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[...] A morte não vos diz respeito nem morto nem vivo. Vivo,
porque existis: morto, porque não mais existis. Ademais, ninguém
morre antes de sua hora. O tempo que abandonais não era mais
vosso que o tempo que se passou antes de vosso nascimento: e
tampouco vos toca. Onde quer que vossa vida acabe, ela está
toda aí. A utilidade do viver não está na duração: está no uso que
dele fizemos. Uma pessoa viveu muito tempo e pouco viveu.
Atentai para isso enquanto estais aqui. Ter vivido bastante está
em vossa vontade, não no número dos anos. [...] Tudo não se
mexe como vos mexeis? Há coisa que não envelheça convosco?
Mil homens, mil animais e mil outras criaturas morrem neste
mesmo instante em que morreis.
Comentário
Herdeiro da fortuna do avô, um rico comerciante de peixes da
região de Bordeaux (na França), Michel se recolhe à vida privada
com cerca de 38 anos, o que naquela época (séc. XVI) já era
considerado uma idade relativamente avançada. Nos pouco mais
de 20 anos que o separavam da morte, Michel dedicou-se
inteiramente a contemplação do mundo e do tempo na
vizinhança do seu castelo em Montaigne, tendo produzido as
cerca de mil páginas dos seus Ensaios, que inauguraram um novo
estilo literário.
Conforme discorreu sobre quase tudo, sem ser um especialista em
nada, Michel é quase um Sócrates renascido que, na falta de um
séquito de jovens questionadores, optou por se recolher a uma
vida literária. Não que houvesse se tornado um ermitão, pelo
contrário: foi exatamente da sua própria vida e das suas próprias
amizades e experiências que retirou a matéria prima dos
seus Ensaios.
De certa forma, Michel também foi o primeiro blogueiro da
história. E, na medida em que procurou escrever antes para si
mesmo, sem jamais imaginar a fama que seus escritos
alcançariam, particularmente séculos após sua vida, Michel
também nos dá uma lição profunda acerca dos reais motivos
pelos quais os verdadeiros filósofos tingem as suas folhas em
branco, ou os campos vazios das postagens dos seus blogs...
Meditar sobre a morte é a melhor forma, afinal, de encontrar a
fonte da vida.