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Resumo:
Palavras-chave:
Cordel; Repente; Xilogravura; Patrimônio Imaterial; Poesia popular.
Abstract:
In cultures which value their ancestors' teachings, storytelling has always enjoyed high
prestige. Nowadays, however, in Northeast Brazil, “cordel” (chapbooks), “repente”
(sung improvisation) and xylography definitely need private and governmental support
to continue expressing this people's soul and idiosyncrasy. While many experts consider
this type of literature was born in Brazil and they find no relation to Iberian literary
pamphlets, a number of similarities can actually be identified, irrespective of
differences in topics or approaches. Since these cultural practices significantly
contribute to collective memory, their registration as Brazil’s “Patrimônio Cultural
Imaterial” (Non-material Cultural Heritage) is certainly the first step to be taken in
order to protect them as they deserve.
Key words:
Cordel; Repente; Xylography; Non-material Heritage; Popular poetry
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Antônio Queiroz
Presidente da Associação de Poetas
da Literatura de Cordel da Bahia
Entrevista - 2006
E ra-se uma vez um cego que ao cair da tarde, parado numa esquina de
Lisboa, cantava uma narrativa em verso ante uma plateia que o ouvia
hipnotizada. Todo mundo a conhecia: tratava-se da história de Pedro Malasartes. Um
dia de domingo, não muito longe daí, no interior, um vendedor de rua percorria a feira
oferecendo uns livrinhos coloridos. O cordel, jornal e literatura, encantava os fregueses
desde antes de ser escrito.
Três séculos mais tarde, logo após a hora da novena, do outro lado do oceano,
no Brasil, podia-se assistir a uma cena semelhante, rostos também surpresos: uma avó
ensinava aos netos os mistérios de Nossa Senhora. O cordel chegara para ficar. A
prática tinha sido trazida pelos colonizadores, e por muito tempo, foi somente oral,
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Nos começos, quase nenhum cantador se preocupava com a medida dos versos,
mas pelo menos uma incipiente rima era mantida pelos repentistas. As possibilidades
quanto à medida dos versos vão do menor –já esquecido– de quatro sílabas (chamado de
Parcela) até a Meia Quadra, de quinze. As estrofes podem ser quartilhas, sextilhas,
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Alguns dos poetas de cordel mais conhecidos e prolíferos são: O Cego Aderaldo,
Franklin Maxado Nordestino, Leandro Gomes de Barros, João Martins de Ataíde, Cuíca
de Santo Amaro, Rodolfo Coelho Cavalcante, Patativa do Assaré. Mas seria injusto
tentar fazer uma listagem representativa, pois hoje existem numerosos poetas e
cantadores que espalham com diverso método e sucesso a prática cordeliana e a cultura
nordestina, pelo mundo. Também não deve se esquecer que o cordel é objeto de
pesquisa até na Europa, onde a cultura chamada popular é valorizada e estudada com
grande interesse.
1. Tentativa de classificação:
À hora de tentar fazer uma classificação, é fundamental considerar tanto a
intenção estética, quanto a informativa e a apelativa. São muitas as categorias propostas
para diferenciar as narrativas populares em verso. No entanto, pareceria apropriado
partir da base que estabeleceu o paraibano Ariano Suassuna (1986):
O repente, como poesia improvisada, pode versar sobre um acontecimento que surja
de alguma coisa que o cantador está vendo: um pai ensinando alguma coisa para a filha,
um homem paquerando uma moça, e acaba –no dizer de dom Antônio Queiroz– quando
“o destino desencalha” (2006). Se for um desafio, pode ser combinado para acabar
segundo um plano previsto com antecipação. É claro que os repentes mais bonitos são
os políticos ou aqueles de sátira social.
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Sem o intuito de cair numa taxonomia rígida, podemos dizer que é possível falar
de folhetos de cordel de vários tipos.
Exemplares: podem ou não ser histórias maravilhosas. São narrações que ensinam o
que não deve ser feito. Ex. A moça que bateu na mãe e virou cachorra, de Rodolfo
Coelho Cavalcante (1976).
Histórias de animais: bois e cavalos, entre outros, são os personagens de uma série
muito popular de folhetos de cordel. Ex. A glorificação do Boi Misterioso.
“Literatura culta” –reelaborações– e lendas tradicionais: o povo que não tem acesso
à “grande literatura” ou mesmo aqueles que desconfiam, que precisam ver tudo sob a
ótica do poeta de cordel para entender e acreditar, pode tomar contato com a obra dos
eruditos ou saber de lendas indígenas de comunidades muito distantes através dos
folhetos.
De ‘putaria’: trata-se de enredos safados, muitas vezes proibidos, mas que continuam
sendo vendidos.
Religiosos: episódios bíblicos, antigos romances peninsulares que relatavam a vida dos
santos, histórias de milagres no novo mundo, exemplos piedosos e martírios. Milagres
de São Francisco das Chagas de Canindé (Ceará), Senhor do Bonfim (Bahia).
Segundo Mark Curram (1973), o verdadeiro herói devia vencer ao velho (coronel) sem
o matar e casar-se com a filha do mesmo. O final de O auto da compadecida, de Ariano
Suassuna, sem ser literatura de cordel, mas por estar por ela constituída, tem um final
semelhante. Chicô casa-se com a filha do major Antônio Morais, depois de inúmeras
complicações e de que João Grilo –amigo de Chicô– vença o fazendeiro num teste
tipicamente cordeliano, de perguntas e respostas no qual a sua própria vida está em
jogo.
A pesquisa neste campo é mais uma atividade que precisa do apoio firme e
concreto tanto estatal quanto privado, para construir de vez a História do cordel e
sistematizar a teoria dessa querida poesia popular nordestina. É necessário que
pesquisadores universitários tentem novamente coletar registros fonográficos do repente
e que poetas, músicos e artesãos possam se dedicar a contar a história do povo que
amam num marco de profissionalismo que garanta para eles e para sua família um
sustento e segurança dignos de qualquer trabalhador. Ser poeta, cantador ou gravador
são mesmo ofícios que precisam ser resgatados e elevados definitivamente à categoria
de Patrimônio Imaterial do Brasil. É por isso que foi pedido no início de 2009 o tão
almejado registro como saber cultural imaterial. Tomara que o IPHAN, através da
Superintendência Regional da Bahia julgue chegado o momento de conceder esse
privilégio à arte do povo nordestino que tão amorosamente guardou na memória a
ventura e desventuras do povo brasileiro.
deixaram passo a versões feitas em ofsete que mostram desenhos realizados com a ajuda
dos avanços tecnológicos. Mesmo assim, o entendido, o colecionador, o eterno amante
do cordel, continua preferindo a feitura tradicional. Os carimbos que servem para
realizar essas belas ilustrações são verdadeiras peças de arte e não passaram
despercebidos para os garimpeiros da cultura popular. Muitas dessas matrizes perderam-
se para sempre, nas mãos de sujeitos sem escrúpulos que as compraram por moedas. É
por isso que os clássicos muitas vezes têm de ser impressos em fotocopias para publicar
os folhetos com as capas tal como apareceram na época das primeiras tiragens. Também
nessa arte houve inovações: matrizes feitas de zinco ou borracha substituem, muitas
vezes, as tradicionais em madeira de cajá, pinho, cedro ou alguma outra que estiver
disponível.
Na nossa época, apesar dos jornais e da TV –que poderiam ter feito diminuir o
interesse neste tipo de literatura– e da falta de apoio econômico, o cordel continua vivo
no interior e em cenáculos acadêmicos. No entanto, todas as impressões de folhetos e as
apresentações de repentistas são feitas à custa de muito esforço. Até caberia cobrar dos
estudiosos locais a atenção que os profissionais do exterior lhe dispensam. Mas qual
culpa poderia pesar sobre eles, se o próprio Estado ainda deve um olhar minucioso e
compreensivo a tão digna expressão da idiossincrasia nordestina? A Feira de Caruaru, o
samba de roda e o acarajé, por exemplo, já receberam o registro. É chegado o momento
de proteger o cordel e as atividades anexas, como o repente e a xilogravura registrando-
os como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Por isso, precisa-se do incentivo estatal e também privado para que esses artistas
possam continuar com tão importante labor de educar, informar, divertir e passar a
essência da alma nordestina para a posteridade.
Referências bibliográficas:
BENITEZ, Laura. E de repente, foi o cordel. Buenos Aires, 2006. 32 f. Trabajo final para el Programa de
Posgraduación en Cultura Brasileña - Universidad de San Andrés - FUNCEB.
______. Cinco livros do povo. Introdução ao Estudo da Novelística no Brasil. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1953. (Col. Documentos Brasileiros, 72).
CURRAN, Mark. História do Brasil em cordel. São Pulo: Edusp (Editora da Universidade de São Paulo),
2001.
DIEGUES JUNIOR, M. et al. Literatura popular em verso ESTUDOS. 2a. ed. Belo Horizonte: Itatiaia -
USP - Fund. Casa de Rui Barbosa; [1ª. ed. Rio de Janeiro: 1973], 1986.
LEOPOLDIANUM
Revista de Estudos e Comunicações da Universidade Católica de Santos
Ano 35, Janeiro - Abril/ 2009, n. 95
Editora Universitária Leopoldianum
Santos, 2009
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