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7.

O Método do DIP

Vias de regulamentação das situações


privadas internacionais: o pluralismo
metodológico

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A perspectiva clássica europeia


– a impostação conflitualista

SAVIGNY e a sua inovação metodológica:

O verdadeiro problema do DIP: procurar para cada


relação jurídica, de acordo com a sua natureza, a
sua sede;

A sede da relação jurídica determina o direito local a


que está sujeita.

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MÉTODO CLÁSSICO – de conexão ou método
conflitual:

Utilização de regras de conflitos,

de conteúdo rígido (hard-and-fast rules)

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“American Revolution”

A SITUAÇÃO AO TEMPO DAS CRÍTICAS:

O primeiro Restatement (American Law Institute,


1934; Joseph BEALE)

choice-of-law rules de conteúdo rígido

Influências:
• doutrinas estatutárias holandesas
• doutrina dos vested rights

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Críticas:

•substancialistas

•publicistas

•lexforistas

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PRINCIPAIS POSIÇÕES CRÍTICAS NA DOUTRINA:


CAVERS, CURRIE e EHRENZWEIG

DAVID CAVERS (1902-1988)

-O sistema tradicional é “cego”, “mecânico” e insensível


à justiça material

-O problema do DIP não é um problema de escolha


entre sistemas de direito, mas entre regras materiais
– o conflito de leis como um antagonismo ou
oposição concreta entre preceitos materiais

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O “1º CAVERS” (A Critique of the Choice-of-Law
Problem, 1933)

A escolha de lei não deverá ser resultado de uma


simples operação mecânica, antes a ela presidirão
critérios de justiça material (materialização):
• justiça devida às partes
• o b j e c t i vo s d e p o l í t i c a l e g i s l a t i v a
prosseguidos pelas normas em competição

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O “2º CAVERS” (1965 em diante)

-Formulação dos “principles of preference”

Exemplo:
“Quando a lei do Estado onde se verificou o dano consagra
normas de conduta mais estritas ou estabelece medidas
mais elevadas de protecção financeira do que a lei do
Estado onde o réu agiu ou onde tinha a sua residência, é
a lei daquele primeiro Estado que deve prevalecer, a
menos que a existência de uma relação entre o autor e a
vítima do dano justifique a aplicação da lei que rege esta
relação”

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CRÍTICAS:

-Não é possível prever todos os tipos de conflitos


entre preceitos materiais susceptíveis de se
verificar

-Princípios de preferência como verdadeiras


normas de conflitos

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Brainerd CURRIE (1912-1965)

-Governmental interest analysis:

-Análise das políticas (policies) implícitas nas leis em


confronto e do “interesse dos Estados” (governmental
interest) na aplicação das leis respectivas

-O espaço de aplicação de cada uma é delimitado em


função do interesse estadual que a determinou
(publicização/politização)

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Brainerd CURRIE

-Radical ruptura com o método da conexão: abolição do


sistema das regras de conflitos

-Uma solução justa dos problemas de conflitos de leis não


se compadece com critérios meramente formais e
abstractos, que visam a uniformidade e a certeza

-“We would be better off without choice-of-law rules”

-As regras de conflitos são criticáveis não por serem más,


mas desde logo por existirem, criando “false problems”
ou “false conflicts”, e resolvendo-os de modo mecânico
e irracional

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Brainerd CURRIE

-True conflicts: aplicação da lei do foro

-A lei estrangeira só pode ser aplicada se o tribunal do


foro tiver determinado
-que o Estado estrangeiro tem um interesse
legítimo na aplicação da sua lei e da sua
“policy” e
-que o Estado do foro não tem.

-Problema do “disinterested third State”


-propostas “humorísticas” (moeda ao ar, ordem alfabética)
-aplicação da teoria do forum non conveniens;
-recurso à lei do foro...

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Críticas:
Ideia falsa como ponto de partida: a de que é sempre
possível deduzir do fundamento do preceito material os
limites do seu âmbito de aplicação espacial

Resultados insatisfatórios, sob o ponto de vista da justiça


conflitual, a que o critério conduz

Desatendimento das intenções axiais do DIP:


-elaborar regras de vocação universal
- a s s e g u r a r p r o te c ç ã o à s s i t u a ç õ e s j u r í d i c a s
interindividuais plurilocalizadas

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Albert EHRENZWEIG (1906-1974)

-Em tese, aceitação das regras de conflitos


(diferentemente de CURRIE), mas:

-Ponto de partida (basic rule): aplicação da lex fori

-O problema conflitual surge só depois de concluir


que não se trata de um dos casos em que a
aplicação da lei do foro é independente de qualquer
escolha (forum law by non-choice)

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Albert EHRENZWEIG

-Verificação da existência de regras de conflitos (de


origem legislativa, jurisprudencial ou doutrinal);

-Na falta de RC, interpretação “bifocal” da norma


material do foro (a aplicação de uma norma estrangeira
só pode resultar da interpretação da norma da lex fori
segundo a sua ratio / policy)

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Críticas:

-Primazia da lex fori por princípio,


desconsiderando a paridade de tratamento

-A aferição do domínio de aplicação espacial da


norma estrangeira em função do da regra
homóloga de direito interno: nenhum
preceito é separável da razão de ser que o
inspira

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A POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
O leading case: Babcock vs. Jackson, 1963 (Court
of Appeals, New York)
-Acidente de viação ocorrido no Canadá (Ontário), com o
carro do casal Jackson, em que transportavam
gratuitamente (em passeio) Babcock, que demanda o
condutor e proprietário do carro (Jackson) pelos danos a
si causados.
-Norma de conflitos tradicional: law of the place of injury –
i.e., Ontario.
-Particularidade da lei do Ontario (Highway Traffic Act): uma
disposição especial (guest-passenger law) que exige,
para a responsabilização do condutor, no transporte
gratuito, culpa grave (o que não se provou). Ao contrário
da lei de Nova Iorque, segundo a qual se preenchiam os
pressupostos da responsabilidade.

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Babcock vs. Jackson

-Solução do Court of Appeals: conceder a indemnização, em


aplicação da lei de New York, porque:

-existe estreita relação deste Estado com a relação entre


as partes (aí residem; aí se constituiu, teve início e
terminaria em princípio a relação; aí está matriculado o
automóvel);

-existe interesse do Estado na aplicação da sua lei,


condenando o réu e reparando o dano (Nova Iorque é o
Estado mais directa e fortemente interessado na
situação)

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O SEGUNDO RESTATEMENT
American Law Institute, 1969; Willis REESE

-regras de conflitos de tipo clássico;

-“open-ended Rules” (p. ex., em “contract conflicts”,


a “proper law” é a da “most significant relationship”
– Section 188);

-Section 6 – consagra “Choice-of-Law Principles”


(factores relevantes a que os Tribunais deverão
atender aquando da resolução de “choice-of-law
problems”):

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Choice-of-Law principles
a) as necessidades dos sistemas inter-estaduais e
internacionais;
b) as políticas legislativas do Estado do foro atinentes ao
caso;
c) as políticas de outros Estados interessados e os
interesses relativos desses Estados na resolução do
litígio;
d) a protecção das expectativas justificadas;
e) as políticas legislativas básicas subjacentes à matéria
jurídica em causa;
f) certeza, previsibilidade e uniformidade dos resultados;
g) facilidade na determinação e aplicação da lei a aplicar.
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O futuro nos EUA?
Olhar sobre o 3rd Restatement (em preparação)

Linda Silberman, no Curso Geral da Academia da Haia, 2021:

If the Restatement I exhibited the perils of rigidity (formal rules) and the
Restatement II revealed the dangers of open-endedness (open-textured
standards), the Restatement III attempts to strike a proper balance

Choice of law methodology for both state choice of law private cases and
federal regulatory statutes began with rigid rules, moved to a multi-factor
approach, and returned to a more rule-oriented regime.

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A APROXIMAÇÃO ENTRE A DOUTRINA EUROPEIA E A


PERSPECTIVA ESTADUNIDENSE

A) APURAMENTO DA JUSTIÇA CONFLITUAL:

-especialização das regras de conflitos

-cláusulas de exceção
Ex. de cláusula de exceção geral - Lei Suiça de DIP de 18.12.1987:
O direito designado pela presente lei não é aplicável excecionalmente se, tendo em conta
todas as circunstâncias, for manifesto que a causa não tem senão uma ligação muito
ténue com esse direito e que tem uma relação muito mais estreita com outro direito.

-concretização judicial do princípio de proximidade

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A APROXIMAÇÃO ENTRE A DOUTRINA EUROPEIA E A
PERSPECTIVA ESTADUNIDENSE

B) REGRAS DE CONFLITOS DE CONEXÃO SUBSTANCIAL OU MATERIAL


(vs. regras de conflitos puramente localizadoras)

Alguns exemplos de materialização:

- Art. 36.º, n.º 1, CC; art. 65.º, n.º 2, CC (favor validitatis)

- Arts. 5.º e 6.º Conv. Roma / 6.º e 8.º Roma I (favorecimento da parte
mais fraca)

- Art. 38.º da Lei da Agência Comercial (princípio do tratamento mais


favorável – “Günstigkeitsprinzip”)
Aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou
preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação
diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessação, se a
mesma se revelar mais vantajosa para o agente

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A APROXIMAÇÃO ENTRE A DOUTRINA EUROPEIA E A


PERSPECTIVA ESTADUNIDENSE

C) RELEVO DO FIM DAS NORMAS MATERIAIS NA


DETERMINAÇÃO DO RESPECTIVO CAMPO DE
APLICAÇÃO ESPACIAL:

-Qualificação (cfr. art. 15.º CC)

-Adaptação

-Regras materiais espacialmente auto-


condicionadas ou autolimitadas:

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Regras materiais espacialmente auto-condicionadas ou
auto-limitadas - DUAS MODALIDADES

1. Normas materiais espacialmente auto-limitadas (stricto


sensu)

Ex.: art. 36.º do DL n.º 248/86, de 25 de Agosto (EIRL)


“Este diploma entra em vigor 60 dias após a sua publicação e
aplica-se aos estabelecimentos individuais de
responsabilidade limitada que se constituam e tenham
a sede principal e efectiva em Portugal”

Ex.: art. 481.º, n.º 2, CSC:


O presente título aplica-se apenas a sociedades com sede
em Portugal (…).
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Regras materiais espacialmente


auto-condicionadas ou auto-limitadas

2. Normas de aplicação necessária e imediata

Ex.: art. 53.º da CRP (Segurança no emprego)


É garantida aos trabalhadores a segurança no
emprego, sendo proibidos os despedimentos sem
justa causa ou por motivos políticos ou
ideológicos.

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Normas de aplicação necessária e imediata

Diferenciações possíveis:

-Do foro

-Da lex causae

-De terceiros Estados

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Normas de aplicação necessária e


imediata estrangeiras

-Teoria do estatuto obrigacional


(Schuldstatutstheorie)

-Teoria da conexão especial


(Sonderanknüpfung, WENGLER)

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Normas de aplicação necessária e
imediata estrangeiras

Atitudes possíveis:

-Não atendibilidade

-Aplicação

-Tomada em consideração

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Art. 7.º da Convenção de Roma de 1980

1. Ao aplicar-se, por força da presente convenção, a lei de um


determinado país, pode ser dada prevalência às disposições
imperativas da lei de outro país com o qual a situação
apresente uma conexão estreita se, e na medida em que, de
acordo com o direito deste último país, essas disposições
forem aplicáveis, qualquer que seja a lei reguladora do
contrato. Para se decidir se deve ser dada prevalência a estas
disposições imperativas, ter-se-á em conta a sua natureza e o
seu objecto, bem como as consequências que resultariam da
sua aplicação ou da sua não aplicação.

2. O disposto na presente convenção não pode prejudicar a


aplicação das regras do país do foro que regulem
imperativamente o caso concreto, independentemente da lei
aplicável ao contrato.
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Art. 16.º da Convenção da Haia de 1978
(sobre a lei aplicável aos contratos de mediação e à
representação)

Na aplicação da presente Convenção poderá atribuir-se


efeito às disposições imperativas de qualquer Estado
com o qual a situação apresente uma conexão efectiva,
se e na medida em que, segundo o direito desse Estado,
tais disposições forem aplicáveis, qualquer que seja a lei
designada pelas suas regras de conflito

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Art. 23.º DL n.º 446/85, de 25.10


(cláusulas contratuais gerais)

1.Independentemente da lei escolhida pelas partes para


regular o contrato, as normas desta secção aplicam-se
sempre que o mesmo apresente uma conexão mais
estreita com o território português.

2.No caso de o contrato apresentar uma conexão estreita


com o território de outro Estado membro da
Comunidade Europeia aplicam-se as disposições
correspondentes desse país na medida em que este
determine a sua aplicação.

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Art. 9.º do Regulamento Roma I
1. As normas de aplicação imediata são disposições cujo respeito
é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do
interesse público, designadamente a sua organização política,
social ou económica, ao ponto de exigir a sua aplicação em
qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação,
independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao
contrato, por força do presente regulamento.
2. As disposições do presente regulamento não podem limitar a
aplicação das normas de aplicação imediata do país do foro.
3. Pode ser dada prevalência às normas de aplicação imediata da
lei do país em que as obrigações decorrentes do contrato devam
ser ou tenham sido executadas, na medida em que, segundo
essas normas de aplicação imediata, a execução do contrato seja
ilegal. Para decidir se deve ser dada prevalência a essas normas,
devem ser tidos em conta a sua natureza e o seu objecto, bem
como as consequências da sua aplicação ou não aplicação.

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JURISDICIONALIZAÇÃO do DIP

Indiscriminada lexforização das soluções conflituais

correlação forum-ius
(paralelismo competência jurisdicional / competência
legislativa)

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Correlação forum-ius

-Aplicação da lex fori


(a experiência de alguns Regulamentos e
Convenções internacionais)

-Competência do forum legis

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