, vé os mencionados farois e por isso continua a comer; e quando
[Viagens Exrensas e Dilatadar do Célebre Arabe Abu-Abdaléah Smzrtig
Conhecido pelo Nome de Ben-Batuta, traduzidas por Jose e an os nao vé, suspende a comida. Em cada noite, nas iiltimas dez do Ramadan,
Antonio Moura, Lisbon. 1340, L 1. DP- 140441-1 léem o Alcorao até ao fim, a cuja leitura assistem o cadi(5), os doutores
e os principais. [...]
(1) Segundo a tradicao islamica, Allah teria feito brotar esta nascente para saoia-1' Ismad
e sua mic Agar. Ainda actualmente os pere81'ifl05 b¢b°m dessa 58'-13 d°P‘_)'5 d° ‘°"°f“
[Viagens Extensas e Dilatadas do Célebre Arab: Abu-Abdallah mais
visitado a Kaaba. (1) As colinas de Safa e Marwah. junto do M=¢a. 515 q_\-‘$15 A9" ‘ma Conhecido pela Nome de Ben-Batuta, traduzidas por Jose de Santo
subido para ver se descortinava agua ou pessoas. I13-5 Pl'°Xl"1ldad°5- H°1‘ ”°°“d°'Sc a Antonio Moll-1'8, Lisboa, 1840, t. 1., pp. 192-193].
essas duas quase insensiveis elevacoes por all‘-"15 d¢81'=-'~15-
(1) Governaclor, principe, chefe. (1) Pertencentes ao rito dc al-Shafi (767-820), criador
do uma das quatro esoolas ortodoxas de jurisprudéncia vigentes no Império Absissida.
(3) Instrumento formado por urn pau em cuja extremidade esta uma pele delgada, a qual,
sacudida no ar, produz um som agudo que se ouve a grande distancia. (4) O mesmo que
muezzin, ou seja o homem que faz 0 chamamento para a oracio. (5) A autoridade
judicial da cidade.
TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A crvn.1zA¢A0 MUCULMANA 91

2. A CONQUISTA DE DAMASCO (635)


A FORMAQ/I0 Depois de seis meses de cerco, Damasco, a metropole da
DO IMPERIO A'RABE Siria, rendeu-se as forcas muculmanas. Para este facto
contribuiu a aritude das autoridades civis e eclesidsticas da
arabe foi essencialmente caracterizada pela sua rapidez e aparente cidade, incluindo o prdprio atriarca, atraicoando a causa
bizantina e favorecendo os A€abes. A crdnica a seguir trans-
de Muhammad (632) 0 islamismo ainda niio havia ultrapassado crita é de um autor persa do século IX.
1 Peninsula Arabica. Nos sete anos que medearam entre 633 e
Siria foi conquistada aos Bizantinos, incluindo a capital da pro-
[...] Os habitantes de Damasco instalaram-se nas fortificaooes e fecharam
zsco, futura sede do califado. Simultaneamente as forcas mucuI-
as portas da cidade. Khalid ibn-al-Walid (1), a cabcqa dc uns 5000 homens
zenderam uma campanha vitoriosa contra 0 Estado Persa, 0 qual
que Abu-Ubaydah (1) tinha posto sob o seu comando, acampou junto de
al-Bab ash-Sharki (3). [Entretanto as outros chefes militares acamparam junto
:amente de existir a partir de 641. Neste mesmo ano Alexandria
das demais portas]. [...]
aos /frabes, e com ela toda a provincia do Egtpto. A conquista
F49), importante base naval bizantina, foi um factor decisivo para
O bispo que tinha aprovisionado Khalid com alimentos no‘ principio
'e uma frota muculmana.
do cerco havia-se instalado nas muralhas. Um dia Khalid chamou-0 e,
uma breve pausa no movimento expansionista, seguida por nova
quando ele chegou, cumprimentou-0 e ambos conversaram. Noutro dia
-nquistas que marcaram 0 momenta mais alto do califado 0 bispo disse [a Khalid]: <<Abu-Sulaiman, a tua posioao esta melhorando e
tens uma promessa a cumprir em relaqao a mim; faqamos um acordo para
‘o de Cairufio (Tunisia) em 670 permitiu novas operacoes contra esta cidade.» Imediataxnentc Khalid pediu um tinteiro e pergaminho e
beres. Cartago, que havia muito pagava tributo aos Muculmanos, cscreveu:
rm 698. Nos principios do século VIII as forcas do Islam atingiram <<Em nome dc Allah, o compadecido, 0 misericordioso. Isto é 0 quc Khalid
enquanto a oriente atravessavam o Oxus (Amur-Darya), fron- concedesa aos habitantes dc Damasco se entrar dentro dela: protnete dar-
7S povos de fala persa e turca. As conquistas de Bukhara na -lhes seguranqa pelas suas vidas, propriedades e igrejas. As muralhas da
06-709) e de Samarcanda (710-712) lancaram as bases do do- cidade nao serio demolidas, nem nenhum muqulmano sex-a’. aquartelado
lmano na Transoxiana. Simultaneamente as forcas isldmicas nas suas casas. Portanto, damos-lhes 0 pacto dc Allah e a protecqfio do seu
1 Espanha (711) e tentaram mesmo a conquista de Constantinopla Profeta, dos califas e dos crentes. Enquanto pagarem 0 imposto (4), nada
de mau lhes acontecera (5). -
avanco drabe na Europa foi detido em Poitiers. Cem anos depois Uma noite, um amigo do bispo veio até junto dc Khalid e inforrnou-0
Muhammad, o império muculmano estendia-se do Atlantico ao de que era noite de fcsta para os habitantes da cidade, os quais, por estarem
ar de Aral as cataratas do Nilo. todos ocupados, haviam bloqueado a porta Sharki com pedras, deixando-a
sem guarda. Sugeriu entao que Khalid procurasse uma escada. Certos
ocupantcs do convento junto do qual Khalid tinha acampado trouxeram-
-lhe duas escadas pelas quais alguns muoulmanos treparam a parte mais
alta da muralha c desceram até a porta que estava guardada apenas por
um ou dois homens. Os muqulmanos entreajudaram-se e abriram a porta.
Isto deu-sc ao nascer "do Sol. ‘
Entretanto Abu-Ubaydah tinha procurado abrir a porta J abiyah enviando
alguns muqulmanos por cima da muralha. Isto fez com que os comba-
hm.-7
______j.€-—-1

A CIVILIZACAO MUCULMANA 99
98 TEXTOS HISTQRICOS MEDIEVAIS
fugiram, chegando até tao longe quanto a Palestina, Antioquia, Alepo,
rentes grcgos acorressern a esse lado e dessern um violento combate aos a Mesopotamia e a Armenia. [...]
muqulmanos. Contuclo, por fim, os Gregos fugirarn. Entao Abu-Ubaydah, Quando Heraclio recebeu as noticias sobre as tropas em al-Yarmflk
a cabe<;a dos mugulmanos, abriu a forga a porta Jabiyah e fez através dela e a destruiqao do seu exército pelos Muqulmanos, fugiu de Antioquia para
a sua entrada [na cidade]. Abu-Ubaydah e Khalid ibn-al-Walid encontra- Constantinopla. A0 passar o ad-Darb voltou-se‘ e disse: <<A'paz seja contigo,
ram-se em al-Malcsalat, que era o bairro dos caldeireiros em Damasco. [...] 0 Siria! Que excelente regiao para 0 inimigol», referindo-se as nurnerosas
pastagens da Siria.
[Al-Baladhuri, A Conquista das Terms, cap. x, in Spcros Vryonis, Jr.,
Readings in Medieval Historiography, 1968, pp. 350-351.] [Al-Baladhuri, A Conquista das Terms, cap. x, in Speros Vryonis, Jr.,
Readings in Medieval Historiography, 1968, p. 354 a 356.]

(1) Urn dos grandes oondutores da expansao muqulmana. Conquistou e pacificou toda (1) Nirmero exagerado. Possivelmente uns 50 000. (1) Populaqao nao aborigene, mas
a Arabia e posteriormente a Siria. Denorninava-se a si préprio <<a espada dc Allah». arabizada. Este grupo dos musmribah nunca se fundiu totalmente, apesar da lslarni- )
(1) Abu-Ubaydah ibn-a.l-Jar;-ah, chefe politico e militar que também colaborou na con-
zaoio, com os aribah considerado: autbctones.
quista da Siria. (3) A porta do lado oriental. (4) A capiraqao era de urn dinar e um jarib
(medida de trigo). (5) Este acordo veio a servir dc modelo para os que foram assinados
posteriormente com outras cidades da Slria.
A 1NvAsAo DA PENiNSULA IBERICA
PELOS MUCULMANOS (111)
DEPOIS DA BATALHA DE AL-YARMUK (6361 Tendo atingido a zona marroquina, os Muculmanos senti-
ram-se naturalmente atraidos pela riqueza das terras e cida-
F
BIZANCIO PERDEU A siRIA des ibéricas. A fraqueza do governo visigodo, dilacerado
la O imperador bizantina Heraclio pretendeu dar aos zfrabes
pelas facc5es politicos, facilitou 0 caminho dos novos inva-
sores. 0 texto aqui transcrito pertence a uma cronica and-
uma batalha decisiva. Sob o comando de Teodoro, irmiio nima do século XI.
do imperador, o exército cristiio encontrou-se com 0 mu¢;ul-
mono no vale do rio Yarmfik, um afluente do Jordao, sofrendo
ai uma derrota memoravel. O relato que se segue é de um Mandou em seguida [o conde Juliao] a sua subrnissao a Muqa (1), conferen-
cronista persa do século IX. ciou com ele, entregou-lhe as cidades postas debaixo do seu mando, em
virtude de um pacto que concertou com vantagens e condiqoes seguras para
I-leraclio reuniu grandes corpos de gregos, sirios, rnesopotarnios e arme- si e os seus companheiros, e tendo-lhe feito uma descriqao da Espanha,
nios, sornando cerca de 200000 homens (1). Colocou este exército sob 0 estimulou-o a que procurasse conquista-la. Acontecia isto em finals do
comando de urn chefe escolhido e enviou como vanguarda Jabalah ibn- ano 90(1). Muea escreveu a Al-Walid (3) dando-lhe a nova destas con-
-al-Aiham al-Ghassani a cabega dos AI3b€S <<naturalizad0s» (1) da Siria, quistas e o projecto apresentado por Iuliao (4), ao que respondeu [o califa]
das tribos de Lakhrn, Iudham e outras, rcsolvido a combater os Mu<;ul- dizendo: <<Manda a esse pais alguns destacamentos que 0 explorem e tomem
manos a fim de vencer on dc se retirar para a terra dos Gregos e viver em informagées exactas e nao exponhas os muqulmanos a um mar de ondas
Constantinopla. 0s Muqulmanos reuniram-se e 0 exército grego marchou revoltas.» Muqa replicou-lhe que nao era um mar, mas sim um estreito,
contra eles. A batalha que travararn em al-Yarmfik foi das mais ferozes 0 qual permitia ao espectador ver de um dos lados a forma que aparecia
e sangrentas. A1-Yarmak é urn rio. Nesta batalha tomaram parte 24000 do lado oposto; mas Al-Walid retorquiu-lhe: <<Ainda que assim seja, infor-
mugulmanos e tanto os Gregos como os seus seguidores se ligaram uns ma-te por meio de exploradores.» Enviou pois um dos seus libertos cha-
J
i mado Tarif, e de cognorne Abu Zara, com 400 homens, entre eles 100 de
aos outros com cadeias para que nenhum pudesse ter a esperanqa dc fugit-
Com a ajuda de Allah foram mortos uns 70000 deles, e os que ficaram
1

I?\’7:
I00 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A CIVILIZACAO MUCULMANA 101

cavalaria, 0 qual passou em quatro barcos e arribou a uma ilha chamada -711). (1°) Os historiadores mueulmanos denominam o rio Barbate, nas margens do
ilha de Andaluz, que era arsenal [dos cristaos] e ponto donde zarpavam qual se deu a batalha, Wadi Lakka. (11) O rei visigodo Witiza (702-708).
as suas embarcaqoes. Por ali ter desembarcado, tomou 0 nome de ilha de
Tarif (5). Esperou que se lhe agregassem todos os seus companheiros e
depois dirigiu-se em algara contra Algeciras; fez muitos cativos, como
nem Muea nem os seus companheiros nunca haviam visto nada de seme-
A EXTENSAO DO IMPERIO MUCULMANO
lhante, recolheu muitos despojos e regressou sao esalvo. Estes aconteci-
NO ULTIMO TERCO no SECULO x
mentos deram-se no Ramadan do ano 91 (5). O geografo Ibn-Hawqal (943-977), que viajara largamente
Quando [os Mueulmanos] viram isto desejaram passar imediatamente através do Império Muculmano, aponta-nos as regi6es que
para la e Muca nomeou chefe da vanguarda um seu liberto, chamado entiio 0 constituiam.
Tarique ben Ziyad (7), persa de Hamadhan — ainda que outros digam que
nao era seu liberto, mas sim da tribo de Sadif —, para que fosse a Espanha O comprimento do Império do Islam nos nossos dias estende-se desde
com 7000 muqulmanos, na sua maior parte berberes e libertos, pois havia os limites de Farghana (1), passando através do Khurasan (1), al-Jibal (3),
pouquissimos arabes. Passou no ano 92 (8) nos quatro barcos mencionados, o Iraque e a Arabia até a costa do Yemen, 0 que constitui. uma viagem
finicos que tinham, os quais foram e vieram com infantaria e cavalaria que de quase quatro meses; quanto a largura, toma inicio na terra de Rum (4),
se ia reunindo num monte muito forte, situado a beira-mar, até que ficou passando através da Siria, Mesopotamia, Iraque, Pars (5) e Kirman (6),
completo todo 0 exército. até ao territorio de al-Mansura nas costas do mar de Pars (7), o que sao
Ao saber 0 rei de Espanha (9) a noticia da eorreria de Tarique, conside- quase quatro meses de viagem. Na declaracao anterior sobre a extensao
rou 0 assunto como coisa grave. Estava ausente da Corte, combatendo do Islam omiti a fronteira do Maghreb e o Andaluz, por serem como que
em Pamplona, e dali se dirigiu para o Sul, quando ja Tarique havia entrado, a manga de um vestido. Para oriente e ocidente do Maghreb nao ha Islam.[...’]
tendo reunido contra este um exército de cem mil homens ou coisa seme-
(Cit. em The Legacy of Islam. ed. por Thomas Arnold e Alfred Guil-
lhante, segundo se conta. [...] laume, Oxford University Press, 7.‘ ed., 1952, p. 80.]
Encontraram-se Rodrigo e Tarique, que havia permanecido em Alge-
ciras, num lugar chamado 0 Lago (1°), e pelejaram encarnieadamente; (1) Regiao banhada pelo rio Jaxartes (actual Sir Darya). (1) Provincia a nordeste do
mas as alas direita e esquerda, ao mando de Sigeberto e Abba, filhos dc planalto do lrao, confinando com o mar Caspio. (1) A regiao'da antiga Media, com
Gaitixa (11), comecaram a fugir, e, se bem que o centro tivesse resistido as cidades de I-lamadhan (Ecbatana) e Ispahan. (4) O Império Bizantino. (5) Provincia
a sul do Irao donde deriva a denominacao de <<Pérsia» dada pelos Gregos. (6) Provin-
algum tanto, por fim Rodrigo foi também derrotado e os Muqulmanos fize- cia a sul do Irao confinante com a anterior. (7) Provincia iraniana banhada pelo
ram uma grande matanea nos inimigos. oceano indico.
[E. Lafuente Alcantara. trad. e ed. Ajbar Machmiia (coleccion de
tradiciones). Cro'nica andnima de! Siglo X1, Madrid, 1867, in Colee-
cion de obras ardbigas de Historia y Geografia que publica la Real
Academia de la Histaria, t. II (cit. em Claudio Sanchez Albornoz,
La Erpafia Musulmnna, vol. I, pp. 36-40.] 3.
A RELIGI/TO E A LINGUA COMO
(1) Musa ibn-Nusayr foi o impulsionador da conquista muqulmana no Norte de Africa,
de Cartago a Tanger. (1) Em 709. (3) Califa de Damasco entre 705 e 715. (4) O conde ELEMENTOS AGLUTINADORES
Juliao, figura cuja origem e atribuieoes tém sido muito discutidas. seria possivelmente DO IMPERIO
0 exarca bizantino de Ceuta, liltima possessao do imperador do Oriente em Africa.
(5) Tarifa. (6) Julho de 710. (7) Era 0 govemador muculmano de Tanger. Ignora-se A0 ocupar regi6es tao diferentes e culturalmente ricas como a Pérsia, a Siria
se a sua origem era berbere. se persa. (8) Em 711. (9) O rei visigov-‘I0 Rodfigfl (710-
011 0 Egipto, 0 /lrabe vencedor pouco podia oferecer no plano civilizacional.
A cIvn.IzAc;Ao MUCULMANA 10;
102 rsxros HISTORICOS MEDIEVAIS
Maghreb] nao trazem para as suas aulas quaisquer outros assuntos, como
Possuia uma lingua propria e uma religiao que, sem ser original, se revestia as tradieoes, a jurisprudéncia, a poesia ou a filologia arabica, até o aluno
l
no entanto de caracteristicas inconfundiveis. l estar habil [no Corao]. [...] Consequentemente [os habitantes do Maghreb]
Foram esses dois elementos, a religia'o e a lingua, que permitiram a forma- conhecem a ortografia do Corao e sabem-no de cor, melhor do que qualquer
czio de uma civilizacao <<arabe». outro [grupo mueulmano]. .
A religifio nao era imposta (judeus e cristfios mantiveram sempre a sua O método hispanieo é instruir lendo e escrevendo. Ea isso que pres-
liberdade religiosa). Porém, a situacao privilegiada em que se encontrava tam ateneao ao educar [as criancas]. Todavia, visto que 0 Corao é a base
0 mugulmano, tanto no plano militar (so o crente podia combater) como no e 0 fundamento de tudo isto e a fonte do Islam e de todas as ciéncias, fazem
economico (o nao crente pagava um imposto suplementar), operou numerosas dele o ponto de partida da educacao, mas nao restringem exclusivamente
conversfies. a ele a instnicao das crianeas. Juntam-lhe também [outros assuntos] espe-
Como 0 muculmano devesse conhecer 0 Coriio, pilar de toda a sabedoria, cialmente a poesia e a cornposicao; dao as criancas um profundo conhe-
o seu estudo passou a ser a base exclusiva da educacao islamica. Desta ma- cimento do arabe e ensinam-lhes uma boa caligrafia. [...]
neira se disseminaram nas mesquitas, onde funcionavam as escolas, os prin- O povo de Ifriqiyah combina usualmente a instrucao das crianeas no
cipios religiosas, e juntamente com eles a lingua arabe, necessaria a0 bom Corao com 0 ensino das tradicoes. Ensinam também normas cientificas
entendimento desses principios. basicas e certos problemas cientificos. Todavia preocupam-se mais com dar
Pouco numerosos, os /frabes foram étnica e culturalmente assimilados as erianeas um bom conhecimento do Corao e oferecer-lhes as suas
pelos povos vencidos. Mas foi na lingua arabe que se exprimiu a maior parte varias recensoes e leituras do que com qualquer outra coisa. Em seguida
dos cientistas, pensadores e poetas que souberam fundir e caldear a hete- insistem na caligrafia. Em geral 0 seu método de instrucao pelo Corao
rogeneidade cultural do vasto Império Muculmano. esta mais perto do método hispanico [do que dos métodos do Maghreb
ou dos Orientais], porque a sua [tradicao educativa] deriva dos shaykhs (1)
espanh6is- que fugiram quando os cristaos conquistaram a Espanha e
0 CORAO E A INSTRUCAO pediram hospitalidade em Tunis. De entao para ea eles sao os professores
DA CRIANCA MUCULMANA das crianeas [tunisinas].
Se o Corao foi sempre a base do ensino em todo 0 mundo
O povo do Oriente, tanto quanto sabemos, parece ter um curriculo
muculmano, as disciplinas anexas dele decorrentes variaram misto. [...] Disseram-nos que se preocupa com ensinar o Corao e depois
de acordo com as tradicoes e objectivos locais. 0 historiador 0s trabalhos e normas basicas do ensino [religioso] a medida que [as
ues-‘s’*‘\"'=Iv.~'-i»mum
Ibn Khaldfin (século XIV) distinguiu esses varios regionolismos. crianeas] crescem. Nao combinam [a instrugao pelo Corao] com a aprendi-
mgem daescrita. [...] Aqueles que desejam aprender uma boa ealigrafia
E sabido que 0 ensino do Corao as crianeas é um simbolo do Islam. Os Iém de o fazer mais tarde com [caligrafos] profissionais segundo o grau
Mueulmanos tém e praticam tal ensino em todas as cidades, porque ele do seu interesse e desejo. [...]
imprime nos coraeoes uma firme crenea nos artigos da fé, os quais [deri-
[Ibn Khaldiln, The Muqaddirnah—-An Introduction to History, trad.
vam] dos versos do Corao e de certas tradiqoes proféticas. O Corao tor- inglesa do arabe por Franz Rosenthal, Bollingen Series XLIII, Pan-
nou-se a base da educaeao, o fundamento de todos os habitos que podem theon Books, New York, 1958, vol. 3, pp. 300-302.]
ser adquiridos mais tarde. [...] Os métodos de instruir as criangas no Corao
variam de acordo com as diferenqas de opiniao quanto aos habitos que (0 Shavkh, 0 chefe da tribo.
devem resultar dessa instrueao. O método do Maghreb restringe a edu-
cacao das crlancas a instrueao no Corao e a pratica, no decurso [da ins-
truqfio], na ortografia do Corao e nos seus problemas, assim como as dife-
reneas entre os especialistas do Corao nesse dominio. Os [habitantes do
2
‘L. . -_>'- s
104 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A CIVILIZACAO MUCULMANA 105

0 ENSINO NA MESQUITA DE DAMASCO um dos quatro assentos. Dentro deste colégio ha banho e casa de puri-
(SECULO XIV) ficaeiio para os professores.

Até ao século X o ensino fazia-se exclusivamente nas mes- [Viagens Extensas e Dilatadas do Célebre Arabe Abu-Abdallah mais
quitas. Posteriormente surgiram escolas anexas as mes- Conhecido pelo Nome de Ben-Batutan traduzidas por Jose de Santo
quitas, continuando estas no entanto a ser os grandes cen- .\ Antonio Moura, Lisboa, 1840, t. 1, p. 275.]
it
tros difusores da cultura. O autor do trecho é um marro-
quino do século XIV. - (1) Estas seitas-nacoes (madliabs), cada uma das quais fazia o seu estudo especializado
de jurisprudéncia. eram as seguintes: a dos Hanefitas (lrao Oriental e actual Afganistao);
a dos Malakitas (Norte de Africa e Espanha); a dos Shafi’itas (Siria e Iraque) e a dos
Da roda dos homens exercitados nas diversas espécies de ciéncias os de Haenbalitas (habitantes das grandes cidades).
sa opiniao léem os livros da historia dos ditos e acqoes do profeta sobre
elevadas cadeiras e os leitores do Alcorao léem com lindas vozes de manha
e de tarde. Nela ha multidao de discipulos que aprendem olivro de Deus
(0 Corao); e na verdade 0 léem bem e desembaracadamente. O professor A D1vULGA<;A0 DA LTNGUA ARABE
de escrita, que é diverso do do Alcorao, ensina pelo livro das poesias e'
por diversos outros. Como o menino passa do estudo das ciéncias para A fragmentacao do Império Arabe arrastou consigo o triunfo
dos regionalismos cuiturais, assim como o renascimento de
a escrita, desta maneira é a sua letra famosa porque o mestre para escrita muitas lingua: locais. Nao obstante, vastas regioes is1ami-
nao ensina outra coisa. [...] zadas mantiveram a lingua ardbica. Os comentdrios que se
'5 seguem seio do historiador Ibn Khaldfin (século XIV).
5
[Viagens Extensas e Dilatadas do Célebre Arabe Abu-Abdallah mais 5
Conhecido pelo Nome 'de Ben-Batuta, traduzidas por Jose de Santo [...] O uso da lingua arabe passou a ser um simbolo do Islam e de obedién-
Antonio Moura, Lisboa, 1840, t. I, pp. 91-92].
cia aos Arabes. As naeoes [estrangeiras] evitavam usar os seus préprios
dialectos e linguas em todas as cidades e provincias, tomando-se a lingua
arabe a sua propria lingua. [...]
Quando os nao Arabes, como os Daylami(1) e depois deles os Seldjl'1-
AS ESCOLAS DE BAGDAD 4
eidas no Oriente e os Zanatah (2) e Berberes no Ocidente, se tomaram os
(SECULO XIV) Q

1
senhores e obtiveram a autoridade real e o dominio sobre todo o reino
muculmano, a lingua arabe corrompeu-se. Teria mesmo quase desapa-
recido, se a preocupaeiio dos Muculmanos com o Corao e a Sunnah, que
Os recintos destinados ao ensino ficavam sempre prdximos
da mesquita. As motérias ensinadas distinguiam-se segundo Preservam 0 Islam, nao tivessem também preservado a lingua arabe. Esta
as varios <<ritos» existentes na cidade. Ben-Batuta (século XIV) [Pwocupaeao] tomou-se um elemento a favor da persisténcia dos dialectos
é 0 autor da descrigao que se segue. sedentarios usados nas cidades como arabicos. Mas quando os Tartaros
¢ os Mongois, que nao eram muculmanos, se tomaram os senhores do
[...] Em Bagdad ha quatro seitas (1), cada uma das quais tem seu palacio Oriente, este elemento a favor da lingua arabe desapareceu e ela foi abso-
em que esta a mesquita e o lugar do ensino; e 0 assento do professor em luiamente dominada. Nao ficou traeo dela nas provincias mueulmanas
uma pequena aleova de madeira sobre um escabelo, um tapete por cima, d° Iraque, do Khurasan, da regiao de Fars (3), da lndia Oriental e Ociden-
.-s~¢. ~. -—_ -._a.- _-~4¢i._4a¢~ -4;»
sobre 0 qual_\se assenta o dito professor com gravidade e modéstia, ves- mlr do Transoxania, das regioes do Norte e do territorio bizantino (4).
tido com vestidos pretos, tendo dos seus lados direito e esquerdo dois indi- Sirii-z;-] O dialecto arabe sedentario permaneceu largamente no Egipto, na
viduos adestrados que repetem 0 que ele dita; e assim é a ordem de cada ‘J
1 : "8 Espanha e em Marrocos, porque 0 Islam ainda at persiste e o

i
— — 4.

— A ii--Z-L‘

195 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

exige. [...] Mas nas provincias do Iraque e para oriente nao permaneceu
traeo ou fonte de lingua arabica. Mesmo os livros cientificos comecaram
a ser escritos em lingua nao arabe (5), a qual é também usada para a ms-
trueao nas aulas.

[Ibn Khaldfin, The Muqaddimah — An Introduction to History, b. ASSIMILAQAO E TRANSMISSAO


trad. inglesa do arabe por Franz Rosenthal, Bollingen Series XLIII,
Pantheon Books. New York, 1958, vol. 2, pp. 305 a 307.] DA CULTURA DOS POVOS DOMINADOS

(1) populagio pm-5a_ (2) Tribo marroquina seminomada. (3) Persia meridional
(4) A Anatolia. (5) Em persa. 1.
A OSMOSE ETNICA
E CULTURAL

SAIDOS da instabilidade nomada e portadores de uma religiao como ideia


motriz, de uma lingua e de uma literatura poética como dados culturais, os
Arabes revelaram-se extraordinariamente permeaveis as civilizapaes dos povos
dominados.
Perante a necessidade de dirigir territorios vastissimos de populapfies ha
muito sedentarizados e de instituigfies estabelecidas, o Arabe comecou por
v
aceitar a organizacao ja montada, fazendo-a, naturalmente, funcionar em
seu proveito. A rdpida osmose étnica foi acompanhada a breve trecho pela
osmose institucional. - '
A copia das institui¢6es seguiu-se a assimilagao cultural na sua expressfio
mais larga. Levantando reservas apenas aquilo que pudesse ir contra o espi-
rito da sua religiaa, 0 Muculmano passou a exprimir-se nos domi-
nios da arte e do pensamento, de acordo com a tradicao vigente no local onde
vivia. Assimilando a cultura das grandes civilizapoes. como a persa ou a siriaco-
-bizantina, os Arabes divulgaram-na a todas as regifies que conquistaram e
-a./n-in deram mesmo a conhecer muitos dos seus elementos ao mundo cristfio euro-
P814, onde se estava processando a génese de uma civilizagao por completo
diferente.

\
108 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A CIVILIZACAO MUCULMANA 109
os SABIOS MUCULMANOS laridade e do estudo pela sua posieao de chefia na dinastia abassida e pelas
so POR EXCEPCAO FORAM ARABES 1; tarefas que lhes cabiam no governo. Eram os homens da dinastia, simul-
O historiador Ibn-Khaldlin (I332-I406), um tunisino, pro- taneamente os seus protectores e os executores da sua politica. Além do
curou na sua obra evidenciar a profunda diferenpa existente mais, nessa época, eles consideravam como uma coisa desprezivel ser um
entre 0 drabe do deserto e 0 muculmano das regi6es seden- escolar, porque 0 ensino é um oficio e os chefespoliticos sao sempre desde-
tarizadas, detentor de maior cultura. nhosos dos oficios e profissoes e de tudo 0- que a eles conduz. [...]
E digno de nota 0 facto de, com poucas excepeoes, a maioria dos sabios
[Ibn _Khald|fm, The Muqaddimah—An Introduction to History,
muculmanos, tanto nas ciéncias religiosas como nas intelectuais, nao terem trad. mglesa. do arabe por Franz Rosenthal, Bollingen Series XLII1,
sido arabes. Quando um sabio é de origem arabe, nao é arabe de lingua- Pantheon Books, New York, 1958, vol. 3, pp. 311 a 315.]
gem e criacao e nao teve professores arabes. Isto é assim, a despeito de 0
(1) As tradicoes e costumes de acordo com as quais actua a comunidade muculmana.
Islam ser uma religiao arabica e 0 seu fundador ter sido um arabe. (Z) Harun al-Rashid, califa de Bagdad entre 786 e 809. (3) Eram todos muculmanos
A razao deste facto foi 0 Islam nao ter tido de inicio ciéncias, nem indus- persas. (4) Registo escrito dos ditos e accées do Profeta e, num sentido mais genérico,
trias, 0 que era devido as condiqoes simples da vida no deserto. As leis de alguns dos seus companheiros e suoessores.
religiosas, que eram os mandamentos e proibicoes de Deus, estavam ins-
critas no coraeao das autoridades. Conheciam as suas fontes, 0 Corao
e os Sunnah (1), por informacao que tinham recebido direetamente do pro-
0 SAQUE E os IMPOSTOS COMO OBJECTIVO
Iil i tli lc n
prio Legislador e dos homens que o rodeavam. A populaeao nessa altura
era arabe. Nao sabia nada acerca da instrucao cientifica, da escrita DA CONQUISTA ARABE
de livros ou de trabalhos sistematicos. Nao havia incentivos ou necessida-
Ibn-Khaldfin (século XIV) sempre pouco indulgente para com
de para isso. Esta era a situaeao na época dos homens que rodeavam Muham- os Arabes, aponta como sua preocupapao dominante a pilha-
mad e dos homens da segunda geracao. [...] gem e cobranpa de impostos nas terras dominadas. Esta
No decorrer do reinado de al-Rashid (Z), a tradicao [oral] estava ja muito caracterirtica radicar-se-ia na quase total auséncia de estru-
distante. Foi necessario escrever comentarios ao Corao e fixar por escrito turas de civilizapao nas tribos nomadas. A
as tradicoes, porque se temia que elas se perdessem. [...] Além do mais, a lin-
gua [arabica] estava a corromper-se e era necessario estabelecer regras
[...] E da natureza [do Arabe] pilhar tudo o que os outros povos possuem.
Encontra a subsisténcia onde quer que caia a sombra das suas lancas.
gramaticais. (
Nao reconhece limites a apropriacao dos bens dos outros povos. Sempre
Os fundadores da gramatica foram Sibawayh e depois dele al-Farisi
e az-Zajjaj. Nenhum deles era de ascendéncia arabe (3). [...]
que os seus olhos poisam sobre qualquer propriedade, mével ou utensilio, (
apodera-se deles. Quando adquire supremacia e autoridade real, fica com
Muitos dos doutores dos hadiths (4) que preservaram as tradicoes para 1
poder absoluto para saquear; deixa de existir qualquer forca politica que
os muculmanos, também nao eram arabes, mas persas, ou persas na lin- '(
proteja a propriedade e a civilizacao é arruinada. [...]
gua ou educaeao, porque a disciplina era profundamente cultivada no Ira-
que e nas regioes vizinhas. Também todos os doutores que trabalharam De forma geral [os Arabes] nao se importam com leis. Nao impedem as <
pessoas de cometer delitos, nem as protegem umas contra as outras; preo-
na ciéncia dos principios da jurisprudéncia nao eram arabes, mas persas,
Cllpam-se apenas com a propriedade que lhes podem tirar pelo saque e
'1
como é bem sabido. O mesmo se aplica aos teologos especulativos e a maio- ‘l
ria dos comentadores do Corao. Pclos impostos. [...]
[...] Os eirabes que entraram em contacto com esta florescente cultura ~<
[Ibn Khaldiin, The Muqaa'dimah—An Introduction to History, <( i
sedentaria e trocaram por ela a sua atitude beduina eram afastados da esco- trad. inglesa do arabe por Franz Rosenthal, Bollingen Series XLIII,
Pantheon Books, New York, 1958. vol. 1, pp. 303 e 304.]
<<
<<
no TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A CIVILIZACAO MUCULMANA 11|

O PLANO DA CIDADE DE BAGDAD


A MESQUITA DE DAMASCO (705) F01 EDIFICADA
POR ARTIFICES BIZANTINOS Tendo 0 califa Al-Mansur (754-775) compreendido a neces-
sidade de edificar uma capital para a nova dinastia abas-
Tendo nascido nu Siria, as primeiras manifestacfies artis- sida, escolheu, emAAgosto de 762, 0 sitio onde veio a surgir
ticas muculmanas foram naturalmente influenciadas pela Bagdad. Com engenheiros e arquitectos sirios e persas a
tradicao bizantina. A mesquita de Damasco, assim como'a cidade foi delineada segundo plano circular e erigida
mesquita de Omar anteriormente construida em_ Jerusalem entre 762 e 767.
(691), imitou, tanto no plano como na decoracao, as basi-
licas cristas orientais. A <<memdria» aqui transcrita pertence
ao marroquino Ben-Batuta (século XIV) que viajou por todo A cidade tinha quatro portas. [...] Cada uma delas formada por duas grades,
0 mundo mugulmano. uma em frente da outra, separadas por uma passagem e uma porta abrindo
para 0 fasil(1) entre as duas muralhas; a primeira grade era a do fasil a
MEMORIA SOBRE A MESQUITA DE DAMASCO, segunda, a da cidade. [...] As quatro portas foram construidas segundo o
CONHECIDA PELA MESQUITA DE BANI-OMMIA mesmo modelo. [...] A segunda porta, que era a da cidade [...] dava acesso a
E ela a maior das mesquitas do mundo, a mais firme na construcao, a mais uma passagem oblonga abobadada com tijolos [...]; acontecia 0 mesmo com
admiravel na beleza e a mais completa na formosura, de maneira que nao as outras portas. Por cima do quarto abobadado de cada porta estava uma
se sabe haver igual a ela, nem se lhe acha semelhante. Foi 0 que presidiu sala de audiéncia com uma escada encostada a muralha, por meio da qual
a sua edificacao e firme construcao o principe dos erentes Alualid (1), filho se subia para ela. Estas salas de audiéncia estavam cobertas por uma grande
de Abde1malek(1), filho de Maruan (3), o qual se dirigiu ao rei dos Gre- cupula dourada com 50 c6vados (2) de altura. Cada ciipula era encimada
gos em Constantinopla (4) ordenando-lhe que lhe mandasse os oficiais, por uma figura que girava‘ com o vento.
o qual lhe enviou doze mil. [...] As paredes desta mesquita estao todas com [...] Entra-se pelo segundo corredor para um patio quadrado de 20 cova-
pastas de ouro, conhecidas pelo nome de Alfocaiafaca, misturadas entre dos de lado. [...] Para a direita fica a estrada que eonduz ao pateo corres-
espécies de cores de rara beleza. A medida da dita mesquita no seu compri- pondente a porta de Damasco, estrada essa que se encurva em seguida para
mento de nascente a poente é de duzentos passos, que sao trezentos cova- a porta de Kufa e depois para a porta de Basra. Estas portas sao todas
dos, e a sua largura de sul a norte, de cento e trinta e cinco passos, que sao lguais. Para o fasil abrem-se as portas de certas ruas e em frente de uma
duzentos covados. Os niimeros de imagens de sol com vidros de diversas
delas fica a Pequena Arcada [...], pela qual se passa para a area circular
cores que ha nela sao setenta e quatro. As suas naves sao trés no C01’1'1pl'1- onde estao o palacio e a mesquita.
mento de leste a oeste, sendo a largura de cada uma delas de dcZ01l° P355“-
[Al-Khatib al Baghdadi, Ta‘rikh Baghdad, vol. I, pp. ll a 15, Cairo
sustentadas sobre cinquenta e quatro colunas e oito pedestals de gesso que 1931 , cit . emK . A . C . Crcswell, A short account of early Muslim
estao metidos de permeio entre elas e mais seis de marmore com embut|- Architecture, Penguin Books, 1958, pp. 164, 165 e 168.]
dos de outros marmores de diversas cores, em que se representam figur8$
de mihrabs(5) e outras. [...]
(0 E-some entre duas palifidas ou muralhas. (1) o cbvado equivale a 0,10 tn.
- - .1 .1 c'! b A be Abu-Abdallah mais
[C"iii.|iZ.'?do£;blb|Sa1$o:teDd¢lza‘EegfBaiiua,egaguzildtas por José de San"!
i Antonio Moura, Lisboa, 134°, 1- 1, PP- 32 3 34-1

(1) A1-Walid, califa de Damasco entre vos e 115. (1) Abd-=11-M="1< (§35'7°5)» °°f‘(‘;';;:
nado ((0 pa,i_dc reis» por lhe terem sucedido quatro dos seus filhos. ( ) Marwann 685-
.635), O fundagor <10 “mo marwanida da dinastia omiada. (4') Justtnlano (Ha
-695 e vos-111). (5) 0 mihrab e um nicho na parede <11 m=Sq“'“* q“° ‘“d'°“‘ “ ‘I’ '
ou direccao para a qual se deve voltar o crente quando "BIB-
i la

<1
1 12 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A CIVILIZACAO MUCULMANA I13 to
A INFLUENCIA PERSA Contam-se nesta mesquita cento e treze candelabros destinados a ilu-
in
NA ARQUITECTURA ABASSIDA minaeao. O maior destes candelabros suporta mil lampadas, e 0 menor,
{Joni 0 caltfado de Bagdad 'a influéncia persa sobrepas-se
doze.
a bizantina. As construcoes passaram a uttlizar o material O vigamento superior deste edificio compoe-se de pecas de madeira
tradiczonal na regtao, '0 tqolo. e a adoptar os principios fixadas por meio de pregos nas traves do tecto. Estas madeiras provém
da arquitectura sassamda. dos enormes pinheiros dc Tarso. [...] Entre uma trave e outra existe um inter-
valo igual a espessura de uma viga. O vigamento de que falo é inteiramente
Abu Jafar al-Mansur (1) estabeleceu a principal mesquita [...] em contacto
com o seu palacio [...]; construiu-a com l1_]O10S secos ao sol e argila [...]; as liso e revestido de diversos ornamentos hexagonais ou entrecruzados. [...]
Nao sao semelhantes uns aos outros, mas cada vigamento forma um todo
dimensoes do palaeio dc a1-Mansur eram de 400 cévados (2) por 400 e as
da mesquita, dc 200 por 200; e as colunas de madeira da mesquita eram
I
completo em relaeao aos ornamentos que sao do melhor gosto e tém as
formadas por duas pecas. [...] A grande mesquita permaneceu no mesmo
mais brilhantes das cores. Neles se empregaram com efeito o vermelho
estado até ao tempo de Harun al-Rashid (3). Harun ordenou a sua demo- de cinabre, 0 vermelho-alaranjado, 0 branco de alvaiade, o lapis-lazuli,
lieao e reconstruqao com tijolos cozidos no forno e gesso. Assim foi feito o verde de azebre, o negro de antimonio; o todo alegra a vista por causa
e inscreveu-se nela 0 nome de Harun al-Rashid, mencionando [...] o nome da pureza dos desenhos, da variedade e da feliz combinacao das cores. [...]
do arquitecto, do carpinteiro e a data; esta inscricao ainda pode ser vista Cada coluna ergue-se sobre um pedestal de marmore e é encimada por
um capitel do mesmo material.
nos dias de hoje, no muro exterior da mesquita, do lado que fica perto
da porta de Khurasan. Os intercoliinios consistem em arcos de abobada de um estilo admiravel
1 sobre os quais se erguem outros arcos assentando sobre pedras de cantaria
.1
[Al-Khatib al Baghdadi, Ta’rikh Baghdad, vol. 1, pp. 59 a 61, cit. muito duras; a totalidade é recoberta por cal e gesso e disposta em com-
em K. A. C. Creswell, A short account of early Muslim Architecture,
Penguin Books, 1958, pp. 179 e 180.] partimentos redondos e em relevo executados em mosaicos de cor ver-
melha. Por baixo (e no interior) dos arcos de abébada estao enquadra-
(1) O segundo califa da dinastia abassida. Reinou de 754 a 775. (1) O cévado equi-
mentoside madeira contendo (inscritos) diversos versiculos do Corfio.
vale a 0,70 m. (3) Califa de 786 a 809.
A kibla (2) desta mesquita é de uma beleza e de uma elegancia impossiveis
de descrever e de uma solidez que ultrapassa tudo 0 que a inteligéncia huma-
A MESQUITA DE CORDOVA na pode eonceber de mais perfeito. Esta inteiramente coberta de esmaltes
Iniciada pelo emir Abd-ar-Rahman I em 785, a mesquita dourados e coloridos enviados em grande parte pelo imperador dc Cons-
sofreu varios acrescentamentos e modificayfies ate’ finais tantinopla (3) e Abderrahman Nassr-eddin-Allah, o Omiada (4).
do século X. Os seus elementos estruturais e decoragao reve- Desse lado, quero dizer, do lado do santuario do mihrab, ha sete arcadas
lam influéncia sirio-bizantina, o que se explica pela pre- sustentadas por colunas: cada uma destas arcadas faz-se notar por uma
senca
, em Espanha _ _de muitos sirios, vindos 'com 0 PrinciP e delicadeza de ornamentos superior a tudo o que a arte dos Gregos e dol
omrada. A descncao que se segue é do celebre geografo
Idrisi (século XII), Mueulmanos produziu neste género de mais perfeito.

O comprimento deste edificio é de 100 toesas (1), e a sua largura, de 80. [Géographie D'Edrisi. traduite de l‘arabe en francais par P. Améddl
Metade esta coberta por um tecto, a outra é aberta. O niimero de naves Jaubert, t. n, Pans, 1840, pp. 58 a 61.]
cobertas é de 19. Véem-se ai colunas (quero dizer pilares tendo cada 0) A toesa equivalia a 1,949 tn. (1) Local que indica a direccao para onde on
um d¢1¢$ _11m arco que se estende de uma coluna a outra que lhe fica em Crentes se devem virar -em oraqao. (3) Constantino VII Porfirogeneta (913-959).
frente), grandes e pequenas. Compreendendo as que sustentam a grande ('1 Abd-ar-Rahman III, emir de Cordova de 912 a 929 e califa desde essa data até 961.
ciipula, sao em niimero de 1000.
"-m.-3
L“. -. . . . . “.
114 rrzxros HISTORICOS MEDIEVAIS A CIVILIZACAO MUCULMANA 115

2. sossego sao mais pronunciadas no sarampo do que nas bexigas, enquanto


AS CONTRIBUICOES DO PENSAMENTO as dores nas costas sao maiores nas bexigas do que no sarampo.
CIENTIFICO, LITERARIO E FILOSOFICO [Al-Razi, Sobre as Bexigas e o Sarampo. cit. em The Legacy of Islam,
pp. 323 e 324, ed. por Thomas Arnold e Alfred Guillaume, Oxford
University Press, 7.‘ ed., Londres, 1952.]
PODEMOS considerar como contribuicfies originais do pensamento mucul-
mano todas as que foram criadas por individuos de origem drabe ou arabi-
zados dentro dos limites dos estados islamicos. Essas contribuicfies foram
SOBRE A EXISTENCIA DO CONTAGIO
riquissimas, tanto no dominio das ciéncias como no das letras e filosofia.
N0 primeiro campo temos a apontar estudos desenvolvidos de medicina, A <<peste negra» proporcionou a alguns fisicos muculmanos
astronomia (muitas vezes sob a forma de astrologia), matemdticas, alquimia, a elaboracao de teorias sobre o contagio, teorias estas ver-
botanica, com todas as suas aplicacfies na farmacopeia e geografia. No domi- dadciramente precursoras, na medida em que as epidemias
nio das letras, onde os aspectos formais sobrelevaram os proprios contetidos. ainda eram consideradas por quase todos como castigos divi-
encontramos especial incidéncia na poesia, na literatura de viagens e nas nos. Ibn al-Khatib de Granada (1313-I374) faz as seguintes
afirmapaes:
antologias de contos e fabulas. Historiadores, teologos e filosofos (o contacto
com os centros de cultura sirios e egipcios tornou-os os melhores transmis- Para aqueles que dizem: <<Como poderemos nos admitir a possibilidade
sores das ideias aristotélicas e neoplatonicas) os pensadores muculmanos da infeceao, quando a lei religiosa a nega», replicamos que a existéneia
marcaram uma posigao de relevo tanto no mundo arabe como no judaico- do contagio é estabelecida pelaexperiéncia, a investigaeao, a evidéncia dos
-cristao, que grandemente injluenciaram. sentidos e os relatos dignos de fé. Estes factos constituem um argumento
valido. O fenémeno do contagio torna-se claro para o investigador que
verifica como aquele que entra em contacto com os enfermos apanha a
doenea, enquanto o que nao esta em contacto permanece sao, e como ‘a
O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA MUCUL— transmissao se efectua através do vestuario, vasilhame e atavios.
MANA: EXEMPLO DE UM DIAGNOSTICO
[Cit. em Philip K. Hitti, History of The Arabs, 8.‘ ed., Londres, 1964,
p. 576.]
0 muculmano persa al-Razi (c. 865-925) foi um dos maiores
médicos do Islam. Escreveu mais de cem obras sobre medi-
cina, sendo a mais famosa um tratado acerca das bexigas
e do sarampo, onde estas doencas sao pela primeira vez ana-
A LENDA DO MAR TENEBROSO
lisadas e descritas com verdadeiro espirito cienttfico.
Idrisi (1100-1166) deu-nos na sua obra uma compilacfio
A eclosao das bexigas é precedida por febres prolongadas, dores nas costas, dos mais importantes conhecimentos geograficos legados
comichao no nariz e tremuras durante o sono. Os principais sintomas do pela Antiguidade e obtidos pelos seus contemporaneos.
sua presenea sao: dores nas costas com febre, picadas em todo o corpo. Entre esses conhecimentos incluem-se algumas lendas de
congestao da face, por vezes contraceoes, forte vermelhidao nas faces 6 que a tradicao portuguesa se apropriou.
olhos, uma sensaeao de opressao no corpo, fogagem na pele, dores no
A primeira parte do terceiro clima (1) comeca no oceano tenebroso que banha
garganta e -‘peito acompanhadas por dificuldades dc respiracio e tosse.
3 parte ocidental do globo terrestre. Do niimero de ilhas deste oceano faz
securas da boca, salivacao espessa, rouquidao de voz, dores e peso na cabe<;11.
Pam? Ii dc Sara, situada perto do mar Tenebroso. Conta-se que Dhou’l
excitacao, ansiedade, nausea e desassossego. Excitaeao, nausea e desa5-
1 16 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS CIVILIZACAO MUCULMANA

Carnain ai abordou antes que as trevas tivessem coberto a superficie do Saiida o Palacio das Varandas, da parte de um donzel
mar, ai passou uma noite e que os habitantes dessa ilha assaltaram os que sente a perpétua nostalgia daquele alcacer.
seus companheiros de viagem a pedrada e feriram varios. Ha uma outra
Ali moravam guerreiros como leoes e brancas gazelas,
ilha, que se chama Saa’li, cujos habitantes se parecem mais com mulheres
e em que belas selvas e em que belos covis!
do que com homens; os dentes saem-lhes da boca, os olhos brilham como
relampagos e as pernas tém a aparéncia de madeira queimada; falam uma Quantas noites passei divertindo-me a sua sombra
linguagem ininteligivel e dao caca aos monstros marinhos. [...] No mesmo com mulheres de ancas opulentas e talhe delicado:
mar eneontra-se a ilha de Calhan, cujos habitantes tém forma humana.
mas cabeeas de animais. [...] Outra ilha do mesmo mar chama-se a ilha dos brancas e morenas faziam na minha alma o efeito
dois irmaos magicos Cheram e Cheram. Esta situada em frente do porto das espadas refulgentes e das lanqas escuras!
de Aeafim. [. . .] Recolheram-se pormenores curiosos relativamente a esta ilha,
da boca dos Maghrourin (2), viajantes da cidade de Achbouna(3), em Espa- Quantas noites passei deliciosamente num recanto
nha, quando 0 porto de Acafim recebeu este nome por causa deles. [...] do rio com uma donzela cuja pulseira emulava
Segundo o que nos ensina Ptolomeu de Pelusa, 0 mar Tenebroso encerra a curva da corrente!
vinte e sete mil ilhas povoadas e nao povoadas. [...] Passava-se o tempo escanceando-me o vinho do
[Géographie D’Edrisi, traduite de 1'arabe en francais par P. Amédée seu olhar, e outras vezes o do seu corpo e outras o da sua boca. llllll
Jaubert, Paris, 1836, t. 1, pp. 197 a 202.]
As cordas do seu alaiide feridas pelo plectro
(1) Idnsi gravou para Rogério II, rei da Sicilia, um planisfério de prata em que a Tena faziam-me estremecer, como se ouvisse a melodia
aparece dividida em sete climas paralelos. Para compreensao do planisfério, redigiu a das espadas nos tendoes do pescoeo inimigo.
sua obra geografiea de acordo com os mesmos sete climas, cada um deles subdividido
cm dez seeeoes. (1) O termo significa aaventureiros». Idrisi parece referir-se a uma A0 tirar o manto descobria o seu talhe,
tradicao entao existente de marinheiros que, deixando Lisboa, demandaram a costa
florescente ramo de salgueiro, assim como
atlantica marroquina. (3) 1..isboa.
se abre 0 capulho para mostrar a flor.

[Emilio Garcia Gomez, Poemas Arabigo andaluces, col. Austral.,


A POESIA NO OCIDENTE PENINSULAR n.° 162, 3.- ed., 1945, pp. 11 = 1s. 1
(SECULO X1) ill
A poesia muculmana teve na Peninsula Ibérica muitos e
distintos cultores. _Durante 0 periodo dos reinos _de taifas 1

cada pequena corte era um alfobre de poetas oriundos de A CIENCIA DA JURISPRUDENCIA


todas as camadas sociais. Mutamid rei de Sevilha (1068-
-1091), que em principe governara 0 Algarve, for o melhor A jurisprudéncia era, para os pensadores muculmanos, a
exemplo deste floresczmento ltrico. Dele transcrevemos o
-vu » =n.-A
E ciéncia que tinha por fim esclarecer as leis dadas pelo Pro-
poema que se segue. 1
feta, tanto no plano teorico como nas suas aplicayoes pra-
ticas. Al-Farabi, autor do texto aqui transcrito, foi um fila-
EVOCACAO DE SILVES sofo e pensador persa do século X.
~

Eia, Abu Bakr, sauda os meus lares em Silves A 1"!’isprudéncia é a arte que possibilita ao homem inferir a determinacao
e pergunta-lhes se, como penso, ainda se lembram de rnim. do q\1¢ quer que nao tiver sido explicitamente especificado pelo Legis1ador(1),
___.
_ .-_ 3

A CIVILIZACAO M UCULMANA [[9


1 18 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

tomando por base aquelas coisas que foram explicitamente especificadas O sentido profundo da historia, por outro lado, envolve especulacao
e determinadas por ele; e esforear-se por inferir correctamente, tomando e uma tentativa de alcanear a verdadeira e subtil explicacao das causas
em linha de conta a finalidade do Legislador com a religiao que ele legis- e origens das coisas existentes e um conhecimento profundo do como e do
lou para a nacao a quem deu essa religiao. Exemplos de opinioes sao as porqué dos eventos. Por isso [a historia] esta firmemente enraizada na
filosofia. Merece ser considerada um ramo [da filosofia].
legisladas acerca de Deus (louvado seja Ele) e os Seus atributos, acerca
do mundo e assim por diante. Exemplos dc aceoes sao aquelas pelas quais
[Ibn-Khaldiin, 771: Muqaddimah—An Introduction to History, trad.
Deus (Todo-Poderoso e Soberano) é exaltado e aquelas por meio das quais inglesa do arabe pot‘ Franz Rosenthal,"1-m. Bollingen Series XLIII,
as transaccoes se realizam nas cidades. Por esta razao, a ciéncia da juris- Pantheon Books, New York, 1958, vol. 1, p. 6.]
prudéncia tem duas partes, uma parte respeitando as opinioes e outra
as aceoes.
A EDUCACAO DE AVICENA
[Abu Nasr Muhammad al-Farabi, The Enumeration of the Sciences,
cap. v, in Ralph Lerner and Muhsin Mahdi, Medieval Political Philo- Avicena (980-I037) alcancou desde muito -novo um saber
sophy, The Free Press of Glencoe, Collier-MacMil1an Limited,
Canada, 1963, p. 27.] enciclopédico que registou numa obra vastissima. A medi-
cina, a filosofia, a astronomia, as matematicas, a teologia,
(1) Muhammad. a filologia e a arte foram temas focados por este pensador
excepcional. Do seu aprendizado nos dd conta num texto
que revela quais poderiam ser os interesses de um jovem
muculmano culto do século XI.
A FINALIDADE DA 1-IISTORIA Chegou entao a Bukhara (1) um homem chamado Abu’ Abd Allah al-
Ibn-Kltaldfin (1332-I406) foi 0 maior filosofo do Historia -Natili que dizia ser um filésofo; o meu pai convidou-0 a vir para nossa
produzido pelo Islam. Na sua obra Muqaddimah, introdu- casa, esperando que cu pudesse aprender qualquer coisa com ele. Antes
can a um livro sobre as /frabes, Persas e Berberes que segui- da sua chegada ja me tinha ocupado com a jurisprudéncia muculmana. [...]
damente escreveu, esboca uma teoria sobre a natureza e Comecei entao a ler o Isagoge (1) com al-Natili: quando me meneionou
a finalidade da Historia, da qual transcrevemos alguntas andefinicao de genus como‘ um termo aplicado a um nitmero de coisas de
consideracfies.
diferentes espécies em resposta a pergunta <<Que é isto?», apliquei-me
Cm verificar esta definieao de uma maneira como ele nunca tinha ouvido.
A Histéria é uma disciplina largamente cultivada entre as naeoes e as raeas.
Ele admirou-se muitissimo comigo e preveniu 0 meu pai de que eu nao me
E avidamente procurada. O homem da rua, o povo vulgar, aspiram a
deveria enttegar a nenhuma outra ocupacao salvo o estudo. [...] Dai por
conhecé-la. Os reis e os chefes disputam-na.
diante pus-me a ler textos por mim; estudei os comentarios até ter por
Tanto os doutos como os ignorantes sao capazes de a compreender,
°°mpleto dominado a ciéncia da Logica. Da mesma maneira em relacao
porque a superficie a histdria nao é mais do que a informaeao acerca de
3 Euclides; li com ele as primeiras cinco ou seis figuras e em seguida tomei
aeontecimentos politicos, dinastias e ocorréncias do passado remoto.
POI minha propria conta resolver todo 0 resto do livro. Em seguida passei
elegantemente apresentadas e temperadas com provérbios. Serve para
para 0 Almagesto(3). [...] ,
entreter grandes assembleias e traz-nos uma eompreensao dos negocios
humanos; [mostra] como a mudanea de certas condiqoes afectou [os nega- as(:é“Pci-me entao em dominar os varios itextos e comentarios sobre
do sa3;311.3$E1‘18.t1.ll'3l.S e as metafisicas até se abrlrem para mim todas as portas
cios humanos], como certas dinastias vieram ocupar um lugar cada V61
OS livro; m seguida dCS6_]C1 estudar medtcina e empreendi a leitura de todos
mais importante no mundo e como dominaram a terra até ouvirem o char
que tinham sido escritos sobre esse assunto. A medicma nao e
mamento e 0 seu tempo ter terminado.
_,l—L

120 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

uma ciéneia difieil e naturalmente em muito pouco tempo me distingui


nela, de maneira que fisicos qualificados comecaram a ler medicina comigo.
Comecei também a tratar doentes e os métodos de tratamento derivados
da experiéncia pratica revelaram-se de tal maneira que desafiam a descri-
cao. Continuava entretanto a estudar e discutir leis, tendo entao 16 anos
de idade. CAPITULO IV -— A IGREJA CATOLICA
E OS CAROLINGIOS
[Avicenna on Theology, trad. de Arthur J. Arberry, London, 1951.
<<The Wisdom of the East Series», pp. 9-10, in Joseph H. Dahmus,
A History of Medieval Civilization, The Odyssey Press, New York,
1964, p. 225.]

(1) Cidade natal de Avicena, no Turquestao. (1) Obra do filosofo neoplatonico Por-
firio (233-304). (3) Tratado dc geografia e astronomia de Claudio Ptoiomeu (século 11).
O sistema geocéntrico nele defendido so foi invalidado no século XVI pela teoria de Co-
pérnico.

ARISTOTELES VISTO POR AVERROIS

Averrois (1126-1198), nascido em Cordova, foi 0 maior


pensador do Ocidente muculmano. De conhecimentos muito
vastos e heterogéneos, foi encarregado de escrever um comen-
tario sobre Aristoteles pelo propria califa de Cordova.
Esta obra que 0 ocupou de I169 a 1195 veio a exercer uma
influéncia decisiva no pensamento medieval cristao e judaico.

Aristoteles foi 0 mais sabio dos gregos; instituiu e completou a logica, a


fisica e a metafisica. Digo que instituiu estas ciéncias porque todos os tra-
balhos anteriores a ele sobre estes assuntos nao merecem ser mencionados
e foram completamente eclipsados pelos seus escritos. Digo que ele pos
os iiltimos retoques nestas ciéncias, porque nenhum dos que lhe sucederam
até a nossa época, a saber, durante perto de quinhentos anos, foi capaz
de acrescentar nada aos seus escritos ou de neles encontrar qualquer erro
de importancia. Que tudo isto possa ser reunido num so homem 6 uma
coisa estranha e milagrosa, merecendo este ente privilegiado ser consi-
vhiflil fi-at$lfl'ia
derado divino de preferéncia a humano. 1
i
_. [Robinson’s Readings, p. 456, in Joseph H. Dahmus, A History 0/
Civilization, The Odyssey Press, New York, 1964, p. 227].
— 1
‘li
L I i

1
1
1
a. A IGREJA NOS QUADROS
DO IMPERIO ROMANO 1
1
1
P

1. I.
O BISPO DE ROMA CONQUISTOU
A CHEFIA
DA IGREJA CATOLICA

TORNAR-SE o chefe incontestado da Igreja Catolica nao foi tarefa facil


para o bispo da cidade de Roma. Quer no plano religioso, quer no politico,
muitas dificuldades se lhe ergueram.
Os sucessivos invasores do Império Romano do Ocidente tinham trazido
1
consigo a ameaca de um retorno ao paganismo ou quica da radicacao de uma
atitude religiosa herética (0 arianismo). 0 Império do Oriente, poupado aos
invasores, germanos, nem por isso deixou de ser campo de profundas dissen-
soes religiosas, para as quais nao raro se exigiu a atitude conciliatoria de
Roma.
Evangelizar 0 Ocidente e defender a ortodoxia catolica face a pressao
do Oriente eram ja de si missoes espinhosas. Dificuldades de ordem politica
tomaram, nao obstante, ainda mais ardua a luta do bispo romano pelo pri-
mado espiritual. A submissao teorica do territorio italiano a Constantinopla
e a incapacidade pratica de esta 0 defender, ou mesmo administrar, criaram
para a Santa Se’ uma situacao delicada, a breve trecho tornado insus-
lentdvel.
124 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
OS CAROLINGIOS 125
VALENTINIANO III ESTABELECEU
pela presenca do Império e do Senado e gozando de iguais privilégios aos
A PRIMAZIA DO PAPADO (445)
da antiquissima Roma soberana deveria igualmente receber idéntica cate-
Numa Italia devastada pelas invasfies, a importancia poli- goria nos assuntos eclesiasticos, sendo apreciada, estimada e ocupando
tica de Roma cresceu de novo mercé do seu significado reli- o segundo lugar depois dela.
gioso. Quando todas as instituicfies desabaram, a organi- Por isso decretamos que os metropolitas, mas apenas os metropo-
zacao eclesiastica permaneceu. Centro da Igreja,’ Roma e litas das dioceses (2) do Ponto, Asia e Tracia juntamente com os bispos
0 papa constituiram uma forga que ao proprto imperador
daquelas dioceses que ficam entre os barbaros sejam ordenados pela ja
convinha reconhecer. Neste sentido Valentiniano III publi-
cou um edicto (445), de que se transcreve o que se segue. eitada sede da santissima igreja de Constantinopla. Que cada metropo-
lita destas dioceses ordene os bispos da sua provincia como foi decla-
Estamos eonvencidos de que a {mica defesa para nos e para 0 nosso Império rado pelos divinos canones; mas que, como aeima foi dito, os metropoli-
é o favor da Divindade Celestial: e a fim de merecer esse favor, a nossa tas das citadas dioceses sejam ordenados pelo arcebispo dc Constanti-
primeira preocupacao é apoiar a fé crista e a sua veneravel religiao. Por- nopla depois de se terem realizado as devidas eleicoes segundo 0 costume
tanto, visto que o primado da Sé Apostolica é assegurado pelo mérito dc e de lhe terem sido comunicadas.
S. Pedro, o primeiro dos bispos, pela posicao da cidade de Roma e também.
pela autoridade do sagrado Sinodo, que ninguém tente empreender alguma [J. D. Mansi, Sacrorum Cortciliorum nova et amplissima collectio,
t. vu, Florentiae, 1762, col. 370.]
coisa em contrario a autoridade daquela Sé. Porque a paz das igrejas so
sera preservada em todos os lugares quando universalmente reconhece- (') Os participantes do Concilio de Constantinopla (381). (1) Uma diocese era entao
llm agrupamentc de provincias. Posteriormente esta hierarquia foi invertida.
rem 0 seu dirigente. [...] O que quer que a autoridade da Sé Apostolica
tenha decretado ou venha a decretar, seja considerado lei para todos. [...] li li lnlcuna
' ' ‘ ' '1I1, L , . XI, in J. P. Migne, Patrologiae s. LEAO MAGNO DEFENDEU I

[C€i‘i[:frlisrir“l6£b(:n;ill;ii1:f"Si:z1ii‘es I..atiiia,ctF., LIV, Paris, 1881, cols. 637, 638.] A AUTORIDADE DA SANTA sE (452) V.

(
Nesta epistola dirigida ao imperador do Oriente Marciano
ROMA E CONSTANTINOPLA: (450-457), S. Leao Magno condenou o canone 28 do Conci- I

A HIERARQUIA ECLESIASTICA Iio de Calcedonia, afirmando assim 0 poder du Santa Sé


\
para rejeitar as decisoes dos concilios. Se a autoridade tea’-
No Concilio de Calcedonia (451) a autoridade da Igreja rica de Roma se manteve intacta depois deste episodio, 1
de Constantinopla foi ampliada, de forma a dar-lhe a chefia na pratica a tendéncia centrifuga do Oriente tomou-se cada
incontestada da jurisdieao eclesiasttca no Oriente. vez mais nitida. (

Que H cidade de Constantinopla tenha, como desejamos, a sua gloria, e (


Canone 28—Seguindo em tudo as decisoes dos santos Padres e com o conhe- Possa ela, sob a proteccfio da mao direita de Deus, gozar por muito tempo (
cimento do canone que acabou justamente de ser lido dos 150 bispos(1)-
° 80‘/Brno da vossa cleméncia. Todavia o fundamento das coisas seculares 1
amantissimos de Deus, nos também determinamos e decretamos os pr1vl-
e - I ‘ * ' S 6 ""1 ¢ 0 das coisas divinas outro, nao podendo haver edificio seguro
legios da santissima Igreja de Constantinopla ou Nova Roma. Porque~0 Salvo o que assenta naquela pedra que 0 Senhor deixou como alicerce. (1
Padres concederam privilégios, com toda a razao, ao S0110 da Roma Antlgfl
Aq"°1¢ que cobica 0 que lhe nao é devido perde 0 que é dc sua propria (
por aquela cidade imperar, e os 150 biSP°5 dc Deus amam‘55'm°$. m°)"'
pF"°"¢il- Que seja bastante para 0 aeima mencionado (1) 0 facto de, pela (1
dos pelas mesmas consideracoes, concederam iguais privilegios ao santfija
3111011 da vossa piedade e 0 meu consenso favoravel, ter obtido o bispado
simo solio da Nova Roma, pensando com razao que a cidade honra (
° ""18 tao grande cidade. Que ele nao desdenhe de uma cidade real que
(.

<1
OS CAROLlNGIOS 127
lZ6 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

2.
nao pode transformar numa sé apostolica; e que de maneira alguma espere
ser capaz de subir prejudicando os outros. Porque os privilégios das igre- A IGREJA, ORGANIZANDO-SE COMO UM
jas, instituidos pelos cénones dos santos Padres e fixados pelos decretos ESTADO, SUPRIU A AUTORIDADE CIVIL
do Sinodo de Niceia (1), nao podem ser derrubados por um acto sem escn'1-
pulos, nem perturbados por urna inovaqio. E na fiel execuqio desta tarefa Z °'€a"'f;¢¢10 lgreja fizera-se ainda dentro do periodo imperial romano.
14 é necessario que eu demonstre, _com a ajuda de Cristo, uma persevcrante feta 0111;. as mstmagoes do prdprzo Império, 0 clero hierarquizara-se num
dedicagao, porque é um encargo que me foi confiado. E se as regras san- .unczona
u _ _ ISmo especificado,
' -
crzara - e smodos.
as suas assemblezas - sobrepusera
cionadas pelos Padres e estabelecidas sob a inspiraqio do Espirito Santo Z dzvisasaprovmcial a sua estrutura administrativa. Esta orgdnica nascida
I
no Sinodo de Niceia para governo de toda a Igreja forem violadas com en:
Arie Estddo Romano, dependia - dele e nomeadamente servxa-0.
. l

a minha conivéncia (o que Deus irnpeqa) e se os desejos dc um so irrnao _ _5‘1Pl":l900 Imperzo no Ocidente e 0 caos trazido pelas invasfies
tiverem mais peso em mim do que a utilidade comum dc toda a casa do permztiram a Igreja niio so definir com maior clareza a sua doutrina como
Senhor, dcverei ser condenado. especialmente ampliar e fortalecer as inslituipfies jé criadas.
t Na ¢"l"f1135:: anarquia que se seguiram ao século V, a Sé Romana represen-
[Leia Ma.gno,Ep. l04,ad Marcianum Augusrum (452), in J. P. Migne. ava :1 umcoz
' ' al umficador
' - - estrutura capaz de se opor d desmte-
e a umca .
Parralogiae Cursus Completus, Series Latina, t. uv, Paris, 1881,’
cols. 993-995.] gracao polmca, religiosa e social em curso. Detinha, também e este nfio era

(1) Anatolio, bispo dc Constantinopla. (2) O primeiro concilio ecuménico (325).


f0 _S8“ 7"???" l"l"f0. 0 m0"0P°1l°
' ' I
dd M8144 -
lallml. .
cuja . . .
mternaczonalzdade
oz 0 rne or utenszlzo
" da cultura medieval.
- - . .
Partmdo destqs potenczalzdades,
ll Igreja tomou-se a maior forea polltica do Ocidente, colocando na sua depen-
AS vmrunss INERENTES A0 SACERDOCIO, dencza os estados medievais em formaefio.
ssourmo s. Gnnooaro MAGNO
0 pontificado de Gregorio I (590-604) constimiu um marco
decisivo no processo de definipfio da autoridade papal. A sua
0 couciuo DE NICEIA (325) REGULAMENTOU
actuaefio como administrador dos bens do Igreja e como evan-
A ORGANIZACAO ECLESIASTICA
gelizador foi 150 importante como a sua projecpfio literdria.
Das suas obras, a Regra Pastoral foi talvez a mais apre- Os primeiros concilios tiveram a seu cargo, entre outros
ciada na Idade Média. problemas, a determinapfio da hierazquia eclesiéstica. Os
patruzrcas nas capitais das provincias detinham sob a sua
0tll07'ldlld€ as l7lSp0S (nas dioceses). 0s quais orientavam
A conduta dc urn prelado deve ser tio superior a do povo como a dc um o clero da sua Junsdigfio.
pastor a das suas ovelhas. Deve considerar sériamente a necessidade dfi
rectidio que impende sobre ele se o povo for, corn propriedade, deno- 52:32:30‘: ; lzigsgzeiniente por. II-l1lil3.S razoes que 1_1rn_bisP0 Sela nomeado
minado 0 seu rebanho. Deve ser puro no pensamento, pronto na acqio.
discreto no siléncio, iitil no discurso, rnisericordioso para com os indivi- sidade urgeme on or cP1'0v|zc1a({. rnas se 1sto'for d1f1c1l,_ou d¢VldO a neces-
lres, devendo ’os Sffra: _a11sa a istancra, serabom reumrem-se pelo nrenos
duos, preerninente na contemplaoio; um companheiro pela humildad= gios dos ausentes tambem ser dados e cornumcados
para aqueles que procedem bem, um adversario pela justiqa para os qu= P01‘ es°m°»
' ¢ efltao podera» efectuar-se a ordenaqao.
~ - Mas cm cada pro-
procedem mal; diligentc com as coisas externas por estar preocupado com Vincia’ a l'at1fi¢3<;80
' ' d0 que for feito
. devera, ser derxada
. _
ao metropolitano.
as internas,.firme em relaqio as internas por estar imerso nas externas. [.--l
daC‘ggnige ?- Q11¢ se mantenha o antlgo . costume do Egipto,
. da Libia e
[Sancti Gregorii Magni, Regula ‘Pastoralis, in J. P. Migne, Palrologll“ 9° ‘*5 P¢l° qual 0 blSpO de Alexandria devera ter jurisdiqao sobre
Cursus Complerus, Series Lanna, t. Lxxvn, Pans. 1869, col. 25-l
if i

I
l
12s TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS os CAROLINGIOS I29
todos eles, se bem que o mesmo seja também habitual para o bispo_de lljalel tudo, até onde vos autorizar a condescendéncia do nosso senhor
Roma. Da mesma maneira detenham os seus privilégios as igrejas de Antio- °G ' 8'P_8. P ara
' q ue se')3 permmda
" a ordenacao~ episcopal
~ entre os povos dq’
quia e das outras provincias. aha mcluldos dentro das fronteiras das sortes goticas pa
, _ ra os segurar.
mos pela fe, )8' que nao ~ os podemos conservar por ti-amdQ_
'
Canone 15 — Devido ao grande disnirbio e discordia que ocorre,
decreta-se que o costume subsistente em certos lugares contrario ao Canone
[Gai Sollii Apallinaris Sidonni Epistu/arum, liber vu epist v|| in
seja por completo revogado; desta maneira, nem os bispos, nem os pres- M ‘ Hlstoru.-a—Auctorum,
ppanlirggnéalfglrmalrlae ~ ~ .
t. vm, Berlim, 1837,
biteros, nem os diaconos, deverao passar de uma cidade para outra. Se
alguém depois deste decreto do sagrado e grande sinodo tentar tal coisa
(‘)0re"'dE'
5 --
1 ‘"5180 0 urico (466-484). (1) O anamsmo. (3) Bordeaux_ (4) Pcrigucux
ou continuar a fazer o mesmo, o seu procedimento devera ser por completo () Roue _ ()
6 ]_'imoges. (7) Javols. (8) Eaum (9) BaZaS_ (,0) comn,limcs'-
(u)Auchl'81-Ye
anulado e restituido a igreja para a qual foi ordenado bispo ou presbitero.

[In J. C. Ayer, A source-book for ancient church history, New York,


1913, pp. 360-361.] '
SOBRE A DELIMITACAO D05 p0DERE5
SOBRE os BISPADOS NAS REGICES OCUPADAS ESPIRITUAL E TEMPORAL (494)
PELOS BARBAROS O Papa Gelésio I (492-496 , d‘ ' ' . -
Constantinopla Anastasia (191-_l’l:§l7d:0fvid3ui'dpdnlillllnie
Nesta carta do bispo e escritor Sidénio Apolinario (430- ter-se a autoridade espiritual da Santa $g_
-c. 488) dirigida a um seu colega, 0 bispo Basilio, por volta Qi Q Q_.4Qr-4 _@-.r
de 472 nu 473, encontramos bem m'tida a ideia directriz
da Igreja contemporanea das invasoes: agregar pela fé card-
I-Ia na
cm realidad
mundo ' - azggifigdlimgerador,
é P;Hg->11;ln[p;d;re;3;v2:-11:l;:i(:) ~ pelos quail, 1
lica as populapfies que politicamente se seccionavam.
tifices e o poder real. Dos dois 0 sacerddcio tem o ale sagfada dos pan‘ 1
Devo confessar que por mais terrivel que seja o poderoso rei dos Godos (1), dida em que deve prestar coritas dos Y6 figs _"a or mais alto, namg.
Pica pois a gab“, mawmuito clement: fifim reis en; mate:-‘nas. dwinaa. 1
temo-0 menos como assaltante das muralhas romanas do que como sub-
dignidade nos negécios humanos no ue res ftque ora Presidas com
'1
versor das leis cristis. Dizem que a simples mencao do nome Catélico
ensombrece de tal maneira o seu rosto e 0 seu coraqao que mais deprcssa
a cerviz perante aqueles de quém esq eras fer 2; os_ rvmos tens dc dobrar -1
o tomariamos por chefe da sua seita (2) do que por principe da sua naqao. [...]
os sacramentos celestiais. Na esfera rili ‘osa ii vaflm e dc quem “cab” '~l
Por estas razoes desejaria que considerasseis a doenca secreta da Igreja
Catélica para que rapidamente pudésseis aplicar-lhe um remédio adequad0-
d¢ govemar e ceder perante as decisoesgldos Ids edte submsml em vez
Q, dommos A ma vontade Por ue Se no dPa ‘res dc prefercncra a ten. ~|
Os padres reconhecem a ma: autglridgde ornméo da disciplina Publlca \I|
Burdigala (3), Petrogoris (4), Rutena (5), Lemovica (6), Gabalitans (7), Helu-
sa (3), Vasatium (9), Convcnae (1°), Ausci(11) e muitas outras cidadfl
is tuas leis para que nao pareeam resistfiomo vm 'a‘ e cima e obedecem
res, Como nao lhes deverés tn obedecerrgeem matenas puramentc sccula.
<4
sao como corpos truncados devido a morte dos seus respectivos bispO5- muito melhor vontade' a eles <.-Q
que estao . .
N50 foram nomeados sucessores para preencher os lugares dos defunl°_5_ J encarmgados da admmrstracao dos veneraveis mistérios? (||
e manter no ministério as ordens menores; as fronteiras da ruina csplfl‘
tual estendem-se a toda a parte. [...] lEd- XII. 494 A. D. c ' - W
Se exarninardes mais de perto os males do corpo espiritual, rapi d a rnenlfl ll
'i
entendereis que por cada bispo arrebatado do nosso reino e posta "1:
4.= ed., Tfibingen, 19;: bl's$.lw”en
M gmmm des P”""”'""
<4
cg
perigo a fé. de uma populaqfio. [...]
I. m__9 <1 '
<4
w -__

—>-

OS CAROLINGIOS I 3l
l3O TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
monaquisniooriental e 0 propria S. Bento. Em Africa, Santa Agostinlio 354-
SOBRE OS BISPADOS EM TERRA DE INFIEIS
-430) redigiu também algumas normas para uma comunidade r1'(' e igiosa.
A regra beneditina seria , nao obstante a base de todos os
Por motivo das invasfies mugulmanas, tinha sido riecessario ' grandes movi--
atentar na situacfio dos bispados que haviam ficado sem diri- menros momisticos medievais, e os monges de S. Bento uns dos pringipafs
gente. 0 concilio Quiriisextum (692) decidiu a criacdo obreiros na construcao de uma Europa cristfi,
dos bispos <<in partibus», que, sem ocuparem a sua diocese, ijonjugando liarmoniosamente a vida contemplativa com a agtividade
manteriam as dignidades inerentes ao cargo.
V
Pratlm qufllldlflfld.
. 0 monge beneditino evangelizou » ensinou - desbrgvou a
terra ' criou povoadas e fez do seu m osteiro
' um repositorio
- . da cultura clé
Visto que em diversas ocasioes se tém dado invasoes de barbaros e con- . 3-
slca» que -Ye @3f0"C0l4 pvr nao deixar morrer.
sequentemente muitissimas cidades cairam nas mios dos infiéis, razao ATornada a breve trecho um potentado econémico, a ordem seria simul-
pela qual 0 prelado de uma cidade fica impossibilitado, depois de ter taneamente 0 melhor instrumento e 0 apoia ' mais
' firme da politica papal.
sido ordenado, de tomar posse da sua sé e de se estabelecer nela com cate-
goria sacerdotal efectuando e dirigindo assim, de acordo com o costume,
as ordenaqoes e todas as outras coisas que pertencem ao bispo: nos, defen-
dendo a honra e a veneracao do sacerdocio e nao desejando de maneira os EREMITAS ESTILITAS
nenhuma fazer uso da afronta paga para a ruina dos direitos eclesiasticos,
decretamos que aqueles que assim foram ordenados e pelas causas ja cita- Foram muito venerados no Oriente os estilitas monges
eremitas que instalavam a sua cela no topo de uma (jgluna
das nao se estabeleceram nas suas sés nao sofram por este facto qualquer
prejuizo. Poderao desta maneira realizar canonicamente, a ordenaefio dos :r;'Lfit}';“';;":&f:,me§c‘:k':_g';P£:1(fa’f‘L’l:Z(§Js S8%llld0i. gomo tal excen-'
(sémlo XI”) cronma da Quarm gel enta , obert de Clari
diferentes clérigos e usar da autoridade dos seus cargos de acordo com _ _- _ ~ mzada, anotou com admi-
os limites proprios, e qualquer acto administrative que deles proceda sera rapao a existencia destas colunas em Constantinopla.
valido e legitirno. [...]
(I:_:::a:“l::d1;°:;?aP3:Z ¢::l:;da:l;(L)s i::a grand: maravilhai eram duas
[In H.-T. Bnms, Canaries apostolorum et eonciliorum Saeculorum I V, dc homem e cinquema toesas (3; dc alt; siga, tpe o rriienos tres bra<;as (2)
V, VI, VII, Berlim, 1839, t. I, p. 34.] .

“as tinham
estavam por poms
C havia habito nas
vivercolunas
uns eremi; so Pequenos
ela s em re ca a uma qessasque
abrigos cold:
-al
N0 exterior destas colunas estavam pdesznguflls uma pe‘Ssoa podla sub)‘.-
3. todas as aventuras e conquistas que tinhama as Edescrltas em profeclas
O NASCIMENTO °“ que estavam para acontecer Mas nin émocoiitl O em Constantinopla
DAS INSTITUIQGES MONASTICAS lcclmento até ele se ter dado , e depois diuter apo la (':°mpreender'
contecido o ovo 13,0 até
awn:
31
meditava sobre o assunto e entao, ~ pela primeira
. . vez, via , Pe compreendia
< *
NASCIDO no Oriente, onde nao raro se revestiu de formas ascéticas exoge- ° 6‘/ento. [...]
radas e mesmo extravagantes, 0 monaquismo encontrou a partir do século V1
_ __.l [Robert de Clari, La c ‘t d C ‘ ' - -
uma organizacfio equilibrada, com a regra de S. Bento surgida na Itélim Chraniqueurs du Moyen jgiugiebli¢§thegii':fi:'l'aa%l‘bia:1: 121‘:tggeilgsgt
Nfio era esta, na verdade, a primeira regra estatuida para regulamentacfifl 00- 77, 78-1 ’ ' ' '
da vida religiosa em comum. S. Pacdmio (c. 320), na Tebaida, esbocara iv!-F ll) Lonst ‘ .
principios directivos para a comunidade que institui'ra. S. Basilio (c. 360) dc do, an'-"‘°Dlfl- (2) A bra¢a ou braco, correspondendo aproximadamente a medida
is b "W05 estendidos, equivalia
. . a 1,82 m. (3) A toesa equivalia
_ _ a 1,949 m.
ampliou e aperfeigoou estes principios e a sua regra marcou fortemente 0
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¢
132 TEXTOS HISTDRICOS MEDIEVAIS os cARoLiNcios 133
i
A FUNDACAO DA ORDEM mas 0 primeiro e grande mosteiro onde viveu o santo Pacomio e que deu
DE S. PACOMIO (C. 320) nascimento a outros lugares de ascetismo tem mil e quatrocentos homens.

Tendo-se dado conta das vantagens que a vida em comum [Palladius, Historia Lausiaca, cap. 38, in J. P. Migne, Patrologiae
podia trazer ao asceta, S. Pacdmio redigiu um conjunto de Cursus Complerus. Series Latina. t. LXXIII, Paris, 1879; cols. 1137 e 1138.]
regras que incluiam, entre as obrigacfies do monge, 0 tra-
balho manual. Por morte de S. Paco'mio, ja' nove conventos
de homens e dois de mulheres seguiam a sua regra. Uma
lenda do época registada pelo bispo Palladius (séculos 1V- V) REGRA DE S. BENTO:
conferia d regra de S. Pacémio origem sobrenutural. CAP. l—SOBRE AS CATEGORIAS DE MONGES

Ha um lugar na Tebaida chamado Tabena onde viveu um certo monge A regra de S. Bento (século VI) abre com uma anélise dos
Pacomio, um destes homens que atingirani a mais elevada e perfeita forma varios tipos de monge entfio existentes, desde 0 solitcirio,
de vida, de maneira que foi contemplado com predicoes do futuro e visoes 0 eremita, até ao que vive em comunidade, 0 cenobita. Esta
amilise dd-nos o panorama dos primeiros passos do monu-
angélicas. Era um grande amigo dos pobres e tinha profunda caridade quismo.
para com os homens. Por isso, estando ele vivendo numa gruta, apareceu-
-lhe um anjo do Senhor, que lhe disse: Pacdmio, procedeste bem e recta- E bem sabido que existem quatro categorias de monges. A primeira cate-
mente em todas as coisas que te dizem respeito; como tal, nao fiques mais goria é a dos cenobitas: aqueles que vivem em mosteiros e servem sob a
tempo desocupado neste sitio. Ergue-te, mostra-te; refine todos os jovens direceao de uma regra e de um abade. A segunda categoria é a dos ana-
monges, vive com eles e dita-lhes leis de acordo com as que eu te vou dar. coretas on eremitas: aqueles que, nao estando ja no primeiro fervor do 1
E entregou-lhe uma lamina de cobre onde estavam escritas as seguintes sua conversao, mas depois de uma longa provacao num mosteiro, tendo 1
coisas: " aprendido com o auxilio de muitos a combater 0 deménio, saem bem
Dai de comer e de beber a cada um [dos irmaos] de acordo com a sua armados das fileiras da comunidade para o combate solitario do deserto. 1
robustez e distribui-lhes os trabalhos que convenham e correspondam as Sentem-se agora capazes, sem qualquer ajuda salvo a de Deus, de com- 1
suas capacidades, nao lhes proibindo nem o jejum nem os alimentos.
Assim, entrega trabalhos pesados aos mais fortes e tarefas mais leves e
bater sozinhos contra os vicios da carne e contra os seus proprios pensa-
mentos.
1
faceis aqueles que se disciplinam mais e sao mais fracos. [...]‘ A terceira categoria de monges, uma categoriadetestiivel, é a dos sara- I
As refeicoes tapem a cabeca com os capuzes para que um irmao nao baitas. Estes, nao tendo sido experimentados, como o ouro na fornalha, 1
possa ver o outro irmao comer. N50 devem falar enquanto comem: nem
devem voltar os olhos para qualquer outra coisa fora do prato on da
por nenhuma regra nem pelas licoes da experiéncia, sao tao brandos como
0 chumbo. Nos seus trabalhos ainda se mantém ligados ao mundo, por
<4
mesa. isso a sua tonsura os distingue como embusteiros perante Deus. Vivem <4
E [0 anjo] estabeleceu como regra que durante todo o dia deveriam aos dois ou aos trés, ou mesmo sds, sem um pastor, no seu préprio redil <1
oferecer doze oraqoes; e na altura de acender as luzes, doze; e. no decurso
da vigilia nocturna, doze, e a hora da nona, trés; determinou porem 1-»-vu1~<._i»
¢ nao no do Senhor. A sua lei é o desejo do pi-azer; 0 que quer que lhes
entre no pensamento ou lhes apeteca, a isso charnam santo; olham como
<4
que quando parecesse a todos ser altura de comer, cada grupo devesse il¢gitimo aquilo que lhes desagrada. A quarta categoria de monges sao <4
primeiro cantar um salmo por oracao. [...] _ _ °$ chamados girdvagos. Estes passam toda a vida vagueando de provin- a
Quando Q.anjo acabou de dar estas orientacoes e cumpriu a sua mis-
sfio, despediu-se do grande Pacémio. _
cla para provincia, instalando-se como hdspedes em diferentes mosteiros
P01" trés ou quatro dias de cada vez. Sempre em movimento, sem estabi-
<4
(.
Ha mosteiros observando esta regra compostos de sete mil homens. lidade, sao indulgentes para com os seus proprios desejos e sucumbem as
<1
<1
I

W OS CAROLlNG1OS 135
134 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
H
nado, até a Nona. Ao primeiro sinal da hora de Nona que todos larguem l
l
seducoes da gula, sendo em muitos aspectos piores do que os sarabaitas. 0 seu trabalho e se aprontem para 0 soar do segundo sinal. Depois da
Sob a misérrima conduta de tais homens é melhor fazer siléncio do que
falar.
refeicao que se entreguem a leitura ou aos salmos.
Nos dias da Quaresma, desde manha até ao fim da terceira hora, entre-
l
Portanto, omitindo estes, procuremos, com a ajuda de Deus, estabele- guem-se a leitura e dai até ao fim da décirria hora que facam o trabalho
cer uma regra para a mais forte categoria de monges, a dos cenobitas. que lhes for designado. E nestes dias da Quaresma cada 'um recebera um
[S. P. Benedicti, Regula Cammentata. cap. 1, in J. P. Migne, Patrologiae
livro da biblioteca que lera seguido do principio ao fim. Estes livros devem
Cursus Campletus, Series Latina, t. Lxvl, Paris, 1866, cols. 24$ e7/16.] ser dados no principio da Quaresma. [...]
Aos irmaos doentes ou fracos sera conferida uma tarefa ou oficio de i
tal natureza que os mantenha longe da ociosidade e ao mesmo tempo
nao os sobrecarregue ou afaste com trabalho excessivo. A sua fraqueza
REGRA DE S. BENTO: deve ser toinada em consideracao pelo abade.
CAP. 48 — SOBRE O TRABALHO MANUAL DIARIO
[S. P. Benedicti, Regula Commentata, cap. 48, in J. P. Migne, Patro-
A vida simples do monge beneditino repartia-se, segundo logiae Cursus Completus, Series Latina, t. LXVI, Paris, 1866 cols. 703
aregra primitiva (século VI), entre 0 oficio divino, 0 trabalho e 704.]
manual e a leitura. 0 trabalho que deveria durar seis a oito
horas diérias, dependeria das necessidades do local e das (1) Dia 1 de Outubro. (7) Primeira hora canonica coincidindo com as 6 horas da
possibilidades e resisténcia dos monges. manha. (3) Oficio remdo normalmente as 3 horas da tarde (nona hora). (4) Oficio
eelebrado depois da nona, a hora variavel. (5) Oflcio oelebrado normalmente as 9
horas da manha.
A ociosidade é inimiga da alma. Por isso os irmaos devem estar ocupados
a determinadas horas no trabalho manual e de novo a horas fixas na lei-
tura sagrada. Para isto pensamos que as horas para cada ocupaeao poderao
ser deterrninadas como se segue. .
Desde a Pascoa até as Calendas de Outubro (1) quando saem de manha
a hora prima(2), que trabalhem em tudo o que for necessario até cerca
da quarta hora e desde alquarta hora até cerca da sexta que se entreguem
a leitura. Depois da sexta hora, tendo deixado a mesa, que descansem nas
suas camas em perfeito siléncio; ou se por acaso alguém deseja ler, que
‘M-AI:inI'ei9H!\@
leia para si proprio de maneira a nao incomodar ninguém.
Que a Nona (3) seja dita de preferéncia cedo, a meio da oitava hora, e
que voltem de novo a fazer o trabalho que tem de ser feito até as Vésperas (4).
E se porém as necessidades do lugar ou a sua pobreza exigirem que faeam
eles proprios 0 trabalho da ceifa, que nao se sintam descontentes com isso;
porque entao sao verdadeiros monges vivendo pelo trabalho das suas maos
como fizeram os nossos Padres e os Apéstolos. Que todas as coisas sejam §1
feitas com moderagao, todavia, para salvaguarda dos timoratos. ?
Desde ‘as Calendas de Outubro até ao principio da Quaresma, que se
entreguem a leitura até ao fim da segunda hora. Na segunda hora que seja
dita a Terqa (5) e entfio que todos laborem no trabalho que lhes for desig-

no»~.->~.<
OS CAROLINGIOS
137

FORMULA PELA QUAL SE PEDIA


E A0 EXARCA DE RAVENA
A CONFIRMACAO DE UM NOVO PONTlFICE
(SECULOS VII A XI)
b. A RESTAURACAO DO IMPERIO Esta formula e vdrias outras encontram-se registadas num
ROMANO DO OCIDENTE livro (0 Liber Diurnus Romanorum Pontiticum), composto
entre 0 fim do século VII e 0 principio do VIII. Peticdo same-
lhante era dirigida também ao imperador de Constantinopla,
marcando-se assim a sujeicfio do pontifice ao império do
1. Oriente.
A APROXIMAQ/TO ENTRE O PAPADO
E A MONARQUIA FRANCA A0 muito excclente e preexcelso senhor [nome] que por Deus seja dito-
samente conservado por muitos anos no seu cargo principesco de ex-c0n-
AS dissidéncias entre o papa e o imperador do Oriente, que vdrias vezes se sul, patricio e exarca da Italia, 0s presbiteros, os diaconos e todo 0 clero
fizeram sentir ainda anteriormente ao século VIII, incidiam, como vimos, ordinario, os magistrados, 0 exército e 0 povo desta cidade de Roma,
em dois aspectos: a delimitaccio dos dominios da autoridade imperial e pon- como suplicantes, enviam saudacoesz
tificia por um lado, a divergéncia de pontos de vista puramente teologicos [...] Porquanto [nome], de pontificia memoria, tenha sido chamado dos
por outro. presentes cuidados para 0 repouso eterno, como é a sorte dos humanos,
Ambos as problemas atingiram especial acuidade na época do imperador oprimiu-nos um grande pesar porque como dirigentes encontramo-nos
Justiniano, por a conquista da Peninsula Itdlica pelas forcas bizantinas ter privados do nosso prdpiio dirigente. Porém, a costumada bondade de
de novo aproximado as duas metades do Império. Ndo so a presenca do exarca
na Itdlia tornou mais dbvia a dependéncia temporal do Papado em relapdo
E Deus, porque. n’E1e confiamos, nao nos permitiu que ficassemos muito
tempo nesta‘ afiicao. Na verdade permanecemos trés dias humildemente
a Constantinopla, como o imperador se apoiou nas vantagens politicas adqui- cm oracao para que a dignidade celeste revelasse aos espiritos dc todos quem
ridas para exigéncias religiosas a que a Santa Sé se pretendia recusar. .14.- ~.n-MAI!‘
decretava digno de ser eleito na sucessao do cargo apostolico, com a ajuda
N0 século VIII a iconoclastia intensificou a oposicdo que ha muito se vinha I da sua graca e a inspiracfio de todos os animos. Depois de nos termos reu-
desenhando. A heresia sancionada pelo imperador teve as suas repercussdes nido como é habitual, ou seja 0 clero e 0 povo de Roma juntamente com
1

na Itdlia, provocando distiirbios e amotinacdes nas dioceses dependentes =1 nobreza e o exército, do maior ao mais pequeno, para conversar, a elei-
do patriarca de Constantinopla. v
¢5o caiu, com a ajuda dc Deus e o auxilio dos Santos Apéstolos, sobre
Este facto, unido d presenca sempre ameacadora do Estado Lombardo, pre- 5 P1 pessoa [nome], santissimo arcediago desta Santa Sé Apostolica da Igreja
dispds a Santa Sé a um estreitamento de relacfies politicas com a forca § Romana. E por isto rogamos e suplicamo-vos que, por inspiracao de Deus
° do seu sublime mando, sancioneis rapidamente a nossa peticio, visto
que entdo despontava no Ocidente: a monarquia franca. Confirmando uma
nova dinastia na pessoa de Pepino, a Igreja soldau uma alianca que prepararia h3_V¢r muitos problemas e outros assuntos surgindo quotidianamente que
a sua independéncia definitiva em relacdo ao Oriente. °f"B¢m como solucao 0 cuidado do favor pontificio. [...]Além de que neces-
E 5'_I=1mos de alguém para conservar a distancia a ferocidade dos inimigos
Circundantes, 0 que so 0 poder de Deus e do Principe dos Apéstolos atra-
"¢5 <10 seu vigzirio, isto é, 0 pontifice da cidade Romana, pode fazer. E bem
sabi<l0 que em varias ocasioes 0 [Bispo de Roma] afastou [os inimigos],
m°"gcr0u-os pela exortacio e demoveu-os pela sua intervencao; assim
i I M

P —

138 TEXTOS I-IISTORICOS MEDIEVAIS 0s CAROLINGIOS I 39

apenas pelas suas palavras, por. reveréncia pelo Principe dos Apostolos, 0s MEROVINGIOS
[eles] ofereceram obediéncia voluntaria, e aqueles que a forca das armas E 0s PREFEITOS 00 PALACIO
nao tinha submetido, cederam perante as censuras e observacoes do Pon-
tifice. A decadéncia dos Merovingios foi acentuada, num texto
E porque estas coisas sao assim, uma vez mais vos suplicamos, nosso altamente sugestivo, por Eginhardo (séculos VIII-IX), 3;-0-
excelso senhor, que Deus guarde, que, com a ajuda e inspiracao de Deus nista de Carlos Magno. ’ '
no vosso coracao, possais rapidamente dar ordens para adornar a Sé
Apostolica pela completa ordenacao do mesmo, nosso pai e pastor. [...] A raga dos Merovirigios, na qual os Francos tinham por hibim gscglhgr
os seus reis, passa porter durado até ao rei Chi1derico(1), que foi por ordem
I

[Liber Diumus Romanorum Pontificum, cap. n, tit. IV, in J. P. Migne, do pontifice romano Estévao (2), deposto, barbeado e lanqado num con-
Patrologiae Cursus Completus, Series Latina, t. cv, Paris, 1864, vento. Se bem que a possamos considerar terminando apenas com este
cols. 33 a 35.] '
principe, no entanto estava ja, havia muito, sem qualquer forca e nao
oferecia em si nada de ilustre, anao ser o vao titulo de rei. Porque os meios
e 0 poder do governo estavam entre as maos dos prefeitos do palzicio,
A crsA0 ICONOCLASTA . a quem chamavam mordomos e a quem pertencia a administracao supre-
PROVOCOU rrla. principe devia contentar-se, como iinica prerrogativa, com o titulo
0 ESTREITAMENTO DE RELACDES de rei, a sua cabeleira fiutuante, a longa barba e o trono onde se sen-
' ENTRE 0- PAPADO tava para representar a imagem do monarca, para dar audiéncia aos embai-
E A MONARQUIA FRANCA xadores dos diferentes paises e notificar-lhes, a partida, como eiipressao
‘ r
da sua vontade pessoal, as respostas que lhe haviam ensinado e por vezes,
Sob Leao Iconomaco (1) de novo os Romanos se separaram, tanto do mesmo, imposto. [...] Quanto a administracao do reino, as medidas e as
Império de Constantinopla como*da sua Igreja e por uma abjecta sujeicao disposicoes que era necessario tomar no interior e no exterior, era o pre-
e alianca entabularam negociacoes com os Francos (2), tendo-se ao mesmo feito do palacio quem delas cuidava.
tempo afastado [de Bizancio] toda a Italia (3). Proibiram igualmente que
se pagassem tributos. Em consequéncia disto, Gregorio (4) submeteu ao [Einhardi. Vita Karoli lmperatoris, cap. i, in A. Teulet, Oeuvres Com-
anatema o pseudopatriarca Anastasio (5). pletes d‘Eginhard. t. 1, Société de l’Histoire dc France, Paris. 1840,
pp. 7 a 9.]

[Nicetae Chartophylacis Nicaeni, De Scliismate Graecorum, in


J. P. Migne, Patrologiae Cursus Completus, Series Graeca, t. cxx. (1) Childerico III, ultimo rei merovingio, reinou de 742 a 751. (1) Foi 0 Papa Zacarias
Paris, 1880, col. 718.] (741-752) quem ordenou a deposicao de Childerico III. em Marco de 752. Estévao II
(752-757). seu suoessor, confirmou o mandou executar a ordem, coroando Pepino a 28
(1) O imperador Leao III Isauriano (717-740), provocador da cisio iconoclata. dc Julho de 754.
(1) 0 cronista refere-se a aproximacao entre 0 Papado e Pepino 0 Breve. (3) Regis-
taram-se revoltas contra as autoridade: bizantinas em Roma e no exarcado de Ravena.
(4) O papa Gregorio II (715-731). (5) Patriarca de Constantinopla de 730 a 754.

‘s
ET‘
(Q
OS CAROLINGIOS 141 ii
140 TEXTOS I-IISTORICOS MEDIEVAIS
<1.
O FIM DA DINASTIA MEROVINGIA pode ser encontrado nos arquivos da nossa Santa Igreja (2), O mesmo
cristianissimo rei dos Francos enviou o seu conselheiro Fulrad, o venera- <5
Para destituir o rei meravingio e conquistar a coroa, Pepino vel abade e presbitero, a fim de receber estas mesmas cidades, enquanto (U
0 Breve apelou para a autoridade ponrificia. 0 prestigio ele proprio voltava felizmente com os seus exércitos para Franca. O citado
da Santa Sé e a forca da dinastia nascente iniciaram assim
um pacto que veio a ter importancia decisiva na evolucdo
Fulrad, veneravel abade e presbitero de Ravena, juntamente com os emis-
da historia da Europa. O trecho que se segue pertence a sarios do rei Astolfo, entrou em cada uma das cidades tanto da Pentapole
uns anais carolingios obra dos clérigos da capela real e deve como da Emilia, aceitou a sua submissao, tomou reféns e levou consigo
ter sido escrito poucos anos depois do sucesso que regista. para Roma os principais cidadaos de cada uma delas, juntamente corn as
chaves das portas das cidades. Entao depositou no tiimulo de S. Pedro
Ano 749: Burghard, bispo de Wfirzburg, e 0 capelao Fulrad foram envia- as chaves da cidade de Ravena e das varias cidades do Exarcado, exacta-
dos ao Papa Zacarias (1) para o consultarem acerca dos reis de Franea. mente como se dizia no documento de doacao acima citado emitido pelo
Até aquela data eles nao detinham o poder real: deveria isto ser assim, rei, pelo qual os apostolos de Deus e 0 seu vigario, 0 santissimo papa, e
ou nao? E o Papa Zacarias enviou a sua resposta a Pepino (1): que seria todos os pontifices que lhe sucedessem, deveriam possuir perpetuamente
melhor chamar rei a quem detinha 0 poder, de preferéncia a fazé-lo a quem as cidades. [...]
permanecia sem autoridade real. Para manter a ordem sem distiirbios,
0 papa entao decretou, em virtude da sua autoridade apostolica, que [Anastasii Bibliothecarii, f_Iistoria de Vitis Romanorum Pontificum
Pepino fosse coroado rei. — Stephanus II, in J. Migne, Patrologiae Cursus Cornpletus. Serim
Latina, t. orxvui, Paris, 1880, cols. 1099 e 1100.]
r [Annales Iaurissemes. A. 749, in Monumenta Germaniae Historica
—-Scriptures, t. 1, I-Iannover, 1826, p. 137.] (1) 749-756. (1) Este documento, se existiu, perdeu-se.

(1) 741-752. (1) Filho dc Carlos Martel. Nasceu em 714 e veio a ser aclamado rei em 751.

A DOACAO DE PEPINO (756) 2.


-i A COROACAO DE CARLOS MAGNO
Depois de ter vencido por duas vezes Astolfo, rei dos lombar-
dos, Pepino teria redigido um documento pelo qual doava
a S. Pedro 0 exarcado de Ravena, a Pentdpole e 0 ducado
de Roma. Estes territorios eram ainda, em teoria, bizantinas.
A doacao feita por Pepino a Santa Sé, dos territorios que haviam pertencido
4.0-8' Lombardos (756), lancara as bases do poder temporal pontificio na Ita-
E E IE PEI IT
0 trecho que se segue pertence a uma Historia das Vidas lia. Pela mesma época forjava-se a adoacdo de Constantino» que prezendia
dos Pontifices Romanos redigida no segunda metade do legitimar, aos olhos do imperador do Oriente, esta usurpacdo territorial.
século IX.
No entanto. so depois de Carlos Magno ter extinguido o reino lombardo
[...] Na verdade, depois de oja citado muito benigno Pepino, rei dos Fran- 9 confirmado a doacdo de Pepino, o papa entrou finalmente na passe total
cos, ter cercado e conquistado a cidade dc Pavia, Astolfo (1), o atrocis- dvs territorios que lhe haviam sido entregues.
simo rei dos Lombardos, a fim de alcancar [dc Pepino] o seu perdao, anun- A coroacdo de Carlos Magno em Dezembro de 800 na Catedral de S. Pedro
ciou a este rei 0 desejo de entregar as cidades indicadas no tratado, acto {iléculminar ‘a aproximapdo entre os carolingios e a Igreja. Discute-se ainda
que anteriormente teria considerado desprezivel. [...] A0 assenhorear-se de cu! die a miciativa deste acto coube ao rei franco se ao papa. Deluma maneira
todas estas cidades [Pepino] mandou redigir um documento de doaciio Romanfilitfd, o facto de' I.eao III ter coroado Carlos Magno <<imperador dos
para que S. Pedro, a Santa Igreja Romana e todos 0s futuros pontifices Considem>> tornou explicito aue doravante a Igreja ide Roma deixava de se
da Sé Apostolica as possuissem perpétuamente. Este documento ainda I‘ dependente do imperador de Constantinopla.

lioIrsnsi nfiiub
I-
' "* ' 7 »‘ — .___ 7"

os cARoi.tNoi0s 143
142 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
~
A <<DOACAO, DE CONSTANTINO»
lembrou-lhe e tentou persuadi-lo com paternal afecto arque Cumprissc todas
as promessas feitas pelo seu pai Pepino de sagrada memoria, e pelo pg-<5-
Forjado possivelmente no século VIII, este documento, incluindo prio Carlos e 0 seu irmao Carlomano e todos os magnates francgs 3
uma biografia lenddria do Papa Silvestre I (314-335), veio S. Pedro e ao seu vigario, 0 Papa Estévao (3) dc santa memoria, quando ele
a ser posteriormente muito ut_il a Igreja, que nele encontrava foi a Franea outorgar as varias cidades e territorios daquela provincia,
a fundamentacaa legal do seu poder temporal. Segundo o italiana e confia-las a S. Pedro e a todos os seus vigarios, em posse pg;-.
documento, o imperador Constantino, curado da lepra pelo
Papa S. Silvestre, entregara-lhe, em reconhecimento, a juris- pétua. Quando foi lida a promessa feita em Franca num lugar chamado
dicdo temporal do Ocidente, retirando-se em seguida para Kiersy, [Carlos] e os seus magnates apreciaram-na, aprovando também
Constantinopla. as adicoes. E por sua livre vontade 0 muito excelente e cristianissimo 1-cg
dos Francos, Carlos, fez uma nova promessa de doacao segundo 0 modelo
Também para enaltecer a grandeza do império e nao dirninuir a supre- da que anteriormente havia sido escrita pelo seu religioso e muito pru-
macia pontificia, mas antes adornar a sua dignidade que é mais elevada dente capelao e escriba Eterio. Nela confirmava a S. Pedro as mesmas
do que a de um império terreal e a forca da sua gloria, concedemos e entre- cidades e territorios e ele proprio defendia a sua entrega ao citado pond-
gamos ao ja mencionado santissimo pontifice, 0 nosso [padre] Silvestre, fice, dentro dos limites contidos nessa doacao, ou seja, Lw|¢(-1) com a
0 papa universal, e ao poder e jurisdicao dos pontifices seus sucessores, ilha da Corsica, Surianum (5), o Mons Bardo, isto e, Vercetum (5), Parma,
nao apenas 0 nosso palacio (1), como foi anteriormente citado, mas também Rhegium, Mantua, 0 Mons Silicum(7) e ao mesmo tempo todo o exar-
a cidade de Roma e todas as provincias, pracas e cidades de toda a Italia cado de Ravena, como era antigamente (8), as provincias venezianas, a
e das regioes do Ocidente [...] como uma pessessao legal e permanente lstria e os ducados Spoletinum e Benaventanum.
da Igreja Romana. [...]
[Anastasii Bibliothecarii, Historia de Vitis Romanorum Pontificum

1
[Edictum Constantini ad Silvestrum Papam, in J. P. Migne, Patro- Adrianus, in J. P._ Migne, Patrologiae Cursus Completus, Series
logiae Cursus Completus, Series Latina, t. vm, Paris, 1844, col. 577]. _ . Latina, t. cxxvin, Paris, 1880, cols. 1179, 1180.]

(1) O palacio dc Latrao. (1) A 6 de Abril de 114. (1) 0 Papa Adriano I (112-195). (3) Estévao II (152-151).
(‘)1-uni, a sueste de La Spezia. (5) Sarzana. (6) Berceto. (7) Monselice. (3) Ame;
-\ das conquistas de Liutprando.
A CONFIRMACAO DAL DOA¢A0 DE PEPINO
POR CARLOS MAGNO (774)
CARLOS MAGNO DIRIGIU-SE AO PAPA LEAO III'
Tendo ido celebrar a Pdscoa de 774 a Roma, Carlos Magno, DEFININDO OS DEVERES DE AMBOS (796)
a pedido do Papa Adriano I (772-795), mandou redigir uma
nova promessa de doagrio de territorios a Santa Sé, con- Quatra anos antes do seu coroamento, Carlos Magno di,-i.
It-flw-b-»h:.wn4hoe,~r-os.g,qh_\
firmando a que era atribuida a Pepino. A partir de entdo giu ao Papa Leda III (795-816) uma carta que ficou ¢éI¢b;-e
o Papado ficava com a soberania potencial de trés quartos por nela definir em que deveria consistir a calaborapao
do Itolia. A Historia das Vidas dos Pontifices Romanos entre o reino franco e 0 pontifice romano.
donde se extraiu o trecho que se segue, foi escrita no segunda
metade do século IX.
ptzénrfiidtzjeurgeicgrisoagcim 0 Santissimcg predecessor (1) de ‘vossa
live] dc fé e camiade (J16 formic: ecer com vossia ‘antidade um pacto lIlVl0-
1 [...] Porém, ria quarta-feira (1), 0 pontifice (2) acompanhado pelos seus digni-
tarios, tanto eclesiasticos como militares, encontrou-se com o rei na Igreja vossa samidade a ,' _ que a graca 1V11'1fl.'ObIld3. pelas preces da
postolica e a vossa bencao apostolica me possam seguir
de S. Pedro apostolo para uma entrevista. Suplicou urgentemente ao rei,
144 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS OS CAROLINGIOS 145

por toda a parte, enquanto, se Deus quiser, a Santissima Se da Igreja Romana pela sabedoria e sublime autoridade real. A salvacao das igrejas de Cristo
estara sempre defendida pela nossa dev0<;5°- N3 V°Tdad° é 11°55‘) devcr’ agora em perigo repousa apenas em vos: sois 0 vingador das mas accoes,
com 0 auxilio da divina piedade, defender por toda a_parte com as darmfls o guia daqueles que andam perdidos, 0 consolador dos que estao tristes,
a Santa Igreja de Cristo, tanto das mcursoes dos pagaos como das _cv-‘IS a exaltaoao dos bons. [...]
tacoes do infiel, e fortifica-la no exterior e no interior pela profissao da
fé catolica. E vosso dever, a fim de erguerdes as maos para Deus como [Alcuini Epistolae, 174, in Mormmenta Germaniae Histori'ca—Epistolae
Moisés Santissimo Padre, auxiliar as nossas armas de forma a que, POT
Y - ~
Karolini Aevi, t. V 11, Berlim, 1895, p. 288.]
vossa intercessao e pela vontade e pela gr8<;a <19 Deus» ° P°"° °"5ta°
obtenha para sempre a vitoria sobre os inimigos do Seu Santo nome, e
(1) Todos os frequentadores da <<Eseola Palatina» tinham adoptado um pseudonimo
literario. Carlos Magno usava o de Rei David. (1) Pseudonimo de Alcuino. (3) Refe-
ll
ill
0 nome de nosso Senhor Jesus Cristo seja glorificado atravefi <1¢ 1°90 ° rencia aos distiirbios havidos em Roma apos a. eleiqao do Papa Leao III (795-816) e como
mundo. oonsequéncia da mesma. (4) Alusao a deposiqio do imperador Constantino VI, em
Julho de 797, pela sua propria mae, a imperatriz Irene.
[Caroli‘ Magni' Epistolae

ad Leanem III _PflP¢1P"- "1
'
3 - PI Mignev
, Pa.

trologiae Cursus Campletus. Series Latina. t. xcviu, Paris, 1862,


epist. VIII, col. 907]. '
O ACTO DA ACIAMACAO (800)
(1) 0 Papa Adriano 1 (112-195). '
Os relatos contempardneos do coroamento e aclamacdo de
-
Carlos Magno, como 0 dos anais régios aqui utilizados. sao
quase sempre muito sucintos. Na sua esséncia, as factos
ocorridos no Basilica de S. Pedro a 25 de Dezembro do
SOBRE OS <<TRES MAIS ALTOS ano 800 parecem ter sido as seguintes:
PODERES DO MUNDO»
Naqueledia santissima da Natividade do Senhor, quando 0 rei se ergueu
A carta que se segue, dirigida por Alcuino a Carlos Magpo depois de orar na missa [remda] em frente do tiimulo do bem-aventurado
em Junho de 799, ou seja seis meses antes do coroacao, Pedro apostolo, 0 Papa Leao (1) colocou-lhe uma coroa na cabeca e todo
sugere a possibilidade de a ideia do recriacav 0'8 W7] I'"Pe"'° 0 povo dos Romanos o aclamou: <(Vida e Vitoria para Carlos Augusto,
do Ocidente ter surgido entre os letrados de Aac en. coroado por Deus grande e pacifico Imperador dos Romanos!» E depois
a
deste louvor foi adorado pelo aposto1ic0(2) a maneira dos antigos prin-
Ao Pacifico Senhor Rei David (1), 0 FY1190 A1bi11°(2). Same- clpes e, posta dc parte a denominacao de patricio, foi chamado imperador
a

i
° allgusto.
Até hoje trés pessoas tem ocupado as mais altas posiooes neste mundo! 5-
a sublimidade apostolica que, como vigaria do bem-aventurado Pedro.
‘WWQ [Annales Laurissenses. A. 801, in Monumenta Gemianiae Historian-—
principe dos apostolos, rege o seu cargo; a vossa veneranda bondadfi Scriptures, t. r, Hannover, 1826, p. 188.] 1

teve 0 cuidado de me informar sobre a actuacao do que ‘tem sido adminis- I


ll) Leio III (795-816). (1) O papa.
trador da aludida sede (3). Outra é a dignidade imperial, poder 58¢!-I13‘
(
da Segunda Roma; a fama da maneira impiedosa como 0 dingente 11°

s1
l
Império foi deposto, nao por estrangeiros, mas por‘ parentes e concida;
(1595, espalhou-se por toda a parte (4). A terceira é a dignidade real da quilt I

0 designio de Nosso Senhor Jesus Cristo vos encarregou, como conduwe l


do povo cristaoz excede as outras dignidades apontadas em poder, renom
1
I. m__l°

(
I
'1
\
1

146 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS os CAROLINGIOS 147 6

Apcsar dc a tcr cm tanto respeito, apenas viajou até Roma para cum- l
RAZCES DA ELEICAO DE CARLOS MAGNO
prir as suas promcssas e fazer as suas preces quatro vezes durante os qua- rl
0 texto a seguir transcrito, conramporzineo dos eventos rcnta c sete anos do seu reinado.
regmadas, pretende justzficar a atitude de Carlos Magrio Mas para a sua filtima viagem houve ainda outra razao. Os Romanos
perante os imperadores bizantinas, para quem a cria¢a0 tinham infligido muitas injfirias ao Papa Lefio (1), arrancando-lhe os olhos
de um Império do Ocidente teria de ser sempre uma llega~-
lidade e uma‘ usurpapfiv. e cortando-lhe a lingua (2), pelo que cstc se sentiu compelido a implorar o
auxilio do rei.
E ’ como o titulo dc imperador tivesse entio acabado entre os Gregos, -
Por esta razio [Carlos Magno] foi a Roma a fim dc rcstaurar a ordem
visto que tinham o govemo de uma mulher(1), paraccu ao Papa Leao nos negocios muito pcrturbados da Igreja e ai permaneceu durante todo
c a todos os santos Padres reunidos no concilio (2), assim corno ao restante 0 Inverno. Nessa altura reccbcu_ os titulos dc Imperador e Augusto. Mas
do povo cristio, que deveriam nomear imperador Carlos, rei dos Francos, a principio desagradou-lhe tanto este acto que declarou que se acaso tivesse
na medida cm que possuia nao apenas a propria Roma onde os Cesares podido conhecer com antecedéncia a intenqio do pontifice, nao tcria en- |
‘I
costumavam sempre residir, mas igualmente as outras sedcs na R8118, trado na Igreja naquele dia, embora fosse um dia muito fcstivo. Porém,
Galia e Germania. Visto que Deus todo-poderoso tinha confiado a sua aguentou muito pacientemente a inveja suscitada por estes titulos nos
autoridade estes lugares, parecia-lhes justo que com a assisténcia dc lDeus imperadores romanos, que so mostravam indignados. Enviando-lhes fre- ll
¢ dc acordo com o pedido do povo cristio ele usasse também 0 titulo. quentcs embaixadas e chamando-lhes irmaos nas cartas venceu a sua tel-
u
O rei Carlos nao se sentiu capaz dc recusar este pedido, mas com humil- mosia com a magnanimidade, na qual lhes era indubitavclmcntc superior. l

dade submeteu-sc a Deus c a petigio dos sacerdotcs e de todo 0 povo ll


cristio e no proprio dia da Natividad: dc nosso Senhor Jesus Cnsto assu- [Einhai-di, Vita Karoli lmperaloris, caps. xxvn e xxvln, in A. Tculct,
J\wa-— Gufre: Compléte: d'l~1ginI|ard. t. I, Sociélé dc l'Histoire dc France. ‘I
miu 0 titulo dc imperador e foi consagrado pelo Papa Lcio. [...] Pans, 1840, pp. 86 c 89.]

[Annales Laureshamenses. 11.80], in Monumenta Germanic: Histarica (') Ldo III (795-816). (1) Estas sevlcias parece nio terem sido posta: em pratica, como My
l
—Scriprores, t. I, Hannovcr, 1826, p. 38.] se depreende dz subsequent: actuaqio do papa.
N

(1) Ajmpfl-azriz Irene (797-802). (1) Alusio a um sinodo reunido a 23 Daexnbro


na Basilica dc S. Pedro, onde 0 Papa Lcio III se doclarou mooente dos crlmfl qll¢ lb"
cram imputados por alguns nobres romanos. A maiona das outras f0nl¢$ I130 l'°T¢l’¢ $5“ 014-aifla

decisio tomada em concilio, pelo que é d\1Vid°53-


A PAZ ENTRE OS IMPERIOS
Av-~45 DO ORIENTE E DO OCIDENTE (812) ll
M
A- troco da restituipiio de algumas conquistas feitas pelos
A COROACAO DE CARLOS MAGNO Francos an Império do Oriente (Veneza e vdrias prams
SEGUNDO EGINHARDO nu costa da Dalmdciu), 0 imperador Miguel (811-813)
ll}
pronnficou-se finalmente a reconhecer o rftulo de Carlos
E3,-,,;,,,,-,1‘, (séwlos r/{II-IX), o cronista palaciano, pretegdeg Magno. O texto é do cronista Eginhardo, cantempordneo <4‘
ilibar as responsabzlzdades de CarI_os Magno, alegan 0 dos acontecimentos.
sua completa ignordncla d0s_ designzos do pontifice e 0 seu 1

desagrado ao tomar conhecimento deles. D°Pois de- ter tido muitas e insignes vitorias na provincia da Mésia,
Quis Car1oS_.Ma'gno qug a Igreja de S. Pedro fosse nao apenas defen- ° Imperador Nicéforo foimorto numa batalha travada com os B1'1lgaros(l)
'T
. - - ' ' rua- ° 0 seu genro Miguel feito imperador. Foi este quem recebeu e satisfez
dida e protegida por si, mas que pelas suas dadivas ultrapassassc em 0
°m Constantinopla os embaixadores do imperador Carlos que tinham l'\
mcntos e riquezas todas as outras igrejas.
<9
143 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

sido enviados a Nicéforo. Com os seus proprios legados, 0 bispo Miguel


e os protospatarios (2) Arsafio e Teognosto, reenviou para Aquisgranum (3)
[os embaixadores] e através deles ratificou a paz iniciada por Nicéforo (4).
Com efeito, em Aquisgranum, até onde tinham vindo para se encontrarem
com 0 imperador, receberam dele na igreja o texto do tratado e aclama-
ram-no a sua maneira, isto é, em lingua grega, chamando-lhe Imperad0r c. O <<RENASCIMENTO» CAROLiNGIO
e Basileus. No retorno, vindo por Roma, receberam de novo, do Papa
Leio, na basilica do apostolo S. Pedro, o mesmo texto do pacto ou
tratado de paz. 1. '
A FUNDAC/TO DE ESCOLAS
[Einhardi Annals: A. 812, in Monumenta Germaniae Hisrorica
— Scriptures, 1, Hannover, 1826, p. -199.] E A REVIVESCENCIA
DO LATIM CL/ISSICO
(1) A 25 <1; Julhg do 811. (Z) Um dos varios cargos honorificos que cabiam aos altos
dignitaries da cone bizantina. (3) Aachen. (4) Em 312- O movimento humaruZsn'c0 a que Carlos Magno presidiu tem sido denominado
arenascimento carolingimi. Na realidade, depois do periodo meravingio, de nit!’-
da regressio cultural, a nova época caracterizou-se por um impulso marcado
r
no plano educativo, 0 qual se traduziu essencialmente por uma revivescéncia
do Iatim cldssico.
Procurando que cada catedral e mosteiro tivesse a sua propria escola e
remodelando a escola do palzicio em Aachen, o imperador procurava melhorar
a preparagiio, nao so dos futuros dirigentes eclesidsticos, como do prdprio
funcionalismo imperial. A orientar este movimento encontravam-se homens
vindos de zonas onde a cultura antiga nao desaparecera por completo —-a
n
Itélia, a Espanha, a Inglaterra e a Irlanda.
Nos escolas carolingias, aberras a todas as classes sociais, 0 ensino repou-
sava ja' nas sete artes Iiberais, com incidéncia no trivium. Nos mosteiros.
Pequenas bibliotecas conservavam preciosamente cdpias de obras da Anti-
Kllidade e de algumas contempordneas, muitas delas executadas nos scrip-
toria dos proprios conventos. AI nasceu certamente a Ietra carolina, um
1108 legados deste periodo.

F;
‘f — — _ _

~__.

os CAROLINGIOS ,5, l
I

150 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS


ll
DA NECESSIDADE DO ESTUDO
A ESCOLA no PALACIO DAS LETRAS
E As ARTES LIBERAIS
Do interesse de Carlos Magno e dos seus letrados pelas
artes Iiberais, quer nos seus aspectos teoricos, qucr até
Numa capitular sobre a educacdo (De litteris colendis),
publicada em 786 e dirigida a Baugulfo, abade de Fulda,
mosteiro onde veio a funcionar uma das mais famosas esco-
J
no sua aplicabilidade prética, dd-nos conta, entre outras, las carolingias, 0 imperador defendeu uma vez mais a neces-
[.

a obra de Alcuino (735-804) intitulada Dialogo sobre a sidade do cultura das letraserri prol de um melhor entendi- I.
Retérica e as Virtudes (794 ou 796). Transcrevemos, como memo das ESCI'ilIlfdS."
exemplo das producfies literdrias carolingias, 0 inicio deste l.
I
didlogo, onde intervém Carlos Magno e Alcuino.
Seja portanto conhecido da vossa devoqio que a Deus seja agradavel, 1
que nos, juntamente com os nossos fiéis, consideramos de utilidade deve-
CARLOS — Entre 0 Deus trazer-tc e levar-te, 6 venerando Mestre Albino (1),
rem os bispados e mosteiros confiados pelo favor dc Cristo a nossa direc- l
peco-te que me permitas interrogar-te sobre os preceitos da arte da reto- ‘l
<;5.o, em acréscirno a regra da vida monastica e a pratica da santa religiio,
rica: na verdade recordo-me de me teres dito uma vez que a forca desta arte lI
ser também zelosos na cultura das letras, ensinando aqueles que por dadiva \
reside toda em versar problemas publicos. Ora, como bem sabes, devido
dc Deus sao capazes de aprender, segundo acapacidade de cadaindividuo. [...] 4
as ocupacoes do reino e aos cuidados do palacio, acontece-nos estar cons-
Porque quando nos anos recérn-passados nos foram muitas vezes escritas
tantemente ocupados com problemas desse tipo e parece ridiculo desco- (
cartas por parte de varios mosteiros [...] reconhecemos em muitas destas J
nhecer os preceitos de uma arte que nos envolve necessariameme nas nossas \
cartas simultineamente raciocinios correctos e discursos desordenados;
ocupacoes quotidianas. Na verdade, pelo que em parte me abriste das
porque 0 que a piedosa devocio ditava fielmente ao espirito, a lingua sem
portas da arte da retdrica e dos segredos da subtileza dialéctica com as tuas
educacio, devido a negligéncia do estudo, nao estava apta'a exprimi-lo
poucas consideracoes, tornaste-me muito interessado por esses assuntos
sem erro._Logo aconteceu comecarmos a temer que assim como a habi-
e especialmente porque outro dia me conduziste sagazmente ao celeiro
lidade para escrever era menor, também a sabedoria para compreender
da disciplina aritmética e me iluminaste com 0 esplendor da astro-
as Sagradas Escrituras fosse possivclmente muito inferior a que na rea-
logia.
lidade deveria ser. E todos nos sabernos bem que, embora os erros das
l
ALialNo—Deus iluminou-te, meu Senhor Rei Carlos, com toda a luz palavras sejam perigosos, muito mais perigosos sao os erros do pensamento.
da sapiéncia e ornou-te corn a claridade da ciéncia, de forma que nao so Por isso exortamo-vos, nao apenas a nao desprezar o estudo das letras,
podes seguir rapidamente os engenhos dos mestres, como mesmo ultra- mas também a estudar diligenternente com a intencio mais humilde, agra- ll
l
passar velozmente a muitos; e embora o meu pequeno engenho nao possa davel a Deus, a fim de que possais mais facil e correctamente penetrar Il

acrescentar luz a cintilante chama da tua sapiéncia, para que nao me con- OS rnistérios das diversas Escrituras. [...] Poi-tanto, se descjais conservar
8 nossa graca, nao deixeis de enviar copias desta carta a todos os vossos i\
siderem desobediente, responderei prontamente as tuas perguntas e oxala
o faca tao sagaz quanto obedientemente. Sufraganeos e aos bispos vossos colegas, assim como a todos os mosteiros. \

l
[Alcuini, Dialogus de Rhezorica er Virruribus. in J. P. Migne, Patro- [Monumenra Germnniae His-tar|'ca—-Legum, t. I, Hannover, 1835,
logiae Cursu: Completus, Series Latina, t. cl, Paris, 1863, cols. 919 pp. 52-53.] \
e 920.]

(1) Cognome literal-io de Alcuino.


152 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS OS CAROLINGIOS 153

A FUNDACAO DE ESCOLAS MONACAIS mimero de pontos (1). Concebeu a ideia de lhes acrescentar o que lhes fal-
E CATEDRAIS tava, de lhes suprimir as contradicoes e de lhes corrigir os vicios e as
mas aplicacoes. Mas deste projecto nada foi feito, salvo 0 acrescentar as
No seu Admonitio Generalis, em 789, Carlos Magno inci- leis um pequeno nfimero de capitulares que ficaram imperfeitos (2).
tou osmosteiros e bispados a estabelecerem escolas para Todavia ordenou que todas as leis nao escritas dos povos que viviam sob
todas as criancas e a reverem os seus livros de texto, a fim
o seu dominio fossem recolhidas e redigidas (3). Os poemas antigos e bar-
de que a instruefio na fé catolica se pudesse fazer correc-
tamente. baros, nos quais as accoes e as guerras dos antigos reis eram celebradas,
foram igualmente escritos, por sua ordem, para serem transmitidos a pos-
Cap. 71 —E imploramos também da vossa santidade que os ministros teridade. Mandou ainda comecar uma gramatica da sua lingua nacional
do altar de Deus adornem os seus ministérios com boas maneiras, e igual- e deu nomes tirados dessa lingua a todos os meses do ano. A nomencla-
mente no que respeita as outras ordens que observam uma regra e as con- tura usada entre os Francos tinha sido até entio meio Iatina, meio bar-
gregaqoes de monges. [...] E seja-lhes permitido agregar, reumr e asS0¢1fi1' bara. Distinguiu os ventos por doze designacoes proprias, enquanto antes
a si proprios, nao apenas os meninos de condicio servil, mas também dele nao havia mais de quatro para os designar.
os filhos dos homens livres. E que se estabelecam escolas onde as criancas
aprendam a ler. Emendai cuidadosamente, em cada mosteiro ou bispado, [Einhardi, Vita Karoli Imperatoris. in A. Teulet, (Euvres Cornplétes
d‘Egirzhard. t. 1, Société de l'I-listoire de France, Paris, 1840, pp. 89
os salmos, os sinais da escrita, os cantos, o computo, a gramatica e os a 91.]
livros catdlicos; porque muitas vezes alguns desejam rezar a Deus correc-
tamente, mas rezam mal por os livros nao estarem corrigidos. E nao per- (1) A Lei Salica e a lei dos Ripuarios. (1) A mais importante destas capitulares 6 a do
ano 802, Capitula data missus dominicis. (3) As leis dos Frisoes, Saxoes e Turlngios.
mitais que as vossas criancas os corrompam ao ler ou ao escrever. Se for
necessario escrever 0 Evangelho, o Saltério e 0 Missal, que homens de
5181111123 capitulares introduziram também modificaooes nas leis dos Lombardos, Ala-
manos, Borginhoes e Visigodos.
ljfl lil
idade madura os escrevam com toda a diligéncia.

[Mgnunpgnla Ggrmmliat Historica—-Legurn, t. I, Hannover, 1835,


pp. 64-65].
SOBRE A REFORMA
DOS LIVROS LITURGICOS
Na capitular De Emendatione Librorum et Officiorum
As REFORMAS LEGISLATBVAS _ Ecclesiasticorum, Carlos Magno defendeu a necessidade da
E A DEFESA DA LINGUA GERMANTCA reforma dos livros Iitzirgicos. No excerto que se segue refe-
re-se a organizacfio de uma colectdnea de homilias que deve-
Numa tentativa de umficacfio dos vdrios povos que lhe obe- ria ser usada em todas as igrejas do Império. A
deciam, Carlos Magno nfio so empreendeu algumas remo-
delagfies dos cédigos germanicos, como apelou para a pro- [-_--] Incitados pois pelo exemplo de nosso pai Pepino, dc veneranda memo-
pria lingua popular germdnica, que considerava 0 verculo
de divulgacfio cultural. O trecho aqui apresentado é do
"al que pelo seu zelo ornou todas as igrejas das Galias com os cantos da
cronista do imperador, Eginhardo (séculos VIII-IX). Igreja Romana (1), pretendemos, com urn habil intuito, ilustrar as mesmas
['g'°J=iS] com uma série das principais homilias. Em suma, porque acha-
Depois de ter recebido 0 titulo de imperador, Carlos pensou er-n reformat "f°S as homilias para os oficios nocturnos, compiladas pelo labor infru-
as leis do seu povo, nas quais tinha notado numerosas irnperfeicoes. Co: t'f°l'0 dc alguns, a despeito da sua intengfio correcta, inaproveitaveis, por-
efeito, os Francos tém duas leis, que diferem muito entre s1 num gran que foram escritas sem as palavras dos seus autores e estio cheias de um

4
,7
1

154 rmcros 1-nsroalcos MEDIEVAIS OS CAROLINGIOS 155 i


4
O EMBELEZAMENTO DA CATEDRAL DE AACHEN 1
infinito numero de erros, nao podernos suportar nos nossos dias que sole-
l
cismos discordantes se introduzarn nas 1i¢5¢$ sagradas em" °5 °f‘°‘°s No texto que se segue, Eginhardo (séculos VIII-IX) revela-
divinos e propomo-nos reformar essas li<;6¢$- E ¢11°a1'1'°85m°5 desse "'3' -nos as riquezas de que Carlos Magno revestiu a sua basi-
balho Paulo o Diacono (1) nosso familiar e cliente. [...] lica de Aachen, chegando a_ importar materiais de Roma 14
Ele, querendo servir devotadamente a nossa eminéncia, leu os tratados e Ravena, para lhe acentuar 0 cunho imperial.
e serrnoes dos diferentes padres catolicos, escolheu o melhor de cada um Praticava em toda a sua pureza e com o maior fervor a religiao crista,
e apresentou-nos ern dois volumes licoes utilizaveis para todo o ano e para cujos principios lhe tinham sido inculcados desde a infancia. Foi por esta
cada festa em separado, limpas dc erros. Exarninamos o texto de todas razao que mandou construir uma magnifica basilica que ornamentou dc
elas com a nossa sabedoria, aprovamos estes volumes com a nossa auton- ouro e de prata, de candelabros, de grades e de portas de bronze maciqo, 4
dade e entregamo-los a vossa religiao para serem lidos nas igrejas do CF18“!- e para a qual mandou vir de Roma e de Ravena marmores e colunas que 1
[Monumenta Germaniae Hi.\'torica—-l-¢8""'- L I» H3nn°"°" 1835’
nao se podiam encontrar noutra parte. Frequentava asslduamente esta
1
p. 45.] 1 igreja, a tarde, de manha, e mesmo durante a noite, para assistir aos ofi-
cios e ao santo sacrificio, enquanto a sua saude lho permitia. Vigiava com
(1) O canto gregoriano. Carlos Magno tomou obrigatbrio o seu aprend'iIa'%d0 PC10- solicitude para que nada se fizesse senio com a maior decéncia, recomen-
clero, através das capitulares de 789, 802 e 805. (1) O historiador e 8\’3m3"°°' P_3“l° dando constantemente aos guardas que nao consentissem que para la se
Diacono nasoeu na lstria entre 720 e 725 e morreu no Monte Cassmo num dos ultimos
anos desse século. Da sua passagem pela corte fra-I168 I513. mire °""'35 °bm5' 3 °°‘°°'
levasse ou que la se deixasse nada de sordido ou indigno da santidade do
tflnea de Homilias aqui referidas. local. Presenteou-a com um grande numero de vasos de ouro e de prata
e corn uma tal quantidade de vestes sacerdotais que, para a celebracio
do servico divino, os proprios ostiarios, que sao os filtirnos na ordem
eclesiastica, nao tinham necessidade de se vestir com os seus trajos parti-
2. culares,'a fim de exercerem o seu ministério. A
O DESENVOLVIMENTO DA
Introduziu grandes melhoramentos nas leituras e na salsnodia, porque 1
~-1\4b»u»;\<4>-nu ele préprio nela era muito habil, se bem que nunca lesse em publico e
ARQUITECTURA E DAS ARTES MENORES cantasse apenas em voz baixa e com o resto dos assistentes.
[Einhardi, Vita Karoli Imperatoris, in A. Teulet, (Euvres Completes
J
A emulaciio que Carlos Magno naturalmente sentia em relaofio ao esplendor Mwt.»-an
d’Eginhard, t. 1, Société de l‘1-Iistoire de France, Paris, I840, pp. 83 a 85.] 1
de Constantinopla levou-0 a tentar dar a Aachen um certo brilho imperial.
‘E 4
de acordo com as moldes bizantinas.
4
Se 0 palécio do imperador desapareceu. ll "IP81" Palalinll 1'"-*'P"""d“ 3'" s 1
CARLOS MAGNO
S. Vital de Ravena permite-nos ainda hoje ajuizar o que teria sido na prim!‘
E AS CONSTRUCOES ARQUITECTONICAS 1
tiva. 0 plano octagonal, as colunas de mdrmore, os revestimentos de mosai-
1
cos eram de nitido sabor oriental e injluenciaram posterivrmtllw muitas 01"?"-‘ Tendo prestado especial atenciio d reconstruefio de edificios
igrejas germanas. ' I religiosas, 0 imperador franco mio descurou a arquitectura 1

De maneira menos notoria, a pressfio do Oriente fez-se tambem senttr n0 civil. Eginhardo (séculos VIII-IX) fala-nos de algumas dessas
1
dominio das artes menores. As preciosas iluminuras dos manuscritos, aS J.
obras.
4
cinzelagens; os esmaltes e as marfins trabalhados conjugaram um S051" 8”‘
mém-co P”-mm-V0 onde m-unfava 0 mm,-V0 gegméirica abstracto, com o figu- Este principe, que se mostrou tao grande ao estender o seu império e domi- 1
mmo dc tradicfia romana mediterrdnica nar as nacoes estrangeiras, e que esteve constantemente ocupado com a
1

1
156 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

execucio dos seus vastos designios, empreendeu em diversos locais, para


ornamento e utilidade do seu reino, numerosos trabalhos, dos quais ter-
minou varios. Entre estas obras, pode citar-se principalmente a Basilica
da Santa Mae de Deus que mandou construir em Aquisgranum com uma
arte admiravel e uma ponte de quinhentos passos de comprimento, cons-
truida em Mogontiacum (1), sobre o Reno; porque tal é a largura do rio
neste local. Um incéndio consumiu-a um ano antes da morte de Carlos.
Faltou-lhe o tempo para reparar esse desastre, e no entanto pensava nisso CAPITULO V —ORIGENS E CQNSOLIDACAO
e queria empregar a pedra em vez da madeira nessa nova construcio. DO FEUDALISMO
Comeqou dois palacios dc trabalho notavel: o primeiro nao longe dc
Mogontiacum, perto da terra de Ingelheim (1); o outro em Noviomagus (3)
sobre o Vahalis (‘), rio que circunda ao sul a ilha dos Batavos. Mas os
edificios sagrados foram sobretudo o objecto dos seus cuidados em toda 1
'1.
a extensio do reino. Sabendo que estes monumentos caiam de velhice,
exortava os pontifices e os religiosos que deles tinham a guarda a fazé-los
restaurar, e delegava cornissarios para vigiar a execucio das suas ordens. \-aw
a.u'»'J.-

" [Einhardi, Vita Karali Imperatoris, in A. Teulet, Guvres Completes


d'Eginhard, t. I, Société de l'Histoire de France, Paris, 1840, pp. 55 a 57].

(1) Moguncia. (1) Este castelo estava situado a quatro léguas de Mogimcia. Foi
reconstruldo pelo imperador Frederico I, assim como 0 de Nijmegen. (3) Nijmegen.
(4) O rio Waal.

| 4

1..
7 W " ' "”

' a. A ESTRUTURACAO ECONOMICA

I 1.
A ASTENIA COMERCIAL PRECURSORA
E GERADORA D0 FEUDALISMO

NOS ziltimos séculos do Império Romano verificara-se uma regressdo econo-


mica bem marcada. 0 caos politico e administrativo e as invasfies bdrbaras
haviam prejudicado as vias comereiais, diminuindo desta maneira a impor-
tancia da cidade como centro economico.
Este fendmeno na'o deixou de se acentuar nos primeiros tempos medievos.
A decadéncia da vida urbana, como consequéncia da estagnapfio comercial,
e a valorizacdo da terra foram naturalmente acompanhadas pela rarefacpfio
do numerdrio. -
Desta maneira a agricultura tomou-se a actividadeuecondmica predominante
e sobre a posse da terra se gizou a sociedade feudal.

AS INVASOES E A DECADENCIA URBANA


S. Jerdnimo (c. 331-420) sentiu com grande acuidade a
derrocada do Império Romano e a accfio devastadora dos
bdrbaros. Deste estado de espirito é sigmficativo o trecho
que se segue, extraido de uma das suas epistolas, 0 qual
patenteia a grave crise politico e economica provocada pelas
invasfies.

Imlmeraveis tribos selvagens ocuparam todas as partes da Galia. Toda


a ftgiio entre os Alpes e os Pirinéus, entre o Reno e 0 oceano, foi arrasada
P°|°$ Quados, Vandalos, Sarmatas, Alanos, Gépidas, Hérulos, Saxoes,
Burgfindios, Alamanos e, infelizmente para o bem comum, mesmo pelas
h°Yd=1$ dos Panonios. Porque Assur esta junto com eles (salmo 83:8).
K A outrora nobre cidade de Mogontia (1) foi conquistada e destruida. Na

FIfvI-’.u-01
$1-u
1
1

160 TEYTOS HISTORICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO 161

sua igreja muitos milhares foram massacrados. O povo dc Wormatia (2) que se dirigia ao palacio e a assembleia geral do seu povo, organizada todos
foi destruido depois de um longo cerco. A poderosa cidade de Remi(3), os anos para os negocios pfiblicos; e era assim que voltava para sua casa.
os Ambianos (4), os Altrabtas (5), os Belgas nos confins do mundo, Tuma— [Einhardi, Vita Karoli Imperatoris, cap. I, in A. Teulet, (Euvres Com-
cum (6), Spira (7) ¢ Sn-3,ti5burgatn(3) cairam perante os Germanos. As plétes d'Eginhard, t. t, Société de l’Histoire de France, Paris, i840, p. 9.]
provincias da Aquitfinia e da Novempopulania(9), de Lugdunum (10) e
Narbo (11), com 3 excepqao de poucas cidades, todas foram arrasadas.
Aqueles a quem a espada poupa no exterior _s5o devastados pela fome O RENDIMENTO DE UMA VILLA CAROLlNGIA
no interior. N50 posso falar dc Tolosa sem lagrimas; tinha sido defen-
dida de cair, até aqui, pelos méritos do seu ilustre.bispo, Exuperius. Mesmo O predominio de uma economia rural e fechada em plena
época carolingia é claramente ilustrado pela capitular De
os Hispanicos estao perto de perecer e tremem diariamente quando lembram
Villis (c. 800). Preocupado com a administracfio das suas
a invasao dos Cimbros (12), e o que outros sofreram no passado sofrem propriedades, Carlos Magno exigiu um inventdrio dos seus
continuamente no temor. _ rendimentos, de cujo enunciado transcrevemos um capitulo.
Faco siléncio sobre outros lugares para nao parecer desesperar da mise-
Cap. 62 — Que cada mordomo (1) faca um relatério anual de todos os nossos
I111
ricordia divina. Do mar Pontico (13) aos Alpes Julianos (14), o que outrora“
era nosso deixou de o ser. [...] rendimentos agricolas: um rol do que os nossos boieiros cultivam com os 40-I
bois e dos amansos» (2) que devem lavrar: um rol dos leitoes, das rendas, das 10-
,
[S. Jeronirno, Epistola 123, ad Ageruchiam, in J. P. Migne, Patrologiae
Cursus Completus, Series Latina, t- XX", ¢0|- 1957-]
.1
obrigacoes e muitas; da caca apanhada nas nossas florestas, sem licenca;
das varias composicoes; dos moinhos, das florestas, dos campos, das pon-
on
(1) Mainz. (1) Worms. (1) R=ims- (4) Povulasiv vréxima <l= Ami="=- 1‘) T'ib° ‘1“° tes e barcos; dos homens livres e das <<centenas»(3) que tém obrigaqbes
me
HM
vivia perto de Arras. (6) Tournai. (1) Sp=y=r- 1') $tm=burs- (9) Uma <1” <1i°<==$°= para com 0 nosso fisco; dos mercados, das vinhas e daqueles que nos devem
romanas da.Galia, entre a Aquirania e a Narb<>n=ns~=- 0°) Lvom (") Narbvnfle vinho; do feno, da lenha, varas, tabuas e outras espécies de madeiras;
(12) ‘Q3 Cimbms invadiram a Peninsula nos finais do século ll a. C., combatendo os das terras vedadas; dos vegetais, milhete e painco; da la, linho e canhamo;
Celtiberos. (11) o mar Negro. (14) Resiiv dos Alpes = nem do Adfifi'i°°- dos fnrtos das arvores, das aveleiras, tanto das maiores como das mais
- Pequenas; das arvores enxertadas de todas as espécies; dos hortos; dos
Mbos, dos viveiros de peixes; das peles e coiros; do mel, e cera; da gor-
A VIDA RURAL NA CORTE MEROVlNGIA dura, sebo e sabio; do vinho de amoras, vinho cozido, hidromel, vinagre,
°¢W¢ja, vinho novo e velho; do trigo recente e antigo; das galinhas e ovos;
Este texto célebre de Eginhardo, cronista e contemporaneo d°8 gansos; dos pescadores, ferreiros, armeiros e sapateiros; das areas
de Carlos Magno, mostra bem a profunda regressdo eco- ¢ cofres; dos tomeiros e seleiros; das forjas e covas, ou seja das minas de
nomica da época dos Merovingios (séculos 1Va VIII). No rein0 ferro e outras e das minas de chumbo; dos tributaries; dos poltros e égua-
dos Francos nasciam as condicfies que fariam desabrochaf
o feudalismo. zmhas. Dar-nos-50 conta de tudo isto, descrito separadamente e em ordem,
"~'"1_Natividade do Senhor, a fim de podermos saber o que temos de cada
coisa e em que quantidade.
[...] A excepcao deste inutil nome de rei e de uma pensio alimentar mil
assegurada, [o principe] nada possuia de seu além de uma unica terra 4°
[Monumenta Germaniae Historica—Capitularia Regum Francorum,
um rendimento modico, que lhe proporcivnava uma h8bila<;5-0 §11m P¢q11°n° ed. A. Boretius, t. 1, Hannover, 1883, pp. 85 a 89.]
numero de-servidores as ordens, encarregados de lhe conseguirem o neces- Ill
0) ludex no original latino. (1) Casais. (3) Centena é neste caso uma unidade admi-
sario. Se tinha dc ir a qualquer parte, era sobre um carro puxado por HIP” nistrariva nos dominios do fisco.
junta de bois, que um boieiro conduzia a maneira dos aldeios; era assim z. m__ H

aqa»-'
-r-vn“
FEUDALISMO 163
162 raxros HISTORICOS MEDIEVAIS
2.
AS INVASOES NORMANDAS O PARCELAMENTO DO DIREITO
E A crusts DA MONARQUIA
(SECULO IX) DE PROPRIEDADE

As devastacoes normandos nao s6 provocaram uma grave 0 parcelamento e a hierarquizacfio do direito de propriedade, que economi-
crise politico em Franco, levando d deposzcao do rei carolm- camente caracterizaram 0 sistema feudal, nasceram de duas situacfies dife-
gio Carlos o Gordo (887) e a eleicfio de Eudes (888), como rentes, mas convergentes:
crioram um grande mal-estar economico. 0 trecho que se
segue é da autoria do monge Richer, que viveu na segundo l) Um senhor que possuia terras em abunddncia e necessitava de bracos
metade do século X. para as trabalhar cedia algumas parcelas a colonos, a troco de um paga-
MCHIO em generos 8 em S€I'Vi§0S,'
Feito rei, [Eudes](1) agiu sempre com energia e felicidade; todavia, absor-
vido pela guerra, so raramente pode prestar justica. Com efeito, seteAvezes 2) Os pequenos proprietdrios, sentindo-se inseguros, preferiam entregar
na Néustria combateu e derrotou os piratas (Z), e nove vezes os pos em a um senhor mais poderoso a sua terra, juntamente com alguns servicos, a
fuga, isto no espaco dc aproximadamente cinco anos. A expulsao (destes troco de proteccfio (encomendavam-se ao senhor).
piratas] foi seguida por uma grande fome (3), visto a terra ter ficado inculta As concessfies de terras, a principio nda hereditdrias, foram designadas
durante trés anos. Uma medida de trigo, igual a décima sexta parte de um por precarias (desde 0 século VIII) e beneficios. (termo de significado
almude (4), vendia-se por dez dracmas (5); uma galinha, por ouatro; um E mais largo, englobando a precaria e utilizado até ao século XI), para final-
carneiro valia trés oncas (6), uma vaca valia onze. N50 se fazia qualquer mente, ja hereditérias, se generalizarem sob o nome de feudos (a partir
comércio de vinho, pois estando todas as vinhas cortadas, mal se collua. do século XI).
O rei rmndou construir fortificacoes nos locais abertos as irrupcoes dos pira-
tas e colocou ai tropas; ele proprio se retirou para a Aquitania com um
exército, propondo-se voltar apenas quando a medida d¢ 158° 115°
mais de dois dracmas, as galinhas um dinheiro q), <1“?-"d° °5 °am°“°s FORMULA PELA QUAL UM I-IOMEM LIVRE
se vendessem por dois dracmas e as vacas por tree oncas. SE ENCOMENDAVA A UM SENHOR (SECULO VIII)

- ' ' ,1 , l'v. 1, Société de l'Histoire de Francs. Esta formula, proveniente de Tours e reportando-se a uma
§§§§?°i;.f¢'§§§"§= §.“Z';'u'§¢'i$f =.'1. Paris. 184$. pp. 11-19.1 1. instituictio existente anteriormente d época em que foi exa-
rada, revela-nos as caracteristicas essenciais da <<encomen-
(1) Eudes, duque de Franca, foi proclamado rei um ano depois d3 d=P°$i¢5° 4° _C‘_""°‘ dacfio»: a reciprocidade das obrigacfies do protector e do
O Gm-do (337), (2) ()5 no,mmd°s_ (3) Em 889. (4) O almude em Portugal oscilava protegido e a variedade dos mesmas. no medida em que os
entre 18 e 26 litros, sendo 0 seu valor em Frank? $¢11$iV¢lm¢fll¢ 0 m=$m°- (5) M°°d‘_ servicos a prestar, aqui niio especificados, deveriam poder
de pfam de origem grega aproximadamente equivalente ao dinheiro. (5) A 01113 "hf ser de tipos distintos.
‘/16 da libra (neste periodo equivalente 3 pouco mm d= 400 smm==)- (") Ham 24° 4"
nheiros de prata numa libra. AQUELE QUE SE ENCOMENDA AO PODER DE OUTRO

A° magnifico Senhor [...], eu [...]. Sendo bem sabido por todos quao pouco
lenho para me alimentar e vestir, apelei por esta razao para a vossa pie-
dad¢, tendo vos decidido permitir-me que eu me entregue e encornende
3° vosso mundoburdus (1); o que fiz nas seguintes condicoesz devereis aju-
E 5

l
I 4 \

164 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS L


FEUDALISMO 155
dar-me e sustentar-me tanto em viveres como em vestuario (2), enquanto
vos puder servir e merecer; e eu, enquanto for vivo, deverei prestar-vos ao vosso dominio com os melhoramentos e acrescentamentos [que eu tenha
servico e obediéncia como um homem livre, sem que me seja permitido, feito] sem qualquer reclamacfio por parte dos meus herdeiros.[...]
em toda a minha vida, subtrair-me ao vosso poder e mundoburdus, mas
[Monumenta Germaniae Historica —Fonnulae Merowingici et Karolini
ll
antes deverei permanecer, para todos os dias da minha vida, sob 0 vosso aevi, ed. K. Zeumer, Hannover, 1886, pp. 242 e 243.]
poder e defesa. Logo, fica combinado que, se um dc nos quiser deixar esta
convencfio, pagara[...] soldos a outra parte e o acordo permaneceré firme. (1) Pagus no original. Esta designaqao significa, neste caso, uma circunscricfio territo-
Parece-nos pois conveniente que as duas partes interessadas facam entre rial inferior a civitas. (1) O termo é usado aqui como uma indicacio geogré,fic3_ A ¢¢n.
tena era uma circunscricio dependente de um tribunal especifico -(constituido por cem
si e confinnem dois documentos do mesmo teor, o que assim fize-
membros), tomando-se a breve trecho uma subdivisio do condado.
ram.

[Monumenta Germaniae Historica—Formulae Mcrowingici et Karolini


aevi. ed. K. Zeumer, Hannover, 1886, p. 158.] .

(1) Termo dc origem germanica e grafia variavel que designa a protecgao conferida por A CAPITULAR DE QUIERSY-SUR-OISE (877)
um senhor. (1) Este tipo de auxilio deveria ser 0 mais vulgar, mas nao exclui a possi- E A HEREDITARIEDADE DO BENEFlCIO
bilidade de outros.
Nestas decis5es tomadas por Carlos o Calvo antes de partir
r para uma expedipfio d Itdlia (877), conferiu-se ao bene-
ficio um cardcter hereditdrio, legalizando provisbriamerite
FORMULA PARA OBTER UMA TERRA uma prdtica habitual. A transmissfio do beneficio ligavase
EM PRECARIO (SECULO vn)
Na maior parte dos casos, o aencomendado» recebia como
'1-I
_.\~
jd, de resto, d do propria cargo publico (honor) que lhe
andava associado. 111111
meio de sustento uma terra para cultivar. Esta concessfio, v 9 —Se morrer um conde, cujo filho esteja connosco, o nosso filho com
-4
feita quase sempre a tltulo pouco oneroso, era denominada outros nossos fiéis escolhera de entre aqueles que forem mais familiarcs
beneficio e obtinha-se por um contrato de precario. A c proximos do conde, quem tome conta do condado juntamente com 0
precaria era normalmente vitalicia e implicava o pagamento bispo e os mim'steriaIes (1) do proprio condado, até que a ele renuncie junto
de um censo leve.
dc nos. Se porérn [0 conde] tiver um filho menor, este, com os ministeriales
A0 veneraivel padre em Cristo, o senhor abade do mosteiro de tal e a toda do condado e o bispo de quem depende a paroquia, tomara conta do con-
a sua congregacio ai residente. Eu, em nome de Deus, venho até junto de dado até que a noticia chegue até nos [a fim dc que possamos honrar o
vos com um pedido de precario. De acordo com a minha peticio, deci- filho [...] com os cargos de seu pai](Z). '
diu a vossa vontade e a dos vossos irmios que aquela vossa propriedade
-
-1 Se na verdade nio tiver filho, que o nosso filho com os outros nossos
fiéis escolha alguém que juntamente com os ministeriales do proprio con-
no local chamado[...], na terra (1) de [...], na centena (2) de [...], me devesse
ser entregue, por vosso beneficio, enquanto eu fosse vivo, para a usufruir dado e o bispo, governe 0 condado até que por nossa ordem isso se decida.
e cultivar; o que assim fizestes. E prometo-vos pagar de censo, por esta E que ninguém fique irado se nos entao dermos o condado a qualquer
precaria, em cada ano, por altura da festa de [...], [...] dinheiros. E se
5
Olltro homem, como for de nosso agrado, e nao aquele que até entio 0
eu me descuidar [desta obrigacao] ou aparecer tardiamente, que vos faca -~
80)/ernava. Que se faca 0 mesmo em relacfio aos nossos vassalos. Que-
uma promessa de pagamento ou vos satisfaca [0 devido] nao perdendo Ffimos e ordenamos expressamente que tanto os bispos como os abades
° ¢0ndes e também os nossos outros fiéis procurem fazer 0 mesmo com os
eu esta propriedade enquanto for vivo. [...] E depois da nossa morte voltarzi
56118 homens; e 0 bispo vizinho e 0 conde governarfio tanto os bispados
E
4
156 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
1
como as abadias para que ninguém subtraia _as coisas ou poderes eclesias- F

ticos e nada impeca 0 fazer-se-lhes esmola. [...]


10- Se depois da nossa morte algum de entre os nossos fiéis, movido
pelo amor de Deus e pelo nosso, desejar renunciar ao século e tiver um filho
ou um patente tal que esteja apto a servir a republica, ele [0 fiel] podera, b. A ESTRUTURACAO SOCIAL
como melhor quiser, transmitir-lhe as suas honras. E se quiser viver cal-
mamente no seu alodio, que ninguém tente impedi-lo disso, nem lhe seja
1
exigido nada a nao ser 0 necessario para a defesa da terra. I.
4
[Monumenta Germaniae Historica—Capitularia Regum Francorum, A CRIACAO DE UMA
ed. Alfredus Boretius e Victor Krause, Hannover, 1897, vol. tr, p. 358]. ARISTOCRACIA MILITA-R
1
(1) O termo signifia, neste caso, o subordinado de um conde com funooes judiciarias.
NOS reinos germanos recém-formados as monarcas mantiveram a seu lado 1
(1) Frase acreswntada aquando da leitura do documento ao exército. _
certas guardas pessoais, cuja origem se perdia simultdneamente no mundo
germano (0 comitatus jé descrito por Ta'cito) e na Romania dos tiltimos 1
1
tempos do Império (os buccellarii). Estes homens, que, pelo menos na Gélia
e dc acordo com a tradiciio romana, pertenciam a uma classe social baixa,
viram a sua condicfio modificada pelo triunfo da cavalaria pesada na arte A

do guerra. Com efeito, 0 novo guerreiro necessitava de um treino especial. 1


que o obrigava a dedicar as armas toda a sua vida, e tinha de dispor de uma 1
1
armadurae um cavalo, objectos caros. No principio do século VIII, ja' conhe-
cidos pela denominacfio de origem celta vassus ou vassalus, comecavam a
w1my7,,
..
constituir uma aristocracia.
Este corpo de elite era também subsidiado pelo unico bem que os reis pos-
:
- suiam em quantidade, a terra. 1

, .4~4
1
Q

A CONDICAO DO BUCCELLARIUS
NO ESTADO VISIGODO 1

1
As leis visigdticas conhecidas por Cddigo de Eurico (469-
-481) registam determinadas prdticas pré-feudais que cons-
tituem um traco de wiiao entre 0 mundo romano e a socie-
I\l-v~b''-\num¢-eui.-b-qtyd
dade medieval. As disposicoes sobre as guerreiros privados
sfio exemplo destas instituicfies em transformaciio.
1

Sc alguém der armas ou qualquer outra coisa a um buccellarius (1), estas


Coisas dadas deverao ficar com ele enquanto se mantiver ao servico do seu

la 1
168 'rax'ros 1-IISTORICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO 159

patriio (2). Se porém ele escolher para si outro patrio a quem se queira enco- A CONCESSKO DE
mendar, seja-lhe permitido fazé-lo; porque isto nao pode ser proibido UMA FORMA ESPECIAL DE PRECARIA
ao homem livre que esta em poder [dc outrem]: mas restitua tudo ao patrio AOS MILITARES (143) (1)
que deixa dc servir. Fa<;a-se da mesma maneira no que respeita os filhos
do patrao ou do buccellariusz que [os filhos do buccellarius] conservem as Para defender as franteiras, 0 principe franco, abrigada a
coisas dadas, enquanto quiscrcrn servir [os filhos do patriio]. Se quiserem aumentar as efectivas militares, viu-se na cantingéncia de
abandonar os filhos ou os netos do patrio, restituam todas as coisas que recorrer ds terras da Igreja. Apademnda-se delas, cance-
deu-as a titula temparéria (precarium) aos seus militares,
1 por estes foram dadas aos seus pais. E se 0 buccellarius ao serviqo de um
Y as quais pagariam um censo d Igreja.
~
patrao adquirir qualquer coisa, metade ficara em poder do patrio ou dos
seus filhos; a outra metade iré. para o buccellarius que a adquiriu. [...] Decidimos também, corn oconselho dos servos dc Deus e do povo cris-
tiio, que devido as ameaoas dc guerra e invasoes dc algumas tribos que
[Leges Natianum Germanicarum. L I, I-88¢-T Vl'-"'&’¢"h0f"m. ¢d- K81‘!
Zeumer, Manumenta Germaniae HistarI'ca—Legum. soc._I, t. I, Hanna- se encontram na nossa vizinhanqa, dc futura tomaremos posse, com a
ver-Lcipzig, 1902, t. cccx, pp. 18-19.] indulgéncia dc Deus, dc uma parte da terra (2) da Igreja, sob precario
e mediante um, censo, para 0 sustento do nosso exército e nas seguintcs
(1) Guerrciro privado, reocbendo a manutenfio do seu senhor. (1) Patranus no original. condiqoes. De cada casata (3), um soldo, que sio doze dinheiros, sera pago
I

I
anualmente a igreja ou mosteiro. Mas, se a pessoa que recebeu a proprie-
dade morrer, a Igreja recupcrara as suas préprias terras, a nao ser que,
se a necessidade 0 exigir, o principe ordene que a precaria seja rcnovada
I
FQRMULA PARA NOMEAR UM ANTRUSTIO 5
I
e escrita de novo. Tome-se cuidado cm cada caso que -a igreja ou mosteiro
(PRIMEIRA METADE DO SECULO VII) cuja terra tenha sido concedida em precaria nao sofra por esta razio
pobreza ou necessidade. Se a pobrem o exigir, que toda a possessao voltc
A guarda pessoa! do rei meravingio era formada par antrus- para a igreja e casa dc Deus.
tiones (1), as quais deviam aa manarca ur_n juramento de
fidelidade que representava uma forma przmmva de vas-
- salagem. . [Manumenta Germaniae Hi.\'tarica-—CapituIaria Regum Francarum,
ed. A. Boretius, t. I, Hannover, 1883, p. 28.] '
E justo que aqueles que nos prometeram fidelidadc inquebrantavel sejam (1) Estas mcdidas foram tomadas sob a égide do prefeito do palacio Carlomano I num
favorecidos pela nossa ajuda e protecqao. E visto que [...], nosso fiel, pela fioncilio franco reunido cm Estinncs, no Hainaut (743). (1) Pecunia no original latino.
vontade de_ Deus, veio aqui até ao nosso palacio com as suas armas, e 5 (3) O termo casata esta neste caso tomado como mama, unidadc de cxploragao rural.
jurou nas nossas maos apoio militar (1) e fidelidadc, decretamos e orde-
namos pelo presente documento que daqui para 0 futura odito [...] seja
contado entre o mimero dos antrustianes. E se alguém ousar mata-10 saiba
que sera obrigado a pagar uma composioio (3) dc 600 soldos (4). O JURAMENTO DE FIDELIDADE
FOI ACRESCENTADO A ENCOMENDACFIO
[Monumenta Germaniae Histarica—FarmuIa e Merawingici at Karalini (SECULO VIII)
aevi, ed. K. Zeumer, I-Iannover, 1886, p. 55.]
Em 757, Tassila III, duque da Baviera, aa encamendar-se
(1) O termo deriva do franco trust. que significa auxflio, apoio. (1) Trustis no original
ao rei das Francos Pepino fez um juramento de fidelidade
latino. (3) Wergeld no original latino. (‘) E513. ¢0mP0$i¢5° 6'3 0 t"Pl° d° que 5°
carraborada pela calacapfia das mdas sabre reliquias sagra-
pagava pela morte de qualquer outro homem lrvre.
das. Este é 0 primeiro casa conhecido em que um nobre
-.-

FEUDALISMO 171
l70 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

foi denominado avassalo», designaeda até entfia aplicada 2.


a pessoas de candigfia social inferior. Par esta época desapare- A HIERARQUIZAC/TO DAS RELACOES
ceram as antrustifies.
DE DEPENDENCIA PESSOAL
O Rei Pepino tinha a sua corte em CoInpendium(\) com os Francos.
E ai vgig Tassilo, duque dos Bavaros, 0 qual se encomendou em vassa- O beneficio ou feuda era possuida par um senhor que podia ter na sua depen-
déncia outras senhores, mas que por sua vez dependia de um superior hierdr-
lagem pelas maos, fazendd muitos e inumeravcis juramentos e colocarido
quico de quem Ihe viera a cancessfia. Gerava-se assim uma relagfio pcssoal
as maos nas reliquias dos santos. E prometcu fidelidade ao rei Pepino
a vérios niveis, a qual era carraborada no momenta de cada investidura por
e aos supraditos seus filhos, os senhores Carlos e Carlomano, assim como
uma hamenagem (termo usada a partir do século XI, mas cuja ritual se filiava
por lei um vassalo dc intenqoes rectas e firme lealdade deve fazer e como
na encamendaefio) e um juramento de fidelidade (em prética desde 0 sécu-
um vassalo deve ser para com as seus senhores. Tassilo declarou sobre
la VIII).
os corpos dc S. Dinis, S. Rfistico, Santo Eleutério, S. Germano e S. Marti-
No topa da escala social, 0 rei representava um fecha de ababada sem 0
nho que cumpriria as promessas feitas nos juramentos, todos os dias da
qual toda 0 sistema perderia a seu significada. Na base da mesma escala,
sua vida. [...]
as vilfias, calanas e servos trabalhavam a terra, alicereanda cam a seu labor
[AnnaIes regni Francarum. ed. F. Kum, Berlim, 1895, pp. 14.] a pirdmide social.
Esta hierarquizaofia em classes bem determinadas tinha por coluna dorsal
(1) Compiégne. a nobreza militar. verdadeira sustentécula do regime.

0 SERVICO MILITAR COMO


O DESENVOLVIMENTO DAS RELACQES
RAZKO DE SER DO BENEFiCIO
DE DEPENDENCIA PESSOAL
Na principio do século IX, a passe de uma propriedade de
determinada extensfia implicava a abrigatorxedade de servlr A partir de meados do século IX a encamendaefio havia origi-
militarmente cam equipamenta completa. Se estas 0br1ga- nado insensivelmente a vassalidade. As relaefies de dependen-
;6es nfia fossem cumpridas, a beneficio poderia ser con- cia pessaal crianda uma hierarquia_.na topo do qual se encon-
fiscado. trava o rei, estavam constituidas. Para este facto tinham
cantribuida as invasfies e a anarquia resultante da desagre-
gaeda do Império Caralingia.
Cap 6 —-No que respeita o cquipamento no exército, deve observar-S6
o mesmo que ordenamos préviamente noutra capitular, e, em especial. CAPITULAR DO ANO 847 (1):
todo 0 homem que possua doze manS0§ (1) devefi W1‘ "ma 10583 (2)3
aquele que tiver uma loriga e nao a tiver trazido consigo perdera todo Queremos também que cada homem livre no nosso reino possa, do entre
o seu beneficio, juntamente com a longa. 116$ (Z) ou dc entre os nossos fiéis, escolher um senhor, tal como o desejc.
Ordenamos também que nenhum homem possa deixar o seu senhor
[Capitulare missorum in Tlieadanis Villa (805-806), in Manumerlla
Germaniae H|'szarica—CapuuIarIa Regum Fram.-arum, ed. A. Boretiu5- “Tn uma causa justa e que ninguém o receba, salvo da maneira habitual
t. I, Hannovcr, 1883, p. 123.] "3 época dos nossos predecessores.
E sabei que queremos assegurar aos nossos fiéis o seu direito e nao
(‘) No periodo carolingio e a noroeste da Galia, a exicnsao Inédia dos mansos 05¢!‘ quercmos fazer-lhes nada contra a razao. Da mesma maneira, recomen-
lava entre 10 e 18 hectares. (1) Uma cota dc malha. No onginal latmo, bruma.
A

172 TEXTOS HISTQRICOS MEDIEVAIS


FEUDALISMO 173
1
damo-vos e a todos os outros nossos fiéis, que assegureis aos vossos homens
Q na mao, o conde deu a investidura a todos aqueles que por este facto tinham I
o seu direito e nao lhes facais nada contra a razao. [...] prestado lealdade, homenagem e juramento.
1
[Galbertus Brugensis, Vita Karali Comm‘: Flandriae, in Manumenra
CAPITULAR DO ANO 869 (3)
Germaniae Histarica—-Scriplares, t. XII, Hannover, 1856, p. 591.] l
Conservaremos aos nossos fiéis a sua lei e justica, tais como foram apli- (I) Pralacular. em latim. Este porta-voz deveria servir dc intérprete, por o conde nlo
cadas aos seus predecessores no tempo dos nossos predecessores; e quere- conhecer a lingua flamenga.
mos e ordenamos que os vassalos dos nossos bispos, abades, abadessas,
condes e vassalos recebam dos seus respectivos senhores a lei e a justica
tal como foram aplicadas aos seus predecessores pelos seus senhores, no A Nociio
tempo dos proprios predecessores. DE FIDELIDADE .
SEGUNDO UM ESCRITOR
[Capitularia Regurn Francarum. Manumenta Germaniae Histarica.
ed. A. Boretius e V. Krausc, Hannover, 1883-1897, t. II, pp. 71 e 337.]
DO SECULO XI
(1) Dada por Carlos o Calvo em Meerssen. (2) Referéncia a Lotario, Luis e Carlos. Nesta carta enviada pela bispo Fulbert de Chartres ao duque
(3) Também de Carlos o Calvo. da Aquitdnia Guilherme V (I020), a autor analisa a nocda
de fidelidade vassélica focanda dais aspectos: um negarlva,
passivelmente a mais importante, e outro pasitiva, que res-
tringe d prestacfio de ajuda e conselho, a que sintamatlza
A RENOvA¢Ao DE o alta nivel social das cantratantes.
UM CONTRATO DE VASSALAGEM <(Solicitado a escrever alguma coisa respeitante =1 forma da fidelidade, anotei
NO SECULO XII (1121) brevemente para vos, de acordo com a autoridade dos livros, as coisas que
se seguem:
Neste documento, pela qual alguns nobres flamengas pres-
taram vassalagem a um nova conde, Guilherme Clita, apre-
Aquele que jura fidelidade ao seu senhor deve ter sempre presente nl
senta-se cam muita clareza a sucessfia das cerimonias da memoria estas seis palavras: incdlurne, seguro, honesto, fitil, facil e pol-
hamenagem, juramento de fidelidade e investidura. A home- sivel. Incolume,-_na medida em que nao deve causar prejuizos corporeal
nagem é aqui canfirmada par um osculum, beija, elemento 10 seu senhor; seguro, para que nao traia as seus segredos ou armas pelas EQ QA-t4@“‘-_
nfia essencial mas frequente, sabretuda em terras _fi'ancesas- quais ele se possa inanter em seguranca; honesto, para que nao enfraqueca ll
OS seus direitos de justica ou outras matérias que pertencam a sua honra; \l
[...] Na sexta-feira [7 dc Abri1] foram de novo prestadas homenagens mil. para que nao cause prejuizo as suas possessoes; facil ou possivel, visto (I.
ao conde, as quais eram feitas por esta ordem, em expressao de fidelidadti que nao devera tornar difieil ao seu senhor o bem que ele facilmente pode-
e garantia. Primeiro prestaram hornenagem desta maneira: 0 conde per- Tia fazer, nem tornar impossivel o que para ele seria possivel. *1
guntou [ao vassalo] se ele desejava tornar-se 0 seu homem, sem reservas, Todavia, se é justo que o [vassalo] fiel evite estas injfirias, nao sera so 1|
e ele respondeu: <<Quero.» Entiio, tendo junto as maos, colocou-as enl1'¢ P01‘ isto que merece casamenzum (1); porque nao é suficiente abster-se do
as maos do conde e aliararn-se~por um beijo. Em segundo lugar, aquele mal, A menos que faca também o que é bom. Portanto, devera em adicao <1
que havia prestado homenagern jurou fidelidade ao porta-voz (1) do cond¢» concede: fielmente conselho e ajuda (2) ao seu senhor nas seis coisas aeima <<l
com estas palavras: <<Comprometo-me por minha fé a ser fiel daqul P°Y
diante ao conde Guilherme e a. cumprir integralmente a minha homem’
"lencionadas, se deseja ser considerado merecedor do seu beneficio e (I
d'gn° de confianca na fidelidade que jurou.
gem, de boa fé e sem dolo, contra todos»; e em terceiro lugar jurou o me$m° O Senhor deve também retribuir da mesma maneira todas estas coisas
<~l
sobre as reliquias dos santos. Finalmente, com uma varinha que segurfl‘/3 3° sell fiel (3). Se o nao fizer, seral com razao acusado de Ina fé, exactamente (I
<1
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I $7? i

174 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO "5

como seria [considerado] pérfido e perjuro [o vassalo] apanhado a fazer muito que depcnde dos outros, deve mais e estara sujeito para a justica
ou consentir em tais prevaricacoes. aquele de quem 6 o homem ligio(3). [...]
[Leger Henrici Primi, Ixxxn, 3, 4; in Edward P. Cheyney, Readings
[L Delisle, Recueil des Historians des Gaules er de la France, Paris, "I grgllish History drawn fiom the original sources, Boston, 1922
1874, vol. X, p. 463.] p. . ’
(1) Neste caso, sinonirno de beneficio ou feudo. (1) Cansiliurn ct auxilium. O oonsilium (1) Mam” cm latim' (2) N° 56°"1° XI» 8 honra (honor) era umcondado recebido como
era o dever dc conselho e na corte (curtis ou curia) do senhor. O auxilium b°°°f1°'°- Em I-l18|8!¢l'l'a. no entanto, a honour era um conjunto de feudos possuldo por
tanto podia dizer respeito a obrigacbes militares como a uma ajuda pecuniaria ou até um grande vassalo da coroa. S6 estes detinham poderes jurisdicionais. (3) Q siswma ugio
a servicos purasnente domésticos. (3) O senhor devia igualmte ao vassalo consilium n35°°11 POSSIVOIIIICDIC na Nonnandia no decorrer do século XI e pretcndeu opor-sea dua-
(prestacio dc boa justica e conselhos) e auxilium (defesa do vassalo e do seu feudo oontra 81'¢83¢i0 ¢0I1$¢ql1ente da vassalidade multipla, definindo qual o senhor a quem em devido
eventuais inimigos). vassalidade atotal».

3.

h.mA-rIm-
A ORDEM DE CAVALARIA
OS DEVERES DOS SENT-IORES
E DOS VASSALOS A cavalaria coma uma ordem, canferinda dignidade e nobreza a quem nela
, NA INGLATERRA DO SECULO XI mgressava, parece ter-se constituida a partir das fins do século VIII, ou seja
no decorrer do reinado de Carlos Magno. Surgiu como consequéncia do for-
Estabelecida em Inglaterra cam a conquista normanda macao de uma classe guerreira privilegiada, subsistiu enquanto essa classe
(I066), a feudalisma nda teve em relacfio aa poder real mfflfere Ilrrra pasicfio de chefia e desapareceu cam as transfarmacfies econo-
a accda dissalvente que lhe coube no continente. A monar- mxco-soczazs que crioram a burguesia endinheirada e modificaram a propria
quia nda perdeu a plena propriedade do solo e manteve todas
as homens livres no sua dependéncia. As relacaes entre as arte do guerra (séculos XV-XVI).
senhores e as seus vassalos abedeceram, no entanto, ds regras 0 periodo dureo da cavalaria foi 0 dos séculos XI e XII durante a qual
impartadas da Narmandia. . 4 Igreja lhe canferiu um carécter quase religioso, intervinda no cerimonia
dd entrega das armas e tentando sublimar as instintos bélicos do cavaleira
E permitido a qualquer, sem punicio, auxiliar o seu senhor, se alguém P810 eslabelecimenta de regras a cumprir e de ideais a atingir.
0 ataca, e obedeccr-lhe em todos os casos legitimos, excepto no roubo,
no assassinate e naquelas coisas que nao sao consentidas a ninguém, sendo A PREPARACAO DO CAVALEIRO
reconhecidas como infames pelas leis.
O senhor deve proceder da mesma maneira com o conselho e a ajuda; 0 aprendizado da cavalaria devia comecar muita cedo e
e deve ir em auxilio do seu homem em todas as vicissitudes, sem malicia» par isso as jovens ingressavam par volta das I2 au I3
E perrnitido a todo o senhor convocar 0 seu homem que deve estar 1 anos em casa de um senhor do mais alta hierarquia, junto
sua direita no tribunal; e mesmo que [0 vassalo] seja residente no mais 4° 41401. como pajens au escudeiros, se iniciavam na futura
profissao. 0 texto é de Raimundo Lula (I235-I315), autor
distante casal(1) da-honra (2) de quem o protege, devera ir ao pleito se 0 J8 uma famosa obra sabre a Ordem da Cavalaria.
seu senhor o convocar. Se o senhor possui diferentes feudos, 0 homem d¢
A
na c"‘ '
lencia - é que 0 cavaleiro
e a escola da Ordem da Cavalaria . mande ensi-.
uma honrasnao é obrigado por lei a ir a outro pleito, salvo se a causa p61’-
tencer aquele para o qual o senhor o convocar. enE‘_0 filho a montar a cavalo, na sua mocidade, porque, se nao o aprender
Se urn homem esta ligado a varios senhores e honras, nao obstante 0 a °. nao
~ o podera» aprender na maioridade.
- - . tambem
Convem , que 0 filho
176 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO 177

do cavaleiro, quando escudeiro, saiba cuidar do cavalo; nao convém armas salvo das suas; Nuno Mvares pero fosse rnoco, quando isto ouviu,
menos que seja subdito antes de ser senhor e saiba servir a um senhor, disse que lho tinha em grande mercé e que prazeria a Deus que ainda lho
pois sem isto nao conheceria, quando cavaleiro, a nobreza do seu senhorio. ele serviria com bons merecimentos, e beijou-lhe as maos por isso.
Por esta razao o cavaleiro deve submeter o seu filho a outro cavaleiro, A Rainha, querendo por em obra isto que assim dissera, mandou buscar
para que aprenda a aderecar e guarnecer as demais coisas que pertencem um arnés conveniente para Nuno Alvares e porque ele era de pouca idade,
a honra de cavaleiro. nao lho podiam achar tao pequena; entao disseram at Rainha, como o
Mestre de Avis tinha um arnés que houvera em sendo moco, que seria
[Ramon Llull, Libra de la Orden de Caballeria. parte I, § ll, in Ramon bom para Nuno Alvares, e ela lho mandou pedir.
Llull, Obras Literarias, ed. Miguel Batllori y Miguel Caldentey, Madrid,
1948, p. 111]. E como lho trouxeram, deu-o logo a Nuno Alvares e assim tomou ele
as armas primeiras da-mio da Rainha dona Leonor, e ela dai em diante
sempre o chamou por seu escudeiro.
A ENTRADA DE UM ESCUDEIRO
NA CORTE REGIA . [Fernfio Lopes, Crénica de D. Jada I, cap. xxxm, Livrnria Civili-
mcao, Porto, 1945, vol. I, pp. _67 e 68.]
Na conhecido passa da Cronica de D. Joao I que"se segue,
Femdo Lopes (séculos XIV-XV) dd-nos conta de coma Nuno (1) Alvaro Goncalves Pereira, prior da Ordem do Hospital. (1) Por enderecar. (3) Hen-
Alvares, ainda crianca, fai aceite na corte para at’ fazer a rique II, rei de Castela de 1368 a 1379.
seu tirocinio de cavaleiro. Conseguir introduzir a filho no
corte régia era para o pai a melhor maneira de lhe assegu-
rar um futura brilhante. O INGRESSO NA ORDEM DA CAVALARIA
noa o ao ao a od
[...] vindo dom frei Alvaro Goncalves (1) a casa de E1-Rei dom Fernando, Raimunda Lula (1235-I315) no seu Livro sobre a Ordem
aderencar (1) seus feitos, pediu por mercé a El-Rei que tomasse Nuno da Cavalaria, sintetiza com muita clareza toda 0 cerlmanlal
filvares por seu Inorador, da qual cousa prazendo a El-Rei, outorgou do armamenta do cavaleiro. Transcrevemos aqui as momen-
tos essenciais do ritual.
de o fazer. [...]
E ordenado assim desta guisa, partiu 0 Prior para a corte, quando El-Rei DO MODO COMO O ESCUDEIRO DEVE RECEBER A CAVALARIA
dom Fernando houve guerra com El-Rei dom Henrique (3), e passou por
Santarém e levou certas gentes consigo, e alguns de seus filhos com ele, 1 — Primeiramente o escudeiro, antes de entrar na Ordem da Cavalaria,
entre os quais era este Nuno Alvares moco de treze anos, que ainda nunca deve confessar-se das faltas que cometeu contra Deus. [...]
tomara armas. [...] 2 —Para armar um cavaleiro convém destinar-se uma festa das que do
E chegando a par do castelo onde E1-Rei com sua mulher entao pou- preceito se celebram durante o ano. [...]
savam, estando a mesa, mandaram-nos chamar e perguntaram-lhe onde 3 — Deve o escudeiro jejuar na vigilia da festa. [...] E na noite antecedents
foram e que acharam la donde vinham, eles lhe responderam a tudo, segundo ao dia em que ha-de ser armada, deve ir a igreja velar, estar em oraolo e
as perguntas que lhe faziam. A Rainha dona Leonor falando em isto, como Contemplacao e ouvir palavras de Deus e da Ordem da Cavalaria. [...]
era mulher mui paacaa e de graciosa palavra, disse a E1-Rei, como em 4—No dia da funcao convém que se cante missa solenemente. [...]
sabor, que ela queria tomar Nuno Mvares por seu escudeiro; e El-Rei 9 —Quando o sacerdote tenha feito o que toca ao seu oficio, convém
respondeu que era bem feito, e que ele tomaria por seu cavaleiro Diog0 flntio que 0 principe ou alto barao que quer fazer cavaleiro 0 escudeiro
Alvares, seu -irmao. que pede cavalaria tenha em si mesmo a virtude e ordem da Cavalaria
Entio disse a Rainha contra Nuno Alvares que ela o queria armar d¢ Dara com a graca dc Deus poder dar a virtude e ordem da Cavalaria ao
¢$¢udeiro que a quer receber. [...]
sua mio como seu escudeiro, e que nao queria que doutras maos tomassfi
K. m__lz
“If i

178 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO 179

11 — Deve o escudeiro ajoelhar-se ante o altar e levantar a Deus os seus 30 fogo V8038 1IllCl1'3S em CSPCIOS 3. 8.5831‘, C QLIHIIKOS COIIICI q11Cl'13.l1’1 d8 uela
. . _ (1
olhos corporais e espirituais e as suas maos. E entao o cavaleiro lhe cin- Vlafldfi, lmham-Ha muito prestes, e a nenhum nao era vedada E assim
gira a espada, no que se significa a castidade e a justica. Deve dar-lhe um estiveram sempre' enquanto durou a festa, na qual foram armados outros
beijo em significacio da caridade e dar-lhe uma bofetada para que se cavaleiros cujos nomes niio curamos dizer
lembre do que promete, do grande cargo a que se obriga e da grande honra
que recebe pela Ordem da Cavalaria.
[F=mio Lopes, Chranica .1; El-Rei o. Pedro 1. Bibliotheca up Classi-
<=°= Pofluauem, Lisboa, 1895, pp. 51 = ss1.
12 — Depois de o cavaleiro espiritual e terrenal ter cumprido o seu oficio
armando o novo cavaleiro, deve este montar a cavalo e manifestar-se assim
a gente, para que todos saibam que é cavaleiro e obrigado a manter e defen- A CONCESSAO DA CAVALARIA
der a honra da Cavalaria. [...] ANTES DE UMA BATALHA
13 —Naquele dia se deve fazer grande festim, com convites, torneios
e as demais coisas correspondentes ao festirn da Cavalaria. [...] tempo de guerra era fi-equente armar cavaleiros no
propria campo de batalha. A cerimonia, muito simplyic-nda,
podia fazer-se antes do Iuta para incentivar as combatentes.
[Ramon Llull, Libra de la Orden de Caballeria, parte Iv, in Ramon
Llull, Obra: Literarias, ed. Miguel Batllori y Miguel Caldentey, 0 cromsta francés Fraissart (c. I337-c. 1404). presente no
Madrid, 1948, pp. 126 a 128.1 Cdmpo de Aliubarrota, diz-nas que D. Jada I armau at’ 60
novas cavaleiros.

FESTEJOS EM TORNO DE UM NOVO CAVALEIRO Ent5.o.mandou o rei anunciar entre a hoste que quem quisesse tomar-se
cavaleiro avanoasse, e ele daria a Ordem da Cavalaria em honra de Deus
Das grandes festas que se faziam quando era armada cava- e de S5.o Jorge. E parece-me, segundo estou inforrnado, que houve ai 60
leiro um fidalga de grande Iinhagem dd-nos mais uma vez
novas cavaleiros com os quais o rei teve grande alegria e p6-los na pri-
conhecimento Ferndo Lopes (séculos XIV-XV) narranda um
episodio passado em tempo de El-Rei D. Pedro (I357-I367). meira frente da batalha dizendo-lhes:
E
-
<fBelos senhores, a Ordem da Cavalaria é tio nobre e tao alta que nin-
[...] Ordenou E1-Rei de fazer conde e armar cavaleiro Joio Afonso Telo, 8"¢m, que seja cavaleiro, deve pensar em sujidade, vicio ou cobardia,
irmao de Martim Afonso Telo, e fez-lhe a mor honra, em sua festa, que mas deve ser orgulhoso e ousado como um leio quando tem o bacinete
até aquele tempo fora visto que rei nenhum fizesse a semelhante pessoa; 011 0 elmo na cabeca e vé os seus inimigos. E.porque quero que mostreis
ca El-Rei mandou lavrar seiscentas arrobas de cera, de que fizeram cinco figlfilasa01:16 pertence Inostré.-las, envio-vos e mando-vos para a primeira
mil cirios e tochas, e vieram do termo de Lisboa, onde El-Rei entao estava, dc sun-a Zltllha. Fazei pois de tal forpia queai tenhais honra, porque
cinco mil homens das vintenas para terem os ditos cirios. E quando 0 conde eira as vossas esporas nao estanam bem assentes.» Cada
houve de velar suas armas, no Mosteiro de S50 Domingos dessa cidade, "W0 cavaleiro respondeu por sua vez e disse ao passar diante do rei:
ordenou El-Rei que dés aquele Mosteiro até aos seus Pacos, que é assaz F <<Senhor, faremos bem, se Deus quiser, enquanto tivermos a Sua graca
grande espaco, estivessem quedos aqueles homens todos, cada um" com 1; 0 vosso amor.» Assim como vos digo se ordenaram os portugueses e se
seu cirio aceso, que davam todos mui grande lume, e El-Rei, com muitos Ortlficaram ao lado da Igre_1a de Al_]l1b81’l'Ot3. em Portugal, e nao houve
in~dI¢>4»-A1‘
fidalgos e cavaleiros andavarn por entre eles dancando e tomando sabor, "esse dia nenhum inglés que quisesse tornar-se cavaleiro; bem foram
e assim despenderam gra parte da noite. algllns convidados
- e admoestados pelo rei;. mas para aquele dia, . escusa-
Em outro dia, estavam mui grandes tendas armadas no Rocio, acerca 1'8m-se. .
daquele Mosteiro, em que havia grandes montes de pao cozido, e assaz [Chraniques de J. Fraissart, liv. III, § 37, ed. Léon Mirot, Société de
de tinas cheias de vinho, e logo prestes por que bebessem, e fora estavam l‘1'11$I<>1r= d= France. t. xn, 1356-nas, p. 150.1
180 TEXTOS l-IISTDRICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO 131
A CONCESSAO DA CAVALARIA VASSALIDADE E CAVALARIA
DEPOIS DE UM COMBATE
Segunda Raimunda Lula (1235-1315) o cavaleiro era, acima
Era também frequente recampensar as jovens guerreiros, de tudo, um vassalo enfeudada, com obrigacfies para com
apas uma vitoria, dando-lhes 0 grau da cavalaria. Rui de o seu senhor. Esta situagdo nda era necessdria, pois a cava-
Pina (c. I440-1552) exemplifica-nas esta circunstdncia, leiro podia nda estar. dependente de quaisquer Iigapfies feu-
dizendo-nas como foi armada cavaleiro a principe D. Jada, dais, mas, se 0 estivesse, vassalidade e cavalaria nunca esta-
depois da tomado de Arzila (I471). riam em aposigfia. '

[...] Ali no Castelo, além de outros nobres cristaos que com ferro morreram, Oficio de cavaleiro é manter e defender o seu senhor terrenal, pois nem
foi morto D. Alvaro de Castro, conde de Monsanto, camareiro-mor rei, nem principe, nem alto barao poderao, sem ajuda, manter a justica
de El-Rei, que sua morte muito sentiu; porque certo ele no campo e na entre os seus vassalos. Por isto, se o povo ou algum homem se opoe aos
corte, na paz e na guerra era por seu siso, discricao e esforco, homem mandamentos do rei ou principe, devem os cavaleiros ajudar o seu senhor,
mui principal. [...] E E1-Rei e o Principe, assim no entrar da vila, como no que, por si so, é um homem como os demais. E assim, é mau cavaleiro aquele
socorrer e prover das muitas pelejas e afronta dos combates, nao somente que mais ajuda o povo do que o seu senhor, ou que quer fazer-se dono e
por seu conselho e esforco usaram de oficios que pareciam e eram de tirar os estados do seu senhor, nao cumprindo com o oficio pelo qual 6
aprovados capitaes; mas ainda por seus bracos cometeram e acabaram chamado cavaleiro. [...]
feitos como ardidos e valentes cavaleiros, sem algum resguardo nem tento Oficio de Cavalaria é guardar a terra, pois por temor dos cavaleiros
do que a suas pessoas e dignidades reais se devia, e certamente era grande nao se atrevem as gentes a destrui-la nem os reis e principes a invadir
gléria ver aquele dia na mio do principe em idade de 16 anos sua espada [as terras] uns dos outros. Mas o cavaleiro malvado que nao ajuda o seu
de bravos golpes torcida, e dc sangue de infiéis em todo banhada, em cuja senhor natural e terrenal contra outro principe é cavaleiro sem oficio. [...]
vista a mor parte da alegria era dc E1-Rei seu padre, "que naquela vitoria. 1

e perigo 0 tomou por parceiro, vendo que em ajuda tao necessaria, e perigo [Ramon Llull, Libra to la Orden 4} Caballeria. parte n, 51 a 0 12,
in Ramon Llull, Obras Literarias, ed. Miguel Batllori y Miguel Cli-
tao conhecido, nao pudera no mundo escolher melhor companheiro do dentey, Madrid, 1948, pp. 114-115.]
que gerara por filho; E porém como E1-Rei sentiu que o feito com desejado ;_\

vencimento era de todo acabado, foi logo at mesquita dos mouros, onde
sobre o corpo do conde de Marialva achou ja uma cruz, a qual por comeco A LINHAGEM DO CAVALEIRO
do servico e sacrificio que a Deus nela ao diante se havia de fazer, logo
beijou e adorou, e depois de fazer oracao, logo junto com o corpo morta Se nos seus primeiras tempos e em teoria a cavalaria estava
do dito conde, armou por si 0 Principe seu filho por cavaleiro, com pala- aberta a individuos de todas as classes, em breve tendeu
vras de grandes louvores, e muitas bondades e merecimentos do mesmo a fechar-se, reservanda a admissfia apenas a filhos de outras
cavaleiros. Esta decisda tomada pelas manarcas e apaiada
conde. E sendo ambos de armas vitoriosas vestidos, El-Rei, no cabo dB pelos cavaleiros que jé se consideravam fazendo parte de IQ I I IQ Q Q Q Q QJ
auto tio devoto e tao glorioso, disse ao Principe e nao sem algumas lagri- uma casta foi em Franco decretado por Luis IX (1226-1270).
mas: Filho, Deus vos faca tam bom cavaleiro coma este que aquy jaz. [.--1
S¢ um homem pretendesse ser cavaleiro sem ser gentil-homem de linha-
[Rui de Pina. Chronica _do Senhor Rei D. A/[onsa V, Colleocio de Li- gem. mesmo que o fosse pela sua mac, nao poderia sé-lo por direito; antes
vros Ineditos de Historia Portuguem, t. I, Lisboa, 1790, pp. 527-528.1
° Poderiam tomar os reis ou os baroes onde estivesse a castelania e man-
dimlhe por direito cortar as esporas sobre uma estrumeira (1) [...]; porque E
"50 5 costume a mulher nobilitar 0 homem, mas sim o homem nobilitar

(Q
. 1
' '7 ' 7 7 7 .- M It-ii___j._ ?

FEUDALISMO 183
182 "rraxros HISTORICOS MEDIEVAIS

a mulher. Na verdade, se um homem de grande linhagem tomasse por 4.


mulher a filha de um vilao, o seu filho poderia bem ser um ca"aleiro de IMPLICACOES JURIDICO-ECONOMICAS
direito, se o quisesse. DA ESTRUTURAC/TO SOCIAL
[Les établissernents de Saint Louis, _ cap. cxxxrv, ed. Paul Viollet, 0 senhor que cedia uma terra tinha direita a servicos variadas. Num senho-
Société de 1’!-listoire de France, Paris, 1881, t. Ir, pp. 252 e 253]. rio rural, as calanas e as servos deviam-lhe servicas pessaais (as corveias),
taxas variadas (peagens, partagens, direita dc’ casamento ou de escolher
(1) As esporas eram o simbolo do cavaleiro. Quando este era expulso da Ordem, que-
bravarn-se-lhe as armas e cortavarn-se-lhe as esporas, em regra num estrada armada
herdeira, etc.) e servicos militares (a hasté ou 0 fossada); o vildo era ainda
sobre um monte de estrume, marcar quio degradante era a cerimonia. obrigado a reconhecer outros pesados direitos do senhor, como as banaIida-
des au a aposentadaria.
A aristacracia devia aos seus superiares, em primeiro lugar, servica mili-
tar. A partir do século XII, no entanto, muitos vassalas se quiseram esqui-
A PosIc;Ao SOCIAL var a esta abrigaciio, a que lhes foi possivel mediante o pagamenta de um
DO CAVALEIRO imposta. Par esta época se tomaram também habituais certas formas de auxi-
A supremacia social do cavaleiro, elemento de uma élite lia financeira do vassalo aa senhor em circunstdncias determinadas (quando
militar, é bem patente no sabaraso camentdria do Livro a senhor armava cavaleiro a primagénito, quando casava a primogénita ou
da Ordem da Cavalaria, de Raimunda Lula (I235-I315). se necessitava de resgate; em alguns pontas do Franca havia também um
auxilia para cruzada). A estas obrigacfies irregulares juntavam-se outras.
N50 é bastante para a grande honra que pertence ao cavaleiro a sua esco- O rei coma suserano podia receber 0 pagamenta de um herdeira que preten-
lha, 0 cavalo, as armas e o senhorio, mas 6 mister que tenha escudeiro desse as cargas de seu pai, de uma viuva au menar salteira que quisessem fazer
e troteiro que o sirvam e cuidem dos seus cavalos; e que as gentes lavrem, um casamento a seu gosta ou de um cavaleiro que aceitasse cumprir as abri-
cavem e arranquem a maleza da terra, para que dé frutos de que vivam gacoes feudais de um herdeiro menor. [...]
o cavaleiro e os seus brutos; e que ele ande a cavalo, trate-se como senhor As recipracas vantagens econamicas das contratantes feudais vieram a
e viva cornodamente daquelas coisas em que os seus homens passam tra- criar as homenagens multiplas, cam todos as problemas dai decarrentes.
balhos e incomodidades. [...]
Correr em cavalo bem guarnecido, jogar a lanca nas ligas, andar com
armas, [entrar em] torneios, fazer tablas redondas, esgrimir, cacar cervos, SOBRE A CONDICAO SOCIAL DOS SERVOS
ursos, javalis e leoes e outros exercicios semelhantes, pertence ao oficio 0 cranista Eginhardo (c. 770-840) canstruiu uma basi-
de cavaleiro, pois com tudo isto se acostuma a feitos de armas e a manter lica junta da casa que mandou fazer na flaresta que se esten-
a Ordem da Cavalaria. Portanto, desprezar 0 costume e uso por meio dos dia entre as rias Neckar e Main (em Odenwald). Para at’
quais o cavaleiro se dispoe para '0 uso do seu oficio é menosprezar a foram trasladadas em 827 as rellquias de S. Pedro e S. Mar-
celino, sob cuja invocapfio foi a basilica cansagrada. Uma
Ordem da Cavalaria. selecpfio de alguns casas referentes a servos que nessa igreja
procuraram a perddo para as suas faltas elucida-nas acerca
[Ramon 1.11111, Libra de Ia Orden 11¢ Caballeria, parte 1. §§_ 9 = 1°’ das abrigacfies que pesavam sabre essa classe.
in Ramon Llull, Obras Literarias. ed. Miguel Batllori y Miguel C81‘
dentey, Madrid, 1948, pp. 110, 114 ¢ 115-1
I
A0 magnifico, honrado e ilustre homem, 0 gracioso Conde Poppon, Egi-
nhardo sauda-0 no Senhor.
11
184 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
FEUDALISMO 13 5

Dois pobres homens refugiaram-se na igreja dos bem-aventurados Mar-


este principio ja tinha desaparecido das leis, mas continuava a ser posto em prética.
celino e Pedro, martires de Cristo, confessando que eram culpados e que (') O servo deveria nao so ter pedido o consentimento do senhor, como pago um imposto
tinham sido convictos de roubo em vossa presenca, como tendo furtado especial, o maritagium.
caca grossa numa floresta senhorial (1).
Ja pagaram uma parte da composicao e deveriam pagar o resto, mas
declaram que nao tém com que o fazer, por causa da sua pobreza. Venho AS OBRIGACOES DOS COLONOS
pois implorar a vossa benevoléncia, na esperanca de que[...] vos digneis
trata-los com toda a indulgéncia possivel. [...] O excerta que se segue é tirado de um cadastra das pra-
priedades e rendimentos do Abadia de St. Germain, em Paris,
realizada no século IX. Exemplifica as vdrias obrigacfies do
II calona.
A0 nosso querido amigo, o glorioso vicedaminus (2) Marchrad, Eginhardo,
saudacio eterna no Senhor. Walafredus, um calonus e mordomo, e a sua mulher, uma calona [...] ho-
mens (1) de St. Germain, tém 2 filhos. [...] Ele detém 2 mansos livres com
Dois servos de S. Martinho, do dominio de Hedabach, de nome Wil-
7 bunuaria (2) de terra aravel, 6 acres dc vinha e 4 de prados. Deve por cada
liran e Otbert, refugiaram-se na igreja dos bem-aventurados martires de
manso uma vaca num ano, um porco no seguinte, 4 denarios pelo direito
Cristo, Marcelino e Pedro, por causa do assassinate cometido pelo seu
de utilizar a madeira, 2 modios(3) de vinho pelo direito de usar as pas-
irmao num companheiro (3). Pedem que lhes seja permitido pagar a com-
tagens, uma ovelha e um cordeiro. Ele lavra 4 varas(4) para um cereal
posicao pelo irmao, a fim de que lhes facam graca dos seus membros.
de Inverno e 2 varas para um cereal de Primavera. Deve corveias, carte-
Dirijo-me pois a vossa amizade, para que vos digneis, se isso for possivel,
tos, trabalho manual, cortes de arvores quando para isso receber ordens,
poupar estes desgracados pelo amor de Deus e dos santos Martires junto
dos quais vieram procurar um refiigio. Desejo que tenhais sempre boa 3 galinhas e 15 ovos. [...]
saude, com a graca do Senhor. _ [B. Guénard, Polyptyque de l'abbé Irminan, vol. 1!, I844, p. 6.]

III (') Homines no original latino. (1) O bunuarium era uma medida de superficie, corros-
Ao nosso muito querido amigo, 0 glorioso conde Hatton, Eginhardo, pondendo aproximadamente a um quarto do acre. (3) O modio foi uma medida do
Capacidade variavel com os locais e a época. Em Portugal, nos principios da nacionalidlde
saudacfio eterna no Senhor.
equiparava-se ao alqueire, oscilando entre 18 e 26 litros. Mais tarde tomou-se rmiltiplo
Urn dos vossos servos, de nome I-Iuno, veio a igreja dos santos martires do alqueiree do almude, equivalendo assim, em média, a 400 litros. (4) Cerca do 1,60
Marcelino e Pedro pedir mercé pela falta que cometeu contraindo casa- ares. A vara francesa era uma medida de superficie.
mento, sem o vosso consentimento, com uma mulher da sua condicio
que é também vossa escrava(4). Vimos pois solicitar a vossa bondade lI lI I I q n.n-‘ L
AS IMPOSICOES SOBRE OS VILAOS
para que em nosso favor useis de indulgéncia em relacao a este homem,
se julgais que a sua falta pode ser perdoada. Desejo-vos boa sa1'1de com Os farais portugueses que regulamentam as tributacfies das
a graca do Senhor. <<vizinhas» patenteiam as pesados obrigacdes que recalam
sobre as classes nfio privilegiadas. Um exemplo extralda
'[A. Teulet, Guvres Complétes d’Eginhard. Société dc l’Histoire de
France, Paris, 1843, t. I1, pp. 13, 27 e 29.] do faral de Penacova (I192) mastra-nos coma as habitantes
do nova cancelho ainda viviam na dependéncia econdmica
(1) Este delito estava previsto na primeira capitular do ano 802. (1) O vicedominus ou do senhor local.
vidame era um magistrado que administrava as propriedades eclesiasticas dotadas
de imunidade. (3) A Lei Salica responsabilirava toda a familia pelo crime cometido
por um dos seus membros, obrigando-a ao pagamento da composicao. No século IX
l---] Aquele que lavrar com um jugo dé um moio(1). Aquele que lavrar I
°°"1 dois dé um moio. Aquele que lavrar com mais de dois, de quantos
_ -__
we — 7

186 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO 137


1

bois forem, dois quarteiros (1), um quarteiro de trigo e outro de milho. nao for ai dé em fossadeira(1) cinco soldos em apreeadura (3). N50 facam 1

Aquele que lavrar trigo e milho dé metade de um e metade de outro. Aquele fossado senio com nosso senhor uma vez no ano ou assim como for vossa 1

que nao houver onde dar jugada de milho, dé a quarta. O <<cavao»(3) que vontade. E peoes nem clérigos nao facam fossado. [...]
1
lavrar trigo ou milho ou centeio dé uma teiga(4) do pao que lavrar. O peio [Partugaliae Manumenta H1'starica—Leges et Consuetudines, vol. 1, 1
dc“: a dizima (5) do seu vinho. [...] O peao dc Penacova faca no ano uma via Kraus Reprint, Liechtenstein, 1967, p. 568].
e seja tao longa aquela via que possa tornar nesse dia a sua casa; e faca 1
(1) Esta reparticao das forcas era feita de acordo com as regras estabelecidas pelo foral
o seu fossado (6). O cavaleiro que houver herdades fora, sejam-lhe livres. [...] 1
de Salarnanca, cujo modelo o de Valhelhas seguiu. G) Multa (e depois imposto) para
E o cavaleiro e os seus homens irao no fossado de El-Rei. [...] Os cavaleiros os que nao cumpnam a obrigacao do fossado. (3) Do latim medieval appretiare, apre- 1
e os peoes facam cubas e casas no castelo de Penacova ao senhor de Pena- car, avaliar.
cova e dessa mesma terra. E quando fizerem as cubas ou as casas, o senhor 1

da terra data aos que ai lavrarem de comer. [...] E o senhor da terra receba 1

seu relego (7) por trés meses, convém a saber, Janeiro, Fevereiro e Mar1;o.[...] A OBRIGATORIEDADE DO SERVICO MILITAR 1
Dos peixes do mar que <<aduzirem»(B)pe1o rio Mondego, deem a dizima (SECULO IX) 1
ao senhor da terra até ao mes de Maio. [...] Os monteiros que forem a monte,
daquele veado que matarem darao ao mordomo (9) o lombo. [...] O almo- Todo 0 homem livre era obrigado a prestar servico militar,
creve faca uma carreira ao senhor. [...] E se alguma coisa por esquecimento armada d sua custa, durante uns tantas meses no ano. A par-
tir de Carlos Magno as grandes senhores, laicas ou ecle-
ficou que nao fosse aqui escrita, ponham-na aqui d°P°1$- 1---1 sizisticos, foram cada vez mais responsabilizadas pela actua-
cdo dos seus dependcntes.
[Partugaliae Monumenta Historica—Leges et Cansuetudines, vol. I,
Kraus Reprint, Liechtenstein, 1967, pp. 483 a. 485.]
Em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santa. Carlos, o muito sereno,
Augusto, coroado por Deus, grande e pacifico Imperador, e também,
(1) O modio ou moio variou com os locais e a época. No principio da nacionalidadfi
e na Beira, equivalia em media a 26 litros. (2) O quarteiro ou quartz "3 “mi qua‘? pela graca de Deus, Rei dos Francos e dos Lombardos, ao Abade Fulrad (1).
parte do moio. (3) O cavador. (4) A teiga nio era uma medida certa, mas correspondla
normalmentea 2 alqueires. a) A décima Pam (°) Expedicio miliw dirisida Wm" Saberas que decidimos reunir a nossa assembleia geral, este ano, na
ten-itorio inimigo. (7) Direito que possuia 0 rei ou qualquer senhor de vender em parte oriental .da Saxénia, num lugar chamado Stassfurt, sobre o rio Bode.
exclusivo o seu propria vinho durante as trés primeiros meses do ano. (5) Trouxerem Por isso te ordenamos que vzis ao mencionado sitio, com todos as teus
(de ad+ducere). (9) Funcionario encarregado dc cobrar os impostos.
homens bem armados e equipados, no décimo quinto dia das Calendas
de Julho, ou seja sete dias antes da festa de S. Joao Baptista. Apresentar-
1-w-.~»-,m4n-,\¢»qp'|,-»A<s;-41 -Ie-as ai com eles, pronto a entrar em campanha na direccao que eu indi-
0 SERVICO MILITAR DO VILAO: Car, com armas, bagagens e todo o equipamento de guerra em viveres e
0 FOSSADO vestuario. Cada cavaleiro devera ter um escudo, uma lanea, uma espada
¢ uma adaga, um arco e um carcas cheio de flechas. Nos vossos carros
A prestacfia de certos servicas militares passou a ser. "0 tereis utensilios de todo o género —achas, enxos, trados, rnachados,
século XII, remivel par um tributo. Os farais portuguesa? finxadas, pas de ferro —e outros utensilios necessarios em campanha.
legislaram nesse sentido, como no-lo demanstra um excertv -'. Tereis também nos vossos carros viveres para trés meses a contar da data
‘E
do que foi dada d pavoacfia de Valhelhas em 1188.
*1 <18 partida de Stassfurt,~armas e vestuario para meio ano. Vigiaras para
que durante o caminho até ao sitio determinado nao causem nenhuma
[...] E facam fossado a terca parte dos cavaleiros e as duas estejam Bf:
Valhelhas(1). E daquela uma parte que houver de andar em fossad0 desofdem, qualquer que seja a parte do nosso reino por onde o itinerario
188 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO 139

vos faca passar. N50 deveria tocar em nada, excepto na erva, madeira 130 marcos e 4 palafréns para que Peter de Borough, a quem o rei tinha
e agua; e que os homens de cada um dos vossos vassalos caminhem com dado licenca para casar com ela, a deixasse em paz; e para nao ser com-
os carros e os cavaleiros, estando sempre com eles o seu chefe até che- pelida a casar-se. [...]
garem ao sitio determinado, para que a auséncia de um chefe nao dé aos
seus homens oportunidade para fazerem o mal. [...] ~ [The I-Jtglish Exchequer Rolls (I140-1282), in The Pennsylvania Trans-
lations and Reprints Series, vol. Iv, n.° -3, pp. 25-26).
[Manamenta Germaniae Historica-—CapituIaria Regurn Francarum.
ed. A. Boretius, t. 1, Hannover, 1883, p. 168.]

(I) Abade de S50-Quintino de 804 a 811. Esta ca.rta parece ter sido escrita em 806. 0 PROBLEMA DAS HOMENAGENS MULTIPLAS
(SECULO xm)
O sistema ligia surgiu em Franco no século XI e na centuria
DIREITOS DE CASAMENTO (SECULOS XII-XIII)
seguinte jd se tarnara habitual um mesmo individua ser o
ahamem ligia» de vdrios senhores. Par esta razdo, quando
0 facto de as mulheres nda estarem em condicfies vasscilicas um vassalo fazia uma nova hamenagem, indicava, por ordem
levou as senhores a arragarem-se 0 direito de intervir na de preferéncia, as ahomenagens ligias» a que jé estava Iigado_
escolha do marida que as representaria nesses servicas. Foi O documento que se transcreve data do século XIII.
em Inglaterra que este direito de intervengfio se tomou mais
usual, vindo a estender-se a outras situacfies relacionadas
cam a matrimonia.
Eu Jofio dc Toul faco saber que sou o homem ligia de Dona Beatriz, con-
dessa de Troyes, e do seu filho o meu muito amado senhor, o conde Thibaud
Walter de Cancy prestou contas de 15 libras para ter licenca de casar com de Champagne, contra todas as pessoas, vivas on mortas, excepto no que
a mulher que escolher. respeita a ‘homenagem ligia que fiz ao senhor Enguerran de Coucy, ao
Wiverone, mulher de Iverac de Ipswich, prestou contas de 4 libras e l senhor Joio de Arcis e ao conde de Grandpré. Se acontecer que o conde
marco de prata para nao ser obrigada a tomar nenhum marida excepto do Grandpré entre em guerra com a condessa e o conde de Champagne
aquele que desejar.
Emma de Normanville e Roheisa e Margaret e Juliana sua irmii pres-
Por agravos pessaais, irei pessoalmente prestar assisténcia ao conde de
Grandpré e enviarei a condessa e ao conde de Champagne, se me inti-
marem a isso, os cavaleiros que devo pelo feudo que deles detenho. Mas
tr lt sti a rn
taram contas de 10' marcos para terem licenca de casar onde quiserem-
Roheisa de Doura prestou contas de 450 libras para ter metade de todas $6 o conde de Grandpré fizer guerra a condessa e ao conde de Champagne
as terras que pertenceram a Richard de Lucy, seu avo, e que o irmao da 8 favor dos seus amigos e nao por agravos pessaais, servirei em pessoa
mesma Roheisa possuiu posteriormente, tanto em Inglaterra como I18 3 condessa e o conde de Champagne e enviarei um cavaleiro ao conde
Normandia, e para ter licenca de casar onde quiser, desde que nao se case de Grandpré para lhe prestar os servicos devidos pelo feudo que detenho
com qualquer dos inimigos do rei. dele. Mas nao invadirei eu propria o territorio do conde de Grandpré. [...]
Alice, condessa de Warwick, prestou contas de 1000 libras e 10 pala- 1
[Du Cange, Glassarium Media: et lnfimae Latinitatis, ed. 1733,
fréns para lhe ser permitido permanecer vi1'1va enquanto lhe agradar, 6 vol. Iv, p. 203 (vocabulo ligius).] 1
nao ser obrigada pelo rei a casar. E se por acaso viesse a desejar casar-
nao casaria sem 0 assentimento e a concessao do rei, de maneira qued0 1

rei ficasse satisfeito; e para ter a guarda dos filhos que houve do con 6 1
de Warwick, seu falecido marido.
1
Hawisa, que foi mulher de William Fitz Robert, prestou contas dc
1
1
7
-._-. _ _,_

FEU DALISMO I9‘

do imperador Luis; aprcciai a justiga dos seus pontos dc vista qu an d o


procuram limpar 0 paleicio patcrno dos crimes que 0 sujam assim como
das facqoes que nele fazem reinar a iniquidade, e quando se p;-opbem mm
_ tar 0 remo das misereiveis e tumu 1 tuosas ag1ta<;6cs
‘ que 0 sacodcm a fim
dc nele restabelecer e assegurar inviolévclmente a confian<;a e a 1;a 1d a d e
f1'at¢"1a$, l'lI1i¢a$ digflas . e
c. A ESTRUTURAQAO POLiTICA - . . d¢ D¢11S. [ ] Oh‘ Senhor Deus do Céu e dz, T rra
P°1' que T8180 pfirmltlste qu_e 0 teu fiel e muito cristio servidor o nossd 9

imperador, tenha chegado ao ponto dc nio discernir os males que 0 am“


cam por todos os lados? [...] E evidcnte que, se Deus 1150 mvé ms‘
I.
o lmpéno cairzi nas mios dos povos estrangeuos ' ou esfacelar-5¢.5
P caso’
em
A FRAGMENTAQ/TO DO PODER POLITICO proveito dc uma multidio dc tiranos, porque o imperador que deveria 9

conduzir guerras J'ustas c ont ra 0s T815


' barbaros,
' - -
prepara [guerras] lfljllstas
AS invasfies normandos, mugulmanas e htingaras, no século IX, abalaram for- contra filhos que 0 amam,
temente 0 poder real. Para esta crise de autoridade haviam contribuido tam-
bém problemas intemos: constantes guerras civis provocadas pelas divisiies [Agobardus, Libe A I ' ' - . Cursus
Campinas’ ScflesrLa;t1i¢:1;1fett.tcg‘,!'1|;|:°I;0_§vi;g:;%0€atrolog|ae
dos reinos, como se de propriedades privadas se tratasse, pelos filhos dos
monarcas.
As devastagfies provocadas pelas invasfies e pelas lutas civis, assim como
a insegurangra geral, perante as quais 0 rei e as grandes se revelavam inca-
pazes de tomar medidas, obrigaram as jiopulagzies a procurar uma protecgfio
G A FRAGMENTACKO
mais prdxima em que se apoiarem. Desta maneira a autoridade paiblica, que 1 DO IMPERIO CAROLINGIO
- (SECULO IX)
estivera até entdo nas miios dos funcionérios régios, condes, duques, bispos
ou abades, pulverizou-se. 0 simples possuidor de um castelo viu-se muitas
vezes encarregado de problemas administrativos e militares na drea que lhe
5
8
d;':,,.::e:::':;* 5::-, .':"':""d"~'
C

_ ' _
.

0 em
_ erttattva e manutenpdo de um impé-
pertencia (a castelania). I10 caroltngto. A crtse da autoridade monérquica e 0 im-re
Este parcelamento territorial da administrapfio pfiblica, qtie passou a desem- mento
d da V“-”'“I'd°d¢
' ' '
Permttzram -
aos diversos .
povos inte-
penhar funefies de soberania nonnalmente inerentes a uma autoridade central. gna os no Império afirmar a sua individualidade, originando
varios dotados
rd” es , 0 autor do trecho que se segue é COHI8mp0-
foi, no plano politico, a caracteristica mais marcante do regime feudal. _
e0 s aconrectmentos que narm_

CN Q ano da Encarnaoao
- do Senhor dc 888, o lmpcfadgr
. ca;-195(1), O up
AS LUTAS CIVIS NO IMPERIO FRANCO
(SECULO IX) ’ m°_ n° Mme ° "3 dlgnldade, morreu na véspera dos Idos dc Janciro(1)
e fol sepultado no Mosteiro dc Augea(3). [...]
Pretendendo justificar a atitude dos filhos do imperadvf ‘_ DeP o'ls da sua room: os remos
' que lhe estavam submetidos, como sg
Luis I o Piedoso (814-840) contra 0 pai, o arcebispo 11¢ csWessem s1.d'0 destltuldos
' - legmmo,
dc um herdexro ,. desagregaram-so, N50
Lyon, Agobardus, redigiu um manifesto (833) que nos dd P¢rando a um senh - para st. um rel
conta das guerras civis que agitavam 0 Império Franco. saido das guas t :1’ 112211111, cada um procurou cnar
en ran as . ta causa monvou ' grandes guerras,_ nao
- por-
<.4$5fl¥d q"¢
dorm faltassem '
l'lIlC ' '
P 1P¢$ f1'flflcos_quc, pela sua nobreza, coragem e sabe-
Ouvi, povos dc toda a terra, dc 0 oriente a ocidcnte, do aguiio ao ma!» , pudessem governar os remos, mas porquc 3 préprja igualdade qua
e rcconhecei quanto foi e é fundamentada a indignaqio sentida pelos filh°5

i
iii-A

I92 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS FEUDALISMO 193

entre eles havia na generosidade, dignidade e poder provocava a discor- A MULTIPLICACAO DOS VASSALOS REAIS
dia, visto nao existir nenhum tao superior aos outros que estes se dignas-
sem subrneter-se ao seu dominio. Na verdade a Franqa teria produzido A segunda metade do século VIII e 0 século IX caracterizgrgm-53
muitos principes idoneos para dirigir o leme do reino se a fortuna os nao 561" f"1;1'lP1l§"§50 d0-Y COHIFQIOS de vassalagem e pela subida
do niie social do vassalo. Para _C:ar1os; Magno, a cnacao
arrastasse a desgraga, armando-os uns contra os outros na emulacio 05 W-Y-W108 rwls (vassi dommici) foi uma maneira de
do Poder. assegurar a. fidelidade dos seus servidores. 0 juramento
aqui transcrzto faz purte de uma capitular do ano 802.
[Reginanis abbatis Prumiensis Chronicon, in Monumenta Germaniae
Hist0rica—Script0re.\' l, Hannover, 1826, p. 598.] Juramento pelo qual prometo ser fiel ao senhor Carlos, piedosissimo impe-
(1) Carlos I11 0 Gordo, filho de Luis o Germanico, imperador da Alemanha em 882
rador, filho do rei Pepino e dc Berta, assim como um homem (1) por direito I
e rei de Franca a partir de 884. (1) A 12 dc Janeiro. (3) Reichenau na actualidade. deve ser para com o seu senhor [para defesa] do seu reino e direito. E eu
O mosreiro ficava numa ilha do lago Constanm. quero manter e mamerei este juramento que fiz, na medida em que sei
e compreendo, dc hoje em diante(2), se me ajudarem Deus, criador do
Céu e da Terra, e estas reliquias de santos.

[Capitularia missorurn (802), in Monumenta Germaniae Historian


— Ciggiaularia Regum Francorum. ed. A. Borezius, t. 1, Hannover, 1883,
p. .
2. g
A MONARQUIA E A HIERARQUIZAC/T0 (') Homo tomou-se sinonimo dc vassallus. (1) Este juramento devia ser feito pelos vu
salos directos a partir dos 12 anos de idade.
DAS AUTORIDADES LOCAIS
I-m1Q\It<

CARLOS Jagno e os seus sucessores pretenderam defender a autoridade »-.


régia em cfse, ligando pelos lacos da vassalidade os representantes do poder CARLOS MAGNO PROCUROU COMBATER
ptiblico ti pessoa do monarca. AS USURPACOES TERRITORIAIS
A concessiiode beneficios aos condes e bispos a troco dos seus services DOS SEUS VASSALOS
‘>.
publicos criou uma natural associacdo entre a honra (o cargo ou funcfio).
a vassalidade e 0 prdprio feudo. Este fenomeno, difundido a todos as niveis ‘. A Capitularia missorum do ano 806 revela a tendéncia
sociais. multiplicou os contratos vassdlicos, desligando muitos senhores dd 5 dos funcionarios régios para transformar em plena proprie-
dade as direitos de usufruto que tinham sobre o seu bene-
submissdo directa ao Estado. Verificou-se assim uma hierarquizacao de ins- ficio. Estas usurpacoes, que se multiplicaram a partir de
tdncias autonomas que, se por um lado mio contribuiu para fortalecer a M0- Carlos Magno, prepararam a Iegalizacdo da hereditariedade
narquia como era pretendido. por outro obstou ti completa dissolucfio I14 é do feudo.
ideia de Estado.
Com efeito, foi para as regras feudais que os monarcas franceses ou ale- »-aunr't:'nl!Il- CaP- 6- Ouvimos dizer que os condes e outros homens que dc nos tém
mfies apelaram sempre que quiseram exercer um poder que se havia tornadv z<:ilefiCi0s adquirem propriedades pessoais a expensas dos nossos bene-
demasiado teorico; foi ainda jogando com estas regras que as monarqllifl-* it OS e obrigam os servos dos beneficios a trabalhar na sua propria terra,
ocidentais tentaram o seu ressurgimento a partir do século XIII. 13°10 que os nossos dominios sao prejudicados e os que neles vivem sofrem
As instituicfies piiblicas feudalizadas constituiram a estmtura polititfl ‘"1 muitos lugares grandes males.
dos estados medievais. Ouvimos dizer que alguns vendem a outros homens, em plena proprie-
r. m__,3
194 rsxros 1-nsroaicos MEDIEVAIS
dade, os beneficios que de nos detém e, depois tendo recebido o preeo no
tribunal piiblico, voltam a comprar as terras como propriedades alodiais.
Isto nao pode ser feito, porque aqueles que 0 fazem quebram a fidelidade
que nos prometeram. '
CAPiTUlO VI — O RENASCIMENTO 4
[Monumenta Germaniae Hisrorica—-Capitularia Regum Francorum,
ed. A. Boretius, t. I, Hannover, 1883, p. 131.] DA CIVILIZAQAO URBANA

0 PODER PIIIBLICO NAS MAOS DOS CONDES


(SECULO IX)
Analisando uma capitular dada por Carlos o Calvo em 864,
podemos verificar que a autoridade do conde se revestia de
importantes funcfies economicas e militares sobre as quais
0 monarca ia tendo cada vez menos possibilidades de fis- 1
calizacfio.

1- [...] Devem os condes considerar os bispos e outros ministros da


Igreja como seus auxiliares. [...] .
4 — Ordenamos aos nossos condes [...] que respeitem a sua condigio
dc vassalos '[. . .] se pretendem que nos lhes respeitemos a sua propria posieio. 51 1
-.
-.1
F
17 — Devem os condes evitar [...] que em qualquer ponto dos seus con- 4
r

dados se cunhern moedas secreta on fraudulentamente. [...]


20 — Saibam os condes [...] e os nossos outros fideles que as rnedidas i
Is
honestas [...] sao feitas para comprar e vender nas nossas cidades e al-
deias. [...] '

26-Os .francos de cada condado que tenham cavalos devem entrar


no exército as ordens dos seus condes. [...]
27 -— [...[ Devem os condes inquirir diligentemente quantos homens livres
em cada condado podem servir no exército a sua propria custa. [...]
35 — Saibam os nossos condes que vamos enviar os nossos missi pal‘!
vcrificarem em pormenor a maneira como obedecem as ordens agvfl
dadas. [...]-
[Monumenta Germaniae Historica—Capitularia Regurn Francorllmr s.é
ed. A. Boretius. Hannover, 1897, pp. 313-327.]
i
I
———<

1
1
1
1
1
1
1
1
a. O APARECIMENTO DA BURGUESIA 1
1
I. - 1

O MERCADOR ITINERANTE 1
E O DESPERTAR DAS CIDADES 1
1
A inseguranca que acompanhou a desagregacfio do Império Carollngio cobriu
a Europa de castelos ou burgos erigidos pelos senhores feudais. Na pequena 1
drea da castelania centrou-se um Iocalismo politico e administrativo tendo 1
por base uma economia puramente agrdria. A partir da segunda metade
1
do século X, no entanto, os mercadores itinerantes, homens desenraizados
e sem terra, comecaram a qluir em maior quantidade, pousando com fre- 1
4 quéncia ao abrigo da fortaleza. Tendendo aos poucos a estabilizar-se, estes 1
aventureiros procuraram fixar-se nas regifies do Centro e Norte da Europa,
1
junto das muralhas dos burgos mais bem situados para efeito de transac-
cfies comerciais. At’ criaram o <<burgo de fora» (forisburgus), o portus ou 1
'¢vh0h'q\~'rn|wv\ vicus, que muitas vezes se rodeou também de novas muralhas. Em breve as 1
dois burgos, o velha e o novo, se uniram, tomando-se um centro de atraccdo
1
para as populacfies rurais e artesanais, que nele encontravam o trabalho e a
regulamentacfio dos impostos e obrigaczies exigida pelos <<burgueses».
7' Nas cidades do Sul da Europa, nomeadamentena Itdlia, uma maior tradi- 1
r.
,_.
C50 urbana fez com, que, desde sempre, nobres, arttfices e comerciantes, 1
vivessem por trds dos mesmos muros. Mas, tanto no Sul como no Norte,
ii
0 surto demogrzifico, as novas arroteias, os inventos técnicos e a maior faci-
lidade de deslocacfies acordaram os povoadas e deram aos seus habitantes
"M comum desejo de Iiberdade.

1
a

; 1

1 1
CIVILIZACAO URBANA 1 199
198 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
O APARECIMENTO DE UM <<BURGO NOVO»:
y A FORMACAO DE UM MERCADOR BRUGES
(sécuro xr)
Jean Lelong, cronista de Saint-Bertin (seculo XIII) explica-
Godric de Finchale, que veio a ser santificado, comecou a -nos como da afluéncia de uma populacdo movel junto das
sua vida como mercador. Nasceu de pais Iavradores, no muralhas de um amigo burgo, surgiu uma nova cidade, Bruges.
Lincolnshire, em fins do século XI. A narrativa da suaprimeira
actividade ilustra-nos o aparecimento de um novo tipo de [...] Com a continuacao, para satisfazer as faltas e necessidades dos da
mentalidade e profissiio. fortaleza, comegaram a afluir diante da porta, junto da saida do castelo,
negociantes, ou sejam, mercadores de artigos custosos, em seguida tabernei-
Quando o rapaz, depois de ter passado os anos da infancia sossegadamente ros, depois hospedeiros para a aliinentacao e albergue dos que mantinham
em casa, chegou a idade varonil, principiou a seguir meios de vida mais negécios com o senhor, muitas vezes presente, e dos que construiam casas
prudentes e a aprender com cuidado e persisténcia 0 que ensina a expe- e preparavam albergarias para as pessoas que nao eram admitidas no inte-
riéncia do mundo. Para isso decidiu nao seguir a vida de lavrador, mas rior da praca. O seu dito era: <<vamos a ponte.» Os habitantes de tal maneira
antes estudar, aprender e exercer os rudimentos de concepqoes mais subtis. se agarraram ao local que em breve ai nasceu uma cidade importante que
Por esta razao, aspirando a profissao de mercador, comeqou a seguir 0 ainda hoje conserva 0 seu nome vulgar de ponte, porque brugghe significa
modo de vida do vendedor ambulante, aprendendo primeiro como ganhar ponte em linguagern vulgar.
em pequenos negécios e coisas dc preco insignificante; e entio, sendo ainda
um jovem, 0 seu espirito ousou a pouco e pouco comprar, vender e ganhar 2 [Cit. em Louis Gothler et Albert Troux, Recueils de Textes d'histoire
pour Penseignernent secondaire, 't. n, p. 105].
com coisas de maior preco. _ '
[...] Primeiro viveu como um mercador ambulante por quatro anos no
Lincolnshire, andando a pé e carregando fardos muito pequenos; depois
A COEXISTENCIA DAS VARIAS CLASSES SOCIAIS
viajou para longe, primeiramente até Saint Andrews na Escécia e depois
NAS CIDADES ITALIANAS
pela primeira vez até Roma. No retorno, tendo feito uma arnizade fami-
liar corn certos outros jovens que ambicionavam mercadejar, comeqofl O bispo Otiio de Freising (c. I110-1158) deu-nos pela sua
a la.n<;ar-se em viagens mais atrevidas e a ir por mar, junto a costa, até obra Gesta Frederici I imperatoris um importante documento
as terras estrangeiras que ficavam a volta. Assim, navegando muitas vezfi sobre alguns anos do reinado daquele imperador. No texto
entre a Escocia e a Bretanha, negociou em mercadorias variadas e»n° que se segue, o historiador procurou analisar a situacfio
meio destas ocupaqoes aprendeu rnuito da sabedoria do mundo. [...] Porq\1¢ politico-social das cidades italianas lombardas na sua época.
trabalhava nao apenas como mercador, mas também como marinheir0[---lg
para a Dinamarca, a Flandres e a Escdcia; nas terras onde encontm‘/3 N0 governo das suas cidades e na orientaeao dos negécios piiblicos, tam-
certas mercadorias raras e por isso mais preciosas, transportava-as P811 bém [os Lombardos] imitam a sabedoria dos amigos romanos. Final-
outras partes onde sabia que cram menos familiares e cobigadas p¢1°9_ "FDIC sao tao desejosos de liberdade que, para fugirem a insoléncia do Poder,
habitantes a pre<;o de ouro. Fez desta maneira muitos lucros com £0433 53° 801/ernados pela vontade de consules, de preferéncia a principes. Como
as suas vendas e reuniu avultados bens com o suor do seu rosto, Visw 5 sabido, existem entre eles trés classes: os capitaes(1), os avavassores» e
que vendia caro num lugar as mercadorias que tinha comprado n01-13° a_Plebe. E, a fim dc evitar a arrogancia, os ditos consules sao escolhidos
por um preqo inferior. nao de entre urna, mas de entre cada uma das classes. Para que nao exce-
dam os seus limites pela ambicao do Poder, sao mudados quase todos os
anos. A consequéncia é que, como praticamente toda aquela terra esta
[Reginald of Durham, Libellus 11¢ Vita et Miraculis s. Godrici. H¢"' 1,.
mitae de Finchale. ed. Stewenson, Londres, 1847].

firm»
200 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS CIVILIZACAO URBANA 201
dividida entre as cidades, cada uma delas exige que os seus bispos ai vivam, ter estendido a sua autoridade sobre duas cidades vizinhas situadas no
e dificilmente se poderzi encontrar nos territorios circundantes algum nobre mesmo vale, Como e Lodi. Além do mais —corno vulgarmente acontece
ou homem importante que nao reconheca a autoridade da sua cidade. no nosso lote transitdrio quando a boa fortuna nos sorri —, Milao, favore-
E desse poder para forqar todos os elementos a viverem em comum sao leva- cida pela prosperidade, foi levada a uma tao audaciosa exaltaqao que nao
dos a chamar as varias terras de cada [nobre] o seu condado(2). Também so nao hesitou em incomodar os seus vizinhos, como ousou mesmo recen-
para lhes nao faltarern os meios de submeter os seus vizinhos, nao des- temente (2) incorrer na ma vontade do principe(3), por desrespeito a sua
denham de dar a ordem da cavalaria ou graus de distinqao a jovens dc majestade.
condiqio inferior e mesmo a alguns trabalhadores das vis artes mecanicas,
que outros povos afastam como a peste dos ernpreendimentos mais respei- [Otto of Freising, 7712 deeds of Frederick Barbarossa, trad. e notas
tados e honoraveis. Deste facto resultou ultrapassarem de longe todos os de Charis Christopher Mierow e Richard Emery, New York, 1966,
pp. 128 e 129.]
outros estados do mundo em riqueza e poder. Sao ajudados nesta circuns-
tancia nao apenas, como ficou dito, pela sua caracteristica indiistria, mas (1) Os Lombardos. (1) Em principios de 1155. (3) Frederico Barba Ruiva.
também pela auséncia dos seus principes, acostumados a viver do lado
de la dos Alpes(3).

[Otto of Freising, The deeds of Frederick Barbarossa, trad. e notas


de Charles Christopher Mierow e Richard Emery, New York, 1966,
pp. 127 e 128.]
2.
(1) A grande nobreza. (1) Comitatus, no original latino. (3) Refere-se aos imperadores OS GRANDES CENTROS
alemaes.
E ROTAS COMERCIAIS

A partir do século XI a Europa reacordou para a vida comercial. As fiouxas


A POLlTICA EXPANSIONISTA correntes mercantis_ que se faziamlsentir no mundo carolingio, esporddica
DE UMA CIDADE LOMBARDA: e irregularmente, slucederam-se trocas regulares, a criacfio de entrepostos
MILAO internacionais e o adensamento do trdfico em geral.
0 comércio muculmano no Mediterrdneo e no Proximo Oriente come-
Mildo exemplfiica com clareza a tipica cidade medieval cou a sentir a concorréncia do mercador italiano. Por sua vez, os mercadores
italiana, cujo poder se estendeu a vastas dreas circundantes escandinavos e eslavos encontraram, no Norte, a competiczio alemii. Entre
(incluindo outras cidades) e cujo espirito de independéncia
as cidades do Sul e os mares do Norte, uma linha de feiras estabeleceu um
_ foi um elemento fundamental no jogo da politica imperial.
0 autor do trecho que se segue e’ 0 bispo Otdo de Freising caminho fdcil através da Champagne, enquanto o Rodano, os seus qfluentes
(c. I110-I158). 8 a rede navegdvel dos Patses Baixos proporcionaram vias fluviais a quantos
08 preferiram. .
Entre todas as cidades deste povo(1), Milao detém agora a chefia. Esta A utilizaciio pelo mercador itinerante destas rotas, agora menos perigosas
situada entre 0 Pd e os Pirenéus e entre o Ticino e o Adda, que toma a sua 1LM
'-.1-'91.-2
P0!‘ terem diminuido as incursoes de povos invasores, foi contempordnea e
nascente nos mesmos Pirenéus e corre para o P6, criando por isso um Soliddria de varios outros fenomenos: o crescimento e a multiplicacfio dds
certo vale muito fértil, como uma ilha. [...] Esta cidade é agora considerada I
Cidades, o aumentogda populacfio, o desenvolvimento das técnicas agr1'C01¢1S
(como foi dito) mais famosa do que outras, nao apenas por causa‘ do sell e de uma actividade industrial, a dos téxteis, que teve por fulcro as regifies
tamanho e abundancia de homens honrados, mas também pelo facto d6 fl0mengas_
TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS CIVILIZACAO URBANA 203
l 202

CONCESSAO DE PRIVILEGIOS COMERCIAIS do rei, na festa dos Apostolos Pedro e Paulo, trezentos bezantes san-a-
AOS VENEZIANOS PELO cenos, anualmente, como convencionado. [...]
PATRIARCA DE JERUSALEM
Adelson, Medieval Commerce. an Anvil Original,
(1123)
O comércio italiano no Mediterrdneo e nomeadamente no (1) Domenico Michaeli, doge da Republica Veneziana. (1) Balduino II, rei de Jeru-
Proximo Oriente, apoiou-se em auténticas colonias de mer- salem de 1228 a 1261.
cadores estabelecidas nas cidades mais importantes. Tanto
no Reino de Jerusalém como no Império Bizantino, a impor-
ttincia destes nucleos cresceu rapidamente, atingindo nalguns
casos milhares de habitantes; TRATADO DE PAZ E COMERCIO
ENTRE 0 CALIFADO ALMOHADA
[...] Nos, Warmund, pela graea de Deus Patriarca da Santa cidade de Jeru- E A REPUBLICA DE PISA
salém, corn os irrnaos sufraganeos da nossa igreja [...] confirmarnos [...] ao (15 DE NOVEMBRO DE 1126)
citado doge (1), aos seus sucessores e ao povo de Veneza [...] que em todas
as cidades do dito rei(2) e sob o senhorio dos seus sucessorese nas cidades As cidades italianas em expansdo comercial tratavam indi-
de todos os seus baroes possam os Venezianos ter uma igreja, uma rua ferentemente com as reinos cristdos da Palestina e com os
muculmanos da Siria e Egipto. Pisa que no século XII dispu-
completa, uma praca, um balneario e mesmo um forno para ser possuido nha de uma excelente frota mercante, interessou-se especial-
por direito hereditario perpétuamente,_livre de todos os impostos, exacta- mente pelo comércio do Mediterrdneo Ocidental, para o
mente como se fosse propriedade real. Que possam ter, na praea de Jeru- que realizou vdrios tratados com os emires norte-africanos.
salérn, tanto como o rei comummente tem. Mas se os Venezianos desejam
estabelecer no seu préprio bairro em Acre um forno, um moinho, um [...] E com a licenca [do califa(1)], que Allah enalteea as suas decisoes e lhe
balneario e balanqas, medidas de alqueire e cantaros para medir vinho, fflqa sentir os seus beneficios e bondadel, poderao [os Pisanos] vir a terra
azeite on mel, seja permitido fazé-lo, aos que ai vivem [...] mas que usem dos Almohadas, que Allah os enalteqal, a fim de praticarem 0 seu trafico
as medidas de alqueire, balangas e cantaros para medir apenas da seguinte 6 exportarem [mercadorias]; limitar-se-ao a quatro terras dos supraditos
maneira: Quando os Venezianos comerceiam entre eles deverao medir [Ahnohadas], 8 Saber, SaPta(2), Wahran (3), Bijaya (4) e Tuwnis (5), que
com as suas proprias medidas, ou sejam as medidas dos Venezianos. Quando Allah as guarde! sem que lhes seja licito desembarcar ou permanecer nou-
os Venezianos vendem os seus géneros a outros povos, devem vendé-los Iras terras dos Almohadas, a nao ser por forga da tempestade que os cons-
com as suas proprias medidas, ou sejam as medidas dos Venezianos. trangesse a salvarem-se, deitando a ancora nalguma praia; nao poderao
Quando porém os Venezianos fazem compras, recebendo alguma coisa 110 entanto vender ou comprar ai qualquer coisa, nem tratar de comércio,
por transaccao, de outro povo que nao dos Venezianos, seja-lhes permitido nem conversar com algum dos habitantes. Exceptua-se Al-Mariyya (6),
recebé-las de acordo com as medidas reais a um pre<;o dado. Nao deveriw @1116 Allah a guardel, onde poderao munir-se de vitualhas e reparar os navios,
os Venezianos pagar qualquer encargo por tudo isto, nem dc acordo com quando disso tiverem necessidade, mas sem qualquer outra finalidade. [...]
0 costume, nem por qualquer outra razao, ao entrar, estar, vender, comprar,
permanecer ou partir; em nenhum dos casos deverao pagar qualquerimpostot [l\vl. L. De Mas Latrie, Traités de Paix et de Commerce ct Documents
Divers, Concernant Ies Relations des Chrétiens avec Ies Arabes de I‘Afr!-
salvo quando vém ou vao com os seus proprios navios transportando perv que Septenmonale, vol. Ii, Paris, 1866, p. 29.]
grinos. Entao, segimdo a costumagem do rei, devem dar uma terea par“
ao proprio rei; pelo que o prdprio rei de Jerusalem e todos nos deverr 1'?Ab"-Yusuf-Yacub,<><>e1=br=<<Aimamn>(9s9-1001). (1)Ceuta. (1) Oran. (4) Bou-
mos pagar ao doge dos Venezianos, dos rendimentos de Tiro, por con" 3‘°- (5) Tums. (5) Almeria.
_

204 rrzxros msroiucos MEDIEVAIS 1 CIVILIZACAO URBANA 205


1
0 DOMlNIO DOS MARES DO NORTE cheios de impudéncia. De facto, os Venezianos e a sua comunidade anti-
PELOS MERCADORES HANSEATAS gamente ultrapassavam-nos muito em riqueza, em armas e em toda
[a espécie de] materiais, porque faziam maior uso dos estreitos do que os
O comércio maritimo da Hansa desenvolveu-se tfio rdpida- Genoveses e porque navegavam através do mar alto com grandes navios (2);
mente que os mercadores alemdes puderam exercer quase assim prosperaram, obtendo mais proveitos do que os Genoveses, trans-
em exclusivo 0 trdfico nos mares do Norte e Bdltico. Nesta
mensagem enviada pelos escabinos de Zwolle, nos Paises portando e carregando mercadorias. Mas uma vez que os Genoveses se
Baixos, ao Conselho de Liibeck (1294) estd patente a pre- tornaram senhores do mar Negro por concessao do imperador e com
tensfio de suprimir a concorréncia dos Frisdes, Flamengas, toda a liberdade e franqueza se’ aventuraram nesse mar, navegando em
Escandinavos e Ingleses nesses mares. pleno Inverno com navios de pequeno tamanho --, a que chamam taride (3),
nao sbmente afastaram os Romanos dos caminhos e traficos do mar, mas
Dirigimo-vos as nossas accoes de graqas por terdes actuado com tanta
também eclipsaram os Venezianos em riqueza e bens. Por causa disto
aplicaeao e eficacia a fim de restaurar os nossos antigos direitos, ja quase
comeeararn a olhar dc cima nao so para estes, da sua propria raca, mas
abolidos por inércia e negligéncia, nao apenas para vosso e nosso bene- também para os proprios Romanos. [...]
ficio, mas também para o de todos os mercadores do Império Romano
desejosos de frequentar as costas maritimas. Vés, muito fiéis mantenedo- [Georgios Pachymeres, Michael Paleologus, v. xxx, cit. em Robert
res, remediando tao grande negligéncia, agindo como cabeca e principio S. Lopez and Irving W. Raymond, Medieval Trade in the Mediter-
ranean World. Columbia University Press, 1961, pp. 127-128].
de todos nos, nao hesitastes, como no-lo indicam as vossas cartas, em
3
assumir o pesado encargo de proibir por completo aos Frisoes e aos Fla- (1) Miguel VIII Paleélogo, imperadorde Constantinopla entre 1259 e 1282. (1) Gales.
mengos navegar no mar Baltico para Gotland, como o faziam até hoje s.
(3) A taride era um compromisso entre a gale e a nau.
contrariamente aos antigos direitos. E inversamente impedis os Escandi-
navos de frequentar doravante o mar do Norte, como 0 fizeram por muito
tempo, com menosprezo do direito. [...] Além disto suplicamo-vos com insis-
téncia que penseis em proibir por completo a‘ todos os ingleses 0 caminho AS FEIRAS DA CHAMPAGNE
do mar Baltico. K
2‘ As feiras da Champagne foram essencialmente o ponto de
encontro da industria flamenga e do comércio italiano.
[Cit. em Philippe Dollinger, La Hanse (XII=-XVII¢ siécles), Paris,
1964, pp. 486-487].
.;;_
I. Dai os tecidos norrlicos demandavam as terras mediterra‘-
I
..
nicas, enquanto as especiarias entradas pelo sul se encamt'-
1 nhavam para as portos dos mares do NorteeBa'Itico. Tendo-se
desenvolvido sobretudo no século XII, estas feiras atingiram
A RIVALIDADE GENOVESO-VENEZIANA *\
o seu auge no século XIII. 0 facto de nelas se encontrarem
NO PROXIMO ORIENTE mercadores de toda a Europa permitiu que ai se realizassem
grandes operacoes de cdmbio e se desenvolvessem as técnicas
Apos a destruicdo do Império Latino de Constantinopla de crédito iniciadas pelos Italianos.
(I261) os Genoveses, que haviam apoiado o novo impe-
rador Miguel VIII Palerilogo, receberam grandes corn-
pensacoes economicas, suplantando os Venezianos no tra- Troyes, 29 de Novembro de 1265.
fico com 0 Oriente. Este periodo é-nos dado a conhecer 3

pe o historiador Georgios Pachymeres (I242-c. I310), autor 5. A messer Tolomeo (1) e aos outros sdcios:
do trecho qu‘e se segue.
Andrea envia-vos saudaeoes. E deveis saber que os sieneses que aqui 1

i
Nessa época 0 imperador(1) decidiu humilhar os Genoveses, que estavam estio despacharam [as suas cartas] por um mensageiro comum depois 1
1 civ1t.1zAcAo URBANA 201
296 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

OS MERCADORES DE LUBECK
da ultima feira de Saint-Ayoul, como habitualmente. Envio-vos um rolo
NAS FEIRAS DA CHAMPAGNE
-_-_.¢
de cartas por Balza, um correio de Siena. Se as nao receberdes tentai
alcanea-las. [...] _
A partir do século XIII os mercadores alemfies comegaram
Aqui as mercadorias vendem-se tao mal que parece mesmo impos- a fixar-se nas cidades flamengas. Este facto facilitou-lhes
sivel vender alguma coisa; e ha imensa quantidade delas. A pimenta vale a frequéncia das feiras da Flandres e também as da Cham-
aqui [...] libras a carga e nao se vende bem. O gengibre, de 22 a 28 dinhei- pagne, onde jd figuravam em grande numero no segunda
ros, dependendo da qualidade. O agafrao tem sido muito procurado, metade desse século. Um diploma de Filipe o Belo (1294)
vendendo-se a 25 soldos a libra e ja nao ha nenhum [no mercado]. A cera revela-nos a ‘importdncia do papel desempenhado pelos mer-
cadores de Liibeck nessas feiras.
de Veneza, a 23 dinheiros a libra. A cera de Tunis a 21 dinheiros e meio.
O sdcio de Scotto tem uma quantidade de mercadorias e nao consegue
transforma-las em dinheiro; esta tentando envia-las para Inglaterra a fim Filipe (1), pela graea de Deus rei de Franca, aos prebostes, bailios e outros
de ai as vender. O cambio do esterlino faz-se a 59 soldos o marco. A boa oficiais do nosso reino que virem as presentes cartas, saiide.
moeda de Freiburg a 57 soldos e 6 dinheiros o marco. O ouro tari(1), a Tendo visto os autos do nosso tribunal sobre o conflito ocorrido entre
19 libras e 10 soldos o marco. O ouro em po(3), segundo a qualidaCl¢- os mercadores de Liibeck por um lado e os recebedores da portagem de
O augusta1(4) a 11 soldos cada um. Os florins ern Saint-Ayoul valiam 8 sol- Bapaume por outro, pareceu que quando estes mercadores se dirigem as
dos cada um e mais um dinheiro por causa da cruzada; mas agora nao feiras da Champagne, com as suas mercadorias adquiridas ou compradas
P.

acredito que os vendam por mais de 8 soldos menos trés dinheiros. A moeda
Q
_v
Y
na Alemanha, nao devem tomar obrigatoriamente a estrada de Bapaume,
de Le Mans vale um quinze avos, ou ‘seja: 15 [soldos] de Le Mans sao mas podem ir e vir com as suas mercadorias por onde quiserem, pagando
equivalentes a 2 soldos torneses(5). A moeda de liga, uns quinu av0S 6 as portagens habituais nos locais a que se destinam.
meio. _ Em contrapartida, se trouxerem ou escoltarem mercadorias ou dinheiro
Se nao haveis pago 10 libras pequenas sienesas a mulher de Giacommo de Flandres para as ditas feiras ou para outros locais que figurem nos
ditos autos, deverao tomar a estrada de Bapaume. Por esta razao orde-
del Carnaiuolo, como vos comuniquei da passada feira de Saint-Ayoul.
namos que vos oponhais firrnemente a que os ditos mercadores sejam
pagai-as, porque sao pelas 3 libras provinesas (6) que recebi do dito O10-
comino. E laneai-as no meu débito em relaeio a passada feira de Saint- importunados em contrario ao conteudo dos ditos autos.
-Ayoul, pois assentei-as em relaeio a dita feira e esqueci-me de o escrever f‘¢"¢q&_r'.
[Cit. em Philippe Dollinger, La Hanse (XII:-XVII: siécles), Paris,
na carta que vos enviei da dita Saint-Ayoul. [...] 1964, p. 470.]

[Paolo e Pieoolomini, Lettere volgari. cit. ern'Lou_is Gothier et 1‘) Filipe IV, 0 Belo, rei de Franqa de 1285 a 1314.
Troux, Recueils de textes d'Iusto|re pour lenseignement secon If 1 is‘?
t-. ri, pp. 137 e 138].

(1) Os Tolomei eram uma das mais importante: familias de Siena. (2) O tari era um‘
moeda mucitlmana oorrespondente a um quarto do dinar. No século xm a cidade 4°
Arnalfi tambem cunhou taris. (1) Vindo da Africa Ocidental. (4) Moeda dc ow’? V ,1 AS FEIRAS DA FLANDRES
cunhada por Frederico H na Sicilia. (5) Moeda proveniente da Abadia de S. Mam’
nho de Tours entre os séculos x e xln. (5) Emitida em Provins, em nome do 00114‘
da Champagne. i;
9.
A indtistria flamenga de tecidos provocou o desenvolvimento
das feiras da Flandres, as quais se sucediam umas as outras
desde a Primavera até ao Outono. Como era habitual nas
feiras medievais, num primeiro periodo expunham-se e ven-
diam-se as mercadorias e numa segunda fase pracedia-se

£1
208 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS 1
1
ao encontro dos pagamentos. O relato que se transcreve foi 1
feita por um mercador florentino da primeira metade do
século XIV.

Na Flandres ha muitas e variadas feiras, como a seguir se vera, ordena-


damente exposto, e em primeiro lugar:
b. O DESENVOLVIMENTO URBANO
A feira de Ypres comeca no primeiro dia da Quaresma e na segunda-
-feira da Quaresma expoe panos pela manha continuando assim até quarta-
-feira e depois ao fim da tarde grita-se ara:(1), nao se vendendo mais panos 1.
desde o dia em que se gritou ara: até quinze dias mais tarde é 0 periodo do O NASCIMENTO DAS COMUNAS
pagamento da dita feira.
A feira de Bruges comeqa oito dias depois da P:-iscoa da Ressurreiqao e ao 0 movimento comunal, intimamente ligado a motivacfies de ordem ecand-
cabo dc catorze dias comcca de manha a expor panos, tendo trés dias de expo- mica, nasceu por isso mesmo nas cidades do Norte da Ita'lia, enriquecidas
sicao; e acabados estes tres dias, pela tarde grita-se arae nao se mostram mais pelo comércio, atingiu em seguida os burgos dos Paises Baixos e dissemi-
panos; e depois ha um termo de quinze dias para pagamento da dita feira. nou-se posteriormente por quase toda a Europa Ocidental. Como qualquer
A feira dc Thourout comeca a 29 de Junho e a 10 de Julho pela manha outro movimento associativo medieval, teve por fim garantir os privilégios
comeea a expor panos. A 12 de Julho pela tarde grita-se ara e nao se mos- e Iiberdades dos seus -membros, frente as prepoténcias dos senhores feudais.
tram mais panos, sendo a 27 de Julho o termo do pagamento da dita feira. Esta liberdade, concretizada numa carta comunal, foi algumas vezes con-
A feira de Lille comeqa no dia de Santa Maria de Agosto e a 26 de quistada pelas armas, mas derivou, na maior parte dos casos, de uma simples
Agosto pela manha comeca a expor panos. A 28 de Agosto pela tarde compra efectuada pelos burgueses da cidade. Nesta medida, muitos senhores
grita-se ara e nao se mostram mais panos, sendo a 12 do préximo més de feudais se interessaram pela concessdo, ou mesmo a criapdo, das comunas,
Setembro o termo do pagamento da dita feira. V pelo que elas se multtplicaram entre as séculos XI e XIII.
A feira de Messines da Flandres comeqa no dia da festa de_ S. Remigio,
que é o primeiro dia do més de Outubro, e a 12 de Outubro pela manha
comeca a expor panos. A 14 de Outubro pela tarde grita-se ara e nao se
mostram mais panos, sendo a 29 dc Outubro 0 termo do pagamento da AS AGITACOES SOCIAIS NA LOMBARDIA,
dita feira. NO SECULO XI
[Francesco Balducci Pegolotti, La Pratica della Mercatura. ed. Allan 0 desenvolvimento comercial das cidades italianas e 0 con-
‘ Evans, The Mediaeval Academy of America, Cambridge, Massa- sequente surto financeiro de novas classes sociais trouxe-
chusetts, 1936, pp. 736 e 237.] ram consigo lutas e perturbapfies que foram contempordneas
(1) Tanto nas feiras da Champagne como nas da Flandres, o grito <<a.ra!» ou aharo!» das primeiras comunas. Em Milfio, a pequena nobreza e a
significava o momento em que terminavam as vendas e se iniciavam os pagamentos. burguesia ergueram-se contra as pretensdes feudais do seu
arcebispo (1035). A obra de que se extrai o trecho que se
segue foi escrita entre I040 e 1046.

{A0 mesmo tempo (1) houve grande perturbacfio na Italia, com aspectos
"muditos nos tempos recentes, por causa das varias associaqoes juradas
que 0 povo fez contra os seus principes. Na verdade, todos os avavassores»
da llzilia e os <<cavaleir0s vilaos»(2) ajuramentaram-se contra os seus senho-
t.
m"r4 »

1
iii}

c1v11.1zA¢Ao URBANA 211


210 TEXTOS HIs'ro1ucos MEDIEVAIS
sé, com a licenca do mesmo rei, 0 qual lhe deu muitos presentes. Mas como,
res e todo 0 povo miudo contra os graudos. Desta maneira tornaram 1 devido ao édio pelo rei de Inglaterra, os cidadaos nao queriam dcixar
impossivel aos senhores levar por diante qualquer coisa contra a sua reentrar [o bispo] na cidade por nenhum preco, este ficou com a sua comi-
vontade, dizendo que, se o imperador nao aparecesse na cena em pessoa, tiva fora da cidade, no mosteiro dc S. Vicente. Todavia os clérigos que
fariam eles proprios as leis (3). " nao podiam suportar esta auséncia concluiram um acordo com os seus
inimigos e trouxeram-no de volta a sé episcopal.
[Wiponis, Gesta Chuonradi Imperator, cap. 34, in Monumenta Germa
niae Historica—Scriptores XI, Hannover, 1854, pp. 271-272.] [...] Entao [os habitantes da cidade], tendo feito uma associaciio a que
chamaram comuna, ligaram-se uns aos outros por juramentos e obri-
(1) 1035. (2) Gregarii milites no original. A expressao pretende significar uma classe garam os outros grandes da regiao a jurar fidelidade a sua comuna.
de guerreiros inferiores, nao nobres, acavaleiros mesteirais». Aproximam-se assim dos Tornando-se audaciosos por esta conspiracao, principiaram a comcter
cavaleiros vilaos ibéricos, com a diferenca de se encontrarem ainda presos por lacos feu- inumeraveis crimes, condenando indiscriminadamentee sem causa muitas
dais. (1) Os revoltosos haviam pedido o apoio do imperador contra o arcebispo de
M1150 aliado a outros senhores feudais lombardos.
pessoas, cegando algumas pelas mcnores razoes, e, 0 que é horrivel dc
dizer, enforcando outras por faltas insignificantes. Queimaram mesmo os
castelos da area durante a Quaresma, e, 0 que ainda é pior, durante o
A PROCLAMACAO DA COMUNA periodo da Paixao dc Nosso Senhor. E fizeram tudo isto sem razao. [...]
EM LE MANS (1010)
[Actus Pontificum Cenomannis in urbe degentium, ed. G. Busson 0
A. Ledru, Le Mans, 1901, pp. 376-378.]
A comuna nem sempre foi obtido através da luta e da resis-
téncia violenta aos senhores. Estes altimos casos constitul- "-50%
ram mesmo, talvez, a excepcfio. No entanto, e até pelo seu (') Guilherme I dc Inglaterra (1027-1087). (1) Em Hastings (1066).
cardcter invulgar, ficaram célebres algumas agitagoes liga-
das ao estabelecirnento do comuna, como a que a seguir
transcrevemos e que se presume tenha sido presenciada pelo A REVOLTA DE COLONIA
clérigo que uns anos mais tarde a registou. CONTRA o sau ARCEBISPO (1014)
~.'-=‘
Guilherme, chefe dos Normandos (1), que tinha acabado de anexar o con- As violéncias que precederam, nalguns casos, o triunfo da
dado do Maine depois da extincao e quase completa exaustio dos herdei- comuna visaram muitas vezes membros do clero, jd porque
estes, senhores da cidade, se comportavam como auténticos
ros desse condado, dirigiu-se para Inglaterra com um grande exército principes, jd porque residiam dentro do povoado, o que nem
de francos, normandos, homens de Le Mans e bretoes onde em batalhfl 31-’".‘\i-‘nice .,i$fl\"v~"-ti» sempre acontecia com 0 senhor Iaico.
derrotou os Ingleses (2). Tendo 0 rei [destes 1'11t.imos], Harold, sido II101".°s
Guilherme conquistou todo 0 reino de Inglaterra. Mas enquanto pe1'1'Il3' l---] As noticias de que a cidade se debatia numa atrocissima sedicao (1)
neceu em Inglaterra devido a guerra, os grandes do Maine, juntamenw °h¢garam até ao arcebispo, que imediatamente enviou [homens] para domi-
com 0 povo, deixaram de lhe ser fiéis e abandonaram-no em grande m'imer0- nar 0 tumulto do povo e, ficando cheio de ira, ameacou os jovens rebeldes
[...] Vendo tudo isto, 0 bispo apressou-se em fugir da cidade, com med° ¢°1I1 0 castigo merecido na prdxima sessao [do tribunal]. [O arcebispo]
de dar a impressao dc ter apoiado a traicao dos seus habitantes, e, tend° "3 um homem florescentissimo em todo o género de virtudes e a sua
chegado a Inglaterra, depois de uma travessia facil, foi recebido pelo 115 Probidade nos varios assuntos, quer os da repiiblica quer os da igreja
com grande afeicao. Mal os seus inimigos souberam disto, apoderaram-5‘ d° Deus, ja tinha sido muitas vezes provada. Mas entre tantas virtudes
das suas casas e de todos os seus bens, tencionando pilhar sistematicamfll" possuia um vicio, como uma mancha escura num lindo corpo. Quando
tudo 0 que lhe pertencesse. Esta foi a razao pela qual o bispo, depois d9 fervifl em colera nao podia moderar a lingua e esmagava todos, sem dis-
uma curta estada com 0 rei, tomou certas medidas para reocupar a $113

4
212 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS 1
CIVILIZACAO URBANA 213
1
1
tincio, com asperas repreensoes e violentos insultos; mas logo que a ira 1

lhe passava aos poucos, recriminava-se veementemente por ela. intermediaries, a oportunidade de ter licenca para fazer uma comuna,
O tumulto na cidade havia-se finalmente aquietado um pouco. Mas se pagasse uma soma compativel. Comuna é uma nova e péssima designa-
gao de um acordo pelo qual todos os cabecas-dc-casal(2) pagam aos senho-
o jovem (Z), que estava de animo exaltado e ensoberbecido pelo seu pri-
res, apenas uma vez no ano, 0 tributo usual de servidao e, se cometem
meiro sucesso, nao deixava de provocar todo o distiirbio que podia. Per- 1
correndo a cidade, fazia discursos ao povo acerca da insoléncia e austeri- um delito infringindo as leis, saldam-no por um pagamento legal; tam-
bém ficam inteiramente livres das demais exaccoes do censo usualmente
dade do arcebispo, que lanqava injustas sobrecargas, despojava os inocentes
impostas aos servos. O povo, agarrando esta oportunidade para se liber-
da sua propriedade e insultava os honestos cidadaos com as suas impuden-
tissimas palavras. tar, juntou grandes somas de dinheiro a fim de saciar a sofreguidao de
tantos avarentos; e estes, agradados com a abundancia que lhes chovia
[...] Além disto, a todos vinha a mente um feito insigne e glorioso do povo
de Worms, que havia expulsado 0 seu bispo por os estar governando com em cima, prestaram juramentos, comprometendo-se no assunto. [...]
demasiada rigidez (3). E visto que (em Colénia] eram mais numerosos e 1
[Guiberti, abbatis S. Mariae de Novigento, De Vita Sua sive Mono-
ricos que em Worms e possuiam armas, desagradava-lhes pensar que eram diarum. lib. m, cap. vn, in J. P. Migne, Patrologiae Cursus Completus,
Series Latina, Paris, 1880, col. 922.]
1
inferiores ao povo de Worms em audacia, submetendo-se como mulheres
ao mando do arcebispo que os dirigia de uma maneira tiranica.
(1) O abade Guibert de Nogent acabava de descrever a maneira como os comerciantes
Os principais eram eonvencidos por conselhos ineptos e a multidao se enganavam e violentavam uns aos outros. (1) Capite censi no original latino.
desregrada com a ambicao de coisas novas revoltava-se e chamava as armas 0 mbeca-de-casal era o proprietario de um casal <<encabec;ado», ou seja de uma herdade
através de toda a cidade arrastada por espirito diabélico. que pagava um imposto ao senhor em representacao de varias outras terras dela depen-
dentes.
[Lambertus Hersfeldensis, Annales, in J. P. Migne. Patrologiae Cursus
Completus, Series Latina, t. cxLvI, Paris, 1884, cols. 1158-1159.]
rvtks-e‘~tfl'=sa#.
as
(1) Iniciara-se um tumulto na cidade por o arcebispo ter requisitado o navio de um mer- 3-.9

cador para transportar o bispo de Minster, que viera a Colénia passar a Pascoa.

=5 2. I
(1) O filho do mercador proprietario do navio. I-lavia sido por sua iniciativa que se orga-
ta A ORGANIZAC.-1'0 COMUNAL
nizara a resisténcia as ordens do arcebispo. (3) A revolta de Worms dera-se um ano antes.
A emancipacfio das cidades variava de grau conforme 0 numero e o tipo de
privilégios que lhes eram concedidos.
CONSIDERACOES SOBRE A PROCLAMACAO Nalguns casos os habitantes da comuna mantinham-se na antiga depen-
DA COMUNA EM LAON (1115) déncia do senhor, limitando-se a carta comunal a regulamentar as suas obri-
gdyties, tributos e penalidades em caso de infraccfio destas regras. Noutros
0 abade Guibert de Nogent-sous-Coucy (1053-I124), des- Msos, porém, o diploma conferia a cidade grande autonomia, transformando-a
crevendo a maneira como a cidade de Laon se tomou uma numa pequena reptiblica com as seus magistrados e as suas assembleias.
comuna, explicou o significado dessa instituigao com a par- 3
Desta maneira a burguesia conquistou o seu lugar nos quadros do feudalismo,
cialidade de um contemportineo que esta vivendo o problema. Iibertando-se das tutelas que mais directamente a incomodavam.
Estas coisas (1) e outras semelhantes aconteciam na cidade. [...] Ninguém 0 nivelamento social conseguido por detrds das muralhas da cidade foi,
podia sair durante a noite a salvo. so restava roubar, capturar e assassinar. Porém, a breve trecho destruido. Os dirigentes das mais ricas corpora¢5es
O clero, considerando esta situacio com os arcebispos, e os proceres, de oficios e os grandes mercadores monopolizaram o govemo comunal, cons-
liluindo-se em classe privilegiada contra a qual se levantaram os menos favo-
pretextando motivos para exigir dinheiro ao povo, deram-lhe, através de
recidos pela sorte.
T

214 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS CIVILIZACAO URBANA 215


DISPOSICOES DA COMUNA DE ROUEN 34—O ladrio apanhado e preso em Rouen ou nos arredores deve
(S. D., ENTRE 1169 E 1180) ser levado ao juiz e julgado por ele e pelo bailio (3) do rei; a execueao da
sentenca deve ser feita pelos oficiais do bailio, a custa do rei. [...]
N50 existiu um verdadeiro direito comunal, porque cada
regido, com os seus condicionalismos locais, criou normas 48-0 visconde da vila nao pode por mao sobre urn jurado devido a
proprias e redigiu a sua carta. No entanto, algumas cartas uma malfeitoria, salvo em caso de morte de homem. O que for convicto
comunais, por terem gozado de especial favor, influenciaram de morte de homem ficara com todos os seus bens moveis nas maos do
vastas regio'es, pelo que é possivel agrupar estes diplomas rei nosso senhor; se possuir casa on pomar, esses imoveis ficarao nas maos
em varios tipos definidos. As leis estabelecidas em Rouen
dtfundiram-se por todo 0 Sudoeste da Franca. do juiz e da comuna para deles fazer justioa.
52—Ninguém se podera recusar a emprestar o seu cavalo para 0 ser-
1 — Se for necessario fazer um juiz (1) em Rouen, os cem que estio nomea- vico da vila; aquele que 0 recusasse ficaria a mercé do juiz e da co-
dos pares elegerao trés homens bons da cidade e apresenta-los-5.0 ao rei, muna.
que fara juiz aquele que lhe agradar.
53—O juiz, no principio do seu ano jurara nao pedir ao senhor da
2—De entre os cem pares serao eleitos vinte e quatro por consenti- terra nem aos baroes para ficar juiz além desse ano, salvo com o comum
mento dos cem pares, os quais serao mudados todos os anos; de entre estes consentimento da vila. [...]
serao nomeados doze escabinos (Z) c doze conselheiros. Estes vinte e quatro s
1
jurarao no principio do seu ano guardar 'os direitos da santa igreja, a fide- [In A. Giry, Les Etablissements de Rouen. t. II, Paris, 1885; in Biblio-
lidade ao rei, e julgar rectamente segundo 0 seu parecer. E se 0 juiz lhes 5‘ théque de l'e'cole des Hautes Etudes, fase. 59, pp. 5 a 53.]
confiar qualquer segredo para guarda-lo-5.0; e aquele que o reve-
(1) Um maire, na lingua francesa (do latim major). (1) Echevins na lingua francesa.
lar sera deposto do seu cargo e entregue a mercé do juiz, dos escabinos e A sua funcao era a de jurados ou conselheiros judiciarios no Conselho das comunas.
da comuna. (3) O magistrado que prestava justica em nome do rei.
1

3 — O juiz e os doze escabinos reunir-se-ao todas as semanas duas vezes.


para os negécios da cidade; e se tiverem dfivida em qualquer assunto,
chamarao aquele ou aqueles dos doze conselheiros que quiserem e ouvi-
rao sobre esse assunto o seu conselho. E os doze conselheiros reunir-se-50 ALGUNS EXTRACTOS
com 0 juiz e os escabinos todos os sabados; e outrossim os cem parfis DA CARTA COMUNAL DE ARRAS
se reunirao cada quinzena, ao sabado. ' (1211)

29-0 juiz, por ordem do rei, deve eonvocar a comuna e conduzi-18 O burgués integrado na comuna conquistou, como 0 cava-
a hoste; quem quer que ficar, deve ficar por sua ordem. Se alguém fica! leiro ou o membro do clero, os seus privilégios e o seu direito
sem sua licenca, 0 juiz deve castiga-lo dc acordo com o que seja, salvo so prdprio. Por trds dos muros do burgo um homem tinha
ele tiver uma desculpa razoavel que o autorize a ficar. __ a <<lei da cidade», estatuto que Ihe conferia proteccfio e uma
‘ .
relativa liberdade.
30 —Ninguém devera estar mais dc um ano e um dia na vila se nao 1'0!
jurado da comuna. Durante essa estada e antes de ter jurado nao poderi Em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo, Luis (1), filho mais velho
gozar de qualquer das liberdades da vila. Nao podera ser recebido H89 do rei de Franca. Saibam todos os que vivem e hao-de vir a viver que nos
comuna e jura-la senao diante do juiz e dos escabinos em exercicio 1185 qflcremos que os direitos e costumes dos cidadaos de Arras permanecam
suas funcoes. Prestado o juramento, tera todas as franquezas da vila. Perpétuamente como uma lei inviolada, a saber:

heroin!“
1

216 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS


CIVILIZACAO URBANA 217
2 — Quem quer que tire um membro a outrem e haja sido acusado pelos bons estantes na nossa cidade de Bayorme e os seus herdadores tenham
escabinos, a menos que o tenha feito em legitima defesa, ficara dependente por todos os tempos daqui por diante a dita comuna, assim como é dito. [...]
da nossa vontade quanto a perder o mesmo membro ou pagar 60 libras, Dado pela mao de mestre Ricardo de Marreys, nosso chanceler, no tem-
25 — Quem tiver dado um soco noutro, uma bofetada, ou lhe tiver puxado plo novo, em Londres, 19 dias de Abril, no 16.° ano do nosso rei-
pelos cabelos, perdera 30 soldos, sendo 15 para 0 ferido, 10 para o caste- nado.
lao e 5 para os homens da cidade. [...]
[In A. Giry, Les Etablissements de Rouen, t. II, Paris, 1885; in Biblio-
théque de l’école des Hautes Etudes, fase. 59, pp. 3 a 5.]
41 — Se um homem dc fora vier residir para Arras, tendo-se apresen- w
tado aos escabinos, e em seguida ai residir paclficamente um ano e um dia (1) Forestiers na lingua francesa. (1) O rnaire.
nao havendo sido objecto de qualquer accao judicial, sera burgués e tera
a lei da cidade. [...] -

,.
~ '-
[Cit. em Louis Gothier et Albert Troux, Recueils de textes d’histoire
pour l’enseignement secondaire, t. I1, pp. 107-108.] AS LUTAS SOCIAIS EM FLORENCA
'1 (1171)
(1) O futuro Luis VIII (I187-1226), filho primogénito de Filipe (II) Augusto.
~1 A mais alta magistratura das comunas italianas foi a prin-
cipio o Consulado, recrutado na nobreza urbana. Em finais
do século XII, certas familias burguesas enriquecidas no
comércio e na indtistria e até entfio excluidas do poder pro-
PRIVILEGIO DE COMUNA vocaram rebelides no intuito de conquistar uma participa-
DADO POR JOAO SEM TERRA I cdo politica activa.
Aos crDADA0s DE BAYONNE 3 [...] Nesse mesmo ano (1) comegaram em Florenca dissensoes e grandes
(19 DE ABRIL DE 1215) lutas entre os cidadaos, as piores que jamais se haviam dado nessa cidade;
Se os monarcas nao criaram comunas, pelo menos com- e isto devido a demasiada prosperidade e sossego, juntamente com orgu-
firmaram-nas, vendo nelas uma forma de obter 0 apoio das lho e ingratidao; porquanto a casa dos Uberti que eram os mais pode-
classes populares contra a nobreza feudal. Ti rosos e os maiores cidadaos de Florenca, com _os seus aliados, tanto os

Joao, pela graca de Deus rei de Inglaterra, senhor da Irlanda, duque da


Normandia e da Guyenne e conde de Anjou, aos arcebispos, bispos, aba-
1 nobres como os populares, comecaram a guerra‘ contra os consules (que
eram os senhores e os governantes da comunidade durante um dado periodo
e de acordo com certas regras), por inveja do Governo que nao era a seu
des, condes, baroes, juizes, viscondes, prebostes, monteiros(1) e a todos gosto; e a guerra tomou-se tao feroz e pouco natural que quase todos os
os seus bailios e fiéis, saude. Sabei que outorgamos e por esta nossa carta hm4".‘I-. ' :.¢.Za-'. dias, ou dia sim dia nao, os cidadaos combatiam uns contra os outros em
confirrnamos ao juiz (1), ao conselho e aos nossos homens bons da cidade diversas partes da cidade, de bairro para bairro, conforme o sitio de onde
de Bayonne e aos seus herdadores que tenham comuna na dita cidade -»‘rm)I'-u
¢l'am as faccoes e de como haviam fortificado as suas torres, em grande
da mesma maneira que a tém os nossos burgueses da Rochelle na nossa mlmero na cidade, com 100 a 120 cubitos cle altura. E nesta época, devido
vila da Rochelle, salvas para nos, em todas as coisas, a nossa <<prebos- fbglli
,,)1\ 51 dita guerra, muitas torres foram fortificadas de novo pelas comunidades
tade», costumes e franquezas que.na nossa dita cidade de Bayonne deve- dos bairros, a partir dos fundos comuns da vizinhanca. Eram chamadas
mos ter, assim como os temos na nossa vila da Rochelle. Pelo que quo- . <<torres das companhias» e sobre elas estavam instalados engenhos para
'r~
remos e rnandarnos firmemente que os adiante ditos, juiz, conselho e homens Iltirar de umas para outras, encontrando-se a cidade barricada em muitos
.‘1 >
<
218 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS 1 CIVILIZACAO URBANA 219
1
sitios. Esta praga durou mais dc dois anos, morrendo muitos devido a ela PRIVILEGIOS DE HENRIQUE r1
e caindo sobre a cidade grandes riscos e danos; mas esta guerra entre os AOS TECELOES DE LONDRES
cidadaos tomou-se tao usual e costumeira que num dia podiam com-
1
(1154-1162) ~
bater e no dia seguinte comiam e bebiam juntos, contando uns aos outros
historias do seu proprio valor e proezas dessas batalhas; e por fim deixa- Dentro das cidades, todas as profissiies se organizaram em
rami de combater, porque estavam fartos de tanta fadiga, fizeram a paz guildas, tomando-se impossivel o trabalho livre fora destas
e os consules ficaram no seu governo. [...] associa;5es. Os monopolios assim estabelecidas foram apoia-
dos pelos monarcas, que neles encontraram novas fontes de
[Giovanni Villani, Croniche Fiorentine, livro v, trad. inglesa de rendimento.
R. E. Selfe, Westminster, 1897, pp. 109-110.]

(1) En 1177. Henrique, pela graca de Deus, rei dc Inglaterra(1), duque da Normandia
e Aquitania, conde de Anjou, aos bispos, juizes (2), viscondes_(3), baroes,
oficiais (4) e a todos os seus fiéis e homens ligios de Londres, saude. Sabei
que concedi licenca aos teceloes de Londres para terem a sua guilda em
Londres, com todas as liberdades e costumes que tinham no tempo do
3. , rei Henrique (5), meu avo, E assim, que ninguém dentro da cidade se intro-
CONFRARIAS E GUILDAS meta neste oficio salvo por permissao [dos teceloes], a nao ser que pertenca
-aw
a guilda, na cidade, ou em Southwark, ou em outros lugares pertencentes
A relacdo de vizinhanca, no campo ou na cidade, gerou desde muito cedo, "- a Londres, excepto aqueles que estavam acostumados a faze-lo no tempo
na sociedade medieval, associacfies de base religiosa denominadas 1<confra- do rei Henrique, meu avo. Por isso quero e ordeno firmemente que eles
rias». Estas airmandades», vinculadas pelo culto comum a um santo patrono, J possam praticar legalmente o seu oficio em toda a parte e que possam
praticavarn obras de caridade e tinham a seu cargo a organizacfio das festas ter todas as coisas acima mencionadas, tao bem, pacifica, livre, honrada
religiosas. 1
e inteiramente como sempre as tiveram no tempo do rei Henrique, meu
Foi no seio das confrarias que quase sempre se estruturaram as corpo- avo. Assim paguem-me sempre em cada ano 2 marcos de ouro pela festa
racoes de oficios ou guildas, que proporcionaram ao trabalho medieval o seu de S. Miguel. E proibo a quem quer" que seja o fazer-lhes injuria ou insulto
quadro proprio. _ {J a este respeito, sob pena de 10 libras de multa; testemunhas: Thomas de
As corporacfies, dotadas de estatutos minuciosos e rigidos, protegiam 0 \
'5:
Canterbury; Warin Fitz Gerold, camareiro. Em Winchester.
trabalho pela manutencfio de estritos monopolios economicos e garantiam
uma certa assisténcia social aos seus membros. Tornadas poderosas, vieram ".1 [Monumenta Gildhallae Londoniensis, Liber Custumarum, ed. Henry
Thomas Riley, London, 1860, p. 33].
a desempenhar um papel muito importante no governo das cidades.
Certas guildas de mercadores ultrapassaram o quadro da propria cidade.
associando comerciantes de varios burgos. A mais importante destas associa- (1) Henrique II, rei de Inglaterra de 1154 a 1189. (1) Justitiarii no texto latino. Eram
(,'5es foi a Liga Hansedtica, que acabou por ser uma verdadeira confedera;50 1-ramo
‘- ,"' Oficiais da ciiria régia encarregados de poderes judiciarios. (3) Vicecomites no texto
de cidades mercantis do Norte da Europa. - 1a‘1"°- (‘) Ministri no texto latino. (5) Henrique 1, rei de Inglaterra de 1100 a
1135
1 :~

ié.

3.
*4
I
I

220 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS


1 CIVILIZACAO URBANA 221

ALGUNS PRECEITOS DA GUILDA l


1
e Guilherme Poignant, jurados do oficio dos costureiros da cidade de
DA SANTlSS1MA TRINDADE EM LYNN 1'
Paris, testemunharam e afirmaram, a saber: ser o dito Henrique homem
(SECULO XIV) casado, dc boa vida e nomeada, instalado em Paris, e ter feito perante eles
Nos séculos XIV e XV as guildas rurais e urbanas, sob a
1
da maneira acostumada, na presenca do procurador do rei, a sua obra-
protecgdo de um santo patrono, multiplicaram-se em Ingla- 1 -prima: recebemo-lo por mestre e oficial do dito oficio de costura c
terra. 0 grupo social nelas integrado continuava a ser essen- alfaiate, para o praticar e guardar segundo vos regulamentos do dito oficio,
cialmente uma confraria religiosa para quem as obrigagzies pagando 10 soldos de Paris ao rei e o direito dos ditos jurados; depois do
do culto eram o aspecto mais importante da vida colectiva. que dele recebemos 0 juramento acostumado. [...]
Aos rituais religiosas as guildas juntaram, no entanto, certas
formas de auxilio moral e econdmico para os confrades
[Cit. em Jacques I-Ieers, Le Travail au Moyen Age, col. <<Que Sais-je?»,
desprotegidos. Paris, 1965, pp. 98-99.]

[...] Se algum dos acima citados irmaos vier a morrer na dita cidade on em
qualquer outro sitio, logo que o conhecimento deste facto chegar ao juiz, SOBRE A NATUREZA DA LIGA HANSEATICA
0 dito juiz ordenara que seja celebrada uma missa solene por ele, na qual (1469)
cada um dos irmaos da dita guilda que fica na cidade fara a sua oferta;
e além disto, o juiz mandara cada capelao da dita guilda, imediatamente Tendo algzms mercadores lzanseatas sido aprisionados em
depois da morte de qualquer irmao, dizer trinta missas pelo falecido. 13' 1 Inglaterra, 0 Conselho Real inglés procurou responsabilizar
a Hansa. Em resposta, esta redigiu um documento sobre a
O juiz e os escabinos da dita guilda sao por seu dever obrigados a visitar sua natureza juridica, onde declarava nao ser uma sociedade,
quatro vezes por ano todos os enfermos, todos os que se encontram em corpo ou colectividade, mas sim uma federaciio de cidades
necessidade, indigéncia ou pobreza, e apoia-los e ajuda-los com as esmo- sem qualquer organismo, instituiciio ou responsabilidade
las da dita guilda. comuns. -
Se um irmao se tomar pobre e necessitado, devera ser sustentado em
2 —A Hansa teutonica [...] é uma confederacao permanente de cidades,
alimentos e vestuario, segundo as suas necessidades, a partir dos rendi- ( .
vilas e comunidades para assegurar o desenvolvimento favoravel e o sucesso
mentos das terras e possessoes, bens moveis e imoveis da dita guilda. [...] -*.

do trzifico em terra e no mar, realizar uma defesa eficaz contra os piratas,


[E. P. Cheyney, Translations and Reprints from the Original Sources bandidos e outros salteadores de terra e de mar, a fim de impedir que pelas
of European History, Filadelfia, s.d, vol. n, p. 19.] suas ciladas os mercadores se vejam despojados de bens e proventos. [...]

3 — A Hansa teutonica nao é governada pelos mercadores: cada cidade,


A ADMISSAO DE UM NOVO MESTRE ALFAIATE Cada vila, tem respectivamente os seus senhores e autoridades superiores,
(1430) pelas quais é dirigida. Porque, como se acaba de demonstrar, a Hansa
..‘
lfiutonica nao é mais do que uma alianca, a qual nao liberta as cidades da
A passagem de um oficial a categoria de <<mestre» impli- .
.» lurisdiqio dos senhores pelos quais era dirigida anteriormente a alianea:
cava nda so a apresentagdo da obra-prima, como 0 1708"‘ -r @5150 submetidas aos mesmos senhores em todas as coisas, como anterior-
mento de um imposto pesado e a promessa do cumprimento mente, e governadas por eles.
dos estatutos da guilda.
1 1

-. 4 —A Hansa teutonica também nao tem nem selo nem conselho


Ouvido o pedido de Henrique de Herelle, natural do pais da Holandfl. I
°°"1um. [...] Cada vez que, pela necessidade de agir, sao redigidas cartas em
e segundo o que Joao De Serain, Ricardo Jumel, Guilherme Marchant 1 “°m@ de toda a Hansa teutonicn. elas sao munidas do selo da cidade onde
1

1
222 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

foram escritas. [...] Cada vez que é necessario deliberar sobre negécios pen-
dentcs, cada cidade envia os seus porta-vozes munidos dc instrugbcs, que
nao sao chamados conselheiros, mas porta-vozes.
6 — A Hansa teutdnica nem nenhuma das suas cidades tem 0 poder dc
I
ordcnar assembleias ou fixar reunibes. Mas cada vez que surgem dificul- c. O INCREMENTO DO COMERCIO
dades as vilas da Hansa, por consentimento mlituo, rcfinem-se num local
E AS NOVAS VIAS DE COMUNICAQAO
e decidem observar entre elas o que consideram 1'1til para os seus mer-
cadores. [...] (SECULOS XIII E XIV)

[Cit. em Philippe Dollinger, La Home (XII:-XVII: siécles), Paris,


1964, pp. 501-502.] P
1.
A SEDENTARIZAC/IO DO MERCADOR

COM o advento dos séculos XIII e XIV 0 panorama do comércio europeu


modzficou-se profundamente. '
-f-; A evolupfio das técnicas mercantes resultante do avolumamento das Iran-
,1.
‘ sacpfies e de uma maior necessidade de capitais e de crédito originou a subs-
‘_.M
tituipfio do pequeno mercador itinerante pelo grande mercador sedenrari-
zado. Grapas d utilizapfio das Ietras de pagamento e de cfimbio, d organizapdo
de seguros e d formapfio de associagrfies comerciais ou <<companhia.s'», foi
~¢ jj possivel aos homens de negocios comerciar a distdncia, no tempo e no espapo,
.
1
I‘
sem abandonar a cidade natal. Surgiram as primeiros <<banqueiros» ou capi-
talistas dispondo de toda uma rede de asdcios» e empregadas. Eram estes
r.'
s .,
‘I148 se deslocavam quando necessdrio e se Iocalizavam nos pontas nevrdI-
gicos do comércio internacional.

A FORMACAO DE UMA SOCIBDADE GENOVESA

A sociedade chamada <<em commenda» aparece jé com certa


frequéncia nas cidades italianas do século XII. Tinha por base
o comércio maritimo, mediante o qual um dos sdcios (mer-
j cador itineranté) aplicava 0 capital emprestado por outro
-‘.5 (comerciante sedentério), dividindo-se posteriormente as
Iucros na proporpfio preestabelecida (quase sempre tré:
I-es I quartos para o capitalista).
i’.-I.
$3’?
[Gé"°Va], 29 dc Sctembro dc 1163.
Testemunhas: Simone Bucuccio, Ogerio Peloso, Ribaldo di Sauro e

,,

in‘
T’ * T —-‘W -

Z24 TEXTOS HISTGRICOS MEDIEVAIS CIVILIZACAO URBANA 225

Genoardo Tasca. Stabile e Ansaldo Garraton formaram uma societas UMA PAGINA DO
na qual, como miituamente declararam, Stabile contribuiu com 88 £ <<LIVRO SECRETO»
[genovesas] e Ansaldo com 44 £. Ansaldo transportarzi este capital, a DE UM MERCADOR FLORENTINO
fim dc o por a render, para Tfinis ou para onde quer que for o navio que (1384)
!
tomar, a saber [o navio] de Baldizzone Grasso e Girardo. No seu retorno
[colocara os lucros] em poder dc Stabile ou do seu representante para a Todo 0 homem de negdcios possuia 0 seu Iivfo de registos
divisao. Depois de terem dcduzido 0 capital, dividirao os lucros ao meio. de transacpoes, de despesas e receitas, de vendas de'proprie-
Dada na casa do capitulo a 29 do Setembro de ll63, décima primeira dades, etc. Estes apontamentos tinham um cardcter muito
pessoal, apesar de dizerem respeito a assuntos de ordem
indiqio. s
economica, pelo que 0 livro do seu registo era designado
Acrescenta-se que Stabile da autorizaqao a Ansaldo para enviar aquele na Italia por libro segreto.
dinheiro para Génova, pelo barco que lhe parecer mais conveniente.
[Robert S. Lopez and Irving W. Raymond, Medieval Trade in the Em nome dc Deus, da Virgem Maria e dc todos os Santos —possam
Mediterranean World, Columbia University Press, 1961, p. 179.]
eles conceder-me safide no corpo e na alma e prosperidade no nego-
cio — registarei aqui todos os meus negécios com a nossa compa-
O PROCESSO DO CREDITO: nhia (1).
A LETRA DE CAMBIO A 1 dc Janeiro do 1385, Giovanni di Giano e os seus socios fizeram-me
E. socio do seu negécio dc seda por tanto tempo quanto o que estivesse na
Um dos grandes progresses da técnica comercial italiana .31,
vontade de Deus. Eu deveria investir 300 florins dc ouro, que nao possuia,
foi a divulgaefio da Ietra de cambio. Esta operaefio permitia
estando na realidade ainda agora em divida para com a sociedade. Toda-
a qualquer efectuar um empréstimo, pagdvel dentro de um
prazo determinado, noutro local e noutra moeda. via, com a ajuda de Deus- espero ter rapidamcntc ,0 dinheiro c dcverci
receber duas partes em cada vinte e quatro, por outras palavras, um doze
Avinhao, 5 dc Outubro dc 1339. avos dos lucros totais. Fizemos as nossas contas a 8 dc Junho de 1387,
por morte dc Giovanni di Giano, que descanse crn paz. A minha parte
Em nome dc Deus, amen. A Bartolo e seus companheiros, Barna dc dos lucros pelos dois anos e cinco meses em que tenho sido socio atin-
Lucca e companheiros, saudaqoes dc Avinhao. Siu 468 florins dc ouro e 7 soldi a fiorino (2). Graqas sejam dadas a
Pagareis por esta letra em 20 dc Novembro dc 339, a Landuccio Bus- §,_-. Deus. [...] _
draghi e companheiros, dc Lucca, trezentos e doze florins dc ouro e trés
quartos pelo cambio dc trezentos florins de ouro, porque eu recebi hoje [T712 Diary of Gregorio Dan‘, in Two Memoirs of Renaissance Florence.
wig
5:y=-§. m'§~.a>‘ ed. Gene Brncker, New York, Evanston and London, 1967, p. 108.]
esse dinheiro de Tancrcdi Bonagiunta e companheiros, E1 razao dc 41/4 p0I
cento a seu favor. E debitai na nossa coma. Dada a 5 de Outubro de 339.
Francesco Falconetti ordenou-nos que pagassemos a vosso favor (‘) O redactor deste alivro socreto» foi o mercador florentino Gregorio Dati, que so dedi-
230 escudos de ouro a companhia(1). °°ll especialmente a producio e venda dc sodas. (1) 29 midi a fiorino perfafiam urn
florim dc ouro.
A Bartolo Casini e companheiros, em Pisa. 1

~ [Robert S. Lopez and Irving W. Raymond, Medieval Trade in I/I8


Mediterranean World, Columbia University Press. 1961, P- 231']

(‘) A Companhia dos Acciaiuoli, banqueiros fiorentinos.


R. m__‘S
c1vI1.1zA¢Ao URBANA 227
226 TEXTOS Hlsrorucos MEDIEVAIS
2.
v A ACTIVIDADE
DE UM MERCADOR FLORENTINO O PREDOMINIO
NO SECULO XIV DO COMERCIO MARITIMO

Buonaccorso Pitti, membro de uma ilustre familia floren- A fixaedo dos mercadores e as novas maneiras de transaccionar deram pre-
tino, foi um comerciante e um jogador profissional nas cor- ferencia ao transporte maritimo, o qual havia sido melhorado pela difusdo
tes do Frangra, Inglaterra e' Paises Baixos. As suas activi- de certos inventos técnicos como a biissola, o Ieme fixo na papa e a velg Ia;im;_
dades mziltiplas, como a venda de mercadorias varias, empres- Com efeito, 0 transporte por mar revelava-se mais rdpido, mais ecomimico
timos de capitais e até missoes diplomdticas, sfio um exemplo
da projecgdo internacional dos grandes financeiros italianas e capaz de deslocar maiores cargas.
do século XIV. Por estas raz6es e também por se ler tornado perigosa no dem;-re; da Quem;
dos Cem Anos, 0 “caminho das feiras» viu-se abandonado. Uma importante
rota maritima passou a ligar Génova e Veneza a Londres e a Bruges através
Voltei a Paris, mas pouco depois sai para seguir 0 rei(1), que tinha partido
do Atlantico e da Mancha.
para Avinhio e Toulouse. [. . .] Depois do Natal viemo-nos embora. [...] Sem
parar em Paris, fui para a I-lolanda, onde ganhei outra grande soma.
Depois de um breve retorno a Paris, sai de novo para Inglaterra em com- ‘K

panhia do conde de Saint-Pol e de um nfimero de cavaleiros que para


A ROTA MARITIMA
ai iam, a fim de tomar parte em algumas justas e torneios.
ITALIA-FLANDRES
wlfivi-"_'».‘
N50 joguei em Inglaterra, mas em vez disto dei 500 francos de ouro a' A partir da primeira metade do século XIVascidadesdo Norte
Mariot_to Ferrantini e a Giovanni di Guerrieri de Rossi para comprarem da Itdlia passaram a demandar por mar 0 porto de Bruges.
la e ma enviarem para Florenea. Voltei entio para Paris, onde passei 0 " O abandono do <<caminho das feiras» foi devido d sua inse-
Inverno. Possuia entao 10000 francos de ouro em la, casa, mobilia, cava- guranea, d tendéncia para a sedentarizaeao do mercador
los, utensilhagem e dinheiro em caixa, sem contar varias somas conside- e simultaneamente ao desenvolvimentoda construpdo naval
e dos seguros maritimos. As afirmaeoes a seguir transcritas
raveis dc dinheiro que me eram devidas pelo conde de Sabéia, entre outros, sdo de um mercador florentino do século XIV.
as quais montavam a mais de 5000 francos. [...]
Ao chegar a Florenea resolvi casar. [...] A la que eu tinha compradoO ,‘. E as ditas galés ao irem de Veneza para Flandres nao ousam por todo
em Inglaterra chegou em dois barcos, antes do meu casamento. O segur '

0 C3.1'Il1I1hO, meter qualquer outra mercadoria nem de qualquer outra


D

pela consignaqao descarregada em Génova era de 9% do custo; pela que Pflrte senao de Veneza, ao irem de Veneza para Flandres; mas ao volta.
chegou a Pisa paguei 14. Quando a la foi vendida e o dinheiro rew- gm dc Flandres para Veneza podem leva-las donde e para onde quiserem.
bido, verifiquei que em dezasseis meses tinha feito 1000 florins de our0 aqueles que carregam para 1r para Flandres nao pagam qualquer im.
com o empreendimento. Depositei este dinheiro nas maos de Luigi e Ghe- Posto em Veneza, e os que carregam coisas ao voltar da Flandres para
rardo Canigiani, em quem, depois da minha chegada a Florenga, ja'. tinha veneza podem meté-las, vende-las e trazé-las sem pagar qualquer im-
x
confiado 4000 florins de ouro, pelos quais aceitei letras de cimbio. E5“ posto em Veneza.
dinheiro fez aumentar grandemente 0 crédito gozado por Canigiani.
[Francesco Baldueci Pegolotti, La Prarica della Mercarura, ed Allan
[The Diary of Buonaccurso Pitti, in Two Memoirs of Renaissance F70‘ Evans, The Mediaeval Ac d r Am ' - ' -
_ rence, ed. Gene Brucker, New York, Evanston and London, 1967' chusetts, 1936, p. 144.1 a my 0 ‘ma’ Camb"dg°' Mm“
pp. 44 a 47.] ‘Ir

3
(1) Carlos VI, rei de Franea entre 1380 e 1422.
V

228 TEXTOS HISTGRICOS MEDIEVAIS


it
CIVILIZACAO URBANA 229

BRUGES COMO
ENTREPOSTO COMERCIAL
A FIXACAO DE MERCADORES ITALIANOS
EM LISBOA (SECULO xrv)
Bruges foi até ao século XV o maior entreposto comercial dos Com o desenvolvimento da via maritima Iigando a Itdlia
mares do Norte. A1’ estabeleceram feitorias mercadores de d Flandres, as portos atldnticos viram-se solicitados para
todas as nacionalidades, a partir do século XIII, e ao seuporto uma nova actividade. Muitos deles receberam verdadeiras
afluiram, entre outros, navios escandinavos, hansedticos, coldnias de mercadores italianas. ‘Assim, aconteceu a Lisboa.
franceses, ingleses, ibéricos e italianos. 0 mercador de Damos como exemplo um extracto da primeira carta de
Bruges era apenas um intermedidrio. A descriedo que se privilégios concedida a uma <<companhia» italiana, a dos
segue é de um florentino do século XIV, membro da Com- Bardi de Flarenpa (I338).
panhia dos Bardi.
Dom Afonso (1) pela graea de Deus rei de Portugal e do Algarve. A quan-
[...] Em Bruges ha duas enormes casas, a maneira de grandes palacios, as tos esta carta virem faco saber que Beringel Omberte me pediu por mercé,
quais casas se chamam armazéns (1); e num armazém vendem-se panos por si e por micer Nicolau Bertaldi da Companhia dos Bardos, da cidade
',-,.
de pura la por grosso e nao se abre senao trés dias por semana, a saber, de Florenqa, e por todos os outros mercadores da dita Companhia e da
£1-
a quarta-feira, a sexta-feira e o sabado; e no outro armazém vendem-se dita cidade, dizendo que esses mercadores da dita Companhia e da dita
panos por atacado, a retalho e de todas as maneiras que uma pessoa cidade querem vir morar e viver ao meu senhorio e que lhes fizesse algumas
queira, e esta aberta toda a semana. [...] mercés extremadas e liberdades. E eu, vendo que Beringel Omberte me pedia
O porto de mar de Bruges é Ecluse (2), vila qiiefica a beira do mar por si e pela dita Companhia dos Bardos e pelos mercadores da sobredita
do porto de Bruges, onde toda a mercadoria se carrega e descarrega nas cidade de Florenea e querendo-lhes fazer graqa e mercé, tenho por bem
":.'S.»."~;m' ,. .-Lu
naus, cocas, galés, ou outros navios; a qual vila de Ecluse fica distante de i e mando que os sobreditos mercadores que vierem a minha terra, que
Bruges 3 léguas da Flandres, ou seja entre 9 e 10 milhas. Entre a vila venham e morem e andem seguros por todo o meu senhorio por mar e por
:5 terra, assim eles como seus haveres e mercadorias. [...] Outrossim tenho por
de Ecluse e a de Bruges, ha uma vila que se chama Damme (3), a qual vila
de Damme fica sobre uma pequena ribeira que vai de Bruges a Ecluse, pela bem e mando que eles possam haver consul de entre si, feito por eles,
qual ribeira toda a mercadoria vai e vem em pequenos navios, dc Bruges 291:??- que oiea os seus feitos e as suas demandas. [...] E eu lhes devo assinar lugar
£5 em que morem e em que possam fazer loja de comum e outras casas para
para Ecluse e de Ecluse para Bruges; e da cidade de Damme até a de Bruges ii

vai uma légua flamenga, ou sejam 3 milhas. , 3133 terem seus haveres e mercadorias por grosso e por miiido. [...]
ZS
Dada em Coimbra, nove dias de Abril [...] Era de mil trezentos e setenta
e seis anos(Z). [...]
[Francesco Balducci Pegolotti, La Pratica della Mercatura, ed. Allan sf-rt‘-r
1».
Evans, The Mediaeval Academy of America, Cambridge, Massa-
chusetts, I936, p. 239.] A" [I050 Martins da Silva Marques, Descobrimento: Portugueses, vol. l,
___'55
Lisboa, 1944, pp. 53-54.]

(') D. Afonso IV (1325-1357). (2) 1338.


(1) Alle no original italiano. (1) Este porto foi criado um pouco antes de 1293, na embo-
cadura do Zwin. (3) O porto avaneado de Damme, também sobre o rio Zwin, 6 ante-
rior a 1180. i

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CAPITULO VII — A ,VIDA INTELECTUAL


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.5.
1 a. AS INSTITUICCES DE CULTURA
1
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1.
A ORIGEM DAS UNIVERSIDADES

OS primeiros centros intelectuais da Idade Média foram as abadias e os mos-


teiros. renascimento urbano chamou as cidades os estabelecimentos de
ensino, qt7el~Wq’1Iase‘sempre‘ se instaiarant perto dos capirulos das catedrais.
Assim nasceram os Estudos pGerais, <<escoIas comuns» onde todos se podiaiii
instruir e que conferiam graus académicos reconhecidos internacionalmente.
Muitos destes Estudos Iigavam-se de facto ds escolas catedrais e colegiadas,
;.
1 mas outros, sobretudo na Itdlia, derivavam das escolas pdblicas criadas
.t- (a partir do século XII) pela burguesia das cidades; para o Norte dos Alpes,
l
porém, a maioria dos Estudos foi criagfio independente, sem raizes nos séculos
anteriores. Quase todas estas escolas foram fundadas pelo papa ou por ele
confirmadas, se bem que o imperador, os monarcas e alguns principes também
‘%ii
‘“ 2'/r‘*aEi-=t-1
2:‘
1'-'
se arrogassem o direito de as criar.
3I

DECRETO no PAPA ALEXANDRE III NO


1
3.“ coN_ciLIo DE LATRAO (1179)
n
:-
2 Esta medida ndo so assegurou a gratuitidade do ensino pela
,; concessiio de beneficios para manutenpfio dos mestres, como
procurou garantir a qualidade e competéncia desses mesmos
=’:'
=.?~j?';* professores.
1

I A Igreja de Deus, como uma mac piedosa, é obrigada a velar pela felici-
A
dade do corpo e da alma. Por esta razao, para evitar que os pobres cujos
1 Pais nao podem contribuir para o seu sustento percam a oportunidade dc
estudar e progredir, cada igreja catedral devera estabelecer um beneficio
sllficientemente largo para prover as necessidades dc um mestre, o qual
finsinara o clero da respectiva igreja e, sem pagamento, os escolares pobres,
!
1
l
F’

234 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A VIDA INTELECTUAL 23$

como convém. [...] Ninguém deveré. levar dinheiro pela concessao da licentia clérigos c pediu que fosse confirmada pela marca do nosso selo. Dada publi-
docendi(1), nem exigir nada dos professores (como era habitual anterior- camente em Paris no nosso capitulo, no ano da Encarnacao do Senhor
mente); também nao podera ser negada a liccnca para ensinar a nenhum 4. de 1180. [...] ‘
solicitante qualificado.
[Chartulariurn universitatis Parisiensis. 1. 49, in Lynn Thomdike,
Todo aquele que se opuser a esta lei perdera 0 seu beneficio eclesiastico. University Records and Life in the Middle Ages, Columbia University
Por isso parece justo que quem quer que por cobica tente impedir os inte- Press, New York, 1944, pp. 21 e 22.]
resses da igreja vendendo a licentia docendi seja privado do fruto do seu
trabalho na Igreja de Deus. o. (1) O proctor era o estudante que devia verificar se as funcoes universitarias se executa-
vam de acordo com os estatutos.
[Chartularium Universitatis Parisiensis, 1, n.° 12, p. 10.] I,-5
F1

(1) Esta licencapara ensinar costumava ser conferida, no século xn e nas escolas cate-
drais, pelo arcediago ou pelo scholasticus, seus dirigentes. . '1.
4_1./
AS ESCOLAS DE TOLEDO NO SECULO XII

Entre as cidades que no século XII se distinguiram pela


actividade das suas escolas; contava-se Toledo, grapas ao
A FUNDACAO DO COLEGIO DOS DEZOITO (1180) concurso de sébios e tradutores drabes e judeus. At’ se desen-
'-
volveram sobretudo as ciéncias e a filosofia, esta conhecida
Este documento é o mais antigo que se conhece, dieendo através de manuscrttos gregos trazidos pelos Muculmanos.
respeito a fundaeiio de ‘um colégio para estudantes pobres. Um curioso relato feito por um erudito inglés, Daniel de
0 célebre colégio de Robert de Sorbon data de 1257. \
Morley (século XII), mostra-nos como Toledo atraia entdo
estudantes vindos de todos os pontas.
Eu, Barba de Ouro, deao da igreja de Paris, e todo 0 capitulo da mesma
igreja. Saibam todos, presentes ou futuros, que quando Jocius dc Londo- A paixao do estudo tinha-me levado a deixar a Inglaterra. Fiquei algum
niis voltou de Jerusalém e inspeccionou com zelosa devocao a adminis- 4.
tempo em Paris. so ai vi selvagens instalados com uma grave autoridade
tracao do Hospicio da Santa Maria, em Paris, para pobres e doentes, viu nos seus bancos escolares, com dois ou trés escabelos a frente carregados
ai um certo quarto, no qual, segundo um antigo costume, estavam alojadOS dc enormes obras reproduzindo as licoes dc Ulpiano em letras de ouro,
clérigos pobres. _ ¢0m penas dc chumbo na rnao pintando gravemente nos livros asteris-
Adquiriu-o cm perpetuidade dos proctores (1) da mesma casa, para U50 .’I
ticos e obelos. A ignorancia obrigava-os a rnanterem-se numa atitude
dos ditos clérigos, por um custo de 52 libras, por nosso conselho e o d6 -A dc estatua mas pretendiam mostrar sabedoria pelo proprio siléncio. Logo
mestre Hilduino, chanceler de Paris, entao proctor do mesmo lugar. A con- ‘B16 tentavam abrir a boca nao ouvia senao um balbuciar infantil. Tendo
dicio foi a de que os proctores da mesma casa arranjassem para sempr¢ compreendido a situacao, refiecti sobre a maneira de escapar a estes riscos
camas suficientes para dezoito escolares e clérigos, assim como, todos 05 ° d¢ aprender as <<artes» que iluminam as Escrituras de preferéncia a sau-
meses, doze nummi das esmolas recolhidas na caixa do hospital. Os mesmos di-las de passagem ou evita-las por meio dc resumos. Por isso, como nos
ditos clérigos deverao fazer turnos transportando a cruz e a agua bell" f\°5§0s dias é em Toledo que o ensino dos Arabes, 0 qual consiste quase
inteiramente nas artes do quadrivium, é transmitido as massas, apressei-me
perante os corpos daqueles que morrerem na mesma casa e celebrar todas
as noites sete salmos de peniténcia e as devidas oracoes instituidas d¢$d° °m "' Para la para ouvir as licoes dos filosofos mais sabios do
mundo.
sempre. -
q Tendo-me alguns amigos chamado e convidado a deixar a Espanha,
Além disso, para que isto permaneca firme e estavel, o dito Jocius 0rd¢'
nou que esta carta da vossa constituicio fosse publicada para os dll05 '50.‘.i~ V°h°' Para Inglaterra com uma preciosa quantidade de livros. Dizem-me
f~.
236 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A VIDA INTELECTUAL 237 I
que nestas regioes 0 ensino das artes liberais era desconhecido e Aristo- : 2
PETICAO DE ALGUNS PRELADOS PORTUGUESES
I
teles e Platio votados ao mais profundo esquecimento em prov_eito de iI
1
Tito e Seio. A minha dor foi grande e, para nao ser 0 iinico grego entre AO PAPA ACERCA DO ESTABELECIMENTO DE l

os romanos, pus-me a caminho para encontrar um sitio onde ensinar a UM ESTUDO GERAL (12 DE NOVEMBRO DE 1288)
fazer florescer este género de estudos. [...]
q:p_
~yu,m:Ȣ.
Dispondo-se am grupo de prelados portugueses a sustentar
.2 com as rendas dos seus mosteiros e igrejas o funcionamento
[Transcrito em Jacques Le Goff, Les inrelectuels au Moyen Age, edi-
tions du Seuil, 1957, pp. 23 e 24.] de um estudo geral em Lisboa e obtido o consenso do rei,
imploraram a confirmapdo do papa, a qual veio de facto
'9"
Ilia.
A-13
a ser concedida por bula de 9 de Agosto de I290.

SOBRE A NATUREZA DOS <<ESTUDOS» Ao Santissimo Padre e Senhor, pela divina providéncia Sumo Pontifice
(SECULO xrn) da Sacrossanta Igreja de Roma (1); [...] Nos os acima nomeados (2), em com-
L\"l v-vi\Ir-"“~w-:
panhia dc pessoas religiosas, prelados, e outros, assim clérigos como secula-
0 titulo XXI de Las Siete Partidas de Afonso X de Leda e
res dos Reinos dc Portugal e Algarve [...], considcramos ser muito conve-
Castelo (I256-1263) regulamentou 0 funcionamento das
Universidades de Salamanca e Valladolid. A primeira lei, niente aos Reinos sobreditos e a seus moradores ter um estudo geral de
.-.»<I:».r
aqui transcrita, distingue o <<estudo geral» do <<estudo 'v-‘A
ciéncias, por vermos que a falta dele, muitos desejosos de estudar e entrar
particular». no estado clerical, atalhados com a falta dc despesas e discémodos dos
caminhos largos e ainda dos perigos da vida, nao ousam e temem ir estu-
O QUE E UM ESTUDO, QUANTAS FORMAS DELE dar a outras partes remotas, receando estas incomodidadcs, de que resulta
EXISTEM E POR MANDADO DE QUEM DEVE SER FEITO
apartar-se de seu bom proposito e ficar no estado secular contra vontade.
Por estas causas pois, e muitas outras uteis e necesszirias que seria dilatado
Um estudo é uma associacao dc mestres e de escolares feita num deter-
relatar por miiido, praticamos tudo e muito mais ao Excelentissimo Dom
minado lugar com a vontade e a intencio de aprender os saberes. E dele
Dinis nosso Rei e senhor, rogando-lhe encarecidamente sc dignasse de
existem duas modalidades: uma é a que chamam <<estudo geral», onde ha
fazer e ordenar um geral estudo na sua nobilissima Cidade dc Lisboa. [...]
mestres das artes, assim como de gramatica, de logica, de retérica, dc aritmé-
Ouvida por este Rei e admitida a nossa peticao benignamente, com con-
tica, de geometria, de rnusica e de astronomia, e outrossim em que ha mes- :-

sentimento dele, que é o verdadeiro padroeiro dos mosteiros e igrejas


tres de decretos e senhores (1) de leis; este estudo deve ser estabelecido por
sobreditas, se assentou entre nos que 0 salario dos mestres e doutores
mandado de papa, de imperador ou dc rei. 71
$6 pagasse das rendas dos mesmos mosteiros e igrejas, taxando logo o
A segunda modalidade é a que chamam <<estudo particular», como quando
que cada uma havia de contribuir, reservando a congrua sustentacio.
um mestre ensina nalguma cidade, apartadamente, a poucos escolares;
Pelo que, Padre Santissimo, recorremos em final aos pés de Vossa Santi-
este pode manda-lo fazer o prelado ou conselho de qualquer lugar.
dade, pedindo-lhe humildemente queira confirmar com a costumada benig-
nidade uma obra tao pia e louvavel, intentada para servico de Deus, honra
[Las Siete Partidas, tit. xxr, I, in Antonio G. Solalinde. Antologia
de Alfonso X el Sabio, Col. Austral, Espasa-Calpe, 1941, p. 135.] <18 pa'tria e proveito geral e particular dc todos. [...].

(1) Os professores de Direito Civil eram denominadas seriores nas Universidades espa- [A. Moreira dc Sé, Chartularium Universitatis Portugalensis (I288-
nholas. -I537), vol. 1, Lisboa, 1966, pp. 8-9.]
-.
‘i
:2 (‘) 0 Papa Nicolau IV (1288-1292). (1) O abade de Alcobaca, os priores de Santa Cruz
:-
d= Coimbra, S. Vicente dc Lisboa, Santa Maria de Guirnaraes, Santa Maria de Alca-
€0va de Santarém c mais 22 reitores das principais paroqutas do Pais.
a

1.
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S.

Z38 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A VIDA INTELECTUAL 339

CARTA DE D. DINIS PRIVILEGIANDO O ESTUDO navos conhecimentos se estruturaram, vindo a surgir a especializagao das
GERAL DE LISBOA (l DE MARCO DE 1290) <<Faculdades». Desta maneira, ao lado da Faculdade das Artes ou Filosofia,
que passou a ter um caracter preparatdrio, surgiram as de Teologid. Decre-
Esta carta régia é o primeiro documento conhecido a referir tais e Medicina.
a existéncia de um estudo geral funcionando em Lisboa. __0 enriquecimento das cidades e o progresso dos estadosgnacionais origi-
Por ela D. Dinis, tomou sob a sua proteccdo todos os esco-
lares que acorressem ao novo estudo, cujo estabelecimento naram a multiplicapdo dos escolares e das Universidades, uns e outras cons-
deve ser, pois, um pouco anterior a Mario de I290. tantemente privilegiados pelos municioios e governames.
'1'!H‘-

[...] Ora, desejando Nos enriquecer nossos Reinos com este precioso tesouro, (I

houvemos por bem ordenar, na Real cidade dc Lisboa [...], um Estudo Geral, CONDICOES PARA SE PODER SER MESTRE
que nao so munimos com copia de doutores em todas as artes, mas também .4.
'1
EM ARTES NA UNIVERSIDADE DE PARIS (1215)
roboramos corn muitos privilégios. Mas, porque das informacoes de algu- 4
mas pessoas entendemos que alguns virao de varias partes do nosso dito O Cardeal legado Robert de Courpon estabeleceu, no ano
'
de 1215, os regulamentos para se obter em Paris a Iicencia-
Estudo, se gozarem de seguranca de corpos e bens, Nos, querendo desen- Ti
tura em Artes e Teologia. Apresentamos o excerto referente
volvé-lo em boas condicocs, prometemos, com a presente carta, plena a Faculdade das Artes, muito interessante por nele indicar
seguranca a todos os que nele estudam ou queiram de futuro estudar, as obras usados como livros de texto.
e nao permitiremos que lhes seja cometida ofensa por algum ou alguns de ‘

maior dignidade que sejam, antes, com.a permissao de Deus, curaremos Ninguém podera ser lente em Artes, em Paris, antes de ter 20 anos de
de os defender de injurias e violéncias. Além disso, quantos e ele vierem idade; devera ter ouvido leituras pelo menos durante seis anos antes dc
nos acharao em suas necessidades de tal modo generosos que podem e comecar a leccionar e prometera ler pelo menos durante dois anos, salvo
devem fundamentalmente confiar nos multiples favores da Alteza Real. [...] por impedimento com causa razoavel, a qual devera revelar piiblicamente
ou perante examinadores. N50 devera estar manchado por nenhuma infa-
[A. Moreira. de Sé, Chartularium Universitatis Portugalensis (1288- mia e quando estiver pronto a ler devera ser examinado de acordo com
-1537), vol. 1, Lisboa, 1966, pp. 11 e 12.]
a forma exarada na carta do senhor bispo de Paris, onde esta’. contida a
paz confirmada entre 0 chanceler e os escolares, pelos juizes delegados
W10 papa. [...] E lerao nos livros de Aristoteles na antiga e nova Dialéctica,
ordinariamente nas escolas e nao ad cursum (1). Lerao também em ambos
2. os Priscianos (1), ordinariamente, ou pelo menos em um deles. N50 lerio
A ORGANIZAC/T0 nos dias santos, excepto nos filosofos e em Retorica e no Quadrivium e
E 0 ENSINO UNIVERSITARIO nos Barbarismus (3), e nas Eticas sc lhes agradar, e no quarto livro dos
T<5Picos. N50 lerao nos livros de Aristoteles dc Metafisica e Filosofia
A designacao de <<Estudo Geral» acabou por ser substituida pela de <<Univer- Natural (4) ou nos seus sumarios ou no que respeita a doutrina de mestre
sidade», que assim passou a significar a corporapao ou guilda de professores David de Dinant ou do herético Amaury ou Mauritius dc Espanha (5).
e alunos. O novo termo surgiu escrito pela primeira vez em Oxford (I240),
para, no entanto, so se oficializar uns anos mais tarde em Paris (1261). M45 [Chartularium Universitatis Parisiensis, 1, 73, in I-Ynn Thorn<!ik=.
University Records and Life in the Middle Ages, Columbia Univer-
sigmficando jei entfio uma associapfio de escolas ou faculdades. ‘xgt sity Press, New York, 1944, pp. 27 e 28.]
Com efeito, enquanto nos primeiros Estudos as matérias aprendidas eram vi‘

apenas as sete artes liberais, com predominio do trivium, a partir do século X" 1‘) As leituras ad cursum eram as menos importantes. dadas a tarde, enquanto 85 |=i!Ul'35
Jrci1rla
1.

1
j:-_- .____ _ _____ _ K

A VIDA INTELECYUAL 241


240 TEXTOS msronicos MEDIEVAIS
SOBRE OS PRIVILEGIOS CONCEDIDOS
ordinarias eram quase sempre feitas de manha pelcs mestres de mais categoria. G) A AOS ESTUDANTES PELA COMUNA
grarnatica de Prisciano (século vi) considerava-se dividida_em duas partes: Priscianus Ma|'or
(livros 1 a 16) e Priscianus Minor (livros 17 e 18). (3) O 3.‘ livro da Ars Maior de
DE BOLONHA (C. 1274)
Donatus (século rv). (4) Estas obras tinham-se tomado suspeitas pelas traducoes e cometi-
tarios dos filosofos érabes. (5) Estes dois teologos, que ensinaram na Universidade de Muitos vezes, nas cidades universitdrias, rebentaram con- 1

Paris, foram condenados pela Santa Sé (respectivamente em 1212 e 1207), por adoptarem flitos entre as autoridades estudantis e mtmicipais. A Comuna
ideias inspiradas nos comentadores arabes. de Bolonha, ciente dos prejuizos economicos derivados destes i
tumultos e dos que adviriam da possivel deslocacdo do Uni-
versidade para outra cidade, por vdrias vezes redigiu esta-
tutos de protecpdo d classe estudantil.

As FUNQOES no matron J
Ordenamos que os doutores de lei civil e os doutores de decretais nao
NOS ESTUDOS DA ESPANHA ii":
possam ser chamados a servir no exército ou a participar em qualquer
(SECULO xm) r-151??
t .- campanha rnilitar a favor da Comuna de Bolonha, nem devem ser empre- '1
A sexta lei do titalo XXI de Las Siete Partidas conferia as gados na guarda do Castelo. [...] .
Universidades espanholas o cardcter de verdadeiros cor- Ordenamos que as perdas sofridas pelos escolares cm discérdias e con-
poraeoes e deu ao reitor funpoes essencialmente discipli- ' tendas sejam totalmente cobertas pela Comuna de Bolonha. [...]
nadoras. ' :£‘I@< Também devera haver uma avaliacao anual das hospedarias, feita pela
Comuna de Bolonha, por meio de dois homens bons eleitos pela cidade
COMO OS MESTRES ESCOLARES PODEM FAZER AJUNTAMENTO E de Bolonha e dois escolhidos pela Universidade. [...]
IRMANDADE ENTRE SI E ESCOLHER UM QUE OS CASTIGUE
Também a Universidade dos escolares tera os mesmos privilégios que
as outras guildas do povo de-Bolonha no que respeita a obtenqio de trigo
[...] Outrossim podem estabelecer por si mesmos um principal sobre todos e outras mercadorias de uso comum. [...]
a quem chamam em latim rector, que quer dizer regedor do estudo, ao qual
Também os escolares serio cidadaos, tratados como tal, considerados
obedecam nas coisas que forem convenientes e aguisadas e direitas. E 0 Cidadaos e a sua propriedade protegida como a dos cidadaos. [...]
reitor deve castigar e premiar os escolares que nao levantem bandos nem :-
pelejas com os homens dos lugares onde fizerem os estudos nem entre si [A. Gaudenzi, <<Gli antichi statuti del Comune di Bologna intorno allo
mesmos e que se guardem em todas as circunstancias de nao fazer desonra ‘Y Studio», in Bulletino dell'lstituto Storico Italiano, n.° 6, 1888, p. 130.]
nem dano a ninguém; e proibir-lhes que andem de noite, mas que fiquem
sossegados nas suas pousadas e procurem estudar, aprender e fazer vida v-1

,. UMA UNIVERSIDADE
honesta e boa: porque os estudos para isso foram estabelecidos e nao para
DE TIPO ESTUDANTIL: BOLONHA
andar de noite ou de dia armados, <<trabalhando-se» de pelejar ou dc fazer
outras loucuras ou maldades com prejuizo de si e disturbios dos lugares r
Os excertos que se seguem fazem parte dos estatutos que
onde vivem; e se contra isto vierem, entao o nosso juiz os deve castigar vigoravam em Bolonha na primeira metade do século XIV
e endireitar de maneira que se afastem do mal e faqam o bem. (I317-I347). Os estudantes, sempre estrangeiros d cidade,
elegiam entre si um reitor, que deveria chefiar a corporapdo
[Las Siete Partidas, tit. xxi, V1, in Antonio G. Solalinde, Antololi“ : ou auniversitas».
de Alfonso X el Sabio. Col. Austral, Espasa-Calpc, 1941, p. 138-]
1%-
.. Para o cargo de reitor devera ser escolhido um estudante da nossa Uni-
versidade, de qualidades distinguidas e de rigorosa e honesta conduta e
t. m_- ,6
7-» -7-— -— —- *- A

242 TEXTOS I-IISTORICOS MEDIEVAIS


1 A VIDA INTELECTUAL 243

moralidade, que possa ser recomendado pela sua prudéncia, reticéncia, i vinho e da came e das outras coisas que mandam trazer e comprar para
r seu comer e para a sua gente. E isto nao tenho cu por bem se assim é, por-
justica c utilidade para a Universidade. Devera ter atingido o seu vigésimo
quinto ano e, no que diz respeito at idade, se existe qualquer duvida pela 1‘ que vos mando que vos nao lhes filheis portagem nem costumagem das
parte do seu reitor e do Consiliarii, devera corroborar o depoimento por ditas cousas em vossas vilas e em vossos lugares nem sofreis a outro nenhum
um juramento pessoal. [...] que lho filhe. [...]
Além disto, 0 candidato devera ser um clérigo (1), nao casado, e usar
I [A. Moreira de Sé., Chartularium Universitatis Portugalensis (1288-
as vestes clericais, embora nao deva ser membro de uma ordem monas- -1537), 1, Lisboa, 1966, pp. 56-57.]
tica. [...]
Decretamos que a eleicao do reitor dos U1tramontanos(2) tenha lugar
- \
no primeiro ano, no primeiro de Maio e de entre uma das quatro nacoes (3),
SOBRE O PAPEL DOS LIVREIROS
que sao os Franceses, os Espanhéis, os Provencais e os Ingleses. No ano
NA UNIVERSIDADE (SECULO XIII)
seguinte e no segundo dia de Maio, o reitor dever:-i ser escolhido de entre
uma das oito nacoes que sao: Picardos, Burgimdios, Poitevinos, Gascoes, As cidades universitdrias tiveram sempre o cuidado de regu-
Turonianos (4), Cenomanianos (5), Catalies e Polacos. No terceiro ano lamentar o comércio dos livros, que muito se havia desenvol-
sera escolhido entre os Germanos. [...] ' vido por trds das suas muralhas. Os livreiros produziam
muitas vezes as exemplares, que vendiam ou alugavam aos
[Heinrich Denifle, <<Die Statuten der Juristen-Universitit Bologna», estudantes, tendo que trabalhar nas suas lojas copistas,
in Archiv fir Literatur-and Kirchengeschichte des Mittelalters m, 1 iluminadores e encademadores.
1887, pp. 256 e 259.] -
a \

(1) Tanto os estudantes como os professores eram ainda, na sua maioria. clérigos.
(1) Os estudantes estrangeiros, por oposicio aos italianos, denominadas <<Citra.mon-
ta DE LAS SIETE PARTIDAS DE AFONSO X (1256-1263)

7 . E mister que haja em cada estudo geral 1ivreiros(1) [...] e que tenham nas
tanos». Cada um destes grupos tinha o seu reitor. (3) Cada meio agrupava as estu-
suas lojas livros bons, legiveis e verdadeiros, de texto e de glosa, que alu-
dantes e os professores vindos de um mesmo pals. (4) Da Touraine. (5) Do Maine.
’-1?; guem aos escolares para exemplares (2), a fim de fazerem por eles livros
de novo ou para emendarem os que estivereme scritos. [...] Outrossim deve
ISENCAO DE PORTAGEM E COSTUMAGEM 0 reitor apreciar com 0 conselho dos do estudo, quanto deve 0 livreiro
PARA OS ESCOLARES DE COIMBRA _ - 1-,- receber por cada caderno que emprestar aos escolares para escreverem
(16 DE SETEMBRO DE 1310) OH emendarem os seus livros: e deve outrossim receber dele bons fiadores,
em como guardara bem e lealmente todos os livros que lhe forem dados
Tendo-se dado vdrios conflitos entre a Universidade de Lis- Para vender e nao fara engano.
boa e o Municioio da mesma cidade, D. Dinis resolveu trans-
ferir 0 seu <<Estudo» para Coimbra (1308). Nessa cidade. [Las Siete Partidas, tit. XXI, XI, in Antonio G. Solalinde, Antologia
onde se manteve entao até 1338, continuou a instituigdo de Alfonso X el Sabio. Col. Austral, Espasa.-Calpe, 1941, p. 140-]
a gozar do proteccdo régia, para a qual apelava sempre qtw
(‘) Estacionarios no original castelhano (do latim stationarii). Os livreiros eram assim
se levantavam dificuldades ao seu funcionamento. denominadas por nio serem vendedores ambulantes e terem uma loja fixa numa deter-
millada cidade. (1) Como livros arquétipos que serviriam de modelo a copias.
Dom Dinis etc. a todas as justicas dos meus reinos que esta carta virem,
faco saber que a universidade dos mestres e dos escolares do meu estudo - DOS ESTATUTOS DA CIDADE DE BOLONHA (C. 1274)
de Coimbra me enviaram dizer que alguns em nossas vilas e em nossos
lugares que lhes filham portagem e costumagem das viandas do pio e <10 Para vantagem comum dos escolares e do estudo, ordenamos aos livreiros (1)

ti
..
I

244 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A VIDA INTELECTUAL 245

que nunca vendam exemplares de livros de texto e de comentarios, nem em infligindo qualquer dano ou prejuizo com rasuras e estragos nos cadernos
caso algum os cedam aos estudos dc outras cidades [...] sob pena dc 100 ou folios. [...]
libras bolonhesas. [...]
Além do mais ordenamos aos livreiros que tenham os seus exemplares [Munimenta Academica or Documents illustrative of Academical Life
and Studies at Oxford, part. 1., <<Libri Cancellarii et Procuratorum», ed.
bem corrigidos e emendados -e que facam cépias destes textos emendados Henry Anstey, London, 1868, pp. 263-264.]
quando os estudantes lhos pedirem. Para a copia debitarao o que tém por
-.'
costume debitar até aqui e nao mais.
4-1
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[A. Gaudenzi, <<G1i antichi statuti del Comune di Bologna intorno allo
Studio», in Bulletino dell’Lstituto Storico Italiano, n.° 6, 1888, pp. 123-
-124.]
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(1) Stationarii no original. Q .

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REGULAMENTOS
sonata A UTILIZACAO DA BIBLIOTECA
NA UNIVERSIDADE DE OXFORD
(SECULO XIV) 4

A partir do século XIV os livros tomaram-se menos raros e


4
dispendiosos. No entanto, o acesso ds bibliotecas, mesmo
as universitdrias, continuava a nda serfdcil, e o manuseamento 4
dos livros, revestido de muitos cuidados.
-
I

4
Visto que no decorrer dos tempos 0 grande e importuno mimero de estu-
dantes [na biblioteca] é de muitas maneiras prejudicial e visto que o sio 4
propésito daqueles que desejam aproveitar é prejudicado pela demasiada
4
concorréncia de pessoas banilhentas, a Universidade estabeleceu e decre-
tou que ninguém, salvo os graduados e os religiosos depois de oito 4
anos de estudo da filosofia, podera estudar na biblioteca da Universi- 4
dade. [...] 4
Também para uma melhor proteccao dos livros, a Universidade esta-
beleceu e decretou que todos os nela agora graduados e os outros q\1¢ 4
por concessio dos Estatutos possam entrar na Biblioteca [...] prestem um 4
juramento corporeo perante os comissarios delegados para esse fim p610 4
chanceler, antes da festa da Natividade do Senhor; [jurariio] em com0.
quando entrarem na biblioteca comum da Universidade com 0 objectivo .
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de estudar, pegario nos livros que consultarem honestamente, nao 11155
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244 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A VIDA INTELECFUAL 245

que nunca vendam exemplares de livros de texto e de comentarios, nem em infligindo qualquer dano ou prejuizo com rasuras e estragos nos cadernos
caso algum os cedam aos estudos de outras cidades [...] sob pena de 100 ou folios. [...]
libras bolonhesas. [...]
Além do mais ordenamos aos livreiros que tenham os seus exemplares [Munimenta Academica or Documents illustrative of Academical Life
and Studies at Oxford. part. I, <<Libri Cancellarii et Procuratorum», ed.
bem corrigidos e emendadose que facam cépias destes textos emendados Henry Ansley, London, 1868, pp. 263-264.]
quando os estudantes lhos pedirem. Para a copia debitarao o que tem por __,
costume debitar até aqui e nao mais. -
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[A. Gaudenzi, <<Gli antichi statuti del Comune di Bologna intorno allo
Studio», in Bulletino dell‘Lstituto Storico Italiano, n.° 6, 1888, pp. 123-
-124.1 #1
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(1) Stationarii no original.
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REGULAMENTOS
SOBRE A UTILIZACAO DA BIBLIOTECA
NA UNIVERSIDADE DE OXFORD
(SECULO XIV)

A partir do século XIV os livros tomaram-se menos raros e 1

dispendiosos. No entanto, o acesso as bibliotecas, mesmo


as universitdrias, continuava a nao ser fa'cil, e o manuseamento
dos livros, revestido de muitos cuidados.
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Visto que no decorrer dos tempos 0 grande e importuno ntimero de estu-


dantes [na biblioteca] é dc muitas maneiras prejudicial e visto que 0 sao
proposito daqueles que desejam aproveitar é prejudicado pela demasiada
concorréncia de pessoas barulhentas, a Universidade estabeleceu e decre-
tou que ninguém, salvo os graduados e os religiosos depois de oito
anos de estudo da filosofia, podera estudar na biblioteca da Universi-
dade. [...]
Também para uma melhor proteccao dos livros, a Universidade esta-
beleceu e decretou que todos os nela agora graduados e os outros que
por concessao dos Estatutos possam entrar na Biblioteca [...] prestem um
juramento corpéreo perante os comissarios delegados para esse fim pelo
chanceler, antes da festa da Natividade do Senhor; [jurarao] em como,
quando entrarem na biblioteca comum da Universidade com o objectivo -
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de estudar, pegarao nos livros que consultarem honestamente, nao lhes l
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Ԥ'*

AVIDA INTELECl'UAL 247

LITERATURA RELIGIOSA DE CARACTER


INTERNACIONAL: A VIDA DE SANTA MARIA
EGIPCIACA (SECULO XIII)

Os temas de inspiracao religiosa, tratados nao obstante,


muitas vezes, com espirito profano, estiveram em moda
b. MANIFESTACOES DE CULTURA _ N durante todo 0 periodo medieval. Redigida no principio do
século XIII a Vida de Santa Maria Egipciaca conheceu ver-
‘i~
‘('9
sfies em prosa e em verso, nas Iinguas portuguesas, caste-
-I
7~'.
Ihana, aragonesa, francesa e italiana. O texto que se segue
1. é traduzido de um manuscrito aragonés do século XIV.
AS LITERATURAS VERNACULAS A

-.~.u_-I
Desde aquele tempo em que foi ela,
Depois ninguém nasceu t5o bela.
0 aparecimento de uma literatura profana em linguagens vernaculas coincidiu
Nem rainha nem condessa
com o despertar da vida urbana e o ressurgimento economico do século XII.
N50 vistes tal como essa,
Até entao, as obras litera'rias, tendo por foco de irradiacfio mosteiros e con-
Redondas havia as orelhas,
ventos, exprimiam-se em latim, seguiam regras e modelos classicos ou ver-
§ brancas como leite de ovelhas;
savam temas religiosos, morais e filosdficos, sempre com caracter didactico.
ii Olhos negros e sobrancelhas
0 afrouxamento das relapoes feudais e a maior facilidade de comunicacoes
Alva fronte até as cernelhas.
permitiram a divulgacao de formas literérias despretensiosas e populares,
A face tinha corada
que tinham por veiculo as linguas nacionais (o anglo-saxao, o baixo-alemfio,
_ como a rosa quando e granada.
as linguas d’oc e d’oil em Franco, o catalao, o castelhano ou o galaico-por-
Boca pequena e por mesura
tugués). Os temas destas composicoes variaram com os locais e as épocas.
muito formosa a catadura.
As regib'es do Norte deram preferéncia a uma literatura de guerra e feitos
> O seu colo e a sua petrina
de cavalaria (cancaes de gesta e romances corteses), enquanto o Sul, mais .1u-\
tal como a flor da espina.
individualista e requintado, exaltou o amor e a cortesia para com as damas
~; De suas tetas bem é s5:
(poesia provencal, cantigas de amor e de amigo). ' -1
S50 tais como a maca.
Oprogresso das burguesias urbanas trouxe consigo 0 aprepo por recita- 5 Bracos, corpo e todo 0 al
tivos de critica social e politico e por formas embrionarias de teatro quase
branco é como cristal.
sempre ligadas a festividades religiosas. ‘Z

Também o século XIII viu nascer a narrativa historica sob a forma 118 la Em boa forma foi talhada;
n50 era gorda nem mui delgada...
cronicas.
Da sua beldade deixemos estar
que n50 vo-la poderia contar.

»
[Transcrito em Bernard Pottier, Textes Médiévaux Francois et Romans.
_- des gloses latines a la fin du XV siecle, Paris, 1964, pp. 116 e 117.]
TEXTOS I-IISTORICOS MEDIEVAIS
A VIDA INTELECTUAL 249
UMA cAN<;Ao DE GESTA: I Por terra estao ambos os cavaleiros,
A CANCZO DE ROLANDO
Rapidamente se erguem de pé;
(SECULOS XI-XII) Pinabel é forte, agil e ligeiro,
O conde Ganelonfoi acusado defelonia por ter traido Rolando. Um procura o outro, ja n50 tém corcéis;
Dois cavaleiros, Thierry, o acusador, e Pinabel, parente e Com as espadas de guardas de ouro puro
defensor de Ganelon, vao numa justa decidir a sorte do conde. Batem e voltam a bater sobre os elmos de aco.
As cangoes de gesta sao o espelho da vida aventurosa dos Grandes sao os golpes, de fender os elmos,
cavaleiros da alta Idade Média e tém por finalidade endl- Muito se angustiam os cavaleiros franceses;
tecer a Iealdade que por eles é devida ao seu senhor.
<<Ai Deusl», diz Carlos, ufazei resplandecer 0 direito!»
Pots que prontos s50 para justar em batalha
[La Chanson de Roland, publicada segundo 0 manuscrito de Oxford
Estao bem confessados, absolvidos e abencoados; f:s?-"»'.1 ae\- e trad. para francés por Joseph Bédier, Paris, 1937, pp. 321 a 323.]
Ouvem suas missas e est5o comungados,
Mui grandes oferendas deixam pelos mosteiros.
Perante Carlos ambos se apresentam: 4
As esporas nos pés calcaram 1
I
UM <<CANTAR DE GESTA» PENINSULAR:
Vestem lorigas brancas, fortes e ligeiras 4
O CID (SECULO 'XII)_
I
os elmos claros sobre as cabecas fecharam,
Cmgem espadas com guardas de ouro puro, I
A primeira obra completamente escrita em espanhol (c. I140),
Dos pescocos pendem os escudos quarteados, o Poema del mio Cid, é a mais célebre acancao de gesta»
Nos punhos direitos os cortantes chucos. comemorativa da reconquista crista no Peninsula Ibérica.
Depois montaram ~nos seus rapidos corcéis; Mais realista do que as suas congéneres francesas, enaltece
no entanto, os mesmos valores de honra, bravura e Iealdade,
Ent5o choraram cem mil cavaleiros apanégio dos cavaleiros. '
que por Rolando tém piedade de Thierry;
Deus sabe bem qual serzi 0 fim.
Nove meses cumpridos, sabei, sobre ela jaz,
quando veio 0 décimo houveram-na que dar.
1
Grandes sao os gozos que v5o por este lugar,
quando meu Cid ganhou Valencia e entrou na cidade.
Sob Aix é o prado muito largo, Os que foram dc pé, cavaleiros sc fizeram;
Dos dois baroes ajustada esta a batalha; o ouro e a prata, quem vo-los poderia contar?
Sao bravos e de grande valentia todos foram ricos quantos ali houveram. I
E os seus cavalos corredores e ardentes; Meu Cid dom Rodrigo a quinta mandou tomar, 1.
Esporam-nos bem, largam todas as rédeas, no haver amoedado trinta mil marcos lhe couberam; (.
Com grande vigor v50-se ferir um ao outro- e os outros haveres, quem os poderia contar?
Os escudos quebram-se e estilhacam-se, . . . . .. . - Q - - - - - . - . - ¢ ¢ - - - - - - - . » - - . - - - - - - . - - . - . . . - - - - . - - . - - - - - . - - - - .. l
As lorigas rompem-se, as cilhas despedacam-se, ‘hmiwn-awe-n.‘-A. K.
As borrainas esvaziam-se, as selas caem por terra; Grande alegria é entre todos esses crist5os
Cem mil homens quedos olham, choram. com meu Cid Rui Dias, o que em boa hora nasceu. 4.

ja lhe cresce a barba e se vai alongando; (_

' 4
ms
qreh
A VIDA INTELECIUAL 251
250 TEXTOS H1sTorucos MEDIEVAIS
que o amou do coracao, que nunca amou coisa do mundo tanto, que n5o
pois dissera o meu Cid da sua boca, a todos: partia dele os olhos, e quanto o mais catava, mais se pagava dele e o mais
<<por amor do rei Afonso que da terra me expulsou amava. ‘
n50 entrara nela tesoura nem um pelo haverei talhado»,
[Demanda do Santa Graal. cap. 106, cit. em M. Rodrigues 1.894.
e que disto falassem mouros e crist5os. Licaes de Literatura Portuguesa. Epoca Medieval, 4.‘ ed., Coimbra,
Meu Cid dom Rodrigo em Valencia esta folgando 1956, pp. 236 e 237.] -
. . Q - - - - - - . - Q - - Q . - ~ - - - . - - - - Q . - - - - - - - | - - - . . - - - . - . - | - - - - - . - - . . - . . - ¢ - . - - ~ - - - ¢ --
4. (1) Estes dois cavaleiros, juntamente com Peroeval. eram os eleitos por Deus, de entre
[Poema del Mia Cid <<Canta.r dc las bodas», ed. e notas de Ramon os 150 da Tavola Redonda, para gomrem a presenca inefavel do Gr-aal.
Menendez Pidal, col. Clasicos Castellanos, Madrid, 1913, pp. 207
a 210.] “.1
‘f.
UM ROMANCE CORTES PENINSULAR:
UM ROMANCE CORTES 0 AMADIS DE GAULA
DO CICLO BRETAO: . (SECULO XIII) _
A DEM-ANDA D0 sazvro GRAAL
(SECULOS XII-X111) Influenciado pelos temas dos romances bret5es, o Amadis
de Gaula representou no Peninsula Ibérica 0 ideal cava-
leiresco, onde se conjugavam a rudeza do época e os cos-
Os romances corteses, menos rudes do que as can;:5es de tumes palacianos._ _
gesta, envolvem os temas de cavalaria em ideais palacianos
e até misticos. O texto que se segue é um extracto de uma
versao portuguesa (século XIII) da Dcmanda do Santo Graal, 0 Donze1(1) chamou Ganda1im(1) e disse-lhe: »
romance de matéria breta‘ muito em voga em todo o Oci- —Irm5o, leva a bom recato todas as minhas armas para a capela da
4 ->.-,>-.~-¢.a.me>».-Au-n.fl
dente europeu e como tal glosado em varios linguas. rainha, que espero ser esta noite armado cavaleiro; e, porque me Cflnvém
Pflfiit logo a seguir, quero saber se quereras ir comigo.
Aquele Brutos, que ent5o reinava, era um dos bons cavaleiros do mundo —Senhor, eu vos digo que, de meu grado, nunca dc vos me partirei.
e mui rico a maravilha, e havia muito conquerido por sua cavalaria. E havia A0 Donzel do Mar, vieram-lhe as lagrimas aos olhos, e, beijando-o na
uma filha dc 15 anos, que era a mais formosa donzela do reino de
wus 3.-A.-.13 ».
face, disse-lhe: '
Logres. E aquela sazfio que os cavaleiros vieram, estava el-rei acostado ’-2as —Amigo, faze ent5o 0 que te disse.
a uma fresta em seu paco. E quando os viu assim armados vir e sem com-
1
1
Gandalim pos as armas na capela, enquanto a rainha ceava; e, levan-
panha, conheceu que eram cavaleiros andantes, e foi muito alegre com +. W115 as toalhas, o Donzel foi 5 capela, armou-se com todas as suas armas,
eles, ca muito amara sempre cavalaria e aqueles que se trabalhavflfll °*°°Pto na cabeca e nas m5os, e fez a sua oracao ante o altar, rogando a
dela. D°“5 que, tanto nas armas como naqueles mortals desejos que por sua
Ent5o lhe enviou dizer por dois cavaleiros que viessem com ele pousari scnhflra sentia, lhe desse vitoria.
ca nao queria que pousassem com outrem. Quando Galaaz e Boors (1) 1---I Oriana (3) veio a presenca do rei(4), e, vendo-a t5o formosa, logo
ouviram seu mandado, tiveram que era ensinado a boa barba e guarn¢- 4. °s‘° P¢!1$0u que no mundo n50 poderia encontrar-se igual.
ceram-lhe muito e foram-se com os cavaleiros. E depois que foram dentr0 _Q\1¢ro pedir-vos uma mercé—-disse-lhe ela.
e foram desarmados, El-Rei fé-los assentar a par de si e fez-lhes muita honra é “De bom grado vo-la farei.
e comecou-llies a perguntar das suas fazendas. E eles lhe disseram jti We —Fazei-me ent5o cavaleiro 0 meu Donzel. E mostrou-lho de joelhos,
de algumas coisas. E a filha del-rei Brutos, que era mui formosa C0153- ante 0 altar.
catou mui gram peca Galaaz, e semelhou-1het5o formoso e t5o bem ta1had0,
andbe.-“width.
252 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A VIDA INTELECFUAL

O rei viu 0 Donzel t5o formoso que muito se maravilhou, e, aproximan-


Pelo que manda o rei de Marrocos
do-se dele, perguntou-lhe:
Que a todos os reis dos Cristaos
— Quereis receber a Ordem da Cavalaria?
Combatam seus renegados 4
— Quero —- disse ele. 4
Andaluzes e Arabes I
— Que seja em nome de Deus, e que ele mande que tao bem empregada
Contra a fé de Cristo guarnecidos.
seja em vos e t5o acrescentada em honra como vos acrescentou cm for-
.- . - - . - - - . . . . . . . . . . . . - - - - | - - - . - - - - - ¢ - - - - - | ¢ . - - - - --
mosura.
E, calcando-lhe a espora direita, disse-lhe: Tanto tém o_rg11lh0 05 ¢ll1° 5° lunmamv
—Ja sois ora cavaleiro. Tomai a espada. Que julgam ja ser seu 0 mundo;
O Donzel cingiu-a ent5o mui gentilmente, e o rei disse-lhe: Marroquinos e Marabutos
— Certo, este acto dc vos armar cavaleiro com maior honra o quisera 1 Pousam a monte por meio dos prados,
haver feito, segundo vosso gesto e aparéncia mo pedem; mas espero em Gabando-se entre si: <<Franco, faz-nos lugar;
Deus que a vossa fama sera tal que dara testemunho do que, com mais Nossa é a Provenqa e Tolosa
honra, se devia fazer. E até ao Puy todo o interior»;
Nunca t5o feros escarnios foram ouvidos
[Amadis de Gaula, liv. t, cap. IV, seleceao de F. Costa Marques, Dos falsos caes, sem lei, miseraveis.
col. Classicos Portugueses, Livraria. Classica Editora, Lisboa, 1942, ' Imperador (1) ouvi-os,
pp. 38 e 39.]
E o rei de Franqa (1) seu primo;
(1) Recolhido por um cavaleiro escoces, Gandales, e sua mulher, Amadis foi c_ognomi- E o rei ing1és(3), conde poitevino
nado 0 Donzel do Mar, por ter dado a costa numa area. Na realidade, era filho ilegitimo. E vinde em socorro do rei de Casiela,
de Perion, rei da Gaula, e de Elisena, filha do rei dapequena Bretanha. (1) Gandalim, Que jamais ninguém melhor nao pode
filho dc Gandales, considerava-se irmao de Amadis. (3) Oriana, filha de Lisuarte, rei
da Dinamarca. (4) O rei Perion, que Amadis ainda ignorava ser o seu pai, e que so Servir a Deus em ocasi5o t5o pronta;
Ia
encontrava de passagemxna corte de Languines, rei da Escocia, onde estavam também Com ele vencereis todos os caes
hospedados Oriana e o'Donzel do Mar. De quem Mafoma ha escameeido
E aos renegados e envilecidos.
. . . . . . - ¢ - ~ - . - . - - - - --¢¢-¢»---»-----¢--~---¢a--

UM CANTO DE CRUZADA: INCITACAO A LUTA Quando vieram os baroes cruzados,


CONTRA OS ALMOHADAS (SECULO XIII) Alemaes, Franceses, Cambresinos,
Ingleses, Bretoes e Angevinos,
O trovador Guevaudan o Velho, que posslvelmente teria vindo
a Espanha com os cruzados de além-Pirinéus para combater Bearneses e Gascoes, mesclados connosco;
as forpas almohadas, campos em lingua de oc este cantv E os provencais todos num so corpo; |
l
de incitapao a Iuta. Nele prevé a vitoria crista que seria 8
de Navas de Tolosa (16 de Julho de 1212).
1 Saber podeis que com as espadas
Romperemos a turba, cabecas e m5os,
A"gflniJhflwQflfimfl &m_ Até que os tenhamos morto a todos e delido.
Senhores, por nossos pecados A-5~-A1wr-t\hl-‘A1»-*at.‘- E depois entre nos repartiremos os despojos.
-Cresce a forca“ dos Sarracenos;
Jerusalem tomou Saladino, Profeta sera dom Gavaudan
E ainda nao é recobrada' 7
45$!
O que ele diz se fara; os caes serao mortos
254 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A VIDA INTELECIUAL 255

E Deus honrado e servido


UMA SATIRA POLITICA:
Onde Mafoma era ouvido.
COPLAS ANONIMAS
CONTRA o REI HENRIQUE IV (14s4_1414)
[De los trovadores en Esparia. ed. C. Martinez y F. R. Manrique,
DE CASTELA
Barcelona, 1966, pp. 122 e 123.] PELO SEU MAU GOVERNO
(1) Ot5o IV (1209-1218). (7) Filipe (II) Augusto (1180-1223). (3) Joao sem Terra Em Castelo. como em qualquer dos outros estados penin-
(1199-1216). sulares, os grandes centros de cultura e vida intelectual
eram as cortes régias e sob a sua influéncia se desenvolve-
ram os varios géneros literarios. A sdtira de costumes tor-
F
Ag nou-se muito apreciada nestes pequenos cendculos, e nao
POESIA TROVADORESCA: ii raro também a critica politico se fez ouvir.
UMA CANTIGA DE AMOR
DE EL-REI D. DINIS Abre, abre as orelhas,
(SECULO XIH) escuta, escura, pastor
que n50 ouves o clamor
Por influéncia dos jograis, a corte portuguesa também <<tro- I que te fazem as ovelhas.
vou» a maneira provencal. As <<cantigas de amor» dirigidas
pelo enamorado a sua amada, enalteciam as qualidades do Suas vozes sobem ao céu
dama e o amor e cortesia que Ihe eram devidas. ~ Queixando seu desconsolo,
Que as tosquias ao engano
Um tal homem sei eu, ai bem talhada tantas vezes no ano
que por vos tem a sua morte chegada; - que nunca as cobre o pelo.
Vedes quem é e sede en nembrada: .l iMn-n~.>-0a¢‘Au(4
'-
- - Q ¢ u ¢ Q - u - - - - - ¢ Q | | ¢ ¢ - - - Q - - - - - - ¢ .-
eu minha dona.
Tens sacado 15 tanta
Um tal homem sei eu que perto sente. V que se te desse a manha
dc si a morte chegada certamente; ' terias feito uma manta
vedes quem é e venha-vos em mente: ' que cobriria toda a Espanha.
eu minha dona.
- . ¢ - . - . - - - . . . » - - - - - - . - - - - - - - - ¢ - .-

Um tal homem sei eu, aqueste oide,


que por vos morre: vo-lo en partide, _ Ou tu vives enganado,
vedes quem 6 e non se vos obride: 3 ou pensas que somos bobos.
eu minha dona.
>.1a\~ue a-vi‘.-ww
'~uas‘e.¢-siq-l.u a empoae-mid»
a Trazendo por perros lobos,
Como medrara 0 gado?
[Cit. em M. Rodrigues Lapa, Licoes de Literatura Portuguesa. £P°°‘ p Andam por essas manadas
Medieval, 4.‘ ed., Coimbra 1956, pp. Z62 e 263.] ' as ovelhas degoladas
|~Km
a_.ta.-la>~.-0
e comidos os cordeiros.

4 1
.3
I
- - - . - - - | ¢ - . | - . . | Q - . - - | - - - Q . - - - - IO
256 TEXTOS 1-IISTORICOS MEDIEVAIS A VIDA INTELECIUAL 257
E dos muitos arroidos As grandes sinteses do século XIII, que ainda puderam harmonizar razdo
que te d5o a teus ouvidos e fé. seguiu-se a dissociapao destes dois elementos no centtiria seguinte. Ten-
os que andam a teu lado, tando-se Iibertar a fé do razao e analisar as possibilidades e alcance desta
ainda que matem 0 gado ultimo, caiu-se num eclectismo que marcou o fim do filosofia crista me-
nunca ouvem seus gemidos... dieval.
s4v.-
[In Antologia de Textos Castellanos, siglos xm al xx, ordenada e
anotada. por José Rogerio Sanchez, 3.‘ ed., Madrid, 1924, pp. 100 (.
a 102.] PARA SANTO AGOSTINHO os FILOSOFOS
PLATONICOS NAO ESTAO EM DESACORDO
COM os FUNDAMENTOS
Do CRISTIANISMO
Os primeiros grandes pensadores medievais procuraram focar
2. dentro do perspectiva do cristianismo temas e problemas
O PENSAMENTO FILOSOFICO jo abordados pelo pensamento grego, ou pelo contrario,
NO QUADRO DO CRISTIANISMO interpretor a doutrina crista a luz do filosofia cldssica.
I
Santa Agostinho (354-430) tentou esta aproximocdo pela via
platonica.

A filosofia medieval nasceu do esforpo de fundir harmoniosamente 0' legadn E querendo-me Tu mostrar em primeiro lugar como resistes aos soberbos
do pensamento ontigo com as principios do cristianismo. Aos sistemas pla- mas concedes gracas aos humildes e coin que misericordia Tua 0 caminho
tonico e aristotélico foi necessario acrescentar as nocoes de um Deus pessoal _ >4.--.An..r da humildade é apontado aos homens: procuraste-me através de um certo
e criador, de uma historia da humanidade desenrolando-se no tempo com buli- 5
homem inchado com um imensissimo orgulho, alguns livros dos plato-
zas predeterminadas e do intervenpao do grapa divina como instrumeflfv nicos traduzidos da lingua grega para a latina. E ai li, nao pelas mesmas
auxiliador do ascese humana. palavras, mas com a mesma finalidade e persuadido por muitas razoes
O pensamento grego nao foi conhecido em bloco pela Idade Média. Até de varias qualidades, que no principio era 0 Verbo e o Verbo estava junto
i.4--¢8i.1~/usa. 4.».
ao século V o filosofo cristao deu preferéncia ao platonismo e ao neopldt0- <36 Deus e Deus era 0 Verbo: 0 qual estava no principio junto dc Deus;
nismo, e encontramos em Santa Agostinho (354-430) o primeiro grande tra- -.414
todas as coisas foram feitas por Ele e sem Ele nada foi feito. [...]
.1-I
balho de fusao destes elementos. Se as obras de logica de Aristoteles nwlw €
Também ai li que Deus o Verbo n50 nasceu da carne nem do sangue,
deixaram de ser estudadas, no entanto so meado o século XII se tomou con- “"11 da vontade do homem, nem da vontade da carne, mas nasceu de Deus;
11
tacto com as obras de fisica, metafisica ei moral do mesmo filosofo. Este fat?!" !
mas que 0 Verbo foi feito carne e habitou entre nos n5o li ai. Encontrei
foi em grande parte devido aos pensadores judeus e érabes dos séculos XI- Z5595 livros, embora dito de outra maneira e por muitos modos, que
XII e XIII, que realizoram também novas tradupoes dos filosofos n¢0PI“' "do 0 Filho a forma do Pai n50 tentou um roubo para ser igual a Deus,
tonicos. Esta irruppao abrupta e caudalosa de material filosofico origilm“ Q ?:"ll1¢ em natureza Lhe era idéntico. Mas fez-se a Si proprio sem honras,
a grande actividade intelectual do século XIII, a qual teve essencialmeflu u_a"(:"d0 a forma de um servo; e foi feito a.semelhant;a dos homens e encon-
por campo a Universidade de Paris e foi conduzida pelos mestres do 0fd"f' mone C0111 os habitos do homem; e humilhou-se e fez-se obediente até a
-I.-1-
. .-'.-is
Franciscana (com 0 seu expoente em S. Boaventura, 1221-1274) e D0""7"' , mesmo a morte na cruz. [...]
cano (dominada por S. Tomas, 1225-1274).
[Santi Augustini, Confessionum, liber VII, cap. iX.]
L t'n.- 17
A VIDA INTELECTUAL 259
253 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

tuados a estes autores c ao corrente das suas formas de estilo, fé-los passar
0 ENSINO £1 retorica.
DA LOGICA ARISTOTELICA
(sEcu1.0 x) [Richer, Histoire de son temps, liv. m, caps. XLV a XI.vn, trad.
francesa de J. Guadet; Société de 1'1-Iistoire de France, t. 11, Paris,
1845, pp. 51 a 54.] ~
Gerber! de Aurillac (c. 945-1003), que veio a ser arcebispo
de Reims, de Ravena e depois papa com 0 nome de Silves- 1;
tre II (999-I003), foi o melhor professor e 0 homem mais (l) O arcebispo Adalbéron. (1) C. 232-304. Este filosofo, discipulo de Plotino, perten-
sabedor da sua época. Dos conhecimentos de Gerber! sobre ceu a escola de Alexandria. (3) Autor dc um comentario sobre a Retdrica de Cloero.
o Organon de Aristozeles nos dd conta um seu discipulo, 0 (4) Possivelmente Boécio, que usava também esse nome. (5) Outra obra de Aristoteles
monge Richer. sobre lbgica.

IQ.;\
[...] Durante a sua estada em Reims, Gerbert recomendou-se ao metro- DIALECTICA E FE (SECULO xn)
po1ita(1) pela importancia dos seus trabalhos, e antes do que qualquer
outro caiu nas suas boas graeas. A seu pedido, reuniu na escola uma mul- Pedro Abelardo (1079-I142), 0 maior pensador da sua época,
tidio de discipulos que ai vieram instruir-se nas ciéncias. interessou-se especialmente pela dialéctica, que utllizou
como um instrumento ao servico da fé. Tendo contribuido
para transformar a Universidade de Paris num centro bri-
ORDEM DOS TRABALHOS NAS SUAS LICQES lhante de estudos Iégicos e teoldgicos, teve, no entanto, de
Iutar contra a ma vontade de muitos‘d0s seus colegas.
Percorreu a dialéctica segundo a ordem dos livros e esclareceu-a com
explicacoes claras. Comentou primeiro 0 Isagoge de Porfirio (1), ou sejam Ultimamcnte os meus rivais inventaram uma nova calimia contra mim,
as suas introducoes, segundo a traducao do reitor Vitorino (3), e segundo pelo facto de eu escrever sobre a arte da dialéctica, afirmando que nio
Man1ius(4); explicou também com todo 0 desenvolvimento 0 livro (188 ;a~»“~.n.x- 6 permitido a um cristao tratar de coisas que nao digam respeito A fé.
Categories ou dos predicamentos de Aristoteles; demonstrou muito Dxzem que esta ciéncia nio so nao nos prepara para a fé, como a destréi,
habilmente em que consiste a Hermeneia(5), ou seja 0 livro da interpre- pelas irnplicacoes dos seus argurnentos. Mas muito cu me maravilho por
tacio. Iniciou enfim os seus auditores nos Topicos, ou bases da argumefle nao dever discutir o que a eles lhes é permitido ler. Se admitem que a
tacio, traduzidos do grego para latim por Cicero e esclarecidos por _ 8fIeAmilita contra a fé, decerto pensam nao ser ela uma ciéncia. Porque
livros de comentarios do consul Manlius. . g 3 cnencia da verdade é a compreensao de coisas cuja espécie é a sabedoria
numw.»a1mn
na qual a fé consiste. A verdade nao se opoe a verdade. Porque, assim como
COMO PREPAROU OS SEUS ALUNOS PARA PASSAREM A RETORICA t a falsidade nao se opoe ao que é falso, nem a maldade ao que é mau, tam-
:¢°m a verdade se nao opoe ao que é verdadeiro ou a bondade ao que é
Leu e explicou filtimamente quatro livros sobre as diferencas dos rad "1; {M5, pelo contrario, todas as coisas boas estio de acordo. Todo o
cinios, dois sobre os silogismos categdricos, trés sobre os hipotéticos, um <;>)nhec1mento é bom, mesmo o que diz respeito a maldade, porque um
sobre as definigoes e um sobre as divisoes. Depois destes estudos, q\1¢1'i' dagrmé recto o 'pede possu1r. Mesmo que ele se quexra defender da mal-
fazer passar os seus alunos a retérica; mas temeu que sem conhewf ,’ necessano conhece-la antecrpadamentez de outra manexra nao a
locucoes que se devem aprender nos poetas lhes fosse impossivel 611$?“ fgdpglg Evgar. _Embora urn acto seja man, 0 conhecimento que lhe diz
também A arte oratéria. Abordou, pois, os poetas com os quais pensa" .»-4.u4n->&l1»;-An»\n
dc outra room, ernbora S613 mau pecar, e born conheceruo pecado, a qoe
ser necessaria a farnY1iariza<;io: leu e comentou Virgilio, Estzicio e Teréfl' deve S" Corina nao poderemos fuglr. Nem: por xsso, a cxencxa matematlca
cio, assim como os satiricos Juvenal, Perseu e Horacio, juntamente <10‘? nslderada ma porque a sua pratnca (a astrologxa) é ma. Nem
0 poeta-historiador Lucano. Quando os seus discipulos se mostraram bah"

<
250 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A

A VIDA INTELECFUAL 261


é um crime saber com que praiticas e irnolacoes os demonios podem ser I
coinpelidos a fazer a nossa vontade, mas sim usar este conhecimento. Por- - . b to e vender-to-ei por quatro di1'11fl111$(3)- O 5°“ P1’°P1’i=' I
este livro, é ara _ d dhheiro » Compmi_° e ve,-ifiquei qm; ml
que, se fosse mau saber isto, como poderia Deus, que conhece os desejos
e pensamentos dc todas as suas criaturas, ser absolvido e como obter a tado esta com necessidade‘ ?b' $4) Solire o Objecto da Meta,/Tsica. Voltei
concorréncia dos demonios? um livro dc Abu N?“ al-F13? -I imediatamente os assuntos daquele outro
Se, portanto, nao é errado conhecer, mas fazer, a maldade deve ser referida para casa
li\'F° 5° mee “l‘.l§§§l.}1T‘°.T‘a.§;. oporque
. . 0. sabia todo de cor. Regodjei-me
‘dia
ao acto, e nao ao conhecimento. Como tal estamos convencidos de que todo ' no dia se inte distnbul muitas esmolas aos P°br°5 em Eran
o conhecimento, o qual na realidade provém apenas de Deus e da sua bon- \
3:; 12:1: Deus Togo! Poderoso.
dade, é bom. Por conseguinte, tem de considerar-se bom 0 estudo de todas 3

IA-"W:"fi;i.'rsc.:;? ;‘I£'m H- Dm A H-M


F
- , h J. Arberry, London, I951, _<<'I‘he
as ciencxas, visto ser bom 0 que dele deriva; e especialmente deve insistir-se
no estudo da doutrina pela qual se conhece a maior verdade. Assim é a ‘ytfiodilevzl
0 4 8 tC:u'!ization ' The’ QdY55¢-Y Prfisv New York’ 1964’ P‘ 226'] is
dialéctica, cuja funcao consiste em distinguir entre a verdade e a falsidadez A\umIn>A<-
como condutora dc todo o conhecimento, detém a primazia e direccao (1) AVi°¢fl8 tinha ms“ altura 2° mos‘ Q) Este €pis6diL)a:e”df>.s;s?:mcad:<:n:t:ir?ou:hr:{b::
da filosofia. Revela-se igualmente necessaria a fé catolica ue
ajuda nao pode resistir aos sofismas dos cismaticos. , q sem a sua
i na Pérsia. (3) Moeda de Praia que Sffllla, de ut;1:1a:;=mwnama por volta dc 870 O mop
T6" por origem 0 drachmaCQgrcg°iO\l(
Zznerlgmgggigmflgjgs ¢ nlrzzematicas e pelae os neoplatonicos. Interessou-so tam-
musica.

[Petrus Abclardus, Dialectica, in Cousin, Ouvrages inédils d’/ibélard,


Paris, 1836, pp. 434 e 435.]

AVICENA E A METAFISICA DE ARISTOTELES DA SUBORDINACAO DAS cIENc1As A TEOI-OGIA


(SECULO XI) (SECULO X111)
. . ‘J ' ' comum d maioria
Conhecedor profurido de Aristételes. cuja-0bra comentou Expnmmdgocgn ggdiggafirisggsfif0-l30¢1Y¢P111"'4 (1221'
Avicena (980- I037) narra-nos, num texto celebre
' coma Ihe d$75e’:iffendeur a subordinagfio de todas as ciéncias d teo-
foi possivel, ao cabo de muitos esforcos, interpretar a Meta-
Iogia, dai M250 3 fé-
fisica do filosofa grego. Os trabalhos filosdficos de Avi-'
cena, imbuidos de aristotelismo e neoplatonismo, vieram a [___] E assim fica manifesto como ea qmulfifornie sabedoria deiDeus>>,nc;‘1:
exercer grande influéncia nu escoldstica cristii.
aparece claramente na Sagrada Escritura, esta oculta em to o o cc: das
Eu era entio (1) mestre em Logica, Ciéncias Naturais e Maternaticas. Vol- cimento e em toda a natureza. Fica igualmente manifesto como ol S
tei por isso as metafisicas;1i aMetafz'sica [de Aristoteles], mas nao compreendi as ciéncias estao subordinadas a teologia, P°1° que, esta c°1he Os cfcmptg
o seu conteiido e fiquei desconcertado pela intencao do autor; li-o umas e utiliza a tefminglggia pertencente a todolo. genero .de conhecirnend .
quarenta vezes até saber o texto dc cor. Mesmo entao nao compreendia Fica além disso manifesto quanto é ampla 3 V13 ‘lummanva ° dc qu,e go S
0 que 0 autor queria dizer e desesperava-me comigo proprio dizendo: no imjmo d¢ mdo quanto se sente ou se conhece estalatente 0 pr6p1’10
<<Nao ha processo de entender este livro.» Mas uma. vez, ao meio-dia, E este ha-dc ser o fnno de todas as ciéncias que P°1' m°‘° delaii simtem
estando por acaso no bairro dos livreiros (2), encontrava-se ai um leiloeiro que a fé, aseja Deus glorificado», se reformem os costumes, se es fecma
anunciando para vender um volume que tinha na mio. Ofereceu-mo, ma$ as consolaooes provenientes da uniao de Deus e da alma, qu‘: S; iimra
eu restitui-lho impacientemente, pensando nao haver qualquer utilidade .4
s- pela caridade, para a qual converge todo o intento da $88"! 3 5‘; ual
naquele conhecimento em particular. No entanto, ele disse-me: <<Compra-H16 ¢, por conseguinte, toda a i1urnina<;5° (1119 descmde do alto e 5?: 3150
6 vfio todo o conhecimento, porquc I150 é P°55iv°l chegar até ac F1 0 S
A VIDA INTELECTUAL 263
262 TEXTOS I-IISTORICOS MEDIEVAIS
vado em ¢ima na primeira questao, ha apenas uma ciéncia (1) qug mm
pelo Espirito Santo, que é quem nos ensina <<toda a verdade», <<o qual é
Deus como seu principal objecto, e nao é a metafisica. E isto prova-se da
bem dito por todos os séculos. Assim seja.» seguinte maneira. Acerea de cada um~ dos objectos e também no que res.
[S. Boaventura, Reduedo das Ciéncias d Tealogia, trad. do P.‘ Illdio peita o de uma ciéncia subordinada é conhecido por meio dos sentidos
dc Sousa Ribeiro, Biblioteca Filosofica, Atlantida, Coimbra, 1948, ser a sua natureza tal que existir lhe nao repugna, como é evidente para
pp. 41 a. 43.]
0 objecto da éptica, pois a existéncia de uma linha visivel é captada ime-
diatamente pelos sentidos. Assim como os principios sao captados imedia-
INTELIGENCIA E GRACA (SECULO XIII) tamente de uma so vez e os termos sao apreendidos por meio dos sen-
tidos, da mesma maneira, se um objecto nao é posterior ou menos conhe-
Perante 0 problema da origem e possibilidade do conheci-
mento, S. Tomas (I225-I274) seguiu 0 intelectualismo cido que 0 seu principio, necessita de ser captado por meio dos sentidos.
realista de Aristdteles. N0 entanto, admitiu que utilizando Mas nenhuma nocio adequada que possamos formar de Deus é imedia-
- as suas capacidades naturais 0 homem nunca poderia atin- tamente apreendida pelo intelecto do homem nesta vida. Por isso nao
gir o grau de conhecimento a que chegaria com 0 auxilio podemos ter nenhuma ciéncia naturalmente adquirida acerca de Deus
-*qpvr Iqi4,\M*'vmr.~wr=nvM~. "
da graga divina. Deste modo conciliou 0 aristorelismo e de acordo com qualquer nocio que lhe seja adequada. [...]
0 pensamento cristao, a razao e a fé.
Logo, concedo, com Avicena, que Deus nao é o objecto da metafisica.
O objecto da faculdade dc conhecer é aquilo que é. [...] Muitas coisas até
as quais o intelecto do homem devera penetrar permanecem escondidas.
[John Duns Scotus, Philosophical Writings, trad. = int. de Allan
Welter, The Library of Liberal Arts, 1962, pp. 11 = 12.1 _
Por tras do acidente esta’. escondida a- natureza substancial da coisa; por
tras das palavras estio os seus significados; por tras dos similes e figuras
esta a verdade figurada, porque as coisas inteligiveis estao, como se esti- OCKHAM E A FISICA ARISTOTELICA
vessem, dentro das coisas sensiveis; e nas causas estio ocultos os efeitos, (SECULO XIV)
e inversamente. Portanto, visto que o conhecimento humano comeca com
os sentidos e a partir de fora, é claro que quanto mais forte for a luz do Dissociando a razao e a fé, Guilherme de Ockham (c. 1300-
intelecto tanto mais longe penetrara no interior das coisas. Mas a luz do -1349) nfio pretendeu integrar 0 pensamento aristotélico
nos quadros do cristianismo, furtando-se assim as sinteses
nosso intelecto natural é de virtude finita e pode alcanear apenas o que 5 realizadas par muitos dos seus antecessores. O seu esforco
limitado. Por esta razao o homem precisa da luz sobrenatural a fim <16 para interpretar 0 mundo real e a revelacfio em dois niveis
atingir 0 conhecimento que nao pode conhecer por meio da luz natural; 6 distintos abriu caminho ao advento do experimentalismo no
essa luz sobrenatural dada ao homem é chamada donum intelectus. mundo modemo.
[S. Tomas de Aquino, Summa Theologiae. q. vm, art. 1]. PAS idades passadas geraram e criaram muitos filosofos distinguidos pelo
tltulo de sabios. Como luzes resplandecentes iluminaram com o esplendor
TEOLOGIA E METAFISICA (SECULO XIII) do seu saber aqueles que estavam mergulhados na negra noite da igno-
Fincia. O homem mais sabedor que entre eles apareceu foi Aristételes,
Para Duns Scoto (c. I266-I308), Deus e as seus atributv-Y "gllcudo-se como um homem de nao pequeno ou insignificante ensino.
deveriam ser objecto da teologia, enquanto a filosofia 0“
metafisica teria por objecto 0 ser e as seus atributos. D8514 C°"1° Sc tivesse uns olhos de lince, explorou os profundos segredos da
natureza e revelou a posteridade as verdades escondidas da filosofia natural.
\ maneira teologia e filosofia, fé e razao, eram dominios ind? v
pendentes e distintos. '§Pesar de muitos terem tentado explicar os seus livros, pareceu-me,
assim como a muitos cuidadosos investigadores, dever registar, para bene-
[...] digo que Deus nao é o objecto da metafisica, porque, como ficou p1'°‘

i
a

264 TEXTOS HISTGRICOS MEDIEVAIS


A vn>A INTELECIUAL 165
ficio dos estudantes, o que pensei ser o espirito e a intencio de Aristo-
A CRENCA NA ASTROLOGIA
teles. [...]
(SECULO Ix)
Na verdade, embora o Filésofo tenha feito, com a ajuda de Deus, muitas
grandes descobertas, misturou, nao obstante, por ser humano, os erros A mentalidade medieval dificilmente desligou astronomia e
com a verdade. Por isso ninguém me podera atribuir as opinioes que vou astrologia. O aparecimento de um novo cometa era sempre
apresentar, visto que nao pretendo exprimir 0 que eu proprio defendo de olhado como pressagio de qualquer fatalidade imineme_
acordo com a fé catélica, mas apenas o que eu penso ter 0 Filosofo apro- 0 cronista Eginhardo (c. 770-840), numa carta dirigida
ao imperador Luis o Brando, atesta-nos esta forma de pensar.
vado ou dever ter aprovado de acordo com os seus proprios principios. fl
Uma pessoa pode com seguranca defender opinioes diferentes e opostas ?
Que a aparicio insoljta de novos astros seja para os pobres mortais um
em relacio ao espirito de um autor, se nao for um autor das Sagradas Escri-
pressagio infeliz e funesto, de preferéncia a um sinal de alegria e prosperi-
turas. E um erro neste caso nao é uma falta. Antes, em tal exercicio mental,
dade, é o que atesta a opiniao quase unanime dos antigos. So as Sagradas
ninguém pode, sem risco, reter a liberdade de julgamento. [...]
Escrituras nos mostram uma aparicao salutar naquela nova estrela obser-
1
3 vada, como no-lo ensinam, pelos sabios caldeus, os quais, COInpregn.
[William of Ockham, <<Prologue to the Expositio super_ VIII Iibros
Physicorum», in Philosophical Writings, a Selection, trad. de Philotheus dendo pelo intensissimo fulgor do novo astro que o Rei eterno acabava
Boclmer, The Library of Liberal Arts, 1964, pp. 3 e 4.] de nascer, foram-lhe levar, com as suas adoracoes, presentes dignos da
sua sublime majestade.
Mas quanto ao astro que acaba de aparecer(1), todos aqueles que 0
observaram atestam que o seu aspecto é horrivel e lfigubre, e que parece
brilhar ameacadoramente. E, penso, um digno pressagio dos males que 1
merecemos, um sinal precursor da catastrofe provocada pelos nossos |

3. V Crimes. Que importa, com‘ efeito, que seja um homem, um anjo ou uma
1
estrela que venha pressagiar ao género humano a colera iminente do Altis-
O PENSAMENTO CIENTIFICO l
Simo? E quisesse o Céu que os desastres com que a frota dos Normandos
"E O ADVENTO acaba de atingir, como se diz, as provincias deste império tivessem sido l
DO EXPERIMENTALISMO ° Suficiente para expiar a aparicio deste astro terrivel (1)! Mas temo que
dele ainda deva resultar algum novo objecto de pesar, anunciado por
O pensamento cientzfico apoiado na experiéncia mio encontrou na Idadfl “"1 150 funesto prodigio; a menos, todavia, que os culpados nao tenham
Média campo adequado para 0 seu desenvolvimento. A actividade intelectual ressentido sobre eles proprios e sobre tudo 0 que lhes pertence um castigo
centrada nas Universidades desinteressou-se de forma geral das artes 115° assaf Brave, assaz amargo, quando este flagelo, surgindo com uma forca
liberais Iigadas a aspectos técnicas e prdticos, por menos dignas e ortodoxas- \¢rrivel, caiu sobre eles de uma maneira tao cruel. Possa sempre 0 meu
Todo aquele que tentou desvendar <<os segredos da natureza» viu 0 -5'?" t° Piedoso senhor conservar a sua forca em Jesus Cnsto e merecer a vida
estudo classificado como magia e feitiearia. Na realidade, dificilmente 0-? ° ¢rna.
interesses astronomicos se desligaram da astrologia, os quimicos da 4191".‘
mia ou as médicos da magia. Igillhfi-fdi, Vila Karoii Imperato_ris._in A. Teulet, Oeuvres Completes
d t. n, Société de l'H1stoire de France, Paris. 1843, pp. 109
0 lugar que ao aprendiz de cientista era recusado na sociedade cristfi a .
foi pois preenchido por judeus; mupulmanos e, a partir do inicio do século X111’ (l " observado no comeco do ano 837, nos signos da Virgem
e tratar-se do cometa iQ.Q@.4iQ.QA
por alguns mestres franciscanos que fizeram de Oxford a primeira @8691“
ocidemal com preocupacoes cientificas prziticas.
dos daala-fl¢8. (1) No més de Junho de 837 os Nonnandos devastaram as ilhas e povoa-
'1
"nbocadura do Escalda, levando em seguida a destruicio a toda a Frisia.
4
vHi ‘l
266 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A VIDA INTELECIUAL 267

0 ENSINO DAs cIENcIAs cer plenamente este meio podera ler o livro que ele escreveu ao escolar
NO sEcULo x C. (1): ai se encontrara tudo isto amplamente tratado. [...]

Sem ter sido um inventor original, Gerbert (c. 945-1003) [Richer, Histoire de son temps, liv. m, caps. xux a uv, trad. fran-
eesa dc J. Guadet, Société de l’Histoire de France, t. K, Paris. 1845,
ensinou com entusiasmo as ciéncias do quadrivium, recor- pp. 54 a 63.]
rendo a experiéncias e prdticas engenhosas. Mais do que
um pontifice e.um espirito esclarecido, a tradiciia medieval
(ll Constantino.
viu nele um mdgico e um homem de feiticos.

Aqui esta no que respeita a logica. Mas nao parece fora de proposito dizer
que trabalho teve com as rnatematicas. Ocupou-se primeiro da aritmética, DAS VANTAGENS DA cIENcIA EXPERIMENTAL
que é a primeira parte desta ciéncia. Passou em seguida a mfisica, por (SECULO XIII)
muito tempo desconhecida nas Galias, e deu-lhe uma grande atencao. [...]
Rogério Bacon ( I214-1294), franciscano professor em Oxford,
E util dizer também, para fazer notar a sagacidade de um tao grande profundamente marcado pelo pensamento judaico e drabe,
homem e para convencer 0 leitor da sua habilidade, que trabalhos teve para foi um dos primeiros espiritos <<modernos» nu maneira como
explicar a astronomia. Transmitiu o conhecimento desta ciéncia difici1- ‘ considerou o valor da experiéncia e do conhecimento em geral.
mente inteligivel, com espanto geral, por rneio de certos instrumentos. Mal compreendido pelos seus superiores, morreu na prisdo.
Explicou primeiro a forma do mundo por uma esfera plena, de madeira.
exprimindo assim uma coisa maior por uma mais pequena. Fazendo obli- Desejo agora esclarecer os principios da ciéncia experimental, visto que
quar esta esfera pelos seus dois polos sobre 0 horizonte, fez ver os astros sem experiéncia nada pode ser suficientemente conhecido. Porque ha duas
do Setentriao em direccao ao polo superior e os do Sul em direccao ao maneiras de adquirir conhecimento, nomeadamente, pelo raciocinio e
polo inferior. Regulou esta posicao por meio do circulo que os Gregos pela experiéncia. O raciocinio arrasta consigo uma conclusao e faz-nos
chamam horizon, e os Latinos, limitans ou determinans, porque separa oll aceitar a conclusao, mas nao torna a conclusio certa, nem afasta a duvida
limita os astros que se véern, daqueles que se nao véem. Sobre esta linha dc maneira a que o espirito possa descansar na intuicao da verdade enquanto
de horizonte, colocada dc maneira a poder demonstrartsuficientemente 0 o mesmo espirito a nao descobrir pelo caminho da experiéncia; como tal,
levantar e o deitar dos astros, tracou regularmente os fenomenos natu- muitos téni argumentos dizendo respeito ao que pode ser conhecido, mas
rais e serviu-se deles para conhecimento desses mesmos astros. Duranw Porque tem falta de experiéncia, desprezam os argumentos e nunca evitam
a noite, quando as estrelas brilhavam, estudava-se e fazia notar, tanw ° q11¢ é prejudicial, nem seguem 0 que é bom. Porque, se um homem que
quando se levantavam como quando se deitavam, que obliquavam sobr¢ nunca tivesse visto fogo quisesse provar por raciocinios adequados que
as diversas regioes do mundo. [...] ° Togo queima, injuria e destroi as coisas, o seu espirito nao se daria por
Nao pos menor cuidado no ensino da geometria. Mandou préviamcflm Satisfeito desta maneira, nem ele evitaria o fogo até que nele colocasse
construir por um operario cinzelador um abaco, quer dizer, urna tibua a_ mio ou qualquer substancia cornbustivel, de forma a provar pela expe-
néncia o que o raciocinio tinha ensinado. Mas quando tivesse feito a pre-
propria para receber compartimentos. O seu comprimento foi dividido =91
Scnte experiéncia da combustio, o seu espirito adquiriria uma certeza e
vinte e sete partes, sobre as quais dispos nove sinais que exprimiam-i0d°5
descansaria na plena luz da verdade. Por esta razao, o raciocinio nao 6
os numeros. Fez também mil caracteres em chifre, os quais, dispostos.I1?5 S ' r --r -
vinte e sete compartimentos do abaco, davam a multiplicacao ou a div1s8° uficlemfi. mas e-o a expenencia.
de cada numero e dividiam ou multiplicavam esses nfimeros infifllws
[Rogerio Bacon, <<Opus Majus», transcrito cm J. Bruce Ross e M. Martin
corn uma tal velocidade que, em relacao a sua multiplicidade, se ¢°m' McLaughlin, The Portable Medieval Reader, 8.‘ ed., New York, 1958,
preendiam mais depressa do que se poderiam exprirnir. Quem quiser 0011113‘ p. 626.]
$1

268 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS


5 A vIDA INTEI.EcrUAI. 269
O ENSINO DA MATEMATICA EM OXFORD Auvergne, diocese de Mende, doutor e capelao pessoal de nosso senhor
(SECULO XIII) o papa, vi muitas operacoes e muitos dos escritos dos mestres mencio-
nados, principalmente de Galeno; porque vi e estudei com toda a diligen-
Rogério Bacon (I214-I294) defendeu. em varias das suas
obras, 0 estudo da matematica, mio tanto pelo seu interesse cia possivel todos os livros dele que se encontram nas duas tradueoes e
teorico como, sobretudo, pela sua aplicabilidade prdtica e pelo durante muito tempo operei em varios lugares. Presentemente estou em
seu cara'cter instrumental. Esta perspectiva so Oxford a Avinhfio, no ano de nosso Senhor de 1363, 0 primeiro ano do pontificado
possuia, entre as Universidades do século XIII. de Urbano V. No qual ano, de acordo com os ensinamentos do acima no-
Como demonstrei na minha Opus Maius, sem as matematicas nenhuma meado e com as minhas experiéncias e o auxilio dos meus companheiros,
ciéncia em geral pode ser conhecida; e sem as matematicas nenhuma compilei este trabalho como Deus o quis.
coisa ou lugar deste mundo, on seja nenhum fenomeno natural em par- As escolas que eram correntes no meu tempo entre os trabalhadores
ticular, pode ser estudado. Também demonstrei isto na minha Opus Minus.
nesta arte, além das duas gerais que ainda estao em vigor, nomeadamente
a dos logicos ou racionalistas e a dos empiristas (condenada por Galeno
E obvio que sem as matematicas as estrelas nao. podem ser estudadas,
no Livro das Seitas e através das Terapéuticas), eram cinco. [...] E visto que
nem 0 mundo inferior infiuenciado pelas estrelas. [...] Seria necessario fazer
tais escolas serio refutadas no decurso deste livro, ponhamo-las de parte
grandes despesas, nao apenas para pagar os sabios, mas também para ter
momentaneamente. Mas admiro-me com urna coisa, que é o facto de elas
os instrumentos matematicos indispensaveis para desenhar cartas que
Sc seguirem uma as outras como grous. Porque uma diz apenas o que a
mostrem o movimento das estrelas. [...] Além disto, ha outros instrumentos
outra ja disse. N50 sei se é por amor ou receio que elas desdenham ouvir
e cartas para a geometria pratica, a aritmética e a miisica, que sao decerto
muito fiteis e indispensaveis. Mas mais do que instrumontos sao necessa- qualquer outra coisa a excepcio do que é tradicional ou provado pela
autoridade. Leram mal Aristoteles no segundo livro da Metafisica onde
rios homens que conhecamlbem, mesmo muito bem, a ciéncia da optica ‘A-.a_.-n1u.-“A4.
ele mostra que essas duas coisas impedem a vista e o conhecimento da
e os respeitantes instrumentos. Porque esta é a ciéncia que diz respeito 5

verdade. -
a verdadeira visao das coisas, e é pela visao que conhecemos todas as
Abandonemos tais amizades e temores, porque Socrates e Platao sao
coisas. [...]
nossos amigos, mas a verdade ainda é mais amiga. [...]
Mas a ciéncia [matematica] ainda nao foi objecto de leituras em Paris.
N50 quero dizer, todavia, que nao seja uma boa coisa citar testemunhas
nem em qualquer outro sitio entre os Latinos; foi-0, no entanto, por duas
11_\lm.discurso, pois Galeno em muitos sitios, além da razao e da expe-
vezes, em Oxford, na Inglaterra, rnas nao ha sequer trés homens que conhe-
flcncia, que sao para todos os homens os dois instrumentos do juizo (como
cam o seu poder. [...]
cl‘ d_iZ I10 primeiro livro das Terapéuticas, capitulo terceiro), aponta em
[Rogerio Bacon, <<Opus Tertium», cap. XI, in Opera Inedita, ed._ J. 5~ t°'°¢"° lugar as testemunhas. [...]
Brewer, London, 1859, pp. 34-37.] Mas voltemos ao nosso tema e exponhamos as condicoes necessarias
a t°df> 0 cirurgiao que deseje pela arte exercitar no corpo humano a citada
A ARTE DA CIRURGIA (SECULO XIV) manflrfl e forma de operar. [...]
ed@§‘g1_1di<;6es exigidas aum cirurgiao sao quatro: a primeira é que seja
Um cirurgido francés, escrevendo em 1363 uma Iiistoria I14
cirurgia, mostrava-se impressionado pelo facto de as seus 60"‘ criado é 3 Segunda, liabilidoso 3..ICX'C¢l1'3., engenh_oso;._a quarta, bem
tempordneos darem preferéncia ao valor da autoridade sob?! nao a" e r 13°15, nccessario em primeiro lugar que o'c1rurgIao seja educado,
0 da experiéncia. O progresso da cirurgia foi mais do 1114? _».4- ‘~as.-'¢rm.->4;~t»ac.o4¢~»-nra.u »wa.i--
“dd; 1188 nos principios da cirurgia, mas tambem na medicina, tanto
o de qualquer outra ciéncia retardado por preconceitos mofl"-9 °°lI1o pratica. [...]
e religiosas. C025 Condicoes exigidas ao doente sao trés: que seja obediente ao doutor,
o “In servo ao seu senhor, [como se diz] no primeiro livro das Tera-
Eu, Guy de Chauliac, cirurgiio e mestre em Medicina, dos confins da
1

4
r

270 TEXTOS Hlsrorucos MEDIEVAIS I

péuticas; que tenha fé no doutor, [como se diz] no primeiro livro dos 5.


»
Prognosticos; que seja paciente, porque a paciéncia vence a malicia, como
se diz noutro escrito. [...]

[E. Nieaise, <<La grande chirurgie de Guy de Chauliac», Paris, 1890,


transcrito em J. Bruce Ross e M. Martin McLaughlin, The Porta- _ CAPITULO VIII —- A IGREJA CATOLICA
ble Medieval Reader, 8.‘ ed., New York, I958, pp. 643 a 649.]
E A RENOVAQAO ESPIRITUAL
ENTRE OS SECULOS X E XIII

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a. O RENASCIMENTO ARQUITECTONICO:
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O ROMANICO E O GOTICO
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:- 1. l
DO MOSTEIRO A CATEDRAL
l
(ASPECTOS ARQUITECTONICOS)
l
A arquitectura medieval foi essencialmente religiosa. Este facto derivou l
mi 6 d . . . .
0 s o papel desempenhado pelo edzflczo da igreja no plano religioso
como do que operou em todos as outros domt'nios: serviu de fortaleza em tem- I

pos de invasdo, de armazém e mercado em épocas de abunddncia; sob os


portazs e na cripta dormiram mercadores ambulantes' no interior das av
artifices desempregados ofereceram as seus préstimos, e estudantes univer-
rt es
sitdrios prestaram provas. - No adro fizeram-se feiras e representaram-se
mistérios. '
Entre as séculos X e XV progressivas conquistas técnicas permitiram tor-
nar . . . .
mats amplos e mats ilummados estes edificios.
Como resposta as grandes destruipoes dos povos invasores, a cobertura
de madeira das basilicas carolingias foi substituida pela abobada de berco,
d8 pedra aparelhada. Esta abobada ditou as principais caracteristicas dos
edlfi-cl-as r . . _ . . - . . .
omantcos. tlummacao deficzente e indzrecta, paredes grossas apoia-
d¢-Y por contrafortes exteriores. Esta técnica serviu sobretudo construcoes
m°'1<1sl1cas,
' - -
dada a sztuacfio desafogada e o prestigio do clero regular ao
I°"80 dos séculos X1 e XII.
0 enriquecimento progressivo da burguesia e o renascimento das cidades
Produzzram' numa segundo fase (séculos XII a XV) um fiorescimento de grandes
cat8drats- apotadas
' em novas solu;6es arquitectonicas. Sem utilizar nenhum
element . - . 9 . . -
o original, estes edifzcios goticos tntegraram numa combinaptio har-
'”‘5"i¢‘¢1 e funcional o arco quebrado, a abobada ogival e a de nervuras.

I.m_18

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A IGREJA CATOLICA 2-,5
274 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
M“!
‘vII passaram quase trés anos, deu-se por todo o orbe da terra, especialmente
A REMODELACAO DA BASILICA DE REIMS na Italia e nas Galias, um surto de construcao de igrejas basilicais. Nao
NO sEcuLo X obstante 0 maior nfimero delas estar ja decentemente estabelecido e com
Em 976 0 arcebispo Adalbéron fez grandes obras na igreja de um minimo de necessidades, cada povo cristad se tomou émulo dos outros
Reims, metropolita das Gdlias, destruindo um vestibulo ou nar- para as erigir ainda com maior nobreza.
thex que datava do edificio carollngio consagrado em 862. Era como se o mundo, tendo-se sacudido e lancado fora oantigo, sc
O trecho que se segue, do monge Richer (c. 950-c. I000), estivesse revestindo com a candida veste das_igrejas. Como tal os fiéis
dd-nos conta, nao so das remodelacoes de estrutura do templo, reformaram quase todas as igrejas das sedes episcopais, e 0 mesmo fize-
como das obras de arte entao executadas para seu adorno.
ram aos mosteiros dos varios santos, assim como aos lugares de oracao
de menor importancia, nas vilas.
Nos primeiros tempos da sua promocao (1), ocupou-se muito com as cons-
trucoes da igreja. Destruiu por completo as arcadas que, estendendo-so [Rodulfi Glabri, Historiarum Libri Quinque, lib. In, cap. IV, in
desde a entrada até perto de um quarto da basilica, a cortavam até cima, ’ J. P. Migne, Patrologiae Cursus Completus, Series Latina, t. CXLII,
Paris. 1880, col. 651.]
de maneira que toda a igreja, embelezada, adquiriu mais espaco e uma
forma mais conveniente. Colocou, com as honras que lhe eram devidas,
o corpo de S. Calisto, papa e martir, mesmo a entrada da igreja, ou seja“
num local mais aparente, e ergueu um altar com um oratorio muito bem dis- V 0 ABADE SUGER E A RECONSTRUCAO
posto para aqueles que ai viessem rezar. Decorou o altar principal com uma DE s. DINIS (SECULO XII)
cruz de ouro e envolveu-0 dos dois lados com uma grade resplandecente.‘I _»
O abade Suger (c. I081-1151), conselheiro dos reis Luis VI
[Richer, Histoire de son temps. liv. nr, cap. Xxn, trad. franecsl e Luis VII, pretendeu fazer do igreja abacial de S. Dinis
de J. Guadet, Société de l'I-Iistoire de France, Paris, 1845, t. II, p. 7-3-I .- have-4Im»aA..»g.,-o‘_Q-as
um templo digno da dinastia que servia. Para este fim, diri-
giu e orientou as obras de reconstrugiio em todos os seus
(1) Adalbéron, arcebispo de Reims entre 969 e 988, foi uma figura politica importanlf- pormenores, tendo o cuidado de se rodear dos melhores
Chanceler dos reis carolingios Lotario (954-986) e Luis V (986-987), veio a contnbl-Ill’ técnicas e operarios do época. Quando a igreja foi sagrada,
para a coroacio de Hugo Capeto, sagrando-o rei em 987. _ T em 1144, tinha nascido um novo estilo, 0 gotico.
"uE.-a.s t“
' .\

l"-I libertos dos ditos trabalhos e retardando o acabamento das torres nas
0 sumo DA CONSTRUCAO RELIGIOSA Elsdiartes superiores, esforcar-nos-iamos com todas as nossas possibi-
NO micro Do sEcuLo XI _, I
_ i
\_u-.-~$rs._~ '
nossa moor nos consagrarmos ao trabalho p despesas [...] dc alargar a Igreja
-. .i .-

O nascimento da arquitectura romtinica acompanhou 0 J9’ mint a:°- [--c~1]'Dcliberando sob a mspiracao de Deus, optamos [...] por res-
pertar da economia ocidental europeia depois de terminal”!- lel por ‘CV2 adeiras pedras, que sao sagradas como se fossem. rellquias;
as invasoes. Muitos ediflcios haviam sido incendiados 8 4' rr-r¢..._ ._- ‘ prcssiond I enobrecer o novo acrescentamento, que Ia ser iniciado sob
truidos por mouros, hungaros e normandos, mostr‘arId0_ 4 pudio De 6 tao grande necessidade, com. a beleza da‘ extensao e da am-
precariedade das construcoes com coberturas de made"? \

/I necessidade de reedificar as igrejas danificadas juntou- ‘bébaaq Pots de se ter considerado, for pois decidido remover aquela
o desejo de as alargar, pois mio so a populacfio tinha 011'" I‘ samos Pr;-£1 que por cima fechava a abside contendo os corpos dos nossos
tado, como a importancia dos templos e mosteiros M’ -or-5,0-ldr.
fia; dc formectores, todoiao longo da parte superior da cnpta a que ade-
crescido. O conhecido passo que se segue é do crorll-V’ mcmo aos 3 que esta cripta pudesse oferecer o seu topo como um pavi-
borguinhtio Raoul Glaber (c. 985-I050). ix “mar qllfil Sc aproximassem por qualquer das duas escadas, e apre-
Q S relicarios dos Santos, adornados com ouro e pedras preciosas,
.

[...] Portanto, apos 0 acima mencionado milemo, depois do qual la 35° 1.


r-
-n‘.3|»0|n~{b¢ un\u-an
276 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
A IGREJA cAroI.IcA 2-,7
aos olhares dos visitantes, num lugar mais elevado. Além disto, provi-
denciou-se habilidosamente para que —através das colunas superiores
o material para a obra de construcao da sua igreja. Esta humildade pro-
F
vocou milagres cuja fama atingiu a vizinhanca, incitando também a nossa
e dos arcos centrais que iriam ser colocados sobre as inferiores construidas Normandia. Os nossos, tendo por nos sido abencoados, dirigiram-se con-
na cripta— a nave central antiga fosse igualada, por meio de instrumen- tinuamente para aquele lugar, cumprindo as suas promessas. A partir
tos geométricos e aritméticos, com a nave central do novo acrescenta- de entio comecaram a vir através dos nossos bispados com o proposito
mento; e, da mesma maneira, que as dimensoes das antigas naves laterais
de fazer o mesmo a sua madre Igreja, na nossa diocese. Nao admitem
fossem igualadas com as dimensoes das novas, excepto naquele elegante ninguém em sua companhia sem que primeiro tenha ido a confissao
e louvavel acrescentamento [em forma de] um rosario circular de capelas, e recebido peniténcia, renunciando a ira e malevoléncia, feito a paz e recon-
devido ao qual toda a [igreja] brilhara com maravilhosa e ininterrupta ciliado com os seus inimigos. Feito isto, elegem um de entre eles chefe e
luz de muitas janelas sagradas iluminando a beleza interior. sob a sua direceao, em siléncio e com humildade, puxam os carros com
[...] quando 0 trabalho do novo acrescentamento com os seus capitéis os ombros e apresentam as suas oblacoes nao sem disciplina e lagrimas. [...]
e grandes arcos estava a ser levado ao maximo da sua altura, mas os arcos Dada no ano da Encarnaciio do Senhor de 1145. Saude.
principais —aguentando-se por si proprios— ainda nao estavam unidos '1

uns aos outros, como deveriam estar, pelo volume das abobadas, surgiu
de repente uma terrivel e quase insustentavel tempestade, com uma ofus-
il
2
[Hugonis Rothomagensis Archiepiscopi, Epistolae, in J. P. Migne,
Plaggologitfi Cursus Completus, Series Latma, t. cxcn, Paris, 1880, cols.
1 e 1 4.
cacao de nuvens, uma inundacio de chuva e violentissimas rajadas dc
vento. [...] No entanto, enquanto [a tempestade] trouxe calamitosas minas
em muitos lugares, em edificios que se pensava serem firmes, foi incapaz
A RECONSTRUCAO DA CATEDRAL
de prejudicar estes arcos isolados e construidos de fresco, vacilantes no
DE CANTERBURY (1174-1184)
meio do ar, porque foi repelida pelo poder divino.
A Catedral de Canterbury, iniciada por volta de I070 sobre
[Guvres Completes de Suger, ed. e anot. dc A. Lecoy de la Marche, as minas da igreja fundada por Santo Agostinho, seguiu,
Société de 1'1-iistoire de France, Paris, 1867, pp. 224, 225 e 230.]
como todas as grandes construgoes inglesas desse periodo,
um estilo de importacfio normanda. Cerca de um século
mais tarde 0 fogo destruiu 0 coro, ainda de tecto de madeira,
A POPULACAO DE ROUEN COLABOROU 0 qual veio a ser reconstruido, com o transepto oriental
NA CONSTRUCAO DA SUA CATEDRAL (1145) e a critpa, por um novo mestre normando, vindo das obras
da catedral de Sens, a primeira em Franga a adoptar as solu-
A Catedral romdnica de Rouen, directamente infiuenciado goes goticas. A descriedo queisepsegue e’ de Gervdsio de
pelas construcoes da regiiio do Loire, iniciou-se um pout-'0 Canterbury (1141-I210), que fez a cronica do Arcebispado
antes de I037 e foi dedicada em 1063. Esta igreja, cujo plano no decorrer do século XII.
(com deambulatorio e absidiolos) veio a servir de modelv
a muitas catedrais inglesas, resultou de um esforpo colectivot E1;-] Ficou dito acima que, depois do fogo, quase todasas partes antigas
onde todos as paroquianos colaboraram, como se depreendl to coro foram destruidas e substituidas por qualquer coisa de novo e dc
dd Cflffd que S8 segue. ‘ "113 mais nobre. As diferenqas entre as duas obras podem ser agora enu-
'"°1’fldas. Os pilares do antigo e do novo trabalho sao iguais em forma e
Hugo, prior de Rouen, para 0 Reverendo Padre Teodorico, Bispo 4° _- Zfossura, mas diferentes na altura. Porque os ‘novos pilares foram alon-
Amiens, que possa prosperar sempre em Cristo, grande no trabalho <10 ::d°5 em quase doze pés.’ Nos antigos capitéis, o trabalho era simples,
Senhor, excelente em tudo o que seja de Sua vontade! [Os habitantes] ‘F-
.t~
vinstenovoshé extraordinario em escultura. Naquele, 0 circuito do coro tinha
de Chartres comecaram humildemente, como quadrigas, a transportar 6 dons pilares; neste, tem vinte e oito. Naquele, os arcos e tudo o mats
~:-
ii
A IGREJA cAToI.IcA 219
278 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS x
,_.
a representar as figuras biblicas com muito mais serenidade e realismo, assim
era simples ou esculpido com um machado, e nao com um cinzel. Mas neste, ».
como a fauna e a flora da sua regido. Também a pintura a fresco tendeu a
quase por toda a parte existe escultura adequada. Naquele nao havia
colunas de marmore, mas neste. sao inumeraveis. Naquele, no circuito
a roda do coro, as abobadas eram lisas, mas neste sao armadas sobre
E desaparecer, substituida pelo vitral q'ue, aplicado as grandes janelas e r0sd-
ceas goticas, atingiu uma época de maturidade e virtuosismo.
A0 longo de todo este periodo, o trabalho dos metais preciosos, do marfim,
nervuras e com uma chave. Naquele, uma parede assente sobre os pilares do bronze, as esmaltes e as iluminuras foram um campo de ensaio de novas
separava os cruzeiros (1) do coro, mas neste os cruzeiros nao estao separa- técnicas e 0 espelho da evolucfio de um gosta e uma mentalidade que lenta-
dos do coro por qualquer divisoria e convergem juntamente numa chave mente se <<eur0peizaram».
que esta colocada no meio da grande abobada que repousa sobre os quatro
pilares principais. l
Naquele havia um tecto de madeira decorado com excelente pintura,
A OURIVESARIA RELIGIOSA EM REIMS
mas neste esta uma abobada belamente construida dc pedra e tufo ligeiro.
(SECULO X)
Naquele havia urn so triforium, mas neste ha dois no coro e um terceiro A ourivesaria foi nos primeiros séculos dos reinos bdrbaros
na nave lateral da igreja. Tudo isto sera melhor compreendido por meio uma arte dominante. Este gosta pela decoracdo e pelo objecto
de uma visita do que por qualquer descricao. valioso manteve-se e as obras de joalharia amontoaram-se
nos tesouros das igrejas e dos principes. Entre elas eram
[The Historical Works of Gervase of Canterbury, ed. William Stubbs, frequentes as altares recobertos de placas de metais preciosos,
London, 1879.] com pedrarias e esmaltes engastados. A descricdo que se
segue é do monge Richer, que viveu na segundo metade
(1) Segundo a tradicao de muitas igrejas earolingias, esta eatedral tinha urna dupla abside do século X.
e dois trartseptos.
[...] Além disso, [o arcebispo Adalbéron] mandou fazer um altar porttltil de
om trabalho precioso (1). Sobre os quatro angulos desse altar, as imagens,
om ouro e em prata, dos quatro evangelistas, assistiam ao sacrificio ofere-
2. ¢ido pelo padre. As suas asas estendidas escondiam até ao meio os lados
AS ARTES DECORA TIVAS do altar, voltando as faces para 0 cordeiro imaculado. Sobre 0 mesmo
altar estava representado o trono de Salomao.
Subordinando-se por completo a estrutura da igreja, a decoraciio roménifill Mandou fazer também um candelabro de sete bracos: esses sete bracos,
ainda de um so pé, significavam que unicamente do Espirito Santo decor-
utilizou, além de frescos e mosaicos, a estatudria e 0 baixo-relevo, desapare-
cidos desde as finais do Império Romano. Os frescos encheram as igrejas I1! "=m os dons das sete gracas. Decorou também 0 tabernaculo com um
cor, cobrindo as colunas, as paredes e por vezes mesmo os tectos. Os moti- lrabalho nao menos elegante e ai encerrou a vara e o mana, ou sejam as reli-
vos desta pintura eram os mesmos da escultura que decorava as capitéis ¢ quias dos santos. Suspendeu também coroas fabricadas por alto preco,
os timpanos dos portais: temas biblicas (com preferéncia pelo ApocalipS¢- Para ornamentaeao da igreja; iluminou essa mesma igreja com janelas onde
Juizo Final e cenas de Inferno) e monstros bizarros cuja fonte de inspira§3° estavam representadas diversas historias (2) e dotou-a de sinos que rebou-
4
foi, provavelmente, tanto a tradicfio celto-germano como a oriental, preset!" Vam como um trovao.
nos tecidos de importacfio bizantina e persa. Toda esta temdtica, cuja eXpf¢-I’ [Richer, Histoire de son temps, liv. In, cap. xxm, trad. francesa
sdo devia valer por um auténtico exorcismo, revelava uma ansiedade col?!-" de J. Guadet, Societé de L’Histoire de France, t. I1, Paris, 1845, p. 24.]
tiva justificada ‘pela instabilidade e dureza da época. ' 1 E$l¢s altares, quase sempre dc pequenas dimensoes.
lug . _ .
serviam .
para levar em viagem.
As representacoes m0nstruosas.e o espirito de terror que delas emarllm‘E Uma das primeiras referencias a VlIl’2\lS hrstonados.
\>\.n-_,_
humanizaram-se ou desapareceram nas centurias seguintes. O artisla pl!-Y-Y0
280 TEXTOS I-IISTORICOS MEDIEVAIS A IGREJA cAroI.IcA 281
s. BERNARDO DE CLARAVAL parte dianteira de um cavalo arrasta atras de si a metade dc uma cabra li
CONDENOU os EXCESSOS DECORATIVOS ou um animal cornudo traz consigo os quartos traseiros de um cavalo.
DAS IGREJAS DO SEU TEMPO Em resumo, sao tantas e tao maravilhosas as variedades de diversas formas,
(SECULO Xn) onde quer que aparecam, que nos somos mais tentados a ler no marmore
do que nos nossos livros, e a passar todo o dia admirando estas coisas, de
Numa carta dirigida (entre I122 e 1125) a Guilherme, preferéncia a meditar a lei de Deus. Por amorde Deus, se os homens se
abade de St. Thierry, S. Bernardo condenou a decoracdo
nao envergonham destas loucuras, por que razao, pelo menos, nao fogem
exagerada do romtinico seu contempordneo. Desta atitude
derivou a adoppdo de um gotico austero e depurado, que a as despesas?
Ordem de Cister introduziu nas regioes onde edificou mos-
teiros, como aconteceu em Portugal. [Sancti Bemardi Abbatis Clarae-Vallensis, Apologia ad Guillelmum
Sancti-Theoderici Abbatem, cap. xn, in J. P. Migne. Patrologiae
Cursus Completus, Series Latina, t. ctxxxn, Paris, 1862, cols. 914
[...] Nada direi sobre as irnensas alturas dos vossos templos, o seu imo-_ a 916.]
derado comprimento, a sua largura supérflua, os polimentos sumptuosos,
as curiosas imagens que atraem a atencao de quem reza, prejudicam a
sua concentracao, e para mim representam de certa maneira o antigo rito o oosro PELAS PEDRARIAS
dos Judeus. Mas digamos que isto é feito para honrar a Deus. [...] E todavia NA OURIVESARIA RELIGIOSA
os bispos tém uma desculpa que os monges nao tém, porque sabemos que (SECULO XII)
eles, sendo devedores tanto dos sabios como dos ignorantes e incapazes
de excitar a devocao do povo carnal por meio de coisas espirituais, fazem-no Desejando completar um crucifixo de ouro, o abade Suger
pelos ornamentos corporeos. Mas nos [monges], que agora saimos do povo; (I081-I151), cujo gosta pela ostentacdo era a antitese de
S. Bernardo, diz-nos como lhe foi possivel adquirir um lote
nos, que deixamos todas as coisas preciosas e especiosas do mundo por amor de pedras preciosas.
de Cristo; nos que nao consideramos senao como esterco, para lograrmos
a Cristo, todas as coisas bonitas a vista ou eanoras ao ouvido, suaves ao [---] Quando eu me encontrava em dificuldades com necessidade de pedras
olfato, doces ao paladar ou agradaveis ao tacto —numa palavra, todos Preciosas e nao me podia prover suficientemente com mais (porque a sua
os deleites do corpo —, que devocao procuramos excitar com essas coisas? escassez as torna muito dispendiosas), eis que [monges] vindos de trés aba-
Que frutos, digo, delas esperamos? A admiracio dos doidos ou as obla- dias de duas ordens — isto é, de Cister e de outra abadia da mesma Ordem,
ooes dos simples? [...] ° do Fontevrault"(1) — entraram na nossa pequena camara adjacente a
[...[ soframos pois que isto se faca na igreja; porque embora possa ser lglclo c ofereceram-nos para compra uma abundancia de pedras como l
prejudicial para o povo vao e cobicoso, nao o sera para o simples devoto. nunca teriamos esperado encontrar em dez anos: jacintos, safiras, rubis
Q
Mas no claustro, debaixo dos olhos dos irmaos que ai léem, que fazem °$mcraldas, topazios. Os seus possuidores tinham-nas obtido do conde
aquelas ridiculas monstruosidades, aquela maravilhosa e disforme formo- Toobaldo (2) como esmolas; e ele, por sua vez, havia-as recebido das maos
sura, aquela graciosa disformidade? d_° Sou irmao Estévao (3), rei dos Anglos, dos tesouros do seu tio, 0 fale-
Para que sao aqueles imundos simios, aqueles ferozes leoes, aquel¢5 °'d° Poi Henrique (4), que as reunira através da sua vida em maravilhosos l
monstruosos centauros, aqueles semi-homens, aqueles tigres IIStl'8d051 va$°$- Nos, todavia, libertos da preocupacao de procurar pedras, demos
aqueles cavaleiros combatendo, aqueles cacadores tocando nas suas cor" 81'39115 8 Deus e entregamos
' -
por elas quatrocentas libras, embora valessem
netas? Véem-se ai muitos corpos com uma so cabeca, ou entao muitas muito mais. -
cabecas para um so corpo. Ai se encontra um quadrupede com um rab° ; Apliczimos para 0 acabamento de um tao sagrado ornamento, nao ape-
dc serpente; um peixe com a cabeca de um quadrripede. Ai, também, 3 nas eslils [pedras], mas também outras muitas e dispendiosas pedras, e
A IGREJA cAToucA 233
282 TEXTOS HISToR1c0s MEDIEVAIS
um ourives perito em ornamentos de ouro e prata, os quais nunca despre-
grandes pérolas. Lembramo-nos, se bem nos recordamos, dc ter posto nela
zarao 0 dever de olhar por eles, rccebendo para isso as suas prebendas
cerca de oitenta marcos de ouro fino. E somente dentro de dois anos fomos e 0 que além disto lhe for concedido. ‘como as moedas do altar e a anona (1)
capazes de completar, com varios ourives da Lorena ——p()I' vezes cinco, do celeiro comum dos irmaos.
outras vezes sete —, o pedestal adornado com os quatro evangelistas;
e a coluna sobre a qual repousa a imagem, esmaltada com subtilissima [(Euvres Completes de Sager, ed. e anot. de A. Decoy de la Marche,
arte, e nela a historia do Salvador, com as testemunhas das alegorias do Sociéte de l'I-listoire de France, Paris, 1867, pp. 204 a 206.]
Velho Testamento representadas, e 0 capitel com as suas imagens, olhando
(l) Tributo anual pago em trigo.
para cima, para a morte do Senhor. [...]

[(£uvres Completes de Suger, ed. e anot. de A. Lecoy de la Marche,


Société de l‘I-listoire de France, Paris, 1867, pp. 195 e 196.] \"“.»~4-w wv-.

(1) Era uma célebre abadia de mulheres, fundada por Robert D'Arbrissel em 1099.
(1) Conde da Champagne. (3) Estévao, conde de Blois, rei de Inglaterra de 1135 a 1154.
(4) Henrique l, rei dc Inglaterra dc ll00 a 1135.

UM GRANDE CENTRO DA ARTE DO VITRAL:


A ABADIA DE S. 'DINIS '

As origens do vitral perdem-se nos primeiros tempos dos


reinos bdrbaros, havendo referéncias a trabalhos em vidro
desde o século VII. O primeiro exemplo conhecido de um vitral
montado em metal, data do século IX. A partir de entfio as
vitrais tornaram-se mais frequentes, aproximando-se, no geo-
metrismo do desenho, da joalharia de sabor germaniclh
No século X triunfou a representacao da figura humana. que
proporcionou nas centurias seguintes, os grandes vitrais
historiados, dos quais a Abadia de S. Dinisfoi um dos cen-
tros propulsores. O relato que se segue é do abade Sage!
(I081-1151).

Além disto, mandamos pimar, pelas habeis maos de muitos mestres do


diversas regioes, uma notavel variedade de novos vitrais, tanto em baiX°
como em cima, desde o primeiro, que principia com a Arvore de J¢S$é-
na abside da igreja, ao que esta instalado sobre a porta principal, na entrada
da mesma. Um destes, impelindo-nos do material para o imaterial, repf°'
senta 0 Apostolo Paulo fazendo andar um moinho e os Profetas carre-
gando sacos para esse moinho. [...] Na realidade, porque [estes vitrais] 55°
de grande valor pela sua maravilhosa obra e pela profusao de vidros e Pin‘
tura, nomeamos um mestre oficial para a sua defesa e reparacao e também
A IGREJA cAToLIcA 285

possuem de maneira transitoria, se desejam recompensa eterna. [...] Por esta


razio, eu, Guilherme, pela Graca de Deus conde e duque, tendo ponderado
estas coisas e desejando, enquanto é tempo, tomar medidas para a minha
salvacio, achei justo e mesmo necessario dispor, para proveito da minha
alma, de algumas das possessoes temporais que me foram conce-
b. A TEOCRACIA PAPAL didas. [...] '
Portanto, a todos aqueles que vivem na unidade da fé e que imploram
a misericordia de Cristo, a todos os que lhes sucederem e viverem até a
1. consumacao dos séculos, faco saber que por amor de Deus e do nosso
e
O CONFLITO ENTRE A IGREJA Salvador Cristo Jesus, dou e entrego aos santos apostolos Pedro e Paulo
E O IMPERIO - a vila de Cluny, que fica sobre o rio chamado Grosne, com as suas terras
e reserva senhorial, a capela dedicada em honra de Santa Maria Mae de Deus
e de S. Pedro Principe dos Apostolos, com todas as coisas que perten-
A integragdo da Igreja no sistema feudal acarretou a sua dependéncia em
relapfio aos senhores laicos e 0 seu enfraquecimento no plano espiritual. 5 cem a essa vila: capelas, servos dos dois sexos, vinhas, campos, prados,
florestas, aguas e cursos de agua, moinhos, colheitas e rendas, terras lavra-
_ Com ajundacao da Abadia de Cluny em 910 iniciar-se-ia um_ movimento
de reforma_ do-4nonq,q\uisma b7e71etl§ino,V_qhug_t_e1vg__$_'Q.g_QS__[_€_QigI_:(.‘1{§§§C§,__§iQ das e por lavrar, sem restricoes. [...]
’sog_ng_pre_sQgiamenta qa‘2@j@jém co_m_o no do proprio papado. Com Dou com a condicao de que seja construido em Cluny um mosteiro
efeito este, nas pessoas das papas Nicolau II (1058-I051) e sobretudo Gre- regular, em honra dos Santos Apostolos Pedro e Paulo; que ai formem
gorio VII (I073-I085) lutou pela independéncia da Igreja, regulamentanda uma congregacao de monges vivendo sob a regra de S. Bento; que a possuam
a eleigdo do pontifice, cambatendo a simonia e as nomeacoes temporais dos Para sempre, detenham e governem, de tal maneira que este veneravel
membros do clero, ou seja a investidura das bispos pelos senhores laicos. domicilio esteja incessantemente cheio de votos e preces; que todos pro-
A Reforma Gregoriana encontrou a oposipda do imperador Henrique IV curem nela, com o vivo desejo e um fervor intimo, a docura da comuni-
(I056-I106), que pretendia, coma as seus antecessores, interferir nas eleicoes °11¢5o com o Céu e que as preces e siiplicas sejam sem cessar dai dirigidas
papais e arientar as nomeacoes do alto clero. O conflito entre a Igreja e 0 Para Deus, tanto por mim como por aquelas pessoas acima lem-
Império, que entfio se iniciou abertamente, veio a receber uma soluctio de bradas. [...] I
campromisso pela Concordata de Worms (I122), que delimitou os dominios Foi de nosso agrado registar neste testamentoque de este dia em diante
ES monges unidos na congregacao de Cluny fiquem por completo libertos
dos poderes espiritual e temporal sempre que se pusesse um problema d8
o nosso poder, do dos nossos parentes e da jurisdiqao da real grandeza,
l
investidura.
° ollnca se submetam ao jugo de qualquer poder terreno, nem ao de nenhum
Pnflolpe secular, conde ou bispo, nem ao do pontifice da sé Romana, mas
A FUNDACAO DA ABADIA DE CLUNY
rponas a Deus. [...]
Deste diploma concedida em Bourges pelo duque Guilherme
o Pia da Aquitania (I1 de Setembro de 910) nasceu a ce'l¢' [Testamentum Willelmi Cognomento Pii, Arvernorum comitis et ducis
bre Abadia de Cluny. De notar a preocupacfio do duque Aquitanorum, De Constructione Cluniacensis Loci. in J. P. Migne,
Patralogiae Cursus Completus, Seria Latina, t. Cxxxln, Paris, 1881,
para que ninguém, nem mesmo 0 papa, pudesse interferir cols. 843 a 851.)
na administraefio do nova casa religiosa.
>
Para aqueles que consideram as coisas com bom senso é evidente que 3
Divina Providéncia aconselha os ricos a utilizar devidamente os bens que
r

A--o1.,-1‘.
A IGREJA CATOLICA 23-;
236 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
sao de um colono e equivalia aproximadamente a um manso. (‘) Odo ou Eudes (em m
APOLOGIA DE CLUNY fr. Odon), reformador da Ordem de S. Bento, nasceu por volta de 879 e morreu e
Q
Tours em 943.
Nesta descricao das origens da instituigaa claniacense, 0
monge Raul Glaber (c. 985-I050) refere-se a rapida multi-
plicapao das casas da Ordem e ao carticter centralizado
A DIVULGACAO DAs INsrITuI¢oEs DE PAZ
do sua administracdo. (SECULO X1) .
Nos fins do século X as autoridades eclesiasticas comecaram
[...] Conta-se que a instituicao [monastica] e a pratica deste costume tive- a Iutar contra a inseguranca geral e anarquia provacadas
ram 0 seu principio nos mosteiros da regra do Santo Padre Bento e que pelas invasoes e prolongadas pelas lutas e descentralizacfio
foi trazida para o nosso territorio, ou seja para a Galia, pelo bem-aventu- feudais. Vorios concilios providenciaram nesse sentido e idéntica
rado Mauro, seu discipulo. [...] ‘4;-I 1?t"'>l '~*<
preocupagao manifestou Cluny. A trégua e a paz de Deus
a breve trecho se divulgaram pelas tireas feudalizadas. O tre-
Por iiltimo esta instituicao, que tinha ja quase por completo decaido, i cho aqui transcrito é do monge Raul Glaber (c. 985-I050).
encontrou, com a ajuda de Deus, um refugio de sabedoria onde deveria >

retomar forcas e frutificar, gracas a numerosos germes, no mosteiro conhe- E depois pela provincia Arelatense (1) e Lugdunense (2), através de toda a
cido por Cluny. [...] Burgundia "e nas regioes da Franca mais afastadas, todo o episcopado deci-
Este conseguiu, na verdade, mercé de varias dadivas, um notavel incre- diu que se reuniriam assembleias, em locais determinadas pelos bispos e
mento, desde a época da sua fundacao. O prior dos monges do Mosteiro pelos grandes de todo o pais, para restaurar a paz e a santa fé (3). [...]
Balmense (1) acima citado, de nome Berno, iniciou a sua construcao por Tinha sido redigido por capitulos um texto. Continha simultaneamente
ordem de Guilherme, piedosissimo duque da Aquitania, no distrito Matis- aquelas coisas proibidas de fazer e os compromissos que devotadamente
conense (2), sobre a ribeira Grosne. Diz-se que a principio este mosteiro se tinham tomado perante Deus Omnipotente. Entre estes o mais impor-
nao teve por dote mais do que quinze colonias (3) de terra; conta-se tante dizia respeito a conservacao de uma paz inviolavel que deveria permi-
mesmo que os irmaos que ai so reuniram nao eram em nfimero superior lir aos homens de todas as condicoes, quaisquer que fossem as ameacas
a 12. Depois, gracas a esta optima semente, a estirpe do senhor dos exér- 8 que anteriormente houvessem sido expostos, viajar sem medo e sem armas.
citos multiplicou-se e tomou-se sem numero, pois é sabido que ocupou 0 bandido on assaltante que invadisse a propriedade alheia devia ser sub-
uma grande parte do globo. Como estes homens nao deixam de se entre- metido ao rigor das leis e condenado sem piedade ou ao confisco dos bens
gar as obras de Deus, ou seja as obras de justica e de piedade, mereceram °“ a penas corporeas.
receber todos os bens. Além do mais, deixaram um exemplo digno de_S¢\' Todavia, para mostrar o respeito e a reveréncia devidos a santidade
imitado por todos os que hao-de vir. V A das igrejas, decidiu-se que todos aqueles que, perseguidos por qualquer
Depois do dito Berno tomou 0 cuidado da direccao o muito sapieof Ema Hi procurassem refiigio, deveriam permanecer ilesos, salvo os que
abade Odo(4), homem piedosissimo em todas as circunstancias, que ha-V13 tivessem violado 0 dito pacto da paz; estes deveriam ser arrancados do
sido prior da igreja de S. Martinho de Tours e que se distinguia p¢1°5_ alf“ Para se lhes aplicar a pena prevista pelo seu crime. Da mesma maneira,
seus bons costumes e pela pratica da santidade. i "ao deveriam sofrer qualquer violéncia os clérigos, monges, religiosos e
Conseguiu tao bem propagar a instituicao que da provincia de Bella‘ aqudcs que, na sua companhia, atravessassem uma regiao.
vente na Italia até ao Oceano na Galia, todos os mosteiros mais 1mP°"
[Rodulfi Glabri, Historiarum Libri Quinque, lib. Iv cap. v, in
tantes consideravam uma honra submeter-se a sua obediéncia. [._--I ' J. P. Migne, Patralagiae Cursus Completus, Series Latina, t. cxul,
Paris, 1880, col. 678].
[Rodulfi Glabri, Historiarum Libri Quinque, lib. m, _caP- v-- l‘ (1
J. P. Migne, Patrologiae Cursus Completus, Series Latina» i- Clan‘ DZEDS A"l°$- (7') De Lyon. (3) Estes acontecimentos passavam-se no ano de 1033, de-
Paris, 1880, cols. 654 e 655]. ° ""1 periodo de grandes fomes.
(1) De Baurne-les-Messieurs, no Jura. (1) De Macon. (3) Uma colonia era 8 P95“?
288 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A IGREJA cAroI.IcA 289 A
A ELEI<;A0 DO PAPA GREGQRIO vII
(ABRIL DE 1073)
do jejum de Pentecostes e consagrado bispo pelos cardeais no dia da nati-
vidade dos Apostolos, no seu altar, segundo o ritual antigo. [...]
F
l
§.

[Bonizonis episcopi Sutrini, Liber ad amicum, in Monumenta Ger.


Hildebrando, o futura Gregorio VII, havia sido o conselheira ir‘ui..~_Q¢q
maniae Historica—LibelIi de lite imperatorum et pontificurn, t. I, Han-
mais actuante do seu predecessor, 0 Papa Alexandre II nover, 1891, 'p. 601.]
(I061-I073), o que explica 0 apoio popular de que se viu
alvo, antes da votaedo dos proprios cardeais. A descrigtio (1) A 22 de Abril de 1073. (2) Hildebrando havia sido nomeado arcebispo da Igreja
que se segue pertence ao bispo de Sutri, amigo pessoal de Romana pelo Papa Nicolau ll, em 1059. (3) Cardeal que tinha sido encarregdo por
Gregorio VII. Alexandre II de varias importantes missoes em Espanha e na Franca. (4) Leia IX
(1048-1054). (5) Igreja onde veio a ser eleito Clemente HI, papa imperial que substi-
tuiu Gregorio VII. (5) Henrique IV, imperador da Alemanha de 1056 a 1106. (7) Hen-
No mesmo dia (1) enquanto se inumava 0 corpo do pontifice [Alexandre II] v~l!¢Ii\flP#mus~,tm-ap» <.-
rique IV havia sido excomungado. (8) Hildebrando era apenas diacono.
na Igreja de S. Salvador e 0 veneravel Hildebrando estava ocupado junto
da sepultura, ouviu-se de repente um grande gnlpo de clérigos, de homens _\_®_ _ _-_
e de mulheres clamando: <<Hildebrando bispo!» A0 ouvir isto, o veneravel
arcediago (2) ficou aterrado e rapidamente, querendo acalmar 0 povo, OS DICTATUS PAPAE GREGORII VII (1075)
correu para 0 pulpito. Mas Hugo Candido (3) adiantou-se e falou assim
Traduzindo o pensamento de Gregorio VII, este conjunto
ao povo: <<Homens meus irmaos, vos sabeis que desde os dias do senhor de mdximas exprime, pela primeira vez de uma maneira bem
papa Leao (4) foi Hildebrando que exaltou a Santa Igreja Romana e libertou clara, o ideal teocrdtico da Igreja Romana.
esta cidade. Por isso nao podemos ter ninguém superior nem mesmo igual '5
que possa ser escolhido para o pontificado romano; elejamos pois este I—A Igreja Romana foi fundada so pelo Senhor.
homem, ordenado na nossa igreja, conhecido por vos e por nos e por toda II — So o pontifice romano pode ser chamado, a justo titulo, uni-versal.
a parte aprovado.» l . 12 III—So ele pode depor on absolver os bispos. ‘
Depois de os cardeais, bispos, sacerdotes, levitas e os clérigos das ordens -I r Q - . - - . - - - - - . - - . . - . . . - - . - . - - - - - - - - - - - - - . ¢ - - . . ¢ - - - . . - - . - - - - - Q - | - . - - - . - - - ¢ - Q - - - - - - - - - . - | - . ~ ¢ - - ¢ col

inferiores exclamarem como é costume: <<S. Pedro escolheu 0 papa Gre- V111-so ele pode dispor das insignias imperiais. ‘
gorio», este foi arrastado imediatamente pelo povo que dele se apoderou IX — O papa é o rinico homem a quem todos os principes beijam os pés 0
e entronizado contra sua vontade em S. Pedro dos Vinculos, e nao I18 X — E o finico cujo nome se pronuncia em todas as igrejas. I

igreja de Brixen (5). - - - . - . - . - . . . - - . - - . - - . . - . ¢ - - - . - - - . ¢ - . . . - - - . - Q ~ . - - - - - - - - - . - . - - --

No dia seguinte pensou para consigo mesmo a que grande perigo estava Xn—E-lhe permitido depor os’ imperadores. H
exposto e comecou a preocupar-se e a entristecer; todavia, reunindo 85 xm—E-lhe permitido transferir os bispos de uma sé para outra, se-
suas forcas com fé e esperanca, nao se lembrou de nada mais que pud=$$¢ gundo a necessidade.
fazer a nao ser notificar a sua eleicao ao rei (6) e evitar por ele, se possivel» - - - - - - . - - . - - --
I. ~ - - - - - . - - - . - - - . - - . - - - - . - . - . . . . ¢ - - - . - - - . - . . - - - - . r - - . . - - - . - - - - - - - ¢ - - --

o cargo papal que lhe tinha sido imposto. Com efeito, enviou-1heimedi8' XvT—Nenhum sinodo geral pode ser convocado sem a sua ordem.
tamente uma carta anunciando a morte do papa e a sua propria elei<;5°' xl'H—Nenhum texto e nenhum livro pode tomar valor canonico fora
ameacando-o de que se desse o consenso a eleicao nunca suportaria 6°!” da sua autoridade.
paciéncia a sua malicia (7). Mas aconteceu tudo muito diferentemente 4° X- ~ . . ., -_ .
- . - . - v Q - , . ¢ . - . . - - - - - - ~ - - - < - - . - - . - - - ¢ - -.
............................................... ..
que esperava. Na realidade o rei enviou logo Gregorio, bispo vercelensor XII A Igreja Romana nunca errou e, segundo 0 testemunho das Es-
chanceler do reino da Italia, para conflrmar a eleiciio e estar presento Ila cnturas, nunca errata.
consagracao. Assim se fez. [Hildebrando] foi ordenado padre (8) 11° ‘ha
5 K. l!l__X9
290 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A IGREJA CA T6 LICA 291
XXVII—O papa pode desligar os snbditos do juramento de fidelidade OS BISPOS DO IMPERIO DESLIGARAM-SE
feito aos injustos. DA OBEDIENCIA A GREG(§RIO VII
(JANEIRO DE 1076)
[Cit. em Marcel Pacaut. La Théacran'e-L‘EgIise er Ie pouvoir an
Moyen Age—Paris, 1957, pp. 236-237.] Apés 0 papa ter ameaeado excomungar Henrique IV, alguns
bispos a1emdes(1), descontentes com Gregorio VII, que as
havia suspendido das suas funpfies, reuniram-se em Worms
e, fazendo causa comum com o imperador, redigiram a carta
GREGORIO vn mzpos que se segue:
0 IMPERADOR HENRIQUE rv
(FEVEREIRO DE 1076) Embora fosse claro para nos, quando pela primeira vez usurpaste a direc-
<;:'1o da Igreja, quio ilicito e nefando era o que estavas fazendo, contra-
Em resposta 'ao manifesto de Worms, 0 papa anatemati-
zou 0 imperador, desligando as seus snibditos da obediéncia riamente ao direito e a justiga, com a tua bem conhecida arrogancia, acha-
que Ihe deviam. . mos no entanto conveniente lan<;ar um véu de indulgente siléncio sobre os
maus comeeos do teu exordio, esperando que estes criminosos principios
[...] A mim como teu representame (1) me foi especialmente confiado e a fossem emendados e cancelados pela integridade e diligéncia do resto do
mim pela tua graga foi dado por Deus o poder de ligar e desligar no Céu .; teu governo. Mas agora, como o proclama e deplora a lamentavel condiqio
e na terra. Apoiando-me pois nesta crenqa para a honra e defesa da tua f de toda a Igreja, manténs-te consistente e pertinazmente fiel aos teus mans
Igreja e em nome de Deus Todo-Poderoso, 0 Pai, 0 Filho e o Espirito principios, na crescente infelicidade das tuas acgoes e decretos. [...]
Santo, por intermédio do teu poder e autoridade, retiro o governo dc todo A chama da discordia que acendeste com venenosas facqoes na Igreja
0 reino dos Germanos e da Italia ao rei Henrique(-'1) filho do imperador Romana, espalhaste-a com uma deméncia furiosa através de todas as igre-
Henrique (3), porque ele ergueu-se contra a tua Igreja com uma inaudita jas da Italia, Germania, G_al'ia e Espanha. Para teu maior poder, privaste
soberba.]E liberto todos os cristfios do juramento de fidelidade que lhe tive- I Os bispos de toda a autoridade que é sabido lhes tinha sido divinamente
rern feito_ou vierem a fazer, e proibo a quem quer que seja de o servir como ‘ concedida pela graqa do Espirito Santo, a qual actua acima de todos nas
rei, porque é justo que aquele que procura diminuir a honra da tua Igrfljfl Ordenagoes. Entregaste a superintendéncia de todas as rnatérias ec1esias-
perca também a honra que deveria ter.\E desde que ele desdenhou mos- ticas as paixoes da plebe. Ninguém é agora reconhecido bispo ou pres-
trar obediéncia crista e nao voltou para 0 Senhor que desertou —m8B- bitero sem que por uma indigna subserviéncia tenha mendigado 0 seu ofi-
tendo convivio com os excomungados, desprezando as minhas admoeS- ' cio da tua magnificéncia. Lan<;aste numa desgraqada confusio todo 0
ta<;6es, que, como podes testernunhar, lhe dirigi para sua salvaoio, d¢5' “BOY da instituiqio apostolica e essa perfeita repartiqfio dos membros de
ligando-se da tua Igreja e tentando dividi-la —, por ti o liguei pelo vinculo Cristo que 0 Apostolo dos Gentios tantas vezes recomenda e inculca. [...]
do anaterna e, confiando em ti, assim o ligo, para que os povos possam sabfl ~ P°fque tu afirmas que, se o mero rumor de um delito cometido por um dos
e tomar conhecimento de que tu és Pedro e que sobre a tua pedra 0 Fi1l1° nossos paroquianos chegar até junto de ti, nenhum de nos tera dai para 0
do Deus vivo construiu a sua Igreja e que as portas do Inferno nao pr=' future qualquer poder para 0 ligar ou desligar, mas apenas tu ou aquele
valecerao sobre ela. (Mateus, XVI.) que delegaste especialmente para esse fim. Quem é que, versado nas Sagradas
Escrituras, nao vé que este decreto excede toda a loucura? [...] Tu ligaste-te
[Cancilium Romanum III, in J. P. Migne, Patrolagiae Cursus Complain-I. ' _ P" Hm juramento corporeo, no tempo do imperador Henrique (Z) de boa
Series Latina, t, cx1.vrn, Paris, 1853, col. 790.] "lfimoria; ern como nunca em vida do imperador, nem na do seu filho,
‘P
° nosso Senhor e glorioso Rei(3), aceitarias 0 papado ou, na medida em
(1) O papa dirigia-se a S. Pedro. (1) Henrique IV (1056-1106). (3) Henrique III U039‘
-1056). que de ti dependessc, admitirias que outro o aceitasse sem 0 consenti-

!
a
~r_ 7 '

292 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A IGREJA CATQLICA 293

mento e aprovaqao do pai, enquanto fosse vivo, ou do filho durante a sua léncia; assim, se qualquer disputa surgir entre as partes, tu, corn o eonsdho
vida. E ha ‘hoje muitos bispos que testemunhararn esse juramento; que ou decisio dos bispos metropolitano e co-provincial, daras consentimento
0 viram com os seus olhos e 0 ouviram corn os seus ouvidos. Lembras-te e auxilio a parte mais digna. Porérn o eleito recebera de ti as regalia (1)
também de como, quando a ambigao de ser papa inoveu xiarios dos cardeais, pelo ceptro, sem nenhuma exacgao, e fara 0 que por elas e dg dimito ta
para afastar qualquer rivalidade nessa ocasiao, te ligaste por um juramento, deve. Mas aquele que é consagrado nas outras partes do ten império devera
com a condiqio de que eles fizessem o mesmo, ou seja o de nunca vir a dentro de seis meses e sem qualquer exacqao, receber dc ti as regalia peld
deter o papado? Vé como guardaste fielmente estes juramentos! ceptro e fazer o que por elas c de direito te é devido, salvo todos os direitos
Além disto, quando se reuniu um sinodo no tempo do Papa Nicolau (4), que se saberem pertence a Igreja Romana. Sobre os assuntos a propésito
onde assistiram 125 bispos, foi estabelecido e decretado, sob pena de ana- dos qua1s me poderés vir a fazer queixas e pedir ajuda —eu, de acordo
tema, que ninguém seria jamais papa senao por eleieio dos cardeais, apro- com o dever do meu oficio, prestar-te-ei auxflio. Dou-te a verdadeira paz
vaqao do povo e consentimento e autorizagfio do rei. E dessa decisio e e a todos os que estfio ou estiveram no teu partido na época deste confiim
decreto foste tu proprio o autor, persuasor e subscritor.1[...]
Por isto, renunciamos daqui para 0 futuro a toda a obediéncia a tua 2-PRECEITO DO IMPERADOR HENRIQUE V
pessoa—a qual na verdade nunca te tinhamos prometido. E visto que,
como pirblicamente proclamaste, nenhum de nos tem sido para ti um bispo, Em nome da Santa e Indivisivel Trindade, Eu, Henrique, pela graoa de
assim daqui por diante nao seras Apostolico para nenhum de nos. Deus Imperador dos Romanos, Augusto, pelo amor de Deus e da Santa
Igreja Romana e do Senhor Papa Calisto, e para salvagao da minha alma,
[Monumenta Germaniae Hisgoi'ica—Leges, t. n, Hannover, 1837, pp. 44 entrego a Deus e aos santos apostolos de Deus Pedro e Paulo e a Santa
a 46.] ‘ Igreja Catolica toda a investidura através do anel e do baculo; e concedo
(1) Além do arcebispo de Mainz, assinaram este manifesto os bispos de Trier, Utrechlv J Q"? _¢m todas as igrejas que ficam no meu reino on império possa haver
Metz, Liege, Verden, Toul, Speyer, Halberstadt, Strassburg, Basel, Constanz, W11rz- _ ‘l7{:lI<;3a?naCi1(I)1((1);ls1Ca e consagraeio lirre. Restituo a mesma Santa .Igre__ia
burg, Bamberg, Regensburg, Freising, Eichstitt, Mfmster, Minden, Hildesheim, 0sn8- , desta discérdia ajtfcgsieasoez e lgegalzfade S. Pedro, que desde o pnncipro
brick, Naumburg, Paderborn, Brandenburg, Lausanne e Verona. (1) Henrique H1, _- ’
imperador de 1039 a 1056. (1) Henrique 1v (1056-1106). (4) Nicolau 11 (1058-1061). . meu foram tomadas
muiéfio da “elas co. e que
la eu_po;suo.h
C ole’ mg) contr1b111re1
no t?mI',o'defielmente
meu palpara
como no
a res-
as outras iq {as e 1sas_ one naoi etc: 0. Tambem as possessoes de todas
A CONCORDATA DE WORMS ~ como laicafr Jue fpr1nc1pesd; e to as as outras pessoas, tanto clerrcars
(SETEMBRO DE 1122) 1 cipcs cu daagsti oran1t.pe'rl1 as nesta gnerra, com o conselho dos pun-
buirei fielmegte <2, res 1 1:1;uas:e1 Ea midrda em que as detenho e contn-
Par este acordo, a paz entre 0 Papado e 0 Império foi m0m8rl' . .1 cede a verdadeilpa a a res 1S 15:0 Iaque as co1sas qpe nao detenho. E con-
tzinearriente restabelecida. N0 entanto, a Cancordata I157" ~
esclareceu por completo quais deveriam ser as rela§°e5 : a todos a ueles Pal :2 5 °T_ 3P3 Cahsto e a Santa Igreja Romana
entre as dois poderes, na medida em que a sua pfirwilml a Santa Igrga Roqufl ¢5 0 oudesuverarn a seulado.‘ E nos assuntos em que
preocupapiio foi solucionar 0 problema das investidurll-9
__ to; acerca (£05 umfmfl me pe 1r auxilro, ajuda-la-e1 nelmente, e 1105 assun-
I Todas estas (misc; aés me :3 a ser e1ta que1xa farer Just1<;a dev1damente.
l—PRIVILEGIO DO PAPA CALISTO II 1. principes cu. s oram Ia as pelo consenumento e com 0 conselho dos
, JOS nomes aqu1 se Juntam. [...]
Eu, Calisto, Bispo, servo dos servos de Deus, concedo-te, amado fil11°
Henrique -—pela graqa de Deus Imperador dos Romanos, Au8“5t°’- [A{7onumenta Germaniae Historica—Leges, t. n, Hannover, 1837 pp 75
que as eleiqoes de bispos e abades do Reino Teutonico, que perten<}3m_ 8 e 6]. ' '
este reino, tenham lugar em tua presenqa, sem simonia nem qualqufif "'°' ") 0 .
p°d°f temporal rnerente ao cargo.
A IGREJA CATOLICA 295
294 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS 9
Com efeito, 0 [chefe] apostolico da Sé Romana, Urbano l'I(‘) alcanqou
2. rapidamente as reg16es ultrarnontanas com os seus arcebispos, bispos,
A IGREJA A CAMINHO abades e presbiteros e comeeou a pronunciar discursos e sermoes subtis
1 I ,

DA TEOCRACIA: AS CRUZADAS d1zendo que quem quisesse salvar a alma nao deveria hesitar em tomar
~
hurnildemente a via do Senhor e que, se o dinheiro lhe faltasse a miseri
E A OBRA DE CISTER . . . . , , _
cordra d1v1na lhe dar1a 0 suficlente. [...] Tendo-se este discurso espalhado
r
a pouco e pouco por todas as regioes e provincias das Galias, os Francos,
DA reforma de Cluny e do conflito do Papado com 0 Império, a Igreja saiu r ouvindo tal, comeearam sem detenqa a coser cruzes sobre o ombro direito
mais forte, mais apta a representar a monarquia universal, a teocracia defen- »$ - . A . _ ’
2 d1zend0 qne querlam unammemente segurr as pegadas dc Cristo, pelas
dida por alguns dos grandes pontzfices medievais. qua1s hav1am s1do resgatados do poder do Tartaro. [...]
Uma das realizapoes entfio movidas pela autoridade espiritual do Santa~ v
‘j

Sé foi 0 movimento das Cruzadas. Nascido no Concilio de Clermont em 1095 MW; -agogyrsnj
de la premiere craisade, ed. Louis Bréhier, Paris,
marcou 0 aparecimento do ideia de aguerra justo», a guerra contra 0 infiel,
e a possibilidade de a autoridade
Z _
do papa
___
se; sabrepor 11 dosprincipes
___ _.*7__¢ _ _ ___
num‘
(') Papa de 1088 a 1099, promotor do Concilio de Clermont.
_empree11dimen4o_-l1'nternacianaL_
Simultaneamente, uma nova reforma momistica, a de Cister (1098), trouxe
a Igreja uma renovagfio dos ideais de simplicidade, pobreza e austeridade. PR1v11.12G1os PONTIFiCIOS
Decididos a restabelecer 0 trabalho manual, estes monges, como os primeiros A AOS MEMBROS
beneditinos, cavaram e lavraram a ‘terra, desbravando fiorestas e aprovei- DA SEGUNDA CRUZADA
tando pantanos. A figura mais notével da Ordem Cisterciense, S. Bernardo. (1 DE DEZEMBRO DE 1145)
que em I115 fundau Claraval (Clairvaux), esteve também ligada ao movi-'_
mento das Cruzadas, contribuindo para a realizaeiio do segundo dessas exp?-_ Eugénio III (I145-I153), antiga monge cisterciense disci-
dieoes. - 4' pulo de S. Bernardo, concedeu nesta bula, dirigida ao rei
de Franpa Luzs VII (1137-1180), os privilégios do cruzado
que doravante se tomaram habituais nestas circunstancias.

O ENTUSIASMO POPULAR ' _ 2.1.-L(€::;:d§r(:;os;::;nfirmam0S pela-autoridade que nos foi dada por Deus
PELA PRIMEIRA CRUZADA (1096) p ')e csmbdeceu anp a ols que o nossio éa c1tado'pre.decessor 0 Papa Urbano
a seu cargo}; realize e; (111: Zn a os pelo mtuito da devocao, tomarem
As palavras que se seguem foram escritas por um cronisfa
anonimo que possivelmente também tomou parte na Primelrd as suas mulheres e fine ‘ es o santa e necessar1a obra ep tarefa; e que
Cruzada e dao-nos coma do entusiasmo que 0 empreendlf da Sama Igrda dc '05, ' ens e piossessoes, permaneqam sob a proteceio
mento suscitou em todas as classes sociais. i da Igreja dc géus go‘?lproprloae bos arcep1SP0s, b1spOs e outros prelados
. feito qualquer m- “Y _1m‘mps dfn Bin, pe a autor1dadeapostol1ca, que seja
Como se aproxirnasse ja aquele termo que o Senhor Jesus anuncia ¢l“°j pmficameme na 'q err en o 1zen 0 respe1to as 'co1sas que possuiam
tidianarnente aos seus fiéis, especialmente no Evangelho onde diz: <<5_°,; homer Macias epocal em que tomaram a cruz, ate ao rnomento em que
alguém me quiser seguir, renuncie a si proprio, tome a sua cruz c siga-m°”' que Combatam cerltass o seu retorno on da sua morte. Alem d1sto, aqueles
deu-se um grande movimento por todas as regioes das Galias, a fim de que com vestes re peo en or nao devem de mane1ra algunaa preocupar-se
quem, de coragao e espirito puros, desejasse seguir 0 Senhor com 151° _, outras coisa]? ¢10Sas, corn a aparencna do corpo, com _caes, falcoes ou
quisesse transportar fielmentc a cruz nao tardasse em tomar apres58da' S que SCJHIH s1na1s de lasc1v1a [...], mas devcrao com toda a sua
mente 0 caminho do Santo Sepulcro.
-1'

296 TEXTOS HISTQRICOS MEDIEVAIS


.-
A IGRFJA cATo1.1cA 297
forga dedicar atengao e diligéncia as armas, cavalos e outras coisas com as
quais terio de combater o infiel. Aqueles que estio onerados com uma seus senhores, ou que estavam mesmo esperando o castigo merecido pelas
divida a outro e quiserem corn o coracio puro empreender a santa jor- suas infamias. Estes homens, simulando ter zelo para com Deus, esfor<;a-
ram-se sobretudo por escapar a incomodidade de tantas preocupacoes.
nada, nao pagarao juros pelos tempos passados. Se eles, ou outros por eles,
So com dificuldade se poderao encontrar uns poucos que nao tenham
estiverem ligados por um juramento ou penhor, para pagamento de juros, 5
dobrado os joelhos a Baal, que tenham sido orientados por um saudavel
absolvemo-los pela autoridade apostolica. [...]
e santo proposito e inflamados pelo amor da divina majestade a combater
[Otto episeopus Frisigensis, Gesta Friderici lmperatoris, 1, 35, in ardentemente e mesmo a derramar 0 seu sangue pelo Santissimo. [...]
Monumenta Germaniae Hist0rica—Scripr0rum, t. xx, Hannover, 1868, I
pp. 371 e 372.] [Annales Herbipolenses - Monumenta Gerrnaniae Historico — Scriprores,
0'1-§IA»_.?»*,-=n;e=1;.mz.
t. xvr, Hannover, 1859, p. 3].

UMA REACCAO CRITICA »¢.=I»1 S¢>.1-a


A SEGUNDA CRUZADA A PREGACAO
umu , DA QUARTA CRUZADA
Um cronista anénimo de Wfirzburg, criticando o empreen- Logo apos a sua eleipfio (I198), Inocéncio III pensou em
dimento das Cruzadas, deu-nos uma curiosa amilise das organizar uma nova cruzado contra a progressiva ameapa
razoes que teriam movido as va'rios particzpantes dessas mueulmana. Neste projecto tentou interessar, nao so 0spr1'n-
expediefies. cipes ocidentais, como o proprio Império Bizantino. Apds 1
o malogro de va'rias negociagoes, muitos grandes feudateirios ‘.

Deus permitiu que a Igreja Ocidental, devido aos seus pecados, fosse fianceses tomaram a cruz, movidos sobretudo pela eloquen-
derrubada. Surgiram entao, na verdade, certos pseudoprofetas, filhos dc cia de Foulques, de Neuilly. 0 trecho é do cronista Ville-
Belial e testemunhas do Anticristo, que seduziram os cristaos com pala- hardouin (c. 1150-c. 1212), que desempenhou um impor-
vras vis, compelindo toda a casta de liomens, por uma vi prégaeio, a ir tante papel de negociador no decorrer desta cruzado.
contra os Sarracenos, a fim de Iibertar Jerusalém. A prégacfio destes homens Sabei que mil cento e noventa e sete anos depois da Encarnacio de Nosso
foi tao grandemente influenciadora que os habitantes de quase todas as Senhor Jesus Cristo, no tempo de Inocéncio (1), Apostolo de Roma, e
regioes, por unanimidade de votos, se ofereceram espontzineamente para
Fililie (2), Rei de Franca, e Ricardo (3), Rei de Inglaterra, havia em Franea
a comum destruicio. E nao [o fizeram] apenas homens da plebe, mas tam- Q4-'-;
r um santo homem chamado Foulques de Neui1ly—a qual Neuilly fica
bém reis, duques, marqueses e outros poderosos deste mundo, acreditando entre Lagni-sur-Marne e Paris. Ele era padre e detinha a paroquia da vila.
I
0

que prestavam assim serviqo a Deus. Os bispos, arcebispos, abades e outros Este dito Foulques comeeou a falar de Deus através da Franea e das outras
ministros e prelados da Igreja uniram-se neste mesmo erro, precipitando-$¢
"°8i<5¢S a sua volta; e sabei que por ele Nosso Senhor fez muitos mila-
nele com grande perigo de corpos e almas. [...] 81'es.
Porém, as intengoes destas varias pessoas eram diferentes. Algumas, I13
Sabei que a fama deste santo homem andou tanto que alcancou o Apos-
realidade, avidas de novidades, iam, para saber coisas novas sobre as terras-
‘°|° <16 Roma, Inocéncio, e. 0 apostolo deu ordem para Franqa e mandou
Outras eram levadas pela pobreza, por estarem em situacio difieil na $113
3° bom homem que prégasse a cruz por sua autoridade. E depois disto
casa; estes homens foram para combater, nao apenas os inimigos da Cruz
[° P3193] enviou um seu cardeal, de nome Mestre Pedro de Czipua, ja cru-
de Cristo, mas mesmo os amigos do nome cristao, onde quer que vissem
zad°. mandando por ele o perdao tal como vos vou dizer: todos aqueles
a oportunidade de aliviara sua pobreza. Houve os que estavam oprimid°5
que tornassem a cruz e fizessem 0 servico dc Deus na hoste por um ano
por dividas para com outros, ou que desejavam fugir ao servico devido 80$
ficariam quites dc todos os pecados que tivessem feito e de que estivessem
1%
1!,"
=lsi.A1.;-an-Q.
298 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS A lGREJA CATOLICA 299

confessados. Como este perdao era tao grande, os coracoes dos homens e a Nossa Senhora que todos os demais dias da vossa vida obedecereis
ficaram grandemente tocados e muitos tomaram a cruz. :10 mestre do Templo e a qualquer que vos seja superior’?»— E ele deve
dizer: <<Sim, senhor, se Deus quiser.»
[Geoffroy de Villehardouin. <<La conquéte de Constantinop|e>'>_, in
Historians er Chroniqueurs du Moyen Age. Bibliotheque dc la Plelade, <<Também prometeis a Deus e a Nossa Senhora Santa Maria que todos
1952, p. 97.] . os demais dias da vossa vida vivereis castamente do vosso corpo?»—E
(1) lnocéncio III (1198-1216). (1) Filipe (II) Augusto (1180-1223). (3) Ricardo I ele deve dizer: <<Sim, senhor, se Deus quiser.»
Coracio de Leio (1189-1199). <<'l'ambém prometeis a Deus e a Nossa Senhora Santa Maria que todos
os demais dias da vossa vida vivereis sem bens proprios?»—E ele deve
dizer: <<Sim, senhor, se Deus quiser.»
S. BERNARDO E A PRIMAZIA DO PAPADO
1
<<Também prometeis a Deus e a Nossa Senhora Santa Maria que todos
S. Bernardo ( 109,1-I153), discipulo de Gregorio VII, can- os demais dias da vossa vida mantereis os bons usos e os bons costumes
- siderou como principal dever de toda 0 eristfio a obediéncia da 11ossa casa, aqueles que ja la existem e aqueles que os mestres e Oi
ao Sumo Pannfice, sendo a autoridade deste absalura e homens bons da casa la estabe1ecerem?»— E ele deve dizer: <<Sim, se Deus
M1-M4v4=m1-~v.1A: m“»~i.-»l~‘,
universal. Actuando sempre em nome do Santa Sé, o abade
de Claraval cantribuiu para afirmar o primado de Roma quiser, senhor.» A
sobre todas as igrejas do Cristandade. <<Também prometeis a Deus e a Nossa Senhora Santa Maria que todos
\ os demais dias da vossa vida ajudareis a conquistar, pela forca e pelo poder
A plenitude do poder sobre todas as igrejas do mundo foi conferida a 1
que Deus vos deu, a santa terra de Jerusalem; e ajudareis a guardar e a
Sé Apostolica por um privilégio especial. O que resiste a esse poder resiste salvar pelo vosso poder aquelas que os cristfios possuem?»— E ele deve
a ordem de Deus. O pontifice romano pode, se 0 considerar util, criar novos dizer: <<Sim, senhor, se Deus quiser.»
bispados. Quanto aos que existem, pode, a sua vontade, diminuir a impor- <<Também prometeis a Deus e a Nossa Senhora Santa Maria que jamais
tancia. de uns e aumentar a dos outros, de maneira apoder transformar deixareis esta religiao por mais forte nem por mais fraca, nem por pior
bispos em arcebispos e inversamente, se isso lhe parecer necessario. P0d¢ nem por melhor, salvo se 0 fizerdes com a licenea do mestre e do convento
chamar para junto de si, das extremidades da Terra, as pessoas eclesiasticai que tem o poder?»—E ele deve dizer: <<Sim, senhor, se Deus quiser.»
mais elevadas em dignidade e constrangé-las a vir a sua presenea tanias <<Também prometeis a Deus e a Nossa. Senhora Santa Mada que jamais
vezes quantas lhe agradar. ~ cstareis em sitio ou lugar onde pela vossa forca ou pelo vosso conselho,
[S. Bernardo, epist. cxxx, cit. em Histaire de_ I'Eglise depuis l¢! cristios sejam desapossados sem justiea nem razao das suas coisas?» E ele
arigines jusqzfarnos jours, direccio de Augustin Fl1ChC e Victor M31115» deve dizer: <<Sim, senhor, se Deus quiser.»
vol. 1x, 1948, p. 24]. 1'
“E nos, por Deus e por Nossa Senhora Santa Maria, e pelo meu Senhor
v
5- Pedro de Roma, e pelo nosso pai e apostolo, e por todos os irmaos do
A ADMISSAO DE UM NOVO IRMAO r
T°mPlo, acolhemo-vos a todas as benfeitorias que foram feitas desde 0
NA ORDEM DO TEMPLO "- v
p'i"°lPi0 e que serao feitas até ao fim, nesta casa, a vos e ao vosso pai
,.
9 5 vossa mac e a todos aqueles que quiserdes acolher da vossa linhagem.
A Regra do Templo é um toda heterogéneo provenienlB_ 11¢
vdrias épacas e autores. A parte mais primitiva teria s|d0- Z‘/f3S também nos acolheis em todas as benfeitorias que tendes feitas e
segundo a tradieiio, ditada pelo propria S. Bernardo (1091,‘ re1s. E prometemo-vos pao e agua e a pobre veste da casa e muitas penas
-1153). O ultimo capitulo, que aqui transcrevemos. dai ° lrabalho.»
sem qualquer rela¢,-do cam as anteriores, 0 processo verbfl
do receppfia de um novo irmfio. E [La Régle du Temple, ed. Henri de Curzon, Société de 1'1-listoire do
France, Pais, 1886, pp. 344 e 345].
<<Ora, belo irmio, ora entendei bem o que vos diremos: prometeis a Deus 5
5
300 TEXTOS HISTQRICOS MEDIEVAIS
A IGREJA CATOLICA 301

3. mais intimamente se lhe unir, tanto maior sera a luz com que é adornado-
O TRIUNFO DA TEOCRACIA PAPAL quanto mais prolongar [essa unrao], ma1s crescera em esplendor. [...]
' ¢~ I ’ ,

0 conflito de autoridade entre o Papado e o Império nda havia sido por com- gz-"1i’§,c1(’;}tr1;I%'1']ae Cursus Completus, Series Latina, t. ccxrv,
pleto sanado em Worms, e deste facto deram provas as disputas entre Frede-
rico I Barba Ruiva e a Santa Sé. N50 obstante, com 0 pontificado de Inocén-
cio III (1198-I216) triunfou a ideia de teocracio papal, au seja a do governo
2 INOCENCIO III E AS ELEICOES IMPERIAIS
de uma sociedade cristo‘ pelo pontifice, representante do autoridade divina
no terra. Inocéncio III pode assim intervir, mio so junto dos estados que se
(MARCO DE 1202)
haviam considerado <<territorios do Santa Sé», como Portugal, a Sicilia e "'»1
-z'naI\-;~
2
Para Inoeéncio III a papa deveria vigior o politico e as actos
a Inglaterra, mos também junto de todos as demais onde surgiram problemas <.5.
dos principes crxstfios seus dependentes no espiritual e até
no temporal. Dentro desta arientacfio, Inocéncio III defendeu
de ordem religiosa, politico ou até moral. Sob o sua égide organizaram-se '9
para 0 Papado 0 direito de intervir como tribunal supremo
novas cruzados (a quarto, que veio o terminor pela canquista de Constanti- no eleietio imperial.
nopla, e a expedig-do contra os Cdtaras, em Frongraj, constituiram-se novos
[...] Reconhecemos, como devemos, que o direito e a autoridade para ele-
ordens religiosos (as mendicantes) e reuniram-se importontes concilios, ‘-
ger um re1 a fim de posteriormente ser promovido a imperador pertence
entre as quais o 4.° Ade Latrfio (I215).
aqueles principes a quem é sabido caber por direito e antigo costume,
fispecralmente quando este direito e autoridade lhes foram dados pela Sé
Apostohca, a qual transferiu 0 Império dos Gregos para os Germanos na
pessoa do Magnifico Carlos. Mas os prir1cipes deveria reconhecer, e cer-
AS RELACOES EN’I‘RE o IMPERIO tamente reconheeem, que o direito e autoridade para examinar a pessoa
E 0 PAPADO seotmno INOCENCIO HI assim lelerta rei a fim de ser elevada ao Império nos pertence a nos que
(OUTUBRO DE 1198) 0 llngrmos, consagramos e coroamos. [...]
d E pela lei e o costume é evidente que, quando numa eleicao os votos
Dentro do tradigfia gregoriana, Inocéncio III defendeu a °§ prlncrpes estao d1v1d1d0s, podemos, depois de uma devida adverténcia
supremacia .do poder espiritual sobre o temporal, acentuonda ¢ mtervalo convemente, favorecer uma das partes. [...] 1
no entanto, o estrita dependéncio do ultimo em relacfio av
primeiro. [Aernilius Fricdberg, Cursus Jun": Conanici, pars seen;-;d3_1)¢,_-yg.
talmm Collectiones, Graz, 1955, col. 80.]
Deus criador do universo fixou duas grandes luminarias no firmamento
do céu; a luminaria maior para dirigir o dia e a luminaria menor para diri-
gir a noite. Da mesma maneira, para 0 firmamento da Igreja universal, A TOMADA DE CONSTANTINOPLA EM 1204
como se se tratasse do Céu, nomeou duas grandes dignidades; a maior pm SEGUNDO o CRONISTA VILLEHARDOUIN
tomar a direcqio das almas, como se estas fossem os dias, a menor para (c. usac. 1212)
tomar a direceao dos corpos, como se estas fossem as noites. Estas di$l1i' 0 cronisto ocidental relato com ingenuidade o saque de
dades sao a autoridade pontificia e 0 poder real. Assim como a Lua deriva Constantinopla pelos Latinos, sem quaisquer preocupogoes
a sua luz da do Sol e na verdade é inferior ao Sol tanto em quantidade 001119 em esconder o designio dos cruzados.
em qualidade, em posiqfio como em efeito, da mesma maneira 0 pod" Pa5$°11 a noite e chegou o dia que foi terea-feira dc manhfi. Entao arma-
real deriva 0 esplendor da sua dignidade da autoridade pontificia: e quanto "am~se todos
para a hoste, cavaleiros e escudeiros, preparando-se cada
~1

Brian:
er" Axe e*—
A IGREJA cATo1.1cA 303
302 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
gués com as formas <<damis>>, <<exami» e <<eixamete» é um tipo de cetim. (7) Pena
um para a sua batalha; e sairam das suas tendas julgando encontrar maiores tem na Idade Média o significado de pele. A <<pena veira» era a pele do esquilo cagado
lutas do que as do dia anterior, pois nao sabiam que os imperadores tinham no Verio, ainda de cor acastanhada, e a apena gris» a pele cinzenta do mesmo animal
fugido durante a noite. Com efeito, nao encontraram ninguém que viesse no Inverno. (8) O proprio Villehardouin, que recebeu em 1185 0 cargo de marechal
da Champagne.
contra eles. O marques Bonifzicio de Montferrat (1) cavalgou ao longo da
marinha em direccao ao Palacio de Boca-de-Leio; e, quando ai chegou,
o palacio rendeu-se-lhe, salvando-se as vidas dos que estavam no seu inte-
rior. Nele encontraram as mais altas damas que tinham fugido para 0 cas- O PAPA INOCENCIO III CONDENOU
telo. Ai se achou a irma do rei de Franca (2), que havia sido imperatriz, e a A CONDUTA DOS CRUZADOS (1205)
i1-ma do rei da Hungria (3), que também tinha sido imperatriz, e muitas outras
Apos a tomado de Constantinopla, Inacéncio III, no esperanco
damas. Do tesouro que havia no palacio nem convém falar, pois era em
de_ que este incidente trouxesse coma cansequéncio o sub-
tal quantidade que nao tinha conta nem medida. E assim como este pala- mlsscio do Igreja Oriental a Roma, apressou-se a reconhe-
cio se rendeu ao marques de Montferrat, rendeu-se o de Blacherne a Hen- an
.1»;-
1:!“ cer a Império Latino. Porém, a breve trecho se deu canto
rique(4), 0 irmio do conde Balduino da Flandres(5), salvos os corpos dos dos abusas cametidas pelos cruzados e condenou esses
que se encontravam dentro. Os tesouros nele encontrados foram tais excessos.
que nao eram inferiores aos do da Boca-de-Leao. Cada um ocupou com
a sua gente o castelo que lhe foi dado e mandou guardar o tesouro. As Para Pedro, Cardeal Presbitero do titulo de S. Marcelo, Legado da S6
outras pessoas que se espalharam pela cidade ganharam bastante, e os Apostolica (12 de Julho de 1205).
ganhos foram tao grandes que ninguém vos sabera dizer 0 seu montante,_
SSeo:b‘egr£: Se descobrimos pelas vossas cartas que havieis absolvido
a saber, em ouro e prata, baixelas, pedras preciosas, samis (6), tecidos dc‘ peregrinacao e das suas obngacoes de cruzada todos os
seda, roupas de pena veira e gris (7) e arminhos, e em todos os mais ricos. mzados one tinham perrnanecido a defender Constantinopla desde o ultimo
haveres que jamais foram encontrados na terra. E bem testemunha Godo-__
r. 1'90 ate ao presente. E 1mposs1ve1 nao me mamfestar contra vos, pois
fredo de Vile-Hardoin, marechal da Champagne (3), que desde que o mundo nunca haverieis devido nem podido dar tal absolvicio. [...]
existe nunca tanto se ganhou numa cidade.
tic§<;1'1;°d€::¢gi nglavtgrdzxie a ilgreja greia ser trazida a uniao eclesias-
Cada um arranjou alojamento como melhor lhe agradou, pois havia-05; .
1 afiiwes e mic Ge ed izito 1ca,~quan o tpm sido assediada P0r_tantas
em quantidade suficiente. Assim foram albergadas as hostes dos peregri-
cxemplo d: ergo esé eb rnanzira que nao ve nos Lattnps senao um
nos e dos Venezianos e foi grande a alegria da honra e da vitoria que D6115
mais do qu: a cages” Pe o ras enel rosas edque agora, com razao, osdetlesta
lhes tinha dado, porque aqueles que eram pobres e até ai o tinham sid0
dc Jesus Cristo e ni orque aque es que everram prosseguir os objectivos
mergulharam na riqueza e no luxo.»
usadas comm OS o~os seus proprios, aqueles C11_13S espadas deveriam ser
[Geoffroy de Villehardouin, <<La conquéte de Constantinople», in Hi-1" "
pouparam idmk npagaos e estaoNagora ensopadas em sangue cristao, nao
tariens et Chraniqueurs do Moyen Age, Bibliotheque de la Pléiadh rial a roubar OS ben;ndsexo.' [...] ac; satisfeitos em saouear 0* tesouro impe-
1952, pp. 146 e 147.]
também as suas mi os principes e (pmens de menor1mportanc1a, puseram
scus préprios bens OSAI105 ICSOUTOS 35 lgl'C_]aS, e, O que e 1113,15 53110, 1195
(1) Um dos chefes da Quarta Cruzada. Veio aser rei de Tessalonica (1204-1207). G) AS1151
flu . rrancaram mesmo frontais de prata dos altares e
filha de Luis VII. Tinha sido noiva de Aleixo Comneno casando em seguida com And1'°' ra - -
nico Comneno, assassino de Aleixo. (3) Margarida, filha do rei Bela II. Foi C8539‘ t. m 110$ em pedacos entre eles. Violaram os lugares sagrados e deles
com o imperador de Constantinopla Isaac e posteriormente com Bonifacio dc MW" "mam cruzes e reliquias. [...]
ferrat. (‘) 1-Ienrique de Hainaut veio a ser imperador de Constantinopla (1205-1219' Tamtb9m,
ocide ' 50b que pretexto poderemos apelar para os outros povos
por morte de seu irmao. (5) Balduino IX, conde da Flandres, primeiro imP°\'3d°’ n 1118 a fim de 8._]Ud3.l'CII1
- . .
a Terra Santa e ass1st1rem . . de
ao Impeno
latino de Constantinopla (1204-1205). (6) O samis, que apareee também em P°"“'
304 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
1 A IGREJA CATOLICA 305

Constantinopla? Quando os cruzados, tendo abandonado a peregrinacio awn--.-\.-. as honras que lhe sao devidas, o legado da Sé Apostolica e ajudd lQ.¢i e
proposta, voltam absolvidos para suas casas; quando aqueles que saquea- todas as circunstancias. m
ram o citado Império se vém embora e voltam a casa com o seu saque,
[Cit. em Histoire de L'Eglise depuis les ari ' ' '
livres de culpas. [...] ed-irselcclao
- de Augustin
. Fliche
. .
e Victor _$’"'¢’-1’
Martin, vol. 1"-Fqu d nospp.jaurs,
x, 1950, 199

[Innocei1tiiI]I, Romani Pantificis Opera Omnio. epist.136, in]. P. Migne,


Potralagioe Cursus Completus, Series Latina, t. CCXV, Paris, 1891,
cols. 699-702.]
A REGRA DE S. FRANCISCO (1223)

A regra de que se extroem as trechos seguintes


_ , pramulgada
O PONTIFICE ROMANO em Novembro de I223 pelo Papa Honorio III, foi a terceiro
E O PROBLEMA DA UNIDADE CRISTA a ser redigido sob a orzentocda de S. Francisco, mas a pr)".
meira o a‘ Ordem uma verdadeira
- organtzaczia
- - - .
e disciplina
No prasseguimento do sua politico de unifico;:do das igrejas conventuazs.
sob a égide do Santa Sé, Inocéncio III tentou a ossimilacdo
do clero oriental nas quadros do Império Latina. O 4.° Con- filajfsstini$1 git:gt:31Z)/id; dia;gzaiilginolres, ncémeadarnente Para obser.
cilio de Latroo (1215) legislau neste sentido.
diéncia, pobreza e castidade O irmio Frandcsus mm’ vwerfiio ‘em obb
Canone 9—Em muitas regioes se encontram misturadas, no interior da réncia ao papa Honorio e aos seus sucessdigg pmnicte Obedmncba c rave‘
eleitos, C A Igreja Romana Os outros irmio que orem canonicamente
mesma cidade e da mesma diocese, populacoes de linguas diferentes, corn ao irmio Francisco e ao; seus sucess s comprometem-se a obedecer
ritos e usos diversos, apesar de uma fé comum. O bispo devera designar ores. [...]
homens capazes que celebrarao 0 serviqo divino, distribuirao os sacra-
mentos levando em linha de conta a variedade das linguas e dos ritos, dag; $313331;;St;t;1::r::t:1:0 tpgosé:sdi1-maos aceitar dinheiro ou ProPrie-
instruirao pela palavra e pelo exemplo. Nao podera em caso algum haver sidades dc doenca e ara vesfir av tre outrein. Nao obstante, Para neces-
varios bispos numa mesma cidade e numa mesma diocese, porque um podem’ Se virem quelia necessidgs ou p os irmaos, os mmistros e custodios
corpo com varias cabecas é um monstro. Em caso dc necessidade, o ponti-
¢Spirituais de acordo com a localid (d exlgg’ pl-€vemr_Se através d-c amigos
fice do lugar associara como vigario um prelado catolico encarregadii possa esperar na regiao onde Viv a la a, esta<;aofe_o _8fau de frio que se
das nacoes, nao falando a mesma lingua; este obedecer-lhe-al e subrneter-56' dinheiro O“ pmpfiedades em. as, como 01 dito, nunca reeeberio
-lhe-a’. em todas as coisas. 1
’*
1 .
bib; A¢111¢1¢S irinios a quem 0 Senhor concedeu a habilidade para tra-
Os bispos gregos que reconhecessem a autoridade romarlll miga d,at1:Il:;1ha1:so com fidelidade e_devo<;,5.o, para 3, o¢i°sida¢¢, jnj.
poderiam manter o seu lugar, desde que prestassem fie a que toda: ago ser excluida e_nao extinga o espirito de p1-¢¢¢ ¢ dgyQ-
seguinte juramento : ' do seu labor ode coisas tzgiporais devem subservientes. Como preco
Os irmaos mal; nirazi r coisas necessarias para s1 proprios e para
Serei de futuro fiel e obediente a S. Pedro, a Santa Igreja roman!’ O que lhe; é dad 0 eiro on Pr0Pnedades. E receberio liumildeinente
a Sé Apostolica, ao meu senhor Inocéncio, assim como aos seus sucesso!” cam a mais 0, como pertence aos servos de Deus e aqueles que prati-
catolicos. Defenderei, tanto quanto puder, contra toda a criatura V1": santa pobreza.
o papado ‘romano, as suas honras, as suas dignidades e os seus bens. I15 ii. 6 ~ Os irrn
' aos
" nao
~ terao
nenhuma ~ nada de proprio,
- - nem casa, nem terra, nem coisa
-
ao concilio, quando a minha presenqa ai for exigida. Farei a visit a ad limit"!
d
. mas como peregrinos e estrangeiros neste mundo, servindo 0
em pessoa ou através dc um representante. Receberei, por fim, corn 1° 3’
306 TEXTOS I-IISTORICOS MEDIEVAIS

Senhor em pobreza e humildade, sigain pedindo esmolas confiadamente.


Nao se envergonhern por isto, porque o Senhor fez-se pobre por nos neste
mundo. [...]
8 — Todos os irmaos terio como miriistro geral e servo de toda a irman-
dade um de entre eles e deveria obedecer-lhe. Por sua morte, os ministros CAPITULO IX—-TRANSFORMACOES E DECLINIO
provinciais e custodios elegerao 0 seu sucessor em capitulo reunido no flhhww
1-Ai1um1.émwmuq in-. DA CIVILIZACAO MEDIEVAL
Pentecostes, época em que todos os ministros provinciais deverio sempre
reunir-se no local que 0 rninistro geral ordenar. [...]
12—Se qualquer dos irmaos receber a inspiracao divina para ir para
junto dos Sarracenos e outros infiéis, devera obter a licerica do seu rninis-
tro provincial, o qual dara o consentimento apenas aqueles que vir aptos
para serem enviados. [...]

[Thatcher and McNeal, A Source Book for Medieval History, New


York, 1905, pp. 499-504].

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a. OS INVENTOS TECNICOS
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R COMO FACTORES
DE TRANSFORMACAO SOCIAL

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AS NOVAS TECNICAS
‘A0 SERVICO DA AGRICULTURA
A0 longo dos dez séculos rotulodos sob o nome de Idade Média, novos neces-
Sidodes e cantactos internocionais proporcionaram do homem inventos técni-
COS que revolucionaram todos as sectores do vida. Uma destas <<revalu;o'es»,
lento, mas decisiva e fundamental para a desenvolvimento do Ocidente europeu.
fill d que respeitou o ecanomio agricola. Ela pos em jogo elementos variadas:
° 4Praveitamento mais intensivo do sala rnediante alfaios, processas de irri-
SW50 e rotapoes de culturas de maior eficiéncia; o melhor utilizagda dos
forms motrizes, vento, dgua e trac;-do animal, nos suas diversas oplicacoes
aos tram-partes e as proticas ogricolas.
Os testemunhas destas aparentemente modestas invencoes foram sobretudo
'1“ """~1f0rma¢5es que delas decorreram: as novas arroteias, o aumento popu-
lacional e o consequente acréscimo do circulocdo de homens e mercadorias.

A ROTACAO TRIENAL
NUMA GRANJA CISTERCIENSE (1248)

Uma das grandes inovopfies medievais no dominio das téc-


t~.4wb1zx:w1'u»infl60er-:»= nicas agrorias foi o difusoo do sistema ratativa trienol,
cam o divisiia do terra em trés folhas, uma para cereais de
1 Inverno, outra para uma cultura de Primavero, devendo a
terceira ficar de pousio. 0 sistema, conhecido em teoria pelos
Romanos, foi divulgado no Europa pelos Cistercienses.

-¢ ["'] T°d<'1 a terra de Vaulerent (1) esta divida em trés folhas. A primeira
_

310 TEXTOS HISTCRICOS MEDIEVAIS DECUNIO DA CIVILIZACAO MEDIEVAL 31!

folha de cereal contém 365 jeiras (2) e meia e 6 varas (3). A segunda folha, Pinel, celeireiro de gado (1), entregou a Dom Soeiro Pires, por mandado
que estzi de pousio, contérn 323 jeiras e 9 varas. do dom abade e do convento (3), a herdade dc Mombarral, por quatro anos;
A terceira, que estei com urn cereal de Primavera (4), contérn 333 jeiras e estas sio as coisas que ai deixou, a saber: quatro cubas, trés tinas, dois
e 10 varas. leitos, duas areas, uma sa.rt5, uma mesa, uma cadeia, o ferro e a sega (4) de
uma. charrua, trés brocas dc lagar, uma masseira, um segur (5) de lagar,
[Ch. Higounet, <¢L’zLssolement trienal dans la. plaine de France au xme uma sartii e um jugo de bois. _
siécle», in Complex rendus de I‘/tcadémie des Inscriptions et Belles Let-
tres, 1956.]
[Arquivo Nacional da Torre do Tornbo, Corporaqoes Religiosas,
(1) Hoje Vollerand (Seine-et-Oise). (1) Arpents na lingua francesa. Cada arpent tinha Aloobaea, m. 10, n.° 21, citado em A. H. de Oliveira. Marques, Intro-
cerca de 40 ares. (3) Perches na lingua francesa. Havia 100 perches num arpent. dugfio d Histdria da Agriculture em Portugal, 2.“ ed., Lisboa, 1968,
(4) Marsage na lingua francesa (por ser eultivado no més dc Mateo). p. 97, n. 41.]

(1) 1262. (1) Ou celareiro; guardador ou administrador dc um oeleiro. Num convento


A A ROTACAO BLENAL NUMA HERDADE o oeleireiro cuidava de tudo 0 que dizia respeito ao sustento dos monges e portanto
DA ORDEM DE CRISTO (1405) também do gado. (3) De Alcobaea. (4) Ferro que se p6e adiante da relha da. charrua x\
para remover melhor a terra. (5) Uma machada.
\
Em Portugal, como nas regifies mediterrdneas, devido a con- ;=
digfies climdticas pouco favordveis aos cereais de Primavera. 1
usou-se quase sempre a rotagfio bienal. :»

}.

[...] E o lavrem e frutifiquern (1) e cheguem todo 0 pio, bem e verdadei-


ramente sem malicia, em cada um ano, fazendo em cada um ano a metade
¥ 2.
A REVOLUC/1'0
‘J\
\

dele em uma folha e a outra metade em a.lqueive(1). [...] A


DOS TRANSPORTES
[Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Coleeeio Especial, Cx. 127,
m. 1, n.° 4, citado em A. H. de Oliveira. Marques, Introduedo d Histo-
ria da Agricultura em Portugal, 2.“ ed., Lisboa, 1968, p. 92, n. 20.] uwith 0 aumento da circulaefio de homens e mercadorias, decorrente da revoluefio X1
agricola e urbana iniciada em fins do século XI, foi acompanhado pela melho- I
(1) Trata-se de uma carta dc emprazamento dc uma herdade na Cumieira, termo dc \.
Szmtarém, dada pela. Ordem de Cristo a Femio Loureneo, em Tomar, a 19 dc Outubro ria dos transportes. Métodos de otrelagem mais racionais permitiram obter \
-.1
de 1405. (2) Lavrada, mas nio semeada. maior rendimemo da for;-a de tracefio animal e as trabalhos de arroteamento
W
1
facilitaram a abertura de sendas e caminhos.
’-yi
ww-
film,’
No entanto, as vias menos perigosas e drduas continuvam a ser os rios e
A DIFUSAO DA CHARRUA os mares, que proporcionavam também 0 transports de maiores cargas.
0 aperfeigoamento dos barcos e 0 das instrumentos auxiliares da navegaefio
A charrua, mais forte do que 0 arado e permitindo revolver vieram nfio so incentivar as trocas a distdncia, contribuindo para a transfor-
mais profundamente a terra, parece ser uma invengfio ger- mapfio progressiva do agrarismo medievo no capitalismo comercial modemo.
mdnica. Introduzida na Peninsula provdvelmente pelos inva- '-2

sores bdrbaros, so se divulgou muito mais tarde. As pri- eomo permitir as viagens mais aventurosas de descobrimentos.
S
meiras referéncias escritas a este instrumento em Portugal if
‘ datam de meados do século XIII. U
Era de mil e trezentos (1). Em meados do més de Mateo, Domingos Pedro
‘k
_

:12 rsxros HISTORICOS MEDIEVAIS DECLINIO DA CIVILIZACAO MEDIEVAL 313


UMA DESCRICAO DA BUSSOLA dia para todo sempre, a vos Domingas dc Deus, morador na cidgd de
(ENTRE 1203 E 1202) e
Llsboa, mflildfi d¢ um bald, Com a metade de todos os aparelhos que o dito
Desde meados do século XI que se sabia do utilizagfio, no batel traz, que cu hex, convém a saber: trés varas e duas fateixas dc ferro
China, para fins de orientapdo no mar, de uma agulha mag- e um governalho (1) com pa e dois remos e mastro e antena com toda sua
netizada. As referéncias d btissola aparecem no Europa enxarcia e um trem (1) e um cabre (3) e uma corda, a qual metade dc bate!
apenas em finais do século XIA De Guiot de Provins, monge com a metade dc todos estes aparelhos lhe vendo por certo preeo, convém
cluniacense que havia sido um jogral, resta-nos uma das a saber, cem libras dc dinheiros portugueses. [...]
primeiras descripoes desse instrumento.
[In Joio Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portuguesn.
A estrela polar é imdvcl: VOL 1, Lisboa. I944, p. 135.]
Térn os marinheiros (para a encontrar)
Urn método infalivel por meio do magneto, (1) 0 1¢m=- (2) Uma Vela que se usava. especialmente em caso dc tempestade. (3) Uma
Pedra feia e acastanhada corda grossa.
A que o ferro adere por si.
Entio procuram o sitio adequado
E fazem uma agulha
Que sobre uma palhinha deitam. A DIVULGACAO E 0 APERFEICOAMENTO
Pondo-a depois na agua DAs CARTAS MARlTIMAS
A palha a faz flutuar, (SECULOS XIII E xv)
Voltando-se a ponta para a estrela (polar).
As viagens por mar foram grandemente impulsionadas com
Por isto estio os marinheiros seguros
a utilizagfio (a partir do século XIII) das primeiras cartas do
De estar no caminho certo; - navegar. Muito rudimentares, estas cartas foram superadas
E uma arte que nao pode falhar. na centxiria seguinte pelos portulanos, cobertas por uma rede
de direc;-5es de vento e com as distdncias dos itinerdrios mar-
[Guiot de Provins, La Bible. ed. J. F. Wolfort e H. Schulz, Percival cados em milhas italianas. Com a criapdo da navegagdo
Studien, I-lalle, 1861, pp. 50 e 51.] astrondmica pelos Portugueses, as cartas passaram a apre-
sentar uma escala de latitudes. Para alguns histariadores
seriam jd deste tipo as cartas mandado: desenhar pelo infant:
o APARECIMENTO DO LEME A POPA D. Henrique. O documento que se segue data de 22 dc Outu-
(SECULO XIII) bro de 1443.

A divulgaefio no Mediterrfineo, a partir do século XII, do Ieme Dom Afonso, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber como 0 infant:
com cadaste colocada na popa do navio permitiu nfio so D0m Henrique, meu muito prezado e amado tio, entendendo que fazia
governar com maior firmeza a embarcapfio, como dar-lhe S°"Vi<;0 a Nosso Senhor Deus e a nos, se meteu a rnandar seus navios a
maior calibre. Em Portugal, as primeiras referéncias escri- 5&5" parte da terra que era além do cabo de Bojador, porque até entio
tas ao Ieme ou <<governalho» datam do século XIV. Exempli-
ficamos com um contrato de venda de 22 de Dezembro
"50 havia ninguém na Cristandade que dela soubesse parte, nem sabiam
de 1370. 5° havia la povoaeao ou nao, nem direitamente nas cartas de marear nem
mapamundo nao estavam debuxadas senao a prazer dos homens que 85
Saibam quantos esta carta de pura venda virem que eu, Joao Martins faziam desde 0 dito cabo de Bojadorl por diante e por ser coisa duvidosa
Dorrniras, morador na Aldeia Galega, Ribatejo, vendo e outorgo deste ° °$ homens nao se atreverem de ir, mandou la bem quinze vezes, até que
DECLINIQ DA CIVILIZACAO MEDIEVAL 315
314 _ rexros HISTORICOS MEDIEVAIS
3.
soube parte da dita terra e lhe trouxeram dela por duas vezes uns trinta
OS INVENTOS BELICOS
e oito rnouros presos e mandou dela fazer carta de marear. [...]

[Chane. dc D. Afonso V, l. 24, fi. 61, in Jofio Martins da Silva Mar- A Europa medieval viveu constantemente em guerra. Os conflitos mais ou
ques, Descobrimentos Portugueses, vol. I, Lisboa, I944, p. 435.] menos Iocalizados sucederam-se sem interrupydo, desde o periodo das invasdes
ds turbuléncias feudais. Quando estas foram progressivamente limitadas pelas
instituieoes de paz, a aristocracia desocupado procurou empreendimentos
mais Ionginquos. Posteriormente a Guerra dos Cem Anos alargou ao nivel
A UTILIZACAO DO QUADRANTE NAUTICO internacional as lutas até entfio regionais.
(1462) Acompanhando as vicissitudes das lutas, o traje guerreiro, o armamento
l I

ofensivo e defensivo, as tdcticas de batalha e as fortificagoes evoluiram e


Deve-se ao navegador Diogo Gomes (século XV) a primeira
descriciio do uso ndutico do quadrante, para determinapdo transformaram-se.
da altura do polo. 0 quadrante, de origem drabe, jd vem No topo de toda uma escala de tecnicismo bélico, as armas de fogo vieram
descrito nos Libros del Saber de Afonso X. marcar a transipdo da guerra medieval para a moderna.

Dois anos depois (1) 0 senhor rei Afonso (2) armou uma grande caravela,
l
onde me mandou por capitao. [...] Com a ajuda de Deus, em doze dias che-
A CONSTRUCAO DE MAQUINAS DE GUERRA
l
guei a Barbacins e achei ali duas caravelas, e saber: uma, na qual ia Gon-
ealo Ferreira, familiar do senhor infante, vizinho~ da cidade do Porto, (SECULO x)
em Portugal, que levava cavalos para ali. E na outra caravela era capitio
As mdquinas de guerra medievais foram, até ao aparecimento
e mercador, levando também cavalos, Antonio dc Noli, genovés. E isto ‘li da polvoro, uma continuaedo e aperfeicoamento das utiliza-
foi no porto de Zaia. [...] _ das pela Antiguidade. O monge Richer (c. 950-c. I000)
-Eu e Antonio de Noli, do porto dc Zaia fomos dois dias e uma noiteD descreve-nos uma mdquina utilizada pelo rei de Franpa
caminho de Portugal, e vimos ilhas no mar (3). E porque a minha earavel 0 Luis IV, na conquista da cidadela de Laon em 938.
era mais veleira que a outra, cheguei eu primeiro a uma daquelas ilhas $1
onde vi areia branca, e, parecendo-me bom 0 porto, lancei a ancora c 0 Fez pois, com fortes peqas dc madeira ligadas e'rn_conjui1to, uma maquina
Z.we capaz de comer doze homens, tendo a forma deiuma casa comprida, e a
mesmo fez Antonio. E disse-lhes que queria ser o primeiro a por o pé em Jv

terra, e assim fiz, e nenhum indicio dc homens vimos ai. Chamamos San-
i‘. altura da estatura humana; as paredes foram feitas com madeira muito
tiago a ilha. e até agora assim se chama. [...] forte, 0 tecto, com duras vigas, ligadas umas as outras. Recebeu por den- J
E eu tinha um quadrante, quando fui a estes paises, e escrevi na tabulfl tro quadro rodas, de maneira que pode ser empurrada até debaixo da cida-
do quadrante a altura do polo arctico, e achei ai melhor do que na ‘carta- dflla por aqueles que continha. O tecto nao era plano, mas do cimo descia
E certo que na carta aparece o caminho dc navegar, a rota do navio, H135 para a direita e para a esquerda, a fim de que as pedras lancadas <18 ¢imfl
muitos erros juntos nunca levam ao proposito principal. . Pudessem escorregar mais facilmente. Mal foi acabada de construir, a
miquina foi ocupada pelos combatentes e empurrada para a cidade sobre
[Diogo Gomes, A Relacdo dos Descobrimentos da Guine e das 1122;: 35 Suas rodas moveis. O inimigo, do alto dos rochedos, esforqava-se por a
in V. Magalhies Godinho, Documentos sobre a Expansao Part"! quebrar, mas foi vergonhosamente repelido pelos archeiros repartidos por
_ vol. I, Lisboa, 1943, pp. 92 a 94-]
t°d0S os lados. Enfim, a mziquina foi conduzida até junto da fortaleza,
(1) Em 1462. (1) D. Afonso v (144s_14s1). (1) As ilhas de Sotavento do arquipé1a8° 0 muro minado e cm parte destruido. O inimigo, vendo entfio com terror
de Cabo Verde.
1
~
1
316 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
DEcI.INI0 DA CIVILIZACAO MEDIEVAL gm
que era possivel introduzir pela brecha uma multidao dc combatentes, depos A INTERVENCAO DA ARTILHARIA
as armas, e implorou a cleméncia real. [...] NA BATALHA DE ALJUBARROTA (1385)
[Richer, Histoire de son temps, liv. I1, Société de l’l-listoire de France, As mdquinas de guerra medievais comeearam a sofrer a
trad. de J. Guadet, t. I, Paris, 1845, pp. 137 a 139.]
concorréncia da artilharia desde o inicio do século XIV.
No entanto, o papel das armas de fogo no campo de batalha
foi a principio diminuto, como se_ pode inferir deste conhe-
0 mesmo monge nos explica também como se construia cido texto de Fernfio Lopes (séculos XIV-XV). So depois
A
um ariete: ¢
de mead4\o século XV a sua influéncia foi verdadeiramente
decisiva e revolucionadora.
Construiram esta maquina (1) com quatro vigas de uma grossura e de um MI*1A-)v.\
comprimento extraordinario, que dispuseram rectangularmente e puseram Em isto a vanguarda dos inimigos, de gentes mui guarnecida e de fortn-
de pé; ligaram-nas entre si no cimo e na base por quatro peeas de madeira; leza mais abastante, comeeou de se fazer prestes para mover sua batalha.
no meio nao houve barras transversais senao apenas do lado direito e do sendo ja o dia tao derribado» que passava da hora de véspera. E pero
lado esquerdo; nas junqoes superiores das vigas erguidas estenderam duas tantos fossem e bem corrigidos, ainda se nao atreveram de os cometer com
flaw:
'7!-l-as armas, sem primeiro tirando com um az(1) de trons (2) que ordenada tinham
longas traves, que fixaram e que compreenderam entre si um tereo do espaeo
que separava as vigas. A estas traves ataram cordas entrelagadas e nelas sus- diante, por os espantar e fazer fugir, nos quais posto fogo e disparando
penderam uma enorme peea de madeira, forrada na extremidade. Ataram algumas pedras, delas nao fizeram nojo, e outras empeciam de maneira
também, no meio e na extremidade desta peea de madeira, cordas que, que uma deu na vanguarda do Condestavel e matou dois escudeiros, ambos
‘ .

puxadas e largadas alternadamcnte por urn grande mimero de bracos, irmios, juntamente, e outra deu a um estrangeiro, e estes trés foram mor-
punham em movimento a maea forrada. A esta espécie de rnaquinas se £08 delas; a qual coisa foi aos portugueses grande espanto e havido por
chamam arietes, porque, a maneira dos carneiros (2), recuam para se pre- “quivo eomeeo. [...]
Y
cipitarem para a frente com forea; sao aptissimas em destruir muros, mesmfl ‘I
[Fernao Lopes, Crdnica de D. Judo I, ed. preparada por M. Lope!
os mais solidos. Colocaram esta maquina sobre trés rodas dispostas trian- dc Alrneida e A. de Magalhaee Basto, vol. n, I949, p. 104.]
gularmente, a fim de que pudesse obliquar com mais facilidade e ser diri- , 1
0) I-51111, fileim. G) Nome corn que se designaram as primeiras peeas de lflilhlrll.
gida para onde quer que fosse necessaria. [...]
I P°l' 0 seu ruido se assemelhar ao do trovio.

[Richer, Histoire de son temps, liv. Iv, cap. xxn, Société de l’Hi9-
toirc de France, trad. dc J. Guadet, t. n, Paris, 1845, pp. 171 a 173-1
A ARTILHARIA NA DEFESA DAS PRACAS
(1) Um ariete. (1) A designaeao arlete vem do vocabulo latino dries, ettls, que signi- DE GUERRA (A PARTIR DO SECULO XIV)
fica carneiro.
u
Antes de as armas de fogo desempenharem um papel verda-
deiramente importante nas batalhas campais, jd tinham
revolucionado a defesa das prapas fortes, como no-lo demons-
tra a relapdo que se segue, referente ao ano de I417.

8°81"?-Se a artilharia para guarda e seguranga da boa cidade dc Dijon.


§ 155111 primeiro lugar é preciso haver 25 canhoes, lanqando pedras dc 20,
'2.
» A2 6 8 libras 0 mais pequeno, dos quais ja existem 10; assim ainda sao
.- _.-_ a-.~_-“N-¢»
pr°°1S0s l5 canhoes que poderio custar cerca de 160 francos;
.-. .

n.
313 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

Item, 50 canhoes lanqando chumbadas, dc que ja ha 3; assim é preciso


comprar mais 47, que poderao custar a 2 francos a peca; logo serao
94 francos;
Item, é preciso ter material para fazer polvora dc canhoes, umas 5000
libras, que poderfio custar ao preeo de 25 a 30 francos 0 cento, cerca de
1250 francos. b. A REESTRUTURAQAO PO_LlTICA
DA EUROPA
[Transcrito em Philippe Contamine, Azincourt, Collection Archives, NO LIMIAR DO MUNDO MODERNO
1964, p. 99.]
I

g
*.
l.
I'-
A EVOLUQ/TO POLITICA EM FRANCA
1. E EM INGLATERRA (SECULOS XI A XIII)
A0 dominar a Inglaterra em I066, Guilherme da Normandia impos um feu-
dalismo sistemdtico, que deixou, no entanto, intacta a sua autoridade politica.
Enquanto em Franpa a fragmentaedo administrativa coincidiu com o enfra-
quecimento da monarquia, ainda electiva, em Inglaterra a dinastia normanda,
que estabeleceu a sucessfio hereditdria, mantfestou desde entfio tendéncias
\
centralizadoras. Esta evolugdo divergente revelou-se ainda durante 0 surto
1
comercial e urbano do século XII. A burguesia inglesa aderiu ds classes privi-
legiadas Ana luta contra a monarquia, e esta unido é bem patente na Magno
Carta (I215), que sancionou as liberdades nacionais pela Iimitacdo da auto-
ridade régia. 0 rei francés apoiou-se nas comunas para combater os senhores
.-. feudais e depois de Bouvines (I214) Filipe Augusto sobrepos-se aos grandes
vassalas e firmou 0 poder mondrquico.
"5
A MONARQUIA ELEC'I'IVA EM FRANCA
NO PERTODO CAPETINGIO
r

A monarquia capetingia comecou por ser electiva. Depois de


u'm acordo prévio com os grandes do Reino, 0 arcebispo de
Reims <<elegia» o rei e sagrava-0. Este facto levou os monar-
i cas francos a associarem as primogénitos ao govemo, a fim
de garantirem a coroa na familia. Esta prdtica, que data
desde o primeiro capetingio, é aqui narrada pelo monge
Richer (c. 950-c. I000) contempordneo desses sucessos.
if :'°¢l-'~1mada e acolhida esta opiniao, o duque(1) foi, por unanimidade,
§‘
“ado 80 trono, coroado em Noyon no dia l de Junho(2) pelo metro-

‘k
szz raxros HISTORICOS MEDIEVAIS | DECLlNIO DA cIvILIzAcAo MEDIEVAL 323
1

havia l boi, agora ha’. l5 cabecas de gado bovino, l pequeno cavalo, l8 sui- para 0 assunto; mas nao lhe tirarei nada da sua propriedade para conce-
nos e 2 corticos de abelhas. Nessa época estava avaliado em 69 s, agora der a minha licenca, nem lhe proibirei que a dé em casamento, excepto
em 4 £ e l0 s. Quando recebeu este manso encontrou apenas l boi e l acre se a desejar dar a um dos meus inimigos. Além disto, 0 monetagio (1)
cultivado. Daqueles 5 jugos acima falados, um foi possuido no tempo do comum feito pelas cidades e condados, o qual nao era usado no tempo
rei Eduardo por dois homens livres e foi acrescentado a este manso no do rei Eduardo (2), é por esta proibido; e se alguém, quer seja um moe-
tempo do rei Guilherme. Estava avaliado no tempo do rei Eduardo em deiro ou qualquer outra pessoa for apanhado com moeda falsa, que lhe
l0 s, agora em 22 s, e Guilherme entregou-0 a Peter de Valence. seja feita justica estrita por isso. Esqueeo todos os pleitos e todas as divi-
das que eram devidos ao rei meu irmao. [...] Esqueco todos os assassina-
[Doomsday Book, n, 78 b., in Guy Carleton Lee, Source-Book of English tos cometidos anteriormente ao dia em que fui coroado rei; mas aqueles
History, p. 121.] g
que foram cometidos desde entao serao justamente punidos segundo a
lei do rei Eduardo. Por comum conselho dos meus baroes, retive em minha
A CARTA DE HENRIQUE I posse as florestas como as tinha 0 meu pai. Além disso, todos os cavaleiros
(1100) que detém as suas terras devido a servico sao por esta autorizados a ter
os seus dominios livres dc todas as peitas, e de todos os servieos particulates,
I
Este diploma foi concedido por Henrique I (I068-I135) os quais, como sao assim eximidos de um grande encargo, guarnecer-se-50
aquando da sua coroaefio em I100, na esperanpa de veneer devidamente com cavalos e armas, para que possam estar aptos e prontos
a oposicdo dos baroes feudais e obter 0 apoio destes contra l para o meu servico e para a defesa do meu reino. Dou por confirmada
as pretensfies rivais de um seu irmdo. As liberdades aqui
exaradas serviram de base ti redacpdo da Magna Carta. a paz em todo 0 meu reino e ordeno que ela seja preservada daqui para
o futuro. [...]
Henrique pela graga de Deus rei da Inglaterra, para Hugo de Boclande,
' [Roger of Wendover, History of England, I1, in Elizabeth Kimball
justiciario de Inglaterra, e todos os seus fiéis subditos, tanto franceses como Kendall, Source-Book of English History. New York, 1908, 4.‘ ed.,
ingleses, em Hertfordshire, saudacoes. Saibam que eu, pela graca de pp. 49 a 51].
Deus, fui coroado rei pelo comum consentimento dos baroes do reino de
(‘) Imposto sucessorio pago ao senhor feudal (relief nas linguas franoesa e inglesa, do
Inglaterra; e porque 0 reino foi oprimido por exaccoes injustas, eu, pelo latim relivium ou-relevium). (1) Imposto pelo qual os povos <<compravarn» a moeda
respeito a Deus e 0 amor que sinto em relacio a vos, em primeiro lugar I
Ho rei. (1) Eduardo o, Confessor, rei de Inglaterra de 1042 a 1066.
estabeleeo que a santa igreja de Deus seja uma igreja livre, de maneira
que en nao a possa vender, nem arrendar, nem possa, por morte de qual-
quer arcebispo, bispo ou abade, tirar qualquer coisa ao dominio da igreja O REI DE FRANCA CONFISCOU AS TERRAS DO
ou do seu povo, até que o seu sucessor 0 substitua. SEU VASSALO, O REI DE INGLATERRA (1202)
E eu, a partir daqui, suprimo todas as praticas erradas pelas quais o reino
de Inglaterra esta agora injustamente oprimido e estas mas praticas men- Jofio, rei de Inglaterra, acusado por alguns dos seus vassalos
ciono-as aqui em parte: Se qualquer barao, conde, ou outro subdito meu, de Franco junto de Filipe Augusto, foi, pela corte deste ultimo
rei, privado das suas terras flancesas. O confisco do feudo
que de mim tenha possessoes, morrer, 0 seu herdeiro nao tera de remit era a consequéncia normal de uma quebra de fidelidade por
a. terra, como era costume no tempo de meu pai, mas pagara pela mesma parte do vassalo. 0 cronista do excerta que se segue, monge
uma justa e legal lutuosa (1); e também da mesma maneira os dependentes e depois abade de Coggeshall, um mosteiro cistercience,
dos meus baroes pagario igual lutuosa pela terra, aos seus senhores. E S6 foi contempordneo dos acontecimentos que narra.
qualquer barao ou outro dos meus subditos desejar dar em casamento 8
Sua filha, irma, sobrinha, ou outra parente, que peca 0 meu consentimento Q rei Filipe tinha ordenado muitas vezes ao rei de Inglaterra que termi-

sL
324 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
DECLINIO DA CIVILIZACAO MEDIEVAL 325
nasse 0 ataque [aos condes franceses] e fizesse a paz com os seus homens.
carta com 0 seu proprio selo, todas as coisas que pediam; e finalmente
Mas quando 0 rei de Inglaterra se recusou a dar ouvidos as alegacoes e
convencionaram por unanimidade que, depois do Natal, iriam todos ao
ordens do rei de Franca, foi intimado pelos baroes do reino da Franca,
rei e pediriam a confirmacao das citadas liberdades e que entretanto se
na sua qualidade de conde de Anjou e duque da Aquitania, a vir £1 corte
preveniriam com cavalos e armas, porque, se 0 rei tentasse desligar-se do
do seu senhor, 0 rei de Franca, em Paris, e aceitar 0 julgamento da corte. [...]
seu juramento, poderiam, tomando os seus castelos, compeli-lo a satis-
O rei de Inglaterra, todavia, replicou que, como duque da Normandia, nao
fazer estes pedidos; e, tendo combinado isto, cada homem voltou para
era obrigado a vir a Paris. [...] O rei Filipe, em resposta, disse que era de
sua casa. [...] .
justiea que ele perdesse os seus direitos sobre a Aquitania, porque o duque
De acordo com a data e 0 lugar préviamente combinado(2), 0 rei e
da Normandia e o duque da Aquitania eram a mesma pessoa. [...] Final-
os nobres foram para a conferéncia marcada e, quando ambos os grupos
mente a corte do rei de Franca decidiu que 0 rei de Inglaterra perdesse
estacionaram separados um do outro, iniciaram uma longa discussao
todas as terras que tinha recebido do rei de Franca, visto que por um longo
acerca dos termos da paz e das ditas liberdades. Por fim, depois de terem
periodo havia deixado quase por completo de prestar os servicos devidos
sido discutidos varios pontos de ambos os lados, o rei Joao, vendo que
por estas terras e porque nao obedecia a quaisquer ordens do seu senhor. [...]
era inferior em forca aos baroes, sem levantar nenhuma dificuldade, con-
cedeu aos abaixo mencionados leis e liberdades, confirmando-as pela sua
[Ralph of Coggeshall, Chronicon Anglicanum, ed. J. Stevenson, Lon-
dres, 1875, pp. 134-135.] carta, como se segue. [...]

A REVOLTA Dos BARoEs INGLESES


[Roger of Wendover, Chranica Majora, n, in Elizabeth Kimball Ken-
dall, Source-Book of English History, New York, 1908, 4.‘ ed.,
pp. 72 a 77.]
fl fl l l l
CONTRA JoAo SEM TERRA (1) No Verao de 1214. (1) l5 de Junho de 1215, num campo entre Staines e Windsor.
(1214-1215)
Rogério de Wendover, um monge contempordneo dos sucessos
que precederam e acompanharam e concessdo da Magna
Carta, deu-nos desse periodo o mais fidedzgno e completo A MAGNA CARTA (1215)
relato. Dele extraimos os passos que se seguem:
Este tratado de paz, imposto ao rei Jofio sem Terra pelos
Por esta época (1) os condes e baroes de Inglaterra reuniram-se em Sanw seus barfies em revolta, veio a ser o documento mais impor-
Edmundo como para uma obrigacao religiosa, embora fosse por outra tante da Constituipfio Inglesa, a base de todas as liberdades
britdnicas. Renovando as privilégios concedidos por Henri-
razao; depois de terem discutido uns com os outros em segredo por um que I no sua carta de I100, a Magna Carta ampliou-as,
pedaco, foi colocada perante eles a carta do rei Henrique I, que tinham satisfazendo as necessidades e ambieoes, nda so do clero e do
recebido, como ja foi mencionado, de Estévao arcebispo de Cantuéna, nobreza, como também da burguesia comerciante.
na cidade de Londres. Esta cana continha certas liberdades e leis conce-
didas a Santa Igreja, assim como aos nobres do reino, além de algutnfis 3050, pela graca de Deus, rei da Inglaterra, senhor da Irlanda, duque da
liberdades que o rei acrescentou de seu proprio moto. Por isto, reumdos N01'mandia e da Aquitania, conde de Anjou, aos arcebispos, bispos,
todos na Igreja de Santo Edmundo, rei e martir, e comecando pelos de ma1S abades, condes, baroes, justicas, monteiros, viscondes, prebostes, servi-
elevada jerarquia, juraram no altar-mor que, se 0 rei recusasse conceder- dores e a todos os oficios e fiéis, saude. '
-lhes aquelas liberdades e leis, desligar-se-iam da obediéncia que lhe devlam
1 — Em primeiro lugar concedemos a Deus e confirmamos pela presente
e far-lhe-iarn guerra até que ele lhes tivesse confirmado, por meio de um?!
carta, para no's e para os nossos herdeiros, perpetuamente, que a Igreja
i

DECLINTO DA CIVTLIZACAO MEDIEVAL 327


326 TEXTOS HISTDRICOS MEDIEVAIS
38 -—De futuro nenhum oficial podera incriminar um homem baseado
da Inglaterra seja livre e conserve integralmente os seus direitos e intan- nas suas proprias declaracoes, sem da verdade delas apresentar testemunhas
giveis as suas liberdades. [...] fidedignas.
2 — Se um conde, barao ou outra pessoa que detém terras directamente 39 — Nenhum homem livre sera detido, aprisionado, ou despojado
da Coroa, para servico militar, vier a morrer e a sua morte o herdeiro for dos seus direitos ou bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou destituido
de maioridade e dever a lutuosa, 0 herdeiro tera a sua heranca pagando da sua condicao de qualquer maneira que seja. Nao procederemos contra
pela antiga escala das lutuosas. [...] ele pela forca, nem enviaremos outros que 0 -facam, salvo em virtude dc
um julgamento legal dos seus pares, ou de acordo com a lei da regiao.
3 — Mas se 0 herdeiro de tal pessoa for menor e tutelado, quando atin-
gir a maioridade tera a sua heranca sem lutuosa ou imposto. 40 — A ninguém poderemos vender, negar ou protelar direito ou justica.
-.-.-.. - . - - - - - - - - - - - - - - - . - - . . - . - . . ... - . . - . . - . ..- - . - . . - . . . . - - . nao - - - - - - . - - . . - . . -...... . . . . . . . - - - - - - --
41 —-Todos os mercadores poderao livremente e seguramente sair da
8——Nenhuma viuva sera obrigada a casar-se enquanto desejar perma- Inglaterra, nela entrar, permanecer e passar, quer por terra, quer por agua,
necer sem um marido. Mas devera dar segurancaem como nao se casara para comprar e vender, sem receio de extorsoes ilegais de acordo com 0
sem 0 consentimento real, se detém as suas terras da Coroa, ou sem o antigo costume, excepto em tempo de guerra e se pertencerem ao pais
consentimento de qualquer outro senhor de quem as detenha.
beligerante. Se estes se encontrarem no nosso dominio no principio da
s...-.----Q.---------¢ - - - - - . . . . - . nooogq . . . - - - ..-.--. - . - . - - . - - - - - - - . - ---- - . - - . . . - . . ..-... . - - - . . - ..---
guerra, serao detidos, sem prejuizo para a sua pessoa e bens, até que nos
ou o nosso chanceler saibamos de que maneira os mercadores deste pais,
12-Nenhum imposto ou pedido sera estabelecido no nosso reino, encontrados em terra inimiga, foram tratados; se estes se encontrarem a
sem o consenso geral, excepto para resgatar a nossa pessoa, para armar salvo, aqueles também 0 estarao.
cavaleiro 0 nosso filho mais velho e para casar, uma primeira vez, a nossa -..-...-...-4-.--.-----.¢------..-.--.--------.~--..-.---¢-- ---¢e.-----Q----~--ues-.-.--.|.-a----u-

filha mais velha, e neste caso que a contr-ibuicao seja razoavel. Que tudo 61 —- [...]. Instituimos e concedemos aos nossos baroes a seguinte garantia:
se passe da mesma maneira no que respeita as contribuicoes da cidade
elegerao vinte e cinco baroes do reino, os quais deverao com todo o seu
de Londres.
poder observar, manter e fazer cumprir a paz e as liberdades que nos con-
13 —A cidade dc Londres conservara as suas antigas liberdades e todos cedemos. [...] E se nos nao corrigirmos um abuso [...] dentro do prazo de
quarenta dias a partir do memento em que ele nos tiver sido assinalado [...]
os seus costumes livres, tanto na terra como na zigua. Além disso, queremos
quatro dos baroes sobreditos levarao este assunto até ao conhecimento
e concedemos que as outras cidades, burgos e portos, sem excepcio, gozem
dos outros baroes e todos [...] com o apoio dos comuns do pais, se apo-
das suas liberdades e costumes livres.
deriio dos nossos castelos, terras, bens e outras quaisquer coisas, a excep-
14 — Para obter 0 consenso geral a fim de lancar um pedido ou imposto Qio apenas da nossa pessoa e das da rainha e nossos filhos. [...]
fora dos trés casos sobreditos, mandaremos convocar individualmente r1
os arcebispos, bispos, abades, condes e grandes baroes por meio de cartas. Dada pela nossa mio, no prado que é chamado Runnymede, entre
e além disto mandaremos convocar de uma maneira geral, por intermédio Windsor e Staines, a 15 de Junho de décimo sétimo ano do nosso rei-
dos nossos viscondes e outros magistrados, todos os nossos vassalos direc- nado.
tos para um dia determinado, a saber, corn antecedéncia de pelo menos
[In C. R. C. Davis, Magno Carta, The Trustees of the British Museum,
quarenta dias, num local determinado, e em todas as nossas cartas indi- 1963 pp. 16 a 25.]
caremos o motivo da convocacfio. [...]
. . . . - - - - - . . . . . - . . . - - . . - - . - - . . . . . - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ~ . . - . - . - . . . - . . . - . - - . - . . . . ............-----'

328 TEXTOS HISTCRICOS MEDIEVAIS


DEcLiNIo DA cIvILIzAcAo MEDIEVAL 329
2.
e a cada um dos padres, tanto regulares como seculares, para ouvir con-
A CRISE ECONOMICO-SOCIAL
fissoes e absolver com total e completa autoridade episcopal, excepto em
DOS FINAIS DO SECULO XIV matéria dc dividas; neste caso 0 moribundo, se o pudesse, deveria pagar
a divida enquanto fosse vivo ou outros cumpririam certamente esse dever,
N0 ultimo quartel do século XIV e nos primeiros onos da centuria seguinte,
dos seus bens, depois da sua morte. Da mesma maneira, o papa concedeu
o Ocidente europeu viveu uma crise de crescimento e transformapdo que se
completa remissio de todos os pecados a quem quer que fosse absolvido
troduziu em profundas perturbaeoes econdmicos, sociais e morais.
em perigo dc morte e permitiu que esse poder permanecesse até a proxima
A desvalorizapdo da terra e 0 papel cada vez mais importante do moeda
Pascoa e cada um pudesse escolher um confessor a sua vontade.
no economia, acompanhados de uma subido de pregos, prejudicarom os grupos
No mesmo ano houve uma grande praga entre os cameiros em toda
sociais de rendimentos fixos: os proprietdrios feudois e ‘os trabalhadores osso-
a parte do reino, de forma que num lugar morreram numa pastagem mais
lariados.
de 5000 e tao putridos que nem besta nem pzissaro lhes teriam tocado.
A nobreza procurou compensar-se no guerra e na traducdo em dinheiro
E eram os precos baixos para todas as coisas devido ao temor da morte.
dos impostos pagos pelos aldedos. As classes populares, mesteirais dos cida-
Porque havia muito poucos que se preocupassem com riquezas ou qual-
des e trabalhadores rurais, ergueram-se em subitas revoltas contra os senho-
quer outra coisa. Um homem poderia ter um cavalo, que anteriormente
res e o potriciado urbano.
era avaliado em 40 soldos, por 6 soldos e 8 dinheiros(l), um boi gordo
A guerra, as fomes e as epidemias, entre as quais a peste negra (I348-
por 4 soldos, uma vaca por l2 dinheiros, uma bezerra por 6 dinheiros,
-1350) contribuiram para dar aos motins do segundo metade do século um
um gordo carneiro capado por 4 dinheiros, um carneiro por 3 dinheiros,
cordcter particularmente grave. Este clima de catdstrofe, impressionando
um cordeiro por 2 dinheiros, um porco grande por 5 dinheiros, uma pedra (1)
as consciéncias, teve profundas repercussdes religiosas, intelectuais e até
de 15 por 9 dinheiros. Os carneiros e 0 gado andavam vagueando pelos cam-
mesmo artisticas.
pos e através das searas e nao haviam ninguém para ir com eles, os condu-
zir ou juntar, dc forma que naopode ser determinado o numero dos que
morreram pelas valas em cada distrito, por falta de pastores; porque havia
A PESTE NEGRA EM INGLATERRA uma tal falta de servidores que ninguém sabia que fazer. [...] Ao mesmo
(1349) tempo os padres estavam em tal pobreza por toda a parte que havia muitas
igrejas sem padre e com falta de oficios divinos, missas, matinas, vésperas,
Henry Knighton, um cdnego de Leicester contempordneo sacramentos e outros rituais. Uma pessoa dificilmente poderia conseguir
do peste negra, dd-nos sobre o avanpo e as consequéncias
um capelio por menos de 10 libras ou 10 marcos para oficiar numa igreja.
do praga um relato vivo e circunstanciado.
E quando uma pessoa podia obter um capelio por 5 ou 4 marcos ou mesmo
Entao a gravosa praga penetrou pela costa maritima a partir de South- por 2 marcos com a sua alimentacao, quando havia abundancia de pa-
ampton e chegou a Bristol; a1’ quase que toda a forca da cidade morreu,atin- dres antes da pestiléncia, dificilmente haveria alguém agora que desejasse
gida pela morte subita, porque houve poucos que estivessem de cama mais aceitar um vicariato por 20 libras ou 20 marcos; mas dentro de um curto
do que trés dias, ou dois dias, ou meio dia. E depois disto a cruel morte ¢$pa<;o de tempo um grande numero daqueles cujas mulheres tinham
propagou-se por toda a parte com o curso do Sol. Morreram em Leicester A4-M morrido na pestiléncia acorreram as ordens. No entanto, muitos eram ile-
na pequena paroquia de S. Leonardo mais de 380, na paroquia de Santa trados e pouco menos que leigos, salvo na medida em que sabiam ler, em-
Cruz mais dc 400; na paroquia de Santa Margarida de Leicester mais de 700; bora nao pudessem compreender.
e assim um grande numero em cada paroquia. Entfio o bispo de Lincoln Entretanto o rei enviou uma proclamacfio para todos os condados em
enviou uma mensagem através de todo 0 bispado e deu poder geral a todos °°m0 0s ceifeiros e outros trabalhadores nao poderiam cobrar mais do
que aquilo que tinham por costume cobrar, sob a penalidade indicada pelo

$4 I
1
330 TEXTOS I-IISTCRICOS MEDIEVAIS l DECLINIO DA cIv1L1zAcAo MEDIEVAL 331

estatuto (3). Mas os trabalhadores estavam tao soberbos e obstinados que Inglaterra, saudacoes. Dado que uma grande parte do povo, e especial-
nao quiseram ouvir as ordens do rei, mas, se alguém desejasse té-los, era mente dos trabalhadores e servidores, morreu ultimamente da peste
obrigado a dar-lhes 0 que eles queriam, perdendo os seus frutos e searas e muitos, vendo as necessidades dos senhores e a grande escassez de ser-
ou satisfazendo-lhes os soberbos e ambiciosos desejos. [...] vicais, nao querem servir sem ter recebido salarios excessivos, preferindo
Depois da acima dita pestiléncia, muitos edificios, grandes e pequenos, outros mendigar no ocio a ganhar a sua vida pelo trabalho; nos, consi-
cairam em ruinas nas cidades, vilas e aldeias, por falta de habitantes, de derando os graves incomodos que podem sobrevir especialmente da falta
maneira que muitas aldeias e lugarejos se tomaram desertos, sem uma de lavradores e dc tais trabalhadores, depois de ter deliberado e tratado
casa ter sido abandonada neles, mas tendo morrido todos os que ai viviam; com os prelados e os nobres e os homens doutos que nos assistem, com o
e é provavel que muitas-dessas aldeias nunca mais fossem habitadas. [...] seu conselho unanime, ordenamos:
Nobres e senhores do reino que tinham foreiros faziam abatimentos Que cada homem e mulher do nosso reino de Inglaterra, dc qualquer
da renda, a fim de que os foreiros se nao fossem embora, devido a falta dc condicao que seja, livre ou servo, apto de corpo e com menos de sessenta
servidores e geral carestia, uns dc metade da renda, outros mais, outros anos, que nao viva do comércio nem exerca qualquer oficio, nem possua
menos, alguns por dois anos, alguns por trés, alguns por um ano, segundo de proprio com que possa viver, nem terra propria em cujo cultivo se
o que combinassem com eles. Desta maneira aqueles que recebiam dos possa ocupar, nem sirva qualquer outro se for convocado para trabalhar
seus foreiros um dia de trabalho ao longo do ano, como é costume com num servico que lhe seja adequado, considerada a sua condicao, sera obri-
os vilaos, tinham dc lhes dar mais lazeres e perdoar tais trabalhos, e outros gado a servir aquele que assim o convoca; e levara apenas o soldo, paga-
liberta-los por completo ou dar-lhes um foro mais facil por uma renda me- mento, remuneracao ou salario que era costume serem dados nos locais
nor, para que as casas se nao arruinassem irremediavelmente e a terra nao onde era obrigado a servir no vigésimo ano (2) do nosso reinado em Ingla-
permanecesse inteiramente por cultivar em toda a parte. terra, ou nos cinco dos seis anos comuns anteriores. [...] E se qualquer homem
ou mulher sendo assim convocado para servir, nao o fizer, e isto for pro-
[In Elizabeth Kimball Kendall, Source-Book of English History, New vado por. dois homens bons perante os sheriffs(3) ou os bailij}'s(4) do nosso
York, 1908, 4.“ ed., pp. 102 a 106.]
senhor soberano o rei, ou os constabIes(5) da cidade onde 0 caso se tiver
(1) Quase todos os sistemas monetarios da Europa Ocidental se baseavam na seguinte
dado, sera imediatamente preso por eles ou por qualquer deles e enviado
equivaléncia estabelecida no tempo de Carlos Magno: uma libra continha 20 soldos 6 para o carcere proximo, permanecendo ai debaixo de estreita vigilancia, I
240 dinheiros. (1) Uma apedra» corresponde, em media, a 6,350 kg. (3) Esta determi- até que dé a garantia de servir na forma acima dita.
nacio de 1349 foi seguida dois anos mais tarde pelo Estatuto dos Trabalhadores. Se qualquer segador, ceifeiro ou outro trabalhador ou servidor de qual-
i quer estado ou condicio que seja, retido no servico de qualquer homem,
abandonar o dito servico, sem causa razoavel ou licenca, antes da data
O ESTATUTO DOS TRABALHADORES (1351)
combinada, sofrera pena de prisao; e ninguém, sob a mesma pena, ousara
Uma das mais graves consequéncias do peste negro foi um receber ou reter esse tal a seu servico. [...] Também os seleiros, os peleiros,
brusco despovoamento, que arrastou uma grande crise J8 os curtidores, os sapateiros, os alfaiates, os ferreiros, os carpinteiros, os
mdo-de-obra e alta de saldrios. Os governos procuraram pedreiros, os oleiros, os calafates, os carroceiros e todos os outros arti-
remediar esta situacdo compelindo as pessoas ao traballw fices e trabalhadores nao levarao pelo seu trabalho e artesanato mais do
e tabelando as remuneracdes. O Porlamento inglés, retire" que 0 mesmo que era costume ser page a tais pessoas no dito vigésimo ano,
sentando predominantemente as proprietdrios, votou os esta- l
I e nos outros anos comuns anteriores, como antes foi dito, no lugar‘ Onde
tutos seguintes: l
-
lhes couber trabalhar; e se algum homem levar mais, sera entregue no car-
Eduardo (I) pela graca de Deus, etc., ao Reverendo Padre em Cristo, Gui- ¢¢re proximo, da maneira como anteriormente foi dito.
lherme, pela mesma graga arcebispo de Cantuaria, primaz de toda 3 Também os carniceiros, os peixeiros, os estalajadeiros, os cervejeiros,

.1
332 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS DECLINIO DA cIvII.IzAcAo MEDIEVAL 333
os padeiros, os galinheiros e os outros vendedores de toda a espécie de fora dc si e de baixa condicfio. Na realidade, mataram muitas mulheres
vitualhas serao obrigados a vender as mesmas vitualhas por um preco e criancas nobres, pelo que Guilherme Carlos lhes disse muitas vezes
razoavel, considerando 0 preco pelo qual tais vitualhas eram vendidas que se excediam demasiadamente; mas nem por isso deixaram de o
nos lugares vizinhos, de maneira que os mesmos vendedores tenham ganhos fazer.
moderados e nao excessivos, razoaveis para serem pedidos, de acordo Entao Guilherme Carlos viu bem que as coisas nao podiam ficar assim;
com a distancia do lugar donde as citadas vitualhas foram trazidas. [...] porque, se eles se separassem, os gentis-homens cair-lhes-iam em cima.
E como, por causa disto, muitos robustospedintes, enquanto podem Portanto, enviou os mais prudentes e os mais notaveis perante o preboste
viver pedindo, se recusam a trabalhar, entregando-se ao ocio e ao vicio, dos mercadores dc Paris e escreveu-lhe que estava pronto a ajuda-lo e
e por vezes ao roubo e a outras abominacoes; ninguém, sob a mesma l que ele também o ajudasse e socorresse, se necessario fosse. Por isso fica-
pena de prisao, podera sob a cor da piedade ou da esmola, dar o que quer , ram contentes os generais dos trés estados e escreveram a Guilherme
que seja aqueles que podem trabalhar ou tentar auxilia-los no seu ocio, a I Carlos que estavam prontos a prestar-lhe socorro. Estes Jacques vieram
fim de que, desta forma, sejam compelidos a trabalhar para o que lhes é , até Gaillefontaine. A condessa de Valois, que ai estava, desconfiou deles,
necessario a vida. fez-lhes boa cara e mandou dar-lhes viveres. Porque eles estavam acos-
l
tumados a que, pelas cidades e lugares por onde passavam, as pessoas,
[Ed. from Statutes of the Realm, I, pp. 307 e 308, in Guy Carleton Lee, mulheres ou homens, pusessem as mesas nas ruas; ai comiam os Jacques
Source-Book of English History, 2.‘ ed., revised, New York, 1906,
pp. 206 a 208.] e depois passavam adiante, incendiando as casas dos gentis-homens. [...]

(1) Eduardo III (1327-1377). (1) Em 1347, anteriormente a peste. (3) Magistrados [Chronique des quatre premiers Valois (I327-I393) Société de l'His-
supremos de um condado, com poderes judiciais e executivos. (4) Oficiais dependentes toire de France, por M. Simeon Luce, Paris, 1862, pp. 71 e 72.]
do sheriff e- encarregados de fazer prisoes e cobrar muitas. (5) Oficiais encarregados de
executar as decisoes dos magistrados da Justica.

A REVOLTA DOS CIOMPI EM FLORENCA


A JACQUERIE (1358) (1378 A 1382)

‘ Os mesteirais florentinos, entre os quais se incluiom tintu-


A crise econo'mico provocada pelas campanhas do Guerra
dos Cem Anos, pela peste negra e outras epidemias suscitou reiros, alfaiates e cardadores de Id (ciompi), privados de
em Franco uma revolta das populopfies rurais, que ficou conhe- direitos civis e politicos, revoltaram-se contra a oligarquia
cida pela Jacquerie (20 de Maio a 10 de Junho de I358). dirigente, triunfando momentdneamente. De I378 a I382
I houve uma maioria proletdria no govemo de Florenpo. Um
relato vivo destes acontecimentos é-nos dado pelo mer-
Neste tempo‘ revoltaram-se os Jacques em Beauvoisin, e comecaram 3
cador florentino Buonoccorso Pitti, contempordneo dos
ir em direccao de Saint-Leu d’Esserent e de Clermont no Beauvoisin. eventos.
Entre eles estava um homem muito sabedor e bem-falante, de bela figura
e forma. Este tinha por nome Guilherme Carlos. Os Jacques fizeram-no Em 1378, depois de ter sido feita a paz com 0 Papa Gregorio (1), irrom-
seu chefe. Mas ele viu bem que eram gente miuda, pelo que se recusou Peram disturbios entre a populacio florentina. Os trabalhadores ignoran-
a governa-los. Mas dc facto os Jacques tomaram-no e fizeram dele seu chefe. tes queimaram e saquearam uma quantidade de casas, expulsaram os prio-
com um homem que era hospitalario, que tinha visto guerras. Também 1'¢$(2) do palacio comunal e com eles Luigi Guicciardini, que era gon-
as tinha visto Guilherme Carlos, que lhes dizia que se mantivessem unidos. faloneiro da Justica(3) nessa altura. Entao manobraram para agarrar
E quando os Jacques se viram em grande numero, perseguiram os homens 0 poder e nomear um gonfaloneiro de sua propria escolha, um certo
nobres, mataram varios e ainda fizeram pior, como gente tresloucada, . Michele di Lando, o qual, todavia, mais ou menos um dia depois, fez causa
.
I

I
DECLINIO DA CIVILIZACAO MEDIEvAL 335
334 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
numero para Bruges, tomaram a cidade, depuseram 0 conde, roubaram
comum com os artifices, os Gibelinos (4), os homens afastados dos cargos, e mataram todos os seus oficiais e precederam da mesma maneira em
e desviou todo 0 poder do povo. relacio a todas as outras cidades flamengas que cairam nas suas maos.
Como membro da milicia alistado sob o estandarte de Nicchio (5) eu O seu chefe era esse Filipe Van Artevelde (2) que acima mencionei. Como
estava em servico na praca quando os artifices e os seus aliados vinham crescesse 0 numero de fiamengos em rebeliao contra os seus senhores,
de volta, depois da expulsao do povo. Quando ja todos os outros tinham enviaram embaixadas secretas a populaca de Paris e Rouen incitando-a
sossegado, um canteiro, que estava claramente com intencoes assassinas, a fazer 0 mesmo aos seus proprios senhores e prometendo-lhes ajuda e
continuou gritando: (<Enforquem-nos! Enforquem-nos!» Dirigi-me para ele socorro neste empreendimento. Em consequéncia, estas duas cidades revol-
e disse-lhe que refreasse a lingua, depois do que ele me deu uma estocada taram-se contra 0 rei de Franca. A primeira insurreicao foi a do povo
no peito com a ponta da espada. Rapidamente dei-lhe com a lanca e de Paris, provocada por um vendedor de frutas que, quando um oficial
fazendo-a atravessar a sua tunica de couro, matei-o ali mesmo. Varias tentava cobrar uma taxa sobre a fruta e os vegetais que estava vendendo,
testemunhas que o tinham visto iniciar a qucstao declararam que eu havia comecou a gritar: <<Abaixo a 'gabelal(3)». A este grito toda a populacio
agido em defesa propria e que ele merecia a sua sorte. Nada mais se disse se ergueu, correu para as casas dos cobradores de impostos, roubou-os
a esse respeito por essa época. e assassinou-os. Entao, na medida em que o povo nao estava armado,
Fui para casa e, vendo que muitos cidadaos Guelfos (6), incluindo alguns um de entre eles conduziu-os ao Chatelet (4) onde Bertrand du Guesclin (5),
dos melhores, estavam a ser proscritos e banidos, resolvi deixar a cidade. um antigo Grande Condestavel, tinha guardado 3000 malhos em prepa-
racao para uma batalha que devia ter sido dada aos Ingleses. A populaca
[<<The Diary of Buonaccorso Pitti», in Two Memoirs of Renaissance
Florence, ed. Gene Brucher, New York, Evanston and London, 1967, serviu-se de machados para abrir caminho até a torre onde estes malhos
pp. 28 e 29.] . (em francés, maillets) estavam guardados. Armando-se a si proprios, os
homens precipitaram-se em todas as direccoes para roubar as casas dos
(1) Gregorio XI (1370-1378). De 1375 a 1378, Florenca manteve uma luta com o Papado representantes do rei e em muitos casos mata-los. O popolo grosso, ou
conhecida por <<Guerra dos Oito Santos», nome dado aos magistrados criados para a
homens de haveres que em francés sao chamados bourgeois, temendo
dirigir. (1) Os dirigentes das corporacoes conhecidas por Artes Maiores (em numero
de 7 e agrupando o popolo grosso) e Artes Menores (em numero de 14 e representando que os populares (que foram mais tarde chamados mailiotins e eram da
o popolo mogro). So os priores das Artes Maiores entravam no Govemo. (3) Tinha a mesma raga dos ciompi em Florenca) os pudessem também roubar, pegou
seu cargo a defesa do govemo comunal que estava nas maos da burguesia rica, o popvlv em armas e procurou subrneté-los. [O popolo grosso] manobrou entao
grosso. (‘) Partido que apoiava o Império. (5) Nicchio era uma subdivisao do bairr0 para tomar o governo nas suas proprias maos e, juntamente com os mail-
do Espirito Santo, em Florenca. (5) Grupo que tomava 0 partido do papa contra 0 lotins, continuaram a guerra contra os seus reais senhores.
Império.
I
[<<The Diary of Buonaccorso Pitti», in Two Memoirs of Renaissance
Florence, ed. Gene Brucker, New York, Evanston and London, 1967,
AS REVOLTAS DE GAND (1381)
E DE PARIS (1382)
1-:0
I pp. 39-40.]

A crise economica e social do século XIV traduziu-se, entr_¢


outros monifestagoes, por movimentos urbanos nos quais
se conta 0 que foi chefiado por Filipe Van Artevelde (1340'
l I
(‘) Masgarida da Flandres casou em 1369 com Filipe o Ousado, duque da Borgonha.
(Z) Filho de Jacques Van Artevelde, rnorto num tumulto contra os Franceses (1345).
Filipe Van Artevelde foi morto na batalha de Roozebeke, onde 0 rei dc Franca Carlos Vl
-I382) no Flandres e pelos Maillets, em Paris. I Venceu os Flamengos (1382). (3) Imposto sobre o sal, que so veio a desaparecer em 1789.
(‘) Nome de duas fortalezas no Paris antigo. (5) Condestavel do rei Carlos V.

Em l38l o povo de Gand revoltou-se contra o seu senhor, o conde <13


Flandres, que era 0 pai da duquesa de Borgonha (1). Marcharam em grflfldfi
336 rexros HISTORICOS MED1EvAIs
DECLINIO DA CIVILIZACAO MEDIEVAL 337
PESTILENCAS E FOMES EM 1437
A fome existiu sempre, ao longo da Idade Média, num estado
i 3.
O GRANDE CISMA
latente. Qualquer intempérie ou guerra precipitava grandes
dreas em crise de coréncia alimentar. Perante a subido dos
E A PERDA DA AUTORIDADE PONTIFICIA
precos dos géneros e a dificuldode de abastecimento, as clas-
ses pobres eram naturalmente atingidos com mais dureza. AS relapoes entre o Papado e as outoridades temporais entraram numa nova
fase com 0 crescimento progressivo do sentimento de nacionalidade e o for-
Item, neste ano de 1437, tomaram-se os trigos e os cereais tao caros por talecimento do poder real. Este fenomeno, sensivel em quase todos os estados,
todas as partes do reino de Franca e outros diversos lugares e paises da mas muito nitido em Franpo apos as Cruzadas, abriu um conflito entre este
Cristandade que aquilo que alguma vez se tinha dado por quatro soldos, pais e a Santa Sé. A dissidéncia girava em torno de uns impostos que tanto
moeda de Franca, vendia-se por 40, ou mais. Por ocasiao da qual cares- I Roma como o rei francés se arrogovam 0 direito de levantar sobre o clero
I
tia houve uma tao grande fome universal que grande multidao de pobres francés.
gentes morreram por indigéncia. E era coisa muito dolorosa e triste vé-los A proibicdo de Filipe IV (I285-I314) de sdida de dinheiro de Franco
morrer de fome nas boas cidades e jazer sobre as-estrumeiras em grandes o Papa Bonifdcio VIII replicou com duas bulos famosas, no segundo das
bandos. Havia algumas cidades que os expulsavam da sua senhoria; e quais (Unam Sanctam) se proclamova, uma vez mais, o supremacia do
houve também outras que os receberam e administraram por bastante pontifice romano sobre todos as poderes temporais.
tempo, de acordo com as suas possibilidades, cumprindo as obras de Deste conflito 0 rei francés saiu vencedor e a breve trecho o Papado des-
misericordia. Entre aquelas que os receberam e administraram estava locou a sua sede de Roma para Avinhiio, no limiar do reino do Franco, onde
a cidade de Cambrai. E durou esta pestilenca até ao ano de 39. E foram permaneceu, <<cativo» deste pails, entre I305 e I378. Com este episodlo 0
feitos por esta causa varios edictos pelos senhores, tanto principes como Papado perdeu 0 seu cordcter internacional e grande parte do sua forca; ndo
outros, e também pelos das boas cidades, proibindo sob pesadas penas poderia ter,pretenso'es a reger as napoes, porque deixara de ser independents.
que nenhum trigo ou outro cereal fosse levado para fora. Da mesma ma- Apos oregresso de Gregorio XI o Roma (1377) a situacfio tornou-se ainda
neira foi determinado na cidade de Gand que se abstivessem de fabricar mais grave para a Igreja quando, uns meses depois, uma duplo eleipdo pon-
cervejas ou outras bebidas semelhantes, que todas as gentes pobres matas- tificia levou a existéncia de dois papas e de dois corpos de cardeais. O Grande
1
sem os seus caes e que ninguém mantivesse nem alimentasse cadela, se Cisma do Ocidente (1378-1417) dividiu ndo so o Igreja, comn toda o Europa.
ela nao estivesse castrada. Tais e semelhantes ordenancas foram feitas em I
onde serviu 0 jogo dos nacionolismos nascentes.
muitos paises, a fim de prover a comum pobreza do povo miudo e dos
mendigos.
A RELACAO ENTRE os PODERES ESPIRITUAL
[La Chronique d’Enguerran de Monstrelet, liv. II (1422-1444), cap,
ccxxur, por Douét-D’Arcq, Société de l'Histoire de France, t. v.
E TEMPORAL SEGUNDO 0 PAPA BONIFACIO vm
Paris. 1861, pp. 319 e 320.] (BULA UNAM SANCTAM, 1302)
A bula Unam Sanctam, de que domos 0 excerta que se segue.
mostra-nos a posicdo de Bonifdcio VIII, defensor do supre-
macia espiritual do Santo Sé sobre os govemos temporais.
I
no decorrer do conflito com o rei de Franco, Filipe o Belo.
1
I Somos obrigados pela fé a acreditar e defender —-e nos acreditamos
firmemente e confessamos com sinceridade - que a Santa Igreja Catolica
e Apostolica é una e que fora dessa Igreja nao existe salvacfio nem remis-
t. m. - 11
W.
DECLINIO DA CIVILIZACAO MEDIEVAL 339
338 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
! O Império é anterior ao Papado, visto que é anterior ao nascimento de
sao de pecados. [...] Esta Igreja, una e fmica, possui um corpo e uma cabeqa Cristo. [...] Logo, 0 Império nao dependia entao do papa. [...]
Além disto, se o Império Romano depende do papa, dependera quer
— nao duas cabeqas como um monstro —- nomeadamente Cristo e o viga-
segundo 0 direito divino, quer segundo o direito humano. Nao depende
l
rio de Cristo, Pedro e o sucessor de Pedro, porque o Senhor disse ao
proprio Pedro. <<Apascenta as minhas ovelhas.» Disse <<as minhas ovelhas» segundo o direito divino, pois [...] nao encontramos nada de semelbante
em geral, e nao estas ou aquelas; por esta razao, subentende-se que 0 encar- nas Sagradas Escrituras e encontramos mesmo 0 contrario. [...] Com efeito,
regou de todas. Por isso, se os Gregos ou outros dizem que nao foram Cristo e os Apostolos nunca ensinaram que o imperador romano devesse
emregues a Pedro e aos seus sucessores, confessarn necessariarnente que reconhecer que o seu Império dependia do papa mais do que o rei de Franqa
0
nao pertencem as ovelhas de Cristo, porque 0 Senhor diz em Ioao: ma ou qualquer outro rei. [...] Da mesma maneira nada se pode concluir das
urn so rebanho e um so pastor.» palavras de Cristo: Tu és Pedro [...] e tudo 0 que ligares na terra [...], por-
E aprendemos das palavras do Evangelho que nesta Igreja e em seu que estas palavras nao devem ser compreendidas sem excepqao, mas excep-
poder estao duas espadas, a espiritual e a temporal. [...] Na verdade, aquele l. tuando nelas os direitos e liberdades dos imperadores.
Nao é também pelo direito humano que 0 papa pode concluir que 0
que nega estar a espada temporal ern poder de Pedro interpreta mal as !
palavras do Senhor: <<P6e a tua espada na bainha.» Ambas estao em poder Império Romano depende dele. [...] Corn efeito, os imperadores cristaos
\
da Igreja, a espada espiritual e a material. Mas a filtima é para ser usada I
sucederam-se aos imperadores infiéis e chamaram-se também César e Au-
\ gusto. E servem-se do direito dos imperadores infiéis, tanto mais que
para a Igreja, a primeira por ela; a primeira, pelo sacerdote, a filtirna, pelos
reis e cavaleiros, mas de acordo corn a vontade e permissao do sacerdote. . Cristo [...] nao veio diminuir os direitos dos imperadores infiéis.
l
Uma espada, portanto, devera estar sob a outra, e a autoridade temporal [Guilherme d’Ockha.m, Brevilo uium de potestate pupae, cit. em Marcel
sujeita a espiritual. [...] Se, portanto, o poder terreno erra, sera julgado pelo Pacaut, La The'ocratie—L'g'gl|'se er lc pouvoir au Moyen Age.
poder espiritual; e se um poder menor erra, sera julgado pelo maior. Mas Paris, 1957, p. 285].
se 0 supremo poder erra, apenas podera ser julgado por Deus, nao pelo
homem. [...] Por tudo isto declaramos, estabelecemos, defi.nimos e pronun-
ciamos que é absolutarnente necessario para a salvaqao dc toda a criatura O CONClLIO DE PISA
humana estar submetida ao pontifice romano. E A ELEICAO DE ALEXANDRE V (1409)

[Aemilius Friedberg, Corpus Juris Canonici, pars secunda, Decreta- Depois de tentados sem sucesso varios processos para fazer
lium Collectiones, Graz, l9S5, cols. 1245 e 1246.] findar 0 Cisma, optou-se pela <<via conciliar». Reunida em
Pisa um concilio (1409) que se declarou ecuménico, 0 papa
de Roma e 0 de Avinhfio foram considerados heréticos e

0 DECLlN'IO DAS IDEIAS TEOCRATICAS: l1 elegeu-se 0 arcebispo de Milfio, que tomou 0 nome de Ale-
xandre V. Doravante passaram a existir trés pontifices.
A CRlTICA DE OCKHAM (1340) I
0 cronista do texto que se segue foi contemporaneo dos
assuntos narrados.
E
O progresso da centralizagfio monzirquica, por um lado, e 08 l
0
abusos da administragfio pontificia de Avinhfio, por outro. E entao o cardcal dc Bar e todas as suas gentes partiram de Génova e
provocaram, no decorrer do século XIV, acerbas criticas con- Caminharam, em varias jornadas, até que chegaram at cidade de Pisa. No
tra a Igreja. Nesta corrente se integrou 0 franciscano inglés
Guilherme de Ockham (I270-1349), negando ao Papal/10 qual lugar estava reunida grande multidio de cardeais da obediéncia dos
qualquer direito ao poder temporal. dois papas, mestres em teologia, graduados tanto em decretais como em
Outras ciéncias, embaixadores de diversos reinos e grande niunero de pre-
Prova-se desta maneira que 0 Império Romano nao depende do papa-
340 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS
DECLINIO DA CIVILIZACAO MEDIEVAL 3“

lados de todas as partes da Cristandade. Os quais, depois de terem tido


r-' EICAO
DE MARTINHO v
varios concilios sobre a divisfio da Igreja universal, chegaram enfim a uma
conclusao, e todos em conjunto e dc uma so vontade condenaram os dois
1-11> Om FIM no GRANDE CISMA (1411)
pretendentes ao papado como heréticos, cismaticos, obstinados no mal Interessado em conseguir a unidade da Igreja, 0 imperador
e perturbadores da paz da nossa Santa Madre Igreja. Esta condenaqfio da Alemanha Segismundo (1411-1437) ordenou. em I414,
foi feita, estando presentes vinte elquatro cardeais, as portas da cidade a reunido de um concilio em Constanpa, notificando o papa
de Pisa, na presenca de todo o povo. E no 15.“ dia de Junho do dito ano (1), de Pisa, Jodo XXIII, 0 de Roma, Gregorio XII, e 0 de Avi-
os cardeais acima nomeados, chamando e invocando a graga do Espirito nhfio, Bento XIII. A 11 de Novembro de 1417f0ifina1mente
eleito Martinho V, tendo a votagrfio sido feira por na;5es
Santo, entraram em conclave e ai estiveram juntos pelo espaoo de vinte e e cabendo 0 vato nda so aos pre1ados,como aos representantes
um dias, até que chegaram a uma conclusao e elegeram Pedro de Candia, l dos principes e procuradores das universidades. 0 cronista
natural da Grécia, da ordem dos Frades Menores, doutor em Teologia feito do trecho a seguir transcrito foi contempordneo dos eventos-
em Paris, arcebispo de Milio e cardeal, como verdadeiro e soberano nele registados.
\
bispo catolico da nossa Santa Madre Igreja. "
O qual, ao ser consagrado, foi chamado Papa Alexandre V deste nome.
[...]Item, nesse temp0(1), por determinaqfio do santo Concilio de Constanga,
Oh Deus todo-poderoso! Que enorme alegria e prazer aqui houve pela l quatro naqoes, a saber: a Itzilia, a Franea, a Inglaterra e a Alemanha,
grande provisao da tua Gra<;a! Porque nao se poderia contar a grande elegeram seis homens notaveis de cada uma das naqoes, os quais entra-
gritaria e manifestaqées feitas por aqueles que estavam e vinham em redor
ram com todos os cardeais da corte de Roma em conclave, para elegcr 0
da dita cidade pelo espaqo de uma légua aproximadamente. Mas que pode- papa, na noite de S. Martinho, de Inverno. E estando eles ali, dc portas
Z‘,
remos nos dizer da cidade de Paris? Certamente, quando ouviram estas
t . =4
X
fechadas, Segismundo, rei da Alemanha, rei da Hungria e da Boémia, estava
noticias, era no 8.° dia de Julho, encheram-se de tao grande alegria que do lado de fora, junto as portas, sentado em trono real, tendo na cabeqa
nao deixavam de gritar, noite e dia, pelas pragas e pelas ruas, em alta voz:
tr
a coroa e na mio uma vara real. O qual estava rodeado por varios prin-
*'<1l?i¢i§?-
-' -
.':" cipes, cavaleiros e outros homens de armas. E pela graqa do Espirito Santo,
<<Viva Alexandre V nosso papa! Bebamos e comamos juntos a maneira de .1‘q
IL Segundo se cré de comum acordo, elegeram papa o cardeal da Coluna(1),
grande solenidade.» E depois fizeram fogos, que eram muito grandes.
, natural de Roma, tendo nas suas armas urn escudo vermelho e no meio
{.13
uma coluna de prata coroada de ouro. O qual papa foi levado a Igreja
[La Chronique d’Enguerran de Monstrelet, por L. Douét D'A1'Cq, *2 7}Ll.
Société de 1'1-Iistoire de France, t. n, Paris, 1858, pp. 9 e 10.]
‘.'_§;

'$, 3 Catedral e consagrado pelo cardeal Ostiense, deao dos cardeais, e foi
‘:1
~.
1
¢hamado Martinho, quarto (3) deste nome. A qual coisa foi imediatamente
(1) De 1409. .‘_ . -4
dlvulgflda por todas as partes das ditas naqoes. Pelo que todo 0 clero c
.14’
.-I(—
15 ° Povo renderam graoas a Deus, excepto a cidade de Paris, porque temia
i que este novo papa e o rei da Alemanha fossem favorziveis ao rei dc Ingla-
I? terra e ao duque da Borgonha, mais do que ao rei de Franea e ao con-
"-4-.
.:,\k-0?
it
selho real.

[La Chronique d'Enguerran de Monsrrelet, por L. DouEt-D'Arcq-


Sociéié dc l'l-listoire de France. t. in, Paris, 1859, pp. 189 e 190.]
1 2;'.¢.. LV-‘..;;.:'-’
l‘) Em 1417. (1) Otio Colonna. (3) Erro do cronism.
-*: I
I

1
0

I
I
N
! DECLINTO DA CIVILIZACAO MEDIEVAL 343
342 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAI5
das c arrastadas desde a passagem da barra’ sagrada até ao golfo Qua-
4. tino. E imediatamente assim foi feito. Foram desta maneira trazidas as
O FIM DO IMPERIO BIZANTINO (1453) birremes, nas quais um assistia como piloto 5. proa ¢ Qutrg oricmava O
Ieme a popa; um terceiro governava as Vargas e movia as W135, Qu[fQ
A 29 de Maio de 1453 e depois de um cerco que se iniciara a 5 de Abril desse l tocava tambor enquanto um poema nautico era cantado pelo trombetciro.
mesmo ano, Constantinopla caiu nas mfios do sultfio otomano Muhammad II. Entretanto aparecem assim torrentes de navegantes que invadem os
Este episodio marcou o fim da civilizaedo bizantina e do Império Romano silvados e trazem de um lado para o outro oitenta trirremes arrastadas
|
do Oriente, que ja entfio era pouco mais que uma velha cidade decadente. por terra desde uma costa, onde as demais ficaram, até a outra costa.
A emogfio no Ocidente europeu foi grande. A presenga do imperador em Quem de tal foi jamais espectador ou auditor? Na verdade Xerxes laneou
Constantinopla tinha sido até entfio uma forpa mitica e um simbolo da defesa sobre 0 rnar uma ponte feita pela coberta dos navios, pela qual atravessou
cristfi perante a ameapa turca. Dorairame os otomanos teriam segura a per- um grande exército. Mas este novo Alexandre Macedonio, da sua estirpe,
manéncia do seu Império e a presenpa na Europa. N50 obstante, os apelos 1 ultimo dos tiranos, segundo espero, introduziu 0 mar na terra, impelidos
da Santa Se’ para a organizapfio de uma nova cruzado ficaram sem resposta. os navios pelos cabeqos dos outeiros como se de ondas do mar [se tratasse].
1 Além disto, superou por esta obra e sucesso Xerxes, 0 qual, transposto o
Desviados por outros objectivos, mais prementes e mais proximos, as varios |

l
projectos que se esbo¢aram goraram-se. I-lelesponto e recebida uma derrota dos Atenienses, recuou torpemente.
Para as Gregos comegava uma sujeigfio que duraria vdrios séculos. Na realidade, Muhammad atravessou a terra tornada quase navegavel
e oferecida aos remos, fez esquecer os Romanos e conquistou efectiva-
mente a cidade imperial, a Aurea Atenas, omamento do mundo.
A OCUPACAO DO CORNO DE OURO [Ducae Michaclis Ducae Nepotis, Historia Biirantina a Joanne Palaeo-
PELOS NAVIOS TURCOS Iogo, anno Christi I341, ad annum 1462, in J. P. Migne. Patrologiae
Cursus Completus, Series Graeca, t. cum, Paris. 1866, cols. 1079
a 1082.]
Desejando ocupar 0 golfo do Coma de Ouro, que Ihe daria
a posse de Constantinopla, Muhammad mandou conduzir (‘) Esta pequena frota cnsti, com armas e mantimentos para os sitiados, havia conse-
os seus navios por terra, deslizando sobre toros, num caminho guido entrar a salvo no Como de Ouro depois de uma esca.ramut;a com os navios turcos.
que préviamente mandara abrir e que ligava um porto no (2) A cidade de Pera, frente a Constantinopla, onde se havia estabelccido uma impor-
Bosforo a um ponto da costa do citado golfo. O relato aqui _.._.,-_. - tante colonia genovesa. (3) Porto onde as for<;as turcas tinham estabelecido 0 seu
transcrito pertence a um dos grandes historiadores da queda quarrel-general. (4) O Como de Ouro. (5) Zona sobre o golfo, ao norte da cidade.
de Constantinopla, Miguel _( .") Ducas, que no altura do cerca
vivia possivelmente em Quios. 1
O SAQUE DE CONSTANTINOPLA
O tirano [Muhammad],ivendo ocuparem 0 porto oito grandes naves e mai5
Segundo a tradigfio islamica, uma cidade que se rendesse
vinte menores, as trirremes do imperador, os venezianos e muitos outros sem luta seria poupado a pilhagem. mediante o pagamento
.-.-__,. .-.
pequenos navios (1), compreendeu nao poder alcanqar 0 seu objectivfl de uma determinada indemnizapfio. No caso contrério, 0
e imaginou, portanto. um estratagema audaz digno de um homem gener0S° exército vencedor tinha direito a entregar-se a um saque
e forte. Mandou abrir um caminho pelos silvados e espinheiros situad05 sem restrigroes durante trés dias. Foi pois ao cabo destes dias
que a frota de Muhammad deixou Constantinopla, carre-
por tras da Galata (1) da parte que olha para oriente abaixo das D1185
gada de riquezas. 0 autor do trecho nda foi testemunha
Colunas (3) até a outra parte do golfo Ceratino (4) que confina com a regi5° 0
ocular do saque. mas é um contemporéneo bem informado.
de Cosmédio(5). De acordo com a qualidade do lugar, foi, tanto quflflm
possivel, aplainada a estrada, e mandou entao [Muhammad] transpofli" 0 N0 terceiro dia depois da tomada da cidade, [Muhammad] licenciou a
por terra as birremes ocupadas pelas falanges, de velas desfraldadas, Pu)“
1

II:
v

344 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS DECLlNIO DA CIVILIZACAO MEDIEVAL sas


frota, a fim de que [os tripulantes] pudessem voltar a navegar para as suas de Constantinopla feita pelo turco chamado Amurat Bey (3), filho daquele
provincias e cidades, carregados os navios com tanta riqueza que pouco que desbaratou os Galos na Hungria (4) e onde foi preso 0 duque Joio
faltou para que fossem tragados pelas aguas. E de que coisas estavam de Borgonha (5), pai do duque Filipe; e como este turco tinha, por varias
carregados? De vestes preciosas, de vasos de ouro, de prata, de bronze vezes, assaltado a cidade, onde encontrara maravilhosa resisténcia pelos
e de estanho; e também de livros sem fim e de prisioneiros, tanto da classe cristaos; e como Sagnam Basac (5), um mameluco, havia recomeeado
sacerdotal como da laica, de monjas e de monges. Em suma, todos os o assalto, sendo a cidade tomada por ele e o nobre imperador (7) morto
navios estavam cheios dc pesada presa. Igualmente nas tendas dos cas- com todos os seus filhos; e como a rica Igreja de Santa Sofia tinha sido
telos se viam prisioneiros sem conto e da mesma maneira os ja citados pilhada, violada e destruida e as santas reliquias, e até o corpo de Nosso
despojos de toda a espécie. Senhor Jesus Cristo, laneados por terra na rua, entre os excrementos c
No meio dos Barbaros podia ver-se um revestido de vestes sacerdotais, imundicies, de mistura com os porcos; e dos niorticinios, injurias e vio-
outro cingido por um colar de ouro e conduzindo cfies por ele amarrados; léncias feitas aos cristaos e cristas.
outros ainda, em vez de cobrirem os cavalos e jumentos com mantas de Na verdade estas noticias foram dolorosas de ouvir, pois, como diziam
retalhos e alcatifas, faziam-no com velo entretecido de ouro. os viajantes, era uma muito nobre cidade a de Constantinopla, e, junta-
Via-se durante as refeiqoes comerem frutas variadas sobre pratos sagra- mente com tal desgraea, a destruiqio do povo e a diminui<;5-° da fé ¢l'i$1~'1.
dos e beberem vinho puro pelos santos calices. Dispersaram e desmem- era de lastimar muito a morte e a destruiqao do nobre imperador e da
.1‘
braram todos aqueles inumeros livros que eram transportados pelos navios sua pessoa; porque, sem criticar ou diminuir outro principe, julgo o impe-
para Oriente e para Ocidente. rador dc Constantinopla, enquanto vivo, a mais nobre pessoa do mundo;
1 .
Foram levados por uma moeda dez volumes de Aristoteles e de Platio, 1 na realidade, o imperador da Alemanha so é imperador por eleiqfio, e
tratados de teologia e de outras ciéncias e artes. Também das ornamen- 0 de Constantinopla era imperador de linha'em linha e de pai para filho,
taeoes em ouro e em prata aplicadas nos Evangelhos segundo a maneira com mais de quinhentos anos de reinado, e visto que um imperador pre-
e arte tradicionais, parte dai arrancada era vendida e parte laneada fora. -
cede os reis em nome e em dignidade, cuido ter feito um julgamento seguro.
>
Todas as imagens foram por eles cremadas no fogo, sendo assim destrui- -1 E concluiu o dito cavaleiro que, se o duque e a casa de Borgonha houves-
~.‘
das para cozinhar os alimentos. Sem jamais querido prestar um serviqo a Igreja. era hora de o m05U'fll’
pondo-0 em pratica. ' "
[Ducae Michaelis Ducae Nepotis, Historia Bizamina a Joanne 1ft!-
Iaeologo, anno Christi 1341, ad annum I462, in J. P. Migne, Patrologlae
' '=‘i5#!$#[u4¢!i ?i
.;:
[Olivier de la Marche, Mémoires, cap. yxxrx, ed. Société de liflisltggte
Cursus Completus, Series Graeca, t. CLVII, Paris, 1866, col. 1126]- ;§;4;-’
>>= de France, por Henri Beaune e J. D Arbaumont, t. 11, Pans. »
‘..
"E-. pp. 335 a 337.]

(') Nicolau V (1447-1455). (7-) Filipe o Bom, duque de 1419 a 1467. (3) Erro do ¢l’°'
O PAPA INFORMOU A CORTE DE BORGONHA nista. Trata-se, como é obvio, dc Muhammad (Maomet) 11- (‘) R°r¢l'é"cl“ 3 Bajuflm
DA QUEDA DE CONSTANTINOPLA
i. Que derrotou os cristaos em Nicépolis (1396). (5) Joio sem Medo, duque da Borgonha
dc 1404 a 1419. (6) Zaganos Paxa. (7) Constantino XII Paleologo.
Quando a noticia da queda de Constantinopla atingiu_fl-9
vdrias cortes ocidentais, foi grande a desolaefio. 0 cromstfl
Olivier de La Marche (1426-I502) coma-nos como o duque
da Borgonha foi informado por um mensageiro do papa e
incitado a entrar numa cruzado contra os Turcos.
* .. 7
-
-gt,
Aconteceu que nesta época o Papa Nicolau (1) enviou perante o duque
de Borgonha (2), no lugar de Lille, um cavaleiro e comunicou-lhe a tomadfl

an».,9
- _u‘-a -4 .4Q Q4 Q Q Q

346 TEXTOS HISTORICOS MEDIEVAIS

LAMENTACAO SOBRE A TOMADA


DE CONSTANTINOPLA

Mateus Camariotes, escritor bizantina que presenciou a


conquista de Constantinopla e oi perdeu filhos e irmdos,
redigiu sobre esse acontecimento um evtenso lamento, de K 1NDICE ANALTTICO
que transcrevemos 0 passo que se segue.

Esta nossa patria foi pois capturada: o império dos Romanos desapare-
ceu e com ele a dignidade desse império, venerando por si mesmo e pelo
seu nome. A imagem divina e sublime da Igreja foi derrubada: o hino
que da terra subia ao encontro de Deus e porfiava na vida angélica e no
canto calou-se. _
Os templos de Deus foram derrubados, os altares, profanados, os objec-
tos sagrados, espezinhados. A velhice foi desprezada, a juventude, desper-
dicada. A maior parte daqueles que, pelo vigor da idade, puderam pegar
em armas jaz derrubada pelo ferro; os outros sofrem uma torpe servidao.
As matronas foram desonradas. Da prole, nao so as raparigas, como igual-
mente os rapazes, entregues a libidinosidade dos barbaros. Também mui- §¥~
tos deles foram convertidos ao impio culto de Muhammad.
Muitos dos homens da nossa cidade, dispersos pelo orbe da terra, andam
mendigando e procurando o alimento, colocados na necessidade perante
os olhos de todos nos. Miseraveis imploram 0 nosso amparo, mas nin- e 1
guém pode consolar estas misérias.
Insultam os barbaros as nossas desgracas, trocam das nossas calami-
7.4‘
dades, e glorificando-se na sua impiedade, insurgem-se contra a nossa P18 3:; .
religiao, invectivando com insultos as nossas coisas honestas e santas. [---l 1':7]
rfii
'

Na realidade, naqueles lugares onde prestavamos 0 verdadeiro culto


a Deus pode ver-se agora instalado o abominio da desolacfio. Amiga‘
-.24:
mente era a cidade dos cristiios, agora é a cidade dos impios. [...]
_' \

[Matthaei Camariotae. Lamentatio de Constaminopoli Caplm in


J. P. Migne. Patrologiae Cursus Completus, Series Graeca, 1- cu’
Paris. 1866.]

"’§:!"§-
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5
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l

Aachen, 144, 148, 149, 154, 155; cf. Aquis- Alcor5o,'95, 104
granurn Alcuino, 144, 145, 150
Abassidas. 95, 112 Andaluzia; andaluz, 10, 100, 101, 253
I
Abba, 100 Aldeia Galega, 312
Abd-al-Malik. 110 Aleixo I Comneno (imperador de Bizan-
I
I Abd-ar-Rahman I, 112 cio), 85 4r ¢4r@.Q1Q i
Abd-ar-Rahman III, 113 Aleixo III (imperador de Bizancio), 84,
l
Abelardo, Pedro, 259 302 I
Abraao. 92, 94 Alemanha: alemaes, 50, 192, 207, 253,
Abu’Abd Alalh al-Natili, 119 289, 341, 345 1
Abu-Abdallah. 92 Alepo, 99
Abu Bakr, 116 Alexandre (bispo de Alexandria), 58 1
Abujafar al-Mansur, 112 Alexandre I (imperador de Bizancio), 53,
Abu Nasr al-Farabi, 261 54 1
Abu-Salaiman, 97 Alexandre 11 (papa), 288, 289
Abu-Ubaydah‘ ibn-al-Jarrah, 97, 98 Alexandre III (papa), 233 1
Alexandre V (papa), 339, 340
Abu-Yusuf-Yacub, 203
Alexandre Macedonio, 343 4
Abu Zara, 99
Aqafim, 116 Alexandria, 31, 32, 58, 83, 84, 96, 127,
259 I
Acciaiuoli, 224
Al-Farisi, 108
Achbouna, 116; cf. Lisboa
A1-Farrabi, 117 1
Acre, 202
Adalbéron. 259, 274, 279, 320 Algarve, 116, 229, 237 1
Adda, 200 Algeciras, 100, 203
Ad-Darb, 99 Alice (condessa de Warwick), 188 4
Admonitio Generalis, 152 Al-Jibal, 101
Adriano (imperador romano), 67 Aljubarrota, 179, 317 1
Adriano I (papa), 143, 144 Allah, 90, 91, 92, 98, 203
Adriatico, 17, 160 Almagesto, 119 4
Afganistio, 105 Almaraua, 94
I
l Afonso IV (rei de Portugal), 229 Al-Maksalat, 98 I
Afonso V (rei de Portugal), 313, 314 Al-Mansur, 111, 112
Afonso VI (rei de Castela e Leao), 250 A1-Mansura, 101
Afonso X (rei dc Castcla e Leao), 236, Al-Mariyya, 203
_ 243, 314 Almeria, 203
Africa; africano, 3, 10, ll, 26, 40, 69, Almohadas, 203, 252
92, 100, 131, 206 Almoltazam, 94
Agar, 94 A1-Natili, 119
Agilulfo, 30, 31, 32 Alpes, 43, 159, 160, 200, 233
Agnes (princesa bizantina), 302 Alpes Julianos, 160
1 Agobardus (arcebispo de Lyon), 190 Al-Rashid, 108
Aix, 248; cf. Aachen Al-Razi, 114
I Ajax, 28 A1-Shafi, 95
Alamanos; alamanico, 12, 69, 153, 159 Altrabtas, 160
Alanos; alanico, 4, 6, 9, 10, 27, 69, 159 Alvares, Diogo, 176
Alarico, 8, 19, 34 Alvares, Nuno, 176, 177
Al-Bab ash-Sharki, 97 Al-Walid, 99, 110
Albino, 150; cf. Alcuino ‘ Al-Yarmuk, 98, 99
Alboino, 17 Amadis de Gaula, 251, 252
Alcarmah, 93 Amalfi, 206
Alcobaea. 237, 311 Amaury, 239
Mi} I
351

INDICE ANALITICO
lND1CE ANAL1TlCO'
l
350 Bouvines, 319
Baume-Ies-Messieurs, 286 Brabante, 14
Asturias, 18 Baviera; Bavaros, 12, 17, 169, 170 Bracila, 12
Ambianos, 160 Ataulfo, 8, 34 Bayeux, 42 Braga, 28
Amiano Marcelino, 4, 6 Arenas: Atenienses, 83, 343 Bayonne, 216, 217 Brandenburg, 292
Amiens, 160, 276 Atila. 12 Bazas, 129 Bretanha; bretao; bretoes, 12, 14, 15,
Amurat Bey, 345 Atlantico. 96,_ 227 Bearneses, 253 39, 198, 250, 252, 253, 320
Amur-Darya, 96 Auch; 129 Beatriz (condessa de Troyes), 189 Bristol, 328
Anastasio (bispo ariano), 33 Augea, Mosteiro de, 191 Beauvais; Beauvoisin, 41, 332 Brixen, 288
Anastasio (imperador de Bizancio), 129 Augusteu, 78 Beda. 14 Bruges, 199, 208, 227, 228, 335
Anastasio (patriarca de Constantinopla), Augusto, 14, 75 Beira, 186 Brutos, 250
61, 138 August-.110, Romulo, 11 Beirute, 70 Bucuocio, Simone, 223
Anatolia; anatolio, 106, 126 Aurelianum, 41 Bela II, 302 Bukhara, 96, 119, 261
Anconianos, 55 Ausei. 128 Belém, 3 Bulgaria; Bulgaros, 8, 17, 37, 38, 40, 147
Andegavi (Angers), 41 Austrasianos, 21 Bélgica; Belgas, 35, 160 Burdigala (Bordeaux), 41, 128, cf. Bor-
1
Andrea (mercador), 205 Auvergne, 269 Belial, 296 deaux
Andrinopla, 8 Avaros, 17, 31, 38, 39 1
Belisario, 79, 80 Burghard (bispo de Wfirzburg), 140
Angevinos, 253 Averrois, 120 1 Belvacis (Beauvais), 41 Burgundia; burgundios, 4, 13, 19, 21, 22,
Anglos, 12, 14, 15, Z6, 31, 281 Avicena, 119, 120, 260, 261, 263 Benavente; Benaventanum, 143, 286 26, 57, 159, 242
Angers, 41 Avinhao, 224, 226, 269, 337, 338, 339, 341 Ben-Batuta, 92, 94, 95, 104, 110. Busdraghi, Landuccio, 224
Angouléme, 41 Avis, Mestre de, 177 ' Bento X111, 341
Angulus, 14 Axafeaia, 95 Berberes, 105, 118
Anjou, 216, 219, 324, 325 Azov, 5, 6 Berceto, 143 Cabo Verde, 314
Antémio dc Tralles, 77 Az-Zajjif, 108 Berengario 1, 43, 50 Cadiz, 18
Antioquia, 8, 99, 128 Berno, 286 Cairuao, 96
Antonino Pio, 70 Berta (rainha de Franca), 193 Calcedonia, 30, 57, 58, 59, 74, 124, 125
Apostolos, 48, 60, 289 Bab ash-Sharki, al-, 97 Bertrand du Guesclin, 335 Callsto 11, 292, 293
Aquiles, 78 Bacon, Rogério, 267, 268 Bética, 10 Calhan, 116
Aquisgranum, 148, 156; cf. Aachen Bagdad, 104, 109, 111, 112 Biclara, 29 Camariotes, Mateus, 346
Aquitania; Aquitanos, 14, 40, 160, 162, Baiocas (Bayeux), 41 Bieloozero, 42 Cambrai; Cambresinos, 13, 253, 336
r 173, 219, 284, 286, 320, 324, 325 Baiazeto, 345 Bijaya, 203; cf. Bougie Campania, 11
Arabe; arabes; Arabia, 52, 96, 97, 98, Balcis, 37 Bitinia, 59, 64 _ Cangiani, Gherardo, 226
101, 102, 105, 107, 108, 109, 118, 235. Balduino 11, 203 Bizancio; Bizantino, 47, 48, 51, 52, 54, Cantabria, 18
253 Balduino IX, 302
it 63, 67, 71, 76, 77, 78, 82, 96, 98, 101,
Canterbury, Catedral de, 277
Aral, 96 Balduino cla Flandres, 302 110, 138, 202, 297, 342 Cantuaria, 14, 324, 330; cf. Canterbury
Arbogasto, 35 Balmense, Mosteiro, 286 l Blacherne, Palacio de, 51, 302 Capetingio, 319
Arcadig, 8 Baltico, 17, 52, 204, 205 Blois, 282 Capeto, Hugo, 274, 320
Arégia,"18 Balm, 206 Boca. de Leia, Palacio da, 81, 302 Caria, 77
Arelatense (Arles), 287 Bamberg, 292 I Bode, rio, 187 Carlomano 1, 143, 169, 170
Ario; ariano, 13, 28, 29, 30, 32, 58 Bani-Ornnia, Mesquita de, 110 Boécio, 259 Carlos V, 335
Aristoteles; aristotélico, 83, 84, 120, 236, Bapaume, 207 Boémia, 241 Carlos V1, 226, 335
239, 256, 258, 259, 260, 261, 262, 263, Bar, 339 Bojador, cabo de, 313 Carlos 0 Calvo, 165, 172, 194
264, 269, 344 Barba de Ouro (deao de Paris). 234 Bolonha, 241, 243 Carlos [I1 o Gordo, 162, 191, 192
Aries, 287 Barbacins, 314 Bona, 11 Carlos Magno; Carolingio, 121, 139, 141,
Armenia, 6, 99 Barbarismos (Donatus), 239 Bonagiunta, Tancredi, 224 142, 143, 144, 145, 146, 147, 149, 150,
Arras, 160, 215 Barbaros, 8, 9, 128, 320, 344 Bonifacio VIII (papa), 337 152, 153, 154, 155, 156, 160, 161, 170,
Ars Maior (Donatus),_ 240 Barbate, 101 Bonifacio de Montferrat, 302 171, 175, 187, 191, 192, 193, 248, 249,
Arsafio, 148 Barcelona. 34 Boors, 250 300, 330
Artes Maiores, 334 Bardi, Companhia dos, 228, 229 Bordeaux; Bordéus, 41, 129 Carlos Martel, 40, 140
Artes Menores, 334
Arvore dz Jessé, 282
Arzila, 180
Barna de Lucca. 224
Basac. Sagnam, 345
Basel, 292
l Borel (duque da Espanha Citerior), 320
Borgonha; borguinhoes, 153, 334, 341,
344, 345
Carnotes, 41
Cartago; Ca-rtaginense, 10, 96, 100
Casini, Bartolo (mercador), 224
Ascila, 13 Basilio (bispo de Cesareia), 62 Bosforo, 63, 342 Caspio, 37, 101
Asdingos, 10 Bésforo Cimério, 6 Cassiodoro, 20
Basilio (bispo), 128 Boucoleon, Palacio de, 51, 80, 81, cf.
Asfidio, 18 Basilio (imperador), 71, 74 Castela, 177., 236, 253. 255
Asia, 47, 92, 125 Boca de Leao Castro, D. Alvaro de, 180
Basra, 111 Bougie, 203; cf. Bijaya
Asia Menor, 56,' 60, 77 Batavos, 156 Catalunha; Catalaes, 55, 242, 320
Assafa, 94 Bourges, 284
Batini, 93
Assur, 159 Baugulfo, 151
Astolfo, 140, 141

1 J
r
352 INDICE ANALITICO
E
INDICE ANALITICO
Cataros. 300 353
Constantino V, 60
Categorias (Aristotelesf., 258 Constantino VI, 63, 145 Dominicana (reforma), 256; cf. S. Domin- Evreux, 41
Celtiberos. 160 Constantino VII, Porfirogeneta, 50, 71, gos Exuperius, 160
Cenomanianos. 242 73, 74. 75, 113, 125 Dormiras, Joao Martins, 312
Ceratino, Golfo, 342. 343 Constantino XII, 345 Doroteu, 69
Cerulario. Miguel (patriarca), 66 Constantinopla, 11, 15. l6. 26. 40, 47, Douro, 10 Falconetti, Francesco, 224
César. Julio, 34, 75 48. 49, 51, 52, 55, 56, 59, 60. 61, 65. Dregovitchas, 38 Farghana, 101
Cesareia. 78 66, 70, 76, 80, 81, 96, 98, 99. 110, 113. Ducas (familia), 85 Fars, 105
Ceuta, 40, 100. 203 123, 124, 125, 126. 129, 131, 136, 137. Ducas, Miguel ('1), 342 Fenicia, 83
Champagne, 189, 201. 205, 206, 207, 208, 138, 142, 147, 154, 205, 300, 301, 302, i Dulebianos, 38 Fernando (rei de Portugal), 176
282, 303 303, 304, 342, 343, 344, 345, 346 .
Dume; dumiense, 28 Ferrantini, Mariotto, 226
Chartres, 41, 276 Constanza, 292; cf. Constanca Duns Scoto, 262 Ferreira, Goncalo, 314
Chatelet, 335 Convenae, 128 1
Dvina, 37 Filioque, Questaodo, 64, 65
Chauliac, Guy de, 368 Copémico, 120 Filipe (H) Augusto (rei de Franca), 216.
Cheram e Cheram (ilha dos irmios), 116 Corao, 89, 91, 102, 103, 105, 108, 113 254, 297, 298, 319, 323, 324
Childerico I, 13, 14 Cordova, 112, 113, 120 1
Ebrocas, 41 Filipe IV (rei de Franca), 207, 337
Childerico III, 139 Como de Oiro, 54, 342, 343 Ecbétana, 101 Filipe o Bom (duque de Borgonha), 345
China, 312 Corsica, 143 . 1
Ecluse, 228 Filipe 0 Ousado (duque de Borgonha), 335
Chipre, 96 Cosmédio, 342 Edicta (Teodorico), 20 Finchale, Godric de, 198
Chosroes. 38 Coucy, Enguerran de, 189 Edicto (Rotario), 33 Fitz Gerold, Warin, 219
Chuds, 42 Courcon, Robert de, 239 Edirne, 8 Fitz Robert, William, 188
Cicero, 258 Crimeia, 52 Eduardo I, o Confessor, 323, 322, 323 Flandres; fiamengo, 198, 204, 207, 208,
Cid (Rui Dias), 249, 250 Cristo, Ordem de, 310
l Eduardo III, 330, 332
Egeu, 47 227, 228, 229, 302, 333, 334, 335
Cimbros, 160 Croatas Brancos, 37 Florenca; Florentino, 55, 217, 225, 226,
Ciompi, 333 Cumanos, 39 Eginhardo, 139, 146, 147, 152, 155, 160,
183, 184, 265 229, 334, 335
Ciros, 12 Cumieira (Santarém), 310 Fbcio, 64, 65, 66
Cister; Cisterciense, 280, 281, 294, 309 Egipto, 3, 52, 57, 83, 96, 101, 105, 127, 203 Fontevrault, 281
Citas, 38 Egolisma (Angouléme), 41
Eichstatt, 292 Franca; Franceses, 41, 136, 138, 140, 141,
Citia, Grande, 53 143, 162, 181, 183, 189, 192, 207, 214,
Citramontanos, 242 Dacia Ripense, 7 Elisena, 7.52
Clairvaux, 294; cf. Claraval Dalmacia, 147 Emilia, 141 215, 226, 242, 246, 253, 277, 287, 289,
Claraval, 294, 298 Darnasco. 96, 97, 98, 100, 104,'110, 261 Eminéncio, 35 295, 297, 300, 302, 315, 319, 320, 323,
Clari, Robert de, 131 Damaso I, 3 Escalda, 265 324, 332, 335, 336, 337, 341
Damme, 228 Escandinavia; Escandinavos, 39, 204 Franciscana, Ordem, 256
Clemente I11, 289 Francos, 9, 12, 13, 17, 19, 26, 33, 40,
Clermont, 332 Daniel, 10 Escocia, 198, 252
Clermont, Concilio de, 294, 295 Danubio, 7, 12, 37, 38, 40 Eslavos, 37, 38, 42, 54 138, 139, 140, 141, 143, 146, 147, 152,
Clodio, 13 Dati, Gregorio, 225 Espanha; Espanhéis, 8, 9, 10, 18, 29, 33, 153, 160, 169, 170, 187, 190, 253, 295,
Clotario, 17 David, 144, 145 40, 49, 96, 99, 100, 103, 105, 112, 116, 320
Davos, 320 149, 235, 239, 240, 242, 252, 255, 289, Frederico I (Barba Ruiva), 156, 201, 300
Clotilde, 27 Frederico II, 206
Clovis, 13, 14, 27 Daylarni, 105 1 291, 320
Cluny, 284, 285, 286, 287, 294
Coggeshall, 323
Demanda do Santo Graal, 250
Denia, 18
I Espartana, 80
Essex, 321
Freiburg, 206
Freising, 292 l l lblnpopq
Coimbra, 229, 242 Desna, 38 Estacio, 258 Frisia, 265
Deus, Domingas de, 313 Estévao (arcebispo de Cantuaria), 324 Frisoes, 153, 204
Colégio dos Dezoito, 234 Froissart, 179 1
Colonia, 211, 212 De Villis (capitular), 161 Estévio (rei de Inglaterra), 281
Dhou’l Carnain, 115, 116 Estévao II (papa), 139, 143 Fulbert de Chartres, 173
Colonna, Otao, 341 Fulda, 151 1
Coluna, 341 Dialécrica (Aristoteles), 239 Estilicio, 9
Didlogos (Gregorio I, papa), 30 Estinnes, 169 Fulrad (abade), 140, 141, 187
Comminges, 129
Comnena. Ana, 84 Dictatus Papae Gregorii VII, 289 Estratégio, 48
Comneno, Andronico, 302 Diest, 14 Etério, 143 I.
Compendium (Compiégnfl) 17° Dinamarca; Dinamarqueses, 41, 198, 252 Euclides, 119 Gabalitans. 128
Dinant, David de, 239 Eudes (beneditino), 287 Gabriel, 89
Compiegne, 170 Gaillefontainc, 333 I
Conimbria, 28 Dinis (rei de Portugal), 237, 238, 242, 254 Eudes (rei dc Franca), 162
Eudo, 40 Gaio, 70 I .
Constanca, Concilio de, 341 Dispargum (Diest?), 13 Gaitixa, 100
Constanca. Lago. 192 Dniepre, 4, 38, 52 Eugenio III, 295
Eulogio, 31 Galaaz, 250
Constantino I, 30, 32. 47. 48, 50, 69. Dniestre, 12, 37 Galata, 342 (
72, 75, 77, l4l, 142. Z67 Domesday Book. 320, 321
Eurico, 19, 129, 167
Eutrépio, 30 Galécia; Galécios, 10, 28
Galeno, 269
!- m.~23
I
354 mmca ANALITICO INDICE ANALi'r1co _ ass
Galia; Galias; Gauleses, 8, 9, 18, 28. Guilherme I o Conquistador, 210, 211, 1-Ionorio III (papa), 305 Jaequerie, 332 I
29, 35, 39, 40, 43, 129, 146, 153, 159, 319, 320, 322 Horacio, 258 Jaequa, 332, 333
160, 167, 170, 266, 274, 275, 286, 291, Guilherme V (duque de Aquitinia), 173 Hospital, Ordem do, 177 Javols, 129
294, 295, 320, 345 Guilherme Carlos, 332, 333 Hugo (prior de Rouen), 276 Jaxartes, 101 ‘.
Galim, 10, 29 Guilherme Clito (conde), 172 Hugo Cindido (mrdeal), 288 Jerusalem, 110, 202, 203, 234, 252, 296,
Gand, 334, 336 Gunderioo, 10 Hugo de Boclande, 322 299
Gandalim, 251, 252 Gundobado; Gundobada, 19, 22 Huguerico, 11 Joio (abade de Biclara), 29
Ganelon, 248 Guyenne, 216 1-lumber, 15 I050 II (imperador de Bizancio), 51 -
Garraton, Ansaldo, 224 Humbrus (Humber), Joio I (rei de Portugal), 176, 179 I -
Gascées, 242, 253, 320 Hungria; I-Iungaros, 3 *U: 2, 341 Joio II (rei de Portugal), 180 -
Gavaudan, 253 I-Iaditha, 89 I-Iunos; I-Iuno, 4, 6, ‘~l~l>- I-dbl :1-‘° NA301-" -»‘é9,
>’ 184 Jozio XXIII (amipapa), 341 ,
Gelasio I, 129 1-Iadrianépolis, 8 Join de Arcis, 189
Gelimer, 80 I-Iaenbalitas, 105 I050 de Seraim, 220
Génova; Genoveses, 55, 56, 204, 205, 223, Hainaut, 169 Ibérica, Peninsula, 8, 9, 99, 116, 249, 251 Joio de Toul, 189
226, 227, 339 Haldane, 321 Ibn al-Khatib, 115 , Joao sem Medo (duque de Borgonha), 345
Genserico, 10, 11 I-Iarnadhan, 100 101 Ibn-Hawqal, 101 Joio sem Terra (rei de Inglaterra), 216,
Gépidas, 7, 17, 26, 59 1-Ianefitas, 105 lbn Khaldiin, 102, 10$, 108, 109, 118 254, 323, 324, 325 '
Gerber: de Aurillac, 258, 266 Hansa; hanseatas; Liga I-Ianseatica, 204, * Iconoclmtia; iconoclasta, 59, 60, 63 Jocius de Londonus, 234
Germ:-‘mia: Germanos, 4, 14, 19, 26, 31, 218, 221, 222 Idrisi, 51, 112, 115, 116 Jordanes, 7, 8, 11, 15 -
61, 69, 146, 152, 160, 242, 290, 291, 300 Harold (rei de Inglaterra), 210 Ifriqiyah, 103 Jordao, 98
Gervésio de Canterbury, 277 Harun al-Rashid, 109, 112 Igor, Principe, 42, $2, 53 Judeus, 280
Gesta Frederici I Imperatoris, 199 Hastings, 211 Iliria, 15 Judham, 98.
Getas, 7, 8 Hatton, 184 Ilmen, 38 Jugoslavia, 16 '
Giacomino del Carnaiuolo, 206 Hawisa, 188 India, 56, 105 Juliana, 188 , I
Giano, Giovanni di, 22$ , . Hacharn, 321 Indieo, Oceano, 101 Juliio (conde), 99, 100 -
Gibelinos, 334 ' Hedabach, 184 Indo, 96 ' _ V Jumel, Ricardo, 220 ~ - . 3
Girardo (mercador), 224 Helena (imperatriz), 79 Ingeiheim, 156 Jura, 286 .3 : 1'-1
Glaber, Raoul, 274, 286, 287 ' Helesponto, 343 Inglaterra; Ingleees, 31, 149, 174, 188, Justiniano, 20, 48, 49, 67, 68, 69, 70, 71 ’.
Gloucester, 320 Helusa (Eauze), 128 204, 206, 210, 211, 216, 219, 220', 221, 76, 77, 78, 79, 80, 136 .--= .0;
Godos; Godo; gético; Gotia, 4, 7, 8, 9, Henrique (infante Dom), 313 ‘ 226, 235, 242, 253, 268, 282, 297, 300, Justine II, 18, 110 ‘i . ,1 1)?-i
11, 13, 16, 23, 24, 28, 29, 34, 69, 79, Henrique I (rei de Inglaterra), 219, 281, 1 . 319, 321,'322, 323, 324, 325, 326, 327, JUIOS, 14, 15 . ‘ ' .~:<_i*..
128, 273, 320 282, 322, 324, 325 328, 331, 335, 341 A Juvenal, Z58 ‘I ‘1.‘-
Henrique II (rei de Castela), 176, 177 ; Inooéncio III, 297, 298, 300, 303, 304 . 1' , 11:.’-2 * 1
Gomes, Diogo, 314' , -1 ,
Gotland, 204 Henrique II (rei de Inglaterra), 219 ~~_ Irio, 39, 101, 105
Gri-Bretanha, 14, 26 Henrique III (imperador), 290, 291, 292 Iraque, 101, 105, 106 Kaaba, 92, 93, 94 v ~‘- »’- \
Graal, 250, 251 I-Ie2i';riqu2e9~IV (imperador), 255, 284, 289,. 1, Irene (imperatriz), 63, 84, 145, 146 Kertch, 6 I
Granada, 115 . 1, 2 ‘ Irlanda, 149, 216, 32$ Khalid ibn-al-Walid, 97, 98
Grandpré, Conde de, 189 a Henrique v (imperador), 292, 293 ii; Lragoge (Porfirio), 119, 258 Khamrs, 38, 39, 42 I
Grasso, Baldizzone, 224 Henrique <18 I-Iainaut, 302 - Isauriano, 71 Khorutanianos, 37
Grécia; Gregos, 52, 53, 81, 98, 101, 110, Henrique de Herelle, 220 221 - Isidoro, 77 Khurasan, ‘101, 105
113, 146, 266, 300, 338, 340, 342 I-Ieraclio, ss, 9a, 99 ' -I Islam, 96, 101, 10_2, 103, 105, 108, 114 Kiersy, 143; cf. Quiersy
Gregorio I Magno, 30, 31, 32, 126 Hermenegildo, 18 4} Ismael, 92, 94 Kiev, 37, 42, 43, 52
Gregério 1], 60, 138 Herrneneia, 258 . ' Isonzo, 16 Kirman, 101
Gregorio III, 60 Hertfordshire, 322 ~ __t Ispahan, 101 Knighton (Henry), 328
Gregorio IV, 284, 288, 289, 290, 291, 298 Hérulos, 12, 159 :1" Issac, 302 Krivichianos, 42
Gregério XI, 333, 334, 337, 341 I-liereia, 63 1 ‘ iam, 143, 154 Kufa, 111
1..
~
Gregorio de Tours, 13, 14 Hildebrando (Gregério vn), zsa, 289 Z .~ Itilia; Itélieo; Italianos, 11, 12, 15, 16,
Grosne, 285, 286 I-Iildesheim, 292 1"? 17, 30, 32, 33, 43, 52, 60, 61, 65, 79,
Guelfos, 334 I-Iilduino, 234 -I . ; 124, 130, 136, 137, 138, 141, 142, 146, Lagni-sur-Ma.rne, 297
Guerra. dos Cem Anos, 227, 315, 332 Histéria das Vidas das Pomifices Romano: -, 149, 165, 197, 199, 205, 209, 225, 227, Lakhm, 98
Guerra dos Oito Santos, 334 (Anastésio), 140, 142 F "=1 229, 233, 275, 286, 288, 290, 291, 341 Languines, 252
Guevaudan o Velho, 252 Histdria Eclesizirtica (Socrates), ss 2 Iverac de Ipswich, 188 Laon, 212, 315
Guieeiardini, Luigi, 333 Hisrdria Eclerizistica dos Franco: (S. Gre- 1.". Izborsk, 42 Latino (Império); Latinos, 204, 266, 268,
Guilherme (abade de St. Thierry), 280 gorio de Tours), 35 301, 303, 304
Guilherme (arcebispo de Cantuaria), 330 I-Iolanda, 220, 226; cf. Paises Baixo: Latrio, 142, 233, 304
Holstein, 15 Jabalah ibn-al-Aiham al-Ghassini, 98 Lausanne, 292
Guilherme 1 (duque de Aquitinia), 284, Jabiyah, 98 Leio III (imperador). 50, 71. 133
285, 286 Honorio (imperador), 8, 9, 34
1

356 INDICE ANALITICO INDICE ANALITICO 357


Lezio III (papa), 141, 143, 145, 1.46, 147, Lynn, 220 Metz, 292 Noirmoutier, 41
148 Lyon. 13, 23, 160. 190, 287 Meuse, 320 Noli, Antonio de, 314
Leio VI (imperador), 53, 54, 71, 72, 74 Lyubeck, 42 Michaeli (Domenico). 203 Nordanimbrios, 15
Leaio IX (papa), 65, 66, 288, 289 Michele di Lando, 333 Normandos; Normandia, 41, 43, 162, 174,
Leicester, 328 Miguel I (imperador), 147, 148 175, 188, 210, 219, 265, 277, 324, 325
Lelong Jean, 199 Macon, 286 Miguel VIII (imperador), 204, 205 Normanville, Emma de, 188
Le Mans, 206, 210 Mafoma, 253, 254 Miguel Cerulario, 64 Northumbrianos, 15
Lemovica, 41, 128 Maghreb. 101, 102, 103 Milao, 200, 201, 209, 210, 339, 340 Nova Roma, 47, 48, 124
Leonor (rainha dc Portugal), 176, 177 Maghrourin, 116 Minden, 292 Novellae _(Justinia.n0), 20
Leovigildo, 18, 29 Magna Aula, 49 Mitrovica, 16 Novempopulania, 160
Libia, 79, 127 .‘ Magna Carta. 319, 322, 324, 325 Mogontia; Mogontiacum, 156, 159 Novgorod, 38, 42, 52
Libros del Saber (Afonso X), 314 Magnaura, 49 Moguncia, 49, 156 Noviomagus (Nijrnegen), 156
Liege, 292 Maillets, 334 Moises, 62, 144 Noyon, 319
Lille, 208, 344 Main, 183 Mombarraz, 311
Limoges, 41, 129 Maine, 210, 242 Mondego, 186
Lincoln, 328 Mainz, 160, 292 Mongois. 38, 105 Obiecro da Metafisica, Sobre 0 (Abu
Lincolnshire, 198 Malakitas, 105 Mons Bardo (Berceto), 143 Nasr al-Far:-'ibi), 261
Lisboa, 116, 178, 229, 237, 238, 242, 313 Mancha, 227 Mons Silicum (Monselice), 143 Ockham, Guilherme de, 262, 263, 338
Lisuarte, 252 Manlius, 258 Monsanto, 180 Octaviano Augusto, 11
Liutefredo, 49, 50 Mantua, 143 Monselice, 143 Odo (abade de Cluny), 286, 287
Liutprando, 50, 143 Manuel I (imperador), 51 Monte Cuino, 154 Odoacro, 11, 12, 15, 16
Livro do Prefeita, 54 Marabutos, 253 Montferrat, 302 Oleg, 42, 43, 52, 53
Livro Secrem, 225 Marchant, Guilherme, 220 Morava, 37 Olivier de la Manche, 344
Livro das Seim: (Galeno), 269 Marchrad, 184 Moravios, 37 Olyssipona, 28; cf. Lisboa
Lodi, 201 Marciano, 11, 14, 30, 59, 125 Morley, Daniel de, 235 Omar, Mesquita de, 110
Logres, 250 Marco Aurelio, 70 Muca, 99, 100 Omberte, Beringel, 229
Loire, 13, 276 Margaret, 188 Muculmanos, 40, 96, 98, 99, 101, 102, Omiada, 96, 113
Lombardos; Lombardia, 12, 17, 19, 25, Margarida (imperatriz), 302 105, 107, 108, 113, 114, 235 Opus Maiu: (Rogerio Bacon), 268
26, 30, 32, 33, 37, 40, 43, 57, 136, Margarida de Flandres, 335 Muqaddimah, 118 Opus Minus (Rogerio Bacon), 268
140, 141, 153, 187, 199, 200, 201, 209 Marialva (conde de), 180 Muhammad, 89, 90, 92, 94, 96, 108, Oran, 203
Londres, 217, 219, 227, 234, 236 Marreys, Ricardo de, 217 118, 346‘ Orense, 18
Lopes, Fernao, 176, 178, 317 Marrocos; marroquinos, 105, 253 \ Muhammad (Maomet) II, 342, 343, 345 Oreste, 11
Lorena, 282 Martinho V (papa), 341 Munster, 212, 292 Organon (Aristoteles), 258
Lotério I (imperador), 172 Marwah, 94 Musa ibn-Nusayr, 100 Oriana, 251, 252
Lotario (rei), 274 Marwan, I, 110 Mutamid, 116 Orleans, 42, 320
Lourenco, Fernio, 310 Matisconense, 286 Orésio, Paulo, 8, 34
Lfrbeck, 204, 207 Mauritania, 10 1 Osnabrfick, 292
Lucano, 258 Mauritius, 239 1 Narbo (Narbonne), 160 Ostiense, 341
Lucca, 224 Meaux, 41 Narbonne, 160 Ostrogodos, 7, 15, 16, 19, 20, 26, 33, 57,
Luculano, Castelo, 11
Lucy, Richard de, 188
Lugdunum; Lugdunense, 22, 160, 287
Meca, 89, 92, 93, 94, 95
Média, 6, 101
Mediterraneo, 52, 201, 202, 203, 312
i. Naumburg, 292
Navas de Tolosa, 252
Neckar, 183
80
Otao I, 50
Otao IV, 254
Luigi (mercador), 226 Meerssen, 172 Negro, Mar, 4, 6, 12, 47, 52, 56, 160. 205 Otao de Freising, 199, 200
Lugsl, o Piedoso (imperador), 190, 191, Mégara, 47 Neuilly, 297 Otbert, 184
Meldae (Meaux), 41 Néustria, 162 Othman, 91
Luis I (rei da Alemanha), 172, 192 Melidunum (Melun), 41 Nicchio, 334 Otenida, Império, 76
Luis IV (rei de Franca). 315 Melun, 41 Nicéforo, 147, 148 Oxford, 238, 244, 264, 267, 268
Luis V (rei de Franca), 274 Mende, 269 Niceia, 30, 48, 57, 58, 60, 63, 73, 74. Oxus, 96
Luis VI (rei dc Franca), 275 Meotis, 4, 6 126, 127
Luis VII (rei de Franca), 275, 295, 302 Mércios, 15 Nicolau H (papa), 284, 289, 292
Luis VIII (rei de Franca), 215, 216 Merianos, 42 Nicolau IV (papa), 237 Pachymeres, Georgios, 204
Luis IX (rei de Franca), 181 Meroveu; merovingio, 13, 14, 139, 140, Nicolau V (papa), 344, 345 Paderborn, 292
Lulo, Raimundo, 175, 177, 181, 182 160 , Nicomedia, 83 Paises Baixos, 201, 204, 209, 226; cf.
Luna (Luni), 143‘ Mésia, 7, 39, 147 1 Nicopolis, 345 1-Iolanda
Luni, 143 Mesopotamia, 99, 101 Nllmegen, 156 Palermo, 11
Lusidio, 28 Messines, 208 Nilo, 96 Palestina, 3, 52, 62, 99, 203
Lusitania, 10, 28 Metqfisica (Arisloteles), 269 Nogent, Guibert de, 212. 213 Palladius, 132
,-—

|
r
359
INDICE ANALITICO mnrca ANALITICO
l
358 in
Rodano. 13, 201 Santa Margarida (Leicester), 328
Pamplona, 100 Ponto, 125 Santa Maria, 299
Poppon (conde), 183 Rodrigo, 100
Panonia, 12, 13, 16, 17, 28, 37 Rogerio II, 116 Santa. Maria, Hospicio de (Paris). 234
Panormo, 10 Porfirio» 83, 120 Santa Maria (Guimarfies), 237
Porta Aurea, 51, 80 Roheisa. 188 Santa Maria de Alcdcova (Santarem), 237
Paris, 185, 221. 226, 234. 235, 238. 239, Rolando, 248
240, 256, 259, 268, 324, 333, 334, 335, Porta de Abraao, 94 Santa Maria Egipciaca. 247
Porto, 314 Romanico, 273
340, 341 Roma; romano; Império Romano, 3, 4. Santa Sofia. 76, 77, 345
1 Parma, 143 Portugal; Portugueses, 162, 179, 185,
7, 8, 9, 11, 12, 13, 16, 19, 23, 24, 30. Santarem, 310
I Pars, 101 229, 237, 280, 300, 310, 312, 313, 314
32, 33, 34, 35, 47, 48, 51, 57, 59, 61. Santiago, 314
Paulo (exarca), 61 Pripiat, 37, 38 Santo Andre, 32
Prisciano, 239, 240 68, 75,83, 123, 124, 125, 127, 128.
Paulo Diacono, 17, 30, 32, 40, 154 136, 137, 138, 140, 141, 142, 145, 146 Santo Agostinho, 31, 32, 131, 256, 257,
Pavia, 33, 43, 49, 140 Priscianus Maior, 240 277
147, 148, 155, 159, 167, 198, 204, 205
Pedro (cardeal), 303 Priscianus Minor, 240 Santo Edmundo, 324
237, 278, 285, 293, 297, 298', 303, 309:
Pedro (dizicono), 30 Proclo, 83 337, 333, 339, 341, 342, 343, 346 Santo Eleuterio, 170
Pedro I (rei de Portugal), 178 Procopio de Cesareia, 48, 76, 78, 79 Santo Eusébio, Basilica de, 32
Pragnéslicos (Galeno), 270
Romulo, 68
Pedro de Candia, 340 Romulo Augtistulo, 11, 12 Santo Isidoro de Sevilha, 9, 18, 28
Pedro de Capua, 297 Provenca; provencais, 55, 242, 253 Santo Sepulcro. 294
Rossi, Giovanni di Guerrieri de, 226
Pegolotti, Francesco Balduoci, 55 Provins, 206
Roozebeke (batalha), 335 Sao Basilio, 130
Peloso, Ogerio, 223 Provins, Guiot de, 312 S50 Bento, 130, 131, 133, 134, 285, 286,
Pselo, Miguel, 82 Rotario, 25, 32, 33 28 7
Penacova, 185, 186 Rotomagus (Rouen), 41
Pentépole, 60, 127, 140, 141 Ptolomeu, Claudio, 119 Rouen, 41, 214, 215, 276, 335 S50 Bernardo, 280, 281, 294, 295, 298
Pepino o Breve, 136, 138, 139, 140, 141, Ptolomeu de Pelusa, 116 Rouergue, 129 Sao Boaventura, 256, 261
142, 143, 153, 169, 170, 193 Riigios, 12, 16 Sio Calisto, 274
Pera, 343 Sao Dinis. 170, 275, 282
Rum, 101
Perceval, Z51 Qarmarcianos, 93 Rurikovitch, 43 Sao Domingos, 178 {
Pereira, Alvaro Goncalves, 177 Qarmat, Hamdan, 93 Rus, 42, 43 S50 Francisco, 305
Peres, Soeiro, 311 Quados, 159 Russia; russo, 39, 42, 43, 53, 74 Sao Germano, 170
Périgueux, 41, 129 Quadrivium, 239 Rutena, 128 Sao Gregorio Magno, 30, 31, 126
Perion, 252 Quersoneia, 52 Runnymede, 327 Sao Gregorio dc Tours, 27, 35
Perseu, 258 Quiersy-sur-Oise, 165; cf. Kiersy Sao Ieronimo, 3, 159
Persia; pérsico; persa, 38, 56, 79, 80, Quinisextum (Concilio), 130 S50 Joao Baptista, 187
93, 96, 101, 106, 112, 118, 261 Quios, 342 Saa’1i, 116 Sao Joao Damasceno, 60, 62
Perun, 53 Sabaria, 18 Sao Joao Evangelista, 338
Petchenegues, 39 _Saboia, 226 Sao Jorge, 179
Peter de Borough, 189 Ramadan, 89, 91, 95, 100 Sadif, 100 Sao Leandro, 30
Peter de Valence, 321, 322 Ravena., 11, 12, 16, 155, 258 Safa, 94 Sao Leonardo, 328
Petrocoris; Petrogoris (Périgueux), 41, 128 Recaredo, 29, 30 , Saint Andrews, 198 Sao Leio Magno, 125
Picardos, 242 Recesvinto, 23 Saint-Ayoul, 206 Sao Marcelino, 183, 184
Pina, Rui de, 180 Regensburg, 292 Saint Bertin, 199 Sao Marcelo, 303
Pinabel, 248, 249 Regra Pastoral (Gregorio 1), 126 Saint Germain, 185 Sao Martinho de Dume. 28
Pinel, Domingos Pedro, 310, 311 Regra do Templo, 298 Saint-Leu d’Esserent, 332 Sao Martinho de Tours, 170, 206, 286
Pineta, 16 Reims, 27, 160, 258, 274, 279, 319, 320 Saint-Ouen. 41 Sao Mauro, 286
Pireneus, 9, 159, 200, 252 Remi (Reims), 160 Saint-Pol, 226 Sao Miguel, 219
Pisa; Pisanos, 55, 203, 224, 226, 339, Remismundo, 23 Saint Thierry, 280 S50 Pacomio, 130, 132, 133 ‘
340, 341 Reno, 9, 12, 13, 14, 35, 156, 159 Saintes, 41 Sao Paulo, 203. 282, 285, 293
Pitti, Buonaccorso, 226, 333 Requiario, 28 Saladino, 252 Sao Pedro, 124, 140, 141, 142. 143. 144.
Placidia (Galla), 8, 34 Retérica (Cicero), 259 Salamanca, 187, 236 145, 146, 143, 183, 184, 203. 285. 288.
Platao; platonico, 83, 84, 236, 257, 269, Rhegium, 143 Salerno, 49 290, 293, 299, 304, sas, 339
344 Ribaldo di Sauro, 223 Salios; salico; sélica, 14, 21, 153, 184 Sao Quintino, 188
Plotino, 83, 259 Ribatejo, 312 Salomfio, 279 _ Sao Remigio, 27, 208
Po, 16, 49, 200 Ricardo I Coracio de Leio, 297, 298 Samarcanda. 96 Sao Rostico, 170
Poignant, Guilherme, 221 Richer, 162, 258, 274, 279, 315, 319 Sanctones (Saint-Ouen ou Saintes), 41 Sao Salvador, 288
Poitevinos, 242 Ricimer, 13 Santa Cruz, Basilica de, 320 Sao Teodoro Studites, 60
Poitiers, 40, 96 Ripuaria; ripuarios, 21, 153 Santa Cruz (Coimbra), 237 Sao Tomas. 256. 262
Polacos, 242 ' Robert d'Arbrissel, 282 Santa Cruz (Leicester), 328 S50 Vicente, 211
Polianos. 42 Roberto o Piedoso (rei de Franca), 320 Santa Irene, 48 S110 Vicente de Lisboa, 237
Polota, 38 Rochelle. 216 Santa Mic de Deus, Basilica de, 156 Sao Vital dc Ravena, 154
Polotchanas, 38 Rocio, 178

1
,4
’ ,

360
INDICE ANALIT1 co iunrcrs ANALITICO 3°‘
Sapta (Ceuta), 203
Sara, 115 Sulpicio Alexandre, 13
Sarmatas, 17, 159 Sunnah, 105, 108 ‘
Trebizonda,
- ~
52,7' se3' 59, 70
Ves. 4? H
Victuérra, _
Sarracenos, 40, 252, 296, 306 Surianum (Sarrana), 143
Sutri, 288 H2920‘6 6 Vikings, 41; cf. Normandos
Sarzana, 143 Troyes 189 205 Villehardouin, Geofredo de, 297, 301, 302,
Saxonia: saxoes, 12, 14, 15, 17, 26, 33, Truvor, 42 _30_3_ '
49, 153, 159, 187 Tsargrad. 53 v"5‘l'°' 258. . . . .
Schleswig, 15 Tabena, 132
Scotto, 206 Tabriz, 56 Tunisia" Trinis 96, 103, 203. 106. 214 Visiaodosz vlslsvdoi ‘"§18°"°°~ 3- 7- 3»
Tacito, 167 1 Turcilingos, 11, 12, 16 '9, 18, 19, 23, 24, Z5. Z9. 57. 153. 157
Segismundo (imperador), 341 Turcos; turco, 76, 342, 344 V{5§"la~ 12; 37
Seim, 38 Tanger, 92, 100
Tarif, 99, 100 Turingia; Turingios, 13, 153 Vitrges (rei ostrogodo), 80
Seio, 236 Turnacum (Tournai), 160 Vrtorrno, 258_ _
Seldjocidas, 105 Tarifa, 100 Turonianos, 242 Vollerand (Seine-et-Orse), 310
Sena, 41 Tarique ben Ziyad, 100
Tarraconense, 10 Turonis (Tours), 41 v°l°§» §3
Sérvios, 37 Turquestao, 120 Vyattchranos, 42
Servitano, 30 Tarso, 113
Tartaros; tzirtaro, 105, 295 Tuwnjs (Ttinis), 203
Severianos, 38, 42
Sevilha, 18, 30, 116 Tasca, Genouarda, 224
Tassilo III (d uq ue da Baviera), Waal, Lakko.
156
Shafi'itas, 105
Tavola Redonda, 251 i 169, 110 Uberti, 217 Wadi 101
Shawwal, 95 Ulfila, 8 Wahran (Oran), 203
Sibawayh, 108 Tchecos, 37
Tebaida, 130, 132 Ulpiano, 235 _ Walafredus, 185
Sicilia; siciliano, 10, 55, 76, 116, 206 Ultramontanos, 242 t ,- - Walter de Cancy, 188
Sidonio Apolinario, 35, 128 Telo, Joio Afonso, 178
Telo, Martim Afonso, 178 Unam Sanctum (Bonifacio VIII), 337' Warmund, 202"
Siena, 206 Uplandish Angles. 15 ' Wariviiik. 135 _
Siete Partidas. Las, 236, 240, 243 Tenebroso, Mar, 115, 116
Teobaldo, 281 U,-a_|, 39 -; - . ' ' , Wendover,-Rogerio de, 324
Sigeberto, 17, 100 Urbano II, 295 .Wigh_¢. '13 _
Silingos, 10, 11 Teodolinda, 30, 31
Urbano V, 269 . -'.-'..Williran, -i _‘ .' ,' '
Silves, 116 Teodomiro, 13, 28
Teodora, 49, 79 Utrecht, 292 Winchester, 219 ,
Silvestre I (papa), 142
Silvestre III (papa), 258 Teodorico, 12, 15, 16, 19, 20, 28, 275 _ Windsor,
W113"; .321325, 327 I“ ' '
Sineus, 42 Teodoro, 98
Teodosio, 8, 9, 75 Vahalis, 156 Wiiifl, 101 "*1 ., ,,'-
Sir Darya, 101 Valencia, 249, 250 , _ Wdrmatia (Worms). 160 _ -- - . .;
Siria, 52, 57, 96, 97, 98, 99, 101, 105 Teofilo, 69, 70
Teognosto, 148 Valente, 1, s , r 1' ‘. _.- Wom;,s.,160i4f)1Z'i9€84i92690. 291- 191-,3°°
110, 203 Valentiniano I, 7 _ , _. - - Wfrrz urg, . _. ~ ;
Siricio, 3 Terapéuricas (Galeno), 269
Teréncio, 258 Valentiniano III, 11, 14. 15. 59.3124 - Wive1'Qn9,';l88 V ‘ -
Sirmium, 16 Valhelhas, 126, 187 . 2 f "9-~11 2
Smolensk, 42 Teutonico, Reino, 292
Thibaud de Champagne, 189 Valladolid, 236 ~ .._ ; I,‘ ,1 ,
Socrates, 58, 269 Van Artevelde, Filipe, 334, 335 . xe,.Xcs' 343‘
Sofia, 64 Thierry, 248
Thomas de Canterbury, 219 Van Artevelde, Jacques. 335 - -
Sogdiana, 96 Vandalos; vandalico, 4, 9. 19._11;~'25. 57.
Somme, 13 Thourout, 208
Ticino, 33, 200 69, 79, 80, 159 ' " . _
Sontius, Ponte de, 16 Varandas, Palacio das, 117 - ¥*"’::"~_,§}' 98
Tiro, 202
Sorbon, Robert de, 234
Tito, 236 Varzingios, 42, 52, 53- Y°‘“ '20,
Southampton, 328 Vasatium (Bazas), 128. pres‘ -
Southwark, 219 Toledo, 29, 235
Tolomei, 206 Vaulerent, 309 ' _ _
Speyer, 160, 292 Vecta, 14 '1 _ ’ 8 '
Spezia, La, 143 Tolomeo, 205 1 yenéciaq 16' 60 ' .1 Z3ca.rl&$ (P393), 139. H0“,
Spira (Speyer), 160 Tolosa, 41, 160, 253
Tomar, 310 Veneza; veneziano, 49, 55, 147,202, 203, Zaganos Paqui. 345 -
Spoletinum, 143
Tdpicos (Aristoteles), 258 zos, 206, 227, 402- -. I Z419. 314 "
Stabile (mercador), 224
Toul, 292 Vercelli, 43 ~ ' . . Zangmm. 94» 95 -
Staines, 325, 327 Vercetum, 143 ' 2°11”, 15' - 1
Toulouse, 41, 226
Stassfurt, 187
Touraine, 242 Verden, 292 -1' gZ“"."- 323
Strassburg, 160, 292 Verona, 16, 92 " _» -~ z“’°“°' 204 ‘
Stratisburgam (Strassburg), 160 Tournai. 160 _ , ‘ . \ _.-
Suevos, 4, 9, 10, 17, 18, 26, 28, 29, Tours, 41, 163. 287
Suger (abade), 275, 281, 282 Tracia, 7, 8, 125 8. _ _ Q ' ‘I ‘

Trajano, 75 . . ' 1
Sula, 38
Transoxiana, 96, 105, 261

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