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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Generalidades
O Direito Internacional Privado é aquele direito que determina, no
ordenamento jurídico interno de cada Estado, qual o direito interno, ou
seja, o direito de que Estado se aplica a uma determinada relação jurídica
de ordem privada, cujos efeitos ou consequências ultrapassem as fronteiras
de um Estado, alcançando, bens ou pessoas em outro Estado.
São regras de ordem pública, o que leva a maioria dos autores a sustentar
que se trata de um ramo do direito público. Pelo seu objeto, percebe-se que
se trata de um direito interno, e que cada Estado tem o seu. Ele é
internacional no sentido de que regula relações entre pessoas que
ultrapassam fronteiras. Não são relações internacionais no sentido de
relações estabelecidas por Estados. Trata-se de relações de ordem privada,
entre pessoas privadas.

Conceito
O Direito Internacional Privado é aplicável às relações jurídicas privadas
cujas consequências, ou efeitos ultrapassem os limites territoriais de um
Estado. Existe atualmente cerca de 200 Estados soberanos, possuindo, cada
qual a sua ordem jurídica própria. As relações jurídicas, na maioria dos
casos, estão vinculadas estritamente ao território de um determinado
Estado, no qual os tribunais julgam uma eventual lide entre as partes
conflitantes. Ocorre que as relações jurídicas no contexto internacional
estão cada vez mais frequentes. Isto ocorre pelo incremento do comércio
internacional e pela mobilidade da população.
O Instituto de Direito Internacional, (Estrasburgo) em 1997, adotou uma
resolução, postulando que toda a faculdade de Direito deveria oferecer
curso básico de Direito Internacional Privado para os estudantes. Este, de
preferência, incluiria os seguintes tópicos: (a) fontes do DIP; (b) relação
entre o DIP e o Direito Internacional Público; (c) direito aplicável e (d)
reconhecimento de sentenças estrangeiras.
Uma brasileira que se casa com um estrangeiro, um brasileiro que trabalha
em vários Estados, sofre um acidente de carro no exterior, uma empresa
brasileira que compra produtos de uma empresa estrangeira, uma pessoa
que tenha patrimônio em vários Estados, são exemplos de casos de direito
privado que tem algo em comum: envolvem pessoas de nacionalidade
estrangeira. Seja porque o domicílio ou a sede de uma ou de ambas as
partes está no exterior, ou porque o fato ocorreu fora do país, ou porque o
bem está localizado fora do seu Estado ou por outras razões.
Cada Estado poderia, teoricamente, aplicar o seu direito privado interno
para resolver todas as questões jurídicas ocorridas em seu território. Na
realidade isto não ocorre. Todos os Estados possuem em seu ordenamento
jurídico interno, regras peculiares para aplicar às relações jurídicas com
conexão internacional. Tais regras dizem respeito, principalmente, ao
direito aplicável, que sempre será um nacional (não internacional) de um
ou de outro Estado. Veja-se que estas regras não dirimem a lide, elas
apenas indicam qual direito deve ser aplicado ao caso concreto, por isso são
chamadas normas indicativas ou indiretas.
Porque um juiz ou tribunal aplicaria direito estrangeiro? Ocorre que por
vezes a relação jurídica está mais vinculada a um ou vários ordenamentos
jurídicos estrangeiros. Quando estas situações ocorrem, cada Estado
determina individualmente, conforme sua legislação, qual o direito
aplicado, geralmente é aplicado o direito de onde a relação jurídica tenha
seu “centro de gravidade”.
Como já foi dito, este direito (internacional privado) e constituído por
normas que definem qual o direito a ser aplicado a uma relação jurídica
com conexão internacional, não resolvendo propriamente a lide, apenas
indica o direito aplicável. Estas normas resolvem os conflitos de leis no
espaço.
Da ótica do juiz pátrio, porém, inexistem conflitos desta ordem. Cada país
possui normas de direito internacional privado e, por tal razão, o juiz ao
aplicar o direito, baseia-se, em primeiro lugar na ordem jurídica interna. Se
a norma de direito internacional privado indicar ao julgador a aplicação do
direito estrangeiro, numa determinada lide, isto não se impõe ao juiz por
força própria. Sua aplicação depende da vontade do legislador nacional,
não do estrangeiro por isso não há um conflito de leis propriamente. O
conflito existirá quando visto por uma perspectiva supranacional. Como
cada Estado possuí seu próprio ordenamento jurídico (mesmo o privado
internacional) o direito aplicável à lide poderá variar, então o conflito de
leis no espaço existirá quando o direito aplicável não seja o mesmo nos
diversos países.

Objeto
O direito internacional privado resolve essencialmente conflitos de leis no
espaço referente ao direito privado, isto é, determina qual o direito
aplicável a uma determinada relação jurídica com conexão internacional.
Em sua essência, o direito internacional privado, é de direito interno, cada
Estado possui suas próprias normas de direito internacional privado.
Entre os doutrinadores é controversa a localização do Direito internacional
privado.

Alguns lembram que o campo de abrangência do direito internacional


privado é muito amplo, tem por objeto leis de qualquer natureza que
abranjam conflitos de leis no espaço, quer nacionais, estaduais, municipais,
religiosas, civis, comerciais, trabalhistas. Portanto o direito internacional
privado não se restringe as instituições de direito privado, mas atua
inclusive no direito público. Pontes de Miranda sustentava que o direito
internacional privado não aceita em seu âmbito questões ligadas ao direito
público.

Objetivos
Para o juiz aplicar uma norma de Direito Internacional é pressuposto a
existência de uma causa sub-judice com conexão internacional. Esta norma
determinará o direito aplicável, ou seja, se o direito doméstico ou
estrangeiro, deslindará a lide. Se o direito estrangeiro for aplicável, este
será o indicado, não se levando em consideração, em princípio, seu
conteúdo. O direito Internacional privado apenas indaga qual o vínculo
mais significativo em uma relação jurídica com conexão internacional. A
esta relação jurídica será aplicável o direito com o qual está mais
intimamente ligada. Mas, evidentemente, cada Estado é que estabelece o
elemento de conexão, isto é, o direito a ser aplicado. Indica o elemento de
conexão que mais lhe convém. Isto pode ser diferente nos vários
ordenamentos jurídicos nacionais. O direito Internacional não indaga, a
princípio o conteúdo do direito aplicável (o que pode ser um “salto no
escuro”. Entretanto, caso o direito estrangeiro indicado violar princípios
fundamentais do direito interno, ou seja, a ordem pública, este não será
aplicado pelo juiz. Mesmo o direito internacional privado deve estar
sempre em sintonia com a Constituição. Por ex.: atender aspectos do direito
de família, igualdade de direitos entre homens e mulheres, etc.. Mas não se
pode esquecer que o objetivo do direito internacional privado não é a
aplicação do “melhor” direito até porque a avaliação do que seja o
“melhor” direito é muito relativa. (melhor para quem?)
As sentenças proferidas por juizes de países diferentes podem divergir, já
que as regras jurídicas do direito interno não coincidem. Os Estados
reconhecem as sentenças estrangeiras, sempre que a ordem pública não for
violada. Na prática, os juízes tentam aplicar sempre a lei nacional porque
não estão familiarizados com o conteúdo do direito estrangeiro, todavia tal
prática é condenável, por contradizer o ideal do direito internacional
privado segundo o qual aplica-se o direito com que a relação jurídica está
mais intimamente ligada.

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


Lei
A lei é a fonte primária do Direito Internacional Privado na grande maioria
dos países. É esta que, na prática, deve ser consultada em primeiro lugar
diante de uma relação jurídica de direito privado com conexão
internacional.
Quando surgiram as primeiras codificações (Séc. 19) estas em geral
dedicaram poucas normas ao Direito Internacional Privado. Muitos
Estados, principalmente os europeus, nos últimos anos revisaram suas
normas em vigor, criando verdadeiras codificações sobre o DIP. Na
América Latina isso também ocorre. No Brasil, as principais regras e as
básicas de DIP estão na Lei de Introdução ao Código Civil. A doutrina
nacional é unânime em afirmar que estas não estão satisfazendo a crescente
internacionalização do país. Houve muitas tentativas de submeter esta
legislação a uma revisão geral, inclusive com sua codificação, todas sem
sucesso. Neste particular nada foi modificado também com o novo Código
Civil.

Tratados Internacionais
O Direito Internacional Público é um instrumento para o direito
internacional privado. Os tratados internacionais, como sabemos, acordos
internacionais, celebrado por escrito entre Estados e regidos pelo Direito
Internacional Público, qualquer que seja sua denominação específica.
Cada país regula individualmente a incorporação dos termos do tratado em
seu sistema jurídico interno.
Aqui entram as teorias do primado do Direito Interno X Direito
Internacional (nos EUA, por ex: a primazia é do Direito Internacional
Público sobre o interno) no Brasil, um tratado internacional está sujeito ao
controle da constitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal consagra atualmente a paridade entre o
tratado internacional e a lei interna. Mas existindo conflito entre o tratado e
a lei interna posterior, prevalece a lei interna. Esta posição contrasta com a
maioria dos doutrinadores nacionais que defendem a primazia do Direito
Internacional. Esta controvérsia está longe de uma solução pacífica.
Um tratado internacional é negociado, assinado, ratificado, promulgado,
registrado e publicado. O que lhe dá eficácia internacional é a ratificação
pelo chefe do Estado, após aprovação do Congresso Nacional. Para plena
eficácia no Brasil, depende ainda de sua promulgação e publicação.
O tratado internacional é fonte importante para o Direito Internacional
Privado. O mais importante deles é o tratado de Bustamente, assinado e
ratificado pelo Brasil em 1928 e promulgado em 1929. A pedido do
Instituto Americano de Direito Internacional, foi elaborado pelo jurista
Antonio Sánches de Bustamante y Sirvén, tentava codificar o direito
internacional privado da América. Foi aprovado na Conferência
Panamericana em Havana em 1928, e em homenagem a seu elaborador foi
denominado “Código de Bustamante”. Possui 437 artigos e trata de quase
todas as questões de direito internacional privado. Foi ratificado por 15
países sul-americanos, mas possui pouca aplicabilidade prática porque:
(1) O próprio código permitia que os Estados determinassem o estatuto
pessoal da pessoa física com autonomia. Muitos países aderiram ao
domicílio como elemento de conexão (a maioria) outros, como o Brasil,
aderiram a nacionalidade como elemento de conexão.
(2) O Código de Bustamante é muito vago e refere-se a assuntos que não
pertencem ao direito internacional provado (extradição e direito penal –
que são públicos). Isto fez com que muitos estados declarassem reservas.
(3) A Lei de introdução ao Código Civil Brasileira é posterior ao Código de
Bustamante e a jurisprudência dominante é que a lei posterior derroga o
tratado sempre que em conflito
(4) Os juízes não o conhecem profundamente e tem medo de aplica-lo.
Foram inúmeras tentativas de revisar o Código de Bustamante,
especialmente depois que o Brasil abandonou sua posição anterior de
adotar o princípio da nacionalidade, dando preferência ao do domicílio (o
que fez com que toda América inclusive os EUA adotem o mesmo
elemento de conexão) de qualquer forma nunca se conseguiu revisar e
reformular o Código de Bustamente. (Decreto n. 18.871 / 29).

A jurisprudência
De enorme importância como fonte do DIP. Muitos países ainda não
possuem uma codificação própria acerca da matéria. Outros (como o
Brasil) as normas são insuficientes para atender a nova realidade. Nestes
casos, as lacunas são preenchidas pela jurisprudência. Decisões de tribunais
brasileiros sobre a matéria (qual o direito a ser aplicado) são raras (mesmo
no Supremo Tribunal Federal). Na Europa, onde são muito grandes as
relações jurídicas internacionais de direito privado a jurisprudência é farta.
Aos tribunais brasileiros é facultado levar em consideração essa
jurisprudência quando a relação sub judice não pode ser decidida pela
legislação, na doutrina ou na prática brasileira.
Atribuir à jurisprudência a qualidade de fonte do direito internacional
privado equivale a dizer que o juiz deve criar uma norma jurídica quando
encontrar lacunas na legislação. A jurisprudência normativa foi utilizada
em muitos países como fundamento para a posterior codificação do Direito
Internacional Privado. (Suíça criou em 1987 seu código de DIP utilizando a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal daquele país).
Além dos tribunais estatais existe um grande número de tribunais
internacionais, mas sua jurisprudência pouco influência o Direito
Internacional Privado (por serem Tribunais Internacionais Públicos) Uma
exceção é a Corte Européia de Justiça, já que suas decisões influenciam os
Estados-Membros.

A doutrina
A doutrina é fonte reconhecida e tem influenciado muito a evolução do DIP
em todo o mundo. Os próprios princípios fundamentais do DIP moderno
repousam nas teorias doutrinárias desenvolvidas desde o séc. 19. Uma das
características da doutrina é sua visão global, embora o DIP seja um direito
interno (eventualmente uniformizado em algumas partes) o objeto da
disciplina é estritamente internacional. Por isso a doutrina é indispensável
ao juiz, pois leva em consideração tais aspectos, que o juiz geralmente não
tem tempo para um estudo mais abrangente.
Neste campo a fonte doutrinária de grande importância são os trabalhos
apresentados por institutos especializados na pesquisa de direito
internacional privado bem como os trabalhos elaborados para as
convenções internacionais. (mesmo quando não vigentes por falta do
número necessário de ratificações). Porque estas convenções são
preparadas por especialistas do mais alto nível sendo seu valor doutrinário
elevado. Modernamente as propostas apresentadas nas convenções
internacionais vem acompanhadas por um relatório explicativo elaborado
por renomados juristas. (como foi a Convenção da União Européia sobre
Obrigações Contratuais em Roma 1980, o relatório foi elaborado por
Giuliani e Lagarde, dois mais renomados juristas italianos). É fonte
indispensável de consulta para os juizes e tribunais encarregados de aplicar
a matéria.

O direito costumeiro
Reconhece-se ainda o direito costumeiro como fonte do DIP. No Brasil o
direito costumeiro só se aplica em caso de falta ou omissão da lei e são
condições indispensáveis para a vigência do direito costumeiro: a
continuidade, uniformidade, diuturnidade, moralidade e obrigatoriedade.
Trata-se de uma ação reiterada, constante uniforme de uma determinada
conduta.
O elemento essencial à formação de uma regra de direito costumeiro
internacional é o uso prolongado e geral, que consiste na prática uniforme e
reiterada de atos com efeitos jurídicos, culminando na convicção de se
tratar de uma regra de direito. Ela deve ser clara e objetiva, exigindo o
respeito universal (já que tem em vista relações com conexões
internacionais).
Entretanto estes elementos raramente são encontrados no Direito
Internacional Privado.
- Ex.: Não existem normas suficientemente claras quanto a regra locus
regit actum. - a forma de um negócio jurídico.
- A regra Lex rei sitae tem aceitação quase universal – a lei local é
aplicável ao bem – muitos Estados adotam. Outros não. Em muitos Estados
a transmissão do bem decorre da celebração do contrato de compra e
venda. No Brasil é necessária a transcrição no registro imobiliário para a
aquisição da propriedade.
- A maioria dos Estados reconhece a livre escolha pelas partes do direito
aplicável num negócio jurídico. Muitos Estados como o Brasil ainda não,
quando se trata de proteger a parte mais fraca (consumidor, trabalho)

Por isso, o Direito Internacional Privado Brasileiro (diferentemente do


Direito Internacional Público) não exige tais critérios para aplicação do
direito costumeiro.
Mesmo uma jurisprudência uniforme e prolongada (que inexiste no Brasil)
por si só é incapaz de criar direito costumeiro (isto seria o caso de que se
tratasse de uma verdadeira norma jurídica cuja revogação ou modificação
dependesse do poder legislativo).
Se a legislação for omissa o juiz tem o poder de criar uma norma jurídica
que preencha a lacuna e seu poder não está limitado aos pressupostos
necessários à formação do direito costumeiro.

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