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Meu nome é Renan Monteiro Barcellos, natural da cidade Muriaé – MG, zona da
mata, zona de fronteira, dividindo geografias com o estado do Rio de Espirito Santo.
Acredito que para muitas pessoas, também para mim a trajetória escolar é
fundamental na formação não só de um corpo de conhecimento construído e adquirido,
mas de valores e subjetividades da nossa humanidade que muitas vezes escapa a uma
análise mais apressada. Tenho lembranças vivas desde o chamado “jardim de infância”
até o momento atual, levando em consideração que o estudo, a escola, sempre foi um
dos fios condutores da minha trajetória, que está em pleno desenvolvimento.
FONTE: https://www.facebook.com/photo?
fbid=2491847344371711&set=br.AbrgV4Wk2BB6quthtsDEiUBWlUk1655T5ohjGp_GelBl3mPBUabxYdmzh0G-
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Acessado em 10/12/2020
Este período da minha caminha escolar foi cursado na Escola Municipal Gilberto
José Tanus Brás (foto acima), situada no bairro João XXIII, da cidade de Muriaé. O ano
em que me matriculei foi o ano que esta estrutura física mostrada na imagem foi
inaugurada. Anteriormente, ela funcionava em uma antiga fábrica de macarrão, no
mesmo bairro, bairro este de classe média alta, entretanto que sempre recebeu alunas e
alunos das comunidades periféricos do entorno. De certa forma, penso hoje, mas
também na época, pois já conhecia este histórico, foi uma conquista essa evolução da
fábrica à escola, pois as populações que eram majoritárias nesta ganharam muito em
qualidade de ensino que também compreende uma estrutura física harmoniosa. Quando
entrei, a escola estava novinha!
No último encontro da semana, ela nos lançou uma “avaliação surpresa”, nos
instigando, como de praxe, a nos expressarmos sobre os ocorridos da semana, só que
desta vez, somente por desenhos. Lembro que um grande amigo produziu um desenho
onde a figura de Bin Laden, que tinha assumido a autoria dos atentados, fazendo sexo
anal com a figura de George W. Bush, este último em flagrante representação de
submissão, com frases do tipo “agora você se fudeu!”; eu produzi uma história em
quadrinhos onde o gran finale era uma bomba atômica lançada pelos países ocidentais
no Afeganistão, pois rapidamente a mídia construiu um quadro mais complexo sobre
tais acontecimentos. Estávamos na sexta série!!!
Ao invés de nos reprovar ou nos expor por conta de nossa audácia, ela
pedagogicamente, em meio a muitas risadas, expôs nossas produções no intuito de
criticamente compreendê-las e formar um quadro crítico sobre, na mesma medida que
depois nos chamou em particular para conversar sobre. Nesse momento, nos instigava
ainda mais, nos fazendo perguntas do tipo: “será que uma bomba e destruir todo mundo
dessa região é a solução? Todas as pessoas que estão ali são culpadas?”; “esse conflito
se trata apenas da vitória e humilhação de uma parte sobre a outra? Quais os motivos
para esse ataque? Está certo utilizarmos conotações sexuais para expressar abuso e
dominação?”. Ao invés de sairmos humilhados e reduzidos a crianças mal comportados,
saímos empolgadíssimos com a possibilidade de elevar nosso próprio pensamento, pois
mesmo vindo de formar bem violentas, como mostrado, tais ideias eram sempre
consideradas, sempre se partia delas, e ela, mais do que conteúdo, nos ensinava de
verdade a pensar.
O “Estadual”, como era mais comumente conhecida a escola, recebia tal alcunha
por ter sido de fato a primeira escola desta modalidade na cidade de Muriaé. De maneira
à primeira escola citada, o Estadual se encontrava em um bairro de classe média alta,
mas era majoritariamente ocupada pela população dos bairros mais vulneráveis do
entorno. Por conta desse pioneirismo, o corpo docente era de certa maneira antigo, e a
escola possuía já certo nome e autonomia para concretizar suas particularidades
enquanto instituição. Não objetivava uma educação tão emancipatória quanto à
primeira, mas tinha muita humanidade e compreensão com a multiplicidade de situações
vividas pelo corpo discente.
Para mim, Zé Torres foi uma figura importante na formação de uma primeira
ideia de intelectualidade. De certa maneira, embora todo corpo docente carregava cada
qual sua sabedoria, essa imagem de “intelectual”, de pessoa crítica, bem fundamentada,
que tinha respostas para quase tudo, mas ao mesmo tempo muito simples, de fala não
complicada, era bem representada na figura dele. Alunas e alunos de diferentes turmas
se entusiasmavam com suas investidas críticas e sempre muito bem fundamentadas
contra o sistema capitalista e ao Cristianismo. Pelo para mim, na mesma medida dos
questionamentos de Beth, me deixava extremamente instigado, não só por compactuar
em grande medida com suas ideias, mas também com o respeito e autoridade que tinha
diante de temas que são espinhosos e podem eventualmente ferir pessoas, das mais
variadas formas. Me lembro bem de quando ele soube da notícia de que eu tinha
passado em um federal, eu já fora da escola e retornando para obter um histórico, falar
rispidamente o seguinte: “ah, que bom! Você sempre foi bom aluno, só conversa
demais!”. Pronto, assim. Mas por dentro, eu sabia que ele estava bem feliz e satisfeito,
pois infelizmente a realidade de boa parte das alunas e alunos direcionavam suas vidas
para outros fins, e somente eu e mais dois amigos, ambos da mesma turma, passamos
não só em instituições federais como em vestibulares em geral, de todo o corpo docente.
Acredito que a trajetória acadêmica caia bem em outra narrativa e esses foram as
lembranças que mais queria destacar em minha autobiografia escolar.