Você está na página 1de 196

FDUC – DIP 2018/2019

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


Dr. Afonso Patrão

CAPÍTULO I – OBJETO, FUNÇÃO E CONCEITO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


1.1. OBJETO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO: SITUAÇÕES PLURILOCALIZADAS

O Direito Internacional Privado (DIP) é o ramo da ciência jurídica onde se definem os


princípios, se formulam os critérios, se estabelecem normas a que se deve obedecer a pesquisa de

soluções adequadas para os problemas emergentes das relações privadas de carácter


internacional.

Por relações privadas internacionais deverá entender-se todas as relações ou situações


jurídicas que entram em contacto, através dos seus elementos, com diferentes sistemas de direito.

Não pertencem a um só domínio ou espaço legislativo, mas a vários: são relações “plurilocalizadas”.
(ver infra)

O Sr. A (francês) e a Sra. B (Iraniana), ambos residentes na Alemanha, pretendem casar em


Portugal. A primeira questão que se coloca é: estamos perante uma relação jurídica privada? Sim,

o casamento é uma relação jurídica privada. E Internacional? Sim, visto que esta relação tem
contacto com vários ordenamentos jurídicos (português, francês, iraniano, alemão). Podemos

concluir que o objeto de DIP são as relações privadas internacionais.

A primeira nota de Direito Internacional Privado é a sua importância crescente. As sociedades


civis organizadas em Estados, bem ao invés de constituírem compartimentos estanques, são

estritamente solidárias e interdependentes, e constantemente se estabelecem entre os seus membros


as mais variadas modalidades de intercâmbio, quer no campo económico, quer no cultural, quer na

esfera dos atos atinentes à instituição da família. Por toda a parte e a todo o momento, homens de
todos os países e latitudes criam uns com os outros mil contactos e relações da autêntica vida em

sociedade – uma sociedade de indivíduos à escala mundial -, juntando novas malhas à teia de um
comércio jurídico internacional sempre em crescendo.

Página 1 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Daqui nascem os problemas do DIP. Como resolver o problema do DIP?


 1º SOLUÇÃO INTUITIVA: Aplicar a lei mais importante.

Esta solução intuitiva é o método clássico/ tradicional/conflitual. Perante uma relação jurídica
internacional escolhe-se uma lei. Chamamos método conflitual do DIP pois utiliza um grupo de

normas designadas regras de conflitos. São normas jurídicas que propõem resolver os problemas de
concurso entre preceitos jurídico-materiais procedentes de diversos sistema de direito, ou seja, são

regras/normas que resolvem problemas de Direito Internacional Privado escolhendo uma das leis em
conflito. As questões do tipo assinalado são resolvidas em cada Estado ou de acordo com normas do

direito desse Estado. Cada Estado tem o seu DIP para uso interno – a sua interpretação própria do
DIP.

Verdadeiramente, à comunidade dos Estados, agindo concertamente, é que pertenceria resolver


os referidos problemas: só através de uma definição, que a todos vinculasse, do domínio de

aplicação dos respetivos sistemas jurídicos, poderiam tais questões receber a solução uniforma
correspondente à vocação universal do DIP. Como, porém, esse consenso não existe, é prática

corrente de cada Estado formular, para resolução dos conflitos de leis, as normas que tenha por mais
convenientes e mais justas – regras de conflito.

Neste contexto, impõe-se saber como desempenham as regras de conflitos essa sua função. A
técnica usada consiste em a regra de conflitos atribuir determinada questão ou função ao

ordenamento jurídico que for designado por certo elemento da situação de facto. O referido
elemento consiste no designado “elemento de conexão”. Através da concretização do fator de

conexão, tornam-se conhecidas a lei e a norma material chamadas a resolver a questão de direito
proposta.

O elemento de conexão tanto pode referir-se à pessoa dos sujeitos (nacionalidade, domicílio,
residência), como ao facto jurídico em si mesmo (lugar da celebração ou da execução do contrato,

lugar da prática do facto), como ainda à situação da coisa objeto do negócio jurídico. Daqui se
compreende que as normas de DIP não se propõem fixar um regime material de disciplina das

relações da vida social; elas assumem natureza meramente instrumental: indicam a lei substantiva
que fornecerá o regime aplicável.

Página 2 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

1.2. PRINCÍPIO DA NÃO TRANSATIVIDADE

Relativamente ao exemplo supra mencionado (casamento entre o Sr. A e a Sra. B), será que não

posso aplicar a lei dinamarquesa?

Não. Existe um princípio basilar do direito internacional privado: PRINCÍPIO DA NÃO

TRANSATIVIDADE a quaisquer factos aplicam-se – e só se aplicam – as leis que se encontrem


em contacto com esses factos. Assim, nunca pode ser aplicada uma lei a uma situação que não tenha

contacto com ela, ou seja, escolhe-se a lei que tem contacto com o caso. Um princípio semelhante
ao princípio da não transatividade é o princípio da não retroatividade das leis -» quaisquer factos

aplicam-se as leis que se encontrem em vigência no momento da sua prática.


O princípio da não retroatividade aplica-se aos conflitos de leis no tempo, enquanto que o

princípio da não transatividade se aplica aos conflitos de lei no espaço.

Mas será que devemos aplicar a lei portuguesa em todas as situações que acontecem em
Portugal?

Em face de relações privadas que contactam com vários ordenamentos jurídicos (quer pela

nacionalidade ou domicílio dos sujeitos, quer pelo lugar onde devem ser executadas as obrigações,
quer pela situação das coisas) impõe-se questionar em qual desses ordenamentos será procurada a
solução jurídica para a questão decidenda. Dada a conexão existente entre a situação jurídica e as

várias ordens jurídicas, haverá que escolher dessas ordens jurídicas a que seja mais próxima daquela
situação, ou seja, aquela que com ela tenha contacto mais forte ou mais estreito. Determinar qual a

ordem jurídica é a que apresenta tal conexão mais forte é, exatamente, o problema a que o DIP se
propõe a dar resposta.

Não seria decerto boa solução sujeitar uma situação plurilocalizada à autoridade do direito local –
se tais situações jurídicas apresentam conexões com diversos ordenamentos jurídicos, não fará

sentido impor-lhes, em todo o caso, a lei nacional. Noutro sentido, poderá também questionar-se se
seria legítimo aos tribunais nacionais, quando chamados a conhecer uma situação plurilocalizada,
aplicar, independentemente das circunstâncias do caso, as leis desse país.

Página 3 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

1.3. PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE

Tal sistema – de aplicação incondicionada da lei do foro às situações plurilocalizadas –

corresponde ao arcaico sistema da TERRITORIALIDADE DAS LEIS, sendo uma das primeiras formas
de resolução dos problemas de DIP.

A favor de uma tal visão das relações internacionais poderiam convocar-se alguns argumentos:

❖ As leis nacionais presumem-se boas e justas, sendo-o tanto para os nacionais como para
os estrangeiros;

❖ As decisões serão mais acertadas/justas se o julgador aplicar o próprio direito, que


conhece mais profundamente;
❖ As probabilidades de erro judiciário aumentariam com a aplicação, por parte do julgador,
de direito estrangeiro, o qual não lhe é familiar.

No entanto, existem 3 inconvenientes fundamentais:

❖ Violaria um princípio jurídico fundamental: Princípio da não transatividade;

A e B, espanhóis, celebraram em Espanha um contrato. Discute-se em Portugal o


cumprimento do contrato. Se tivéssemos o princípio da territorialidade qual a lei aplicável? A lei

portuguesa. No entanto, o princípio da não transatividade diz que em caso alguém se aplicaria
uma lei a uma situação que não tivesse contacto com ela.

❖ Instabilidade das relações jurídicas internacionais, visto que o estatuto de uma pessoa ou

coisa varia por cruzar a fronteira.

A e B, casaram e divorciaram-se em Portugal. Qual a lei aplicável segundo o princípio da

territorialidade? A lei portuguesa. A foi de férias para as Filipinas. Se vigorasse o princípio da


territorialidade no momento em que ela entrava nas Filipinas qual a lei a aplicar? A lei das Filipinas.

No entanto, a lei das Filipinas não tem divórcio, logo, no momento em que ela entrasse nas Filipinas
o estado civil de A era casada. Depois voltava para Portugal e seria divorciada.

Página 4 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

❖ Insegurança jurídica: as partes nunca poderiam saber quais as regras que se aplicam.

A e B são israelitas e, portanto, não têm o dever de fidelidade. Caso A e B viessem passar

férias a Portugal, assim que chegassem, o seu comportamento poderia ter que mudar, visto que
em Portugal há o dever de fidelidade.

Concluindo, o princípio da territorialidade foi afastado no final do século XVIII, o que significa

que em Portugal se aplica a lei estrangeira. Os tribunais portugueses aplicam lei estrangeira. Se não
existe princípio da territorialidade significa que os litígios decididos em Portugal não são

necessariamente regulados por lei portuguesa.

1.4. RECONHECIMENTO E APLICAÇÃO DE LEIS ESTRANGEIRAS

É hoje um princípio de direito comum às nações civilizadas o reconhecimento e aplicação


das leis estrangeiras. Não há Estado membro da comunidade internacional que não consinta em
excluir, do âmbito de aplicação das suas normas de direito privado, os factos que se situem fora dos
limites da vida jurídica local (ou que se liguem mais estreitamente à vida de um agregado social

estranho).

Isto sem prejuízo de a lei nacional não se limitar a regular situações completamente absorvidas na
vida jurídica local. O que tal princípio significa é que os Estados reconhecem consensualmente que

nem sempre a sua lei é a mais bem colocada para ser aplicada a determinada situação jurídica,
aplicando, em tais casos, lei estrangeira.

Quais serão então as relações privadas internacionais? Podemos classificar as relações


jurídicas privadas em três grupos:
❖ Situações jurídicas puramente internas: relações jurídicas que apenas entram em contacto

com um único ordenamento jurídico e cuja resolução é suscitada no correspondente foro


(país onde o problema se coloca).

Nota: Não precisamos de DIP porque são situações que se resolvem com o princípio
da não transatividade, ou seja, aplica-se a lei em contacto com o caso.

Página 5 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

❖ Situações jurídicas relativamente internacionais: relações jurídicas que apenas entram em


contacto com um único ordenamento jurídico mas cuja resolução é suscitada num foro

distinto daquele que corresponde ao ordenamento jurídico implicado;

Nota: Não precisamos de DIP. Basta o contacto com o princípio da não

transatividade.

❖ Situações jurídicas absolutamente internacionais (objeto da disciplina): relações jurídicas


que entram em contacto com vários ordenamentos jurídicos. São relações jurídicas

plurilocalizadas.

Porque é que só as relações jurídico-privadas são objeto da nossa disciplina? Porque é que a
nossa disciplina não regula as relações jurídicas internacionais de direito público? Porque é
que não determina a lei aplicável a uma relação fiscal internacional? Ou a lei a aplicar numa
relação administrativa internacional?

Como dito anteriormente, o direito internacional privado aceita a aplicação de lei estrangeira.

No entanto, no direito público não tem este pressuposto fundamental visto que para o Estado é
indiferente a aplicação da lei nacional ou estrangeira. Aqui o Estado é o interessado.

Já o Direito Internacional Privado preocupa-se com a aplicação da lei que responde melhor

aos interesses dos particulares, das partes.

Página 6 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

1.5. ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. ORIENTAÇÕES POSSÍVEIS. TOMADA DE


POSIÇÃO

Até este momento, referimos o DIP unicamente ao problema do conflito de leis, mas residirá
em tal questão todo o objeto desta disciplina? A este respeito identificam-se várias orientações, a

saber:

1
POSIÇÃO MINIMALISTA (Alemanha): A doutrina Alemã, adotada também na Itália, restringe

ao problema do conflito de leis o âmbito do DIP. Para os autores germânicos, o DIP é tão somente
um Kollisionsrecht (direito limitador, direito de fronteiras), sendo todavia prática corrente os tratados

e manuais alemães dedicados a este ramo da ciência jurídica ocuparem-se também das matérias do
direito processual civil internacional, com especial destaque para a do reconhecimento e execução de

sentenças estrangeiras. Assim, para esta doutrina o DIP só trata de 1 problema:

Problema do conflito de leis: questão de saber qual a lei aplicável a uma relação jurídica
internacional. Qual a forma clássica/tradicional de resolver estes conflitos?

Através das regras de conflito: Norma que escolhe qual a lei aplicável a uma relação jurídica

internacional. Encontram-se do artigo 14.º ao 65.º do Código Civil.

POSIÇÃO MAXIMALISTA (França): Para além do problema do conflito de leis, existem outros:

2º Problema: Conflito de jurisdições quais os tribunais competentes para decidir uma

controvérsia jurídico-privada de natureza internacional (plurilocalizada)?


3º Problema: Reconhecimento de sentenças estrangeiras serão as sentenças proferidas

por Estados estrangeiros executáveis a nível interno?

Página 7 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

4º Problema: Direito da Nacionalidade

Regra de conflito: Artigo 49.º do CC – Capacidade para contrair casamento ou celebrar

convenções antenupciais

“A capacidade para contrair casamento ou celebrar a convenção antenupcial é regulada, em


relação a cada nubente, pela respetiva lei pessoal, à qual compete ainda definir o regime da falta e

dos vícios da vontade dos contraentes."

Lei pessoal - Remissão para artigo 31º/1 -» Lei da Nacionalidade

Concluindo: Problema de saber quem tem certa nacionalidade.

5º Problema: Direito dos Estrangeiros Quando temos estrangeiros em Portugal, estes


têm o mesmos direitos que os portugueses? Para a teoria maximalista isto é um problema de DIP: de

que direitos gozam os estrangeiros.

Dentro da doutrina francesa há uma corrente que ainda reconhece um sexto problema:

6º Problema: Reconhecimento dos direitos adquiridos em país estrangeiro, ou seja, em


que condições se reconhece situações constituídas no estrangeiro.

A, inglês celebrou em Inglaterra, um testamento sobre um imóvel em Portugal. Fez o testamento

há 20 anos. Em que condições aceitamos o testamento feito em Inglaterra?

Em que condições aceitamos um negócio jurídico contrato, um testamento feito no


estrangeiro?

Esta corrente é seguida por Pillet, e tem um seguidor em Portugal, Machado Villela.

Restante doutrina:

Este sexto problema não é verdadeiramente autonomizável do primeiro problema: conflito de


leis.

Página 8 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

É inegável a importância do papel que o princípio do reconhecimento dos direitos adquiridos tem
a desempenhar em DIP; Todavia, esse papel não é de molde a justificar a referida autonomização

daquele problema relativamente ao do direito de conflitos.

O reconhecimento de um suposto direito adquirido não prescinde do averiguar se o direito


alegado efetivamente existe segundo os preceitos de uma lei que, no âmbito do DIP do foro,

possamos considerar competente. A determinação da lei competente constitui um prius


relativamente ao reconhecimento do suposto direito adquirido. Por outro lado, e de conformidade

com a generalidade dos sistemas jurídico, aquele problema – o da averiguação da lei competente –
resolve-se pelo DIP da lex fori: as regras do direito de conflitos português tanto se aplicam às

relações constituídas ou a constituir em Portugal, como às situações já criadas em país estrangeiro.


Uma vez determinada a lei aplicável à situação litigiosa, não há senão proceder à aplicação das

normas dessa lei que precisamente se referirem a tal situação: elas dirão se no caso concentro há ou
não direito adquirido a respeitar.

Ora, se o reconhecimento de um direito como legitimamente adquirido decorre se mais do

reconhecimento da competência da lei presidiu à sua constituição e se não é pelo facto de se tratar
do reconhecimento de um direito adquirido no estrangeiro que a questão da determinação da lei

aplicável deixa de se pôr em face das regras de conflito da lex fori – temos de concluir que aquele
problema não é um problema autónomo relativamente ao do conflito de leis.

Para sabermos se reconhecemos este testamento, temos de saber qual a lei aplicável. Há um

reconhecimento deste testamento se ele for válido para a lei competente. Não é um problema
autónomo.

3
CORRENTE MITIGADA/ INTERMÉDIA (Anglo-saxónica e seguida em PORTUGAL): Diz-nos
que o âmbito de DIP não é tão amplo como diz a corrente maximalista mas também não é tão
pequeno como diz a corrente minimalista.

Página 9 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

O DIP trata de 3 problemas:


1. Conflito de leis;

2. Conflito de jurisdições;
3. Reconhecimento de sentenças estrangeiras.

Porque são só estes os problemas que o DIP trata? Porque não incluir o direito de
nacionalidade e o direito dos estrangeiros?

 Estes problemas resolvem-se através de normas de 2º grau e não de normas diretas

que dão a solução ao problema. Os outros dois problemas são compostos por normas diretas. Por
essa razão é que só os três primeiros problemas são problema do DIP.

 Verdadeiramente, perante situações plurilocalizadas, os três problemas colocam-se


sempre. Os outros podem não se colocar.

Em conclusão

Vimos atrás que segundo a orientação da doutrina francesa, adotada entre nós por Machado

Villela e outros autores, há que incluir no DIP, ao lado das matérias de conflitos de leis, da
nacionalidade, a da condição jurídica dos estrangeiros e a dos conflitos de jurisdições ou

competência internacional dos tribunais. Vejamos agora se tal diretiva se justifica cientificamente.

Diante do problema da delimitação do DIP, dois caminhos nos oferecem. O primeiro é fazer

consistir o seu objeto numa matéria fortemente homogénea, núcleo de questões da mesma
natureza, a resolver por métodos idênticos. Tal a aspiração e até o pressuposto, segundo as ideias

tradicionais, de toda a disciplina científica verdadeiramente autónoma.

Pois seguindo por este caminho, a atitude correta será então reduzir o objeto de DIP ao
conflito de leis (escolha da lei aplicável) e de jurisdições (escolha da jurisdição competente). Ao DIP

competirá indicar por que legislação se resolvem as questões emergentes das relações privadas
internacionais e outrossim as regras sobre a competência internacional dos tribunais e o
reconhecimento das sentenças estrangeiras. Neste campo, com efeito (referimo-nos ao do conflito
de leis em sentido estrito), trata-se de princípios jurídicos de uma natureza muito especial, pois são

princípios que, em regra, nada dizem sobre o sentido da composição dos conflitos de interesses,
Página 10 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
nem sobre os direitos e deveres dos indivíduos uns em face dos outros, quer em geral, quer sob o

ponto de vista de uma relação em concreto. Aos problemas do comércio privado internacional
obvia-se aqui, pura e simplesmente, remetendo a decisão deles para o âmbito de uma legislação

determinada. Na sua grande maioria, as chamadas normas de conflitos limitam-se ao desempenho


dessa função: não provêem elas próprias sobre o regime das relações sociais, não são normas de

direito “substancial”– mas normas puramente instrumentais- são normas de 2º grau. Dizem a lei que
se aplica, não o regime aplicável.

Muito diferente é o caso das regras de nacionalidade e a condição jurídica dos estrangeiros.
As primeiras são aquelas que, em cada Estado, enumeram os fatores de aquisição e perda da

cidadania, definindo, portanto, as condições de atribuição, no âmbito do direito local, de um dentre


dois estatutos: o de nacional e o de estrangeiro. Não se vislumbra, pois, aqui nem mesmo a sombra

daquele processo que vimos ser característico das normas de conflitos: a designação do sistema
jurídico que há-de definir a disciplina aplicável a dada relação factual. O Estado diz quais são os seus

nacionais, não o manda dizer por outros, nem tão pouco se imiscui na definição dos pressupostos de

uma nacionalidade alheia. As regras concernentes à nacionalidade pertencem ao direito material.

Considerações análogas são cabidas a propósito do tema da condições dos estrangeiros.

Agora trata-se de apurar quais os direitos atribuídos no Estado local aos cidadãos estrangeiros, em
confronto com os nacionais. Ou melhor: trata-se de saber quais os direitos de que os estrangeiros
não gozam, exatamente pelo facto de serem estrangeiros. As normas referentes a esta matéria
contendem diretamente com o regime das relações e dos atos jurídicos em que intervenham

súbditos doutros Estados, são normas de capacidade: nada têm em comum, quanto à natureza, com
as regras de conflito.

Resta o caso dos conflitos de jurisdição. São patentes as suas analogias e pontos de contacto

com os conflitos de leis. Se numa hipótese está em causa um problema de lei competente, o que
aparece na outra é um problema e jurisdição competente.

Dir-se-ia, porém, não oferecem as normas de conflitos de jurisdições ou competência

internacional a mesma estrutura que as de conflitos de leis. As segundas propõem-se responder a


este quesito: que lei devem os tribunais locais aplicar em determinado caso? Essa lei tanto poderá ser

Página 11 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
a lex fori como a dalgum país estrangeiro. E, assim, da atuação destas regras vem a resultar a

delimitação da esfera de competência dos diversos sistemas de direito privado.

Ora não é isto o que se passa com as chamadas regras de conflito de jurisdições. Tais normas

limitam-se a indicar as hipóteses em que os tribunais do Estado a que pertencem têm competência
internacional.

O certo é que a diferença assinalada entre umas e outras normas – as de conflitos de leis e as

de competência internacional – não é relevante, pois que, como veremos, as denominadas regras de
conflitos podem ser, também elas, unilaterais. Mas outra diferença existe entre as duas referidas

categorias de normas. É que as normas de conflitos de leis decidem da aplicação aos diferentes casos
dos sistemas de direito privado em vigor nos diversos Estados, sendo, por isso, o direito privado a

sua sede natural. Não assim as normas de conflito de jurisdições, as quais- juntamente com as regras
sobre o reconhecimento das sentenças estrangeiras – pertencem ao direito processual (direito

processual civil internacional). Simplesmente, trata-se apenas de uma diferença de carácter formal e,
portanto, não significativa.

Nestes termos, e dentro da orientação metodológica apontada no início deste parágrafo, haveria

que considerar o DIP simplesmente como um direito de conflitos: um conjunto de normas relativas à
aplicação dos diferentes sistemas jurídico-privados estaduais e aos conflitos de jurisdições (domínio

este em que se inclui o do reconhecimento das sentenças estrangeiras).

Mas é possível considerar as coisas doutra maneira. Todas as questões focadas têm uma origem
comum: nascem das relações do comércio jurídico internacional. Estas relações obrigam muitas vezes

a encarar e a resolver, antes de qualquer outro, um problema de nacionalidade, já porque o estatuto


de nacional e o de estrangeiro não têm o mesmo conteúdo, já porque frequentemente a

nacionalidade dos interessados comanda a determinação da lei aplicável.

Depois, é forçoso conhecer também a condição jurídica concedida em determinado Estado aos

cidadãos estrangeiros. Também esta é uma questão prévia relativamente à do conflito de lais, porque
problema da lei aplicável a certo negócio jurídico só se põe depois de averiguado que as partes

tinham o gozo do direito que através desse negócio trataram de exercer.

Página 12 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Dada esta interdependência de problemas, é bem natural a propensão de muitos para os estudar

em comum, atraindo-os para a órbita de uma disciplina unitária, que seria justamente o DIP. Demais
sendo certo que na raiz da solução de tais questões se encontram muitas vezes considerações de

política legislativa fundamentalmente idênticas. E, desta maneira, teríamos o DIP convertido no


complexo de princípios e de normas por que se revolvem os problemas específicos das relações

privadas internacionais.

Por nós, sem embargo de reconhecermos a valia das considerações expostas, e a despeito de ser

a sistematização apontada a tradicional no nosso país, iremos seguir um caminho algum tanto
diverso.

O nosso curso será fundamentalmente destinado a aclarar os problemas conflituais: o DIP, é

predominantemente, um direito de conflitos. Mas isto não quer dizer que sejam dele excluídas as
matérias da condição jurídica dos estrangeiros e da nacionalidade, ambas tão chegadas ao direito

conflitual. A primeira – já o vimos – por constituir um pressuposto da aplicação da regra de conflitos


o saber se a lex fori concede ao interessado, quando estrangeiro, o gozo do direito que ele pretende

efetivar. Versaremos aqui, por tal motivo, a referida matéria, assim como tratámos em números
anteriores doutros domínios afins do DIP. Quanto à nacionalidade, como ela constitui, no sistema de

DIP português, uma conexão relevante a sedes materiae será o capítulo dedicado à explanação da
matéria dos elementos de conexão.

Resta aludir aos temas da competência jurisdicional e do reconhecimento e execução das

sentenças estrangeiras. Estes, em nosso modo de ver, pertencem indiscutivelmente ao âmbito do


DIP. O segundo não se limita a constituir matéria afim do DIP, pois arranca da mesma razão
substancial, está ao serviço dos mesmos valores – tal como o DIP, entendido como direito de
conflitos, ele visa fundamentalmente garantir a estabilidade e a continuidade das situações da vida

jurídica dos indivíduos. O direito conflitual e o instituto do reconhecimento das sentenças


estrangeiras têm, pois, de comum o fundamento e o escopo: digamos que são meios diferentes para

alcançar um objetivo idêntico.

Por isso dizemos que a inclusão desta matéria no âmbito do DIP constitui a solução
cientificamente correta do problema do seu enquadramento sistemático.

Página 13 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Quanto ao conflito de jurisdições, às considerações aduzidas acresce o facto de ele se resolver

também através de regras de conflitos, regras que utilizam no desempenho da sua missão o método
da conexão.

NOTAS FINAIS:

Os outros 2 problemas que a doutrina francesa identificou e que nós dizemos que
não cabe no âmbito de DIP onde os colocamos? Apesar de estes 2 problemas não serem de
DIP, estão muitos próximos do DIP. São questões que se podem colocar perante uma relação
jurídica internacional. Por isso, os manuais portugueses habitualmente tratam deles.

O que vamos ver neste semestre:

Primeiro problema: conflito de leis – vamos estudar só a parte geral do DIP. Instrumentos
para determinar a lei aplicável. Mas não vamos ver todas as regras de conflitos, ou seja, a parte

especial. Vamos ver como funciona mas não vamos ver todas as normas de conflito. Mas com

uma exceção: Vamos estudar 1 caso especial: contratos internacionais.

Segundo problema: conflitos de jurisdição (não vamos estudar a competência

internacional dos tribunais portugueses – Demos em Direito Processual Civil)

Terceiro problema – reconhecimento das sentenças estrangeiras- vamos estudar o


mecanismo normal de reconhecimento, apesar de haver mais.

Quarto e quinto problema: (apesar de não fazer parte do DIP, habitualmente estão

presentes nos manuais). Vamos estudar apenas um problema da nacionalidade e os princípios


gerais dos direitos dos estrangeiros.

Página 14 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

1.6. OS CONFLITOS DE NACIONALIDADES. AS SOLUÇÕES DO DIREITO PORTUGUÊS

 Conflitos positivos de nacionalidade: Como tratamos as pessoas que têm mais do que uma

nacionalidade?
 Conflitos negativos de nacionalidade: Como tratamos as pessoas que não têm

nacionalidade (apátridas)?

CONFLITOS POSITIVOS: Vamos socorrermos de dois artigos da Lei da Nacionalidade-


Artigos 27.º e 28.º.

Artigo 27.º

Se alguém tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for portuguesa, só esta releva

face à lei portuguesa.

Se uma pessoa tiver duas ou mais nacionalidades, mas nenhuma for portuguesa?

Artigo 28.º

Nos conflitos positivos de duas ou mais nacionalidades estrangeiras releva apenas a

nacionalidade do Estado em cujo território o plurinacional tenha a sua residência habitual

ou, na falta desta, a do Estado com o qual mantenha uma vinculação mais estreita.

Nacionalidade do país onde tenha ligação mais forte. Esta parte final do artigo 28.º não escolhe
a nacionalidade, passa a responsabilidade da escolha para o julgador. Temos a consagração judicial

do princípio da proximidade. Não é o legislador que escolhe a lei mais próxima mas sim o julgador,
face ao caso concreto. Qual o problema da consagração judicial do princípio da proximidade?

 Insegurança Jurídica. As partes não sabem à partida qual vai ser determinada como

nacionalidade.

Página 15 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Vantagem: Atender ao caso concreto e determinar verdadeiramente qual é a nacionalidade mais


próxima.

Ac. Micheletti: O Sr. Micheletti era italiano e Argentino e residia na Argentina. Era dentista e
decidiu abrir um consultório em Espanha. Podia o Sr. Micheletti abrir um consultório e exercer uma
atividade económica num país onde não é o da sua nacionalidade? Invocou em Espanha a sua

qualidade de cidadão europeu (Italiano). No entanto, o Sr. Micheletti tinha duas nacionalidades o
que quer dizer que estamos perante um conflito positivo de nacionalidades. O art. 9.º do Código

Civil Espanhol é exatamente igual aos artigos 27.º e 28.º da Lei da Nacionalidade. Assim, as
autoridades espanholas vieram dizer que o Sr. Micheletti era argentino e se é Argentino não é

cidadão europeu, pois a residência é na Argentina. Logo, não podia abrir o consultório. Não havia
liberdade de estabelecimento.

O Sr. A impugnou o ato espanhol e suscitou o reenvio prejudicial (quando os tribunais nacionais

pedem cooperação dos tribunais organicamente comunitários). Será que o Direito da União
Europeia é incompatível com DIP Espanhol, que estava resolver assim o conflito de
nacionalidade? O DIP sofreu uma correção pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União
Europeia Cada Estado é que decide como resolver os conflitos de nacionalidade, mas se

estiver em causa um direito conferido pela cidadania europeia, o DIP nacional não pode
desconsiderar a nacionalidade europeia.

CONFLITOS NEGATIVOS DE NACIONALIDADE

Artigo 32.º do Código Civil – Apátridas

1. A lei pessoal do apátrida é a do lugar onde ele tiver a sua residência habitual ou, sendo

menor ou interdito, o seu domicílio legal.


2. Na falta de residência habitual, é aplicável o disposto no nº2 do artigo 82.º

Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou,
se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.

Página 16 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

1.7 DIREITO DOS ESTRANGEIROS

 2 Princípios fundamentais:

Princípio da equiparação: Art. 14.º/1 CC e art. 15.º/1 da CRP

Os estrangeiros têm os mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que os
portugueses.

EXCEÇÕES:

1. Cargos de natureza política são reservados a portugueses (Ex.: Presidente da República);


2. Princípio da reciprocidade - Art. 14.º/2 CC: Se um determinado país estrangeiro negar aos

portugueses certos direitos pelo facto de ser português, negamos aos nacionais desse Estado
o mesmo direito que eles negam aos cidadãos portugueses.

CAPÍTULO II – FUNDAMENTO GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E


PRINCIPAIS INTERESSES QUE PRETENDE SATISFAZER
2.1. OS INTERESSES QUE O DIP VISA SATISFAZER. O PRINCÍPIO DA HARMONIA JURÍDICA
INTERNACIONAL E O VALOR DA ESTABILIDADE DAS RELAÇÕES JURÍDICAS INTERNACIONAIS. O
FENÓMENO DA EUROEPIZAÇÃO DO DIP.

Vamos iniciar o estudo do conflito de leis, ou seja, determinar qual a lei aplicável às relações
jurídicas plurilocalizadas. O método tradicional para resolver problemas de DIP, como visto

anteriormente, é o método conflitual, pois utiliza regras de conflito. Assim, direito de conflito pode
ser utilizado como sinónimo não rigoroso de DIP.

As regras de conflito estão progressivamente a ser substituídas por regras de conflito que não têm
fonte nacional mas sim, fonte europeia. Estamos a assistir a um fenómeno de europeização do DIP,

ou seja, regras de conflito que vigoram em todos os estados membros da União Europeia.

A questão que se coloca é a de saber se o DIP, nesta parte de conflito de leis, é um mero
somatório de regras de conflito. Ou será que tem princípios jurídicos próprios que orientam o

Página 17 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
funcionamento do DIP? Questão de saber se a regra de conflito é um prius metodológico, isto é, se

a regra de conflito resume em si mesmo toda a metodologia de DIP.

Ora, o DIP é muito do que o conjunto de regras de conflito. Resolvemos uma série de casos sem

as regras de conflitos. Temos muitas vezes princípios que resolvem conflitos jurídicos sem as regras
de conflitos. Quais são os valores e princípios que o DIP visa alcançar através de regras de

conflitos e de outros mecanismos?

No domínio do DIP, é a valores de certeza e estabilidade jurídica que cabe a primazia: a “justiça”
do direito de conflitos é predominantemente de cunho formal. Ao DIP compete organizar a tutela

das relações jurídicas plurilocalizadas. São relações estas que, exatamente em virtude de pertencerem
a diversos espaços legislativos, se encontram numa situação de particular instabilidade. É função do

DIP reduzir essa instabilidade ao mínimo possível, assegurando o respeito das referidas relações
jurídicas onde quer que um interesse legítimo – designadamente o de evitar que as justas

expectativas das partes e de terceiros sejam frustradas – faça surgir a necessidade de obter para elas
a proteção da lei.

Para tanto convirá, além do mais, admitir à partida a aplicabilidade às diversas situações factuais

de todas as leis que com elas tenham estado conectadas no momento da sua constituição,
modificação ou extinção. A missão das normas de conflitos consiste em indicar a tarefa que é

adjudicada a cada um desses sistemas, em definir o plano, perfil ou efeito da situação concreta que a
cada um deles compete disciplinar; missão de que se desempenham designando os fatores de

conexão relevantes nas várias matérias ou setores de regulamentação jurídica.

Daqui se segue que os propósitos a que o DIP responde são dois. Em primeiro lugar, trata-se de
determinar a lei sob o império da qual uma certa relação deve constituir-se para que seja

juridicamente válida e possa tornar-se eficaz. Depois, também tida por aplicável em todos os demais
países; aliás, o reconhecimento internacional da relação em causa não estará assegurado. É verdade

que a esta questão – a do reconhecimento das situações constituídas no estrangeiro – pode ser
concedida uma certa autonomia: pode um Estado estabelecer na sua legislação que o

reconhecimento in foro domestico de tais situações é independente do facto de à constituição da


relação jurídica ter presidido a lei declarada competente pelas normas de conflitos locais. Só que não

Página 18 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
é este o procedimento geralmente adotado: em regra, o reconhecimento pressupõe que a relação

tenha sido criada de acordo com as disposições da lei considerada competente pelo DIP do forum.

Por conseguinte, não é bastante dizer que o DIP tem por missão indicar a lei aplicável às relações

multinacionais: é indispensável acrescentar que, para cumprir de modo adequado essa missão, há-de
ele proceder em termos de a competência da lei assim designada ser suscetível de reconhecimento

universal.

Equivale isto a dizer que um dos princípios objetivos, senão primordial, visados pelo DIP é a
harmonia jurídica internacional.

1. PRINCÍPIO DA HARMONIA JURÍDICA INTERNACIONAL

A primeira nota a ter em conta é a de saber se o DIP quererá a justiça material.

. O Sr. A, português e a Sra. A, espanhola, casaram e tiveram um filho em França. Estão a


discutir os poderes das responsabilidades parentais. O caso tem contacto com vários

ordenamentos jurídicos: Português, Espanhol e Francês. Será que o DIP vai atuar para conseguir
uma solução materialmente justa? Vai escolher a pior solução para aquela criança do ponto de

vista de justiça material? É isso que o DIP visa, a justiça material? NÃO!!

 O DIP visa uma justiça formal, ou seja, o DIP quer aplicar uma lei que tenha uma ligação mais

próxima, mais forte, mais intensa e não mais justa. O DIP deve preocupar-se com quê ao
escolher?

A harmonia jurídica internacional tem a ver com o valor da estabilidade das relações jurídicas, ou
seja, que o estatuto das pessoas ou das coisas não variem por cruzar a fronteira. Como é que isso se

consegue? Se a lei que nós usamos para resolver um determinado problema for a mesma a lei que é
utilizada noutro país para resolver o mesmo problema. O princípio da harmonia jurídica internacional

é a uniformidade do direito aplicado, para garantir a estabilidade.

Página 19 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Como garantimos que a lei a aplicar seja a mesma? Através da unificação das regras de conflito.
Onde quer que o problema se coloque, a forma de resolução é a mesma, ao abrigo da mesma lei.

Assim vamos ter estabilidade das relações jurídicas internacionais.

Uma das organizações que se dedica à unificação das regras de conflito é a Conferência da Haia
do Direito Internacional Privado.

Outra organização que está interessada na estabilidade das relações jurídicas internacionais é a

União Europeia, visto que o objetivo desta é a liberdade de circulação. A UE vem unificando as regras
de conflitos entre os Estados Membros, para garantir a estabilidade das relações jurídicas

internacionais. Assim, as pessoas são livres de circular. Assistimos então, como referido
anteriormente, a um fenómeno de europeização.

REGRAS DE CONFLITOS NACIONAIS QUE FORAM SUBSTITUÍDAS POR REGRAS EUROPEIAS:

Artigos 41.º e 42.º do Código Civil -» remissão para Regulamento ROMA I (para
contratos celebrados depois de 2009);

Artigo 45.º do CCivil -» Regulamento ROMA II (responsabilidade civil extracontratual;

factos ocorridos depois de Janeiro de 2009);

Artigo 62.º do CCivil -» Regulamento (UE) nº 650/2012 (sucessões – pessoas que

faleceram depois de 17 de Agosto de 2015);

Artigo 55.º do CCivil -» Regulamento ROMA III (divórcios iniciados depois de 21 de junho
de 2012).

Em conclusão: o legislador escolhe uma lei que não ponha em perigo a estabilidade das
relações jurídicas.

 Outras das razões pelas quais se pretende a harmonia jurídica internacional:

Página 20 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Em Portugal estamos a aplicar à responsabilidade civil a lei alemã e Espanha está a aplicar
à responsabilidade civil a lei grega. A regra de conflitos portuguesa determina a aplicação da lei

alemã e a regra de conflitos espanhola determina a aplicação da lei grega. Aqui não existe
harmonia jurídica internacional. A lei alemã só permite uma indemnização de 1000€ e a lei grega

uma indemnização de 2000€.

 O lesante tem interesse que o caso seja julgado em Portugal.

 O lesado tem interesse que o caso seja julgado em Espanha.

Isto gera um fenómeno negativo, que é o fenómeno do forum shopping (“corrida aos tribunais”)
– dá a possibilidade de as partes ao escolher o tribunal onde decorre a ação, conseguirem fazer

variar/manipular o resultado final. As partes em conflito tenderiam a tentar aceder, o mais rápido
possível, aos tribunais do Estado em que a lei aplicável lhes fosse mais favorável. Isto é Um efeito

negativo da desarmonia jurídica internacional.

EM CONCLUSÃO: O princípio da harmonia jurídica internacional responde à intenção primeira do


direito de conflitos, que é assegurar a continuidade e a uniformidade de valoração das situações

plurilocalizadas. Nenhum sistema positivo o pode ignorar: com efeito, ele está na própria natureza
das coisas. Ignorá-lo seria o mesmo que negar, pura e simplesmente, o DIP. Todavia, isto não

significa que seja possível construir um sistema de DIP tomando unicamente por critério e guia o
princípio da harmonia internacional: se só ele estivesse em causa, é manifesto que o conteúdo das

normas de conflitos seria então indiferente.

Por outra parte, embora a importância do objetivo apontado seja inegável é evidente que ele não

resume em si toda a axiologia do DIP. Tomemos o exemplo da responsabilidade extracontratual.


Certamente, a necessidade de harmonia jurídica não deixa de se fazer sentir neste campo: também aí

há que impedir o forum shopping, também aí importa facilitar o reconhecimento de sentenças

proferidas num país diferente daquele onde se pretende o respetivo exequatur. Mas já a necessidade
de proteção das expetativas das partes se manifesta aqui com bem menor intensidade: neste
domínio, é a outros interesses que pertence a primazia.

Página 21 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

É, portanto, impossível, como dizíamos, elaborar um sistema de regras de DIP partindo


unicamente do princípio da harmonia jurídica internacional ou do mínimo de conflitos. Mas se o

legislador interno, no momento de elaborar essas normas, estiver atento às soluções geralmente
admitidas e se esforçar sempre por adotar critérios que por sua razoabilidade sejam verdadeiramente

suscetíveis de se tornar universais, esse legislador estará realmente imbuído do autêntico espírito do
DIP e compenetrado da missão internacional que lhe cumpre levar a cabo. Por outra via, o referido

princípio da harmonia jurídica internacional levar-nos-á também a preconizar que o DIP disponha
dos instrumentos e técnicas adequados a corrigir o jogo normal das regras de conflito, em ordem a

promover a uniformidade das decisões judiciais a despeito das importantes divergências ainda
existentes entre os diversos sistemas nacionais.

2. PRINCÍPIO DA HARMONIA MATERIAL

Ao invés da harmonia internacional, não está este novo princípio ligado à natureza específica do

DIP: no fundo, o que ele exprime não é senão a ideia de unidade do sistema jurídico, a ideia de que
no seio do ordenamento jurídico as contradições ou antinomias normativas são intoleráveis. Ora o

jogo das normas de conflito, na medida em que conduz por vezes à convocação de duas leis para a
resolução do mesmo ponto de direito, presta-se de modo singular à criação de situações deste

género. Assim acontece, desde logo, quando a controvérsia respeita a duas relações jurídicas

distintas, submetidas a leis diferentes, e todavia tão estreitamente interligadas a que a decisão
quanto a uma delas atingirá forçosamente a outra.

Página 22 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Sr. A tem nacionalidade grega, residente em Atenas (Grécia). Pai da criança F, que mora na

Alemanha. Mora com a mãe que é Alemã (residência e nacionalidade). Ele pretende visitar o filho e
a mãe opõe-se. É uma relação jurídica internacional? Sim, tem contacto com vários ordenamentos

jurídicos.

Regra de conflito alemã dizia que as relações das crianças com os progenitores são
reguladas pela lei da Nacionalidade dos respetivos progenitores. Logo, para regular as relações

entre o pai e filho aplica-se a lei grega, enquanto que a lei aplicável que regula as relações entre
mãe e o filho, é a lei alemã.

A lei grega dizia que o pai tinha direito a visitar o filho. A lei alemã dizia que a mãe pode
opor-se à visita do pai. Chamámos leis diferentes onde a solução é diferente e incompatível.

Situações deste género podem também ser devidas a uma divergência de qualificações entre

duas leis chamadas a pronunciar-se sobre aspetos distintos do mesmo ato jurídico, ou sobre
questões jurídicas diferentes e todavia interligadas. Levanta-se aqui a questão de saber que

orientação geral adotar no momento da formulação da norma de conflitos, em ordem a impedir a

multiplicação de situações do tipo daquelas que acabámos de fazer alusão.

O referido princípio levaria a que se procedesse, no momento da formulação da norma de

conflitos, de modo a evitar o mais possível o risco de duas leis vierem interferir na resolução da
mesma controvérsia. Nesta ordem de ideias, deveria recomendar-se a adoção de um único fator de

conexão para cada ato ou relação jurídica, sem distinguir, quanto àquele, a forma da substância,
nem, quanto a esta, o momento constitutivo da questão do conteúdo ou das consequências jurídicas

imediatas. Assim, para cada relação jurídica, se possível, deve aplicar-se uma única lei.

Como se resolveria esta questão em Portugal? Será que a regra de conflito se preocupou
com a harmonia material?

Página 23 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

REGRA DE CONFLITO PORTUGUESA: ART. 57.º do CC

1. Nacionalidade comum dos pais;


- Nosso caso: não têm nacionalidade comum.
2. Residência atual dos pais;
- Não temos.
3. Lei pessoal do filho.
- Lei pessoal (artigo 31.º) -» Lei da nacionalidade do filho. Ver artigos 27.º e 28.º da lei da
nacionalidade.

Temos uma única lei. Há uma preocupação com a harmonia material.

3. PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE OU DA MELHOR COMPETÊNCIA

A, vendeu ao senhor B, em Portugal, ambos portugueses e residentes em Portugal, negócio


celebrado em Portugal, um imóvel no Brasil. O Sr. B quer saber em que momento se transfere a

propriedade. Qual a lei que vai dizer em que momento se transfere a propriedade?

Se o DIP se preocupa com a justiça formal, então escolhíamos a lei mais próxima que seria a
portuguesa. No entanto, os Srs. A e B querem que o negócio produza efeitos no Brasil, visto ser o

local onde o imóvel se encontra. Assim, segundo o princípio da efetividade, deve aplicar-se a lei do
país que está em melhores condições de fazer impor a sua legislação. Aplicar outra lei implica um
risco de não reconhecimento das nossas decisões judiciais, dos nossos contratos nesse país (que está

em melhores condições de fazer impor a sua legislação), OU SEJA, quando for de recear que a
aplicação da outra lei conduza a decisões desprovidas de valor prático, dado que não serão

reconhecidas.

Página 24 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Art. 46.º do Código Civil

1. O regime da posse, propriedade e demais direitos reais, é definido pela lei do Estado em
cujo território as coisas se encontrem situadas.

2. Em tudo quanto respeita à constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas em

trânsito, são estas havidas como situadas no país do destino.

3. A constituição e transferência de direitos sobre os meios de transportes submetidos a um

regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a matrícula tiver sido efetuada.

O nosso DIP manda aplicar a lei brasileira, por razões de efetividade.

4. PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATAMENTO DAS ORDENS JURÍDICAS

O DIP não deve partir do pressuposto que há leis melhores do que outras. O DIP ao escolher a lei

aplicável não deve dar privilégio a uma lei em relação a outras. Não deve privilegiar a lei do foro em
relação a outras. Trata de igual modo as ordens jurídicas. Só vai haver harmonia jurídica internacional

se houve esta igualdade. Princípio da paridade de tratamento.

5. PRINCÍPIO DA BOA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

O DIP deve escolher a lei que reduza o erro judiciário. Aplicar a lei que o juiz conhece melhor.
Qual é a lei que o juiz conhece melhor: A lei do foro. No entanto, parece que está em contradição
com o princípio da igualdade. Este princípio é um princípio subsidiário, ou seja, só deve funcionar
quando os outros quatro princípios estão assegurados.

NOTA: A matéria relativa à natureza e fontes de DIP não vai ser lecionada este ano.

Página 25 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

CAPÍTULO III – O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E DOMÍNIOS AFINS

3.1. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E DIREITO INTERTEMPORAL (TRANSITÓRIO)

O direito transitório é, tal como o DIP, um sistema conflitual. Todavia, o direito transitório
propõe-se a resolver conflitos temporais de leis, fixando as regras segundo as quais será realizada a

aplicação temporal de normas concorrentes. Estes dois ramos do direito apresentam vários
pontos em comum:

✓ Pertencem à categoria “direito de segundo grau” (são compostos por “normas sobre

normas”);
✓ Regulam hipóteses de concurso de normas legais aplicáveis – têm em comum o problema dos

limites de aplicabilidade das normas;


✓ Pressupõem-se mutuamente para a correta determinação da lei aplicável in casu (a aplicação

de uma lei antiga a determinados factos não deixa de pressupor que entre tais factos e a lei aplicável
há uma conexão espacial; a aplicação de uma lei, em resultado da aplicação de normas de DIP,

implica que a situação estivesse ligada a essa mesma lei num período de tempo em que ela é
aplicável);

✓ Assumem como escopo a garantia da estabilidade e continuidade das situações jurídicas


interindividuais, tutelando a confiança e expetativas dos interessados.

Não obstante, os dois ramos caraterizam-se também aspetos que os distinguem:

ǂ Conflitos de leis no tempo; ǂ Conflitos de leis no espaço;

ǂ Problema da sucessão de leis, no seio ǂ Problema da vigência simultânea de leis

da mesma ordem jurídica; distintas em territórios e ordens jurídicas diversos;

ǂ Problema de dinâmica de leis (normas ǂ Problema de dinâmica de relações

que vêm tomar o lugar de outras normas, jurídicas (relações jurídicas que entram em

interferindo com situações preexistentes, às contacto com várias ordens jurídicas, permitindo a

quais passam a ser aplicáveis duas leis). aplicação simultânea das várias leis dessas ordens

jurídicas).
Página 26 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

3.2. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E DIREITO INTERLOCAL/INTERTERRITORIAL

Nem sempre os protagonistas do conflitos no espaço são ordens jurídicas estaduais. O

problema nasce algumas vezes da coexistência de vários sistemas de direito no interior do mesmo
Estado. É o exemplo paradigmático do que pode suceder nos EUA, em que cada um dos Estados

Federados possui legislação civil própria. Estes conflitos interlocais têm comum com os conflitos
interestaduais a circunstância de cada sistema jurídico em conflito ter um território próprio (que não

coincide com o território do Estado). Isto implica que muitos dos critérios utilizados pelo direito
interlocal para resolver tais conflitos sejam idênticos aos critérios utilizados pelo DIP - DIP também

resolve conflitos de leis no espaço, logo, resolvem o mesmo problema. Além disso, também utilizam
regras de conflitos

Mas entre as duas matérias existem diferenças:


ǂ Assim, não poderá confiar-se ali à lei nacional das partes a regulamentação do estatuto
pessoal, visto que a nacionalidade ser uma só para o conjunto de províncias: o elemento de

conexão decisivo será o domicílio;


ǂ Não poderá invocar-se a ordem pública como razão para não aplicar a lei doutra província.
Em certos casos é possível recusar a lei estrangeira, se com a aplicação desta levar a resultados
chocantes. No entanto, no Direito interlocal isto não se aplica. Não pode recusar aplicar a lei;
ǂ As normas de conflito (normas de direito interlocal ou interprovincial) serão, em regras, únicas
para o território do Estado;

ǂ As sentenças proferidas numa província serão exequíveis de pleno direito nas restantes.

Uma outra variedade de conflitos internos são os conflitos interpessoais. Agora, as várias leis em

presença não regem territórios distintos, mas distintas categorias de pessoas. É o caso paradigmático
dos Estados com sistemas jurídicos confessionais: ao lado do direito da confissão do Estado (ex.:

direito muçulmano), existem sistemas jurídicos próprios das outras comunidades religiosas, aplicáveis
aos membros destas comunidades na esfera do seu estatuto pessoal. Em Portugal estes problemas

não se põem, uma vez que é um Estado de legislação unitária (a mesma lei é aplicável a todas as
pessoas).

Página 27 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

3.3. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E DIREITO COMPARADO

O Direito Comparado é um ramo do direito que se dedica a comparar sistemas jurídicos. O DIP,

sendo direito interno pela fonte, tem a desempenhar uma função internacional: promove o
reconhecimento e a aplicação no âmbito do Estado em que vigora de conteúdos e preceitos jurídicos

estrangeiros. Por virtudes das regras do DIP, em princípio, as múltiplas instituições jurídicas existentes
algures no mundo recebem o visto de entrada no ordenamento do foro e tornam-se nele aplicáveis,

ou seja, o DIP escolhe o sistema jurídico mais adequado para regular uma relação jurídica
internacional. Será que há pontos de contacto?

Exemplo: Kafala -» Instituto jurídico do direito muçulmano através do qual um indivíduo

assume a responsabilidade de cuidar de uma criança. Como sabemos se podemos reconhecer este
instituto jurídico da Kafala?

Não há nenhuma regra de conflito sobre a Kafala, visto ser um instituto jurídico
desconhecido entre nós. Então vamos encontrar uma regra de conflito para um instituto

semelhante, por exemplo, a adoção.

Podemos concluir que, muitas vezes, o DIP só consegue funcionar recolhendo os frutos
do Direito Comparado. Um INSTRUMENTO ao Direito Internacional Privado. Só com a
comparação de sistemas jurídicos é que conseguimos fazer funcionar o DIP.

3.4. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E DIREITO PRIVADO UNIFORME

O direito privado uniforme é um ramo jurídico que intenta a supressão de conflitos de leis,

por intermédio de leis idênticas. Um exemplo de instrumentos de direito privado uniforme são as
Convenções de Genebra, as quais estabeleceram uma lei uniforme em matéria de letras e livranças

(além do estabelecimento de regras de conflitos, tipicamente incluídas no DIP). Tais normas são

Página 28 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
aplicáveis em todos os Estados aderentes, o que significa que em tais matérias não surgirão conflitos

de leis.
Com base no que foi dito, compreende-se a diferença entre os dois ramos do direito sobre
que versamos:

ǂ Regula relações internacionais privadas, ǂ Pretende suprimir (≠ resolver) conflitos de leis,


ao dirimir um conflito dizendo qual a lei ao uniformiza-las. Não seria preciso escolher a lei

aplicável. aplicável se fossem todas iguais. Isto falha, pois é

ǂ Resolve conflitos de leis. impossível conciliar o direito privado de todos os


Estados!

ǂ É impossível uma uniformização total, mas talvez


se consiga isso parcialmente. Tal já foi alcançado

a nível de letras e livranças (LULL), cheques (LUC).

ǂ Quem defende esta doutrina diz que ao conseguir


uma uniformização em todas as matérias o DIP

deixaria de ser necessário. Mas isto é FALSO! Há


ainda (importantes) países que não ratificaram

estes acordos e alguns dos que ratificaram


deixaram de fora alguns pontos.

ǂ Concluiu-se que este sistema não é viável na


totalidade, apenas em certos sectores e, ainda

assim, não substitui o DIP!

Ora, se algum dia o direito privado uniforme se estendesse a todos os sistemas jurídicos
(formando-se um “direito privado mundial” uniforme), então o DIP desapareceria, porquanto deixaria

de ter razão de ser um direito que pretende resolver conflitos entre leis quando a lei aplicável é a
mesma em todo o mundo (não haveriam conflitos de leis). Todavia, tal visão é puramente utópica.

Mesmo sendo criados instrumentos de direito privado uniforme, basta que um Estado não adira para
que o DIP mantenha a sua importância. Daí, aliás, que muitas vezes o direito privado uniforme e o
DIP sejam criados paralelamente. Ora note-se: as referidas Convenções de Genebra estipulam, em

Página 29 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
relação aos domínios em que operam, normas materiais uniformes para todos os Estados aderentes

– entre estes Estados não se colocarão, nessas matérias, conflitos de leis; mas, paralelamente,
estabelecem regras de conflitos, a pôr em prática sempre que se verifique um conflito de leis entre a

lei uniforme e a lei de um Estado não aderente ou sempre que o conflito diga respeito a aspetos não
regulados.

3.5. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E DIREITO CONSTITUCIONAL

Que relações se podem estabelecer entre o DIP e o direito constitucional? Colocam-se três

problemas?
1. São as regras de conflito suscetíveis de entrar em colisão com os preceitos
constitucionais, e especialmente os relativos à matéria de direitos fundamentais? Ou seja, será
que uma regra de conflito (sendo uma norma meramente formal) pode ser inconstitucional?

2. Até que ponto devem os nossos tribunais recusar a aplicação a um preceito ou complexo
normativo estrangeiro, indiscutivelmente aplicável segundo as normas de DIP da lex fori, mas
que pelo seu conteúdo colida co algum dos direitos fundamentais consagrados na Constituição
Portuguesa? Ou seja, será que quando a regra de conflitos manda aplicar lei estrangeira, está
essa lei estrangeira submetida à Constituição do país do foro (país onde se coloca o problema)?

3. Podem os tribunais portugueses recusar-se a aplicar direito estrangeiro competente, com


fundamento na sus inconstitucionalidade perante a Constituição do país de origem? Ou seja,
pode o juiz do foro fazer um controlo da constitucionalidade da lei estrangeira face à
constituição da lei competente (estrangeira)?

1.º Problema: Será que uma regra de conflito pode ser inconstitucional?
O primeiro problema levantou-se na Alemanha com o artigo 3.º, II, da Constituição de Bona, que
consagra o princípio da igualdade. Deviam ou não considerar-se contrárias ao preceito constitucional

as regras de conflitos da Lei de introdução ao Código Civil, na sua formulação originária, que fixavam
o direito aplicável com base na nacionalidade do marido? Assim, formaram-se duas correntes de
opinião:

Página 30 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

. A conceção tradicional que diz que as regras de conflito estão à margem de fiscalização
constitucional. Uma vez que as regras de conflito não são normas materiais, mas sim de 2.º grau

(normas sobre normas), não têm um conteúdo suscetível de violar a Constituição – as normas que as
regras de conflito escolhem podem violar a constituição mas as regras de conflito em si mesmas não.

Não podem ser inconstitucionais pois não violam a CRP, apenas escolhem a lei aplicável.

. Mas este modo de entender as coisas e de perspetivar o DIP é profundamente erróneo.


Certamente, não são os valores da justiça material que no DIP predominam. O DIP tem os seus

próprios vistos: propõe-se finalidades e norteia-se por princípios que não coincidem em regra com
os que se afirmam no plano de direito material. Contudo, os seus preceitos não são meros preceitos

de ordem, porque a ordem para que tendem não é arbitrária, cega a valores, antes uma
regulamentação orientada para certos fins: os objetivos que o DIP considerado globalmente

pretende atingir e os objetivos específicos colimados pelas suas diferentes normas. À justiça conflitual
– e por conseguinte ao sistema axiológico do ordenamento jurídico – não pode ser indiferente que a

lei aplicável, v.g., em matéria de relações entre os cônjuges, seja a lei pessoal destes ou a situação
dos bens do casal.

As normas de conflito não são, portanto, regras técnicas axiologicamente neutras (à


semelhança, por ex., das que disciplinam o trânsito rodoviário) – regras que não tenham o sentido de

servir a justiça.
Só que a justiça que servem é de cunho predominantemente formal, nela avultando o

ingrediente da certeza e estabilidade jurídica.


Então, segundo esta posição as regras de conflitos podem ser inconstitucionais quando o
juízo formal, o juízo de DIP, seja em si mesmo contrário à constituição.

Imaginemos que ao definir as relações conjugais entre o marido A e a mulher B a nossa regra
de conflito diz que as relações em causa são reguladas pela lei da nacionalidade do marido (que é

até bastante igualitária). Mas, ainda assim, a regra de conflitos não será inconstitucional? A própria
escolha, o próprio critério de escolha de lei aplicável, é aquele que viola a constituição. O facto de as

Página 31 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
regras de conflito serem normas formais não as isenta de um controlo de constitucionalidade, uma

vez que têm de respeitar todas as normas que se encontram na constituição.


É esta a posição adotada: uma regra de conflito pode ser inconstitucional quando viole
princípios constitucionais (nomeadamente o da igualdade), sendo isso visto ao nível do critério
de escolha que adota.
Assim, vendo hoje o artigo 52º CC: o conceito-quadro é as relações entre os cônjuges. Este
artigo foi alterado em 1977, eliminando uma discriminação entre os cônjuges. Hoje estas relações são

reguladas pela lei nacional comum (se ambos tiverem a mesma nacionalidade). Mas isto pode não
ocorrer, caso em que o número 2 manda aplicar a lei da residência habitual comum. É chamada

uma única lei para que não haja conflitos e se assegure o princípio da harmonia material. Se não
houver sequer uma residência nestes termos, o final do nº2 prescreve ainda aplicar-se a lei mais

estreitamente conexa com a vida familiar. Este elemento de conexão – “lei mais estreitamente
conexa” – é avaliado pelo julgador, desde 1977, em respeito do princípio da igualdade (pois antes,

não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, nem residência habitual comum, aplicava-se a lei da
nacionalidade do marido. Nesta hipótese deixava-se de atender ao interesse da mulher na aplicação

do seu próprio estatuto pessoal).

2.º Problema: será que quando a regra de conflitos manda aplicar lei estrangeira, está essa
lei estrangeira submetida à Constituição do país do foro (país onde se coloca o problema)?
Em princípio NÃO, mas há UMA exceção.

Ex: Num tribunal de trabalho português, está a ser julgado um litígio entre o senhor A
(canadiano) e a empresa B (norte-americana). A era trabalhador da empresa B, e o trabalho era

realizado na África do Sul. Intentou-se uma ação em Portugal com o seguinte problema: B tinha
despedido A sem justa causa.

Não podemos aplicar logo a lei portuguesa (embora estejamos num tribunal português) pois

não vigora o princípio da territorialidade! Sendo uma situação internacional (tem contacto com mais
do que uma ordem jurídica), temos de ver qual a lei que tem uma maior conexão com o caso, qual a
lei que deve ser aplicada. Esta lei vai ser definida por uma regra de conflito, que no caso diz que a lei

Página 32 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
aplicável é a da África do Sul, que admite poder haver despedimento livre (algo que a nossa

constituição proíbe!). Deverá então a lei Sul-Africana ser aplicada?


A solução tradicional seria a sua não aplicação. Mas isto violará um dos princípios de DIP, que

nos diz que deve haver uma paridade no tratamento entre as ordens jurídica, não devemos
privilegiar a lei do foro face a outra, não a podemos achar a nossa lei é melhor que a lei de outro

país. Ao submeter uma lei estrangeira aos nossos parâmetros constitucionais será que não
estamos a violar o princípio da igualdade de tratamento? A lei da África do Sul respeita a
Constituição da África do Sul. Ao “forçá-la” a cumprir a nossa CRP não estamos a respeitar o princípio
da igualdade de tratamento, estamos a privilegiar a lei do foro. Se a lei estrangeira for competente

para regular o caso, ela não deve ser submetida à nossa Constituição.
Outra razão para uma resposta negativa a esta questão é a harmonia jurídica

internacional. A solução dada no tribunal português deve ser a mesma que o tribunal sul-africano
(uma vez que é esta a lei a aplicar). Ao submeter a lei aplicável no caso à CRP iria haver instabilidade

das relações jurídicas, pois teríamos diferentes soluções. Por tudo isto, não se submete a lei
estrangeira competente à nossa Constituição.

 Mas será isto sempre assim, sem qualquer limite? Imaginemos que uma lei estrangeira,
aplicável, permite o homicídio. Podemos tolerar a sua aplicação nos tribunais portugueses?

Exceção: o art. 22º C.C – ordem pública internacional é um expediente de Direito Internacional
Público que permite recusar a aplicação da lei estrangeira quando o resultado dessa aplicação seja

desconforme aos nossos valores fundamentais, seja chocante.

Não é pelo fato de uma lei estrangeira estar contrária à nossa CRP que não a vamos aplicar, mas
sim quando o resultado da aplicação da lei estrangeira for contrária aos nossos valores

fundamentais. Se não se aplica lei estrangeira, não é necessário fiscalizar.


Então: à partida não podemos fiscalizar a lei estrangeira visto violar o princípio da paridade de

tratamento das ordens jurídicas, isso seria pressupor que a nossa lei é melhor que a deles. E se
conduzir a casos chocantes? O DIP tem um instituto chamado ordem pública internacional que

recusa a aplicação da lei quando o resultado seja chocante e portanto, não é necessário fiscalizar a
constitucionalidade das normas estrangeiras. Basta o funcionamento da ordem jurídica internacional
para afastarmos a aplicação de leis que levem a resultados chocantes.

Página 33 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Dr. Moura Ramos: defende que há casos em que a Ordem Pública Internacional não vai atuar

E se estivermos num dos casos em que a Ordem Pública Internacional não atua? O juiz vai aplicar
a norma estrangeira contrária à CRP?

Segundo o Dr. Moura Ramos: Isto é um problema académico porque em 99% dos casos a Ordem
Pública Internacional resolve, mas se não se estivermos num desses casos raros em que a Ordem

Pública Internacional não coloque o problema, o juiz deve fazer um controlo da constitucionalidade
tal consta da jurisdição portuguesa. Mas isto não violaria o princípio da paridade de tratamento

das ordens jurídicas?


Aplicar uma norma inconstitucional seria ainda pior, seria violar a justiça. Por isso, mais vale

permitir um controlo da constitucionalidade.


3.º Problema: Pode um juiz português ao aplicar lei estrangeira recusar a sua aplicação
quando ela viole a constituição do país de onde é proveniente (p.ex.: recusa aplicar lei francesa
porque viola constituição francesa)? DEPENDE. Tem uma solução positivada.

Ex: Morreu em Portugal, em 2015, o senhor A, francês mas residente no Algarve. Coloca-se
a questão de saber para quem vão os bens dele.

Artigo 62º CC: Indica-nos que a sucessão do senhor vai ser regulada pela lei da sua
nacionalidade, ou seja, lei francesa. A lei francesa deixa os bens aos filhos e nada ao cônjuge (apenas

recebe o usufruto, mas não a propriedade). No entanto o notário/juiz português crê que esta norma
(francesa) viola a constituição (francesa), o que realmente acontece. O que deve fazer o juiz

português? Recusa a aplicação da norma francesa com base na violação da respetiva


constituição?
A solução está no art. 23.º/1 CC: a lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que
pertence. O juiz português ao aplicar a lei francesa tem de a interpretar à luz do sistema francês

(sistema a que as normas aplicadas pertencem). Vigorando em França um sistema de fiscalização


constitucional difuso em que o juiz francês, de primeira instância, pode recusar a aplicação da lei
francesa porque ela viola a Constituição francesa, então o juiz português também pode. Se o juiz

Página 34 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
francês não puder declarar a inconstitucionalidade da norma, então o juiz português também não

pode.
O porquê desta opção prende-se com a harmonia jurídica internacional, conferindo a um

juiz português os mesmos poderes do juiz do país estrangeiro. Assim, contribui para uma
uniformidade de soluções nos países envolvidos.

3.6. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

Há 4 grandes interações entre estes dois ramos do direito:

1. O Direito da União Europeia pode ser um limite ao funcionamento do Direito


Internacional Privado Interno. Quando? Quando o DIP ponha em causa as liberdades

fundamentais.

Por exemplo: Acórdão Micheletti.


Outro exemplo: O Sr. António e o Sr. Bernardo, portugueses, são casados. Foram morar

para Itália e quiseram comprar uma casa em regime de comunhão de bens adquiridos. Será que
o casamento é válido em Itália onde não há casamento com pessoas do mesmo sexo?

A lei Italiana mandou aplicar a lei da nacionalidade comum dos cônjuges, ou seja, a lei
portuguesa. O que fez o juiz Italiano? Casamento com pessoas do mesmo sexo é chocante e

invocou a Ordem Pública Internacional. Não reconheceu o casamento logo a casa não está em
regime de comunhão.

Em Portugal eram casados e em Itália eram solteiros. Problema? Não há liberdade de

circulação Então o DUE veio criar limites ao DIP. As liberdades de circulação


constituem limites ao DIP.

2. O DUE está a unificar o DIP dos Estados-Membros.

O DUE tem vindo a alcançar harmonia jurídica internacional a vários níveis. O DUE tem uma
preocupação com isto, pois só assim alcança verdadeiramente as liberdades de circulação que
propugna (pessoas, mercadorias, capitais) tendo por isso vindo a unificar algumas matérias a nível

Página 35 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
europeu (fenómeno de europeização do DIP), através de estabelecimento de regras de conflito que

serão as mesmas para os vários países. Como? Com regulamentos.

3. Os princípios do direito da união europeia têm de ser respeitados pelo DIP interno

Uma regra de conflito diz que à responsabilidade civil aplica-se a lei do local onde
ocorreu a atividade geradora do prejuízo. No entanto diz ainda que se o lesante for português

pode escolher a lei aplicável. Uma regra de conflitos deste género não poderia existir!

De acordo com o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade alguém, devido à


sua nacionalidade, não pode ter um direito deste tipo, sendo que outros cidadãos europeus (não

portugueses) não teriam.


Quer isto dizer que os princípios de DUE vigoram, integralmente, no DIP.

4. Um princípio de Direito da União Europeia influi na escolha da lei aplicável

O princípio do reconhecimento mútuo diz-nos que os países confiam uns nos outros ao
ponto de todos terem vindo a assinar tratados que constituem a UE como a conhecemos hoje. Logo,

devem ter essa confiança mútua ao nível legislativo. Portugal deve confiar na legislação francesa e
vice-versa, bastando por isso em certas questões ser apenas cumprida uma lei do país de origem.

Este princípio é tido como semelhante às regras de conflito, que escolhem uma lei aplicável, devendo
nós confiar que essa lei também irá resolver o caso da melhor forma.

Alguma doutrina reconhece o princípio do reconhecimento mútuo como uma regra de


conflito, regra de conflito esta que vai primar sobre o direito interno (Princípio do primado). Outra

parte entende que não, que não se deve entender assim este princípio.

Página 36 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

CAPÍTULO IV – TEORIA DA NORMA DE CONFLITOS

Como dito anteriormente, o método tradicional/conflitual/ utiliza regras de conflito

escolhendo assim a lei aplicável de entre as que estão conectadas.

NOTA: Há um ramo jurídico que está imune às regras de conflito e portanto aplica-se
sempre a lei do foro: Direito Processual Civil – os tribunais portugueses aplicam o direito

processual português. Em matéria de processo não posso escolher a lei aplicável. O Direito
Processual não influi na decisão. As regras de conflitos não determinam a lei aplicável processual,

mas sim a lei substantiva.

4.1. ESTRUTURA DAS REGRAS DE CONFLITOS

Fala-se de uma estrutura tripartida:

1. CONCEITO-QUADRO: está para a regra de conflitos como a hipótese está para as normas
materiais. Determina a que casos é que a norma se aplica, ou seja, vai fazer a delimitação do campo

de aplicação da norma. Determina o âmbito de aplicação daquela regra de conflitos.

EXEMPLOS DE CONCEITOS-QUADRO:

Art. 52º CC: relações entre os cônjuges

Art. 45º CC: responsabilidade extracontratual

Art. 55º CC: separação judicial de pessoas e bens e divórcio

NOTA: ATENÇÃO À EPÍGRAFE – PODE NÃO COINCIDIR

Qual é a diferença entre o conceito-quadro e a hipótese de uma norma material?

❖ As hipóteses das normas materiais descrevem situações de facto, situações da vida.

Página 37 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

❖ O conceito-quadro, pelo contrário, não descreve situações da vida, mas sim conceitos técnico-
jurídicos (p.ex. sucessão por morte).

Qual o problema do conceito-quadro? Descreve conceitos técnico-jurídicos, sendo que estes


podem ser diferentes de país para país, de sistema para sistema – problema da interpretação do

conceito-quadro (problema tratado mais tarde).

2. ELEMENTO DE CONEXÃO: é a parte da regra de conflitos que identifica a circunstância eleita


como relevante para a determinação da lei aplicável; para onde o juiz deve olhar para saber que lei

aplicar.

EXEMPLOS DE ELEMENTOS DE CONEXÃO

Art. 50º CC: local de celebração do casamento

Art. 46º CC: local de situação das coisas.

Art. 41º CC: escolha das partes

Artigo 62º do CC:

Conceito-quadro: sucessão por morte, poderes do administrador da herança e do


executor testamentário.

Elemento de conexão: lei pessoal – artigo 31.º/1 - lei da nacionalidade Logo, o


elemento de conexão é a nacionalidade do autor da sucessão. Foi o que o legislador
achou como relevante para determinar a lei aplicável.

O que é que o legislador pretende? Qual o critério de escolha?

Critério da proximidade, da justiça formal: está a escolher o ordenamento jurídico que


parece mais próximo da situação jurídica em si, a que tem a ligação mais forte com o problema.

Página 38 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Em função dos interesses que se fazem valer nos vários setores do direito internacional

privado que se optará, nos diferentes casos, ou por um sistema de conexão única, ou por um sistema
de conexão plúrima. Assim:

1. Regras de conflito (com sistema) de conexão única/simples: apenas tem um elemento de


conexão;

2. Regras de conflito (com sistema) de conexão múltipla/complexa: tem vários elementos de


conexão.

Artigo 52.º do CC

Conceito-quadro: relações entre os cônjuges

Elemento de conexão: nacionalidade comum dos cônjuges

Parece que temos um elemento de conexão, mas podemos ter vários: os cônjuges podem

não ter a mesma nacionalidade.

N.º 2: a residência habitual comum (regra de conflitos de conexão múltipla)

Nas regras de conflito de conexão múltipla temos:

❖ Sistema de conexão múltipla alternativa: A regra de conflito tem dois ou mais elementos de

conexão mas estão numa relação de alternatividade. Chama duas ou mais leis numa relação de
alternatividade (uma ou outra). Qual? A que cumprir a finalidade indicada pela regra de conflito.

Art. 11.º do Regulamento Roma I

Conceito-quadro: forma dos contratos


Elementos de conexão: Local de celebração ou lei que regular a substância do contrato.

Juiz vai aplicar uma só lei: o que é que o artigo 11.º pretende? O legislador pretende a
validade, então aplique-se a lei que conseguir a validade do contrato.

Página 39 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Sr. A, francês, testamento celebrado em Portugal.


Art. 65.º CC:

- Conceito-quadro: Forma das disposições por morte (ex.: Testamento).

- Leis para que remete o artigo: - Lei do lugar onde o ato foi celebrado (PT);

- Lei da nacionalidade do autor do testamento (FRA);

- Lei para que remeta a norma de conflitos da lei local.

Que lei aplicamos? O legislador quer a validade do testamento. Destas três a que considerar o

testamento válido.

Este sistema facilita ou dificulta o reconhecimento ou constituição das relações jurídicas?

Facilita! Princípio favor negotti -» pretende a validade de certos negócios em que as partes

depositaram legítimas expectativas de estes serem válidos.

❖ Sistema de conexão múltipla cumulativa: Dois ou mais elementos de conexão onde se


aplicam várias leis. Aplica-se a lei 1 mais a lei 2. Subordinam determinados efeitos de uma relação

jurídica à concordância das duas ou mais leis. Do que agora se trata é de subordinar a produção de
certo evento jurídico ao acordo de duas leis, ou seja, à satisfação dos requisitos estabelecidos em

cada uma delas.

Art. 60.º CCivil

Conceito- quadro: Constituição da filiação adotiva.

Lei 1: Lei da Nacionalidade do adotante;

Lei 2: Lei do nº4 – lei que regula as relações entre o adotando e os progenitores.

Página 40 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Este sistema dificulta o reconhecimento ou a constituição da relação jurídica. Porque o DIP


utiliza o sistema de conexão múltipla cumulativa?

Chama várias leis e aplica várias leis. Chama várias leis para evitar situações claudicantes: quer se

evitar que uma relação jurídica seja válida para uma lei e não por outra.

Como bem observa BATIFFOL «ele promete mais do que dá». Promete aplicar cumulativamente
as duas leis em presença, para ao fim e ao cabo aplicar apenas uma delas – a mais rigorosa e

restritiva.

Exemplos: Artigo 60.º; 33.º/3 e 4.

❖ Sistema de conexão múltipla distributiva: Chama duas ou mais leis (múltipla) mas fraciona a

relação jurídica e aplica uma lei diferente a cada parte da relação jurídica.

Artigo 49.º do CC

Conceito quadro: capacidade para contrair casamento ou celebrar convenções antenupciais


e regime da falta e dos vícios da vontade dos contraentes.

Qual o elemento de conexão? Nacionalidade de cada elemento, de duas partes, logo estão
a ser chamadas duas nacionalidades, duas leis. (lei pessoal remete para o art. 31.º - a lei pessoal é
em princípio a lei da nacionalidade).

Sr. A é brasileiro e a Sra. B é Espanhola. Pretendem casar. Para sabermos a capacidade do Sr.
A, aplicamos a lei brasileira. Capacidade da Sra. B aplicamos a lei espanhola. Porque o legislador faz

isto? Para que haja a aplicação da lei mais próxima de cada uma das partes da relação jurídica.
Conseguimos aplicar para cada parte da relação jurídica a lei mais próxima. Assim, também
facilitam a constituição ou reconhecimento das relações jurídicas.

Sr. A tem 17 anos e a Sra. B tem 19 anos. A lei espanhola diz que só se adquire capacidade
nupcial aos 18 anos. No Brasil diz-se que só se pode casar aos 16 anos. Se o legislador escolhesse a

Página 41 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
lei espanhola então não podiam casar. Com o sistema de conexão múltipla os impedimentos da lei

brasileira aplica-me só ao Sr. A. Os impedimentos da lei espanhola aplicavam-se à Sra. B.

Assim, é possível a celebração deste casamento.

❖ Sistema de conexão múltipla subsidiária: Chama-se duas ou mais leis mas só se aplica uma

lei. Parecida com a alternativa, mas enquanto nessa escolhíamos a lei que conduzia ao objetivo do
legislador, aqui chama várias leis mas numa relação de subsidiariedade, de hierarquia. Só chamamos

uma lei se a anterior não se aplicar.

Prevendo a hipótese de faltar o elemento erigido em fator primário de conexão, a norma de


conflitos designa o elemento sucedâneo a que em tal hipótese haverá que recorrer.

Artigo 53.º

Conceito-quadro: Substância e efeitos das convenções antenupciais.

Nota: Em Janeiro de 2019 o artigo 53 vai ser substituído por um regulamento europeu.

Logo vai aplicar-se o regulamento.

Elemento de conexão: Nacionalidade comum dos nubentes. Se falhar a primeira conexão,


então há uma outra conexão. Falhando a nacionalidade comum, indica-se a residência habitual

comum. E ainda há uma terceira conexão. Chama várias leis e vai tentar aplicá-las numa relação
de hierarquia. Só passamos para as subsidiárias, na falta da primeira.

 Se os cônjuges não tivessem a mesma nacionalidade e não fossem dados mais elementos
subsidiários de conexão éramos remetidos para o art. 348.º/3 CC que diz que na impossibilidade de

determinar o direito aplicável o tribunal deve recorrer às regras de direito comum português. Ou
seja, sem subsidiariedade era aplicada a lei do foro, o que poderia defraudar as expectativas das

partes. Com este tipo de sistema evita-se que haja uma falta de conexão entre a lei aplicável e o
problema em causa.

Página 42 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Um elemento de conexão pode classificar-se de várias maneiras, pode obedecer a diversas

classificações.

 REAL OU PESSOAL
 É um elemento de conexão PESSOAL quando diga respeito ao sujeito da relação

jurídica.

Artigo 25º CC

Elemento de conexão: lei pessoal -» remissão para 31.º/1 -» lei da nacionalidade –


NACIONALIDADE.

Outro exemplo: Residência

 É um elemento de conexão REAL quando diz respeito ao objeto da relação jurídica,


não ao sujeito.

Exemplo: situação da coisa, local de celebração do contrato

Artigo 45º

Conceito-quadro: responsabilidade extracontratual quer a factos ilícitos como a factos


lícitos

Elemento de conexão: local onde ocorreu o facto causador do prejuízo – elemento de


conexão real, porque atende ao objeto da relação jurídica e não aos sujeitos.

 FACTUAL OU JURÍDICO

 Os elementos de conexão FACTUAIS bastam-nos os sentidos para os conseguirmos


concretizar. Isto é, basta ver os factos, olhar para a situação jurídica.

o Local de situação da coisa: elemento de conexão factual;


o Residência habitual: elemento de conexão factual;

Página 43 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
o Artigo 50.º: local de celebração – elemento de conexão factual.

 Já os JURÍDICOS implicam o recurso a normas para os conseguirmos concretizar.

o Elemento de conexão jurídico – nacionalidade. A regra de conflitos


mandou-nos aplicar a lei da nacionalidade. Temos de aplicar normas, das leis

das nacionalidades, para saber que nacionalidade a pessoa tem – elemento


de conexão jurídico;

o Domicílio: elemento de conexão jurídico.

Porque é que os elementos de conexão factuais são preferíveis?

Porque ao serem jurídicos, temos de nos socorrer de normas para os determinar, e o conceito

pode variar de sistema para sistema. Assim, não há harmonia jurídica internacional.

 MÓVEIS OU IMÓVEIS

 Os IMÓVEIS são aqueles que não podem ser alterados pelo sujeito, cuja concretização

não pode ser alterada pelo sujeito.


o Local de situação das coisas imóveis: imóvel;

o Local da celebração de um negócio/contrato: imóvel, é só um, já foi


celebrado, não é possível alterar.

 Os MÓVEIS podem ser alterados pelo sujeito.


o Residência habitual: móvel;

o Nacionalidade: móvel (as pessoas podem mudar de nacionalidade, é


possível).

O que será preferível?

Utilizar os elementos de conexão imóveis, dão mais segurança jurídica.

O que pode acontecer quando o legislador escolhe elemento de conexão móvel?

Página 44 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Por exemplo, residência: aplica-se a lei da residência antiga ou da atual? É o problema do


conflito móvel. Problema de saber qual a lei a aplicar: a lei antiga ou a lei nova? Gera-se o risco de

aparecer este problema: aplica-se a lei antiga ou a lei nova?

Artigo 53ºCC

Conceito-quadro: substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens

Elemento de conexão: nacionalidade dos nubentes; Elemento de conexão móvel, no


entanto, o legislador cristalizou/ imobilizou o elemento de conexão móvel. Se mudarem de
nacionalidade no futuro isso é irrelevante, só importa naquele momento; imobilizou o elemento

de conexão. Assim, não se gera o problema do conflito móvel.

Elemento de conexão de uma coisa: DEPENDE

 Se for coisa imóvel: é imóvel;


 Se for móvel: é móvel

3. CONSEQUÊNCIA JURÍDICA: aplicação da lei que foi indicada pelo elemento de conexão à
matéria designada/circunscrita pelo conceito-quadro.

Art. 46º: é a aplicação da lei do Estado da situação da coisa à posse, propriedade e demais
direitos reais.

a. FUNÇÃO DA REGRA DE CONFLITOS:

O que faz a regra de conflitos? Escolhe a lei aplicável. As regras de conflito podem ser bilaterais

ou unilaterais.

 Diz-se bilateral quando a regra de conflitos escolhe a lei aplicável, sendo que pode aplicar a
lei do foro (país onde se está a julgar o caso) ou a lei estrangeira.

Página 45 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Exemplo: Artigo 25º - manda aplicar a lei da nacionalidade, mas pode ser a portuguesa ou
estrangeira.

Sr. Português, qual a lei aplicável à capacidade? Portuguesa

Sr. Francês: Lei Francesa

Art. 3º do Código Civil Francês - ao estado das pessoas e à sua capacidade é aplicável a

lei francesa se o interessado for francês.

A diferença não está na estrutura da norma (mesmo conceito-quadro e elemento de conexão


– nacionalidade), mas na sua função – a nossa lei escolhe tanto a lei portuguesa como a lei

estrangeira (francesa, chinesa, etc., depende do caso); a lei francesa está a delimitar os casos em que
se aplica a lei do foro – regra de conflitos unilateral.

 As regras de conflitos unilaterais em vez de escolher a lei aplicável, dizem quando se aplica a

lei do foro.
 Se aparecer um Senhor Francês, aplica-se a lei francesa;

 Se aparecer um Senhor Português em França, a única conclusão a que chegamos é que


há uma lei que não se aplica: a lei francesa. Temos de procurar outra forma de determinar a

lei aplicável: olhar para as regras de conflitos estrangeiras;


 Em Portugal, temos regras de conflitos unilaterais e bilaterais.

Frase de exame: Se se tiver uma regra de conflitos unilateral, vai-se aplicar sempre a lei do
foro. AFIRMAÇÃO FALSA.

A regra de conflito francesa diz: aplica-se a lei francesa quando o sujeito for francês. A lei
francesa apenas se aplica ao Sr. Francês. Então em que casos é que com a regra de conflito

unilateral vamos aplicar a lei do foro? Quando o interessado tiver a nacionalidade do foro. Aplica-se
a lei francesa quando for francês. E na regra de conflito bilateral? Esta escolhe a lei aplicável.

Página 46 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Qual o método preferível?

Bilateral, porque resolve mais facilmente o caso. Como escolhe a lei, dá sempre uma solução

ao caso.

Mas há duas grandes correntes que dizem que o legislador deve adotar regras de conflitos
unilaterais:

1
CORRENTE INTERNACIONALISTA DO SÉC. XIX

O legislador do foro não tem poderes para mandar aplicar a lei estrangeira. Isso seria invadir a
soberania do Estado estrangeiro. Estamos a mandar aplicar lei estrangeira e isso seria invadir a

soberania dos estados. O que nós podemos dizer é que a nossa lei não se aplica. Ou seja, aplicar a
lei estrangeira é invadir a soberania do Estado estrangeiro em causa.

Será que é assim?

Esta corrente não faz sentido nenhum: se o tribunal português manda aplicar a lei brasileira,
quem está a exercer a soberania é Portugal, porque o ato de soberania não está na lei, mas sim no

ato de aplicar a lei. Exercer a soberania é aplicar uma regra.

Estas correntes têm uma visão errada de soberania: soberania é aplicar a lei!!

Para esta corrente, o DIP serve para quê?

Para eles, o DIP é uma disciplina que reparte os poderes de soberania entre os Estados; mas
esta visão está errada: o DIP serve para regular as relações privadas internacionais!! V.g., regular os

interesses do senhor A e da senhora B, que casaram e têm diferentes nacionalidades e querem saber
o seu regime de bens do casamento.

Outra crítica: estas correntes soberanistas só faziam sentido se nunca no foro se aplicasse lei
estrangeira.

Página 47 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

No caso da regra de conflito do CC francês, esta não conduz à aplicação em qualquer caso da
lei francesa. O sistema unilateralista não diz que se aplica sempre a lei nacional, do foro - porque este

sistema continua a aceitar a lei estrangeira - apenas diz quando se aplica a lei do foro e depois exclui
a sua aplicação noutros casos.

2 CORRENTE MODERNA - DA SEGUNDA METADE DO SÉC. XX (ROLAND DE QUADRI)

Defende o unilateralismo pelas razões certas: a estabilidade das relações jurídicas

internacionais, ou seja, a harmonia jurídica internacional. Diz, este autor, que o unilateralismo
consegue perseguir melhor o objetivo do DIP (a estabilidade das relações jurídicas internacionais/

harmonia jurídica internacional) do que as correntes bilateralistas.

Senhor A

Nacionalidade: Brasileira

Residência: Portugal

Quer constituir uma sociedade com sede na Austrália

Coloca-se o problema da sua capacidade:

Em Portugal: Artigo 25.º do CC

Conceito-quadro: Estatuto dos indivíduos, capacidade das pessoas, relações de família e


sucessões por morte.

Elemento de conexão: nacionalidade

Função da regra de conflitos: bilateral, porque escolhe a lei aplicável independentemente


de ela ser do foro ou estrangeira.

Então: Aplica-se a lei Brasileira.

Página 48 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

No Brasil: o artigo 7º (regra de conflitos brasileira) diz que a capacidade se afere pela
residência habitual do sujeito – remete para Portugal.

Regra de conflitos australiana: a capacidade afere-se pelo local da sede da sociedade.

Há aqui uma desarmonia internacional - mandámos aplicar uma lei que não se considera

competente, que não se quer aplicar.

Solução: regras de conflitos unilaterais. Vamos transformar estas regras de conflitos


bilaterais em unilaterais.

O nosso artigo 25.º passa a ser: a capacidade das pessoas rege-se pela lei portuguesa às

pessoas que tenham nacionalidade portuguesa. (só mudámos a função).

A lei brasileira passa a ser: a lei brasileira aplica-se às pessoas que residem no Brasil.

Lei australiana passa a ser: a capacidade para constituir sociedades é regulada pela lei

australiana quando a sociedade tenha sede na Austrália.

❖ No nosso caso, ele não tem nacionalidade portuguesa, não se aplica a lei portuguesa. Logo,

vamos ver as regras de conflitos estrangeiras.


❖ Não tem residência no Brasil, não se aplica a lei brasileira. Ainda há mais alguma lei aplicável?
❖ Aplica-se a lei australiana: a sociedade tem sede na Austrália.

Aplicou-se a lei estrangeira com a regra de conflitos unilateral, com a única diferença de não

termos sido nós a escolher.

Assim, o unilateralismo permite a aplicação de lei estrangeira: aplicámos lei estrangeira, não do
foro.

Página 49 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Em conclusão: QUADRI diz que “a aplicação de uma lei depende da sua vontade de
aplicação”. Quer isto dizer que:
 Em primeiro vamos ver se a regra de conflitos do foro manda aplicar/tem vontade de
aplicar a lei do foro ao caso. No nosso exemplo não tem (remeteu para a lei brasileira).

 Devemos aplicar a lei que tem vontade de se aplicar. Qual será? Temos de ver na regra de
conflitos estrangeira se ela também terá ou não vontade de aplicação. No exemplo seria:

 Brasil diz que “à capacidade das pessoas residentes no Brasil aplica-se a lei Brasileira”
 Austrália diz que “a capacidade é regida pela lei Australiana quando a sede é na

Austrália”
 Assim, a lei PT não se quer aplicar (remeteu para outra pois A é brasileiro – BR). A lei

do Brasil também não (remeteu para PT pois A é residente em PT).


 A lei Australiana quer ser aplicada.

Será uma solução uniforme? Foi aplicada a lei que tinha vontade de ser aplicada (que remeteu
para ela mesma). Conseguiu-se a harmonia jurídica internacional e o reconhecimento de direitos
adquiridos no estrangeiro, o negócio será válido em todos ordenamentos jurídicos com os quais teve

contacto (BR, PT, AUS).

 Em segundo devemos aplicar a lei que tem vontade de se aplicar. No nosso exemplo
fizemos isto, aplicamos lei AUS, e ela tinha vontade de se aplicar. Fizemos esta aplicação

através de um sistema unilateral, pois não fomos nós a escolher em específico a lei AUS, foi
ela que tinha vontade de se aplicar e se escolheu a ela própria! Concretizamos assim o

método de Quadri para a aplicação das leis.

Mas há um risco neste sistema: nenhuma lei querer ser aplicada.

É o problema do vácuo jurídico: o sistema jurídico criou um vácuo, um vazio de lei.

O que também pode acontecer o oposto disto: todas quererem ser aplicadas (é o chamado
cúmulo jurídico).

Página 50 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
O que fazer, num caso e noutro?

Diz-se que se deve escolher a que tem o vínculo mais forte – mas isso é o reconhecimento do
falhanço do unilateralismo, porque se escolhe! Se é preciso escolher uma, estamos a voltar ao

sistema bilateral.

Se nenhuma estrangeira se quiser aplicar, há que se escolher uma - regressar ao sistema


bilateral.

Conclusão: o unilateralismo não serve como sistema, porque gera dois problemas (o
cúmulo e o vácuo) que só se resolvem abandonando o unilateralismo e recorrendo ao
bilateralismo.

No entanto, a proposta de Quadri levanta uma importante questão: a das leis que não
querem ser aplicadas, nenhuma delas. Assim o bilateralismo deve ser corrigido com dois

instrumentos de DIP: o reenvio (sistema para abater o problema identificado por Quadri) e
reconhecimento de direitos adquiridos.

4.3. PROBLEMA DA INTERFERÊNCIA DO DECURSO NO TEMPO NAS REGRAS DE CONFLITOS


O tempo vai criando problemas ao funcionamento do sistema jurídico.

1.º Problema: alteração da regra de conflitos

As regras de conflitos vão sendo alteradas. Quando temos uma situação internacional em que
tenha havido uma alteração da regra de conflitos devemos olhar à regra de conflitos nova ou à regra

de conflitos velha?

O Sr. A (inglês), residente em Portugal nasceu em 1960 e morreu em 2015. A partilha dele

está a ser julgada em 2018.

Problema: qual a lei aplicável à sucessão? Em 1960 tínhamos outro código civil (Código de

Seabra). Depois viveu a maior parte da sua vida com a vigência da regra de conflitos do artigo 62.º
do CC português. Porém, o DIP das sucessões já foi unificado pelo Regulamento 650/2012.

Página 51 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Se olharmos para o artigo 62º aplica-se a lei da nacionalidade (lei inglesa). Se olharmos para

a regra de conflito nova aplicamos a lei da residência (Portugal). Qual vai ser a lei a aplicar: a nova ou
a antiga?

Pode acontecer que a regra de conflitos nova tenha uma regra transitória - regula a sua
aplicação no tempo. A nova regra de conflitos pode estabelecer expressamente em que casos se

aplica a regra de conflitos nova ou a regra de conflitos antiga. Se estivermos a falar de regulamentos
europeus que tenham unificado o DIP, eles têm sempre regras transitórias. Neste caso, o

regulamento tem no art. 83.º a regra transitória.


Para resolver o caso: se morreu depois de 17 de Agosto de 2015 aplica-se a regra de

conflitos nova.
E se a nova regra de conflitos nada diz sobre a sucessão no tempo das regras de conflito?

Sr. A e Sra. B casaram em 1960. São brasileiros, residem na Argentina e casaram no Brasil e
hoje vieram comprar um prédio no Algarve. Querem saber qual a lei aplicável ao regime de bens

do casamento.

Em 1960 vigorava o Código de Seabra. Hoje vigora a regra de conflitos do artigo 52.º. Então,

aplica-se a regra de conflitos nova ou antiga? O nosso CC não tem normas transitórias. Casaram ao
abrigo de uma regra de conflito antiga e neste momento vigora uma norma de conflitos nova que

nada diz sobre a sucessão no tempo das regras de conflito.


Temos assim várias posições:
 Zitelmann: a solução tradicional é a de que podemos aplicar a regra de conflitos antiga. Ao

aplicar a regra de conflitos nova estaríamos a violar o princípio da não retroatividade das leis. Se

casaram em 1960, temos que aplicar a lei do código de Seabra.


 Kahn, seguido por Ferrer Correia e Batista Machado: O princípio da não retroatividade não

é aplicável às regras de conflitos, porque as regras de conflito são diferentes das regras materiais,
visto que são normas sobre normas. Elas escolhem a lei aplicável para uma situação e estabelecem

um juízo de proximidade. O critério de proximidade pode ser o mais moderno, não tem que ser o
mais antigo. A lei mais próxima é a lei que hoje em dia se considera mais próxima. Segundo este
autor, aplica-se a regra de conflitos nova. Não estaríamos a violar as expetativas das partes?

Página 52 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Em princípio, aplica-se a regra de conflitos nova, SALVO se houver expectativas das partes
na lei antiga. Se o casal, em vez de residirem na Argentina, residissem em Portugal, já havia
expectativa das partes porque havia uma ligação ao ordenamento jurídico. Tem que haver uma
relação relevante.
 Escola de Lisboa: vê as regras de conflitos como normas materiais. Só que são normas

materiais de regulação indireta (dão a solução indiretamente). Se virmos as regras de conflito como

normas materiais vigora o princípio da irretroatividade das normas. Temos que aplicar sempre a lei
de conflitos antiga.

2.º Problema: Alteração das normas dentro da lei competente

O Sr. A e a Sra. B são irlandeses residentes em Portugal, casaram em 1980 e estão a discutir

os deveres entre os cônjuges.

Artigo 52.º do CC – a regra de conflitos não mudou. Iria aplicar-se a lei irlandesa. Qual lei
irlandesa? A que vigorava em 1980 ou a que vigora hoje? Em 1980 não havia divórcio; hoje o divórcio

é possível. Temos que ver o que o ordenamento jurídico irlandês diz relativamente ao direito
transitório. Problema próprio da lei irlandesa.

3.º Problema: Conflito Móvel ou sucessão de estatutos

Aqui não muda nem a regra de conflitos, nem as normas materiais. Muda a concretização da
regra de conflitos.

A portuguesa casou com B brasileiro em 1990.

Relações entre os cônjuges: Artigo 52º -» Lei aplicável: nacionalidade comum mas não
havendo nacionalidade comum passamos para a residência comum.

Em 1990 residiam no Brasil. Portanto, aplicar-se-ia a lei brasileira. Em 2018, mudam de


residência para Portugal. Portanto, aplicar-se-ia a lei portuguesa.

Página 53 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Houve uma deslocação da relação jurídica: mudaram as conexões que estavam a ser
indicadas pela regra de conflitos. Que lei se vai então aplicar?

Este problema nem sempre se coloca: só se coloca em certos elementos de conexão - os


elementos de conexão móveis. O problema de conflito móvel só existe nas regras de conflitos que

envolvam conflitos móveis.


Por vezes, o legislador mobiliza/cristaliza o elemento de conexão móvel e resolve o problema,

por exemplo, o artigo 53.º.


Voltando ao artigo 52.º: é um elemento de conexão móvel que não foi cristalizado. Temos 4

formas de resolver este problema.


 Pillet: se mudou a concretização da regra de conflitos, o problema tem que ser

resolvido à luz do princípio do reconhecimento de direitos adquiridos. Entre as duas leis vamos
aplicar aquela que reconhecer o direito que se discute. É sempre a lei que reconhecer mais direitos

de modo a que se proteja as expectativas das partes.


 Rigaux: a lei de conflitos serve para escolher a lei mais próxima. Assim, a lei mais

próxima é a atual. Logo, deve aplicar-se a lei nova.


 Batista Machado e Batiffol: este problema é muito parecido com o segundo problema

que vimos- problema de saber se a lei nova comporta ou não a aplicação de lei retroativa. Se o
problema é igual como é que ele se resolve? Vamos ver ao direito transitório da lei nova se ela

comporta ou não aplicação retroativa. Se não houver aplicação retroativa da lei nova, aplicamos
a lei antiga.

Não há aqui um problema? O direito transitório tenta aplicar a lei nova ou a antiga? A lei
nova. A lei nova, em princípio, é melhor que a antiga, no direito transitório. No entanto, este

raciocínio não vale no conflito móvel pois o que muda é a conexão da relação jurídica. O conflito
móvel é um conflito de regras no espaço, assim não devemos usar os critérios do direito transitório.
 Ferrer Correia: Se o que mudou foi a relação jurídica então temos que procurar a

solução no DIP e não no direito transitório. Vamos ter uma solução para cada regra de conflitos. Com

o seguinte critério:
❖ Se estivermos a discutir a validade de uma relação constituída no passado o que

faz sentido? Aplicar a lei antiga ou nova? A lei antiga.

Página 54 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

❖ Se estivermos a discutir os efeitos atuais de uma relação jurídica duradoura então

faz sentido aplicar a lei nova.

Artigo 52.º: Estamos a discutir um efeito atual de uma relação jurídica duradoura, logo

aplicamos a lei nova, a lei portuguesa.


Discute-se se a Sra. A foi coagida a casar - Artigo 49.º - vício da vontade do casamento.

Validade de relação jurídica no passado ou efeito atual de uma relação jurídica duradoura?
Validade de relação jurídica no passado logo aplica-se na lei antiga. Vícios do passado no

casamento.
Direitos reais (artigo 46.º):

Alguém tem uma coisa que antes estava em Espanha e agora em Portugal. Alguém comprou

uma coisa em Espanha e trouxe-a para Portugal. Que lei se aplica aos poderes do proprietário? A
lei nova.

Prazo de usucapião: pode haver casos em que temos de ver se a propriedade foi bem
adquirida e aí temos a validade de uma situação constituída no passado. Logo, aplicamos a lei

antiga.
No mesmo artigo podemos ter a aplicação da lei nova ou a lei antiga. Ter atenção ao caso. O

que releva é o caso e não a norma. Ver sempre em concreto

 Escola de Lisboa segue Ferrer Correia.

Nota: Se não conseguirmos perceber se aquela regra de conflito manda aplicar a lei antiga ou a

lei nova então recorre-se à posição de Batista Machado.

Página 55 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

4.4 O PROBLEMA DO MÉTODO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. AS PROPOSTAS


NORTE-AMERICANAS DE SOLUÇÃO DO CONFLITO DE LEIS E A APROXIMAÇÃO DO
MÉTODO CONFLITUAL ÀS SOLUÇÕES AMERICANAS.

Para a conceção clássica, é através de normas de conflitos que o direito internacional privado

cumpre a sua missão de prover à regulamentação das relações da vida jurídica internacional.
Certamente, em todos os sistemas jurídicos positivos se encontram normas materiais criadas

expressamente para determinadas categorias de situações multinacionais.

Esses preceitos de direito internacional privado material são por vezes estabelecidos por uma

convenção internacional, outras vezes oriundos de uma fonte jurídica interna. Em certos casos, a sua
aplicação pressupõe uma situação pertencente à esfera de competência da respetiva ordem jurídica

nacional; todavia, acontece também eles serem aplicáveis justamente a casos situados no âmbito de

uma legislação estrangeira, de conformidade com os princípios de DIP da lex fori.


Contudo, o método típico do direito internacional privado é indubitavelmente o conflitual.

Não compete ao direito internacional privado fornecer por si próprio a norma material aplicável ao
caso concreto, mas unicamente designar a lei a que a norma aplicável deverá ser pedida. Assim, o

problema do direito internacional privado define-se como um problema de escolha de lei, para
resolver o qual se utilizará o processo que consiste em determinar, de entre os elementos da situação

de facto que precisamente a põem em conexão com diversos sistemas de direito e tendo em atenção
a natureza da matéria ou questão jurídica em causa, qual o mais significativo. Aplicável à situação

que se considera (ou a tal dos seus aspetos ou momentos juridicamente relevantes) será justamente
a lei com a qual a mesma situação estiver conectada através desse elemento. As normas cuja função

é determinar a conexão decisiva e por conseguinte operar a «localização») das relações jurídicas são
as chamadas normas de conflitos de leis (Choice-of-Law rules, Kollisionsnormen). Cada uma delas

tem a seu cargo uma tarefa que consiste em delimitar um sector ou matéria jurídica (o estado e
capacidade das pessoas, o casamento e o divórcio, a forma dos negócios jurídicos, os direitos reais),

em recortar uma questão ou núcleo de questões de direito, e em designar o elemento de conexão


através do qual deverá determinar-se a lei a aplicar nesse domínio.

Página 56 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Por seu turno, a escolha da conexão relevante obedece a uma diretiva geral, que e a seguinte:
na execução da aludida tarefa deverá proceder-se tendo em atenção que o fim com vista é encontrar

uma lei que seja verdadeiramente adequada ao seu objeto, isto é, função de regular determinada
matéria ou sector da vida jurídica. Aliás, esta adequação nada tem que ver com o conteúdo da lei,

com a justiça maior ou menor dos seus preceitos materiais, pois decorre tão só da relação que a
prende à situação a regular. Digamos que se não trata de escolher a melhor lei, mas a melhor

colocada para intervir - em razão, claro está, da localização dos factos, ou da relação dela com as
pessoas a quem estes respeitam.

O problema do direito internacional privado não é, pois, um problema de justiça material. O


papel da regra de conflitos não é escolher, de entre as soluções decorrentes das várias leis em

concurso, a que melhor convenha, em termos de justiça material, natureza e circunstâncias do caso
vertente. Segundo a doutrina clássica, ou pelo menos na opinião de muitos dos que a representam e

propugnam, o direito internacional privado está ao serviço de valores em que predominam os da


segurança ou certeza jurídica: a sua «justiça» é de cunho eminentemente formal. O seu primordial

intento consiste em promover e garantir a continuidade e estabilidade das situações jurídicas


multinacionais através da unidade da respetiva valoração por parte dos diversos sistemas

interessados, a fim de evitar a frustração das expectativas que com base nelas foram concebidas
pelas partes e terceiros. Sem essa uniformidade de valoração, que a seu turno pressupõe seja a

mesma em todas as latitudes a lei tida por aplicável ao caso concreto, a segurança jurídica, fator e
condição basilar de toda a vida jurídico-social bem ordenada, torna-se evanescente.

Trata-se, pois, como vínhamos dizendo, de encontrar a lei que pela sua posição espacial
relativamente a determinada situação da vida exiba os melhores títulos para intervir - a melhor

competência. Resta dizer que este juízo de maior aptidão relativa de certa lei para o desempenho da
tarefa tida em vista se obtém através de uma delicada, por vezes extremamente custosa ponderação

de interesses, como teremos ocasião de mostrar noutro passo deste trabalho.


Tais são, segundo pensamos, as ideias básicas da doutrina dominante, no que toca aos fins e

natureza do direito internacional privado.


Todos sabem, porém, com que vigor e pertinácia a doutrina geral de que acabamos de expor
alguns dos tragos mais salientes tem sido posta em causa nos últimos tempos.

Página 57 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

É dos EUA que procedem os ataques mais violentos contra a conceção tradicional do direito
internacional privado. Verdade seja que os autores desses ataques só formam frente unida enquanto

rejeitam a referida conceção: quanto, porém, a saber que nova via metodológica deverá propugnar-
se, o desacordo entre eles é profundo.

Não temos a pretensão nem a necessidade de expor e analisar aqui em detalhe as diversas
cambiantes do pensamento jurídico estadunidense acerca dos fins do direito internacional privado e

do método a utilizar na resolução dos conflitos de leis.


Todavia, algo necessitamos de conhecer de cada uma das tendências mais representativas

dessa escola, em ordem a podermos comparar o que de novo nos trazem com as ideias tradicionais,
com esse vasto cabedal de conhecimentos que uma experiencia multi-secular acumulou.

É um facto incontestável que entre o pensamento jurídico norte-americano dos nossos dias e
o pensamento europeu tradicional existe um grave dissidio quanto a pontos fundamentais da nossa

disciplina. Comecemos por referir os principais passos da evolução do direito internacional privado
americano que veio a culminar na situação atual.

Assim, na segunda metade do séc. XX, este método foi posto em causa pelos EUA (revolução
americana do DIP – revolução contra o método conflitual). Este movimento pôs em causa este

método europeu de resolução de conflitos de leis. A regra de conflitos não escolhe a solução,
escolhe o ordenamento jurídico que vai dar a solução, escolhe a lei aplicável independentemente do

resultado. Mas foi posto em causa, pela revolução americana, em três momentos:

1. MOMENTO JURISDICIONAL

Fase em que os tribunais puseram em causa este método: caso BABCOCK VS JACKSON

Segundo a norma de conflitos tradicional, a questão jurídica que aí se levantava - a da

responsabilidade do condutor e proprietário do veículo, em caso de acidente, pelos danos causados


ao passageiro transportado gratuitamente - deveria resolver- se conformemente à lei do lugar da

verificação do dano (the law of the place of injury). Esta lei era no caso a do Ontário, segundo a qual
o proprietário ou condutor de um veículo motorizado, que não seja utilizado no transporte

remunerado de passageiros, não responde pelos prejuízos sofridos pela pessoa transportada. Mas
não foi esta a decisão dada ao caso Babcock: a Court of Appeals de New York decidiu a contenda a

Página 58 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
favor da autora, por considerar aplicável não a lei do Ontário, mas sim a do Estado de New York (que

não contém semelhante disposição), por ser ele o Estado onde os protagonistas do caso residiam,
onde a relação entre eles se constituíra e onde tivera início e deverá ter acabado o passeio de fim de

semana ao Canadá.
A isto acrescia, alegou-se, não ser passível de contestação o interesse do Estado de New York

na condenação do reu à reparação do dano causado, ao passo que o interesse do Ontário na


solução oposta seria, no melhor dos casos, mínimo. Deste modo, era New York e não Ontário o

Estado da conexão mais significativa, além de ser também o mais direta e fortemente interessado na
situação.

Uma das mais importantes implicações do caso Babcock foi o ter ele reforçado e generalizado
a descrença nas regras de conflitos tradicionais. Não seria preferível renunciar a tais regras e

substitui-las pela simples indicação de certos fatores a que o juiz devesse atender na sua decisão? O
método da solução engendrada ad hoc, tendo em atenção determinados critérios ou fatores-guia,

assim como a natureza da questão jurídica controvertida e as circunstâncias do caso concreto, não
levaria vantagem ao da norma de conflitos de conteúdo rígido?

Note-se que o Babcock v. Jackson deixava em aberto esta questão, aliás, verdadeiramente
fundamental. Com efeito, das duas razões de decidir do acórdão da citada Court of Appeals, só uma

- e justamente a de que o Estado de New York é mais direta e fortemente interessado na solução do
problema levantado do que o Ontário, cujo interesse mínimo - apontava o caminho do casuísmo, a

via das decisões «com uma base ad hoc».


Que era este o caminho apontado por aquele fundamento, mostra-o a consideração de que o

interesse do Estado, a que se pretende aludir aí, não é outro senão o seu interesse em ver aplicada
uma das suas leis; ora este interesse dependerá, como é óbvio, do conteúdo da mesma lei e da

política legislativa a que esta responda.

Página 59 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

No nosso direito em matéria de obrigações extracontratuais temos o artigo 4º, Regulamento

Roma II.

A regra de conflitos está a escolher uma lei sem ver se é justa ou injusta; e, neste caso, o juiz
considerou que mandou aplicar uma lei injusta, ao que ele se recusa, porque é juiz. A regra de

conflitos serve para escolher a lei aplicável, preferencialmente, a mais próxima ao caso.

Por isso, neste caso, a lei mais próxima era a lei de Nova Iorque; a regra de conflitos não só é
injusta como cega – não vê a proximidade, escolher a lei aplicável sem ter em conta o caso; porque a

lei mais próxima das partes não é a lei do Canadá, mas a de Nova Iorque, é a que faz sentido. Isto
criou o descrédito total nas regras de conflitos. A partir daqui, os tribunais americanos sentiram-se

livres para não aplicar as regras de conflitos na resolução dos seus casos.

RESTATEMENT: elenco de regras de conflito que foram deixadas de lado.

2º MOMENTO: MOMENTO DOUTRINAL

Foram propostos novos métodos para resolver o problema de DIP que talvez tenham sido
recebidos na Europa, agora já no séc. XXI.

1
MÉTODO DE CAVERS

CAVERS censura aí ao sistema da regra de conflitos o seu desinteresse pela solução a dar ao
caso concreto - o ela operar a escolha da lei por assim dizer de olhos fechados, isto é, o ela funcionar

por meio de elementos de conexão que fazem abstração completa do conteúdo substancial da lei a
que conectam a relação litigiosa. As regras de conflitos são regras de aplicação mecânica. Ora o

conflito de leis deve ser encarado não como um conflito entre ordens ou sistemas jurídicos, senão
como um antagonismo ou oposição concreta entre preceitos materiais: os preceitos que disputam

entre si a regulamentação de certo caso. O problema do DIP não é um problema de escolha entre
sistemas de direito, mas entre regras materiais.

Página 60 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

É, pois, forçoso resolvê-lo olhando ao conteúdo e fins dessas normas- as normas materiais
que se encontram em colisão.

A determinação da conexão decisiva dependerá tanto do conjunto de circunstâncias de facto


em que a conexão vai operar, como das soluções a que as diferentes leis em conflito conduzam.

O juiz só poderá dar por findo o processo de averiguação da lei aplicável depois de ter
comparado e criticado as soluções fornecidas pelas normas materiais em concurso.

A escolha da lei não deverá ser a resultante de uma simples operação mecânica, antes a ela
presidirá um critério de justiça material. Aliás, são dois os critérios por que se guiará o juiz: o da

justiça devida as partes e o dos objetivos de política legislativa prosseguidos pelas normas em
competição.

Prima facie, estas ideias conduziriam ao puro casuísmo, logo, imprevisibilidade das decisões
judiciais e incerteza do direito; o que para um jurista de um país de civil law seria razão de sobejo

para uma rejeição liminar. Importa, porém, advertir que CAVERS viria posteriormente a infletir o rumo
do seu pensamento e de tal modo que a viragem seria apelidada por EHRENZWEIG de contra-

revolucionária.

CAVERS da nova fase oferece-nos algumas regras destinadas a solucionar os conflitos de leis e
que seriam o produto ou o precipitado do seu método. A essas regras dá o autor o nome de

princípios de preferência.
Considerando que nem sempre é fácil chegar solução das questões emergentes das relações

internacionais através da análise do conteúdo e dos fins das normas em conflito, sensível por outra
via aos inconvenientes e perigos do método das soluções ad hoc, CAVERS julga necessária a

formulação de juízos de valor, que possam orientar os tribunais e justificar a preferência por uma
daquelas normas. E ele mesmo propõe, de resto a título meramente exemplificativo, alguns destes

juízos: são os célebres «principles of preference». Não se trata, aliás, senão de simples guias, critérios
de orientação para o juiz. Não têm eles o caráter rígido da verdadeira norma de conflitos, nem tão

pouco pretendem constituir um sistema completo nas duas únicas matérias a que respeitam: a
responsabilidade delitual e os contratos.

Página 61 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Mas as diferenças existentes entre o caminho agora seguido por CAVERS e o método clássico
do direito internacional privado serão realmente tao importantes como se poderia julgar prima facie?

Notemos, em primeiro lugar, que os mencionados princípios de preferência se destinam antes


de tudo a delimitar o círculo das leis utilizáveis em cada matéria, aquelas sobre as quais pode recair a

escolha. Tomemos, por exemplo, o primeiro dos quatro princípios que seriam aplicáveis em matéria
de responsabilidade civil extracontratual: «Quando a lei do Estado onde se verificou o dano (the state

of injury) consagra normas de conduta mais estritas ou estabelece medidas mais elevadas de
proteção financeira do que a lei do Estado onde o réu agiu ou onde tinha a sua residência, é a lei

daquele primeiro Estado que deve prevalecer, a menos que a existência de uma relação entre o autor
e a vítima do dano justifique a aplicação da lei que rege esta relação».

Subjacente a esta fórmula está a ideia de que no domínio da responsabilidade ex delicto as


únicas leis a considerar são: a do país onde se verificou a lesão jurídica, a daquele onde teve lugar o

facto danoso, a lei do domicílio do autor do facto e finalmente, quando exista uma relação entre esta
pessoa e a vítima do dano, a lei reguladora desta relação. Tais as leis entre as quais haverá que

escolher. Como é evidente, a aplicabilidade de qualquer delas baseia-se na conexão que apresenta
com a situação da vida em que se levanta a questão de responsabilidade civil a resolver. Até aqui,

portanto, as coisas decorrem inteiramente segundo as coordenadas do direito internacional privado


clássico, já que as leis designadas o foram em função de puros critérios de localização espacial das

situações a regular, sem ter em conta o conteúdo das normas em presença nem, por conseguinte, a
justiça material.

Trata-se agora de estabelecer os critérios de seleção definitiva da lei a aplicar. No caso do


princípio de preferência em análise, esses critérios são dois, e se um deles tem que ver com o

conteúdo das leis em conflito (aplicável será a lei que conceder maior proteção à vítima do dano), o
outro parece utilizar o método tradicional da conexão (competência da lei reguladora de uma

relação determinada existente entre as partes – relação cuja natureza o autor não define - seja qual
for a solução que daí decorra para o problema de responsabilidade civil sub iudice).

Tendo assim por função determinar em cada caso a lei aplicável, o referido princípio de
preferência é, portanto, uma verdadeira norma de conflitos. Certo, trata-se de uma norma de
conflitos que se aparta do modelo tradicional, pois não se limita a utilizar um critério de conexão

Página 62 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
espacial, antes se referindo também, com vista determinação da lei aplicável, ao conteúdo dos

preceitos materiais em colisão. Mas não encontramos nós com alguma frequência, nos diversos
sistemas de direito internacional privado, regras de conflitos cuja aplicação desencadeia um processo

de avaliação das soluções a que conduzem a diferentes leis em concurso? Sem dúvida que sim;
É um ponto, este, que teremos ocasião de desenvolver mais adiante. Afinal, existe urna

semelhança inegável entre esta última posição de CAVERS e a doutrina tradicional, semelhança ainda
reforçada pelo facto de ser o mesmo o fim último das regras de conflitos e dos princípios de

preferência. Efetivamente, CAVERS considera que a validade destes princípios depende da sua
aptidão para serem incluídos num direito comum a todas as nações. Ao comungar nos pontos de

vista universalistas tão caros à doutrina tradicional do direito internacional privado, CAVERS e já hoje,
praticamente, um quase adepto do método clássico de resolução dos conflitos de leis.

Não terminaremos esta referência doutrina de quem é indiscutivelmente um dos


representantes mais qualificados do pensamento norte-americano em matéria de conflitos de leis,

sem focar mais o seguinte ponto.


O recurso sistemático a critérios semelhantes aos formulados por CAVERS, em toda a zona

não recoberta por normas de conflitos de conteúdo rígido, afigura-se-nos empresa irrealizável. Na
verdade, não é possível prever todos os tipos de conflitos de preceitos materiais suscetíveis de se

verificar. De resto, ainda que isso fosse possível, não o seria seguramente o formular para cada um
desses tipos uma válida razão de decidir, um princípio de preferência baseado no conteúdo das leis

em concurso e dotado de aptidão para ser incluído num direito comum a todas as nações. Pode
aceitar-se, v. gr., por motivos humanitários e sociais, que em matéria de filiação deva eleger-se a lei,

de entre as mais chegadas situação da vida sub iudice, que conduza aquisição do estado de filho.
Outrossim poderá eventualmente admitir-se, todavia com restrições substanciais, que estando em

causa a validade de um negócio jurídico haja de preferir-se a lei em virtude da qual o ato seja válido:
é que a conservação dos negócios é de per si um valor, na medida em que favorece e fortalece o

comércio jurídico, evitando as reações em cadeia que a invalidade de uma transação isolada tantas
vezes acarreta, ou impedindo que determinado efeito jurídico, tido por especialmente valioso, deixe

de ser alcançado.
Mas poderá porventura usar-se o mesmo tipo de raciocínio a propósito do problema da
admissibilidade do divórcio - porventura constituiria solução defensável a de optar sistematicamente

Página 63 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
pela lei por via da qual a dissolução do vínculo matrimonial se tome possível? Seja o que for que se

pense a este respeito, o certo é que a solução teria escassas probabilidades de acolhimento em
países menos abertos ao divórcio e não seria, por conseguinte, suscetível de se converter em critério

de aceitação universal. E como resolver os conflitos entre interessados, nos casos de sucessão ex
lege, se as respetivas pretensões, ambas legalmente fundadas, uma em face do direito do Estado da
última nacionalidade do de cuius, outra perante a lei do seu último domicílio, se revelam
inconciliáveis? Suponhamos que o conflito tem por sujeitos o Fisco e um parente do autor da

herança: deverá ele dirimir-se de acordo com a lei que prefira o Fisco ou conforme aquela que
favoreça o particular? Como chegar aqui a uma solução suscetível de acatamento universal, se o

problema contende com a própria constituição política, social e económica dos vários Estados?
E se a questão se localizar no campo das relações patrimoniais entre cônjuges, consistindo em

averiguar a quem pertence um imóvel adquirido por um deles na constância do matrimónio, a que
sistema jurídico confiaremos a decisão: ao do Estado nacional dos cônjuges, em que o regime

supletivo é um regime de comunhão, ou ao do Estado da sua residência habitual, em que, como no


direito inglês, os bens dos cônjuges constituem patrimónios separados, não tanto em virtude de um

regime de separação tal como se entende nos países da Europa continental, mas antes em
consequência da falta de um regime de bens verdadeiro e próprio? Qual das duas conceções a mais

justa: aquela segundo a qual os laços do casamento cimentam entre os cônjuges uma comunidade
de interesses tanto morais como materiais, ou a que entende que o matrimónio deve respeitar a

independência dos cônjuges em todos os domínios? Que critério-guia ou ratio decidendi tipificado
ministraremos aqui ao julgador?

São razões desta ordem que nos levam a pensar que o método preconizado por CAVERS,
oferecendo embora certas possibilidades de utilização como método adjuvante do conflitual, não

poderá ser adotado como via principal para a resolução dos problemas do direito internacional
privado.

Se, como vimos, CAVERS acabou por se reconciliar em certa medida com a doutrina
tradicional, o mesmo se não poderá seguramente dizer de BRAINERD CURRIE, cuja posição

representa urna rutura total com o que de adquirido havia em direito internacional privado.

Página 64 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

EM CONCLUSÃO: O autor D. CAVERS propunha: o método savignyiano estava a escolher


entre leis e o DIP não deve escolher entre leis, americana ou canadiana, etc.; deve escolher entre

normas materiais que estão em conflito (as dos EUA e as do Canadá). Não se deve escolher a lei
mais próxima, mas sim, entre as normas materiais, que conduzem a um certo resultado.

O que está em causa é um conflito de normas que dão indemnização (NY) e as que não dão

(CANADÁ).

O juiz deve escolher as normas mais justas – é um agente da justiça, escolhe a solução mais
justa. Não tem de escolher a solução mais próxima, vê as leis conectadas com o caso, vê as suas

normas, o resultado a que conduzem, e escolhe a mais justa.

CRÍTICAS: Mas isto redunda num enorme casuísmo - não leva a soluções iguais, leva a
insegurança jurídica, pois as partes não conseguiriam prever o que o juiz ia decidir, era o que ele

achasse mais justo; mas tal é variável.

Para além disso, ia privilegiar a lei do foro, porque ele está integrado num certo sistema, e ia

sempre achar que a sua lei era a mais justa, porque achamos sempre as leis estrangeiras mais
injustas. Viola assim o princípio da paridade de tratamento.

CAVERS apercebeu-se e reconheceu estas críticas; tem de se acabar com este casuísmo e
imprevisibilidade do método que ele propôs. O legislador deve fazer princípios de preferência
(principles of preference): são orientações pensadas pelo legislador para os juízes, para que eles

pudessem ter um critério de justiça.

Ex.: no âmbito da responsabilidade extracontratual: a lei mais justa é a que protege mais o
lesado, isto é, a que der uma indemnização maior.

Continua a violar a paridade de tratamento; pois quem continua a decidir qual a lei mais justa

é o legislador do foro, por isso continua a aplicar privilegiadamente a lei do foro.

Página 65 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

A isto foi chamada a contrarrevolução das regras de conflitos de CAVERS: os princípios de

preferência são regras de conflitos, estão a escolher a lei aplicável. A única diferença é que atendem
à solução material. Mas há regras de conflitos que fazem isso, que escolhem a lei aplicável

atendendo à solução material: conexões múltiplas alternativas – têm um objetivo, indicam várias leis,
e aplica-se a que o legislador considera mais justa.

Para além disto, CAVERS escolheu princípios de preferência para algumas áreas, mas será

possível escolher para todas as áreas? v.g., divórcio, é possível ter um princípio de preferência que
seja completamente universalizado? A noção de justiça não é universalizada: cada sistema tem a

sua. Há áreas em que a noção de justiça é muito variável (forma dos negócios, divórcio, sucessão) –
não é possível fazer princípios de preferência para todas as áreas.

Ou seja, verdadeiramente, CAVERS não se impôs.

Mas chamou a atenção para o caráter cego das regras de conflitos: as tradicionais não olham
para o resultado, são cegas e para o seu caráter rígido: na primeira fase, quem ia decidir era o juiz,

tinha muito poder, porque ele consegue ver melhor as circunstâncias do caso do que o legislador,
tem mais dados do que ele – então, o método de CAVERS tinha a característica de dar muito poder

ao juiz.

2
MÉTODO DE CURRIE

CURRIE mostra-se absolutamente hostil à técnica da regra de conflitos, cuja abolição


preconiza. A nova metodologia proposta pelo autor vem a traduzir-se na pesquisa dos limites do

campo de aplicação das normas materiais. Estas seriam analisadas sob o ângulo da noção-chave do
sistema- a noção de interesse do Estado (governmental interest).

A base da construção está em que, se toda a regra de direito tem por finalidade a realiza o de
urna certa «política» ou função sociojurídica, por seu turno o Estado, que edita a norma, tem

interesse na realização da política que a esta subjaz. Interessa ao Estado que às leis por ele criadas
seja dada aplicação, sempre que a atuação das respetivas políticas o exigir. O domínio de aplicação
de cada norma seria assim determinado em função do interesse estadual a que a mesma norma
responde.
Página 66 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

É destas considerações de base que o autor parte para uma categórica resposta ao problema
do conflito de leis. Perante uma situação internacional qualquer, os tribunais deveriam começar por

analisar as «políticas» implícitas nas várias leis em concurso e as circunstâncias que possam tornar
desejável a promoção de tais políticas no caso concreto. Se apenas um Estado tiver interesse na

realização da finalidade sociojurídica da sua lei, seria a lei desse Estado a aplicável. Em caso de
conflito de interesses insanável entre dois Estados, sendo um deles o do Forum, aplicar-se-ia a lex

fori; sendo estrangeiros ambos os Estados, deveria recorrer-se ainda lei do foro.
A doutrina de Currie é manifestamente inaceitável.

Há desde logo uma dificuldade que ela não consegue vencer. Para que o método
preconizado pelo autor fosse utilizável, seria forçoso demonstrar que é possível deduzir da ratio ou

da policy de todo o preceito de direito material os limites do respetivo campo de aplicação. Ora esta
proposição está longe de ser verdadeira. Na generalidade dos casos, nenhuma conclusão positiva se

pode tirar da análise do escopo e fundamento da norma quanto ao seu âmbito de aplicação espacial.
Tomemos os preceitos que em determinado país regem a matéria dos impedimentos matrimoniais:

alguém poderá dizer, olhando à conceção geral que os inspira e de que são expressão, que tais
preceitos pretendem aplicar-se - e aplicar-se unicamente - aos casamentos (a todos os casamentos)

a celebrar nesse país? Não deverá antes entender-se que a sua aplicação deverá ser condicionada
pela ligação existente entre os futuros cônjuges e o Estado a cuja ordem jurídica aquelas normas

pertencem? Por outra via, e supondo que a resposta a esta última pergunta seja afirmativa, acaso
poderá inferir-se do fundamento de tais disposições a natureza deste laço entre indivíduo e Estado

que por hipótese elas postulam? Deverá ele consistir no domicílio ou na nacionalidade? Em vão
procuraríamos na fonte indicada por CURRIE uma resposta para estas interrogações.

Vem do exposto que, em nosso entender, o critério de CURRIE não é adequado a possibilitar,
no comum dos casos, a resolução dos conflitos de leis. Mas há mais: com facilidade se demonstra

que a aplicação desse critério a certos grupos de normas nos conduziria a resultados absolutamente
insatisfatórios sob o ponto de vista da justiça conflitual. Olhemos as disposições concernentes à

forma externa dos negócios jurídicos. O seu escopo e fundamento é duplo: por um lado, trata-se de
chamar os interessados a refletir sobre o alcance do ato que pretendem praticar, de modo a que a
sua conduta venha a resultar de uma vontade esclarecida e seria e não dalgum impulso ocasional;

Página 67 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
por outra parte, trata-se também, através da exigência da redução a escrito do conteúdo do negócio,

de promover a certeza jurídica. Ora bem: na lógica do sistema de CURRIE, deveria seguir-se desta
análise que os preceitos de forma em vigor no país A tem de considerar-se aplicáveis, não só a todos

os negócios jurídicos a celebrar nesse país e que nele devam produzir efeitos (segundo objetivo
apontado), mas ainda aos negócios a realizar no estrangeiro por nacionais do mesmo país (ou, em

alternativa, por simples residentes); isto porque, analisada a questão à luz da outra finalidade citada,
os preceitos sobre o formalismo dos negócios jurídicos assumiriam (também) carácter vincadamente

pessoal, devendo a sua aplicação ser comandada pela ligação dos sujeitos (definida pela
nacionalidade ou pelo domicílio) ao Estado respetivo. Contudo, esta solução seria muito pouco

satisfatória, já que por seu intermédio se levantariam obstáculos excessivos livre contratação. É
tendência firme do direito internacional privado neste capítulo facilitar e estimular o desenvolvimento

do comércio jurídico, não reprimi-lo e entorpecê-lo: aí está, a comprová-lo, a regra bartoliana do


locus regit actum; aí está a orientação, consagrada em certos termos no Código civil português, que
consiste em conectar o negócio jurídico a várias leis, em alternativa, ficando a sua validade
assegurada pela observância do formalismo prescrito em qualquer delas.

Para além do exposto, a doutrina de CURRIE é condenada pelo facto de não se compadecer
com a primordial intenção e vero fundamento do DIP. Se o direito internacional privado existe

principalmente para promover e garantir a continuidade e estabilidade das situa 6es multinacionais, a
fim de proteger as expectativas das partes e a segurança do comércio jurídico, os seus critérios de

decisão não poderão deixar de ser os tradicionalmente seguidos. A esta luz, o que acima de tudo
importará é determinar a lei em ordem à qual os indivíduos hajam de planear a sua conduta, e em

termos de essa lei ser acatada, por competente, em todos os países. Só assim se alcançará aquela
uniformidade de valoração das situações multinacionais sem a qual toda a segurança jurídica

desaparece. Ora, a competência de uma lei só pode fixar-se através de critérios gerais de justa
repartição da competência legislativa pelos diversos Estados - e estes critérios não podem deixar de

ser construídos segundo uma ideia de conexão espacial: conexão dos próprios factos, ou das pessoas
a quem eles respeitam, com uma ordem jurídica determinada.

O critério do interesse do Estado, no sentido em que o nosso autor o entende, é precisamente


alguma coisa que nunca poderia constituir a base de um justo sistema de distribuição de
competências. Bastará lembrar que as políticas legislativas dos Estados podem conflituar entre si, o

Página 68 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
que aliás acontece amiúde. Por outra via, tal critério seria absolutamente incapaz de assegurar a

necessária previsibilidade das decisões judiciais no campo dos conflitos de leis, já que a solução de
cada um deles só poderia resultar de uma análise casuística: uma análise, das «políticas» subjacentes

às diversas leis materiais que entre si disputam a regulamentação do caso concreto. Acresce a isto
que a regra conforme a qual o foro aplica sempre (em princípio) a sua própria lei leva

inevitavelmente a que a mesma situação da vida seja apreciada em países diferentes segundo leis (e
óticas) diferentes.

O método de CURRIE não conduz, portanto, à harmonia jurídica internacional, antes dela se
desinteressa por completo. De resto, não é só da harmonia jurídica internacional, desse ingrediente,

aliás de fundamental importância, da «justiça», do direito de conflitos, que a doutrina agora em


análise se desinteressa, mas dessa própria justiça conflitual considerada globalmente.

Olhando ao fim da norma material concreta, a sua aplicação ao caso pode justificar-se, pode
ela inclusivamente revelar-se, pelo seu conteúdo, como a melhor de todas as regras em competição -

e, contudo a valoração da situação sub judice segundo a mesma norma representar alguma coisa de
gravemente injusto, tendo em conta a circunstância de se tratar de uma relação plurilocalizada.

Como acertadamente observa KEGEL, a melhor lei sob o ponto de vista da disciplina que institui -
isto é, substancialmente - pode estar muito longe de ser a melhor, se considerarmos as coisas à luz

da conexão espacial dos factos a regular.

Página 69 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

EM CONCLUSÃO: A regra de conflitos escolhe a lei aplicável, a supostamente mais próxima,


sem ter em atenção às políticas legislativas dos Estados.

Para CURRIE, a regra de conflitos é má porque desconsidera a policy das leis envolvidas – o
método conflitual deve escolher a lei aplicável tendo em conta a política legislativa dessa lei que vai

ser aplicada.

Desencadeia o método da análise e do interesse governamental (Governmental Interests


Analisis) – método que pretende substituir o método europeu de Savigny, o tradicional de resolução

de conflitos.

Segundo CURRIE, o que o juiz deve fazer é, em primeiro lugar, identificar quais as leis em
contacto com o caso, por aplicação do princípio da não transatividade. Depois, deve identificar a

política (policy) legislativa de cada uma das leis aplicáveis. Isto é, qual o objetivo, a ratio de cada uma
das leis.

Lei de NY: para que quem sofreu danos, seja indemnizado, que haja uma reparação dos
danos por quem os causou.

Lei CANADÁ: incentivar o transporte gratuito (não havendo indemnização, para que as
pessoas saibam que não correm riscos ao fazê-lo).

Terceiro passo: ver qual dos dois ou mais Estados, cujas leis estão em contacto com o caso, é
que tem interesse em regular o caso, tem interesse político em regular aquela situação.

No nosso caso, o Canadá não tem, não se trata de um caso de transporte gratuito. Mas NY

sim, porque é a que tem interesse legislativo em aplicar-se.

MAS e se duas leis tiverem interesse político legislativo em aplicar-se?

Se tal acontecer e uma for a do foro, aplica-se a do foro – privilegia-se a do foro. O juiz está

vinculado à lei do foro, aos interesses do seu país, por isso tem de privilegiar a sua aplicação.

Página 70 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

E SE NENHUMA for a do foro? Dois países estrangeiros

Nesse caso, o juiz não pode escolher entre eles; não pode estabelecer que há um interesse
político-legislativo de um país mais importante do que outro, não pode escolher. Nesses casos, é

melhor aplicar a lei do foro.

E SE NENHUM DOS ESTADOS, analisando-se a sua política legislativa, tiver interesse político-
legislativo a aplicar-se ao caso?

O juiz não pode não decidir, tem de decidir. O melhor é aplicar a lei do foro.

Casos em que o sistema funciona bem: nos casos em que há apenas uma lei com interesse

Tem problemas

1. às vezes é difícil ou impossível delimitar o campo de aplicação de cada política legislativa;

v.g., proibições matrimoniais


2. acaba por mandar aplicar as leis que são mais exigentes, mais restritivas, porque essas são

aquelas em que o Estado tem mais interesse. Mas tal leva a que se dificulte a validade dos
negócios. OU SEJA: conduz muitas vezes à aplicação da lei mais restritiva, mais rigorosa,

porque normalmente são essas que têm um maior interesse estadual por detrás. v.g.,

forma dos contratos


3. este método reduz o DIP a um conflito de políticas, reduz o DIP a um conflito de interesses
políticos, é indiferente ao seu objetivo. O DIP tem em conta os interesses dos privados, das
pessoas, pretende assegurar a estabilidade.

Página 71 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Casos em que o sistema funciona mal: duas ou mais leis com interesse em aplicar-se

✓ Conduz à desarmonia internacional: conduz muitas vezes à aplicação da lei do foro;

✓ Violação do princípio da paridade de tratamento: trata a lei do foro melhor do que as


outras;

✓ Violação do princípio da não transatividade: muitas vezes, aplica a lei do foro mesmo que
não tenha contacto com o caso.

Por causa disto tudo, rejeitamos este método, não teve muito sucesso.

Mas chamou à atenção para o facto de que o método de resolução de conflitos não
tem em conta as políticas legislativas.

PERGUNTAS EXAMES

“Diz-se que CURRIE é um unilateralista selvagem”

O unilateralismo remete para as regras de conflitos unilaterais. Será que é? Ele não usa

regras de conflitos. Mas há algo de parecido no seu método com a regra de conflitos – a unilateral
(o país diz quando a sua lei é aplicável). Do método de CURRIE, cada Estado vai dizer quando a sua

lei vai ser aplicada: quando a sua política estadual o determinar.

Ou seja, as regras de conflitos unilaterais dizem quando é que a lei do foro se aplica; pelo método
de Currie é a política legislativa que dita isso.

E CURRIE é selvagem porquê? Porque não leva em conta os objetivos de DIP – Estabilidade

das relações jurídicas. Cada país está a aplicar as suas leis, pela sua política estadual, mas não é
para os objetivos internacionais.

“CAVERS acabou por se conciliar com as regras de conflitos?”

Criou os princípios de preferência, que eram quase regras de conflitos.

Página 72 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

3 MÉTODO DE EHRENZWEIG

Um dos autores mais representativos do pensamento jurídico norte-americano em matéria de


conflitos de leis é sem dúvida EHRNZWBIG.

Em certos aspetos, a doutrina deste autor situa-se na mesma linha da de CURRIE. Na verdade,
tanto um como outro procedem à determinação da lei aplicável recorrendo a uma análise da política

legislativa em que se fundamenta a norma de direito material. Contudo, não são de importância
despicienda os pontos em que as duas teses divergem.

Como vimos, CURRIE é o inimigo jurado da técnica tradicional da conexão e da regra de


conflitos, de que ele preconiza a abolição pura e simples; o método que propugna consiste em se

determinarem os limites de aplicação espacial das leis materiais, partindo da análise das políticas
legislativas de que elas resultam.

Muito diferente é a posição de EHRENZWEIG, já que ele aceita expressamente as regras de


conflitos, tanto as de origem legislativa como as de fonte jurisprudencial ou doutrinal, quer as já

formalmente enunciadas por lei, doutrina ou jurisprudência, quer as não formuladas ainda e que
todavia correspondem a tendências com alguma expressão na prática judiciária (inchoate Rules of

Choice). Importa, porém, sublinhar que o Choice of Law problem não se põe senão depois de se ter
chegado à conclusão de que se não trata de um daqueles casos em que a aplicação da lei do foro
independente de qualquer escolha, no sentido de que não comandada por uma regra de conflitos
(Forum Law by Non-Choice). Uma vez esta conclusão obtida, cabe então às regras de conflitos do
Forum indicar a norma material aplicável. Na falta de regra de conflitos, a aplicação de uma norma
estrangeira só pode resultar da interpretação da norma da lex jori segundo a sua ratio ou a sua

policy. É, pois, da análise da lei do foro que decorre a aplicação da lei estrangeira.
Daqui resulta que são duas as diferenças fundamentais entre as teorias de CURRIE e de

EHRENZWEIG. CURRIE, ao invés de EHPENZWEIG, pretende expulsar do campo do direito


internacional privado as normas de conflitos. Contrariamente a CURRIE, EHRNZWEIG faz depender a

aplicação do preceito material estrangeiro (nos casos em que a lei do foro não pretenda aplicar- se)
não da política legislativa específica a que esse preceito corresponda, mas daquela a que obedeça a
regra homóloga da lex fori.

Página 73 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Inútil acrescentar que para o autor, se a interpretação da lei do foro nos não leva à aplicação
da norma estrangeira, é a norma da lex fori que deve ser aplicada. A lex fori cabe, portanto, um papel

residual.
Em face dos objetivos gerais que o direito internacional privado se propõe, nenhuma teoria

que preconize o primado -da lei do foro - como e o caso daquela que acabamos de expor - pode
justificar-se. Por nossa parte, é justamente ao princípio oposto que aderimos - o da paridade de

tratamento entre a lei do foro e as outras leis. É um assunto de que nos ocuparemos mais de espaço
noutro lugar desta exposição.

Vimos que EHRENZWEIG, ao invés de CURRIE, admite a técnica tradicional do direito


internacional privado e a existência de regras de conflitos. No entanto, desde o momento em que se

ultrapassa a zona dominada por essas normas, o sistema de EHRENZWEIG é suscetível da maior
parte das criticas que inevitavelmente suscita a doutrina de CURRIE; inútil voltar a esse ponto. Alem

disso, a teoria de EHRENZWEIG provoca a objeção seguinte.


Dissemos que nesta teoria á da análise das políticas legislativas subjacentes às diversas regras

materiais da lex fori, da consideração dos juízos de valor que as informam, que se parte para
determinar o âmbito de aplicação das normas estrangeiras.

Ora, definir o domínio de aplicação espacial da norma estrangeira em função do da regra


nacional homóloga afigura-se-nos coisa totalmente inaceitável. Esta união forçada e artificial de

elementos provenientes de normas pertencentes a sistemas jurídicos diversos careceria de todo o


fundamento. Nenhum preceito é separável da razão que o inspira. Toda a norma jurídica deve ser

entendida como a unidade essencial constituída pela razão que a determina e em que se apoia- os
objetivos sociais que visa- e o comando que estabelece. Atribuir a um preceito do sistema jurídico X,

ainda que tao somente para efeitos de delimitação do seu domínio de aplicação espacial, a razão e
fundamento do preceito correspondente do sistema jurídico Y, seria um procedimento deveras

singular e totalmente ilegítimo; na verdade, não é raro (todos o saberão) que regras de conteúdo
idêntico ou semelhante visem nos seus respetivos países objetivos assaz diferentes.

Diversamente, nada impede que se defina o domínio de aplicação espacial de una norma
estrangeira através de uma regra de conflitos da lex fori, regra que pode até resultar da
bilateralização de uma norma unilateral. Tal procedimento é de todo o ponto correto, dado a regra

Página 74 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
de conflitos não ser a expressão ou o prolongamento dos juízos de valor de que as normas materiais

emergem. A regra de conflitos é a concretização de uma justiça diferente da justiça material. Ao


atribuir a um preceito jurídico estrangeiro, conformemente a uma regra de conflitos da lex fori, um

domínio de aplicação diferente daquele que teria resultado dos princípios de DIP do sistema ao qual
esse preceito pertence, não se estará ofendendo minimamente a intenção específica desta norma.

Tais, em suma, as razões por que não aderimos aos pontos de vista de EHRENZWEIG.

EM CONCLUSÃO: Ehrenzweig era austríaco e fez parte da revolução americana porque vivia

nos EUA. Refere que era preciso um método alternativo sim, mas não para tudo, apenas em alguns
casos precisamos de superar o método conflitual.

Temos de dividir os casos de:

 lex certa (em que sabemos qual a lei aplicável):

o são os casos de forum law by non choice (aplica-se a lei do foro sem ser preciso
nenhuma escolha – aplica-se a lei processual, do foro; norma de aplicação necessária

e imediata);
o e os casos em que temos de aplicar regras de conflitos.

 lex incerta (os que não sabemos qual a lei aplicável): ele só propõe um método novo
quando não aplicamos nem as regras de conflitos nem a lei do foro. A regra de conflitos vai

ser substituída pelo método deste autor apenas nestes casos. Este autor é mais moderado
porque reconhece a existência das regras de conflitos, diz que são boas, mas apenas para

certos casos.

FUNCIONA DO SEGUINTE MODO:

1. O juiz é o juiz do foro; portanto, ele tem de determinar, perante uma situação internacional,
qual a norma que se aplicaria se fosse uma situação interna, olhando para o caso.

2. Vai determinar qual a policy dessa norma, a política legislativa da norma do foro que se
aplicaria nesse caso se fosse uma situação interna.

3. Das várias leis em contacto, vai escolher a lei que melhor satisfizer a política legislativa do
foro.
Página 75 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

O juiz é um agente do foro, tem de seguir as políticas legislativas do seu país, do seu foro.

Temos os mesmos problemas do método de CURRIE:

 às vezes não é possível determinar a política legislativa;

 ele entende que a política legislativa do foro é melhor que as outras: é uma violação
clamorosa do princípio da paridade;

 como a política legislativa de cada país pode ser diferente, esta sistema gera soluções
diferentes conforme o país onde o caso estiver a ser julgado – cria desarmonia jurídica

internacional.

 metodologicamente podemos fazer isto? Estamos a partir do objetivo da norma, da estatuição


da norma. O objetivo é dado pela lei do foro, pela política legislativa do foro; mas quem está a

dar a solução é a lei estrangeira. Não podemos, metodologicamente, ir buscar a hipótese a


um sistema jurídico e a estatuição a outro.

Com isto tudo, este método é criticado e rejeitado.

Mas ele tem um mérito: ele mostra que é possível conjugar o método de regras de conflitos
com outros métodos alternativos – há um pluralismo metodológico. O DIP pode ter vários métodos.

Para além disso, CURRIE ia buscar o método legislativo de cada país envolvido; este autor ia
procurar o método legislativo do foro.

Ele mostra que às vezes, há situações em que o interesse do foro talvez se deva sobrepor a

interesses legislativos estrangeiros, porque ele apenas se preocupa com o interesse legislativo do
foro.

Termina aqui o momento doutrinal da revolução americana

Página 76 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

3º MOMENTO: MOMENTO LEGISLATIVO

Há a revogação das normas das regras de conflitos (que estava no restatement). Ou seja, há a
revogação do restatement, e há a aprovação do segundo restatement (1971): que tinha instruções

para os juízes, não vinculativas, sobre como aplicar os métodos dos autores ditos supra.

Esta revolução não nos satisfez porque não aplicámos nenhum dos métodos; encontrámos
problemas em cada um, então, continuámos a aplicar o método conflitual. Mas o método conflitual,

depois da revolução americana, é muito diferente do método savignyiano. A existência desta


revolução fez com que o método conflitual se modernizasse; ficou diferente.

Mudou em três vetores (aproximação do método conflitual dos métodos da revolução


americana):

 Há a flexibilização da regra de conflitos: deixa de ser rígida, dando mais poderes ao juiz

(CAVERS);
 Há a materialização da regra de conflitos: vai passar a atender ao resultado material; já não

são regras mecânicas e injustas (CAVERS);


 Há a politização do método conflitual: vai passar a atender às políticas legislativas (CURRY e

EHRENZWEIG).

Ou seja, a revolução americana teve uma tríplice influência no método conflitual. A verdade é que
chamou a atenção para problemas existentes no método conflitual savignyiano.

EFEITOS DA REVOLUÇÃO AMERICANA QUE SE REPERCUTIRAM NO MÉTODO CONFLITUAL:

 Efeito de Flexibilização - 3 grandes expedientes:


 Regras de conflitos open ended rules – regras de fim aberto. Não indica o elemento de

conexão, a lei aplicável. Se não há uma indicação então o julgador é que escolhe qual a lei
aplicável, a que tem ligação mais forte. Normas que consagram o critério da proximidade.

Ex.: Lei da Nacionalidade.

Página 77 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Ex.: Artigo 52.º CC

Conceito- quadro: Relações entre os cônjuges.

Elemento de conexão: Nacionalidade comum dos cônjuges; Na falta desta -» Residência


comum; Na falta desta -» lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente

conexa.

Sistema de conexão múltipla subsidiária. Temos uma consagração judicial


do critério da proximidade. Dá-se poder ao juiz para escolher a lei aplicável e tiramos ao

legislador, daí ser uma flexibilização.

Open ended rules

Uma regra em que o legislador não indica o elemento de conexão, não indica a circunstância

relevante para a determinação da lei aplicável. Uma regra de conflitos que não indica a lei aplicável?
É essa a função da regra de conflitos. Ora não é o legislador que a indica mas é o julgador que a irá

determinar. Estas open ended rules – são regras que consagram o princípio da proximidade e
passam para o juiz a escolha da lei aplicável.

Porque é que isto é flexibilização da regra de conflitos? Dá-se poder ao juiz para escolher a lei
aplicável e retira-se poder ao legislador.

(regras de conflitos que não têm elemento de conexão – passa a responsabilidade para o julgador –

princípio da proximidade – flexibilização – mecanismo que dá ao juiz maior poder).

 Cláusulas de exceção: permitem ao juiz desaplicar uma lei que a regra de conflitos tinha
indicado. Assim, o juiz pode afastar a regra de conflito.

• Podemos classificar as cláusulas de exceção entre abertas e fechadas.

As cláusulas de exceção abertas não estabelecem a outra a lei a aplicar – dão ao


juiz o poder de escolher qual a outra lei que se deve aplicar;

Página 78 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Já as cláusulas fechadas estabelecem a lei em alternativa – o legislador diz qual a

lei que se aplica em alternativa.


Exemplos: artigo 4º/3 ROMA 1 – cláusula de exceção aberta (e formal) (é o juiz escolhe a

lei a aplicar – não se rege pela residência, nacionalidade, etc, ele escolhe a lei que acha
estar mais próxima).

Artigo 4º/2 ROMA 2 – permite ao juiz não aplicar a lei que tinha sido indicada
pela regra de conflitos (do local do dano) – cláusula de exceção fechada (o legislador

escolheu a lei da residência do lesante e do lesado).


Artigo 4º/3 – cláusula de exceção aberta – permite afastar o 4º/1 e 4º/2.

• As cláusulas de exceção podem ser formais e materiais.

Formais (justiça formal – razões de proximidade) – permitem ao juiz afastar a lei


indicada por razões localizadoras.

Materiais – não servem para aplicar leis mais próximas, permitem ao juiz desaplicar
a lei indicada não por razões de proximidade mas por razões de atenção ao

resultado material.
Exemplos: artigo 45º “decorreu a principal atividade causadora do prejuízo” (remete-se

para o lugar em que ocorreu a produção do facto). Números 1 e 2 – permite ao juiz afastar
a lei indicada pela regra de conflitos (nº1) – fechada – só pode afastar a lei indicada em

substituição da lei do país onde se produziu o dano. Porque é que o legislador admite esta
cláusula de exceção ? Pretende um determinado resultado material – a responsabilização

do agente.
Número 3 – outra cláusula de exceção – fechada (nacionalidade ou residência

comum) – formal ou material? Formal – o legislador entende que neste caso é mais
próximo aplicar a lei da nacionalidade comum ou residência comum.

• As cláusulas de exceção podem ainda ser particulares e gerais

As particulares – estão numa única regra de conflitos – numa regra de conflitos


há uma cláusula de exceção sobre para aquela regra.

Página 79 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Mas existem cláusulas de exceção gerais – aplicam-se a todas as regras de

conflitos (e não uma cláusula de exceção específica para aquela regra de conflitos).
Nós não temos cláusulas de exceção gerais, nós temos cláusulas de exceção em

certas regras de conflitos (como por exemplo o direito Suíço). Note-se que a
flexibilização é boa porque dá mais poder ao juiz mas tem a desvantagem de criar

insegurança jurídica – razão pela qual não adotamos uma cláusula de exceção
geral.

 Especialização: savigny quando criou o método conflitual entendeu que deveria haver

uma regra de conflitos para cada relação jurídica. Se isto continuasse a ser verdade, para o
casamento, deveríamos ter uma lei. Veja-se que regras de conflitos temos hoje para o

casamento: artigos 49º;50º;52º;53º;54º;56º - em vez de termos uma regra de conflitos para


cada relação jurídica passámos a ter uma especialização, passámos a ter regras de

conflitos especializadas para cada aspeto da relação jurídica (fenómeno de Depecage).


Parte-se o caráter rígido da regra de conflitos quando se consegue indicar leis para cada

aspeto da relação jurídica.

 Materialização: Preocupam-se com o resultado material;

Regras de conflito de conexão material: a escolha da lei aplicável faz-se por critérios de
justiça material. Escolhem a lei em função do resultado.

Art. 8.º do Regulamento Roma I -» O contrato é regulado pela lei escolhida pelas partes, ou

pela lei local onde o trabalhador presta a sua atividade laboral, consoante a que seja mais favorável
ao trabalhador. O critério não foi o da proximidade, o critério clássico. O legislador quer o resultado

material: proteção do trabalhador. Assim, determina a lei aplicável em função do resultado.

 Politização: O DIP vai passar a preocupar-se com as políticas legislativas das regras de
conflitos/ das leis envolvidas; 3 efeitos da politização:

 Método de qualificação (Exprime uma preocupação com as políticas legislativas do


Estado);

Página 80 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

 Adaptação – Batista Machado descreve como um instituto difícil e perigoso: vai


permitir/autorizar o juiz modificar/ adaptar o DIP para responder às políticas legislativas

das leis envolvidas; Permitir ao juiz manipular o sistema de DIP, mas não
completamente, não a seu belo prazer. Só quando seja necessário.

 Normas materiais espacialmente auto limitadas : Auto determinam espacialmente o


seu âmbito de aplicação. Elas próprias (normas materiais) estabelecem o seu âmbito de

aplicação. Aparecerem estas normas que não precisam de regras de conflitos. Elas
tutelam certas políticas legislativas e esta política legislativa só se vai realizar

eficazmente quando se aplicam aos casos que elas definem.

✓ o DIP passou a conhecer um novo tipo de normas que não existiam. Estas
normas não são regras de conflitos. Trata-se de normas materiais, substantivas.

Integram o ordenamento jurídico do foro. Estas normas materiais


autodeterminam o seu âmbito de aplicação, dizem quais são os casos a que se

querem aplicar. Isto significa que elas não precisam de regras de conflitos.
Como elas determinam os eu âmbito de aplicação, prescindem da regra de

conflitos. Determinam o seu âmbito de aplicação independentemente do que


dizem as regras de conflitos. Se elas são normas materiais e não regras de

conflitos, não podemos dizer que o DIP utiliza só o método conflitual, temos um
pluralismo metodológico – utilizamos vários métodos – método conflitual

modernizado, mas ao lado deles temos outros métodos – método de regulação


autónomo que existe ao lado das regras de conflitos – normas espacialmente

autolimitadas. Subdividem-se em 2 categorias:


• Normas de aplicação necessária e imediata – elas determinam a sua

própria aplicação necessariamente – mesmo que a lei competente não


seja a lei portuguesa (mesmo que a regra de conflitos aponte para outra

lei); e imediata – isto é, sabemos que a vamos aplicar no momento


anterior a ir ver a regra de conflitos e o resultado a que conduziria. Artigo
23º Diploma das Cláusulas contratuais gerais – manda aplicar este

Página 81 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
diploma independentemente da regra de conflitos. As cláusulas

contratuais gerais são normas espacialmente autolimitadas –


estabelecem a sua aplicação a mais casos do que a resultaria da regra de

conflitos (ROMA 1 – as partes escolhem a lei aplicável ao contrato).

Porque é que o legislador estabeleceu isto? Interesses políticos


fundamentais – proteção do aderente. O legislador entende que esta
política legislativa fundamental deve prevalecer sobre a lei aplicável.
Utiliza normas espacialmente autolimitadas para proteger interesses
fundamentais do ordenamento jurídico, interesses tão fundamentais
que o legislador passa por cima da sua própria regra de conflitos.

Note-se que se trata de normas de aplicação necessária imediata explícitas,

contudo existem também implícitas – não se autodeclaram como normas de


aplicação necessária e imediata. Mas a sua ratio, política legislativa só se cumpre

se elas se aplicarem de forma necessária e imediata – se se aplicarem a mais

casos do que aqueles para os quais estavam previstos (casos em que a nossa lei
era competente). O problema delas é que têm que ser identificadas – temos que

olhar para a sua política legislativa. Tem que ser identificados pela jurisprudência
e a doutrina – vão identificado certas normas materiais como sendo de

aplicação necessária e imediata.

Página 82 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Caso: trabalhador despedido numa empresa de nova york – o litígio coloca-se no


tribunal português e a lei aplicável ao contrato de trabalho é a lei nova iorquina. Contudo, no

âmbito de despedimento sem justa causa, trata-se de um interesse fundamental.

Doutrina (Rui Moura Ramos) e Jurisprudência – artigo 53º CRP – norma espacialmente
autolimitada de aplicação necessária e imediata mas implícita (casos que se deve aplicar a mais

– trabalhador seja português; resida em PT; ou o local de trabalho seja PT – em qualquer um


destes casos aplica-se a norma – dado que a política legislativa do estado é de tal forma forte

que se deve fazer prevalecer nesses casos).

Outro exemplo: artigo 1682º/A número 2 CC – norma de natureza familiar que regula as
relações entre os cônjuges. Caso: Sr.A e Sra. B – suecos, residem em Portugal, são casados.

Artigo 52º CC – manda aplicar a lei da nacionalidade comum dos cônjuges -a lei sueca. À
partida não podemos aplicar lei portuguesa às relações entre os cônjuges. A lei sueca determina

que os cônjuges podem dispor livremente do seu património, qualquer que seja. O Sr. A pegou
na casa da família e ofereceu à amante. Pela lei sueca o negócio era válido. Mas veja-se o artigo

1682ºA/2 – se esta norma fosse aplicável, a Sra. B teria que dar o consentimento. O juiz só
poderia aplicar esta norma se fosse uma norma de aplicação necessária e imediata (implícita) – a

política legislativa da proteção da casa de morada de família só se realizava se se aplicasse esta


norma a mais casos do que aqueles que a regra de conflitos entenderia que a lei portuguesa

seria competente. A jurisprudência assim o entendeu. Esta norma determina a sua própria
aplicação, independentemente da regra de conflitos, sempre que a casa de morada de família

seja em PT.

Estas regras determinam implicitamente a sua própria aplicação.

As normas espacialmente autolimitadas de aplicação necessária e imediata


aplicam-se a mais casos do que a aqueles que a regra de conflitos manda

aplicar.

Página 83 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
• Normas espacialmente autolimitadas em sentido estrito –

estabelecem o seu âmbito de aplicação mais estreito do que aquele que


resultava da regra de conflitos. Vão exigir um requisito extra para se

aplicarem para além dos previstos na regra de conflitos.


Exemplo -alguém está a criar um EIRL – artigo 33º CC – só se aplica a lei

portuguesa quando a sede é e PT. Se a sede fosse em PT aplicavam-se


todas as normas competentes. Contudo, o DL do EIRL diz no artigo 37º -

não basta para que estas normas se apliquem que a sede seja em PT,
para as aplicar precisa-se da regra de conflitos - que manda aplicar a lei

PT e ainda que o estabelecimento principal se encontre situado em PT. A


política legislativa do foro só se realiza em casos em que haja uma

conexão mais forte com o ordenamento jurídico do foro. Há muito


poucas normas espacialmente autolimitadas em sentido estrito.

Problema: devemos considerar a existência de normas de aplicação necessária e imediata

estrangeira? Ou este fenómeno de politização é circunscrito às políticas legislativas do nosso


ordenamento jurídico? Há várias possibilidades. (Ver caso aula prática)

 1ª hipótese de resolver o problema: Tese do Estatuto Obrigacional (clássica). Diz-nos que

há algumas NANI estrangeiras que relevam. Quais? As da lei competente – porque foi essa a
lei que a regra de conflitos escolheu como a lei mais próxima. Esta tese é mais antiga mas

encontra-se defendida no manual de Ferrer Correia.

O que é que justifica esta tese? Quais as razões por trás desta conceção?

Isto porque o método conflitual, método regra, prevalece. A lei que o nosso legislador
escolher para ser respeitada tem que ser respeitada – só nessa lei é que se aplicam as NANI.

Porque se diz que esta tendência esvazia, desconsidera a existência de NANI estrangeiras?
Repare-se que nós íamos aplicar a lei australiana – e as NANI da lei australiana nós já íamos

aplicar independentemente de serem normas de aplicação necessária e imediata ou não, porque

Página 84 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
nós íamos aplicar a lei competente – não está verdadeiramente a levar a consideração a NANI.

(Crítica).

 2ª tese – Tese da Conexão especial (autor alemão Wengler) – diz-nos que temos que

aplicar as NANI do foro e também de leis estrangeiras, quais? As que tenham conexão
especial com o caso, aquelas que tenham uma ligação ao caso que fosse suscetível de

integrar um elemento de conexão (ou a residência, nacionalidade, local da celebração, local


do cumprimento). Porque seguir esta tese? Por força da harmonia jurídica internacional. Esta

tese foi seguida entre nós por Dr. Moura Ramos.


 3ª Tese - Vagação da conexão especial, seguida pelos Dr. Lima Pinheiro e Marcos dos

Santos – dizem que podemos aplicar as NANI do foro e ainda as das leis que tenham uma
conexão especial com o caso mas só se, a nossa regra de conflitos o determinar, isto é, para

que se apliquem as NANI das leis com conexão especial com o caso, precisa-se de uma
autorização conflitual expressa. De acordo com esta tese só poderiamos aplicar a NANI do

Quénia se a nossa regra de conflitos permitisse. Exige um requisito adicional.

 4ª Tese, da tomada em consideração – diz-nos que o julgador não pode aplicar NANI
estrangeira, só pode as do foro e as da lei competente. Contudo não se pode esquecer que

elas existem. Ao aplicar a lei competente não se pode esquecer que existe uma NANI
estrangeira que ele não pode aplicar. Só as pode tomar em consideração na aplicação da lei

competente.

Qual é a tese que devemos seguir? O julgador pode escolher a que entender porque
não temos norma que imponha ao julgador a adoção de determinada tese. Ele escolherá o

método que pretende seguir e justifica, fundamenta. Mas tem-se uma exceção. Se a regra de
conflitos que estivermos a utilizar for de um regulamento da UE, temos que ver se esse

regulamento toma posição.

Página 85 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

4.5. OUTROS MÉTODOS QUE PERMITEM RESOLVER CONFLITOS DE LEIS E QUAIS OS SEUS
EFEITOS NO MÉTODO CONFLITUAL DO SÉCULO XIX.

4.5.1. MÉTODO JURISDICIONAL. A JURISDICIONALIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL


PRIVADO

Método criado antes do método conflitual. Método medieval. Vigora em Inglaterra em certas

matérias: divórcio, direitos reais e responsabilidade civil.

No método conflitual o primeiro passo é ver qual o tribunal competente através de normas de
competência internacional, e depois a lei aplicável pelas regras de conflito.

Normas de conflito – Disciplina de DIP. Normas de DIP.

Normas de competência internacional – Disciplina de DIP. Só estudamos em Processual Civil


porque a cadeira de DIP é semestral. Normas de DIP. Para o Dr. Miguel Teixeira de Sousa, Lisboa,

considera que é disciplina de Direito Processual Civil.

Em comum:

 Tanto uma como outras são normas que se aplicam a relações jurídicas internacional e são da
disciplina de DIP.

 Ambas também são normas de 2 grau, indiretas. Não resolvem o caso. Apontam um sistema
que vai resolver o caso.

Diferenças:

 Normas de competência internacional escolhem o tribunal competente, as regras de


conflitos escolhem a lei.

Página 86 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Quanto à FUNÇÃO as regras de conflito podem ser unilaterais e bilaterais. As unilaterais não

escolhem a lei aplicável, apenas dizem quando se aplica a lei do foro.

As normas de conflito escolhem a lei, logo são, em regra, bilaterais. E as normas de

competência internacional? São, em regra, unilaterais. Diferença tendencial porque existem regras de
conflitos unilaterais e existem normas de competência internacional bilaterais.

E o critério? Proximidade, mas diferente. As normas de competência internacional tentam

escolher o tribunal mais próximo mas do ponto de vista prático. Assim, temos um critério de
praticabilidade. E a regra de conflitos? Qual o critério de proximidade? Critério da ligação mais

forte, mesmo que não seja prático.

O método jurisdicional vai tratar destes problemas de forma unitária: cada tribunal só
pode aplicar a lei do foro mas cada país só pode aceitar a competência em casos em que a sua lei

tenha uma ligação mais forte. Este método viola o princípio da não transatividade? Não. Isto não é
um regresso à territorialidade. Os tribunais não aceitam todas as ações e não há sempre a aplicação

da lei do foro. Isto é a resolução da lei aplicável no momento anterior, ou seja, no momento em que
se decide o tribunal competente.

O que achamos deste método? Não serve como substituição mas tem efeitos.

Vantagens:

 Os juízes gostam mais deste método porque aplicam a lei foro, porque só aceitam os casos
em que se aplica a lei do foro, logo conheciam menos casos -» Princípio da boa administração da

justiça. Quando ele conhece a ação, aplica a lei do foro. Menos ações visto que se o juiz não
conhece, não aceita, pois considera não ser competente.

Desvantagens:

 No método conflitual consideramos finalidades diferentes na competência e na lei aplicável.


Este método jurisdicional não permite considerar objetivos diferentes na lei aplicável e no tribunal

competente.
 Conduzirá à harmonia jurídica internacional? NÃO! Só consegue chegar à harmonia

internacional se para cada caso só houver um tribunal competente.


Página 87 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Se Portugal se considerar competente e Espanha também, então vamos ter resultados

diferentes pois a lei aplicável é a do foro, então em Portugal aplicava-se a lei portuguesa e em
Espanha, a lei espanhola Efeito produzido: forum shopping. Se o autor quiser que se aplique

a lei inglesa tem de propor a ação em Inglaterra, se o réu quiser que a lei aplicável seja a francesa,
terá de propor a ação em França. Então como leva a resultados diferentes, as partes vão correr para

os tribunais, de modo a aplicar a lei que mais lhe convém.

Então este método não é uma verdade alternativa ao método conflitual.

No entanto, o método jurisdicional acabou por ter uma influência moderna no modelo
conflitual: jurisdicionalização;

Na União Europeia todos os Estados Membros se entenderam relativamente à lei aplicável e

ao tribunal competente.

Regulamento 650/2012 – sucessões – há uma coincidência entre o tribunal competente e


a lei aplicável -» Influência do método jurisdicional. Todos os Estados Membros chegaram a um

consenso.

4.5.2. O MÉTODO DA REFERÊNCIA AO ORDENAMENTO JURÍDICO COMPETENTE DE PAOLO


PICONE

Segunda influência do método jurisdicional: Há um autor que desenvolveu um método

intermédio entre o método conflitual e jurisdicional.

Método da referência ao ordenamento jurídico competente: Picone -» Matéria facultativa!


Não sai no exame!

O que precisamos de saber: Que existe, que é um método intermédio e que acabou por ter
grande influência no reenvio.

Página 88 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

4.5.3. O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO MATERIAL E O DIREITO PRIVADO UNIFORME

Mais DOIS métodos alternativos ao método conflitual:

1. MÉTODO DE DIP MATERIAL

As relações internacionais têm especificidades que não são levadas em conta pelo método
conflitual. Não é igual estar perante uma relação interna e uma relação internacional; e quando se

está a escolher uma lei aplicável está-se a escolher uma lei que não foi pensada para relações
especificamente internacionais. Portanto, este método diz que cada país deve fazer um corpo de leis

específico para as relações internacionais. Ou seja, devíamos ter dois Códigos civis: um para as
relações internas, e outro adaptado às especificidades das relações internacionais que possam surgir.

Já foi testado este método no Direito Romano: um corpo de normas para os cidadãos, relações

internas; e outro para os estrangeiros. Mais recentemente, na Checoslováquia, havia um Código


interno (relações internas, entre nacionais) e outro para os externos, os estrangeiros.

Será de adotar este método?

Não. Temos um grande problema, porque o DIP acaba por não prescindir da regra de
conflitos. v.g., e se tivéssemos um cidadão espanhol e um cidadão francês; como regulávamos?

Aplicávamos o Código Civil estrangeiro de França, ou o Código Civil estrangeiro de Espanha?

Só saberíamos recorrendo à regra de conflitos.

E qual seria o pressuposto deste sistema?

Que as relações internacionais têm especificidades, particularidades, que precisam de normas

especiais. Não é evidente que as relações internacionais têm sempre especificidades, que reclamem
sempre uma regulação especial. Este pressuposto do DIP material não é evidente, não é claro.

Por estas razões, este método não é relevante como alternativa ao método conflitual.

Página 89 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Mas chamou à atenção de que certas relações internacionais têm especificidades e, de facto,

podem reclamar certa regulamentação especial.

Devemos recebê-lo como complemento ao método conflitual, porque é positivo que cada

sistema, em certas situações, formule certas normas especiais para relações internacionais.

Artigo 2223.º – é regra de conflitos ou norma material? Está a mandar seguir uma
determinada forma, logo é uma regra material. Forma como fazer o testamento. Mas aplica-se a

que tipos de situações? Testamento feito por um português, no estrangeiro. Norma especial para
certa relação jurídica internacional. Regula especialmente uma relação jurídica internacional. Isto é

positivo. É um bom aliado.

Utilizamos como complemento. Temos um pluralismo metodológico

PERGUNTA EXAME: Distinga REGRAS DE CONFLITO DE CONEXÃO MATERIAL e DIP


MATERIAL.

Uma é regra de conflito, outra é norma material.

DIP material -» A regra de DIP material é uma norma especificamente redigida para
regular situações especiais de DIP, relações especiais de DIP.

Regras de conflitos de conexão material-» escolhe a lei aplicável em função do resultado


material (8º/1 do REG. ROMA I, 65º CC).

2. DIREITO PRIVADO UNIFORME

Porque é que este método é um método alternativo? Aqui não escolhemos a lei aplicável visto
que a lei passa a ser igual e portanto suprime o conflito de leis.

Ferrer Correia: Isto é uma UTOPIA! Impossível! Porque os países não se vão entender. Não vai
haver regras uniformes em todo o mundo. Vamos sempre precisar de regras de conflito, porque

Página 90 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
há países que não vão aderir. Logo, como método não é uma alternativa mas ele ajuda! Porque

se houver matérias onde haja uniformização, o sistema fica mais simples.

4.5.4. CONCLUSÕES SOBRE O MÉTODO: A MODERNIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL


PRIVADO CONFLITUAL

Em Portugal temos pluralismo metodológico: partimos do método conflitual, mas esse é

complementado por muitos métodos que nos foi aparecendo, por influências desses métodos; por
isso, já não temos o método conflitual no seu sentido tradicional.

Mas, então, levanta-se um problema: Quando aplicamos regras de conflitos? Porque

aplicamos a regra de conflito A e não a B? No direito material como sabemos? Interpretação.


Olhamos para o caso e estabelecemos a analogia com a norma. Será que nas regras de conflito

também funciona assim?

Temos de olhar para o conceito-quadro, a hipótese da regra de conflitos.

As normas materiais descrevem situações da vida, então é fácil ver qual se aplica.

Mas nas regras de conflito o conceito quadro não descrevem situações da vida. As regras de

conflito têm no conceito-quadro, conceitos jurídicos e estes podem variar de sistema para sistema.

Então como escolhemos as regras de conflitos? Nas normas materiais temos interpretação,
então e nas regras de conflito? Temos a QUALIFICAÇÃO, ou seja, qual a regras de conflitos aplicável,

ou seja, sabemos qual a lei aplicável aquela situação.

CAPÍTULO V - PROBLEMA DA QUALIFICAÇÃO


5.1. A QUALIFICAÇÃO: IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

Coloca-se a questão de saber quando aplicar a regra de conflitos. Enquanto nas normas
materiais temos a hipótese, que nos responde a esta questão descrevendo factos da vida, nas

regras de conflito temos o conceito-quadro que descreve factos jurídicos. E é precisamente aqui
que o problema se coloca, já que os conceitos jurídicos variam de país para país.

Página 91 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

 O casamento, em Portugal, há de ser muito diferente do casamento da Arábia Saudita; Os


direitos de personalidade portugueses são muito diferentes dos de lá. E é, por isso, que se torna tão

difícil saber quando aplicar uma regra de conflitos: é complicado saber se ela regula aquela situação
ou não.

Mas mais do que este problema é o facto de o conceito-quadro ter como objeto as normas
jurídicas sobre determinada matéria. Não só é difícil identificar essa matéria nos diferentes Estados

como se torna ainda mais complicado mobilizar as normas deles sobre essas questões.
 Ex: art. 37º - objeto do conceito-quadro é um círculo de normas materiais.

O problema da qualificação é isto: o problema de delimitação das normas materiais que se

aplicam ao caso. Como é que eu sei quais as normas sobre o divórcio ou sobre os direitos de
personalidade? E se forem problemas diferentes para as duas leis envolvidas, aplico segundo qual?

A senhora A, argentina e residente na Argentina, morreu e deixou os seus bens ao sobrinho


B, português, residente em Portugal e casado em regime de comunhão de bens com a portuguesa

C, também ela residente em Portugal. A questão que se coloca é a de saber se a casa é só de A ou


dele e da mulher?

Tratando-se de uma relação plurilocalizada, temos de chamar ao caso as duas leis envolvidas:
a argentina e a portuguesa.

Ora, a lei argentina regula esta matéria no capítulo das sucessões, onde estabelece que deve
haver comunicação ao outro cônjuge e, como tal, o bem acaba por ser de ambos.

Já a lei portuguesa, trata desta matéria no capítulo do regime de bens, onde, havendo um
bem adquirido por intermédio de uma sucessão, esse bem não é considerado comum aos dois

cônjuges, mas apenas do herdeiro (artº 1722º/b, CC).


Assim, pela lei argentina, os bens são de ambos, mas pela nossa lei, é apenas de B.

Precisamos de uma regra de conflitos que venha escolher a lei competente. Vamos ter de
optar pela lei argentina (que trata isto como uma sucessão) ou pela lei portuguesa (que trata disto
enquanto regime de bens no casamento).

Página 92 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
A nossa regra de conflitos para este caso é a do artº 53º CC (regime de bens) e o elemento

de conexão é a nacionalidade comum dos cônjuges no momento de celebração do casamento


(elemento de conexão imóvel porque foi cristalizado pelo legislador). Daqui resulta que se deve

aplicar a lei portuguesa.


Mas se, tal como a lei argentina, tratarmos este problema como um problema de sucessões,

então vamos olhar ao artº 62º CC, cujo elemento de conexão é a nacionalidade do de cujos, o que
significa que se vai aplicar a lei argentina.

É por isso que temos de saber: qual é o problema em causa? Perante estas duas
possibilidades, qual a regra de conflitos que devemos aplicar, afinal? É um problema de

qualificação/delimitação.

5.2. MÉTODOS DE QUALIFICAÇÃO


5.2.1. QUALIFICAÇÃO LEGE FORI:
Esta é a teoria clássica da qualificação e está em causa uma escolha à luz da lei do foro,

segundo a teoria da dupla qualificação:

1. Qualificação Primária: Também designada de qualificação de competência, consiste em


determinar a lei competente, mediante apresentação do problema à lei material do foro que nos

indica como resolveria o mesmo. Conforme a solução que a lei do foro fizesse, a partir daí
descobrimos o problema em causa e, consequentemente, a regra de conflitos a aplicar.

No exemplo dado, a nossa lei resolve o caso pelo art. 1722º/b CC, que regula o caso como
sendo regime de bens. Assim, a regra de conflitos que nos vai servir será a que tiver relacionada

com esta matéria: artº 53º CC. Sendo o elemento de conexão dessa lei a nacionalidade comum
dos cônjuges à data do casamento, então a lei competente será a lei portuguesa;

Página 93 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

2. Qualificação Secundária: Nesta fase, vamos descobrir quais as normas materiais da lei
competente que são chamadas a resolver o caso. E aqui surgem algumas teorias:

 Roberto Ago: Este autor entende que se faz um chamamento indiscriminado, na medida em
que se chama todo o ordenamento jurídico da lei competente;

 Robertson: Este jurista inglês defende que se dá um chamamento circunscrito, isto é, não se

mobiliza todo o ordenamento jurídico da lei competente para se resolver o caso, mas apenas
algumas normas, nomeadamente as que regulem as mesmas matérias que o conceito-quadro

circunscreveu.

No exemplo dado, só seriam chamadas à colação as normas referentes ao regime de bens.

Segundo esta conceção só iriamos chamar o art. 1722º/b) CC, que vem determinar que o bem é
próprio.

VANTAGENS:
 É um sistema simples, que resulta na aplicação de uma só lei, pelo que não dá aso a conflitos

entre leis; logo, nunca se criam conflitos de qualificação.

 Quem controla a lei aplicável é a lei do foro, porque é com base as suas normas materiais que
vamos determinar a regra de conflitos aplicável e, consequentemente, a lei competente; a lei

do foro tem um controlo absoluto sobre as situações internacionais.

DESVANTAGEM:

 Pode acontecer que o chamamento circunscrito resulte em nenhuma norma material capaz de
resolver o caso, dentro do ordenamento jurídico considerado competente.

Exemplo: O senhor A, inglês e residente em Inglaterra, morreu, deixando um prédio em

Portugal. Mas não tinha nenhum herdeiro. Para quem vai o prédio?

Segundo esta teoria, temos de apresentar o caso às normas materiais do foro: lei portuguesa,
que tem uma disposição, sobre sucessões, que resolve o caso, dizendo que no caso de não haver
herdeiros, os bens ficam para o Estado. A lei inglesa, por sua vez, trata esta matéria como
Página 94 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
pertencendo aos Direitos Reais, já que nestes casos, o Estado adquire um direito real sobre os bens.

Atendendo às normas materiais da lei do foro, sendo este um caso de sucessões, vamos aplicar uma
regra de conflitos que tenha esta matéria como conceito-quadro: art. 62º CC, que tem como

elemento de conexão a nacionalidade do de cujos: neste caso, inglês. Logo, aplicar-se-ia a lei inglesa.
Segundo Roberto Ago, iriamos chamar todo o ordenamento jurídico inglês, ou seja, não só as

normas sobre sucessões, mas também as de Direitos Reais e a solução haveria de estar algures (neste
caso, estava precisamente no capítulo dos Direitos Reais).

Mas segundo Robertson, teríamos de fazer um chamamento circunscrito, onde só iriamos


mobilizar as normas inglesas sobre sucessões. E aqui é que se dá o problema: Nas normas inglesas

sobre sucessões, nenhuma seria capaz de regular este caso porque a solução se encontra noutro
capítulo (Direitos Reais). Robertson responde dizendo que, nestes casos, teria que se fazer um

chamamento indiscriminado.

CRÍTICAS:
 Entende-se que esta teoria da dupla qualificação viola um princípio fundamental do

DIPrivado: o da paridade de tratamento dos ordenamentos jurídicos: isto porque das duas leis
que tinham contato com o caso, e cujas perspetivas eram diferentes, nós optámos por avaliar a

situação segundo a nossa perspetiva só porque era a lei do foro; dá primazia à lei do foro e qualifica
o caso conforme a lei do foro, desconsiderando as outras leis.

 Além disto, esta teoria gera desarmonia jurídica internacional, já que as soluções a dar ao

caso são distintas, ele será tratado de forma diferente, de acordo com o local onde se discute a
situação; sendo que isto leva à instabilidade das relações jurídicas internacionais.

 Esta teoria bloqueia, ainda, perante institutos jurídicos desconhecidos: Se se pedir em

Portugal para avaliar a validade de um trust, apresentando o caso às normas materiais do país, não
vamos encontrar nenhuma norma que dê solução e, como tal, seremos incapazes de designar uma

regra de conflitos que solucione a controvérsia. Assim, deixa sem solução sempre que exista um
instituto jurídico diferente do foro ou que a lei do foro não conheça. O sistema bloqueia e não
consegue saber qual a lei competente.

Página 95 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

 Por fim, entende-se que a qualificação primária é desnecessária: não necessitamos de


recorrer às normas materiais internas para saber que regra de conflitos devemos aplicar para

descobrir a lei competente. Basta olhar para o caso e não será muito difícil determinar o leque de leis
que devem ser mobilizadas, segundo a matéria em causa. Ou seja, olhando para a regra de

conflitos já conseguimos ver qual a lei competente para cada matéria.

Assim sendo, perante estas críticas, esta teoria será de rejeitar pela doutrina maioritária.
CONTUDO, é uma teoria válida e, por isso, é aplicada por diversos países.

Deste modo, a doutrina portuguesa rejeita a dupla-qualificação » opção metodológica. A

operação de saber como é que se aplica a regra de conflitos é uma opção metodológica. E, por força
do art.15ºCC, o juiz está proibido de fazer esta dupla-qualificação » opção legislativa.

5.2.2. QUALIFICAÇÃO LEGE CAUSA


Segundo esta teoria, vamos descobrir a lei competente à luz da regra de conflitos e já não pela

lei do foro.
 Teoria defendida por Wolff.

Primeiro exemplo dado: O art. 53º está a apontar para a residência que tinham à data do
casamento, ou seja, aplica-se a lei portuguesa (tem uma conexão múltipla subsidiária).

O art. 65º da lei argentina diz que se aplica a lei da última residência do de cujus – aplica-se a
lei argentina.

Quem vai dizer se é um problema de regime de bens ou de sucessão é a lei que estiver a ser

indicada para esse tipo. Quem vai dizer se é um problema de regime de bens é a lei portuguesa;
quem vai dizer se é um problema de sucessões é a lei argentina, porque é ela a competente nessa

matéria.

Não temos de escolher uma regra de conflitos, temos de dizer que tudo o que for considerado
para a lei portuguesa problema de regime de bens, aplica-se; tudo o que for considerado sucessões
para a lei argentina, aplica-se a lei argentina.

Página 96 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

PROBLEMAS:
1. Vai gerar um problema chamado conflitos de qualificações: pode acontecer que a lei

portuguesa diga que é regime de bens e aplicam-se estas normas, e a lei argentina diga que é
sucessões e que se aplicam aquelas normas; ou seja, podemos chegar a conflitos de normas. Pode

suceder que várias normas se considerem competentes para regular o mesmo caso por títulos
diferentes, e podem surgir soluções incompatíveis.

2. Cria um círculo vicioso: a operação de qualificação servia para saber qual ou quais a regra de
conflitos e utilizar, mas este sistema diz que quem vai decidir isto é a lei competente, a lex causae;

mas só sabemos qual a lei competente depois de usar uma regra de conflitos.

3. Implica a perda do controlo sobre as opções conflituais do foro. Pode acontecer que o

conceito de sucessões da lei argentina seja diferente daquele que o legislador da lei do foro pensou
quando criou a sua lei. Ou seja, escolhemos uma lei para regular uma matéria, neste caso sucessões,

sem ter a certeza do que vai ser regulado – quem vai decidir o que é sucessões não somos nós, é a
outra lei.

Este método surgiu como forma de reação ao método de dupla qualificação, mas segundo o Dr.
Afonso Patrão, não há nenhum sistema hoje que o adote.

Esta conceção é rejeitada pela doutrina portuguesa.

5.3. A QUALIFICAÇÃO E O MÉTODO PROPOSTO PELA DOUTRINA PORTUGUESA.


O problema da qualificação prende-se com saber quais as regras materiais que o conceito-

quadro está a mobilizar - qualificação de normas. Aplica leis diferentes para matérias diferentes.
Podemos afirmar que o nosso sistema supera os dois anteriores, uma vez que vai dividir a

qualificação em dois momentos:

1. CRITÉRIO DE QUALIFICAÇÃO: É o momento de interpretação do conceito-quadro e


caberá à lei do foro. No entanto, não à lei material, mas antes à conflitual, formal. Se, com o
conceito-quadro pretendemos chamar certas regras materiais à causa, então, podemos afirmar que o

Página 97 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
problema da qualificação se trata de um problema de subsunção de regras materiais num

conceito-quadro, isto é, um problema de encaixe. E é, por isso, que nesta fase devemos proceder à
interpretação do conceito-quadro, para tentar perceber o que significa (por exemplo: o que são

Direitos Reais para efeitos do art. 46º CC; divórcio para efeitos do art. 55º CC).
Neste âmbito, existem várias teorias:

 Interpretação à luz da lei material do foro: Deve-se interpretar o conceito-quadro segundo

a interpretação que a lei do foro tem dessa matéria, de acordo com as suas normas materiais. Ou
seja, os direitos reais teriam o sentido que a lei portuguesa lhes confere. O mesmo para o divórcio.

Problema: Pode acontecer que surja uma figura que não é exatamente igual à nossa e,

nesse caso, não podemos equiparar sob pena de a solução não ser adequada, deixando sem
resposta todos os institutos diferentes da lei portuguesa. E viola, ainda, a paridade de tratamento

entre ordenamentos jurídicos.

Exemplos:

A e B, israelitas pretendem divorciar-se. Em Israel, o divórcio é um contrato privado. Aqui, é

necessário que seja decretado pelo tribunal ou reconhecido por um conservador. Logo, são dois
institutos diferentes e, por isso, a regra de conflitos não seria precisa, já que o divórcio para a lei do

foro é coisa diferente daquilo que é divórcio para a lei estrangeira;


Imaginemos que A pretende passar um trust a B, sobre um imóvel que se encontra em

Portugal. Esta figura jurídica existe nos países anglo-saxónicos e consiste em transmitir a
propriedade de um imóvel para outrem, sem lhe passar, contudo, o usufruto do mesmo.

Poderíamos aplicar o art. 46º CC (direitos reais)? Na verdade não, porque o trust não configura na

lista taxativa de Direitos Reais portugueses e também não surge em mais nenhum momento do
nosso ordenamento porque se trata de um instituto inexistente em Portugal. Logo, a lei do foro não

dará resposta à delimitação de regras materiais que devem ser mobilizadas para esta questão.

 Interpretação à luz do Direito Comparado: Segundo Rabel, a delimitação e compreensão


do conceito-quadro não pode ser feita à luz da lei material do foro, mas antes à luz do Direito

Página 98 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Comparado, que estuda as figuras jurídicas de todos os ordenamentos jurídicos. Deste modo, não

deixaria sem resposta os casos em que surgisse um instituto jurídico que não tem correspondência
com a lei do foro.

Problema: Esta conceção, apesar de ser uma boa ideia, é impraticável, já que obrigaria o

juiz a conhecer todas as leis, de modo a poder delimitar as normas materiais chamadas por cada
regra de conflitos e segundo casa caso concreto;

 Interpretação à luz da lege causa: segundo a lei competente à luz da regra de conflitos.

Problema: perde-se o controlo sobre quando utilizamos a regra de conflitos.

 Interpretação à luz da lei formal do foro (interpretação que adotamos): Segundo esta
conceção, vamos ter uma interpretação autónoma, específica da regra de conflitos do foro, já que

será ela mesmo a autolimitar-se e a chamar as leis materiais competentes para o caso. Tem de se
proceder, então, a uma interpretação autónoma e teleológica das regras de conflito.

Autónoma no sentido em que deve ser feita independentemente das normas materiais do foro,
independentemente do sentido que elas atribuam ao instituto jurídico invocado no conceito-quadro.

Deve, também, ser teleológica, porque vai atender às finalidades, aos objetivos em vista: Por um
lado, temos de atender ao objetivo do DIPrivado, que, aqui, consiste em saber que leis materiais

chamam o conceito-quadro em questão, de modo a poder regular as relações plurilocalizadas


(assim, quando interpretamos o conceito-quadro, temos que perceber que queremos chamar

algumas normas materiais que sejam capazes de resolver as situações privadas internacionais e, por
isso mesmo, não devemos cingir o conceito-quadro à interpretação que a lei material do foro

lhe confere, mas antes, alargar esse espectro para que possamos abranger, nessa regra de
conflitos, vários ordenamentos jurídicos, já que se trata de uma norma internacional).

Assim sendo, temos de incluir a figura invocada pelo conceito-quadro, mas também os seus
institutos análogos!

Página 99 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Exemplos:
 art. 30º CC » não diz respeito apenas à tutela, mas também aos institutos análogos;

art. 52º CC » abrange as relação entre os cônjuges e todas as outras figuras com teleologia

similar; A e B vivem em união de facto há 10 anos, discute-se lei aplicável entre estes parceiros

registados no direito irlandês? Podíamos usar o art.52º, esta figura cabe no conceito-quadro do
art.52º CCivil? Ora, relações entre cônjuges desta regra de conflitos é diferente do que é relação

entre cônjuges na lei material; e é mais abrangente pois compreende figuras afins, todas as que
tenham teleologia similar. Então abrangemos os parceiros registados? SIM, POIS É FIGURA AFIM

DO CASAMENTO, não é aquilo que para nós é casamento, mas é figura similar ao casamento! Não
podemos interpretar de acordo com o que para nós é casamento, temos de interpretar de acordo

com a teleologia.

 art. 60º/2 CC » adoção realizada entre marido e mulher, abrange também adoção por
pessoas do mesmo sexo.

LOGO, um determinado conceito é mais amplo na regra de conflitos do que no direito

material.

2. QUALIFICAÇÃO PROPRIAMENTE DITA: Também conhecida como objeto da qualificação,


cabe à lex causa, isto é, à lei indicada pela regra de conflitos. Aqui é que se chamam, efetivamente,

as normas materiais competentes. Coloca-se a questão de saber se se faz um chamamento


indiscriminado ou circunscrito (já foi debatido na teoria clássica).

Na teoria tradicional não se qualifica factos e não se escolhe uma lei competente.
Segundo o art. 15º CC, devemos proceder a um chamamento circunscrito: não vamos

chamar todo o ordenamento jurídico da lei que tenha sido considerada competente, pela regra de
conflitos. Vamos chamar apenas a parte desse ordenamento que tenha regule a matéria que há de

ter sido circunscrita pelo conceito-quadro.


Para isto, temos de apreciar a lei indicada como competente e procurar as normas que, pela
sua função e conteúdo, se encaixem na delimitação feita no conceito-quadro (à luz das nossas

Página 100 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
próprias regras de conflito). Ou seja, temos de qualificar as leis que pelo seu conteúdo e função se

adequam ao caso.
Em cada caso não qualificamos factos, não aplicamos apenas uma lei, elencamos várias regras

de conflito (aquelas que forem necessárias) e aplicamos várias leis e só chamamos certas normas
relativas a estas leis, que pelo seu conteúdo e função se aplica ao caso -» chamamos uma parte de

cada lei competente.

NOTA:
Art. 15º CC » método de qualificação que ficou cristalizado; sendo que o método não é

uma mera opção para o legislador português.

EM CONCLUSÃO

 É preciso escolher a lei competente? No nosso sistema de qualificação NÃO escolhemos;

aplicamos várias leis.


 Será que este sistema funciona? SIM, não escolhemos lei competente, mas resolvemos o

caso.
 Deste modo, não é preciso escolher a lei competente » sistema de qualificação tradicional

tem um 1ºpasso desnecessário.


 O nosso sistema de qualificação tem em atenção as políticas legislativas dos vários

ordenamentos jurídicos, por causa da palavra “função” (art. 15ºCC). Logo, temos de ver a
política legislativa antes de aplicar as várias leis e consequentemente as várias normas.

5.4. CONFLITOS DE QUALIFICAÇÃO


O nosso sistema chama várias leis, já que pode aplicar várias regras de conflito a uma

situação. E isto pode gerar incompatibilidades, ou seja, as normas de uma lei podem entrar em

conflito com as normas da outra lei. É um problema que não acontece sempre (99%), mas, por vezes,
sim.

Página 101 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Exemplo: O senhor A, português e residente em Portugal, morre em Junho de 2013. Deixa


um prédio em Inglaterra e não tem nenhum herdeiro. Quid iuris?

É uma situação plurilocalizada, já que o senhor era nacional português, viveu e morreu cá, mas
deixou um bem que se encontra em Inglaterra. Temos, por isso, que identificar as leis que são

chamadas pelas regras de conflito, para depois qualificar as normas.

Tratar-se-á este problema de uma questão de direitos reais ou sucessões? Como ele morreu
antes de 2015 (Regulamento das sucessões!), aplicamos, ainda, o art. 62ºCC além do 46.º CC.

O art. 62º CC tem como conceito-quadro as sucessões, as quais temos de interpretar num
sentido amplo, pois não vale só a nossa (lei do foro) interpretação desta matéria. O elemento de

conexão é a nacionalidade do de cujus. Neste caso, ele era português, logo, aplicamos a lei
portuguesa. Mas que lei portuguesa? Toda? Não! Só a lei relativa à matéria de sucessões. (Art. 15º

CC).
O art. 46º CC tem como conceito-quadro os direitos reais, não a conceção portuguesa (lei do

foro) de direitos reais, mas uma conceção ampla, de modo a poder abranger a dos outros países,
também. O elemento de conexão é o local de situação da coisa, ou seja, onde ela se encontra. Neste

caso, o prédio encontra-se em Inglaterra, pelo que, segundo esta regra de conflitos, a lei competente
é a inglesa. Mas será que invoca toda a lei inglesa? Não! Apenas a que se referir a direitos reais em

sentido amplo (Art. 15º CC).


A questão que se coloca, agora, é a de decidir qual das duas regras de conflitos se vai aplicar,

já que são as duas suscetíveis de aplicação ao caso, mas conflituantes entre si. É que a nossa lei trata
esta questão como sendo um problema de sucessões e, inclusivamente, estabelece que o último na

linha de herdeiros é o Estado (arts. 2133º e 2152º CC), mas a lei inglesa trata este problema como
sendo uma questão de Direitos Reais, já que quando o de cujus não deixa herdeiros, o Estado

adquire um direito real sobre os bens do mesmo.


Como vimos (e repetindo) temos de proceder à qualificação das normas suscetíveis de ser
aplicadas, devemos caracterizá-las e ver a que conceito-quadro se subsumem: O art. 2133º CC

Página 102 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
estabelece uma regra de sucessões por morte, onde o Estado aparece como herdeiro, em último

caso, para que os bens não fiquem ao abandono. Sendo uma norma sucessória, subsume-se
(encaixa-se) no conceito-quadro do art. 62º CC. Resta saber se esta regra de conflitos a está a

chamar: esta regra de conflitos diz que em matéria de sucessões se aplica a lei portuguesa. Logo,
está a chamar aquela norma material.

Quanto à norma inglesa que estabelece que, na falta de herdeiros, o Estado adquire um
direito real sobre os bens, ela subsume-se à regra de conflitos do art. 46º CC. Esta regra de conflitos

diz-nos que em matéria de direitos reais aplica-se a lei do local onde se encontra a coisa. Neste caso,
estando a coisa em Inglaterra, a regra de conflitos está a chamar a lei inglesa e aquela norma é

aplicável, já que é sobre direitos reais e é inglesa.


Neste caso, em ambos os casos, o bem ia para o Estado. Mas pode acontecer que as soluções

sejam incompatíveis, nestes casos em que se chamam duas leis diferentes. É um problema que surge,
por vezes, no nosso sistema, mas tem solução!

Doutrina responde à crítica do conflito de qualificações, dizendo que não é um problema


constante e este, quando aparece, tem solução.

Como resolver um conflito de qualificações? Quando duas normas são chamadas a resolver a
situação, mas são incompatíveis entre si?

NOTA: isto não acontece no sistema tradicional, porque este escolhe uma lei competente,

aplica normas de uma lei.

5.4.1. CONFLITO POSITIVO DE QUALIFICAÇÕES


Não costuma acontecer, porque as normas regulam situações diferentes. Mas as matérias

jurídicas não são estanques, daí que há normas da matéria jurídica A que produzem efeitos na
matéria jurídica B e vice-versa.

Primeiro: O juiz deve tentar compatibilizar as normas conflituantes, o que nem sempre é

possível;

Página 103 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
Segundo: Nos casos em que o juiz não tenha conseguido compatibilizar as normas em causa,

deve-se optar por aplicar uma em detrimento da outra. Quanto ao critério de escolha, antes de
mais deve residir no seio do DIP, pelo que a escolha deve passar entre uma regra de conflitos em vez

de outra e não uma escolha entre normas materiais.

Ferrer Correia avançou com alguns critérios de hierarquização, que devem guiar o juiz na
sua escolha:

1. Qualificação Real prevalece sobre a Pessoal: As qualificações dos direitos reais devem
prevalecer face à qualificação dos direitos de estatuto pessoal.

No nosso caso, sacrificar-se-ia a regra de conflitos do artº 62º CC em prol da regra de


conflitos do art. 46º CC (Direitos Reais).

Porquê? Desde logo, porque a ligação do Estado às coisas (imóveis apenas) que se situam nele é
maior do que a ligação que ele possa ter com os seus residentes, uma vez que eles podem mudar de

residência, de nacionalidade, etc. e os imóveis não. Isto só vale para os imóveis.


Se não fosse assim, ao escolher a lei pessoal, havia o risco da sentença não ser reconhecida no

país onde está a coisa – risco de não reconhecimento.

2. Qualificação de substância prevalece sobre a qualificação formal: É sobretudo a pensar nos


negócios jurídicos, pois, muitas vezes, existe uma regra para a forma e outra para o conteúdo destes.

Por norma, as regras de forma servem para garantir a validade do negócio, enquanto as normas
de conteúdo são aquelas que seguem o critério da proximidade.

Em caso de conflito entre elas, deve prevalecer a regra substancial, por uma questão de se tratar
da lei mais próxima;

Por exemplo, A é português, residente em Portugal, casou com B, português, residente em


Portugal. Casaram em Israel. Segundo lei israelita a forma de casamento tem 2 fases – contrato
privado entre eles, e depois tem de esperar 10 dias para que haja cerimónia semireligiosa, onde o
casamento passa a produzir efeitos. Já a lei portuguesa diz que o consentimento para casar tem de
Página 104 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
ser prestado no momento do casamento, art.1617º CCivil. Acontecendo casamento em Israel, eles

seguiram a lei israelita. Interessam aqui regras de conflito sobre a forma de casamento: art.50º CCivil,
e o art.49º CCivil sobre a capacidade. O conceito-quadro do art.50 é forma do casamento; artigo 49º

o conceito-quadro é capacidade para contrair casamento, celebrar convenções antenupciais, e o


regime dos vícios e prestação do consentimento.

E para que leis cada regra de conflitos aponta? O artigo 50 aponta para a lei do estado em
que o ato é celebrado – elemento conexão é local de celebração – que foi em Israel, pelo que manda

aplicar lei israelita. E em matéria de vícios da vontade e consentimento? Artigo 49 manda aplicar a lei
pessoal – sistema de conexão múltipla distributiva – a cada um se aplica a lei pessoal, art.31º ccivil.

A nacionalidade é portuguesa, são ambos portugueses, pelo que se aplica quanto a essa

matéria, a lei portuguesa.

Então e quais são essas normas que nos permitem dizer que o casamento é válido? Art.1617º
CCivil; e a norma israelita já dita. Que fazemos a estas normas? Temos de as qualificar para saber se

são ou não aplicáveis, nomeadamente atendendo ao conteúdo e função que desempenham na lei
que pertençam.

O art.1617º está a regular o regime da prestação do consentimento, pois o que aí se diz é

como se presta o consentimento; então subsumimos esta norma ao art.49º CCivil. Em matéria do
consentimento aplicamos normas portuguesas - o artigo 49º é o que se aplica.

A norma israelita está a regular a forma do casamento, como se processa o casamento. Pelo
que em matéria sobre a forma do casamento, subsume-se ao artigo 50º ccivil que aponta para lei

israelita. Aplica-se nesta matéria norma israelita.

Contudo, estas normas são incompatíveis, conflito de qualificações. O sistema chama leis
diferentes, para matérias diferentes, só que os resultados são incompatíveis.

Dr. Ferrer a esse propósito diz que temos de escolher. Segundo o primeiro critério é se o

conflito for entre lei aplicável à substância de um negócio e lei sobre a forma do negócio, a que
prevalece é a lei aplicável à substância do negócio. Portanto, no caso, artigo 49º ccivil, pelo que se
aplica a norma portuguesa.

Página 105 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Mas porque é que é esta que prevalece? Quando o legislador escolhe a lei aplicável à forma,
normalmente está preocupado em escolher lei que consiga levar à validade do negócio, com critérios

de promoção de validade; e quando o legislador escolher a lei aplicável ao consentimento, entendeu


que era a lei com conexão mais forte, na substância o legislador escolhe sempre a lei que seja mais

próxima, pelo que se houver conflito entre estas, em principio, a lei mais próxima é a lei quanto à
substância. Dr. Ferrer diz que, aliás, há algumas regras de conflito têm sinais que é isto que se deve

fazer.

Artigo 36º ccivil – conceito-quadro é forma da declaração negocial; escolhe lei aplicável à
forma do negócio aquela que se aplicasse ao negócio, porém é suficiente a lei do local da celebração

– conexão múltipla alternativa pois o legislador quer a validade do negócio -, mas esta alternativa
acaba se a lei da substancia exigir forma especial – isto é a prova de que o legislador entre lei

aplicável à forma e lei aplicável à substancia, prefere a da substancia, pois tanto é assim, que neste
caso o legislador acaba com a alternativa, preferindo a lei aplicável à substancia.

3. Conflito de leis entre a lei aplicável ao regime do casamento e lei aplicável à sucessão.

Imagine-se que se tem um casal de PT que reside em Inglaterra. Lei aplicável ao seu regime

de bens? Artigo 53º - lei da nacionalidade dos nubentes ao tempo da celebração do casamento.
Note-se que morre o Sr. A, em Inglaterra – à sucessão vamos aplicar a lei inglesa, ao regime de bens
a portuguesa. Para determinar o património comum aplica-se a lei portuguesa (diz qual é o
património comum e como se divide entre os cônjuges), depois do património já dividido do Sr. A –

esse será distribuído pelos herdeiros – pela lei das sucessões inglesa – aqui não há conflito de leis.

Note-se que, existem sistemas que atribuem efeitos patrimoniais diferentes ao casamento
consoante ele acabe por divorcio ou por morte. É o que acontece com a lei sueca – imagine-se que

neste caso aplicava-se a lei sueca. Esta lei diz que não há regime de património comum, cada um
tem os seus bens – se ele se dissolver por divórcio – não há partilhas a fazer. Se se dissolver por

morte – juntam-se todos os bens do A e do B e atribuem-se 2/3 ao cônjuges sobrevivo e 1/3 é massa
da herança. Divide-se assim o património a título de regime de bens, mas daquele 1/3 que sobra o
cônjuge já não vai ser herdeiro – porque a título de regime de bens já foi beneficiário. A lei que se

Página 106 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
aplicaria depois a sucessão seria a inglesa – e esta lei não conhece a divisão do património comum.

No Direito Inglês o cônjuge herda 2/3 dos bens na falta de testamento. A lei inglesa diz: desta massa
da herança, 2/3 são para o cônjuge. Note-se que a percentagem de bens que ficaria para o cônjuge

seria altíssima, e isto não era o que pretendia nem o ordenamento sueco nem o inglês – conflito de
qualificações – Ferrer Correia – é ilegítimo – não podemos aplicar os dois, ou um ou outro.

Qual?

Este conflito de qualificações é para os casos em que a proteção dos cônjuges sobrevivo
acontece quer pela lei aplicável ao regime dos bens quer pela lei aplicável à sucessão é
ilegítimo escolher as duas porque não se pode proteger o cônjuge duas vezes. Qual escolher?

Kegel (autor alemão) – diz que temos que olhar para um critério cronológico, aquele que tiver

sido aplicado cronologicamente primeiro é que deve ser aplicado. Isto resolve um conflito que haja,
por exemplo, entre uma lei francesa – como lei aplicável ao regime de bens e uma lei inglesa – como

lei aplicável à sucessão. Na lei francesa quase não há proteção sucessória (porque tutela tudo no
regime de bens (considera comum quase todos os bens do casamento)). Aplicação cronológica

sucessiva – aplica-se este critério de Kegel – a lei do regime de bens estava a ser aplicada enquanto
ele ainda era vivo – aplica-se o que já estava a ser aplicado porque ali já há espectativas. Mas isto

não resolve o nosso caso – porque a lei de regime de bens sueca e a lei inglesa da sucessão se
aplicaram no mesmo momento, da morte, o que fazer?

Ferrer Correia diz que aqui não serve o critério de Kegel, aqui não há uma aplicação
cronológica sucessiva, aqui deve aplicar-se a lei aplicável às sucessões – porque o que
determinou a distribuição de bens foi a morte.

Se não conseguirmos dirimir o conflito mediante este sistema, então, temos de proceder
à escolha de normas materiais: o critério será o da especialidade – as normas especiais
prevalecem sobre as gerais (exemplo: arts 209º e 285º CC).

Ex: Qual a lei aplicável para o caso de se violar uma promessa de casamento?
 Art. 52º » manda aplicar a lei alemã » ressarcível danos patrimoniais

 Art. 45º » manda aplicar lei francesa » ressarcível danos patrimoniais e não patrimoniais
Página 107 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
Logo, temos de hierarquizar:
1. 
2. 
3. 

Falharam os três critérios de hierarquização.


Deste modo, se não for possível escolher entre regras de conflito, temos de escolher entre
normas materiais, sendo que vamos utilizar os princípios gerais que dentro do mesmo ordenamento

resolvam o conflito, através de um critério de especialidade – leis especiais derrogam a lei geral.
Concluindo, aplica-se, no caso, a lei alemã.

5.4.2. CONFLITOS NEGATIVOS DE QUALIFICAÇÕES


Há um chamamento de várias leis (tal como no conflito positivo de qualificações), mas

nenhuma das leis indicadas pelas regras de conflito tem normas materiais indicadas para resolver o
problema.

Exemplo: Vamos, agora, partir do princípio que o senhor A, inglês, residente em


Inglaterra, morre e deixa um prédio em Portugal. Não tem herdeiros.

Continuamos a mobilizar os arts 62º e 46º CC e continuamos a ter o art. 2133º CC como
solução portuguesa do caso e a norma inglesa na mesma medida. Mas uma diferença: Apesar do art.

2133º, CC se subsumir ao conceito-quadro do art. 62º CC, esta regra de conflitos não a está a
chamar, pois determina que em matéria de sucessões se aplica a lei da nacionalidade do de cujus
que, neste caso, é inglês. Logo, considera a lei inglesa como lei competente em matéria de

sucessões, não se aplicando as nossas regras sobre essa matéria. Mas, ao mesmo tempo, a lei
inglesa, não se considera competente, remetendo a solução para Portugal: isto porque a norma

inglesa sobre direitos reais, para estes casos de pessoas que não deixam herdeiros, se subsume ao
conceito-quadro do art. 46º, sim, mas esta regra de conflitos não a considera competente, não a
chama a aplicação, porque estabelece que em matéria de direitos reais, se aplica a lei do local de
situação da coisa, ou seja, a lei portuguesa, já que a coisa se encontra cá. Mas as normas de direitos

Página 108 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
reais portugueses não dão solução ao caso, porque para nós isto é um problema de sucessões. O

mesmo em relação à lei inglesa que não dá solução no capítulo das sucessões… E agora?
Perante um conflito negativo de qualificação, isto é, quando a lei indicada pelas regras de

conflito não se mostra capaz de resolver a controvérsia, a doutrina entende que é necessária a
intervenção do juiz, no sentido de vir corrigir o mesmo, ou seja, a doutrina invoca o INSTITUTO DA

ADAPTAÇÃO (modificação do DIP, desbloqueando-o).  conflito positivo de qualificações, em que


hierarquizamos.
Contudo, a forma como este instituto acaba por funcionar é que é alvo de diversas
propostas doutrinais, contudo iremos só ver a:

Proposta de Ferrer Correia e Batista Machado (posição dominante): Estes autores

propõem o recurso às regras de hierarquização, propostas para os conflitos positivos de


qualificação, para podermos determinar qual das regras de conflito é mais importante, pois,

consoante a escolha, teremos de criar novas normas materiais para que essa lei indicada pela única
regra de conflitos eleita possa dar solução ao caso.

No caso em apreço, temos uma qualificação real e uma qualificação pessoal, pelo que vale a
primeira, isto é, a que atende ao local onde a coisa se encontra. Assim, aplicamos o art. 46º CC que

define como competente a lei portuguesa, em matéria de direitos reais.


Como a nossa lei não dá resposta a esta questão no capítulo dos direitos reais, tem de

ser o juiz a criar a norma material. Ele terá que ficcionar que o artº 2133ºCC (norma material
portuguesa que resolve o caso, mas que é sobre sucessões) é uma norma de direitos reais, de

modo a poder resolver o caso; isto através do instituto da adaptação. »» Ferrer Correia chama a
isto de QUALIFICAÇÃO SUBSIDIÁRIA.

NOTA: problema da qualificação » saber quais as normas materiais que estão a ser chamadas
pelas regras de conflito; em que conceito-quadro as normais materiais se subsumem.

Página 109 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

CAPÍTULO VI - CONFLITO DE SISTEMAS DE DIP


Pode acontecer que os sistemas de DIPrivado dos vários países entrem em conflito uns com

os outros. Podem dois sistemas jurídicos, com normas de DIPrivado diferentes, constituir uma
situação diferente para o caso. Podem julgar como competentes duas leis diferentes. Ou seja, tem

que ver com a diversidade dos elementos de conexão.

Porquê saber a lei aplicável? Para as relações a constituir e para as relações a reconhecer.

Isto é diferente do conflito de qualificações, pois estes ocorrem num só país, em termos de

qualificação de normas aplicáveis quando a questão está a ser julgada nos tribunais do foro »
problema que tem que ver com o conceito-quadro.

Por conseguinte, estes casos podem gerar desarmonia jurídica internacional: chega-se a

soluções diferentes, onde quer que o problema se coloque; há uma instabilidade das relações
jurídicas internacionais.

Exemplo: Art. 56º CC » Conceito-quadro: constituição de filiação, cujo elemento de


conexão é a lei pessoal (art.31º/1 CC – lei da nacionalidade) do cônjuge à data da
constituição da filiação.
Imaginemos que o senhor A é brasileiro, residente em Portugal e pai de B.
Segundo a nossa regra de conflitos, a lei competente para julgar o caso é a lei brasileira.

Mas no Brasil, para estas matérias, o elemento de conexão é a residência dos progenitores.
Logo, manda aplicar a lei portuguesa (que mandou aplicar a lei brasileira).

Podemos ter dois tipos de conflitos de sistemas:

1. Conflito positivo de sistemas de DIP (ver infra): Imaginemos que o senhor afinal era
português e residia no Brasil, tendo perfilhado B no Brasil, também. Sendo a questão colocada no

Brasil e sendo o elemento de conexão a residência habitual, eles entendiam que a lei competente era
a brasileira. Mas em Portugal, segundo a nossa regra de conflitos (art. 56º CC), a lei competente era

a nossa, uma vez que a nacionalidade era portuguesa. Temos, aqui, um conflito de sistemas de
Página 110 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
DIPrivado: duas regras de conflitos diferentes estabelecem duas soluções diferentes, cada qual

considera como competentes leis diferentes, daí estarmos perante um conflito positivo.

Coloca-se a questão: Qual das duas se vai aplicar? Este problema remete-nos para a
temática do reconhecimento de direitos adquiridos no estrangeiro;

2. Conflito negativo de sistemas de DIP: Ocorre quando a lei que a nossa regra de conflitos

considera competente não se considera, ela própria, competente.


No caso exposto, o nosso DIPrivado considerava a lei portuguesa como a lei competente, mas

a lei brasileira considerava a nossa lei como sendo a competente. Há aqui um conflito de sistemas de
DIPrivado. Duas regras de conflito diferentes que originam um resultado diferente. E trata-se de

um conflito negativo, porque nenhuma delas, vista em contrapartida, se considera competente,


após a outra as ter nomeado.

Coloca-se a questão: Perante estas circunstâncias, devemos aplicar a lei que o DIPrivado

em causa indique como competente ou devemos aplicar a regra de conflitos da lei considerada
competente, vindo esta a passar a responsabilidade para outra lei? No fundo, é um problema de

REENVIO.

NOTA: Este problema tem tendência a desaparecer, sobretudo na UE, porque as regras de

conflito estão cada vez mais uniformizadas – europeização/unificação do DIP. Se o elemento de


conexão for o mesmo, a solução vai ser igual onde quer que o problema se coloque.

PERGUNTA ORAL: Em que situações é que reconhecemos em Portugal uma situação

ocorrida no estrangeiro? Quando forem válidas à luz da lei competente, que é designada pela
regra de conflitos.

Página 111 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

6.1. O REENVIO
Está em causa um expediente de resolução de conflitos negativos de sistemas de DIPrivado, isto

é, para resolver os casos em que a lei indicada pelo nosso DIPrivado não se considera competente.
 Devemos aplicar essa lei? OU

 Devemos aplicar a lei que essa lei considera competente?

Existem quatro situações possíveis:


RETORNO DIRETO

São casos em que a Lei1 (lei do foro) considera a Lei2 competente. No entanto, esta, não se
considerando competente, por sua via, determina a lei do foro como a lei capaz de resolver o caso.

Lei 1 Lei 2

RETORNO INDIRETO
São casos em que a Lei1 (lei do foro) manda aplicar a Lei2, que não se considera competente,

indicando a Lei3 como sendo a lei competente. Esta, por sua vez, também não se considera
competente e remete para a lei do foro.

Lei 1 Lei 2 Lei 3

TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIAS SIMPLES


São casos em que a Lei1 (lei do foro) manda aplicar a Lei2, que não se considera competente,

indicando a Lei3 como sendo a lei competente.

Lei 1 Lei 2 Lei 3

Página 112 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIAS EM CADEIA


São casos em que a Lei1 (lei do foro) manda aplicar a Lei2, que não se considera competente,

indicando a Lei3 como sendo a lei competente. Esta, por sua vez, considera uma Lei4 como sendo a
lei competente (e assim sucessivamente).

Lei 1 Lei 2 Lei 3 Lei 4

Nota: Não têm de estar em causa apenas 4 leis. Temos transmissão de competências em

cadeia sempre que estejam em causa mais de 3 leis. No entanto, é pouco provável que surjam mais,
porque não existem assim tantos elementos de conexão possíveis.

Perante estas quatro possibilidades, temos de nos perguntar como resolver esta questão:

 Devemos aplicar a lei que consideramos competente ou aceitamos o reenvio?


 Será que o nosso DIPrivado quando elege uma lei competente pretende invocar apenas as

suas normas materiais ou também as suas regras de conflito? É que se aceitarmos esta
segunda hipótese, o que vai acontecer é que estamos a admitir estas situações. Caso

contrário, ficamo-nos pela aplicação da Lei2, por nós indicada (correndo o risco dela não se
considerar competente).

No fundo, está aqui em causa um problema de interpretação da nossa regra de conflitos.

Há duas grandes posições dogmáticas que visam a resolução deste quebra-cabeças:

1. TESE DA REFERÊNCIA MATERIAL: Esta tese, adotada em países como o Brasil, a

Dinamarca, a Suécia, etc., vem dizer que a nossa remissão para a Lei2 é apenas para as suas regras
materiais/substantivas, ignorando as respetivas regras de conflito.

Assim, esta teoria recusa a admissibilidade de reenvio » hostil ao reenvio.


Os fundamentos desta teoria assentam no facto de o legislador de DIPrivado ter querido
aplicar a lei mais próxima, quando mandou aplicar a Lei2 e não devemos deixar de cumprir a sua

Página 113 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
vontade só porque essa lei manda aplicar uma outra – aceitar o reenvio seria desaplicar a lei que

consideramos competente.
Além de que, aceitar o reenvio significaria aceitar a soberania estrangeira, pois deixaríamos de

aplicar a lei que o nosso legislador de DIPrivado escolheu para aplicar a lei que o legislador de outro
país elegeu como sendo a lei competente (no fundo, seria o outro legislador a escolher a lei aplicável

e não o legislador do foro).


Vantagem: É um sistema muito simples (de fácil aplicação), este, já que basta aplicar a lei que

a nossa regra de conflitos indicou, tem sido alvo de alguma adesão por parte de vários países.
Críticas: Esta tese gera desarmonia jurídica internacional, já que do mesmo modo que nós

aplicamos a lei que a nossa regra de conflitos manda aplicar, os outros sistemas farão o mesmo, sem
olhar ao facto de essas leis indicadas não se considerarem competentes. Deste modo, as soluções

irão variar consoante o local onde se coloque a questão;

2. TESE DA REFERÊNCIA GLOBAL: Esta tese vem defender que a remissão feita pela nossa
regra de conflitos deve ser de modo a abranger não só determinadas normas materiais, mas

também as normas formais da lei por nós indicada, ou seja, as normas de DIPrivado desse
sistema. Assim, aplicamos todo o sistema jurídico dessa lei (normas materiais e regras de conflito).

Há, portanto, uma referência global à lei que consideramos competente.

Aqui, podemos encontrar três sistemas diferentes:

 Devolução Simples: Também conhecida como a teoria clássica do reenvio, este sistema teve

origem em França e está em vigor, hoje, na Bélgica, França, Espanha, Luxemburgo e já vigorou em
Itália. Quando indicamos uma lei como sendo a competente, não nos cingimos às suas normas

materiais, mas também olhamos às suas normas formais (regras de conflito), mas segundo um
esquema de devolução simples » aceita o reenvio apenas uma única vez.

Deste modo, podemos promover a harmonia jurídica. No entanto, isto só é possível num
esquema de transmissão de competências simples, já que nos outros casos ou caímos num círculo

vicioso (casos em que a lei que indicamos como competente segundo um sistema de devolução
simples, também nos faz uma devolução simples a nós) ou então, caímos em desarmonia jurídica

internacional (é o que acontece quando temos mais de três leis envolvidas).

Se insistirmos em aplicar a L2 , estamos a desrespeitá-la, pois ela não se considera competente.


Página 114 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Quando remetemos para a L2 estamos a remeter para um sistema jurídico que é incindível »
Incindibilidade do sistema jurídico » não se pode separar as regras materiais das regra de conflito;

é um todo o sistema, não se podendo aplicar apenas uma parte.

Com este sistema só damos um salto, só avançamos uma lei para lá daquela que indicámos

como competente.

EXEMPLOS:

1)

Lei 1 Lei 2

Caso de retorno direto;

Se a L1 adotar devolução simples (favorável ao reenvio), aplica-se a L1

2)

Lei 1 Lei 2 Lei 3

Caso de transmissão de competências simples;

Se a L1 adotar referência material (hostil ao reenvio), aplica-se a L2

Se a L1 adotar devolução simples, aplica-se a L3

3)

Lei 1 Lei 2 Lei 3 Lei 4

Caso de transmissão de competências em cadeia;

Se a L1 adotar devolução simples, aplica-se L3

Página 115 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

4)

Lei 1 DS Lei 2 DS Lei 3 RM Lei 4


LeiLei
competente

competente

Se o caso se colocasse no Tribunal da L4 »» aplicaria a L4

Se o caso se colocasse no Tribunal da L3 »» aplicaria a L4 (desconsidera as regras de conflito

da L4, mas manda aplicar as normas materiais da L4)

Se o caso se colocasse no Tribunal da L2 »» aplicaria a L4 (L2 remete para a L3, mas não se
aplica necessariamente esta lei; podemos aplicar a lei que a regra de conflitos da L3 remeter)

Se o caso se colocasse no Tribunal da L1 »» aplicaria a L3

Neste caso, não se promoveu a harmonia jurídica internacional. Aceita o reenvio apenas
uma única vez.

5)

Lei 1 DS Lei 2 DS Lei 3 DS Lei 4


Considera-se
competente

Se o caso se colocasse no Tribunal da L4 »» aplicaria a L4

Se o caso se colocasse no Tribunal da L3 »» aplicaria a L4

Se o caso se colocasse no Tribunal da L2 »» aplicaria a L4

Se o caso se colocasse no Tribunal da L1 »» aplicaria a L3

Neste caso, não se promoveu a harmonia jurídica internacional. Aceita o reenvio apenas
uma única vez: remete para a lei 2 e aceita o reenvio, mas apenas essa vez – aplica essa lei, não olha
para onde ela pode remeter (sua regra de conflitos).

Página 116 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

6)

Lei 1 DS Lei 2 DS Lei 3


RM

Se o caso se colocasse no Tribunal da L3 »» aplicaria a L1 (RM hostil ao reenvio)

Se o caso se colocasse no Tribunal da L2 »» aplicaria a L1 (L2 manda aplicar a lei que 3 indicar)

Se o caso se colocasse no Tribunal da L1 »» aplicaria a L3

Devolução simples conduz à harmonia jurídica internacional.

 Dupla Devolução/Reenvio Total: Também conhecida como foreign court theory; é aplicada

em Inglaterra, Suíça e Israel; consiste em fazer uma remissão total, o que significa que o juiz
do foro tem de se comportar como se comportaria o juiz do Estado da Lei2, isto é, não só vai

atender às regras materiais e à regra de conflitos desta lei, mas também ao sistema de reenvio

e, por isso, aplica a lei que a Lei2 mandar aplicar.

Se a Lei2 se determinar como competente, nós aplicamos a Lei2; se a Lei2 faz devolução simples para

a Lei3, aplicamos a lei que esta mandar aplicar, porque a Lei2 faz o mesmo; se a Lei2 remeter para
outra lei por referência material, aplicando essa lei, sem admitir reenvio, nós fazemos o mesmo e

assim por diante. Nós fazemos o que a Lei2 mandar. Somos um espelho dessa lei.

Isto é muito bom em termos de harmonia jurídica internacional, aceitando os reenvios que sejam

necessários; exceto quando a Lei2 remete para a nossa lei por devolução simples, porque nesses
casos caímos num círculo vicioso;

EXEMPLOS:

1)

Lei 1 DD Lei 2 DS Lei 3


RM

Página 117 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Se o caso se colocasse no Tribunal da L3 »» aplicaria a L1 (RM hostil ao reenvio; apenas


remete para normas materiais)

Se o caso se colocasse no Tribunal da L2 »» aplicaria a L1 (L2 manda aplicar a lei que 3 indicar)

Se o caso se colocasse no Tribunal da L1 »» aplicaria a L1 (decide como o juiz da L2 decidiria)

Há harmonia jurídica internacional – onde quer que o problema se coloque a resolução


será a mesma para o caso.
Aceitou-se o reenvio duas vezes.

2)

Lei 1 DD Lei 2 DD Lei 3 DS Lei 4 RM Lei 5


Considera-se
competente

Se o caso se colocasse no Tribunal da L5 »» aplicaria a L5

Se o caso se colocasse no Tribunal da L4 »» aplicaria a L5

Se o caso se colocasse no Tribunal da L3 »» aplicaria a L5

Se o caso se colocasse no Tribunal da L2 »» aplicaria a L5

Se o caso se colocasse no Tribunal da L1 »» aplicaria a L5

3)

Lei 1 DD Lei 2
DD

Em L1 aplica-se a lei que L2 indicaria, mas em L2 faz-se o mesmo… Como ficam à espera do

que os outros sistemas fazem, pode haver bloqueio. Sendo que às vezes não é possível determinar a
lei aplicável.

E só funciona se alguns países (poucos) adotarem Dupla-Devolução.

Página 118 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

 Regulamentação subsidiária: É um sistema que vigora na Suécia e, como um sistema de


referência global, vai mobilizar mais do que só as normas materiais da lei que indicarmos

como sendo a competente, como a mais próxima. No entanto, vai fazê-lo sem admitir o
reenvio!

Isto porque o chamamento das regras de conflito da Lei2 só vai servir para saber se essa lei, segundo
as suas regras de conflito, se considera competente ou não. Nada mais.

Se a regra de conflitos remeter para uma terceira lei ou para a lei do foro, então é porque não se
considera competente e, nesse caso, é necessário recorrer a uma regra de conflitos subsidiária.

O problema desta teoria tem que ver com a necessidade de haver regras de conflito subsidiárias
para todas as matérias, sendo um sistema muito complexo/pesado. É um sistema que não vale por

si só.
A vantagem é que o legislador do foro tem mais controlo sobre a lei aplicável.

NOTAS

Estas posições de reenvio são chamadas as posições dogmáticas de reenvio: são posições
que já sabem o que querem fazer do reenvio.

O nosso sistema é um sistema pragmático de reenvio: não tem uma posição fixa; vai, numas

vezes aceitar o reenvio e noutras não (posição pragmática do reenvio) – consoante se o reenvio
promove ou não à harmonia jurídica internacional. O nosso sistema vai ver caso a caso se faz sentido

aceitar ou não o reenvio.

Além disso, estas posições apuram-se perante as regras de conflito internas; os regulamentos

europeus têm a sua própria posição de reenvio, sendo que em muitos deles é referência material.
Assim, pelo menos na UE, os conflitos negativos vêm desaparecendo, pois com esta europeização do

DIP, conseguida pelos regulamentos e EM, sabemos sempre qual lei aplicar (princípio do primado do
DUE).

Página 119 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

PERGUNTA DE EXAME: “A lei polaca tem um sistema misto de reenvio”


Tal como nós, não adere a um sistema puro (dos que vimos), mas distingue-se de nós no

seguinte: Nunca aceita reenvio (ou seja, só admite referência material, pelo que aplica sempre a
lei que as suas regras de conflito indicam como sendo a competente, ignorando as regras de

conflito dessa lei), exceto quando essa lei remeta para a lei polaca (devolução simples). Nesses
casos, já aceita o reenvio.

Objetivo: Aumentar os casos em que aplica a lei do foro (lei polaca)!

6.1.1. O REENVIO NA LEI PORTUGUESA: A POSIÇÃO PRAGMÁTICA E A BUSCA DA HARMONIA


JURÍDICA INTERNACIONAL
O sistema português não adota uma posição dogmática. Não determina qual a sua posição
em sede de reenvio. Tem uma posição pragmática: reenvio de coordenação. Em vez de o legislador

decidir se o reenvio deve ser aceite, este vai aceitar o reenvio só nos casos em que ele conduza à
harmonia jurídica internacional (acordo entre países quanto à lei aplicável). Porque é que o

legislador quer harmonia jurídica internacional? Garantir a estabilidade nas relações jurídicas.

Este sistema é difícil, complexo. Nota prévia: Este sistema está consagrado no CC. Só se aplica
este sistema quando estamos a utilizar regras de conflitos de fonte interna. Ou seja, não se aplica

quando tenhamos p.ex. regulamentos da EU.

Como começa o nosso sistema de reenvio? O que significa?

Artigo 16.º - Referência à lei estrangeira. Princípio geral

A referência das normas de conflitos a qualquer lei estrangeira determina

apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno dessa lei.

Página 120 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
Parece estar consagrado no artigo 16.º a tese da referência material: Tudo começa com a

referência material. Para Ferrer Correia isto é uma regra geral; Já para Batista Machado é um
princípio mas não uma regra.

Referência material mas na falta de preceitos em contrário – onde? Artigo 17.º e 18.º. São
os casos em que, ao contrário do que estabelecia o artigo 16.º, vamos aceitar o reenvio: deixar de

aplicar a lei que íamos aplicar para aceitar o reenvio, ser reenviados para outra lei. A pergunta que se
faz é: quando aplicamos o artigo 17 e o artigo 18?

Artigo 17 -» casos de aceitação do reenvio na transmissão de competências

Artigo 18.º -» casos de aceitação de reenvio em caso de retorno, ou seja, aceitamos o

reenvio se a lei estrangeira estiver a fazer um reenvio para a lei substancial portuguesa.

NOTA: Significa assim que é muito importante que, perante um caso, saibamos se estamos

perante um caso de transmissão de competência ou de retorno, porque as soluções vão ser


diferentes.

NOTA 2: Não estando num caso do artigo 17.º ou 18.º vamos aplicar o artigo 16.º que

manda fazer uma referência material.

 O reenvio deve aceitar-se quando seja útil/ promova à harmonia jurídica internacional.

Artigo 18.º/1

Aceita-se o reenvio se a lei 2 estiver a fazer uma referência material para o direito material

português pois é nestes casos que é útil para alcançar a harmonia jurídica internacional.

Nota: quando diz direito interno, deve entender-se por direito material, direito substantivo.

Exemplo de retorno indireto:

Lei 1 Lei 2 Lei 3


Local do facto
Residência

Página 121 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

No caso de retorno indireto: L1 remete para L2, L2 (local do facto) remete para L3 (residência) e
esta remete para L1.

Lei 1 Lei 2 RM Lei 3


RM

Agora temos remissão da L2 por referência material para L3 e L3 remete com referência material
para L1. Se é por referência material, então há uma desconsideração das regras de conflitos. Utiliza-se

regras materiais. Assim, tribunal 3 aplicaria a L1, o Tribunal 2 aplica a L3. Nestes casos faz sentido?
Não, porque não é possível a harmonia jurídica internacional. Logo, não aceitaríamos o reenvio.

Quando no retorno direto faz sentido aceitar o reenvio?

DS
Lei 1 Lei 2 Lei 3
RM

L2 remete para L3 com devolução simples. L3 remete para L1 com referência material. Se o
problema se colocasse em 3, aplicaríamos a lei 1. Se se colocasse em 2: aplicaríamos a lei 1, porque

temos devolução simples. Vai fazer o que a lei 3 mandar, que é a remissão para a Lei 1. Assim, vamos
conseguir harmonia jurídica internacional e portanto, aceitaríamos o reenvio.

Lei 1 Lei 2 DD Lei 3


RM

E se a Lei 2 remete para a Lei 3 com dupla devolução. L3 remete para L1 com referência material.
Em 3 aplicaríamos a Lei 1. No 2 aplicaríamos a L1. Neste caso seria útil aceitar o reenvio? Sim. Vamos

conseguir harmonia jurídica internacional.

No retorno indireto faz sentido aceitar o reenvio se:

 A Lei 3 remeter para a Lei 1 por referência material;


 A Lei 2 remeter para a lei 3 por devolução simples e dupla devolução, ou seja, em casos que

seja útil o reenvio para alcançar a harmonia jurídica internacional.


Página 122 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Se olharmos para o artigo 18.º este só prevê o retorno direto. E não o indireto. Mas será que não
faz sentido aceitá-lo nestes casos? Sim! Assim a doutrina faz uma extensão teleológica para aceitar o

reenvio na qualidade de retorno indireto. Esta extensão teleológica consiste em juntar um inciso no
artigo 18.º. Qual inciso? “… devolver direta ou indiretamente (...)”.

Já sabemos quando aceitamos o reenvio em casos de retorno. Podemos aceitar o reenvio se a


regra de conflitos da lei 2 estiver direta ou indiretamente a indicar a lei portuguesa; se estiver direta
ou indiretamente considerar aplicável a lei portuguesa.

Artigo 17.º/1

Lei 1 Lei 2 Lei 3

A lei 1 remete para a Lei 2 ( lei da residência) que remete para a Lei 3 (Lei local);

 Aceite-se o reenvio se a L3 se considerar competente.

Lei 1 Lei 2 RM Lei 3

Agora da Lei 1 remete para a Lei 2 e a Lei 2 para a Lei 3 com referência material.

Então se o problema se colocasse no tribunal 3, o juiz aplicaria a lei 3.

Se se colocasse o problema em 2: O juiz aplicaria a Lei 3.

Faz sentido? Sim. Porque vamos conseguir harmonia jurídica internacional.

Lei 1 Lei 2 DS Lei 3

E se a Lei 2 remetesse com devolução simples para a Lei 3? Aplicava-se a lei 3 porque se considera

competente.

E se o problema se colocasse em 2: Aplicaríamos a lei 3. Assim conseguimos harmonia jurídica


internacional.

Página 123 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Lei 1 Lei 2 DD Lei 3

Se a Lei 2 remetesse para a Lei 3 com dupla devolução? Na transmissão de competências só


importa se a Lei 3 se considera competente, não interessa o sistema de reenvio que a Lei 2

utiliza para remeter para a Lei 3.

Lei 1 Lei 2 RM Lei 3

DV

A Lei 1 remete para a lei 2 e a lei 2 para a lei 3 com referência material e a lei 3 para a lei 2 por

devolução simples. NÃO É RETORNO POIS NÃO REMETE PARA A LEI PORTUGUESA (Lei 1), LOGO
TEMOS AQUI TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIA. SIMPLES OU EM CADEIA? SIMPLES. Considerar-

se competente a lei 3 significa que a regra de conflito remeta para a lei 3.

Se o problema se colocasse em 3: aplicaríamos a lei 3;

Se o problema se colocasse em 2: aplicávamos a lei 3;

Neste caso parecia que a lei 3 não se considera competente, mas não. Neste caso devemos

aceitar o reenvio.

TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIAS EM CADEIA

Lei 1 Lei 2 Lei 3 Lei 4

A Lei 1 remete para a Lei 2, a Lei 2 remete para a Lei 3 e a Lei 3 remete para a Lei 4.

O que será necessário para aceitar o reenvio? Se a L4 se considerar competente.

RM RM
Lei 1 Lei 2 Lei 3 Lei 4

Se a Lei 2 remete por referência material para a Lei 3 e a Lei 3 para a Lei 4 por referência material.

Página 124 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Em 4: Aplicaríamos a L4;

Em 3: Aplicaríamos a L4;

Em 2: Aplicaríamos a L3;

Já não há harmonia jurídica e portanto não aceitamos o reenvio. Assim, mais vale aplicarmos a

lei que indicamos.

Lei 1 Lei 2 DS ou DD Lei 3 Lei 4

Basta que a remissão da Lei 2 para a Lei 3 seja por devolução simples ou dupla devolução.
Assim em 4 aplicaríamos a lei 4; em 3 aplicaríamos a lei 4; e em 2 aplicaríamos a lei 4; Em qualquer

dos casos, conseguiríamos harmonia jurídica internacional.

Temos de fazer uma extensão teleológica. Estender o artigo 17.º, exigindo o que está

expressamente exigido no nº1 – que a última lei se considere competente – e adicionarmos um


requisito: que a remissão da lei 2 para a lei 3 seja favorável ao reenvio (devolução simples ou dupla

devolução).

EXERCÍCIO:
RM DS
Lei 1 Lei 2 Lei 3 Lei 4
RM

1. O Reenvio é uma técnica para conseguir a harmonia jurídica internacional; Assim, temos de

verificar se o objetivo do sistema se cumpre com o reenvio ou não.


2. Verificar o que os outros sistemas fazem e portanto começamos com:

2.1. Juiz de 4: A Lei 4 está a remeter para a Lei 3 por referência material e portanto o juiz
de 4 aplicaria a lei 3;

2.2. Em 3: Devolução simples logo a que l4 achar competente é a lei a aplicar, logo
aplicávamos a lei 3;
2.3. Em 2: aplicaríamos a Lei 3;

Página 125 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

2.4. Então, em 1: era útil aplicar a lei 3, logo aceitaríamos o reenvio para a Lei 3. Temos
transmissão de competência e portanto temos de ver se os requisitos do artigo 17

estão preenchidos:
2.4.1. A lei 3 se considere competente. Como sabemos isso: se o caso se colocasse em

3, aplicaríamos a lei 3. Logo, cumpre-se o artigo 17.º e podemos aceitar o reenvio.

Vamos imaginar que estamos a discutir o estado civil de uma pessoa

Artigo 25.º - Lei pessoal -» Lei da nacionalidade. Estamos a mandar aplicar a lei da nacionalidade.

Lei 1 Lei 2
RM

Acontece que o Sr. A tem nacionalidade argentina mas a lei argentina considera competente a
lei do local onde a pessoa estiver, que é em Portugal. A Lei 2 remete para a Lei 1 por referência

material -» Caso de retorno direto.

Então na Argentina: Aplicaríamos a lei 1; Fazia sentido o reenvio. Então vamos ao artigo 18.º.
Devemos aceitar o reenvio. O seu estado civil é regulado pela lei portuguesa. No entanto, podemos

estar a aplicar uma lei que não é a mais próxima do caso, que não tenha ligação ao caso, visto que
foi o outro sistema que escolheu, porque foi aceitar o reenvio. Mas isto tem um risco: Aplicar uma lei

que as pessoas não conhecem bem. Há um conjunto de matérias em que isso é mais grave: art. 25.º
- matéria de estatuto pessoal (estado das pessoas, capacidade, relações de família e sucessões por

morte). O reenvio em matérias de estatuto pessoal deveria ser mais rigoroso, mais exigente, devia ser
limitado.

DD
Lei 1 Lei 2 Lei 3
Considera-se
competente

A Lei 2 remete para a lei 3 com dupla devolução e a lei 3 considera-se competente. Temos de
verificar em concreto se aceitamos o reenvio.

Página 126 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Então o juiz da lei 3 – aplicaríamos a lei 3;

Se o caso se colocasse em 2: lei 3

Será que neste caso faz sentido aceitar o reenvio sob o ponto de vista da harmonia jurídica
internacional? Sim. Se aplicarmos a lei 3 vamos conseguir a harmonia jurídica internacional. O nosso

legislador dá autorização para o reenvio? Aplicamos o artigo 17.º ou 18? Artigo 17.º porque se
trata de transmissão de competência. Qual o requisito do artigo 17.º/1? Que a lei 3 se considere

competente. E em três aplica-se a lei 3. Logo, aceitamos o reenvio, promovendo a harmonia jurídica
internacional.

6.1.2. O REENVIO NAS MATÉRIAS DO ESTATUTO PESSOAL. A HARMONIA QUALIFICADA


COMO LIMITE E COMO FUNDAMENTO AUTÓNOMO DE REENVIO

Para regular o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as
sucessões por morte (matérias do artigo 25.º) o legislador escolheu a lei pessoal -» Em princípio

será a lei da nacionalidade pois considera ser a lei mais próxima. Alguns países escolhem como lei

pessoal a lei da residência. Se uma pessoa reside num país sabe a lei que a ela se aplica. O nosso
legislador considera como lei pessoal a lei da nacionalidade por considerar ser a lei mais próxima. Os

países mais velhos são países de emigração. Se escolhermos na Europa a lei da nacionalidade, apesar
de agora residirem noutro país, aplica-se a lei da nacionalidade, para manter a ligação com o seu

país. Nos países novos, pretende-se criar uma ligação com esse país, escolhendo a lei da residência.

Mas estamos a aplicar a lei da nacionalidade? Em nome da harmonia jurídica internacional,

aceitámos o reenvio. Isto levanta uma preocupação: No estatuto pessoal há uma preocupação em
escolher uma lei que a pessoa conheça bem.

Pegando no exemplo anterior, vamos imaginar que o Sr. A celebrou um determinado negócio

num outro país. Aqui vai aplicar-se então essa lei porque se aceitou o reenvio. Será que se deve
aplicar uma lei que a pessoa não conhece em nome da harmonia jurídica internacional? Será
que a harmonia jurídica internacional é assim tão importante?

Página 127 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

 O nosso legislador estabeleceu um regime especial de reenvio para as matérias de estatuto


pessoal. Um regime mais restritivo. -» Art. 17.º e 18.º, ambos nº2.

Como funciona?

1ºREQUISITO: Matéria de estatuto pessoal;

2º REQUISITO: Só aplicamos o nº2 se tivermos aceitado o reenvio do nº1 – Assim, o nº2 do artigo
17.º e 18.º são de APLICAÇÃO SUCESSIVA.

Vai aceitar o reenvio não apenas pela harmonia jurídica internacional mas também exige a

harmonia jurídica qualificável. Há um acordo quanto à lei aplicável mas é uma harmonia que tem
de ser qualificável. Vamos exigir este consenso entre as duas leis que em princípio seriam as leis mais

importantes. Se não estiverem de acordo as duas leis, nós insistimos na lei da nacionalidade mesmo
prejudicando a harmonia jurídica internacional.

Aqui temos de passar a considerar, em matérias de estatuto pessoal, que o nosso legislador é

mais exigente e não basta a harmonia Jurídica internacional. Temos de ver o que faz a lei da
nacionalidade e a lei da residência.

Sr. Inglês, celebrou um negócio em Israel e reside em Espanha

Lei 4 (Espanha – lei da residência)


RM

Lei 1 Lei 2 DD Lei 3


(Inglaterra – lei da nacionalidade)

A lei 1 remete para a lei 2 (lei da nacionalidade), a lei 2 remete para a lei 3 (dupla devolução).

Vamos ver a lei da residência (Lei 4 – lei da residência: lei espanhola). Esta remete por

referência material para a lei 2 (Inglaterra). Então: Em Espanha, país de residência, nestas matérias
manda aplicar a lei da nacionalidade, ou seja, a lei de Inglaterra.

Se o problema se colocasse em Inglaterra, aplicaríamos a lei 3.

Página 128 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Se o problema se colocasse em Espanha, aplicaríamos a lei 2.

Quanto à harmonia jurídica qualificada concluímos que não há: a lei da residência e a lei da
nacionalidade do sujeito não concordam.

Vamos ver os n.º 2 dos arts. 17º e 18º.

Neste caso, artigo 17º/2:

Cessa o disposto no n.º anterior (voltamos a aplicar o art. 16º, que já era a regra geral), se a

lei para o qual a nossa regra de conflitos remete é a lei pessoal (em duas situações alternativas): se
o sujeito a quem se aplica residir em Portugal (não se verifica), ou se no país onde ele reside se

considerar competente a lei da nacionalidade.

Logo, cessa o reenvio porque está cumprido o 17.º/2, logo aplicamos a lei 2, o que quer dizer

que vamos estragar a harmonia jurídica internacional. Se aceitássemos apenas a harmonia jurídica
internacional íamos aplicar uma lei que o Sr. A não conhecia.

Caso o país da nacionalidade quisesse aplicar a lei israelita e se o país da residência quisesse

também aplicar a lei israelita então também não me vou opor. Ou seja, se as duas leis mais
importante estivessem de acordo. Aqui prefere aplicar uma lei que conhecemos em detrimento da

harmonia jurídica internacional.

Assim funciona o art. 17º: no nº 1 encontramos situações em que aceitamos o reenvio; no n.º

2 situações em que cessa/pára o reenvio, não o aceitamos, aplicamos o art. 16º.

UM CASO DE RETORNO:

Lei 1 Lei 2
RM

Lei 1 – Capacidade para a realização do negócio;

Lei 2 – Lei da Nacionalidade


Página 129 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

A Lei 1 manda aplicar a lei 2 (lei da nacionalidade - cubana). L2 remete para L1, tendo um
retorno por referência material.

Lei 1 é portuguesa porque é o local de celebração do negócio.

Então se o problema se colocasse em 2 aplicaríamos a lei 1;

Faz sentido aceitar o reenvio? Sim porque vamos conseguir a harmonia jurídica internacional

Sendo um caso de retorno então vamos ver ao artigo 18.º se podemos aceitar o reenvio.
Aceitasse se a Lei 2 remetesse para a lei portuguesa. É O CASO? SIM!! Logo, aplicaríamos a lei

portuguesa. Qual o risco? Qual a nacionalidade do senhor? Cubano. E se ele não conhece a lei? Só
aplico a lei portuguesa se as duas mais importantes (nacionalidade e residência) estiverem de acordo,

caso contrário, aplico a lei da nacionalidade e esqueço a harmonia jurídica internacional.

Cubano e reside em Espanha.

Lei 3 (Espanha – lei da residência)


Lei 1 Lei 2
RM

Então acrescentar Lei 3 (lei de residência - Espanha) que remete para a lei 2 (lei da

nacionalidade).

Se o caso se colocasse em Cuba: aplicaríamos a lei 1

Se o caso se colocasse em Espanha: aplicaríamos a lei 2

Não temos harmonia jurídica qualificada, logo, vamos parar por aqui, não vamos aceitar o

reenvio.

No artigo 18º/2 não temos causas de cessação do reenvio como no artigo 17º/2, temos
requisitos adicionais para que o reenvio se mantenha.

O reenvio só se mantém se se cumprir um dos requisitos lá elencados. Os requisitos não são


cumulativos.

Página 130 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

O interessado reside em Portugal? Não, reside em Espanha: o primeiro requisito adicional


não se preenche.

O país da residência aplica a lei portuguesa? Não, a da nacionalidade (cubana): também não

se preenche o segundo requisito adicional.

Assim, não se preenchendo nenhum dos requisitos adicionais do art. 18º/2, o reenvio não é
aceite: aplica-se a lei da nacionalidade, a lei que o nosso legislador tinha escolhido, de forma a

aplicar uma lei que a pessoa conhece.

Assim, em ambos os casos há um sistema de aceitação do reenvio mais exigente, mas


funcionam de forma diferente.

Agora temos um problema de perfilhação. Estamos no âmbito do estatuto pessoal.

Lei 1 Lei 2 RM Lei 3


Lei da Nacionalidade
Local do
Art. 56.º RM
ato

Este é um problema de reenvio na modalidade de retorno indireto. Devemos aceitar este


reenvio? Sim, caso o reenvio promova a harmonia jurídica internacional.

O Tribunal 3 aplicaria a lei 1 (lei portuguesa);

O Tribunal 2 aplicaria a lei 3.

Posto isto, não devemos aceitar o reenvio porque não temos maneira de conseguir a
uniformidade de lei aplicável – não promoverá a harmonia jurídica internacional.

O que é que o art. 18º diz nesta matéria?

“quando a lei 2 estiver direta ou indiretamente a remeter para a lei portuguesa”

Não se verifica – não se preenche o requisito do artigo 18º/1;

Não se preenchendo o art. 18º/1, vamos para a regra geral do art. 16º: devemos fazer uma
referência material, ou seja, aplicamos a lei 2.

Página 131 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Mas estamos em estatuto pessoal, isto muda alguma coisa?

Íamos ser mais exigentes no reenvio: tínhamos números de aplicação sucessiva (mas era se

aceitássemos o reenvio – e íamos ver se ele se mantinha, pela verificação dos requisitos extra)

Neste caso, não temos de ver se o reenvio cessa no 18º/2 porque não aceitámos o reenvio,

não se verificando o requisito do 18º/1.

Mas já que estamos em matéria de estatuto pessoal, vamos ver o que dizem as leis mais
importantes para a pessoa.

Sistema jurídico da nacionalidade: é a lei 2, que considera competente a lei 3.

Sistema jurídico da residência (do perfilhante): ele reside em lei 4, que considera competente
a lei 3 com referência material – aplica a lei 3.

Lei 4 (lei da residência)


RM
Lei 1 Lei 2 RM Lei 3
Lei da Nacionalidade
Local do
ato

Conclusão: tanto a lei da nacionalidade como a lei da residência estão de acordo quanto a
aplicar a lei 3 – temos harmonia jurídica qualificada. Mas esta normalmente exige mais a partir do

reenvio (têm de se verificar mais requisitos); é um limite ao reenvio, por isso é que no caso supra
nem nos preocupámos com a harmonia jurídica qualificada – não tínhamos aceitado o reenvio por

falta de verificação do primeiro requisito (básico) do 18º/1.

Deixámos funcionar o sistema e ele aplicou a lei 2, aplicámos a lei que a pessoa conhece
melhor.

Será que deve ser relevante na escolha da lei aplicável, que as duas leis mais importantes
estejam de acordo em aplicar a lei 3?

Será que em vez de aplicarmos a lei 2, fazendo funcionar o sistema, devemos aplicar a lei
3, não por promover a harmonia jurídica internacional (porque não promove), mas por ser a lei

Página 132 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
que os dois sistemas mais importantes para a pessoa acham ser aplicável ao caso (estão de
acordo)? E se aplicarmos, isso é aceitar o reenvio ou não?

Sim, porque deixamos de aplicar a lei para a qual o nosso sistema tinha remetido; e aplicamos

outra, a lei 3. Será que não devíamos aceitar um reenvio para a lei 3, neste caso?

 Quanto a esta questão a Escola de Coimbra (FERRER CORREIA, BAPTISTA MACHADO,


MOURA RAMOS) defende que devemos aceitar o reenvio: devemos nesta situação aplicar a

lei 3. Fundamentos:
 Em matéria de reenvio de estatuto pessoal, tanto ou mais importante do que a

harmonia jurídica internacional, é a harmonia jurídica qualificada – é um princípio


estruturante. Portanto, quando existe harmonia jurídica qualificada, devemos aplicar a

lei que os dois sistemas mais importantes para a pessoa querem aplicar.
 Isto decorre implicitamente do 17º/2 e sobretudo do 18º/2: “aceita-se o reenvio

quando a lei da nacionalidade e a lei da residência estiverem de acordo”.

Isto significa que aceitámos o reenvio em nome de quê? Da harmonia jurídica qualificada.

E normalmente aceitamos o reenvio com base em quê? Em harmonia jurídica simples.

A harmonia jurídica qualificada costuma ser um limite ao reenvio. Aqui ela serve de

fundamento ao reenvio.

Esta é uma construção que vê a harmonia jurídica qualificada como fundamento


autónomo do reenvio – autónomo do fundamento normal (harmonia jurídica internacional).

 Mas a Escola de Lisboa diz: era bom, era excelente que o sistema previsse a possibilidade de

aceitar o reenvio neste caso, mas não prevê, não decorre expressamente da lei que se possa
prever isto – devia, mas não ocorre.

Como não está expressamente na lei, não devia aceitar-se – devia estar, mas não está, logo,
apesar de haver harmonia jurídica qualificada, mantemos a nossa posição, fazemos funcionar o

sistema e aplicamos a lei 2.

Página 133 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Outra hipótese:

Estamos fora das matérias de estatuto pessoal e mandamos aplicar a lei inglesa; esta

considera competente a lei portuguesa.

Problema de retorno direto:

Lei 1 Lei 2
DD

O tribunal da lei 2: vai aplicar a mesma exata lei que seria aplicada pela lei 1;

O tribunal da lei 1: o nosso sistema é pragmático, fica à espera de ver o que as outras leis

fazem para decidir a lei que vai aplicar.

Isto pode gerar um problema, quando as outras leis fazem o mesmo, quando também ficam à

espera de ver o que fazemos -» Cria-se um ciclo vicioso.

O que fazer nestas situações?

Há duas formas de resolver o problema consoante a forma como estejamos a ler o nosso
sistema de reenvio.

1 FERRER CORREIA vê no art. 16º a regra geral (não aceitação do reenvio); no art. 17º e 18º

exceções (aceitação do reenvio) – que apenas se utilizam quando for expressamente


necessário para a harmonia jurídica internacional.

Nesta situação, não aceitar o reenvio significaria aplicar a lei 2 – a lei que o nosso sistema
aplicou.

Página 134 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Aceitar o reenvio seria aplicar a lei 1, porque era aplicar outra lei que o nosso sistema não
indicou. O reenvio aqui é necessário a promover a harmonia jurídica internacional? Precisamos de o

aceitar para obter esse resultado?

Se aceitarmos o reenvio:

T1: Lei 1

T2: Lei 1

Se não aceitarmos o reenvio:

T1: Lei 2

T2: Lei 2

Ou seja, seja qual for a nossa opção, teremos sempre harmonia jurídica internacional –
podemos decidir o que quisermos, a questão é saber o que decidir.

 Segundo F. CORREIA, devemos aceitar o reenvio se ele for necessário à harmonia jurídica

internacional, caso contrário, vamos para a regra (art. 16º).

Assim, seguindo este pensamento, vamos aplicar a L2.

Sabendo que a lei inglesa vai fazer sempre o que nós quisermos, e teremos harmonia jurídica

internacional, vamos aplicar a lei 2, não vamos aceitar o reenvio – obtemos a harmonia jurídica
internacional sem recorrer ao reenvio.

A vantagem é que estamos a aplicar a lei que o nosso legislador entendeu ser a lei mais

relevante. Os ingleses fazem o que quisermos, logo aplicamos a lei que achámos mais relevante no
início.

Página 135 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

2
Mas para BAPTISTA MACHADO a questão vê-se de outra forma: ele não vê nenhuma
regra no art. 16º; para ele são os casos de não aceitação do reenvio; e o 17º e 18º são os casos de

aceitação do reenvio.

Esta situação é um caso não previsto. Nesta situação podemos aplicar a lei que quisermos?

Do ponto de vista da harmonia jurídica internacional, sim – de qualquer forma; seja qual for o
percurso que sigamos, e estando cumpridos os requisitos, podemos convocar aqui um princípio do

DIP: Princípio da boa administração da justiça -» Em Portugal, se for possível, aplique-se a lei
portuguesa, porque é a lei que o juiz conhece melhor – e Inglaterra aplicará também essa lei porque

faz o que nós fizermos.

Temos harmonia jurídica internacional e boa administração da justiça.

Qual destas formas escolher?

O STJ, tem um acórdão em que escolhe o sistema de BAPTISTA MACHADO porque a

aplicação é mais fácil para o juiz português – é a lei que conhece melhor. Esta é a forma mais
comum, a preferível pela jurisprudência.

Página 136 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

6.2. O PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE: ACEÇÕES, OBJETIVOS, A SUA INFLUÊNCIA NO


REENVIO E O SEU AFLORAMENTO NO ARTIGO 47.º DO CÓDIGO CIVIL

NOTAS:

1. Este princípio nada tem a ver como princípio da proximidade (um dos princípios a que o

legislador atende para escolher a lei aplicável – escolhe a lei mais próxima).

Open-endes rules: passam para o juiz a escolha da lei, segundo o princípio da proximidade –
é um princípio geral que orienta o legislador.

2. Este princípio não tem rigorosamente nada a ver com direitos reais.

É um princípio jurídico que pretende salvaguardar um risco: tem a ver com aquelas situações
em que acabamos por regular uma universalidade de bens.

Art. 62.º (conceito-quadro: sucessão por morte): escolhemos uma lei, lei da nacionalidade,

para regular vários bens, onde quer ele esteja.

Exemplo:

O senhor A, de cujus, morreu e deixou bens em Portugal, no Brasil, em França e em Inglaterra.

Quem vai regular esta matéria é a lei da nacionalidade – ele era português, logo, a lei
portuguesa vai regular a sucessão.

A lei portuguesa vai dizer, por exemplo, que os bens vão para o cônjuge e para o filho. Será

que fazemos bem em aplicar a lei portuguesa a toda a sucessão, ou será que isso vai envolver um
risco? É que por exemplo, pode acontecer que num destes países, eles entendam que, na lei deles, os

herdeiros não são estes.

Página 137 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Por exemplo, para a lei brasileira, o cônjuge não pode ser sucessor, não se preenchem os seus
requisitos – apenas pode ser o filho. Mas para a nossa lei é o cônjuge que é o sucessor e vai ser

herdeiro de uma casa no Brasil, no Estado do Rio.

E se a nossa decisão, a sentença que escolheu uma única lei, que abrangeu vários bens em
situações diferentes, não for reconhecida nesse país onde está a situação da coisa?

Envolve um risco de não reconhecimento da nossa decisão em alguns dos países onde estão

os nossos bens.

Para obviar a este risco, um autor alemão, ZITTELMANN, desenvolveu o princípio da maior

proximidade, que diz que quando estamos a escolher uma lei de determinada matéria mas que
envolve uma universalidade de bens, pode ser necessário separar alguns desses bens do domínio

dessa lei aplicável e submetê-los, nessa matéria, à lei que tem a maior proximidade, isto é, à lei da
situação da coisa.

Porque deixar isto funcionar implica um risco de que a nossa sentença sucessória não seja

reconhecida no país da situação da coisa.

Temos de separar a lei do todo e submeter à lei da parte. Mas que bens?

Bens imóveis – isto só se justifica no âmbito de bens imóveis, porque são bens que têm
efetivamente uma relação muito forte com a lei da situação da coisa. Portanto, é nos bens imóveis

que o problema se coloca.

Para quê? Qual é o objetivo?

Para garantir que a nossa decisão seja reconhecida, que possa produzir efeitos em relação à

coisa, ao bem em causa.

Mas quando? Em que situações é que devemos destacar alguns desses bens e submete-
los à lei da situação da coisa?

Quanto a isto, este princípio tem duas aceções:

Página 138 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

 Princípio da maior proximidade na sua aceção restrita ou material: só quando a lei do país
da situação da coisa tiver um regime especial de direito substantivo (direito material) para aquele

tipo de bens/ para aquele imóvel (apenas neste caso não aplicamos lei da nacionalidade à
universalidade do bens da sucessão). Nesta aceção o princípio funciona pouca vezes apenas havendo

um regime especial em certa lei.


 Princípio da maior proximidade na sua aceção ampla ou conflitual: os casos em que o

princípio opera tem em conta o direito conflitual e não o material. Quando a lei da situação da coisa
se considere competente aplicamos o princípio e o todo cede à parte.

Têm em comum serem ambas formulações do princípio da maior proximidade: em certos casos
devemos separar a lei aplicável aos bens e submeter esse bem à lei da situação da coisa.

Será que este sistema vale/vigora em Portugal? Será que quando estamos a escolher uma lei
para aplicar ao regime de bens do casamento, escolhemos leis diferentes para os diferentes
bens envolvidos?

PARA FERRER CORREIA VIGORA EM PORTUGAL, NÃO NA PARTE GERAL MAS NUM

INSTITUTO ESPECIAL DA PARTE ESPECIAL.

Na prática vamos aplicar um regime especial para regular a lei da situação da coisa, mas vamos

aplicar segundo um regime especial.

Para FERRER CORREIA, o princípio da maior proximidade, acaba por vigorar em Portugal, na
sua aceção restrita, indiretamente, não em sentido próprio, mas através de um outro instituto

(norma de aplicação necessária e imediata). Se um imóvel está na Suécia e para a lei sueca é especial
então estamos dispostos a aplicar essa lei -» normas de aplicação necessária e imediata.

E na aceção ampla ou conflitual?

Este princípio não vigora em Portugal, isto é, quando escolhemos a lei aplicável a regular a
sucessão aplicável a sucessão dos bens, não aplicamos outra lei, não vigora em Portugal.

Página 139 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Porquê?

Diz FERRER CORREIA, que o princípio da maior proximidade não é necessário nem suficiente
para atingir seu objetivo, para o fim a que se destina: o reconhecimento das nossas decisões noutro

país, no país da situação da coisa, do imóvel.

 não é suficiente porque alguns países, em matéria de imóveis, pura e simplesmente nunca
reconhecem decisões estrangeiras seja qual for a lei que aplicam – que é justamente o caso do Brasil;

não vale a pena ter esse princípio, aplicar lei diferente daquela que tínhamos escolhido para este
problema, para esta matéria da sucessão, porque ele não vai ser suficiente - mesmo que decidamos

aplicar a lei brasileira, a sentença não vai ser reconhecida lá, então, para quê mudar o direito
conflitual?

 não é necessário abdicar da lei que tínhamos escolhido para aplicar a lei da situação da coisa,
se nesse país vigorar a teoria do reconhecimento dos direitos adquiridos (aceito decisões

estrangeiras que tenham aplicado uma lei diferente; considero-me competente para regular a
situação, mas as sentenças que aplicam lei diferente vigoram na mesma). Mesmo que mudemos a

lei aplicável, que apliquemos outra lei que não a que queríamos, noutro país vão reconhecer na
mesma a nossa decisão porque lá vigora a teoria dos direitos adquiridos -estão dispostos a aplicar

lei diferente da sua apesar de se considerarem competentes.

Ele não vigora em Portugal como sistema, como princípio, na sua aceção conflitual mas tem
dois afloramentos:

 Afloramento direto (art. 47º - capacidade para constituir direitos reais para coisas imóveis):
vem inaugurar um regime especial – afinal, quem vai regular a capacidade para transmitir imóveis é a

lei da situação da coisa, mas só ou desde que essa lei assim o determine – desde que a lei da
situação da coisa se considere competente. Se a lei da situação da coisa não se considerar

competente aplicamos a lei da nacionalidade, que era a lei que queríamos aplicar.

Página 140 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

 Afloramento indireto (o nosso sistema de reenvio, num caso, faz este princípio operar)
Exemplo:

Lei 1 Lei 2 Lei 3


Residência PT Nacionalidade - FR Situação da coisa

Transmissão de competências simples

Situação de sucessão, para saber o que fazemos aos bens imóveis do senhor A, residente em

Portugal. Nós remetemos para a lei da nacionalidade (lei francesa – Lei 2); essa remete com
devolução simples para a lei da situação da coisa (lei brasileira – Lei 3), que se considera competente.

Em 3 aplicaríamos a Lei 3

Em 2 aplicaríamos a Lei 3

Em 1: podemos aceitar o reenvio, porque a lei 3 se considera competente.

Mas estamos no âmbito do estatuto pessoal – o legislador é mais exigente e restrito.

Aceitando o reenvio pelo 17º/1, temos de ver se ele cessa pelo 17º/2.

Ele residia em Portugal, logo, verifica-se, rejeitamos o reenvio. E se repararmos, a lei da

nacionalidade e a lei da residência não estão de acordo – cessa o reenvio porque não temos a
harmonia jurídica qualificada.

Mas o que diz o art. 17º/3?

Reativa o reenvio que tínhamos feito cessar pelo n.º 2: volta a funcionar o reenvio, desde que
se cumpram 3 requisitos cumulativos:

1. se estivermos perante uma das matérias elencadas no artigo (verifica-se: estamos perante

sucessão por morte);


2. que a lei nacional esteja a considerar competente a lei da situação da coisa, que esteja a

remeter para ela;


3. que a lei da situação da coisa se considere competente.

Página 141 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Cumprindo-se cumulativamente estes três requisitos, volta a funcionar o reenvio – passamos


a aplicar a lei 3.

Porquê?

Em nome do afloramento indireto do princípio da maior proximidade: verdadeiramente,

quem está a ter a maior proximidade é a outra lei, a lei da nacionalidade, que quer aplicar outra lei. É
um afloramento indireto visto que é a lei da nacionalidade, verdadeiramente, que está a remeter para

a lei da situação da coisa. Não somos nós que cedemos face à lei da situação da coisa, mas é a lei da
nacionalidade, é ela que está a remeter para a lei da situação da coisa.

É de aplicação sucessiva: só aplicamos o art. 17º/3, se tivermos passado por este percurso
todo.

16º: não se aceita o reenvio;

17º/1: aceita-se;

17º/2: cessa o reenvio;

17º/3: reativa-se o reenvio.

6.3. O PRINCÍPIO FAVOR NEGOTII E A SUA INFLUÊNCIA NO REENVIO COMO LIMITE (ART. 19.º/1
CC) OU O SEU FUNDAMENTO AUTÓNOMO (ARTS. 36.º E 65.º CC).

Até agora vimos três princípios jurídicos que orientam o nosso sistema de reenvio:

 harmonia jurídica internacional: princípio basilar do nosso sistema de reenvio;


 harmonia jurídica qualificada: só aceitamos o reenvio se aquelas duas leis importantes para

a pessoa estiverem de acordo, caso contrário, cessa o reenvio;


 princípio da maior proximidade: podemos não aplicar a mesma lei ao conjunto todo dos

bens em causa; pode ser necessário destacar certos bens e aplicar-lhes outra lei, diferente da
que indicámos.
Tem um afloramento em matéria de reenvio: art. 17º/3 – reativa o reenvio.

Página 142 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

QUESTÃO: Em que situações reconhecemos em Portugal negócios produzidos no


estrangeiro?

Se esses negócios forem válidos à luz da lei aplicável.


Assim, a escolha da lei aplicável não é só para as situações a constituir, é também para as

situações a reconhecer (é para negócios a celebrar e negócios a reconhecer).

Exemplo:

Aparece um negócio jurídico, que temos de saber se produz ou não efeitos.

A regra de conflitos que nos diz qual a lei que é aplicável é o art. 42º - escolha pelas partes; não

escolheram, mas há conexão múltipla subsidiária – lei da residência comum das partes (L2).
Não estamos em estatuto pessoal, porque não mandou aplicar a lei da nacionalidade (truque),

mas porque estamos, no fundo, numa situação de contratos, não em estado das pessoas, relações de
família, etc. (art. 25º).

Porque é que é tão importante sabermos isso?


Porque não estando em estatuto pessoal, estamos perante o sistema normal do reenvio, não

temos de nos preocupar.


A Lei 2, lei da residência, está a remeter para o local da celebração do contrato, mediante
devolução simples; e esta lei considera-se competente.
Temos algum conflito de sistemas?
Sim, porque o nosso sistema de DIP considera competente a lei da residência e essa considera
competente a lei do local da celebração; temos conflito de sistemas.

Como se resolve?
Através do reenvio, o reenvio é um expediente que pretende resolver este problema. Vamos
aplicar não a lei que o nosso sistema tinha escolhido, mas outra lei que foi escolhida, por outro país.

A nossa posição perante o reenvio é pragmática: só vamos aceitar se promover a harmonia


jurídica internacional.

Página 143 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Trata-se de uma situação de transmissão de competências – encaixa-se no art. 17º, caso


contrário, caso não se encaixe no 17º ou 18º, encaixa-se no 16º (não se aceita).

Vamos analisar, começando pelo fim, porque a nossa lei tem de ver que leis os outros países
estão a aplicar para depois decidir que lei aplicar.

T3: Aplica a Lei 3


T2: é um sistema de referência global, aceita o reenvio, uma vez; vai aplicar as leis que o país 3

aplicar – Lei 3
Faz, assim, sentido no nosso caso aceitar o reenvio? Sim, temos harmonia jurídica
internacional.
Mas será que podemos? Estamos perante um dos casos que o nosso sistema admite?
Vamos ao artigo 17º/1 para ver se se preenche os requisitos do artigo.
Verifica-se: se o caso estivesse a ser julgado no país 3, a lei 3 considerava-se competente –

podemos aceitar o reenvio, pois, com isso, vamos conseguir obter a harmonia jurídica internacional: a
decisão que se vai obter em Portugal seria a mesma que seria obtida no país 3, no país do local de

celebração.
Não aplicamos o 17º/2, porque não estamos em matéria de estatuto pessoal – só aplicamos

esse número nessas matérias.


Mas, no fim, temos sempre de ver o resultado material, que pode criar alterações no sistema.

Acontece que a Lei 3 considera que o negócio é inválido; mas a Lei 2 considera que o negócio
é válido. Decidimos aplicar a Lei 3, portanto o negócio é inválido, não vai ser reconhecido.

O reenvio teve alguma coisa a ver com este resultado a que chegámos?
Sim, caso contrário, não aceitando o reenvio, aplicávamos a Lei 2 e o negócio seria válido.

A intenção do reenvio prejudicou a valoração deste negócio.


Será que nestes casos, não deveríamos cessar o reenvio? Que razões é que poderia haver
para fazer sentido cessar aqui o reenvio?
As partes, ao celebrarem o negócio, podem ter ido ver a regra de conflitos portuguesa, que

estava a mandar aplicar a lei 2. Agora íamos-lhes dizer para esquecerem essa lei e que a lei
competente afinal é a lei 3? Se calhar as partes tinham expectativas que a lei competente fosse a lei
2.

Página 144 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Temos, assim, o quarto princípio que orienta o nosso reenvio: princípio do favor negotti.

Isto relaciona-se com CAVERS? Sim, ele preocupava-se com o resultado material.

Assim, vamos proteger a validade do negócio se as partes tivessem depositado expectativas


no resultado material – o DIP não pode fechar os olhos nestas situações com base no rígido princípio

da harmonia jurídica internacional.


O princípio do favor negotti é um limite ao reenvio – art. 19º CCiv. (casos em que não é

admitido o reenvio). Se não é admitido o reenvio, voltamos ao art. 16º.

Requisitos (literais) de funcionamento do artigo 19º (Vamos parar o reenvio quando):


 Um negócio jurídico for inválido para a lei que nós iríamos aplicar por força do reenvio – Lei 3.

O negócio for inválido por força da lei que decidimos aplicar por força do reenvio, por fazê-lo
funcionar.

 O negócio seja válido pela regra do art. 16º, caso tivéssemos recusado o reenvio, pela lei que
aplicaríamos pela nossa regra de conflitos (Lei 2).

Para a ESCOLA DE LISBOA são estes os dois únicos requisitos do art. 19º. Nestas situações, faz-

se cessar o reenvio, aplicando-se a lei 2 – conseguindo que o negócio seja válido.


Mas prejudicamos a harmonia jurídica internacional – o negócio tem diferente estatuto em países

diferentes.
Por força deste efeito negativo, a ESCOLA DE COIMBRA diz que há mais dois requisitos para
que funcione o art. 19º:

 O art. 19º só funciona com negócios já celebrados, porque só aí há expectativas a

salvaguardar; Segundo FERRER CORREIA, o art. 19º não faz sentido para um negócio a
celebrar amanhã, pois se as partes ainda não celebraram o negócio, não têm expectativas a

salvaguardar, ainda não contam com a aplicação da lei 2.

Página 145 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

 É preciso demonstrar que as partes contavam efetivamente com a aplicação da lei 2; que
tivessem verdadeiras expectativas em ver aplicada a lei 2, caso contrário não faz sentido cessar

o reenvio se não estavam à espera de ver a ser aplicada a lei 2 ao seu negócio.

Ou seja, segundo diz FERRER CORREIA, é preciso haver alguma probabilidade de que as partes
tenham ido ver a regra de conflitos portuguesa; é preciso que seja conjeturável que elas poderiam

ter ido ver a regra de conflitos portuguesa – desde que no momento da celebração do negócio
houvesse algum contrato com a ordem jurídica portuguesa (seja a nacionalidade ou a residência de

alguma das partes, etc.).

Só assim, nestes casos, podemos conjeturar que foram consultar a regra de conflitos portuguesa
– e só fazendo isso poderiam ter expectativas na aplicação da lei 2.

Que, no momento da celebração do negócio, houvesse algum contacto com a regra de conflitos

portuguesa, com a ordem jurídica portuguesa, porque só assim poderiam ter expectativas em ver
aplicada a lei 2, que poderiam ter visto a regra de conflitos portuguesa.

Já para LIMA PINHEIRO, se as partes tivessem ido ver a regra de conflitos portuguesa, também

podiam ter visto o seu sistema de reenvio, e poderiam calcular que seria aplicada a lei 3, por isso a
escola de Lisboa não aceita estes requisitos, não os considera (apenas tem em atenção os requisitos

literais).

Mas as partes poderiam não perceber tal sistema.

O princípio do favor negotti pode intervir no nosso sistema de outra forma: pode não só ser um

limite ao reenvio, mas um fundamento do reenvio.

De facto, há duas regras de conflitos no sistema português que estabelecem o reenvio em nome
do favor negotti e não em nome da harmonia jurídica internacional:

 Art. 65º CCiv. (conceito-quadro: a forma das disposições por morte, v.g., testamento):
conexão múltipla alternativa – dá várias leis para que o negócio seja válido; pretende-se favorecer o
favor negotti.

Página 146 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

1ª hipótese: lei do local da celebração


2ª hipótese: lei pessoal (lei da nacionalidade do de cujus)

3ª hipótese: lei indicada pela norma de conflitos da lei do local

Há aqui reenvio – está a remeter para outra lei. Para que é que se está a estabelecer este

reenvio aqui? Para garantir a validade do negócio. O legislador não está aqui a ver se este reenvio
estabelece a harmonia jurídica internacional; aqui estabeleceu-se o reenvio em nome do favor

negotti.

Assim, realmente, o princípio do favor negotti pode ser um limite ao reenvio no art. 19º, mas
também pode ser fundamento, como neste artigo.

 Art. 36º CCiv.: o reenvio está no n.º 2. Aceita-se o reenvio em nome do favor negotti.

NOTAS FINAIS

1. Existem as chamadas conexões inimigas do reenvio. O que quererá isto dizer?

Há elementos de conexão, que o legislador quando utiliza, exclui o reenvio; ou seja, se um


elemento de conexão for de determinado tipo, mesmo que a lei que esse elemento de conexão

esteja a indicar se considere competente, não se vai aplicar.

Exemplo:

Art. 41º CCiv.: elemento de conexão é a escolha das partes.

Vamos imaginar que as partes escolheram aplicar a lei brasileira. Sucede que esta lei não se

considera competente e manda aplicar outra lei – lei argentina, porque é a lei onde celebraram o
negócio, e esta considera-se competente.

A lei brasileira pensa o reenvio com referência material.

Faz sentido aceitar o reenvio neste caso?

Do ponto de vista da harmonia jurídica internacional, faria sentido aceitar o reenvio.

Página 147 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
Mas será que podemos? Aceitar o reenvio para a Argentina?

 Ver o art. 17º - verifica-se, podemos aceitar o reenvio;


 Mas as partes não vão achar graça nenhuma, porque escolheram a lei brasileira para regular o

negócio.
 O nosso legislador diz que não faz sentido aceitar o reenvio neste caso – a expectativa das

partes vai no sentido de ver aplicada a lei que escolheram.


 Então, neste elemento de conexão, da escolha da lei pelas partes, não faz sentido aceitar

reenvio nunca! Porque a expectativa das partes é de ver aplicada a lei que eles escolheram,
quando se permite que escolham, não a lei que a regra de conflitos indicar.

No art. 19º/2 temos a cessação do reenvio a favor da expectativa das partes quando elas
escolheram a lei aplicável, quando tal lhes seja permitido.

Nota: Aqui não fomos ver se os negócios são ou não válidos – tal só se vê no art. 19º/1! Aqui,

independentemente da regra de conflitos, sempre que o elemento de conexão for a vontade das
partes, aplica-se a lei que as partes escolheram, não importa o resultado material.

2. Qual a lei aplicada à forma do casamento?


Art. 50º - lei do local da celebração

Exemplo:

Se duas pessoas casarem em Las Vegas, é essa a lei aplicável, para se promover a validade do
negócio. A conexão do local de celebração é utilizada a favor do princípio do favor negotti; está a

dizer que eles casaram lá, e, portanto, a lei que seguiram, em princípio, foi essa; ao aceitar esta
validade por aqui, está-se a promover a validade do negócio.

E se essa lei remeter para a lei 3?

Para FERRER CORREIA, o local da celebração é também uma conexão inimiga do reenvio.
Mas esta é duvidosa, pois só FERRER CORREIA defende isto.

Página 148 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Quer dizer que quando a regra de conflitos indicar a lei do local da celebração, mesmo que
essa lei remeta para outra lei, não devemos aceitar, temos de aplicar esta lei, porque quando o

legislador indicou a lei do local do negócio, ele queria a validade do negócio, e só se consegue isso
se a lei do local do negócio for efetivamente aplicada ao negócio.

Aqui o juiz tem um dever de fundamentação racional ou adicional(?) face à exclusão da

aplicação da lei que está a ser remetida, isto é, tem o dever de fundamentar a não aceitação do
reenvio, porque não está regulado.

Este sistema de reenvio só se utiliza quando a regra de conflitos que estamos a concretizar

seja fonte interna – é o sistema que utilizamos na concretização das regras de conflitos internas,
nacionais, não com regras de conflitos europeias ou internacionais.

Porquê? Porque é que os instrumentos de unificação do DIP não utilizam reenvio?


Isto é, os Regulamentos da UE (todos menos um) e as Convenções internacionais (todas
menos uma) estabelecem a referência material.

Porquê?
Exemplo: divórcio

O que poderia acontecer pelas regras de conflitos de foro interno?

Lei 1 Lei 2 Lei 3

Portugal remete para França que remete para Itália


No regulamento europeu do divórcio manda aplicar a lei francesa.
O DIP francês diz: que se aplique a lei francesa.

Ou seja, o que é que os Regulamentos fazem ao conflito de sistemas? Resolvem-no!


A unificação do DIP faz desaparecer o conflito de sistemas, porque passa a ser o mesmo
critério em vários países – deixa de acontecer o que acontecia no reenvio (remetermos para uma lei

e essa remeter para outra).

Página 149 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Se os conflitos de sistemas diminuem significativamente, se o problema deixa de ser tão grave


porque diminui consideravelmente, então mais vale utilizar a referência material – não resolve todos

os problemas, mas como grande parte dos problemas são resolvidos, opta-se pelo sistema mais
simples – sistema de referência material.

Há um Regulamento que tem reenvio: O Regulamento Europeu das Sucessões

Tem um sistema de reenvio próprio, que é copiado do nosso sistema, porque se entendeu
que seria mais fácil regular as situações assim, tem um sistema pragmático.

O nosso sistema é complicado, tem dificuldades, mas tem um mérito: é muito perfeito.
Por isso tem vindo a ser copiado.

6.4. O CONFLITO POSITIVO DE SISTEMAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO: O


PROBLEMA DO RECONHECIMENTO DE DIREITOS ADQUIRIDOS

O reenvio pretende solucionar o problema dos conflitos negativos dos sistemas de DIP.

Está associado a uma função da regra de conflitos: Problema exclusivo da regra de

conflitos bilateral. No unilateralismo isto não acontece, este problema de indicarmos uma lei que
não se considera competente. Assim, o reenvio soluciona uma das desvantagens do sistema

bilateral.

O conflito de sistema de DIP pode não ser só negativo (conflito negativo: significa que a lei
que indicamos como competente não se considera competente à luz do seu sistema). Pode

acontecer que aceitamos uma lei como competente.

Página 150 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Exemplo: Perfilhação de um português residente no brasil.

Art. 56.º - lei pessoal -» lei da nacionalidade. Logo, a lei 1 remete para lei portuguesa. Esta

considera-se competente.

Vamos supor que esta perfilhação não é para constituir mas sim para reconhecer. Tenho uma

perfilhação que já foi feita. Será que é válida? Vamos reconhecer? Quando reconhecemos
situações constituídas no estrangeiro? Quando elas são válidas para a lei competente. Como

sabemos qual a lei competente: através das regras de conflito. Para nós reconhecermos a situação
temos de saber qual a lei competente.

Agora, ele fez a perfilhação no estrangeiro, no Brasil. Então o que é que o conservador

brasileiro vai fazer? Saber a lei aplicável. Vai utilizar as regras de conflito brasileiras sendo que esta
manda aplicar a lei da residência.

Será que a perfilhação é válida entre nós? Face à lei portuguesa a perfilhação não é válida. A

regra de conflito brasileira é diferente da nossa.

Estamos perante um conflito positivo de sistemas remete-se para o problema do


reconhecimento dos direitos adquiridos -» questão de saber se em Portugal vamos reconhecer

situações constituídas no estrangeiro ao abrigo de uma lei que não seja para nós a lei competente .

Nota: Vamos ver só a posição do ordenamento português.

Em princípio o único caso onde reconhecemos situações constituídas no estrangeiro será

quando essas situações forem consideradas válidas à luz da lei competente. Nós escolhemos qual é a
lei mais importante. Essa é a que tem de dizer se a perfilhação (ou outra matéria) é válida ou não.

Portanto, em princípio, não se faz desvio à regra geral da regra de conflitos.

Exige-se que seja a lei mais ligada à pessoa a indicar se devemos reconhecer situações
ocorridas no estrangeiro ou não.

Página 151 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

O PROBLEMA É: vamos voltar à desarmonia. Este senhor tinha espectativas, ele fez tudo o que
era suposto: seguiu as indicações que lhe deram; disseram-lhe para seguir a lei brasileira e ele

seguiu-a escrupulosamente.

O problema desta conceção é que pode levar na violação das espectativas das partes, que
tinham ideia de estar a fazer tudo para o negócio/ato ser válido.

Assim, o nosso sistema faz um desvio à conceção clássica: Vai criar um desvio em matéria

de estatuto pessoal Art. 31.º. Vamos reconhecer situações que não são válidas à luz da lei
competente mas que sejam válidas numa outra lei. Outra lei igualmente importante: Residência (Art.

31.º/2)

REQUISITOS: 4 LITERAIS MAIS 3 DOUTRINAIS

REQUISITOS LITERAIS:

1.º REQUISITO: Só funciona em matéria de estatuto pessoal; Porquê só no estatuto pessoal?

Porque é a matéria em que escolhemos a lei da nacionalidade mas o legislador considera que há
outra lei igualmente competente (residência). Aqui é onde o legislador aceita duas leis.

2.º REQUISITO: Só há reconhecimento nas situações originárias/ criadas por negócios

jurídicos. Porquê? Por causa das expetativas das partes. O interessado podia ter expectativa que se
aplicasse outra lei. Princípio jurídico do artigo 31.º/2 -» Princípio do favor negotii

No caso: É matéria de estatuto pessoal? Sim. Mandou aplicar a lei pessoal e artigo 25.º

Estamos a tratar de um negócio jurídico? Sim. A perfilhação é um negócio jurídico unilateral.


E este negócio é a celebrar ou já celebrado? Negócio jurídico já celebrado. Só assim as partes têm

expectativas.

3.º REQUISITO: Negócio jurídico celebrado no país da residência;

4º REQUISITO: Em conformidade com a lei desse país desde que esta se considere

competente. Assim, o negócio tem de ser válido para a lei da residência mas só se a lei da residência
Página 152 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
se considerar competente. Isto é, no país da residência mandam aplicar a própria lei, e considera o

negócio válido. Porquê?

Interpretação de LIMA PINHEIRO: isto quase estabelece uma conexão alternativa no estatuto

pessoal. Porque aceitamos a lei da nacionalidade, é a que escolhemos, mas aceitamos também a lei
da residência. Porque consideramos que a lei da residência é igualmente importante para a pessoa,

está disposto a denegar o seu estatuto pessoal (para mim, a lei da residência é suficiente, aceito os
negócios que forem válidos para a lei da residência) – a denegar a lei do foro no âmbito do estatuto

pessoal, porque afinal vai aceitar a lei da residência. Estamos a denegar o que o nosso legislador
tinha escolhido: escolhemos a lei da nacionalidade, mas acabamos por aceitar a lei da residência.

Denegação do juízo conflitual do foro -» Aceita nestas situações aplicar a lei da


residência e não da nacionalidade.

Isto no fundo é um desvio ao sistema geral, e, sendo assim, temos de ter cautela em o aplicar
apenas nos casos em que seja mesmo necessário aplicá-lo.

No caso: Ele conta que o negócio seja válido. A lei brasileira considera válido o negócio
logo este deve ser reconhecido estando os 4 requisitos cumpridos.

REQUISITOS DOUTRINAIS:

1º REQUISITO: Situação jurídica já consolidada, negócio que já foi celebrado algum tempo.

Porque aí já existem expetativas;

2ºREQUISITO: Não pode ainda haver já uma sentença estrangeira sobre este assunto. Se já
houver uma sentença estrangeira então o problema é o do reconhecimento das sentenças

estrangeiras;

3º REQUISITO: Só funciona para reconhecer negócios jurídicos a título principal (a propósito


de uma questão principal) e não em questões prévias; a título de questão incidental. Porque

se for uma questão incidental, o instituto do DIP que o vai resolver não é o dos direitos
adquiridos, mas o instituto da questão prévia (não vamos dar este ano).

Página 153 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Neste caso cumpre-se estes três requisitos:

1 – Há 2 anos; É suficiente para ter produzido efeitos;

2 – Há sentença estrangeira? Não.

3 – questão principal? Como tal e não para efeitos de algo. Logo cumpre-se todos os

requisitos. Apesar de não reconhecido à luz da lei competente este negócio vai ser válido.

Será que podemos utilizar o artigo 31.º/2 noutro país que não a residência? Imaginamos
que a perfilhação foi celebrada na Argentina. Na Argentina manda aplicar a lei da residência, ou seja,

lei brasileira. Apesar deste negócio não ser válido para a lei competente pode ser para o art. 31.º/2?

Os 1,2 e 4 requisitos estão cumpridos, mas o 3 não. Parece que não podemos reconhecer

esta perfilhação. Faz sentido não reconhecer esta perfilhação? NÃO! A teleologia do artigo
31.º/2 exige este requisito? Não. Não é necessário que o negócio seja celebrado no país de

residência. Assim, faz sentido reconhecer este negócio. A jurisprudência procede a uma

flexibilização teleológica do artigo 31.º/2 abdicar do 3 requisito: que o negócio tenha sido
celebrado no país de residência. Para cumprir esta teleologia vamos abdicar deste 3 requisito. O local

da celebração não é relevante.

PRIMEIRA MODIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO ARTIGO 31.º/2. – FLEXIBILIZAÇÃO

TELEOLÓGICA

Discute-se a capacidade do Sr. A do negócio que celebrou na Argentina. É português,


residente no Brasil comprou um iate na Argentina e discute-se se tinha capacidade negocial para

esse negócio. À luz da lei portuguesa o negócio era inválido. A compra foi há 10 anos. Discute-se em
Portugal a validade do negócio. A lei brasileira também considera que o negócio era inválido por

falta de capacidade. Mas o DIP brasileiro em matéria de capacidade considera aplicável a lei do local
de celebração. E segundo a lei Argentina o negócio é válido.

Página 154 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

ENTRE NÓS: Vamos reconhecer quando sejam válidas para a lei competente. Temos de saber
qual a lei competente através da regra de conflito: art. 25.º que remete para a lei pessoal, art. 31.º -»

em princípio lei da nacionalidade.

O que diz a lei da nacionalidade: Portuguesa, logo negócio inválido. Mas estamos em matéria
de estatuto pessoal.

Apesar de o negócio não ser válido à luz da lei competente vamos ser se conseguimos

reconhecer. Então 4 requisitos literais e 3 doutrinas:

1.º - Sim. Artigo 25.º que manda aplicar a lei pessoal;

2.º - Sim. Negócio: compra e venda e já foi celebrado;

3.º - Não! Mas podemos abdicar dele.

4.º A lei brasileira não se considera competente, logo não se cumpre o requisito.

E se fosse um tribunal brasileiro a tratar desta questão?

No brasil que lei se vai aplicar? A lei da Argentina. E a lei da Argentina diz que é válido.

UM TRIBUNAL BRASILEIRO VAI DIZER QUE O NEGÓCIO É VÁLIDO PORQUE SE APLICOU A

LEI ARGENTINA. SERÁ QUE FARIA SENTIDO QUE ESTE NEGÓCIO FOSSE RECONHECIDO EM
PORTUGAL?

A teleologia do artigo 31.º/2 diz que: Se o negócio fosse valido no país da residência,

podíamos reconhecer. O que diz a doutrina é que faz sentido reconhecer através de uma
interpretação extensiva do artigo 31.º/2. Se no país da residência produz efeitos então devesse

reconhecer. Em concreto, se o problema se meter no país de residência tem-se como válido.

Interpretação extensiva: Em vez de no 4 requisitos exigirmos o que lá está, vamos apenas


exigir que as autoridades do país de residência considerem o negócio válido. Seja aplicando a sua lei

ou outra.
Página 155 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

Com esta interpretação já podemos reconhecer este negócio? Sim porque o 4.º requisito
estaria cumprido.

Estamos a discutir a capacidade (art. 25.º) de um negócio que já foi celebrado. O artigo
25.º manda aplicar a lei da nacionalidade e esta considera competente a lei do local de

celebração. A lei do local de celebração considera-se competente, sendo que a lei da


nacionalidade faz uma referência material para a lei do local de celebração.

O Sr. reside em Portugal, e em Portugal este não tinha capacidade, mas é válido à luz da lei

do local de celebração. Testamento celebrado há 20 anos e agora discute-se se este produz os


seus efeitos.

Quando reconhecemos situações constituídas no estrangeiro? Quando é válida à luz da lei

competente. Regra de conflito do artigo 25.º manda aplicar a lei da nacionalidade que remete para a
lei 3.

Problema de reenvio. Sistema pragmático: Vamos aceitar se for útil para a harmonia jurídica

internacional. Neste caso temos transmissão de competências.

Se o caso se colocasse em 3: Aplicaríamos a lei 3;

Se o caso se colocasse em 2: Aplicaríamos a lei 3;

Em 1: Então se aceitarmos o reenvio estamos a promover a harmonia jurídica internacional.

Agora vamos ao art. 17.º porque é uma transmissão de competência.

A lei 3 considera-se competente. Logo, o requisito está cumprido. Mas estamos em matéria de
estatuto pessoal e portanto o nosso legislador criou limitações. Assim só aceita reenvio caso haja

harmonia jurídica qualificada.

Então: artigo 17.º/2 – duas causas de cessação do reenvio.

Página 156 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
1º causa: Reside em Portugal. Logo, esta causa está cumprida e portanto o reenvio cessa e

aplicamos assim a lei 2. Voltamos à regra da lei 2. Estamos a prejudicar a harmonia jurídica
internacional mas aplica uma lei que a pessoa conhece, a lei da sua nacionalidade.

Agora temos de ver o art. 17.º/3 se o reenvio reativa pelo princípio da maior proximidade.

3 requisitos: Não se cumprem, logo não reativamos o reenvio, aplicando a lei 2.

Reconhecemos ou não este testamento? Escolhemos a lei 2 e esta diz que o negócio não
é válido.

MAS: Se estiverem preenchidos os requisitos do artigo 31.º/2 ainda podemos reconhecer.

4 requisitos literais + 3 doutrinais:

1. Estatuto pessoal –Sim


2. Negócio que já foi celebrado: Sim

3. Ter sido celebrado no país de residência: EM PT neste caso.


4. Não se preenche.

O que podemos fazer ainda? Interpretação extensiva – no pais da residência o negócio era

considerado válido, devíamos reconhecer. Em Portugal estamos aplicar que lei? Lei 2 – esta considera
negócio inválido.

LOGO, NEM POR INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA CONSEGUIMOS RECONHECER.

Por CURIOSIDADE ACADÉMICA vamos ver se reconheceríamos o negócio no país da lei da


nacionalidade que até seria a lei mais importante:

NO PAIS QUE ATÉ É MAIS IMPORTANTE PARA NÓS, DIZ QUE O NEGÓCIO É VÁLIDO

INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 31.º/2 – Se estamos dispostos a reconhecer os


negócios que eram válidos e que produziriam efeitos no pais de residência, por maioria de razão

deveria reconhecer os negócios que seriam válidos no país da nacionalidade.

Na prática vamos aplicar que lei: lei 3 (local de celebração).

Esta interpretação analógica provoca uma alteração do regime do reenvio.


Página 157 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

 Para a Escola de Lisboa: Não considera legítimo. Entende que não devemos reconhecer esta
interpretação pois ao interferir com o reenvio coloca em causa princípios importantes – Harmonia

Jurídica Internacional e Qualificada.


 Para a Escola de Coimbra: Sim. Aceita a interpretação analógica. FERRER CORREIA: O

principio favor negotii é mais importante que a harmonia jurídica qualificada. Logo, podemos fazer
uma interpretação analógica do artigo 31.º/2 ainda alterando o regime do reenvio porque o princípio

do favor negotii é mais importante, as expectativas das partes são mais importantes.

CAPÍTULO VII – REFERÊNCIA DA NORMA DE CONFLITOS A UM ORDENAMENTO


JURÍDICO PLURILEGISLATIVO

Agora vamos ver o problema da nossa regra de conflitos determinar a lei de um

estado que não tem apenas uma ordem jurídica. Existem alguns ordenamentos a que não
corresponde uma única ordem jurídica, como é o caso dos EUA – aí qual será a lei aplicável? O que

fazer quando nossa regra de conflitos manda aplicar uma lei de um país a que corresponde
várias ordens jurídicas?

Temos alguns sistemas plurilegislativos, isto é, numa primeira categoria um estado a

que corresponde várias ordens jurídicas com divisão/distinção territorial, cada um com a sua ordem
jurídica. Como é o caso dos EUA, Espanha.

A segunda categoria dos sistemas plurligeslativos são aqueles que têm dois sistemas

jurídicos, mas os dois se aplicam à totalidade do território, fazendo uma distinção com base pessoal.
É o caso da Síria. As pessoas na Síria que sejam muçulmanas têm sistema jurídico de base

confessional; as outras pessoas têm sistema jurídica de base não confessional.

Estes dois casos colocam-nos problemas, pois se nossa regra conflitos mandar aplicar lei

do reino unido, questiona-se qual o sistema do reino unido; se mandar aplicar da Síria, a lei de base
confessional aplicável aos muçulmanos, ou não confessional?

Página 158 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Vamos começar por ver o PRIMEIRO SISTEMA PLURILEGISLATIVO – sistema jurídico


com vários ordenamentos jurídicos com divisão territorial. Contudo, este problema de saber qual

a lei aplicável, qual o sistema dentro do país que tenha sistema plurilegislativo se vai aplicar, só se
coloca quando o elemento de conexão for um único – a nacionalidade, pois esta é única para todo o

país. Então como vamos saber qual lei aplicável dentro desses sistemas? Ora, no art.20º/1 CCivil
determina-se que nesses casos se aplica o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o

sistema aplicável – qual direito interno? Direito interno interterritorial, resolve conflito de leis
dentro de um país que seja sistema plurilegislativo. O artigo diz: pergunte-se ao direito
interterritorial do sistema competente plurilegislativo; vamos ver às regras que esses estados têm
para ver qual é a solução.

Mas o que é que pode acontecer? E se o ordenamento plurilegislativo não tenha


direito interno interterritorial geral, como tem o espanhol? Os EUA não têm regras de conflito de
direito interterritorial. Nesse caso o que se faz? Vamos para o art.20º/2 CCivil que determina que

nesse caso se recorre ao direito internacional privado desse mesmo estado.

Por exemplo, mandámos aplicar à sucessão lei da nacionalidade norte americana,


contudo EUA não direito interno interterritorial, então vamos ver qual regra de DIP das sucessões nos

indica a lei aplicável dentro dos EUA.

No entanto, os problemas não ficam por aqui, pois nos EUA há DIP sim, mas cada estado
tem o seu! Aqui Dr. Ferrer Correia diz que se houverem vários e eles forem todos iguais para x

matéria, mandarem todos aplicar a mesma lei, seguimos esse DIP, como se houvesse um só;

Mas e se cada sistema dentro dos EUA tiver o seu DIP e forem diferentes quanto a x
matéria, mandarem aplicar lei diferente? Art.20º/2/parte final CCivil, nesse caso passa-se a aplicar
a lei da residência. Mas o que isto significa? Vamos ver dentro do estado/sistema de

nacionalidade onde o sujeito reside OU o que está a fazer este preceito é desistir procurar lei da
nacionalidade e substitui pela lei da residência? Quanto a esta questão temos duas formas de
resolver o problema, duas teses quanto à interpretação deste preceito:

Página 159 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

1. INTERPRETAÇÃO DO DR. FERRER CORREIA – considera que o preceito diz que se

desiste de procurar lei da nacionalidade, substituindo pela lei de residência. O argumento é que o
nosso sistema já mostrou várias vezes que a sua escolha pela lei da nacionalidade não é assim tão

perentória, aceita como igualmente boa a lei da residência.

Por exemplo no:

❖ art.31º/2 CCivil;
❖ no reenvio por levar em conta a Harmonia Jurídica Qualificada;

❖ por tratarmos os apátridas, art.32º CCivil, com lei da residência;


❖ art.52º (relações entre cônjuges escolhe lei nacionalidade comum e se não tiverem, aplica-

se lei de residência, porque muitas vezes a lei da nacionalidade aparece em sistema de


conexão subsidiária), 56º, 57º.

Além disso, Dr. Ferrer diz que isto resolve definitivamente o problema, o elemento de

residência passa a ser elemento conexão relevante.

2. DRA. ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO, ESCOLA DE LISBOA – o artigo 20º/1 e 2 diz que
estamos a determinar dentro do sistema de nacionalidade qual é a lei competente, pelo que temos

de nos restringir ao país da nacionalidade, não pode mandar aplicar diferente lei da nacionalidade.
Assim, se tudo falhar, vamos ver onde é que ele reside dentro do país da nacionalidade. Contudo isto

gera um problema, pois ele pode não residir dentro do país da nacionalidade. Com este critério da
doutora o 20º/2 não resolve o problema. A doutora nesse caso fala de flexibilização do DIP, se

falharem critérios do 20º/2 vai valer o princípio da proximidade, um dos aspetos da flexibilização do
DIP, pelo que em vez de ter regra conflitos rígida, quem escolhe lei aplicável é o juiz. Tem de ser o

juiz, perante o caso concreto, a ver com que sistema, dentro do estado de nacionalidade, o
sujeito tem mais ligações (o mesmo que está no art.52º/2 parte final).

Página 160 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

No caso da SEGUNDA categoria de sistemas, num estado há sistemas de base pessoal –


o problema coloca-se quando? Em todos os elementos de conexão, porque aí quando indicamos
uma lei de um local, nesse local existem vários tipos de pessoas. Então e estes como se resolvem?

Art.20º/3 CCivil determina que se observa o direito interconflitual desse estado com
esse sistema, isto é, regras de conflitos que escolhem lei aplicável a diferentes pessoas. Este

preceito passa sempre a responsabilidade para lei competente, para o estado. O Dr. Ferrer considera
que nesse caso, veja-se efetivamente qual o sistema aplicável a essa pessoa, mesmo sem regras.

Nota: Não costuma aparecer como pergunta direta esta matéria, mas como questão
prévia. Por exemplo A ser espanhol, aí temos de colocar logo no problema.

CAPÍTULO VIII – APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO

O direito aplicável por força da norma de conflitos é o direito que realmente vigora num

determinado país, seja qual for a natureza da fonte de onde emanam os respetivos preceitos.
O direito estrangeiro é aplicado entre nós como direito – arts. 348º/2 CC e 721º/3 CPC.

Assim, quanto às regras de conflito, quando mandam aplicar lei estrangeira, colocam-se

4 problemas:

1. REGRA DE CONFLITOS É OBRIGATÓRIA OU PODE SER REVOGADA PELAS PARTES?


Esta possibilidade podia pôr em risco a Harmonia Jurídica Internacional. Se as regras de conflito
fossem facultativas isso significaria que íamos decidir em Portugal pela lei portuguesa porque sim,

pondo em causa Harmonia Jurídica Internacional. A tese das regras conflitos facultativas é de
afastar por pôr em perigo a HJI. Será que foi isso que legislador fez? Sim, afastou no art.348º/2

ccivil que diz que ainda que as partes não digam que querem a regra de conflitos, ela é de aplicação
obrigatória.

Página 161 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

2. QUANDO A REGRA DE CONFLITOS MANDA APLICAR LEI ESTRANGEIRA, ESTA LEI É


DE CONHECIMENTO OFICIOSO? Ou seja, têm de ser as partes a dizer o que diz a lei, ou o juiz a
procurar o que ela diz? Aplicamos a regra de conflitos, que é obrigatória, mas quem vai demonstrar
o conteúdo da lei estrangeira? A prova do conteúdo da lei estrangeira quem faz? As partes ou o juiz?
Direito estrangeiro é de conhecimento oficioso? Se forem as partes a ter que provar, isso significa

que o direito estrangeiro está a ser tido como questão de facto, e aí são as partes que têm de provar,
ou será que é questão de direito, e aí é o juiz que tem de provar? Quanto a isto cada sistema vai

optando por regra diferente.

O que faz mais sentido é ser o juiz a provar, ou seja, que o direito estrangeiro seja
tido como questão de direito, sendo de conhecimento oficioso. Será que foi isso que vigora no

nosso sistema?

Art.348º/1 (atenção porque no início parece dizer que cabe às partes) determina, na 2ª
parte, que o tribunal deve procurar oficiosamente o conteúdo da lei estrangeira, CONTUDO, as

partes têm dever de colaboração, trazendo ao juiz os dados que tiverem sobre a lei estrangeira.

E Art.694º CPC (recurso revista exclusivamente questões de direito, ao contrário de


apelação que é questões de direito e facto) determina que a má aplicação do direito estrangeiro é

fundamento para recurso de revista, e se é de revista, é porque é questão de direito.

Mas como é que o juiz, na prática, vai cumprir esta obrigação? Existe uma estrutura
pública, nos sistemas que escolhem que o direito estrangeiro é de conhecimento oficioso – gabinete

de documentação e de direito comparado, que funciona junto da procuradoria. É uma estrutura de


apoio aos tribunais, que organiza bases de dados de leis estrangeiras e serve de ponto de contacto

com os congéneres = mecanismo institucional, existência de uma instituição que permita aos
tribunais conhecer o direito estrangeiro. No brasil isto não existe porque lá o direito é questão de

facto; em Espanha também, mas o juiz tem de tentar.

Página 162 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

E que parte do direito estrangeiro é de conhecimento oficioso? Não é só o direito


material, é também o direito conflitual pois pode haver reenvio, pode o direito estrangeiro

conflitual remeter para outra lei.

O que se faz se tribunal não conseguir apurar o conteúdo da lei estrangeira? Temos
solução legal, mas parte da doutrina vem dizendo que antes de partirmos para essa solução legal

positivada, o juiz deve, no caso de não conseguir apurar, aplicar o direito provavelmente competente
ou vigente (?) no país estrangeiro – posição exclusiva do Dr. Ferrer Correia. Mas o que é o direito

provavelmente vigente? Vários critérios:

❖ Se não soubermos a lei que vigora agora no país estrangeiro, mas o juiz sabe a lei que
vigorou até x ano, deve, em princípio, aplicar a lei que vigorou até esse ano, partindo do

pressuposto que as alterações não são radicais;


❖ Se descobrirmos que a lei faz parte de uma família jurídica, deve aplicar-se a lei do outro

sistema da mesma família, pois presume que a solução seja idêntica (por exemplo juiz
determinava que a lei do país x é da mesma família jurídica, tem os mesmos princípios, etc,

que a lei do país y).

Esta solução proposta pelo Dr. Ferrer não é proposta por toda a doutrina. A maior parte
da doutrina considera que não há norma que apoie isto. No entanto, alguns tribunais, utilizam
este passo, apesar de não ser muito comum.

E quando não se utiliza esta proposta, qual é a solução? Art.348º/3 parece ter solução
imediata. Determina que nesse caso aplica-se a lei do foro, o direito interno português. Mas atenção,

este preceito não funciona imediatamente, é o último reduto, antes deste vamos ver o art.23º/2
CCivil segundo o qual se recorrerá à lei que for subsidiariamente competente, funcionando isto

apenas nas regras de conflitos com sistema de conexão múltipla subsidiária. Assim: se a regra de
conflito tiver conexão subsidiária, não conseguindo o juiz determinar conteúdo da lei estrangeira,

aplica-se a lei subsidiariamente competente, se não tiver aplica-se o 348º/3.

No estatuto pessoal, não conseguindo encontrar a lei da nacionalidade, a doutrina


diz que nestes casos o art.23º/2 determina substituir a lei da nacionalidade pela lei da
Página 163 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
residência. Mas o art.25º não tem conexão múltipla subsidiária, e agora? Mostra-se no nosso
sistema que não se conseguindo aplicar a lei da nacionalidade, estamos dispostos a aceitar a
aplicação da lei subsidiária – no reenvio exige-se Harmonia Jurídica Qualificada, acordo entre a lei
da nacionalidade e residência, mostrando que a lei da residência é igualmente importante; estabelece
para os negócios jurídicos uma espécie de alternativa entre nacionalidade e residência, art.31º/2; no

caso dos apátridas, a sua lei é da residência, art.32º CCivil; nos ordenamentos plurilegislativos se
todos os argumentos falharem, aplicasse lei residência; há sistemas que determinam subsidiariedade

da nacionalidade, aplicando-se a da residência.

Não se determinando a lei competente, nem subsidiária, aplica-se o 348/2, onde o


juiz aplica lei do foro, o que, contudo, vai prejudicar a HJI.

3. SE NÃO CONSEGUIRMOS APURAR O ELEMENTO DE CONEXÃO? Por exemplo,


sucessão, manda-se aplicar lei da nacionalidade – o que fazer quando não se consegue saber qual a

nacionalidade?

O problema é parecido ao anterior, pelo que se deve aplicar o art.23º/2 2ª parte –

deve adotar-se igual procedimento sempre que não for possível determinar-se o elemento conexão
de que dependa a designação da lei aplicável, deve aplicar-se a lei subsidiária se a regra de conflito

tiver conexão múltipla subsidiária, e se não tiver, aplica-se o 348º/3 aplicando-se a lei do foro.

4. COMO INTERPRETAR A LEI ESTRANGEIRA? DEVE RELEVAR O COSTUME? Devemos


interpretar a lei estrangeira como faria o tribunal dessa lei, pois é a única forma que a nossa decisão
seja igual à decisão que proferiria o tribunal desse país. Então o costume da lei inglesa tem valor ou

não? Temos de ir ver à lei inglesa. E temos autorização legal para fazer isso? Sim, art.23º/1. A lei
estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com regras interpretativas

nele fixadas.

Por fim, será que este regime do conhecimento do direito estrangeiro que estamos a
ver é exclusivo para os tribunais OU para qualquer órgão aplicador do direito? O art.348º fala
especificamente no tribunal, o que gerou esta dúvida na doutrina. É verdade que esse artigo é

apenas para os tribunais, mas como é a única regra sobre este problema que temos, deve aplicar-se

Página 164 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
analogicamente a todos os órgãos aplicadores do direito, salvo se houver norma especial para os

outros órgãos aplicadores de direito. E haverá? Há algumas:

❖ Para os notários, o art.85º/2 do Código de notariado, segundo o qual, quando

determinam aplicação da lei estrangeira e não conseguem determinar oficiosamente o seu conteúdo,
exigem aos interessados a prova do conteúdo do direito estrangeiro, recusando o ato enquanto

o interessado não fizer essa prova.


❖ Para conservadores do registo predial, comercial e automóvel (não para registo civil).

Estes têm função parajurisdicional pois decidem com base no direito, pelo que estes teriam o
mesmo regime que os tribunais, mas como os serviços de registo se pretendem céleres, foi criada em

2015 o art.43º-A do Código de registo predial, que determina que não conseguindo determinar
conteúdo da lei aplicável, exige ao interessado a prova do conteúdo do direito estrangeiro, sendo

exceção ao regime dos tribunais.


❖ Para conservadores do registo civil, vale o regime geral do art.348º pelo que têm eles

de procurar o conteúdo da lei estrangeira.

CAPÍTULO IX – DA FRAUDE À LEI EM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Este é um instituto que pretende evitar que as partes usem artifícios que façam modificar
a lei aplicável para conseguir um determinado resultado.

Imaginemos que estamos a tratar de um divórcio entre A e B, malteses, ao abrigo do art.55º

CCivil – lei aplicável é a do art.52º ccivil que manda aplicar lei da nacionalidade comum dos
cônjuges, no caso, lei de Malta, que não permite o divórcio. Que tentação poderiam eles ter?

Mudar de nacionalidade, pois nesse caso passa a aplicar-se lei que já permite divórcio.

Ora o instituto da fraude à lei pretende evitar que as partes mudando a situação de facto

consigam mudar a lei aplicável para obterem o resultado que pretendem. Contudo isto só se coloca
quando o elemento de conexão seja móvel, que possa ser alterado pelas partes. Quando o legislador
cristaliza o elemento conexão móvel (por exemplo, art.53º) o legislador elimina o problema.

Página 165 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

No entanto, este mecanismo está em decadência porque a tendência recente do DIP é a


autonomia conflitual, isto é, permitir às partes a escolha da lei aplicável. Quando o legislador

conflitual permitir às partes a escolha da lei aplicável o instituto da fraude à lei não é aplicável (por
exemplo art.41º; regulamento Roma I sobre lei aplicável aos contratos; reg. Roma II sobre

responsabilidade civil extracontratual; regulamento das sucessões, deixa-se que o de cujus antes de
morrer escolha lei aplicável à sua sucessão, etc).

NOTA: Este instituto tem sido criticado – Manual Batista machado.

Quando pode atuar este instituto? Este está consagrado no art.21º CCivil, que
estabelece 4 elementos cumulativos da fraude:

1. INTENÇÃO FRAUDATÓRIA, isto é, as partes manipulam a regra de conflitos com o

objetivo de evitar a aplicação da lei que seria aplicável. Mas quando é que não existe este intuito?

A mudou de nacionalidade, quando é que mudança de nacionalidade não corresponde a

intuito fraudatório?

Quando a mudança é motivada por outros motivos que não sejam a fuga à lei aplicável. Esse
intuito tem de ser provado.

2. A ATIVIDADE FRAUDATÓRIA, isto é, um conjunto de comportamentos que tenham


como resultado efetivo a alteração da lei aplicável.

Discute-se em Portugal, a capacidade negocial de A, português residente em Portugal; a lei

aplicável é o art. 25º - ele quer fugir e vai para o brasil; mas a lei aplicável é a mesma porque é a
lei da nacionalidade, não da residência. Há atividade fraudatória?

Não, porque não altera a lei. A fraude só intervém se, além do intuito fraudatória, a manipulação dos
factos que as partes fizerem levou à alteração da lei aplicável.

Página 166 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

3. HAVER A NORMA FRAUDADA/OBJETO – na conceção tradicional é a norma material


que o sujeito não queria ver aplicada.

Por exemplo, A e B são malteses, e mudam de nacionalidade para a italiana, porque a lei

maltesa não permitia o divórcio. A norma fraudada é a norma maltesa que proíbe o divórcio.

4. HAVER NORMA INSTRUMENTO – é a regra que as partes manipularam para evitar a


aplicação da lei fraudada, isto é, a norma instrumento é a regra de conflitos que mandava aplicar

uma lei que por causa do artifício da pessoa, mandou aplicar outra lei.

Cumprindo-se tudo isto, nos termos do art.21º CCivil, desconsidera-se o artifício, a


manipulação, a mudança que se verificou, pelo que se continua a aplicar a lei que se aplicaria desde

início. Mas este artigo invalida a alteração? Ou seja, por exemplo aqueles adquiriram nacionalidade
italiana. Invalida-se totalmente o artificio, ou desconsidera-se apenas para efeitos do DIP? A

doutrina maioritária entende que o único efeito do artigo é a desconsideração do artifício para
efeitos daquela regra de conflitos, para efeitos de DIP.

Por exemplo, mudança de nacionalidade é válida, mas desconsidera-se para efeitos de

DIP.

CAPÍTULO X – DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL

A ordem pública internacional, no método do DIP, só atua no fim, depois de todas as demais

regras de DIP. Ora, a ordem pública internacional (OPI) é um mecanismo de evicção, isto é, de
repulsa, do direito estrangeiro – o que isto significa? É um mecanismo de repulsa do direito

estrangeiro, é um instituto que vai afastar a aplicação da lei estrangeira que foi determinada
competente pelo resto do DIP. Mas quando é que a OPI vai afastar a lei estrangeira? O Art.22º

estabelece a solução, havendo uma palavra importante para perceber o que é “aplicação”, nesse
preceito. A OPI não afasta a lei estrangeira por ela ser chocante, não queremos saber se é ou não,

isso até violaria princípio da paridade de tratamento, a OPI apenas afasta a lei estrangeira quando a
aplicação da lei leve a resultados chocantes. O que censuramos é o resultado da aplicação da lei

Página 167 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
estrangeira, a OPI é controlo não da lei estrangeira porque violaria aquele princípio, mas sim

controlo do resultado da lei estrangeira.

Contudo, é importante distinguir a Ordem Pública Internacional (no art.22º CCivil) da

ordem pública interna (art.280º CCivil).

❖ A ordem pública interna é o conjunto de normas imperativas e princípios imperativos da lei


portuguesa;

❖ Ao contrário, a Ordem Pública Internacional é um mecanismo de evicção da lei estrangeira,


não é um conjunto de normas imperativas. E quando é que faz sentido afastar a aplicação da lei

estrangeira? Nos mesmos casos em que haja violação da ordem pública interna? Apenas quando
o resultado da aplicação da lei estrangeira seja intolerável, manifestamente chocante.

 Na lei portuguesa temos várias normas imperativas, da Ordem Pública Interna, e não é
pelo facto da lei estrangeira levar a um resultado chocante que vamos aplicar a ordem

pública interna, mas sim quando a Ordem Pública Internacional envolva ofensa dos
princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa, em que o resultado da aplicação da

Ordem Pública Internacional seja manifestamente chocante.


 Assim, a Ordem Pública Interna é um controlo de resultado, mas não em comparação com

a lei portuguesa, mas sim verificando se o resultado violar princípios fundamentais da


ordem jurídica portuguesa.

A Ordem Pública Internacional é mais restrita. Esta tem 4 características:

1. EXCECIONALIDADE – não se invoca a Ordem Pública Internacional só porque a lei estrangeira

é diferente da nossa, apenas quando a aplicação da lei estrangeira conduza a resultado


manifestamente chocante face aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa. Daí a

excecionalidade.

Além disso, ordem pública internacional é excecional também por força do momento em
que funciona, que é no fim, ou seja, não tem atuação apriorística, mas sim aposteriorística – primeiro

determinamos a lei aplicável, depois testamos a lei aplicável e só depois vemos se invocamos a
ordem pública internacional.

Página 168 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

2. ATUALIDADE - Esta diz que os valores relevantes para a decisão de invocar ou não a Ordem

Pública Internacional são os valores atuais.

Imaginemos que A e B, do mesmo sexo, casaram em 1999 na Holanda e hoje põe-se o


problema do reconhecimento deste casamento em Portugal.

Hoje em Portugal o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é chocante, mas à data da

sua celebração era. Assim os tribunais nessa data invocavam a Ordem Pública Internacional para
recusar o reconhecimento do casamento. Mas faz sentido por nessa altura Portugal considerar

chocante, hoje invocar a OPI? Não.

3. NACIONALIDADE - é um mecanismo de proteção dos princípios fundamentais da ordem


jurídica do foro; Isto é para proteger os valores do foro. A Ordem Pública Internacional só faz sentido
porque as leis são diferentes umas das outras entre países. É um mecanismo nacional, do foro, que

serve para proteger princípios estruturantes da ordem jurídica nacional.


Pode utilizar-se para proteger um princípio internacional?

Pode, é para se proteger os valores do foro, não implica que sejam só nacionais e não valores

internacionais.

V.g., contrato de escravatura

4. IMPRECISÃO - A invocação da Ordem Pública Internacional vai depender do caso concreto,


se no caso concreto o resultado for chocante. Não há lista de casos, depende do caso concreto,
pelo que é o juiz que vai olhar para o caso concreto e saber se deve ou não invocar a Ordem
Pública Internacional. Contudo, não sabemos à partida se o juiz vai ou não invocar a Ordem Pública
Internacional, pelo que a doutrina e jurisprudência vão gerando critérios de utilização da Ordem
Pública Internacional – fala-se da relatividade da Ordem Pública Internacional, ou seja, o nosso

grau de exigência da invocação da Ordem Pública Internacional varia consoante vários fatores, e a
isso se dá o nome da relatividade da Ordem Pública internacional, variando consoante:

Página 169 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

❖ Quanto ao grau de ligação ao foro. Temos de ser mais exigentes quando há mais ligação
ao foro, por uma questão de autoridade – invocar Ordem Pública Internacional é, no fundo, violar
princípio da paridade de tratamento (porque ao invoca-la estamos a dizer que x lei não é boa), e a
nossa autoridade varia consoante a relação jurídica tenha ou não relação connosco; e a apreciação

do resultado chocante varia consoante estejamos com grande ligação ao caso ou não. Só se houver
ligação ao foro é que temos autoridade para invocar a Ordem Pública Internacional e não aplicar a

lei estrangeira competente.


❖ É diferente ser situação a reconhecer ou situação a constituir. Devemos ser mais exigentes

nas situações a constituir, por conta das expetativas das partes que ainda não existem.
❖ Número de anos que já passaram de produção de efeitos. Imaginemos que se pede o

reconhecimento de um casamento feito na Roménia, por duas crianças de 12 anos. É relevante


casamento ter acontecido ontem ou há 4 anos para o juízo de saber se invocamos ou não a Ordem

Pública Internacional? Deve-se ser mais exigente no casamento feito ontem, porque quando a
situação já tem muito tempo invocar a Ordem Pública Internacional pode ser uma agressão àquela

situação, prejudicando as expetativas das partes.


❖ Efeito atenuado da ordem pública internacional.

A, de nacionalidade argelina, casado com 4 senhoras, e pediu em França o reconhecimento


com todas as 4. O juiz francês entendeu que era chocante para a sua ordem jurídica, pelo que

invocou a Ordem Pública Internacional, deixando de aplicar a lei argelina, não reconhecendo os
casamentos, pelo que elas não eram tidas como cônjuges em França, pelo que perderam vários

direitos.

Invocar a Ordem Pública Internacional para elas foi pior do que se tivesse reconhecido o
casamento, pelo que apareceu a teoria do efeito atenuado da Ordem Pública Internacional que

diz que é possível o juiz invocar a Ordem Pública Internacional para recusar o reconhecimento de
uma relação jurídica, MAS reconhece os efeitos daquela relação jurídica. Ou seja, invoca-se a Ordem
Pública Internacional não reconhecendo situação (casamento), mas reconhece-se os efeitos (direitos

do casamento por exemplo).


Página 170 de 196
FDUC – DIP 2018/2019

E o que se faz quando se invoca a Ordem Pública Internacional? Esta é um mecanismo de


evicção do direito estrangeiro, afastando lei estrangeira, e depois o que fazer, o que se aplica?

Art.22º: vamos procurar outras normas da lei competente que não cheguem a resultado chocante,
não se desiste logo da lei competente (Estrangeira) (por exemplo se se afastar norma especial,

podemos ir à norma geral); se se chegar na mesma a um resultado chocante, aplica-se a lei


portuguesa.

E qual a função da Ordem Pública Internacional?

❖ Função proibitiva – quando ao invocar a Ordem Pública Internacional não se

constitui/reconhece certa relação jurídica. Por exemplo, lei saudita diz que capacidade para casar se
adquire aos 5 anos, se invocarmos a Ordem Pública Internacional o casamento passa a ser proibido.

❖ Função permissiva – ao invocar a Ordem Pública Internacional reconhece-se certa relação


jurídica.

CAPÍTULO XI - RECONHECIMENTO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS

Que efeitos, no foro, se devem reconhecer a outra sentença judicial estrangeira? Quanto a
isto há duas questões prévias:

O que é isto de reconhecimento de sentenças estrangeiras? O reconhecimento é a


atribuição no foro dos efeitos que, habitualmente atribuiríamos a sentenças nacionais, a uma

sentença emitida por outro país.

E que efeitos são esses?

❖ Efeito de caso julgado, isto é, impossibilidade de as mesmas partes voltarem a colocar o

mesmo problema ao tribunal do foro.


❖ Efeitos declarativos ou constitutivos – declarativos, declaram existência de situação jurídica;

ou constitutivos, isto é, criam, modificam ou extinguem relações jurídicas.


❖ Efeito de força executiva – as sentenças são habitualmente título executivo.

Página 171 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

❖ (Por vezes, podem produzir efeitos reflexos – suspensão de prazos, início contagem de
prazos, etc.)

Devemos reconhecer estes efeitos no foro, a uma sentença estrangeira? É importante saber
distinguir os vários efeitos porque em alguns sistemas de reconhecimento de sentenças, vamos
reconhecer certos efeitos de x forma, e outros de y forma. Existem mecanismos de reconhecimento

que vão ter mais cuidado com determinados efeitos que outros, nomeadamente a força executiva.

Faz sentido reconhecer sentenças emitidas por outro país? Sim, devido à estabilidade das
relações jurídicas internacionais, esta projeta-se na necessidade de reconhecimento de sentenças

estrangeiras porque se não reconhecêssemos essas sentenças em Portugal, as partes teriam de voltar
a litigar cá, e o resultado poderia ser diferente, e prejudicar-se-ia a estabilidade. Mas não haverá
razões para não reconhecer? Uma sentença é um ato de soberania, e reconhecer sentenças
estrangeiras é atribuir efeitos a atos de soberania estrangeira; além disso, só faz sentido reconhece-

las se o tribunal estrangeiro tiver alguma ligação com o caso. Se não houver ligação do estado
estrangeiro com o caso deixa de valer a nossa preocupação com a estabilidade, tem de haver

preocupação com a competência dos tribunais do país estrangeiro quando reconhecemos as


sentenças estrangeiras.

Acresce ainda que se reconhecermos sentenças estrangeiras corremos o risco de estar a

reconhecer uma decisão em que não tenha sido dada às partes as possibilidades de se terem
defendido, ter havido contraditório, etc, não sabemos como correu o processo, se foi justo.

Como combinamos estas duas preocupações (Boas e más)? Vamos reconhecer, mas com
cautelas, não se deve reconhecer exatamente da mesma forma como uma sentença interna.

Além disso há outro problema. Suponhamos que estamos a reconhecer sentença brasileira,

onde sabemos que processo foi justo e havia ligação forte ao caso do país estrangeiro. Esta sentença
aplicou a mesma lei que nós consideraríamos competente? Pode não ter aplicado. O reconhecimento

das sentenças estrangeiras cria um limite às regras de conflitos. Quando estamos a reconhecer
sentença estrangeira estamos a reconhecer como o tribunal decidiu, à luz da sua lei, pelo que
estamos a limitar a aplicação das nossas regras de conflito, e só faz sentido fazê-lo em nome da

Página 172 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
competência do tribunal estrangeiro. Ou seja, temos de ter cuidado com a competência e justiça das

sentenças estrangeiras.

Ora, existem vários métodos de reconhecimento de sentenças estrangeiras:

1. Método do não reconhecimento – o estado do foro não reconhece a sentença, pelo que as

partes têm de intentar nova ação no foro, mas o fundamento desta nova ação é por já haver
sentença estrangeira que não é reconhecida. Assim o tribunal do foro vai voltar a decidir, não

necessariamente da mesma forma que o tribunal estrangeiro.

Este vigora em Inglaterra nalguns domínios. É o menos generoso.

2. Método do controlo prévio ou controlo individualizado – a sentença estrangeira pode ser


reconhecida, mas tem de ser controlada no país de destino. Se tivermos este sistema em Portugal, se

alguém quiser fazer valer a sentença estrangeira, tem de pedir aos tribunais portugueses o controlo
individualizado daquela sentença. Mas controlo de quê?

Este divide-se em dois subsistemas:

i. Sistema de controlo prévio de mérito – controla não só a forma, como o conteúdo, o


que foi decidido, se tribunal estrangeiro decidiu bem, se o que decidiu é o mesmo que

nós decidiríamos. Dentro desta existe ainda um subsistema em que em vez de se fazer
controlo total do mérito da sentença estrangeira, vai fazer-se controlo da lei aplicável. Nos
países que adotam este sistema, vai-se controlar o conteúdo da sentença estrangeira, mas
em vez de exigir que essa tivesse o mesmo conteúdo que tribunais do foro dariam, exige

apenas que a lei que o tribunal estrangeiro aplicou seja a mesma que o tribunal do
foro aplicaria.

ii. Sistema de controlo formal ou de delibação – não se controla o conteúdo da sentença,

mas sim a formalidade do processo, isto é, se se cumpriram os princípios processuais, se


havia competência do tribunal estrangeiro, etc. faz-se controlo da forma de processo.

Página 173 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Orais: no sistema de controlo prévio de mérito, estamos muito perto de um sistema de


não reconhecimento? Sim, porque só vamos reconhecer se o tribunal estrangeiro decidiu da

mesma forma como reconheceríamos.

3. Sistema do reconhecimento de pleno direito ou automático ou ipso iure - é o mais

generoso de todos. As sentenças estrangeiras são automaticamente reconhecidas, sem necessidade


de controlo prévio. Vigora na Alemanha.

Mas isto não significa que não tenha condições. Ele tem condições, tem cautelas, a questão é que

não faz um controlo prévio a cada sentença. Exige-se, por exemplo, que o réu tenha sido citado, que
tenha havido contraditório, etc, a sentença estrangeira é reconhecida sem que o tribunal português

vá verificar isso, mas essas condições são exigidas na mesma, ou seja, permite-se que as partes
peçam o não reconhecimento das sentenças quando falhem as condições.

Este sistema fará sentido em que situações? Nos casos em que há mais confiança entre
estados. Na UE, entre EM’s da UE em regra há reconhecimento automático pois existe maior
confiança porque na UE não aparecem as mesmas preocupações quanto a justiça processual como

noutros países estrangeiros; além disso, os regulamentos abaixo regulam não só reconhecimento de
sentenças, como a competência, os regulamentos determinam já o país competente. Existem vários

regulamentos da UE que vai estabelecendo matéria a matéria este sistema, por exemplo,
Regulamento Bruxelas I Biz (foi reformulado, daí o biz), que é para reconhecimento de sentenças

estrangeiras em matéria civil e comercial; o Regulamento Bruxelas II Biz, estabelece também este
sistema, mas para decisões em matéria de divorcio, separação e responsabilidades parentais;

Regulamento das sucessões, sentenças sucessórias dos EM’s são reconhecidas automaticamente.
Existem outros, mas estes são os principais.

Muitos destes regulamentos têm reconhecimento automático para todos os efeitos das

sentenças, menos um – efeito da força executiva. Por exemplo, Regulamento das sucessões tem
reconhecimento automático para efeitos declarativos ou constitutivos, para caso julgado, mas não

Página 174 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
para efeitos executivos, pelo que nesse caso o sistema seria o de controlo prévio na modalidade de

controlo formal.

4. No CPC, art.978º, o sistema que vamos ver aqui NÃO se aplica se houver tratados,

convenções, regulamentos da UE e leis especiais. Este é um método subsidiário – só usamos este


método de reconhecimento se não pudermos usar um outro, só se não houver tratados que Portugal

tenha celebrado, convenções que Portugal tenha celebrado, regulamentos UE e leis especiais (lei da
arbitragem; e código da insolvência, pelo que se a sentença for arbitral ou de insolvência, não

aplicamos este método, mas o método que aí se estipule) que estabeleçam o método.

O método que vigora em Portugal é um método de controlo prévio – é possível reconhecer,

mas só se reconhece a sentença estrangeira se for revista e confirmada, tem de haver controlo prévio
individualizado em cada sentença estrangeira. MAS aqui fala-se em decisão sobre direitos privados,

pelo que isto é só em matéria de relações jurídico-privadas.

Imaginemos um Tribunal Penal estrangeiro reconhece sentença de condenação de indemnização


civil e sentença sobre pena. Mas será que podemos reconhecer sentença estrangeira quando

condena uma das partes a pagar uma indemnização civil? O nosso sistema de reconhecimento serve
para reconhecer esta sentença? Na parte sobre a indemnização, é sentença de direitos privados, pelo

que reconhecemos.

Este sistema é usado para reconhecer parte das sentenças que é em matéria privada, pelo que
também serve para reconhecer sentença criminal na parte da indemnização, porque é sobre direitos

privados.

Art.978º/2, este sistema de reconhecimento de controlo prévio no nº1 é apenas quando

queiramos os efeitos da sentença – caso julgado, declarativos ou constitutivos, ou força executiva.


Não é necessário quando queremos usar uma sentença como meio de prova, só precisamos pedir o

reconhecimento para aqueles efeitos.

Exequatur – se depois do controlo a sentença pode produzir efeitos ao tribunal de destino pede-
se o exequatur.

Página 175 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Mas qual será o subsistema do nosso método, qual a condição? Controlo de mérito,
controlando-se se o processo foi justo e se o mérito da sentença é igual ao que tribunal do foro

daria? Ou controlo formal? O tribunal competente para fazer este processo de controlo de revisão é
o Tribunal da Relação, art.979º CPC. Por outro lado, o art.980º CPC, tem as condições de

reconhecimento, para que sentença seja confirmada:

a) É necessário que não haja dúvidas sobre autenticidade do documento – para controlar a
forma da sentença;

b) Que tenha transitado em julgado, que a decisão se tenha tornado definitiva – controlo de
forma.

c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em
fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses

– controlo de forma. Como se sabe se o tribunal estrangeiro era competente? Aqui a


doutrina discute como se aprecia a competência:

i. O que se pede é que se vá verificar que tribunal estrangeiro era competente de


acordo com as suas regras de competências? Aceita-se uma unilateralidade das

regras de competência?
ii. Ou será que aquilo que é exigível é que nós verifiquemos regras de competência
portuguesas, art.62º CPC, e se as vamos bilateralizar para saber se tribunal
estrangeiro era competente?

 Nota: Orais: sempre perguntado nas orais do Dr. Rui Dias.

A doutrina defende uma unilateralidade atenuada, ou seja, aceitamos unilateralidade, é a lei

estrangeira que determina se o tribunal estrangeiro era ou não competente (vemos o CPC
estrangeiro), MAS ela é mitigada pela parte final da alínea c) do art.980º CPC – desde que a

matéria em causa não seja competência exclusiva dos tribunais portugueses (remeter para artigo 63º
CPC), aí aplicamos a nossa regra de competências. Assim, a unilateralidade é atenuada.

Página 176 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Tudo aponta para que o nosso sistema seja de controlo prévio formal. Mas vejamos as
restantes alíneas.

d) Que não haja tribunal português que já tenha julgado a causa – controlo forma.

e) Também controlo de forma.

Assim, o nosso sistema é quase totalmente um sistema de controlo prévio na modalidade de


controlo formal. Não vemos se o juiz estrangeiro decidiu bem, aceitamos o que decidiu desde que

processo tenha sido justo. CONTUDO, o nosso sistema não é sistema de puro controlo de forma –
980º/f) - sentença estrangeira não tenha decisão cujo reconhecimento conduza a resultado

manifestamente incompatível com princípios da ordem pública internacional do Estado Português. A


ordem pública internacional tem aqui um papel: não reconhecemos sentença estrangeira quando

esse reconhecimento seja manifestamente chocante para os princípios da ordem jurídica portuguesa.

Por exemplo, reconhecer sentença do tribunal saudita que diga que filho é herdeiro e filha
não, é chocante. Isto é controlo de mérito! Estamos a verificar o conteúdo da sentença estrangeira. É

um controlo de mérito muito limitado pois é só por referência à ordem pública internacional,
art.980º/f).

Assim, o nosso sistema é um SISTEMA DE CONTROLO PRÉVIO DE CONTROLO FORMAL,

MAS COM TRAÇO DE CONTROLO PRÉVIO DE MÉRITO

Além disso, o processo especial não acaba no 980º, temos de ver o art.983º CPC que prevê
não as condições para reconhecimento, mas os FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO DO PEDIDO. O

art.983º diz que a parte contra quem é pedido o reconhecimento pode vir convocar fundamento
para o não reconhecimento, e se esses fundamentos forem válidos, ainda que condições se tivessem

verificado, tem efeito. Quais fundamentos?

1. SE SE VERIFICAR RECURSO DE REVISÃO – é recurso extraordinário, usado quando se

descubra, por exemplo, que o juiz foi corrompido; ou que apareceu um novo documento que prova
que a solução do tribunal não é certa; etc. Se houver um dos fundamentos do recurso de revisão
pode haver impugnação do pedido.

Página 177 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

2. ART.983º/2 PRIVILÉGIO DA NACIONALIDADE - quando a sentença tiver sido


proferida contra pessoa singular ou coletiva de nacionalidade portuguesa. Ou seja, a nacionalidade

do réu tem de ser portuguesa, se o for vai poder usar o 983º/2; além disso, se o for e conseguir
provar mais das coisas, consegue impedir reconhecimento da sentença estrangeira: se segundo as

regras conflitos portuguesas, a lei competente devia ser a lei portuguesa E SE o resultado teria sido
mais favorável para o réu se tivesse sido aplicada a lei portuguesa. Nestes casos, verificando-se estas

3 coisas, consegue-se impedir o reconhecimento da sentença estrangeira, mesmo que estejam


verificadas as condições.

Isto ainda é controlo de forma ou controlo de mérito? Estamos a verificar como o


tribunal decidiu? Controlo de mérito, pois estamos a ver se a sentença é menos favorável do que
seria a portuguesa, estamos a comparar o conteúdo da sentença estrangeira com o conteúdo

possível no tribunal português. Assim, o sistema em Portugal é de controlo prévio, na modalidade

quase sempre de controlo formal, mas tem dois traços de controlo de mérito – art.980º/f) e
art.983º/2 CPC!

Este privilégio da nacionalidade, art.983º/2 não contraria algum ramo jurídico? Que
proíba a discriminação em razão da nacionalidade? A UE, será que este privilégio é conforme a UE
que proíbe a discriminação em razão de nacionalidade? Não parece, a UE quando ver o art.983º/2
intenta ação de incumprimento.

Este sistema de reconhecimento de sentenças estrangeiras é subsidiário, não nos


podemos esquecer! Se houver regulamento da UE, tratado, convenção, lei especial, podemos aplicar
o sistema aí previsto (reconhecimento automático nos regulamentos UE, a esses não se exige

exequatur).

Página 178 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

CAPÍTULO XII - PARTE ESPECIAL — A LEI APLICÁVEL ÀS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

12.1. AS FONTES: O REGIME DO CÓDIGO CIVIL, O REGULAMENTO ROMA I E A CONVENÇÃO


DE ROMA DE 1980. SEUS ÂMBITOS DE APLICAÇÃO.
Qual lei aplicável aos contratos? Em matéria de contratos não temos uma só norma de DIP,

temos 3. O DIP interno é assinalado por problema de fontes, colocando-se questão qual o DIP que
vamos usar. Em matéria de contratos, temos 3 fontes:

1. Fonte interna, art.41º e 42º CCivil - conceito-quadro é: negócios jurídicos, que são mais

amplos que contratos – abrange os negócios unilaterais e os bilaterais ou contratos. Para


contratos, para parte deste conceito-quadro já houve unificação europeia, em dois

instrumentos:
2. Convenção de Roma 1980 sobre lei aplicável aos contratos, tendo Portugal ratificado em

1994;
3. Regulamento da UE, Roma I (aplicável a partir de 17 de dezembro de 2009, foi redigido

para substituir a convenção de Roma de 1980, é modernização dessa convenção, mas foi
editado numa altura em que UE já tinha competências em DIP, já não era preciso ser

convenção internacional, podia ser regulamento da UE sobre a matéria).

Havendo 3 instrumentos de DIP, aquando da celebração de um contrato internacional temos de

saber qual o DIP a usar. Temos 3 critérios de ordenação. Tentamos aplicar sempre o mecanismo
mais recente (regulamento Roma I), só não o fazemos se faltar algum dos requisitos aplicativos do

mais recente, aí aplicamos o segundo mais recente (convenção), e só se faltar requisitos do 2º mais
recente, é que se aplica o 3º, o CCivil. Assim, temos de verificar a aplicabilidade do Regulamento

Roma I com base em 3 critérios:

a) Critério material ou do conceito-quadro – regulamento Roma I apenas unifica DIP dos


contratos, e nisto é igual à convenção de Roma. Ou seja, para que se possa aplicar o

Regulamento Roma I temos de estar perante um contrato e não perante um negócio jurídico
unilateral (a estes aplica-se o CCivil).

Página 179 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

b) Critério temporal – regulamento Roma I tem norma transitória, art.28º - só se aplica aos

contratos celebrados DEPOIS de 17 dezembro de 2009.

Se for ANTERIOR a 17-12-2009, testamos a convenção de Roma que tem como critério
temporal – se for contratos celebrados a partir de 1 janeiro de 1994 e 16 dezembro de 2009.

Se anterior a 1994, aplica-se CCivil.

c) Não pode ser matéria excluída do regulamento. O regulamento exclui uma série de
contratos, art.1º, e se estivermos perante contrato excluído não podemos aplicar o Roma I, e

nesses casos vamos tentar aplicar convenção de Roma, que tem artigo igual, pelo que se
contrato for excluído do Roma I, será também excluído da convenção. Nesse caso aplica-se

CCivil.

São excluídos:

❖ Estado e capacidade pessoas singulares aplica-se art.25º CCivil;

❖ Obrigações decorrentes de relações de família ou equiparados – art.52º CCivil;


❖ Obrigações decorrentes de regime de bens de casamento (convenções antenupciais) – art.53º

CCivil;
❖ Matéria sucessória – regulamento da sucessões;

❖ Letras e livranças aplica-se a lei uniforme portuguesa;


❖ Negócios processuais – aplica-se CCivil, art.41º e 42º;

❖ Questões reguladas por direitos sociedade – aplica-se art.33º CCivil.

Página 180 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

12.2. O CARÁCTER UNIVERSAL DO REGULAMENTO ROMA I


Art.2º regulamento Roma I – a lei designada pelo presente regulamento é aplicável mesmo
que não seja a lei de um EM. OU SEJA, usa-se o regulamento nos contratos entre vários estados,

mesmo que não seja EM.

Por exemplo, se for contrato entre um português e brasileiro, celebrado hoje e em matéria não
excluída, aplica-se o Regulamento Roma I, mesmo que mande aplicar lei de um estado que não

seja EM.

O regulamento, quando aplicável, tem algumas normas sobre a parte geral, o que vimos até
aqui do DIP, que estabelece soluções próprias. Desde logo, no art.20º Regulamento Roma I temos

uma solução específica de um problema da parte geral – se o regulamento estiver a remeter para
uma lei do país x, e este reenviar para outra, temos o problema do reenvio, determinando-se a

exclusão do reenvio, ou seja, quando o regulamento manda aplicar uma lei apenas remete para o

direito material – tem posição de referência material.

Além disso, o art.21º tem o problema da ordem pública do foro – autoriza-se o

funcionamento da exceção da ordem pública internacional nos termos que vimos. E art.9º do
regulamento, que toma posição quanto ao problema das normas de aplicação necessária e

imediata, isto é, normas materiais que determinam âmbito de aplicação independentemente da


regra de conflitos. O regulamento, quanto a isto, estabelece definição de normas de aplicação

necessária e imediata no 9º/1.

No nº2 temos uma norma sobre a aplicação dessas normas da lei do foro, o país onde se está
a julgar, dizendo que as normas de aplicação necessária do foro continuam a vigorar apesar do

regulamento.

No art.9º/3 quando há contrato usando regra conflitos do regulamento Roma I, a solução a dar
é a do 9º/3, que toma posição sobre o que fazer a normas aplicação necessária e imediata
estrangeiras.

Página 181 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

12.3. LEI APLICÁVEL AOS CONTRATOS: O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA CONFLITUAL.


AMPLITUDE, RATIO LEGIS E DISTINÇÃO DA AUTONOMIA MATERIAL

Vamos para a parte especial. Mesmo que tenhamos uma lei sobre contrato, essa lei do contrato
não regula todos os aspetos do contrato. A lei aplicável ao contrato regula, nos termos do art.12º

Regulamento Roma I:

❖ a interpretação do contrato;
❖ as obrigações que decorrem do contrato;

❖ consequências do incumprimento total ou parcial das obrigações (responsabilidade


contratual).

No fundo a lei aplicável ao contrato vai dizer quando o contrato existe, quando está perfeito,

quais obrigações que dele decorrem, e quais consequências do seu incumprimento. Não está, por
exemplo, algo sobre capacidade das partes.

Ora, a regra conflitos principal do Reg.Roma I está no art.3º, é a regra de conflito geral – o

elemento conexão é a escolha das partes, o contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes (Conexão
primária). Será isto novidade face ao regime do CCivil? A regra conflitos dos contratos no CC é o

art.41º, cujo elemento conexão é a escolha das partes também.

A isto se dá o nome de PRINCÍPIO DA AUTONOMIA CONFLITUAL, isto é, a liberdade

concedida às partes de escolher a lei aplicável à sua relação jurídica. O DIP moderno vem
estendendo este princípio. Cada vez mais é dada às partes esta possibilidade, é um princípio

preponderante do DIP moderno. Mas será recente? Ou a autonomia conflitual é um princípio antigo?
O princípio da autonomia conflitual vem do séc. XVI, proposto para o problema da lei aplicável ao

regime de bens do casamento.

Neste contexto, é importante distinguir a autonomia conflitual e, por outro lado, a autonomia
material.

Página 182 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

❖ A autonomia conflitual (AC) é a possibilidade dada às partes de escolherem lei aplicável a


sua relação jurídica, vigorando no domínio dos contratos.

❖ Pelo contrário, a autonomia material (AM) é a possibilidade de as partes regularem o


conteúdo das relações jurídicas dentro dos limites das normas imperativas. Dentro de x lei aplicável

pode ser conferida às partes o poder de afastar ou não normas supletivas – norma supletiva, por
exemplo, partes podem afastá-la e combinar outra coisa. Estão a exercer autonomia material, pois

dentro dos limites das normas imperativas estão a modelar sua relação jurídica.
❖ A AM não está relacionada com a AC pois na AC é escolher lei aplicável ao contrato, e

depois essa lei é que dá mais ou menos possibilidade de as partes regularem o conteúdo da
relação jurídica.

Por outro lado, porque é que legislador europeu e interno adotou a autonomia
conflitual? Porque este elemento conexão? Porque permitiu às partes a possibilidade de
escolherem lei aplicável?

Desde logo isto é uma projeção do princípio fundamental dos contratos – princípio

da autonomia privada, o reflexo conflitual deste princípio é a autonomia conflitual. Ou seja, se as


partes devem fazer o que quiserem, devem também poder escolher lei que vai regular seu contrato.

Mas há uma segunda razão, própria de DIP, que é a razão de segurança jurídica, de previsibilidade –
se partes escolhem a lei aplicável ao contrato, deixa de ser controverso qual a lei aplicável, esse

problema de DIP desaparece. Com previsibilidade, as partes já sabem qual a lei aplicável, reforçando,
portanto, a segurança jurídica.

Será que a autonomia conflitual dos contratos é uma tónica comum no mundo
inteiro ou é especificidade europeia? Admitir escolha da lei pelas partes nos contratos é
específico da europa? Quase todos os sistemas de DIP têm autonomia conflitual, exceto o Brasil.

Ainda quanto à autonomia conflitual, isto tem estendido para outros domínios que
não apenas os contratos. Existe ainda autonomia conflitual:

❖ no regime dos bens de casamento;

Página 183 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
❖ responsabilidade civil extracontratual o lesante e lesado podem escolher (regulamento Roma

II permite);
❖ matéria de divórcio (se os cônjuges estão de acordo a escolher a lei aplicável, é porque estão

de acordo em divorciar-se, pelo que vão escolher uma lei que facilite o divórcio, pelo que aí o
objetivo da autonomia conflito é material, é facilitar o divórcio);

❖ e domínio das sucessões, o de cujus antes de morrer pode escolher lei aplicável à sua
sucessão.

Porém, existindo autonomia conflitual nestes domínios, não significa que AC apareça sempre da
mesma forma. Temos domínios onde é mais generosa e outros onde é mais restrita. Temos

instrumentos modernos onde ela é mais generosa, e outros mais restrita. E será que a prevista no
regulamento e CC é mais generosa ou restrita? Será que escolha tem de ser expressa, ou pode
ser tácita? Ou seja, é tão generosa ao ponto de permitir que as partes escolham tacitamente, ou
tão restrita que exige a escolha expressamente?

Ora, no art.3º regulamento Roma I admite-se escolha expressa ou tácita; e o CCivil art.41º

admite também escolha expressa ou tácita. Tanto no regime do ccivil, como no regulamento admite-
se escolha tácita. Mas isto gera um problema – como se sabe que houve ou não escolha tácita da

lei aplicável? O julgador vai ter de determinar indícios do contrato que, apesar das partes não terem
dito expressamente que escolheram lei x, permitem determinar que escolheram certa lei.

Que indícios podem ser estes?

❖ Referência a uma norma de um ordenamento jurídico (por exemplo: Se partes dizem “o

regime do incumprimento rege-se pelo art.800º e ss do código civil francês” – fazem referência a
norma francesa, pelo que é indicio que escolheram lei francês);

❖ Escolha do foro, do tribunal competente (se partes disserem que litígios sobre contrato
sejam julgados no brasil, é indicio da escolha tácita da lei brasileira);

❖ Menção a um instituto jurídico que seja específico de uma certa lei (por exemplo, fazem
referência a um trust, que é especifico do ordenamento jurídico americano ou inglês).

Página 184 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Por outro lado, será que AC deve ser limitada a um determinado leque de leis possível ou
será que as partes podem escolher qualquer lei sem qualquer limitação?

Ou seja, quando a regra de conflitos dá a possibilidade de as partes escolherem a lei, prevê

uma AUTONOMIA LIMTADA (Escolher uma lei dentro de x leque de possibilidades), ou permite que
escolham a lei que quiserem – AUTONOMIA ILIMITADA (qualquer lei competente).

O art.41º/2 CCivil dá-nos solução quanto a isto – a autonomia é limitada, ou seja, as partes

podem escolher lei sim, mas só dento de determinado leque de leis (leis com conexão com o caso ou
leis que correspondam ao interesse séria das partes).

O regulamento Roma I, é mais moderno, é de 2009, e um dos vetores da sua modernidade é


ter amplitude de autonomia conflitual (AC) mais generosa, pelo que art.3º diz que partes podem

escolher lei aplicável ao contrato, prevendo autonomia conflitual ilimitada, podem escolher qualquer
lei.

MAS ISTO NÃO LEVANTA NENHUM PROBLEMA? Não há princípio de DIP que pode estar a
ser posto em causa pela autonomia conflitual ilimitada? Fala-se no princípio da não
transatividade que determina que não se escolha a lei que não tenha ligação ao caso, e a AC
ilimitada acaba por permitir que as partes escolham uma lei que não tenha ligação com o caso.

NÃO VIOLA, no domínio contratual visto que o facto das partes quererem aplicar x lei, num
domínio de autonomia privada, de contratos, é ligação suficiente para que não esteja posto em causa

o princípio da não transatividade. As partes fazem parte do caso, escolhem x lei, então a lei tem
ligação ao caso porque é a lei que as partes quiserem num domínio de autonomia privada, isso é

ligação suficiente. Assim, admite-se AC ilimitada.

Será que AC ilimitada é utilizada em todos os domínios onde vigora a AC (vimos lá


acima)? Não, no domínio divórcio, sucessões, etc, encontramos sempre AC limitada. Só no domínio
dos contratos é que encontramos AC ilimitada.

Página 185 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
E nos contratos puramente internos?

Imaginemos que A celebra com B, português residente em Portugal, contrato em Portugal,


cujo objeto circula em Portugal – pode-se escolher lei aplicável? Não temos uma relação jurídica

internacional. Também se pode escolher a lei aplicável a contratos internos?

Não, se a relação for puramente interna, o REGULAMENTO ROMA I não é aplicável, art.1º.

Mas e se, ainda assim, as partes tiverem escolhido? Nos termos do art.3º/3 do reg.roma I que
determina: caso o contrato seja puramente interno, e as partes escolheram lei diferente do país onde

se celebra, a escolha dessa lei estrangeira não prejudica a aplicação de disposições da lei onde o
contrato foi celebrado que não forem derrogáveis por acordo, mantem-se a aplicação das normas

imperativas da lei do foro, interna – então mas houve autonomia conflitual? Não houve, porque
apesar de escolherem a lei estrangeira, afinal continuam vinculados à lei interna com ligação com o

caso. No entanto, o regulamento não invalida a cláusula que escolheu a lei estrangeira, apenas diz
que apesar de escolhida essa lei, continuam vinculados à lei interna. Então que valor podemos

conferir à clausula que escolhe lei estrangeira? Vamos tentar aplicar lei estrangeira, MAS APENAS
NA PARTE QUE SEJA PERMITIDA PELAS NORMAS IMPERATIVAS DA LEI INTERNA. Ou seja, a lei
aplicável ao contrato continua a ser a lei interna, mas podemos tentar substituir normas supletivas da

lei interna, por normas da lei estrangeira escolhida. Assim, nos contratos puramente internos, art.3º
reg.Roma I, em vez de termos autonomia conflitual, converte-a numa autonomia material. Não se

desvaloriza as expetativas das partes na aplicação de lei estrangeira, mas não se atribui o total valor
que elas pretendiam.

Por exemplo, um contrato entre dois portugueses residentes em Portugal, com objeto em
Portugal, as partes podem escolher lei francesa? Não podem escolher, MAS se escolherem, essa

referência à lei francesa é tida em conta na medida das normas supletivas da lei interna.

Por exemplo, um português e espanhol, celebram em Portugal, sobre objeto em Espanha,


podem escolher lei finlandesa? Podem, porque regulamento estabelece autonomia conflitual
ilimitada. E ao abrigo do ccivil? Não, só se tiverem interesse sério, porque no ccivil a autonomia
conflitual é limitada.

Página 186 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Será que é possível mudar a lei aplicável ao contrato? Ou seja, partes escolheram x lei, um
ano depois querem mudar para a lei y, admite-se? No regulamento, art.3º/2, as partes podem, a

qualquer momento, mudar a lei aplicável. Pelo contrário, o CCivil não tem disposição sobre a matéria
– doutrina maioritária diz que não se pode. O mais generoso é o regulamento.

Por fim, será que as partes podem depeçáge, especialização, do contrato? Escolher
leis diferentes para partes diferentes do contrato? No regime do CCIVIL NÃO, o ccivil admite
escolhe de apenas uma lei para o contrato; no regime do regulamento, art.3º/1 parte final,

admite-se escolher duas leis, uma para uma parte e outra para outra, MAS esta separação tem de ser
objetiva (não pode ser para sujeitos diferentes, leis diferentes), isto é, aplicável lei diferente não a

sujeitos diferentes, mas sim a partes diferentes do contrato. Regulamento é mais generoso.

E será que partes podem escolher lei que não vigore em nenhum país? Por exemplo,
normas costumeiras que não vigorem em nenhum país. Ou que querem o contrato sem lei, e partes

determinam regras competentes, é possível? Isto é o problema da AUTONOMIA UNIVERSAL – o


regulamento NÃO permite a autonomia universal, fala sempre “a lei do país tal tal”, não se admite

esta autonomia universal, partes têm de escolher a lei de um país.

EM RESUMO: Estamos a tratar da matéria relativa aos contratos. Já vimos como articular as
várias fontes, e qual a conexão principal do regulamento Roma I e do CCivil – autonomia conflitual, a

escolha das partes. No Regulamento Roma I a autonomia conflitual é ilimitada, podem escolher
qualquer lei, ao contrário do CCivil em que autonomia é limitada. AC do regulamento é mais

generosa que a do CCivil em dois aspetos, ao contrário do ccivil – admite-se alteração da lei
escolhida; admite-se a escolha parcial da lei aplicável.

E o que acontece se esta conexão principal, art.3º regulamento e art.41º ccivil, falha? Se
as partes não tiverem escolhido a lei aplicável, nem explicita nem tacitamente? Como o DIP
normalmente atua quando a conexão primária é eleito um elemento de conexão de pode
falhar? Admite conexão subsidiária, tanto na fonte europeia, como na fonte interna – tanto no
regulamento, como no ccivil, falhando a conexão principal primária, responde-se com conexão
subsidiária.

Página 187 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

A resposta do CCivil por ser mais antiga e tem características diferentes no regulamento. Aqui,
falhando a conexão primária no art.41º, aplicamos a conexão subsidiária do art.42º CCivil – no nº1 a

lei aplicável ao contrato caso as partes não tenham escolhido a lei aplicável o elemento conexão é a
residência habitual comum das partes para contratos (isto para quaisquer contratos), e residência
habitual do declarante no caso de negócios jurídicos unilaterais - sistema conflitual não leva em
conta que os contratos são muito diferentes, temos contratos que porventura mereceriam um

sistema de lei aplicável consoante o tipo contratual, e o CCivil não leva isso em consideração, tem o
mesmo elemento conexão para qualquer tipo de contrato.

Além disso, e se as partes residirem em países diferentes? Qual elemento conexão dos
contratos nesse caso? Aí há uma 3ª conexão subsidiária, aí sim o legislador distingue o tipo
contratual, art.42º/2, distinguindo entre contratos gratuitos – onde se aplica a lei da residência

habitual daquele que atribui o benefício – e contratos onerosos – onde se aplica a lei do lugar da
celebração.

No caso do regulamento, o sistema é mais moderno, encontrando consagração de vários

expedientes que decorrem das propostas norte-americanas em matéria de DIP. Falhando a conexão
primária, temos uma REGRA GERAL NO ART.4º do regulamento Roma I, mas atenção, o legislador

não aplica esta regra geral a todos os contratos, separou do sistema normal – conjugação do art.3º e
art.4º - daqueles contratos que têm uma parte mais fraca, isto é, contrato de trabalho tem um

regime próprio art.8º; contratos celebrados com consumidores, art.6º; contratos de transporte,
art.5º; e contratos de seguros, art.7º.

Mas porque é que o que legislador separou estes 4 tipos contratuais da regra geral?
Porque não deixamos funcionar a regra geral nestes contratos, como o ccivil faz no art.41º/1?
Porque nos contratos onde há uma parte mais frágil, pode acontecer que a parte mais forte imponha

a lei aplicável, e o legislador quer evitar isso, caso contrário a parte mais fraca vai aceitar a aplicação
da lei. Assim, nestes 4 tipos contratuais vamos encontrar uma MENOR autonomia conflitual, vai ser

menos generoso com estes contratos.

Página 188 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Ora, vamos começar por ver primeiro o regime geral. O que pode acontecer nos contratos é a
não escolha da lei aplicável, pelo que no art.4º temos conexão subsidiária – para contratos em geral,

caso as partes não tenham escolhido, nem expressa nem tacitamente, a lei aplicável. Aí o legislador
escolha a lei aplicável de forma diferente para cada tipo de contrato, ao contrário do ccivil que tinha

o mesmo elemento (residência habitual comum das partes) para todos os tipos de contrato. Aqui no
regulamento, na falta de escolha, a lei mais próxima é x para cada tipo de contrato – a solução

conflitual aqui é mais especializada em relação ao tipo de contrato, é regra especial para cada
contrato. Que fenómeno é este? FENÓMENO DA ESPECIALIZAÇÃO ou depeçáge.

Contudo, os contratos não são só típicos. Só podem haver os contratos especificamente na lei

ou as partes podem criar contratos não previstos na lei? Podem criar. Então o que pode acontecer?
O contrato pode não estar previsto nas alíneas do art.4º/1 do regulamento.

Por exemplo, contrato de empreitada não está aí previsto, o que acontece? O legislador não

deixa isto sem resposta, tratando-se de contrato não previsto nas alíneas do art.4º/1, aplica-se o
4º/2 que determina que se essas alíneas não funcionarem, os contratos são regulados pela lei da

residência de apenas um dos contraentes, daquele que deve efetuar a prestação característica do
contrato. Mas o que é a prestação característica do contrato? A determinação dessa prestação

pode ser feita através de 3 critérios distintos:

1. O critério da função económico-social – a prestação característica do contrato é aquela que


distingue aquele contrato dos outros contratos.

Por exemplo, contrato de prestação de serviços, A pediu a B que lhe pintasse o cabelo.
Qual a prestação característica segundo este critério? Temos de isolar o que faz cada uma das

partes. A paga o preço, B pinta o cabelo. Qual destas é que distingue este contrato dos outros? É
pintar o cabelo. É esta a prestação característica do contrato segundo este critério.

Página 189 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Outro exemplo, contrato de Compra e Venda. Qual prestação característica? Temos de


identificar as partes e respetivas prestações – comprador e vendedor. Comprador paga o preço, o

vendedor entrega a coisa. A prestação característica, por este critério, é entregar da coisa, a
prestação do vendedor.

2. Critério do risco – segundo este, a prestação característica do contrato é daquele que assume

a maior dose/parte do risco contratual.

3. Critério da profissionalidade – segundo este, a prestação característica do contrato é do


contraente que celebra o contrato profissionalmente, no âmbito da sua atividade profissional.

Porque precisamos de mais dois critérios? Porque o 1º critério pode falhar, então falhando,
aplicamos os outros 2, servem para os casos em que o critério principal falha.

Imaginemos contrato de empréstimo bancário. Segundo regulamento Roma I – escolha das


partes; se as partes não escolherem, art.4º e procuramos uma das alíneas do nº1 e não estando

previsto, vamos ao nº2 que diz que é a residência do contraente que faz a prestação característica
do contrato. Neste contrato, os contraentes são o banco e o mutuário. Temos de determinar a

prestação característica, porque é a lei da residência do que a presta que vai ser aplicável. O banco
transfere o dinheiro, e o mutuário paga juros e compromete-se a pagar de volta. Qual destas

prestações distingue este contrato dos outros segundo o 1º critério? Este critério falhou, porque tanto
a prestação do banco, como do mutuário são características do contrato.

Segundo o 2º critério, a prestação característica é do banco, é ele que assume o risco. E segundo

o 3º critério, é do banco também. Assim, com estes critérios a prestação característica do contrato é
a do banco – pelo que lei da residência do banco, MAS falando de pessoa coletiva é a sua sede.

Por outro lado, vejamos o art.4º/3 – o que faz isto? E o que é isto que aí está? Permite que juiz
não olhe aos elementos conexão que estejam no nº1 e 2, faz com que esses não sejam rígidos,

flexíveis – fenómeno da flexibilização - porque se permite ao juiz que apesar desses elementos, se
aplique uma lei que considere mais próxima que as do elemento conexão. E que expediente de

flexibilização está aqui presente? Cláusula de exceção, que permite ao juiz desaplicar a lei do nº1 e
Página 190 de 196
FDUC – DIP 2018/2019
2, e aplicar outra lei, uma lei mais próxima – estas podem ser abertas (próprio juiz que escolhe a

outra lei) ou fechadas (legislador que indica a outra lei). Esta cláusula de exceção é aberta, o juiz é
que vê qual a lei que tem ligação mais forte. E podem ser formais (aplica-se lei com ligação mais

forte) ou materiais (aplica-se lei que conduz a resultado mais justo). Esta cláusula de exceção é
formal porque o seu objetivo é que o juiz olhe para o caso concreto e veja que apesar da regra

conflitos indicar lei A, ele acha que deva aplicar lei B com maior ligação.

Exemplo prático

Contrato de permuta em que partes não tenham escolhido lei aplicável. Regra geral

contrato art.4º/1 – não estando aí previsto, 4º/2 – residência do que se obrigou à prestação
característica – determiná-la no contrato. A entrega uma coisa e recebe outra, e B faz o mesmo,

pelo que não é possível determinar, prestações iguais – e se não for possível determinar a
prestação característica e o contrato não estiver previsto, quando nem por aplicação do nº1 nem

nº2 se identificar? Aplicamos o art.4º/4 (também fenómeno de flexibilização), que determina


aplicação da lei mais estreita, concretiza-se aqui o princípio da maior proximidade, é o juiz que

determina lei aplicável sem intervenção do legislador – mecanismo de flexibilização.

REGIMES DOS CONTRATOS COM PARTE MAIS FRACA

Primeiro vejamos o art.8º regulamento Roma I, que determina regime aplicável ao


contrato de trabalho. Aí se determina que o contrato é regulado pela lei escolhida pelas partes nos

termos do art.3º, ou seja, parece que a autonomia conflitual é plena, ilimitada. Mas há risco, a parte
mais forte pode impor à parte mais fraca uma lei que lhe seja menos favorável. Assim, o

regulamento determina que a escolha da lei não pode ter como efeito a diminuição da
proteção do trabalhador face à lei que seria aplicável na falta de escolha. Ou seja, as partes

quiserem escolher, mas ao escolher isso não pode ter como efeito diminuir proteção do trabalhador
nos termos da lei que seria aplicável na falta de escolha.

Página 191 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

ISTO SIGNIFICA que no contrato de trabalho, mesmo quando as partes tenham escolhido a
lei aplicável, temos que determinar sempre qual seria a lei aplicável ao contrato caso as partes

não tivessem escolhido.

Por exemplo, partes escolheram lei da Coreia do Norte, mas esta escolha não pode diminuir
proteção do trabalhador face à lei que seria aplicável na falta de escolha – a lei seria a lei alemã por

exemplo. Nos termos do art.8º/1 que lei se aplica? Lei escolhida ou lei que seria aplicável na
falta de escolha? Este contrato vai ser regulado em cada matéria entre as duas leis, por aquela que
for MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR. Em cada matéria temos de ver qual a lei mais favorável ao
trabalhador. Por exemplo, para férias, a lei da coreia determina 2 dias de férias, e a lei alemã 20 dias

– em matéria de férias escolher lei coreana implicaria diminuição da proteção do trabalhador, nessa
matéria aplicar-se-ia a lei alemã. Em matéria de horário de trabalho, a lei coreana determina 20h e a

alemã 40h – aqui aplica-se lei coreana. Assim, admite-se a escolha da lei aplicável, mas apenas na
parte em que aumente a proteção do trabalhador, caso contrário a autonomia conflitual não é
valorada.

Pergunta Oral : É verdade que no contrato de trabalho a autonomia conflitual é menor


que nos contratos em geral?

A autonomia conflitual só é levada em conta no sentido mais favorável ao trabalhador.

Verdadeiramente há menos autonomia, mas apenas no sentido que a escolha da lei só é relevante
no sentindo mais favorável ao trabalhador.

Por outro lado, qual a lei aplicável ao contrato de trabalho na falta de escolha? O Art.8º/2

determina que o contrato, nesse caso, é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta
habitualmente trabalho. Mas e se o trabalhador for hospedeira de bordo? Se o trabalhador não

presta habitualmente trabalho no mesmo sítio, aplica-se lei do país a partir do qual o trabalhador
presta habitualmente o seu trabalho – isto é para os trabalhos em que o trabalhador se apresenta,
mas a partir daí é deslocado para vários locais onde presta o seu trabalho.

Página 192 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

E se falhar este critério? E se for trabalhador que ora se apresenta no brasil, ora se apresenta
em Portugal, ora se apresenta na china? Se se apresentarem em vários sítios? Temos conexão

subsidiária no art.8º/3 que determina que a lei aplicável do local do estabelecimento de quem
contratou o trabalhador, do empregador.

Mas além disso, temos ainda conexão subsidiária no art.8º/4, onde há clausula de exceção,

permitindo ao juiz, face ao caso concreto, afastar elemento conexão quando entenda que há outra
lei que tem conexão mais forte com o contrato de trabalho – mecanismo de flexibilização de

Cavers. É uma cláusula de exceção aberta e formal.

AGORA VEJAMOS O ART.6º, CONTRATOS CELEBRADOS POR CONSUMIDORES.

A parte profissional pode impor a escolha de lei que o consumidor desconheça, os

consumidores podem estar a escolher leis aplicáveis sem saberem do que se trata, e essa lei pode
desproteger o consumidor e pode ser uma lei que o consumidor nem tenha consciência que está a

escolher. Assim, é preciso restringir essa escolha.

No art.6º, onde existe esta proteção, o seu regime só se coloca quando estejam verificados 3
requisitos cumulativos:

1. Requisito de âmbito pessoal – o regime do art.6º só se aplica em vez do art.3º e 4º

(regime geral) se os contraentes forem de uma determinada natureza, quando os contraentes forem
um consumidor e um profissional. O contrato tem de ser celebrado entre consumidor e profissional.

No art.6º/1 tem os conceitos sobre consumidor e profissional. O consumidor tem de ser uma pessoa
singular e tem de realizar atividade estranha à sua profissão (se for A que explora uma papelaria,

apesar de ser pessoa singular, quando compra papéis e canetas para revender, ele não é
considerado consumidor); e o outro contraente tem de agir no quadro das suas atividades

profissionais, a outra pessoa tem de ser um profissional (Este tem de ser pessoa coletiva? Não, pode
ser pessoa singular).

Página 193 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

2. Requisito da atividade dirigida – este regime do art.6º só se vai aplicar nos casos em que o
profissional tenha dirigido a sua atividade para o país da residência do consumidor – isto está nas

duas alíneas do nº1 do art.6º. Porque só aplicamos o regime especial nestes contratos se o
profissional tiver exercido sua atividade no país ou dirigida para o país da residência do
consumidor? Porque o profissional não poderia ser confrontado com aplicação de uma lei diferente
daquela onde exerceu a sua atividade, e além disso, se o consumidor não foi confrontado com a

oferta profissional no país da sua residência, não podia ter expetativas na aplicação da lei da
residência. Assim, este requisito pretende salvaguardar expetativas do consumidor.

Mas imaginemos um profissional que tem um site na internet publicitando os seus serviços;

sediada no brasil; site em língua portuguesa. São acessíveis a partir de todos os países. Preenche-se
este requisito neste caso? O site da internet é acessível a partir de Portugal, então entende-se

preenchido este requisito? Remissão para o considerando nº24 parte final, que nos diz que o
simples facto de simples facto da net ser acessível em vários países não basta, por si só, para ser

preenchido este requisito, é necessário que nesse site se convide à celebração de contratos à
distância através do próprio site e que o contrato em causa tenha sido celebrado à distância, para

que este requisito se encontre preenchido. Caso contrário, fora do caso da internet, o
estabelecimento pode fazer publicidade no país da residência e aí também se considera preenchido.

3. Não pode tratar-se de um contrato excluído pelo art.6º/4/b) a e). Os contratos excluídos
são os contratos de transporte, porque esse já tem um regime especial; contrato de compra e venda

de um imóvel, porque se entende que quando alguém compra imóvel tem ónus superior de
determinação do estatuto da compra e venda; contratos com direitos imobiliários, investidores

financeiros, porque existe outro regime.

Cumulando-se os 3 requisitos, aplica-se a lei da residência habitual do consumidor. Aqui

parece que não há autonomia conflitual, porque se diz que deve ser aplicável a lei da residência do
consumidor. Mas porquê essa lei? Porque o consumidor tem expetativas em ser protegido pela

Página 194 de 196


FDUC – DIP 2018/2019
lei da sua residência, que ele conhece melhor. Se consumidor reside em Portugal e viu uma revista

de agência de viagens, ele está à espera de ter proteção da lei onde reside.

Mas não seria melhor para o consumidor permitir-lhe a escolha da lei, desde que em termos
próximos do contrato de trabalho, num sentido mais favorável? Se conseguir escolher lei
melhor para ele, não deveria ser possível? É possível, art.6º/2 determina que as partes podem
escolher a lei aplicável, mas só se aplicam as disposições dessa lei escolhida mais favoráveis ao
consumidor do que a da lei da residência habitual do consumidor. É idêntico ao contrato de trabalho.

OUTROS ASPETOS DOS CONTRATOS

E a forma do contrato? Qual a lei aplicável à forma do contrato? No art.36º do CCivil diz que
a lei que regula a forma do contrato, é a lei que regular a substância do contrato, que é a lei da

escolha das partes, art.41º e 42º. PORÉM, é suficiente a lei do local da celebração. Ou seja, mesmo
que não seja válido para a lei do contrato, se for válido para a lei do local da celebração, considera-

se.

Princípio favor negotti, protegem-se expetativas das partes – se as partes respeitaram a lei que
escolheram, então isso chega; se respeitaram a lei do local de celebração, também chega. É uma

conexão múltipla alternativa entre 2 leis.

Por outro lado, art.36º/2 CCivil determina que a declaração negocial é também válida se em vez
da forma prescrita na lei local, tiver sido observada a forma prescrita pelo estado para que remete

norma conflitos da lei do local de celebração. Se partes celebraram contrato no país x, serve lei do
local de celebração ou a lei que a regra de conflitos de x indicar. Porque é que o legislador faz isto?

As partes têm expetativas na validade; se celebraram no país x, foram ver a regra conflitos do país x
que lhes mandou aplicar aquela lei, e por isso a aplicaram, daí as expetativas. E o que é isto? O

legislador está a aceitar o reenvio, sem ir ver se está cumprido o fundamento do reenvio, sem ver se
é útil à Harmonia Jurídica Internacional, para salvaguardar as expetativas das partes – reenvio aceite
não para a Harmonia Jurídica Internacional, mas para salvaguardar a validade do negócio – favor
negotti como fundamento autónomo. Há outra lei. Conexão múltipla entre 3 leis.

Página 195 de 196


FDUC – DIP 2018/2019

Por outro lado, no art.11º regulamento Roma I, no seu número 1, temos uma conexão
alternativa entre duas, entre a lei que regula a substância e a lei do local da celebração, em

comparação ao código civil desaparece o reenvio, porque o regulamento é totalmente hostil ao


reenvio.

Posição especial para contratos celebrados à distância, art.11º/2 – aí temos conexão múltipla

alternativa, para salvaguardar validade do negócio, entre 5 leis diferentes.

O regime da forma no regulamento de conexão alternativa (o acima), PÁRA nos casos -


Art.11º/5 desvio para contratos que transmitem direitos reais sobre imoveis - requisitos de forma

da lei do país onde o imóvel está situado, mas apenas se se cumprirem 2 requisitos:

❖ Desde que os requisitos de forma sejam impostos sem querer saber onde o contrato foi

celebrado e qual a lei reguladora do contrato, isto é, desde que no país da situação do imóvel
os requisitos de forma sejam normas de aplicação necessária e imediata.

❖ Autorização expressa para aplicação destas normas do país da situação do imóvel, porque se

o imóvel está naquele país quer que o negócio seja lá reconhecido, produz lá efeitos =
garantir efetividade do contrato.

Outro desvio é o art.11º/4 - será que o princípio favor negotti deve valer nos contratos com
consumidores? Devemos proteger a todo o custo a validade do negócio? Muitas vezes o
interesse da parte mais fraca é desvincular-se, por isso temos um regime geral no ARTIGO 11/4
ROMA I. Este regime das conexões múltiplas alternativas não se aplica ao Artigo 6 ROMA I, aplica-

se sim a lei da residência do consumidor, o contrato só é válido quando a forma respeitar está lei.

Página 196 de 196

Você também pode gostar