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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO:

OBJETIVOS DESTA UNIDADE – CAPÍTULO I

• O objectivo do estudo desta unidade é colocar o académico/estudante em


contacto com os precedentes históricos do Direito Internacional Privado ou
DIPr, sigla pela qual a disciplina é conhecida.
Entender a importância da disciplina, seu conceito, as fontes e a aplicação
destas no ordenamento jurídico brasileiro.
• Esta primeira unidade é uma espécie de introdução ao assunto, e muitos
de seus pontos serão abordados de forma mais específica nas outras
unidades destas lições.

AS SECÇÕES DO CAPÍTULO I
Secção 1.1 – Definição de Direito Internacional Privado – DIPr
Secção 1.2 – A História Moderna do Direito Internacional
Seção 1.3 – Objecto do Direito Internacional Privado
Secção 1.4 – Objectivo/finalidade do Direito Internacional Privado
Secção 1.5 – Fontes do Direito Internacional Privado

Antes de entrar propriamente no conteúdo do componente curricular de


Direito Internacional Privado – DIPr – cabe fazermos uma distinção entre
este e o Direito Internacional Público – DIP.
Para Rechsteiner (2007), o Direito Internacional Privado refere-se às
relações jurídicas pertinentes à área de Direito Privado, com conexão
internacional, não sendo aplicáveis às relações de conflitos do Direito
Internacional Público. Não se pode negar, porém, que o Direito Público
reflecte de modo visível na matéria privada, influenciando a aplicação do
Direito Internacional Privado.
Lições Introdutoras de Direito Internacional Privado ou de Normas de Conflitos – Capítulo I
“O que eu ensino não é meu, mas pertence àquele que me enviou” (João 7:16)
Filho do Homem – 2022/Outubro.
Afinal, cada país reconhece em seu ordenamento jurídico interno normas
de Direito Internacional Público. Tais normas são frutos de tratados
internacionais, que muitas vezes versam sobre as relações privadas.
Assim, se forem aplicadas as normas de Direito Interno numa relação
jurídica de Direito Internacional Privado, com conexão internacional, o juiz
leva em consideração todas as normas de Direito Público, aplicadas ao caso
concreto.
Cabe salientar ainda que as normas de Direito Público Internacional se
aplicam-se à solução de conflitos públicos, especialmente os conflitos entre
Estados soberanos, enquanto as normas de Direito Internacional Privado
destinam-se a regular as relações entre os particulares, mas amparado em
normas que são fruto do Direito Público. Podemos citar como exemplo os
tratados internacionais sobre extradição, os quais são celebrados pelos
Estados (direito público), mas aplicados aos particulares.
S
SECÇÃO 1.1 DEFINIÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO – DIPR E O DIREITO INTERTEMPORAL

Definição de DIPr
1 O Direito Internacional Privado é resultante da pluralidade de Estados e
por conseguinte, de legislações (aspecto jurídico); e da movimentação de
pessoas, bens e serviços (aspecto fáctico).
O DIPr não existiria se os ordenamentos jurídicos fossem todos iguais ou
se os Estados (países) vivessem de forma isolada.

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“O que eu ensino não é meu, mas pertence àquele que me enviou” (João 7:16)
Filho do Homem – 2022/Outubro.
Diante disso, percebemos que não existe um Direito superior a todos os
demais, capaz de resolver esses conflitos. O Direito Internacional Privado
supre esta ausência, determinando qual ordenamento jurídico que deve ser
aplicado a cada situação concreta, que permita (em razão de elementos de
conexão) a aplicabilidade de mais de um ordenamento jurídico.
Podemos observar pelo organograma a seguir, a realidade do Direito
Internacional Privado
Globalização
Desenvolvimento comercial

Contratos internacionais
Diferenças entre os vários sistemas jurídicos

Relações jurídicas conectadas a mais de um ordenamento jurídico:


· Em regra diferentes
· Expressão da soberania
· Utopia do ordenamento único
Julgador defronta-se com a seguinte questão:

Qual ordenamento a ser aplicado?

Possibilidade, de acordo com a legislação


. nacional, de se aplicar o Direito estrangeiro.

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“O que eu ensino não é meu, mas pertence àquele que me enviou” (João 7:16)
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. As questões apontadas até aqui serão estudadas no DIPr ao longo das
unidades deste material de apoio.
Assim, em relação à definição do Direito Internacional Privado, podemos
trazer o conceito de alguns autores renomados:
Luiz Ivani de Amorim Araújo: Conjunto de regras de Direito Interno
que objetiva solucionar os conflitos de lei originários de Estados diversos,
indicando, em cada caso que se apresente, a lei competente a ser aplicada.

Haroldo Valladão: É o ramo da ciência jurídica que resolve os conflitos


de leis no espaço, disciplinando os fatos, em conexão no espaço, com leis
divergentes e autônomas.

Edgar Carlos de Amorim: É o ramo da ciência jurídica que trata da


licitude das condições do estrangeiro, da aplicação de suas leis e dos
conflitos destas com as leis locais.

Luís de Lima Pinheiro: o DIPr é o ramo do Direito que regula situações


privadas de carácter internacional através do processo conflitual 1.
Mateus Jaime Chitonga, DIPr: é como conjunto de normas jurídicas,
criadas por uma autoridade política autónoma, um Estado nacional que
disponha de uma ordem jurídica autónoma, com escopo de dirimir os
conflitos de leis no espaço, ou seja, é um conjunto de regras de direito
interno que indica ao juiz do foro que lei, se a do foro ou a estrangeira, ou
dentro duas estrangeiras – deverá ser aplicada um caso sub Júdice ou
relação jurídica de natureza privada que tenha uma ligação com mais de um
País2.
Para Albano Pedro3: o DIPr regula a aplicação da Lei no espaço e assenta
da regra da não transactividade das leis – nenhuma lei do foro ou qualquer
outra se aplica a factos que se não achem em contacto com ela.
V.g., um contrato celebrado no estrangeiro e com eficácia no respectivo
território não pode ser regulado pela lei angolana.
Somos adeptos de Valério de Oliveira Mazzuoli em concordarmos de que
O Direito Internacional Privado é a disciplina jurídica baseada num

1
Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado Parte Especial, Direito de Conflitos, Almedina,
Coimbra, 2009, p., 15.
2
Mateus Jaime Chitonga, Direito Internacional Privado, 2.ª Ed., Editora Escolar, Luanda-Angola, 2017.
P.,32.
3
Albano Pedro,Prática de Direito Internacional Provado, Luanda, Junho de 2014, p., 10.
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método e numa técnica de aplicação do direito – que visa solucionar os
conflitos de leis estrangeiras no espaço, ou seja, os factos em conexão
espacial com leis estrangeiras divergentes, autónomas e independentes,
buscando seja aplicado o melhor direito ao caso concreto. Trata-se do
conjunto de princípios e regras de direito público destinados a reger os
factos que orbitam ao redor de leis estrangeiras contrárias, bem assim os
efeitos jurídicos que uma norma interna pode ter para além do domínio do
Estado em que foi editada, quer as relações jurídicas subjacentes sejam de
direito privado ou público.
Como se vê, o DIPr é a expressão exterior do direito interno estatal (civil,
comercial, administrativo, tributário, trabalho etc.).
 Por meio do DIPr, contudo, não se resolve propriamente a questão
jurídica sub judice, eis que suas normas são apenas indicativas ou
indirectas, ou seja, apenas indicam qual ordem jurídica substancial
(nacional ou estrangeira) deverá ser aplicada no caso concreto para o
fim de resolver a questão principal; as normas do DIPr não irão
dizer, v.g., se o contrato é válido ou inválido, se a pessoa é capaz ou
incapaz, se o indivíduo tem ou não direito à herança, senão apenas
indicarão a ordem jurídica responsável por resolver tais questões.
Em outros termos, por não ser possível submeter a relação jurídica a dois
ordenamentos estatais distintos, o DIPr “escolhe” qual deles resolverá a
questão principal sub judice.
Daí se entender ser o DIPr um direito sobre direitos (jus supra jura), pois
acima das normas jurídicas materiais destinadas à resolução dos conflitos
de interesses encontram-se as regras sobre o campo de aplicação dessas
normas, ou seja, o próprio Direito Internacional Privado.

Em suma, o DIPr depara-se assim com três problemas:


1. A determinação do direito aplicável;
2. A determinação da jurisdição aplicável,
3. E o reconhecimento das decisões.
Vamos estudar apenas os problemas da determinação do direito aplicável e
o reconhecimento das decisões.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E DIREITO
INTERTEMPORAL

Não há que se confundir o DIPr com o chamado Direito Intertemporal, que


visa resolver conflitos de leis no tempo (retroactividade, irretroactividade e
ultra-actividade das leis), definindo a incidência de leis estáticas sobre uma
realidade que persiste em momentos que se sucedem, ou ainda regulando a
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relação de uma nova lei com fatos já encerrados e com relações jurídicas
contínuas, iniciadas antes de sua entrada em vigor
No caso do DIPr, ao contrário, a questão é espacial, não temporal, eis que
o que se visa regular são os fatos em conexão espacial com normas
estrangeiras divergentes.
 Não há dúvidas que ambos esses direitos – o DIPr e o Direito
Intertemporal – têm em comum o fato de resolverem problemas relativos à
aplicação (aos “conflitos”) das normas jurídicas, ao que se pode dizer
serem técnicas interligadas de resolução de antinomias. O DIPr, contudo,
é mais amplo que o Direito Intertemporal, à medida que resolve
conflitos normativos entre diversos sistemas jurídicos, enquanto aquele
tem aplicação apenas no que tange às divergências temporais ocasionadas
num dado e único sistema normativo.
O que se acabou de dizer não invalida a existência de conflitos entre as
normas de DIPr no tempo. Perceba-se: o DIPr não regula questões
intertemporais, matéria afecta ao Direito Intertemporal, senão apenas
conflitos de leis estrangeiras no espaço; tal não significa que entre as
próprias normas do DIPr não possam surgir conflitos temporais.
Em tese no DIPr ou no Direito de conflitos – a quaisquer factos aplicam-se
as leis e, só se aplicam as leis, que com eles se achem em contacto. Esta
regra transmite a ideia do âmbito da eficácia possível da lei
SECÇÃO 1.2. A HISTÓRIA MODERNA DO DIREITO
INTERNACIONAL

Conhecer a história do Direito Internacional Privado facilitará


consideravelmente a compreensão da nossa disciplina, uma vez que os
princípios gerais e a parte geral do Direito Internacional Privado foram
esboçados pela doutrina ainda no século XIX.
Não nos remeteremos aos primórdios do Direito Internacional, mas ao
Direito Internacional Privado moderno, que está, segundo Beat Walter4
Rechsteiner, vinculado a três importantes doutrinadores: o americano
Joseph Story (1779-1845), o alemão Friedrich Carl von Savigny (1779-
1861) e o italiano Pasquale Stanislao Mancini (1817-1888).
O referido autor assevera que os doutrinadores mencionados são símbolos
para os três pilares básicos do Direito Internacional Privado, com vistas a
sua evolução histórica, quais sejam, a territorialidade do Direito (Joseph
Story), a personalidade do Direito (Pasquale Stanislao Mancini) e a
universalidade das normas de conflitos de leis no espaço (Friedrich
Carl von Savigny).
4
Beat Walter RECHSTEINER, . Direito internacional privado: teoria e prática. 10. ed. rev. e atual.São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 72-83.
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 Joseph Story foi juiz na Suprema Corte dos Estados Unidos e para
ele o Direito Internacional Privado era, na realidade, Direito Nacional.
Resulta desse fato, necessariamente, que também a aplicação do Direito
estrangeiro dentro do país dependeria, exclusivamente, da vontade do
legislador pátrio.
Segundo Beat Walter Rechsteiner (2007)5, a soberania de determinado
Estado seria a base dogmática para reflexões sobre o conflito de leis.
Influenciado pela teoria de Huber, Story acentuava a territorialidade do
Direito, ou seja, a aplicação da lei do território, mas admitia a aplicação do
Direito estrangeiro como ato de cortesia, o que era, particularmente, o caso
dos direitos adquiridos no estrangeiro.
 Em relação a Friedrich Carl Von Savigny, este foi um dos
membros fundadores da Universidade de Berlim, ministro do Estado da
Prússia, além de romanista, historiador do Direitoe um dos grandes mestres
clássicos do Direito Internacional Privado.
De acordo com Beat Walter Rechsteiner, a doutrina de Savigny abriu
inúmeras portas para uma nova compreensão da nossa disciplina, assim,
cada relação jurídica possui a sua própria sede à qual pertence, segundo a
sua própria natureza. Dessa forma, deve ser observado o caso concreto e a
lei que deve ser aplicada a este caso, a situação concreta muitas vezes
enseja a aplicação do Direito estrangeiro.
O pensamento de Savigny, portanto, será de que o Direito Internacional
Privado deveria ter uma harmonia internacional de suas decisões,
acreditando ser irrelevante se uma sentença era proferida pelo juiz de um
ou de outro país. Por essa razão, a disciplina não deve ser vista, tão-
somente, sob um ângulo nacional, mas orientar-se conforme as exigências
da comunidade dos povos.
Savigny acreditava ainda que o mesmo fim poderia ser alcançado por uma
lei comum universal sobre o Direito Aplicável, o que revela um caráter
universal da teoria de Savigny.
Outra característica do pensamento de Savigny era equipar os estrangeiros
aos nacionais, as questões deveriam ser analisas em razão à sua sede e
natureza para se determinar o elemento de conexão. Para este sábio da
ciência moderna do DPIr a sede é o elemento determinante de cada relação
jurídica vindo assim a preconizar os seguintes efeitos:
1. Para o estabelecimento da capacidade do sujeito é a lei do domicilio
(lex domicili);
2. Para relações obrigacionais, constituição e execução, prevalece a
autonomia privada e o lugar do cumprimento da obrigação – lex loci;
3. Para as relações familiares, casamento: lei nacional comum (lex
patrie) e do domicílio comum (lex domicili);

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4. Poder paternal_ a lei nacional comum dos pais, na falta o domicílio
comum dos pais e, na ausência a lei do pai ou mãe dependendo de
quem está com o filho, cf., art. 57.º do Código Civil. No entanto, os
ordenamentos jurídicos modernos consagram hoje como alternativa
na falta da nacionalidade e residência comum dos pais, a lei pessoal
do filho;
5. Na adopção a lei pessoal do adoptante e, não haverá adopção se esta
não conhecer o instituto de adopção;
6. A tutela e institutos análogos: a lei pessoal do incapaz ou pupilo;
7. Para as relações sucessórias: a lei pessoal do autor da sucessão, ou
seja, deve aplicar-se a lei pessoal do autor da sucessão ou seja do de
cujus.
 Cumpre destacar ainda a obra de Pasquale Stanislao Mancini (1817-
1888), que desenvolveu, dentre outras actividades, aquelas de advogado,
professor universitário e Ministro de Educação, da Justiça e das Relações
Exteriores.
Os ensinamentos de Mancini, contemporâneo de Savigny, vem contestar a
sua teoria, indo no sentido oposto. Mancini, defende a tese segundo a qual
o elemento fundamental do estabelecimento das relações pessoais do
sujeito repousam em três pilares básicos: nacionalidade, liberdade e
soberania, como linhas orientadoras do DPIr.
A nacionalidade como determinante do estatuto pessoal; A razão do
primeiro princípio é o elemento de conexão da nacionalidade, que é o
elemento de conexão dominante na doutrina de Mancini, ou seja, a lide
deve ser dirimida pela lei da nacionalidade da pessoa;
A liberdade como faculdade dos indivíduos de escolherem a lei aplicável
às relações patrimoniais, Separa, porém, os dois princípios mencionados.
Quando couber o Direito estrangeiro este não será aplicado quando ofender
a ordem pública nacional, ou seja, contrariar interesses da soberania do
Estado, consolidando assim o terceiro princípio, o da soberania;
A soberania como permitindo ao Estado impor determinados limites à
aplicação de regras estrangeiras no seu território, ou seja, o princípio da
liberdade refere-se ao direito das partes de escolherem livremente o Direito
aplicável dentro dos limites traçados pela lei (princípio da autonomia da
vontade das partes).
 O elemento de conexão principal, para Mancini, é a nacionalidade no
Direito Internacional Privado. Nesse ponto divergiu de Savigny, que
preferiu o elemento de conexão do domicílio àquele da nacionalidade.
Mancini defendeu a aplicação ampla do elemento de conexão da
nacionalidade no Direito Internacional Privado, formulando, assim, a sua
doutrina, que teve repercussão extraordinária, sendo adoptada por
legislações de vários Estados. Posteriormente, porém, o elemento de

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conexão da nacionalidade começou a perder a sua hegemonia, sendo
contínuo o seu declínio na actualidade.
De acordo com Beat Walter Rechsteiner, durante o século XIX, muitas
foram as codificações em relações aos seus direitos privados. As primeiras
codificações europeias, entre as quais figuravam o Código Civil da Grécia
de 1856, o Código Civil da Itália de 1865 e o Código Civil alemão de 1896,
podendo já se basear nas doutrinas modernas de Story, Mancini e Savigny,
conheceram no seu texto ainda poucas normas de Direito Internacional
Privado.
Mesmo na América Latina surgiram as primeiras codificações naquela
época, dentre as quais em 1855 o Código Civil do Chile e o Código Civil
da Argentina de 1871. As suas normas sobre o Direito Internacional
Privado, em geral, têm uma tendência territorialista, ou seja, preferem
elementos de conexão que favorecem a aplicação da lex fori (lei do foro),
excluindo, assim, em maior ou menor escala a aplicação do Direito
estrangeiro.
Uma excepção às tendências territorialistas na África Subsariana era
Angola, pelo fato de a Lei de Introdução ao Código Civil de 1966 adoptar o
elemento de conexão da nacionalidade em relação ao estatuto pessoal da
pessoa física.
Em relação ao histórico do Direito Internacional Privado Angolano,
entendemos que antes da Independência, vigoravam em Angola as leis
portuguesas em todos os campos do Direito. Tinha-se naquela época as
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas – que tiveram uma vigência
mais longa. Estas normas que regulavam o Direito Internacional, porém,
estavam impregnadas de uma inspiração estatutária oriunda da Europa.

As regras fundamentais do direito intertemporal angolano são os artigos


12.º e 13.º do Código Civil.

MISSÃO PRINCIPAL DO DIPr


O DIPr esgota a sua missão principal uma vez encontrada a norma
substancial (nacional ou estrangeira) indicada a resolver a questão concreta
sub judice. Para chegar a esse desiderato, porém, deve o juiz do foro
qualificar o instituto jurídico em causa (enquadrando-o nunca categoria
jurídica existente, v.g., de direito de família, das obrigações, das sucessões
etc.) e enfrentar eventual questão preliminar, localizando, depois, o
elemento de conexão que levará à norma competente para resolver a
questão principal.
Não é missão do DIPr regular nem os temas afectos ao direito público
material, como, v.g., o relativo à nacionalidade e à condição jurídica do
estrangeiro, nem os relativos ao direito processual, tais a competência

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internacional da justiça angolana, homologação de sentenças estrangeiras e
concessão de exequatur a cartas rogatórias.
Não entendemos (como faz a doutrina francesa) que esses assuntos
compõem o universo do DIPr, senão apenas a indicação da norma
competente (nacional ou estrangeira) para resolver a questão principal sub
judice.

SECÇÃO 1.3. OBJETO E FINALIDADE DO DIREITO


INTERNACIONAL PRIVADO

Objecto e finalidade do DIPr

A doutrina em geral se controverte sobre o que vêm a ser objeto e a


finalidade do DIPr. Na nossa visão, o objecto e a finalidade do DIPr
encontram-se actualmente bem delineados, não sendo necessário
embrenhar-se em discussões estéreis e de cunho apenas histórico para
compreendê-los.

Objecto do DIPr

O DIPr tem por objecto a resolução de todos os conflitos de leis no espaço


(sejam leis privadas ou públicas) quando presente uma conexão
internacional, isto é, uma relação que coloca em confronto duas ou mais
normas jurídicas estrangeiras (civis, penais, fiscais, tributárias,
administrativas, trabalhistas, empresariais, processuais etc.) autônomas e
divergentes. Seu objeto cinge-se, assim, a tais conflitos espaciais de leis.
Trata-se, portanto, do método ou técnica que visa encontrar a ordem
jurídica adequada à apreciação de fatos internacionalmente
interconectados, ou seja, em conexão com duas ou mais ordens jurídicas,
quer relativos ao foro ou ocorridos no estrangeiro. Sua razão de ser está em
encontrar soluções justas entre a diversidade de leis existentes quando
presente um elemento de estraneidade.
Razão assiste a Amílcar de Castro, para quem o “objecto único do direito
internacional privado é, pois, esta função auxiliadora que desempenha no
forum: como o facto anormal pode ser apreciado à moda nacional ou à
moda estrangeira, indicar in abstractu o direito aconselhável; ou, por outras
palavras: como a ordem jurídica indígena não é especialmente destinada à
apreciação de fatos anormais, pela regra de direito
internacional privado manda observar-se o direito comum, ou direito
especial, organizado por imitação de uso jurídico estranho, visando-se
sempre à solução justa e útil aos interessados”.
Correcta também a opinião de Irineu Strenger, para quem,
“verdadeiramente, o objecto do direito internacional privado é o conflito de
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leis no espaço, excluindo-se todos os demais objectos que as várias
doutrinas costumam acrescentar ao primeiro e também todo e qualquer
objecto concernente seja à uniformidade legislativa, à nacionalidade, à
condição jurídica do estrangeiro, bem como a discussão de que o
reconhecimento dos direitos adquiridos é o problema das leis no espaço
encarado sob outro ponto de vista”.
Repita-se que actualmente não faz sentido dizer que o DIPr resolve apenas
conflitos de leis privadas no espaço, eis que a grande gama de normas
estrangeiras hoje conflitantes pertence ao direito público. Assim, o DIPr é
a disciplina que auxiliará o juiz da causa a saber qual norma jurídica (a
indigenum ou a extraneum) deve ser efectivamente aplicada no caso sub
judice tendente à solução justa e útil, independentemente da natureza
(privada ou pública) da norma em questão.
Destaque-se que quando se fala em “conflitos” de leis no espaço, na
realidade o que se pretende dizer é que duas normas distintas (uma
nacional e outra estrangeira) estão a disciplinar diferentemente uma
mesma questão jurídica, não significando que exista propriamente um
“conflito” (colisão, choque) entre ambas. Não há conflito
verdadeiramente, senão uma aparência de conflito, eis que cada
ordenamento legisla exclusivamente para si; há uma concorrência
(concurso) de leis diferentes sobre a mesma questão jurídica.
A expressão “conflitos de leis no espaço”, contudo, tem sido utilizada
indistintamente pela doutrina em todo o mundo, razão pela qual
também aqui a mantivemos.
Por derradeiro, cabe dizer que não integram o objecto do DIPr, a nosso
sentir, temas
como a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro, os quais, para
falar como constituem “apenas pressupostos do direito internacional
privado”.
Independe ser alguém nacional de um Estado ou estrangeiro dentro de um
Estado para que operem as normas do DIPr; pode ter relevância para o
deslinde do caso concreto a condição de nacional ou de estrangeiro da
pessoa, mas tal condição não compõe o objecto mesmo do DIPr, que opera
independentemente dela. Ademais, o DIPr não regula (nem poderia) as
condições de nacional e de estrangeiro, matérias afectas ao Direito público
interno e ao Direito Internacional Público. O mesmo se dá com os
“conflitos de jurisdição”, colocados por muitos na órbita do objecto do
DIPr, e que, para nós, é imanente aos conflitos de leis no espaço.
Por derradeiro, ficam também excluídos do objecto do DIPr assuntos como
a execução de sentenças estrangeiras e a competência geral, temas que
apenas complementam o estudo do DIPr.

SECÇÃO 1.4. OBJECTIVO/FINALIDADE DO DIPR


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O DIPr tem por finalidade, em princípio, indicar ao juiz nacional a norma
substancial (nacional ou estrangeira) a ser aplicada ao caso concreto,
porém, sem resolver a questão jurídica posta perante a Justiça do foro.
Quando se vai a um aeroporto ou a uma estação ferroviária vê-se um painel
que indica os voos ou os trens que partem ao destino desejado; a indicação
é o que realiza, em suma, o DIPr, e o destino é a lei (nacional ou
estrangeira) que resolverá a questão sub judice com conexão internacional.
Por tal motivo é que as normas do DIPr são chamadas de indicativas ou
indirectas.
Assim, a norma do DIPr não dirá se a criança residente no exterior tem ou
não direito a alimentos, se a obrigação contraída em país estrangeiro segue
ou não válida, quais bens localizados em Estado terceiro ficarão para cada
herdeiro etc.
A norma do DIPr apenas indicará a norma substancial (nacional ou
estrangeira) competente para resolver todos esses problemas.
Destaque-se que a indicação da norma competente e a possibilidade de
aplicação do direito estrangeiro perante a ordem jurídica do foro – sem que
contra essa aplicação argumentos de índole prepotente, como o da
soberania exclusiva da lex fori, tenham repercussão – vem demonstrar a
nobreza da dimensão atual do DIPr, que se preocupa mais com a aplicação
do direito que maior contato ou ligação tem com a questão sub judice, que
propriamente em encontrar soluções fundamentadas exclusivamente na
ordem doméstica.
Como lecciona Jacob Dolinger, a compreensão “de que em determinadas
circunstâncias faz-se mister aplicar lei emanada de outra soberania, porque
assim se poderá fazer melhor justiça, e o reconhecimento de que em nada
ofendemos nossa soberania, nosso sistema jurídico, pela aplicação de
norma legal de outro sistema, esta tolerância, esta largueza de visão
jurídica, dos objectivos da lei – em sentido lato – reflectem a grandeza de
nossa disciplina, a importância de sua mensagem filosófica”.
Uma finalidade contemporânea do DIPr, porém, vai mais além que a mera
indicação da norma nacional ou estrangeira aplicável a um caso sub judice,
visando, sobretudo, proteger a pessoa humana. Daí a intrínseca relação do
DIPr com as normas (nacionais e internacionais) de proteção dos direitos
fundamentais e humanos.
Ainda que o DIPr continue a ter por objecto a resolução dos conflitos de
normas estrangeiras no espaço, o certo é que a sua finalidade
contemporânea encontra-se ampliada, a fim de também proteger a pessoa
humana, dando-lhe uma resposta justa e harmónica no que tange à questão
concreta sub judice. Tal se deve ao fato de ter o indivíduo, a seu favor, uma
enorme gama de tratados internacionais protetivos, tanto no plano global
como em contextos regionais.
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Essa finalidade contemporânea do DIPr flexibiliza a rigidez do método
clássico conflitual, para o fim de encontrar soluções sempre mais justas e
em prol dos direitos das pessoas. E, havendo colisão dos valores protegidos
pelos tratados de direitos humanos ou pelas normas de Direito Uniforme
com a solução obtida pela aplicação da norma conflitual da lex fori, aqueles
deverão prevalecer sobre esta. Tal demonstra nitidamente que a finalidade
do DIPr na pós-modernidade retira o seu fundamento de validade não das
regras conflituais da lex fori, mas do Direito Internacional Público.
Destaque-se, por fim, que quando se fala em “leis estrangeiras”, ou
“normas estrangeiras” ou “direito estrangeiro”, se está querendo dizer –
para os efeitos deste apontamento– a mesma coisa: tudo quanto consta da
colecção de normas e regras estrangeiras, quer sejam normas
constitucionais, leis (em suas diferentes espécies), decretos, regulamentos,
costume interno etc. Assim, as expressões “leis estrangeira”, “normas
estrangeiras” e “direito estrangeiro” devem ser entendidas em sentido
amplo, abrangendo todas essas espécies de normas jurídicas que se acaba
de citar.

SECÇÃO 1.5. FONTES DO DIREITO DE CONFLITOS

O Direito de conflitos ou DPIr tem fontes internacionais, africanas,


transnacionais e internas. O DIPrivado e o DIPúblico não se distinguem,
assim, pelas suas fontes (que podem ser as mesmas), mas sim pela sua
regulação.
O Direito de conflitos de fonte internacional pode ser relevante:

i) No plano da Ordem Jurídica internacional – quando se trata de


Direito internacional de conflitos, ou seja, Direito de conflitos que se
destina a ser aplicado por jurisdições internacionais ou quási-internacionais
(ex: art. 42º Convenção de Washington).
ii) No plano da Ordem Jurídica estadual – o DIPrivado vigente num
Estado também pode ser relevante no Direito estadual (ex: art. 13º CRA).
As normas de Direito de conflitos internacionais constantes de Convenções
Internacionais de que Angola seja parte vigoram na OJ interna como
normas internacionais (art. 13º/1 CRA). Também vigoram como normas
internacionais as normas de Direito derivado constantes de Convenções
Internacionais de que Portugal seja parte (art. 13º CRA);
Por conseguinte, num sistema de relevância do Direito internacional na
esfera interna, como o nosso, só é interno o Direito de conflitos que é
“originariamente” de fonte interna.

1) Fontes de Direito Internacional


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“O que eu ensino não é meu, mas pertence àquele que me enviou” (João 7:16)
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Qualquer dos processos específicos de criação de normas pela comunidade
internacional pode ser fonte de Direito internacional de conflitos. Mas a
fonte mais importante são as Convenções Internacionais, nomeadamente a
Convenção de Washington.
É uma evidência que na determinação Direito Internacional Privado do
Direito aplicável os órgãos internacionais devem aplicar as regras de
conflitos que constem do próprio Tratado que os cria ou enquadra.

E em caso de omissão do acto institutivo sobre a determinação do Direito


aplicável, como devem proceder os órgãos internacionais?

Nesses casos, os órgãos internacionais terão de formular regras de conflitos


próprias.
1.1) Fontes internacionais do Direito de conflitos vigentes na Ordem
Jurídica Interna

A primeira questão que se coloca é a de saber se o costume internacional


integra uma destas fontes.
 Houve uma escola – universalista – que entendeu que existia um
sistema universal de DIPrivado de resolução de litígios, que se basearia no
DIPúblico ou no próprio conceito de Direito e vincularia os legisladores
nacionais. Esta conceção foi abandonada porque se percebeu que os
Direitos de conflitos eram muito divergentes de Estado para Estado.

O que se questiona hoje é principalmente a existência de certas directrizes


de DIPúblico geral sobre a conformação global dos sistemas estaduais de
DIPrivado e a possibilidade de, por via consuetudinária, se terem formado
algumas poucas regras de conflitos internacionais, que já se consolidaram
como costume internacional:
a) Para uma primeira tese, afirmada pelo nacionalismo mais radical, do
DIPúblico geral não decorreriam quaisquer diretrizes sobre a conformação
dos sistemas estaduais de DIPrivado, sendo os Estados inteiramente livres
na sua conformação;
b) Para outros autores, de certos princípios gerais de DIPúblico (em
especial dos que dizem respeito à protecção dos direitos dos estrangeiros e
à igualdade dos Estados enquanto membros da comunidade internacional) é
possível extrair directrizes para a conformação dos Direitos de conflitos
nacionais – o Professor Lima Pinheiro, concorda:
a) Tem de ser conferida um mínimo de tutela aos direitos dos
estrangeiros. Este princípio é incompatível com a exclusiva aplicação do
Direito material do foro às situações comportando elementos de
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estraneidade; tal levaria a negar, injustificadamente, aos estrangeiros
direitos que validamente adquiriram no estrangeiro através de uma lei
estrangeira.
2. Além disso, ao participar na comunidade internacional, um Estado não
pode ignorar a vigência de outros ordenamentos estaduais nem pode ter a
pretensão de competência exclusiva de regulação das relações que
atravessam as suas fronteiras.
3. Por estas razões, cada Estado deve reconhecer às ordens jurídicas
estrangeiras uma esfera razoável de aplicação e abster-se de discriminar
a aplicação de uns Direitos estrangeiros relativamente a outros.

Indo mais além, podemos dizer que a tutela dos direitos dos estrangeiros
combina com a tutela dos direitos dos nacionais, no sentido em que o
sistema de DIPrivado tem de estar racionalmente orientado para soluções
que sejam conformes com a tutela desses direitos.
Nesta visão das coisas, o DIPrivado tem o seu fundamento no DIPúblico e
no reconhecimento de uma coexistência entre várias ordens jurídicas.

Outra questão que se coloca é a seguinte: há normas de conflitos, tendo


por base costume internacional, que vinculem os Estados?

a) A maioria dos autores nega ou põe em dúvida a existência de tais normas


de conflitos;
b) Lima Pinheiro afirma que não parece indefensável que algumas regras
ou princípios de conexão, geralmente consagrados pelos sistemas de
DIPrivado nacionais, sejam já acompanhados de uma convicção de
vinculatividade, como é o caso da regra da lex rei sitae em matéria de
direitos reais imobiliários;
c) Há uma linha de pensamento que também entende que a relevância do
DIPr vai além de directrizes globais de conformação dos Estados, mas
segue um caminho diverso: o DIPr fundamenta e limita a competência
legislativa dos Estados com base na territorialidade e a personalidade
(designadamente a nacionalidade e o domicílio). Este entendimento
encontra-se muito divulgado entre os autores ingleses.

Os Tratados internacionais são a principal fonte internacional de Direito


de conflitos vigente na ordem jurídica interna. Há Tratados que contêm
direito material unificado, destinado a construir regimes materiais. Há
ainda as Convenções sobre matéria de Direito dos estrangeiros.
A jurisprudência internacional é fonte de Direito internacional de
conflitos. Mas as soluções desenvolvidas pela jurisprudência internacional
dirigem-se em primeira linha aos órgãos internacionais e não aos órgãos
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estaduais, pelo que só indirectamente – mediante a formação de costume
jurisprudencial – pode ser fonte de Direito de conflitos que opere na ordem
interna.
Os princípios comuns aos sistemas nacionais podem ser fonte de Direito
internacional de conflitos. Também tendem a desempenhar algum papel
como fonte de DIPrivado da arbitragem transnacional. Mas já não são fonte
de Direito de conflitos aplicável a situações que só relevem na ordem
jurídica estadual.

3) Fontes Transnacionais
As fontes transnacionais são as que resultam de um processo específico de
criação de proposições jurídicas no seio da comunidade dos operadores do
comércio internacional, que são independentes da acção dos órgãos
estaduais e supra estaduais.
No que toca ao Direito de conflitos, estas fontes são fundamentalmente os
regulamentos dos centros de arbitragem e o costume jurisprudencial
arbitral.
Estas fontes têm desempenhado um papel significativo na criação de
normas e princípios de DIPrivado da arbitragem transnacional.

4) Fontes Internas

Apesar do avanço das fontes internacionais e transnacionais, ainda é


importante o Direito de conflitos de fonte interna.
As fontes a considerar são a lei, o costume, a jurisprudência e a ciência
jurídica.
 Em relação à lei, temos em primeiro lugar a CRP. Esta não contém
normas de Direito de conflitos, mas não deixa de ser fonte de
DIPrivado, por força dos vários planos de incidência sobre o Direito de
conflitos e domínios conexos (arts. 13º, 22º, 23º, 38º, 46º,). Na lei
ordinária, a principal fonte é o Código Civil, designadamente o cap. III
do Tít. I do Livro 1. No CCom devem considerar-se em vigor as normas
contidas nos arts. 4º/§único, 6º, 7º, 12º, 526, n.1, al a) da Lei n.º1/04, de
13 de Fevereiro

As normas de conflitos do CCom foram revogadas tacitamente pelo CC?

Em princípio, as normas de conflitos do CC não revogariam as normas de


conflitos do CCom, uma vez que, e de acordo com o art. 7º/3 CC, a lei
geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do
legislador.
1. O que justifica a não revogação da lei especial pela lei geral é a
especialidade substancial, que decorre do estabelecimento de um regime
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específico mais adequado a circunstâncias particulares e não uma
especialidade meramente formal. Ora, a especialidade de algumas normas
de conflitos contidas no CCom é meramente formal. Assim, as normas do
art. 4º CCom vieram preencher uma lacuna da lei civil, sendo
substancialmente normas gerais. Assim, considera-se que estas normas
foram revogadas pelo CC.
Existem ainda normas de DIPrivado em numerosas leis avulsas.
 Em relação ao costume, pode dizer-se que o costume é uma fonte
importante de DIPrivado nos países em que este não se encontra
codificado (ex: França). Perante um sistema de Direito de conflitos
codificado, como o português, o costume pode ainda ter algum relevo,
posto que limitado, no desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema.
Mas trata-se hoje fundamentalmente de costume jurisprudencial, que se
forma com base numa jurisprudência uniforme e constante.

 No que toca à jurisprudência, esta é uma importante fonte de Direito


de conflitos, seja em países onde vigora um sistema de precedente, seja
em países em que o sistema de Direito de conflitos não está codificado.
Na falta de norma legal ou consuetudinária, os tribunais tiveram
frequentemente de formular normas de conflitos, porventura com apelo
a certas ideias orientadoras ou princípios gerais, e consolidaram
soluções numa jurisprudência constante. Quando estas soluções
jurisprudenciais se impuseram como soluções vinculativas perante a
consciência jurídica geral, formou-se um costume jurisprudencial.

O papel desempenhado pela jurisprudência angolana recente no


desenvolvimento e aperfeiçoamento do DIPrivado tem sido, porém,
modesto, sendo de registar que não raramente as decisões aplicam
directamente o Direito material angolano a situações transnacionais, o que
por vezes sacrifica os valores e princípios que enformam a justiça deste
ramo do Direito.
 A ciência jurídica tem desempenhado um papel importante no
desenvolvimento do Direito de conflitos. Em Angola, antes da entrada
em vigor no novo CC, muitas soluções foram estabelecidas pelo labor
conjunto da ciência jurídica e da jurisprudência, tendo o novo CC retido
muitas dessas soluções.

NOTA: a tendência na maioria dos sistemas é para que a principal fonte


interna seja a lei.

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