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SOLANO TRINDADE
O POETA DA RESISTÊNCIA EM DUQUE DE CAXIAS
Guilherme Peres
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“TEM GENTE COM FOME”
A década de cinquenta foi fértil para Solano, que montou pela primeira
vez a peça “Orfeu da Conceição”, de Vinicius de Morais, sendo adaptado para
o cinema com o título de “Orfeu Negro”, dirigido pelo cineasta francês Marcel
Camus. Realizou o documentário “Brasil Dança”, e atuou como ator nos
filmes: “O Santo Milagroso”, “Agulha no Palheiro”, e “A Hora e a Vez de
Augusto Matraga”. Colaborando na realização do documentário “Magia
Verde”, conseguiu para o Brasil um prêmio no Festival de Cannes.
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Em entrevista à revista Manchete em outubro de 1955 concedido à
Ferreira Gullar, Solano se refere a apresentação no Festival com grande êxito:
“logo chegaram os convites da Checoslováquia e Polônia para exibição em
várias cidades dos dois Países. Demos 38 espetáculos: 25 na Polônia e 13 na
Checoslováquia. Como os teatros comuns eram pequenos para o número de
espectadores, 8 a 10 mil em cada exibição, tivemos que representar nos
anfiteatros, onde se realizam os espetáculos de patinação. Cerca de 200.000
pessoas assistiram as representações da arte popular brasileira nessa nossa
temporada.”
Mas Solano também nos conta que a presença de gente negra nas ruas
de Praga e Varsóvia, já foi por si só um grande espetáculo. “Os componentes
eram abraçados e beijados em plena rua. Todos os rapazes e moças
arranjaram namorados. Mas o mais gozado foi que o único casamento foi de
brasileiros. Jorge de Souza e Raquel Solano Trindade (filha do poeta)
casaram-se na Legação Brasileira em Varsóvia com champanha e tudo.
Foi uma grande aventura esta viagem do Teatro Popular Brasileiro
com muita alegria e muito trabalho. Tanto que Solano adoeceu e teve que
passar dez dias no sanatório de Kósiman. Por isso veio na frente de avião,
enquanto o resto da troupe viajou pelo “Provence”, que aportou no Rio de
Janeiro no dia 19 de outubro.
“Em dezembro exibiremos dois documentários realizados por
empresas cinematográficas de Praga sobre os nossos espetáculos. Esses
filmes também serão exibidos na Europa.” Finaliza Solano
EXPOSIÇÃO
MUDANÇA
ANIVERSÁRIO
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Relembra também a plêiade de artistas e intelectuais levados por Solano
para visitar essa cidade: “Aqui residindo, para aqui conduzia a curiosidade e
o interesse da intelectualidade de todo o Brasil, mostrando uma cultura
provinda de todos os cantos do País, e que aqui se cristalizava, quando era
preciso que fosse amparada e desenvolvida, para não morrer pela penúria, a
ignorância e o desinteresse das classes mais preocupadas com o surto
imobiliário e outras formas de lucros materiais”.
Em seu artigo, Barboza publica dois poemas de Solano: “Janaína” e
“Nem Tudo Está Perdido”. Em “Janaina”, o lirismo está presente logo no seu
início: “Oh! eu não sou marinheiro / Oh! Não sou homem do mar / mas
Janaína me persegue / pras águas quer me levar. / Não me leves para as
águas / Janaína dona do mar”. No outro poema Solano se expressa por
metáforas, sonhando um mundo de justiça social e liberdade, clamando logo
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no seu início: “Nem tudo está perdido irmãos / nem tudo está perdido amadas
/ o sol voltará a nos trazer calor”.
Barboza Leite termina o texto, lembrando que “O registro do nome de
Solano Trindade nessa publicação, é um fato que nos identifica com a
necessidade de mostrar, aos duque-caxienses, gratidão e orgulho ao poeta
que tanto honrou esta terra”.
No mesmo número da revista, Barboza, de quem fora seu amigo,
transcreve o discurso lido na instalação do “Cine Clube Solano Trindade”
inaugurado nessa cidade intitulado: “Algumas palavras sobre Solano
Trindade”, revelando seus primeiros contatos com o poeta: “Tornei-me amigo
do poeta Solano Trindade a partir do momento em que ele, em 1947, me
descobria como artista e como seu igual. No próprio jornal em que saíra
impresso, ele me dedicou o seu poema tão pungente e tão exato, e que viria a
ser tornar um clássico da sua extensa produção, intitulado “Tem Gente com
Fome”.
Prefaciando seu livro “Cantares do Meu Povo”, Barboza transcreve o
comentário de Carlos de Freitas: “Naquela época Solano morava na
tumultuosa cidade de Caxias... Falava de Macumba, teatro e pintura, mas o
homem mesmo aparecia nos poemas que mostrava pra gente no vermelhinho
ou nas mesas do café Itahí, que ficava um pouco além, na primeira esquina.
Todos os dias tomava um trem de subúrbio para Caxias, e essa vida de vai e
vem calou tanto em seu espírito que sua poesia chegou a adquirir um ritmo
de trem correndo nos trilhos: “Trem sujo da Leopoldina / correndo correndo /
parece dizer / tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com
fome / Piiiii”.
Para terminar com o trem parando na estação: “Se tem gente com fome/
dá de comer / se tem gente com fome / dá de comer / mas o freio a ar / todo
autoritário / manda o trem calar / Psiuuu”.
Ressaltando o lirismo encontrado na cidade que ambos escolheram para
morar, empolgando poetas e artistas no seu trabalho criador, destaca o
trabalho de Solano “que morava na rua Itacolomi”, reunindo gente humilde
“artesãos, serventes de obras, para ministrar-lhe aula de teatro, pintura ou
folclore; aulas de vida que reunia em sua casa embaixadores e operários,
escritores e magistrados, pintores e poetas, sociólogos e políticos”, até
transferir-se para o Embú, em São Paulo”.
Publicada na imprensa local, Solano despediu-se da cidade com uma
crônica intitulada “Caxias sem 365 Igrejas”, evocando “os encantos que a
Bahia tem”, convocando os amigos para “continuarem elevando a cultura
pelos meios que pudessem, assim como se demonstra nesse momento”.
Barboza Leite exaltava em 1981, no discurso proferido durante a
instalação do “Cine Clube Solano Trindade” em Duque de Caxias, sua
contribuição à “sétima arte”, participando de diversos filmes entre os quais
“Magia Verde”, com tomadas de cenas nesta cidade, patrocinado por
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empresários italianos. “Rende-se assim”, diz Barboza: “tributos a um artista
com uma folha de serviços inestimáveis prestados a nossa cidade. Ainda é
pouco, mas esperamos que o exemplo seja imitado”.
No dia 11 de março de 1985, era inaugurado sob o patrocínio do Sindicato
dos Escritores do Rio de Janeiro, uma barraca para venda de livros de
autores brasileiros no calçadão da Av. Nilo Peçanha, referência ao “Ponto de
Encontro Cultural Solano Trindade” com o apoio da Prefeitura Municipal e de
uma papelaria local. “Trata-se de um movimento que visa aproximar o leitor
com o autor, promovendo pontos de encontros culturais”, diz a revista
“Recado de Cultura”.
Compareci a vários desses encontros à convite de Barboza, com
cantadores e violeiros que mensalmente se apresentavam em frente a essa
barraca instaladas no calçadão e próxima a papelaria patrocinadora. O povo
se aglomerava em torno dos artistas e se divertiam com os “desafios” dos
“repentistas” e as “modas de viola”, tornando as tardes de sábado, sob a
sombra das amendoeiras, mais amenas para aqueles que chegavam do
trabalho.
Ator, escritor, teatrólogo, folclorista e cineasta, mas foi na poesia que
Solano desfraldou com seus versos a bandeira de seu povo, um canto
libertário de sua raça, arrebatando de Carlos Drumond de Andrade no poema
“O canto dos Palmares”, a seguinte frase: “Há nesses versos uma força
natural e uma voz individual, rica e ardente, que se confunde com a voz
coletiva”.
MEMÓRIA
Poucas cidades têm tido a honra de receber em seu solo, como Duque de
Caxias, uma figura dotada de excepcional valor cultural e humano. A criação
do “Cine-Clube Solano Trindade” no início dos anos oitenta, foi a tentativa de
alguns amigos resgatarem para esta cidade um pouco da memória do poeta e
artista popular, que a escolheu para viver um de seus melhores momentos de
criação.
A isso se deveu o mérito que desfruta a sua imortalidade na arte de
difundir a cultura popular, cujo exemplo ficou patenteado em toda a trajetória
de sua vida. Não apenas pela cultura brasileira que defendia, mas pelo o que
ele não pode dar, como disse outro compositor musical e poeta esquecido em
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Duque de Caxias, Orlando Mendonça. Orlando deixou em suas letras a
vontade de continuar criando poesia durante o momento que permaneceu no
leito de dor: ...“Ai, como eu gostaria, se o comandante me deixasse ficar,
comovido agradeceria, pois tenho muita coisa a realizar”...
RESGATE
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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SOLANO TRINDADE E MEMBROS DO
CENTRO DE ORATÓRIA RUI BARBOSA
EMBU DAS ARTES – 1969 - SP
14
SOLANO TRINDADE E MARGARIDA TRINDADE
EM DUQUE DE CAXIAS
15
TEATRO POPULAR SOLANO TRINDADE – EMBU DAS ARTES - SP
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