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A Literatura de Cordel

A literatura de cordel é uma das mais importantes marcas da cultura nordestina.


É muito fácil associar a ideia dos livrinhos às ilustrações típicas e lembrar da
maneira incrível como ela é capaz de retratar a realidade do sertão e até mesmo
divertir com as rimas geniais dos escritores.

Como surgiu a literatura de cordel?


Junto aos colonizadores portugueses, chegou a tradição dos trovadores e folhetos,
que se difundiu pelo interior do Brasil e ganhou força no sertão nordestino. A
literatura de cordel está presente no país desde o século XVI, mas somente no
final do século XIX começou a ser produzida com as características que
conhecemos hoje em dia. Nessa mesma época surgiram os grandes nomes da
literatura de cordel, como Ugolino Nunes da Costa e Leandro Gomes de Barros.

Por que o nome ‘cordel’?


O nome ‘cordel’ vem de como os livrinhos eram expostos para serem vendidos.
Cordinhas (ou cordéis) eram esticados e neles eram pendurados os livrinhos
abertos na página central. Nos dias de vento, os vendedores prendiam os cordéis
com pregadores de roupa e, assim, o negócio estava montado.

Técnicas de venda
Como bons vendedores de qualquer mercadoria, aqueles que comercializavam
cordéis precisavam de uma maneira de atrair compradores. Para isso, eles
declamavam os versos de um livro de sucesso e, quando o ápice da história estava
prestes a chegar, a leitura era interrompida. Então, todos corriam para comprar o
cordel e descobrir como termina a trama.
O acróstico
Os autores da literatura de cordel assinam seus nomes através de um acróstico,
um nome ou palavra resultante da união das primeiras letras de cada um dos versos
de uma estrofe. Então, ao observar os últimos versos do folheto, você sabia quem
havia escrito a obra.

Como são feitos os desenhos?


Os cordéis tradicionais não trazem ilustrações em seu interior. No entanto, as
capas apresentam as famosas xilogravuras. Por meio desta técnica, o artista
escava o desenho na madeira e depois o reproduz como um carimbo.

Características do cordel

● Oralidade: os relatos orais eram muito fortes, ela carrega essa característica
em sua narrativa até os dias de hoje;
● Ilustrações em xilogravuras:Nesse método, o que se deseja colocar no
papel é entalhado na madeira, que é então molhada em alguma tinta e
pressionada contra o papel. As áreas em relevo vão dar a forma da
ilustração;
● Temática: a literatura de cordel tende a abordar lendas, religiosidades e fatos
históricos, mas suas temáticas são as mais diversas. Desde acontecimentos
do cotidiano e a vida do povo sertanejo, até grandes romances e
acontecimentos da história do Brasil. Existem cordéis, por exemplo, que
versam sobre a história de Lampião e outros sobre a morte de Getúlio
Vargas;
● Poética: os textos da literatura de cordel são escritos de acordo com uma
estrutura ritmada e pré-estabelecida.Essa é uma parte muito importante da
confecção do Cordel pois é quem ditará o ritmo e a métrica na hora de
recitar.Existem muitas classificações de acordo com o número de sílabas,
versos e rimas. Algumas classificações quanto ao número de versos e
sílabas são:

- Quadra ou redondilha maior – estrofe de quatro versos e sete sílabas;


- Sextilha – estrofe de seis versos;
- Setilha – estrofe de sete versos e sete sílabas;
- Oitava ou oito pés de quadrão – estrofe de oito versos e sete sílabas;
- Décima – estrofe de dez versos com sete sílabas.

Literatura de cordel e repente

A literatura de cordel e o repente são duas manifestações populares e culturais


distintas. Embora sejam parecidas, cada uma possui suas peculiaridades.

O repente, feito pelos repentistas, é baseado na poesia falada e improvisada,


geralmente acompanhada de instrumentos musicais. O cordel, feito pelos
cordelistas, é uma poesia popular, com traços de oralidade divulgados em folhetos.
Nas feiras de antigamente e com o intuito de vender sua arte, os cordelistas
utilizavam de técnicas de criatividade para atrair o público.

A partir disso, a poesia era recitada (e algumas vezes acompanhada de viola,


pandeiro, etc.) e dramatizada nos locais públicos como forma de despertar o
interesse da população. Foi justamente esse fato que gerou muita confusão em
relação ao repente.

Cordelistas Brasileiros

Há diversos cordelistas brasileiros, mas apenas serão citados dois dos mais
importantes cordelistas brasileiros, sendo eles:
● Leandro Gomes de Barros (1865-1918)

Foi um destacado cordelista brasileiro, conhecido como o "Rei dos Cordelistas".


Nasceu na Paraíba, e sua vasta produção literária inclui temas variados, desde
lendas e histórias populares até fatos históricos. Suas habilidades na criação de
rimas e narrativas em versos o tornaram uma figura icônica na cultura de cordel,
deixando um legado significativo na literatura popular brasileira, considerado o
reinventor do cordel. Gomes de Barros contribuiu para a preservação e
disseminação da rica tradição oral nordestina.

O poeta não escrevia cordel como se vê hoje, mas folhetos e romances de feira. De
acordo com Ione Severo, Leandro foi criador de um dos maiores sistemas editoriais
do Brasil. O poeta começou a escrever, imprimir e vender em sua própria casa, ele
inclusive vivia somente com renda da venda dos folhetos de cordel.

Para vender os cordéis, o poeta Leandro Gomes de Barros costumava ir até as


feiras, onde abria a mala com os textos e lia um dos folhetos para o público. No
momento do clímax da história, Leandro parava a leitura e oferecia os textos para
que as pessoas comprassem e só então descobrissem o final, relata o historiador
Itamar Sales. Nomes como Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, José Lins
do Rêgo e Guimarães Rosa fizeram uso de folhetos de Leandro e outros poetas
para fundamentar grandes obras conhecidas pelo público. “Ariano Suassuna trouxe
Leandro para o Auto da Compadecida com maestria”, afirma a professora de
literatura Ione Severo ao explicar que o caso do gato que defecava dinheiro é
inspirado no cordel de Leandro chamado de ‘O cavalo que defecava dinheiro’.

A obra mais famosa de Leandro Gomes de Barros:

● A Filha do Pescador

Por conta de se tratar de um cordel com 42 páginas, não seria possível vê-lo
completo, então abaixo segue um trecho do cordel de Leandro Gomes de Barros, A
Filha do Pescador:
Trecho do cordel:

"A filha do pescador

AMON era um pescador


que na Palestina havia
tinha como profissão
a caça e a pescaria
passava a noite no mar
nos montes, parte do dia

Ele era um pescador


pelas onças respeitado
os tigres corriam dele
o lobo torcia a um lado
onde ouviam o grito dele
ficava tudo assombrado

Amon pescando uma noite


apareceu um pampeiro
ficaram os ares cobertos
por um grosso nevoeiro
agitou-se o oceano
pôs-se o mar em desespero

Amon, um pescador sabido


conhecendo bem o mar
viu que seria impossível
naquela noite pescar
resolveu voltar à terra
até o tempo acalmar

Porém ao chegar na praia


a tempestade aumentou
a chuva ainda mais caía
o nevoeiro engrossou
o perigo foi tão grande
que Amon ali recuo"

● Firmino Teixeira do Amaral (1896-1926)


Foi um poeta popular e jornalista piauiense, Firmino Teixeira do Amaral nasceu na
localidade de Bezerro Morto, em 1896 e faleceu jovem, aos 30 anos (1926), em
Parnaíba, Piauí. Residia em Belém, Pará e foi um dos principais autores da Editora
Guajarina, fundada pelo pernambucano Francisco Lopes, considerada a maior
editora de cordel da região Norte, publicou cerca de 846 folhetos neste período.
Autor da célebre Peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum (1916), que
muitos consideram real, tudo indica que foi ficção, nunca ocorreu de fato, sendo
pura imaginação de Firmino. Nesta obra Firmino criou o trava-língua, novo gênero
na cantoria. O cantador cearense Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo
(1878-1967), tornou-se bastante conhecido por causa da história, porém bastante
representativo da cantoria da época, que foi escrito em folheto de cordel. Diz-se que
Amaral criou essa ficção para ajudar a promover o cantador, que passava por
dificuldades em Belém. Nessa história, Zé Pretinho insultava o adversário,
satirizando, por exemplo, a cegueira de Aderaldo, que, por sua vez, fazia
provocações racistas a Zé Pretinho.

A obra mais conhecida de Firmino Teixeira do Amaral:

● “Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum”


Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho dos Tucuns

“Apreciem, meus leitores,


Uma forte discussão,
Que tive com Zé Pretinho,
Um cantador do sertão,
O qual, no tanger do verso,
Vencia qualquer questão.
Um dia, determinei
A sair do Quixadá
Uma das belas cidades
Do estado do Ceará.
Fui até o Piauí,
Ver os cantores de lá.
Me hospedei na Pimenteira
Depois em Alagoinha;
Cantei no Campo Maior,
No Angico e na Baixinha.
De lá eu tive um convite
Para cantar na Varzinha.
[…]”

Repente Brasileira

O Repente é uma manifestação da arte brasileira, baseado no improviso cantado.


É uma expressão da cultura popular, caracterizada pela presença de rima e versos
improvisados, acompanhados pelo ponteado da viola. O repente nordestino é uma
das diversas formas que surgiu de interpretação de canto e poesia a partir da
tradição medieval ibérica dos trovadores. Seus personagens, chamados de
repentistas ou cantadores improvisam versos sobre os mais variados assuntos, e
andando pelas feiras e espaços populares se apresentam sozinho ou trocam versos
com outro cantador, o chamado desafio. É comum relacionar a cantoria de viola à
literatura de cordel. Ambas constituem ramos de uma mesma raiz cultural, de
origem sertaneja, rural e nordestina. Elas coincidem nas métricas básicas, como a
sextilha, mas a cantoria costuma usar mais variações.

Repentistas mais conhecidos:

● Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré (1909-2002)

Foi um icônico poeta, compositor e cantor brasileiro, nascido no Ceará. Sua obra é
profundamente enraizada na cultura nordestina, abordando questões sociais,
políticas e culturais da região. Patativa do Assaré era um defensor das tradições
nordestinas e um crítico da desigualdade. Suas composições em cordel e sua
atuação como cantador de viola o tornaram um ícone da cultura popular brasileira, e
ele é reconhecido como um dos maiores poetas populares do Brasil.

Uma das repentes mais conhecidas de Patativa do Assaré é "A Triste Partida". Este
poema narra a migração em massa do Nordeste brasileiro, especialmente do Ceará,
para o sudeste do país, em busca de melhores condições de vida durante a seca. "A
Triste Partida" aborda as dificuldades e as emoções envolvidas na partida e na
separação de entes queridos, e se tornou um dos trabalhos mais emblemáticos de
Patativa do Assaré, destacando sua sensibilidade social e poética.
● Aderaldo Ferreira de Araújo (1878-1967), conhecido como Cego Aderaldo.

Foi não apenas o maior nome da poesia cantada e improvisada no Brasil, mas um
mito. Sua obra influenciou a música popular e as artes brasileiras nas décadas de
50 e 60.
Cego Aderaldo descobriu as rimas em Quixadá, no sertão do Ceará, pouco depois
de perder a visão em um acidente. Quando a mãe faleceu, Aderaldo decidiu viajar
pelo sertão nordestino e disseminar sua poesia. Em 1914, disputou um duelo de
rimas com Zé Pretinho, conhecido repentista do Piauí. A famosa vitória lhe renderia
prestígio pelo resto da vida. Inovador e criativo, foi exibidor de cinema na década de
30 e levou a cantoria para as grandes capitais, onde era saudado como
personagem do nível de Padre Cícero e Lampião.

Sua família passou a ser a escuridão.Com vergonha de pedir esmola tornou-se


cantador. Podemos ver abaixo, uma de suas repentes:

“Cheguei aos 18 anos

perdendo a vista a clareza

não posso enxergar os campos

os quadros da natureza

até de vista tocou-me

esse quinhão de pobreza!


Hoje, não vejo os refolhos

dois lindos cravos azuis,

não vejo o mar cheio de escolhos

mas tenho fé que meus olhos

um dia enxergam Jesus! ”.

Portanto, a literatura de cordel e o repente brasileiro são tesouros culturais que não apenas
entretêm, mas também educam, preservam tradições e promovem a identidade nacional.
Em um país tão vasto e diversificado como o Brasil, essas formas artísticas têm o poder de
unir pessoas, atravessar fronteiras e contar histórias que refletem a riqueza da cultura
brasileira. Através de versos rimados e melodias improvisadas, o cordel e o repente
transmitem não apenas conhecimento, mas também valores, emoções e experiências do
povo brasileiro. Preservar e valorizar essas expressões artísticas é fundamental para
manter viva a rica tapeçaria cultural do Brasil, garantindo que as futuras gerações possam
apreciar e aprender com essa herança única e preciosa.
CENTRO EDUCACIONAL JOSÉ FRANCISCO DA MOTA
LITERATURA - WILLIAM OLIVEIRA

GUILHERME CARDOSO, LEONARDO SILVA, LUCAS


BALLONECKER, MARIANA CLARISMUNDO E NICOLAS MARTINS
LITERATURA DE CORDEL

SÃO JOÃO DE MERITI


2023

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