DA MAIOR FESTA POPULAR DO BRASIL NO RIO DE JANEIRO GUILHERME PERES
Garimpado numa barraca de livros usados, um raro livro cujo
autor se assina Jota Efegê (João Ferreira Gomes), jornalista e cronista carnavalesco, ainda da primeira metade do século XX, deixou para a posteridade registros da maior festa popular do Brasil: “FIGURAS E COISAS DO CARNAVAL CARIOCA”. “Sua carreira de jornalista teve seu ponto de partida no Jornal das Moças entre os anos de 1919 e 1920, mas seria no extinto Diário da Noite, a partir de 1928, que se iniciaria como cronista carnavalesco. Por mais de 50 anos teve seu nome ligado ativamente ao cenário do carnaval carioca.” “Jota Efegê é a memória de uma cidade que não a tem ou a destrói, quando tem e poderia preservar. Ele realiza o mais completo trabalho de pesquisa sobre música, hábitos, moda, arquitetura, sobre a cultura, enfim, desta cidade tão curiosa e mesclada. Realiza um trabalho de sociólogo, e usando a linguagem direta do melhor jornalismo, inclui os elementos sociais históricos e políticos construtivos da vida da cidade do Rio de Janeiro”, diz Artur da Távola no prefácio de seu livro.
PANDEMIA ADIA CARNAVAL DE 1892
A varíola e a febre amarela vinham contaminando a população do
Rio de Janeiro durante a segunda metade do século XIX, sem que nenhuma ação do Governo fosse aplicada graças à falta de recursos médicos, a não ser o distanciamento social, para combater os “miasmas da terra”. Naquele final de século a pandemia alastrou-se por todos os setores da sociedade, alcançando o século XX.
Após reunião da Intendência Municipal, o intendente propôs a
mudança no calendário daquele ano de 1892, a transferência dos dias de carnaval para o mês de junho, pois o verão propiciaria a “maior propagação das doenças e epidemias que estavam grassando na cidade, quando as epidemias maior número de vidas arrebatam, propõe que sejam designados para o carnaval, os dias 26, 27 e 28 de junho, no sentido de preservar uma população de notória índole foliã, do perigo”.
Realizado em junho, os folguedos de Momo manteve grande
multidão nas ruas da cidade. “Os bailes nas sociedades tradicionais (Tenentes, Democráticos e Fenianos) atraíram numerosa afluência de fantasiados”. Os históricos bailes no Teatro Recreio Dramático manteve grande comparecimento, com a Imprensa designando-os como “pomposos e repimponéticos”. Alvoroçados, os foliões apresentaram nos salões um grupo de “ninfas desenvueltas, num total de duzentas que vieram da Espanha para dar uma sorte de todos os diabos”
Os fantasiados mantiveram suas tradições nas figuras dos
dominós e nos clowns de cores vivas “nos românticos pierrôs e nos vermelhos diabinhos. Os adeptos de Momo deram aos três dias de festejos de seu deus, a animação esfuziante que seria de seu agrado”
REGISTROS RAROS
Nesse livro ficamos sabendo do entusiasmo pelo o carnaval do
escritor Coelho Netto, prestigiando os desfiles do rancho Ameno Resedá. Fazendo parte da diretoria, Jota Efegê anota sua presença à sede do rancho em 17 de fevereiro de 1919, nas comemorações do décimo segundo aniversário de sua fundação. MAIS UM CARNAVAL ADIADO
A morte do barão do Rio Branco em 1912, às vésperas da folia de
Momo, foi o motivo de mais uma transferência para os dias 6 e 9 de abril daquele ano. Entretanto não apagou o seu brilho. Pelo contrário: engalanou-se a Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, “com seus cordões, seus estandartes enormes, seus zés–pereiras ensurdecedores, em meio dos mascarados, do corso de automóveis que desfilavam lentamente envoltos em confetes e serpentinas”.
VILLA-LOBOS REVIVEU OS VELHOS CARNAVAIS COM
“SODADE DO CORDÃO”
Os carnavais dos anos 40 já não mantinham o número de ranchos
e blocos abrilhantando os desfiles na avenida. “Apenas mantinham viva a tradição gloriosa do Ameno Resedá, da Flor do Abacate, do Arrepiados, do Recreio das Flores e tantos outros”. As escolas de samba evoluíram deixando de ser grandes blocos, para agigantar-se com seus enredos pomposos, trazendo para a avenida, a principal atração dos desfiles. Disposto a reviver os velhos carnavais, o compositor musical Heitor Villa-Lobos, buscou a cooperação de integrantes de vários cordões do passado e iniciou os preparativos. “Já com o nome acertado de Sodade do Cordão, tiveram na casa do Zé Espinguela, no morro do Quitungo, em Irajá, os necessários ensaios. Animados com a presença contagiante de “seu maestro”, (no tratamento que todos davam a Villa Lobos”. Após várias semanas de ensaios, “o cordão mostrava-se apto para o seu anunciado desfile. Então na segunda-feira de carnaval de 1940, dia 5 de fevereiro, “o Sodade do Cordão”, patrocinado pelo (DIP), Departamento de Imprensa e Propaganda e sob a orientação de Villa- Lobos, visivelmente emocionado, realizou seu desfile no recinto da Feira de Amostras”. À frente do desfile, um gigante estandarte “pedia passagem” e informava o enredo: “Recordação do Passado”. Aplaudidos entusiasticamente pelo público “que lotava as alamedas, os componentes do cordão caminhavam cantando: ‘Adeus bela morena/Em teu nome ouvi falar/ Vamos ver o Sodade do Cordão/ Que saiu a passear”. Uma tribo de índios havia sido convidada por Villa-Lobos, para desfilar no “Sodade” com suas vestimentas, “apitando continuadamente e agitando seus arcos, ziguezagueavam com passos da dança... tudo em movimento vivo, no ritmo do zabumbar trepidante da pancadaria”. “Suando muito, mas sem desprezar seu chapéu gelot,” Villa- Lobos regia seu “Sodade do Cordão”, “bebendo” na fonte das manifestações populares, inspiração para várias de suas composições. Mais do que reger uma orquestra, o famoso maestro tinha sob sua batuta, “consagrados instrumentistas, o conjunto do qual saia uma estranha música, tosca e impressionante, tornava-o vitorioso. Era o seu carnaval de glória, divinatório pela ressureição que fizera”.
REGISTROS FOTOGRÁFICOS
A parte do livro dedicada à iconografia é uma raridade. Ali
vamos encontrar um abraço fraterno entre Pixinguinha e Cartola. As fotos de: Orlando Silva, criador de “Jardineira”. Mano Elói, fundador do Império Serrano. Jararaca, autor do hino das marchinhas de salão: “Mamãe eu Quero”. Paulo da Portela, um dos fundadores da Escola de Samba Portela. Noel Rosa, Braguinha, Candido Portinari no Baile dos Artistas, vestido de menina. Lili, neta da famosa Tia Ciata. Silvio Caldas, proclamado “Cidadão Samba”, batucando um chapéu de palha em 1938. Destaco ainda uma foto do bloco, “Fala Meu Louro”, vendo-se ao centro o famoso Sinhô. Desfile do Carro-chefe do Clube dos Fenianos no carnaval de 1934. Villa-Lobos desfilando no Sodade do Cordão em 1940. Haroldo Lobo, autor com Nássara do popularíssimo: “Ala-lá-ô, sucesso de vários carnavais, e finalmente a saudosa dupla Zé e Zilda, autores do conhecidíssimo “As águas vão rolar”.
Referencia bibliográfica;
JOTA EFEGÊ – João Ferreira Gomes – “Figuras e Coisas do Carnaval