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PRIVADO
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Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa, mestre pela Unesp, professor de Direito
Internacional da FDF/Franca, de Ciência Política/Teoria Geral do Estado e Direito Internacional da
FEI/Ituverava e de Teoria Geral do Estado da Uniara/Araraquara.
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1. NOÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO – O Direito
Internacional Privado (DIP) é um ramo do Direito Público que tem por objeto o
conflito de leis no espaço. Quando ocorrem conflitos de leis no espaço? Quando
uma determinada jurisdição admite a possibilidade de aplicar outra lei que não a sua
às relações jurídicas em conflito sob sua competência. Significa que, além da sua
própria lei o juiz terá a possibilidade de usar outra, diante de um conflito positivo de
normas. Por exemplo, um juiz da comarca X no Brasil, diante de uma disputa judicial
contratual, há a alegação por uma das partes da possibilidade de aplicar a lei civil de
direito dos contratos da legislação argentina, enquanto que a outra parte entende
que deverá aplicar o Código Civil Brasileiro. Esta dúvida é possível, em razão do
Direito Internacional Privado, a gerar um conflito positivo de leis.
Há que se ter cuidado para não confundir “conflito de leis no espaço” com
“conflito de jurisdição”. O DIP não se ocupa de conflitos de jurisdição, um juiz que
soluciona um caso de DIP é um juiz competente para aquela questão, ele apenas
tem a dúvida sobre qual lei aplicará, diante da necessidade de interpretar a norma
de DIP, específica para a indicação da lei material aplicável. Em abordagem bem
simples e direta, um processo que envolve um problema de DIP corre em primeira
instância como um processo como outro qualquer, no que diz respeito ao
processamento. Não há jurisdição especial ou corte internacional, é uma decisão
“preliminar” do juiz para identificar a norma material própria para aquela situação.
Há no Direito, especialmente o moderno, uma preocupação com o dinamismo
das sociedades e com os deslocamentos de pessoas, riquezas e tradições. Para
atender, ainda que excepcionalmente, as diferenças culturais geradas pelos
deslocamentos entre os povos, o Direito, como ciência e como síntese da regulação
social, destina um campo de normatização que contempla o respeito a essas
diferenças. A intenção é existir uma regulação que promova, facilite e respeite estes
deslocamentos.
Ainda que as sociedades se encontrem cheias de preconceitos contra o
estrangeiro, a humanidade se construiu, indiscutivelmente, pela diferença entre as
pessoas, se misturando e superando os desafios. Isso ocorreu especialmente pelos
fluxos imigratórios, constantes por toda a história e por inúmeras motivações.
O cosmopolitismo do homem não é uma exclusividade das sociedades
modernas, os registros históricos mostram uma série variada de movimentos,
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públicos ou privados, entre os povos, motivados por divergências ou convergências
religiosas, econômicas, políticas, culturais etc., ao longo de toda civilização. O
Direito Público, com a Ciência Política, o Direito Constitucional, o Direito
Internacional Público etc., se ocupa também desse movimento nas suas faces
políticas pela organização do Estado e pelo estabelecimento de padrões de
convivência social e de domínio através do poder público estabelecido.
Entretanto, as relações civis, decorrentes do comércio, do turismo, da
migração etc. (sempre presentes nos registros mais remotos, mas cada vez mais
frequentes em função dos avanços técnicos da comunicação e do transporte), são
também geradoras de fatos jurídicos diversos, de natureza jurídica privada, e não se
enquadra no objeto desses ramos do Direito Público, o que motivou a origem do
Direito Internacional Privado.
Essas relações jurídicas privadas geram conflitos, por exemplo, na definição
do conteúdo de contratos, na tutela de filhos, na propriedade de bens móveis e
imóveis, na sucessão “causa mortis” etc. Ao serem submetidas à justiça pública para
a aplicação do Direito, poderiam simplesmente ser solucionadas de acordo com o
ordenamento jurídico ao qual faz parte aquele judiciário, mas não são. Não são
porque envolvem indivíduos pertencentes a outras sociedades, indivíduos que
adquiriram direitos ou a expectativa de direitos em ordenamentos jurídicos diversos
e provavelmente com formas diversas de tratamento daquelas relações jurídicas.
Muitos Estados, como o Brasil, quando se deparam com a aplicação do
Direito a pessoas pertencentes ou sujeitas a ordenamento jurídico diverso do seu,
adotam o seguinte critério: se a relação jurídica envolver uma questão de ordem
pública, como a prática de um ilícito penal, como as relações da Administração
Pública, como o exercício do poder de polícia, como as normas de Direito do
Trabalho etc., aplica-se o seu direito (ius fori - as normas elaboradas e distribuídas
no seu ordenamento jurídico). Mas se a relação jurídica em questão não envolve a
ordem pública e é típica do direito privado, o ordenamento pode respeitar os
interesses diversos e formados sobre a égide de ordenamentos diferentes e
estabelecer critérios para a aplicação de uma lei mais adequada àquela relação – o
que pode ser ou não a sua - sem que essa aplicação represente uma agressão à
sua soberania, pois é uma aplicação consentida e excepcional.
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Esta possibilidade de aplicação de uma lei estranha ao ordenamento se
justifica como um ato de justiça, mas também como um ato de cortesia perante
outros Estados e até mesmo um tratamento de respeito aos interesses dos
estrangeiros, também na expectativa de um tratamento recíproco aos seus súditos
quando se encontrarem em território estrangeiro.
Poderia simplesmente aplicar o ius fori (o seu direito, que é o direito do foro
onde as partes resolveram promover a demanda), como fazem muitos Estados de
pouca maturidade jurídica, mas este seria um fator de inibição das relações sociais
para além das fronteiras dos Estados.
O Estado de Direito se propõe a definir e proteger todos os fatos jurídicos nos
limites de sua competência, que é principalmente definida territorialmente, portanto
também fatos que envolvem estrangeiros. Mas o tratamento diferenciado oferecido a
estes é de origem remota e o DIP se ocupa longa e devidamente.
Então devemos entender o DIP como a possibilidade de aplicação, pelo
judiciário de determinada sociedade, de uma lei externa ao seu ordenamento em
função de interesses formados sob a égide de ordenamentos distintos. Há, portanto,
um conflito de leis, não de jurisdição. A apreciação do fato jurídico para a aplicação
do direito é precedida pela apreciação de um procedimento que irá definir qual lei
deve ser aplicada, pois ocorre ali um conflito de leis. Esta situação vai possibilitar a
aplicação de uma lei externa internamente ou de uma lei interna externamente,
dependendo de qual judiciário está apreciando o fato.
Não há a constituição de uma corte internacional, a submissão a alguma já
preexistente e nem há a disputa entre dois judiciários sobre qual é competente para
apreciar o fato. O que há é a possibilidade de extraterritorialidade da lei para ser
aplicada a um fato anormal – pode ser que o juiz conclua que a lei aplicável seja a
lei local, mas são os critérios do DIP que vão informar qual a lei devida e mais justa,
a interna ou a externa.
Ireneu Strenger explica o fenômeno do DIP da seguinte forma: os fatos
jurídicos se subdividem em três categorias a) fatos normais, aqueles que ocorrem
dentro do ordenamento jurídico, sob a competência dos órgãos daquele Estado para
apreciação de aplicação de suas próprias normas; b) fatos estranhos, aqueles que
em nada interessa ao ordenamento jurídico, como relações que se firmaram em
âmbito estranho aos limites de competência do Estado e que não se estenderam a
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esses limites; e c) fatos anormais, que não são estranhos à competência do
judiciário, mas envolvem sujeitos que se vinculam e reivindicam a aplicação de
ordenamentos distintos, onde o legislador criou normas especiais para definir qual
direito deve ser aplicado (STRENGER, 2005).
Para ilustrar o estudo do DIP, vejamos algumas situações-casos, que
implicam na aplicação das suas normas: Num divórcio entre um brasileiro e uma
francesa no Brasil, mas com domicílio na França. Supondo que a justiça brasileira
seja competente, qual a lei que o juiz brasileiro aplicará? A brasileira ou a francesa?
O artigo 7º Lei de Introdução nos dá a resposta, estabelece o critério do domicílio da
parte para indicar a lei aplicável. Num segundo caso, um argentino morre na
Argentina, onde tinha domicílio. Mas ele possui patrimônio no Brasil, onde se abre
uma sucessão. Seus herdeiros são todos argentinos. Qual lei aplicar? O juiz
brasileiro encontrará a resposta no artigo 10 da Lei de Introdução, que estabelece o
domicílio do defunto como critério.
Cada ordenamento jurídico tem a sua legislação de DIP que apresenta
critérios específicos para situações específicas onde ocorram conflitos de leis no
espaço. Assim, por exemplo, um determinado caso de divórcio no Brasil resultaria
na aplicação da lei argentina. Este mesmo caso, se submetido à jurisdição
argentina, não será solucionado necessariamente conforme a lei argentina ou a lei
brasileira, pois será necessário verificar o critério de DIP adotado no ordenamento
daquele país.
Não há que se confundir o Direito Internacional Privado com o Direito
Internacional Público, este é o “direito das gentes”, que regula a relação entre os
Estados na comunidade internacional, por meio de normas internacionais, como os
tratados. O Direito Internacional Privado é interno aos Estados, com solução de
conflitos dentro da ordem jurídica de cada Estado, com um objeto bem distinto do
ramo anterior: o conflito de leis no espaço.
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Império Romano. Segundo Irineu Strenger, é possível dividir a sua evolução em dois
períodos:
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A fase doutrinária, também denominada estatutária, ocorre desde XIII até o
século XIX, com conflitos que surgiram diante da aplicação do direito territorial
versus o direito estrangeiro, outras vezes diante de conflitos entre a aplicação do
direito territorial versus o direito pessoal. A dúvida era saber qual o direito a aplicar:
o direito local da autoridade jurisdicional ou o direito que o estrangeiro trazia de sua
terra de origem. Nesse longo período foram desenvolvidas várias teorias a respeito
desse conflito para a sua solução. Essas teorias se consolidaram modernamente em
critérios de solução: os elementos de conexão.
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Diante da hipótese de mais de uma norma aplicável a uma mesma situação
jurídica, em decorrência da existência de abertura legal num determinado
ordenamento para a possibilidade genérica de se aplicar, excepcionalmente, normas
estrangeiras em sua jurisdição, encontra-se aí o DIP.
É importante anotar que, para a ocorrência da aplicação da norma de DIP,
não é necessário a presença, em qualquer caso, de uma parte estrangeira, mas sim
uma situação que se enquadre na hipótese legal da norma de DIP, sendo a norma
de DIP uma norma que, em tese, pode levar à aplicação de uma norma estrangeira
material. Portanto, o DIP não se destina a regular a questão da nacionalidade ou a
condição jurídica do estrangeiro, mas as relações jurídicas que envolvem conflitos
entre a aplicação de leis distintas, estrangeiras e nacionais.
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conexão. Podemos defini-lo como expressão legal indicativa da norma material
aplicável a uma relação jurídica.
O elemento de conexão é uma expressão legal, está embutido na norma de
DIP, está subentendido no texto da lei. O intérprete deve identifica-lo para,
posteriormente, solucionar o conflito. Entretanto, nem sempre essa identificação é
fácil, em razão da maestria do legislador em construir um texto legal abrangente ao
seu propósito.
Irineu Strenger nos oferece uma solução prática para identificar o elemento de
conexão: basta que se identifique a “disposição legal” presente na norma, pois nela
estará o elemento de conexão. Em outras palavras, toda norma jurídica completa é
composta de duas partes: a hipótese (a relação jurídica tutelada ou o fato jurídico
objeto de uma atenção normativa) e a disposição (a consequência da ocorrência da
hipótese) (STRENGER, 1996, p. 351). Por exemplo, numa norma penal (matar
alguém), o tipo é a hipótese e a pena (seis a vinte anos de detenção) é a disposição
(o que foi disposto ou determinado pelo legislador como consequência da ocorrência
daquela hipótese). Também é assim na norma de DIP, com as hipóteses
correspondentes aos ramos do Direito que o legislador resolveu contemplar com a
possibilidade de aplicação de uma norma estrangeira, e a consequente disposição
na forma de uma expressão indicativa (elemento de conexão) da respectiva lei
aplicável.
Os elementos de conexão são tratados na doutrina com correspondentes
expressões em latim, o que facilita a sua memorização e o seu estudo
particularizado. Os principais exemplos de elementos de conexão são os seguintes:
Lex patriae – lei da nacionalidade;
• Lex fori – lei local;
• Lex domicilli – lei do domicílio;
• Locus regit actum – lei local rege o ato (variação da lex fori);
• Lex voluntatis – lei escolhida pelas partes (autonomia da vontade)
• Lex loci contractus – lei local onde firma o contrato;
• Lex loci solutionis – lei do local de execução das obrigações;
• Mobilia sequuntur personam – bens móveis seguem a pessoa;
• Lex rei sitae – lei do lugar de situação da coisa;
• Lex loci actus – lei do local de realização do ato;
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Convém uma atenção especial para a identificação e compreensão dessas
expressões, em especial as seguintes: a) A lex fori. A lex fori é exatamente a lei de
onde ocorre o processamento, onde há o inicio jurisdicional do conflito (é a lei do
juiz). Nem sempre a norma de DIP trará uma indicação expressa com a literalidade
lex fori, essa constatação será produto de interpretação; b) A lex domicilli. Para esse
critério é preciso saber também de quem é o domicílio, se do defunto ou do herdeiro,
se do proponente ou do aceitante, se do proprietário ou do possuidor etc.; c) A lex
voluntatis. É a autonomia das partes em DIP, pela possibilidade das partes
escolherem a lei aplicável. A autonomia das partes em DIP se restringe a esta
possibilidade, não significa uma composição onde as partes escrevem as normas,
como em justiça privada, mas um restrito campo onde a livre escolha está apenas
na nomeação (em geral contratual) de qual lei será usada (a lei do país A ou a lei do
país B).
Também é possível fazer uma síntese das relações jurídicas típicas de
proteção pelo DIP e os respectivos elementos de conexão encontrados nos
ordenamentos jurídicos (não é uma lista taxativa, mas predominante):
• Estatuto pessoal e direito de família: lex patriae; lex domicilli; lex fori.
• Direitos reais: lex rei sitae; mobilia sequuntur personae.
• Direitos obrigacionais: lex voluntatis; lex loci contractus; lex loci solutionis.
• Direitos sucessórios: lex domicilli.
• Personalidade jurídica: Lex loci actus; lex patriae.
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c) Para casamentos onde os noivos (nubentes) possuem domicílio diverso,
nos casos de invalidação posterior do matrimônio, o elemento de conexão é o ius
domicilli do primeiro domicílio conjugal (art. 7º, par. 3º);
d) Para solucionar conflitos que envolvem regime matrimonial de bens, o
elemento de conexão é o ius domicilli, e tendo os noivos domicílio diverso, será o ius
domicilli do primeiro domicílio conjugal (art. 7º, par. 4º);
e) Para a definição do domicílio nas hipóteses do caput do art. 7º, quando
este suscita dúvida para os familiares, estende-se o domicílio do chefe de família,
para o cônjuge e os filhos não emancipados (salvo em caso de abandono), assim
como se estende o domicílio do tutor ou do curador para os incapazes sob a sua
guarda (art. 7º, par. 7º). Entende-se como chefe de família aquele que é arrimo de
família ou aquele que cuida e decide sobre os interesses da família;
f) Também é critério de definição do domicílio, para efeitos sobre o art. 7º,
quando a pessoa não ter domicílio, o lugar da sua residência ou o lugar onde se
encontre (art. 7º, par. 8º);
g) Para conflitos de leis em matéria de bens o elemento de conexão é o lex
rei sitae (o seu local de situação), como regra geral (art. 8º, caput);
h) Entretanto, para bens móveis destinados a transporte (como joias ou
veículos) ou bens móveis que estejam em transporte (como um quadro, ou mesmo
uma mobília que esteja em transporte – o possuidor, em tese, estava a deslocar o
bem quando foi objeto de disputa judicial), o elemento de conexão é mobilia
sequuntur personae (que será, no caso, o domicílio do proprietário, pois, em
tradução literal, os móveis seguem a pessoa) (art. 8º, par. 1º). Há que se atentar, por
puro zelo, que este dispositivo não se aplica a todos os bens móveis, mas somente
para aqueles da hipótese apresentada;
i) Para conflitos de leis em matéria de penhor o elemento de conexão é o ius
domicilli do possuidor da coisa apenhada (pode ser tanto o proprietário ou a
instituição financeira, o que definirá o domicílio é a posse), conforme o par. 2º do art.
8º;
j) Para conflitos de leis em matéria de obrigações o elemento de conexão é o
lex loci contractus (lei do local de celebração do contrato ou a lei do país em que se
constituírem as obrigações), conforme o caput do art. 9º. Há, na doutrina,
entendimentos de que há, nesta;
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k) Para conflitos de leis em matéria de obrigações destinadas a serem
executadas no Brasil que dependam de forma essencial segundo a lei brasileira,
essa forma será observada, conforme o par. 1º do art. 9º. Ou seja, é a aplicação do
elemento de conexão ius fori para formalidades essenciais nestas hipóteses de
contratação. Por exemplo, é o caso da compra e venda de bens imóveis, onde o
direito brasileiro exige o registro em cartório da escritura de compra e venda. Mesmo
que a celebração do contrato de compra e venda tenha ocorrido em outro país onde
não se exige tal registro, ele será necessário para bens imóveis situados no Brasil;
l) Para a definição da lex loci contractus, conforme o caput do art. 9º, caput,
na hipótese de contratos entre ausentes, o par. 2º do art. 9º estabelece o seguinte:
“reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”. Simultaneamente, o
art. 435 do CC estabelece que “reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que
foi proposto”, também este dispositivo é destinado a contratos entre ausentes. A
interpretação da conjugação destes dois dispositivos de mesmo objeto e com
redação diferente é a de que a palavra “residir” presente na LINDB quer dizer “lugar
do proponente”, conforme é mais claro no art. 435 do CC;
m) Para conflitos de leis em matéria de sucessões, como regra geral, o
elemento de conexão é o ius domicilli do defunto ou do desaparecido, conforme o
art. 10;
n) Entretanto, quando a sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil,
com herdeiros filhos ou cônjuge brasileiros, remeter a lei estrangeira nos termos do
domicílio do defunto ou do desaparecido, mas com resultado que não seja mais
benéfico para esses herdeiros, a lei aplicável será o ius fori. Ou seja, aplicará a lei
sucessória brasileira, nos termos do par. 1º, art. 10;
o) Para conflitos de leis em matéria de capacidade para suceder o elemento
de conexão é o ius domicilli do herdeiro ou legatário, nos termos do par. 2º, art. 10;
p) Para conflitos de leis em matéria de organização societária (definição da
pessoa jurídica) o elemento de conexão é o lex loci actus, ou seja, a lei do local
onde se constituiu a pessoa jurídica, conforme o art. 11.
q) Para conflitos de leis em matéria processual quanto à prova dos fatos
ocorridos no estrangeiro o elemento de conexão, segundo o art. 13, é a lex loci
actus (lei do local do ato, no caso, a lei estrangeira) para o ônus da prova e para os
meios de se produzir a prova. Entretanto, tais provas devem ser compatíveis com o
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sistema de provas brasileiro, pois o dispositivo também estabelece: “não admitindo
os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça”. É, portanto, um
sistema misto de produção de provas para esta hipótese.
Na leitura que devemos fazer da norma de DIP é importante ficar atento para
cada palavra posta pelo legislador. O texto poderá conter situações de exceção
quase imperceptíveis. Considerando a distinção da norma em hipótese e disposição,
a demarcação da hipótese é um exercício que requer atenção, quando o legislador
elege situações específicas para estabelecer um elemento de conexão próprio,
reduzindo as possibilidades para os casos submetidos ao juiz.
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direito material; outro exemplo é a doação causa mortis, se é sucessão ou direito
contratual. Estas dúvidas também ocorrem para o aplicador do DIP.
A principal diferença na qualificação para o DIP é que o juiz precisa saber,
além da própria interpretação qualificadora, qual é a ordem jurídica que fornecerá os
elementos conceituais para o exercício da qualificação. Ele precisa saber qual
ordenamento jurídico utilizará para qualificar determinada relação jurídica sub judice.
Numa síntese, então, podemos dizer: a ordem jurídica, como uma totalidade
sistematizada de normas e institutos jurídicos (conceitos de um fato juridicamente
apreciado), diante da diversidade jurídico-social entre os sistemas jurídicos,
decorrente das diferenças naturais em razão da evolução de cada comunidade,
necessita de um critério que indique qual ordem jurídica será adotada para
classificar e definir as diferenças das instituições e conceitos e, assim, impedir que,
em determinada ordem, sejam tomados uns pelos outros.
No Brasil a solução para a qualificação se encontra, de regra, no artigo 6º do
Código de Bustamante, que manda aplicar as noções de direito do próprio
ordenamento onde ocorre a competência jurisdicional (ius fori), no caso, então, as
noções do direito brasileiro:
Código de Bustamante - Art. 6º: Em todos os casos não previstos por este
código, cada um dos Estados contratantes aplicará sua própria definição às
instituições ou relações jurídicas.
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8. A TEORIA DO REENVIO – A solução de conflito de leis no espaço
com a aplicação de normas que admitem a aplicação de um direito material
estrangeiro gera um problema intrínseco, que é a dúvida se a norma estrangeira a
ser aplicada se restringe ao direito material estrangeiro ou inclui também as normas
estrangeiras de solução de conflitos no espaço.
Em outras palavras, o aplicador do direito, ao concluir que a lei
aplicável é uma lei estrangeira, o elemento de conexão não diz que parte da lei
estrangeira ele se refere. Se o aplicador se valer somente do direito material
estrangeiro o caso será solucionado, mas se o aplicador entender que também o
DIP estrangeiro deve ser observado, há o fenômeno do “reenvio”, “retorno” ou
“devolução”. Com a consulta à norma de DIP estrangeira o aplicador poderá
encontrar um elemento de conexão diferente, que, associado ao caso concreto, leve
à aplicação de um terceiro direito ou ao retorno ao direito de origem. É nessa
hipótese que há reenvio.
O direito brasileiro, se precavendo da hipótese de reenvio, o proíbe
expressamente no artigo 16 da Lei de Introdução:
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9. AS EXCEÇÕES À APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO – A possibilidade de aplicar uma norma estrangeira num sistema
jurídico de um Estado soberano, diante das implicações sistêmicas e da própria
ideologia da soberania, é uma ruptura conceitual significativa. O estudo do DIP nos
últimos anos do curso de Direito é uma prova disto, demanda uma maturidade
intelectual jurídica maior. A existência de uma norma de DIP, com o objeto exposto
acima, possui suas próprias restrições, embutidas no texto da lei, para garantir a
harmonia com o sistema e superar as resistências da sociedade constatadas pelo
legislador.
O DIP é produto de uma evolução costumeiramente secular, mas a sua atual
fase, de incorporação às ordens jurídicas nacionais na forma de legal, codificada,
sofreu limitações de interesse especialmente político. As normas atuais de DIP
trazem dispositivos que excepcionam a sua aplicação. Quando a sua aplicação não
é possível então o intérprete aplica o seu próprio direito (ius fori).
As exceções mais frequentes são as seguintes: a) exceção de ordem pública;
b) exceção do interesse nacional lesado; c) exceção da fraude à lei; d) exceção do
princípio da reciprocidade (não contemplada no direito brasileiro); e) exceção das
instituições desconhecidas. Abordemos cada uma delas:
a) Exceção de ordem pública – esta é a exceção mais relevante, presente de
forma expressa na Lei de Introdução no artigo 17. Significa que toda aplicação de lei
estrangeira no Brasil em decorrência de uma norma de DIP não será válida se
contrariar a ordem pública brasileira.
Ordem pública, segundo Amílcar de Castro, são as manifestações sociais
relevantes, jurídicas ou não, da vida de uma nação (CASTRO, 1980). Quanto às
“normas de ordem pública”, no mesmo sentido, são as normas relevantes que são
indisponíveis e que, portanto, não podem ser substituídas por outras, num hipotético
e falso conflito de leis.
Ordem pública trata-se de um conceito jurídico indeterminado, por isso de
difícil aplicação. Como definir o campo dos fatos que agridem a ordem pública?
Somente caso a caso, numa interpretação jurisprudencial das manifestações sociais
relevantes.
Uma tentativa de delimitar a ordem pública de uma sociedade é defini-la como
o campo da moral média, ou seja, o conjunto dos valores relevantes e
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predominantes da sociedade. Avaliar o que faz parte da ordem pública é promover
um exercício de ponderação dos princípios gerais do direito e dos bons costumes.
Nesse sentido afirma Maristela Basso:
Mas essa solução não elimina a subjetividade do problema. O juiz não pode,
também, sob o discurso da proteção da ordem pública, abandonar arbitrariamente
do DIP. O cálculo da aplicação dessa exceção deve verdadeiramente indicar a
relevância da excepcionalidade.
O artigo 17 trata da exceção de ordem pública ao lado de exceções por
agressão à soberania nacional e agressão aos bons costumes. Irineu Strenger
entende que soberania nacional e bons costumes são questões contempladas na
noção de ordem pública e, portanto, o legislador foi prolixo e redundante
(STRENGER, 1996, p. 452).
Vejamos um caso onde não é possível a aplicação do DIP em razão de ferir a
ordem pública brasileira: Stuart e Mary se casaram no Estado da Virgínia, EUA, na
década de cinquenta, quando lá era proibido o casamento racial. Ocorre que a Mary
é negra e o Stuart é branco, por isso este casamento foi anulado judicialmente pela
justiça da Virgínia. Ocorre que o Stuart mudou-se para o Brasil e veio a falecer,
deixando vasto patrimônio no Brasil. Deixou como herdeira apenas uma irmã. Porém
a Mary reivindicou a sua parte na herança na condição de cônjuge. Ainda que o
elemento de conexão para direito matrimonial seja o primeiro domicílio conjugal,
conforme o artigo 7º, parágrafo da Lei de Introdução, o que resultaria na aplicação
da lei americana, que anulou o casamento, em função do artigo 17 da mesma Lei de
Introdução, a decisão americana não pode ser aplicada no Brasil por ferir a nossa
ordem pública ao contrariar o princípio constitucional da proibição de discriminação
racial. Assim, o referido casamento continuou válido aqui, com o consequente direito
matrimonial de Mary.
Entretanto, há uma situação recorrente de aparente agressão à ordem pública
brasileira e com vasta decisão jurisprudencial uniforme em sentido contrário, é o
caso da cobrança de dívida de jogo contraída no estrangeiro (Maristela Basso nos
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traz a coletânea de outras jurisprudências). Vejamos uma jurisprudência
exemplificativa:
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nacionais do defunto. Se não for prejudicial, a lei estrangeira indicada é válida, ou
seja, dois pesos, duas medidas.
Uma questão interessante referente a este dispositivo legal é a hipótese do
prejuízo a um filho ou cônjuge brasileiro decorrente de norma estrangeira indicada
no caput vir em benefício de outro herdeiro (filho ou cônjuge) que seja também
brasileiro. O lógico que, neste caso não haverá o afastamento da norma estrangeira
em razão da exceção, pois outro brasileiro ficará no prejuízo. Se o propósito da
norma é proteger interesse brasileiro, esse interesse só pode ocorrer frente a um
interesse estrangeiro. Dois interesses em conflito, ambos brasileiros, não estão
contemplados no dispositivo. Entendemos que neste caso aplica-se a lei estrangeira
indicada no caput.
c) Exceção de fraude à lei – ocorre quando a lei de DIP coíbe a prática de
manipulação ilícita dos fatos para a obtenção da aplicação de uma norma mais
favorável decorrente de um conflito de leis no espaço.
A fraude à lei é uma conduta condenada nos ordenamentos jurídicos, mas no
DIP ela possui um interesse especial e uma especificidade. Como o DIP se
caracteriza pela hipótese de mais de um direito aplicável, resta a aparente e falsa
ideia de opção da lei. Na verdade não há opção, o direito já está dado, o que há é a
dúvida sobre qual é o direito devido. As partes, com suas pretensões opostas,
apenas esperam que estejam de acordo com o direito, e o juiz é apenas um
intérprete (ressalvada toda a subjetividade que isso implica). Qualquer modificação
posterior nas condições reais e nos fatos, pelas partes, seja pela informação falsa
dos fatos, seja pela falsificação das coisas e das realidades jurídicas, com fins a
uma interpretação diferente das normas de DIP, é uma fraude à lei em DIP.
No DIP brasileiro a exceção de fraude à lei pode ser identificada no artigo 7º,
parágrafo 6º da Lei de Introdução, quando o legislador coíbe o divórcio em outros
ordenamentos para o proveito de prazos mais curtos, e também no artigo 17 da Lei
de Introdução, pela interpretação de que a fraude à lei também é uma conduta que
agride a ordem pública brasileira.
d) Exceção do princípio da reciprocidade. O princípio da reciprocidade, no
DIP, quer dizer que o ordenamento jurídico, para a aplicação de uma norma
estrangeira em seu âmbito, exige que o sistema jurídico da respectiva norma
estrangeira contemple normas de DIP. Em outras palavras, se o ordenamento
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jurídico estrangeiro soluciona os seus conflitos jurídicos fundados apenas no ius fori,
outro Estado que adota a exceção de reciprocidade não aplicará em sua ordem uma
norma daquele ordenamento, ainda que o seu DIP remeta à aplicação.
e) Exceção das instituições desconhecidas: é a exceção à aplicação do DIP
em razão da presença, no direito estrangeiro indicado, de um instituto jurídico
desconhecido e estranho no ordenamento a aplicar. Não é a existência de um
tratamento diferente num mesmo instituto, mas de uma figura jurídica que não
possui referência no direito local. Por exemplo, no direito brasileiro não há os
institutos jurídicos da poligamia ou dos esponsais.
No DIP brasileiro não há referência expressa à exceção de instituição
desconhecida, mas a doutrina é concorde que ela também está contemplada no
artigo 17 da Lei de Introdução em razão de uma agressão à ordem pública.
Entretanto, a mesma doutrina é divergente quanto à extensão da interpretação
nesse sentido: parte da doutrina entende que qualquer instituição desconhecida fere
a ordem pública brasileira e outra parte entende que é preciso verificar caso a caso,
pois há instituições desconhecidas que ferem e outras que não ferem. Nos casos
acima, por exemplo, a poligamia fere a ordem pública brasileira, mas o
reconhecimento dos esponsais (que é a existência de um vínculo jurídico de direito
de família entre noivos) não fere a nossa ordem pública. Este último entendimento
nos parece mais razoável.
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(Direito Internacional Privado) é alvo de críticas, primeiro porque a sua condição
supletiva, como a norma que indica a norma aplicável, induz a afirmar que suas
normas não são normas de direito, mas técnica de aplicação do direito, segundo
porque não são normas internacionais, elas são internas e são critérios de solução
de conflito de leis definidos dentro do ordenamento e, terceiro, porque a norma de
Direito Internacional Privado em si não é Direito Privado, define a aplicação de
normas de Direito Privado, mas as normas em si são públicas, indisponíveis pelos
interessados.
A formação de blocos econômicos não diminui a importância do DIP. Este
está devidamente contemplado no modelo de organização jurídica do Estado de
Direito e os blocos econômicos dinamizam as relações internacionais ampliando as
possibilidades de conflitos de leis.
A tradição de uma aversão do acadêmico de Direito a este ramo é
injustificável. Não só a motivação política pela integração entre as sociedades como
também o claro vínculo com a promoção das liberdades individuais são mais do que
suficientes para estimular o seu estudo.
BIBLIOGRAFIA:
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