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Goiânia/GO
2020
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Goiânia/GO
2020
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Prof. Dr. Rogério Max Canedo – UFG
Presidente da banca
____________________________________________________________
Prof(a). Dr. Átila Silva Arruda Teixeira – PUC/GO
Membro Externo
__________________________________________________
Prof(a). Dr. Marcelo Ferraz de Paula – UFG
Membro Interno
Data de aprovação:____/_____/_____
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................5
1. PÓS-COLONIALISMO ......................................................................................................6
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................23
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Resumo: Este artigo busca evidenciar as marcas da violência no conto “Dina”, do escritor
moçambicano Luís Bernardo Honwana. Para tanto, será feito uma breve contextualização a
respeito da constituição e das principais contribuições do pensamento pós-colonial à crítica
literária, conforme Thomas Bonicci (2005), Inocência Mata (2007; 2014), Ana Mafalda Leite
(1998) e Simone Pereira Schmidt (2009). Em seguida, examinaremos o processo histórico de
exploração portuguesa até a libertação de Moçambique, e como isso está ligado à constituição
da literatura moçambicana. Por fim, analisaremos o conto de modo a evidenciar as formas de
violência ali presentes como denúncia da condição colonial.
INTRODUÇÃO
Historicamente o continente africano tem sido vítima dos mais variados tipos de
preconceitos, muito em virtude de um intencional processo de desinformação. Na melhor das
hipóteses, esse processo pode ser considerado superficial. Assim, de uma forma geral, o que se
tem a respeito do terceiro maior continente do mundo é uma intensa divulgação de informações
não ligadas à realidade, como, por exemplo, considerar que a África é um país uno, não
abordando sua constituição com 54 nações com uma rica diversidade cultural, linguística e
étnica.
Construída historicamente e quase sempre representada de forma estereotipada, a
imagem propagada do continente africano pela mídia, na maioria das vezes, noticia apenas os
problemas do continente, tais como os problemas enfrentados na área da saúde, dentre eles, as
doenças provocadas pelos vírus Ebola e o da Aids, e outras doenças graves como a malária.
Outras notícias recorrentes são as da fome, da pobreza e da miséria. Quase nunca há reportagens
que divulgam e valorizam a diversidade religiosa, cultural, étnica, linguística, muito menos
sobre os escritores e as produções literárias dos países africanos.
Fruto de um processo histórico anterior, a imagem deturpada do continente africano tem
origem no colonialismo europeu, o qual propagou por muito tempo uma África como local de
atraso, do barbarismo e do primitivismo. Durante muitos anos foi com essa imagem que o
continente africano foi conhecido. Uma das consequências advinda desse contexto foi a da
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legitimação para a colonização europeia da África, uma vez que fora criada a ideia de os povos
africanos que deviam ser colonizados.
A literatura teve um papel preponderante para a construção de visão da África como um
lugar exótico, inóspito, cheio de aventuras e colonizável. Em Cultura e Imperialismo (2011),
Edward Said defende a tese que a literatura serviu para propagar a ideia de atraso civilizatório
do continente africano. Para tanto, o autor argumenta que a literatura, sobretudo o romance, foi
primordial para disseminar os ideais imperialistas.
Nesse sentido, a teoria pós-colonial, além de ser um processo ideológico e estético,
também é um discurso de questionamento dessa visão deturpada, preconceituosa e inverídica
do mundo colonizado. Assim, ao questionar a perspectiva eurocêntrica, luta-se contra o
desconhecimento, o preconceito, toda opressão e todas as formas de violência perpetuada pelo
colonialismo. Dessa forma, muda-se a chave do processo de representação, pois o pós-
colonialismo, além de dar voz ao colonizado, para que esse sujeito subalternizado possa falar
de si, das suas tradições, da sua cultura, se ocupa em compreender a dificuldade da constituição
dessa voz, das suas diversas fraturas históricas e traumas coletivos, das estratégias melancólicas
de representação do passado, de seus problemas e da sua condição como ser humano.
A teoria do pós-colonialismo responde a um ambiente de reinvindicações para as quais
é de urgente necessidade a reverberação. Desse modo, desnudando as relações desiguais
engendradas dentro do colonialismo, a teoria tenta expor as agruras da colonização, trazendo à
tona aspectos caros para a constituição política, histórica, cultural e social dessas vozes, até
então silenciadas pelo estatuto colonial.
1. PÓS-COLONIALISMO
Embora as principais obras que os críticos apontam como pioneiras para a formação do
estatuto do pensamento colonial não tenham como propósito definir nem teorizar a respeito da
construção da teoria pós-colonial, é bastante razoável perceber como a discussão presente em
tais obras corporifica as relações de opressão entre colonizadores e colonizados, e como, de
certa forma, elas se tornam denúncias a respeito do processo imperialista e ao mesmo tempo
explicam a colonização pela voz dos oprimidos nesse processo.
Em 1978, Edward Said publicou a pioneira obra Orientalismo – para muitos a obra
inaugural do pós-colonialismo – na qual o escritor palestino reflete a questão de como a ideia
de Oriente foi de certa forma construída ao longo dos anos pelas narrativas Ocidentais,
sobretudo pelas europeias: “O Oriente era quase uma invenção europeia, e fora desde a
Antiguidade um lugar de romance, de seres exóticos, de memórias e paisagens obsessivas, de
experiências notáveis” (SAID, 1990, p. 13). Tais narrativas, segundo o autor, originaram uma
visão deformada do Oriente e, como consequência, legitimaram a empreitada colonialista, uma
vez que como o próprio autor menciona, “A relação entre o Ocidente e o Oriente é uma relação
de poder, de dominação, de graus variados de uma complexa hegemonia” (SAID, 1990, p. 17).
A teórica e crítica indiana Gayatri Chakravorty Spivak – um dos nomes pioneiros do
pós-colonialismo –, a partir da crítica à autonomia do sujeito subalterno como uma premissa
essencialista como fora pensado por Gramsci, apresenta discussões em seu livro Pode o
subalterno falar?, publicado pela primeira vez em 1985 no periódico Wedge e passaram a ser
de fulcral necessidade, uma vez que Spivak propõe uma espécie de redirecionamento da
representatividade. No decorrer da obra, a autora apresenta o sujeito subalterno, o qual é
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caracterizado como um sujeito que não tem voz política ou aquele que embora tenha voz, ela
não é ouvida, fazendo assim a necessidade da presença de um intelectual para abrir espaço de
fala para este sujeito. Outros aspectos importantes abordados no texto dizem respeito à violência
epistêmica imperialista exercida sobre sujeito subalterno e nas reflexões sobre o sujeito
subalterno feminino, pois como é argumentado pela escritora, as mulheres encontram-se numa
posição ainda mais periférica e profunda na subalternidade, uma vez que, de acordo com
Spivak, a mulher é um sujeito duplamente oprimido, pela dominação imperial na divisão
internacional do trabalho e pela dominação masculina na construção ideológica de gênero
(SPIVAK, 2010).
Outro texto fundamental para a construção inicial dos estudos pós-coloniais é o livro do
tunisiano Albert Memmi, Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador (1957).
Nele o autor argumenta como as inter-relações entre colonizador e colonizados se baseiam na
opressão. Essa é uma das obras clássicas que tratam sobre o colonialismo. O autor não limita
sua argumentação entre a luta de classes e aos aspectos econômicos, mas sim reflete sobre as
identidades e as relações estabelecidas entre colonizadores e colonizados e o papel
desempenhado por cada um deles dentro do drama colonial. O livro nos auxilia a compreender
as profundas relações entre colonizadores e colonizados para que a partir da tomada de
consciência reconheça-se a urgência da superação do pensamento colonial que normalmente
está presente nas ex-colônias.
Diante dos postulados de Said, Spivak e Memmi, verifica-se que o contato entre
colonizador europeu e o colonizado foi pautado sobretudo pela questão da opressão econômica,
física e cultural. Nesse sentido, a crítica pós-colonial – influenciada pelas ideias desses autores
– passa a denunciar e combater o legado do colonialismo.
Conforme argumenta Roland Corbisier (1977, p. 5), para que se possa entender o
colonialismo é preciso observar algumas categorias, as quais, segundo ele, são essenciais para
a compreensão desse processo histórico: a totalidade, a contradição, a alienação e a dialética. A
princípio é necessário aceitar o pressuposto de que a colonização é um fenômeno social e global.
Todos países colonizados tinham uma estrutura interna coesa, na qual os recursos naturais,
sociais e culturais, segundo o autor, representavam uma estrutura orgânica que é rompida com
a presença e permanência do invasor, como por exemplo, o extermínio dos nativos pelos
colonizadores e o apagamento de suas culturas e as formas de organização da sociedade.
De acordo com Corbisier (1977), após a ocupação territorial, estabelece-se a opressão
militar, com o uso das forças armadas, revelando a primeira face da repressão militar da
metrópole, a qual consegue o domínio e a exploração da estrutura política e administrativa,
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colocando os recursos naturais e a mão de obra local à sua disposição. É desse processo que
surgem as principais figuras do processo colonizador: o colonizador e o colonizado. É sobre
esses dois polos que Corbisier (1977) argumenta que vai se estruturar o país colonizado. Ambos
são sujeitos com constituições culturais e sociais divergentes, revelando nas palavras do autor
“dois mundos inteiramente diversos, totalmente heterogêneos e irredutíveis ao outro”
(CORBISIER, 1977, p. 06). Embora totalmente diversos, esses dois mundos deverão conviver
no mesmo espaço. Segundo o autor, feita essa nova totalidade, ela se estrutura sobre esses dois
polos que se opõem e se excluem mutualmente, uma vez que eles “representam interesses
antagônicos e irredutíveis” (CORBISIER, 1977, p. 06).
Diante disso, o filósofo argumenta que na primeira fase do colonialismo, o colonizado
não tendo condições de se revoltar, acaba se submetendo ao colonizador, colaborando com ele
para o domínio e exploração. Frisa também que não basta a superioridade militar e tecnológica
do colonizador, é preciso legitimar a colonização aos olhos do colonizado. Nesse sentido,
segundo Corbisier (1977), há uma necessidade de criar uma ideologia colonialista na qual
consistirá na figura de superioridade do colonizador e de inferioridade do colonizado, causando
uma série de tensões violentas, dentre elas, o racismo.
Corbisier expõe que após a propagação da ideologia colonial estabelece-se uma nova
totalidade, a qual tudo na colônia é colonial, ou seja, tudo existente na colônia se estrutura a
partir da empresa colonizadora, tudo acontece de acordo com os interesses da metrópole.
Fruto de uma totalidade constituída por interesses antagônicos, a princípio mascarada
por aquilo que o autor chama de “aparente e provisória acomodação do colonizado”
(CORBISIER, 1977, p. 06), o colonizador passa a ser visto como superior e provoca no
colonizado uma espécie de deslumbramento. Logo, o colonizado passa a imitá-lo, deixando-se
assimilar, e, nesse momento, ocorre a alienação, a qual é levada ao limite quando o colonizado
se torna, ele próprio, um colonialista. Exemplo disso é quando um colonialista se casa com
alguém da metrópole. Segundo Corbisier (1977), essa tentativa de assimilação não é efetiva,
por dois fatores: primeiro, não é possível que haja uma colônia sem colonizados; segundo,
conforme o autor, “Ora, mesmo essas tentativas individuais nunca são bem sucedidas, pela
simples razão de que o colonizador é francês e o colonizado árabe, e o árabe jamais poderá
deixar de ser o que é, quer dizer árabe, para tornar-se o que não é, quer dizer, francês”
(CORBISIER, 1977, p. 08).
Fruto da tensão superioridade e inferioridade, o racismo tenta justificar o domínio do
colonizador sobre o colonizado. Nesse sentido, aparecem as narrativas de que “o colonizado é
por ‘natureza’ ou por ‘essência’, incapaz, preguiçoso, indolente, ingrato, desleal, desonesto, em
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suma inferior” (CORBISIER, 1977, p. 09). Dentro dessa perspectiva, segundo o autor, o
racismo torna a assimilação impossível. Ao que se refere às colônias portuguesas, durante o
meados do século XX, a questão da assimilação diverge do posicionamento defendido por
Corbisier (1977), pois, em Portugal, a ditadura salazarista incentivou a política de assimilação,
baseando-se nas teorias de Gilberto Freire acerca do Lusotropicalismo.
Quando instituído a totalidade contraditória, compreende-se a categoria da dialética
colonial. Segundo Corbisier (1977), a ideologia do colonizador se mostra contraditória, uma
vez que na metrópole prega-se o bem estar social, a democracia e valores cristãos, ao passo que
na colônia, a opressão, a violência, o racismo são as ideologias de fato praticadas. Acrescenta-
se a isso, segundo o autor, o fato de a colônia não estar imune às transformações sociais
ocorridas em outros países, haja vista que na colônia existem jornais, revistas, televisão e outros
meios de comunicação que acabam informando e influenciando as populações colonizadas.
Diante de tal contexto, com o início da percepção da injustiça que envolve essas relações
sociais, com o descompasso entre a ideologia do colonizador na metrópole e na colônia, o
colonizado começa a tomar parte da privação da qual está sujeitado e tudo isso gera como
consequência um grande sentimento de revolta. Dessa forma, para Corbisier (1977), nessa
conjectura em que as possibilidades de transformações, as quais gerariam a emancipação
política e social do colonizado, estão intransponíveis, o que segundo o autor, gera a antítese
colonial, uma vez que “o colonizador representa a negação do colonizado e vice-versa, o
colonizado representa a negação do colonizador” (CORBISIER, 1977, p. 12).
Nesse sentido, para exemplificar a relação dialética colonial, Corbisier elucida que
final do século XIX, com a fundação da imprensa e a imposição da língua portuguesa como
idioma oficial, surgem as primeiras manifestações literárias escritas na língua do colonizador.
Nesse sentido, Maria Nazareth Soares Fonseca e Terezinha Taborda Moreira (2007), em
consonância com Tania Macêdo e Vera Maquêa (2007), referindo-se aos percursos e ao
processo de formação da literatura moçambicana, dão destaque ao papel preponderante
desempenhado pelos jornais naquele contexto. Assim sendo, Fonseca e Moreira (2007)
argumentam que os jornais “desempenharam um papel importante na divulgação das ideias
contrárias ao colonialismo” (FONSECA; MOREIRA, 2007, p. 47), ao passo que Macêdo e
Maquêa (2007) dizem que as primeiras produções literárias em língua portuguesa em
Moçambique foram veiculadas pelos jornais, os quais explicitavam um aspecto típico da
situação colonial, as contradições advindas da assimilação.
Fonseca e Moreira (2007), ao contextualizarem o período anterior à independência dos
países africanos colonizados por Portugal, explicam a tensão provocada pela convivência de
duas realidade a qual o escritor africano estava inserido e não podia ficar alheio e como isso
reverberava em sua escrita. Nesse sentido, as autoras declaram:
Dessa forma, Secco (1999), ao tratar dos efeitos da assimilação, coaduna com a
argumentação de Macêdo e Maquêa (2007). Diz a pesquisadora:
Desse modo, os africanos não se sentiam nem europeus e nem africanos, haja vista que
a assimilação total é impossível, conforme a argumentação de Corbisier (1977). Nesse sentido,
jornais como O Africano (1908) e O Brado Africano (1918), dirigidos por assimilados, “foram
o palco para o surgimento das primeiras atuações de autores africanos para expressar essas
contradições e as primeiras necessidades de afirmação da cultura africana” (MACÊDO;
MAQUÊA, 2007, p. 18).
A língua é o palco por excelência da contradição referente à assimilação. O bilinguismo
presente nas produções literárias desse período dá a dimensão da pluralidade cultural e
linguística presentes em Moçambique. Nesse sentido, a língua do colonizador é ao mesmo
tempo uma grande aliada, como também um grande fator de opressão, pois as denúncias da
condição colonial, pelo intermédio da língua portuguesa, em comparação com as línguas
nativas, tem um alcance maior de possíveis leitores, como também se presta a marginalização
da identidade cultural dos nativos.
No final dos anos 1940 e início dos anos 1950, de acordo com Fonseca e Moreira (2007),
Moçambique viveu um período de afirmação de um projeto literário. Segundo Secco, com a
publicação do Jornal Cultural Msaho (1952), o qual teve tiragem de apenas um número, e que
defendia a criação de uma literatura voltada às questões genuinamente moçambicanas, dá-se
um novo paradigma da literatura desse país, marcada sobretudo pela denúncia da violência, do
racismo, do colonialismo e a exploração nas minas da África do Sul. Nessa perspectiva, de
acordo com Macêdo e Maquêa (2007), a partir dos anos 1950, nomes como os de João Dias,
Luís Bernardo Honwana, Orlando Mendes, José Craveirinha, Noémia de Souza, Rui Knopfli,
dentre outros, iniciam um movimento de tentativa de criação de um espaço literário nacional.
Desse forma, conforme as autoras, esses escritores “traziam entre a língua do colonizador e a
necessidade de moçambicanidade, uma fissura que seria um terceiro espaço da cultura, lugar
de contestação e construção de utopias” (MACÊDO; MAQUÊA, 2007, p. 18).
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o questionamento da realidade social vigente. Para tanto, é enfatizado aspectos como a violência
material e simbólica, o racismo e todo tipo de injustiças sociais e econômicas, as quais era
submetida a população moçambicana. Nesse sentido, ao se referirem ao livro Nós Matamos o
Cão Tinhoso (1980), Macêdo e Maquêa (2007) dizem que ele é “considerado como o livro que
emancipa a narrativa com relação à poesia na literatura moçambicana, traz, nos contos que
compõem esse livro, acentos muito marcados pela política tensa do país” (MACÊDO;
MAQUÊA, 2007, p. 32). Corroborando as ideias das autoras, Santilli (1985) acrescenta que
com o livro de Honwana, a ficção de moçambicana deu “novos passos em direção à maturidade”
(SANTILLI, 1985, p. 29). A esse respeito Fonseca e Moreira (2007) argumentam que
Dos sete contos presentes no livro, nos deteremos a observar como se dão as
manifestações da violência e suas nuances dentro do contexto do colonialismo, tendo com
objeto de pesquisa o conto “Dina”, de modo a observar as flagrantes denúncias das injustiças
sociais, econômicas e raciais ocorridas naquele período e, com isso, motivando o uso da
violência e do preconceito contra os colonizados.
O conto “Dina” é narrado em terceira pessoa, o único do livro com esse foco narrativo.
Nele o narrador nos apresenta um dia de trabalho na machamba, cujo significado em língua
banto é campo para lavoura. De modo neorrealista, o conto inicia-se com a descrição das
precárias e desumanas condições de trabalho a qual está sujeito a protagonista, o velho Madala.
Dobrado sobre o ventre e com as mãos pendentes para o chão, Madala ouviu
a última das doze badaladas do meio dia. Erguendo cabeça, divisou por entre
os pés de milho a brancura esverdeada das calças do capataz, a dez passos de
distância. Não ousou endireitar-se mais porque sabia que apenas devia largar
o trabalho quando ouvisse a ordem traduzida num berro. [...]
O sol estava mesmo em cima do seu dorso nu, mas convinha suportar um
pouco mais. Contou o tempo pelo número de gotas de suor que lhe pingavam
pela ponta do nariz para um pedrinha que brilhava no chão. [...]
A dor de rins era-lhe insuportável, e muito pior agora que já tinha tocado o
dina. Quando os músculos do pescoço lhe começavam a doer pela torção a
que os submetia, mantendo a cabeça erguida, deixou cair os braços até tocar
nas folhinhas carnudas e escorregadias das ervas que devia arrancar
(HONWANA, 1980, p. 40).
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– Madala, não queres vir comer? – Era outra vez o Djimo. – Agora é mesmo
para comer porque o n’Guiana e o Muthakati já acabaram de fazer a comida.
– Eu fico aqui com a minha filha, Djimo.
O capataz surgiu da esquina do celeiro e aproximou-se com um cigarro na
mão:
– Olá, Maria! O que é que vieste cá fazer? Estás a engatar o Madala?... Ao
Madala não deve ser porque está muito cocuana ... Talvez seja ao Djimo...
Maria, tu estás a engatar o Djimo?...
– Eu não está engatar Djimo... – respondeu Maria, tentando falar em
português.
[...]
– Mas tu não gostarias de dormir com ele? Hein?
De olhos postos no chão, Maria não respondeu. O capataz afastou-se sorrindo
(HONWANA, 1980, p. 46).
forma que Madala é tratado pelo grupo do curral. No final da cena, o capataz sai sorridente,
debochando das personagens, demonstrando não ter nenhum respeito a eles.
Logo depois da saída do capataz após ofender Maria, Madala e Djimo, esse último
insiste mais uma vez para Madala ir almoçar, dessa vez com a ajuda de Maria. A protagonista
diz que está “sem fome na barriga” e pergunta se Maria já comeu. Ela responde que comera em
uma cantina antes de vir ao seu encontro. Nesse momento há um corte temporal na narrativa e
no próximo parágrafo já nos é descrito Madala almoçando, partindo o coi – ração de farinha de
milho cozida – e o molhando no m’tchovelo – molho. Segundo o narrador, do ponto que Madala
estava podia ver sua filha num celeiro, mas não viu quando o capataz chegou novamente. Maria
e o capataz conversaram por instantes, logo em seguida o capataz sai do celeiro e pouco depois
Maria o segue.
Madala termina a refeição e procura um lugar para descansar, pois ainda havia algum
tempo até retornar para a machamba. Sem encontrar um local, ele volta-se para onde estava e
ouve do jovem do curral, de forma irônica, que sua filha estava ali atrás conversando com o
branco. O narrador nos diz nesse instante que o protagonista sente uma planta em sua perna
esquerda, a enrola na mão e a puxa com determinação. A planta “depreende-se da terra com
uma explosão surda” (HONWANA, 1980, p. 48). O capataz avançava no caminho que levava
machamba e Maria ia logo atrás:
O velho seguiu o par com a vista. Procurou no chão algo que não encontrou.
Os dedos cerraram-se-lhe em volta de uma planta imaterial. [...]
A planta que Madala segurava na mão oferecia ao seu esforço uma resistência
exagerada. Por isso o punho de Madala tremia (HONWANA, 1980, p. 49).
Nesse ponto da narrativa vê-se que a protagonista tenta conter seu descontentamento,
sua fúria, em um gesto de autocontrole, emprega toda sua revolta, sua raiva, suas forças em seu
punho. Nesse sentido, Madala sabia que qualquer tipo de revolta contra o capataz seria uma luta
perdida, pois talvez aquele não fosse o momento mais oportuno. Tudo isso ratifica a ideia de
que os mais velhos, na cultura africana, são sinônimos de sabedoria, pois para ele aquele
momento deveria agir com temperança.
Após a cena da fúria reprimida de Madala, a tensão da narrativa vai aumentando.
O ponto de maior violência e selvageria no conto é o abuso sexual sofrido por Maria. A
filha de Madala ao seguir o capataz pela machamba não imaginava o trágico desfecho da
situação. Apesar de já ser de conhecimento de todos e até do próprio pai que Maria se prostituía,
o capataz vale-se da força e do poder conferido a ele pelo colonialismo para brutalmente
dominar a filha da protagonista após uma breve luta, na qual a vítima não teria a mínima chance
de fuga. O capataz acaba violentando-a.
Nesse meio tempo, Madala esmagava uma a uma as folhas da planta imaginária
enquanto chorava. Na machamba, Maria e o capataz tem uma discussão. Ela o questiona porque
ele fizera aquilo ali, naquela hora, pois eles estavam ali para combinar de encontraram-se à
noite. Os dois voltam da machamba, o capataz traz o pagamento a Maria. Ela não faz intenção
de receber. O capataz questiona o porquê dela não querer o dinheiro e a questiona se ela tem
medo que os rapazes descubram que ela é uma prostituta. Maria o responde dizendo que Madala
viu. O capataz fica sem entender a argumentação da jovem. A violentada revela que Madala é
seu pai. O capataz fica surpreso e sai.
Inicia-se nesse instante outro momento de grande tensão da narrativa: há uma forte
carga de violência quando o capataz volta e traz consigo uma garrafa de vinho.
A tensão dessa passagem fica explícita quando o capataz ordena aos trabalhadores
voltarem ao trabalho e esses não o obedecem. O capataz em um acesso de raiva desfere insultos
racistas, pois ao comparar os trabalhadores a um animal que não tem direito algum, ele
implicitamente coloca os colonizados no mesmo patamar que bichos, ou seja, sem nenhum
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direito, roubando sua dignidade e humanidade. A situação vai ficando mais tensa quando o
jovem do grupo do curral dá um passo à frente. Fica por eclodir um conflito entre colonizadores
e colonizados e Madala poderia enfim extravasar toda sua fúria reprimida:
Nesse instante da narrativa, no aceite do vinho ofertado pelo capataz à Madala, revela-
se uma dubiedade na relação dessas personagens. Após o estupro e a revelação de que a
protagonista é o pai de Maria, o capataz toma a atitude de lhe oferecer uma garrafa de vinho
como uma espécie de acordo, o qual o Madala aceita e não revida a agressão sofrida por sua
filha, pondo fim a qualquer expectativa de sublevação. A princípio, agindo assim, a protagonista
se colocaria em uma posição específica de colonizado, mas com outras características dentro
das relações de poder da lógica colonial: sugerimos que Madala, com sua atitude de prévio
acordo, assume uma posição de assimilado, o que talvez pudesse lhe garantir algum tipo de
benefício dentro da estrutura dessa sociedade. Essa demonstração de ausência de
ressentimentos nas relações entre ele e o capataz causa uma grande frustação em todos ali
presentes, evidenciado na atitude do jovem rapaz, companheiro de trabalho do Madala, cuspir
nos pés da protagonista.
O conto é finalizado com a descrição de Madala trabalhando na machamba como de
costume, arrancando um arbusto e colocando-o no chão. Ele então percorre com o olhar a
plantação, vê alguns companheiros por perto, dá um suspiro rouco e volta ao trabalho. Assim
termina a narrativa.
“Dina” é perpassado pela temática da violência. Em determinados momentos essa
violência é clara e flagrante, em outras ela está mais diluída. Ao estar intimamente ligado ao
contexto histórico-social, o conto trata da coisificação da pessoa, exemplificando como os
colonizadores tratavam os colonizados, de forma a bestializá-los, animalizá-los, retirando-lhe
sua dignidade, como também sua humanidade.
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Nesse sentido, Memmi (1977) esclarece que um traço das sociedades colonizadas se
refere “as relações humanas [que] resultam de uma exploração tão intensa quanto possível,
fundam-se na desigualdade e no desprezo, garantidas pelo autoritarismo” (MEMMI, 1977, p.
64). Tal aspecto fica evidente em “Dina”, sobretudo nas ações praticadas pelo capataz que ali
representa a empresa colonial. Ainda sobre as selvagerias práticas pelo capataz,
metonimicamente representando o poder da Metrópole, Jean Paul Sartre, em prefácio da
seminal obra Os Condenados da Terra (1968), de Frantz Fanon, elucida como a violência é o
meio pelo qual se conduz a relação colonizador-colonizado. Nas palavras do crítico francês, “A
violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens subjugados;
procura desumanizá-los. Nada deve ser poupado para liquidar as suas tradições [...] é preciso
embrutecê-los” (SARTRE, 1968, p. 9).
Dessa forma, ao considerar o conturbado momento de publicação, 1964, Honwana faz
de seu livro uma arma de combate contra o colonialismo. Nele o autor denuncia as mazelas do
sistema colonial português, desnudando as relações opressivas que estão expostas a sociedade
moçambicana pelo julgo lusitano. Nós Matamos o Cão Tinhoso, é um manifesto contra tudo
aquilo que o colonialismo representa. Seus contos traduzem toda a tensão pré-guerra de uma
sociedade que não suporta mais o autoritarismo, os desmandos coloniais, a arbitrariedade, a
exploração, a violência e todas formas de injustiças e opressões as quais são impostas aos
moçambicanos, restando a eles apenas a revolta contra o sistema colonial e, por conseguinte, o
conflito armado em busca daquilo que nunca deveria ser subtraído de nenhum individuo: sua
dignidade, humanidade e liberdade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ecoar para além das fronteiras da colônia as condições degradantes de vida de seres humanos
cuja até o direito à humanidade lhes foi negado.
Cabe a literatura, alinhada aos princípios dos estudos pós-coloniais, denunciar o
colonialismo, expor sua verdadeira face: a violência, a opressão, o racismo e a desumanidade.
Para assim, promover a conscientização a respeito do continente e do povo africano, suas
singularidades de modo a desfazer os estereótipos historicamente construídos.
REFERÊNCIAS
SECCO, Carmen Lúcia Tindó Ribeiro (Org.). Antologia do mar na poesia africana de língua
portuguesa do século XX: Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau. UFRJ, 1999.
SCHMIDT, Simone Pereira. Onde está o sujeito pós-colonial?: (Algumas reflexões sobre o
espaço e a condição pós-colonial na literatura angolana). In: Abril - Revista do Núcleo de
Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, v. 2, 2009. p. 136-147
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução Sandra Regina Goulart
Almeida, André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.