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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Aulas Teóricas

Noção de Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado é um ramo do direito privado que contém os princípios e as regras a que
deve obedecer a regulamentação privada internacional.

De acordo com A. FERRER CORREIA, o Direito Internacional Privado é o ramo do direito que procura
formular os princípios e regras conducentes à determinação da lei ou leis aplicáveis às questões emergentes das
relações privadas internacionais, e bem assim assegurar o reconhecimento no Estado do foro das situações
jurídicas puramente internas, mas situadas na órbita de um único sistema de direito estrangeiro.

Objeto do Direito Internacional Privado

O objeto do Direito Internacional Privado são as relações jurídicas privadas internacionais quer ao nível da
constituição de direitos, quer ao nível do reconhecimento de direitos, ou seja, relações entre pessoas ou entidades
que se apresentam desprovidas de poderes de autoridade (isto é, que se apresentam em pé de igualdade) e que
se encontram em contacto com mais que uma ordem jurídica. Assim sendo, também podem ser designadas de
“relações plurilocalizadas” ou “atravessadas por fronteiras”, ou ainda, nos termos de ANABELA
GONÇALVES de “relações privadas que atravessam fronteiras”.

A distinção entre responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual na prática não é rígida, uma
vez que, para além de existirem vários pontos em comum entre os dois regimes no Código Civil, podem ter
situações de concursos de responsabilidade em que o mesmo facto gera situações de responsabilidade contratual
e extracontratual.

Todavia, a distinção das duas situações é importante no âmbito do Direito Internacional Privado, pois,
através da operação de qualificação, iremos determinar se numa situação plurilocalizada recorremos às normas
de conflitos referentes às obrigações contratuais ou à responsabilidade extracontratual e, consequentemente,
qual a lei a aplicar.

Posto isto, o nosso objeto de estudo recairá sobre o regime jurídico aplicável a situações plurilocalizadas/
heterogéneas/ transnacionais e, como tal, de domínio do Direito Internacional Privado, ou seja, situações cujos
elementos constitutivos estão em ligação com mais do que uma ordem jurídica, formando o objeto do Direito
Internacional Privado. Assim sendo, o objeto do Direito Internacional Privado é a regulamentação das relações
internacionais privadas.

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Por exemplo, nos termos do Artigo 50.º do Código Civil, a forma do casamento é regulada pela lei do Estado
em que o ato é celebrado, salvo o disposto no artigo seguinte. Deste modo, se alguém se casa em Paris aplica-
se a lei francesa (lei do lugar da celebração) – “Lei do Estado”.

Outro exemplo: casamento celebrado na China em 1953 entre uma chinesa e um português. O casamento
seria válido em Portugal? No caso concreto, o casamento tem por base o direito consuetudinário (os costumes
não são lei), mas seria válido em Portugal (interpretação em sentido muito ampla), isto porque nem todas as
normas de conflitos vão incluir os costumes.

Ä Classificação de relações privadas internacionais (de JITTA – holandês – final do século XIX ao século
XX)

1. Relações privadas puramente internas (excluídas do âmbito do Direito Internacional Privado):


afastadas do objeto internacional privado; relações jurídicas cujos elementos da relação estão em
contacto apenas com um ordenamento jurídico, nomeadamente com a ordem jurídica do foro (sistema
jurídico a que pertence o órgão de aplicação do direito – por exemplo, o tribunal, a conservatória, etc.
– e a quem é entregue a função de resolver a relação controvertida). Nestas relações aplicamos a lei do
foro, o Código Civil.

Por exemplo, CCV celebrado entre dois portugueses (ambos de nacionalidade portuguesa e residência
habitual em Portugal), realizado em Portugal, sobre um bem imóvel localizado em Portugal. Qual é a
validade deste negócio jurídico? Ora, estamos perante uma situação privada entre duas pessoas
singulares, apenas ligada com a ordem jurídica portuguesa e, portanto, não está integrada no objeto do
Direito Internacional Privado.

2. Relações privadas relativamente internacionais: relações jurídicas que são puramente internas
relativamente a um ordenamento jurídico que não é o ordenamento jurídico do foro.

Por exemplo, CCV celebrado entre dois brasileiros (ambos de nacionalidade brasileira e residência
habitual no Brasil), realizado no Brasil, sobre um bem imóvel localizado no Brasil. Neste caso, é o
tribunal brasileiro que é chamado para pronunciar-se sobre este contrato, uma vez que estamos perante
uma relação privada puramente interna. Porém, se por algum motivo o tribunal português é chamado a
pronunciar-se sobre a validade deste contrato já estaremos perante uma relação privada relativamente
internacional.

Por exemplo, casamento celebrado entre dois brasileiros no Brasil e o tribunal português é chamado
para aferir a validade ou a nulidade do casamento (por exemplo, um dos cônjuges tinha dívidas em
Portugal ou emigram ambos para Portugal). Neste caso, é em Portugal que se coloca a questão da
validade do casamento. Isto significa que no que toca ao Brasil trata-se de uma relação privada
puramente interna, mas quanto a Portugal estamos perante uma relação privada relativamente

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internacional. Posto isto, a questão é apreciada numa ordem jurídica diferente da ordem jurídica em que
se constituiu.

Suscitam problemas de Direito Internacional Privado se vierem a entrar em contacto com uma ordem
jurídica que não é aquela à luz da qual nasceram, a fim de serem aí reconhecidas. Embora não haja aqui
propriamente um problema de determinação do direito aplicável (choice of law), já que só uma lei
estava ab initio em contacto com estas situações, suscita-se aqui, na ordem jurídica do foro, uma questão
de reconhecimento internacional de direitos adquiridos no estrangeiro. Nestas relações a questão que se
coloca é de reconhecimento de direitos adquiridos no estrangeiro.

O elemento de internacionalidade traduz-se no facto de a situação ser apreciada num ordenamento


jurídico que não é o ordenamento jurídico onde a situação foi constituída.

3. Relações privadas absolutamente internacionais: relações jurídicas em que os seus elementos já se


encontram em contacto com mais do que uma ordem jurídica ab initio (mais frequentes). São as relações
plurilocalizadas/ heterógenas por excelência.

Por exemplo, CCV celebrado em Portugal entre um português (de nacionalidade portuguesa e residência
em Lisboa) e um brasileiro (de nacionalidade brasileira e residência em Rio de Janeiro), relativamente
a um bem imóvel situado em Espanha, sendo que tal contrato foi celebrado enquanto estes se
encontravam de férias em França. No presente caso, há um contacto com várias ordens jurídicas,
levantando-se um problema de constituição de direitos e não de reconhecimento de direitos. Qual é a
lei aplicável para dirimir a questão?

Ä Qual a importância de estudar a regulamentação das relações jurídico-privadas internacionais?

Com a globalização verificou-se um aumento das trocas a nível multinacional, o que tornava necessário
regulamentar as relações que se criam entre as várias ordens jurídicas em contacto – relações jurídicas
plurilocalizadas. Tal justifica-se não só a nível dos trabalhadores, mas também a nível da celebração de contratos
internacionais, por razões de responsabilidade extracontratual, entre outros. Assim sendo, são vários os
problemas que se podem levantar ao nível das relações privadas internacionais (por exemplo, contrato de
trabalho, CCV, etc.).

Quando tentamos resolver questões relativas a relações privadas internacionais é necessário ter em atenção
alguns pressupostos:

§ O Direito Internacional Privado visa a continuidade e a estabilidade de relações jurídico privadas


internacionais, de forma a que as fronteiras não impeçam as pessoas de exercerem os seus direitos;

§ O Direito Internacional Privado visa a salvaguarda das legítimas espectativas dos indivíduos;

§ O Direito Internacional Privado é um direito que é tolerante às várias soluções dadas pelos vários
ordenamentos jurídicos.

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Âmbito do Direito Internacional Privado

1. Normas de conflitos: normas que designam a lei aplicável para regular uma relação privada
internacional. As normas de conflitos dizem-nos qual a lei onde temos de ir procurar a solução para
determinada questão internacional privada (por exemplo, Artigos 45.º e 46.º do CC). As normas de
conflitos podem ser de:

§ fonte nacional: Artigo 25.º a 65.º do CC;


§ fonte internacional: normas de convenções internacionais;
§ fonte da União Europeia: normas em regulamentos (Regulamento Roma I, Regulamento Roma II
e Convenção de Roma).

2. Normas acessórias das normas de conflitos (Artigo 14.º a 24.º do CC): normas que regulam a
aplicação das normas de conflitos; regulam e controlam o resultado material da aplicação a que se chega
com a aplicação das normas de conflitos;

3. Normas sobre o reconhecimento de sentenças estrangeiras e outros atos públicos estrangeiros


sobre direitos privados: estas têm fontes nacionais (Artigo 978.º e ss. do CPC), fontes internacionais
e fonte da União Europeia (por exemplo, Regulamento Bruxelas I bis, Regulamento Bruxelas II bis,
Convenção de Bruxelas sobre competência internacional e reconhecimento de sentenças estrangeiras,
etc.);

4. Reconhecimento de sentenças arbitrais: complementam, fixam pressupostos e limites, resolvendo


conflitos de jurisdição previstos nos Artigos 62.º e 63.º do CPC e no Regulamento Bruxelas I bis;

5. Normas de competência dos órgãos que aplicam do Direito Internacional Privado: dizem quais as
autoridades com competências para julgar. Estas possuem fontes nacionais (Artigos 62.º e 63.º do CPC),
fontes internacionais (Convenção de Bruxelas) e fontes da União Europeia;

6. Normas que regulam o direito da nacionalidade – Lei da Nacionalidade: normas de direito material
que regulam a aquisição, a manutenção e a perda da nacionalidade de determinado Estado; a
nacionalidade é um elemento de conexão relevante do Direito Internacional Privado em matéria de
estatuto pessoal;

7. Normas que regulam os direitos dos estrangeiros ≠ direito estrangeiro: conjunto de normas que
definem a capacidade dos estrangeiros para serem titulares de direitos privados face à capacidade
reconhecida aos cidadãos nacionais; estabelecem uma distinção entre estrangeiros e nacionais (por
exemplo, Artigos 14.º e 15.º da CRP).

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Métodos de regulamentação das relações privadas internacionais (RPI)

Comum
Direito material do Estado do foro
MÉTODO Especial
MATERIAL Aplicável às relações internas e internacionais
Direito material uniforme
Aplicável apenas às relações internacionais

MÉTODO
CONFLITUAL

Os métodos de regulamentação das relações privadas internacionais não são métodos alternativos, mas sim
métodos complementares.

1. Método substancialista ou material: dá a solução ao caso concreto.

1.1 Direito material do Estado do foro

1.1.1 Direito material comum do Estado do foro: forma de regulamentar as relações privadas
internacionais, cujas relações são submetidas ao direito material comum do Estado do foro,
ou seja, às normas materiais da ordem jurídica a que pertence o órgão aplicador do direito.
Isto significa que nesta técnica as relações jurídicas privadas internacionais serão tratadas
como relações privadas internas. Assim sendo, vamos aplicar as normas materiais que
pertencem à ordem jurídica do foro (onde é intentada a ação ou onde se localiza o órgão),
como se as relações jurídicas privadas internacionais fossem puramente internas.

Por exemplo, CCV celebrado entre dois portugueses relativamente a um prédio rústico
situado em França por documento particular. Ora, este contrato é válido de acordo com o direito
francês. Contudo, caso os tribunais portugueses fossem chamados a pronunciar-se sobre esta
questão, estes iriam tratar esta relação como uma relação jurídica portuguesa e, como tal, seria
inválida, uma vez que na ordem jurídica portuguesa a celebração de um CCV relativamente a
um bem imóvel celebrado por documento particular é nula, nos termos dos Artigos 204.º, n.º 1,
al. a), 874.º, 875.º, 220.º e 286.º do CC.

Vantagens: boa administração da justiça e a solução do litígio será mais rápida, uma vez
que não é necessário alegar, indagar e provar o teor do direito estrangeiro.

Desvantagens: imprevisibilidade (direito aplicável varia em função do Estado do foro),


incerteza e insegurança jurídicas e afetação das legítimas espectativas das partes, o que põe em
causa o princípio da confiança das partes. Para além disso, a parte que for mais rápida poderia
escolher o foro que lhe fosse mais favorável, o que fomenta o fórum shopping, colocando em
causa também o princípio da igualdade das partes.

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Com efeito, o método substancialista ou material comum do Estado do foro está


ultrapassado, dado que não é muito útil hoje em dia. Por estas desvantagens, não aceitamos este
método hoje em dia.

1.1.2 Direito material especial do Estado do foro: conjunto de normas materiais que vão dar a
solução para o caso concreto; normas materiais do Estado do foro especialmente criadas
para regulamentar diretamente as relações privadas internacionais. Estas têm na sua génese
o ius gentium. Podem aplicar-se diretamente, completar normas de conflitos, etc. Entre estas
normas especiais encontram-se:

Ø Normas materiais de Direito Internacional Privado: normas que se encontram no


meio das normas de conflito; ajudam estabelecendo limites, pressupostos ou
complementos (por exemplo, Artigos 51.º, n.º 3, 54.º, n.º 2, 27.º, n.º 2, 26.º, n.º 2, 2.º,
n.º 2, 45.º, n.º 2, 51.º, n.º 1, 53.º, n.º 3, do CC e Artigo 3.º, n.º 2, do CSC);

Ø Normas de aplicação imediata (NAI): delimitam o âmbito de aplicação no espaço de


forma autónoma independentemente das normas de conflitos; são normas materiais
espacialmente autolimitadas (elas dizem quando se aplicam), que pelo fim social que
visam atingir e pela sua especial densidade valorativa (o nosso legislador quer proteger
um valor fundamental), reclamam a sua aplicação, explícita ou implicitamente (o seu
âmbito de aplicação retira-se através dos fins que visa alcançar), independentemente do
âmbito de competência da ordem jurídica a que pertencem, derrogando o sistema
conflitual do Estado do foro. Deste modo, estas normas têm um interesse relevante por
parte do Estado (interesse público subjacente) e, como tal, vão prevalecer sobre as
normas de conflitos (por exemplo, Artigos 2223.º e 1682.º-A, n.º 2, do CC).

Artigo 2223.º do CC: norma de direito das sucessões que exige a forma solene para o
testamento celebrado por cidadão português em país estrangeiro, que vai afastar a solução
a que chegaríamos pela aplicação de normas de conflitos (Artigo 65.º, n.º 2, do CC); norma
material formulada para resolver uma situação plurilocalizada e determina o seu âmbito de
aplicação espacial.

Artigo 1682.º-A, n.º 2, do CC: exigência do consentimento de ambos os cônjuges; caso


a casa esteja em Portugal terá que se obedecer à norma prevista no Artigo 1682.º-A, n.º 2,
do CC.

FRACESCAKIS foi o primeiro autor que lançou a primeira grande obra sobre as
normas de aplicação imediata (NAI).

Ø Normas que integram direito dos estrangeiros: normas que limitam a capacidade de
gozo conhecida aos cidadãos estrangeiros para serem titulares de direitos privados em

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comparação àquela que é atribuída aos cidadãos nacionais portugueses. Estas normas
existem em todos os ordenamentos jurídicos.

1.2 Direito material uniforme ou unificado

O Direito material uniforme ou unificado tem uma origem supraestadual, isto é, a fonte deste direito
não é um Estado, mas sim uma organização internacional.

1.2.1 Direito material uniforme aplicável tanto às relações puramente internas como às
relações privadas internacionais: leis materiais comuns a vários Estados que são
aplicadas em certos domínios específicos do Direito Internacional Privado. Através destas
normas conseguimos que em vários Estados, que sejam membros daquela convenção, o
litígio se resolva da mesma maneira. Deste modo, vários Estados aplicam a mesma lei. Por
exemplo, Convenção de Genebra sobre Letras e Livranças (1930). Para estas convenções
serem aplicadas terão de existir normas de conflitos.

Porém, por vezes, surgem dúvidas quanto à interpretação e integração das normas de direito
material uniforme ou unificado (na maior parte das vezes não existem interpretações igualitárias
para todos os Estados) e, em alguns casos, surgem até mesmo lacunas que são resolvidas pelos
vários Estados de formas diferentes.

Todavia, este problema não se coloca quando estamos perante uma fonte comunitária (por
exemplo, Regulamento da UE n.º 2027/97).

1.2.2 Direito material uniforme especialmente criado para regular apenas as relações
privadas internacionais: este assume, muitas vezes, a denominação de direito do comércio
internacional. Existem várias convenções feitas pelos Estados e regulamentos para regular
as relações privadas internacionais. Por exemplo, Convenção de Varsóvia de 1929 para
unificação de regras relativas ao transporte aéreo internacional e Convenção de Viena de
1980 sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias (Portugal só aderiu
em 2020).

Vantagens

§ Normas mais específicas, ajustadas e adequadas aos problemas de direito internacional


privado, pensadas especialmente para este tipo de questões jurídicas;

§ Se a situação plurilocalizada se enquadrar no âmbito do direito material uniforme e,


portanto, já se sabe quais as normas que serão aplicadas, eliminamos o problema de escolha
da lei aplicável e todos os restantes problemas inerentes, tornando-se mais fácil e mais
simples para o aplicador da lei resolver a questão;

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§ Quantos mais Estados aderirem haverá uma harmonia jurídica internacional de soluções,
que permite uma maior confiança das partes e uma maior previsibilidade das decisões;

§ Torna-se mais fácil, mais rápido e menos oneroso para as partes conhecer a disciplina
jurídica que será aplicada à sua relação, que se traduz numa certa segurança jurídica.

Desvantagens

§ O direito material uniforme ou unificado só regula em determinados aspetos parcelares, em


aspetos setoriais das relações privadas internacionais e é sempre necessária uma ligação
com a ordem jurídica a que pertencem;

§ Processo moroso, principalmente quando é de fonte internacional (as convenções demoram


muitos anos a serem negociadas); por exemplo, a Convenção de Viena demorou quase 15
anos a ser negociada e só abrange contratos de compra e venda de mercadorias;

§ Não consegue suprimir totalmente o conflito de leis; há certas áreas em que é de todo
impossível avançar estas regulamentações uniformes que abranjam diversos países (por
exemplo, Direito da Família) – só era possível eliminar de forma absoluta o conflito de leis
se a uniformização fosse universal (todos os Estados teriam de aderir, o que não é possível);

§ Interpretação e integração de lacunas.

Há determinados diplomas que contêm determinadas normas que nos indicam como devemos
interpretar as convenções.

Por exemplo, o Artigo 38.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados é o princípio
geral, mas, na prática, muitas vezes os Estados vão fazendo as suas interpretações de acordo com o
direito interno.

Com efeito, quando existe divergência jurisprudencial entre vários Estados contratantes de uma
determinada convenção, tem que se recorrer à orientação jurisprudencial da ordem jurídica competente
segundo o direito conflitual do Estado do foro.

O direito material, em geral, necessita sempre de uma ligação com a ordem jurídica que vai estar a
resolver a questão, para que se possa aplicar. Esta conexão está presente através de uma norma de
conflitos do Estado contratante ou convencional, que remeta para um desses Estados, sendo que
funciona de forma diferente no direito material em comparação com o método conflitual.

Para aplicar este direito em Portugal é necessário existir uma conexão entre o litígio e a ordem
jurídica portuguesa. Às vezes existem normas de conexão nas convenções que estabelecem o critério
de conexão relevante para que determinada convenção se possa aplicar (por exemplo, Artigo 1.º da
Convenção de Viena – é uma norma de conexão e, como tal, estabelece as condições em que aquela
Convenção se vai aplicar).

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Se as nossas normas de conflitos disserem que a determinada questão se aplica determinada lei e o
Estado dessa lei é contratante, aplica-se, então, a Convenção. É necessária a ligação entre a situação e
o Estado onde essas normas vigoram.

Assim, apesar do direito material uniforme ser uma forma de regulamentação das relações privadas
internacionais, ele não é um meio independente e, portanto, precisa destas ligações, das chamadas
normas de conflitos, normas estas que necessitam de um método conflitual. Daí dizermos que existem
dois métodos de regulamentação e que, embora diferentes, têm pontos de diálogo, não são
absolutamente alternativos/ independentes.

Isto posto, o método conflitual e o método material não são métodos alternativos na regulamentação
das relações privadas internacionais, mas sim complementares. Além disso, são métodos que vão buscar
um ao outro características. Normalmente através de normas de conflitos, o método material exige
sempre uma ligação com o Estado contratado, caso contrário a convenção não se aplica.

Contudo, apesar de o método material ser complementado pelas normas de conflitos, o


funcionamento neste método é diferente do funcionamento das normas de conflitos no método
conflitual.

Por outro lado, há duas realidades específicas que querem assumir-se como sendo duas formas
substancialistas de regulamentação das questões privadas internacionais:

§ Lex mercatoria: contêm os usos e as práticas do comércio internacional e têm uma grande
importância a nível da arbitragem internacional. Não são vistas como verdadeiras normas
jurídicas pelos Estados, pois são incompletas e não tutelam certos valores jurídicos que a norma
jurídica interna visa salvaguardar. Todavia, podem ser utilizadas para integrar ou interpretar a
vontade das partes nos contratos internacionais.

Dentro da lex mercatoria existem dois instrumentos jurídicos muito importantes:

Princípios da UNIDROIT relativos aos contratos do comércio internacional (instituto


internacional para a unificação do direito privado);

Princípios do Direito Europeu dos Contratos elaborados no âmbito da União Europeia: estes
princípios pretendem transmitir um fundo comum a todos os Estados da União Europeia,
uma espécie de lex mercatoria codificada. Estes existem, essencialmente, para que os
Estados possam modelar a sua ordem jurídica àqueles princípios e para os próprios sujeitos
de direito privado se servirem daqueles contratos.

§ Direito flexível (soft law): leis modelo/ propostas/ recomendações, ou seja, corpos de normas
uniformes criados pelas organizações internacionais que são propostas aos Estados e estes, se
quiserem, podem transpô-las/ adotá-las no âmbito do direito interno. Existe uma lei modelo

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sobre arbitragem comercial internacional que Portugal adotou, nomeadamente a


UNCITRAL/CNUDC.

2. Método conflitual

O método conflitual é o método de primazia, o método remissivo, típico do Direito Internacional Privado.

Este método traduz-se essencialmente na formulação e aplicação de normas de conflitos de leis no espaço,
ou seja, normas que vão regular as relações privadas internacionais através de uma remissão para a ordem
jurídica interna ou estrangeira, após se declarar competente, a que a essa questão esteja ligada.

Assim sendo, as normas de conflitos são normas que nos indicam qual a lei a aplicar a determinada relação
privada internacional, através do elemento de conexão (elemento individualizador da norma de conflitos – por
exemplo, o território ou a nacionalidade).

A norma de conflitos remete para a ordem jurídica onde vamos buscar a solução para determinado litígio
(por exemplo, Artigo 25.º do CC que remete para o Artigo 31.º, n.º 1, do CC).

Estas normas assentam em dois pressupostos:

1) Existência de limites espaciais à aplicação do Direito: a ordem jurídica de cada Estado não se aplica
universalmente (não vale para todas as situações da vida, ou seja, só vale para as situações que têm uma
ligação com a ordem jurídica em questão) e, como tal, tem de existir uma ligação entre a ordem jurídica
com o caso que está a ser apreciado;

2) Pluralidade e diversidade de ordens jurídicas: o método conflitual trata-se de um método de


regulamentação que se funda na tolerância do Direito Internacional Privado face à diversidade de
direitos.

NOTA: Só aplicamos direito estrangeiro se existir uma norma de conflitos que o permita.

Funções das normas de conflitos

1) Delimitam o âmbito de aplicação do direito material interno/ direito do Estado do foro;

2) Conferem eficácia na ordem jurídica interna a normas materiais da ordem jurídica estrangeira.

Por exemplo, Artigo 46.º do CC: um português compra uma casa de férias localizada em Ibiza. Quando é
que se dá a transferência do direito de propriedade sobre este imóvel? Qual é a lei aplicável? Ora, como
estamos perante uma questão privada internacional, a lei aplicável será a lei espanhola, uma vez que se trata da
lei onde está localizada a coisa (elemento de conexão). Isto é, nos termos do Artigo 46.º do CC, o juiz vai decidir
que ao caso se aplica a lei espanhola. O Artigo 46.º do CC permite ao juiz português aplicar direito estrangeiro
em Portugal (2.ª função). Se fosse a situação inversa, aplicaríamos a lei portuguesa (1.ª função).

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Características das normas de conflitos

1. Formais ou indiretas: opõe-se às normas materiais; não fornecem diretamente a solução material para
a questão privada internacional, apenas se limitam a indicar o direito nacional ou estrangeiro onde
procurar a solução;

2. Remissão ou de conexão: limitam-se apenas a remeter/ indicar o sistema jurídico ao qual nós vamos
procurar a regulamentação material da relação plurilocalizada; estão a remeter para uma ordem jurídica
onde procuramos a solução da questão e fazem essa remissão através do elemento de conexão (elemento
que liga a ordem jurídica ao litígio – exemplo da nacionalidade ou do local onde se situa o imóvel); não
contêm a solução material, apenas elaboram essa mesma remissão para que se alcance a respetiva
solução – existem vários elementos de conexão;

3. Imperativas ou injuntivas: as normas de conflitos não estão na disponibilidade das partes, ou seja, as
normas de conflitos vão ser aplicadas independentemente da declaração de vontade das partes; o juiz
tem de as aplicar imperativamente, dado que a sua aplicação não está dependente da vontade das partes;

4. Operam por categorias de questões jurídicas ou relações jurídicas – problema do dépeçage:


normas que utilizam conceitos jurídicos (por exemplo, capacidade jurídica). A mesma questão pode ser
regulada por várias ordens jurídicas diferentes – dépeçage (desmembramento da relação jurídica:
quando as relações são reguladas nos seus diferentes aspetos por ordens jurídicas diferentes).

Por exemplo, contrato de compra e venda celebrado em Itália de um apartamento sito em França entre
um português e um espanhol, sendo que estes escolheram como lei reguladora do contrato a lei suíça.

ñ Capacidade das partes: Artigos 25.º e 31.º, n.º 1, do CC – para aferir da capacidade para celebrar
o contrato aplicamos a lei da nacionalidade: ao espanhol aplicamos a lei espanhola e ao português
a lei portuguesa;

ñ Forma do contrato: Artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento Roma I – quanto à forma aplicamos a lei
do lugar da celebração. Tendo em conta que o contrato foi celebrado em Itália, aplicamos a lei
italiana;

ñ Substância: lei escolhida pelas partes – lei suíça (Artigo 3.º do Regulamento Roma I);

ñ Transmissão do direito real (direito de propriedade): lei do lugar da situação da coisa – lei
francesa (Artigo 46.º, n.º 1, do CC).

5. Designam, em princípio, a lei melhor localizada para regular a questão: tendo em consideração os
princípios de Direito Internacional Privado, o legislador olha para a questão e vai decidir qual a lei que
está melhor localizada. Daí dizer-se, tradicionalmente, que as normas de conflitos têm um cariz
localizador.

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Contudo, há uma exceção a esta característica das normas de conflitos:

§ Norma de conflitos de natureza material: a tal conexão que nos diz qual a lei aplicável e a
configuração da própria norma é feita para atingir um certo resultado material que o legislador
considera importante. Por exemplo, Artigos 5.º da Convenção de Roma e 6.º do Regulamento
Roma I (o legislador criou uma norma de conflitos material que favorece o consumidor).

6. O Direito Internacional Privado guarda o controlo do resultado material a que se chega pela
aplicação das normas materiais do ordenamento competente pela aplicação das normas de
conflitos: em certos momentos o julgador vai poder afastar ou modificar a solução deduzida ao direito,
em princípio, competente, através de certos mecanismos:

a) Reserva da ordem pública internacional (ROPI): após determinar a lei aplicável, o legislador vai
ver a solução e verifica que se torna necessário alterar. Esta reserva constitui um mecanismo de
restringir/ corrigir a aplicação da lei material estrangeira. Por exemplo, quando é aplicável uma lei
estrangeira e é necessário alterar porque esta colide com os princípios fundamentais da ordem
pública internacional (Artigo 22.º do Código Civil).

1.º) Verificamos a norma de conflitos – aplicamos a lei estrangeira (se a norma assim o disser);

2.º) Vemos que o resultado não é eficaz;

3.º) Procuramos outra solução na ordem jurídica estrangeira ou aplicamos o direito do Estado de
foro.

Para além disso, a ROPI também se encontra prevista nos Artigos 16.º da Convenção de Roma,
21.º do Regulamento Roma I e 26.º do Regulamento Roma II.

Por exemplo, um iraniano casa em Portugal com uma iraniana, mas já é casado com outra pessoa.
O conservador do registo civil português não pode aplicar em Portugal o preceito material do direito
iraniano da poligamia, uma vez que vai contra a ordem jurídica portuguesa (Artigo 46.º do CC). Posto
isto, o conservador iria rejeitar a celebração do casamento entre estes, com base na reserva da ordem
pública internacional.

b) Adaptação: permite corrigir o direito material a que chegamos através das normas de conflitos;
aplica-se quando as normas aplicáveis não se ajustam entre si, frequentemente por efeito do
dépeçage. Como nós aplicamos diferentes leis materiais a vários aspetos da mesma relação jurídica,
pode acontecer que no final tais leis não se consigam relacionar e a solução não consiga alcançar o
que se pretende ao solucionar determinado conflito (por exemplo, celebrar um contrato e no fim
não se produzir o efeito pretendido – Artigo 879.º do CC) – tal pode até colocar em causa o princípio
da confiança das partes.

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Assim, é necessário fazer uma adaptação da norma, tendo em consideração o caso concreto para
que o contrato celebrado no fim cumpra o objetivo para o qual foi celebrado.

A adaptação pode ser feita através de normas de conflitos e de normas materiais. Para além disso,
pode fazer pequenas alterações para salvaguardar os direitos fundamentais.

MARQUES DOS SANTOS comparava esta situação à de um automóvel construído a partir de


peças avulsas de marcas diferentes. No final pode até parecer um automóvel, mas é possível que não
consiga andar/ pode não funcionar. Assim, por vezes, tida a solução, é necessário fazer algumas
correções tendo em conta o resultado material que se quer atingir – resolve-se isto através da adaptação.

NOTA: Quando aplicamos normas de conflitos não basta determinar o direito aplicável, mas
também é necessário verificar o resultado no âmbito das relações privadas internacionais para aferir as
situações em que será necessária uma intervenção do julgador.

A origem do método conflitual

O método conflitual surgiu no século XIX como forma de regulamentar as relações privadas internacionais.

Contudo, antes disso já existiam relações privadas internacionais reguladas pelas escolas estatutárias, que
assentavam no princípio da territorialidade e da proporcionalidade. Através do método estatutário, que consistia
em interpretar estatutos (lei criadas para aplicar a determinada localidade), e na aplicação dessas leis procurava-
se determinar o âmbito de aplicação espacial através do conteúdo do próprio estatuto. Existiam três tipos de
estatutos:

§ Estatutos pessoais: matérias que diziam respeito às pessoas e aplicavam-se a todas as pessoas com
domicílio no lugar onde vigoravam esses estatutos;

§ Estatutos reais: matérias que diziam respeito a coisas imóveis e aplicavam-se a coisas imóveis situadas
num território onde esses estatutos vigoravam;

§ Estatutos mistos: matérias que diziam respeito aos atos jurídicos e aos delitos, aplicáveis a atos
jurídicos praticados no lugar onde vigoravam esses estatutos e aos delitos onde eram cometidos.

Críticas

1. Método rudimentar: oferecia e aplicava-se a um número muito limitado e insuficiente de conexões, pois
só existiam três tipos de estatutos, o que trazia dificuldades quanto à classificação das normas;

2. Dificuldade de classificação das normas materiais ou dos próprios estatutos para se encontrar o seu
âmbito de aplicação;

3. Parte de uma ideia errada de que a aplicação do direito estrangeiro ofende sempre a soberania do Estado
do foro (princípio do territorialismo).

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No entanto, apesar das críticas, até pelo longo período de tempo que estas escolas estiveram em vigência,
ainda hoje se aplicam algumas regras que surgiram deste método estatutário, nomeadamente:

§ Distinção entre a lei aplicável ao processo (lex fori) e a lei aplicável ao fundo da causa;

§ Utilização do elemento de conexão do local onde o ato foi celebrado (por exemplo, Artigo 36.º e 50.º
do CC): atos jurídicos são regulados pelo lugar onde são celebrados;

§ Aplicação da lei pessoal às questões do estado do indivíduo e da capacidade das pessoas (por exemplo,
Artigo 25.º do CC);

§ Aplicação da lei do lugar da situação da coisa na aplicação do direito das coisas (lex resitae) – por
exemplo, Artigo 46.º do CC;

§ Princípio da autonomia da vontade das partes (por exemplo, Artigos 41.º do CC e 3.º do Regulamento
Roma I);

§ Disciplina e eficácia das normas de aplicação imediata (NAI) – por exemplo, Artigo 9.º do
Regulamento Roma I.

Direito Internacional Privado internacionalista ou universalista

No século XIX (período universalista) surge o método conflitual proposto por SAVIGNY (pai de uma
grande mudança/ pai do método conflitual). Este fundamenta-se nas seguintes ideias:

§ Harmonia jurídica: ideia de igualdade jurídica entre as ordens jurídicas do Estado do foro e as ordens
jurídicas estrangeiras; SAVIGNY acha que entre estas existe uma comunidade de Direito resultante de
uma certa raiz comum entre aquilo que se chama nações civilizadas (consiste na influência das ideias
cristãs em ambas);

§ Validade universal;

§ Relação jurídica: a cada categoria de relação jurídica (por exemplo, filiação, casamento, etc.)
corresponde, segundo a natureza própria das coisas, uma sede (sede da relação jurídica). A essa relação
jurídica vai ser aplicada a lei vigente na sede da relação jurídica;

§ Sede da relação jurídica: lugar que tinha uma maior conexão/ uma conexão mais estreita com a relação
jurídica/ com a causa que seria aprovada de acordo com os princípios do Direito Internacional Privado;

§ Direito de conexão;

§ Normas localizadoras: as leis de conflitos, tradicionalmente, têm uma vertente localizadora.

O objetivo do Direito Internacional Privado, para SAVIGNY, era a harmonia de julgados ou harmonia
jurídica internacional, ou seja, a ideia de que as relações jurídico-privadas internacionais esperam a mesma
solução independentemente de serem julgados por tribunais diferentes. Isto significa que deviam ter a mesma
solução onde quer que fossem apreciadas, pelo que os Estados deviam adotar as mesmas normas de conflitos.

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Contudo, isso só acontece se os Estados adotarem as mesmas normas de conflitos, isto é, se à mesma situação
jurídica aplicarem a mesma sede.

No entanto, é feita uma crítica ao método conflitual de SAVIGNY: o método conflitual tem um caráter
excessivamente formal, procura apenas pela justiça formal, ignorando valores importantes materiais – este
método não considerava a justiça e o resultado material (por exemplo, a proteção da parte mais fraca).

Esta proposta de SAVIGNY sobrevive até ao século XX. Porém, nos anos 30 do século XX surge nos EUA
uma corrente pouco contente com as ideias de SAVIGNY – revolução metodológica norte-americana do
Direito Internacional Privado. Os EUA são compostos por vários Estados, tendo cada um deles o seu próprio
direito, sendo de origem maioritariamente jurisprudencial.

Com efeito, existem dois restatement on the conflits of laws (1934 e 1971), que consistem em compilações/
codificações privadas de normas de conflitos que provinham de jurisprudência e que eram aplicadas a todos os
Estados – American Law Institute.

Para um dos restatement o método conflitual não tinha em conta os interesses dos Estados, era
excessivamente formal, não se ajustava às particularidades das relações jurídicas do comércio internacional,
bem como não tinha em conta os interesses dos próprios Estados na regulamentação das relações jurídicas
privadas internacionais.

Posto isto, surgem igualmente várias posições em relação ao conflito entre duas ordens jurídicas, sendo que
os americanos enunciam um conjunto de respostas às questões das relações jurídicas internacionais, respostas
estas que foram efetivamente adotadas e aplicadas pelos tribunais americanos:

§ DAVID F. CAVERS/ JUNGER (result selective approach): não é um problema entre sistemas de
direito; quando temos de resolver uma questão em contacto com vários ordenamentos jurídicos, o
tribunal deve aplicar a norma que, no caso concreto, conduza a um melhor resultado material (primazia
da avaliação casuística) – poder discricionário do julgador;

§ ROBERT A. LEFLAR (better rule): defende que de entre as normas de leis conexas com a situação
plurilocalizada, o juiz deve aplicar a que, do ponto de vista material, é a mais adequada; para ele não
interessa o resultado, devendo aplicar-se aquela que for a melhor norma em abstrato – poder
discricionário do julgador;

§ ARTHUR VON MEHVREN (normas ad hoc): defende a justiça material e a intervenção do juiz; nas
situações em que existe mais do que uma jurisdição interessada na resolução da relação privada
internacional (nomeadamente aplicando o seu direito internacional), o juiz deve formular uma norma
ad hoc para a situação em particular, constituída a partir das várias normas materiais que têm conexão
com o caso concreto. Isto é, constrói-se uma norma ad hoc, que consiste numa norma criada com um
pedaço de uma norma e outro pedaço de outra norma;

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§ BRAINERD CURRIE (governmental interest analysis) – caso Babcok contra Jackson: defende que na
resolução de conflitos de leis devemos olhar para os objetivos de política legislativa que os Estados
visam atingir através das suas normas e aplicar a lei do Estado que tiver mais interesse na resolução da
questão, isto é, o que tiver mais interesse na realização dos seus objetivos deverá ser a sua lei a ser a
aplicada. Se ambos os Estados estiverem igual interesse, aplica-se a lei do Estado do foro. Se nenhuma
quiser resolver a questão, aplica-se também a lei do Estado do foro;

§ BAXTER (comparative impairment) – caso Bernhard contra Harrah’s Club: defende que de entre os
Estados ligados à relação jurídica internacional deve aplicar-se a lei do Estado cujos objetivos de
política legislativa sejam mais prejudicados com a não aplicação da sua lei;

§ ALBERT A. EHRENZWEIG (lex fori): defende a aplicação da lei do Estado do foro e, como tal, só
podemos aplicar normas estrangeiras se a lei do Estado do foro o mandar.

Todas estas teorias foram efetivamente aplicadas pelos tribunais, pelo que o direito americano criou o
Second Restatement. Para a 2.ª Reformulação (Second Restatement) das codificações privadas de normas de
conflitos o ideal é a open ended rules, que veio flexibilizar as normas de conflitos mais rígidas. Os casos devem
ser resolvidos caso a caso, tendo em consideração o caso concreto – resolução casuística (regra comum a todas
estas propostas: regra que se sobrepõem à harmonia dos julgados).

Não obstante, todas estas propostas norte-americanas foram alvo de críticas:

§ Há um excessivo casuísmo que gera incerteza e insegurança jurídicas, isto porque ao deixar nas mãos
do juiz as partes não sabem com o que podem contar;

§ A melhor lei do ponto de vista material pode não ser a melhor lei/ a lei mais adequada para resolver o
conflito (a questão privada internacional), pode não ser a mais justa;

§ Além do interesse dos Estados, na regulamentação das relações jurídicas privadas internacionais devia
ser tido em conta o interesse das partes. Os Estados não têm interesse ou se tiverem é muito residual,
na resolução destas questões, dado que o interesse é das partes;

§ Todas estas propostas levam à maximização da aplicação da lei do Estado do foro (aplicação máxima
do princípio da territorialidade – coloca em causa as finalidades do Direito Internacional Privado);

§ Nem sempre é viável olhar para uma norma e tirar os interesses que ela visa salvaguardar, tirar os
interesses de política legislativa a aplicar ao caso concreto.

Porém, estas críticas levaram a uma renovação metodológica do Direito Internacional Privado na Europa e
atualmente encontramos duas grandes vertentes.

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Atual estado metodológico do Direito Internacional Privado

A renovação metodológica recente reveste duas vertentes:

1. Abertura do Direito Internacional Privado a uma pluralidade de métodos

§ Normas materiais de Direito Internacional Privado (método substancialista ou material) e método


conflitual que se complementam (não são alternativos);

§ Normas de aplicação imediata (NAI).

2. Flexibilização das normas de conflitos no espaço

§ Normas ou cláusulas gerais de conexão mais estreita: normas de conflitos que conferem ao órgão
de aplicação do direito a tarefa de definir caso a caso qual a conexão mais estreita entre a situação
a regular e certo ordenamento jurídico, sendo a lei com a conexão mais estreita a que será aplicada.

Por exemplo, Artigos 52.º, n.º 2, e 60.º, n.º 2, do Código Civil; Artigo 4.º, n.º 1, da Convenção de
Roma e Artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento Roma I.

§ Normas de conflitos gerais ou substanciais: normas em que a escolha do elemento de conexão é


determinável tendo em conta um resultado material que se pretende obter na regulamentação das
relações jurídicas privadas internacionais; foram construídas pelo legislador para obter uma
determinada finalidade material.

Por exemplo, Artigos 6.º, n.º 2, e Artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I e Artigos 5.º da
Convenção de Roma e 6.º, n.º 1, do Regulamento Roma I.

§ Cláusulas de exceção: instrumentos de correção do funcionamento das normas de conflitos de tipo


clássico, tendo como objetivo possibilitar a aplicação de uma lei que apresente com os factos uma
conexão mais estreita do que aquela que foi designada pela norma de conflitos aplicável. Isto é, é
possível aplicar ao caso concreto uma norma mais perfeita do que a prevista pelo legislador.

Por exemplo, Artigo 6.º, n.º 2, in fine, da Convenção de Roma; Artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento
Roma I e Artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento Roma II.

Assim sendo, atualmente as normas de Direito Internacional Privado:

§ Consagram um poder discricionário ao julgador, seja na aplicação da lei, seja na aplicação material
da lei competente;

§ Atentam no interesse das partes e no interesse residual dos Estados;

§ Assentam numa pluralidade de métodos: as normas de materiais de Direito Internacional Privado e


as normas de aplicação imediata;

§ Caracterizam-se por uma flexibilização das normas de conflitos.

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A justiça e os princípios gerais de Direito Internacional Privado

Traduzem-se nos valores que inspiram o Direito Internacional Privado, sendo os princípios a expressão
normativa dos valores fundamentais. Podemos retirar a justiça e os princípios gerais de Direito Internacional
Privado dos elementos de conexão que fazem parte das normas de conflitos, das normas que definem os limites
da aplicação da norma designada pelas normas de conflitos, das regras que regulam a interpretação e a aplicação
das normas de conflitos, bem como das regras que estabelecem condições de reconhecimento e eficácia dos
Estados do foro a atos públicos e estrangeiros.

Os princípios gerais de Direito Internacional Privado são extremamente importantes para criar a unidade do
Direito Internacional Privado, para a interpretação, para a integração de lacunas (Artigo 10.º, n.º 1, do Código
Civil) e para o papel que compete ao julgador na resolução das questões privadas internacionais, assim como
no papel modelador da relação privada internacional (ROPI).

No século XIX SAVIGNY propõe uma harmonia de julgados e afirma que esta ideia era o principal
princípio do Direito Internacional Privado. Esta é uma ideia que atravessa o século XX, sendo que atualmente
encontra-se completamente ultrapassada. Hoje em dia, consideramos que o Direito Internacional Privado
constitui um ramo do direito privado, logo os seus princípios serão os mesmos que se exigem no direito privado,
sendo a única diferença a ideia de que estes mesmos princípios são os mesmos, mas adaptados ao objeto do
Direito Internacional Privado (adapta-se ao objeto da disciplina, ou seja, as relações privadas internacionais).

Posto isto, temos princípios que exprimem valores individuais (dizem respeito ao indivíduo) e princípios
que exprimem valores sociais (dizem respeito à comunidade em geral e prosseguem o bem comum).

1. Princípios que exprimem valores individuais

§ Princípio da dignidade da pessoa humana: encontra-se previsto no Artigo 1.º da CRP e implica
que se reconheça personalidade jurídica e um certo número de direitos de personalidade às pessoas.
No Direito Internacional Privado, este manifesta-se, desde logo, ao nível do direito dos estrangeiros
(reconhecemos aos estrangeiros a suscetibilidade destes serem titulares de direitos privados –
Artigos 15.º, n.º 1, da CRP e 14.º, n.º 1, do CC). Além disso, também o encontramos em matérias
de estatuto pessoal das pessoas singulares (lei pessoal) – direito ao estado, capacidade, etc. Estas
matérias estão sujeitas à nacionalidade, ou seja, são reconhecidas em qualquer lugar em que a
pessoa esteja (Artigo 25.º, 26.º e 27.º do CC), o que confere a sua dignidade;

§ Princípio da autonomia da vontade: as pessoas têm toda a liberdade para contratarem ou não com
quem quiserem, para modificar ou extinguir as suas relações jurídicas. No Direito Internacional
Privado, este manifesta-se na medida em que se permite às partes que escolham a lei aplicável ao
contrato por razões de certeza, segurança e previsibilidade jurídicas, bem como as partes são quem
sabe qual a melhor lei para salvaguardar os seus interesses da melhor forma (por exemplo, Artigos

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34.º e 41.º, n.º 1 do CC; Artigo 3.º da Convenção de Roma; Artigo 3.º do Regulamento Roma I e
Artigo 14.º do Regulamento Roma II);

§ Princípio da tutela da confiança: assenta na permanência dos direitos adquiridos, a ideia de que
as pessoas adquirem direitos e confiam legitimamente na manutenção desses direitos, o que é
condição de paz e equilíbrio social. Confere segurança, essencialmente, no tráfego jurídico. Este
princípio justifica no Direito Internacional Privado o facto de na regulamentação das matérias de
estatuto pessoal (capacidade, relações familiares, sucessões, etc.) existirem alguns desvios, quer
quanto às pessoas singulares (Artigos 28.º, 31.º, n.º 2, e 47.º do CC, Artigo 11.º da Convenção de
Roma e Artigo 13.º do Regulamento Roma I), quer quanto às pessoas coletivas (Artigo 3.º, n.º 1,
2.ª parte, do CSC).

Por exemplo, às matérias de estatuto pessoal aplica-se a lei da nacionalidade. Porém, em relação a
pessoas que vivem no estrangeiro é possível aceitar que se aplique a lei da residência habitual para
tutelar as legítimas expetativas das pessoas quanto a relações estabelecidas no estrangeiro (por exemplo,
Artigo 31.º, n.º 2, do CC).

Todos os desvios têm uma justificação para abandonar a regra geral em favor de regras específicas.
A tutela da confiança justifica-se também face ao princípio da proximidade ou da conexão mais estreita.

Princípio da proximidade ou da conexão mais estreita: está na base do método conflitual e


assenta na ideia de que as pessoas se orientam num direito com o qual estão mais ligadas, ou
seja, as pessoas orientam as suas condutas em favor do direito que lhes é mais próximo. Este
princípio respeita os interesses dos Estados, as expetativas das partes e as ligações naturais que
se estabelecem entre determinadas leis e certos Estados.

Quando falamos de proximidade, podemos falar de:

ñ Proximidade com o objeto do litígio (por exemplo, um português que vai de férias para
Espanha e bate com o seu carro, com culpa, no carro de um espanhol);

ñ Proximidade com as partes (por exemplo, dois portugueses enquanto conduzem batem
em Espanha, um contra o outro – Artigo 45.º, n.º 3, do CC);

ñ Proximidade com uma das partes que se quer favorecer (Artigo 45.º do CC).

Por exemplo, a responsabilidade extracontratual manda aplicar a lei do lugar do delito: se


alguém praticar um ato ilícito aqui em Portugal aplica-se a lei portuguesa. Isto porque, por um lado,
o Estado tem interesse em fazer cumprir a sua lei em Portugal, por outro porque a comunidade fica
segura ao saber previamente o que lhe acontecerá (salvaguarda de expectativas).

Este princípio também está presente nos mecanismos que têm uma inspiração casuística de
resolução caso a caso e com a introdução de mecanismos de flexibilidade nas normas de conflitos.

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Exemplos:

- Cláusula de conexão mais estreita ou cláusula de exceção;

- Normas de conflitos tradicionais de cariz localizador: por exemplo, lex loci deliti (Artigo
45.º do CC) e lei da RH ou da nacionalidade comum das partes (Artigo 45.º, n.º 3, do CC
ou Artigo 4.º, n.º 2, do Regulamento Roma II).

Princípio da confiança: justifica as normas de conflitos de caráter alternativo (por exemplo,


Artigo 65.º do CC: o julgador aplica a norma que validar o testamento com o fundamento do
princípio da confiança). Este está subjacente ao sistema do reenvio (visa a estabilidade e
continuidade de direitos que foram adquiridos de relações jurídicas).

ñ Conexões alternativas: favorecem a validade do negócio (por exemplo, Artigos 36.º, n.º
1, e 65.º, n.º 1, do CC; Artigo 9.º, n.º 1 e n.º 2, da Convenção de Roma e Artigo 11.º, n.º 1
e n.º 2, do Regulamento Roma I).

ñ Autolimitações ao sistema de conflitos de leis

Exemplos:

- Cláusula de exceção: permite que seja aplicada uma lei mais próxima ao caso concreto,
salvaguardando as expectativas das partes (por exemplo, Artigo 6.º, n.º 2, in fine, da
Convenção de Roma);

- Normas de reconhecimento de atos públicos estrangeiros (por exemplo, Artigos 1096.º


do CPC e 32.º e ss. do Regulamento Bruxelas I);

- Reenvio (Artigos 17.º a 19.º do Código Civil): conflito negativo de sistemas; surge
quando duas ou mais leis são chamadas para resolver o litígio e nenhuma delas é
competente; tem como intuito assegurar a estabilidade/ continuidade das relações
privadas internacionais.

§ Princípio da igualdade

O princípio da igualdade designa que devemos tratar tudo de forma igual, mas na medida da
desigualdade. Este diz-nos que as relações jurídicas internacionais devem ser tratadas pela mesma lei,
na medida do possível, independentemente do Estado onde forem julgadas (a harmonia de julgados é
então uma concretização deste princípio). Assim sendo, as relações plurilocalizadas devem ser
apreciadas de acordo com as mesmas regras onde quer que sejam submetidas a julgamento.

O legislador deve criar condições para que exista harmonia de julgados, para evitar o fórum
shopping, condições estas quer ao nível das normas de conflitos (adoção de elementos de conexão
suscetíveis de serem aceites universalmente, através de normas de conflitos bilaterais, biparidade de
tratamento entre direito estrangeiro e direito do foro, aplicação dos mesmos elementos de conexão a

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nacionais e a estrangeiros, igualdade de tratamento das normas de aplicação imediata, quer sejam
nacionais ou estrangeiras, e eliminação de elementos discriminatórios presentes nas normas de
conflitos), quer ao nível de resolução de conflitos de sistemas.

Princípio da harmonia jurídica material ou princípio da unidade: concretização do


princípio da igualdade segundo o qual se devem evitar contradições normativas dentro da
mesma ordem jurídica. Com efeito, uma questão avaliada a título principal deve ter a mesma
solução se essa mesma questão for julgada a título prévio. Este princípio também implica uma
redução do dépeçage, sendo uma das formas de especializar as normas de conflitos ou regular
pela mesma lei questões conexas (conexões acessórias – norma de conflitos que manda a aplicar
a uma questão determinada lei que se aplica a outra questão). Por exemplo, Artigos 4.º, n.º 3,
10, n.º 1, e 11.º, n.º 1, do Regulamento Roma II.

Em suma:

ñ Harmonia jurídica internacional (harmonia de julgados)

- Na formulação das regras de conflitos;

- Na resolução dos conflitos de sistemas.

ñ Harmonia jurídica interna (ou harmonia jurídica material ou princípio da unidade ou


integridade das ordens jurídicas).

2. Princípios que exprimem valores sociais

§ A proteção da parte mais fraca: princípio fundamental do direito privado, uma vez que este ramo
do direito parte do princípio de que as partes estão numa posição de igualdade jurídica. Na
realidade, o legislador sabe que isto não acontece e por isso intervém, nomeadamente através deste
princípio (por exemplo, num dano ambiental, o lesado é considerado a parte mais fraca e o
legislador tenta protegê-lo – Artigo 7.º do Regulamento Roma II).

Artigos 5.º da Convenção de Roma e 6.º do Regulamento Roma I (contratos de consumo);

Artigo 6.º da Convenção de Roma e 8.º do Regulamento Roma I (contratos de trabalho);

Artigo 38.º do DL n.º 178/86 de 3 de julho – com alteração do DL n.º 178/93, de 13 de abril
(contrato de agência ou representação comercial, etc.).

§ A salvaguarda da soberania nacional: está na base da sujeição das matérias dos direitos reais à
lei da situação da coisa – o Estado tem interesse em regular as coisas situadas no seu domínio. Está
na base do Artigo 46.º do CC;

§ A salvaguarda da paz social: está na base das normas que sujeitam a responsabilidade
extracontratual à lei da conduta/ lugar onde foi praticado o delito. O Estado tem interesse em regular

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a situação e repor a paz social. Por exemplo, Artigos 22.º, 43.º e 45.º, n.º 1, do CC; Artigo 16.º da
Convenção de Roma; Artigo 16.º do Regulamento Roma II e Artigo 21.º do Regulamento Roma
I;

§ A preservação da identidade cultural das pessoas: este princípio está presente nas relações
plurilocalizadas quando aplicamos a lei nacional de estatuto pessoal.

Relações do Direito Internacional Privado com outras disciplinas jurídicas

§ Direito Comparado

O Direito Comparado não é um ramo do direito, mas sim uma disciplina jurídica que tem por objeto apurar
as semelhanças e as diferenças entre os sistemas jurídicos considerados na sua globalidade e as instituições
jurídicas através da comparação dos diferentes ordenamentos jurídicos.

O Direito Comparado é importante para o Direito Internacional Privado na criação, no desenvolvimento e


no aperfeiçoamento das normas de Direito Internacional Privado como instrumentos de política legislativa e
para a unificação do direito conflitual.

Por outro lado, o Direito Comparado é igualmente importante para o Direito Internacional Privado para a
aplicação e interpretação da generalidade das normas de conflitos, nomeadamente no problema da qualificação
(Artigo 15.º do CC: quando a norma de conflitos do remete para determinada lei, essa competência limita-se às
normas materiais que pelo seu conteúdo e função vão integrar a categoria normativa visada pela norma de
conflitos). Ora, quando queremos interpretar e aplicar direito estrangeiro, devemos fazê-lo exatamente da
mesma forma que é feito no seu país de origem.

Por exemplo, o Artigo 15.º do CC remete para o Artigo 46.º do CC e, como tal, aplica-se a lei estrangeira
apenas em relação aos direitos reais.

Por exemplo, Artigo 25.º do CC: à capacidade aplicamos a lei da nacionalidade do indivíduo. A é francês
e B é português. Para saber se A tem capacidade recorremos à lei francesa. No entanto, a lei francesa vai ser
utilizada apenas para aferir da capacidade e não para o resto do contrato (a recorrência à lei francesa está
limitada).

Por exemplo, o Artigo 49.º do CC ao remeter para a lei competente não está a remeter para todas as normas
do direito da família, mas sim para aquelas normas materiais que na lei competente diga respeito à capacidade
para contrair casamento ou ao regime de faltas e vícios de vontade do conceito quadro das normas de conflitos.

ERNEST RABEL chama a atenção para a importância do Direito Comparado para o Direito Internacional
Privado, pois os legisladores quando criam normas para determinado Estado recorrem a esta disciplina, ou seja,
comparam como determinada questão é regulada em vários Estados, de modo a atingir a universalidade desejada
pelo Direito Internacional Privado.

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Para além disso, o. Direito Comparado é essencial para o Direito Internacional Privado para a interpretação
e aplicação de normas de conflitos materiais ou substanciais, bem como ao nível da interpretação e na aplicação
de normas que submetem a sua aplicação de normas estrangeiras à condição do direito do foro reconhecer a
forma de tutela jurídica prevista nessa norma (Artigo 27.º do CC)

Ademais, o Direito Comparado é também importante para o Direito Internacional Privado ao nível da
interpretação e na aplicação do direito estrangeiro. Por exemplo, o Artigo 23.º do CC manda interpretar a lei
estrangeira dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas. Portanto, o
Direito Comparado vai ajudar-nos a conhecer as fontes a que pertence esse direito, o sistema de controlo de
constitucionalidade, as formas de interpretação em si mesmo e o modo de integração de lacunas.

Por fim, o Direito Comparado também é relevante para o Direito Internacional Privado para resolver o
problema da equivalência entre institutos jurídicos, isto é, quando é preciso reconhecer eficácia no Estado de
foro a um direito subjetivo que é desconhecido no nosso ordenamento jurídico, assim como em relação a certas
normas de direito dos estrangeiros que obrigam à comparação de direitos quando está em causa o princípio da
reciprocidade ou retaliação (Artigo 14.º, n.º 2, do CC).

§ Direito Constitucional

1) Saber se as normas de conflitos de fonte nacional estão sujeitas à CRP do Estado do foro

Exclui a sujeição das normas de conflitos à CRP: o Direito Internacional Privado é um


domínio estranho à CRP, sendo o Direito Internacional Privado composto por normas de
conflitos, que eram axiologicamente neutras. Consideram que o Direito Internacional Privado
era meramente formal (não visava valores, mas apenas a harmonia de julgados). Determinados
autores, tal como DÖLLE e QUADRI, referiam que estas normas eram completamente
estranhas à CRP, pois era impossível violar a constituição.

Para QUADRI, as normas de conflitos ocupam na ordem jurídica uma posição hierárquica
superior às normas materiais e estão ao mesmo nível que as normas constitucionais e, como tal, não
se poderão submeter as normas de conflitos à CRP.

Para BATISTA MACHADO, as normas de conflitos ou são superiores ou são, pelos menos,
paralelas à CRP.

Sujeição à CRP

Ø FERRER CORREIA: como a justiça do Direito Internacional Privado é essencialmente


formal (e não totalmente), estão abertos critérios de justiça material. Logo, o Direito
Internacional Privado não pode ignorar os princípios consagrados na CRP;

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Ø JORGE MIRANDA: as normas de Direito Internacional Privado estão sujeitas à CRP como
quaisquer outras normas estão sujeitas à CRP, dada a hierarquia que a CRP ocupa na ordem
jurídica;

Ø RUI MOURA RAMOS: como os princípios do Direito Internacional Privado são princípios
de direito privado e da ordem jurídica portuguesa, as suas normas estão sujeitas à CRP
como o estão também as normas de direito privado.

2) Saber se as normas materiais estrangeiras da lei competente têm de estar em conformidade


com a CRP do Estado do foro

As normas de conflitos remetem para outros ordenamentos jurídicos, sendo que temos normas de
conflitos que mandam aplicar normas estrangeiras (por exemplo, aplicar a lei da situação da coisa).

Ø FERRER CORREIA: podemos recusar a aplicação de uma norma estrangeira sempre que a
violação da CRP se caraterize numa violação de princípios absolutamente fundamentais da
ordem jurídica portuguesa. Não basta a incompatibilidade com os princípios fundamentais, mas
também uma relação entre os factos e a ordem jurídica portuguesa (juízo de incompatibilidade
e conexão espacial). Limita os casos ao problema da reserva da ordem pública internacional
(ROPI). Isto posto, para a ROPI atuar têm de estar preenchidos os dois requisitos anteriormente
mencionados. Esta é uma posição muito restritiva;

Ø JORGE MIRANDA: os tribunais portugueses só podem aplicar normas estrangeiras que


estejam de acordo com a CRP. A CRP pode obstar à aplicação do direito estrangeiro
independentemente do funcionamento da ROPI. Ora, nos termos do Artigo 204.º da CRP,
quanto aos factos submetidos não podem os tribunais portugueses aplicar normas estrangeiras
que não estejam de acordo com a CRP ou com os princípios nela consagrados. Esta é uma
posição muito expansiva (posição ampla);

Ø RUI MOURA RAMOS: não podemos partir do princípio de que a nossa CRP abranja todas as
relações jurídicas internacionais. Assim sendo, não podemos aplicar a nossa CRP sempre que
temos uma norma material que infrinja a nossa CRP, isto é, é preciso algo mais – temos de ter
um caso em que as finalidades visadas pelas normas constitucionais reclamem a sua aplicação
ao caso concreto, ou seja, temos de interpretar a norma constitucional e ver as suas finalidades.
Através dessas finalidades limitamos a sua aplicação espacial. Isto posto, não podemos
restringir a intervenção da CRP aos casos extremos de atuação da ROPI. Esta é uma posição
intermédia.

A posição adotada é a posição intermédia. Temos de olhar para as normas constitucionais e


verificar se o fim é justificável. Isto é, aplicamos a CRP só se a norma constitucional salvaguardar

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princípios absolutamente fundamentais que só poderão ser salvaguardados com a aplicação daquela
norma ao caso concreto.

Por exemplo, Artigo 53.º da CRP: no que diz respeito a esta norma constitucional, a doutrina, a
jurisprudência e depois os tribunais entenderam que têm de estar em causa trabalhadores nacionais,
contratados em Portugal por empresa com sede em Portugal para prestar trabalho em Portugal ou no
estrangeiro.

3) Problema da aplicabilidade de preceitos materiais estrangeiros incompatíveis com a CRP do


Estado de onde provêm

Ao aplicar a lei estrangeira, os tribunais têm de a aplicar exatamente como esta é aplicada no seu
Estado de origem, caso contrário não existiria uma harmonia de julgados.

Duas hipóteses:

Norma estrangeira foi declarada inconstitucional: se a norma foi declarada inconstitucional com
força obrigatória geral no Estado de origem, nós também não a vamos aplicar em Portugal;

Norma estrangeira ainda não foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral: se a
norma não foi ainda declarada inconstitucional com força obrigatória geral no seu Estado de
origem, a solução dependerá consoante as seguintes situações:

- Se os tribunais ordinários do país de origem não podem fazer controlo de


constitucionalidade das normas (há um tribunal próprio para tal), nós também não o
podemos fazer;

- Se noutros Estados de origem os tribunais ordinários podem fazer controlo de


constitucionalidade das normas e se já existirem decisões a declarar a inconstitucionalidade
de certa norma estrangeira, nós também o podemos fazer (a ideia é a de que nós fazemos o
que se puder fazer no Estado de origem). Porém, JORGE MIRANDA afirma que têm de
existir já decisões, que tem de ser uma inconstitucionalidade evidente, com máxima cautela.

§ Direito da União Europeia

O Direito da União Europeia aparece como uma fonte relevante de Direito Internacional Privado,
principalmente quando falamos de direito originário da União Europeia (direito presente nos tratados),
embora também possamos falar do direito derivado (diretivas e regulamentos) e da jurisprudência do TJUE.

Existem várias normas dos Tratados constituintes das quais resultam várias normas importantes, tais
como:

- Proibição de discriminação de nacionais europeus (Artigos 18.º e 20.º do TUE);


- Liberdade de circulação de pessoas e bens (Artigos 20.º, n.º 2, al. a), e 21.º do TUE);
- O direito de estabelecimento (Artigo 49.º do TUE);

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- Princípio da Paridade de tratamento entre nacionais do Estados-Membros, sejam pessoas singulares


e pessoas coletivas (Artigo 54.º do TFUE).

Para além disso, o Direito da União Europeia também é importante como fonte de normas de conflitos.

Na versão original do Tratado da União Europeia (TUE), os órgãos da União Europeia não tinham
qualquer competência para legislar em matéria de Direito Internacional Privado, mas antes os vários
Estados-Membros, no âmbito da cooperação intergovernamental, poderiam acordar em relação às normas
de Direito Internacional Privado que permitam o conhecimento de direitos adquiridos dentro da União
Europeia.

Neste sentido, surge a Convenção de Bruxelas, que é uma convenção internacional, mas com objetivos
comunitários. Porém, esta foi pensada com a ideia de facilitar o reconhecimento de direitos dentro da União
Europeia, o que trouxe um problema: para julgar questões privadas internacionais tem competência o
tribunal do domicílio do réu, mas existem situações em que a Convenção consagra uma competência
alternativa (por exemplo, matéria de responsabilidade extracontratual – Artigo 7.º, n.º 3, da Convenção de
Bruxelas, anterior Artigo 5.º, n.º 3). O autor podia escolher um de três tribunais (tribunal da residência do
réu, tribunal da prática do ato ilícito ou tribunal do local do dano), ou seja, o que lhe fosse mais favorável.
Isto levaria, consequentemente, ao fórum shopping e à difícil previsibilidade e colocaria em causa o
funcionamento do mercado interno, a harmonia de julgados e a certeza jurídica.

A União Europeia teve a ideia de converter os Estados a unificar normas de conflitos, quer a nível
contratual, quer a nível extracontratual, de modo a eliminar o problema do fórum shopping e da insegurança
e incerteza jurídicas. Contudo, isto causou um problema: a necessária cooperação intergovernamental, que
se mostrava bastante difícil e morosa. Assim, a União Europeia achou mais fácil tentarem fazê-lo apenas
relativamente a obrigações contratuais. Surge, deste modo, a Convenção de Roma de 1980 sobre a lei
aplicável às relações contratuais, entrando em vigor apenas em 1991. Como esta só versa sobre questões
contratuais, o objetivo da União Europeia ficou incompleto, pois durante muitos anos os Estados não
chegaram a acordo em mais matéria nenhuma.

Ademais, encontramos várias normas de conflitos espalhadas em diretivas que completavam a


legislação da União Europeia, que permitiam o bom funcionamento do mercado interno, etc.

Em 1989 foram introduzidos dois artigos no Tratado de Amesterdão, nomeadamente os Artigos 61.º,
al. c), e 65.º do TCE, através dos quais se começa a falar do espaço europeu de liberdade, segurança e
justiça, ou seja, houve uma tentativa de que as várias ordens jurídicas da União Europeia funcionassem
como uma só, para que as fronteiras não sejam um entrave ao exercício de direitos, quer por pessoas
singulares como por pessoas coletivas. Nesta altura atribui-se à União Europeia competência para legislar
em matéria de Direito Internacional Privado (através destes dois artigos), mas só em matéria de asilo e
imigração (como entendia a doutrina).

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Todavia, a Comissão Europeia não entendeu o mesmo que a doutrina e legislou em tudo e mais alguma
coisa, pois esta verificou que chegámos a um ponto em que era difícil unificar mais direito material, mas
também entendeu que não era necessário para conseguir o funcionamento do mercado interno de forma sã
(podemos materializar direito conflitual).

Atualmente, no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), encontramos competência para


a União Europeia legislar em todas as matérias de Direito Internacional Privado. Do TFUE interessam os
Artigos 67.º e ss.. O espaço europeu de liberdade, segurança e justiça apresenta duas vertentes:

- Política de cooperação judiciária em matéria civil (Artigo 81.º do TFUE);


- Política de cooperação judiciária em matéria penal (Artigos 82.º a 86.º do TFUE).

Objetivos da política de cooperação judiciária

ñ Unificar normas de conflitos (as questões seriam resolvidas da mesma forma);

ñ Reconhecimento mútuo de decisões de tribunais estrangeiros através de um sistema de


reconhecimento de decisão estrangeiras – sistema de reconhecimento automático, significa que
os órgãos dos vários Estados-Membros têm a obrigação de confiar nas decisões dos outros
Estados-Membros como se fossem uma só ordem jurídica;

ñ Promover um melhor acesso à justiça (criar mecanismos para que os tribunais tenham acesso
aos direitos dos restantes Estados-Membros).

Cooperação judiciária em matéria civil (Artigo 81.º do TFUE)

Os atos jurídicos da União Europeia aparecem atualmente divididos agora por quatro grandes áreas do
espaço de liberdade, segurança e justiça:

i. Matérias civis e comerciais

- Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução


de decisões em matéria civil e comercial;
- Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais;
- Regulamento Bruxelas I relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução
de decisões em matéria civil e comercial;
- Regulamento 2015/848 relativo aos processos de insolvência;
- Regulamento Roma II relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais;
- Regulamento Roma I relativo à lei aplicável às obrigações contratuais;
- Regulamento n.º 2201/2003 relativo às decisões em matéria matrimonial e responsabilidade
parental;
- Regulamento n.º 4/2009 relativo às decisões em matéria de obrigações alimentares;
- Regulamento n.º 1259/2010 relativo à matéria de divórcio e separação judicial.

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ii. Matéria de direito da família e sucessões

iii. Aspetos processuais

iv. Rede judiciária europeia em matérias civil e comercial (criada pela Decisão 2001/470/CE
do Conselho e alterada pela Decisão 568/2009/CE)

Influência da jurisprudência do TJUE no Direito Internacional Privado

A jurisprudência da União Europeia também é fonte de Direito Internacional Privado, uma vez que
o Tribunal de Justiça da União Europeia pode ser chamado a intervir em matéria de Direito Internacional
Privado:

ñ Desde que os contratos da União Europeia tenham uma cláusula compromissória num
contrato atribuindo competência internacional ao Tribunal de Justiça da União Europeia (Artigo
272.º do TFUE);

ñ Em matéria de responsabilidade extracontratual da União Europeia (Artigo 268.º do TFUE);

ñ Em competência interpretativa da União Europeia da Convenção de Bruxelas e da Convenção


de Roma;

ñ Em competência interpretativa geral dos atos da União Europeia em matéria de Direito


Internacional Privado (Artigo 267.º do TFUE).

Neste aspeto encontramos vária jurisprudência no âmbito da reserva da ordem pública


internacional (ROPI) – mecanismo excecional que funciona quando a aplicação de direito
estrangeiro ou o reconhecimento de sentenças ou atos jurídicos estrangeiros coloquem em causa os
princípios fundamentais da ordem jurídica do foro.

Análise de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia

§ Reserva da ordem pública internacional (ROPI)

Ä Acórdão do Tribunal de 1 de junho de 1999 | Caso Eco Swiss China Time Ltd contra Benetton
International NV.

No presente acórdão estava em causa um contrato de licença celebrado a 1 de julho de 1986 entre a
Benetton, sociedade com sede em Amesterdão, com o prazo de 8 anos, com a Eco Swiss, estabelecida
em Hong Kong. De acordo com o contrato, a Eco Swiss tinha a autorização de fabricar relógios que
diziam “Benetton”, mas podiam ser vendidos quer pela Eco Swiss, quer pela Bulova. Não obstante,
havia uma segmentação do mercado: a Eco Swiss não podia vender os relógios em Itália e a Bulova só
podia vender lá.

Ora, a Benetton decidiu rescindir o contrato três meses antes do termo inicialmente previsto. A
Benetton, a Eco Swiss e a Bulova instauraram um processo de arbitragram relativo a essa rescisão. As

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outras duas sociedades (Eco Swiss e a Bulova) intentam uma ação de responsabilidade pedindo uma
indemnização. Os tribunais arbitrais – por força de uma cláusula arbitral – deram razão às sociedades.

No entanto, a Benetton veio invocar a nulidade dos contratos nos tribunais judiciais, invocando que
essas decisões arbitrais eram contrárias à ordem pública em virtude da nulidade. Isto porque a cláusula
de segmentação do mercado violava o Artigo 101.º, n.º 2, do TFUE, que estipulava que estes contratos
são nulos por causa da concorrência.

O Tribunal de Justiça da União Europeia vem afirmar que a tutela da concorrência é um princípio
axial da ordem jurídica da União Europeia. Como tal, diz que é certo que há a figura dentro dos Estados-
Membros – a reserva de ordem pública internacional (ROPI) –, a qual tem natureza estadual (cada
Estado define os seus princípios axiais). Todavia, os que são princípios axiais da União Europeia são
princípios axiais dos Estados-Membros, o que é fundamental para a ordem jurídica da União Europeia
é fundamental para a ordem jurídica dos Estados-Membros. Isto posto, acabou por dar razão à Benetton.

A reserva de ordem pública internacional é um mecanismo que intervém quando a norma de


conflitos manda aplicar uma norma de direito estrangeiro. É um mecanismo que limita a aplicação de
lei estrangeira quando daí resulte uma situação absolutamente incompatível com a ordem jurídica
portuguesa e os seus valores. Começa-se a falar, pela primeira vez, da reserva de ordem pública
europeia.

O Tribunal de Justiça da União Europeia serve-se de um mecanismo do Direito Internacional


Privado para proteger os princípios fundamentais da ordem jurídica europeia, isto porque o que é
princípio axial da ordem jurídica europeia, é princípio axial da ordem jurídica de cada Estado-Membro.
Neste caso, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio reconhecer a reserva da ordem pública
internacional, mas vem dizer que os princípios fundamentais da União Europeia devem constituir
princípios fundamentais dos órgãos jurídicos dos Estados-Membros.

Assim, isto foi uma forma de o Tribunal de Justiça da União Europeia defender os princípios básicos
da União Europeia. A reserva de ordem pública integra os princípios da União Europeia e de cada
Estado-Membro. Tudo o que é princípio fundamental da União Europeia integra a reserva de ordem
pública dos Estados: o que intolerável para o Direito da União Europeia é intolerável para os próprios
Estados-Membros.

§ Fraude à lei (Artigo 21.º do CC)

A fraude à lei diz respeito à constituição formalmente regular de uma situação de facto ou de direito
que serve de elemento de conexão a uma norma de conflitos.

Esta tem como objetivo evitar a aplicação da lei normalmente competente e conseguir um resultado
que esta lei não permite.

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Ä Caso Baufrremeont – 1878 (julgado pelos tribunais franceses)

No presente caso, ao tempo dos factos o divórcio não era permitido em França e a senhora queria
casar com um romeno, o que não lhe era permitido por ainda estar casada pela ordem jurídica francesa
com outra pessoa. Adquiriu, por isso, nacionalidade alemã de propósito para beneficiar das normas de
direito alemão, que permitiam o divórcio católico quando estivessem separados de pessoas e bens, e
conseguiu casar novamente.

Contudo, os tribunais franceses consideraram que era uma situação de fraude à lei devido à
existência de uma manipulação do elemento de conexão da nacionalidade, com o objetivo de alcançar
um resultado não permitido pela lei competente (lei francesa).

Ä Acórdão do Tribunal de 9 de março de 1999 | Caso Centros Ltd contra Erhvervs-og


Selskabsstyrelsen

Neste caso, dois dinamarqueses queriam constituir uma sociedade comercial, mas na altura a lei
dinamarquesa exigia a libertação de um capital mínimo muito elevado.

Com efeito, eles fizeram estudos e constataram que no Reino Unido não havia essa exigência de
capital mínimo. Por conseguinte, deslocam-se para o Reino Unido e fixaram a sua sede estatutária lá.

Contudo, eles queriam exercer a sua atividade comercial na Dinamarca. Ora, isso era possível, mas
essa sociedade estrangeira tinha de pedir o registo de uma sucursal lá na Dinamarca. As autoridades
dinamarquesas recusaram o registo com base na fraude à lei. Isto porque a sociedade não exercia
nenhuma atividade no Reino Unido e a sucursal na Dinamarca não era propriamente uma sucursal, uma
vez que a sua intenção foi sempre desenvolver a atividade na Dinamarca. Os dinamarqueses
manipularam o lugar de constituição para terem a lei mais favorável. O registo foi recusado na
Dinamarca.

Ademais, o tribunal dinamarquês pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia para se pronunciar,
estando em causa o atual Artigo 54.º do TFUE. Ora, os cidadãos dinamarqueses vêm dizer que o
tribunal dinamarquês violava o tratado da União Europeia e a liberdade de estabelecimento.

Quando uma sociedade se internacionaliza artificialmente constitui realmente fraude à lei? É


possível ou não esta manipulação de acordo com o Tribunal de Justiça da União Europeia, de acordo
com a liberdade de estabelecimento? O Tribunal de Justiça da União Europeia veio dizer que o pedido
para registar a sucursal na Dinamarca não foi um uso abusivo da liberdade de estabelecimento, dado
que o tratado admite que uma sociedade se estabeleça num Estado para exercer a sua atividade nos
outros Estados. Só não deve ser assim se existirem razões imperiosas de interesses estadual. A partir
desse caso o uso deste instituto de fraude à lei fica limitada quando falamos das liberdades comunitárias.
O Artigo 54.º do TFUE aceita que as sociedades constituídas num Estado-Membro possam exercer a
sua atividade em qualquer Estado-Membro.

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§ Normas de aplicação imediata (NAI)

Ä Acórdão do Tribunal de 15 de março de 2001 | Caso Arblade e Leloup

No presente caso, pela primeira vez, o Tribunal de Justiça da União Europeia toma conhecimento
das normas de aplicação imediata e dá inclusive uma definição.

O caso colocou-se perante os tribunais belgas e dizia respeito a supostas infrações por parte de
empresas francesas. As empresas estavam temporariamente na Bélgica a construir um silo de cereais e
foram inspecionadas pelas autoridades belgas. As autoridades aplicaram um conjunto de multas porque
entenderam que elas não estavam a cumprir as normas de aplicação imediata. Havia uma norma belga
que impunha que qualquer empresa estabelecida num Estado-Membro que estivesse a desenvolver uma
atividade na Bélgica e estivesse a utilizar trabalhadores deslocados na Bélgica tinha de lhes pagar uma
remuneração mínima que constava de uma convenção coletiva de trabalho.

Ora, a empresa estava a pagar abaixo dessa remuneração (aos trabalhadores franceses que estavam
na Bélgica a trabalhar) e, consequentemente, as autoridades aplicaram-lhe uma multa. O Tribunal de
Justiça da União Europeia veio dizer que a liberdade de prestação de serviços não está em confronto
com essa norma que se aplica a qualquer trabalhador, naquela área, dentro da Bélgica, isto é, não há
nenhuma discriminação, respeita a liberdade de prestação de serviços.

Todavia, estas empresas foram também multadas por não cumprir algumas obrigações que
resultavam do direito belga, obrigações administrativas, mas que elas diziam que já tinham cumprido
na França. O Tribunal de Justiça da União Europeia vem dizer que temos duas empresas a quem está a
ser exigido que cumpram obrigações que elas já cumpriram nas França – há uma duplicação de
obrigações. Com efeito, há aqui um entrave de prestação de serviços, pois as empresas francesas na
Bélgica não estão em pé de igualdade com as empresas francesas na França, dado que têm que cumprir
as obrigações na França e duplicar essas obrigações na Bélgica.

Isto posto, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio dizer que, de facto, havia aqui uma
discriminação entre as empresas belgas e as empresas estrangeiras. O Tribunal de Justiça da União
Europeia conhece as normas de aplicação imediata, conhece a sua natureza internacionalmente
imperativa, mas as normas de aplicação imediata dos Estados estão limitadas pelas liberdades
comunitárias no sentido de que devem respeitá-las. Para além disso, um agente que esteja sujeito a uma
norma de aplicação de imediata no Estado de origem não deve estar sujeita a uma norma de aplicação
imediata idêntica, ou seja, não pode haver duplicação de obrigações.

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Ä Acórdão do Tribunal de 9 de novembro de 2000 | Caso Ingmar GB Ltd contra Eaton Leonard
Technologies Inc.

O presente caso trata de um contrato internacional entre empresas. A Ingmar, sociedade com sede
no Reino Unido, celebra um contrato com a Eaton, com sede nos EUA, e neste contrato a Ingmar seria
agente comercial da Eaton, sociedade estabelecida na Califórnia. A lei que regulava o contrato era a lei
da Califórnia.

Acontece que esta relação comercial entre a Ingmar e a Eaton entra em rutura e a certa altura a
Eaton decide rescindir o contrato/ põe termo ao contrato de acordo com a lei da Califórnia. Ingmar vem
invocar perante tribunais do Reino Unido o direito a uma indemnização que resultava de uma diretiva
da União Europeia que foi transposta para o direito do Reino Unido. No que diz respeito ao contrato de
agência, essa lei estabelece que o agente comercial no fim do contrato tem direito a uma indemnização
ou reparação de danos causados pelo fim do contrato/ pela cessação das suas relações contratuais. Isso
porque enquanto dura o contrato o agente fica preso naquele contrato.

Por outro lado, a Eaton vinha dizer que não tinha nada que pagar, uma vez que a lei que regulava o
contrato era a lei californiana e, como tal, não tinha que pagar indemnização nenhuma.

Ora, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio dizer que, de facto, no âmbito dos contratos
internacionais reconhece-se o princípio da autonomia da vontade. Contudo, o Tribunal de Justiça da
União Europeia não ficou por aqui. Veio dizer igualmente que apesar de ser assim, olhando para esta
diretiva da União Europeia, da qual resulta este direito de indemnização, essa diretiva visa aplicar-se a
todos os agentes comerciais estabelecidos no território da União Europeia, independentemente da
residência e do local de estabelecimento, pois visa proteger o agente comercial pelo fim do contrato.

Isto posto, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio dizer que a finalidade é, dentro da União
Europeia, uniformizar as condições de concorrência e aumentar a segurança jurídica dos agentes
comerciais. Logo, a aplicação dessa norma em concreto ao presente caso é necessária para a
dinamização dos objetivos da União Europeia. No fundo, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio
dizer que dentro dos contratos há um princípio de liberdade contratual, mas esta norma específica aplica-
se a todos os agentes que exerçam a atividade dentro do território do União Europeia – norma de
aplicação imediata (visa proteger a uniformidade das condições de concorrência e aumentar a segurança
das operações comerciais dentro da União Europeia). Mais uma vez, o Tribunal de Justiça da União
Europeia usa um mecanismo de Direito Internacional Privado para proteger o Direito da União
Europeia.

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Fontes das normas de conflitos

1) Fontes internacionais

§ Convenções internacionais: encontramos convenções internacionais sobre estas matérias desde o


século XIX; o organismo que tem mais legislado neste aspeto é a conferência de Haia, que cria as
chamadas Convenções de Haia, com sede em Haia, com mais de 70 Estados aderentes. Esta tem
uma particularidade: a União Europeia faz também parte dela e está presente no momento de
negociar estas matérias, embora não vote (apenas votam os Estados-Membros). A Conferência de
Haia tem como implantadores ASSER e MANCINI. Portugal é parte de várias Convenções
internacionais da Conferência de Haia.

Outra organização é a Comissão Internacional do Estado Civil que também elabora convenções no
âmbito do Direito Internacional Privado, embora tenha um âmbito material mais limitado.

Também é relevante referir a Convenção de Bruxelas e a Convenção de Roma. As normas destas


convenções devem ter uma interpretação autónoma, isto é, devem conter regras próprias de
interpretação.

§ Costume internacional: coloca-se a questão de saber se o costume internacional (vários Estados


adotam as mesmas normas) constituirá fonte também. Este é composto por dois elementos: a prática
reiterada (corpus) e a convicção da sua obrigatoriedade (animus). Porém, aqui as normas são
adotadas pelos Estados na tentativa de adotar normas idênticas, mas tendo em consideração os
princípios do Direito Internacional Privado e não no sentido de obrigatoriedade. Para além de que,
o conteúdo destas normas varia de Estado para Estado. Assim, o costume não constitui fonte de
normas de Direito Internacional Privado.

§ Princípios gerais reconhecidos pelas nações civilizadas: são fontes internacionais e colocam
determinados limites, como o princípio da confiança e o princípio de que cada Estado é livre de
dizer quem são os seus nacionais (por exemplo, Artigo 38.º, n.º 1, al. c) do ETIJ).

2) Fontes da União Europeia

3) Fontes internas

§ A lei

A grande fonte nacional de Direito Internacional Privado é a lei. Quer no Código Civil, quer em
vários diplomas (por exemplo, Código das Sociedades Comerciais).

§ O papel da jurisprudência

A jurisprudência não é uma fonte de direito em Portugal, mas sim uma fonte de aplicação do direito.
Porém, noutros países esta assume-se como uma verdadeira e importante fonte (por exemplo, nos EUA,
na França, etc.).

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O julgador nas matérias de Direito Internacional Privado tem um poder discricionário muito maior
do que o que tem nos outros ramos do direito, uma vez que o Direito Internacional Privado tem vários
mecanismos que atribuem ao julgador um poder discricionário muito maior.

§ O papel da doutrina

A doutrina é uma fonte indireta. Porém, esta sempre teve um papel muito importante, dado que
muitas das nossas normas tiverem como primeira sugestão a doutrina, como a lei da nacionalidade
aplicável a matérias de estatuto pessoal ou o princípio da autonomia da vontade.

O critério da nacionalidade em questões de estatuto pessoal foi proposto pelo autor MANCINI
(importante político italiano). Em meados do século XIX, a Itália era constituída por um conjunto de
reinos e repúblicas, sendo que MANCINI teve esta ideia de nação comum: unificar toda aquela gente
não só politicamente, mas também no plano da nacionalidade. No que diz respeito ao princípio da
autonomia da vontade, esta vem dos estatutários, nomeadamente de DU MOULIN.

Por outro lado, a reserva de ordem pública internacional (ROPI) surgiu em primeiro lugar na
doutrina com SAVIGNY.

Isto posto, a doutrina teve grande importância na resolução de questões de Direito Internacional
Privado de grande complexidade e só depois foram estas soluções adotadas pelos legisladores.

Órgãos de aplicação das normas de Direito Internacional Privado

§ Órgãos internos

Os tribunais, os conservadores do registo, os notários e os cônsules portugueses no estrangeiro


(resolvem questões de registo civil e notariado de emigrantes que estejam no estrangeiro).

§ Órgãos internacionais

Tribunal de Justiça da União Europeia

Tribunal Internacional de Justiça: funciona no palácio da paz; foi criado para julgar litígios
levados pelos Estados. Geralmente são litígios de Direito Internacional Público, porém este já teve,
na sua história, de julgar questões de Direito Internacional Privado em matérias de contratos de
Estado/ de investimento, e ele decidiu que os litígios emergentes destes contratos devem ser
resolvidos com normas de Direito Internacional Privado. O estatuto deste tribunal só tem normas
de Direito Internacional Público e, como tal, ele próprio concluiu que havia uma lacuna, formulando
ele próprio normas de Direito Internacional Privado. Assim, ele pode legislar em matéria de Direito
Internacional Privado, mas só excecionalmente.

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§ Tribunais arbitrais

Cada vez existem mais questões no âmbito de Direito Internacional Privado a serem resolvidas em
tribunais arbitrais – meio por excelência de resolução de litígios.

A arbitragem é uma forma alternativa de resolução de litígios que se traduz em retirar um litígio dos
tribunais judiciais e entregá-lo a um órgão (terceiro independente) fora do sistema judicial para resolver tal
litígio. Os tribunais arbitrais podem ser ad hoc ou institucionalizados.

Vantagens

Os árbitros não estão entregues na organização judiciária, não estão relacionados a nenhum país
e, por isso, não são acusados de estar a resolver a questão em função dos interesses de
determinado país – há uma maior neutralidade;
Maior rapidez na resolução de um litígio;
Garante a confidencialidade do processo;
Permite confiar a decisão do litígio a pessoas com especial competência e conhecimento em
matérias de certo litígio (as partes podem escolher árbitros com uma determinada competência
específica);
A arbitragem dispensa também o patrocínio judiciário;
Reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras (por exemplo, Convenção de Nova York
de 1958);
Menor formalismo.

Desvantagens

Os árbitros podem completar-se com representantes das partes que os escolheram (não é comum
acontecer);
Os tribunais arbitrais geralmente têm custos de funcionamento muito elevados, não sendo
adequados para causas de pequeno valor, salvo aqueles que resultam de uma diretiva
comunitária que funcionam com financiamento do Estado.

A arbitragem privada é um modo de resolução de litígios privados, de direito privado (sujeitos privados
ou Estados quando intervêm na sua veste de privados) que se carateriza por retirar o litígio aos tribunais da
ordem judicial de um Estado e entregar essa competência a pessoas designadas para o efeito (tribunais
arbitrais), que vão não só julgar litígios de direito privado, mas também litígios de direito internacional
privado.

Para as partes, as sentenças têm a mesma eficácia que as sentenças judiciais. A arbitragem privada
internacional (ou comercial internacional) tem a sua noção no Artigo 49.º da Lei da Arbitragem Voluntária
(Lei n.º 63/2011).

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Limites à aplicação da lei competente

1. As normas de aplicação imediata (NAI)

1.1 Noção

Normas materiais espacialmente autolimitadas que, pelo fim social que visam atingir e pela
intensidade valorativa que revestem, reclamam a sua aplicação independentemente do âmbito de
competência da ordem jurídica a que pertencem, derrogando o sistema conflitual geral do Estado do
foro. Estas normas têm uma força tal que vão poder afastar a lei normalmente competente para resolver
a questão privada internacional, daí que se diga que sejam normas à prova de conflitos, uma vez que
elas afastam o próprio direito conflitual (vão afastar a solução a que chegaríamos se aplicássemos as
normas de conflitos).

1.2 Características

§ Normas materiais: vão dar-nos a solução material para o caso concreto em oposição às
normas de conflitos que são meramente formais (apenas indicam a lei competente para
resolver o litígio);

§ Podem revestir natureza pública ou privada;

§ Normas imperativas;

§ Normas que refletem uma intervenção do Estado na tutela de determinados interesses;

§ Normas que vão reclamar a sua aplicação ao caso concreto, explicitamente (Artigo 2223.º do
CC) ou implicitamente (Artigo 57.º da CRP);

§ A vontade de aplicação destas ao caso concreto pode decorrer de uma norma de conflitos
unilateral ou dos próprios princípios gerais do Direito Internacional Privado;

§ Reflete a intervenção do Estado, tutelando interesses sociais que a ordem pública considera
importantes e que carecem de uma proteção mais forte do que aquela que seria atingida pela
mera aplicação de normas de conflitos;

§ Variedade (encontram-se em várias áreas do direito);

§ Caráter de territorialidade: resulta da ligação íntima aos interesses nacionais dos Estados,
interesses esses que se considera que só se podem alcançar com a aplicação desta norma;

§ Relatividade espacial e temporal: o tipo de fins sociais ou valores que estas normas visam
atingir varia de Estado para Estado, em função de circunstâncias particulares e da própria
conjuntura temporal;

§ Autonomia face ao sistema conflitual do Estado do foro: estas podem ser aplicadas
independentemente da solução a que chegaríamos pela aplicação da norma de conflitos;

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§ Caráter excecional: são normas materiais que vão atuar excecionalmente na regulamentação
das relações jurídicas privadas internacionais;

§ Além de terem a solução para o caso concreto, elas definem a própria conexão que vai
demonstrar a relação entre a situação plurilocalizada e o Estado da ordem jurídica do foro.

Por exemplo, o Artigo 2223.º do CC é um exemplo de uma NAI. É uma norma material
formulada para resolver uma situação plurilocalizada e determina o seu âmbito de aplicação
espacial. Neste caso, tem de estar em causa um testamento feito por um português no
estrangeiro. Para este ser válido tem de estar sujeito à forma solene. Ora, independentemente
da solução a que se chega com a aplicação do Artigo 65.º, n.º 1, do CC, no caso de se tratar
de um cidadão português que celebre um testamento no estrangeiro, este só será válido se
revestir forma solene. O Artigo 65.º, n.º 2, do CC é uma norma instrumental ou acessória da
NAI.

O Artigo 53.º da CRP também foi considerado uma NAI depois da decisão nesse sentido
pelo Supremo Tribunal de Justiça num acórdão de 03/08/1988. MOURA RAMOS define o
seu âmbito de aplicação: salvaguarda da segurança no emprego quando esteja em causa ou
um contrato de trabalho executado em território nacional, ainda que sujeito a lei estrangeira,
ou ainda contratos de trabalho em que o trabalhador é português ou residente em Portugal,
tendo sido contratado por uma empresa portuguesa, ainda que o contrato seja executado no
estrangeiro.

§ Podem existir normas de conflitos instrumentais ou acessórias, que podem ser explícitas ou
implícitas, e normas de conflitos ad hoc, regras auxiliares, que auxiliam na aplicação destas
NAI (por exemplo, Artigos 7.º da Convenção de Roma, 9.º do Regulamento Roma I e 16.º
do Regulamento Roma II).

§ Através dos princípios fundamentais (segurança e certeza jurídicas, conexão mais estreita,
harmonia de julgados) nós podemos retirar a vontade de aplicação de uma norma enquanto
NAI. Ou esta resulta de uma norma de conflitos unilateral ou de uma regra auxiliar, etc.

1.3 Efeitos das NAI

Na relação entre a NAI e as normas materiais da lei aplicável podemos ter uma aplicação efetiva,
e esta pode ser em:

§ Cumulação: aplica-se a NAI juntamente com as normas materiais da lei aplicável


competente para resolver a situação (quando se estão a discutir várias questões e uma delas
é regulada por uma NAI, enquanto que a outra é regulada pela lege causae);

§ Primazia: as NAI atuam com primazia sobre as normas materiais da lei aplicável;

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§ Atuação das NAI em combinação com as normas matérias da lei aplicável.

Estes efeitos vão variar consoante a NAI pertença ao ordenamento jurídico do foro ou ao
ordenamento jurídico estrangeiro.

Assim sendo, quanto aos efeitos da NAI, a aplicação vai depender se a NAI pertence ao:

§ Ordenamento jurídico do foro: normalmente, quando pertencem ao ordenamento jurídico


do foro, não se levantam muitos problemas na sua aplicação. Neste caso, vai atuar com
prioridade face às normas materiais da lei aplicável, face ao sistema conflitual, desde que
haja a conexão para que esta se possa aplicar;

§ Ordenamento jurídico estrangeiro: quando estão em causa NAI estrangeiras, a regra é que
não há obrigação de reconhecimento de efeitos, isto é, cada Estado é que estabelece as
condições de reconhecimento ou não de efeitos, através de normas de reconhecimento. No
entanto, quanto à lei aplicável, nós podemos ter duas situações:

Pode pertencer à lei aplicável e estar dentro do âmbito de competência dessa mesma
lei: vamos aplicar a NAI como qualquer outra regra material da lei competente para
resolver a questão. Não faz diferença ser uma NAI ou não, aplica-se a solução material;

Pode pertencer à lei aplicável, mas está fora do seu âmbito de competência ou então
pertence a outro Estado: a regra geral é que não há a obrigação de reconhecimento, os
Estados não estão obrigados a reconhecer efeitos a estas NAI. As condições em que cada
Estado está disposto a reconhecer os efeitos estão previstas em normas de
reconhecimento de NAI. Contudo, nos casos em que não existam estas normas de
reconhecimento de NAI, a doutrina entende que podemos reconhecer efeitos às NAI
estrangeiras com base na cooperação entre os Estados e na vocação universalista do
Direito Internacional Privado, e com base em certos princípios gerais do Direito
Internacional Privado como a tutela da confiança, a harmonia de julgados ou a unidade
e coerência das normas jurídicas. Neste caso, estas NAI não se aplicam porque elas se
querem aplicar, mas aplicam-se porque o Estado do foro reconhece um interesse paralelo
em aplicar aquela norma. Além disso, é exigida, mais uma vez, uma ligação com a norma
jurídica. Aplica-se a norma estrangeira, mas as condições são estabelecidas pelo Estado
do foro.

No entanto, se a NAI estrangeira colocar em causa interesses do Estado do foro e/ou


valores fundamentais, não se reconhecem os seus efeitos. Em Portugal, como existem
poucas normas de reconhecimento de efeitos às NAI, vamos buscar o fundamento para
as reconhecer aos princípios e valores fundamentais dos Estados.

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Pode também existir uma situação em que a NAI pode ser ainda tomada em consideração como
um dado de facto, ou seja, o reconhecimento da eficácia às NAI pode fazer-se pela sua aplicação ou
ponderação como pressuposto de aplicação das normas materiais.

Por exemplo, CCV em que a mercadoria tinha que ser entregue no país X, sendo que as partes do
contrato escolheram a lei portuguesa para regular eventuais questões (escolha de lei – princípio da
autonomia da vontade). Contudo, não se consegue entregar a mercadoria no país X, uma vez que nesse
país há uma norma que proíbe a importação da mercadoria em causa. Isto posto, há um incumprimento
contratual (Artigo 790.º do CC) e, consequentemente, a obrigação extingue-se. Ora, a parte portuguesa
pode invocar no caso concreto esta norma estrangeira para alegar que não pode cumprir o CCV. Assim
sendo, neste caso, a invocação da NAI estrangeira serve como pressuposto/ requisito à norma material
portuguesa prevista no Artigo 790.º do CC.

1.4 Métodos e NAI

Há uma divergência doutrinal quanto à questão de saber se as NAI se integram no método


substancialista ou conflitualista:

Ø ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS (método substancialista): conceção que defende as


NAI como um método autónomo face ao sistema conflitual, ou seja, enquadra-as num método
substancialista ou material (afasta-as do método conflitual e insere-as no método
substancialista). Para além disso, para o autor, além do caráter de autonomia (dizem como se
querem aplicar) também a própria densidade valorativa das normas, o facto de ser uma norma
material que regula diretamente a questão, aproxima-as do método substancialista;

Ø DÁRIO MOURA VICENTE (método conflitual): integra as NAI num método conflitual pelo
facto de estas terem uma conexão, dizendo que estas necessitam de uma norma de cariz
conflitual;

Ø ANABELA GONÇALVES (figura híbrida): defende que as NAI são uma figura híbrida e
que estas ocupam uma posição intermédia entre o método conflitual e o método
substancialista. Assim sendo, as NAI têm características dos dois métodos, logo têm de ser
encaradas como um método autónomo do conflitual e que é tendencialmente substancialista.

Efetivamente, a intervenção da NAI depende da verificação no caso concreto de uma


conexão, sendo esta conexão a que vai traduzir a ligação com a ordem jurídica em causa. É uma
conexão definida previamente pelo legislador (implícita ou explicitamente).

Contudo, a definição desta conexão não obedece à lógica tradicional do método conflitual (a
lógica tradicional definia as conexões em função da lei melhor localizada – procura da sede
jurídica). Neste caso, o que a define é um fundamento material, isto é, a obtenção de determinados

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fins objetivos considerados essenciais para o Estado em cuja ordem jurídica se insere aquela NAI
e não a lógica da procura da lei melhor localizada, daí o funcionamento da NAI ser diferente.

Além disso, a NAI é uma norma mista, isto porque contém a solução material, mas também
a própria conexão. Na lógica de funcionamento das NAI nós partimos da análise do conteúdo dos
fins e do interesse subjacente à norma material para definir as condições da sua aplicação. Pelo
contrário, no caso das normas de conflitos nós partimos da relação jurídica para definir qual a lei
melhor localizada para resolver em abstrato a questão.

Em Direito Internacional Privado houve uma evolução em relação aos métodos e no próprio
direito conflitual surgiu uma figura (normas de conflitos materiais ou substanciais). Em certas
circunstâncias o próprio método conflitual procura atingir um determinado resultado material, e
não a norma melhor localizada, através desta nova figura.

Estas normas aproximam-se do método substancialista, uma vez que se tratam de normas de
regulamentação, que nos dão a solução para o caso concreto. O facto de se sobreporem também
ao método conflitual levam a que se aproximem do método substancialista. Porém, estas não são
puras normas de regulamentação, pois existe a tal conexão.

Podemos assim concluir que as NAI são uma figura híbrida, dado que vão buscar algumas
caraterísticas aos dois métodos. Por este motivo não podem ser consideradas exclusivamente
substancialistas, mas tendencialmente, não obstante a existência da questão da conexão que vai
buscar caraterísticas ao método conflitual.

As NAI estão para o método substancialista ou material como as normas de conflitos


materiais estão para o método conflitual: ambas representam uma evolução na regulamentação
das questões jurídicas privadas internacionais.

2. A reserva de ordem pública internacional (ROPI)

2.1 Noção

A reserva de ordem pública internacional (ROPI) é um limite à aplicação do direito estrangeiro


competente ao reconhecimento de sentenças estrangeiras e à transcrição de atos de registo civil lavrados
no estrangeiro, quando o resultado da intervenção da lei estrangeira seja manifestamente incompatível
com os princípios fundamentais do Estado do foro ou com conceções ético-jurídicas fundamentais do
Estado do foro.

É um mecanismo próprio do Estado do foro e tem como função defender a coerência da ordem
jurídica nas situações em que é aplicável a lei estrangeira. O papel essencial da ROPI será permitir à
ordem jurídica do foro manter um controlo sobre o resultado final da aplicação do direito conflitual. A
ROPI atua excecionalmente, isto é, só quando a solução material colocar em causa princípios
fundamentais da nossa norma jurídica.

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Ä Artigo 22.º do CC; Artigo 16.º da Convenção de Roma; Artigo 21.º do Regulamento Roma I
e Artigo 26.º do Regulamento Roma II.

2.2 Características

§ Imprecisão: o conceito de ROPI é indeterminado e, como tal, o legislador tem de aferir no


caso concreto, de acordo com as conceções ético-jurídicas do Estado do foro, se estará em
causa uma situação em que se exige a atuação da ROPI;

§ Atualidade: o conceito indeterminado e esta apreciação tem de ser feita à luz do momento
em que a questão está a ser apreciada; as conceções ético-jurídicas do Estado do foro são
avaliadas no momento;

§ Caráter nacional: reflete os valores fundamentais do Estado do foro;

§ Excecionalidade: sendo também um limite à aplicação da lei estrangeira normalmente


competente, segundo as normas de conflitos, só deve atuar em última ratio, como limite, até
para não colocar em causa outros princípios do Direito Internacional Privado.

2.3 Requisitos

1) Existência de um juízo de incompatibilidade entre o resultado de aplicação da lei estrangeira


e os princípios fundamentais da ordem jurídica do foro (Artigo 22.º do CC);

2) Existir uma conexão suficiente entre os factos e a ordem jurídica do foro. A intensidade desta
conexão depende da importância que o princípio tem para a nossa ordem jurídica. Isto é,
quanto mais estruturante for o princípio para a ordem jurídica do foro, menor será a conexão
exigida. Para a questão do reconhecimento de sentenças estrangeiras (situações já a produzir
efeitos), exige-se uma menor conexão com a nossa ordem jurídica, uma menor ligação, dado.
que já se produziram efeitos e só estamos a reconhecer.

2.4 Efeitos

§ Efeito imediato: afastamento da lei normalmente competente;

§ Efeito secundário: procurar uma solução material para o caso. De acordo com o princípio
do mínimo dano à lei estrangeira, normalmente vamos procurar esta solução na legislação
que seria competente para resolver o caso, ou seja, vamos procurar se existe alguma norma
material que possa ser aplicada. Se esta norma existir nesse ordenamento jurídico, é essa que
será aplicada. Caso não exista no ordenamento jurídico competente alguma solução, em
último recurso, aplicamos a lei portuguesa.

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A regra de conflitos

§ Objeto, natureza e função das normas de conflitos

As normas de conflitos são normas de Direito Privado especial. Distinguem-se das normas materiais, dado
que não são normas de regulamentação, uma vez que não apresentam a solução material, e remetem antes para
a ordem jurídica onde se encontrará a solução. As normas de conflitos são normas indiretas, isto é, remetem
para outras, indicam a ordem jurídica onde vamos procurar a solução.

As normas de conflitos regulam, assim, as relações interindividuais, nomeadamente as relações privadas


internacionais e não conflitos de soberania. A ordem jurídica para o qual nós vamos encontrar a solução material
para o caso pode ser a ordem jurídica do foro ou pode ser uma ordem jurídica estrangeira.

Estas podem ser:

Normas de conflitos unilaterais: remetem para o direito material do foro. Limitam-se a dizer a que
situações se aplica o direito interno. Por exemplo, Artigo 3.º do Código Civil Francês: para averiguar
a capacidade de nacionais franceses, aplica-se a lei francesa – esta norma é incompleta, uma vez que
não pondera situações de estrangeiros. Para resolver esta problemática, tenta-se bilateralizar, ou seja,
por questões de igualdade se aos franceses se aplica a lei francesa, aos portugueses aplica-se a lei
portuguesa.

Normas de conflitos bilaterais: remetem para a ordem jurídica do foro ou para uma ordem jurídica
estrangeira.

A primeira função das normas de conflitos é disciplinar as relações privadas internacionais. Para esse
efeito vai designar a ordem jurídica local na qual vamos procurar a solução (segunda função), através de normas
de conflito bilaterais e unilaterais. O bilateralismo e o unilateralismo são duas formas de fazer a mesma função
(uma mais completa do que outra).

O objeto das normas de conflitos é a situação da vida caraterizada em razão do conteúdo jurídico que lhe
imputam as normas de certo ordenamento jurídico local.

§ A estrutura geral das normas de conflitos

As normas de conflitos têm três elementos (estrutura tripartida), nomeadamente uma previsão, uma
estatuição e um elemento de conexão.

1) Previsão: situações da vida que a norma visa regular. Por exemplo, posse, propriedade e mais direitos
reais (Artigo 46.º do CC).

A esta previsão chamamos conceito quadro (conceito técnico-jurídico que tem a função de recortar
dentro da ordem jurídica indicada pelo elemento de conexão qual a categoria normativa que deve ser
aplicada), pois eles têm esta caraterística jurídica (é constituído por conceitos jurídicos) e têm uma certa
capacidade expansiva (o significado deles não se limita ao significado que têm na ordem jurídica do foro).

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Opera por categorias de questões jurídicas, o que pode provocar o dépeçage (a diferentes parcelas da ordem
jurídica vamos aplicar diferentes normas de conflito).

2) Estatuição: consequência jurídica – a ordem jurídica que em concreto é chamada para resolver a
questão. Por exemplo, a lei da nacionalidade;

3) Elemento de conexão: elemento que vai ligar a previsão da norma e a sua consequência jurídica; é o
elemento individualizador da norma de conflitos, aquele que vai indicar a norma jurídica
potencialmente aplicável ao caso. Por exemplo, nacionalidade.

Tipos de normas de conflitos quanto ao objeto e à estatuição

ñ Normas de conflitos unilaterais: remetem apenas para a ordem jurídica do Estado do foro (por
exemplo, Artigo 28.º, n.º 1, do CC);

ñ Normas de conflitos bilaterais: remetem tanto para a ordem jurídica do Estado do foro como
para uma ordem estrangeira; de acordo com BAPTISTA MACHADO, a estas normas não
corresponde uma única consequência jurídica, mas tantas quantos os ordenamentos existentes;

ñ Normas de conflitos bilaterais imperfeitas: remetem tanto para a ordem jurídica do Estado
do foro como para uma ordem estrangeira, mas só se ocupam das situações que têm uma ligação
com o Estado do foro (por exemplo, Artigo 51.º do CC: esta norma não consagra a hipótese do
casamento celebrado entre dois estrangeiros num país estrangeiro).

A conexão e as suas modalidades. O elemento de conexão

ñ De conexão singular: remete apenas para uma ordem jurídica – têm apenas um elemento de
conexão; só uma ordem jurídica é competente para resolver a questão.

Pode ser de vários tipos:

– Simples: a norma de conflitos que designa apenas uma ordem jurídica diretamente aplicável
(por exemplo, Artigo 46.º do CC);

– Subsidiária: a norma de conflitos designa duas ou mais ordens jurídicas (vários elementos
de conexão), mas a aplicação de uma delas elimina a possibilidade de aplicação da outra
(por exemplo, Artigos 52.º, n.º 2, do CC e 4.º da Convenção de Roma);

– Alternativa: a norma de conflitos designa dois ou mais elementos de conexão; o juiz pode
escolher um deles, mas terá de escolher aquele que permite o resultado visado pela norma,
normalmente com o objetivo de garantir a validade de um ato, proteger certas liberdades ou
facilitar a constituição ou extinção de certa situação jurídica (por exemplo, Artigos 65.º, n.º
1, do CC, 9.º, n.º 1, da Convenção de Roma e 11.º, n.º 1, do Regulamento Roma I);

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– Optativa: a norma de conflitos estabelece dois elementos de conexão e confere a um sujeito


(dispensa o julgador) o direito de optar por aquele que ele quiser, que o favoreça, que
conduza a um melhor resultado material (por exemplo, Artigo 7.º do Regulamento Roma
II);

– Acessória: a norma de conflitos manda aplicar a certa questão a norma que está relacionada
com outra questão conexa com a primeira, para evitar o excessivo desmembramento da
mesma situação – dépeçage (por exemplo, Artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento Roma II,
Artigos 35º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 44.º do CC e Artigo 8.º, n.º 1, da Convenção de Roma).

ñ De conexão plural ou cumulativa: remete para várias ordens jurídicas.

Pode ser de dois tipos:

– Simples: para se produzir um certo efeito jurídico é necessário, simultaneamente, aplicar


duas ordens jurídicas (por exemplo, Artigos 33.º, n.º 3, do CC e 3.º, n.º 4, do CSC).

Por exemplo, uma sociedade com sede em Portugal quer transferir a sua sede para a
Holanda. É possível transmitir a sede de uma pessoa coletiva para outro país, mantendo a
personalidade jurídica, mas é necessário que tanto a lei portuguesa como a lei holandesa
concordem.

– Condicionante ou limitativa: temos uma norma de conflitos que elege certo ordenamento
competente para regular a questão, mas depois determina outro que tem a competência de
limitar a produção de efeitos jurídicos (por exemplo, Artigos 27.º, n.º 2, 55.º, n.º 2, e 60.º,
n.º 4, do CC).

O elemento de conexão tem a tarefa de “localizar” a situação jurídica competente num espaço
legislativo determinado para a resolução do litígio. Pode ser definido em função de diferentes
elementos:

ñ Sujeito: nacionalidade, residência habitual, etc.;

ñ Objeto: lugar da situação da coisa (Artigo 46.º, n.º 1, do CC), etc.;

ñ Lugar da prática do ato jurídico: o lugar da celebração do negócio jurídico (Artigo 9.º, n.º 1,
da Convenção de Roma), lugar da prática do delito (Artigo 45.º, n.º 1, do CC), etc.;

ñ Autonomia privada: permitir às partes a escolha da lei aplicável ou estabelecer uma diretriz
de caráter geral que indica ao julgador como encontrar a lei aplicável (conexão mais estreita);
por exemplo, Artigos 34.º e 41.º, n.º 1, do CC, Artigo 3.º, n.º 1, da Convenção de Roma e
Artigo 14.º, n.º 2, do Regulamento Roma II;

ñ Entre outros.

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§ Interpretação e aplicação da norma de conflitos

A norma de conflitos tem algumas especificidades, sendo a mais importante a sua estrutura tripartida.

Interpretação da norma de conflitos

A interpretação das normas de conflitos deve ser feita com uma certa autonomia em relação ao
direito material interno, porque vamos reconhecer uma capacidade expansiva aos conceitos-quadro.

ñ De fonte nacional: recorremos às regras gerais de interpretação da nossa ordem jurídica (Artigo
9.º do CC), sem prejuízo da capacidade de expansão do conceito quadro. Nos conceitos quadro
(contêm conceitos jurídicos e uma certa capacidade expansiva) vamos incluir conteúdos
normativos que podem não existir na ordem jurídica portuguesa, mas que podem ser idênticos
aos que existem na ordem jurídica portuguesa – princípio da autonomia interpretativa dos
conceitos quadro da norma de conflitos em relação ao direito material interno;

ñ De fonte internacional: aplicam-se os cânones hermenêuticos e a Convenção de Roma, com


especial atenção à importância da uniformidade das interpretações nos vários Estados através
da autonomia em relação ao direito interno.

Por exemplo, Artigo 18.º da Convenção de Roma: cláusula interpretativa que serve para
garantir a harmonia de julgados. Se esta cláusula não existir temos de recorrer à Convenção de
Viena que estabelece a interpretação uniforme da convenção – princípio da autonomia
interpretativa face ao direito dos Estados (as convenções devem ser interpretadas
uniformemente por todos os Estados, independentemente do direito interno de cada um).

ñ De fonte da União Europeia: segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia, a regra é a


ideia de que os atos jurídicos da União Europeia e as normas de conflitos que estão nesses atos
devem ter uma interpretação autónoma, face ao direito material dos Estados-Membros (esta
ideia está nos preâmbulos dos Roma I e do Roma II). Esta deve ser feita tendo em conta a
unidade e a coerência do direito da União Europeia – a especificidade da norma, o conteúdo, a
sua razão de ser, a sua natureza e as interpretações jurisprudenciais.

A União Europeia considera que há certos regulamentos que funcionam em conjunto e, por
isso, devem ter uma interpretação coordenada entre si. Por exemplo, o Regulamento Roma I
diz respeito a obrigações contratuais e o Regulamento Roma II diz respeito a obrigações
extracontratuais; o Regulamento Bruxelas I bis abrange matérias de obrigações contratuais e
extracontratuais. Ora, a União Europeia entende que estes regulamentos devem ser
interpretados de forma coordenada entre si, ou seja, o que for considerado obrigação
extracontratual para efeitos do Regulamento Bruxelas I será também para efeitos do
Regulamento Roma II, por exemplo.

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NOTA: Mesmo dentro de certas normas encontramos conceitos interpretativos que nos dizem o
que deve ser entendido por determinado conceito.

Integração de lacunas no direito de conflitos

É difícil a existência de lacunas nas normas de conflitos, uma vez que os conceitos quadro destas
normas têm capacidade expansiva. Porém, não é impossível.

Em primeiro lugar, estas resolvem-se por recurso à analogia (Artigo 10.º, n.º 1, do CC). Por
exemplo, Artigo 31.º, n.º 2, do CC: fala de negócios jurídicos, mas no que diz respeito aos atos jurídicos.
serão aqui abrangidos? Resolvemos esta questão por analogia e dizemos que sim.

Em segundo lugar, estas resolvem-se a partir da criação de uma norma ad hoc (Artigo 10.º, n.º 3,
do CC), e para a criarmos no âmbito do Direito Internacional Privado temos de recorrer aos princípios
gerais do Direito Internacional Privado.

A aplicação no tempo das normas de conflitos

Podemos ter problemas quando no que diz respeito à mesma questão surgirem, ao mesmo tempo,
novas leis diferentes. Assim sendo, este problema coloca-se quando ocorre uma sucessão temporal de
normas de conflitos. Por exemplo, houve uma altura em que só tínhamos a Convenção de Roma para
as obrigações contratuais (1980) e, posteriormente, apareceu o Regulamento Roma I (2008).

Neste caso, temos de ver se estas novas leis têm respostas específicas para tal questão (por exemplo,
Artigo 17.º da Convenção de Roma). Regra geral, as regras legais/ convencionais específicas
determinam o âmbito temporal, regulando diretamente o problema. Assim, o Artigo 17.º da Convenção
de Roma diz-nos que se aplica após a entrada em vigor nesse Estado (no caso de Portugal, a 1/09/1974),
e o Artigo 28.º do Regulamento Roma I diz-nos que se aplica a contratos celebrados após 17/12/2009.
Ora, sabemos se aplicamos a Convenção de Roma ou o Código Civil (antes da data da convenção),
consoante a data aí referida.

Não havendo nenhuma norma específica, aplica-se o direito transitório da ordem jurídica a que
pertencem as normas de conflitos alteradas. No caso de Portugal, recorremos à regra geral do Artigo
12.º do CC (norma de direito transitório), que regula a aplicação das leis no tempo: não aplicação
retroativa da lei nova/ princípio da não retroatividade (n.º 1).

Se estiverem em causa relações jurídicas duradouras, que já tenham sido constituídas antes da
entrada em vigor da lei nova (constituídas à luz da lei antiga) vamos aplicar a 2.ª parte do Artigo 12.º,
n.º 2, do CC e vamos considerar ser admissível a aplicação da nova norma de conflitos.

Ä Problema do conflito móvel: de acordo com A. FERRER CORREIA, é suscitado por uma
mudança na concretização do fator de conexão e consiste em determinar qual a influência que

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poderão exercer em situações jurídicas já existentes as mutações verificadas nas circunstâncias de


facto ou de direito em que se funda a determinação da lei aplicável.

Por outras palavras, o problema do conflito móvel ocorre quando há uma alteração do conteúdo
concreto do elemento de conexão da norma de conflitos, produzindo uma sucessão de normas
aplicáveis. Resulta do facto. Por exemplo, quando se aplica a lei da nacionalidade e a pessoa muda
de nacionalidade.

O conflito móvel é conceitualmente um conflito de leis no espaço e não um conflito de leis no


tempo. Não se trata de um fenómeno de sucessão de leis (dinâmica legislativa), mas da
“movimentação” de uma relação jurídica através de espaços em que imperam diferentes soberanias
e diferentes sistemas de Direito Internacional Privado.

Este conflito supõe uma conexão variável (por exemplo, nacionalidade, domicílio, residência
habitual, lugar de um bem móvel, etc.). O mesmo não poderia suceder com uma conexão constante,
como o lugar da situação da coisa ou o lugar da celebração do negócio.

É resolvido através da não aplicação da lei correspondente à nova concretização do elemento de


conexão aos factos constitutivos, modificativos e extintivos das relações jurídicas já verificadas ao
tempo da mudança do conteúdo concreto do elemento de conexão, para proteger as expectativas
legítimas.

Por exemplo, A, português, com 18 anos de idade, adquire a nacionalidade suíça, renunciando à
nacionalidade portuguesa. Antes de adquirir a nacionalidade suíça, vende a B o seu automóvel.
Depois adquire a nacionalidade suíça (na lei suíça, só se adquire capacidade para celebrar negócios
jurídicos aos 20 anos, enquanto que em Portugal é aos 18 anos), renunciando à portuguesa.

A tinha capacidade para celebrar o negócio? Quanto à questão da capacidade, no momento em


que se constituiu o direito, A era de nacionalidade portuguesa, pelo que se aplica a lei da
nacionalidade ao tempo em que se constituiu o direito. Neste caso, é lógico aplicar a lei portuguesa,
pois vamos ligar o elemento de conexão ao momento da celebração do negócio para tutelar as
legítimas expetativas das partes envolvidas e o princípio da confiança, caso contrário as espectativas
de B seriam frustradas. Nos termos do Artigo 29.º do CC, pode ser aplicado sempre que exista um
problema de conflito móvel – uma vez maior, sempre maior.

A aplicação no espaço das normas de conflitos

Num tribunal português ao julgar uma questão de Direito Internacional Privado, aplica-se sempre
apenas normas de conflitos portuguesas ou também se aplica normas de conflitos estrangeiras? A regra
é a do princípio da territorialidade das normas de conflitos, isto é, a de que devemos sempre começar
por aplicar normas de conflitos portuguesas. Mas, excecionalmente, podemos aplicar normas de

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conflitos estrangeiras, mas só quando houver uma norma de conflitos portuguesa que o permita (por
exemplo, Artigo 28.º, n.º 3, do CC).

Isto posto, vale o princípio da aplicação territorial do direito de conflitos. Isto significa que, por
exemplo, quando estamos a falar do Estado do foro português as normas de conflitos portuguesas
aplicam-se em Portugal a todas as situações privadas internacionais, mesmo às situações constituídas
no estrangeiro sem qualquer contacto com a nossa ordem jurídica do foro. Assim, o tribunal pode aplicar
a norma de conflitos portuguesa à situação privada internacional mesmo que ela não tenha ligação com
a ordem jurídica do foro.

Contudo, há duas situações em que será possível afastar as normas de conflitos portuguesas e dar
relevância às normas de conflitos estrangeiras, ou seja, a norma de conflitos portuguesa pode ceder
perante uma norma estrangeira, aplicando, por conseguinte, uma norma de conflitos estrangeira ao caso
concreto. Todavia, para tal acontecer é, desde logo, condição necessária que a norma portuguesa confira
um título de eficácia a essa norma de conflitos estrangeira na ordem jurídica interna. Normalmente, este
título de eficácia pode ser conferido por uma outra norma de conflitos ou por uma norma auxiliar da
norma de conflitos.

Exceções:

1) Devolução ou reenvio: permitem que a norma de conflitos portuguesa ceda perante uma norma
de conflitos estrangeira por força das regras da devolução ou do reenvio (Artigos 17.º, 18.º,
36.º, n.º 2, e 65.º, n.º 1, do CC);

2) Simples relevância dada a normas de conflitos estrangeiras: situações que constituem


desvios à aplicação da lei pessoal em que vamos afastar a aplicação da lei pessoal e aplicar uma
outra lei que consideramos mais competente para resolver a situação, sendo que estamos a
atribuir eficácia a normas de conflitos estrangeiras (Artigos 28.º, n.º 3, 31.º, n.º 2, e 47.º do CC).

Em suma, em regra, as normas de conflitos portuguesas vão aplicar-se a todas as questões jurídicas
privadas internacionais, mesmo aquelas constituídas no estrangeiro que não tenham ligação com a
ordem jurídica do foro. No entanto, em certos casos nós vamos afastar a aplicação das normas de
conflitos portuguesas no Estado do foro e vamos aplicar normas de conflitos estrangeiras.

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