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SEMINÁRIO

POESIA MARGINAL/
GERAÇÃO MIMEÓGRAFO
•Definição do termo Marginal.

•Palavra Marginal- Ciências Sociais.

•Cultura-padrão de comportamento social.

•Brasil 1970- Geração mimeógrafo.

•Grupo responsável pela ligação entre ideia de


“marginal” e literatura.

•Mimeógrafo- meio para confecção dessas obras.

• Produção de organismos revolucionários, maioria de


jovens universitários. Um meio de fugir ao cerco da
censura imposta pela ditadura militar.
Heloísa Buarque de Hollanda- “amaciar”, utilizar termos como
“ditos marginais” ou “chamados marginais”.

Glauco Mattoso- Não será toda a poesia marginal?

Cacaso- Considera-se marginal o autor que distribui livros


com recursos próprios. Desejava a liberdade de expressão dos
poetas. Observou a enorme quantidade de poetas que
produziram nessa época (1970).

1970- Surge o circuito paralelo, alternativo, à margem das


editoras.
“[...] isso não quer dizer que todo livro
que foi publicado em literatura
mimeografada....tivesse a ver com
poesia marginal ou com esse tipo de
coisa, porque o que foi publicado de
verso parnasiano em mimeógrafo, de
cinco anos pra cá...”
Informante C – Nuvem Cigana

(PEREIRA, 1981, p.43)


POETA: CHACAL

- ALÔ, É QUAMPA?

- não... – é engano.
- alô, é quampa?
- não, é do bar patamar.
- alô, é quampa?
- é ele mesmo. quem tá falando?
- é o foca mota da pesquisa do jota brasil. gostaria de saber suas
impressões sobre essa tal de poesia marginal.
- ahhh... a poesia. a poesia é magistral. mas
marginal pra mim é novidade. você que é bem
informado, mi diga: a poesia matou alguém,
andou roubando, aplicou algum cheque frio, jogou
alguma bomba no senado?
- que eu saiba não. mas eu acho que é em relação
ao conteúdo.
- mas isso não é novidade. desd’adão... ou
você acha que alguém perde o paraíso e fica
calado. nem o antônio.
- é verdade. mas deve haver algum motivo pra
todos chamarem essa poesia de marginal.
- qual essa!? eu tou achando até bem comportada.
sem palavrão, sem política, sem atentado à
moral cristantã.
- não. não tô falando desse que se lê aqui.
tô falando dessa outra que virou moda.
- ahhhh.... dessa eu não tou sabendo.
ando meio barro-bosta por isso tenho ficado
quieto em casa. rompi meu retiro pra atender
esse telefone. e já que ti dei algumas impressões
você vai mi trazer as seguintes ervas pra curar
meus dissabores: manacá carobinha jurubeba
picão da praia amor do campo malva e salsaparrilha.
até já foca mota.
(Nuvem Cigana, 1977)
Pesquisadores como Heloísa Buarque de Hollanda e Carlos
Alberto Pereira definem a poesia marginal no estilo coloquial,
vocabulário chulo, gírias e sintaxe isenta das regras da
gramática.

Nos anos 70, o coloquial se mostra irônico, ambíguo, com


sentido crítico alegórico.

Flash cotidiano e corriqueiro presente nos poemas quase em


estado bruto. O sentido traduz um dramático sentimento do
mundo.

Presença do palavrão, pornografia como dialeto cotidiano


naturalizado.

Renovação de impulsos desclassicizantes.


POESIA MARGINAL
Anos 50 – projeto de desenvolvimento
calcado sobre a modernização
tecnológica (ideologia
desenvolvimentista) CONCRETISMO,
PRÁXIS, POEMA-PROCESSO.
Anos 60 - Golpe de 64; AI5.
Fechamento político.
Anos 70 – “crise” de modernidade – a
técnica torna-se rigoroso instrumento de
repressão e de dominação. Projeto de
desenvolvimento de tipo excludente e
concentrador num contexto de
autoritarismo político.
Questionamento do pensamento de
esquerda pela falência de toda uma
crença num certo poder “revolucionário”
da cultura, do populismo e do
desenvolvimentismo.
“Contracultura”.
Influência do Tropicalismo (subversão
dos padrões de “qualidade” e “bom
gosto’, reavaliação do caráter
contraditório de noções tais como o
progresso, modernidade, técnica.
“Desbunde”.
POETA: CHICO ALVIM

REVOLUÇÃO

Antes da revolução eu era professor


Com ela veio a demissão da Universidade
Passei a cobrar posições, de mim e dos outros
(meus pais eram marxistas)
Melhorei nisso –
hoje já não me maltrato
nem a ninguém.
Descompromisso crescente com
outras esferas do mundo
institucionalizado.
Desprezo ao prestígio acadêmico.
Anti-intelectualismo.
POETA: EUDORO AUGUSTO

POÉTICA 2

Para que dormir encolhido


nos estábulos da razão?
Para onde o desfile hipertenso
de cantos, sombras, douradas falas
e translúcidos remorsos?
Por que as raízes
as direções e as plumas
se as palavras pastam
em terrenos baldios
nas mesas sujas do acaso?
POETA: CHACAL
COM A LOUCURA NO BOLSO, ORLANDO ENTROU NA

BIBLIOTECA ESTADUAL.

FOLHEOU FOLHAS ESTAPA-FÚRDIAS SOBRE AS

IDEIAS A ARQUITETURA E A DESCOMPOSTURA

DOS HOMENS

AÍ ACHOU GRAÇA . AÍ FICOU SÉRIO.

AÍ RIU. AÍ CHOROU DEMAIS

AÍ COMEÇOU A TREMER

SENTIU O BOLSO FURADO

SENTIU O CORPO MOLHADO.

DERRETENDO-SE.

BETO CHEGOU A TEMPO DE RECOLHER NUM COPO

A POÇA D’ÁGUA QUI CORRIA PRO RALO

ORLANDO DISSE MAIS TARDE:

- NÃO FAÇO ISSO NEVER MORE


(Preço da Passagem, 1972)
POETA: SEBASTIÃO UCHOA LEITE
por trás dos vidros como o peixe de miss moore
que me importa
a paisagem e a glória ou a linha do horizonte?
o que vejo são objetos não-identificados
metáforas em língua d’oc
em que li – não sei onde –
que o mundo é uma metáfora
o ventre do universo está cheio de metáforas
que poetas escreverão sobre o Kohoutec?
toneladas de versos
ainda serão despejados
no wc da (vaga) literatura
ploft!
é preciso apertar o botão da descarga
que tal essas metáforas?
“sua poesia é um fenômeno existencial”
olha aqui
o fenômeno existencial
“Consolem-se os candidatos. Os
maiores poetas dos anos 70 não são
gente, são revistas. Revistas
pequenas, atípicas, prototípicas, não
típicas, coletivas, antológicas, onde a
poesia e os poetas se acotovelam. Em
comum: a autoedição (samizardat)
todo mundo juntando grana para
comprar a droga da poesia.”
Paulo Leminski.
(HOLLANDA, 1982)
Frenesi (RJ), Vida de Artista (RJ), Nuvem Cigana
(RJ), Folha de Rosto (RJ), Gandaia (RJ), Garra
Suburbana (RJ), Pindaíba (SP), Cooperativa de
Escritores (PR), Limiar (RN) ...

Almanaque Biotônico Vitalidade (publicação oficial


do grupo Nuvem Cigana), Jornal Dobrábil,
Cordelurbano, Balão, Orion (RJ), Tribo (Brasília),
O Saco (CE),Silêncio e Protótipo (MG)...

Ana Cristina César, Eudoro Augusto, Afonso


Henriques Neto.
Aglutinação de diferentes pessoas do ponto de vista
social, cultural e literário.
Público – Produtores – Comentadores
1975-76 (RJ): grande número de livros lançados,
seguidos de debates promovidos pelos diversos
grupos que surgiam.
Happenings
MAM, Parque Lage, Livraria Muro
Nuvem Cigana: valorização do processo artesanal,
distribuição de mão em mão pelos autores.
Chacal, Charles, Ronaldo Santos, Bernardo Vilhena
Artimanhas
Rompimento com um modelo de
divisão entre as atividades
consideradas artísticas e técnicas.
Forte caráter artesanal e lúdico.
Leitura pública da poesia.
Fragilização dos limites entre a vida e a
obra.

“A vida não está aí para ser escrita, mas


a poesia está aí para ser vivida...”
(Cacaso)
“[...] o próprio autor participa da distribuição de seus trabalhos.
Neste caso, entre o poeta e o eventual leitor já nasce o
pretexto pra uma conversinha; está quebrada a tradicional
distância que costuma separá-los. Fora do convencionalismo
costumeiro que marca a relação entre obra e leitor, torna-se
agora possível conversar sobre poesia, livre de esquemas
professorais e do obscuro palavreado técnico dos cursos de
literatura: a poesia é assunto como o futebol e a vida alheia são
assuntos. O interlocutor não deve afetar mais nenhum
artificialismo quando fala de literatura, pois nem ela é um
discurso isolado e contraposto à sua experiência, nem ele é
tomado por especialista.”
(CACASO in PEREIRA, 1981)
POETA: CHARLES
O poeta é um atravessador de paredes
fantasma de si mesmo
entre lençóis de linho
não tem a mulher que quer

tá mijadinho
bichado
bicudo

o nariz continua sangrando


você tem uma boa poesia
ha ha
rim fudido
triste sina
poeta de privina

minha aurora boreal é teu sono do meu lado


venha trocar feridas
que o poeta é um cara que se alimenta de momentos
“Eu acho que já tinha no ar uma resistência intuitiva ao
sistema editorial tradicional [...] Você sabia, de antemão,
que as editoras não tinham interesse no tipo de coisa que
você estava fazendo. E você tinha interesse em mostrar
aquelas coisas. Então, acho que essa forma alternativa
de publicação, mimeógrafo e pequenas publicações,
pintou muito em função disso. Em função de um
fechamento.... De modo geral, se costuma inverter esse
raciocínio, Dizer assim: - Ah, que beleza! A gente
inventou uma nova forma de transar a coisa”. Não. A
gente tinha diante de nós a impossibilidade também [...]
com o sistema tradicional, é claro. Mas daí a dizer que
essa forma editorial nova é uma conquista que saiu do
nada, é besteira.”

Informante I – Frenesi

(PEREIRA, 1981)
POETA: CHARLES

O operário não tem nada com a minha dor

bebemos a mesma cachaça por uma questão de gosto

ri do meu cabelo

minha cara estúpida de vagabundo

dopado de manhã no meio do trânsito

torrando o dinheirinho miudinho a tomar cachaça

pelo que aconteceu

pelo que não aconteceu

por uma agulha gelada furando o peito

(Nuvem Cigana,1976)
Revigoramento de uma poesia mais
discursiva e referencial.
Tom irônico e coloquial.
Vasto entrecruzamento de diferentes
formas de linguagem.
Herança das vanguardas:
Exigência da informação moderna associada ao trabalho de
invenção.
Valorização dos aspectos gráficos e visuais como elementos
muitas vezes estruturantes do trabalho poético.

Contraposição:
Poesia jovem 70: experimentalismo marcado pela procura de
coerência entre prática intelectual e opção existencial.
Ênfase na intervenção comportamental.
Recuperação da oralidade.
Certo sabor anárquico no trato com o construtivismo das
vanguardas dos anos 50/60.
(HELLOÍSA, 1982)
POETA: PAULO LEMINSKI
POETA: KÁTIA BENTO

PEGA LADRÃO!

Alguém tirou

um pedaço

do meu

P~O.
Flashes poéticos próximos da poética
oswaldiana
poema-minuto, poema-piada
POETA: ANA CRISTINA CÉSAR

ARPEJOS
1

Acordei com uma coceira terrível no hímen. Sentei no bidê


com um espelhinho e examinei minuciosamente o local. Não
surpreendi indícios de moléstia. Meus olhos leigos na certa
não percebem que um rouge a mais tem significado a mais.
Passei uma pomada branca até que a pele (rugosa e murcha)
ficasse brilhante. Com essa murcharam igualmente
meus projetos de ir de bicicleta à ponta do Arpoador. O
selim poderia reavivar a irritação. Em vez decidi me dedicar
à leitura.
POETA: CHARLES
CRIME PASSIONAL
corre e dá a mão a outro
corro e corto a mão dos dois

MARCATEMPO
-olha a passarinhada
-onde?
-passou

DRAMA FAMILIAR
mais um berro histérico
e mato um
POETA: CHACAL

PAPO DE ÍNDIO

Veio uns ômi di saia preta


cheiu di caixinha e pó branco
qui êles disserum qui chamava açucri
Aí êles falaram e nós fechamu a cara
depois êles arrepitirum e nós fechamu o corpo
Aí êles insistiram e nós comemu êles.
“Eu acho que a gente leu tudo, mas
não estudou ninguém.”

Informante U – Nuvem Cigana

(PEREIRA, 1981)
POETA: CACASO
JOGOS FLORAIS I

Minha terra tem palmeiras


onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.

Ficou moderno o Brasil


ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

JOGOS FLORAIS II

Minha terra tem Palmares


memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.

Bem, meus prezados senhores


dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.

(será mesmo com dois esses


que se escreve paçarinho?)
POETA: CACASO
BUSTO RENASCENTISTA

quem vê minha namorada vestida

nem de longe imagina o corpo que ela tem

sua barriga é a praça onde guerreiros se reconciliam

delicadamente seus seios narram façanhas inenarráveis

em versos como estes e quem

diria ser possuidora de tão belas omoplatas?

feliz de mim que frequento amiúde e quando posso

a buceta dela
CRASH CARDÍACO - CHARLES

overdose
pentelhos enroscadinhos na borda da privada

de fora
a mulher batendo sem saber que porta abrir
ou que veia tomar
Politização do cotidiano (interferência
no cotidiano das pessoas)
Não há, geralmente, intenção de
agredir, chocar, intimidar
Sexo, tóxicos, palavrões – conjunto
de ideias e práticas cotidianas.
POETA: CHICO ALVIM
AQUELA TARDE

Disseram-me que ele morrera na véspera.


Fora preso, torturado. Morreu no Hospital do
Exército.
O enterro seria naquela tarde.
(Um padre escolheu um lugar de tribuno.
Parecia que ia falar. Não falou.
A mãe e a irmã choravam.)
É do ângulo da dimensão particular, da
experiência social que as questões
políticas gerais são tratadas;
Impotência, tristeza são vivenciadas no
cotidiano das personagens aos invés de
serem tratados de forma teórica ou
abstrata.
Tom lacônico, telegráfico
Valorização da experiência pessoal
como percepção da dimensão coletiva e
não um individualismo exacerbado.
REFERÊNCIAS

CABAÑAS, Teresa. A poesia marginal e os novos impasses da


comunicação poética. Santa Maria-RS: Revista de Letras, p.89-
115, 2005.
HOLLANDA, Heloísa Buarque. (org.) 26 poetas hoje. 6 ed. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2007.
HOLLANDA, Heloísa Buarque. Poesia Jovem Anos 70. Seleção de textos,
notas, estudos histórico e crítico e exercícios. São Paulo: Abril Educação,
1982.
MATTOSO, Glauco. O que é poesia marginal? São Paulo:
Brasiliense, 1982.
PEREIRA, Carlos M. Retrato de época: poesia marginal nos anos
70. Rio de Janeiro: Funarte, 1981.
SANTOS, Jefferson Dantas. Política e poesia: A geração
mimeógrafo sob a luz dos estudos culturais. São Cristóvão-SE:
Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura, V.
4,3, 2012.
SOARES, Débora Racy. O “Poemão” e a “Figurinha”. São Paulo:
Linguas &Letras, 2005.

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