comumente pensado; o cético não nega tudo, ele dúvida.
2. A vida pro cético. — A constante
dúvida sobre as razões e princípios do mundo do cético, na cabeça de um religioso, se tornam monstruosas: como tal ser pode viver tão normalmente sem um deus?
3. Vida eterna como terrena. — A vida
eterna do cético é a sua vida terrena; ele se sente satisfeito com a ideia de virar pó após a morte.
4. Dois tipos de suicida. — Existem
dois tipos de suicida: o que vence os prazeres e por causa do tédio se mata; e o que perde a habilidade de sentir prazer por conta das dores da vida e vem a cometer suicídio. — Me pergunto se todos nós não seríamos suicidas se não sentíssemos prazer.
5. A Crise. — A maior das crises é
quando nos indagamos o motivo da vida; ela move todas as outras crises, que se tornam secundárias à esta.
6. Luto honroso. — O luto só é honroso
caso não te impeça de continuar a viver. Caso o contrário torna os esforços do morto para te fazer feliz, supérfluos e vis.
7. O imortal como prisioneiro. —
Quando pensamos em imortalidade, achamos a ideia boa pois pensamos num alargamento da vida de mil, talvez dez mil anos; todavia, se trata de pensar infinitos anos à frente, tornando o imortal um eterno prisioneiro do tempo — dele mesmo. 8. Flores para cadáveres, desprezo para os vivos. — Costumamos nos importar com alguém só quando a pessoa vem a fenecer, as entregando flores e caixões adornados de amor — como se isso bastasse.
9. Religião como salvação. — Nos
apegamos à religião porque ela nos dá uma continuidade no pós-morte. Podemos nos aliviar se pensarmos que injustiças serão compensadas no céu, ou que as pessoas que amamos estão bem; eis o atrativo brilho da religião.
10. A Metamorfose. — Se uma doença
te transformar por completo, tirando sua sanidade, sua capacidade de se expressar, de amar e até de falar, as pessoas que te amam vão chorar mais enquanto você estiver vivo do que quando de fato morrer. — A metamorfose completa e a morte não têm muito de distinto. 11. O problema do eterno. — As religiões pregam o eterno, mas o eterno se torna problemático por não ter fim. Na crença espírita se diz que iremos reencarnar diversas vezes até sermos espíritos perfeitos; após alcançar a perfeição, teoricamente auxiliaremos outros espíritos menos evoluídos — mas e depois? Se você me der uma resposta decente, te indagarei novamente: e depois? O mesmo para o cristianismo ou qualquer outra crença que tem seus alicerces no eterno.
12. Paraíso e Inferno. — Deus como
ser justo e piedoso seria também extremista? Não nos daria uma segunda ou terceira chance? É qualificado como justo um julgamento para toda a eternidade? Em que o indivíduo ou sofre, ou se deleita em todos os prazeres para sempre? São dúvidas cruéis e sem respostas, igual a majoritária parte das indagações sobre religião.
13. A morte do artista. — O artista
busca ser eterno a partir das suas obras, visando que depois que ele morra, tudo que ele fez seja visto e aclamado. Infelizmente, alguns não veem esse acontecimento; pois ele não acontece em vida — ou porque nunca vai acontecer.
14. Passado paradoxal. — Olhamos
para o passado com saudade e carinho, achando que ele era melhor que o nosso presente; mas será que nesse passado não pensávamos o mesmo?
15. O medo de morrer. — O temor que
sentimos quando pensamos na morte não passa do nosso instinto mais primitivo vindo à tona. É um medo ilógico e irracional por inteiro, sofremos mais em vida do que na hora de morrer; sentimos mais dor hoje do que no momento que os nossos olhos se fecharão e então faleceremos. Logo, não há motivo para sentir medo de um gato doméstico quando diariamente se enfrenta leões.
16. Ciclo distópico. — Ame e seja
morto, morra e seja amado.
17. Sopros humanos. — A vida não
seria um sopro se nós mesmos não a assoprássemos.
18. Morte prematura. — Existirão
pessoas que vão te amar, te cumprimentar, te abraçar, te questionar e até te machucar; e nada disso vai te dar a certeza de que essas pessoas realmente estejam vivas. Agir como um vivo estando morto é mais fácil do que parece. 19. Eterno retorno. — A ideia do eterno retorno foi criada como um ponto de partida para a autorreflexão; porque não vivemos pensando que vamos reviver essa vida eternas vezes, mas e se revivermos? Ela vai valer a pena ser vivida? Ou só vai ser um castigo tão duro como o Inferno?
20. Uma filosofia morta. — Qual a
veracidade de uma tese quando seu próprio criador não a segue à risca? Um filósofo que não crê no que diz — que não segue a própria filosofia — vai ter apenas teses mortas, livros sem valor, palavras sem cor.
21. A arte como auxiliadora para
aceitar o fim. — A arte é a melhor ferramenta para se aceitar a morte. Com ela podemos perceber com muito mais facilidade que faz parte do processo, que é necessário. Dependendo dos artistas que o indivíduo consuma, a morte pode até se embelezar aos olhos do mesmo. Ele vai perceber que não existe libertação maior do que viver e no fim poder ter um descanso sereno e eterno.
22. O fim do soldado. — Morrer
lutando na guerra é uma das mortes mais filantrópicas que existem. Não existe filantropia maior do que perecer pela sua pátria — que consiste em abnegar tudo e arriscar sua vida por estranhos, por uma bandeira. Mesmo que os soldados que morram, estejam forçados a estar ali, não muda o sacrifício feito; já que estes poderiam se refugiar com suas famílias para evitar a guerra (como muitos fazem); porém, preferem lutar; mesmo sabendo que a morte é o resultado mais provável; mesmo sabendo que dinheiro nenhum compensa o risco imposto; mesmo sabendo que enquanto são disparados tiros contra ele, os superiores da sua pátria estão seguros em algum lugar longe daquele. 23. O soterramento dos espíritos contemporâneos. — Antigamente, poucos homens podiam ser considerados extemporâneos; entretanto, quase todos eram contemporâneos. Hoje, o homem extemporâneo entrou em extinção e os contemporâneos estão soterrados debaixo de velhos retrógrados.
24. O erro de Zaratrusta. — O erro do
Zaratrusta foi não perceber que aquelas moscas do mercado seriam suas sucessoras; aquelas venenosas e pequenas moscas do mercado.
25. A ingenuidade de Nietzsche. —
Nietzsche não percebeu que o mesmo seria o mais perto do além-homem que o mundo veria. Ele tinha ingenuidade o bastante para crer veementemente que os homens do futuro poderiam ser os fins dos homens, que até então tinham sido meios. Mas que homens do futuro? Eu só vejo homens mais arcaicos que os que Nietzsche conhecia no entorno — homens do retrocesso. Poderia eu esperar alguma mudança nos próximos séculos? Parece que a humanidade só tende à queda, parece que ela está destinada à queda...
26. O pessimismo de Schopenhauer. —
Nietzsche, no livro "Além do bem e o mal" faz a seguinte indagação:
"[...] E é bom lembrar que Schopenhauer,
ainda que fosse pessimista, era antes de mais nada: flautista... Tocava todos os dias, depois do jantar, se consultarmos a seu respeito o seu biógrafo. E então perguntamo-nos: um pessimista, um renegador de Deus e do mundo, que se detém frente à moral e toca flauta à moral laede neminem [ofender ninguém] é, tal pessoa, pessimista?" Schopenhauer não seria um grande realista? Nietzsche na citação supracitada quis mostrar que mesmo o homem mais antivida que já pisou na terra tinha seus momentos felizes. Acredito, inclusive, que o próprio Schopenhauer teria cometido suicídio se não acreditasse que existe felicidade em viver — mesmo que pouca. Deveríamos chamar o mesmo de "demasiado realista e rancoroso"; mas nunca, de "pessimista".
27. Morte ao ascetismo! (a morte do
que nunca esteve vivo). — O ascetismo completo é uma utopia. Você pode até largar alguns prazeres; entretanto nunca poderá largar todos; pois o homem precisa sentir prazer para permanecer vivo. O que os autodenominados ascetas fazem, é ver prazer em fontes que antes não se via, como na fonte do conhecimento. 28. Vivendo como um morto. — Trabalhar incessantemente, não ter tempo para si; é viver estando morto; é morrer estando vivo.
29. O sentido da vida. — A sociedade
cobra dos indivíduos que eles tenham um sentido, o sentido que ela quer que eles tenham. Puseram como certo que o sentido da vida precisa ser: estudar, trabalhar, se casar, ter filhos, trabalhar e morrer trabalhando. Uma pessoa é realmente a errada por viver simplesmente sendo humana? Não como máquina, não como deus; simplesmente como um ser humano.
30. Usufruindo do destino. — Partir
sorrindo é saber que a vida fez sentido, que você verdadeiramente foi feliz — e que sabe abnegar de tudo quando chega a hora de ir —; faz parte do processo deixar o prazeroso quando chega a hora. Não ser eterno é o que faz a vida ser de fato prazerosa.
31. Alguns. — Alguns nascem para
narrar, outros para falar, uns para escrever, poucos para amar, muitos para serem amados, grande parte para trabalhar, outros tantos para viver; mas todos para morrer.
32. Fim da seleção natural de Darwin
na sociedade. — Desde que a sociedade consolidou o Estado, nós perdemos as vantagens que antes tirávamos da seleção natural. No momento que temos a proteção garantida desde o nascimento, se torna inútil que continuemos a nos adaptar para sobreviver — se torna inconveniente; para que aprimorar nossa fisionomia para fugir de potenciais perigos? Para que usar nossas perspicácia para sobreviver o máximo de tempo? Para que ser inteligente se o não ser te deixa igualmente vivo? Nos antigos ainda existia certo esforço sobre essas questões — eles tinham que manter a sociedade com as próprias mãos —; mas hoje temos a tecnologia... Temos toda a facilidade do mundo moderno, que está dizimando milênios de evolução, de esforço. Emburrecemos porque não existe a necessidade de ser inteligente — nem a de saber, já que a Internet nos dá tudo de bandeja. Nos tornamos fracos e dependentes e não percebemos; continuamos a decair como se fosse o caminho normal da evolução. Onde iremos parar? Penso que as respostas tendem ao colapso; se não for da humanidade, será do nosso — último resquício — de racionalidade.
33. Nossa relação com o tempo. —
Desprezamos o tempo por toda a vida, o julgando como se fosse sem valor ou infinito; mas qual homem no leito de morte não daria tudo por mais um ano de vida? — Por mais alguns dias? Até o suicida desesperançoso se arrepende quando pula, mesmo sendo tarde; mesmo não tendo mais motivos. No fundo ele ainda queria viver, só que sendo um pouco mais feliz. Sabemos que o tempo é o bem mais precioso que temos; mesmo assim sempre o descartamos primeiro — como se fosse eterno...
34. Condenação dos abastados. — Os
abastados estão condenados à infelicidade; porque não haverá mais nada que os satisfaça — eles já compraram tudo.
35. Se precavendo da morte. —
Existem pessoas que incessantemente se previnem da morte, com dietas rigorosas e exercícios incessantes; mas se essas práticas não as trazem prazer e elas as praticam em profusão — isso não seria desperdiçar a vida? É visível que muitos temem a morte e se previnem contra ela o máximo possível — e isso não seria desperdiçar a vida em prol do inevitável? Não seria... jogar fora para quem sabe recuperar e sair do negativo?
36. O verdadeiro túmulo. — Que
homem que buscou o conhecimento até o último dia gostaria de ver sua carcaça sendo honrada? — Os cemitérios o repugnam; porque são só corpos sem mais vigor que foram postos em caixões ornados que ficarão abaixo da terra — fora da vista de todos. Seu verdadeiro cemitério é o conhecimento que transmitiu, tudo que este escreveu e deixou; e não há maneira melhor de honrar um amante do conhecimento do que apreciar tudo que este aprendeu e dominou — todo o esforço de sua vida sendo amante do intelecto.
37. O castigo de Sísifo. — Sísifo foi
condenado por toda a eternidade a rolar uma pedra ao topo de uma montanha; e quando esta chegasse ao topo, desmoronaria e voltaria ao começo, o fadando ao eterno trabalho. — Não seria esse mito, um reflexo do que somos hoje? Fadados ao trabalho incessante e imparável; ao rolar a pedra e ela sempre voltar ao início... — Uma vez que nem castigados estamos sendo...
38. Vida na idade média contra a vida
atual. — Antes, os antigos viviam por 30 anos; já hoje... — vivemos por 20 e sobrevivemos por 50. Esses antigos da idade média realmente sabiam viver melhor; mesmo com as pragas sem solução da sua época, como as doenças — isso, porque eles aproveitavam a saborosa e curta vida; sem trabalhos que não fossem além do necessário para sobreviver; sem deuses que te fazem odiar a vida terrena — pelo contrário, o que os deuses desses amavam, era com certeza o terreno! Se nos espelhássemos mais no modo de viver dos antigos, como viveríamos bem! Se estes com as tragédias e sangrentas guerras, bem viviam; imagine se não tivessem tantos obstáculos pelo caminho...
39. Eternizando com a escrita. — Se
deseja eternizar algo, escreva sobre. As memórias se distorcem com o tempo; mas as palavras continuarão as mesmas.
40. "Os bons vivem mais que os maus."
— Essa afirmação não poderia ser mais errônea. O que acontece, é que o mal se apresenta em uma profusão maior que o bem — e é muito mais reconhecido do que este...
41. Vivendo para manter a imagem. —
Muitos são os que vivem para agradar, e não para viver. Um indivíduo que vive para melhorar a imagem e por conseguinte ser bem lembrado, é alguém que desperdiça a vida visando ser amado quando morrer — sendo que ele nem vai estar vivo para ver sua imagem sendo apreciada —; se ao menos tivesse vivido para si... poderíamos dizer que este foi feliz e ainda conseguiu ser bem lembrado depois da morte — mas seria isso... possível?
42. Quando um gênio morre. —
Quando um grande gênio nos deixa, a humanidade perde muito mais que um homem — perde uma fonte quase inesgotável de conhecimento, criatividade, inventividade, habilidade e todas as outras qualidades que são pertencentes das grandes mentes. Perdemos muito mais que um diamante — perdemos uma das maiores e mais frutíferas minas de diamante.
43. Valor do efêmero. — Qual seria o
valor da vida se eternamente vivêssemos? O que seria o homem se a morte não fosse seu destino? Respondo-te com concisão: nada além de um poeta sem papel e caneta. 44. Diversas mortes. — Morremos centenas de vezes ao longo da vida: quando nos magoamos, nos ferimos, nos decepcionamos; até quando do mais fundo dos abismos nos reerguemos.
45. Fim de um sonho. — Dependendo
do sonho e de quanto o indivíduo o considere, destruir esse sonho pode significar matar o seu devido sonhador.
46. Deus de Spinoza. — O Deus mais
razoável de se existir; pois esse não seria o criador — seria a criação. Nós, as árvores, os planetas, os cosmos; seriam todos esses o Deus de Spinoza; sem perfeição, sem Inferno, sem propósitos ulteriores... — apenas a existência no seu mais puro e imperfeito todo.
47. A resposta mais almejada é a que
não tem solução. — O que ocorre após a morte tem sido o maior alvo de estudo do ser humano desde que nos tornamos racionais. Tentamos achar uma resposta, mesmo que saibamos não existir tal; continuamos buscando e tentando solucionar o maior mistério da humanidade — o mistério sem solução: o que de fato acontece depois da morte?
48. O ateu. — O ateu, no fundo, é o
mais religioso dos homens.
49. O problema na proposição de
termos sido criados por Deus. — A problemática em se dizer que fomos criados por Deus, é não pensar no ponto crucial dessa afirmação: o porquê dele ter nos criado. Qual a necessidade que uma entidade teria em nos criar? Nos despejar num mundo e declarar que temos que ser perfeitos — sendo que isso pela lógica não seria possível, já que um ser imperfeito não pode se tornar perfeito, tal qual um ser perfeito não pode se tornar imperfeito. Posso pressentir o contra-argumento dos cristãos, dizendo que não precisamos ser necessariamente perfeitos, basta sermos bons o bastante para adentrar o Paraíso — e de novo minha mente se enche de indagações e dúvidas. Como, por exemplo, o questionamento se é possível entrar no Paraíso — visto que até o melhor dos cristãos cometeu diversos pecados em vida — o tornando teoricamente inapto a um lugar tão perfeito e idílico como o Reino dos Céus. Outra dúvida também, que arquitetei enquanto adentrava o âmago da existência; é a questão do motivo da existência de tais antíteses como Céu e Inferno; por mais que tenha dito isso no §12 deste capítulo, volto a reforçar minha dúvida. — Não seria extremo demais basear uma única chance de viver para determinar se o ser vai ter o deleite ou sofrimento eterno? — Melhor, Deus nos faria melhorar para depois nos deixar no Paraíso? Qual seria o objetivo Dele com isso? Nos induzir a melhora simplesmente para... ter prazer? — Isso não vai contra a própria doutrina asceta que o cristianismo propõe? E mesmo se eu pressupor que tais antíteses existam; me indago qual seria o destino de uma criança que morreu logo quando nasceu... ela não teve tempo de pecar, então vai pro Céu? — Isso não seria injusto com quem viveu uma vida inteira? Ou então ela iria pro Inferno por não ter se batizado e por conseguinte ter o "Pecado Original" na alma? — Isso também não seria igualmente injusto com essa alma, já que os outros puderam se purificar e ela não? Deus é justo; entretanto, toda nossa existência é o oposto. Um indivíduo que cresceu numa família boa, cristã; e por isso teve um bom direcionamento às boas maneiras, não teria uma chance muito maior de ir ao Paraíso do que um indivíduo pobre que desde cedo foi obrigado a ser um criminoso? Outra dúvida genuína é se mesmo que Deus tenha um propósito para ter criado a gente (o que sinceramente, acho bem difícil); Ele já não poderia nos ter feito perfeitos? Você pode contra-argumentar que não seríamos perfeitos de fato pois não teríamos conhecido o mal, logo seríamos facilmente corruptíveis — mas essa proposição é errônea; baseando-se nas religiões cristãs (ou espírita) que temos um Deus onisciente, uma entidade totalmente perfeita e que de tudo pode fazer; Ele poderia sim nos criar já perfeitos de modo que não fôssemos ingênuos — mas não o fez... Nos deu uma existência que visa um lugar sagrado que promete o deleite eterno — sendo que a própria religião repudia a busca pelos prazeres. E no caso da espírita, que não tem Céu e Inferno; também se torna duvidosa por causa da origem; do porquê Deus nos criou. Ele não poderia... — ficar sozinho? Não poderia... — nos fazer perfeitos? 50. Mensagem dos mortos. — Andando pelo cemitério, ouvi um gongo badalando impetuosamente; comecei a desenterrar o caixão com uma pá que estava próxima — pensando que poderia ter sido um engano. Quando abri o caixão, vi o cadáver pálido — morto; na tampa do caixão estava escrito: "Guerra na Terra, amor na terra." Naquela hora eu entendi o que ele queria dizer, o recado desse invejável cadáver. • Capítulo segundo: Conhecimento
51. Homem do conhecimento. — Essa
espécie, tão rara nos dias de hoje, é também a mais valiosa que podemos ter. O alvorecer nasce, e com ele, os olhos dessa grande espécie brilham. Apreendem o conhecimento na escuridão e o disseminam na luz quando este estiver maduro; o problema é: o alvorecer está cada vez mais escasso. A luz antes rica e iluminada, agora é um poço de nada — de melancolia. Os homens do conhecimento passam a viver mais recônditos do que no lume, porque a luz está sumindo, fenecendo. "Mudança!" Eles arduamente exclamam; mas eles sabem que é em vão. Falta pouco para essa bela espécie viver apenas nas cavernas, na escuridão; porque logo não haverá nenhuma luz — nem ouvinte — para tamanha razão. 52. Conhecimento. — O conhecimento liberta porque ele é real e inesgotável; enquanto sua mente estiver sadia e você permanecer estudando, o conhecimento permanecerá. Você pode indagar: "Mas se ele é tão bom, tão libertador, por que é tão menosprezado, tão ignorado?" Bem... as pessoas cada vez mais desaprendem a valorizar o que liberta — o que é real.
53. Um dom, uma maldição. — O
conhecimento exaure, por isso sempre estou exaurido.
54. Benção para a multidão, veneno
para uns. — A ignorância é uma benção para quem quer viver uma mentira e um veneno para quem quer encontrar a verdade.
55. Ilógico. — Se não houve lógica no
meio não haverá sentido no fim. 56. Religião como conforto. — A religião conforta aqueles que não são obcecados pelo conhecimento.
57. Ingênuo entendimento. — Se você
entendeu a vida, você entendeu errado.
58. Carcaça de Aquiles — do homem.
— Maldita seja minha mente! Que não suporta meu tamanho intelecto...
59. Indagação justa. — Eu respiro a
filosofia como um homem respira o ar; me indago como poderia estar vivo antes de conhecê-la.
60. Regra universal. — Existem
palavras que as almas tolas não podem — e não devem — ler.
61. Voz em forma de ruído. —
Infelizmente minhas palavras recheadas de lógica se deturpam nos ouvidos dos ignorantes e se tornam destituídas de razão.
62. Consequência grave. — Se abster
do seu potencial total é pedir para que o limite imposto se torne seu novo máximo.
63. Conhecimento como prazer eterno.
— O conhecimento difere dos outros prazeres por não se chegar ao fim, não se pode possuí-lo por completo. Logo, para quebrar a oscilação mostrada por Schopenhauer, basta se tornar adepto do conhecimento.
64. Livros ao em vez de amigos. —
Alguns séculos para trás, provavelmente eu diria que é melhor ter uma boa discussão com um amigo do que ler um bom livro. Todavia, hoje, o contrário parece uma ideia melhor; porque as pessoas emburreceram, e os antigos livros ainda permanecem os mesmos. 65. Excesso. — O excesso de conhecimento é tão prejudicial como qualquer outro vício. Por isso é preciso maneirar nos estudos para se permitir ficar no estado de ócio por um tempo. Caso contrário, o cérebro se sobrecarregará e tudo que você tentar aprender não vai ser retido e consequentemente será um esforço pífio.
66. A queda do intelecto exemplificada.
— Um gênio do pretérito com certeza se destacava na sua época; mas se o mesmo fosse teletransportado para a atualidade (e se adaptasse rápido com as tendências, sem ser corrompido pela sociedade atual) ele provavelmente se tornaria uma espécie de deus, pois estaria quilômetros a frente do maior gênio do nosso presente. — Não precisa de muito para ser um gênio atualmente. 67. A queda do intelecto comprovada. — Se o maior dos gênios atuais fosse para o passado, ele provavelmente seria acima da média; já hoje... — ele é gênio.
68. Contradição entre idade e mente. —
Existem sábios da vida que são pobres do intelecto. Por outro lado, existem também sábios do intelecto que são pobres da vida.
69. O alvorecer. — Todo cético, que
por conseguinte será também um homem do conhecimento, em algum momento no decorrer da sua vida encarará a profundidade do conhecimento, até que este enfim o consumirá. Nessa hora então, o homem do conhecimento se encontrará no mais escuro dos abismos, no mais profundo deles — no mais infinito. Quando estiver totalmente coberto pela escuridão, o homem do conhecimento afirmará: "Finalmente o encontrei! finalmente o enxerguei! Meu belo destino."
70. Sobre a Verdade. — Concordo com
a máxima "não existem verdades absolutas." (claro, se tratando do âmbito das palavras, das morais; não sobre a realidade física); todavia, uma verdade não precisa ser absoluta para ser verdade. O que quero dizer, é que nós ao longo da vida criamos nossas verdades, nossas máximas, nossas morais; e com elas formamos nosso caráter e gostos. Elas serão nossa certeza, mesmo que não sejam de fato uma; por isso que afirmar uma inutilidade acerca do conhecimento, por não se poder alcançar a Verdade — por ela não existir — é tolo. O conhecimento abre a possibilidade de mudança para essas nossas verdades, com o auxílio da descoberta de fatos (a Verdade física) e de novas perspectivas, possíveis apenas aos homens do conhecimento — por serem os únicos que as buscam. Não podemos alcançar a Verdade em si; mas podemos alcançar a nossa verdade, para isso se precisa do conhecimento; ele será a única ferramenta que fará a sua verdade ser ao menos similar com essa Verdade absoluta inexistente.
71. A beleza do aforismo. — O
aforismo foi deixado de lado nos últimos séculos; foi rapidamente reavivado no século XIX pelo Schopenhauer e logo em seguida pelo Nietzsche, mas depois veio a desaparecer. Os aforismos são menosprezados, porém, não deviam ser. Se um escritor quer seguir a máxima de falar em dez páginas o que os outros dizem — ou não dizem — em um livro, existe maneira melhor de fazer isso do que escrever aforismaticamente? O aforismo traz beleza; faz o escritor falar muito com pouco; faz do raso, profundo — e do profundo, um abismo. Mas pensando bem... os escritores contemporâneos têm sequer algo para poderem aprofundar? — Eles têm sequer algo para... falar?...
72. Sobre os escritores
contemporâneos. — Eu sei que existem escritores bons; mas eles estão ofuscados por essa névoa soturna que cerca a humanidade; a névoa da ignorância, do fácil, do mágico. É muito mais fácil ler um livro que promete mil e uma coisas com mentiras (que nitidamente são mentiras — mas quem sabe se pensar o contrário deixe de ser, né?) do que ler livros íntegros, com ensinamentos; não com caminhos fáceis dados de bandeja — caminhos assim não existem. Os escritores estão virando reflexo da ignorância, da decadência; dizem muito e no fim não disseram nem uma palavra, nem uma sílaba... Os verdadeiros escritores estão recônditos na caverna de todo seu saber; porque eles não veem mais esperança de disseminar esse saber para as pessoas — elas se tornaram surdas...
73. Conhecimento real. —
Conhecimento real, o jeito de amar o conhecimento. Consiste em analisar o que deve ser universalmente sabido, considerando a sua importância na vida humana; e analisar o que seu coração deseja saber — o que sua paixão anseia por aprender. Juntando esses dois se formará toda a extensão do conhecimento real — o verdadeiro conhecimento.
74. Usando todo o potencial. — Só
usaremos nosso intelecto com todo o seu potencial e seremos felizes se seguirmos essa máxima: conhecimento real.
75. Ofício da filosofia. — Qualquer um
pode ser filósofo; mas são poucos os que se aventuram a esse belo ofício intelectual — ele assusta.
76. Imergindo na ignorância visando a
catarse. — É preciso se aventurar no âmago das crenças esdrúxulas e ignorantes para poder entendê-las, rebatê-las, e assim evitar esse mal futuramente — a catarse só pode ser feita se primeiro você rolar na lama, e depois apreender a noção completa do que é um bom banho.
77. Melhoradores da humanidade
divinizados. — Esses não querem ser vistos como deuses; eles querem ser ouvidos. Passamos mais tempo exaltando e endeusando esses melhoradores que detestariam tal atitude do que ouvindo seus ensinamentos — não os pomos em prática porque perdemos o tempo endeusando-os. Que tipo de alma que buscou e disseminou todo o seu conhecimento iria preferir ser um deus do que ser ouvido? — Que tipo de deus seria esse...
78. Falsos intelectuais. — Existem
pessoas que memorizam enciclopédias e dizem ser gênios; por que seriam? Não adianta memorizar se o conteúdo não foi entendido — e se só será usado como meio de ostentação, não de estudo.
79. A onisciência. — Se pudéssemos
escolher saber tudo, escolher tal opção seria loucura. Qual seria o propósito da vida se de tudo soubéssemos?
80. Homem do conhecimento de
poucos amigos. — Uma triste sina para o homem do conhecimento é estar fadado aos poucos amigos; pois seu conhecimento o fez ser extremamente seletivo na hora de escolher suas amizades; já que poucos são os intelectuais igual a ele que existem — como não seria seletivo?
81. Reflexo da vivência na filosofia. —
A vivência molda os pensamentos dos filósofos. Só você perceber que provavelmente se Nietzsche não tivesse tido uma vida de sofrimento e de doença, ele talvez não tivesse sido um filósofo tão agressivo, tão conciso — tão belo. Ou então pensar que o Rousseau nunca teria dito que a sociedade corrompe o homem (bom-selvagem) se o mesmo não tivesse visto sua própria corrupção.
82. O sábio que vira louco. — Haverão
pessoas que invalidarão toda a filosofia de um sábio caso ele se torne louco — mesmo que ele tenha dito as palavras mais lúcidas que a humanidade já ouviu. 83. Sobre a presunção dos filósofos. — Qualquer filósofo que disser o que pensa de forma direta e concisa, será acusado de ser presunçoso. As pessoas acham que os filósofos querem se passar de donos da Verdade, simplesmente por dizerem no que creem de forma direta — mas como um filósofo poderia crer ser dono da Verdade? Logo o filósofo... esse devoto do ceticismo.
84. A lógica aplicada na vida. — Existe
um erro imenso em aplicar a lógica na sua forma mais pura quando se trata do convívio em sociedade — quando se trata da vida. Para ser efetivamente lógico nesses momentos, precisa-se inserir o ilógico no lógico, visando alcançar a lógica da vida — tendo em vista que tudo que se trata de pessoas, é por conseguinte ilógico; e haveria ilógica maior do que ser totalmente lógico com uma essência ilógica por natureza? 85. Teoria contra prática. — Um estudante da teoria, por mais que se empenhe, nunca terá o mesmo entendimento sobre certa coisa do que o que pratica. O estudante pode até saber mais nomenclaturas; saber explicar melhor; mas só o praticante vivenciou a essência, foi até o âmago; este é o verdadeiro entendedor — o verdadeiro vivenciador.
86. Exílio. — Para o homem do
conhecimento, o exílio é essencial para pôr suas ideias no lugar. Faz parte dele a solidão proposital, ele precisa desse tempo para ruminar suas concepções e desenvolvê-las. As pessoas normalmente não suportam a solidão, elas rapidamente se desesperam e voltam para as multidões; já o homem do conhecimento, depois que confirma ou visualiza uma tese — ele se desespera na multidão e o mais rápido possível foge dela, voltando ao seu tão amado exílio. 87. Asas de Ícaro. — A nós — o Ícaro — foi dado o conhecimento — a asa — para voarmos livremente; porém, se subirmos demais, o conhecimento vira arrogância e por conseguinte, vira ignorância — o calor do sol.
88. Efeito Dunning-Kruger. — Saiba
pouco e sinta que sabe tudo; saiba muito e sinta que não sabe nada. — Eis a explicação do porquê a ignorância é mais disseminada que o conhecimento.
89. O segredo dos bons escritores. —
Estes não escrevem — fazem as palavras dançarem.
90. O porquê é difícil escrever
filosofia. — Não se trata apenas de transcrever pro papel seus pensamentos; se trata de organizar a sua filosofia, de forma que esta fique entendível e faça sentido para o leitor e para atingir o objetivo do filósofo. Se simplesmente copiássemos os nossos devaneios, eles ficariam desconexos, soltos — ilógicos. Por isso que a missão de um filósofo de passar para o papel tudo que este quer dizer é tão difícil, precisa-se de muito mais que caneta e mente — precisa-se de método.
91. A maldição do homem do
conhecimento. — A maldição deste é ser sempre chamado de presunçoso por aqueles que não são seus semelhantes. As pessoas odeiam os amantes do conhecimento e acusam estes de serem arrogantes quando dizem o que sabem — fazem isso apenas por não terem o mesmo tanto de conhecimento. Mas... — a inveja não seria um mal pior que a arrogância? E não reconhecer sua inveja não seria por si só, arrogante? 92. Um mestre ruim. — O pior dos mestres, é o que mesmo tendo milhares de discípulos, nunca transforma nenhum deles em mestre.
93. O homem sem mestre. — Este
precisa ser o mestre, o aluno, o ensinamento e a ação; pode-se falar que o processo será mais penoso — e realmente será — mas se este superar as dificuldades... — será o maior dos homens.
94. Ser gênio numa área ou medíocre
em várias? — Se tiver que escolher entre essas opções, opte sempre por ser medíocre em várias áreas; porque, nesse caso, se uma área lhe for tirada (seja por alguma doença, por falta de motivação, por falta de oportunidade etc) você ainda terá várias outras para se aventurar — situação que não ocorre se em uma área você muito souber, mas nas outras nenhum conhecimento tiver. 95. A estranheza percebida nos gênios. — Estes são uma vênia na sociedade; agem de um modo distinto da maioria — e essa quebra do padrão, que faz de um homem, gênio —; modo distinto esse, que sempre traz as peculiaridades vistas nos gênios, os fazendo ver além da ótica humana — além da muralha mental que cerca os homens. Os gênios só são vistos como estranhos ou loucos, porque são a minoria; e nunca há um real esforço para entendê-los no âmago (exceto quando estes conseguem mostrar sua grandeza, caso o contrário...); mas se não fossem por essas grandes mentes, o mundo — e principalmente a espécie humana — ainda estaria estagnado nos seus primórdios mais animalescos... — ainda seríamos nômades que caçam para sobreviver.
96. A junção do poeta e do filósofo. —
Apenas o homem que dominar a arte de expressar e entender os sentimentos, e a arte de expressar e entender a lógica e a razão, que será o verdadeiro gênio — que será o mais próximo do homem apoteótico.
97. "Conhece-te a ti mesmo." — Saiba
quem és no âmago, e todos os símbolos indecifráveis se tornarão histórias para crianças.
98. O livro perfeito. — A perfeição
literária será, a que souber equilibrar o dionisiaco e o apolineo, o vinho e a lucidez; e com esse equilíbrio, fazer a mais perfeita das obras; a que te embriaga e depois cura sua ressaca; a que mata e renasce. Poucos são os que chegaram perto de tal perfeição: Hölderlin, Goethe, Nietzsche e até Kafka talvez sejam os que mais se aproximaram de tal façanha; mas hoje... hoje até a escrever desaprendemos, quiçá fabricar uma obra que beire à perfeição — fabricação essa, que esses exímios escritores com tanta maestria fabricavam.
99. Os personagens de um livro. — Os
personagens que um escritor cria, no fim são reflexo das pessoas que ele conversou, amou, odiou e até endeusou.
100. O sábio e o sofista. — O sábio,
chegando à praça pública que estava lotada, começou a palestrar sobre o mundo; disse que aqueles ali presentes deviam focar no conhecimento, não no boêmio; disse que existia muito deleite em ser adepto à tal ofício; disse sobre os problemas da vida; explicou e aconselhou sobre o amor, a morte, o conhecimento, a sociedade, a velhice, a felicidade e por fim contou sobre como deveriam prosseguir para encontrarem um sentido no dia a dia. Quando o sábio terminou, percebeu que eram poucos os que o ouviam — menos ainda os que o notavam. Recebeu poucos aplausos e logo os poucos ouvintes tinham se dispersado de volta à rotina naquela grande praça. Um sofista, que tinha escutado suas palavras, rapidamente se lançou ao centro da praça para começar o discurso; com suas palavras rebuscadas e jeito ardiloso, disse tudo que o sábio tinha acabado de falar — mas usando sua persuasão de demagogo e palavras recônditas em dicionários — rapidamente encantou o grande público, que o ouvia atento e em êxtase — como se ouvissem um sábio. Quando este terminou, recebeu aplausos e gritos, foi louvado como profeta, amado como os céus, presenteado como um deus. O sábio, que se encontrava no canto, se entristeceu e se retirou aos passos fúnebres — mesmo já tendo vivido essa mesma história centenas de vezes. O público festejou pelas palavras e no fim o silêncio tomou o ambiente, no fundo sabem que não têm motivos para comemorarem — eles não entenderam sequer uma palavra — todavia, já foi o bastante para o sofista achar seus novos adeptos e seguir sua caminhada, enquanto é louvado como "O grande profeta". • Capítulo terceiro: Amor
101. A necessidade do amor como ato
egoísta. — Necessitamos do amor com tanta avidez por causa da superficialidade das outras relações, que mesmo sendo agradáveis nunca chegam a ser de fato exclusivas.
102. Amor verdadeiro. — O amor só
vai se diferenciar da paixão quando for duradouro e puro. Em outras palavras: só quando for maior que os desejos carnais.
103. Traição no olhar. — Olhar
alguém e desejar essa pessoa enquanto namora pode ser considerado traição. Porque desgasta seus sentimentos em relação ao seu par atual, o que fenece a paixão inconscientemente. 104. O problema do amor. — O que torna o amor um grave problema, é que nós não amamos com a razão, mas sim com o coração. Nosso coração não consegue discernir se uma pessoa é boa ou má por dentro, ele apenas vê a carcaça. Logo, as pessoas que amam prematuramente alguém, sem conhecer a fundo o seu amor — o que acontece com bastante frequência; ficam cegas e não veem a verdadeira face de quem amam, ficando expostos a traições, manipulações e quebras de expectativa quando a paixão diminuir.
105. Atração sexual. — O amor não
existe sem a atração pela aparência. Amar alguém sem achá-lo atraente é condenar o fim antes do começo (mesmo na velhice, é necessário achar seu parceiro minimamente atraente para permanecer com ele; é necessidade do instinto). 106. Velhice. — Permanecer com uma pessoa mesmo depois da velhice talvez seja a atitude mais madura que se pode ter. Já que para isso é necessário deixar os prazeres juvenis de lado e reconhecer que faz parte do amor não amar tão intensamente como se amava. Perceber que a risada, o jeito, a personalidade do seu amor vale mais do que qualquer prazer sexual que se possa ter; perceber que é preciso deixar o instintivo em segundo plano para encontrar uma união estável; perceber que é mais feliz ter um alicerce sólido do que um prazer intenso mas inconstante.
107. Adição, não complemento. — Seria
ingênuo e errôneo dizer que há como se entender totalmente. Porém, podemos nos entender parcialmente. De modo que nossos relacionamentos, tanto amorosos como de amizade sejam uma adição ao seu Eu maduro, e não um complemento; porque a adição caso for retirada não afetará seu âmago, sua essência (entende-se adição como um extra, um bônus, que pode até fazer falta pela comodidade que causava, mas não é essencial para você, não te impede de funcionar.) Já o complemento, caso for retirado te impedirá de prosseguir; pois você se juntou àquele relacionamento estando imaturo, estando incompleto. Por isso se tornou necessário ter aquela relação na sua vida, se tornou uma dependência... Uma dependência emocional.
108. Jardim de rosas. — Se apaixonar
equivale a escolher uma rosa de um jardim e amá-la mais que as outras. Nesse amor cego e veemente, você se esquece que rosas têm espinhos e sem pensar duas vezes agarra a sua amada rosa. Basta ser sortudo o bastante para que a sua rosa seja um — erro da natureza. 109. A inexistência da ambivalência. — Não se pode amar e odiar alguém ao mesmo tempo. O que pode acontecer — e acontece com certa frequência — é odiar o amor que você sente por aquela pessoa, ou amar o ódio que você sente por ela. Todavia, isso está longe de se adequar ao significado de ambivalência.
110. A beleza do caráter. — Para a
pessoa madura emocionalmente, a maior beleza que ela vai ver no outro vai ser seu caráter. De modo que quando percebe que alguém tem integridade, é bondoso, gentil, meigo, de fato uma boa pessoa; ela vai achá-lo igualmente lindo por fora. O problema é que carecemos de pessoas maduras.
111. A paixão. — Você saberá que o
que sente é paixão quando olhar nos olhos de uma pessoa e sentir o coração acelerar; quando ela sair e você subitamente sentir sua falta; quando ela lembrar de você e o seu sorriso aparecer instintivamente, como um impulso. Então você poderá dizer: "Essa é a pessoa que eu amo, essa é minha bela paixão."
112. O amor. — A paixão precede o
amor. Logo, para identificar o seu amor verdadeiro, ou em palavras poéticas: sua alma gêmea; é necessário sentir a evolução da paixão para o amor. Amar os olhos da sua amada mesmo que não sinta o coração bater com a mesma intensidade de antes; adorar passar um tempo com ela mesmo que a saudade sentida não seja tão imparável; lembrar dela com carinho, com amor, e naturalmente sorrir, como se fosse um hábito; adorar conversar com ela e enquanto isso pensar: "Que sorte tenho de ter alguém assim; quanta inteligência! Quanta sinceridade! Quanta beleza!." Se chegar nessas conclusões, eu te garanto; é de fato, amor.
113. Boas conversas, bom
relacionamento. — Um relacionamento nunca vai ser duradouro se ambas as pessoas não amarem — ou não souberem — conversar. A conversa é essencial para o amor verdadeiro, pois diferente da aparência, o ato de conversar tende a evoluir com os anos. Quando a velhice chegar, a única coisa que pode manter a chama acesa é se o casal souber ter lindas e profundas conversas.
114. Amar nos faz evoluir. — A
espécie humana não teria ido tão longe se não fosse o amor, seja por pessoas ou por objetos. Nós lutamos com mais avidez pelo amor, nós vivemos por ele; e quando nos decepcionamos com o mesmo, ele nos faz amadurecer, nos faz aprender com nossos erros — de forma bem mais dura do que com um erro qualquer. Pregar o ascetismo é pregar a morte da espécie, é uma atitude ingênua, imatura. Se não fosse o amor, ainda viveríamos na idade da pedra — isso, se ainda existíssemos.
115. O amor faz o artista. — Existiriam
artistas se não houvesse o amor? É possível imaginar algum poeta que não escreva por causa do amor? Seja ele por alguém, ou por algo. Os artistas nascem do seu amor, da sua dor causada por esse amar. É hipócrita reclamar desse sentimento, ele que nos deu vida (instinto gerador que eu diga); ele nos fez de fato viver; se não amássemos... (§4: dois tipos de suicida)
116. Livros sobre como se fazer amar.
— Nenhum livro vai dizer como fazer alguém te amar, não existe fórmula para tal ato; se houver, a chance maior é que seja um amor superficial; porque você será amado pela sua aparência, não por ser você mesmo (não que no amor você não seja amado também pela aparência, mas seguindo esses livros você — só — será amado pela sua aparência, ou por ser algo que não é). Nesses escritos somente haverão lições de fito corporal, de fito externo — de fito enganador; porque é isso que eles podem transformar em fórmula.
117. Como saber se ainda ama. — Se
você se fez essa pergunta, o amor por si só já acabou.
118. A lógica do amante. — "Ele a trai
comigo, mas se ele ficar comigo será diferente, posso mudá-lo! O que ele não mudou em décadas mudará em menos de um ano comigo; faço milagres! Movo montanhas! Transformo água em vinho!" 119. Amantes do passado. — Tantas vezes vi pessoas permanecerem num relacionamento por causa do passado; esses amantes do passado parecem tão masoquistas... Lutam e lutam por um amor que os deixou, no fundo acham que mortos podem sair de suas tumbas — mesmo que nunca tenham visto um de fato sair.
120. Amor em demasia pelo material.
— O amor materialista é nocivo porque tudo que é material se esgota, acaba, termina antes de começar, é supérfluo por completo — mais do que os outros amores. Declarar amor devoto ao material é declarar sua infelicidade; é impossível saciar tal tipo de amor.
121. Essencialidade de regular a
intensidade. — Precisa haver um equilíbrio na intensidade do amor caso se deseje ter um relacionamento próspero e duradouro. Porque se for intenso demais, explodirá como uma bomba; se for fraco demais, ressecará e perecerá em instantes.
122. Amor que se torna platônico. —
Continuar amando alguém mesmo após essa pessoa demonstrar que não te ama é o apogeu do amor. Você ama mesmo sendo rejeitado porque o querer ser amado não foi o motivo do início do amor — sempre foi a sua utopia. Continuar amando alguém mesmo depois de saber que não tem chances é puro; significa que você não ama as aparências — ama as essências — estas são insubstituíveis.
123. Montanha bucólica. — Olhei a
imensidão estando no topo de uma montanha; descobri que também existe amor em admirar o horizonte.
124. Romeu e Julieta. — Penso que o
melhor destino possa ter sido a morte para os dois; melhor adormecer ao som do veneno esperando um plano posterior em que se encontrem, ou sofrerem — por toda uma vida — por não poderem ficar juntos?
125. Cimbelino. — Até o maior
apaixonado pode matar sua paixão se esta lhe trair.
126. Benefícios do amor pro poeta. —
Sendo amado ou não o poeta se beneficiará; se for amado, poderá se deleitar com intensidade no seu amor (alguém sabe mais sobre intensidade do que o poeta?); se for rejeitado, poderá escrever poemas e transformá-los em ofício.
127. Fantasmas sem forma. —
Amaríamos se todos fôssemos fantasmas sem um corpo? Fantasmas não precisam se reproduzir... por que pensariam em amor? 128. Fênix do amor. — O amor renasce até os que estão vivos.
129. Para renascer é preciso morrer...
— Por mais belo que o amor seja, ele também pode ser nocivo caso dê errado — tanto na fase da paixão, como na fase do casamento, como pela morte do parceiro — afetando o indivíduo mais gravemente do que os sintomas de diversas doenças que conhecemos. — O amor é uma doença quando chega ao fim; é preciso lidar com esse monstro imparável; com essas — reações químicas — que controlam as emoções. É um preço a se pagar — nada que é bom vem de graça; é uma aposta, um tudo ou nada, um risco; mas talvez o risco valha a pena... — se você escolher a rosa certa...
130. Encurtamento das relações. — É
indubitável que amamos por causa do Instinto gerador que mantém viva a nossa espécie; mas mesmo com esse fito, o amor, quando não era arquitetado para unir duas pessoas com o único objetivo de se ter mais poder, dinheiro ou qualquer tipo de apoio; ele era duradouro e bonito. Hoje, parece que o amor ficou mais superficial e vazio; e não teria jeito mais simples de se responder essa questão, do que dizer: "Claro, nós estamos mais vazios, o amor é puro reflexo do que somos, como não seguiria o mesmo caminho?". Ficamos mais intolerantes com a mesmice do que os antigos, não suportamos manter uma mesma relação e por isso pulamos de uma relação para outra com uma imensa facilidade, como se não fosse nada; porque no fundo, realmente não é mais nada além de uma ferramenta descartável feita para tirar a carência — feita para tentarmos nos amar. 131. Amor-próprio. — São poucos os que conseguem se amar — menos ainda os que alcançam essa proeza por conta própria.
132. Mateus 5:43–44 e Mateus
22:37–39. — Um diz para amar seus inimigos. O outro diz para amar os outros como a si mesmo — mas essas frases não formariam uma hipocrisia? Amar seus inimigos parece um ótimo jeito de se odiar...
133. O prazer no almejar. — Logo
quando alcançamos um objetivo, rapidamente nos cansamos dele — mais rapidamente ainda passamos a almejar outro objetivo. Não seríamos nós grandes admiradores do almejar e odiadores do conquistar? — Será que só fingimos querer um objetivo porque esse "talvez" seja o fruto do prazer? Talvez saibamos disso, quando proclamamos um sonho em voz alta — mesmo sabendo que o que queremos é nunca encontrá-lo. 134. Eros e Psiquê — O maior dos conhecedores do amor, Eros — a personificação do amor — foi vencido por este quando se apaixonou por Psiquê. — Até os deuses estão à mercê de tal sentimento.
135. O poder das pessoas apaixonadas.
— A paixão dessas pessoas pode fazer os outros amarem tão intensamente essa paixão quanto elas. As pessoas apaixonadas nos fazem ver o melhor lado da sua paixão — lado que nunca nos atentaríamos a ver se não fossem elas.
136. O amor pela música. — Nenhum
outro amor te fará ter tanta vontade de viver como o amor pela música; essa linda harmonia que é a música, é capaz de te encher de vida e energia — de forma que te faça sentir que você está vivo — enquanto o resto do mundo te faz sentir que você está morto. Como os antigos diziam: "A vida sem música seria um erro." Um erro visto que: num mundo que denegra tanto a vida terrena, a música vem como um salvador, um amante do terreno — uma amostra da beleza da vida.
137. Amor no desprezar. — Todos os
homens indubitavelmente desprezam algo ou alguém, é quase uma necessidade humana o desprezar; e mesmo que digamos odiar o que desprezamos, quase sempre omitimos amar esse desprezo que sentimos. Prova desse amor é que quando desprezamos, é raro nos afastarmos desse desprazer; ou então, quando nos afastamos, tendemos a manter esse desprezo falando mal da causa do desprezo com outrem ou com si mesmo. O desprezar tira o peso do dia a dia, despejando esse peso com reclamações e demonstrações de nojo e repulsa sobre o desprazer. Usamos o desprezo também, como meio para não desprezar nós mesmos — para nos enaltecer — e, principalmente, para nos sentir leves, bons, corretos; porque desprezar uma pessoa, por exemplo, com uma burrice escancarada, que é burra por essência e não faz esforço para esconder ou melhorar tal monstruosidade, é um ótimo jeito de se sentir bem com você mesmo; já que sua inteligência — sendo baixa ou alta — vai parecer muito maior do que é diante de tal baixeza que esse desprazer é; tornando o desprezo um meio de se superiorizar, de se sentir melhor — de se sentir bem.
138. O belo que se torna feio. — Até a
pessoa mais bela se torna feia se mostrar que é um monstro por dentro.
139. Vendo sobre outra perspectiva. —
O melhor jeito de conseguir ser amado, é fazer com que outra pessoa te adule para os outros. — Às vezes, ouvir elogios exagerados fazem as pessoas verem o elogiado com um brilho que este por si só nunca teve.
140. A chama do amor juvenil. — O
amor juvenil é o mais intenso dos amores; porque é quando se ama sem hesitar e sem pensar nas consequências de um amor ser intenso demais (características essas que a experiência da vida tira dos homens, os tornando mais cautelosos e amenos — em outras palavras: diminuindo a chama).
141. Condenação do Werther. — Amar
com todo o ser uma mulher comprometida... Werther conhecia seu sentimentalismo e sabia do fato dela ter um parceiro; mas mesmo assim a amou — condenando seu próprio fim.
142. Dando mais vivacidade ao amor.
— Escrever é o melhor jeito de avivar cada vez mais as paixões; por isso, os poetas com tanta intensidade amam — escrevem sobre suas paixões até que o último suspiro chegue.
143. Guiado pelo amor. — Os grandes
filósofos e poetas surgiram por causa do amor — só foram tão grandes porque foram guiados pelas suas paixões.
144. O amor dos contemporâneos. —
Desaprendemos a amar com o tempo; passamos a amar superficialmente — e pior, passamos a amar o superficial ao em vez do profundo.
145. Romances hodiernos. — Os
romances da atualidade caíram na mesmice e no clichê — qualidades totalmente distintas da complexidade do amor. O foco nos romances de hoje, é escrever um conto de fadas misturado com uma novela preenchida de reviravoltas previsíveis; a essência do que é o amor em si é deixada de lado — mostrando apenas seus extremos, seu lado perfeito ou seu lado imperfeito, ou uma transição rasa de uma inimizade a um amor profundo. A psicologia profunda do que é o amor foi esquecido; a loucura, a exaltação, a tragédia, a embriaguez... Os romances hoje seguem os mesmos rumos vazios — os mesmos rumos utópicos, com o fito de nos dar alguma esperança acerca do amor; mas não percebemos, que de amor eles nada têm.
146. Amado, não amando. — Nós
queremos incessantemente ser amados, mas não necessariamente amar. O amor, quando não é paternal, tende a acabar caso o ser amado não ame de volta, sendo poucos os casos que se continua amando mesmo depois da rejeição. Isso se deve ao nosso desejo ardente de querer ser amado — nos fazendo amar para receber de volta, o velho "Faça com os outros o que gostaria que fizessem com você", que nos leva a amar para ser amado; mas se não houvesse esse querer ser amado, dificilmente amaríamos outras pessoas que não fossem nossos filhos; já que tendemos a amar nossas criações mais do que amamos nós mesmos.
147. Narciso, o homem belo que de
belo nada tinha — pois era belo demais. — Narciso ter uma aparência perfeita, o fez rejeitar diversas pretendentes — isso, porque no fundo, amamos para nos amar; ele não tinha essa necessidade, por isso era egoísta ao extremo... o fadando a se apaixonar por ele mesmo, e a morrer enquanto olhava a poça de água com seu reflexo. As morais foram feitas para serem objetos de troca, em que os indivíduos de uma sociedade agem seguindo a moral, visando que os outros membros da sociedade façam o mesmo. Se fôssemos totalmente perfeitos e independentes, tal objeto de troca como a moral seria fútil para nós; já que não precisaríamos dela para sobreviver. — A pergunta que fica é: ser perfeito, só não nos tornaria mais imorais, independentes, frios e egoístas?
148. Sabendo por meio de poemas. —
Se quer descobrir o que sente, escreva um poema; ele te revelará sentimentos que você nem sabia que poderia ter.
149. O amor dos animais domésticos.
— O amor que recebemos dos animais domésticos é o amor que queríamos receber dos humanos; mas como isso seria possível? Estes belos animais são simples e não conhecem a maldade... — seria possível conhecer um homem tão inocente e tão puro como estes belos animais que não reconhecem o maligno com os olhos? Respondo que sim: as crianças. 150. O amor e a criança: um diálogo. — A criança viu todos em volta sofrerem, então ela indagou para o amor:
Criança: Por que eles sofrem?
Amor: Porque eles me conhecem.
Criança: Mas... você não deveria fazê-los
melhor?
Amor: Eu fazia, até eles pararem de me usar
como alicerce para começarem a me usar como o prédio inteiro. Eles viraram dependentes; e tal qual todas as coisas, eu sou efêmero; então quando os deixo, eles sofrem sem parar. Tenra criança, você deveria aproveitar que não entende essas palavras com clareza e saborear a infância — só nela existe o amor verdadeiro. Criança: Infelizmente agora eu entendo... as palavras me parecem feixes de luz, as vejo com total clareza... Eu realmente ainda sou criança?
Amor: Agora finalmente entendi. A
dependência que construíram em cima de mim os fizeram amadurecer rápido, a dor que passei a causar fez isso... Desculpa querida criança, você é vítima dessa doença — desse amor descontrolado — que a sociedade tenta alcançar para se sentir amada. Não sei se posso ainda te chamar de criança, você já me parece tão crescida... Finalmente entendi o que o amor em demasia causa... — ele causa dor. • Capítulo quarto: Sociedade
151. Desvalorização de certos dons. —
Cada dom é visto de uma forma pelas pessoas em geral. Nessa maneira de ver é normal que se desvalorize certos dons, por não terem uma beleza clara — à vista. Como um poema bem escrito, que não é tão aclamado como o dom de pintar; o que é uma pena.
152. Contradição. — Os homens se
descrevem nos poemas, mas os poemas não os descrevem.
153. Evitando o vício. — Haverão
vícios que não poderão ser evitados, pois nos são dados numa fase prematura da vida, em que não temos um controle total sobre nossas ações (a infância e a adolescência). Sobre esses vícios, pode-se dizer que o processo para a libertação deles será muito difícil, em alguns casos impossível. Todavia, esses vícios adquiridos em épocas prematuras normalmente serão menos nocivos, já que não te afetarão de maneira brusca (exemplos claros são o açúcar e a tecnologia), e não é preciso evitá-los totalmente para não ser afetado, basta moderar. Porém, quero tratar de vícios adquiridos normalmente de maneira tardia, com o livre-arbítrio total do indivíduo envolvido no adentramento do vício. Esses vícios são mais nocivos pois afetam o indivíduo de maneira radical, como o álcool e as drogas, que trazem malefícios muito mais graves do que os vícios prematuros e acabam sendo mais viciantes do que tais. Eles devem ser evitados a todo custo, de modo que seja essencial não consumi-los nunca, nem por curiosidade; nem por pressão externa. Porque sabemos que é muito mais fácil evitar um prazer desconhecendo-o do que o conhecendo, por isso para evitar o vício é preciso tirar ele de vista com ímpeto, de forma que ele seja esquecido e nunca seja tocado.
154. A seletividade do homem com o
ser agradável. — Todos os homens são agradáveis, a diferença consiste com quem eles decidem ser agradáveis. Alguns são agradáveis com um grupo seleto de pessoas; outros serão quando não estiverem na toxicidade de certos ambientes; uma minoria será unicamente agradável consigo mesmo; e a majoritária parte não será com ninguém — nem com si próprio.
155. Animal político. — É indubitável
que o ser humano necessita da política para viver, necessita da sociedade como premissa para progredir e se estabelecer. Todavia, essa necessidade do homem como animal político acaba sendo a maior brecha para a predominação do instinto; pois é na política que o homem mostra sua real face, seu verdadeiro jeito de agir animalesco.
156. Corrupção de boas mentes. — O
maior problema na relação do homem com a sociedade, se deve ao caráter da maioria que ocupa seu entorno. Já que o ser humano é instintivamente corruptível — como mecanismo de defesa para se adequar ao grupo e desse jeito poder conviver em sociedade. Por isso, se seu entorno for ocupado por uma majoritária parte de pessoas burras, chulas e más. O caminho normal é que o indivíduo que está nesse grupo, mas tem um caráter inverso, se permita ser corrompido para poder permanecer naquela sociedade e sobreviver com o grupo. Isso explica o aumento exponencial de pessoas desprezíveis na sociedade.
157. O erro da democracia. —
Aristóteles dizia e eu concordo: a democracia é errônea porque as pessoas ignorantes, boçais, paquidermes e egoístas terão o mesmo poder de voto do que os inteligentes, estudados e racionais. Infelizmente o primeiro tipo é o que predomina.
158. Sobre pessoas que pedem opinião
e se ofendem quando esta é crítica. — Se uma pessoa pede sua opinião e se ofende ao ouvir algo que não esperava, ela nunca quis de fato saber se estava bom ou se poderia melhorar. Só queria inflar o próprio ego.
159. A verdade de Heráclito. — Não se
pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois ele se modificou. De mesmo modo, não se pode falar com uma mesma pessoa duas vezes, pois ela também mudou.
160. O homem de Teseu. — O homem
pode, e inevitavelmente vai mudar ao longo dos anos. Seja em gostos, crenças, personalidade etc. A pergunta que fica é: esse homem ainda é o mesmo? Ou se tornou um novo homem?
161. Triste, exclamei: "Viva o
capitalismo!" — Por mais belo que pareçam os outros modelos propostos pelas pessoas, como o comunismo, anarquismo etc, que visam a igualdade, a liberdade dos seres, a libertação do capitalismo. Todos acabam por ser utópicos; porque, infelizmente, na nossa sociedade, o capitalismo vai ser o único sistema funcional. Já que ele trabalha com o instinto humano — o instinto da ganância (tanto de querer ser mais rico, como o de querer tudo que é material); o instinto do prazer, o egoísmo e tudo mais que necessitamos sentir para sobreviver (para sermos humanos). — É lindo pensar na república proposta por Sócrates, mas é totalmente utópico. É um sistema que desconsidera o instinto humano — que desconsidera o que somos — por isso é falho; por isso o capitalismo é o único modelo que funcionou tão bem e que se instaurou na nossa sociedade com tanta adesão. O capitalismo é puro reflexo do que somos.
162. Palavrinha aos sensíveis por
natureza. — Toda pessoa sensível já odiou sua sensibilidade em algum momento da vida. Seja porque sente demasiada dor pelo sofrimento alheio, ou porque sente as próprias complicações da vida com uma intensidade fora do comum. Ser sensível parece ruim hodiernamente, entretanto, deveríamos ver essa característica como um dom, não como uma maldição. Pois, por mais que a vida imponha o sofrimento como parte do processo de viver, a sensibilidade aguçada também pode ser positiva ao indivíduo. Porque do mesmo modo que ele sente a dor com agudeza, também sentirá as pequenas felicidades como uma pessoa que não é sensível sente as grandes felicidades. Se conseguir equilibrar a vida entre dor e alegria, a alegria com certeza vai preponderar. — Não precisa de muito para um sensível se sentir alegre, satisfeito.
163. Natureza imperfeita. — Dizem
frequentemente que a natureza é perfeita; mas o ser humano não seria a maior prova do oposto?
164. Fobia como imperfeição humana.
— A maior prova da nossa natureza imperfeita (em relação ao nosso instinto consciente) são as fobias. Esse medo em demasia, gerado principalmente na infância, quando se vê um adulto (normalmente o responsável pela criança) demonstrando medo por determinado animal ou objeto, o que gera instintivamente na criança, o medo — por assimilar o temor do adulto e chegar a conclusão que aquela coisa é de fato perigosa à sua vida (mesmo que não seja). Isso é a maior prova de que nossa racionalidade não funciona com os instintos, pois tendemos a ter mais medo de animais ou objetos abnóxios, em comparação com os animais irracionais, que muitas vezes têm menos medo que nós — mesmo sendo mais vulneráveis.
165. O erro da criação. — Nós somos a
maior falha existente hoje, e também a mais poderosa. Antes dos humanos surgirem, ou melhor — antes do homem racional surgir — o planeta Terra podia conclusivamente ser chamado de "harmonioso" — ou até de "perfeito". Viemos como uma praga — como uma arma — a mais poderosa criação da natureza — a mais antinatureza. Não respeitamos a ordem, a cadeia alimentar, os ciclos; apenas destruímos tudo, culpa da racionalidade, dos instintos. A culminância da junção dos dois resultou no maior erro da natureza, seu maior arrependimento, seu retrocesso. O humano; esse humano demasiado humano.
166. Extinção de diálogos profundos.
— Atualmente, a sociedade carece de bons diálogos. Sinto falta de pessoas que de fato saibam debater sobre assuntos profundos, que conheçam o ato de conversar. Convivemos com diversas pessoas, mas nunca de fato as conhecemos. Como se pode conhecer um amigo se nunca nem se teve um bom diálogo com ele...
167. A maldição do poeta. — O pior
tormento do poeta, que o persegue por toda sua carreira, é sempre ter que tirar alguma palavra para tornar seu poema mais rítmico.
168. A vivência do poeta. — O poeta
vive mais aventuras no seu interior do que no exterior. Ele pega suas poucas bagagens empíricas e as engrandece dos mais variados modos. Isso explica perfeitamente o porquê do poeta escrever com tanta autoridade aventuras que nunca de fato viveu.
169. O problema dos leitores. — Estes
indubitavelmente estão em risco de extinção; poucos são os que leem hoje — menos ainda os que dão importância para tal ato. Junto com o ato da leitura, se vai também o intelecto — essa triste queda do intelecto. Dos leitores remanescentes, a majoritária quantia consome livros ruins — e antes eu estivesse falando de livros de ficção. Me refiro a livros de escritores vis, que escrevem utopias e dizem segui-las — existe perfídia maior? — Escrevem palavras que nem creem, mas tudo para vender, e infelizmente, vende. Perdemos cada vez mais a capacidade de discernir os livros bons dos ruins, dos enganosos; apenas lemos por ler. Deixamos de ler livros da fonte para ler livros modernos, por serem mais "fáceis" (o problema não é ler esses livros, eles com certeza auxiliam, o problema é ler — só — esses livros). Deixamos de ler livros de verdadeiros pensadores para ler livros de farsantes, de sofistas, de ilusionistas, de coaches...
170. Perdão aos inimigos. — Não
quero romantizar o perdão, dizendo que se deve perdoar os inimigos setenta vezes sete vezes. Quero mostrar como o perdão é benéfico para nós. Vemos o perdão como uma humilhação, como uma certeza ao perdoado de que o que ele fez não foi tão grave — como uma ingenuidade; mas deve ser tratado como uma libertação própria; como um ato de amor-próprio, porque é isso que ele é. Não nos atentamos que o rancor é prejudicial para nossa saúde e concomitantemente é valorizar o inimigo, é dar espaço para o mesmo ter importância na sua vida e que possa te afetar mesmo depois que tenha saído dela. Odiar é por si só uma humilhação para si mesmo; é desdenhar do seu espírito; é dar trela à pessoas desprezíveis; é pôr o inimigo num pedestal de importância que ele não devia — não merecia — estar. Perdoar é a melhor solução para viver bem; complemento que não se deve seguir a máxima de amar seus inimigos como a ti mesmo; porque isso também é se humilhar; deve-se tirá-los da sua vida (pressupondo que a pessoa não cometeu um erro bobo, mas sim fez algo "imperdoável"; "perdoar" e "desculpar" têm graus distintos de seriedade) e não sentir mais nada por esse ser; nem amor, nem ódio — apenas apatia.
171. Decepção. — Às vezes
decepcionar os outros é o único jeito de não decepcionar você mesmo. 172. Angústia angustiante. — Existe angústia maior do que a que um homem com propósito sente ao ser forçado ao despropósito?
173. Leviatã. — Hobbes não pensou
que o Estado soberano não pudesse manter a paz; ele não pensou do que o Estado é composto...
174. Adão e Eva. — É ingênuo pensar
que teria alguma chance de dois seres que desconheciam o mal não se atreverem a tal; Deus não deveria ser ingênuo, Ele é onisciente... Condenou uma humanidade inteira pelo seu erro: o de não ter mostrado o Inferno antes do Éden.
175. O amigo do amigo. — Nunca
confie cegamente no amigo do seu amigo; uma pessoa que sabe ser uma boa amiga nem sempre sabe ter bons amigos. 176. Forçando, não ensinando. — Forçar alguém a seguir determinada norma, sem explicar o porquê dessa norma ter que ser seguida é perda de tempo. A partir do momento que essa pessoa deixar de ser forçada — e alguma hora indubitavelmente vai — ela vai fazer o contrário do que foi forçado — às vezes mais do que faria se não tivesse sido forçada a fazer o oposto.
177. Inconsistência. — Não basta ser
bom... — precisa ser constante.
178. Políticos nos dias atuais. —
Hodiernamente os políticos debatem para inflar o ego, para vencerem e com isso terem poder. "E para o bem da sociedade?" — a razão gritou. Querida razão, eles sabem o que é isso? 179. Relação entre pensar e falar. — Quantas vezes pensamos mas não dizemos em voz alta? — Quantas vezes falamos mas não pensamos antes?
180. Meia palavra. — Para bom
ignorante, meia palavra basta.
181. A verdadeira identidade. — Para
saber como uma pessoa é de verdade, basta concedê-la anonimato e visibilidade — basta criar uma rede social que dê ênfase nas pequenas frases.
182. Como os mentirosos natos agem.
— Esses bons mentirosos só mentem com tanta maestria, porque eles realmente acreditam no que dizem.
183. Últimas palavras de Sócrates. —
"Oh caro Críton, pague o galo que devo a Esculápio! Não preciso mais me preocupar com isso, estou morrendo! Falta pouco para me distanciar dessa ignorância! Argumentei com tudo que tinha; mas minhas palavras preenchidas de razão se destoaram nos ouvidos desses ignorantes. Falta pouco para eu estar livre! Falta pouco para eu estar longe dessa humanidade! Então dê o galo, já que ignoraram as palavras..."
184. Contradição nos deuses. — A
maior contradição nos deuses, é perceber que igual todo homem gostaria de ser deus — todo deus também gostaria de ser homem. Os homens buscam poder para se assemelharem aos deuses; e os deuses se humanizam para quem sabe sentirem por alguns átimos — que são homens.
185. Contando apenas a verdade — e
acabando só. — O homem que for verdadeiro em todos os momentos, estará fadado à solidão. Ninguém suporta quem sempre diz a verdade — ela tende a machucar.
186. Dividindo a dor com o papel. —
Escrever é o jeito de dividir a dor com o único que não vai te decepcionar e julgar — o papel.
187. Pondo realidade em histórias
inventadas. — Qualquer inventor de histórias perceberá em algum momento, que suas histórias no fundo são sobre suas vivências e sentimentos — por mais ficcionais que sejam.
188. Os chamados "defeitos". — Nem
todos os nossos defeitos são de fato tals. Às vezes, distorcemos nossas qualidades e a pomos como defeitos, apenas para podermos falar delas sem sermos julgados; já que admitir uma qualidade é visto como arrogância; já admitir um defeito... — é visto como modéstia.
189. Fadados ao vazio existencial. —
Qualquer que seja o homem; pobre ou rico; casado ou sozinho; amado ou odiado; qualquer que seja o ser humano racional, este sempre sentirá em algum momento um vazio no peito.
190. Escolhendo adormecer. — Em
certos casos, o único jeito de revigorar a alma preenchida de melancolia, ou ter forças para solucionar um problema — é adormecendo.
191. O perdão dos desmemoriados. —
Os fadados a ter má memória, sempre serão os que mais facilmente perdoarão; eles esquecerão da dor que sentiram e novamente darão uma nova chance ao ofensor — já que a memória destes, por ser defeituosa e extremamente limitada, sempre se aterá a guardar os bons momentos ao em vez dos maus; pois são os mais importantes — basta saber se isso é uma qualidade ou um defeito.
192. O homem que sempre devaneia.
— Este viverá duas vidas ao mesmo tempo — a do sonho e a real —; e por isso, sempre estará transitando entre uma vida e outra — o que deveria ser bom... se o ser humano não tivesse sido feito para viver uma vida só...
193. O fingir ser. — Hoje existe
diferença entre fingir ser e de fato ser? — Estamos tão superficiais, tão vazios, que só fingir ser já é o bastante para de fato ser...
194. Máscaras. — O ser humano usou
tantas máscaras ao longo dos milênios para disfarçar sua verdadeira essência, que começamos a nascer usando máscaras — que nos tornamos máscaras. 195. Destilando ódio. — O homem que contém a pequenez por natureza, tentará se tornar grande enquanto destila ódio nos outros — isso se tornará sua profissão —; mas, no fundo, sabe que nenhuma espada pode ficar mais afiada do que seu devido potencial — mesmo que você a afie por milhões de anos.
196. Mitos e lendas. — Criamos lendas
fantasiosas com deuses poderosos e seres humanos mágicos, porque queríamos que a vida fosse um pouco mais fantasiosa — um pouco mais irreal...
197. Destino. — No fim, o homem que
viveu no hedonismo a vida toda, e o homem que viveu no conhecimento a vida toda, sentirão o mesmo vazio no peito — por não terem aproveitado o bastante. A diferença consistem em: o homem que direcionou sua vida ao saber — saberá lidar com o vazio no peito; já o outro...
198. Abismo. — Às vezes se jogar no
abismo, é o melhor jeito de encontrar o caminho.
199. Natureza dos homens. — Diversa,
incompreensível, viva, complexa e indecifrável — me indago se descrevi os homens, ou uma bela montanha. • Epílogo:
200. O alvorecer. —
Por um longo tempo a noite reinou
Sobre meus olhos a escuridão dominou Hibernava sozinho na solidão Rondando sem propósito pela imensidão Me indaguei: "O que me salvará?" A resposta veio com um trovão Que abriu o céu e enfim a escuridão Do horizonte pude ver o alvorecer A luz solar na minha retina me fez renascer Acordei como nunca antes tinha acordado Indaguei ao céu claro o porquê de ter finalmente se levantado Sereno o mesmo disse: "Porque chegou a sua hora de ser iluminado Para que quando no fim eu partir Possa ser você quem vai me substituir." *FIM*