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Grande evento do século XX que revolucionou a arte no Brasil - a semana da arte moderna.

Pré-Modernismo
A fase de transição literária do século XX porque os recursos literários e culturais estavam
ainda a ser aproveitados. Temos testemunhas inovadoras (que nem sempre foram aceites
pela crítica e só mais tarde foram avaliadas e bem consideradas).
Os movimentos culturais e correntes literárias mais importantes do passado que eram
importantes no início do século 90: naturalismo (expressão do positivismo), realismo e
xsimbolismo. Autores dessa época produziam obras (“Cortiço”, “Ateneu”)

1888- abolição da escravidão pela filha do imperador Pedro II dando sequência ao golpe de
estado que tornou o império do Brasil uma república.

Qualidades poéticas de Cruz e Negro foram reconhecidas. Na Europa, nomeadamente em


França, a corrente simbolista ganhou a primazia na sociedade da época, tornando-se a
capital do mundo. No Brasil, o poder literário ficou entregue aos poetas da academia

Contexto histórico
Fim do século XIX:
● início da “República do café-com-leite”, na qual os grandes proprietários rurais
exerciam enorme influência.
● urbanização ainda incipiente, dava sinais de crescimento na capital e em São Paulo.
● Conflito entre os “dois Brasis”: o tradicionalismo agrário, hegemónico vs as
ideologias progressistas, a urbanização, a imigração, o crescimento industrial e as
revoltas sociais que o questionam
- Guerra de Canudo (Bahia, 1896-1897)
- Revolta da Vacina (Rio de Janeiro, 1904)
- Revolta da Chibata (Rio de Janeiro, 1910)
- Sedição de Juazeiro (Ceará, 1911-1914)
- Revolta de Contestado (Santa Catarina, 1912-1916)
- As duas greves gerais de operários (São Paulo, 1917-1919)
● Ciclo da borracha desloca para o norte a riqueza do país
● Algumas regiões prosperavam em meio ao atraso irremediável de outras
● Revolta de Canudos, na Bahia; a série de conflitos no Ceará em torno do religioso
Padre Cícero; e o cangaço
● A capital, Rio de Janeiro, vivia os seus problemas sociais.
● Revolta da Vacina - uma rebelião popular contra a vacinação obrigatória

Estética
● Não se pode dizer que o pré modernismo constitui-se uma escola literária em si
● É, em verdade, um conjunto de manifestações do espírito de uma época, que
apresentava o novo, rompia com o velho, mas ainda não possuía um ramo certo ou
uma clara intenção estética
● O planeamento urbano do prefeito Pereira Passos. O Rio de Janeiro inspirado em
Paris.
● O final do século XIX e início do século XX é um tempo de prosperidade dos
livreiros, época do crescimento do mercado editorial no país
● Os autores dessa época são influenciados principalmente pelo realismo.
● Os escritores românticos, parnasianos e simbolistas ainda publicavam os seus
livros.
● Esses novos autores demonstram um grande interesse pela realidade nacional
● O dia a dia do país passa a ser tema das páginas dos livros, dando espaço à criação
de obras de clara preocupação social
● Os tipos marginalizados, as lutas inglórias e as mazelas do povo passam a ser os
temas da prosa pré-modernista.
● A aproximação com a realidade brasileira traz como consequência formal a busca
por uma linguagem mais simples, mais direta, coloquial, próxima da população.
● Os textos apresentam linguagem jornalística, aproximando-se, por vezes, mais da
realidade que de um estilo artístico propriamente dito.

Personalidades desse tempo

Augusto dos Anjos


● Apropria-se das tendências culturais da época
● Linguagem científica aliada a uma firma vocabular agressiva
● Léxico antilírico
● Temática da morte, da decadência fisiológica do corpo humano depois da morte
● Pessimista
● Expressava a angústia da matéria

Euclides da Cunha
● Positivista e republicano
● Cobriu como jornalista a Revolta de Canudos
● Carácter cientificista
● Descrição de Canudos: o homem, a terra e a luta
● Morreu assassinado na “Tragédia da Piedade”

José Pereira de Graça Aranha


● Membro da Academia Brasileira de Letras
● Crítica o conservadorismo
● Fica ao lado da nova geração de artistas por conta da Semana da Arte Moderna
● Obras: Canaã (1902), Malazarte (1911), A estética da vida (1920), O espírito
moderno (1925), A viagem maravilhosa (1929)

Lima Barreto
● Vítima de preconceito racial
● Militante socialista
● Defende os direitos femininos
● Denúncia das desigualdades e preconceitos
● Ridicularização dos políticos e da classe média
● Descrição dos subúrbios e de personagens marginais do Rio de Janeiro
Monteiro Lobato
● Polémico colunista de jornal
● Moralista e conservador
● Nacionalista
● Crítico do atraso do país
● Defensor do progresso material e cultural do povo
● Estilo literário sem grandes inovações
● Inaugura a literatura infantil nacional
● Crítico da arte modernista
● Autêntico influencer deste tempo, teve inúmeros papéis na vida social da região de
São Paulo

Obras de autores desse tempo

Euclides da Cunha/ Os Sertões


● O autor
Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu no estado do Rio de Janeiro, e ficou órfão de
mãe com três anos de idade. Ingressou no colégio Aquino (1883) e aí foi aluno de
Benjamim Constant Botelho de Magalhães (fervente republicano e articulador do levante de
1889, que gerou o golpe de estado).
Em 1885 ingressou na Escola Politécnica, e no ano seguinte na Escola Militar da Praia
Vermelha (RJ), tendo novamente encontrado Benjamin Constant como professor.

- Euclides da Cunha - cadete republicano


Fervente republicano, o cadete Euclides da Cunha, no tempo do Segundo Reinado, atira a
sua espada aos pés do ministro da Guerra Tomás Coelho, que reiterava as suas convicções
republicanas. Por esse ato de rebeldia, foi julgado pelo Conselho de Disciplina. Em 1888
abandona o exército e publica panfletos pós-republicanos no jornal A Província de São
Paulo.
Proclamada a República, foi reintegrado ao Exército recebendo promoção. Ingressou na
Escola Superior de Guerra e conseguiu tornar-se Primeiro Tenente e Bacharel em
Matemáticas, ciências físicas e naturais. Casou-se com Ana Emília Ribeiro, filha do major
Sólon Ribeiro, um dos líderes da proclamação da República. Em 1891 deixou a Escola de
Guerra e foi designado coadjuvante de ensino na Escola Militar.

● A Reportagem para o Estado de São Paulo


Em 1897 trabalhou para o jornal A Província de São Paulo e foi enviado para o estado da
Bahia para cobrir a Revolta dos Canudos. Dessa experiência resultou o livro Os Sertões,
publicado em 1902, que se tornou num caso literário.
Na abordagem de Euclides da Cunha, Os eventos de Canudos tornaram-se símbolos dos
erros cometidos pela república, ao avaliar, de forma equivocada, os problemas nacionais.

● Da Engenharia à Literatura
Em São José do Rio Pardo (SP), Euclides da Cunha é incumbido a reconstruir uma ponte.
Segue a sua carreira de chefe do Distrito de Obras Públicas em São Paulo entre 1901 e
meados de 1903. Em cinco anos escreve, “nos raros intervalos de folga de uma carreira
fatigante”, “Os Sertões: campanha de Canudos”, publicando-a em 1902.
Em agosto de 1904, Euclides foi nomeado chefe da comissão mista brasileiro-peruana de
reconhecimento do Alto Purus, com o objetivo de cooperar para a demarcação de limites
entre o Brasil e o Peru. Esta experiência resultou em sua obra póstuma À Margem da
História, onde denunciou a exploração dos seringueiros na floresta.
Visando a uma vida mais estável, o que se mostrava impossível na carreira de engenheiro,
Euclides prestou concurso para assumir a cadeira de Lógica do Colégio Pedro II. Desse
concurso sai vencedor.
Foi eleito a 21 de setembro de 1903 para a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras e
recebido a 18 de dezembro de 1906 pelo académico Silvio Romero.

● A tragédia da piedade (1909)


A esposa de Euclides, Anna Emília Ribeiro da Cunha, teve um amante Dilermando Cândido
de Assis, um jovem cadete. Este relacionamento deu-lhes dois filhos. A traição de Anna
desencadeou uma tragédia em 1909, quando Euclides entrou armado na casa de
Dilermando dizendo-se disposto a matar ou morrer. Dilermando reagiu e matou Euclides,
mas foi absolvido pela justiça militar. Dilermando mais tarde casou-se com Anna. O
casamento durou 15 anos.

● A Guerra de Canudos (1896-1897)


A situação do nordeste brasileiro, no final do século XIX, era muito peculiar. Em novembro
de 1896 no sertão da Bahia, foi iniciado um conflito civil, que durou por quase um ano, até 5
de outubro de 1897. Devido à força adquirida, o governo da Bahia pediu o apoio da
República para conter este movimento formado por fanáticos, jagunços e sertanejos sem
emprego.
António Conselheiro, um homem que passou a ser conhecido logo depois da Proclamação
da República, era quem liderava este movimento.
Devido à enorme proporção que este movimento adquiriu, o governo do estado da Bahia
não conseguiu por si só segurar a grande revolta que acontecia no seu estado. Por esta
razão, pediu a interferência da República. Somente no quarto combate, onde as forças da
república já estavam mais bem equipadas e organizadas. No entanto, os incansáveis
guerreiros foram vencidos pelo cerco que os impediam de sair do local no qual se
encontravam para buscar qualquer tipo de alimento e muitos morreram de fome.

● António Conselheiro
Figura que, para as povoações da bacia do Rio de São Francisco é um profeta, um ponto
de referência numa região negligenciada pelo poder central. O conflito é o resultado das
condições geográficas e do elemento humano presente na região: em outubro de 1896
ocorre o episódio que desencadeia a Guerra de Canudos.
António Conselheiro havia encomendado uma remessa de madeira, vinda de Juazeiro, para
a construção da igreja nova, mas a madeira não foi entregue, apesar de ter sido paga.
Os grandes fazendeiros da região, unindo-se à Igreja, iniciaram um forte grupo de pressão
junto à República recém-instaurada, pedindo que fossem tomadas providências contra
António Conselheiro e seus seguidores. Criaram-se rumores de que Canudos se armava
para atacar cidades vizinhas e partir em direção à capital para depor o governo republicano
e reinstalar a Monarquia.
Apesar de não haver nenhuma prova para estes rumores, o Exército foi mandado para
Canudos.

● Epílogo
Três expedições militares contra Canudos saíram derrotadas o que apavorou a opinião
pública, que acabou por exigir a destruição do arraial, dando legitimidade ao massacre de
até vinte mil sertanejos. Além disso, estima-se que cinco mil militares tenham morrido. A
guerra terminou com a destruição total de Canudos, a degola de muitos prisioneiros de
guerra e o incêndio de todas as casas do arraial.

● Os Sertões
Euclides da Cunha é jornalista de A Província de São Paulo. Em causa subsiste um
preconceito para com um tipo de povo que até o conflito era considerado uma sub-raça: o
povo do sertão. O eixo forte é o entre o Rio e São Paulo, até ao norte (nordeste atual do
país), antigo centro político da colónia.
Enquanto enviado do jornal, Euclides apercebe-se da existência, não apenas de um Brasil
Litorâneo (Rio e São Paulo até o nordeste), mas também de um Brasil ignoto, o do Sertão,
da caatinga, das secas. O primeiro olhar (imagiologia) é o de um letrado positivista
(determinismo). A influência determinista condiciona a redação do texto literário. Tendo
como o meio “A terra”, o lado antropológico “o Homem”, e o contexto “a luta”, Euclides da
Cunha reconhece a fraqueza logística dos sertanejos mas reconhece-lhes a valentia e a
bravura.

- A Terra
A Terra abre com uma descrição do planalto brasileiro. É uma descrição exaustiva do
território, da flora e de aspetos climáticos. A região é historicamente caracterizada por
latifúndios improdutivos, secas cíclicas e desemprego crónico, passando, por isso, por uma
grave crise económica e social.

Nesse espaço, António Conselheiro instalar-se-ia com os seus seguidores no arraial de


Canudos. Euclides descreve a Terra calcinada, os tipos de rocha que a compõem, a
vegetação espinhenta, a caatinga, o solo pedregoso, as luzes do dia que ofuscam e cegam
a impressão de imobilidade que o viajante tem por causa da repetição monótona da
paisagem. Está presença o contraste entre a aridez da paisagem e os invernos de chuvas
torrenciais, entre os dias quentes e as noites frias, entre a face ora selvagem, ora poética
daquele Terra desterra.

- O Homem
Euclides da Cunha fala da formação racial do sertanejo e dos males da mestiçagem. “De
sorte que o mestiço - traço de união entre as raças, breve existência individual em que se
comprimem esforços seculares - é, quase sempre, um desequilibrado." (Cap. II, “um
parêntesis irritante”)
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços
neurastênicos o litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o
contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempenho, a estrutura corretíssima das
organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete
no aspeto a fealdade típica dos fracos.” (Cap.III).
O autor estabelece uma comparação antitética entre o vaqueiro sertanejo e o gaúcho. Este
é mostrado em correrias a cavalo pela planície, com as suas roupas garridas (“traje de
festa”), o seu gosto explícito pela vida, tendo o trabalho como diversão. Aventureiro,
valente, desconhece a miséria e a luta contra a terra árida. O sertanejo, no entanto, apesar
de todas as adversidades (e por isso) é mais tenaz e resistente do que o gaúcho, o jagunço
é mais perigoso, mais forte, mais duro”. Está acostumado a confrontos obscuros e longos,
sem a teatralidade heróica dos gaúchos. “Calcula friamente o pugilato”. É capaz de recuar e
esperar o seu inimigo “oculto no sombreado das tocaias, dominado por um ódio
inextinguível…”, ao contrário do gaúcho.

- A luta
A primeira expedição - cem homens, comandados pelo tenente Pires Peneira, são
surpreendidos e derrotados pelos jagunços no povoado de Uauá.
A segunda expedição - quinhentos homens, comandados pelo major Febrônio de Brito e
organizados em colunas maciças, são emboscados pelos jagunços em terrenos
acidentados, no Morro do Cambaio e em Tabuleirinhos.
A terceira expedição - mil e trezentos homens, comandados pelo coronel Moreira César,
armados com canhões sem planos definidos, partiram em fevereiro de 1897, atacando de
frente, do Morro da Favela, o arraial de Canudos.
A quarta expedição contou com cinco mil homens, comandados pelos generais Artur Oscar,
João da Silva Barbosa e Cláudio Savaget, são enviados pelo sul.
Em agosto de 1897, oito mil homens deslocam-se para a região, comandados pelo próprio
ministro da Guerra, o marechal Carlos Bittencourt.
São cortadas as saídas de canudos, o abastecimento de água é interrompido. Um tiro de
canhão atinge a torre da igreja. À espera da salvação eterna, os sertanejos não se
renderam, e muitos foram degolados após o assalto final.
“Os combatentes contemplavam-nos entristecidos. Surpreendiam-se; comoviam-se. O
arraial, in extremis, punha-lhes adiante, naquele armistício transitório, uma legião
desarmada, mutilada, faminta e claudicante, num assalto mais duro que o das trincheiras
em fogo. Custava-lhes admitir que toda aquela gente inútil e frágil saísse tão
numerosa ainda dos casebres bombardeados durante três meses.
Contemplando-lhes os rostos baços, os arcabouços esmirrados e sujos, cujos
molambos em tiras não encobriam lanhos, escaras e escalavros - a vitória tão
longamente apetecida decaía de súbito. Envergonhava. Era, com efeito,
contraproducente compensação a tão luxuosos gastos de combates, de reveses e de
milhares de vidas, o apresamento daquela caqueirada humana - do mesmo passo
angulhenta e sinistra, entre trágica e imunda, passando-lhes pelos olhos, num longo enxurro
de carcaças e molambos…” (cap. V Prisioneiros).

● O Cadáver do Conselheiro
Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de
António Conselheiro.
Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um
prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol
imundo, em que mãos piedosas haviam desparzido algumas flores, murchas, e repousando
sobre uma esteira velha, de tábua, o corpo do “famigerado e bárbaro” agitador. Envolto no
velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas ao peito, rosto tumefato, e esquálido,
olhos fundos cheios de terra - mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado
durante a vida.
Desenterraram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa - único prémio, únicos despojos
oprimos de tal guerra! - fazias-me mister os máximos resguardos para que não se
desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma massa angulhenta de tecidos
decompostos.
Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando a sua identidade: importava
que o país se convencesse bem de que estava, afinal, extinto aquele terribilíssimo
antagonista.
Restituíram-no à cova. Porém, pensaram depois em guardar a sua cabeça, tantas vezes
maldita em como fora malbaratar o tempo exumando-o de novo, uma faca jeitosamente
brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha; e a face horrenda, empastada de escaras e
de sânie, apareceu ainda mais uma vez ante aqueles triunfadores…
Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio.
Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções
expressivas, as linhas essenciais de crime e da loucura…

● Comentário
Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da
palavra, um crime. Denunciemo-lo.

Graça Aranha/ Canaã


José Pereira de Graça Aranha nasceu em São Luís do Maranhão de família abastada em
1868; magistrado e diplomata, fundador da Academia Brasileira de Letras, apadrinhou a
realização da Semana de Arte Moderna em São Paulo (1922).

● Canaã
Estruturado em torno dos eventos referentes à colonização alemã no atual Sudeste do
Brasil, Graça Aranha construiu em Canaã um romance de tese.
Revela ainda um compromisso com os temas e a estética configurados pelo Realismo e
pelo Naturalismo, correntes literárias que começavam a perder a sua presença hegemónica
nos inícios do século XX.
Em 1890, nomeado juiz municipal para o Porto do Cachoeiro, no estado de Espírito Santo,
Graça Aranha conheceu in loco a região que serviria de cenário e possibilitaria
transformar-se em inspiração para a concepção e a realização do seu romance.
Já nas primeiras linhas, o autor apresenta o protagonista e o espaço em que se desenrolará
a narração.
Foca o fenómeno da colonização alemã no estado de Espírito Santo na bacia do Rio Doce,
na região de Porto do Cachoeiro (atual Santa Leopoldina) e Queimado.

● Personagens principais
Milkau e von Lentz, dois jovens colonos alemães de extração social e de ideologias
diferentes: Milkau é visionário e confiante: quer viver no Brasil a sua vida, enquanto von
Lentz é de ascendência nobre e olha com saudade para os hábitos da Europa central.
“Milkau cavalgava molemente o cansado cavalo que alugara para ir do Queimado à cidade
do Porto do Cachoeiro, no Espírito Santo. Os seus olhos de imigrante pasciam na doce
redondeza do panorama. Nessa região a terra exprime uma harmonia perfeita no conjunto
das coisas”.
Enquanto Milkau acredita na humanidade e pensa encontrar no Brasil a sua própria Canaã,
“a terra prometida”, von Lentz acha a civilização germânica superior, ficando orgulhoso da
capacidade dos colonos alemães em dominar os mestiços. Para ele, a mistura gera uma
cultura inferior, uma civilização de mulatos que serão sempre escravos e viverão na
desordem moral e social.
Milkau afirma que aquilo que procurava era uma vida simples em meio à gente simples,
matando o ódio e esquecendo a dor.
Milkau, esse alterego do narrador identifica-se com o sentimento nacionalista e defende
com simpatia a propalada afabilidade brasileira; as digressões filosóficas de Milkau são
endossadas pelo romancista, que não deixa de apontar as falhas e os erros na abertura dos
caminhos para a independência económica e espiritual do Brasil.

Maria Perutz, filha de emigrantes alemães, que trabalha para a família Kraus, é seduzida
pelo filho do patrão. Após muitas vicissitudes, dá à luz um bebé no mato do cafezal, onde a
criança é devorada por porcos. Maria, acusado de matar o seu filho, é presa e resgatada
por Milkau, que foge com ela para a sua Canaã, a terra prometida, em busca da liberdade.
“E agora eles se precipitavam numa campina suavemente esclarecida pela noite
maravilhosa e límpida. Corriam, corriam… atrás de si, ouvia ela a voz de Milkau, vibrando
como a modulação de um hino… - Adiante… Adiante… não pares. Eu vejo. Canaã! Canaã!”

Uma abordagem estilística do texto de Canaã mostraria que, em dois momentos, Graça
Aranha transpõe as frágeis fronteiras da prosa e se deixa levar pelo livre fluxo da poesia: o
primeiro, quando Maria, em fuga pela mata, adormece e é envolta por centenas de
vaga-lumes. É uma descrição que, pela fosforescência das metáforas visuais, pintalgadas
pelo pincel do autor, lembra o estilo simbolista de coloridos efeitos sensoriais.
Temas como opressão feminina, imperialismo germânico, militarismo, corrupção dos
administradores públicos, ostracismo, conflito de adaptação à nova terra são tratados nesse
romance.

No debate ideológico entre Milkau e Lentz, o carácter e o nível de civilização dos dois povos
(o alemão e o brasileiro) são também enfocados e dissecados pelo romancista de Canaã.
Rebelando-se contra a submissão cultural ao estrangeiro, mais tarde a teoria antropofágica
do Modernismo abrirá caminho para a construção de novas posições ideológicas relativas à
compreensão e à interpretação da identidade brasileira.

● Canaã e Os Sertões
Publicados em 1902, Canaã e Os Sertões de Euclides da Cunha guardam alguma
semelhança no empenho dos seus autores em retratar não apenas ficcionalmente, mas de
modo documental, acontecimentos que revelam com nitidez o retrato do chamado Brasil
profundo. Graça Aranha e Euclides da Cunha escrevem como testemunhas oculares dos
fatos por eles narrados; o primeiro enriqueceu ficcionalmente a sua prosa com o sopro
criativo da imaginação, em que a realidade social e histórica, aliada à fantasia, constrói um
híbrido universo narrativo.
Como juiz municipal de Cachoeiro, Graça Aranha magnífica a realidade por ele vivida com o
seu talento de novelista, quando soube denunciar, em alguns dos seus personagens, os
desvios de conduta, os procedimentos incivilizados e os abusos das autoridades no
revoltante trato com os colonos. Canaã apresenta memoráveis descrições da natureza
brasileira ainda em estado quase selvagem.

Augusto dos Anjos/ Eu


● Biografia
Paraibano, filho de pai bacharel, desde muito novo, aparece como um adolescente
enfermiço é tímido “de magreza esquálida” - “um pássaro molhado, todo encolhido nas
asas, molhado de chuva" (o amigo Órris Soares).
Frequentou o curso de Direito em Recife e logo casou-se com dona Ester Fialho. Não
exerceu enquanto jurista, viveu de lecionar literatura primeiro na Paraíba e depois no Rio de
Janeiro para onde se mudou em 1910. Até aos princípios de 1914 viveu no Rio de Janeiro,
solitário e amargo, já tísico e neurótico.
Nos últimos meses da sua vida obteve o lugar de diretor de um
grupo escolar em Leopoldina (MG) aí vindo a falecer a 12 de
novembro de 1914.
Augusto dos Anjos foi homem de um só livro: Eu, publicado em 1912 e, cuja fortuna,
extraordinária para uma obra poética deve-se ao carácter original, paradoxal, chocante
mesmo, da sua
linguagem, tecida de vocábulos e esdrúxulos e animada de uma
virulência pessimista sem igual nas letras brasileiras.

Trata-se de um poeta poderoso que deve ser mensurado por um critério estético
extremamente aberto que possa reconhecer, além do "mau gosto" de um vocabulário
rebuscado e científico, a dimensão cósmica e a angústia moral da sua poesia. Dimensão
cósmica: Augusto dos Anjos centrava todas as energias do universo que se teriam
encaminhado para a construção desse mistério constituído pelo EU. O materialismo
evolucionista de Ernst Haeckel [biólogo, naturalista, filósofo, médico, professor e artista
alemão que ajudou a popularizar o trabalho de Charles Darwin e um dos grandes expoentes
do cientificismo positivista).

Comentários aos Sonetos “Psicologia de um vencido” e “A idéia”


A postura existencial do poeta lembra exatamente o inverso do cientismo naturalista: uma
angústia profunda, letal, diante da fatalidade que arrasta toda a carne para a decomposição
da morte, na senda do alto pessimismo romântico de Arthur Schopenhauer, que identifica
na vontade de viver a raiz de todas as dores e de todos os males. Funda-se a visão
cósmica com um desespero radical, produzindo uma poesia violenta e nova na língua
portuguesa.

Comentários aos sonetos “Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses
incompletos” e “O lamento das coisas”
Quanto à situação cultural, a mera inserção do poeta quer no parnasianismo, quer no
simbolismo, revela-se inadequada: Augusto dos Anjos é um romântico Lato Sensu, como
romântico é todo naturalista que busca dramaticamente o infinito na matéria e romântica e
fatal insatisfação por não o achar. Como Baudelaire, canta a miséria da carne em
putrefação, sem a mesma convicção estética amadurecida do poeta francês, nem por outro
lado, complacência satanista.
Para o poeta do Eu, as forças da matéria que pulsam em todos os seres e em particular no
homem conduzem ao Mal e ao Nadam através de uma destruição implacável. E ele é o
espetados em agonia desse processo degenerescente cujo símbolo é o verme.

Comentário ao soneto “O Deus-verme”


Se a vida orgânica (carne, sangue e instinto) não tem outro destino senão o de fabricar
miasmas de morte, qual poderia ser a concepção de amor ou depo prazer em Augusto dos
Anjos?
O amor é “improfícuo” e o prazer “um monstro”.
O amor humano é cego e torpe luta de células cujo fim não é senão criar um projeto de
cadáver. Há uma aspiração a uma “imortalidade gélida”, mas luminosa, de outros mundos
onde não lateja a vida como instinto, a vida-carne, a vida-corrupção.

● O amor em Augusto dos Anjos


O asco à volúpia aparece nos versos de “As cismas do destino”

Comentário ao soneto “O martírio do artista”


Métrica: Quartetos de decassílabos cadenciados (sáficos = atualmente é um decassílabo
acentuado na quarta, oitava e décima sílabas). Sonoridade manifesta as rimas ricas, as
palavras raras e esdrúxulas, versos às vezes violentamente prosaicos.
Esses termos técnicos, implicitamente prosaicos, não devem ser abstraídos de um contexto
que os exige e os justifica. Ao poeta do cosmos em dissolução, ao artista do mundo podre,
fazia-se mister uma simbiose de termos que definissem o da estrutura da vida (vocabulário
físico, químico e biológico) e termos que exprimissem o asco e o horror ante essa mesma
existência
imersa no Mal.
As dimensões cósmica e moral determinam uma linguagem que lhes é natural. Uma
linguagem construída sobre aliterações e efeitos sonoros aptos a criar um clímax.
Os processos artísticos do autor são basicamente expressivos e projetivos de angústias e
obsessões que o poeta encontrava no mundo do próprio eu.

Lima Barreto/ Triste Fim de Policarpo Quaresma


Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu a 13 de maio de 1881 no Rio de Janeiro. Filho de
Amália Augusta, uma antiga escrava que se torna professora do ensino básico e de João
Henriques de Lima Barreto, um madeireiro português e o primeiro tipógrafo e depois
almoxarife da Colónia de Alienados (um asilo para doentes mentais). Quando Lima Barreto
tem sete anos de idade, a mãe morre.
Graças a protetores, Lima Barreto concluiu o secundário e iniciou os estudos superiores na
Escola Politécnica. Abandona os estudos, para sustentar a família e consegue um emprego
burocrático na Secretaria de Guerra.
Colabora com várias revistas e em 1907 foi secretário da revista Fon-Fon, mas abandonou
logo pois sentia-se desvalorizado. No mesmo ano inaugurou a revista Floreal, da qual foi o
diretor.

● 1911 publica Triste fim de Policarpo Quaresma


● 1914 internamento no hospício por crises depressivas e alcoolismo
● 1916 colabora com a revista ABC, publicando alguns textos em periódicos de viés
socialista
● 1918 novas crises, internamentos e aposentação de serviço
● 1919 publicação do romance Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá pela Revista do
Brasil de Monteiro Lobato.
● 1922 morre de enfarte

Triste Fim de Policarpo Quaresma


O Major Policarpo é um anti-herói quixotesco, imbuído de nobres ideais, alguns beirando ao
tresloucado (tanto é que passa uma temporada no hospício). Bom coração, idealista,
patriota, mas por causa das suas qualidades acaba por ser castigado.
A ironia do livro concentra-se, sobretudo, no modo como o narrador se posiciona diante dos
desatinos da personagem - a narração em terceira pessoa não comenta ou avalia o
comportamento da personagem: os fatos e consequências são narrados de modo a deixar o
leitor livre para julgar os conflitos.

● Enredo
Ambiente: Rio de Janeiro, no ano de 1893 (Revolta da Armada)
Policarpo Quaresma é funcionário público patriota (Ufanismo) e trabalha no arsenal.
Comprou a patente major: é o Major Quaresma mas é subsecretário do Arsenal de Guerra.
Mora com D. Adelaide, irmã dele.
Devido ao seu fatalismo patriótico é incompreendido e até ridicularizado. Pretende
demonstrar que a primazia do Brasil reside na cultura, pretende aprender a tocar o violão
(atividade social dos marginais) e as modinhas com o professor Ricardo Coração dos
Outros, descobrindo que quase todas as modinhas brasileiras eram importadas, portanto
troca o violão para aprendizagem dos instrumentos nativos.

Nos preparativos para a festa do vizinho General Albernaz, recebe a visita do compadre
dele Vicente Coleoni e da afilhada Olga.
Policarpo é considerado um excêntrico: envia uma carta ao Parlamento para a adoção da
língua tupi-Guarani em lugar do português, pois a língua indígena é bem brasileira. Um seu
ofício redigido em tupi-Guarani vai para o ministro da guerra. Policarpo é demitido,
aposentado e enviado para o hospício.
Policarpo Quaresma convence-se de que é preciso salvar o Brasil, não pela cultura mas sim
pela agricultura. Por isso compra a Chácara Sossego no interior, com a convicção da terra
do Brasil ser a melhor do mundo. Policarpo escreve um tratado sobre agricultura, no entanto
o projeto vai à falência por causa de três inimigos:
1. o clientelismo político
2. a inconsistência do sistema agrário brasileiro
3. as saúvas e as térmites que dão cabo das plantações de milho e feijão

Na terceira parte do livro temos a eclosão da Revolta da Armada contra o presidente


Floriano Peixoto. Policarpo alista-se em defesa do marechal que diz: “Você Quaresma é um
visionário”.
Quaresma luta, até que Floriano Peixoto o nomeia guardião da prisão dos revoltosos
capturados. Ali, Policarpo assiste à execução dos presos e denúncia ao Floriano Peixoto o
escândalo de ver brasileiros mortos por brasileiros. Floriano Peixoto manda prender
Policarpo que depois será fuzilado.
Ricardo Coração dos Outros, inteirado da situação, procura todos os antigos amigos é
conhecido de Policarpo para o ajudar, mas todos se recusam por medo ou ganância, com
exceção da afilhada Olga que, no entanto, parece incapaz de fazer qualquer coisa pelo
padrinho a quem admira tanto. Policarpo, antes da morte, percebe que o ideal de Pátria é
uma ilusão.

● Considerações
A mudança que se opera em Policarpo - da alienação ufanista à consciência real do país -
constitui o cerne da narrativa. A sua visão final leva-o a analisar corrosivamente as
mitologias dos grupos dirigentes e as mistificações de que fora vítima. Quando compreende
o papado da ideologia no processo histórico, precisa de morrer.
O sistema tem as suas defesas, sabe como extirpar os hereges e Lima Barreto não dá
esperanças ao anti-herói que criou mas ao término do relato, a jovem Olga apresenta uma
perspetiva de futuro. A afilhada do burocrata sabe que, apesar de tudo, a História não para.
Pela primeira vez na ficção brasileira, uma mulher entende o fluir social.

No Rio de Janeiro do início do século XX, Lima Barreto produziu uma literatura inteiramente
desvinculada do padrão e do gosto vigentes. De forma consciente, o escritor abandona os
delírios
gregos e os deuses olímpicos dos literatos da época para revelar sobretudo a tristeza dos
subúrbios e sua gente humilde: funcionários públicos aposentados, jornalistas pobretões,
tocadores de violão, meninas sonhadoras, etc.
Além disso, e como negação da época impregna sua obra de uma justa preocupação com
os fatos históricos e com os costumes sociais, tornando-se uma espécie de cronista
apaixonado da antiga capital federal, seguindo a linha aberta
por Manuel Antônio de Almeida, sessenta anos antes.

Poucos aceitaram esses contos e romances, os quais, sem qualquer idealização, desvelam
a vida cotidiana das classes
populares e mostram simpatia pelos personagens mais sofridos. Isso o diferencia, por
exemplo, de Aluísio de Azevedo, que também enfoca as massas urbanas, mas procurando
a patologia
social. Ao contrário do autor de O Cortiço, Lima Barreto demonstra grande ternura pelos
desvalidos e humilhados, fugindo do sentimentalismo populista.

Anita Malfatti - Paranóia ou Mistificação? (1917)


— São Paulo
Filha do engenheiro imigrante italiano, naturalizado brasileiro, Samuel Malfatti e da pintora
norte-americana Eleonora Elizabeth “Betty” Krug, de origem alemã, nasceu a 2 de
dezembro de 1889 em São Paulo.
Nasceu com deficiência congénita no braço direito e, por esse motivo, aos três anos de
idade, foi submetida a uma cirurgia na cidade de Lucca, em Itália, na esperança de corrigir a
atrofia. Entretanto, não houve recuperação total dos movimentos.

Em 1902, com a morte prematura do pai de Anita, sua mãe,


Betty, começou a atividade profissional como professora de línguas e pintura. Anita
iniciou-se na técnica de pintura com sua mãe. Seu gosto pela arte também foi influenciado
por seu tio e padrinho, o engenheiro Jorge Krug.
Anita contou que com 13 anos, sentindo-se perdida e sem rumo na vida, resolveu
submeter-se a uma experiência de sofrer a sensação absorvente da morte, achando que
essa forte emoção serviria para encontrar uma resposta. Morando perto da Barra Funda,
um dia saiu de casa e deitou-se nos trilhos do comboio, descrevendo uma sensação bizarra
causada pelo barulho e pelo deslocamento do ar, causando nela uma sensação de delírio,
vendo cores e mais cores que ela desejaria fixar para sempre. Daí em diante, escolheu
dedicar-se à pintura.

— Berlim
Anita procurou uma formação fora do país. Com a ajuda do tio, Jorge Krug, conseguiu
mudar-se para Alemanha em 1910, em Berlim. Na capital alemã, ela testemunha o
amadurecimento do expressionismo: viu inúmeras exposições marcantes de artistas que
queriam desafiar a hegemonia do impressionismo francês, buscando um novo estilo e
estética universalizante e, ao mesmo tempo, local, verdadeira e geneticamente alemã.
Longe de Paris, Malfatti seria a primeira dos artistas brasileiros - e a única antes da Primeira
Guerra Mundial - a absorver essa nova corrente artística. Anita desiste dos estudos formais
e procura formas expressivas diferentes do academicismo.
Primeiro, estudou com Fritz Burger que na época a introduziu aos estudos de cor, de
harmonia, de misturas - deixando os problemas do desenho de lado. Apesar de sua
produção inicial ainda ser muito tradicional, as pinceladas de Anita já se tornam mais soltas
e manchadas, vibrantes, como se vê em A Floresta, de 1912.
À procura da aproximação ao expressionismo, a artista passou a estudar com Lovis Corinth,
um dos mais importantes nomes do expressionismo alemão. Procedente de Munique para
Berlim, Corinth era, desde 1911, o presidente da Secessão Berlinense. O mestre sofrera um
acidente vascular cerebral no final daquele ano, o que afetou profundamente a sua
produção. De acordo com a autora Marta Rossetti Batista, a pintura de Corinth passa a ser
"vibrante e vigorosa, mais livre, de pinceladas rápidas e urgentes".

— Berlim - São Paulo


Em 1913, na escola de Corinth, Anita Malfatti realmente pintava, deixando o desenho de
lado, paleta na mão direita e pincel na mão esquerda, trabalhando a tinta a óleo e, assim,
começando seus primeiros retratos. Um deles, inclusive, foi exibido de maneira anónima e
premiado na mostra da secessão na primavera.
De volta a São Paulo, em 1914, ela ainda pensava em viajar para estudar, mas continuava
sem condições financeiras para isso. Assim, tentou uma bolsa do governo de São Paulo,
que se chamava "Pensionato Artístico". Como mostra de aptidão, organizou sua primeira
exposição no dia 23 de maio de 1914. Com 33 obras, incluindo gravuras e pinturas a óleo,
aquarelas e desenhos, montou a mostra num lugar improvisado, no centro da cidade,
chamando-a de "Exposição de Estudos de Pintura Anita Malfatti" O senador José de Freitas
Valle era o responsável pela concessão das bolsas e visitou o programa, mas não gostou
das obras. Anita não obteve apoio.

— Nova Iorque
A mostra paulistana teve pouca repercussão, com alguns artigos apenas, que apontavam
uma arte adiantada, ou até um descompasso com a pintura feminina.
Mais uma vez, o tio Jorge Krug ajudou Anita a viajar para os EUA. Em 1915, Malfatti estava
em Nova York. Naquele verão de 1915, ela ouviu falar de Homer Boss, artista conceituado à
época, que havia fundado uma escola própria, a Independent School of Art. Ele e seus
alunos e amigos visitam a costa do Maine para pintar ao ar livre as cenas litorâneas e as
paisagens montanhosas. Anita junta-se ao grupo, alocado na pequena ilha de Monhegan,
pintando ao sol e sob a chuva, livre e naturalmente. Nesse local ela produz algumas de
suas obras mais importantes, incluindo A Ventania e O Farol, além de O Rochedo. Nas
palavras do diário da própria artista: "era a festa da forma e era a festa da cor".
A convivência com Boss deu-lhe, ainda, a oportunidade de conhecer outros nomes
importantes, com destaque para Marcel
Duchamp! Aos 28 anos o francês já era celebridade em Nova lorque, depois do escândalo
em torno da sua pintura "Nu descendent un escalier". E nesse período também que Anita
pinta as obras "Nu cubista", "Cabeça Verde" , e uma das mais importantes obras de sua
carreira, "Uma Estudante. Anita identifica-se com os seus sujeitos retratados, colocando a si
nas angulações e enquadramentos estranhos, nas deformidades. - uma expressão
psicológica e simbólica para o sofrimento humano.

— São Paulo
Em meados de 1916 a artista voltou ao Brasil, mas até sua família não aprova o estilo de
Anita - até o tio que bancou as viagens e os estudos, demonstrou-se desapontado. Ela
sabia que as críticas não tinham fundamento e ficava triste com a falta de compreensão de
seu trabalho. Mas, ao mesmo tempo, a cena paulistana começava a mostrar sinais de
inquietação. Em 1915 Oswald de Andrade já havia escrito o apelo "Em prol de uma pintura
nacional". A Revista do Brasil seria fundada em São Paulo em 1916, com o objetivo de
formar uma consciência nacionalista.
Em 1916, a artista pintou “Tropical”, celebrando a nação brasileira, as suas mulheres e a
sua natureza.
Anita participou de uma espécie de concurso promovido por Monteiro Lobato, uma
investigação sobre o Saci, pintando uma tela de mesmo nome sobre o tema. Em outubro de
1917 os trabalhos foram apresentados num salão na Libero Badaró. Mas Lobato não gosta
do resultado e escreve que a artista "pinta no estilo dos ismos, e que não poderia criticar
porque não entendia esses géneros.
Foi nessa ocasião, entretanto, que Anita chamou a atenção de outros artistas, como Di
Cavalcanti. Eles foram até a casa de Anita para ver as obras "aberrantes" que ela
praticamente escondia e ficaram extremamente entusiasmados pela nova arte da pintora,
estimulando-a a fazer uma exposição no final de 1917. Anita selecionou obras produzidas
depois de 1914, ou seja, no seu período nos Estados Unidos, e as mais recentes, feitas no
Brasil. Eram 53 obras no total, na Exposição de pintura moderna
Anita Malfatti", além de alguns trabalhos de colegas americanos, para evidenciar que ela
não era a única a pintar daquela forma!
Ela já incorporava procedimentos básicos da arte moderna: a relação dinâmica e tensa
entre a figura e fundo; a pincelada livre que valoriza os detalhes da superfície; os tons fortes
e não convencionais; as sugestões de luz; e uma liberdade de composição.

— Exposição Malfatti
A exposição teve bastante destaque, com o Estado de São Paulo a escrever que havia
muita concorrência de visitação na mostra, com muitas famílias conhecidas assinando o
livro de registro e a artista sendo chamada de fenômeno. Outros artistas e pessoas do meio
que mais tarde integrariam o grupo idealizador da Semana de 22 também elogiaram o
trabalho: Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e até
Tarsila visitaram a mostra. A última escreveria em carta futura que um bom pintor
considerado avançado para o meio, chamado
Wasth Rodrigues, lamentava não saber pintar como Anita!
Os ventos mudaram de direção quando Monteiro Lobato escreveu uma peça crítica para o
Estado de São Paulo, em 20 de dezembro de 1917, com o título "A propósito da exposição
Malfatti", com uma posição bem virulenta em relação às obras. Lobato dizia que as telas
vendidas foram devolvidas, algumas quase foram destruídas a bengaladas.

● Artigo de Monteiro Lobato


Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e
em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e
adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes
mestres. (...) Se tem apenas talento, vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em
torno daqueles sóis imorredouros. A outra espécie é formada pelos que vêem
anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão
estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva.
São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de
fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as
mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do
esquecimento. Embora eles se dêem como novos precursores duma arte a vir, nada é
mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a
mistificação. De há muito já que a estudam os psiquiatras em seus tratados,
documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios.

● Reações
- Oswald de Andrade: "Anita Malfatti é um temperamento nervoso e uma
intelectualidade apurada, ao serviço do seu século*. (1918)
- Mário de Andrade: "Anita é dos mais inquietos, dos mais elevados e sérios
temperamentos artísticos do nosso dia brasileiro. (1926)
Anita ficou profundamente magoada com esse episódio, mas como estopim, a crítica de
Lobato ensejou jovens escritores e poetas a reunirem-se ao redor da artista, como Mário de
Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, escrevendo respostas em outros
trabalhos defendendo Malfatti e desconsiderando Lobato, desqualificado como crítico de
arte. "Não posso falar pelos meus companheiros de então, indica Mário de Andrade, "mas
eu, pessoalmente, devo a revelação do novo e a convicção da revolta a ela e à força de
seus quadros*. Em sentido semelhante, Di Cavalcanti escreve: "A exposição de Anita foi a
revelação de algo mais novo do que o impressionismo".
Surpresa pela repercussão, Anita continuou a contar com o apoio de Di Cavalcanti, de Yan
de Almeida Prado, e dos dois Andrade, sendo que Mário visitou a mostra diversas vezes,
afirmando: "Parece absurdo, mas aqueles quadros foram a revelação. E ilhados na
enchente do escândalo que tomara a cidade, nos, três ou quatro, delirávamos em êxtase
diante de quadros que se chamavam O Homem Amarelo, A Mulher de Cabelos Verdes".
Monteiro Lobato
● Biografia
Nasceu em 1882 em Taubaté (São Paulo). Em 1904, é bacharel em direito e em 1907, é
nomeado promotor público.
Casou com Maria Pureza da Natividade de Souza e Castro (“Purezinha”) em 1908.
Em colaboração com vários periódicos, começa, no ano de 1910, atividades empresariais
(caminhos de ferro) e jornalísticos. Um ano depois, torna-se herdeiro da Fazenda Buquira
do avô Visconde de Tremembé. Assim, abandona os tribunais para gerir a propriedade
fundiária e abre um externado em Taubaté.
Em 1912, colabora com O Estado de São Paulo. No Estadinho (edição vespertinado jornal)
pública o artigo "Velha Praga”.
Vendeu a fazenda Buquira em 1916 e saiu de São Paulo.
Em 1917 publicou um artigo “Paranóia ou Mistificação" n’O Estado de São Paulo contra a
exposição de Anita Malfatti.
Um ano depois compra a Revista do Brasil e começa a sua atividade de editor e escritor.
Foi duas vezes candidato à Academia Brasileira de Letras, em 1921 e 1926,
respetivamente, mas em ambas foi reprovado.
Em 1927 é nomeado adido comercial nos Estados Unidos pelo presidente Washington Luís
e forneceu apoio à candidatura de Júlio Prestes a novo presidente do Brasil (SP).
Em 1931 regressa a São Paulo, defesa de uma nova mineração do país (ferro, petróleo) e
construção de estradas para escoar os produtos. Criação de várias empresas de exploração
do petróleo. Conflito com companhias estrangeiras e poderosos, apoiados pelo governo
Vargas. Em 1928 dá-se a fundação da União Jornalística Brasileira (agência noticiosa).
Em 1939, o seu filho Guilherme morre, e em 1942 foi condenado a seis meses de prisão,
indulto de Getúlio Vargas redução da pena a três meses.
Em 1942, morre o seu filho Edgar.
Um ano depois, dá-se a fundação da Editora Brasiliense que negoceia a publicação da obra
completa do autor.
Monteiro Lobato aproxima-se aos ideias comunistas e torna-se diretor da associação
cultural Brasil-URSS.
No ano de 1946, foi transferido para Buenos Aires, tornando-se sócio da Editora Brasiliense.
Regressa ao Brasil um ano depois e, em 1948, sobre de dois acidentes vasculares fatais.
Morre em São Paulo a 4 de julho.

● O sítio do Pica-pau Amarelo


As histórias do Sítio do Picapau Amarelo e seus habitantes - Dona Benta, Pedrinho,
Narizinho-Lúcia, Emília, marquês de Rabicó, visconde de Sabugosa, tia Nastácia e tantos
outros - permanecem modelos quase insuperáveis do gênero. Além de misturar realidade e
fantasia em doses sábias, Lobato soube valorizar o universo brasileiro utilizando-se de
referenciais mais próximos das crianças brasileiras do que a mitologia e a paisagem
europeias. No seu sítio, não há apenas matos, riachos, animais e costumes interioranos. Há
neles também sacis, cucas, caiporas e mulas-sem-cabeça.

Características da obra de Monteiro Lobato:


As obras infantis de Monteiro Lobato são marcadas pela imaginação criativa e por um fim
pedagógico. Os livros para adultos do escritor possuem as características do
pré-modernismo:
- traços naturalistas
- determinismo
- realismo social
- personagem caipira
- ausência de idealizações
- crítica sociopolítica
- nacionalismo
- linguagem objetiva

Três obras marcantes: Cidades Mortas; Negrinha; Urupês


São livros que possuem a ambivalência de textos pré-modernistas, ou seja, possuem uma
temática nova, entretanto, uma técnica narrativa e linguagem tradicionais.
O aspeto inovador e pré-moderno nascem de certos registros do universo rural paulista.
Monteiro Lobato descreve esse cenário, que tão bem conhece, com precisão. A descrição
realista das "cidades mortas" - cidadezinhas do Vale da Paraíba do Sul, locais abandonados
da civilização do café em plena decadência, já sem fazendeiros, sem comerciantes e, por
fim, sem autoridades....

● Urupês
É o nome de um cogumelo (Pycnoporus sanguineus )= Orelha de pau.
Urupês, obra publicada originalmente em 1918, reúne ao todo 14 contos de Monteiro
Lobato. Segundo o prefácio da 2a. Edição do livro, esta obra surgiu do artigo "Velha praga",
publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo.

- Urupês - Jeca Tatu


Esta obra dá vida ao que seria a sua mais famosa personagem: o caboclo Jeca Tatu. Se o
índio surgira como modelo ideal do brasileiro para os escritores do Romantismo da fase
indianista, a figura do caboclo aparecia como seu substituto moderno - ao que Monteiro
Lobato chamou de "caboclismo". Porém, o caboclo de Monteiro Lobato não era em nada
idealizado, mas ao contrário, trazia as suas características negativas enfatizadas e o seu
símbolo máximo era a personagem Jeca Tatu.

A personagem de Jeca representa toda a miséria e atraso económico do país de então, e o


descaso do governo em relação ao Brasil rural. Jeca Tatu foi caracterizado por Monteiro
Lobato como um homem desleixado com sua aparência e higiene pessoal, sempre de pés
descalços e que mantinha uma pequena plantação apenas para subsistência. Sem nenhum
tipo de educação e cultura, Jeca Tatu era um homem ingénuo e repleto de crendices. Por
fim, era visto pelas pessoas como um alcoólatra e preguiçoso. Porém, como afirma
Monteiro Lobato, "Jeca Tatu não é assim, ele está assim", percebe-se através do texto que
Jeca é uma vítima do descaso do governo.

Residente no Vale do Paraiba, em São Paulo, região muito arcaica, era visto pelas pessoas
como preguiçoso e alcoólatra. A questão da saúde transparece no enredo quando um
médico, ao cruzar o seu caminho, passa diante de sua tosca residência e se assusta com
tanta pobreza. Notando sua coloração amarela e a intensa magreza, decide examinar o
caboclo.
O paciente queixa-se de muita fadiga e dores corporais. O doutor então diagnostica a
presença de uma enfermidade tecnicamente conhecida como ancilostomose, o famoso
amarelão. Ele orienta
Jeca a usar sapatos e a tomar os remédios necessários, pois os vermes que provocam este
distúrbio orgânico introduzem-se no corpo através da pele dos pés e das pernas.
A vida de Jeca muda radicalmente. Ele trata-se, volta a trabalhar, reduz a bebida, a sua
pequena plantação prospera e o trabalhador torna-se um homem honrado pelas outras
pessoas. A família Tatu agora só anda calçada e, portanto, saudável. E assim que Monteiro
Lobato denuncia a precária situação do trabalhador rural, ele revela que medidas simples
poderiam transformar este cenário sombrio. Jeca Tatu torna-se o símbolo do brasileiro que
vive no campo.

- A língua em Urupês
Além do surgimento de uma das personagens mais icónicas da literatura brasileira (Jeca
Tatu), Urupês trouxe uma série de inovações e sua importância se estende até os dias
atuais. Uma delas diz respeito à linguagem empregada no livro. Monteiro Lobato estava
preocupado em reproduzir nos seus textos a riqueza da fala brasileira da zona rural, com
seus coloquialismos e neologismos tipicamente orais.
De acordo com a crítica literária, o recurso da oralidade foi a maior ousadia do escritor em
Urupês, pois nessa época o uso do português coloquial em obras era visto como "inferior" e
sem valor literário. Dessa forma, pode-se dizer que Urupês é uma obra que de certa forma
antecede as convenções estilísticas propostas pelos modernistas da Semana de 22.

● Cidades Mortas
Publicado em 1919, pela Revista do Brasil, este segundo livro de Lobato levava o subtítulo "
Contos e Impressões " e reunia trabalhos bastante antigos, alguns do tempo de estudante
de Lobato. Em edições subsequentes, novo textos acrescentaram-se à obra. O título do
livro é tomado de um texto de 1906. Numa espécie de crônica ou ensaio, num tom entre
irônico e saudosista, Lobato delineia o espaço de sua obra: o norte paulista do vale do
Paraiba, "onde tudo foi e nada é: Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito.
"(...) cidades moribundas arrastam um viver decrépito.
Gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas de dantes". É , portanto
num cenário de decadência representado por ruas ermas, casarões em ruínas e armazéns
vazios, em que o livro introduz o leitor, fazendo-o acompanhar de um ponto de vista irônico
por figuras igualmente decadentes de homens e de mulheres.

- um conto exemplar: um homem de consciência (1. Parte)


Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e
lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro,
a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro.
Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito
tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.
Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o deperecimento visível de sua
Itaoca.
- Isto foi muito melhor. dizia consigo. Já teve três médicos bem bons - agora so um e bem
ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal da servico para um rábula ordinário como o
Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o
restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando...
João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava
dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo
conserto ou arranjo possível.
- É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não
vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.

- um homem de consciência (2. Parte)


Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso
homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que
não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada...
Ser delegado numa cidadinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É
o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com
o governo. Uma coisa colossal ser delegado - e estava ele, João Teodoro, delegado de
Itaoca!
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e
arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou num cavalo magro e
partiu.
Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
- Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
- Mas , como? Agora que você está delegado?
-Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.
E sumiu.

- polémica antiromântica
“No concerto de nossos romancistas, onde Alencar é o Piano querido das moças e Macedo
a Sensaboria relambória dum flautim piegas, Bernardo é a sanfona. Lê-lo é ir para o mato,
para a roça- mas uma roça adjetivada por menina de caudalosos, as matas virentes, os
pincaros altíssimos, os sabiás sonoros, as rolinhas meigas. Bernardo descreve a natureza
como qualificativos surrados do mau contador. Não existe nele o vinco enérgico de
impressão pessoal. Vinte vergéis que descreva são vinte perfeitas invariáveis amenidades.
Nossas desajeitadíssimas caipiras são sempre lindas morenas cor de jambo. Bernardo
falsifica o nosso mato. Onde toda gente vê carrapatos, pernilongos espinhos, Bernardo
aponta doçuras, insetos maviosos, flores olentes. Bernardo mente.”
'A vida em Oblivion'

“Meu Poeta Futurista!”


Um escândalo antes da Semana de Arte Moderna de 1922

São Paulo - 1921


Em 1921, já estava formado um grupo de artista e intelectuais comprometidos com a
renovação das artes, usando a imprensa como forma de divulgação dos princípios dos
movimentos assim como os versos dos seus autores: Guilherme de Almeida, Agenor
Barbosa e Plínio Salgado.

● Os propagandistas:
Menotti Del Picchia, diretor do Correio Paulistano e colaborador da Gazeta da Tarde.
Oswald de Andrade, colaborador do Jornal do Comércio e fundador da revista Papel e
Tinta.

● Um futurismo brasileiro?
Desde o início do ano os dois intelectuais proclamavam nas páginas dos respetivos jornais
a existência e a força de um novo movimento que buscava a inspiração criativa do
movimento criado pelo Filippo Tommaso Marinetti, o Futurismo (1909).

● Problemas
O problema é que nem todos se identificavam com o ideário de Marinetti, como Mário de
Andrade, contra o tom exaltado dos seus manifestos, contra a destruição dos vestígios do
passado, de uma total rutura com a tradição, a pregar um novo evangélico das máquinas e
da velocidade, nos anos a seguir, tornar-se-ia apoiante do fascismo italiano.

● Um simbolista quase modernista


Mário de Andrade, que teve um início poético de cariz simbolista sob o pseudónimo de
Mário Sobral (Há uma gota de sangue em cada poema), tinha uma vida social minimal é
muito cordata na sociedade paulistana da época, ainda sem divulgar os versos modernistas
que estava a compor desde o ano de 1920. Foi oswald de Andrade quem lhe deu uma
imprevista notoriedade, no meio das incompreensões e as vaias.

● 27 de maio de 1921
Oswald de Andrade publica no Jornal do Comércio o artigo “O meu poeta futurista”.
“É longo como um círio e evoca para as minhas meditações um cálice do Graal suspenso
aos lábios ávidos da "girl" babilônica que é esta cidade de mil portas. Chama-se ... Não
posso lhes contar o nome. Proibiu-o o casto, o bom, o tímido, contar-lhe-ei a figura e a arte.
(...) Esse lívido e longo Parsifal bem educado é conhecido pelo seu saber crítico...
Segue um excerto do poema "Tu" , que será parte da
Pauliceia desvairada, publicada no ano seguinte.
Oswald comenta : "Acharam estranho o ritmo, nova a forma, arrojada a frase? Graças a
Deus! [...]Bendito esse futurismo paulista, que surge companheiro de jornada dos que
aqui gastam os nervos e o coração na luta brutal, na luta americana, bandeirantemente!

● O Escândalo
O artigo de Oswald de Andrade envolve Mário de Andrade em grande escândalo: de
intelectual anônimo, o nome do poeta toma conta de São Paulo, enquanto cabotino, vilão
maluco, objeto de zombarias...
Também a sua profissão de professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo
será afetada pela rotulagem de "futurista" atribuída ao jovem poeta. (futurista = anarquista =
perigoso revolucionário). Vários pais dos seus alunos, ou alunas, retiraram os seus filhos
dos cuidados de um tão perigoso mestre!
Até as relações familiares de Mário de Andrade sofreram pela disputas sobre os versos
publicados.

● Paródia polémica
No Jornal do Comércio, onde Oswald de Andrade escrevera, parece um soneto, de autoria
anónima, a gozar com o “autor futurista”.
Poema Futuro Condicional
● Futurista?!
Artigo de resposta a Mário de Andrade, publicado a 6 de junho de 1921 no Jornal do
Comércio. Nele, Mário afirma ser próximo do
"poeta desconhecido" e que o artigo de Oswald merece "resposta e refutação".
Define a "via sacra" que o amigo está a percorrer, a procura de uma escola poética que
corresponda a sua arte, já não é o
Parnasianismo, nem o "gás asfixiante do Simbolismo, nem o
Futurismo.

Define Paulicéia desvairada "um livro íntimo, um livro de vida, um poema absolutamente
lírico [...] úmido de lágrimas, áspero de insulto, luminoso de alma, gargalhante de ironia [...]
Uma obra enfim livre....”.
Mário afirma que o seu amigo poeta "Reformador, revolucionário, iconoclasta, não o será
jamais" e que "Repudia o futurismo funambulesco das Europas, assim como o futurismo
vago do Brasil".

● A resposta de Oswald de Andrade a 12 de junho de 1921


Sempre no Jornal do Comércio, cita (em italiano) o musicólogo Francisco Balilla Pratella,
autor do Manifesto Técnico da Música Futurista:
"Todos os inovadores eram logicamente futuristas, em relação aos seus tempos.

Palestrina teria julgado Bach louco, e assim Bach teria julgado Beethoven, e assim
Beethoven teria julgado Wagner.

Rossini gabava-se de ter finalmente compreendido a música de Wagner, lendo-a ao


contrário! Verdi, depois de uma audição da abertura de Tannhauser, chamou Wagner louco
numa carta a um dos seus amigos.

Estamos portanto a janela de um glorioso asilo, enquanto declaramos, sem hesitação, que o
contraponto e a fuga, ainda considerado como o ramo mais importante da educação
musical. não passam de ruínas pertencentes à história da polifonia, especificamente
daquele período que vai desde os flamengos até G.S. Bach”.

Oswald cita Walt Whitman e Friedrich Nietzsche e afirma que o poeta desconhecido, autor
da Paulicéia "pecou de passadismo " por não acompanhar o exemplo de tão grandes
personalidades.
Propõe versos de poetas fiéis ao idealizado Futurismo Brasileiro : Guilherme de Almeida,
Agenor Barbosa, Menotti Del Picchia.
Modernismo
Cronologia literária da primeira geração do modernismo brasileiro
1. Paulicéia Desvairada (1922)
2. Memórias sentimentais de João Miramar (1923)
3. O ritmo dissoluto (1924)
4. A Escrava que não é Isaura (1925)
5. Pau-Brasil (1925)
6. Meu e Raça (1925)
7. Chuva de Pedra (1925)
8. Losango cáqui (1926)
9. Toda a América (1926)
10. Vamos caçar papagaios (1926)
11. O estrangeiro (1926)
12. Pathé Baby (1926)
13. “Amar, verbo intransitivo” e “O Clã do jabuti” (1927)
14. A estrela de absinto (1927)
15. Brás, Bexiga e Barra Funda (1927)
16. Estudos (1ª série - 1927)
17. Macunaíma (1928)
18. Martim Cererê (1928)
19. Laranja da China (1928)
20. Alguma poesia (1930)
21. Cobra Norato (1931)

Pau-Brasil
Cancioneiro de Oswald de Andrade

● Os paulistas à descoberta do Brasil


Por ocasião da Semana Santa de 1924, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, os seus
filhos Nonê, Tarsila do Amaral, D, Olivia Guedes Penteado, René Thiollier, Gofredo da Silva
Telles e o escritor suiço de expressão francesa Blaise Cendrars, realizaram uma viagem por
Minas Gerais, que passou pelas cidades do ciclo do ouro, pela capital e por outras cidades
do interior, numa espécie de “neo-bandeirantismo” que redescobrir, de comboio ou de
automóvel, um Brasil que ainda conservava parte do seu passado colonial.

● O Livro (paratexto)
Note-se a ousadia em substituir o lema “Ordem e Progresso” com o título da obra. O
Pau-Brasil foi o primeiro produto de exportação do Brasil Colonial. Oswald de Andrade
pretende realizar um produto artístico de exportação.
● Aspeto modernista e paródico
Na parte interna do livro destaca-se o subtítulo acoplado aos nomes do autor, do autor do
prefácio e da autora das imagens, palavras em desalinho mas metrificadas: palavras-versos
de letras em 12 linhas, a evocar a redondilha. Há referência também às academias
barrocas mineiras que exploravam estas formas gráficas peculiares.

● Cancioneiro
Nome atribuído a coletâneas de poemas de vários autores de lírica medieval (por exemplo,
o Cancioneiro da Ajuda de poesia galaico-portuguesa coligido nos séculos XIII e XIV).
Oswald cria um conjunto de pequenos relatos por várias vozes. A língua utilizada será a
língua portuguesa falada por brasileiros. O elemento épico (natural na descrição literária de
um país) é minado pelos elementos de comicidade e ironia que não escondem o aspeto
trágico de algumas histórias que aparecem na obra.

● Oswald de Andrade e Camões


Ao estruturar a obra, Oswald seguiu parâmetros camonianos, subvertendo marcas formigas.
Por exemplo, Pau-Brasil consta de 9 cantos (Os Lusíadas tem 10 cantos), disposto em
blocos desiguais quanto ao número de poemas em cada um deles.
Elementos de aproximação, comparados com Camões:
- marcas estruturais substantivas da obra: proposição, invocação, dedicação,
narração e epílogo
Elementos de irregularidade:
- flutuação estrófica
- ausência de métrica (verso livre ou poema em prosa)
- falta de signos de pontuação (vontade de inovação)

● Elementos marcantes no modelo camoniano


A dedicatória camoniana ao Rei D. Sebastião, "bem nascida segurança da lusitana antiga
liberdade”.
A dedicatória de Oswald ao poeta Blaise Cendrars: “A Blaise Cendrars por ocasião da
descoberta do Brasil”.

- Invocação (Escapulário)
Invocação de Camões às Tágides: “E vos, Tágides minhas, pois criado Tendes em mi um
novo engenho ardente…”
O Escapulário, um dos poucos poemas com métrica (paródia do “Pai Nosso”):
No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia de Cada Dia
A poesia é dádiva divina e alimento fulcral do poeta.

- Falação
Poema em prosa cuja fonte é o Manifesto da Poesia Pau Brasil.

Os nove capítulos ou “cantos” de Pau Brasil:


1. História do Brasil
2. Poemas da Colonização
3. São Martinho
4. RP1
5. Carnaval
6. Secretário dos Amanrws
7. Postes da Light
8. Roteiro das Minas
9. Lorde Brasileiro
Reunião dos poemas em eixos temáticos.

N1 História do Brasil
- imitação de textos do tempo do achamento e colonização do Brasil:
a) Pêro Vaz de Caminha, em “primeiro chá” vem citado o episódio de Diogo Dias a
dançar com os indígenas
b) Gândavo
c) Claude d’Abbeville (1612 - França Equinocial - Maranhão)
d) Frei Vicente do Salvador (Historiador)
e) Fernão Dias Pais Leme (Bandeirante)
f) Frei Manuel Calado do Salvador (relatou a invasão holandesa no Pernambuco)
g) J. M. P. S. da cidade do Porto (autor do panfleto “As regras gerais”, de 1816) dá uma
descrição do sotaque caipira
h) Infante D. Pedro (D. Pedro IV de Portugal/ D. Pedro I do Brasil)
É a voz dos europeus a explorarem o Brasil.

N2 Poemas da Colonização
Reproduz as vozes dos habitantes do Brasil, inclusive a do poeta.
Criação de uma épica pelo avesso, considerando:
a) o poder da classe dominante e os seus abusos
b) o trabalho escravo
c) os castigos corporais
d) indivíduos a viverem em condição sub-humana
(“Medo da senhora”, “Levante” e “Azorrague”)
- Delineia-se o Brasil imperial, em consonância com a Casagrande, e a crueza das
vidas marginalizadas no campo e na cidade.
- Uso deu-ma língua “impura” nos vocábulos, na sintaxe e prosódia, nos ajustes
fonológicos patentes no texto poético.
- Aspeto irónico, subversor “relicário” “senhor feudal”.

N3 São Martinho
Nome de poderosa fazenda da República Velha cuja prosperidade a credencia como
metonímia de São Paulo, o poema apinha-se a outras peças do livro a fim de decantar o
progresso paulista.
Uma narrativa sobre o desenvolvimento de uma “civilização” original, que culmina com o
progresso impulsionado pela economia cafeeira e com um futuro urbano e industrial
promissor, como se lê em “Prosperidade”.
A vida rural paulista, a riqueza promovida pelo cultivo do café (“O café é ouro silencioso”) e
a formação de uma nova burguesia.
Exaltação da velocidade e do simultaneísmo da vida urbana de São Paulo “Versos de Dona
Carrie”.
Exaltação da industrialização “Metalúrgica”.

N4 RP1
RP1 era a abreviatura de Rápido Paulista 1, comboio que percorria o trajeto entre São
Paulo e o Rio de Janeiro. Da cidade de Aparecida até à capital, o autor retrata um país em
que é ressaltado não apenas pela azáfama humana das cidades em expansão, mas
também pela diversidade cultural reunida sob um único céu acolhedor.

N5 Carnaval
Oswald destaca os ritos e os ritmos das danças populares que no Brasil adquiriram carácter
próprio: o maxixe e o samba cariocas, em “Nossa Senhora dos Cordões” e “Na Avenida”.
Exploram em “instantâneos” fotográficos o espaço, os movimentos das danças, a alegria
efémera, a festa e o seu carácter profanador.

N6: Secretário dos Amantes


Seis pequenas unidades poéticas, sem título, ordenados por algarismos romanos.
É a voz emancipada de uma mulher a viajar sozinha, retratado por fragmentos de cartas
amorosas (do epistolário Tarsila de Amaral - Oswald de Andrade).
Oswald de Andrade e Camões:
- N’Os Lusíadas: o episódio de Inês de Castro (Canto III)
- Em Pau Brasil: o Secretário dos Amantes
- As mulheres são protagonistas
- Tom paródico: os “fermosos olhos” camonianos parodiados: “Não choro porque
meus olhos ficam feios”.

N7 Postes da Light
Verdadeira crónica da cidade de São Paulo no princípio do século XX, entre andanças ainda
do mundo rural em “Pobre alimária” e “Procissão” e da modernidade em “Escola Berlites”.
Nos vinte e dois poemas de “Postes da Light” a antítese entre rural e urbano resolve-se no
interior de cada poema, de modo que elementos desiguais combinam-se sob o mesmo
recurso de justaposição, como em “Atelier”.
A língua dos brasileiros em “Pronominais”.
Os triunfos no futebol do Clube Athletico Paulistano, que derrotou muitas equipas numa
digressão à Europa em 1925, só perdeu contra a equipa de Sète, em França, em “A Europa
curvou-se ante o Brasil”.

N8 Roteiro das Minas


Os poemas repassam a história e a arte de um país que desde São Paulo é encarado como
moderno, mas onde ainda persistem presenças de culturas antigas ou até arcaicas:
bumba-meu-boi, matraca de procissões, faiscadores, o bandeirante Manuel de Borba Gato,
Tira-dentes, o pintor Mestre Ataíde, o Alejadinho, cujas esculturas são representadas no
dístico “Bíblia de pedra sabão/ Banhada no ouro das minas” do poema “Ocaso”.
“Sábado de Aleluia” eterniza a imagem contraditória de Minas.

N9 Loyde Brasileiro
É o nome de uma companhia de navegação estadual brasileira (Lloyd Brasileiro).
Relata a viagem marítima da Europa para o Brasil.
Aqui, toda a inclinação crítica e satírica do poeta se renova na oposição ao paradigma
romântico de representação do país, o que se manifesta já em “Canto de regresso à pátria”,
talvez uma das mais famosas paródias da “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.

Manuel Bandeira - o poeta/ os poemas


Do início à fase heróica do modernismo.

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1969)


● Nasce no Recife
● Veio adolescente para o Rio de Janeiro, onde cursou o Colégio Pedro II.
● Em S. Paulo, iniciou o curso de engenharia, mas a tuberculose, manifestando-se
cedo, impediu-o de prosseguir os estudos.
● Esteve em 1912 na Suíça (sanatório de Clavadel) e, nesse local, entrou em contacto
com a melhor poesia simbolista e pós-simbolista em língua francesa, fonte da sua
linguagem inicial (Manuel Bandeira tornou-se amigo do poeta Paul Éluard e da
esposa Elena Ivanovna Diakonova “Gala”).
● Fixando-se no rio, estreita amizade com alguns escritores que, como ele, passariam
do ecletismo fin de siècle ao modernismo (Ronal de Carvalho,, Álvaro Moreyra,
Ribeiro Couto, Graça Aranha, Tristão de Ataide,…). Praticando o verso livre e a
ironia crepuscular desde os primeiros versos, Bandeira foi naturalmente acolhido
pelo grupo da Semana de Arte Moderna como um irmão mais velho (tinha 36 anos
em 1922) e houve quem o chamasse “o São João Batista do movimento”; por sua
vez, terá recebido do exemplo de Mário e de Oswald um impulso para romper as
amarras da sua formação intimista.
● É o que ocorrerá nos livros experimentais, escritos na “fase heróica” do modernismo:
Ritmo Dissoluto e Libertinagem. A biografia de Manuel Bandeira é a história dos
seus livros. Viveu para as letras e, salvo os anos em que lecionou Português no
Colégio Pedro II e Literatura Hispano-Americana na Univesidade do Brasil,
dedicou-se exclusivamente ao ofício de escrever: poesia, crónica literária, traduções
e obras didáticas de nível superior.

Cronologia das obras poéticas de Manuel Bandeira:


- Cinza das Horas, 1917
- Carnaval, 1919
- Poesias (incl. Ritmo Dissoluto), 1924
- Libertinagem, 1930
- Estrela da Manhã, 1936
- Mafuá do Malungo, 1948
- Opus 10, 1952
- Estrela da Tarde, 1958
- Estrela da Vida Inteira, 1966

Temática:
Morte, solidão, saudade, doença, metafísica, arte, amor, infância, poesia, erotismo, paixão,
modernismo…
As três fases poéticas de Manuel Bandeira
1. Primeira fase
- parnasianismo - simbolismo - modernismo
- A Cinza das Horas (1917); Carnaval (1919); O Ritmo Dissoluto (1924) - modernismo

2. Segunda fase
- plenitude modernista
- Libertinagem (1930) - Estrela da manhã (1936)

3. Terceira fase
- maturidade/estabilidade criadora
- Lita dos cinqüent’anos (1940); Belo belo (1948); Mafuá do Malungo (1948); Opus 10
(1952); Estrela da tarde (1958); Estrela da Vida Inteira (1966)

“A cinza das horas” (1917)


● Aspetos formais: influência parnasiana e simbolista
● Versos: formas fixas de rima e métrica/ lirismo tradicional
● Aspetos temáticos (períodos de tuberculose): dor, doença, morte, solidão.

Comentário ao poema “Desencanto”:


Desencanto/metalinguagem e lirismo amoroso. Quase soneto (dois quartetos, um terceto e
um verso solto). Versos rimados e com rimas (eneassílabos/ rimas alternadas).
Função catártica (poesia associada à expressão dos sentimentos): visão romântica da
poesia/ representação do leitor.
Poesia associada à expressão da interioridade e à vida. Lirismo amoroso e fusão do lírico
com o biográfico (sofrimento, morte). Metalinguagem (poesia fala da poesia).

Comentário ao poema “Cartas do meu avô”:


Lirismo amoroso (ternura e sensibilidade). Quadras de heptassílabos (redondilha maior).

Comentário ao poema “Poemeto erotico”:


Forma - redondilha maior, irregularidade estrófica
Lirismo amorosos - metáforas sucessivas: celebra-se a paixão pelo corpo da amada: elogio
+ celebração entusiástica
Carácter sensual - reticências e carácter sinestético + pomo doirado
Metáforas ígneas (rosal queimado no estilo, brasa, chama)

“Carnaval” (1919)
● Aspetos formais: forte influência simbolista, afastamento do parnasianismo
● Formas métricas fixas
● Carácter irónico e impressionista
● Aspetos temáticos: recusa do parnasianismo, defesa de maior liberdade formal, uso
metafórico de símbolos, enaltecimento da música.

Comentário ao poema “Os Sapos”:


Notam-se as atitudes exibicionistas dos sapos (poetas parnasianos) e o seu deslumbre pela
luz (gostam de publicidade).
Metalinguagem irónica (aponta-executa ironicamente recursos): crítica ao sapo tanoeiro
(parnasiano).
Apropriação irónica do discurso parnasiano: Não há mais poesia, mas há artes poéticas.
Apropriação paródica do poema "Profissão de fé”, de Olavo Bilac.
Sapo cururu: poesia autêntica, despedida de artificialismo, moderna e popular (defesa da
poesia modernista).

Comentário ao poema “Alumbramento”:


Forma: versos octossilábicos e rimas alternadas). Nítida influência simbolista (reiterado uso
de símbolos que sugerem o objeto de desejo do sujeito poético). Fusão do lirismo e do
místico - reúne impulso erótico, emoção poética e êxtase místico. O termo alumbramento
será retomado mais tarde, em Libertinagem, para se referir à nudez feminina.

Comentário ao poema “Debussy”:


Forma: versos livres e brancos - antecipa a liberdade formal do modernismo brasileiro.
Música: repetições, anáfora, homenagem ao compositor francês - carácter simbolista.
Ternura: presença de uma imagem encantadora e uso de diminutivos.

“O Ritmo Dissoluto” (1924)


Marca a transição entre a tradição e a modernidade.
Métrica e léxico: versos livres, simplicidade, coloquialismo prosaico.
Temas: uma poesia participante e quotidiana com elementos populares, imagens brasileiras,
aspetos biográficos do autor.

Comentário ao poema “Gesso”:


Forma: versos livres e brancos
Metáfora: estátua representa a condição humana - viver é sujar, é murchar.
Fusão do lírico com o biográfico, humanização da estátua.
O elemento poético supera o prosaico/ elevação dos atos quotidianos relatados em
pequenas narrativas.

Comentário ao poema “Meninos carvoeiros”:


Forma: versos livres e brancos.
Representação social.
A língua do povo brasileiro desrespeita a gramática.

Comentário ao poema “Berimbau”:


Forma: predomínio de octossílabos.
Vocabulário amazonense: águas-pés, Japurá, igapós, purus.
Folclore: saci, Iara, cussaruim, boto - peixe que tira a virgindade das mulheres.
Musicalidade através do recurso a onomatopeias e paronomásias.
Poesia brasileira, versátil e bem-humorada.

“Libertinagem” (1930)
“Libertinagem é um livro de cristalização. Não da poesia de Manuel Bandeira […] mas da
psicologia dele (Mário de Andrade)”.
Aspetos formais: libertação dos modelos tradicionais; versos brancos; coloquialismo;
prosaísmo; versos livres.
Aspetos temáticos: cenas e imagens a retratar o Brasil; lirismo amoroso; aspetos
biográficos; liberdade alucinante.

Comentário ao poema “Pensão Familiar”:


Forma: verso livres e brancos.
Primeira estrofe: sequências descritivas; assonância; aspeto visual; carácter plástico.
Segunda estrofe: sequência narrativa; uso figurado (e ambíguo) do diminutivo; poema
prosaico x lirismo social.
Uso do diminutivo: gatinho, mijadinha, patinha x pensãozinha (afetividade x ironia) - crítica
aos costumes burgueses.
Crítica: não-refinamento da burguesia, ostentação de aparências, valorização do cotidiano.

Comentário ao poema “O Cacto”:


Poesia extraída do quotidiano. Poema inspirado num evento dela: um grande cacto,
arrastado pelo vento, caiu numa avenida.
Citações:
- Laocoonte, uma personagem da Eneida esmagados por serpentes.
- Conde Ugolino: personagens da história italiana, aparecem na Divina Comédia.
Morreu de fome junto com a sua família numa torre (canibalismo).
- Nordeste: aspereza, resistência, desespero, dor do drama humano, vegetal retorcido
pela dor que resiste.

Comentário ao poema “Mangue”:


Forma: versos brancos e livres.
Léxico ligado à oralidade popular.
Representação de um bairro carioca próximo do Porto, constituído de casas humildes e
cortiço. Proxenetismo e marginalidade.
Lascar Segall retrata o bairro.

Comentário ao poema “Poética”:


Metalinguagem: definição da liberdade temática e linguística na poesia (defesa da liberdade
de expressão poética).
Crítica ao Parnasianismo: comedido na contenção emocional e impassibilidade e às
formalidades da defesa da liberdade (anáfora: terceira estrofe) linguística e rítmica.
Crítica ao romantismo (namorador, político, raquítico, sifilítico) e a tudo aquilo que limita a
expressão poética defesa por um lirismo libertário (anáfora: reforço poético).

Comentário ao poema “Vou-me embora pra Pasárgada”


Poema da utopia - projeto de natureza irrealizável; ideia generosa, porém impraticável.
O locutor encontra-se numa situação privilegiada, de exceção - é amigo do rei.
Pasárgada é espaço de realização amorosa, ligar de aventuras inconsequentes (segunda
estrofe). Constitui um espaço em que o locutor tem proximidade com o poder.
Intertexto: subtil alusão à “Canção do Exílio" (aqui eu não sou feliz, lá a existência é uma
aventura).
A terceira estrofe apresenta o espaço utópico através do uso de verbos no futuro que
situam a vivência da utopia num tempo posterior ao vivido.
A utopia é a realização de atividades físicas, a ligação com a cultura popular, volta da
infância através de aspetos biográficos: nota-se subtil alusão à doença de Bandeira, que o
impossibilitava de realizar atividades físicas, por isso era necessário fugir do presente e
partir em busca do sonho.
A quarta estrofe continua a apresentação do espaço utópico: a utopia bandeirinha evidencia
atoleiros a incompatibilidade entre os anseios do sujeito poético e a situação de impotência
vivenciada e mostra porque é necessário partir para outra civilização.
A utopia oferece sexo livre e despreocupação com filhos, tecnologia, drogas-remédio —
sequência anaforica.
A quinta estrofe representa a metafísica bandeiriana. Encontra-se novamente. Uma subtil
alusão aos elementos que motivam a fuga do sujeito poético do presente trágico.
A morte (sempre presente na obra de Bandeira) aparece como consequência de uma
incontornável e angustiante tristeza. Essa tristeza emerge da situação de impotência em
que se encontra o sujeito poético, mas reflete também a fragilidade da condição existencial
de todo o ser humano que, dado às múltiplas impossibilidades do presente, acaba por
sonhar com um mundo no qual a realização dos seus desejos não encontrará obstáculos
(heranças barroca, romântica e simbolista).

Comentário ao poema “Evocação do Recife”:


- Memória afetiva e paisagem da cor brasileira (o lírico se sobrepõe ao histórico e ao
turístico).
- Imagens da infância + mitos familiares + quotidiano do Recife antigo
- Incorporação de elementos da cultura popular (cantigas de roda) + sinestesia (vozes
macias) + envolvimento
- Ver o fogo. Valorização do espaço e, branco da página + valorização das tradições
populares nordestinas (festas de São João/ “festas juninas”)
- A infância aparece como uma época idílica, na qual tudo é permitido + liberdade
formal + coloquialismo

Comentário ao poema “Pneumotórax”:


Neste poema-diagnóstico, o locutor aborda ironicamente o seu problema de saúde. Fusão
do eu-lírico com o eu-biográfico (com destaque no segundo verso) + ironia ao abordar morte
inevitável.
Último verso: o carpe diem é irónico e desiludido (a iminência da morte não dá origem à
autocomiseração).

“Estrela da manhã” (1936)


Publicado em 1936, Estrela da Manhã é o quinto livro de Manuel Bandeira. Contém 28
poemas, sendo 9 em versos livres, 16 metrificados (1 em francês) e 3 poemas em prosa.
Estrela da manhã apresenta vários temas, entre eles, os de mais importância, como a
morte, o quotidiano, o amor, a frustração decorrente dos desejos não realizados, a ironia, e
apresenta também os temas sociais e puros exercícios poéticos, como a “Balada das três
mulheres do sabonete Araxá”.
A imagem da estrela está relacionada do desejo amoroso, mas ao desejo amoroso
frustrado. O poeta procura pela estrela, mas não consegue encontrá-la nem tocá-la. O que
ele tenta dar a entender é que a Estrela é representada pela imagem de uma mulher.
Comentário ao poema “Estrela da Manhã”:
Metáfora da poesia bandeiriana (poesia, alumbramento, ideia de plenitude) + Vénus (deusa,
planeta): busca apaixonada por uma figura feminina capaz de revelar diversas facetas.

Comentário ao poema “Poema do Beco”:


O primeiro verso remete a espaços abertos (sugestão fónica: sons abertos + pequena
extensão). O segundo verso remete a espaços fechados (sugestão fónica: sons fechados +
pequena extensão).
Opção por uma poética que focaliza as coisas simples do quotidiano e que denuncia
problemas sociais.
Aspetos biográficos: Beco das Carmelitas, local frequentado pelo poeta, localizado no bairro
da Lapa, no Rio de Janeiro. Lapa epicentro da vida boémia desde a década de 1920:
Carmelitas/ Prostitutas/ Intratextualidade (o tema do beco volta em “Segunda canção do
beco” e em “Última canção do beco”).

Comentário ao poema “Tragédia Brasileira”:


Narração épica (texto em prosa e elementos da narrativa) + lírica (lirismo amoroso e
linguagem) + dramática (título e assassinato).
Texto elaborado a partir de uma notícia de jornal (trabalho poético: lugares e organdi azul +
desencontro dos amantes).
Intertextualidade entre a escrita poética e as notícias de jornal.

Comentário ao poema “Momento num café”:


Poesia extraída da vida quotidiana (uma simples cena de rua, a celebrar a morte, torna-se
poesia + compreensão dolorosa e resignada).
Paradoxo-materialismo (“saudava a matéria que passava liberta para sempre da alma
extinta”).
“Salpicos” do biográfico (temática recorrente + celebração da matéria liberta).

Comentário ao poema “Trem de ferro”:


- primeira estrofe: a repetição do trecho “café com pão” imita, onomatopaicamente, os
sons produzidos pelo trem de ferro.
- segunda estrofe: a repetição da vogal “i” (Virge Maria que foi isto maquinista) sugere
o som produzido pela campainha.
- terceira estrofe: o metro, com versos quadrissilábicos (muito curto) sugere que o
trem se desloca rapidamente pelos trilhos.
- O predomínio dos versos trissílabos sugere um aumento de velocidade no
deslocamento do trem; aliteração sugere os estouros na fornalha: “passa povo/
passa ponte/ passa poste/ passa pasto/ passa boi/ passa boiada”.
- “Quando me prendero no canaviá”… O uso do metro pentassílabo indica a
diminuição do ritmo. O uso da língua coloquial indica o lugar por onde passa o trem
(zona rural).
- Na última estrofe do poema, usa-se o metro de três sílabas = aumento de velocidade
(do comboio/trem). Anáfora da forma verbal “vou” = reforço de sentido repetitivo do
verso “pouca gente” (onomatopeia - barulho produzido pelo trem).
Macunaíma - o herói sem nenhum carácter (1928), por Mário de Andrade
● Surgimento da obra
Obra surgida após muitos anos de investigação sobre antropologia e cultos arcaicos das
tribos indígenas brasileiras. A publicação da obra Von Roroima sim Orinoco de Theodor
Koch-Grünberg inspirou Mário de Andrade a escrever Macunaíma de forma rápida (em 5-6
dias).
Subtítulo: “O herói sem nenhum carácter”- de facto, se a personagem Macunaíma não tem
um carácter entendido como valor moral, tem, pelo contrário, muitos caracteres, muitas
características, é muito rico. Tem uma função metonímica forte por representar os
brasileiros todos, correspondendo a uma pauta, um projeto almejado pelo modernismo
brasileiro: apresentar o Brasil aos brasileiros.

● Considerações
“Macunaíma” é uma obra inserida nas propostas da Semana de Arte Moderna de 1922.
Mário de Andrade, assim como outros modernistas, busca resgatar a imagem do Brasil,
sendo, portanto, uma obra com carácter nacionalista.
Esse nacionalismo não é dado da mesma forma que o nacionalismo dos escritores do
romantismo, que usavam a figura idealizada do índio. Em Macunaíma, o nacionalismo tem
um carácter crítico e a figura do indígena aparece causando uma reflexão sobre o que é ser
brasileiro.
Pretendia-se criar uma literatura brasileira, resgatando a brasilidade através das lendas e
folclores de raiz latino-americana (principalmente indígenas), e moderna. O carácter
“moderno” da obra se dá principalmente através do aspeto formal do texto, com uma
linguagem coloquial, que foge da norma culta e de qualquer erudição vazia.
Outro ponto a destacar é que o estranhamento causado pela leitura de “Macunaíma” muitas
vezes se deve ao distanciamento que temos das lendas e folclores latino-americanos.
Obra inovadora pela escolha do tema, pela construção do protagonista, um herói às
avessas que provoca uma ruptura com a imagem idealizada do indígena do Romantismo
brasileiro: Peri do Guarani de José de Alencar (o nativo enquanto homem honrado, ideal
antepassado dos habitantes do Brasil).
Novidade pelo uso de fontes não académicas (folclore/tradições e histórias tribais).
Novidade no uso de uma língua coloquial que desafia o leitor.

● Uma Rapsódia
Qual é o género literário de Macunaíma? A obra foge a uma classificação. Romance que
conta a vivência do sujeito (homem moderno?
Rapsódia? Macunaíma é um herói épico?
A obra é um conjunto de pequenas narrativas de cariz lendário-mitológico que compõem
uma grande narrativa marcada pela oralidade, que expressa histórias mitológicas.
Macunaíma é uma obra considerada satírica, considerando o protagonista um indivíduo
que, de indigena passa a morador branco da cidade, mas enquanto indígena contrapõe-se
à representação idealizada feita por José de Alencar (O Guarani, romance): os “índios
submissos” aos europeus que não correspondem ao perfil de Macunaíma.
Macunaíma é o protagonista da obra, um herói que contraria os estereótipos respeitantes
aos heróis tradicionais: nasce nas margens do Uraricoera , rio da Amazônia, tem dois
irmãos Maanape e Jiguê, ele é o caçula.
Umas orações caraterísticas da personagem é "Ai que preguiça!", ele gosta de "Brincar" =
ter relações sexuais com as mulheres.
Macunaíma envolve-se com Sofará, a esposa do Jiguê.
Macunaíma não é bom nem é mau: manhoso (cheio de artimanhas), esperto, tem
qualidades supranaturais, tal como os heróis épicos, os deuses épicos, pois ele passa por
diversas metamorfoses, como quando se banha na poça deixada pela pegada de Sumé.

● Capítulo 1: Macunaíma
Macunaíma nasceu negro e feio. Foi parido pela índia tapanhumas no Uraricoera. Ele
permaneceu seis anos sem falar, por pura preguiça. Desde pequeno já vivia na
malandragem e era louco por dinheiro e pelas mulheres. Os sonhos do protagonista tinham
sempre um teor imoral. Ele vivia distante dos princípios morais.
Ao completar seis anos, o herói ganhou água em um chocalho e a partir daí passou a falar
sem problemas. Ele tinha dois irmãos: o idoso Maanape, feiticeiro, e Jiguê, homem vigoroso
que vivia na companhia de Sofará. Um dia, a mãe de Macunaima não quis acompanhar o
filho em um passeio e pediu que a nora fosse em seu lugar. Na mata, o protagonista
transformou-se em um belo príncipe e brincou com ela. Depois disso, bastava ele
choramingar que a cunhada o acompanhava na caminhada.
Macunaíma inventou de fazer uma armadilha oculta para apanhar uma anta. Assim, ele
obteve a caca antes de Jiguê, mas este, no momento de dividir a carne, reservou apenas
tripas ao herói. Este
ficou furioso e quis vingar-se. No dia seguinte, o irmão dele flagrou Macunaíma com Sofará
no mato. Bateu no herói e devolveu a companheira para a família dela.

● Capítulo 2: Maioridade
Jiguê arranja outra mulher, Iriqui. Assim que a carne de anta foi devorada, a tribo ficou
faminta. Maanape decidiu caçar um boto, mas o pai do animal, Maraguigana, enfureceu-se
e enviou uma enchente para dar fim ao milharal.
Macunaíma teve uma ideia. Ele iludiu sua mãe, pediu que ela cerrasse os olhos e, quando
ela os abriu de novo, os dois estavam na outra margem do rio, rodeados de alimentos
fartos.
Mas a índia quis levar uma parte da refeição para os outros filhos. O protagonista ficou com
raiva e transportou-os mais uma vez para a velha casa. Voltaram a sofrer fome.
Para castigar o herói, a mãe deixou-o sozinho no meio do mato. Após uma semana sem
rumo, ele encontrou o Curupira. Ele deu-lhe um pedaço da própria perna para comer e
depois passou a caçar o herói, sempre guiando-se pela sua carne, ingerida por Macunaíma;
essa carne respondia aos apelos do Curupira e denunciava a localização do protagonista.
Macunaíma libertou-se do monstro ingerindo lama e vomitando a carne.
Logo em seguida, Macunaíma encontrou a Vó Cotia, que fabricava farinha. Ela deu-lhe de
comer, mas ao saber do que ele havia aprontado com a família, derramou caldo
envenenado de aipim (mandioca) no corpo dele e assim Macunaíma cresceu. Apenas a
cabeça não foi atingida pela substância, permanecendo em estado infantil.
Macunaíma voltou para a tribo e passou a brincar com Iriqui. Jiguê descobriu tudo, mas
perante o novo corpo do irmão, agora vigoroso, decidiu não criar problemas. Macunaíma
ameaça vingar-se da mãe. Sem querer, ele ao caçar mata uma veada que tinha acabado de
dar à luz; ao aproximar-se, vê a própria mãe morta. Ele e os irmãos, após muito sofrer,
enterraram o corpo sob uma pedra no Pai da Tocandeira. Os irmãos e Iriqui decidiram sair
mundo afora.
● Capítulo 3: Ci, a Mãe do Mato
Na nova jornada, os quatro se deparam com Ci, Mãe do
Mato. Macunaíma logo quis brincar com ela, mas a icamiaba despertou e confrontou o
herói. Após levar a pior, ele recorreu aos irmãos, os quais deram um golpe na cabeça dela.
Macunaíma brincou com ela enquanto a mesma estava inconsciente. Ele tornou-se o novo
Imperador do Mato-Virgem. Seis meses passaram e Ci deu à luz um filho de pele vermelha.
Uma noite, Macunaíma embebedou-se e não olhou pela sua esposa. A Cobra Preta chegou
e sugou o leite do único seio ativo de Ci. O bebê mamou no mesmo peito e morreu
envenenado.
Após o sepultamento do bebé, Ci retirou de seu colar um muiraquitã célebre e presenteou
Macunaíma com essa pedra. Depois ela ascendeu aos céus por meio de uma corda - a Mãe
do Mato converteu-se em estrela, a Beta do Centauro. Na cova do filho brotou o guaraná.

● Capítulo 4: Boiúna Luna


O herói partiu com seus irmãos, com a muiraquitã nos lábios furados. Ele embarcou em
mais uma aventura ao enfrentar a boiúna Capei (cobra-grande). Ela morava sob uma pedra
que, antes, era uma bela jovem. Macunaíma derrotou a serpente e a cabeça dela começou
a persegui-lo. Ele e os irmãos se ocultaram em uma choupana até descobrir que Capei só
os seguia porque se tornara escrava deles. Capei se transmita na cabeça da lua.
Macunaíma descobre que perdeu a Muiraquitã. Um uirapuru (ave) encontra-o arrasado e
conta que a jóia já foi parar nas mãos de um mercador peruano chamado Venceslau Pietro
Pietra. O proprietário desse objeto mágico enriqueceu, tornou-se fazendeiro e reside em
São Paulo. Macunaíma decidiu ir para a metrópole atrás do amuleto e os irmãos
acompanharam-o.

● Capítulo 5: Piaimã
Antes de ir para São Paulo, Macunaíma deixa a sua consciência na ilha de Marapatá. Ele
toma banho numa água mágica e a sua pele fica branca, os olhos azuis e os cabelos loiros.
Jiguê também decidiu banhar-se na piscina natural, mas como o irmão já tomou banho nela,
o máximo que ele consegue é obter a cor do bronze. Maanape fica com o restinho da água
e só molha a palma das mãos e dos pés. Eles pretendem sustentar-se com o cacau, mas
ele não vale como moeda de troca em São Paulo.
Macunaíma teme ter que arranjar um emprego. Na primeira noite nessa cidade, o herói
dorme com três prostitutas brancas. A princípio, o herói fica desnorteado, principalmente ao
conhecer as máquinas, que ele confunde com os ruídos dos animais na floresta. Ele e os
irmãos hospedaram-se numa pensão. Jiguê é convertido em telefone e faz uma ligação
para os cabarés, pedindo lagostas francesas.
O herói que Pietro Pietra é o gigante Piaimã, que come as pessoas e vive com a Caapora.
Na primeira vez em que eles se encontram, o titã mata Macunaíma com uma flechas e
fatia-o em partes pequenas. Maanape, auxiliado por uma formiga e um carrapato, consegue
trazer o protagonista de volta à vida. Depois de ingerir guaraná, o herói fortalece-se. Ele
prepara-se para desfilar o gigante e obtém uma arma, muitas balas e uísque.

● Capítulo 6: A francesa e o gigante


Macunaíma disfarça-se de francesa e vai a um encontro com o gigante. Piaimã tenta
seduzi-lo; ele aproveita-se e pede para ver a muiraquitã. Pietro Pietra mostra-lhe a pedra.
Ele diz à falsa francesa que adquirira a jóia da própria imperatriz das icamiabas. Depois,
Venceslau quis brincar com a francesa e o herói fugiu pelo jardim. Piaimã seguiu-o e
prendeu-o numa casa. Macunaíma conseguiu libertar-se e foi caçado por Xeréu, o cachorro
do gigante. Macunaíma acabou por parar na Ilha do Bananal. Num formigueiro, o animal
deixou-o sem saída. Piaimã tentou de tudo para o tirar daí, mas o herói resistiu. Só
conseguiu fugir quando teve a ideia de tirar toda a roupa e jogar pela entrada do seu
esconderijo. Quando já não restava mais nada, ele ofereceu o próprio órgão genital. Cego
pela fúria, o gigante não perdeu o ardil e lançou o mais longe possível o falo dele, com
Macunaíma junto. Ele retornou para São Paulo.

● Capítulo 7: Macumba
Para derrotar o gigante, Macunaíma vai para o Rio de Janeiro e procura um terreno de Exu,
comandado por Tita Ciata, negra velha ancestral e mãe-de-santo. Uma meretriz dá
passividade a Exu e o protagonista é escolhido como filho dessa entidade. Macunaíma
pede a oportunidade de vingar-se do gigante. O ente espiritual concede-lhe a realização
desse desejo e o corpo da prostituta passa por inúmeros sofrimentos e martírios;
simultaneamente, Piaimã é submetido à mesma tortura. Aí Macunaíma prova cachaça pela
primeira vez.

● Capítulo 8: Vei, a Sol


Após a macumba, Macunaíma encontra a árvore Volumã. Para se vingar de uma trapaça do
herói, ela atira-o para uma pequena ilha deserta. Aí, enquanto ele dorme, um urubu faz as
suas necessidades sobre a cabeça dele. Ao acordar, Macunaíma desejou partir para o céu,
mas ninguém quis levá-lo, pois ele fedia. Somente Vei, a Sol, aceitou o herói e ordenou às
suas três filhas que o deixassem bem limpo. Vei pretendia convencer o protagonista a
casar-se com uma delas; ele ganharia a Europa, a França e a Bahia. Mas deveria ser fiel à
esposa. Macunaíma aceita e promete fidelidade, mas não consegue cumprir seus
propósitos. O preço que Vei lhe impõe é perder a fonte da juventude eterna, que seria seu
presente de casamento. O monstro Mianiquê-Teibê tentou devorar Macunaíma, mas acabou
comendo a jovem que brincava com o herói.

● Capítulo 9: Carta pras icamiabas


De volta a São Paulo, Macunaíma escreve uma carta para as icamiabas em estilo clássico,
descrevendo tudo o que encontrou nessa cidade e pedindo a elas que enviem mais
recursos financeiros. Conta também que está prestes a resgatar a muiraquitã.

● Capítulo 10: Pauí-Pódole


O gigante cura-se da surra e repousa sobre a muiraquitã. O herói anda por São Paulo e
durante as festas do Dia do Cruzeiro ele discursa narrando o mito nativo do Pai do Mutum,
ou Pauí-Pódole, o autêntico Cruzeiro do Sul.

● Capítulo 11: A velha Ceiuci


Macunaíma inventa histórias de caçadas fartas ao frustrar-se em uma tentativa de apanhar
uma caca melhor no Bosque da Saúde. Todos descobrem a mentira, confessada por ele
mesmo. Depois disso, ele revida implicando os irmãos numa brincadeira em via pública.
Tudo termina mal quando o herói quase é levado para a prisão. Ele foge. Numa disputa com
Chuvisco, Macunaíma é derrotado ao tentar assustar o gigante. Então, ele vai pescar no
Tiete e cai na rede de Ceiuci, esposa de Piaimã. Ele é deixado na
sala da casa do gigante enquanto a mulher vai preparar tudo para o assar. Mas a filha
caçula de Ceiuci encontra-o e esconde-o no quarto dela, onde os dois começam a brincar.
No fim da história ele teve que fugir da velha. Nessa fuga, passa por inúmeras aventuras e
por boa parte do país. No fim o tuiuiú virou avião e trouxe-o de volta para São Paulo. A filha
caçula do gigante transforma-se em cometa.

● Capítulo 12: Tequeteque, chupinzão e a injustiça dos homens


Macunaíma fica com sarampo, mas é curado. O gigante vai para a Europa com seus
familiares. Macunaíma faz de tudo para ir também, como pintor, com a pensão do governo,
mas seus planos são frustrados. Ele cai no golpe do mascate e fica sem dinheiro. O herói
testemunha uma cena que considera injusta, protagonizada por um pequeno tico-tico e um
chupinzão. O protagonista é enganado por um macaco, crê que pode quebrar os próprios
testículos para comer e morre. Seu corpo é conduzido para a pensão, onde Maanape o
ressuscita de novo. Esse mesmo irmão dá um jeito de ajudar Macunaíma a ganhar no bicho
o tempo todo.

● Capítulo 13: A piolhenta do Jiguê


Macunaíma apanha erisipela e os
irmãos cuidam dele com medicamentos indicados pelos brasileiros. Jiguê conquista uma
nova companheira, Suzi.
Macunaíma logo passa a brincar com ela e o irmão começa a suspeitar. Ele acaba
flagrando os dois amantes e bate em ambos. Reclusa em seu quarto, a jovem se distrai
catando piolhos; entre traições e flagrantes, Jiguê manda-a embora e ela decide morar no
céu; torna-se a estrela que pula.

● Capítulo 14: Muiraquitã


Piaimã retorna da Europa. Macunaíma passa a vigiar a casa dele, e narra a bela história da
onça Palauá e do automóvel. Numa ocasião, o gigante apanha o próprio motorista do táxi
em que o herói tinha vindo e lança-o numa panela de ferro com macarrão fervente.
Macunaíma, que teria a mesma sorte, resolve ludibriar o gigante. Ele inverte o jogo e lança
o gigante no tacho. O odor intenso deixa o herói inconsciente. Ao despertar, ele vê Piaimã
sem vida. Então o protagonista resgata a muiraquitã e retorna para a pensão.

● Capítulo 15: A pacuera de Oibê


Os irmãos voltam para suas terras. No caminho pelo Araguaia, o exército de passarinhos
saúda o herói, que volta a assumir o titulo de Imperador do Mato-Virgem. Macunaíma
resgata Iriqui, a sua companheira. Ele encontra Mapinguari, macaco-homem que adora
acariciar maliciosamente as jovens e que o confunde com uma mulher, só o deixando partir
após ver o seu órgão genital; o herói cruza o seu caminho com o monstro Oibê, o minhocão
pavoroso que o hospeda. No momento da refeição, ele nega a Macunaíma um pedaço de
pacuera. O protagonista ilude-o e rouba-lhe a caça. Oibê persegue-o mato afora. Na fuga
Macunaíma transforma um pé de carambola em princesa, volta para a companhia dos
irmãos e de Iriqui, que fica com ciúmes da outra mulher, pois agora o herói só queria
namorar a princesa. Oibê transforma-se em cachorro-do-mato. Iriqui vira estrela no céu.

● Capítulo 16: Uraricoera


O grupo chega ao rio Uraricoera, a terra natal. Depois, acham a choupana antiga. O herói
adoece por estar com malária. Todo mundo foi para o trabalho, menos ele, que voltou para
a ilha de Marapatá à procura da sua consciência na foz do Rio Negro. Ele não a encontrou
mais mas apropriou-se da consciência de um latino-americano e partiu feliz.
O bruxo Tzaló, que só tinha uma perna, escondia um tesouro, uma cuia mágica; era só
afundar esse recipiente no rio e depois virar na praia; dela emergiam muitos peixes, que
surgiam do nada. Jiguê furtou essa cabeça e retornava para a cabeça todos os dias com
uma grande quantidade de peixes. Macunaima percebeu qual era a magia do irmão e, sem
que ele soubesse, realizou o mesmo feito, mas perdeu a cuia.
O feiticeiro Caicãe possuía uma viola mágica; sempre que a tocava, as caças
acumulavam-se diante dele. Jiguê apossou-se desse instrumento e depois o herói roubou-a
dele. Na hora da caçada, ele se acovardou diante de tantos animais e fugiu. Na corrida,
Macunaíma danificou a viola.
Jiguê fica revoltado e decide não caçar nem pescar. Todos ficam com fome. O herói decide
partir para o revide. Ele lança um feitiço sobre um anzol, um dente de sucuri. Seu irmão não
resiste à tentação e apanha o objeto. O dente afunda em sua mão e aí lança o seu veneno.
A lesão consome Jiguê gradualmente até só lhe restar a sombra. A princesa, já interessada
nele, resolve vingar-se de Macunaíma. A sombra de Jiguê envenena o herói, mas ele
livra-se do veneno ao contagiar tudo e todos à sua volta.
Jiguê, enfurecido, decide engolir todos. O seu objetivo maior era Macunaíma, mas ele
consegue evitar esse fim. Maanape e a princesa são devorados pela sombra de Jiguê.

● Capítulo 17: Ursa Maior


O herói passa a sofrer com a solidão em sua choupana.
Todos partiram, até os papagaios que sempre estavam ao seu lado. Só restou um, o aruaí.
É para ele que o protagonista conta
toda sua história. Mas, no fim, até esse pássaro parte. Para aliviar o isolamento,
Macunaíma decide brincar com a Uiara no fundo de uma lagoa. Mas, nesse embate, ele
perde partes do corpo e a muiraquitã. O protagonista reencontra tudo, menos a pedra e a
perna. O herói sobe ao céu por um cipo, mesmo sem a perna. Só leva com ele uma gaiola
com o casal de galinhas que trouxera de São Paulo. O herói encontra a lua, pediu que o
abrigasse, mas ela recusou guarida. Enfurecido, ele bateu no rosto da lua. Foi então
procurar a estrela-da-manhã, porém a mesma também o rejeitou. Então Macunaíma foi
pedir ajuda a Pauí-Pódole, o Pai do
Mutum. Embora essa entidade gostasse muito dele, não
pode acolhê-lo. Com pena do protagonista, ele inventou
uma mágica e transmutou Macunaíma e seus bens na
Constelação de Ursa Maior.

● Epílogo
Um dia, um homem passou pelo Uraricoera, agora uma terra desabitada.
Uma voz chegou aos seus ouvidos. Tratava-se do aruaí (papagaio) para quem Macunaíma
contara sua história.
A ave reproduziu toda essa saga para o viajante e depois partiu para Lisboa. O ouvinte era
o escritor Mário de Andrade, que retratou essas aventuras neste livro.
Carlos Drummond de Andrade
“Estado da arte” do modernismo brasileiro em 1930
- revisão crítica do passado histórico-cultural
- visão crítica e irónica da existência humana
- análise do ser humano e das suas angústias
- preocupação filosófica e religiosa
- vontade de compreender o relacionamento entre o indivíduo e a sociedade
- retomada de formas poéticas da tradição

Biografia de Carlos Drummond de Andrade


- 31 de outubro de 1902: nasce em Itabira do Mato Dentro (MG). Nono filho de Carlos
de Paula Andrade (fazendeiro) e D. Julieta Augusta Drummond de Andrade
- 1910: inicia o curso primário em Belo Horizonte, onde conhece Gustavo Capanema
e Afonso Arinos de Melo Franco
- 1918: aluno interno do colégio Anchieta da Companhia de Jesus em Nova Friburgo:
é laureado em “certames literários”
- 1919: expulso do colégio Anchieta por “insubordinação mental”
- 1920: mudança para Belo Horizonte
- 1923: entra para a escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte
- 1924: inicia a correspondência com Manuel Bandeira. Conhece Blaise Cendrars,
Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Mário de Andrade (correspondência
epistolar com o último).
- 1925: conclusão do curso de farmácia e fundação de A Revista; casamento com
Dolores Dutra de Morais
- 1927: nasce o filho Carlos Flávio, que falece meia hora depois, por complicações
pulmonares.
- 1928: ingresso no funcionalismo público; é auxiliar de redação da revista do Ensino
da Secretaria de Educação; auxiliar de redação/ redator do Minas Gerais; nasce a
filha Maria Julieta
- 1929: auxiliar de Redação do Minas Gerais, órgão oficial do Estado
- 1930: publicação de Alguma Poesia
- 1933: chefe de Gabinete do Presidente de Minas Gerais, Gustavo Capanema
- 1934-1945: mudanças para o Rio de Janeiro. É chefe de gabinete de Gustavo
Capanema, novo ministro da Educação e Saúde Pública
- 1934: publicação de Brejo das Almas
- 1940: publicação de Sentimento do Mundo
- 1942: publicação de Poesias (José)
- 1945: saída do Ministério da Educação para o IPHAN (Instituto do Património
Histórico e Artístico Nacional)
- 1945: publicação de A rosa do povo
- 1962: aposentadoria
- 1975: homenagem da revista Veja
- 1987: homenagem da escola de samba da Mangueira (primeira classificada)
- 1987: morte no Rio de Janeiro.
Poética de Drummond
Marcada por três momentos:
● Eu maior que o mundo - marcada pela poesia irónica (euforia)
● Eu menor que o mundo - marcada pela poesia local (disforia)
● Eu igual ao mundo - incorpora a poesia metafísica
Características principais da sua escrita: ironia, poesia metafísica e social, elaboração
linguística, cepticismo.

Itinerário Drummond — Primeira Fase:


- 1930: Alguma Poesia
- 1934: Brejo das Almas
- Individualismo
- Pessimismo
- Eu “gaúche”

“Alguma Poesia”, 1930


“Cidadezinha qualquer”

Lirismo metafísico: visão irónica e corrosiva do mundo.


Aspetos formais: as repetições a evocarem anáforas sugerem a monotonia da vida na
cidadezinha.

“Poema de sete faces”

Um processo criativo clubista leva o “eu” lírico a mostrar as suas sete faces:
1. Face Gauche: a de um outsider
2. Face libidinosa: a dos homens “que correm atrás das mulheres”
3. Face seria: a do homem do bigode
4. Face intelectual: a dos óculos do homem do bigode
5. Face religiosa: a da invocação a Deus
6. Face sentimental: a do coração maior que o mundo
7. Face lírica: a da comoção
Aspetos ligados ao modernismo: uso do prisma do cubismo na redação do poema, versos
livres e brancos, uso da paródia.
Elementos parodiados: a Bíblia (primeira e quinta estrofes), o parnasianismo (a rima de
Raimundo, o parnasiano Raimundo Correia) e o discurso romântico (sétima estrofe). O
poema tenta definir o seu “eu” lírico.

“No meio do caminho”


Aspetos formais: versos livres e brancos/ versos prosaicos/ abuso de anáforas.
Aspetos temáticos: referência ao poema “Nel mezzo del cammin”, de Olavo Bilac. Paródia
na forma de poema piada, a contestar o passadismo dos Parnasianos.

“Quadrilha”

Visão irónica do amor. Título metafórico, pois o amor é desencontro e interesse (sexual e
financeiro).
“Poesia”

Metalinguagem (poema que fala de poesia).


Aproximação à estética romântica.
Poesia como epifania: revelação, inspiração, sentimento, estado de espírito.

“Política Literária”

Ironia sobre as disputas literárias na vista social. Não se trata de metalinguagem, pois o “eu”
lírico não escreve sobre a criação poética.

“Sentimental”

Este poema foi declamado na conferência “Poesia Moderníssima do Brasil”, realizada no


curso de férias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pelo professor da
cadeira de Estudos Brasileiros, dr. Manoel de Souza Pinto, no contexto de difusão da
literatura brasileira nas Universidades Portuguesas. No entanto, como foi declamado na
época salazarista, deixa a pensar sobre o último verso.
“Brejo das almas”, 1934
“Registro civil”

Drummond surrealista (no poema Registro Civil e as suas imagens incómodas). A mulher é
vista como geradora de ilusões e contribui para o pessimismo para com a vida. “Registro
civil” diz de uma que engole os seus namorados.

“Hino Nacional”

A começar pelo próprio título, alude claramente ao hino nacional brasileiro, à diferença que,
enquanto este fica apenas no discurso acrítico e meramente laudatório (as crianças são
forçadas a cantar sem serem convidadas pelo professor a fazerem uma reflexão acerca da
letra da música), aquele esforça-se para, através dos questionamentos lançados, trazer
alguma luz à ideia do Brasil.
António Cândido: a literatura brasileira, bem como as latino-americanas, diferentemente das
europeias, é eivada desse “empenho”, desse comprometimento com a construção de uma
nação.
Afrânio Coutinho: no modernismo existe o “problema da valorização da realidade brasileira”.

Itinerário Drummond — Segunda fase:


- 1940: Sentimento do Mundo
- 1942: José
- 1945: A Rosa do Povo

“Sentimento do Mundo”, 1940


“Confidência do Itabirano”

Memória afetiva/ aspeto biográfico. O ferro é a metáfora da condição do mineiro: duro,


pesado, resistente e frio. A pedra de ferro, São Benedito, o couro de anta são metonímia de
Itabira. Apresentação de uma série de antíteses: “vontade de amar” vs “hábito de sofrer”. Os
antigos terratenentes que se tornam burocratas. O país modernizou-se mas esqueceu as
pequenas terras, como Itabira (dela fica só uma fotografia na parede).

“Sentimento do Mundo”
Temas: poesia social; impotência; impasse.
Angústia do “eu” lírico perante a eclosão do segundo conflito mundial, evidenciado no último
verso: as trevas da noite que iniciam o dia.
Aspetos formais: versos livres/ o uso da repetição evidencia o discurso poético.

“Os inocentes do Leblon”

Crítica à burguesia da zona sul do Rio de Janeiro. O bronzeador (óleo) simboliza a


degradação ética da classe alta do Brasil.

“Mãos dadas”
O poema celebra a solidariedade utópica e festiva entre seres humanos. O poeta rejeita a
influência do mundo moderno na sua obra, preferindo focar no coletivo e na solidariedade
em detrimento do individualismo. Em “Mãos Dadas”, Drummond afirma que não será um
poeta que romantiza um mundo ultrapassado, nem tampouco um que projeta um futuro
idealizado. Por outras palavras, ele não é arcaico nem inventivo.

“Congresso internacional do medo”


Este poema está estruturado numa única estrofe de onze versos livres, cujo tamanho varia.
Percebe-se, ainda, a quantidade de lexemas do campo semântico dos sentimentos (“amor”,
“ódio”, “medo”) que se distinguem entre si no contexto do poema é observamos que a
palavra “medo” prevalece. O título do poema sugere que o medo não é um sentimento
específico do Brasil, mas também do mundo inteiro. O medo para o poeta é universal.
Trata-se de um medo de tal força que esteriliza os braços (força humana), pois o mundo
está em pleno caos, com ditadores, soldados, mortes e esses fatores deixam as pessoas
desequilibradas e apavoradas.

“José”, 1942

“José”
O poema apresenta uma perspetiva pessimista do quotidiano, cujo tema central é a solidão
humana e a sensação de falta de lugar no mundo. A obra revela uma angústia profunda
pela vida, caracterizada por questionamentos e impasses.

“O Lutador”
Métrica: redondilha menor.
Na primeira estrofe aparecem versos de cinco sílabas poéticas com acentos na segunda e
quinta. A seguir, cria-se uma narrativa, a evocar um conto mantendo um “eu” lírico.
Na segunda estrofe continuam as tentativas infrutíferas de parte do poeta em subjugar a
palavra.
Na terceira estrofe o “eu” lírico assume características descritivas, próximas do
Parnasianismo.
Na quarta estrofe as palavras ganham forma, corpo e a lide poética torna-se um combate de
cariz erótico.
Na quinta estrofe o “eu” lírico assume uma postura idealista “clássica”, uso da fala do
quotidiano.
Na sexta estrofe o “eu” lírico entra em devaneio e vislumbra o seu triunfo sobre a palavra,
percebendo que afinal tudo não passa de uma mera ilusão.
Metalinguagem.
A repetição de vocábulos, além de completar o número de sílabas dos versos, traduz um
sentido de exasperação, como se o poeta se irritasse e ao mesmo tempo sentisse um
superior prazer em se atirar à luta.

Poesia social em Drummond


A poesia do autor ganhar novos caminhos por meio do seu compromisso social e da sua
solidariedade com o homem contemporâneo, frequentemente vítima de guerra e ditadura.
Na sua obra, Drummond denúncia a estultícia do mundo, a instabilidade e a pobreza moral,
mental e material.

“A Rosa do Povo” - temáticas dos poemas


- poesia social (povo)
Carrego Comigo e Movimento da Espada — culpa de responsabilidade moral
O Medo — o registro da ordem política injusta
A Flor e a Náusea, Nosso Tempo, Áporo, Noite e na Repartição — mudança de perspetiva
Carta a Stalingrado, Visão 1944, Telegrama de Moscou — celebração de uma nova ordem

- reflexão existencial (eu e o mundo)


Anoitecer — solidão, angústia e incomunicabilidade
Desfile — fluir do tempo
Passagem do Ano — balanços de existência
Morte no Avião — reflexão sobre a morte

- metalinguística (poesia sobre a própria poesia)


Consideração do Poema, Procura da Poesia — poesia e poesia antagónica

- o passado
Como um Presente — projeção do passado

- o amor
O Mito
Caso do Vestido

- o quotidiano
A Morte do Leiteiro
Caso do vestido

- celebração dos amigos


Mário de Andrade desce ao inferno
Canto do homem do povo Charlie Chaplin

- paródia
Nova Canção do Exílio

Comentário ao poema “A Flor e a Náusea”:


Nota-se no poema um “eu” lírico mergulhado num mundo sufocante, em que tudo é
igualada a mercadoria, tudo é tratado como matéria de consumo. Em meio a essa angústia,
a existência corre o risco de mostrar-se inútil, insignificante, o que justificaria a náusea, o
mal estar. Tudo torna-se baixo, vil, marcado por “fezes, maus poemas, alucinações”.

Comentário ao poema “Cidade Prevista”:


No poema, o “eu” lírico dirige-se aos poetas como “irmãos” com o intuito de instigá-los a
cantar sobre o mundo futuro. O título do poema remete à ideia de uma cidade idealizada
como espaço de igualdade entre os homens, conforme a utopia socialista, aliada a reflexões
existenciais e ao contexto político-social da ditadura Vargas e da Segunda Guerra Mundial,
permeia toda a obra “A Rosa do Povo”. No poema em questão, há uma mescla de
elementos da poética tradicional, expressa em versos isométricos, e da poética modernista,
marcada pelo uso do verso livre. Os versos, na sua maioria, possuem sete sílabas poéticas
(redondilhas maiores), exceto pelos versos 12 e 13, que possuem oito sílabas poéticas
(octossílabos).

Itinerário Drummond - Terceira fase:


- 1948: Novos Poemas
- 1951: Claro enigma
- 1954: Fazendeiro do ar
- 1959: A vida passada a limpo
- 1962: Lição das coisas

- poesia metafísica: o mundo mostra-se como um vazio angustiante, eliminando


qualquer fé e rejeitando toda a hipótese de esperança.
- “poesia objectual”
- fase final.

“Claro enigma”, 1951

Comentário ao poema “Sonetilho do falso Fernando Pessoa":


O termo “sonetilho” é uma alteração diminutiva do lexema “soneto”, pois todos os versos do
poema correspondem a versos hexassílabos (seis sílabas poéticas); a sílaba forte é a sexta
sílaba, tal como nos decassílabos dos sonetos heróicos (sílabas fortes nas sextas e
décimas do verso).
Neste poema publicado em 1951, Drummond demonstra conhecer a poética de Fernando
Pessoa,cuja fortuna crítica começou a ultrapassar as fronteiras de Portugal a partir da
década de 1940. Drummond apodera-se do fazer poético de Pessoa meu “outrar-se”
(terceiro verso “peles que visto” = “máscaras”… que não precisam passar pela experiência
factual para fazer arte, conforme Pessoa.
Nota-se a citação da obra de Goethe Fausto e do Diabo (Mefisto), personagens da obra
surpreendida em conversa íntima (oaristo); clima paródico: confusão entre múltiplas
personagens (Drummond é o “falso Pessoa”).
O sujeito poético não se deixa decifrar.

Fazendeiro do ar & poesia até agora, 1954


Comentário ao poema “O enterrado vivo”:
O poema retrata a angústia e o sofrimento do eu-poético, que não se sente feliz com seu
modo de vida atual. Desde o título até o último verso, o autor leva o leitor a sentir a agonia,
a indecisão e a tristeza do personagem.
O título sugere a sensação de estar enterrado vivo, como se a pessoa não estivesse
realmente vivendo e não conseguisse aproveitar o que a vida tem a oferecer. O paralelismo
sintático presente em todos os versos, iniciando com um adjunto adverbial de tempo e
terminando com o sujeito, reforça a ideia de que o personagem está fechado em si mesmo,
sem possibilidades de mudança.
O eu-poético parece estar em um estado de hipersensibilidade, assustado com os
obstáculos da vida e sem forças para lutar. O mundo parece hostil e nada o agrada,
levando-o a aceitar o rótulo de derrotado e a ter menor resistência aos embates da vida. O
poema mostra a importância de destruir os simulacros que nos cercam para enfrentarmos a
vida com coragem e mantermos a fé em nós mesmos.

Comentário ao poema “Conclusão”:


Neste soneto, composto por versos decassílabos que alternam entre rimados e não
rimados, Carlos Drummond de Andrade discute o conceito de poesia, ou melhor, o que ela
não é - apenas palavras soltas como "coxa, fúria, cabala" que servem para nomear objetos.
O próprio belo, de acordo com o poeta, não é poesia.
Através de uma abordagem negativa, o poeta sugere que apenas o que pode ser
verbalizado se configura como poesia, expressão que surge de um "ressentido" a observar
o mundo, em busca das suas peculiaridades. Drummond desafia a noção tradicional de
poesia como algo que deve ser belo, e em vez disso, sugere que a verdadeira poesia é
aquilo que é expresso de forma sincera e autêntica.

Poesia “Objectual”
O poeta promove uma radicalização das estruturas que sempre caracterizaram a sua
escrita, incorporando agora uma exploração dos elementos materiais da palavra, além da
sua preferência pelo prosaico, irónico, contra a retórica e a lírica académica.

“Lição de coisas”, 1962

Comentário ao poema “Destruição”:


O poema adota a forma de um soneto com algumas rimas toantes irregulares. Os seus
versos decassílabos possuem acentuação forte na sexta sílaba, o que intensifica a
perceção das antíteses presentes na obra, frequentemente separadas pelos acentos dessa
sílaba, como em "Os amantes se amam cruelmente" e "Dois amantes que são? Dois
inimigos". Além disso, há uma aliteração marcante no uso excessivo de sons nasais /m/ e
/n/ por todo o poema, o que compensa estruturalmente a falta de rimas.
A ideia de que o amor é um sentimento cruel ganha força nos versos seguintes: "e com se
amarem tanto não se veem / Um se beija no outro, refletido". O poeta expõe um elemento
trágico do amor, no qual dois amantes, mesmo estando tão próximos, não conseguem
transcender completamente a barreira física de seus corpos e, assim, não conseguem ver
um ao outro em profundidade. Incapazes de descobrir plenamente o que buscam um no
outro, os amantes encontram apenas o reflexo de si mesmos. Esse reflexo é visto nos olhos
do outro e, por isso, o eu-lírico afirma que "um se beija no outro, refletido", significando que,
ao se beijarem, os amantes veem primeiro a si mesmos refletidos nos olhos do outro e,
assim, acabam beijando a si próprios e não um ao outro.

A geração de 30
Contexto histórico:
A segunda fase do modernismo no Brasil emergiu num período de grande instabilidade.
Após a crise económica de 1929 em Nova York, muitos países enfrentaram uma crise que
afetou não apenas a economia, mas também a sociedade e a política. Como resultado,
governos totalitários e ditatoriais surgiram na Europa, culminando com o início da Segunda
Guerra Mundial
(1939-1945). No Brasil, além do aumento do desemprego e da falência das fábricas, a
Revolução de 30 representou um golpe de estado que depôs o presidente da República,
Washington Luis, e impediu a posse do presidente eleito, Júlio Prestes, pondo fim à política
do café com leite e às oligarquias de Minas Gerais e São Paulo. Com a ascensão de Getúlio
Vargas ao poder, a ditadura também se aproximou com o Estado Novo (1937-1945).

Relações de amizade USA- Brasil


Após a revolução brasileira de 1930, os oligarcas do café foram depostos e substituídos
pela classe média urbana e empresários, interessados em promover a industrialização e
modernização do país.
Em 1933, a nova indústria tornou-se o foco da economia, e os investidores americanos
foram incentivados a participar do desenvolvimento.
Os líderes brasileiros das décadas de 1920 e 1930 perceberam que a política externa da
Argentina buscava isolar o Brasil dos países de língua espanhola, favorecendo assim a
expansão da influência Argentina na América do Sul. Além disso, havia o medo de que um
exército argentino mais forte pudesse lançar um ataque surpresa contra o exército
brasileiro, que era mais fraco. Para enfrentar essa ameaça, o Brasil aproximou-se dos
Estados Unidos, enquanto a Argentina seguiu em direção oposta.

A política de Boa Vizinhança USA- Brasil


Foi durante a Conferência Panamericana de Montevideo, em dezembro de 1933, que o
governo dos Estados Unidos, liderado por Franklin D. Roosevelt, criou e apresentou a
Política de Boa Vizinhança (Good Neighbor Policy em inglês). Essa política teve como
objetivo estabelecer uma relação política mais amigável entre os Estados Unidos e os
países da América Latina, abrangendo o período de 1933 até 1945, quando a Segunda
Guerra Mundial chegou ao fim e Harry Truman assumiu a presidência do país.
Embora oficialmente a política de boa vizinhança consistisse em investimentos e venda de
tecnologia norte-americana para os países latino-americanos, em troca do apoio desses
países à política norte-americana, na prática, ela representou um esforço para aproximação
cultural entre os Estados Unidos e a
América Latina.
Durante esse período, os "valores pan-americanos" foram gradualmente difundidos na
sociedade brasileira como parte de um plano cuidadoso de conquista, que fazia parte da
estratégia dos Estados Unidos para promover a cooperação e a solidariedade
interamericanae consolidar-se como uma grande potência. Essa campanha teve início com
a disseminação dos valores pan-americanos durante as conferências interamericanas.

Zé Carioca
O personagem Zé Carioca foi criado com a finalidade de ajudar a promover a política de
boa vizinhança. Essa política buscava evitar que filmes que expusessem instituições e
costumes norte-americanos malvistos, como a discriminação racial, fossem distribuídos na
América Latina e ofendessem os brios dos latino-americanos. Para esse fim, foram banidos
das produções de Hollywood os bandidos mexicanos, por exemplo. Além disso, foi criada a
estratégia de produzir personagens que fomentassem a solidariedade continental, como o já
citado Zé Carioca, personagem dos Estúdios Disney criado nessa época. O filme Alô,
Amigos, que apresentou o Pato Donald, enfatizou a política de boa vizinhança. O OCIAA,
ao longo de sua existência, contou com a colaboração ativa do DIP, tanto na condução de
projetos conjuntos quanto como órgão de apoio à sua ação no Brasil.

Carmen Miranda e o Samba Exaltação


A trilha sonora de Disney torna-se ainda mais oportuna com a brasilidade de Aquarela do
Brasil.
Este samba é um dos representantes dos sambas-exaltação que reforçaram o nacionalismo
durante o Estado Novo (1937-1945). Outros exemplos dentro dessa linha são Brasil Moreno
(1941), de Luiz Peixoto, e Isso Aqui o que É (1942). A música "Brasil brasileiro”, de Ary
Barroso, transmite a mistura de raças que criou a brasilidade durante a Era Vargas, com
samba, mulatas, ginga e a natureza tropical representando as cores da nação.

Segunda fase do Modernismo


A segunda geração modernista ou segunda fase do modernismo
representa o segundo momento do movimento modernista no Brasil que se estende de
1930 a 1945.
Chamada de "Geração de 30", essa fase foi marcada pela consolidação dos ideais
modernistas, apresentados na Semana de 1922.
Também chamada de "Fase de Consolidação", a literatura brasileira estava vivendo uma
fase de maturação, com a concretização e afirmação dos novos valores modernos.

Principais características desta fase


● Influência do realismo e romantismo;
● Nacionalismo, universalismo e regionalismo;
● Realidade social, cultural e econômica;
● Valorização da cultura brasileira;
● Influência da psicanálise de Freud;
● Temática cotidiana e linguagem coloquial;
● Uso de versos livres e brancos.
Prosa de 30
Durante esta fase do modernismo, a prosa de ficção concentrou-se principalmente em
romances regionalistas e urbanos, abordando questões sociais e utilizando uma linguagem
mais próxima do coloquialismo e das peculiaridades regionais. Dessa forma, os escritores
retrataram a realidade de diferentes regiões do país, seja em ambientes rurais ou urbanos.
Regionalismo problemático.
Palavras-chave: retirastes - coronéis

Principais autores e obras


● José Américo de Almeida / A Bagaceira (1928)
● Rachel (Raquel) de Queiroz / O Quinze (1930), João Miguel (1932), Caminho de
Pedras (1937), As Três Marias (1939)
● Jorge Amado / O País do carnaval (1931), Cacau (1933), Suor (1934), Capitães de
areia (1937)
● José Lins do Rego / Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Bangue (1934), O
moleque Ricardo (1935), Usina (1936) (ciclo da cana-de-açúcar)
● Graciliano Ramos / Caeté (1932), São Bernardo (1934), Angústia (1936) Vidas
secas (1938)

Poesia de 30
O movimento modernista no Brasil, surgido em 1922 com a Semana de Arte Moderna, foi
marcado por uma ruptura artística que privilegiava o radicalismo e o excesso. A primeira
geração modernista durou até 1930 e, na segunda fase, os autores abandonaram a postura
destrutiva em busca de maior racionalidade e questionamento. A poesia de 30,
característica dessa segunda fase, abarcou uma ampla gama de temáticas, incluindo as
sociais, históricas, culturais, filosóficas, religiosas e cotidianas. A liberdade formal foi uma
das principais características desse período, com poetas utilizando versos livres e brancos,
sem métrica e rima, sem, no entanto, abandonar formas fixas como o soneto.

Características:
- liberdade formal
- experimentação estética
- uso de versos brancos e livres
- universalismo
- ironia e humor
- regionalismo e coloquialismo
- rejeição ao academicismo

Autores desta geração que retomam alguns aspetos do simbolismo:

● Cecília Meireles (1901-1964)


Cecília Meireles foi escritora, jornalista, professora e pintora. A sua obra, de caráter
intimista, é fortemente influenciada pela psicanálise e apresenta uma abordagem social.
Mesmo tendo características simbolistas, Cecília destacou-se na segunda fase do
modernismo no Brasil, como parte do grupo de poetas que consolidaram a "Poesia de 30".
Obras publicadas entre 1930 e 1945:
- Saudação à menina de Portugal (1930)
- Batuque, Samba e Macumba
- A Festa das Letras (1937)
- Viagem (1939)
- Vaga Música (1942)
- Mar Absoluto (1945)
- Rute e Alberto (1945)

“Viagem”, 1939

Comentário do poema “Retrato”:


O poema intitulado "Retrato" evoca uma imagem estática e imutável, como se estivesse
congelada no tempo e espaço. Os versos abordam tanto a aparência física, como também a
angústia existencial interior provocada pela noção do tempo que passa.
Ao longo dos versos, podemos observar a melancolia, angústia e solidão, características da
poesia de Cecília Meireles. O poema também expressa tristeza pela consciência tardia da
transitoriedade da vida (“Eu não me dei por essa mudança*).
A velhice é retratada na degeneração do corpo. O eu-lírico observa a si mesmo, tanto em
aspectos internos como externos. A progressão dos versos acompanha o desenrolar dos
dias, da vida até a morte (a mão que perde a força, fica fria e sem vida).
O último verso do poema, extremamente poderoso, sintetiza uma reflexão existencial
profunda: onde a essência do eu-lírico se perdeu?

Comentário do poema “Motivo”:


O poema "Motivo" é o primeiro do livro "Viagem", publicado em 1939, época do
Modernismo. Trata-se de um metapoema, isto é, um texto que se volta sobre o seu próprio
processo de construção. Essa é uma das características frequentes na lírica de Cecília
Meireles.
O título "Motivo” é significativo, pois escrever e viver eram verbos que se misturavam na
vida da poeta. Ser poeta era viver, e viver era ser poeta. Escrever fazia parte da sua
identidade, era uma condição essencial para a vida da escritora, como se observa no verso:
"Não sou alegre nem sou triste: sou poeta".
O poema é existencialista e aborda a transitoriedade da vida com certa melancolia, mas
com extrema delicadeza. Os versos constroem-se a partir de antíteses, ideias opostas
(alegre e triste; noites e dias, desmorono e edifico; permaneço e desfaço, fico e passo).
Além disso, a musicalidade é uma característica marcante da escrita de Cecília, com rimas
não tão rígidas como na métrica parnasiana (existe e triste; fugidias e dias, edifico e fico,
tudo e mudo). Quase todos os verbos do poema estão no tempo presente do indicativo, o
que demonstra a intenção de evocar o aqui e o agora.

“Vaga Música”, 1942


Comentário ao poema “Encomenda”:
O poema Encomenda nasce de uma experiência profundamente pessoal e biográfica. O
texto é autocentrado, com o eu-lírico a expressar as suas dores, angústias e medos
interiores.
O mergulho do eu-lírico em si mesmo traz a esperança de que uma fotografia possa
ajudá-lo a retratar e mapear seu eu interior e exterior.
Apesar de aceitar e acatar a passagem do tempo ("Deixe esta ruga, que me empresta um
certo ar de sabedoria"), o tom do poema é sombrio, amargo e triste.
Na última estrofe, percebe-se que o eu-lírico não pretende disfarçar o sofrimento nem as
mágoas, e deseja assumir sua solidão assim como assume as próprias rugas, mesmo que a
passagem do tempo seja difícil.

Comentário ao poema “Reinvenção”:


O poema Reinvenção é composto por vinte e seis versos distribuídos em três estrofes com
rimas alternadas. O refrão, que se repete três vezes ao longo do poema, não apresenta
rimas e reforça a ideia central da obra.
Os versos evocam a necessidade de olhar para a vida sob uma nova perspetiva,
redescobrindo as cores do cotidiano e experimentando a existência de uma maneira
diferente. Apesar da presença da solidão, uma característica recorrente na poética de
Cecília Meireles, o eu-lírico do poema demonstra consciência das dores da vida e encerra o
poema com uma nota de esperança, indicando uma possibilidade de saída solar.

● Vinicius de Moraes (1913-1980)


Vinicius de Moraes foi escritor, letrista, diplomata, dramaturgo e crítico de cinema. O legado
deixado pelo "poetinha” é inestimável e destaca-se principalmente pela sua produção
poética, a qual aborda com frequência o tema do amor, mas também apresenta uma
meta-escrita e um engajamento com questões políticas e sociais do mundo.
A linguagem adotada por Vinicius de Moraes é extremamente acessível, sedutora e
cotidiana, o que tem encantado leitores de diferentes gerações.

Características da obra de Vinicius de Moraes


- angústia existencial
- conflito espiritual
- crítica sociopolítica
- liberdade formal
- reflexão sobre a contemporaneidade
- traços simbolistas
- temas religiosos
- elementos do quotidiano
- temática amorosa
- uso de antíteses
- estrutura de soneto

Publicações entre 1930 e 1945:


O caminho para a distância (1933)
Forma e exegese (1935)
Ariana, a mulher (1936)
Novos poemas (1938)
Cinco elegias (1943)
“O Caminho para a distância”, 1933

Comentário ao poema “A Uma Mulher”:


O poema de 1933 narra a triste história de um casal que se desfez. O título “A uma mulher”
é uma dedicação direcionada a alguém desconhecido. Ao longo dos onze versos, somos
apresentados ao destino de um casal que, num passado distante, já foi apaixonado, mas
agora parece separar-se de forma definitiva.
Quando o eu-lírico se aproxima da amada, ela já se encontra fria e distante. Ele tenta
demonstrar afeto e carinho, mas logo percebe que qualquer tentativa será em vão. A
finitude já se instalou no corpo dela e a cena é permeada pelo sofrimento.
Ao contrário dos poemas românticos e apaixonados habitualmente escritos pelo autor, em
“A uma mulher” encontramos uma escrita sem final feliz.

“Novos Poemas”, 1938

Comentário ao poema "Soneto da Contrição”:


O soneto de contradição é um dos raros em que o eu-lírico se dirige especificamente a
alguém: uma amada chamada Maria. Pouco mais se sabe sobre a jovem que desperta tanto
afeto no poeta.
No início do poema, os versos comparam o amor sentido com a dor causada por uma
enfermidade ou com a solidão sentida por uma criança que caminha sozinha. Embora essas
comparações sugiram sofrimento, o eu-lírico rapidamente muda de tom e mostra que o
amor inspirado pela amada é divino e proporciona uma paz é um descanso que nunca
foram experimentados.

Comentário ao poema “Ternura”:


Também composto em 1938, o poema "Ternura" trata das consequências do amor
romântico, assim como o "Soneto de contrição". Neste poema, Vinicius de Moraes expressa
um profundo enamoramento pela amada, a quem pede desculpas pelo amor repentino e
excessivo. O eu-lírico parece estar completamente entregue ao sentimento que o arrebata e
não consegue controlar sua intensidade.
Apesar disso, o poema transmite a ideia de que o amor sentido traz uma tranquilidade
incomum, uma sensação de paz em meio ao caos.

“Poemas, sonetos e baladas”, 1946


Comentário ao poema “Soneto de separação”:
O Soneto de separação, triste e belo, aborda um dos momentos mais dolorosos da vida
amorosa: o fim de um relacionamento.
Embora não saibamos a causa da separação, o eu-lírico expressa a angústia da despedida
em seus versos.
Em termos estruturais, o poema é construído em pares opostos, como riso/pranto,
calma/vento, momento imóvel/drama, próximo/distante, entre outros. Através dessas
contraposições, podemos sentir a fugacidade dos sentimentos e a eternidade da vida, como
se a relação amorosa pudesse se dissipar num instante.
● Jorge de Lima (1895-1953)

Principais obras:
- XIV Alexandrinos (1914);
- O Mundo do Menino Impossível (1925);
- Poemas (1927); Novos Poemas (1929);
- Poemas Escolhidos (1932);
- Tempo e Eternidade (1935) - em colaboração com Murilo Mendes;
- A Túnica Inconsútil (1938);
- Poemas Negros (1947);
- Livro de Sonetos (1949);
- Obra Poética (1950) - inclui produção anterior, juntamente com Anunciação e
Encontro de Mira-Celi;
- Invenção de Orfeu (1952);
- Castro Alves - Vidinha (1952).

O contato de Jorge de Lima com o Modernismo em geral e com o Grupo Regionalista do


Recife (incluindo Lins do Rego, Gilberto Freyre e Olívio Montenegro) levou o poeta a
descobrir a sua vocação como artista de múltiplas dimensões, como a social, religiosa e
onírica, o embora a sua poesia continuasse a ser enraizada na sua própria afetividade,
mesmo quando aparentemente se dispersava em notas pitorescas, ritmos folclóricos e
alusões aos grandes clássicos. E importante ressaltar esse ponto, porque sem inteligência,
as mudanças de tema e forma na linguagem de Jorge de Lima poderiam parecer gratuitas,
mas elas são fundamentais para a compreensão da sua poesia, que se transformou
sucessivamente de regional, negro, biblico e hermético.

O processo criativo de Jorge de Lima foi pontuado pela exploração das fontes da memória e
do inconsciente. Na sua fase inicial, o poeta concentrou-se no catolicismo sincrético,
sertanejo e devocional, onde o sentimento do sagrado se mistura com o gosto da terra, do
povo e dos vínculos sociais concretos. O processo de composição mais comum é o
rapsódico, semelhante às sequências invocativas de Walt Whitman, onde os versos alinham
nomes ou expressões nominais que sugerem o embalo da evocação. Em Poemas, Novos
Poemas e Poemas Escolhidos, Jorge de Lima utilizou essa técnica para compor um vitral do
Nordeste que seria o tema do painel social de Lins do Rego. Como o narrador de Menino de
Engenho, a sua primeira e mais forte motivação foi a memória da sua infância. Por trás do
mosaico colorido e ingénuo, o poeta reconheceu as raízes da sua emotividade, que
coincidiam com as de tantos meninos brancos do Nordeste, como a convivência com o
negro, portador de marcas profundas na conduta mítica e nos hábitos vitais e lúdicos. Os
Poemas Negros, que incorporam vozes e ritmos da linguagem afro-nordestina, fornecem
pistas para uma decifração mais completa da religiosidade mística e terrena de Tempo e
Eternidade.
No entanto, a carga afetiva sublimada em prece não é o único ponto de união entre a
poesia negra e a poesia bíblico-cristã de Jorge de Lima. Ambas partilham um sopro de
fraternidade e uma assunção das dores dos oprimidos, um socialismo inerente a toda
interpretação radical do Evangelho. Nos Poemas Negros, há momentos de ênfase na
tensão entre escravo e senhor, agravada pela oposição entre negro e branco.
Retomando a ordem cronológica da produção artística do autor, escolha do tema "Tempo e
Eternidade" levou Jorge de Lima a explorar novos recursos rítmicos, e a novos conjuntos
simbólicos, como as Escrituras, especialmente os Salmos e o Cântico dos Cânticos, além
de material litúrgico. Essa mudança também envolveu uma transição do texto-painel para o
texto-atmosfera, substituindo o pitoresco pelo musical e deslocando o eixo literário do
regionalismo rapsódico para a montagem surreal. Não foi coincidência que o poeta tenha
experimentado o romance surrealista, a pintura de inspiração onírica e a fotomontagem
voltada para o realismo mágico.
Embora nem sempre a poesia dessa fase católica tenha atingido um nível satisfatório de
expressividade e rigor construtivo, o poeta foi reconhecido por sua qualidade lírica da
imaginação, segundo Mário de Andrade. Por isso, é importante distinguir com atenção a
camada concreta e variamente melódica que medeia a grandeza do poeta, da camada
doutrinária que não se resolve em imagem e música.
A Túnica Inconsútil, um dos momentos mais importantes da poesia mística brasileira, é
considerada pelo próprio autor como "um poema único". A leitura desse poema nos leva a
uma imagem processional dos homens e das eras que, saindo "das profundezas do pecado
original", caminham em direção à salvação em Cristo, reconhecendo na poesia a voz e a
lanterna, símbolos da palavra verdadeira. Figuras aladas de Chagall, clowns de Rouault e
ânimos flamantes de Péguy compõem o quadro imagético desse livro, que é
deliberadamente alegórico, tal como o seu próprio título.

Características:
● "Predileção pelo rigor formal, expresso na busca pelo equilíbrio rítmico e métrico;
● Temas ligados ao Nordeste e às tradições afrodescendentes;
● Temas ligados à religiosidade católica;
● Aspetos surrealistas e simbólicos;
● Uso de metáforas e alegorias;
● Vocabulário sofisticado;
● Presença de paradoxos;
● Tendência à universalidade e à intemporalidade."

“Novos Poemas”, 1929


Comentário ao poema “Essa Negra Fulô”:
Os versos do poema são caracterizados por uma extensão curta e um ritmo que se
assemelha a padrões musicais afro-brasileiros. A maior parte dos versos é composta de
sete sílabas poéticas, também conhecidos como redondilhas maiores ou heptassílabos.
Jorge de Lima utilizou um olhar lírico que se baseia em estereótipos preconceituosos
enraizados na etnia e na sexualidade, retratando a figura da mulher negra como depravada,
lúbrica, maliciosa, matreira e subserviente, reforçando assim a caricatura das conceções
preconceituosas perpetuadas pela sociedade branca e os resquícios da escravidão.

“Poemas Negros”, 1947


Comentário ao poema “Maria Diamba”:
O poema conta a história de Maria Diamba, uma mulher negra que se tornou cozinheira na
Casa-Grande para escapar da chibata. Trabalhando na cozinha, ela acabou por fundir-se
com o próprio ambiente, tornando-se a cozinha. Mas não foi só isso, ela também mostrou
habilidades em outras áreas, como na confeção de roupas para a Casa-Grande.
O poema evidencia o abuso sexual sofrido por mulheres negras e a falta de atenção
prestada a elas, já que Maria Diamba [Cannabis em Kimbundu], acabou por calar-se.
Mesmo senil ou até louca, ela mantém uma consciência clara da sua triste situação e das
injustiças sociais que sofreu. O eu-lírico do poema é crítico, engajado e lírico, abordando a
temática afro e mantendo-se impessoal para tratar de um problema social.

A terceira geração modernista (Pós-Modernismo)


A terceira etapa do Modernismo no Brasil compreende o período de 1945 até a década de
1970, e se caracteriza pela experimentação e inovação estrutural na poesia.
A prosa desta fase apresenta traços pós-modernos, tais como fragmentação narrativa, fluxo
de consciência e metalinguagem.
Os escritores da terceira fase do modernismo vivenciaram o contexto da Guerra Fria, após
o término da Segunda Guerra Mundial, período de desenvolvimento econômico e aumento
do consumo.
Entre os poetas desta geração destacam-se João Cabral de Melo Neto e Haroldo de
Campos, enquanto que na prosa destacam-se autores como Clarice Lispector e João
Guimarães Rosa.
Algumas obras importantes da produção literária da terceira fase modernista são Morte e
vida severina, A Hora da estrela e Grande sertão: veredas.

● Contexto histórico
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo foi ameaçado pela possibilidade de uma
guerra nuclear, iniciando assim a
Guerra fria, que polarizou o mundo em países capitalistas e socialistas, liderados pelos
Estados Unidos e União Soviética, respetivamente.
No Brasil, em 1954, Getúlio Vargas (1882-1954) cometeu suicídio e em 1956, Juscelino
kubitschek (1902-1976) assumiu a presidência e empreendeu uma política de
desemvolvimento econômico, tendo como uma de suas principais realizações a construção
da nova capital brasileira, Brasilia.
Na cultura, as estrelas do rádio eram idolatradas pelos brasileiros e brasileiras, além da
chegada da televisão em 1950 e a produção de filmes pelas produtoras Atlântida e Vera
Cruz. Filmes de Holywood também exerciam grande influência no país.
Esse contexto estimulou o crescimento do consumismo, com o materialismo e o
individualismo fazendo parte da cultura nacional. A poesia passou a ser mais material ou
objetificada enquanto na prosa e poesia, houve a busca por interação com o leitor ou leitora.
No entanto, o caráter experimental das obras literárias não era uma característica
valorizada em produtos culturais facilmente consumíveis, o que levou à valorização de
produtos de entretenimento a partir da década de 1950 Nesse sentido, as obras da terceira
geração acabaram sendo uma forma de resistência à cultura descartável e de consumo
rápido.

● Características da poesia de 45
- valorização da estrutura do poema
- crise sociopolítica
- texto engajado
- carácter realista
- linguagem objetiva
- uso de palavras do quotidiano
- oposição ao sentimentalismo
- metalinguagem

● Concretismo (1956) - características


- poesia de carácter experimental
- valorização do espaço da folha de papel
- aspeto verbivocovisual - palavra, som e imagem

● Neoconcretismo (1959) - características


- maior interação com o leitor
- poema não objeto - só existe na interação
- obras com formas geométricas, dobras ou recortes

● Poesia Práxis (1962) - características


- supervalorização da palavra
- valorização do ritmo e do verso
- presença do aspeto social
- “multivocidade” ou plurissignificação
- oposição ao concretismo (anticoncretismo)

● Poema Processo (1967) - características


- carácter antidiscursivo - uso de letras ou palavras não essenciais
- utilização de signos gráficos - figuras ou perfurações

● Características da prosa da geração de 45 (pós-modernidade)


- fluxo de consciência
- metalinguagem
- narrativa fragmentada
- linguagem experimental
- temas universais
- estrutura textual não convencional

● Poesia da geração de 45
- Morte e vida serena (1955), de João Cabral de Melo Neto
- A ave (1956), de Waldemir Dias-Pino
- Lavra lavra (1962), de Mário Chamie
- Linguaviagem (1967), de Augusto de Campos
- Exercício findo (1968), de Décio Pignatari
- Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974), de Hilda Hilst
- Poema Sujo (1976), de Ferreira Gullar

● Prosa da geração de 45
- Ciranda de pedra (1954), de Lígia Fagundes Telles
- Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa
- A hora dos ruminantes (1966), de José J. Veiga
- Fluxo-floema (1970), de Hilda Hilst
- O pirotécnico Zacarias (1974), de Murilo Rubião
- A hora da estrela (1977), de Clarice Lispector

Principais autores
● João Cabral de Melo Neto (1920-1999): conhecido como "poeta engenheiro", João
se destacou na prosa e na poesia pelo rigor estético apresentado nas suas obras:
Pedra do Sono (1942), O Engenheiro (1945) e Morte e Vida Severina (1955).
● Clarice Lispector (1920-1977): se destacou na prosa e na poesia com um caráter
lírico e intimista: Perto do coração selvagem (1947), A Cidade sitiada (1949), A
Paixão segundo GH (1964), A Hora da Estrela (1977).
● João Guimarães Rosa (1908-1967): foi um dos maiores poetas do Brasil, sendo que
a maioria de suas obras são ambientadas no sertão. Destacam-se Sagarana (1946),
Corpo de baile (1956), Grande Sertão: veredas (1956), Primeiras estórias (1962).
● Ariano Suassuna (1927-2014): Defensor da cultura popular brasileira, Suassuna
escreveu romances, peças de teatro e poesias dos quais se destacam: Os homens
de barro (1949), Auto de João da Cruz (1950), O Rico Avarento (1954) e O Auto da
Compadecida (1955).
● Lygia Fagundes Telles (1918-2022): escreveu romances, contos e poesias sendo
uma de suas marcas a exploração psicológica das personagens em sua obra:
Ciranda de pedra (1954), Verão no aquário" (1964), Antes do baile verde (1970), As
Meninas (1973).

João Guimarães Rosa


● Biografia
Guimarães Rosa foi contista, novelista, romancista e diplomata. Nasceu em Cordisburgo,
MG, a 27 de junho de 1908, e faleceu no Rio de Janeiro, a 19 de novembro de 1967.
Florduardo Pinto Rosa e Francisca Guimarães foram os seus pais. Aos 10 anos, passou a
residir e estudar em Belo Horizonte. Em 1930, formou-se pela Faculdade de Medicina da
Universidade de Minas Gerais. Tornou-se capitão médico, por concurso, da Força Pública
do Estado de Minas Gerais.
A sua estreia literária deu-se em 1929, com a publicação, na revista O Cruzeiro, do conto “O
mistério de Highmore Hall”, que não faz parte de nenhum dos seus livros. Em 1936, a
coletânea de versos Magma, obra inédita, recebe o Prémio Academia Brasileira de Letras,
com elogios do poeta Guilherme de Almeida.
Em 27 de junho de 1930, Guimarães Rosa casou-se com Lígia Cabral Pena e tiveram duas
filhas. Ele formou-se no mesmo ano e começou a exercer a profissão de médicos e
começou a exercer a profissão de médico em Itaguara (MG), onde permaneceu por cerca
de dois anos. Foi nesse período que ele teve contacto com elementos do sertão, que se
tornaram referência e inspiração para a sua obra.
Após a sua passagem por Itaguara, Guimarães Rosa atuou como médico voluntário da
Força Pública durante a Revolução Constitucionalista de 1932, trabalhando no setor do
Túnel em Passa Quatro (MG), onde conheceu Juscelino Kubitschek, que na época era o
médico-chefe do Hospital de Sangue. Mais tarde, ele ingressou oficialmente na Força
Pública por meio de concurso. Em 1933, foi designado como Oficial Médico do 9 Batalhão
de infantaria em Barbacena.
Diplomata por concurso que realizara em 1934, foi cônsul em Hamburgo (1938-42);
secretário de embaixada em Bogotá (1942-44); chefe de gabinete do ministro João Neves
da Fontoura (1946); primeiro-secretário e conselheiro de embaixada em Paris (1948-51);
secretário da Delegação do Brasil à Conferência de Paz, em Paris (1948); representante do
Brasil na Sessão Extraordinária da Conferência da UNESCO, em Paris (1948); delegado do
Brasil à IV Sessão Conferência Geral da UNESCO, em Paris (1949). Em 1951, voltou ao
Brasil, sendo nomeado novamente chefe de gabinete do ministro João Neves da Fontoura;
depois chega da Divisão de Orçamento (1953) e promovido a ministro de primeira classe.
Em 1962, assumiu a chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras.
A publicação do livro de contos Sagarana, em 1946, garantiu-lhe um privilegiado lugar de
destaque no panorama da literatura brasileira, pela linguagem inovadora, pela singular
estrutura narrativa e a riqueza de simbologia dos seus contos. Com ele, o regionalismo
estava novamente em pauta, mas com um novo significado e assumindo a característica de
experiência estética universal.
Em 1952, Guimarães Rosa fez uma longa excursão a Mato Grosso e escreveu o conto
“Com o vaqueiro Mariano”, que integra, hoje, o livro póstumo Estas estorias (1969), sob o
título “Entremeio: com o vaqueiro Mariano”. A importância capital dessa excursão foi colocar
o autor em contacto com os cenários, as personagens e as histórias que ele iria recriar em
Grande Sertão: Veredas. É o único romance escrito por Guimarães Rosa e um dos mais
importantes textos da literatura brasileira. Publicado em 1956, mesmo ano da publicação do
ciclo novelesco Corpo de Baile, Grande Sertão: veredas, que já foi traduzido por muitas
línguas. Por ser uma narrativa onde a experiência de vida e a experiência de texto se
fundem numa obra fascinante, as suas leituras e interpretação constituem um constante
desafio para os leitores.
Nessas duas obras e nas subsequentes, Guimarães Rosa fez uso do material de origem
regional para uma interpretação mítica da realidade, através de símbolos e mitos de
validade universal, a experiência humana meditada e recriado mediante uma revolução
formal e estilística. Nessa tarefa de experimentação e recriação da linguagem, usou de
todos os recursos, desde a invenção de vocábulos, por vários processos, até arcaísmos e
palavras populares, invenções semânticas e sintáticas, de tudo resultando uma linguagem
que não se acomoda à realidade, mas que se torna um instrumento de captação da mesma,
ou de sua recriação, seguindo as necessidades do “mundo” do escritor.
No Brasil, Guimarães Rosa foi eleito por unanimidade para a Academia Brasileira de Letras
na sua segunda tentativa, em 1963. Porém, temendo ficar emocionado demais, adiou a
cerimónia de posse por quatro anos. Em 1967, finalmente decidiu assumir a cadeira da
Academia e, em seu discurso, chegou a afirmar em tom de despedida: “…a gente morre é
para provar que viveu”. Três dias depois, em 19 de novembro, Guimarães Rosa faleceu no
Rio de Janeiro. Seu laudo médico apontou um infrator como a causa da morte. Pouco antes
do seu falecimento, ele havia sido indicado ao Prémio Nobel de Literatura.

● Estórias e a língua rosianas


Em Cordisburgo, o pai de Guimarães Rosa era o dono de uma venda, onde os habitantes
do Sertão vinham fazer as suas compras, às vezes, a crédito. O ato de compra era
permeado por conversas, tornando-se uma fonte abundante de histórias e estórias. Nesse
espaço ilimitado, os sentidos das palavras estão constantemente em movimento, não estão
fixados em valores semânticos definidos. Como afirmou Drummond, em “Procura da
Poesia” (Rosa do Povo), a poesia não reside nos assuntos, nos fatos ou nos
acontecimentos, embora possa falar sobre esses temas. A poesia “penetra silenciosamente
no reino das palavras”, não se trata de uma alusão ao dicionário, mas sim do estado latente,
virtual e da realidade virtual da palavra que nomeia o mundo, criando-o. Há um carácter
dialógico na linguagem.
A cosmogonia de Guimarães Rosa é neoplatónica, onde o sertão-mundo ocupa o centro do
universo. As sete esferas cristalinas dos céus correspondem aos sete contos presentes na
obra Corpo de baile.

● Jagunços
A violência é inerente à sociedade humana, incluindo a sociedade brasileira. António
Candido analisa a figura do jagunço desde Cláudio Manuel da Costa até Guimarães Rosa.
O jagunço deveria representar um bandido que se opõe à ordem estabelecida, mas na
realidade, é uma extensão de um poderoso (mandão) reconhecido pela própria ordem
estabelecida, que em essência é baseada em arbitrariedade. O próprio Estado pode ser
visto como um ator particular nesse contexto.

● Obras regionalistas no Brasil desenvolvimentista


Grande Sertão: veredas, escrito em 1956, e a obra subsequente de Guimarães Rosa,
Primeiras estórias, de 1962, levantam uma série de dilemas em relação à modernização do
Brasil, representada pelo aumento da industrialização e urbanização, que foi planejada com
maior intensidade durante o período nacional-desenvolvimentista, coincidindo com a
publicação dessas obras.

● Escrita rosiana
A obra de Guimarães Rosa tem sido amplamente estudada pela crítica literária, abrangendo
uma variedade de enfoques. No entanto, é percetível que alguns aspetos da sua obra têm
recebido maior atenção e análise por parte da crítica, como as questões metafísicas,
religiosas e filosóficas presentes em seus textos. Esses temas têm sido objeto de estudo e
discussão, refletindo a importância atribuída pelo corpo crítico à profundidade filosófica e
espiritual que permeia a escrita de Guimarães Rosa. É nesse contexto que a fortuna crítica
se concentra em explorar e interpretar essas dimensões metafísicas e existenciais
presentes na sua obra.
A construção das histórias de Guimarães Rosa e sua visão de mundo eram fundamentadas
em três fontes principais. A primeira era a experiência empírica, resultante de sua vivência
direta na região e no país. A segunda consistia em referências míticas e universais,
provenientes de sua leitura da literatura clássica e moderna. A terceira baseava-se em
fontes nacionais, tanto na tradição literária brasileira quanto nos estudos contemporâneos
de interpretação do Brasil, que estavam em plena efervescência na época.
Essa combinação de fontes proporcionava a Guimarães Rosa uma ampla gama de
inspiração e conhecimento, permitindo-lhe compor histórias ricas em perspetivas e
reflexões. A sua vivência direta da realidade brasileira, aliada à influência de mitos
universais e à compreensão das tradições literárias do país, contribuía para a originalidade
e a profundidade de sua obra.
Assim, Guimarães Rosa era capaz de tecer narrativas que capturavam a complexidade e a
diversidade da experiência brasileira, ao mesmo tempo em que dialogavam com temas
universais e com o legado literário tanto nacional quanto internacional. A sua abordagem
múltipla e fundamentada em diversas fontes conferia à sua escrita uma riqueza única,
estabelecendo-o como um dos grandes escritores da literatura brasileira.

● Grande Sertão: veredas


A obra de Guimarães Rosa destaca-se pela sua grande complexidade e hibridização em
termos de gênero literário. Ela se apresenta como um romance que adota a forma de um
falso diálogo, combinando elementos de linguagem poética e contos breves, ao mesmo
tempo em que narra a história de um indivíduo, Riobaldo, e de um povo, os jagunços. Essa
combinação de diferentes elementos e gêneros resulta em uma narrativa única e
multifacetada.
Além disso, a temática explorada por Rosa também revela a sua erudição, permeando sua
obra com referências diversas. O autor utiliza seus conhecimentos para enriquecer o
conteúdo de suas histórias, inserindo elementos culturais, filosóficos e literários que
contribuem para a complexidade e a profundidade de suas obras.
Dessa forma, a obra de Guimarães Rosa caracteriza-se pela originalidade na forma e na
temática, pois apresenta uma combinação única de elementos literários e uma abordagem
erudita que enriquece sua escrita e estimula a reflexão do leitor.
A reflexão de Guimarães Rosa sobre a modernização brasileira aborda a contradição
existente entre o arcaico e o moderno, o rural e o urbano. A sua história focaliza
aparentemente um Brasil que vai contra a modernização oficial. No entanto, esses conflitos
são mediados pela narrativa do jagunço letrado Riobaldo, um narrador complexo e
contraditório.
Riobaldo está condenado pela contradição fundamental que o constitui, encontrando-se em
uma posição ambígua e dual: livre e dependente, homem de lei e de comando, envolvido
em contratos e pactos, letrado e iletrado, simultaneamente moderno e arcaico. Essa
complexidade reflete-se na visão que o narrador apresenta do sertão, onde emergem as
novas condições sociais, como a República, o sufrágio e a educação democrática, que se
intercalam com estruturas políticas profundamente arcaicas.
Dessa forma, Guimarães Rosa nos convida a contemplar as tensões entre o antigo e o
novo, o tradicional e o progressista, presentes na sociedade brasileira durante o período de
modernização. Através de seu personagem Riobaldo, ele nos conduz por uma reflexão
sobre as transformações sociais, políticas e culturais do Brasil, revelando a complexidade
dessas interações e suas consequências na vida das pessoas e nas paisagens do país.
O sentimento expresso por Guimarães Rosa pode ser interpretado como um tipo de luto
pela pátria arcaica perdida devido à modernização ocorrida após a década de 30. No
entanto, o contraste entre o arcaico e o modelo não resulta em conflito, principalmente
devido à postura conciliatória do narrador Riobaldo. O próprio Riobaldo incorpora em si o
legado da cultura cabocla sertaneja, o experimentalismo linguístico e a ousadia especulativa
e filosófica, entre outros elementos.
O narrador não tem a intenção de contestar a cultura sertaneja através de um racionalismo
que lhe seria aplicável, nem de retornar ao mundo jagunço e suas lendas. Em vez disso, o
protagonista busca uma conciliação que possui um perfil distintamente brasileiro. Essa
conciliação implica na busca por um equilíbrio entre diferentes elementos culturais e
filosóficos, sem negar ou rejeitar nenhum deles.
Riobaldo torna-se um exemplo dessa abordagem conciliatória, representando uma
perspetiva que valoriza a riqueza e a complexidade da cultura brasileira, navegando entre
tradição e modernidade, sem buscar a supressão de nenhum desses aspetos.
Dessa forma, Guimarães Rosa apresenta-nos uma visão que transcende os conflitos entre
o arcaico e o moderno, à procura duma síntese cultural que seja genuinamente brasileira.
Riobaldo, enquanto narrador e protagonista, personifica essa busca por uma conciliação
que reconhece e valoriza a diversidade cultural do Brasil, permitindo assim uma reflexão
profunda sobre a identidade e os caminhos da nação em meio às transformações da
modernidade.
A utopia de um Brasil em que o arcaico e o moderno se harmonizam é retratada como um
progresso inocente, conforme expressão cunhada por Roberto Schwarz. Essa visão
idealizada busca uma reconciliação entre os aspetos tradicionais e os avanços da
modernidade, buscando uma coexistência harmônica e equilibrada.
A noção de progresso inocente implica em uma abordagem que não nega ou rejeita o
passado arcaico, mas sim busca integrá-lo de forma positiva no processo de modernização.
Nessa perspetiva, não há uma dicotomia rígida entre o arcaico e o moderno, mas sim uma
busca por uma síntese que valorize as raízes culturais e tradicionais do país, ao mesmo
tempo em que abraça as inovações e os avanços proporcionados pela modernidade.
Essa utopia de um Brasil harmonizado entre o arcaico e o modero reflete um anseio por
uma sociedade que não se desfaça de suas raízes culturais e identidade, mas que também
seja capaz de progredir e se adaptar às mudanças do mundo contemporâneo. É uma visão
que reconhece a importância de preservar as tradições e a história, ao mesmo tempo em
que busca a construção de um futuro mais próspero e igualitário.
Dessa forma, a utopia do Brasil em que o arcaico e o moderno se harmonizam é uma
expressão que reflete a busca por um equilíbrio entre o passado e o presente, entre a
tradição e o progresso, em uma sociedade que valoriza sua identidade e história, ao mesmo
tempo em que se abre para as possibilidades e transformações da modernidade.

● O sertão rosiano
Trazer o Sertão à tona é uma reformulação euclidiana ( a terra, o homem, a luta).
O Sertão rosiano é uma extensa e indefinida região que engloba o norte de Minas Gerais, a
partir de Cordisburgo ou Curvelo, estendendo-se até os chamados "Gerais", o território de
Brasilia e uma parte da Bahia. É uma área sem limites precisos, onde as pastagens se
estendem sem cercas, um espaço vasto e despovoado, propício para a criação de um
mundo mítico. Nesse contexto, o mundo urbano desaparece e a influência política perde
força diante da imensidão do sertão. O sertão é um laboratório de humanidade fora do
ambiente urbano.
Esse universo sertanejo retratado nas obras de Guimarães Rosa (como em Sagarana,
Corpo de baile, Grande Sertão: Veredas) tem suas raizes na narrativa regionalista, que teve
seu inicio com autores como Bernardo Guimarães e Simões Lopes Neto (Gaúcho), mas
ganhou força com o movimento modernista e a geração de 1930, representada por
escritores como Raquel/Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge Amado e José Lins do
Rego. Guimarães Rosa, partindo desse contexto do romance regionalista, transcende o
mundo regional e afirma categoricamente que "o sertão é o mundo". De certa forma, ele
amplia as fronteiras do sertão, tornando-o uma dimensão transregional onde até mesmo os
grandes escritores como Goethe e Dostoiévski se tornam sertanejos.

- o sertão rosiano: “a capacidade de nomear”


Rosa incorpora nas suas ficções elementos da mitologia grega e de mitologias orientais,
além de criar palavras a partir de raízes populares e mesclá-las com palavras eruditas
europeias. Em entrevista com o crítico alemão Günther Lorenz, Guimarães Rosa afirma
praticar a língua brasileira, uma língua em estado nascente, distinta da língua portuguesa.
Na Europa, a língua portuguesa lida com um mundo saturado, uma realidade em que tudo
já foi nomeado, sem desafios de inovações taxonômicas para dar nome a coisas novas. No
Brasil, há um vasto universo não abarcado pela língua portuguesa. "A língua portuguesa no
Brasil precisa ser capaz de nomear", declara o autor.
No conto "Cara de bronze", presente na obra Corpo de baile, é retratada a jornada de um
vaqueiro encarregado por um fazendeiro de catalogar todos os nomes das árvores, ou seja,
de nomear o mundo, com nomes metafóricos de uma criatividade extraordinária. Já no
conto "O recado do morro", é apresentado um fenômeno geográfico comum no Sertão, na
região de Cordisburgo: uma formação de calcário poroso que cria uma rede de rios
subterrâneos. Um rio, após fluir superficialmente por um período, desaparece em um buraco
(anhanhonhacanuva), passa por baixo de um morro e emerge novamente (brota
desengolido).
Segundo Kathrin Rosenfield, em Primeiras Estórias, há uma espécie de modulação de dois
grandes temas presentes em Grande Sertão: Veredas. Neste romance, Riobaldo vivencia,
por um lado, a maldade originária e a desestruturação profunda de qualquer certeza de uma
ordem realizável no mundo. Por outro lado, no entanto, nessa terrível jornada pelos
caminhos do Demo, Riobaldo parece ser impulsionado por uma confiança angelical na
bondade e no bem.
Existe uma aparente e superficial heterogeneidade que, na verdade, oculta e desvia a
atenção da coerência interna de ambas as obras. Em ambos os casos, os deslizes e as
contingências da vida cotidiana são, mesmo que inicialmente pareça o contrário, parte
importante da construção lógica, temática e formal da obra.

João Cabral de Melo Neto


João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife, Pernambuco, a 9 de janeiro de 1920. Aos dez
anos, começou os seus estudos no Colégio de Ponte d’Uchoa, dos Irmãos Maristas. Aos
dezassete anos, começou a trabalhar na Associação Comercial de Pernambuco e, no ano
seguinte, passou a frequentar o tradicional Café Lafayette de Pernambuco, onde se reuniam
intelectuais.
Na década de 1940, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde conheceu vários intelectuais,
incluindo Carlos Drummond de Andrade. Aos 25 anos, prestou concurso para o Ministério
de Relações Exteriores (Itamaraty) e, em dezembro de 1945, ingressou na carreira
diplomática. Ao longo da sua carreira, João Cabral de Melo Neto tornou-se um dos maiores
poetas brasileiros, com uma obra marcada pelo rigor formal, pela atenção às formas e pela
crítica social.
João Cabral de Melo Neto foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 15 de agosto
de 1968 e tomou posse em 6 de maio de 1969, sendo recebido por José Américo de
Almeida. Ele ocupou a cadeira 37, anteriormente ocupada pelo jornalista Assis
Chateaubriand. Após o seu falecimento, em 1999, foi sucedido pelo crítico literário Ivan
Junqueira. Durante os seus últimos anos, João Cabral enfrentou problemas de saúde,
incluindo a cegueira e crises de depressão.
A sua poesia, que abrange o período de 1942 (Pedra do Sono) a 1966 (Educação pela
Pedra), é um forte exemplo da abordagem de "voltar às próprias coisas" como a verdadeira
forma de compreender e transformar uma realidade que, opaca e persistente,
constantemente desafia a nossa inteligência. Seguindo os passos de Drummond e Murilo
Mendes, o poeta do Recife começou sua carreira com o objetivo de eliminar de suas
imagens qualquer traço sentimental ou pitoresco, deixando apenas a intuição crua das
formas o que explica o geometrismo de alguns de seus poemas) e a sensação ajudante dos
objetos que delimitam o espaço do homem moderno.

● “Morte e vida serena”


O poema "Morte e Vida Severina" retrata a trágica história de um retirante pernambucano
chamado Severino, que foge da seca e da fome, mas acaba encontrando a morte em sua
jornada.
O enredo é apresentado como um auto de natal pernambucano, seguindo o modelo do
subgênero da literatura dramática que surgiu na Península Ibérica medieval e teve como
maior expoente em língua portuguesa Gil Vicente.
A obra é dividida em 18 partes, cada uma com uma pequena introdução que antecipa o que
acontecerá a seguir, seguindo a mesma estrutura utilizada nos autos medievais.
O poema começa com a apresentação de Severino e segue o seu percurso, culminando
com o nascimento de um filho de retirantes em forma de presépio. Apesar de trágico, o
poema apresenta um raio de esperança ao mostrar a continuidade da vida através do
nascimento de uma nova geração de Severinos.
A personagem principal de Morte e Vida Severina é apresentada como um entre muitos,
sem individualidade, e o seu nome torna-se um adjetivo que descreve todos os retirantes
em situação semelhante.
Tal como nos autos medievais, a personagem é uma alegoria que representa algo maior do
que ela. A poesia de João Cabral utiliza versos curtos e sonoros, frequentemente com sete
sílabas poéticas, conhecidos como redondilha maior, uma característica também presente
nos autos medievais.
A repetição constante de versos é uma ferramenta utilizada por Cabral para reforçar o tema,
além de promover homofonia e uma musicalidade marcante na obra. Referência à
transcrição oral dos poemas, no meio rural não letrado).
A obra apresenta RUBRICAS, típicas do gênero dramático com informações a indicarem a
maneira de encenar uma peça teatral.
Além das 18 cenas do auto (encenação mística medieval ibérica) do ponto de vista da
temática, existem 9 partes da viagem de Severino até o Recite, acompanhando o percurso
do rio
Capibaribe.
A partir da cena 10 o retirante está no Recife e toma conhecimento da inelutabilidade da
morte.

- personagens
Severino, retirante.
Seu José, mestre carpina.
Ciganas.
Rezadeira.
Severino Lavrador.

● Enredo
São 18 trechos que compõem a obra:
1. O retirante Severino é metonímia de todos os brasileiros oprimidos, obrigados a
emigrarem por serem oprimidos do ponto de vista social.
2. No segundo trecho aparece o diálogo entre o Severino retirante e os carregadores
do corpo de Severino lavrador.
3. O terceiro trecho mostra a peregrinação do retirante Severino, a passar por vilas,
representadas como se fossem contas de um terço, sendo a estrada a sua linha, nas
proximidades do rio Capibaribe que chega a secar.
4. No quarto trecho, o retirante Severino encontra mais um funeral em que um homem
parodia as excelências do finado cantadas na cerimónia fúnebre.
5. No quinto trecho, o retirante Severino pensa em para a sua viagem e anda à procura
de um trabalho para sobreviver.
6. Severino retirante dialoga com a mulher à janela (rezadora de profissão), à procura
de emprego.
7. O retirante severina chega à zona da mata, rica em vegetação e água.
8. Severino retirante assiste ao enterro de um trabalhador.
9. O retirante Severino decide “apressar os passos” e continuar até chegar ao Recife.
10. Chegada ao Recife do retirante Severino/ conversa com dois coveiros
11. O retirante Severino aproxima-se do rio Capibaribe
12. Aproxima-se do retirante Severino o Seu José mestre carpina, morador de um
mocambo das margens do rio.
13. Uma mulher aparece na porta de uma casa e conta o que vai acontecer (natividade)
14. Chegada de homens e mulheres vizinhos (evocação de presépio)
15. Oferta de brindes para o recém-nascido
16. Entre os vizinhos, falam duas ciganas
17. Fala o povo que veio presentear o bebé
18. Seu José carpina fala a Severino, enaltecendo a força da vida

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