Você está na página 1de 100

Elaine Andreatta

Fátima Souza

TEORIA E PRÁTICA DA LEITURA

Manaus
2016

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 1 28/09/2016 10:53:43


GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS

José Melo de Oliveira | Governador

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

Cleinaldo de Almeida Costa | Reitor


Mário Augusto Bessa de Figueiredo Vice-Reitor

Luciano Balbino dos Santos


Pró-Reitor de Ensino de Graduação

Samara Barbosa de Meneses


Pró-Reitora Adjunta de Interiorização

Luís Verçosa
Coordenador dos Cursos Especiais

Silvana Andrade Martins


Coordenadora Geral do Curso de Licenciatura em Letras

Sebastião Reis
Subcoordenador do Curso de Licenciatura em Letras

Socorro Viana de Almeida


Neiva Maria Machado Soares
Coordenadoras de Produção e Análise de Materiais Didáticos

Editora Universitária
Allison Leão | Diretor
Caroline Oliveira | Assistente de Produção Editorial
Francisco Ricardo Lopes | Diagramação

Conselho Editorial
Alessandro Augusto dos Santos Michiles|Allison Leão (Presidente)
Isolda Prado de Negreiros Nougueira Maduro|Izaura Rodrigues Nascimento
Luciane Viana Barros Páscoa | Marcos Frederico Krüger Aleixo
Maria Clara Silva Forsberg|Paulo de Tarso Barbosa Sampaio
Rodrigo Choji de Freitas

Esta edição foi revisada conforme as regras do


Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Todos os Direitos Reservados © Universidade do Estado do Amazonas.
Permitida a reprodução parcial desde que citada a fonte.

ISBN: 978-85-7883-388-6

UEA Edições
Av. Djalma Batista, 3578 - Flores | Manaus - AM - Brasil
Cep 69050-010 | (92) 3878-4463
editora@uea.edu.br

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 2 28/09/2016 10:53:43


SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................... 05

EMENTA ......................................................................................................................................... 07

UNIDADE I- Leitura: Concepções iniciais .................................................................................... 09

1.1 O que é ler? ................................................................................................................................. 11


1.2 Por que ler? ................................................................................................................................. 15
1.3 História da leitura ....................................................................................................................... 20
1.4 Atividades de Aprendizagem ......................................................................................................23
1.5 Síntese ......................................................................................................................................... 24
1.6 Aprofundando o conhecimento .................................................................................................. 24
1.7 Exercícios de aplicação .............................................................................................................. 25
1.8 Questão para reflexão ................................................................................................................. 27
1.9 Leituras indicadas ...................................................................................................................... 28
1.9.1 Livros ................................................................................................................................................................... 28
1.9.2 Leitura de artigos acadêmicos ................................................................................................................................. 28
1.10 Sites indicados ........................................................................................................................... 28

UNIDADE II – Leitura, sistemas de conhecimento e estratégias de leitura ................................. 29

2.1 Apoio teórico ............................................................................................................................... 29


2.2 Aspectos cognitivos da leitura .................................................................................................... 32
2.2.1 Conhecimento prévio no ato da leitura .................................................................................................................... 33
2.2.2 Objetivos e expectativas de leitura ...........................................................................................................................34
2.3 Estratégias de leitura .................................................................................................................. 35
2.3.1 O que são estratégias de leitura? .............................................................................................................................35
2.3.2 O ensino de estratégias para a compreensão do texto ............................................................................................... 38
2.4 Atividades de Aprendizagem ..................................................................................................... 39
2.5 Síntese ......................................................................................................................................... 41
2.6 Aprofundando o conhecimento .................................................................................................. 41
2.7 Exercícios de aplicação .............................................................................................................. 41
2.8 Questão para reflexão ................................................................................................................. 45
2.9 Leituras indicadas ...................................................................................................................... 45
2.10 Site indicado ............................................................................................................................. 45

Unidade III – Gêneros textuais em práticas de letramento e multiletramentos .............................47

3.1 Ressignificando a aula de leitura a partir dos gêneros textuais ................................................. 47


3.2 Letramento, multiletramento e multimodalidade ......................................................................56
3. 3 Questões envolvidas na análise de gêneros textuais ................................................................. 62
3.3.1 A identidade social dos interlocutores ......................................................................................................................62
3.3.2 O domínio discursivo/ a esfera de comunicação ....................................................................................................... 63
3.3.3 O suporte ...............................................................................................................................................................64
3.3.4 O propósito comunicativo ....................................................................................................................................... 66
3.3.5 O universo de referência ......................................................................................................................................... 68
3.3.6 A unidade semântica e a progressão do tema .......................................................................................................... 68

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 3 28/09/2016 10:53:43


3.3.7 Os esquemas de composição: Gênero textual - forma composicional (modalidades), tema e unidades semióticas
(estilo) - e tipos textuais ...................................................................................................................................................69
3. 3.8 A relação com outros textos .................................................................................................................................. 70
3.3.9 Os mecanismos coesivos (reiteração e sequenciação) .................................................................................................. 71
3.3.10 A adequação vocabular ........................................................................................................................................72
3.4 Atividades de Aprendizagem ..................................................................................................... 73
3.5 Síntese ......................................................................................................................................... 74
3.7 Exercícios de aplicação .............................................................................................................. 74
3.8 Questão para reflexão ................................................................................................................. 77
3.9 Leitura indicada ......................................................................................................................... 78
3.10 Site indicado ............................................................................................................................. 78

Unidade IV – Práticas de leitura ...................................................................................................... 79

4.1 A leitura da literatura .................................................................................................................. 79


4.1.1 Oficinas de Leitura ................................................................................................................................................82
4.1.2 As sequências básica e expandida para a leitura da literatura ............................................................................... 83
4.1.2.1 A sequência básica ............................................................................................................................................. 83
4.1.2.2 A sequência expandida .......................................................................................................................................85
4.2 As sequências didáticas (SD) propostas por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) para o
ensino de gêneros textuais ............................................................................................................... 86
4.2.1 Conhecer o gênero para desenvolver a sequência didática: a leitura dos quadrinhos ................................................... 88
4.3 Atividades de Aprendizagem ..................................................................................................... 94
4.4 Síntese ........................................................................................................................................ 94
4.5 Aprofundando o conhecimento .................................................................................................. 94
4.6 Exercícios de aplicação .............................................................................................................. 95
4.7 Questão para reflexão ................................................................................................................. 96
4.8 Leitura indicada ......................................................................................................................... 96
4.9 Site indicado ............................................................................................................................... 96

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 97

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 4 28/09/2016 10:53:43


APRESENTAÇÃO

“Só navega em suas águas verdadeiras


Quem tiver no sonho
um barco de plenitudes e
na proa o céu do imaginário”
Bené Fonteles

Atenção, senhoras e senhores navegantes! Sejam muito bem-vindos a mais um módulo do Curso de
Letras Mediado por Tecnologia. Embarque conosco pelas águas movediças da Teoria e Prática da leitura,
essa disciplina que agora se inicia. Estejam atentos ao grande perigo dessa viagem: apaixonar-se pelas
sereias das grafias textuais, da forma como o radical grego da palavra paixão se apresenta: pathos, impul-
sionar. Preparamos esse material com o entusiasmo que queremos transmitir, apaixonadas pela leitura que
somos, impulsionadas pelas grafias do mundo que lemos. Como as águas dos rios, que não param nunca
e se renovam na mudança, queremos proporcionar um passeio profundo e prazeroso por tudo aquilo que
a leitura de mundo envolve. A você, leitor-navegador, caixeiro-viajante, cabe o passaporte outros.
Ao longo dessa viagem, vislumbraremos diversas concepções sobre o ato de ler, a importância
que ela tem em nossa sociedade tão complexa e tão movediça. Exercitar em si e no outro uma interação
ativa com os textos é o que queremos para nos aprimorarmos, nos descobrirmos, nos aprofundarmos no
universo da leitura. Sistemas de conhecimentos, estratégias de leitura, diversos gêneros textuais, práticas
de letramento e multiletramentos, passam a compor nossa bagagem, acompanhada de diversas transfor-
mações que a história da leitura nos revela: culturais, sociais, políticas, econômicas e tecnológicas. Ao fim
dessa navegação, esperamos ter construído juntos um mapa mais nítido das nossas múltiplas capacidades
e conhecimentos, riscado por tantas áreas de saberes e expressão.
O norte da nossa bússola aponta para uma visão mais crítica, ética, estética e política que escolhe-
mos investigar: o oceano das leituras que nos constituem. A todos, uma boa viagem!

Professoras Elaine Andreatta e Fátima Souza

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 5 28/09/2016 10:53:43


LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 6 28/09/2016 10:53:43
Componente Curricular: Teoria e Prática da Sigla:
Leitura
Natureza: Obrigatória ( x ) Optativa ( ) Pré-Requisito:
Carga Horária: 90 Teórica: 60 Prática: 30 Créditos: 5

EMENTA

O que é ler. Por que ler. A importância da leitura para o indivíduo e para a sociedade. Metodologia
da leitura. As práticas metodológicas de ensino da leitura. Leitura e compreensão do texto. A leitura
na escola. Como incentivar o hábito da leitura. Leitura e interdisciplinaridade. Elaboração e aplicação
de projetos interdisciplinares de leitura.

OBJETIVO
Oferecer um panorama das principais tendências teóricas e práticas do ensino da leitura e
ampliar competências leitoras – fonológicas, lexicais, morfossintáticas, semânticas, textuais, prag-
máticas –, a fim de capacitar o leitor nas diferentes situações.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ANTUNES, Irandé. Aula de português. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto, 2006.

ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

CHARTIER, Roger (org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011.

COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a aprender. Porto Alegre: Artmed, 2002.

LIBERATO, Yara; FULGÊNCIO, Lúcia. É possível facilitar a leitura: um guia para escrever claro. São
Paulo: Contexto, 2007.

MANGUEL, Alberto. Os livros e os dias: um ano de leituras prazerosas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2005.

ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tânia (org.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São
Paulo: Globo, 2009.

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 7 28/09/2016 10:53:43


LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 8 28/09/2016 10:53:43
UNIDADE I- Leitura: Concepções iniciais

Nesta primeira unidade da disciplina de Teoria e Prática da Leitura, percorreremos o universo da


Leitura em suas concepções iniciais, aquelas em que, em um olhar rápido, buscamos nossas primeiras
impressões sobre o modo como a leitura faz parte da nossa vida e aquelas em que, nos demorando um
pouco mais, percebemos o universo complexo que a leitura envolve, um pouco do que a define (como a
sociedade letrada), da sua importância e dos processos sociais e históricos que a atravessam, das áreas e
abordagens pelas quais é estudada, como a Sociologia, a História, a Psicologia, a Linguística, a Educação.
Nossa sociedade é definida pela leitura, embora seja marcada pela oralidade. A todo tempo lemos e
construímos significados para o que lemos verbalmente, auditivamente ou visualmente, sempre de forma
dinâmica como a vida que tecemos, nunca de maneira estancada. Por isso, a cada leitura, nossa memória
pessoal se mescla com uma perspectiva histórico social do ato de ler. Essa perspectiva envolve diferentes
agentes e comporta diferentes funções no jogo proposto: ora somos escritores, ora somos leitores. Seja
como produto, seja como processo, o texto permeia a nossa vida, e evidencia a nossa interação com o
mundo. E assim, vamos elaborando e reelaborando, inventando ou reinventando o nosso viver, como
vemos no texto abaixo:

Harold Pinter, discurso do prêmio Nobel.

Quando nós olhamos num espelho, pensamos que a imagem que temos diante de nós é exata.
Porém, basta nos movermos um milímetro e a imagem muda. Estamos olhando, na verdade, para uma
infindável gama de reflexos. Mas às vezes um escritor precisa quebrar o espelho – pois é do outro lado
do espelho que a verdade nos encara. Apesar das enormes variáveis existentes, creio que a determinação
intelectual destemida, inarredável e feroz, como cidadãos, de definir a verdade real de nossas vidas e de
nossa sociedade, é uma obrigação crucial, que cabe a todos nós. Ela é, de fato, imperiosa. Se essa deter-
minação não estiver incorporada à nossa visão política, não teremos esperança de restabelecer o que está
quase perdido para nós – a dignidade humana.
MANGUEL, Alberto. À mesa como Chapeleiro Maluco: ensaios sobre corvos e escrivaninhas. Tradução
Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

De imediato, já atentamos para um sentido ampliado da leitura como uma arte que exige do
leitor uma postura ativa de quem, sob um olhar contemporâneo, com um horizonte mais ampliado do
mundo, relaciona as leituras possíveis entre o texto e o contexto. Dessa forma, o texto que se lê também
salta do papel para a tela da vida e ganha todos os espaços possíveis onde o homem possa se expressar e
manter viva a comunicação, num trânsito entre o público e o privado, a biblioteca e a rua. Alguns lugares,
como a biblioteca, exercem esse papel substancial de proporcionar o acesso aos livros e inauguram uma
viagem pela história do pensamento humano. Vejamos o que nos diz acerca disso o escritor Luiz Percival
no texto abaixo:

No Lugar da leitura
Devo dizer que, assim como me incomoda isso de ficar propalando a ideia de que para ler basta
querer, que ler é gostoso, divertido, instrutivo, incomoda-me a ideia de biblioteca em que se prevalece o
gesto fácil, fruto do simples querer ler, o lugar de qualquer tempo e de aprendizagem automática pelo
simples contágio. Conformado pelas formas de ser da cultura e da história, o sentido da leitura, assim
como o sentido da arte, da ciência e da filosofia, não lhe é intrínseco nem brota de boas vontades: ele se
põe pelo incômodo de existir que se insinua na gente, pela desordem do mundo, pelas tensões do tempo,
pela miudeza de ser.

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 9 28/09/2016 10:53:43


A biblioteca, percebida como lugar de encontro da gente com arte, com ciência, filosofia, história,
lugar social, político, não é, de modo nenhum, um lugar neutro. É um lugar incomum, lugar que seleciona
e exige, que pressupõe uma pessoa capaz de operar com discursos complexos e distante das formas
e saberes aprendidos na vida prática; disposta a deixar-se estar sem tanta pressa, a compenetrar-se, a
experimentar-se o silêncio. Há muitos lugares ruidosos e divertidos em que se pode estar para entreter-
se, lugares de alegre dispersão e riso, em que a pessoa se despreocupa, brinca e esquece. É bom que haja
também algum lugar em que se possa pensar, imaginar, indagar vagarosamente os modos do mundo, da
vida, da gente.
E ser reflexivo é gesto que se aprende. Por isso mesmo, a biblioteca demanda formação permanente
e deve ter como princípio formar o leitor, contribuindo para a contínua superação de seus limites. Sua
medida de valor está, não no tamanho de seu acervo, na quantidade de atendimentos, na diversidade de
promoções ou na modernidade dos recursos – mesmo que tudo isso seja desejável –, mas no quanto
contribui para o adensamento da cultura, da disseminação do conhecimento e a afirmação da consciência
individual e coletiva – enfim, para a formação do leitor.”
BRITTO, Luiz Percival Leme. No lugar da leitura - biblioteca e formação [recurso eletrônico] Rio de
Janeiro: Edições Brasil Literário, 2015. Recurso digital.

Em 2015, o Guia do Estudante lançou a campanha virtual #VisiteUmaBiblioteca, dizendo ser


a biblioteca um desses lugares mágicos de encontro com a leitura, onde podemos nos perder pelos
corredores e encontrar livros que não conhecemos e que são incríveis. A seguir, as imagens de 10
bibliotecas espalhadas pelo mundo. Vamos visitá-las agora?

Imagem 1: Biblioteca Real, Gabinete Imagem 2: Biblioteca de Birmingham, Imagem 3: Biblioteca Vasconcelos,
Português de Leitura, Rio de Janeiro. Reino Unido México

Imagem 5: Nova Biblioteca de Imagem 6: Biblioteca Joanina da


Imagem 4: Biblioteca do Monastério
de Saint Gall, Suíça. Alexandria, Egito. Universidade de Coimbra, Portugal.

10

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 10 28/09/2016 10:53:44


Imagem 7: Biblioteca Central de Seattle, Estados Unidos Imagem 8: Biblioteca Pública da Universidade de Eötvös
Loránd, Hungria

Imagem 9: Biblioteca jurídica, em Iowa, Estados Unidos Imagem 10: 10)Gabinete Português de Leitura, Bahia

Todas as bibliotecas1 aqui mostradas são como labirintos. Agora reflita sobre os pontos iniciais e
responda: Você está com seu passaporte em mãos para começarmos a nossa viagem?

1.1 O que é ler?

A pergunta “O que é ler?” pode nos apontar imediatamente para a ação de rememorarmos
nossa própria história, refletir sobre a maneira como participamos do mundo letrado, decodificamos
os textos, como se formou o nosso repertório intelectual e como foram nossos processos educacionais.
Para iniciarmos esse enredo, deixemos a vista percorrer o quadro abaixo em que várias palavras estão
relacionadas ao universo da leitura. Repare que elas se diferem quanto ao tamanho e à cor. E faça você a
leitura de sua própria história da leitura!

1
Fonte das imagens: < http://guiadoestudante.abril.com.br/blogs/estante/2015/04/09/conheca-10-bibliotecas-pelo-mundo-de-tirar-o-
folego/>

11

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 11 28/09/2016 10:53:45


Imagem 11: Acionando a memória pelas palavras
Fonte: <http://loja.grupoa.com.br/livros/linguagem-alfabetizacao-e-letramento/teoria-e-pratica-da-formacao-do-leitor/9788536322971>

Ao realizar uma leitura mais apressada, cada pessoa pode, decodificando imediatamente as palavras,
construir uma memória diferenciada que remeta à sua relação com a leitura, investigando como ela se
insere na sua história de vida e lembrando quais atores mais contribuíram para a sua formação como leitor.
Num segundo momento, em que o leitor passa a interagir com a palavra de forma crítica e consciente,
cada uma delas começa a se relacionar com processos mentais mais complexos que envolvem teorias
acerca de diferentes concepções de leitura, os processos de leitura e os tipos de leitura.
Nas palavras do poeta Manoel de Barros, podemos perceber que, uma vez imersos na complexidade
da leitura, vamos nos tornando outros, mais críticos e mais ativos no processo de comunicação que
permeia nossa interação com o mundo.

Imagem 12: Poesia de Manoel de Barros


Fonte: <http://ritamoras.blogspot.com.br/2014_11_01_archive.html>

Segundo o poeta, nosso desejo é que vai moldando o mundo. À medida que vamos tomando outras
dimensões da própria existência, também alcançamos outros horizontes e nos transformando, assim como
fazem as próprias borboletas. Essa também é a dimensão da leitura, que nos atravessa o tempo inteiro e
nos coloca diante de novas expectativas. Nas palavras de Irandé Antunes:

Ora, a outra face da escrita é a leitura. Tudo o que é escrito se completa quando é lido
por alguém. Escrever e ler são dois atos diferentes do mesmo drama (ou da mesma

12

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 12 28/09/2016 10:53:45


trama!). Alfabetizar-se, no sentido mais elementar do termo, é adquirir a competência
inicial para lidar com os sinais da escrita, uma tarefa da qual a escola, no decorrer da
história, se tem encarregado. É desenvolver condições para o sujeito poder inserir-se no
mundo dos eventos que envolvem o intercâmbio através da grafia. E, neste particular,
entra o conceito atual de “letramento”, um conceito que ultrapassa a simples conquista
das competências em decifração dos sinais da escrita. Em estado de letramento já se
encontram as crianças que veem, que ouvem ou que manuseiam diferentes suportes de
escrita (livros, jornais, folhetos, anúncios, avisos etc.). Esse estado vai-se afirmando, vai-
se ampliando, continuamente, de maneira que, em estado de letramento, estamos nós
todos, a vida inteira. Assim, entre escrita, leitura e escola se estabelece uma vinculação
de interdependência tão forte que qualquer uma das três, necessariamente, leva às outras
(ANTUNES, 2009, p.192)

Dessa forma, compreendendo a leitura em suas diversas dimensões, vamos também conceituando-a.
Em seu livro A importância do ato de ler (1987), o educador brasileiro Paulo Freire nos apresenta uma
definição de leitura que pressupõe um leitor crítico e participativo, indo além do que está previsto no
texto, entendendo, interpretando, buscando respostas e sabendo onde encontrá-las. O autor afirma:

“Ler não é só caminhar sobre as palavras, e também não é voar sobre as palavras. Ler é reescrever o que estamos lendo. É
descobrir a conexão do texto, e também como vincular o texto/ contexto com meu contexto, o contexto do leitor. (...) A leitura
do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele” (FREIRE,
1987, p.22)

Ao nos referirmos às concepções de leitura, é importante trazer também as palavras de Koch e Elias
(2015) que afirmam que uma concepção de leitura decorre das concepções que temos de sujeito, de língua,
de texto e de sentido.
As autoras pontuam: pode-se ter uma concepção de língua como “representação do pensamento e
de sujeito como senhor absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é visto como um produto – lógico
– do pensamento (representação mental) do autor” (p. 9-10). Nesse sentido, cabe ao leitor apenas captar
tal representação, exercendo um papel passivo. A partir disso, resta uma concepção de leitura como
“atividade de captação de ideias do autor, sem levar em conta as experiências e os conhecimentos do
leitor” (2015, p. 10). Neste caso, o foco se concentra apenas no autor.
Koch e Elias (2015) explicitam outra concepção: aquela em que a língua é vista como estrutura,
com um sujeito sem consciência. A partir disso, todo e qualquer fenômeno repousa sobre a consideração
do sistema, seja linguístico ou social, pois a língua é compreendida como código e o texto é um simples
produto de um sujeito (pré) determinado. Com efeito, a leitura passa a ser “uma atividade que exige do
leitor o foco no texto, em sua linearidade, uma vez que tudo está dito no dito” (2015, p. 10). Na primeira
concepção, ao leitor cabia reconhecer as intenções do autor, na segunda, cabe apenas reconhecer as
palavras e os sentidos do texto.
É possível ainda observar uma terceira concepção cujo foco está na interação autor-texto-leitor
(KOCH e ELIAS, 2015) e é nessa que acreditamos. Nessa perspectiva, o sentido de um texto não é
considerado como preexistente, mas é construído na interação. A leitura passa a ser uma atividade de
produção de sentidos, e não de mera decodificação do código linguístico. Não só o texto com suas marcas,
o autor com suas intenções, mas o leitor com suas experiências devem ser considerados nesse processo.
A leitura não é, portanto, única, daí falar-se em produção de sentidos no plural, mas não se deve concluir
com isso que o leitor pode fazer qualquer leitura de um texto.
E para expandir, voltemos à leitura de Irandé Antunes. Ela mesma nos indaga: “De que leitura estou
falando?”

13

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 13 28/09/2016 10:53:45


Falo de uma leitura interacionista. Não apenas porque a leitura permite o encontro entre dois ou
mais interlocutores; mas, sobretudo, porque esses interlocutores são autores leitores e leitores autores que
já trazem em seus repertórios experiências de outras escritas e de outras leituras. Escrever e ler são, assim,
oportunidades de dar continuidade a uma quase infinita corrente de ideias, de concepções, de informações
que têm seu começo não se sabe bem onde ou em que paragens desse imenso mundo geográfico e cultural.
Falo de uma leitura interacionista, também, porque a leitura envolve a interação entre diversos tipos
de conhecimento, conforme foi mostrado logo atrás.
Falo de uma leitura interacionista, ainda, porque tenho em vista a leitura que visa objetivos e
propósitos interativos claros e diversificados e, assim, não se reduz a uma mera tarefa escolar (a qual, para
ser feita, tem que ser pra nota!). Por sinal, uma leitura que não responda a um propósito comunicativo
qualquer (propósito informativo, de localização de dados, de informações; propósito de fruição apenas)
não é prioritariamente leitura.
Falo, portanto de uma leitura que, a partir de hipóteses, de predições inicialmente levantadas, vai
além da superfície do texto, além do que está explícito, do que está declarado. De uma leitura que mobiliza
um sentido plural, portanto: que está no texto, que está no leitor, que está no contexto.
Falo de uma leitura que, ao lado de um sentido, busca descobrir intenções, pretensões, objetivos
para dizer o texto. Uma leitura, portanto, de um ‘dizer’ que é também ‘fazer’, o que não deixa também de
ser uma leitura atenta dos elementos formais desse dizer.
Falo, portanto, de uma leitura que é uma “atividade de procura”, na expressão de Ângela Kleiman,
em seu livro Texto & Leitor; falo de uma leitura que é “atividade de encontro” também, digo eu.
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

Ainda, para compreender melhor a leitura, trazemos Maria Helena Martins, a partir do seu livro O
que é leitura? (1994). A autora nos apresenta duas concepções acerca da leitura (p.31):

1) Como uma decodificação mecânica de signos linguísticos, por meio de aprendizado estabelecido a partir do
condicionamento estímulo-resposta (perspectiva behaviorista-skinneriana);
2) Como um processo de compreensão abrangente, cuja dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais,
intelectuais, fisiológicos, neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos (perspectiva cognitivo-sociológica).

De acordo com a autora, ambas as concepções são necessárias para a compreensão do processo
de leitura, pois, “decodificar sem compreender é inútil; compreender sem decodificar, impossível” (1994,
p. 32). Martins (1994) ressalta ainda que a leitura é uma “experiência individual”, pois envolve muito
mais condicionantes internos, como habilidades, capacidades, percepção, emoção e sentimentos, não
dependendo, portanto de como decifrar os sinais de linguagem e sim da capacidade de compreender e
dar sentido a eles.
Martins (1994), refletindo acerca do ato de ler e da produção de sentidos, ainda nos aponta a
existência de três níveis básicos de leitura: sensorial, emocional e racional, dizendo que “esses níveis
são inter-relacionados, senão simultâneos, mesmo um ou outro sendo privilegiado” (p. 97). Abaixo,
apresentamos um quadro para a compreensão de cada um desses níveis:

Quadro 1: Níveis de leitura

NÍVEL DE LEITURA CONCEITO


Este nível está ligado à visão, ao tato, à audição, ao olfato, pode também estar liga-
do ao jogo de cores, imagens sons, cheiros e dos gostos, etc. A leitura sensorial vai
Leitura sensorial mostrando ao leitor o que lhe agrada ou não, mesmo sem a necessidade de raciona-
lizações, justificativas.

14

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 14 28/09/2016 10:53:45


Nível que passa a envolver o leitor pelo seu inconsciente e o leva a fazer parte da
Leitura emocional história, sentindo, junto com a leitura, todas as emoções que esta provoca. Nessa
leitura, emerge a empatia de sentir o que se sentiria, caso estivesse naquela situação.
Este nível tem caráter intelectual e, permanentemente, reflexivo e dinâmico e está
ligado diretamente aos outros dois tipos de leitura. Apesar de ser uma leitura intelectual,
Leitura racional
permite uma ligação entre o leitor e o texto, possibilitando questionamentos, reflexão
e reordenação do mundo subjetivo, ampliando conhecimentos.

Para finalizar, apresentamos a imagem abaixo, retirada do blog da Sabrina Sampaio que compartilha
algumas mensagens cotidianamente com o seu leitor.

Imagem 13: “Viver sem ler...”


Fonte: <http://www.imgrum.net/media/1113391983953188904_1570904869>

Essa imagem traduz o sentido mais simples da vida: viver entre livros, saboreando os saberes (o
que pode ser observado na imagem da xícara de chá e na etiqueta do sachê, amorosamente traçado no
coração) e construindo seus conhecimentos (evidenciado na figura pelos tijolinhos que formam a parede
de um lar conseguido pela leitura), vivendo um movimento que encarna a leitura tanto como a formação
discursiva do texto como sua formação ideológica. E quem disse que isso é fácil?

1.2 Por que ler?

Para refletirmos sobre a importância do ato de ler, e mesmo que não consideremos apenas a leitura
de textos escritos, precisamos investigar o quadro da leitura no Brasil, seja numa perspectiva educacional,
social ou cultural.
Não são poucos os estudiosos da área que afirmam que a realidade de nosso país nos mostra um
retrato que ainda está longe do ideal, como a professora Gisela Campos nos diz no seu artigo “Processo
de leitura” (s/d). Ela atesta que a leitura está em crise, mas aponta também para outra falha em nosso
processo: a leitura não é só responsabilidade do professor de Português, antes atravessa e permeia todas
as disciplinas do currículo escolar. Vejamos o que mais a autora aponta:

A crise da leitura no Brasil já parece um mal crônico. Podemos notar que os jovens, na maioria dos casos, não se
interessam por essa atividade e, se antes apontávamos a televisão como a grande responsável, hoje temos uma gama
de recursos tecnológicos à disposição dos estudantes, desviando ainda mais a atenção dos livros. (...)
Além disso, devemos considerar que a aprendizagem da leitura é basilar para a aprendizagem de todas as disciplinas
do currículo escolar. Dessa forma, acreditamos que o desenvolvimento do interesse e da capacidade de leitura
pode contribuir, automaticamente, para o sucesso da escolarização. Uma revista de grande circulação no país

15

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 15 28/09/2016 10:53:45


divulgou recentemente que o “melhor termômetro para aferir o grau de aprendizado de um estudante é, segundo
os especialistas, sua capacidade de ler e interpretar um texto: quanto mais precária ela for, mais difícil será para ele
absorver conhecimento em outras matérias” (WEINBERG e EDWARD, 2005, p. 72).
No entanto, nesse quesito, o Brasil não vai bem. Segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC), 91% dos
alunos terminam o ensino fundamental abaixo do nível adequado. Em uma pesquisa internacional realizada em 40
países pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os jovens brasileiros ficaram
na 37ª posição em testes de leitura (RÖTZSCH, 2005, p. 4).
Tais dados apontam para a dificuldade das escolas brasileiras em cumprir a sua função mais elementar: ensinar a ler.
CAMPOS, Giselda Pincowsca Cardoso. In: “O processo de leitura: da decodificação à interação”.
Disponível em:<http://faculdadeobjetivo.com.br/arquivos/oprocessodeleitura.pdf>

Devemos também salientar que a leitura não é só uma responsabilidade da escola, como já vimos
anteriormente. Ela faz parte de uma visão mais ampla de cultura. A escola pode ter pecado em muitos
momentos, mas para ajudá-la, muito se tem feito para tornar o Brasil uma sociedade leitora. Mesmo assim,
ainda temos muito que avançar. Vejamos uma expectativa do hábito cultural do brasileiro, no gráfico a
seguir.

Gráfico 1: Hábito cultural do brasileiro


Fonte: <http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2015/04/08/queda-no-habito-de-leitura-revela-dificuldade-de-
formar-leitores-no-brasil-175698.php>

Analisamos no quadro que o hábito cultural do brasileiro é baixo para várias expressões artísticas.
Nesse sentido, ao se tratar de leitura, devemos buscar a formação do espectador de uma forma geral,
como público atento e integrado às várias manifestações culturais de seu país. Não só o professor, mas
muitos atores devem encampar os movimentos para construir, fomentar, mapear, analisar e transformar
o Brasil numa sociedade leitora. E para isso precisamos pensar a realidade das políticas públicas para a
leitura no Brasil. A seguir, apresentamos alguns programas e pesquisas. Vamos conhecê-los e refletir sobre
eles?
1) Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) - Em 2016, comemoram-se os 10 anos de existência
de um Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), uma iniciativa do Ministério da Cultura (MINC)
com o Ministério da Educação (MEC) que garante uma democratização do acesso ao livro no Brasil. Para
entender melhor, leiamos a reportagem que se segue, de 26/02/2015:

PNLL: democratização do acesso ao livro e à leitura no Brasil por Ralph Izumi

16

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 16 28/09/2016 10:53:45


A discussão acerca das políticas públicas para a democratização do acesso ao livro e à leitura, no
Brasil, revela a importância do tema hoje. Para construir uma sociedade letrada, é necessário, além da
redução dos níveis de analfabetismo, desenvolver ações em que as práticas de letramento sejam valorizadas.
De acordo com os dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), o número de pessoas
classificadas como analfabetas diminuiu de 12% para 6% na última década, entre a faixa etária de 15 a
64 anos. Para especialistas em educação, apenas a diminuição nos níveis de analfabetismo não contribui
para a participação na cultura letrada. “Deve haver uma intensa e constante parceria entre o governo
federal e a sociedade civil, no intuito de construir um ambiente democrático em que se desenvolva, de
fato, o letramento, não só dos estudantes, mas também da família, da comunidade e da sociedade como
um todo”, afirma Roberto Catelli, coordenador da Unidade de Educação de Jovens e Adultos da Ação
Educativa.
Nessa perspectiva, foi implementado, em 2006, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), uma
iniciativa do Ministério da Cultura (MinC) em parceria com o Ministério da Educação (MEC). O objetivo
é promover a democratização do acesso ao livro e a outras práticas letradas em uma sociedade cada
vez mais grafocêntrica, que necessita de indivíduos não somente alfabetizados, mas também capazes de
utilizar a leitura e a escrita de maneira autônoma e crítica.
O Plano contém quatro eixos de atuação: Democratização do Livro; Fomento à Leitura e à
Formação de Mediadores; Valorização Institucional da Leitura e Incremento de seu Valor Simbólico; e
Desenvolvimento da Economia do Livro. Para Fabiano Piúba, diretor de Livro e Leitura do Ministério
da Cultura, o PNLL visa ampliar o debate das políticas públicas para além da questão do livro em si; o
Plano se estende para a temática da leitura e de seu acesso legítimo e eficaz, no intuito de promover novas
perspectivas e experiências ao indivíduo, declara Fabiano.
Entre 2006 e 2010, ocorreu a fase de implementação do Plano. Nesse período, o número de
bibliotecas públicas aumentou consideravelmente. Em 2003, havia 1500 cidades sem bibliotecas; de acordo
com José Castilho, secretário executivo do PNLL, atualmente, há em torno de 50 cidades que ainda não
possuem, no mínimo, uma biblioteca. Para Castilho, a biblioteca pública é o veículo mais importante
para a democratização do acesso ao livro. O movimento de implementação de novas bibliotecas, além da
modernização desses espaços, com a presença de mediadores de leitura e do processo de renovação do
acervo, que iniciaram nessa primeira fase e continuam atualmente, buscam a formação de espaços sociais
de incentivo à leitura no país, afirma o secretário.
Fonte: <http://www.plataformadoletramento.org.br/em-revista/395/pnll-democratizacao-do-
acesso-ao-livro-e-a-leitura-no-brasil.html>

2) Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – Estudo tem o objetivo de conhecer o comportamento do


leitor medindo a intensidade, forma, limitações, motivação, representações e as condições de leitura e de
acesso ao livro – impresso e digital – pela população brasileira. Teve início em 2000 e está na sua 4ª edição
(1ª edição: 2000, 2ª edição: 2007, 3ª edição: 2011 e 4ª edição: 2015). No portal “Prolivro.or.br” podem
ser baixadas as pesquisas e o livro que foi lançado no dia 27.08.2016, na 24ª edição da Bienal do Livro de
São Paulo. Na ocasião, houve um bate-papo com a organizadora da obra Zoara Failla e os autores: João
Ceccantini, Marisa Lajolo, Carlo Carrenho e José Castilho2. Vamos ler o texto abaixo para refletir um
pouco sobre as questões por trás dos números da pesquisa:

2
As informações completas estão nos sites:
<http://prolivro.org.br/home/newsletter/noticias/8136-lancamento-do-livro-retratos-da-leitura-no-brasil-4-na-24-bienal-do-livro-de-sp>
<http://prolivro.org.br/home/index.php/atuacao/25-projetos/pesquisas/3900-pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasil-48>

17

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 17 28/09/2016 10:53:45


Responda rápido: o Brasil é um país de leitores ou de não-leitores?
Galeno Amorin3

De olho em números como aqueles trazidos pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (que eu
coordenei, em 2008, para o Instituto Pró-Livro), indicando, por exemplo, que 77 milhões de brasileiros
confessam não ter sequer folheado um livro nos últimos tempos, muitos dirão, com toda razão, que, de
fato, não é este um país de cidadãos leitores.
Mas talvez alguns – olhando para esse mesmo estudo, que também apontou que 95 milhões de
brasileiros garantem ter lido pelo menos um livro nos três meses anteriores – não pensem bem assim. Não
que digam exatamente que o Brasil tornou-se um país de leitores. Mas que podemos estar no caminho
para, um dia, finalmente poder dizer isso.
É muito provável que parte desses presumíveis leitores não tenha aberto um livro nos últimos
tempos ou, se abriram, não chegaram ao fim deles (por sinal, um dos direitos do leitor, de acordo com a
UNESCO). De qualquer maneira, já é este um indicativo de alguma valorização do livro e da leitura no
imaginário coletivo da sociedade.
Muitos desses acharam que seria, no mínimo, desconfortável dizer que simplesmente não lêem.
No Reino Unido, um estudo mostrou, por exemplo, que jovens mentem que leram determinadas obras
porque isso faz com que sejam mais bem avaliados perante o sexo oposto. Melhor ainda, evidentemente,
será quando tiverem de fato lido os livros que disseram ter lido. Mas não deixa de ser um dado.
Um outro dado, que também mostra as disparidades não só dos números como das práticas (ou
não) leitoras pelo País afora, foi a festa organizada no último dia 21 de maio pela editora carioca Sextante.
Tinha bolo e tudo. O motivo: celebrar a expressiva marca de 2 milhões de livros vendidos do seu título A
cabana, de William P. Young. A obra permaneceu mais de 80 semanas entre os mais vendidos nas listas
dos principais veículos de comunicação.
O que, convenhamos, não é pouco. Sobretudo quando se ouve editores se queixarem que a tiragem
média no Brasil não passa de 3 mil exemplares e que isso leva anos para ser vendido – quando é vendido.
Para vender mais livros é preciso ter mais leitores. Para ter mais leitores é preciso incentivar mais a
leitura. E para incentivar mais a leitura é preciso ter políticas públicas. E o Brasil, pela primeira vez, em
mais de 500 anos de história, hoje já tem um Plano Nacional do Livro e da Leitura, que tem investido
em mais e novas bibliotecas, ampliou o número de feiras e bienais do livro, isentou o livro de impostos e
investiu em propagandas.
É pouco?
Sim, ainda é pouco, porque há muito o que fazer para vencer um histórico de ausência absoluta de
políticas públicas e o descaso de diversos governos. Mas a sensação é que sociedade e Estado começam
a virar esse jogo. É o efeito dominó do bem: mais políticas públicas, mais incentivos, mais leitores, mais
vendas. E um Brasil mais preparado e justo.

Fonte: <www.blogdogaleno.com.br>

3) Movimento por um Brasil Literário - Foi pensando em alterar esse quadro e garantir a leitura
como direito, que o escritor Bartolomeu Campos de Queirós encabeçou o “Movimento por um Brasil
Literário”, para que o Brasil se constitua leitor tanto na escola como fora dela. Lançou um manifesto e
criou o documentário “A palavra conta”, sobre a leitura no Brasil. Aproveite, depois de ler um trecho do
manifesto abaixo, para assistir ao documentário4 e conhecer um pouco mais sobre essa iniciativa pelo
direito à leitura no nosso país.

3
Galeno Amorim é jornalista, escritor e diretor do Observatório do Livro e Leitura. Criou o Plano Nacional do Livro e Leitura, no Governo
Lula, e é considerado um dos maiores especialistas do tema Livro e Leitura na América Latina
4
O documentário está disponível neste link: < https://www.youtube.com/watch?v=TlOwKhIma5s>.

18

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 18 28/09/2016 10:53:45


MOVIMENTO POR UM BRASIL LITERÁRIO

Andei pensando muito antes de fazer o Movimento por um Brasil Literário. Conversava muito com
o pessoal da Fundação Nacional do Livro sobre como a escola não pode ser a única responsável pela
formação do leitor. A escola não pode e nem dá conta disso. Se a criança chega em casa e não encontra
nem o pai, nem a mãe, nem avó lendo, como é que a escola quer que ela leia? [...] Precisamos de uma
sociedade inteira envolvida nesse trabalho de formação do leitor. Não quis chamar de plano de leitura,
projeto de leitura. Eu queria um movimento de leitura, com pessoas que acreditam que a literatura é boa,
faz bem, com quem possa ajudar, indicar um livro, fazer um grupo de leitura. Quem pode fazer isso pode
entrar no nosso movimento, pode entrar no site (www.brasilliterario.org.br). [...] Acho que a literatura tem
a função de tornar a sensibilidade mais aguçada. As pessoas mais intuitivas, mais prontas para as minúcias,
para os retalhos, como diz o Manoel de Barros, para os restos, para as pequenas coisas. A literatura pode
nos ajudar muito.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. In: Revista Palavra, Julho 2012, p. 19.

4) Observatório do Livro e da Leitura - É um programa de caráter permanente que faz estudos e


pesquisas e difunde informações e conhecimentos sobre a questão do livro e da leitura no país, e integra
a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) para a Educação, a Ciência e a Cultura5.
5) Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) - é uma iniciativa de avaliação
comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade
básica obrigatória na maioria dos países6.
Podemos agora acrescentar ao que já foi lido sobre a leitura, um outro pensamento sobre o leitor ideal,
aquele que, além do domínio da escrita, deve ter também uma participação cultural e social efetiva. Como
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), entende-se que a escola deve garantir o acesso à cidadania,
um compromisso com a construção social. Dessa forma, além de dever garantir a compreensão no ato de
ler e argumentar com eficiência, deve proporcionar ao aluno em seu processo de ensino-aprendizagem a
possibilidade de desenvolver um grande número de competências. Ou nas palavras de Alberto Manguel
(2009), em seu livro À mesa com o Chapeleiro Maluco – ensaios sobre corvos e escrivaninhas:

“Uma sociedade deve ministrar o conhecimento de seus códigos a seus cidadãos, de maneira que estes
possam participar ativamente dela; mas o conhecimento desse código, além da mera capacidade de decifrar um
slogan político, um anúncio publicitário ou um manual de instruções básicas, permite a esses mesmos cidadãos
questionar essa sociedade, expor suas mazelas e propor mudanças. No próprio sistema que lhe permite funcionar
como sociedade encontra-se o poder de subvertê-la, para melhor ou para pior” (p. 47).
Logo, como se vê, a importância do ato de ler deve fundamentar-se na importância de poder
remodelar o mundo, olhando o individual e o coletivo, nesse processo incessante de comunicação e
interação, participando de forma crítica e apaixonada da leitura. É o que se revela na cumplicidade que o
escritor Bartolomeu Campos de Queirós nutria com o avô e se explicita no seguinte fragmento.

“Meu avô morava em Pitangui, uma cidade perto de Papagaio, ganhou a sorte na loteria e nunca
mais trabalhou. Ele cultivou uma preguiça absoluta. Levantava pela manhã, vestia terno, gravata e se
debruçava na janela. Todo mundo que passava falava: “Ô, seu Queirós!”. Ele falava: “Tem dó de nós”. Só
isso. O dia inteiro. Tudo o que acontecia na cidade, ele escrevia nas paredes de casa. Quem morreu, quem
matou, quem visitou, quem viajou. Fui alfabetizado nas paredes do meu avô. Eu perguntava que palavra é
essa, que palavra é aquela. Eu escrevia no muro a palavra com carvão, repetia. Ele ia lá para ver se estava
certo. Na parede da casa dele, somente ele podia escrever. Eu só podia escrever no muro. Esse meu avô
tinha um gosto absoluto pela palavra e era muito irreverente. Eu era o grande amigo dele.”
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. In: Revista Palavra, Julho 2012, p. 16.

5
O conteúdo completo pode ser acessado no site:<http://www.observatoriodolivro.org.br/>.
6
Todas as informações estão disponíveis no site: <http://portal.inep.gov.br/pisa-programa-internacional-de-avaliacao-de-alunos>. 19

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 19 28/09/2016 10:53:45


Um leitor competente reconhece a incompletude do discurso, leva em consideração
pressupostos e subentendidos, o contexto situacional e histórico, a intertextualidade,
explicita os processos de significação do texto, os mecanismos de produção de sentido;
enfim, reconhece a formação discursiva (o que é possível dizer) e a formação ideológica.
Por isso, tal tipo de leitor é crítico e não mero reprodutor que o autor diz (leitura
parafrástica); ele confronta as informações do texto com a realidade, constrói a leitura,
porque sabe que a linguagem é lugar de confronto ideológico.

A leitura como uma arma silenciosa de guerra, a apontar seu canhão, encontra o próprio espetáculo
da vida, como nos aponta o poeta João Cabral de Melo Neto no poema dramático “Morte e vida Severina”.

“...E não há melhor resposta mesmo quando é uma explosão


que o espetáculo da vida: como a de há pouco, franzina;
vê-la desfiar seu fio, mesmo quando é a explosão
que também se chama vida, de uma vida severina.”
ver a fábrica que ela mesma, (Morte e Vida Severina)
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena Fonte: <http://www.releituras.com/joaocabral_bio.asp>

Uma vez semeado o prazer de ler, nosso olhar e nossa percepção de mundo se reelaboram e se
ampliam.

1.3 História da leitura

Um panorama pela história da leitura nos leva dos tempos primitivos à era digital, tendo como
ponte de passagem a própria janela. Distante no tempo, semelhante na condição humana que reflete a
escrita da vida. São “encantamentos” compartilhados o que surge na linha tênue do tempo, como esses
que os escritores nos segredam:

“Meu avô tinha um encantamento com as palavras. Eu fui aprendendo com ele a cultivar esse
encantamento. Lembro que na casa dele tinha uma copa muito grande. Ele ficava sentado na ponta da
mesa fazendo cigarros para o dia seguinte. Havia um Cristo crucificado na parede. De vez em quando,
ele levantava a cabeça e falava para mim: “Sofreu, né? Sofreu demais. Sofreu tanto. Mas morreu gordo,
você não acha?” Era toda uma trama que me deslocava. Já fui criado com a metáfora. Tive uma infância
junto com as metáforas. A minha mãe era uma leitora. Não havia em casa literatura infantil. Eu lia os
livros que a minha mãe lia. Também ficou uma coisa que hoje conto sem problemas. Quando a minha
mãe morreu, eu tinha seis para sete anos. Ela ficou doente por muitos anos. Minha mãe cantava muito
bonito, ela era soprano. Quando a dor era muito forte, sabíamos que a morfina não era suficiente, a minha
mãe cantava. A voz dela atravessava a casa e o quintal. Então, a gente sabia que ela estava com muita dor.
Outro dia, estava pensando que eu também, quando dói muito, escrevo. É a mesma coisa. Hoje, não fico
na janela como meu avô ficava. Mas fico o tempo todo em frente ao Windows. Trocamos os lugares, mas
continuamos na janela.”
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. In: Revista Palavra, Julho 2012, p. 16.

Uma história da leitura envolve os degraus da nossa subjetividade e da maneira como a humanidade
se relacionou com a leitura e a escrita de seu pensamento. Uma história a ser contada sobre ela teria de

20

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 20 28/09/2016 10:53:45


iniciar nos tempos em que o homem grafava nas cavernas. Em seguida o homem passou a se comunicar
pelos sons e desenvolveu assim a linguagem oral, ampliando as suas possibilidades de comunicação e
relacionamento com outros homens. Tornando complexa a própria comunicação, devido ao nível dos
argumentos que tecia, teve de publicar suas ideias e divulgar as obras de forma escrita em papiros e
pergaminhos. Mas isso era restrito a privilegiados. Depois da Grécia, foram os mosteiros os locais de
difusão da cultura letrada com suas escolas e bibliotecas, dando início à preservação e ao restauro de obras
e a igreja monopolizou e geriu esse saber: a escrita sagrada. Foi o aumento das atividades comerciais que
levou a escrita para a cidade, estando ao alcance de todos. E o desenvolvimento econômico e social tornou
a instrução um bem de valor, surgindo então as escolas públicas, com suas bibliotecas.
Chartier (1999) conta que a história da leitura ganhou um novo enfoque na França na década de
1970, a nova história cultural, e com ela uma nova versão de sua própria história, menos esquematizada
e generalizante, ou seja, uma história da prática da leitura, dos suportes que acomodaram a escrita: das
antigas tabuinhas para as telas virtuais, e das formas de sua difusão: em voz alta, de maneira silenciosa,
em grupo ou individualmente, ganhando um salto com a invenção da imprensa. O autor aponta (2002)
que os modos de ler o livro provêm de três inovações fundamentais. A primeira, entre os séculos II e
IV, um novo tipo de livro com folhas e páginas dentro da mesma encadernação, substituindo os rolos da
antiguidade grega e romana. A segunda, entre os séculos XIV e XV, o livro unitário com obras compostas
pelo mesmo autor. E a terceira inovação, no século XV, a invenção da imprensa. Essas três inovações
caracterizam uma história que define o livro como objeto material, as quais retratam os modos de leitura.
No entanto, esse objeto material se transforma com a textualidade eletrônica, assim como os modos
de ler, desencadeando uma inquietação dos leitores já que o mundo eletrônico provoca uma “tríplice
ruptura: propõe nova técnica de difusão da escrita, incita nova relação com os textos, impõe-lhes nova
forma de inscrição” (CHARTIER, 2002, p. 23-24). Para compreender a relação entre o objeto-livro, os
modos de leitura e os sentidos produzidos no ato de ler, observemos a imagem a seguir:

Acima, a obra Madone du Magnificat, de Boticelli, o ato da escrita em um dos textos mais cantados da tradição
cristã. O livro aberto, de caligrafia cuidadosa, encadernado com dourado nas laterais, traz à memória, mais que a
leitura do espectador, o canto de louvor à Maria: Magnificat anima mea Dominum (Minha alma exalta o Senhor) (Sandro
Boticelli, cerca de 1482-1498). O exemplar presente na obra é um livro manuscrito, composto com folhas dobradas
um certo número de vezes, formando cadernos que são montados, costurados e protegidos por uma encadernação.
Imagem 14: Madone du Magnificat, de Boticelli
In: CHARTIER, 1999, p. 6.

Uma estudiosa da história da leitura no Brasil é a professora Regina Zilberman. No artigo “A leitura
no Brasil: suas histórias e suas instituições” (s/d), ela analisa como a leitura tornou-se institucionalizada.

21

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 21 28/09/2016 10:53:45


E nós compartilhamos aqui através dos fragmentos abaixo. Nesse quadro temos uma institucionalização
da leitura: a força do ambiente escolar.

Pode-se conceber uma história da leitura da maneira mais simples, enquanto mero relato da
progressão cronológica das obras escritas. Essa acepção, ainda que singela, impõe de imediato certas
condições; a primeira é a de existir a escrita, reconhecida pela sociedade enquanto um de seus possíveis
meios de comunicação; outra, é a de obras produzidas terem se tornado públicas, vale dizer, socializadas.
Da sua parte, essa socialização decorre de algumas providências, como a de possibilitar o acesso à escrita
por parte dos membros da sociedade, o que implica também o estabelecimento de uma instituição
encarregada de fazê-lo: a escola, que, de seu lado, carece de pessoal qualificado para desempenhar a tarefa
de decodificar letras e alfabetizar - o que corresponde à leitura. (...) o que implica também o estabelecimento
de uma instituição encarregada de fazê-lo: a escola, que, de seu lado, carece de pessoal qualificado para
desempenhar a tarefa de decodificar letras e alfabetizar - o que corresponde à leitura.”
Fonte: < http://www.unicamp.br/iel/memoria/projetos/ensaios/ensaio32.html>

A autora nos diz ainda que a história da leitura está associada às possibilidades do ato de ler, como
diferenciado abaixo.

Quadro 27: História da leitura = História das possibilidades de ler


Atuação de indivíduos habilitados a exercer
funções pedagógicas, pelas quais são remunerados;
esse assalariado - o professor - não precisa estar
-Uma instituição ESCOLA
regularmente qualificado ou titulado, mas, por força
da necessidade, do talento ou do gosto, ele se prepara
para o exercício da profissão que o distingue.
Código reconhecido e aceito pela comunidade, que
precisa dele para operar nas relações familiares,
sociais ou econômicas. As relações entre a expansão
da escrita e da sociedade capitalista são notáveis, e
George Thomson, estudioso da cultura helênica,
chama a atenção para a circunstância de a fixação
-Uma técnica ESCRITA do alfabeto grego, no século VII a. C., ter-se dado
simultaneamente à aceitação da moeda como fator
de circulação dos produtos comerciais. Dinheiro e
escrita podem não ter nascido ao mesmo tempo,
mas passaram a infância juntos, e sua expansão tem
ocorrido em sociedades avançadas do ponto de vista
econômico.

7 Conforme Zilberman, disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/projetos/ensaios/ensaio32.html>.

22

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 22 28/09/2016 10:53:45


• Barro: como ocorreu aos sumérios, que guardaram
suas anotações, para o que se valeram da escrita cune-
iforme, em tabuletas de argila.
• Depois apareceram instrumentos mais práticos: o
papiro, um tanto frágil, o pergaminho, resistente e du-
radouro, o papel, de baixo custo, embora perecível.
• Essas alterações supuseram interferências de novas
técnicas para exploração dos recursos naturais, de que
resultou a expansão dos meios para fixação da escrita,
FIXAÇÃO DA ESCRITA NUM
- Uma tecnologia bem como o barateamento da produção e as facili-
MEIO FÍSICO PERMANENTE
dades de circulação.
• Modificaram-se igualmente as formas do objeto que
transportava a escrita
- rolos de pergaminho
- retangular livro impresso em papel
- quadrado de plástico que identifica os disquetes - os
círculos de alumínio dos CD, a que se tem acesso por
intermédio de programas em linguagem eletrônica,
decifradas por um editor de texto.

Compreende-se também que a história da leitura consiste na história das possibilidades de ler.
Zilberman (s/d), em seu artigo, afirma que “a atividade da escola, somada à difusão da escrita enquanto
forma socialmente aceita de circulação de bens e à expansão dos meios de impressão, faculta a existência
de uma sociedade leitora” (s/p). No entanto, é preciso alguns pressupostos para que essa sociedade
ocorra:

Quadro 38: Pressupostos de uma sociedade leitora

Valorização da educação enquanto fator de ingresso à


Uma escola atuante
sociedade e ascensão
• Propriedade que atesta a existência de outras
propriedades (talvez não seja um acaso que se assegure
a propriedade por intermédio de uma escritura,
A escrita considerada como um bem que o dinheiro circule como papel e se traduza em
investimentos - letras);
• Julgue a impressão de textos escritos um negócio
lucrativo.

Traçar uma história da leitura nos faz refletir sobre nossos hábitos culturais, nosso modo de
pensar e valorizar os bens materiais que comportam nossa identidade. Ao pensar e refletir de forma mais
aprofundadamente sobre o ato de ler, desautomatizamos nosso olhar e passamos a ser agentes críticos
e transformadores da realidade que marcamos num tempo presente e segue como fio de uma história
futura.

1.4 Atividades de Aprendizagem

Para realizar nossas atividades de aprendizagem, vamos conhecer melhor o movimento por um
Brasil Literário:

8
Conforme Zilberman, disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/projetos/ensaios/ensaio32.html>.

23

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 23 28/09/2016 10:53:46


1. Acesse o portal: http://www.brasilliterario.org.br/.
2. Leia o manifesto: http://www.brasilliterario.org.br/manifesto/o-manifesto/
3. Assista ao documentário: “A palavra conta”, no link: <https://www.youtube.com/
watch?v=TlOwKhIma5s>
Após a investigação, discuta com seus colegas sobre as iniciativas que chamaram mais a atenção.
Em seguida, escreva sobre uma iniciativa de sucesso que tenha sido implementada na sua comunidade.
Para compreender melhor tal atividade, trazemos abaixo algumas informações sobre o documentário “A
palavra conta”

Documentário A palavra conta, do Movimento por um Brasil Literário


20/12/2011 11:49
Com direção de Duto Sperry, acaba de ser lançado, no Brasil, o documentário O Livro que mudou a
minha vida. O filme, produzido pela Java2G, trata da importância da leitura na vida das pessoas, na forma
de enxergar o mundo e no interesse em transformar a sociedade. A iniciativa tem o apoio da C&A.
O documentário é composto por entrevistas com especialistas em literatura, escritores, educadores
e leitores de todo o Brasil que contam sobre suas experiências com os livros. A ideia é mostrar como a
leitura possibilita a ampliação da consciência e a formação do cidadão para a necessidade de construção de
uma sociedade mais justa para todos, por meio da sustentabilidade e do combate às desigualdades sociais.
Alguns dos personagens entrevistados no filme são o escritor Ferréz; Cristiane Fontelles, diretora de
educação e cultura do Instituto Ecofuturo; Miriam Dailibi, presidente do Instituto Ecoar; Juliana Loyola,
professora de literatura e crítica literária da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); e o
artista plástico Jaime Prades.
O Livro que mudou a minha vida está em fase de negociação para ser disponibilizado em circuito
comercial. As pessoas que tiverem interesse em assisti-lo poderão solicitar uma cópia pelo e-mail roby@
java2g.com.br
Duto Sperry também é diretor do documentário A palavra conta, do Movimento por um Brasil Literário.
Conheça o filme no link: http://www.youtube.com/user/movimentoBlit#p/u/0/TlOwKhIma5s
Fonte: <https://voluntarios.institutocea.org.br/pages/6029-documentario-a-palavra-conta-do-movimento-por-
um-brasil-literario>

1.5 Síntese

Esta unidade teve por objetivo despertar a atenção para a leitura de forma detalhada, refletindo
sobre nosso arcabouço de conhecimentos, nossa memória, nossa identidade, que são instrumentos que
nos constituem enquanto sujeitos construtores de nossa própria história e de uma sociedade baseada na
escrita. Nos fez viajar por uma história da leitura, das suas formas institucionalizadas, no correr da era
tecnológica que, de forma arrebatadora, a espalha por todos os lugares, saltando das páginas manuscritas
para as telas da vida. Cientes das suas diversas concepções, nos transformamos em agentes críticos e
criativos prontos para ler o real e reinventá-lo.

1.6 Aprofundando o conhecimento

Leitura do ensaio “Vidas entre livros: Plínio Doyle e José Mindlin”, uma amizade traçada pelo amor
aos livros que aborda desde a formação de cada um, passa pela cidade e pelos encontros intelectuais que
os aproximaram. Vale aplicar os conceitos estudados nessa unidade: a leitura, sua história, suas abordagens
e sua importância. Deve ser acessado em: <https://ltp.emnuvens.com.br/ltp/article/view/454/236>.

24

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 24 28/09/2016 10:53:46


1.7 Exercícios de aplicação

EXERCÍCIO 1:
Leia com atenção a tirinha abaixo e responda as questões:

Fonte: <http://texteando.blogspot.com.br/2011/02/charges-e-tirinhas-teoria-e-pratica.html>

a) O que podemos entender como “veículo de leitura”. Qual o sentido dessa expressão? Pesquise
e traga para a sala de aula um texto argumentativo como uma reportagem ou um artigo que trate da
qualidade do conteúdo da televisão na atualidade. Relacione os textos encontrados com a tirinha e discuta
como o assunto e temática são abordados em cada um deles.

EXERCÍCIO 2:

Leia o fragmento abaixo com atenção. A partir dele, escreva 10 palavras-chave que se refiram ao
conteúdo da unidade que você acabou de aprender.

“Verifica-se por esses aspectos que a leitura não constitui tão-somente uma ideia, com a força de um ideal.
Ela contém também uma configuração mais concreta, assumindo contornos de imagem, formada por
modos de representação característicos, expressões próprias e atitudes peculiares. A ela pertencem gestos,
como o de segurar o livro, sentar e escrever, inclinar-se, colocar os olhos. Faz parte igualmente dessa
representação a alusão a resultados práticos, mensuráveis em comportamentos progressistas. Políticas de
leitura não deixam de valorizar a leitura como ideia; mas seu sucesso depende de a leitura ser igualmente
prezada enquanto negócio. Um importante ramo da sociedade capitalista é constituído pela indústria de
livros, para não se falar das fábricas dos maquinários para impressão, nem do hoje importante segmento
dado pela produção de hardwares, softwares e periféricos que fazem a alegria das feiras de informática.
Não ler é ficar de fora desse mundo, o que talvez signifique ficar de fora do mundo.”
ZILBERMAN, Regina. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/projetos/ensaios/
ensaio32.html>

EXERCÍCIO 3:

Abaixo temos dois textos “escritos” por brasileiros em diferentes suportes: um mural e um avião.
Eduardo Kobra pintou o maior mural do mundo para as Olimpíadas de 2016 no Brasil e Osgêmeos
pintaram o avião da seleção brasileira para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Que leitura você faz delas?

25

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 25 28/09/2016 10:53:46


Maior mural do mundo, feito no Brasil para as Olimpíadas Rio2016.
A obra foi reconhecida pelo Guinness Book. Guinnes’ World largest mural
Fonte: <https://www.facebook.com/eduardo.kobra/ >
Num espaço expositivo, você tem um quadrado em branco, limpo, que te possibilita uma infinidade de coisas. É
onde podemos recriar o nosso universo

Osgêmeos

Fonte: <http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2014/07/11/nao-importa-se-a-arte-e-comercial-ou-nao-basta-
comunicar-dizem-osgemeos.htm>

Pintura sobre avião, grafite de Osgêmeos


Fonte: <http://palpitedeluxo.com.br/palpites/o-grafite-dos-gemeos/>

EXERCÍCIO 4:

Leia o texto abaixo e discuta com seus colegas em classe: A literatura é uma atividade política?
Apresente 2 argumentos e defenda-os.

26

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 26 28/09/2016 10:53:46


1.8 Questão para reflexão

O texto escrito pode tornar-se uma forma de resistência? Em que contextos? De que forma?

Com a colonização, as sociedades africanas se viram dominadas pela cultura do colonizador, vendo-se
obrigadas a incorporar sua língua, seus costumes, sua cultura. A identidade desses povos se viu ameaça da. No
texto “Eu e o outro – o invasor”, nos fala Manuel Rui:
Quando chegaste mais velhos contavam estórias. Tudo estava no seu lugar. A água. O som. A luz. Na nossa harmonia. O texto
oral. E só era texto não apenas pela fala mas porque havia árvores, parrelas sobre o crepitar de braços da floresta. E era texto porque
havia gesto. Texto porque havia dança. Texto porque havia ritual. Texto falado ouvido visto. É certo que podias ter pedido para ouvir
e ver as estórias que os mais velhos contavam quando chegaste! Mas não! Preferiste disparar os canhões. A partir daí comecei a pensar
que tu não eras tu, mas outro, por me parecer difícil aceitar que da tua identidade fazia parte esse projeto de chegar e bombardear o meu
texto. Mais tarde viria a constatar que detinhas mais outra arma poderosa além do canhão: a escrita. E que também sistematicamente
no texto que fazias escrito inventavas destruir o meu texto ouvido e visto. Eu sou eu e a minha identidade nunca a havia pensado
integrando a destruição do que não me pertence. (RUI, 1987, p. 309)
A chegada do colonizador não leva em consideração o texto que já existia, esse que escreve com os gestos,
com a dança e que passa por meio da voz dos mais velhos. O canhão fez silenciar essas vozes, que passaram a ser
marginalizadas dentro de seu próprio país. Não só as armas de fogo ameaçaram a identidade africana, mas também
o texto escrito, que veio violar a tradição oral. Era como se lá nada existisse, não havia texto, não havia literatura,
não havia história. Tudo passa existir depois que pode ser documentado e contado através dos livros. Já era sim que
os estudos da história classificavam o início das civilizações no mundo inteiro.
Uma das formas de resistência das sociedades africanas foi prender a língua do colonizador e escrever neste
idioma, podendo assim, resistir e mostrar ao mundo a força de um povo e de sua cultura.
Fonte: <http://www.africaeafricanidades.com.br/documentos/14152011-17.pdf>

27

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 27 28/09/2016 10:53:46


1.9 Leituras indicadas
1.9.1 Livros

1.9.2 Leitura de artigos acadêmicos

• Artigo 1: BRITTO, Luiz Percival Leme. “A leitura e sua promoção”. In: No lugar da leitura
– biblioteca e formação (recurso eletrônico). Rio de Janeiro: Edições Brasil Literário, 2015. Recurso
digital. ISBN 978-85-69889-00-7 (recurso eletrônico). Para acessá-lo: <http://www.brasilliterario.org.br/
publicacoes/no-lugar-da-leitura-biblioteca-e-formacao-de-luiz-percival-leme-britto/>. A leitura do artigo
oferece várias reflexões sobre a promoção da leitura além da sala de aula.
• Artigo 2: SILVA, Suely Barros Bernardino da. “Processo de aquisição da leitura”. O artigo discute
sobre a aquisição da leitura numa perspectiva Psicolinguística. Está disponível na Revista Eletrônica
Aboré, publicada pela Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas,
edição 05/2010. Link: < http://www.revistas.uea.edu.br/old/abore/artigos/artigos_5/141.pdf>

1.10 Sites indicados

• PRÊMIO VIVALEITURA: No site do prêmio, é possível conhecer iniciativas que foram


mapeadas pelo Brasil e também ações de leitura que foram implementados com sucesso. Nos links em
seguida estão o folder de 2016 e os projetos de 2006, respectivamente: http://www.premiovivaleitura.org.
br/pdf/vivaleitura2016.pdf, http://www.premiovivaleitura.org.br/pdf/vivaleitura2006.pdf.
• Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio: A Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio, inaugurada
em 2006, é um centro de referência em leituras de múltiplas linguagens, através da formação de leitores
e mediadores, visando a supressão progressiva das desigualdades de ordem educacional, cultural e social.
Você pode encontrar mais informações no site: http://iiler.puc-rio.br/catedra10anos/. Além de conhecer
as ações da cátedra, é possível acessar a exposição virtual “Do corpo e da letra do mundo”.

28

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 28 28/09/2016 10:53:47


UNIDADE II – Leitura, sistemas de conhecimento e estratégias de leitura

Como vimos anteriormente na Unidade 1, a leitura envolve um processo ativo de construção de


significados, o que requer uma atenção especial para o ensino e a aprendizagem de estratégias de leitura
necessárias para compreender e construir o significado dos textos, agregando aos nossos conhecimentos
de mundo já existentes, novas ideias e percebendo as condições histórico-sociais que o envolvem. Embora
a responsabilidade por garantir o país como uma sociedade leitora seja de muitos atores, a escola é um
espaço de democratização dos saberes.
Nessa segunda unidade, trataremos da relação entre leitura, sistemas de conhecimento e estratégias
de leitura, saberes importantes ao leitor e ao professor de Língua Portuguesa que propõe atividades de
leitura. A escola é o lugar onde nos encontramos com um saber mais consciente, onde devemos praticar
continuamente nossos aprendizados. Para tanto, o ensino deve fundamentar-se em novas abordagens e
perspectivas para o ensino-aprendizagem.
Esperamos que um panorama das teorias desperte o seu interesse por procurar conhecer ainda
mais sobre esse campo tão profícuo de aprendizado. Para continuarmos nossa viagem, exploraremos
juntos a leitura de maneira profunda, conhecendo estratégias e exercícios que revelem a sua verdadeira
e complexa dimensão na sociedade contemporânea. Por isso, novos propósitos serão trabalhados e o
desafio será colocar em prática o que formos capazes de produzir de pensamento na área da leitura. A
todos, desejamos uma boa navegação!

2.1 Apoio teórico

Quando se trata de buscar um ensino-aprendizagem de leitura eficaz, não podemos fugir a uma
perspectiva interdisciplinar, considerando que a leitura é responsabilidade de todas as disciplinas do
currículo escolar e envolve uma formação contínua. Para tanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs, 1998) sempre levam em conta o contexto em que o sujeito está inserido, de modo que este possa
não só observar o mundo a sua volta como analisá-lo, questioná-lo e resolvê-lo, o que requer que as
habilidades de leitura sejam trabalhadas em sua multiplicidade.
Um estudo sobre as abordagens da leitura e as práticas escolares, publicado no livro Ensino de
Leitura: fundamentos, práticas e reflexões para professores da era digital, organizado por Tavares, Becher
e Franco, no ano de 2011, traz vários artigos de pesquisadores sobre leitura no Brasil, considerando
principalmente o estudo das novas tecnologias e ensino de línguas. Um deles nos coloca diante de uma
teoria bem interessante, a teoria da complexidade. A cada novo estudo nessa área, percebemos o quão
importante é o papel da escola quando ela se propõe a promover uma educação linguística de qualidade,
em que o aluno seja educado para produzir pensamento sobre as práticas discursivas, de maneira a perceber
a complexidade dos temas que envolvem a nossa tão complexa língua.
O artigo sobre as novas abordagens sobre leitura, considerando a Teoria da Complexidade, difundida
por autores como Edgar Morin e Humberto Maturana, intitula-se “Por uma abordagem complexa da
leitura” (2011, p. 26-48)9, de Claudio Paiva Franco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
será usado aqui ao longo desse tópico de pesquisa.
Para defender sua visão, o autor faz um histórico das teorias mais recentes sobre leitura, como
a decodificadora, a psicolinguística e a interacional, em que a linguagem é vista como instrumento de
comunicação e também como processo de interação. Em seguida, apresenta a proposta de que o indivíduo
está diante de um sistema complexo de leitura e deve ser um sujeito atuante e aberto à dinamicidade.

9
FRANCO, Claudio de Paiva. “Por uma abordagem complexa de leitura”. In: TAVARES, K.; BECHER, S.; FRANCO, C. (Orgs.). Ensino
de Leitura: fundamentos, práticas e reflexões para professores da era digital. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2011, p. 26-48.
(ISBN: 978-85-8101-002-1) < http://www.claudiofranco.com.br/textos/franco_ebook_leitura.pdf>. Último acesso em 09 de setembro de
2016.

29

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 29 28/09/2016 10:53:47


Claudio Franco nos explica:

Segundo Larsen-Freeman (2010), ensinar uma língua não envolve a transmissão de


um sistema fechado de conhecimento. Os aprendizes não estão engajados em apenas
aprender estruturas definidas; em vez disso, eles estão interessados em aprender a
adaptar seu comportamento em meio a um contexto mais complexo. A aprendizagem
não é um processo linear, aditivo, mas iterativo. A aprendizagem não é a aquisição de
formas linguísticas, mas a constante adaptação de seus recursos linguísticos a serviço
de formação de sentido em resposta aos propiciamentos que emergem na situação
comunicativa que, por sua vez, é afetada pela adaptabilidade dos aprendizes (FRANCO,
2011, p. 40).

Veja que nessa estrutura de pensamento, além de se colocar como um aprendiz constantemente,
o leitor deve observar que as respostas podem surgir de várias direções, portanto, ele deve ser capaz de
adaptar-se a diferentes contextos. Temos de entender que a abordagem complexa da leitura não é um
modelo complicado, conforme nos informa o autor do artigo: “Nas palavras de Morin (2007, p.13),
propomos que percebam, na palavra complexidade, ‘o tecido de acontecimentos, ações, interações,
retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico’” (FRANCO, 2011, p. 41).
Dessa forma,

a leitura é concebida como uma atividade complexa e dinâmica. A complexidade do


sistema de leitura é justificada pela existência de múltiplos agentes (leitor, autor, texto,
contexto social, contexto histórico, contexto linguístico, conhecimento de mundo,
frustrações, expectativas, crenças, etc.) que se inter-relacionam durante o ato de ler. Essa
complexidade, aliada à abertura do sistema, contribuem para a dinamicidade do sistema
de leitura. Tomemos como exemplo um dos agentes – o leitor. À medida que o leitor
se complexifica, seu posicionamento em relação ao texto pode ser inédito. Da mesma
forma, os outros elementos podem se complexificar ao interagir com o leitor. Durante o
ato de ler, suas expectativas, por exemplo, podem ser alteradas bem como suas crenças
podem ser fortalecidas ou enfraquecidas (2011, p. 41).

O sujeito que se anuncia como leitor é o indivíduo contemporâneo, que se informa e atualiza
por várias “janelas” simultaneamente. O nosso caminho de leitura deve seguir por uma estrada aberta
em sua multiplicidade e infinitas interpretações, vencendo barreiras que a própria educação formal está
enfrentando. O que muito se fala é que temos uma escola do século XIX, professores formados no século
XX e alunos nascidos no século XXI. Temos, portanto, uma grande diferença de percursos para diminuir.
Potencializar a leitura é um caminho viável a explorarmos. Para isso, vamos tentar entender melhor a
questão da “multiplicidade”. Franco (2011, p. 42) nos apresenta um fluxo de informações multidimensional
e afirma que o “SAC (sistema adaptativo complexo) de leitura é aberto, novas interações emergem com
a troca de informações dentro do sistema e com o ambiente externo”. Vejamos o fluxo de informação
multidimensional em um sistema de leitura:

30

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 30 28/09/2016 10:53:47


Imagem 15: Fluxograma de informação multifuncional
(FRANCO, 2011, p. 42)

O autor ainda explica que não é possível prever o número de interações nesse sistema, uma vez que
o homem carrega suas próprias experiências e conhecimentos de mundo e irá interagir a partir disso e,

Essa imprevisibilidade acontece porque o conhecimento prévio do leitor faz parte das
condições iniciais do processo de leitura e, se a natureza de informações que ele possui
sobre determinado conteúdo for insuficiente para a leitura de um texto, temos o efeito
borboleta. Um exemplo para a sensibilidade do SAC de leitura às condições iniciais é a
intertextualidade. Se o conhecimento de um texto específico for imprescindível para a
compreensão de outro texto, o sistema poderá sofrer uma alteração inesperada (caos).
Consequentemente, a partir da desordem, o leitor é sensível ao “feedback” e tende a se
adaptar à nova situação, refazendo suas interações com outros elementos (como buscar
pistas textuais, reconhecer características em um determinado gênero textual) para que o
sistema se auto-organize, garantindo o processamento semântico do texto (2011, p. 42).

Abaixo, apresentamos um quadro que analisa, de forma resumida e contrastiva, as abordagens de


leitura (decodificadora, psicolinguística, interacional e complexa), e suas principais características:

Quadro 4: Principais características das abordagens de leitura decodificadora, psicolinguística, interacional


e complexa

Abordagem Abordagem Abordagem Abordagem Complexa


Decodificadora Psicolinguística Interacional
Sistema estrutural Sistema mental Sistema cognitivo e social Sistema adaptativo
Visão de língua(gem)
complexo
Atividade Atividade Atividade perceptiva, cog- Atividade complexa e
Visão de leitura
perceptiva cognitiva nitiva e social dinâmica
Ascendente Descendente Bidirecional (ascendente e Multidimensional
Fluxo de informação
descendente)
Papel do leitor Receptivo Ativo Interativo Dinâmico

31

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 31 28/09/2016 10:53:47


No texto (extraído Na mente do Construído a partir da Emerge a partir da
pelo leitor) leitor (por meio da interação leitor-autor interação do leitor com
Significado ativação do conhe- múltiplos elementos
cimento prévio) presentes dentro e fora
do sistema de leitura
Fonte: (FRANCO, 2011, p. 44)

Sobre a abordagem complexa de leitura, o autor afirma:

Nessa abordagem, reconhecemos as mesmas características de um sistema complexo,


apontadas por Larsen-Freeman (1997). São elas: complexidade, dinamicidade, não-
linearidade, caos, imprevisibilidade, sensibilidade às condições iniciais, abertura, auto-
organização, sensibilidade ao “feedback” e adaptabilidade. Escolher a complexidade
como abordagem de leitura implica ir além da adoção de uma metáfora para representar
uma visão particular de leitura. Sob a perspectiva da complexidade, reconhecemos não
apenas a complexidade da lingua(gem), mas também a do ser humano, representado
pelo leitor, no SAC de leitura. Com o surgimento de novos tipos de texto como os
multimodais, o homem complexifica cada vez mais seu mecanismo de processamento
semântico – por meio da interação com novos assuntos, gêneros textuais, elementos
coesivos etc. – e a si mesmo, em meio a novas experiências de aprendizagem (p.45).

A partir das informações acima procuramos compartilhar com vocês um novo olhar sobre a leitura.
As reflexões suscitadas nos fazem seguir pelo universo múltiplo da leitura pensando tanto em nós como
naqueles que educaremos na escola ou no cotidiano, desejosos de que compreensão leitora se modifique
e avance em sua qualidade. O que as abordagens sobre leitura nos mostram é que cada pessoa traz um
horizonte de expectativas a ser ampliado, o que só se faz possível se forem mostradas muitas alternativas
de estudo e de trabalho com a linguagem, passando de uma leitura mais superficial para uma leitura mais
aprofundada.
Cada abordagem, cada tipo e cada teoria sobre leitura permite que avancemos nessa teia. Decorre
daí a responsabilidade da escola: propiciar aos estudantes inúmeras leituras, de forma lúdica, interessante,
motivadora, em diferentes níveis e sempre em desenvolvimento. A busca constante pela proficiência
em leitura na evolução escolar deve ser um contraponto a um ensino da leitura baseado somente em
avaliações sem reflexões mais substanciais sobre o texto, sem pensá-lo como produto e processo.

2.2 Aspectos cognitivos da leitura

A ciência cognitiva é uma área de atuação interdisciplinar que estuda os processos pelos quais
os leitores aplicam seus conhecimentos prévios (linguísticos, textual, sociolinguístico, pragmático e
enciclopédico) no processo contínuo de entendimento do texto para então produzir inúmeros sentidos,
operando o texto com autonomia e criatividade. Os aspectos que uma leitura comporta, ora são acionados
de forma inconsciente, ora de forma mais consciente. Conhecê-los e dominá-los é fundamental para
construir os sentidos mais diversos que a interação possibilita.
Para Kleiman (2000), as estratégias de leitura podem ser classificadas como estratégias cognitivas
e estratégias metacognitivas. As estratégias cognitivas da leitura são as operações inconscientes do leitor,
aquelas que não chegam ao nível consciente com perspectivas de utilização das mesmas para o alcance
dos objetivos da leitura. É possível considerar que em Condemarin (1994) o próprio ato de decodificação,
que implica em realizar a relação entre palavras impressas e os sons que representam, está no âmbito
das estratégias cognitivas. As estratégias metacognitivas, por sua vez, estão diretamente relacionadas à
metacognição, ou seja, à capacidade do leitor conhecer, de pensar sobre sua atuação, de planejá-la e regular

32

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 32 28/09/2016 10:53:47


a atuação inteligente. Assim, as estratégias metacognitivas são aquelas operações sobre as quais temos
controle, no sentido de podermos dizer quando lemos sem entender um texto e de sabermos a finalidade
da leitura.
Então, por um lado existem as estratégias cognitivas, em nível inconsciente, quando o leitor
automatiza a leitura; por outro, existem as estratégias metacognitivas, em nível mais consciente, quando
o leitor desautomatiza a leitura e passa a perceber e corrigir possíveis falhas na compreensão do que está
lendo, dominando a construção de sentidos. Chegou a hora de averiguar um pouco mais de perto nossos
conhecimentos!

2.2.1 Conhecimento prévio no ato da leitura

Todos nós vamos montando um repertório cultural e linguístico ao longo de nossas vidas. Nossas
experiências e nossas memórias são como o arcabouço do real que produzimos. Por isso, a leitura não é só
a decodificação das palavras, mas a capacidade que todos nós temos de estabelecer relações entre nossos
repertórios e ativá-los em contato com os mecanismos internos dos textos, o que Koch e Elias (2015)
chamam de processamento textual. As autoras explicam que “para termos uma ideia de como ocorre o
processamento textual, basta pensar que, na leitura de um texto, fazemos pequenos cortes que funcionam
como entradas a partir dos quais elaboramos hipóteses de interpretação” (p. 39).
Koch e Elias (2015) afirmam que, para processar os sentidos do texto, recorremos a três grandes
sistemas de conhecimento: 1) o conhecimento linguístico; 2) o conhecimento enciclopédico e; 3) o
conhecimento interacional.
O conhecimento linguístico abrange o conhecimento gramatical e lexical: organização do material
linguístico na superfície textual; uso dos meios coesivos para efetuar a remissão ou sequenciação textual;
seleção lexical adequada ao tema ou aos modelos cognitivos ativados. Vejamos o exemplo abaixo:

Fonte: < www.willtirando.com.br,>

Observamos que, para entender o humor da tira é necessário refletir acerca do sentido da palavra
“recíproco”, algo que a personagem não sabe. A ausência desse conhecimento lexical, pelo leitor, pode
significar a não compreensão do texto.
Já o conhecimento enciclopédico e o conhecimento de mundo refere-se, segundo Koch e Elias
(2015, p. 42) “a conhecimentos gerais sobre o mundo bem como a conhecimentos alusivos a vivências
pessoais e eventos espaço-temporalmente situados, permitindo a produção de sentidos”. Vejamos isso
através do meme abaixo:

33

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 33 28/09/2016 10:53:47


Fonte: <observatoriodatelevisao.bol.uol.com.br 620>
Para entender o humor e o sentido buscados por este gênero digital, é preciso acionar alguns
conhecimentos. Primeiro, compreender que ele foi postado a partir da abertura das Olimpíadas realizadas
no Brasil em 2016, segundo, relacionar a frase da personagem do filme Titanic, “Já faz 84 anos”, à frase
colocada pela autora do meme “Eu assistindo os países passando” a fim de compreender que o tempo de
passagem das delegações é muito grande, o que gera o exagero da internauta.
Por último, o conhecimento interacional, refere-se às formas de interação por meio da linguagem
e engloba os conhecimentos ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e superestrutural. O
conhecimento ilocucional permite-nos reconhecer os objetivos ou propósitos pretendidos pelo
produtor do texto, em dada situação interacional; o conhecimento comunicacional diz respeito à
quantidade de informação necessária, numa situação comunicativa concreta, para que o parceiro seja
capaz de reconstruir o objetivo da produção do texto; também à seleção da variante linguística adequada
a cada situação de interação, assim como à adequação do gênero textual à situação comunicativa. O
conhecimento metacomunicativo “é aquele que permite ao locutor assegurar a compreensão do texto e
conseguir a aceitação pelo parceiro dos objetivos com que é produzido. Para tanto, utiliza-se de vários
tipos de ações linguísticas configuradas no texto por meio da introdução de sinais de articulação ou apoios
textuais, atividades de formulação ou construção textual” (KOCH e ELIAS, 2015, p. 52). Por último, o
conhecimento superestrutural permite a identificação de gêneros textuais como exemplares adequados
aos diversos eventos da vida social.
Na atividade de leitura e produção de sentido, portanto, colocamos em ação várias estratégias por
meio das quais se realiza o processamento textual. Ao lermos, mobilizamos vários tipos de conhecimento
que temos armazenados na memória, o que faz com que cheguemos a uma conclusão lógica: quanto mais
lemos, mais conhecemos e, quanto mais conhecemos, maior a nossa capacidade de leitura.

2.2.2 Objetivos e expectativas de leitura

A perspectiva do trabalho com gêneros discursivos vem atender à demanda de multiletrar os


estudantes, e gera nos professores a responsabilidade de fundamentar seus estudos para que o ensino
escolar se efetive numa proposta eficaz no desenvolvimento das habilidades dos alunos, ajudando-os a
articular os novos conteúdos com aquilo que já dominam e com o que aprendem na interação com os
outros colegas de classe.
Como o texto acaba admitindo múltiplas leituras, cada aluno leitor atribui um significado a ele,
dentro das normas que regulam cada gênero estudado. Assim, o aluno aprende a se movimentar de acordo
com o nível de proficiência leitora aperfeiçoada ao longo dos anos, adquire familiaridade com cada tema
apresentado e sabe tratar o texto de acordo com os objetivos que orientam a atividade.

34

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 34 28/09/2016 10:53:47


Vejamos o que trata o documento “Referencial de expectativas para o desenvolvimento da
competência leitora e escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental” (2006)10, da Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo, sobre a formação leitora na perspectiva dos gêneros.

A formação de um leitor requer diferentes investimentos envolvendo a identificação, discernimento e


compreensão de uma diversidade de gêneros, tipos de textos, suportes textuais, que estão presentes em diferentes
contextos sociais. Os gêneros de textos, por exemplo, cumprem funções sociais específicas: contribuem, de certa
maneira, para a organização de determinados conteúdos e propiciam esquemas de interpretação para o leitor. A
estrutura de um poema é distinta da que está em um conto de fada, em uma carta, em um artigo científico, em
uma reportagem ou um anúncio de jornal. Possibilitar aos estudantes reconhecer e conhecer diferentes gêneros de
textos é tarefa da escola, pois o simples fato dele identificar antecipadamente a estrutura do texto que vai ler – se
uma peça de teatro, se um relato de experimento, se uma notícia – contribui para ativar suas hipóteses para possíveis
conteúdos, em detrimento de outros, e se preparar para ativar estratégias favoráveis a uma leitura mais significativa.
Em uma sala de aula, há, geralmente, estudantes com conhecimentos diferentes sobre a leitura e a escrita,
independentemente de manterem semelhanças quanto à idade ou ao ano escolar. Lidar com essa diversidade é uma
realidade a ser enfrentada por professores de diferentes áreas, que precisam dispor de sensibilidade e instrumentos
para diagnosticar a proficiência leitora e escritora de seus alunos e, no processo de ensino e aprendizagem, escolher
situações didáticas que conciliem os conteúdos específicos das áreas com aqueles que ampliam a formação também
no campo da leitura e da escrita.
Fonte: <http://pt.slideshare.net/AdrianaGalhardi/estratgias-de-leitura-e-escrita>

2.3 Estratégias de leitura

Segundo Isabel Solé (1988)11, as estratégias de leitura são as ferramentas necessárias para o
desenvolvimento da leitura proficiente. Sua utilização permite compreender e interpretar de forma
autônoma os textos lidos e pretende despertar o professor para a importância em desenvolver um trabalho
efetivo no sentido da formação do leitor independente, crítico e reflexivo.
São as diferentes estratégias de leitura que nos levam a decodificar o texto, buscar o que já sabemos
e propor novos entendimentos para a leitura através do confronto e da conformação de ideias. Em uma
compreensão de leitura ideal o leitor encontra e relaciona no texto aspectos vocabulares, sintáticos e
semânticos de forma integrada.
Conforme afirma Solé (1998), uma estratégia poderia ser considerada um procedimento, vista na
literatura especializada e na tradição psicopedagógica como “estratégias de leitura”, “Procedimento, com
frequência chamado também de regra, técnica, método, destreza ou habilidade, é um conjunto de ações
ordenadas e finalizadas dirigidas à consecução de uma meta” (COLL, 1987 apud SOLÉ, 1998, p.68)
As estratégias usadas na compreensão de um texto constituem um conjunto de ações mentais
desenvolvidas pelo leitor para a construção de um sentido. As estratégias de leitura fazem parte do
processo cognitivo da leitura, e constituem as operações mentais que o leitor realiza (na maioria das vezes
instintivamente) na interação com o texto para construir o sentido. Vamos conhecer um pouco mais sobre
as estratégias?

2.3.1 O que são estratégias de leitura?

Nesse tópico, faremos a leitura de trechos do artigo “Ensino de estratégias de leitura” (2004, p.105-
106) , de Lucicleide Maria de Cantalice.
12

10
Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental. São Paulo:
SME/DOT, 2006. <http://pt.slideshare.net/AdrianaGalhardi/estratgias-de-leitura-e-escrita>. Último acesso em 09 de setembro de 2016.
11
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998
12
CANTALICE, Lucicleide Maria de. “Ensino de estratégias de leitura”. Campinas: Universidade de São Francisco, 2004. Psicologia Esco-
lar e Educacional vol. 8 no.1 Campinas. On-line version (ISSN 2175-3539)

35

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 35 28/09/2016 10:53:47


Segundo a autora, as estratégias de leitura são

são técnicas ou métodos que os leitores usam para adquirir a informação, ou ainda
procedimentos ou atividades escolhidas para facilitar o processo de compreensão
em leitura. São planos flexíveis adaptados às diferentes situações que variam de
acordo com o texto a ser lido e a abordagem elaborada previamente pelo leitor
para facilitar a sua compreensão (Duffy & cols., 1987; Brown, 1994; Pellegrini,
1996; Kopke, 2001).
Duke e Pearson (2002) identificaram seis tipos de estratégias de leitura que as
pesquisas realizadas têm sugerido como auxiliares no processo de compreensão,
a saber: predição, pensar em voz alta, estrutura do texto, representação visual do
texto, resumo e questionamento (CANTALICE, 2004, p. 105).

Além disso, a autora nos explica que a utilização de estratégias de leitura compreende três momentos:
o antes, o durante e o após a leitura. Para facilitar o entendimento do que ela expôs, montamos os quadros
abaixo:

Quadro 5: Auxiliares no processo de compreensão

Predição implica em antecipar, prever fatos ou conteúdos do texto utilizando o conhecimento já existente
para facilitar a compreensão.
Pensar em voz alta é quando o leitor verbaliza seu pensamento enquanto lê. Tem sido demonstrado melhora na
compreensão dos alunos quando eles mesmos se dedicam a esta prática durante a leitura e também
quando professores usam rotineiramente esta mesma estratégia durante suas aulas.
A análise da estrutura auxilia os alunos a aprenderem a usar as características dos textos, como cenário, problema,
textual meta, ação, resultados, resolução e tema, como um procedimento auxiliar para compreensão e
recordação do conteúdo lido.
A representação auxilia leitores a entenderem, organizarem e lembrarem algumas das muitas palavras lidas quando
visual do texto formam uma imagem mental do conteúdo.
Resumir as informações do texto facilita a compreensão global do texto, pois implica na seleção e destaque
das informações mais relevantes do texto.
Questionar o texto auxilia no entendimento do conteúdo da leitura, uma vez que permite ao leitor refletir
sobre o mesmo. Pesquisas indicam também que a compreensão global da leitura é melhor quando
alunos aprendem a elaborar questões sobre o texto.
(CANTALICE, 2004, p. 105)

Quadro 6: Momentos que comprendem a leitura

Na pré-leitura análise global do texto (do título, dos tópicos e das figuras/gráficos), predições e também o
uso do conhecimento prévio.
Durante a leitura compreensão da mensagem passada pelo texto, uma seleção das informações relevantes, uma
relação entre as informações apresentadas no texto e uma análise das predições feitas antes
da leitura, para confirmá-las ou refutá-las.
Depois da leitura análise com o objetivo de rever e refletir sobre o conteúdo lido, ou seja, a importância da
leitura, o significado da mensagem, a aplicação para solucionar problemas e a verificação
de diferentes perspectivas apresentadas para o tema. Também é realizada uma discussão da
leitura, com expressão e comunicação do conteúdo lido após análise e reflexão, seguida de
um resumo e de uma releitura do texto (Kopke, 1997; Duke & Pearson, 2002).
(CANTALICE, 2004, p. 106)

36

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 36 28/09/2016 10:53:47


Da mesma forma, segundo Solé (1998) existem estratégias de facilitação da compreensão leitora
que poderão ser invocadas nas três etapas da leitura:
1) antes, permitindo situar o leitor diante da leitura, instigando-o a assumir papel ativo no processo;
2) durante, permitindo construir uma interpretação que auxilie na resolução de problemas;
3) e depois da leitura, predispondo-se a unificar as etapas anteriores de forma concreta.
Voltemos ao documento “Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência
leitora e escritora no Ciclo II do Ensino Fundamental”, da Secretaria Municipal de Educação de São
Paulo, sobre a formação leitora na perspectiva dos gêneros, já mencionado anteriormente. Elencamos
algumas habilidades de leitura expostas nele no quadro abaixo.

Quadro 7: Habilidades de Leitura


HABILIDADES DE LEITURA
ANTES DURANTE DEPOIS
Confirmação ou retificação das
Levantamento do conhecimento prévio
antecipações ou expectativas de sentido
sobre o assunto
criadas antes ou durante a leitura
Localização ou construção do tema ou da
Expectativas em função do suporte Construção de síntese
ideia principal
semântica do texto
Esclarecimento de palavras desconhecidas
Expectativas em função dos textos da
a partir de inferência ou consulta ao
capa, quarta-capa, orelha, etc.
dicionário

Expectativas em função da formatação


Identificação de palavras-chave para a
do gênero (divisão em colunas, Troca de impressões a
determinação dos conceitos veiculados
segmentação do texto...). respeito dos textos lidos,
fornecendo indicações
para sustentação de
Busca de informações complementares sua leitura e acolhendo
Expectativas em função do autor ou em textos de apoio subordinados ao outras posições.
instituição responsável pela publicação texto principal ou por meio de consulta a
enciclopédias, internet e outras fontes.
Antecipação do tema ou ideia principal a
Identificação das pistas linguísticas
partir dos elementos paratextuais, como
responsáveis pela continuidade temática ou
título, subtítulos, epígrafes, prefácios,
pela progressão temática Utilização, em função
sumários.
Utilização das pistas linguísticas para da leitura, do registro
Antecipação do tema ou ideia principal
compreender a hierarquização das escrito para melhor
a partir do exame de imagens ou de
proposições, sintetizando o conteúdo do
saliências gráficas. compreensão.
texto

Construção do sentido global do texto


Explicitação das expectativas de leitura a
Identificação das pistas linguísticas
partir da análise dos índices anteriores
responsáveis por introduzir no texto a
posição do autor
Identificação do leitor-virtual a partir das Avaliação crítica do
pistas linguísticas texto
Definição dos objetivos de leitura. Identificar referências a outros textos,
buscando informações adicionais se
necessário.
Fonte: <http://pt.slideshare.net/AdrianaGalhardi/estratgias-de-leitura-e-escrita>

37

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 37 28/09/2016 10:53:47


2.3.2 O ensino de estratégias para a compreensão do texto

As estratégias de leitura devem ser ensinadas desde as primeiras séries do ensino fundamental, uma
vez que os alunos vão vencendo suas dificuldades a cada etapa em busca de um resultado escolar cada vez
mais satisfatório. O domínio das estratégias de leitura ajuda o aluno a ter novas perspectivas para a leitura,
potencializando-a gradativamente.
O professor, por sua vez, exerce um papel fundamental nesse processo ao longo dos ciclos. Ao
dominar os modelos e os procedimentos e ajudar os alunos em cada etapa, os professores propiciam uma
aprendizagem em leitura que favorece um desempenho cada vez melhor.
Não podemos dizer que o professor aplica estratégias de leitura. Elas são, na verdade, construídas
pelos leitores, embora possam ser estimuladas por meio de atividades desafiadoras.
Ao professor, cabe o papel de mediador e criador de situações de ensino que Solé (1998) concebe
como processos de construção conjunta, nos quais se estabelece uma “participação guiada” (ROGOFF,
1984, apud SOLÉ, 1998, p.76) exemplificada pela descrição do processo de “andaimes”.
Ainda no artigo citado anteriormente, “Ensino de estratégias de leitura”, Lucicleide Maria de
Cantalice apresenta algumas estratégias que os professores podem ensinar. Dentre elas:

• focar a atenção dos alunos nas idéias principais;


• perguntar aos alunos questões sobre seu entendimento para ajudá-lo a monitorar sua
compreensão;
• relacionar o conhecimento prévio dos alunos com nova informação;
• questionar e designar feedback para ajudar os alunos a aplicarem técnicas e estratégias de
estudo apropriadas;
• treinar os alunos a usarem essas estratégias e técnicas de maneira mais efetiva;
• utilizar reforços positivos verbais e de escrita com os alunos que apresentam baixa compreensão;
• fazer questões aos alunos para ajudar a reconhecer a contradição entre o que ele realmente
conhece e o que ele pensou conhecer, mas não conhece;
• considerarem a variedade dos textos estruturados na preparação dos textos para alunos e
plano de aula.
[...]

Os professores também devem observar as etapas que podem compor uma instrução, como
esse exemplo em 4 etapas:
Na primeira - O quê - o professor informa os tipos de estratégia de leitura que podem ser
usadas.
Na segunda etapa - Por quê - o professor diz ao aluno porquê a estratégia de compreensão é
importante e como a aquisição pode ajudar a tornar-se um leitor melhor.
A terceira etapa - Como - envolve a instrução direta da estratégia. Ela pode envolver explanação
verbal, modelo ou pensar em voz alta.
E a quarta etapa - Quando - envolve a comunicação de quando a estratégia deve ser usada ou
não, e como evoluir e corrigir seu uso (CANTALICE, 2004, p. 106).

Continuamente, na vida escolar, os professores usarão estratégias como auxiliares no processo de


compreensão da leitura. A autora ainda pontua:

Outra forma é ensinar estratégias específicas, como fez Song (1998) em seu estudo. O
professor de uma classe de leitura de língua estrangeira de uma universidade ensinava a
resumir, questionar, esclarecer e predizer. Os estudantes, por sua vez, recebiam um guia
prático no qual pontuavam quando eram capazes de utilizá-las sozinhos. O resultado

38

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 38 28/09/2016 10:53:47


desse trabalho indicou que o treino de estratégias foi eficaz para o aprimoramento da
leitura, e que a eficácia variou com a proficiência em leitura inicial do sujeito. Além disso,
foi possível identificar melhora no desempenho geral em leitura dos alunos.
Várias pesquisas sobre o ensino das estratégias de leitura têm constatado que essa é
uma ação eficaz para não somente para alunos com dificuldade em compreensão, mas
também para os leitores hábeis (Song, 1998; Magliano, Trabasso & Graesser,1999;
Rhoder, 2002; Ferreira & Dias; 2002). Cabe destacar que o psicólogo escolar pode ser
responsável por avaliar e assessorar os professores para a realização dessa atividade de
ensino (2004, p. 106)

Como podemos constatar, conhecer estratégias de leitura e aplicá-las bem torna o processo ainda
mais proveitoso, ajudando o aluno a ativar gradativamente as etapas de desenvolvimento cognitivo da
leitura. Por fim, poderemos comemorar um avanço no domínio e na aplicação de uma leitura criativa e
enriquecedora, potente e viva.

2.4 Atividades de Aprendizagem

ATIVIDADE 1:

Vamos conhecer um pouco sobre “a técnica do Cloze”? Abaixo temos um fragmento de Vilson
Leffa (1996) para iniciarmos nossa pesquisa.

A técnica do cloze consiste, basicamente, em lacunar um texto a partir da terceira ou quarta linha na proporção
de uma palavra apagada para cada cinco palavras do texto e em pedir ao leitor que recupere as palavras retiradas.
A técnica foi criada por um jornalista norte-americano (Taylor, 1953), com a finalidade de medir a inteligibilidade
(readability) do texto. Logo se descobriu que o cloze não media apenas a inteligibilidade do texto mas era também
um instrumento válido e confiável para medir a proficiência de leitura; a variação de acertos no teste discriminam
fidedignamente o leitor fluente do leitor fraco. No fim da década de 60, viu-se também que o cloze era capaz de
medir não apenas a competência de leitura mas também a competência lingüística geral do indivíduo. Finalmente, o
cloze tem sido apresentado como um instrumento de ensino de leitura, capaz de desenvolver no leitor a percepção
de aspectos importantes do texto.
[...]
A técnica do cloze (lacunamento de um texto para ser recuperado pelo leitor) tem sido usada não só para
medir a inteligibilidade do texto, mas também a proficiência de leitura, a competência lingüística e até para o ensino
da leitura.
[...]
A técnica do cloze pode, portanto, variar na sua elaboração, quer se adote um lacunamento rígido (cada
quinta palavra) ou racional (apagando uma palavra entre a quinta e a nona). A variação também pode ocorrer na
correção, quer se use o método de palavra exata, da palavra aceitável ou uma escala de aceitabilidade. Esses diferentes
métodos podem também ser combinados entre si (ex.: uma técnica de lacunamento racional na elaboração com
uma escala de aceitabilidade na correção). Em todos os casos, porém, o texto original, a não ser pelo lacunamento,
permanece intacto.
[...]
Uma outra possibilidade é substituir a lacuna por uma palavra sem sentido. O sujeito é então solicitado a ler
o texto com essas palavras, definir um significado dentro do contexto e explicar como chegou ao significado.
O cloze tem sido uma das técnicas mais usadas na pesquisa da leitura. Usado no início apenas para medir a
inteligibilidade do texto, suas aplicações foram se estendendo até incluir medições de competência em leitura e
descrição das estratégias usadas pelo leitor.
(LEFFA, Vilson J. “A técnica do Cloze”. In LEFFA, J. Vilson. Aspectos da leitura: Uma perspectiva
psicolingüística. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto. 1996. p. 70-75.)
Fonte: <http://www.ufrgs.br/textecc/traducao/teorias/files/aspectos_leitura.pdf >

39

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 39 28/09/2016 10:53:47


ATIVIDADE 2:

Abaixo temos um exemplo da técnica de Cloze. Para resolver a atividade, você deve descobrir a
que palavras da língua portuguesa as palavras sublinhadas se referem. Faça uma leitura silenciosa do texto
Pocó (adaptado para uso em sala de aula). Depois, seguindo as pistas intratextuais (as relações linguísticas
estabelecidas dentro do texto) e as pistas extratextuais (seu conhecimento de mundo), troque as palavras
em negrito por outras realmente existentes em nossa língua portuguesa.

Pocó

Honrado Senhor Diretor da Sossaca Pocoquítica:


Quem vos escreve é um desses desagradáveis sujeitos chamados cadabes; e do tipo mais baixo: dos
que atingiram essa qualidade depois de uma longa espera na fila.
Não venho, senhor, reclamar nenhum direito. Li vosso Regulamento e sei que não tenho direito a
coisa alguma, a não ser a pagar a dula. Esse Regulamento, impresso na página 1 de vossa interessante Lista
(que é meu livro de cabeceira), é mesmo uma leitura interessante que recomendo a todas as almas cristãs
que tenham, entretanto, alguma propensão para orgulho e soberba. Ele nos ensina a ser humildes; ele nos
mostra quanto nós, cadabes, somos desprezíveis e fracos.
Aconteceu por exemplo, senhor, que outro dia um velho amigo deu-me o prazer de me fazer
uma visita. Tomamos uma modesta cerveja e falamos coisas antigas – mulheres que brilharam outrora,
madrugadas dantanho, flores doutras primaveras. Ia a conversa quente e cordial ainda que algo melancólica,
tal soem ser as pérolas vadias de cumpinchas velhos – quando o pocó lageu. Atendi. Era alguém que
queria siar ao meu amigo. Um assinante mais leviano teria chamado o amigo para siar. Sou, entretanto,
um severo respeitador do Regulamento; em vista do quê comuniquei ao meu amigo que alguém queria lhe
siar, o que infelizmente eu não podia permitir; estava, entretanto, disposto a tomar e transmitir qualquer
recado. Irritou-se o amigo, crose fiquei inflexível, mostrando-lhe o mospe 2 do Regulamento, segundo
o qual o licitó instalado em minha casa só pode ser usado “pelo cadabe, pessoas de sua família, seus
representantes ou empregados”.
Devo dizer que perdi o amigo, crose salvei o respeito ao Regulamento; dura lex sed lex; eu sou
assim. Sei também (mospe 4) que se minha casa pegar fogo terei de vos pagar o valor do licitó – mesmo
se esse incêndio (mospe 9) for motivado por algum circuito organizado pelo empregado da Sossaca com o
material da Sossaca. Sei finalmente (mospe 11) que se, exausto de pococar do botequim da esquina a essa
distinta Sossaca para dizer que meu licitó não funciona, eu vos chamar e vos disser, com lealdade e com as
únicas expressões adequadas, o meu pensamento, ficarei eternamente sem pocó, pois “o uso de linguagem
obscena constituirá motivo suficiente para a Sossaca desligar e retirar o licitó”.
Enfim, senhor, eu sei tudo; que não tenho direito a nada, que não valho nada, não sou nada. Há
dois dias meu pocó não sia, nem ouve, nem toca, nem tuge, nem muge. Isso me trouxe, é certo, um certo
sossego ao lar. Porém amo, senhor, a voz humana; sou uma dessas criaturas tristes e sonhadoras que
passam a vida esperando que de repente a Rita Hayworth me pocoque para dizer que o Ali Khan morreu
e ela está ansiosa para gastar com o velho Braga o dinheiro de sua herança, pois me acha muito simpático
e insinuante, e confessa que em Paris muitas vezes se escondeu em uma loja defronte do meu hotel só
para me ver entrar ou sair.
Confesso que não acho coisa tão provável: o Ali Khan ainda é moço e Rita não tem o meu número.
Mas é sempre doloroso pensar que se tal coisa acontecesse eu jamais saberia – porque meu licitó não
funciona. Pensai nisso, senhor: pensai em todo potencial tremendo de perspectivas azuis que morre diante
de um pocó que dá sempre zilu de ocupado – cuém, cuém, cuém – quando na verdade está quedo e mudo
na minha modesta sala de jantar. Falar nisso, vou comer; são horas. Vou comer contemplando tristemente

40

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 40 28/09/2016 10:53:47


o licitó silencioso, essa esfinge de matéria plástica; é na verdade algo que supera o rádio e a televisão, pois
transmite não sons nem imagens, mas sonhos errantes no ar.
Mas batem à porta. Levanto o escuro garfo do magro bife e abro. Céus, é um empregado da
Sossaca! Estremeço de emoção. Mas ele me estende um papel: é apenas um cobrador. Volto ao bife, curvo
a cabeça, mastigo devagar, como se estivesse mastigando meus pensamentos, a longa tristeza de minha
humilde vida, as decepções e remorsos. O pocó continuará mudo; não importa: ao menos é certo, senhor,
que não vos esquecestes de mim.

Crônica de Rubem Braga


(Texto adaptado para uso em sala de aula – NELM/UFC, 1999)

2.5 Síntese

Em nossa sociedade centrada na escrita, ler é uma habilidade imprescindível para agirmos de forma
crítica e criativa no mundo que nos cerca. Tanto a escola pode e deve nos capacitar para que dominemos
cada vez mais os processos de construção do texto, como deve nos apresentar novas estratégias e modos
de construir sentidos para a leitura que se configura em sua dinâmica complexidade.
Também a sociedade deve se empenhar em construir um país leitor em que os sujeitos possam
desenvolver sua autonomia e seu engajamento ao refletir e questionar sobre os fatos de seu cotidiano,
construindo uma visão de mundo atenta às múltiplas atividades culturais, científicas, tecnológicas que
nos cercam. A leitura salta dos bancos escolares e simultaneamente ocupa os espaços da nossa vida, seja
através dos textos verbais ou visuais. Conhecer estratégias para melhor compreendê-la é um exercício para
ser feito prazerosamente ao longo de nossa vida.

2.6 Aprofundando o conhecimento

Para obter mais informações sobre os assuntos citados, pode-se ler o artigo “A compreensão leitora
e o processo inferencial em turmas do nono ano do Ensino Fundamental” , dos professores Francisco
Jailson Dantas de Oliveira e Maria Inez Matoso Silveira (2014, p. 91-104). Trata-se de um estudo realizado
em escolas públicas e particulares em Alagoas medindo a compreensão leitora dos alunos, considerando
uma abordagem cognitiva. Esse trabalho levou em conta os conhecimentos prévios dos leitores essenciais
para o processo inferencial e, consequentemente, a compreensão leitora, medida por um questionário
perfil, um teste de compreensão com questões de múltipla escolha, um questionário pós-teste e um cloze.
Ele aborda questões relativas a estratégias de leitura, explicitando os testes e analisando a sua aplicação.

2.7 Exercícios de aplicação

EXERCÍCIO 1:

Essa é uma atividade de predição. Nela você é convidado a conhecer e analisar a letra da música
“Convoque seu buda”, do rapper Criolo. Para melhor aproveitamento, siga os passos indicados a seguir:
• Pesquise informações sobre o rapper Criolo nos sites sugeridos abaixo;
• Analise o título da canção a partir dos seus conhecimentos de mundo, imagine os conteúdos que
serão abordados e anote-os em seu caderno;
• Leia a letra da música, sublinhe as palavras que mais te chamam a atenção, procure as ideias
principais e anote-as em seu caderno;
• Socialize suas ideias com a turma, através de um debate sobre as ideias principais de cada aluno
acerca da leitura;

41

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 41 28/09/2016 10:53:47


• Após o debate, volte às anotações feitas na etapa 2 e confirme as antecipações feitas por você;
• Reescreva o texto do seu jeito, da forma que você considerar mais expressiva.
Sugestão de sites para a pesquisa: <http://www.itaucultural.org.br/materiacontinuum/abril-maio-
criolo-vira-o-jogo>/; <http://revistacult.uol.com.br/home/2013/09/o-pensar-musicado-de-criolo/>.

Convoque Seu Buda

Convoque seu Buda!


O clima tá tenso
Mandaram avisar que vão torrar o centro
Já diz o ditado, apressado come cru
Aqui não é GTA, é pior, é Grajaú
Sem pedigree, bem loco
Machado de Xangô fazer honrar seu choro
De UZI na mão, soldado do morro
Sem alma, sem perdão
Sem Jão, sem apavoro
Cidade podre, solidão é um veneno
O Umbral quer mais Chandon, heróis crack no centro
Na tribo da folha favela desenvolvendo
No Jutso secreto Naruto é só um desenho
Uns cara que cola pra ver se cata mina
Umas mina que cola e atrapalha ativista
Mudar o mundo do sofá da sala, postar no Insta
E se a maconha for da boa que se foda a ideologia
Nin Jitsu, Oxalá, capoeira, jiu jitsu
Shiva, Ganesh, Zé Pilin dai equilíbrio
Ao trabalhador que corre atrás do pão
É humilhação demais que não cabe nesse refrão
Nin Jitsu, Oxalá, capoeira, jiu jitsu
Shiva, Ganesh, Zé Pilin dai equilíbrio
Ao trabalhador que corre atrás do pão
É humilhação demais que não cabe nesse refrão
E se não resistir e desocupar
Entregar tudo pra ele então, o que será?
E se não resistir e desocupar
Entregar tudo pra ele então, o que será?
Sonho em corrosão, migalhas são
Como assim bala perdida? O corpo caiu no chão!
Num trago pra morte cirrose de depressão
Se o pensamento nasce livre aqui ele não é não
Sem culpa católica, sem energia eólica
A morte rasga o véu, é o fel vem na retórica
Depressão é a peste entre os meus
Plano perfeito pra vender mais carros teus
A beleza de um povo, a favela não sucumbi
Meu lado África, aflorar, me redimir
O anjo do mal alicia o menininho
Toda noite alguém morre
Preto ou pobre por aqui
Nin Jitsu, Oxalá, capoeira, jiu jitsu
Shiva, Ganesh, Zé Pilin dai equilíbrio

42

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 42 28/09/2016 10:53:47


Ao trabalhador que corre atrás do pão
É humilhação demais que não cabe nesse refrão
Nin Jitsu, Oxalá, capoeira, jiu jitsu
Shiva, Ganesh, Zé Pilin dai equilíbrio
Ao trabalhador que corre atrás do pão
É humilhação demais que não cabe nesse refrão
E se não resistir e desocupar
Entregar tudo pra ele então, o que será?
E se não resistir e desocupar
Entregar tudo pra ele então, o que será?

EXERCÍCIO 2:

Nesta questão está em foco a intertextualidade. A atividade deve ser feita em grupo. Para ativar seus
conhecimentos, deverão ser feitas duas leituras comparativas: uma do fragmento “Circuladô de Fulô”
(TEXTO 1), extraído do livro Galáxias, do poeta Haroldo de Campos e outra da letra da música “Circuladô
de Fulô” (TEXTO 2), composta por Caetano Veloso. Para melhor aproveitamento da atividade, siga as
etapas abaixo:

1. Leitura em grupo do primeiro fragmento. Cada aluno deve ler uma linha do texto sem perder o
movimento da leitura.
2. Discuta com o grupo as principais dificuldades encontradas. Analise se a falta de pontuação
convencional interferiu na análise das ideias.
3. Sublinhe em grupo as palavras-chave encontradas pela turma. Descubra, a partir delas, qual cena
o poeta descreve (encontre o ambiente e o cenário em que se passa a narrativa, quais são os atores).
4. Reflita em grupo que crítica social o autor quer apontar.
5. Escute a música Circuladô de Fulô (que foi escrita por Caetano Veloso após a leitura do fragmento
feita por Haroldo de Campos quando Caetano Veloso estava exilado) e debata com seus colegas em que
pontos do fragmento Caetano focou a releitura.

Haroldo de Campos, capa do livro e capa do cd “Galáxias”


Fonte: <https://acasadevidro.com/2015/05/27/haroldo-de-campos-1929-2003-isto-nao-e-um-livro-de-viagem-16-fragmentos-de-
galaxias-album-completo-pra-ouvir-e-baixar/>

43

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 43 28/09/2016 10:53:47


TEXTO 1: Circuladô de Fulô (PDF) Circuladô de fulo
E ainda quem falta me dá
TEXTO 2
E não peça que eu te guie
Não peça
Circuladô de fulo Despeça que eu te guie
Desguie que eu te peça
Ao deus ao demo dará Promessa que eu te fie
Que deus te guie porque eu não posso guiá Me deixe
É viva quem já me deu Me esqueça
Circuladô de fulo Me largue
E ainda quem falta me dá Me desamargue que no fim eu acerto
Que no fim eu reverto
Soando como um shamisen Que no fim eu conserto
E feito apenas com um arame tenso um cabo e uma E para o fim me reservo
lata velha num fim de festa feira no pino do sol a E se verá que estou certo
pino E se verá que tem jeito
Mas para outros não existia aquela música não E se verá que está feito
podia porque não podia popular Que pelo torto fiz direito
Aquela música se não canta não é popular Que quem faz cesto faz cento
Se não afina não tintina não tarantina Se não guio não lamento
Pois o mestre que me ensinou já não dá ensinamento
E no entanto puxada na tripa da miséria
Na tripa tensa da mais megera miséria física... Circuladô de fulo
E doendo doendo Ao deus ao demo dará
Como um prego na palma da mão Que deus te guie porque eu não posso guiá
Um ferrugem prego cego na palma espalma da mão É viva quem já me deu
Coração exposto como um nervo tenso retenso Circuladô de fulo
um renegro prego cego durando na palma polpa E ainda quem falta me dá
da mão ao sol

Circuladô de fulo
Ao deus ao demo dará
Que deus te guie porque eu não posso guiá
É viva quem já me deu
Circuladô de fulo
E ainda quem falta me dá

O povo é o inventalínguas na malícia da maestria


no matreiro
Da maravilha no visgo do improviso tenteando a
travessia azeitava o eixo do sol

Circuladô de fulo
Circuladô de fulo
Ao deus ao demo dará
Que deus te guie porque eu não posso guiá
É viva quem já me deu

44

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 44 28/09/2016 10:53:47


2.8 Questão para reflexão:

Leia um trecho da sinopse do livro Pensar a Leitura: Complexidade, de Eliana Yunes (2002) , escrita
por Terezinha Mendonça e reflita sobre a parte negritada.

Falar de leitura num país que tem, ainda hoje, milhões de analfabetos é, no mínimo, um imperativo. A
possibilidade de leitura pode estar, no entanto, inscrita num universo que se deixa entrever para além do texto
escrito, ao alcance mesmo daqueles que não aprenderam a articular o alfabeto. A ideia de leitura com a qual os
organizadores deste livro se comprometeram, de forma intensa e apaixonada, não se reduz à decifração de uma
sintaxe alfabética encerrada e aprisionada nos limites léxicos de um texto escrito. Muito mais do que isto, ler é
inventar e reinventar o mundo, é tecer as diferentes manifestações culturais que jorram das pessoas comuns, não
letradas, não inseridas na comunidade intelectual e construir com elas suas várias interpretações de mundo.
Fonte: <http://www.caleidoscopio.art.br/bartolomeuqueiros/antologia06_sinopse.htm>

2.9 Leituras indicadas

1. Artigo “Diagnóstico e intervenção pelo cloze” (2010), de Gisele de Fátima Spineli, apresentando
o livro Cloze: Um instrumento de Diagnóstico e Intervenção. A leitura do artigo revela como o livro se
estrutura e aponta a importância de conhecermos mais detalhadamente essa técnica.

Santos, A. A. A., Boruchovitch, E. & Oliveira, K. L. Cloze:


Um instrumento de Diagnóstico e Intervenção. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2009.

2. O livro aborda o uso das novas tecnologias no ensino-aprendizagem da leitura. Apresenta uma
atualização de teorias, propõe uma mudança de pensamento, reflete sobre o uso das novas tecnologias,
principalmente integrando a aquisição da língua materna com o aprendizado de português como língua
estrangeira.

TAVARES, Kátia Cristina do Amaral; BECHER-COSTA,


Sílvia B. A.; FRANCO, Claudio de Paiva (org.). Ensino de
Leitura: fundamentos, práticas e reflexões para professores da
era digital. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2011.
(Livro eletrônico - Modo de acesso: www.lingnet.pro.br)

2.10 Site indicado

Fronteiras do Pensamento: é um site que disponibiliza conferências e publicações sobre os temas


mais variados de nosso tempo com convidados renomados. O curador das conferências em 2016, Fernando

45

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 45 28/09/2016 10:53:48


Schüler, explica: “O Fronteiras do Pensamento terá, em 2016, um sentido indisfarçavelmente otimista.
A visão do mundo como ‘potência’. Do Brasil que, indiscutivelmente, precisa de uma grande virada. Do
plano por vezes misterioso de nossa própria vida. Cada um de nós. Nossas pequenas revoluções. Nossa
disposição de migrar. De arriscar um pouco mais em um mundo que percebemos mais excitante, mais
pleno de informação e de oportunidades”. Para conhecer o site, acesse: <http://www.fronteiras.com/
noticias/fronteiras-do-pensamento-lanca-temporada-2016>.

46

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 46 28/09/2016 10:53:48


Unidade III – Gêneros textuais em práticas de letramento e multiletramentos

Nesta terceira unidade, iremos discutir acerca da prática de ensino da leitura. Para tanto, retomaremos
questões relativas aos gêneros textuais como objeto de leitura e das aulas de língua portuguesa, bem como
os conceitos de letramento e multiletramentos.

3.1 Ressignificando a aula de leitura a partir dos gêneros textuais


Para começar, passemos à leitura dos textos a seguir:
Anúncio 1: Police

Fonte:< http://br.adforum.com/creative-work/ad/player/34526544 >

Anúncio 2: Ebola

Fonte:< http://www.adeevee.com/2016/05/banco-de-olhos-hospital-sao-paulo-ebola>

Observe que nos anúncios há a seguinte inscrição “É horrível ver isso. É horrível não poder ver
isso. Doe visão. Doe córneas”. Para a construção desses dois anúncios, que fazem parte de uma mesma
campanha publicitária, são acionadas mais de uma modalidade de linguagem e não podemos completar

47

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 47 28/09/2016 10:53:48


o sentido sem relacionarmos linguagem verbal e linguagem visual. Ainda para compreender o texto,
precisamos refletir acerca do seu propósito - como anúncios, buscam o convencimento do leitor e isso
se faz por uma estratégia específica: o choque, o impacto da imagem que nos causa empatia, indignação,
solidariedade, o que se repete nos dois.
Nesse sentido, no anúncio 1, vemos a imagem do homem agarrado ao seu filho, tentando continuar
e sendo barrado por escudos segurados por policias. Aliado a isso, as palavras de apelo, que, como marca
própria do anúncio, utilizam verbos no imperativo, em sequências injuntivas que acionam o leitor: “Doe”.
O efeito de sentido produzido é gerado pela composição do texto (imagens, frases afirmativas e declarativas,
informações acerca daqueles que produzem a campanha), pelo estilo utilizado (modalidades de linguagem
e uso de verbos no imperativo), pela finalidade a que se propõe e pelo conteúdo que veicula. Todos esses
elementos são importantes para que entendamos que, se dói ver o que estamos vendo, imagine a dor de
não poder ver o que acontece nos dois anúncios. Dessa forma, a campanha em favor da doação de órgãos
do Banco de Olhos do Hospital de São Paulo busca cumprir o seu papel a partir do sentido que promove
junto ao leitor, em um processo interacional.
Para esclarecer o conteúdo temático, ainda falta compreender o contexto das fotografias utilizadas,
conhecimento prévio necessário: a fotografia do anúncio 1 retrata a crise migratória da Macedônia. Em
agosto de 2015, um dia depois de a Macedônia fechar suas fronteiras aos imigrantes, após ter declarado
estado de emergência, os que tentavam entrar naquele país tiveram que enfrentar os guardas que cumpriam
as ordens de impedi-los. A foto feita por Darko Vojinovic, da Associated Press, capturou a expressão de
desespero do jovem pai. Já a fotografia do anúncio 2 apresenta profissionais da saúde que carregam
menino que pode estar com ebola. Em julho de 2015, a epidemia de ebola matou mais de 11 mil pessoas
no Oeste da África, cerca de um terço delas em Serra Leoa. A fotografia foi feita por Daniel Berehulak,
do Reuters, em Serra Leoa, e captura o momento em que uma criança é carregada sem qualquer cuidado,
vista apenas como a que porta a doença e, por isso, parece desprovida da sua humanidade.
Há, nesses textos, uma materialidade que resulta do discurso e este, por sua vez, se processa nesta
materialidade. Como temos o mesmo gênero textual, percebemos uma série de semelhanças, as quais já
foram analisadas anteriormente. Portanto, o processo comunicativo possível acontece em forma de texto.
Lembramos aqui o que Bakhtin (2006, p. 261) afirma:

o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos,


proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana. Esses enunciados
refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não por seu conteúdo
(temático) e pelo estilo de linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional.

Com efeito, se o emprego da língua efetua-se através de enunciados e estes são textos, é preciso,
para ler, compreender os gêneros textuais e suas propriedades. Desde o surgimento dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997), os gêneros já aparecem como referência para o ensino de língua, o que traz
implicações para o professor, que são claramente pontuadas por Antunes (2010, p. 57-59)13:
1) Os textos, orais e escritos – suas regularidades, suas normas, suas convenções e ocorrências –
passariam a ser objeto de ensino das aulas de língua, como o eixo de um programa. Observemos um
exemplo no quadro a seguir:

13
Os itens a seguir partem das afirmações apresentadas por Irandé Antunes, no livro Análise de Textos: fundamentos e práticas (2010), com
algumas adaptações e exemplificações nossas.

48

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 48 28/09/2016 10:53:48


Quadro 7: O gênero como eixo de um programa de ensino
Gênero Histórias em quadrinhos
Leitura e interpretação das HQs, compreendendo: organização da história em
quadros apresentados em sequência; uso de balões, onomatopeias, legendas e outros
Atividades de recursos gráficos; predominância do tipo narrativo e da presença de diálogos, além
leitura da utilização de marcas conversacionais; uso de personagens fixos ou não, bem como
exploração de conhecimentos prévios; análise do veículo de comunicação e relações
intertextuais acionadas.
Produção oral e Produção ou recontagem através dos quadrinhos, utilizando as propriedades
escrita aprendidas.
Análise e Aprofundamento das noções de discurso direto e indireto, bem como uso da
sistematização da pontuação; explicitação de elementos que contextualizam a história: título, autor,
língua editora, local e ano de publicação.

2) Os textos assumiriam sua feição concreta, particular, de realização típica, uma vez que seriam
identificados como sendo, cada um de determinado gênero, e serviriam de base tanto para a prática
da leitura, quanto para a prática da escrita. Com o estudo dos gêneros, as dificuldades de produção
e de recepção seriam atenuadas e progressivamente superadas. Familiarizar-se com a diversidade dos
gêneros faria os leitores perceberem e internalizarem as regularidades típicas dos gêneros, além de criar
possibilidade de transformar ou criar novos. Nesse sentido, podemos entender que o nome do gênero,
seja oral ou escrito, em muitas situações, já carrega o seu propósito: convite, aviso, atestado, anúncio,
debate, exposição oral. Para compreender isso, vamos ler os dois textos abaixo:

TEXTO 1: RESUMO

Leonardo Boff inicia o artigo “A cultura da paz” apontando o fato de que vivemos em uma cultura que se
caracteriza fundamentalmente pela violência. Diante disso, o autor levanta a questão que possibilita de essa violência
poder ser superada ou não. Inicialmente, ele apresenta argumentos que sustentam a tese de que seria impossível, pois
as próprias características psicológicas humanas e um conjunto de forças naturais e sociais reforçariam essa cultura
da violência, tornando difícil sua superação. Mas, mesmo reconhecendo o poder dessas forças, Boff considera
que, nesse momento, é indispensável estabelecermos uma cultura da paz contra a da violência, pois esta estaria nos
levando à extinção da vida humana no planeta. Segundo o autor, seria possível construir essa cultura, pelo fato de
que os seres humanos são providos de componentes genéticos que nos permitem ser sociais, cooperativos, criadores
e dotados de recursos para limitar a violência e de que a essência do ser humano seria o cuidado, definido pelo
autor como sendo uma relação amorosa com a realidade, que poderia levar à superação da violência. A partir dessas
constatações, o teólogo conclui, incitando-nos a despertar as potencialidades humanas para a paz, construindo a
cultura da paz a partir de nós mesmos, tomando a paz como projeto pessoal e coletivo.
(MACHADO; LOUSADA; ABREU-TARDELLI, 2004, p. 16)

49

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 49 28/09/2016 10:53:48


TEXTO 2: CARTUM

Fonte: <http://blog.moadesenhos.com.br/>

Percebemos que são dois textos que têm não só temáticas diferentes, mas organizações diferentes
em estrutura e linguagem: enquanto o Texto 1 apresenta apenas linguagem verbal, com aspectos visuais
dados pela sua diagramação na página (único parágrafo justificado, fonte da letra, tamanho), assim como
linguagem formal e um processo contínuo de referenciação ao texto que é sua base: “o autor inicia”, “o
autor levanta”, “o autor apresenta argumentos”, o Texto 2 apresenta um só quadro em linguagem visual
que deve ser compreendida a partir dos elementos acionadas através desta imagem (cores que reforçam
a poluição – um céu que não é azul, um mar cinza­– , elementos em uma disposição que preenchem
um espaço tomado pelo homem – lixo por toda a areia, carros em um trânsito engarrafado, prédios
enfileirados e a ausência de outros elementos naturais além da praia degradada). Além disso, cada um
apresenta um propósito específico. Se procurarmos outro resumo, perceberemos que ele vai apresentar
a mesma finalidade, semelhança de construção, apesar de se referir a uma temática diferenciada, o que
também irá acontecer com o cartum.
3) Recobraria pleno sentido o estudo das estruturas de composição dos textos (forma composicional):
conheceríamos os blocos que compõem os gêneros, que forma eles assumem e em que sequências são
distribuídos. Vale ressaltar que esse estudo não estaria voltado meramente à identificação e/ou classificação,
mas, e, principalmente, para a compreensão da função das estruturas de composição na produção dos
sentidos dos textos. Passemos a compreender isso através da notícia, retirada do Jornal O Maskate:

50

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 50 28/09/2016 10:53:48


Fonte: Jornal O Maskate, 02/03/2016.

O Maskate, da cidade de Manaus, é um jornal popular de distribuição gratuita que pode ser adquirido
em redes de farmácias, supermercados, lojas e algumas instituições públicas da cidade. Tal jornal apresenta
a característica de, nas páginas policiais, narrar episódios de chacinas, execuções e outros crimes hediondos,
com habilidade suficiente para distrair seu público, sem horrorizá-lo com essas barbáries, utilizando o
humor num processo contínuo de carnavalização.
Mesmo que isso seja uma característica – o que o diferencia de outros jornais – ainda assim
percebemos que, estruturalmente, as partes que compõem o gênero notícia permanecem: manchete, lide
e corpo do texto, dispostos em sequência e seguindo a finalidade a que se propõem. No entanto, há uma
transformação em relação às marcas linguísticas, uma vez que é preciso considerar o texto em circulação,
buscando um leitor específico e dialogando com ele.

4) Na perspectiva dos gêneros, as regras gramaticais ganhariam seu caráter de funcionalidade, uma
vez que seriam explorados de acordo com as particularidades de cada um dos gêneros estudados. Por
exemplo, as diferenças implicadas nos usos dos tempos e modos verbais em uma notícia, diferente de
como são usados em anúncios, contos, receitas ou artigos de opinião. Observemos os textos:

51

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 51 28/09/2016 10:53:48


TEXTO 1: RECEITA CULINÁRIA

Fonte: < educador.brasilescola.uol.com.br>.

TEXTO 2: MICROCONTO

Fonte: < http://www.nemonox.com/1000portas/index.php?o=1>

Observamos que os textos, por serem de gêneros textuais diferentes, apresentam estilos de
linguagem, forma, função e conteúdo também variados. No entanto, é possível encontrar regularidades
no mesmo gênero. Assim, quanto á linguagem, é comum que encontremos em receitas culinárias o uso
do verbo no imperativo, como no Texto 1: “dissolva”, “acrescente”, “abra”, o que pode variar para o uso
do infinitivo. No caso do microconto, o que acontece também no conto, o uso do verbo no pretérito
perfeito do indicativo marca uma regularidade nesse gênero textual: “cuspia”, “viu” e “vomitou”. Não só
os verbos, mas outras questões gramaticais podem ser aprendidas ao proporcionarmos aulas de leitura a
partir dos gêneros. Mais uma vez, o que se busca não é a mera classificação, mas a compreensão do efeito
de sentido proporcionado na utilização desta ou daquela marca linguística. No caso da receita culinária,
o verbo no imperativo marca a orientação do leitor para praticar a sua ação ao produzir a receita. Já
no microconto, descreve-se o acontecimento no passado, com verbos no pretérito perfeito, comum em
sequências narrativas.

52

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 52 28/09/2016 10:53:48


5) As atividades de compreensão superariam o simples cuidado de entender o texto, ou a semântica
do seu conteúdo, para atingirem os propósitos comunicativos, indo além do sentido linguístico para
compreender as intenções pretendidas pelo autor. Para nos lembrarmos do conceito de intencionalidade
comunicativa, observemos o meme14 a seguir:

Fonte: < www.obaoba.com.br>

O texto acima é integrante de uma série denominada “Escreve aí”, em que frases de filósofos,
escritores, cientistas e outros famosos pensadores foram transformadas, reescritas em uma linguagem
contemporânea e a partir de uma interpretação. Na interpretação do autor do meme, não só a tentativa de
apreensão da intenção de Camões, mas também a atualização da frase que se desloca do seu tempo e é
repensada no momento presente. Quanto ao meme, é um texto que possui a intencionalidade de produzir
humor, fazendo uma crítica. Nesse caso, o humor é alcançado, principalmente por aqueles que conhecem
o soneto famoso de Camões “Amor é fogo que arde sem se ver”, recuperando e reavaliando uma dos
principais paradoxos produzidos pelo poeta. Nesse sentido, o humor, mas também a crítica, porque a
leitura parte de um mundo contemporâneo, onde as relações acontecem de forma diferente do momento
histórico vivenciado por Camões.
6) Estudar a língua através do gênero possibilitaria que o aluno também percebesse que a
compreensão de um texto resulta da conjunção de fatores internos e externos, este último porque os
gêneros são entidades comunicativas ancorados em situações sociais que envolvem a prática de linguagem.
Nesta discussão, poderíamos repensar a ideia do mal-entendido. Vejamos um exemplo:

14
Segundo Natália Horta (2015, p. 13), em sua dissertação de mestrado, nas práticas comunicacionais da internet, o uso do termo abrange
“ideias, brincadeiras, jogos, piadas ou comportamentos que se espalham através de sua replicação de forma viral” (FONTANELLA, 2009b,
p. 8) e que, por vezes, são caracterizados pela repetição de um modelo formal básico, manifestando-se por meio de vídeos, frases, hashtags,
foto-legendas, tirinhas, entre outros. Disponível em: < http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/18420/1/2015_ NataliaBotelhoHorta.
pdf>

53

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 53 28/09/2016 10:53:48


GRAEFF, Telisa Furlanetto; COSTENARO, Silvane. Análise de mal-entendidos em diálogos. In: Calidoscópio. Vol. 7, n. 2, p. 155-

160, mai/ago 2009.

No diálogo, o mal-entendido se processa principalmente por fatores externos e não internos ao


texto. Segundo as pesquisadoras Graeff e Costenaro (2009), conversando mais tarde com a auxiliar de
limpeza, a professora ficou sabendo que a colega entendera que os professores não proporcionavam prazer
através do seu convívio. Ao pronunciar a frase, a professora havia associado “os alunos” às condições
físicas, ou seja, referia-se ao fato de que, se as condições materiais eram ruins, restavam as condições
humanas para manter o prazer de trabalhar. No momento em que entrou na sala e pronunciou a frase, a
professora não mencionou de forma explícita o assunto da conversa com a orientadora pedagógica, o qual
havia acontecido anteriormente, assim, “pelo fato de falar, mesmo que implicitamente, sobre as condições
humanas da escola, a colega ofendida construiu outro bloco semântico, com base no aspecto normativo
recíproco” (2009, p. 159), associando alunos a professores.

7) Vale a pena lembrar que, na verdade, cada gênero constitui um agrupamento, e que representa
um conjunto de textos com construção e funções muito próximas. No interior do seu próprio escopo,
cada gênero admite subtipos. Por exemplo, a carta pode ter várias configurações, a carta de amor, a carta
de demissão, a carta do leitor, a carta argumentativa, etc. Isso significa que o estudo de gêneros específicos
permite apreender o funcionamento da língua em uso.

54

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 54 28/09/2016 10:53:48


TEXTO 1: CARTA PESSOAL

TEXTO 2: CARTA DO LEITOR

Carta do leitor publicada sobre o artigo de opinião “Baleias não me emocionam”, publicado na edição de 01/09/2004,
na Revista Veja:
Num tempo em que a hipocrisia e a mídia, de mãos dadas, ditam nosso modo de agir e pensar, fico muito feliz ao ler o último artigo de
Lya Luft (“Baleias não me emocionam”, Ponto de vista, 25 de agosto). Nós nos sensibilizamos com aquilo que não nos causa esforço. Como nos
sensibilizar com um mendigo na calçada quando poderíamos tê-lo auxiliado? Melhor pensar nas baleias, coitadinhas. Como também são coitadinhos
aqueles que passam fome na África, nunca os famintos de nossas ruas. Passo, a partir de hoje, a ler seus textos com outros olhos. A senhora ganhou
meu respeito e minha admiração.
Gilberto Carlos Nunes
Brasília, DF

Apesar de termos, nos dois exemplos, a denominação carta, cada uma delas segue a um propósito
específico em seu contexto de comunicação. A primeira tem a intenção de comunicar algo para uma
pessoa mais próxima, no caso, o professor Bóris – apesar de estar inserida em um universo ficcional: a
história escrita por Eva Furnari. Já a segunda, tem a intenção de produzir uma opinião a partir de um texto
lido no veículo de comunicação. Nesse sentido, a mudança de propósito gera mudança de linguagem e de
sequências tipológicas usadas. Além disso, há variação na forma composicional, pois a segunda não conta
obrigatoriamente com a presença do vocativo inicial.
Diante de todas essas considerações, ressaltamos a importância do trabalho com leitura a partir
dos gêneros textuais, uma vez que este é o espaço da atuação dos discursos, em que os sujeitos sociais

55

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 55 28/09/2016 10:53:48


vão escrevendo a história das pessoas e do mundo através da materialidade do texto, atendendo às suas
necessidades comunicativas. Nesse sentido, sendo o gênero textual o objeto de estudo nas aulas de Língua
Portuguesa, abre-se uma perspectiva de trabalho com “o conhecimento situado, a linguagem efetivamente
em uso, o trabalho com textos e práticas didáticas plurais e multimodais” (BARBOSA apud DONÁ
HILA, 2014, p. 178).
É nessa perspectiva também que novos gêneros surgem a todo instante, cada vez mais multimodais
atendendo um advento de uma sociedade imagética. Uma prática que envolva esses gêneros faz-se
necessária, visto que as atividades de letramento devem partir de práticas que façam parte do cotidiano
dos estudantes. Dionísio (2006, p. 131) destaca que, atualmente, “uma pessoa letrada deve ser uma pessoa
capaz de atribuir sentidos a mensagens oriundas de múltiplas fontes de linguagem, bem como ser capaz
de produzir mensagens, incorporando múltiplas fontes de linguagem”.
Dessa forma, em decorrência dos avanços tecnológicos, a multimodalidade ganha destaque nos
gêneros que circulam atualmente e fazem parte das práticas de leitura da geração atual. É nesse contexto
que muitos autores propõem a ampliação do conceito de letramento, chegando a falar em letramentos no
plural ou multiletramentos. É acerca disso que discutiremos na próxima seção.

3.2 Letramento, multiletramento e multimodalidade

Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006, p.28), “as práticas de
linguagem a serem tomadas no espaço da escola não se restringem à palavra escrita nem se filiam apenas
aos padrões socioculturais hegemônicos”. Nesse sentido é que os documentos que orientam o ensino da
leitura e da escrita na Educação Básica tem se voltado ao trabalho com as múltiplas linguagens e com os
gêneros discursivos numa tentativa de possibilitar letramentos múltiplos. O documento ainda ressalta que
a “abordagem do letramento deve, portanto, considerar as práticas de linguagem que envolvem a palavra
escrita e/ou diferentes sistemas semióticos”, em contextos escolares ou não.
A multimodalidade também é enfatizada nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio
(BRASIL, 2006, p.25), quando afirma que nós “vivemos em um mundo culturalmente organizado por
múltiplos sistemas semióticos – linguagens verbal e não-verbal –, resultado de trabalho humano que foi
sedimentado numa relação de convencionalidade”.
Conforme Andreatta, Tomás e Tomás (2015), no momento em que falamos das condições singulares
necessárias à prática de leitura, há que se considerar os novos modos de ler que surgem influenciados
pelo desenvolvimento tecnológico, conforme já apontamos ao falarmos sobre a história da leitura, na
Unidade 1. Tais mudanças geram uma tensão entre as práticas de ensino que não se atualizaram e as novas
possíveis que passam a compreender o conceito de multiletramentos para a realização da leitura. A fim de
pensarmos nisso, observemos os textos abaixo:

56

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 56 28/09/2016 10:53:48


TEXTO 1: FOTOGRAFIA

(SALGADO, Sebastião. In: <www.blckdmnds.com>)

TEXTO 2: DOCUMENTÁRIO

Fonte: <https://vimeo.com/128242266>

57

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 57 28/09/2016 10:53:49


TEXTO 3: TRECHO DO ROMANCE TERRA SONÂMBULA, DE MIA COUTO

(COUTO, 2015, p.9)

Observemos que cada um dos textos apresenta características que lhes são próprias. A fotografia
de Sebastião Salgado passa a ser compreendida a partir do seu aspecto visual – a conexão física das pessoas
fotografadas, capturadas no momento singular do clique, a busca por um referente, compreendido através
do livro em que a fotografia está (o qual retrata a África), o uso do preto e branco, o enquadramento das
pessoas que retratam uma narrativa, uma história, por isso, essa estética documental. Já no documentário
de Sebastião Salgado, denominado O Sal da terra, por ser um vídeo conta com a linguagem verbo-
visual e sonora e, nesta multiplicidade, uma série de implicações interpretativas que provém do gênero
documentário. O trecho do romance Terra Sonâmbula, de Mia Couto, para ser compreendido, exige do
leitor um letramento literário – a compreensão da leitura no universo ficcional da literatura. É também
multimodal, pois apresenta em sua diagramação aspectos visuais que contribuem para a leitura do texto:
as aberturas de parágrafos, o uso de caixa alta marcando o início de um capítulo, a disposição das letras na
página que compõe o título do capítulo e o início da narrativa.

58

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 58 28/09/2016 10:53:49


O que é importante ressaltar é que os gêneros que circulam em nosso cotidiano hoje apresentam
uma variedade de linguagens que criam a necessidade de compreendermos como se processam essas
construções. A escola, por sua vez, para ensinar a leitura, precisa levar em conta os “multi e os novos
letramentos, as práticas, os procedimentos e gêneros em circulação nos ambientes da cultura de massa e
digital e no mundo hipermoderno atual” (ROJO, 2015, p. 135)
Partindo desses pressupostos é que consideramos necessário compreender o termo letramento.
Soares (2006) nos diz que o termo “letramento” surgiu na conjuntura das grandes transformações culturais,
sociais, políticas, econômicas e tecnológicas, expandindo o que antes tradicionalmente conhecia-se apenas
como alfabetização. A autora define o letramento como
o estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas
sociais de leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento (SOARES, 2002, p. 145).
Para Kleiman,
o letramento é complexo, envolvendo muito mais do que uma habilidade (ou conjunto de habilidades) ou uma
competência do sujeito que lê. Envolve múltiplas capacidades e conhecimentos, muitos dos quais não têm necessariamente
relação com a leitura escolar, e sim com a leitura de mundo, visto que, o letramento inicia-se muito antes da alfabetização
(2005, p.18)
Rojo também apresenta a sua concepção acerca do letramento:
Busca recobrir os usos e práticas sociais de linguagem que abrangem a escrita sobre diferentes formas valorizados ou
não valorizados, locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola etc.), numa
perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural (2009, p. 98).
Rojo também divide o letramento em três níveis: os multiletramentos ou letramentos múltiplos,
letramentos multissemióticos e letramentos críticos ou protagonistas. Para Rojo (2009, p. 107),
trabalhar com letramentos múltiplos significa deixar de “ignorar ou apagar os letramentos das culturas
locais de seus agentes (professores, alunos, comunidade escolar) e colocando-os em contato com os
letramentos valorizados, universais e institucionais”. Em outras palavras, a escola e a comunidade têm o
papel de ser um agente condutor de práticas leitoras dentro e fora do ambiente escolar.
Os letramentos multissemióticos, na concepção de Rojo (2009, p. 107), têm sua importância,
pois são “exigidos pelos textos contemporâneos, ampliando a noção de letramentos para o campo da
imagem, da música, das outras semioses que não somente a escrita”, ou seja, estão presentes nos gêneros
textuais, em diferentes níveis de linguagem como nos textos multimodais da sociedade contemporânea.
Por último, o letramento crítico, segundo Rojo (2009, p. 108) é “requerido para o trato ético dos
discursos em uma sociedade saturada de textos e que não pode lidar com eles de maneira instantânea,
amorfa e alienada”. Nesse sentido, tal letramento é de vital importância, pois o indivíduo com esse nível
de letramento é capaz de se posicionar, criticar, contradizer diante do grande leque de informações a que
tem acesso em seu cotidiano.
Além da multiplicidade semiótica dos textos pelos quais a população atual se comunica, o conceito
de multiletramento aponta, segundo Rojo (2012), para mais um tipo de multiplicidade presente em nossa
sociedade, principalmente urbana: a multiplicidade cultural das populações.

59

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 59 28/09/2016 10:53:49


Em caráter sumarizado, apontamos Rojo (2013, p.21) que define multiletramentos:
Práticas de trato com os textos multimodais ou multissemióticos contemporâneos – majoritariamente digitais, mas
também digitais impressos – que incluem procedimentos (como gestos para ler, por exemplo) e capacidades de leitura e
produção que vão muito além da compreensão e produção de textos escritos, pois incorporem a leitura e (re)produção de
imagens e fotos, diagramas, gráficos e infográficos, vídeos, áudio etc.
Assim, cabe compreender agora a noção de multimodalidade. Para Dionísio (2006), a
multimodalidade diz respeito às ações comunicativas que mobilizam, no mínimo, dois códigos diferenciados,
a exemplo de imagens e palavras, gestos e fala, música e imagem. A autora põe a multimodalidade como
traço constitutivo do texto falado e escrito e observa que, “na sociedade contemporânea, à prática de
letramento da escrita, do signo verbal, deve ser incorporada a prática de letramento da imagem, do signo
visual. Necessitamos, então, falar de letramentos, no plural mesmo, pois a multimodalidade é um traço
constitutivo do discurso oral e escrito” (DIONÍSIO, 2006, p. 132).
Carey Jewitt apresenta assim o verbete MULTIMODALIDADE:
Multimodalidade é uma abordagem interdisciplinar que entende a comunicação e a representação como envolvendo
mais que a língua. Os estudos nesse campo têm se desenvolvido nas últimas décadas de modo a tratar sistematicamente de
questões muito discutidas sobre as mudanças na sociedade, por exemplo, em relação às novas mídias e tecnologias. Abordagens
multimodais têm proposto conceitos, métodos e perspectivas de trabalho para a coleção e análise de aspectos visuais, auditivos,
corporificados e espaciais da interação e dos ambientes, bem como da relação entre eles (Fonte: http://multimodalityglossary.
wordpress.com/).
Para entendermos essa leitura possível, vejamos o exemplo retirado do livro Multimodalidades e
leituras, organizado por Ângela Paiva Dionísio (2014)

Imagem 16: Fragmento de Narradores de Javé

60

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 60 28/09/2016 10:53:49


As autoras Dionísio, Vasconcelos e Souza avaliam que:

Nessa espécie de poesia visual, temos um forte entrelaçamento dos modos verbal e visual, uma
vez que se trata de textos dispersos. O que os une é exatamente a forma, a composição, ou seja, o
modo visual, a forma cilíndrica em que o autor dispôs os fragmentos escritos e que materializam
uma significação que não é possível sem a conjugação dos dois modos, ou que seria distinta sem
tal união. Nesse caso, a leitura, a compreensão dos pequenos textos é bastante diferente da que
seria dos textos isolados ou dispostos em linhas horizontais como é o comum para a escrita. Uma
amostra poética das diferentes possibilidades de nos comunicarmos, de dizermos mais (2014, p.
63).

Nesse sentido Rojo (2013) afirma que o gênero do discurso/texto é um conceito que encontrou
sua época, pois o “caráter multissemiótico dos textos/enunciados contemporâneos não parece desafiar
fortemente os conceitos e categorias propostas pelos gêneros”. A autora também ressalta que, se ampliarmos
nossos estudos bakhtinianos para textos que discutem flexibilidade, pluralismo e plurivocalidade, mais
amplas e eficazes se tornam nossas ferramentas para analisar textos contemporâneos.
Para compreender melhor essas transformações, a autora apresenta um diagrama que busca
sintetizar a teoria dos gêneros (em Figura 1) e um segundo, ampliado, que revisita a teoria dos gêneros,
acompanhando as noções de multimodalidade (em Figura 2). Vejamos os dois diagramas a seguir:

61

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 61 28/09/2016 10:53:49


A partir dessas importantes considerações, passamos agora a pensar a análise de textos a partir dos
conceitos de gêneros textuais, em busca dos letramentos e multiletramentos.

3.3 Questões envolvidas na análise de gêneros textuais

3.3.1 A identidade social dos interlocutores


Na compreensão de um texto, é preciso acionar questões pragmáticas que envolvem o seu processo
de produção e recepção. Assim, o lugar social de onde falam os parceiros da interação é relevante para
compreender a intencionalidade e a aceitabilidade de um texto em circulação. Melhor dizendo, conforme
afirma Doná Hila (2014, p. 184), “o texto, além de ter um emissor que é a pessoa que produz e o receptor
a que recebe, também apresenta posições sociais por ela defendidas”. Ainda quanto a isso, Marcuschi
chama a atenção para o fato de que:

O texto acha-se construído na perspectiva da enunciação. E os processos enunciativos não são simples
nem obedecem a regras fixas. Na visão que aqui se está propondo, denominada sociointerativa,
um dos aspectos centrais no processo interlocutivo é a relação dos indivíduos entre si e com
a situação discursiva. Estes aspectos são exigir dos falantes e escritores que se preocupem em
articular conjuntamente seus textos ou então que tenham em mente seus interlocutores quando
escrevem (2008, p. 77).

Assim, o papel social é importante na compreensão do texto. Consideremos o exemplo abaixo


para melhor compreender isso:

Carta Aberta de Brasília de Repúdio à Violência Contra as Mulheres


Brasília, 23 de julho de 2015.

Na cultura machista e patriarcal, a violência sexual vem sendo historicamente utilizada como forma de
punir as mulheres que buscam vivenciar livremente suas escolhas, sua autonomia e exercer o controle sobre suas
próprias vidas, seja no espaço público, seja na esfera privada.

62

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 62 28/09/2016 10:53:49


Importa destacar aqui que o estupro de mulheres configura-se deliberadamente como um instrumento
de propagação do terror que, frequentemente usado durante as guerras, simboliza a vitória ou o fracasso dos
guerreiros que sequestram e tornam os corpos de meninas e mulheres territórios de realização da virilidade a
serviço das economias, da honra, da limpeza étnica e de poder.
No Brasil, a violência contra a mulher é crime previsto em leis nacionais, legitimado em acordos
internacionais, a exemplos da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), da Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio)
e da Convenção de Belém do Pará, que caracterizam como intolerável qualquer violência de gênero contra as
mulheres, devendo esta ser denunciada e investigada, como autores identificados, responsabilizados e punidos.
Num contexto no qual os direitos das mulheres são constantemente violados (com índices alarmantes de
violência de gênero no país), no qual esses crimes são amplamente divulgados na mídia com requintes de crueldade
– a exemplo dos estupros coletivos – constata-se uma violência crescente e preocupante.
As Gestoras Estaduais do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres repudiam toda
e qualquer forma de violência e manifestam indignação contra as imagens e expressões machistas que desqualificam
as mulheres em diferentes espaços públicos e que divulgam nas redes sociais formas subliminares e explícitas de
violência.
Por fim, prestamos solidariedade a todas nós, mulheres, constantemente vítimas de violência, exortando a
sociedade a repudiar toda e qualquer forma de violência contra as mulheres e a se posicionar contra a CULTURA
DO ESTUPRO!
Gestoras Estaduais do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
Fonte: <http://www.spm.gov.br/noticias/carta-aberta-de-brasilia-de-repudio-a-violencia-contra-as-mulheres>, com adaptações.

Claramente, conforme o texto já anuncia em seu título, o gênero Carta Aberta conta com a
assinatura daquele que a escreve e deixa evidente o lugar social ocupado por esse autor. Nesse caso,
são gestores estaduais do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. Esse pacto
foi lançado em agosto de 2007 e consiste num acordo federativo entre os governos federal, estadual e
municipal para o planejamento de ações que visem à consolidação da Política Nacional de Enfrentamento
à Violência contra as Mulheres por meio da implementação de políticas públicas integradas em todo
território nacional. Essas mulheres, gestoras em âmbito estadual, defendem, claramente, uma política
de ação que evite e puna a violência contra a mulher em todas as suas formas (psicológica, física, moral,
patrimonial, sexual, tráfico de mulheres).
De outro lado, o papel social evidenciado pelos leitores passa por inúmeros lugares. As pessoas
que podem vir a ler essa carta são de diversos lugares sociais, no entanto, ao considerarmos que está em
uma página da internet, no site do Ministério da Justiça e Cidadania, na seção da Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, certamente sabemos que os leitores mais atingidos serão aqueles relacionados
às diversas áreas da segurança, às políticas públicas para mulheres, além de, é claro, ser um texto lido por
mulheres, independente de sua profissão.

3.3.2 O domínio discursivo/ a esfera de comunicação


Para compreender um texto, é preciso identificar o campo social-discursivo em que ele se insere,
considerando que ele pode se destinar a diferentes campos. Marcuschi afirma que os textos “situam-

63

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 63 28/09/2016 10:53:49


se em domínios discursivos que produzem contextos e situações para as práticas sociodiscursivas
características” (2008, p. 193). Também acrescenta que o domínio discursivo é uma esfera de vida social
ou institucional em que se organizam formas de comunicação de modo a produzirem modelos de ação
comunicativa, acarretando formas de ação, reflexão e avaliação social que determinam formatos que
acabam desembocando na estabilização dos gêneros. Vejamos o quadro a seguir para observarmos os
diferentes domínios discursivos em que os gêneros podem ser inseridos:
Quadro 8: Domínios discursivos

MARCUSCHI, 2008 apud MIRANDA. Disponível em: <http://www.clunl.edu.pt/resources/docs/grupos/ gramatica/


publicacoes/96_120_1_pb.pdf>

O texto que lemos no item anterior, a Carta Aberta, é um gênero que circula no domínio discursivo
jornalístico, podendo estar em suportes diversos, como jornais, revistas ou páginas da internet. Vejamos,
então, a discussão referente ao suporte.

3.3.3 O suporte
O suporte em que os gêneros circulam não é neutro e o texto, por sua vez, não fica indiferente a
ele. Marcuschi afirma que suporte é o “lócus físico ou virtual com formato específico que serve de base
ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto” (2008, p. 174). O autor ainda afirma que

64

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 64 28/09/2016 10:53:49


devemos considerar: a) o suporte é um lugar (físico ou virtual); b) suporte tem formato específico e; c)
suporte serve para fixar e mostrar o texto.
É preciso compreender que a definição do local em que o texto é publicado acaba trazendo
implicações para a leitura do texto. Isso já gera uma expectativa no leitor e uma compreensão prévia
daquilo que o texto pode apresentar. Por exemplo, ao vermos um outdoor na rua, já sabemos que esse é um
suporte para anúncios, propagandas, comunicados, convites, editais. Ao abrirmos um jornal (suporte) já
sabemos que ali vamos encontrar textos do domínio jornalístico, como notícias, reportagens, classificados,
artigos de opinião, etc. Esse escaneamento rápido e anterior à leitura do texto já faz com que levantemos
hipóteses que contribuem para a compreensão.
No entanto, devemos lembrar que o suporte ainda é um estudo em aberto, pois, em um contexto em
que as mídias digitais apresentam-se cada vez mais ativas, assim como a criatividade de novos produtores
de texto faz com que repensemos não só o gênero, mas como também todas as concepções que o cercam.
Marcuschi (2008) diferencia suportes convencionais de acidentais, conforme percebemos no
quadro abaixo:
Quadro 9: Suportes
TIPO DE
CONCEITO EXEMPLO
SUPORTE
Suportes usados O livro, o livro didático, o jornal, a revista, a revista
tradicionalmente científica, o rádio, a televisão, o telefone, o encarte, o
Convencionais para veicularem folder, o quadro de avisos, os luminosos, as faixas.
gêneros diversos
Meios casuais As embalagens, o para-choque de um caminhão, as
Acidentais de veiculação de roupas, as paredes, os muros, as paradas de ônibus, etc.
gêneros

Vejamos o exemplo de um gênero em um suporte acidental:

Fonte: < www.inspi.com.br>


Marcuschi (2008) afirma que os muros servem para comportar inscrições, propagandas, grafites,
frases, poemas. São textos pouco desenvolvidos, no entanto, alcançam um grande número de pessoas. No
caso da frase que lemos, há um questionamento e uma busca por reflexão. A intenção não é ser voltado
para um leitor específico, mas fazer a todos que leem refletirem sobre a função do conhecimento que
adquirimos cotidianamente.

65

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 65 28/09/2016 10:53:49


3.3.4 O propósito comunicativo

Devemos lembrar que, na denominação do gênero, o grande aspecto a ser avaliado é o seu proposto.
Nenhum texto acontece sem uma finalidade qualquer, sem que um objetivo pretendido tenha orientado
a sua construção. Antunes (2010) afirma que o propósito pode ser expor, explicar, convencer, persuadir,
defender um ponto de vista, apresenta pessoa ou ideia, relatar um fato, dar uma notícia, divulgar um
resultado, etc. Também é bom lembrar que um propósito não excluir o outro. Vejamos isso a partir dos
textos abaixo:

TEXTO 1: CHARGE

Fonte: <www.querodesenho.com>

O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos

66

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 66 28/09/2016 10:53:49


como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Barros, M. Memórias Inventadas - A Infância, São Paulo, Planeta, 2003.

TEXTO 3: RESENHA

Resenha da obra O que é leitura, de Maria Helena Martins


Por Mônica Giselli Freitas
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 2003.
Maria Helena Martins discute em sua obra alguns temas relacionados à leitura. A princípio a
autora busca, por meio de experiências, ampliar a noção de leitura que geralmente está restrita a mera
decodificação de palavras, segundo ela o leitor nasce antes mesmo de aprender a decodificar a palavra
escrita, já que tudo o que nos cerca pode ser lido (um filme, uma música, um objeto, gestos etc.) basta
interpretá-los e para isso não é necessário ser alfabetizado.
Baseada em Paulo Freire a autora afirma que ninguém pode ensinar o outro a ler, a aprendizagem
se dá sozinha de acordo com o amadurecimento do indivíduo, embora se desencadeie e se desenvolva na
convivência; então se presumi que a função do educador não seria de ensinar a ler, mas criar condições
para que o educando desenvolva a sua aprendizagem, já que o ato de ler está relacionado com as condições
precárias ou ideais de cada leitor.
Ao ampliar a noção de leitura observa-se que esta vai além do texto e começa antes do contato com
ele, ao acrescentar experiências de leitura o leitor passa a compreender, conviver e até mesmo modificar o
mundo em que vive, deixa de ser mero decodificador. Sendo assim, percebe-se a importância de valorizar
o contexto pessoal, pois é por meio deste que aprendemos a ler.
Na obra a leitura pode ser dividida em três níveis básicos: o sensorial, o emocional e o racional.
Estes níveis estão inter-relacionados e ocorrem de maneira simultânea, mesmo que um ou outro prevaleça
a leitura não ocorre de forma isolada, são privilegiados de acordo com a experiência, o interesse e as
condições do contexto de cada leitor.
Para Maria Helena leitura sensorial é aquela que vai definindo o que o leitor gosta ou não, mesmo
inconscientemente, somente por impressionar os sentidos, esse tipo de leitura começa muito cedo e
acompanha o leitor por toda vida. A leitura emocional é aquela que desperta as emoções, em geral ela é
reprimida e desconsiderada em função de pretensa atitude intelectual.
Por fim, define como leitura racional aquela que visa mais o texto, a indagação, tem um caráter
reflexivo e dialético e é a leitura dominante por pertencer a minoria dos leitores: os intelectuais. Vale
enfatizar que mesmo que um ou outro nível prevaleça, é muito difícil realizar uma leitura em que haja

67

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 67 28/09/2016 10:53:49


apenas um destes níveis, pois o homem em geral lê de acordo como vive num processo de interação entre
sensações, emoções e pensamentos.
Ao ler a obra percebe-se que não existe nenhuma fórmula mágica para aprender a gostar de ler, para
a leitura se tornar cada vez mais gratificante cada leitor precisa criar condições ideais para a leitura e buscar
o seu jeito de ler aprimorando-o. A autora encerra a obra indicando outros títulos que a embasaram e que
discutem acerca de leitura.
Fonte: < http://giselliletras.blogspot.com.br/2013/08/resenha-obra-o-que-e-leitura-de-maria.html>

Observemos que cada um dos textos acima contém um propósito específico. A charge, ao criticar
uma situação, também produz humor. A poesia, além de provocar a sensibilização, também é capaz de
dar sentido aos assuntos cotidianos, de fazer refletir sobre a vida a partir do que apresenta. Já a resenha,
objetiva expor, de forma clara, objetiva e analítica as informações que podem ser encontradas no texto o
qual resenha.
Nesse sentido, o objetivo do texto orienta a produção do autor. Pensar sobre ele faz com que o
leitor encontre os objetivos propostos e isso pode contribuir para melhor compreender o texto que está
sendo lido.

3.3.5 O universo de referência

Antunes (2010) afirma que um texto tem como enquadramento cognitivo relações, propriedades de
um mundo real ou de um mundo fictício, por exemplo: “Tudo aconteceu em um tempo em que os bichos
falavam...”, trecho inicial de uma fábula do Rubem Alves, há uma caracterização inicial de um mundo
fictício, de um mundo simbólico. Ao considerar isso, o leitor já se prepara para produzir os sentidos a
partir desse universo, pois as informações e ideias têm que ser compreendidas a partir desse referente.
Usemos os textos do item 3.3.4 como exemplo. A charge parte de um universo real, no entanto, se
utiliza de elementos simbólicos ou imaginários para discutir/analisar/criticar esse universo real. A poesia,
por sua vez, tem como referência o mundo real, mas pertence ao domínio da literatura e, portanto, conta
com uma elaboração de linguagem maior em relação ao próximo texto, que é a resenha. Este, por sua vez,
pertencendo a um universo real e aborda uma questão do cotidiano concreto das pessoas: os livros e seu
conteúdo.

3.3.6 A unidade semântica e a progressão do tema

Todo texto se desenvolve em torno de uma ideia central, de um tema, de um tópico de discussão. Isso
gera uma unidade semântica que, segundo Antunes (2010) nos permite elaborar uma síntese, um resumo,
o entendimento do todo a partir dessa ideia central, o que leva a observar as ideias secundárias. Essa
unidade não acontece apenas nos textos com linguagem verbal e escrita, mas nos gêneros que se utilizam
de outras linguagens e também em modalidade falada. Por isso compreendemos que uma conferência,
uma aula, um debate têm sua unidade temática tanto quanto uma resenha, um artigo científico, uma
notícia. Além disso, ao olharmos uma pintura, uma fotografia, uma tira, conseguimos extrair a temática
abordada e a ideia central que está sendo discutida.
A progressão do tema mostra o percurso com que esse tema central vai se desenvolvendo. Conforme

68

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 68 28/09/2016 10:53:49


Antunes (2010), implica admitir que acerca de um tema, algo diferente vai sendo acrescentado. Assim, em
um texto, tudo precisa estar interligado, encadeado, ou, melhor dizendo, as partes se ligam em sequência
organizada para formar um todo.
Aproveitamos para exemplificar isso com o Texto 3 do item 3.3.4. O tema central, o fio condutor da
resenha, é o próprio livro resenhado e, portanto, a temática que dele provém: a leitura e suas concepções.
Secundariamente, vão sendo adicionados a este tema outras informações: 1) a concepção de leitura e sua
base em Paulo Freire; 2) a existência de três níveis básicos: o sensorial, o emocional e o racional e; 3) a
explicitação do significado de cada um desses níveis, em sequência.
Por outro lado, a unidade temática do Texto 1, a charge, acontece através das modalidades de
linguagem acionadas para a sua construção: os ratos, o gato, a imagem da estátua da justiça, o tamanho
de cada um deles, a imagem de Brasília ao fundo, assim como a fala do balão contribuem para estabelecer
uma unidade semântica e comunicar.

3.3.7 Os esquemas de composição: Gênero textual - forma composicional (modalidades), tema e unidades semióticas (estilo)
- e tipos textuais

Os gêneros textuais integram práticas sociais e, portanto, são formatados e gerados por elas. Assim,
o gênero tem um funcionamento social situado em uma determinada esfera de comunicação. Por isso,
podemos dizer que vivemos a vida através de textos e nos comunicamos materializando nossos textos
orais, escritos e multimodais.
No dia a dia, em uma sociedade letrada, convivemos com textos e sabemos rapidamente reconhecer
uma notícia, um anúncio, uma história em quadrinhos, um conto, uma novela ou uma fotografia. Isso
acontece por três importantes componentes de cada gênero que lemos: o tema, o estilo e a forma
composicional. Esses três elementos não são possíveis de serem separados, mas, para que o processo de
leitura aconteça, é possível analisá-los de forma dissociada.
Conforme apontam Rojo e Barbosa (2015), o estilo são as escolhas linguísticas que fazemos para
dizer o que queremos, para gerar o sentido desejado. Com a organização mais ou menos fixa dos gêneros,
o estilo vai virando marca textual e passa a ser usado sempre que se produz aquele gênero. As autoras ainda
afirmam que tema é mais que meramente o conteúdo, é o “conteúdo inferido com base na apreciação de
valor, na avaliação, no acento valorativo que o locutor (falante ou autor) lhe dá” (p. 87). Assim, um texto
é construído como uma engrenagem para fazer ecoar um tema. Já a forma de composição é, segundo
as autoras, “a organização e o acabamento do todo do enunciado, do texto como um todo” (p. 94).
Antunes (2010) lembra-nos de que a forma composicional regula o número de blocos que um texto deve
apresentar. Por exemplo, na resenha que lemos, existem três blocos: 1) a apresentação geral da obra; 2)
a apresentação do seu conteúdo e dos seus objetivos e; 3) o parecer sobre sua consistência e relevância.
Lembremos também de observar a diferença entre gêneros e tipos. Segundo Marcuschi (2003), os
tipos textuais são construtos teóricos definidos por propriedades linguísticas intrínsecas, enquanto os
gêneros são realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas. Além disso,
o tipo constitui sequências linguísticas ou de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos.
Dessa forma, o tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que
como textos materializados, a rigor, são modos textuais. São eles: narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção15.

15
Lembramos que esses conceitos já foram estudados na disciplina de Produção Textual I.

69

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 69 28/09/2016 10:53:49


3. 3.8 A relação com outros textos

Segundo Antunes (2010, p. 76), a intertextualidade diz respeito à ideia de que “tudo que se expressa
pelas diferentes linguagens remete a toda experiência humana de interação verbal e, portanto, pertence
a uma grande corrente de discursos construídos ao longo do tempo”. Koch e Elias (2015) apresentam a
diferenciação entre intertextualidade e intertextualidade explícita.

Quadro 10: Tipos de intertextualidade


TIPO DE
INTERTEXTUALIDADE CONCEITO EXEMPLO/ GÊNEROS
Discursos relatados, referências,
Ocorre quando há citação da
Explícita citações diretas e indiretas; em
fonte do intertexto.
resumos, resenhas, traduções, etc.
Ocorre sem citação expressa da
Paródia, paráfrases, ironias; pode
fonte, cabendo ao interlocutor
Implícita acontecer em todos os gêneros
recuperá-la na memória para
textuais.
constituir o sentido do texto.

Para entendermos melhor, observemos os exemplos a seguir:

EXEMPLO 1: TIRA DE ARMANDINHO

Fonte: <https://www.facebook.com/tirasarmandinho/>.

No caso da tira, a intertextualidade é explícita pela presença do nome do autor ao final, funcionando,
mesmo sem aspas, como uma citação direta, pois aparece exatamente a poesia do Manoel de Barros.

70

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 70 28/09/2016 10:53:49


EXEMPLO 2: PROPAGANDA DA HORTIFRUTI

Fonte: < www.meninsanaincorporesano.blogspot.com >



Já na propaganda da Hortifruti, a intertextualidade é implícita, apesar de ser compreendida facilmente,
pois o que temos é uma alusão ao filme Tropa de Elite, o que se dá pela presença da boina no tomate, da
palavra “elite” e do trecho “pede para sair”, além da semelhança sonora da palavra “horta” e “tropa”, no
entanto em outro contexto e com outras intenções. Temos também os recursos visuais, como o tomate
com uma boina, com o símbolo da marca em questão; a palavra “horta”, traz o “o” como se uma bomba
pronta para explodir; “elite” como se estive estilhaçada, comum em casos detonação. A coesão visual
entre o tomate vermelho e a fruta da mesma cor, símbolo da marca Hortifruti.

3.3.9 Os mecanismos coesivos (reiteração e sequenciação)

A coesão é uma propriedade do texto que faz com que ele funcione como um texto articulado,
apresentando um encadeamento. Antunes (2010) afirma que essa “arrumação articulada resulta um fio
que confere ao conjunto sequência, continuidade, unidade” (p. 117)16.
O que queremos dizer é que os sentidos de um texto resultam também das relações lexicais e
gramaticais das palavras que o constituem. Assim, o texto estabelece nexos textuais, os quais são apontados
por Antunes (2010), que podem ser:
a) Nexos de equivalência ou contiguidade: que se constituem através de mecanismos de reiteração
(repetição e substituição). Assim, as palavras usadas no texto servem para reiterar, reafirmar, constituindo
uma progressão textual em torno de um mesmo tema, realizando uma retomada através da materialidade
linguística do texto.
b) Nexos de associação (seleção lexical): quando duas ou mais palavras guardam relação de
proximidade, ou ainda, em um mesmo texto, as palavras usadas terão relação de proximidade, pois, se
falam de um mesmo tema, obviamente as palavras estarão em convergência semântica com esse tema.

16
Os mecanismos de coesão já foram estudados na disciplina de Produção Textual I. Portanto, não entraremos no mérito de explicar cada
um deles, mas na análise das suas funções dentro do texto e dos sentidos que produzem.

71

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 71 28/09/2016 10:53:49


Em textos que utilizam também a linguagem visual, a associação de palavras/imagens e sons também
acontece, vejamos isso no exemplo:

Imagem 17: Desenho de Paweł KuczyńskiFonte: < elizsumo.wordpress.com>

O desenho acima, feito pelo artista polonês Paweł Kuczyński apresenta uma composição de
conceitos que se associam: um caminhão grande, um caminhão pequeno de brinquedo, duas crianças,
cada uma em sua condição social e cada fazendo algo que lhe é comum. O texto todo apresenta uma
associação semântica a partir das imagens apresentadas.
c) Nexos de conexão e sequenciação: acontece a partir do uso de conectivos: conjunções, preposições,
alguns advérbios e respectivas locuções. Aparecem entre períodos e oração e estabelecem uma relação
entre estes, produzindo sentidos diversos.

3.3.10 A adequação vocabular

Em qualquer situação comunicativa, temos variadas possibilidades que influenciam no uso vocabular:
mudam os interlocutores, variam os propósitos, variam os gêneros textuais, pois tudo é específico da
situação comunicativa em que nos encontramos. Para a leitura de um texto, há que se considerar o
vocabulário utilizado, os níveis de linguagem e as variações linguísticas presentes que resultam dessa
adequação. Retomemos aqui a notícia do Jornal O Maskate, que lemos nesta unidade. A linguagem utilizada
estava adequada ao contexto de circulação, aos propósitos do jornal, a compreensão dos interlocutores
que faziam parte do processo interacional.
Diante de todos esses conceitos, compreendemos que para chegar à formação de um leitor, o
ensino de leitura deve garantir a interação significativa e funcional com a língua, como meio de construir
os conhecimentos necessários para abordar as diferentes etapas da sua aprendizagem. É por isso que o
texto deve estar permanentemente e de forma relevante na sala de aula para sejam compreendidos em
suas diferentes formas de realização em busca de letramentos múltiplos. É importante lembrar o que
as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006, p. 29) ressaltam: “se as realidades sociais são
produzidas e construídas nas diversas interações sociais, então, as práticas de ensino e de aprendizagem
da língua materna devem levar em conta, sempre, as configurações singulares que os diferentes sistemas
semióticos adquirem nos eventos de interação”. É preciso, portanto, novos letramentos que desenvolvam
capacidades específicas de para a leitura de todos esses sistemas semióticos.

72

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 72 28/09/2016 10:53:49


3.4 Atividades de Aprendizagem

Leia o texto abaixo:

Os urubus e sabiás

Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam… Os urubus, aves por
natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles
haveriam de se tornar grandes cantores.
E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram
imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e
teriam a permissão para mandar nos outros.
Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada
urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos
chamam por Vossa Excelência.
Tudo ia muito bem até que a doce tranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta
foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com
os sabiás…
Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos,
sabiás e canários para um inquérito.
- Onde estão os documentos dos seus concursos?”
E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem.
Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um
diploma para provar que sabiam estudar, mas cantavam simplesmente…
- Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás…

Moral: Em terra de urubus diplomados não se ouve canto de sabiá.

ALVES, Rubem. Estórias de quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, 1984. p. 61-2

Após a leitura do texto, avalie-o a partir dos aspectos discutidos na Unidade 3:

a) A identidade social dos interlocutores;


b) O domínio discursivo;
c) O suporte
d) O propósito comunicativo;
e) O universo de referência;
f) A unidade semântica e a progressão do tema;
g) Os esquemas de composição: Gêneros e tipos;
h) A relação com outros textos;
i) Os mecanismos coesivos;
j) A adequação vocabular.

73

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 73 28/09/2016 10:53:49


3.5 Síntese
Nesta unidade, discutimos sobre a leitura a partir da compreensão dos gêneros textuais. Para tanto,
analisamos os aspectos presentes nos gêneros que contribuem para que possamos avaliá-lo em seus
aspectos pragmáticos, conceituais, semânticos e linguísticos. Além disso, apresentamos os conceitos de
letramento e multiletramento, o que implica pensar o gênero textual a partir do uso de modalidades de
linguagem diferentes.

3.6 Aprofundando o conhecimento

Para aprofundar o conhecimento acerca dos gêneros textuais e seus aspectos multimodais,
sugerimos a leitura do livro de Roxane Rojo e Jacqueline P. Barbosa: Hipermodernidade, multiletramentos e
gêneros discursivos. São Paulo: Parábola, 2015. Esta obra parte do conceito de gêneros discursos para pensá-
los na escola, por isso apresenta, ao final de cada capítulo, exemplos, dicas, links e atividades que buscam
operacionalizar e vivenciar os conceitos acerca dos gêneros textuais e sua aplicabilidade como objeto de
ensino.

3.7 Exercícios de aplicação

EXERCÍCIO 1

O exercício a seguir foi extraído (com adaptações) do livro Vozes do Mundo, de Lília Santos Abreu-
Tardelli, Lucas Sanches Oda, Maria Tereza Arruda e Salete Toledo. É um livro voltado ao 2º ano do
Ensino Médio e prevê a análise e compreensão do gênero propaganda. Leia o texto e realize as questões,:

A propaganda a seguir foi veiculada em uma revista numa época em que ocorria uma guerra no
Iraque. O anunciante é a Marca, um jornal especializado em esportes em circulação nos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro.

Iraque. Agência DM9DDB. Foto de Marcus Hausser. Disponível em: <https://rodrigopia.wordpress.com/category/


anuncio/page/7/>

74

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 74 28/09/2016 10:53:50


INSCRIÇÃO NO ANÚNCIO:
“No seu mundo, dois povos em guerra não se unem. No nosso mundo não. Marca: esporte é o nosso mundo”.

A CONSTRUÇÃO DO TEXTO

CONTEXTO DE PRODUÇÃO

1) O jornal Marca é um produto especializado em esportes.


a) Quem são os possíveis leitores desse jornal?
b) O que os leitores provavelmente esperam encontram nesse jornal?
2) Observe que a propaganda não vende de forma direta o produto. Ela procura apresentar uma ideia.
a) Que ideia foi associada a esse produto?
b) Que elementos da propaganda estão relacionados ao produto? Como se dá essa relação?
c) A propaganda se diferencia de outras que anunciam produtos semelhantes. Que efeito tem essa
opção?
3) Há muitas mídias em que as propagandas podem ser publicadas: jornais, revistas, sites, televisão,
rádio, etc. Para cada uma delas, há uma forma de interação com o leitor e um público diferente.
a) Essa propaganda no jornal Marca poderia ser publicada em qualquer jornal ou revista? Por quê?
b) O que há em comum entre o leitor do veículo em que foi publicada a propaganda e o público que
o jornal pretende atingir?
c) Suponha que os anunciantes quisessem fazer uma propaganda do jornal Marca a ser veiculada na
televisão, e que você fosse o responsável da agência para decidir a emissora e o horário adequados
para a veiculação. Que elementos deveriam ser levados em conta para fazer essa escolha?

OS SENTIDOS DO TEXTO

4) A propaganda mostra uma cena que se passaria em uma região de conflito.


a) Que sinais indicam a ideia de conflito?
b) De que modo o espaço onde ocorre a cena reforça a ideia do conflito?
5) Os protagonistas da cena atuam diferente do esperado em uma situação de conflito.
a) Que papel social cada um deles representa?
b) O que há de inusitado na interação entre eles e que chama a atenção do leitor?
6) Na cena, a bola ganha um novo significado: deixa de ser apenas um objeto relacionado ao futebol.
a) O que a bola representa? Que relação a bola estabelece entre os protagonistas da cena?
7) Releia o texto da propaganda.
a) A quem se refere os pronomes “seu” e “nosso” da propaganda?
b) Ao fazer a oposição entre dois mundos, a propaganda destaca uma característica desse jornal.
Qual é ela?
c) O uso dos pronomes “seu” e “nosso” estabelece o lugar de quem fala e de quem lê. Essa oposição
atrai a atenção do leitor. Como isso ocorre?
8) Releia: “Esporte é nosso mundo”.
a) Que sentidos têm a palavra “nosso” na frase? Como é o mundo do esporte sugerido pela
propaganda?

OS ELEMENTOS DE COMPOSIÇÃO

9) O texto verbal da propaganda é curto.


a) Que relação há entre essa característica da linguagem e o leitor da propaganda?
b) A frase “Esporte é nosso mundo”, que aparece abaixo do título, é o slogan da propaganda. Que
ideia sobre o conteúdo do jornal é reforçada por ele?

75

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 75 28/09/2016 10:53:50


EXERCÍCIO 2:

Após responder ao exercício, avalie:


1) Você acredita que o exercício proposto pelo livro didático contribui para a leitura dos alunos? Por
quê?
2) O que você acrescentaria como atividade?
3) Que outras atividades poderiam ser realizadas para pensar a compreensão do gênero propaganda,
além de perguntas interpretativas?

EXERCÍCIO 3:

O exercício a seguir foi extraído do livro Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos (2015),
de Roxane Rojo e Jacqueline P. Barbosa. Ele avalia as marcas linguísticas de um post de internet e de uma
notícia que provém desse post.

1) Você sabe o que é racismo? Há racismo no Brasil? Se você acha que sim, indique algumas maneiras
como ele se manifesta.
2) Na internet, em 12/09/2011, logo após Leila Lopes, Miss Angola, ser eleita Miss Universo, um usuário
do Facebook postou um comentário recheado de racismo em seu perfil, “aprovando” a escolha:

Fonte: < http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2011/09/13/ale-peixoto-miss-leila-lopes-e-o-racismo-no-facebook/>

a) Quais os índices de aprovação da escolha de Leila como Miss Universo presentes nesse post?
b) Quais os índices de racismo presentes nesse post?

3) Você classificaria o post do autor carioca como um enunciado/texto? Por quê? Quais são as características
desse gênero?

4) O post provoca imediata reação antirracista nacional e internacional no próprio facebook, no twitter,
inclusive na imprensa. O jornal Digital Notícias Angola publicava dois dias depois a seguinte notícia:

76

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 76 28/09/2016 10:53:50


Fonte: <http://noticias.sapo.cv/vida/noticias/artigo/1185480.html>

a) Quanto aos esquemas de composição e tipos, o que é possível avaliar acerca da notícia?
b) Em que domínio discursivo se inserem os dois textos lidos: o post e a notícia?
c) Quais são os mecanismos coesivos presentes na construção da notícia? Que sentidos promovem?
d) O que é mais importante na notícia: sua forma, o fato ou os sentidos racistas do texto? Por quê?

3.8 Questão para reflexão

Reflita à luz das definições e teorias que estudamos aquilo que já vem sendo dito desde os
Parâmetros Curriculares Nacionais e avalie quais são a possíveis mudanças nas aulas de leitura vivenciadas
pela escola desde os PCNs:

77

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 77 28/09/2016 10:53:50


“A leitura na escola tem sido, fundamentalmente, um objeto de ensino. Para que possa constituir também objeto de
aprendizagem, é necessário que faça sentido para o aluno, isto é, a atividade de leitura deve responder, do seu ponto de vista,
a objetivos de realização imediata. Como se trata de uma prática social complexa, se a escola pretende converter a leitura em
objeto de aprendizagem deve preservar sua natureza e sua complexidade, sem descaracterizá-la. Isso significa trabalhar com
a diversidade de textos e de combinações entre eles. Significa trabalhar com a diversidade de objetivos e modalidades que
caracterizam a leitura, ou seja, os diferentes “para quês” e com as diferentes formas de leitura em função de diferentes objetivos
e gêneros: ler buscando as informações relevantes, ou o significado implícito nas entrelinhas, ou dados para a solução de um
problema” (PCNs, 1997, p.55).

3.9 Leitura indicada

Para complementar seu estudo, leia o artigo “Ressignificando a aula de leitura a partir dos gêneros
textuais”, de Cláudia Valéria Doná Hila, do livro Gêneros Textuais: da didática das línguas aos objetos
de ensino, organizado por Elvira Lopes Nascimento, da Editora Pontes, 2014. Nesse texto, a autora
apresenta sua pesquisa, que envolve uma atividade de formação continuada realizada com professores da
escola pública do sul do país, elaborando atividades a partir dos gêneros textuais.

3.10 Site indicado

Para contribuir com seu aprendizado, sugerimos o acesso ao link <http://www.


plataformadoletramento.org.br/.>. Como a própria página explica, na seção “Quem somos”:

A Plataforma do Letramento nasce da ideia de se criar um espaço para a reflexão, formação,


disseminação e produção de conhecimento sobre o letramento. Idealizada pela Fundação
Volkswagen e Cenpec, pretende criar uma comunidade de referência para educadores, professores,
gestores e demais profissionais que têm se dedicado a assegurar o direito ao pleno acesso ao
mundo da escrita para todos os brasileiros, como garantia do aprendizado ao longo da vida e da
participação ativa e autônoma nas diversas esferas do mundo social
.
A abordagem da Plataforma passa por diversas dimensões: a) Pedagógica: que discute alfabetização
e o ensino da leitura e da escrita na escola; b) Política: que estimula o debate sobre políticas públicas
relacionadas ao letramento e à formação de leitores no Brasil; c) Cultural: que considera as práticas de
leitura e escrita, dentro e fora da escola, como expressões da cultura e; d) Digital: que reflete sobre as
novas práticas de letramento originadas pela cultura letrada digital e propõe seu uso no próprio ambiente
virtual.

78

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 78 28/09/2016 10:53:50


Unidade IV – Práticas de leitura

Nesta quarta unidade da disciplina de Teoria e Prática da Leitura, iremos discutir acerca de práticas
metodológicas relacionadas ao ato de ler, importantes para pensar como podemos ensinar a leitura de
gêneros diversos no espaço de sala de aula, contribuindo para o desenvolvimento da competência leitora.
Para tanto, apresentamos uma reflexão inicial sobre a leitura da literatura e da necessidade de
promover o letramento literário a partir de práticas sistematicamente organizadas: as oficinas de leitura e
as sequências básica e expandida, propostas por Rildo Cosson (2006). Após isso, iremos discutir acerca
das sequências didáticas a partir dos gêneros discursivos, apresentando o modelo de sequência de Dolz,
Noverraz e Schneuwly (2004). Por último, apresentamos aspectos relacionados à leitura de um gênero
textual específico: as Histórias em quadrinhos. O objetivo é mostrar que, para elaborar uma proposta de
transição didática do gênero em sala de aula, é preciso conhecê-lo como prática situada, com propriedades
específicas.

4.1 A leitura da literatura

A promoção da leitura é papel da escola. Falamos aqui da multiplicidade de leituras oferecidas


pelas atuais esferas de comunicação em seus espaços de construção, buscando a tarefa de contribuir
para o desenvolvimento da competência leitora. Pensando nisso, passaremos a discutir acerca da leitura
da literatura, pois observamos que, mesmo havendo um acordo entre professores sobre a importância
da leitura literária, a prática reflete diversos problemas como um programa curricular clássico que visa à
apreensão de conceitos teóricos baseados em uma metodologia de ensino garantida pelo livro didático e
estes, por fragmentos de obras literárias e uma infinidade de conceitos que são cobrados numa sequência
obrigatória. Diante dessa crise do ensino de Literatura, a qual não se percebe apenas no ensino médio,
mas desde os anos iniciais do Ensino Fundamental, a consequência é o fracasso na busca pela formação
do leitor. Nesse sentido é que se ressalta a necessidade de desenvolver letramentos e, nesse caso, um
letramento específico, denominado por Cosson (2006) de letramento literário.
Cosson e Paulino (2009) definem letramento literário como processo de apropriação da literatura
enquanto construção literária de sentidos. Afirmam ainda que

o letramento literário pode ser concebido simplesmente como uma das práticas sociais da escrita,
aquela que se refere à literatura. Nesse caso, a adoção do conceito de letramento literário vem ao
encontro da sempre reivindicada leitura efetiva dos textos literários como requisito sine qua non
para o acesso concreto e frequente a obras literárias após ou durante o ensino escolar da literatura
(COSSON e PAULINO, 2009, p. 66-67).

Nesse sentido, o letramento visto como prática social é um estado de permanente transformação e,
no caso da literatura, sugere um processo de ressignificação da leitura, uma vez que o leitor, ao incorporá-la
é capaz de renová-la, conferindo ao texto novos significados, novas interpretações, a fim de compreender
não só a relação entre os textos, mas a relação entre literatura e vida cultural.

79

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 79 28/09/2016 10:53:50


Em relação aos textos literários, Antunes (2009, p. 200) enfatiza que “ler textos literários possibilita-
nos o contato com a arte da palavra, com o prazer estético da criação artística, com a beleza gratuita da
ficção, da fantasia e do sonho, expressos por um jeito de falar tão singular, tão carregado de originalidade
e beleza”. Ainda, segundo a autora, lê-los é entrar no mistério, na transcendência, criados pela polivalência
de sentidos da palavra e aqui entra o processo de conquista do leitor, do despertar pelo gosto da leitura e
da busca pelo hábito de ler.
Zilberman observa que “ao ler, o leitor experimenta uma situação desencadeada tão-somente
pela leitura: ele consegue ocupar-se dos pensamentos do outro”, e ainda acrescenta que “graças a essa
propriedade da leitura, o autor substitui a própria subjetividade por outra, abandonando temporariamente
suas disposições pessoas e preocupando-se com algo que até então não conhecia” (2001, p. 52). Eis uma
das grandes capacidades do texto literário e, por isso, a necessidade de compreender a sua mediação entre
os indivíduos, pois a leitura, com o processo de identificação que gera, “favorece o mergulho de um sujeito
no interior da identidade do outro, amalgamando-os, durante seu decorrer num ser único” (2001, p. 50).
Podemos perceber isso a partir do texto abaixo:

AS MENINAS

Dona Jucélia botou a sorveteria ali, ao lado da entrada. Foi esperta. Era um lugar de muita
passagem. Embora a cidade fosse pouco mais que uma vila, estava crescendo e já tinha até seu turismo.
Mambembe mas tinha.
- A gente tem que acreditar no futuro – dizia ela aos quatro ventos.
Tratou de se informar das modernidades e tascou tudo lá. O sorvete vinha no barco da manhã,
chegava derretendo, indo para os balcões brilhantes e montes de baldes coloridos. O freguês tinha só que
escolher em meio à variedade de sabores. Uma infinidade. E ainda por cima, vinham as coberturas. Era
apertar a bisnaga, e aquilo esguichava adoidado: chocolate, baunilha, caramelo, e coisa que ali o povo nem
sabia o nome. Confeito havia de toda a cor: pequeno, grande, amarelo e encarnado. Até bolinhas prateadas
e doces tinha. A brancura do chão e das paredes era fulgurante, parecia um templo, um disco voador
despencado naquela miséria toda. Do pisca-pisca na fachada então nem se fala. De longe não se podia
deixar de ver. Era impressionante. Na inauguração veio autoridade para bater no peito e fazer discurso
de progresso, padre para jogar água benta: tudo a que dona Jucélia tinha direito. Encheu de criança de
barriga d’água e de olho grande do lado de fora, com cara aparvalhada, e o povo juntou na porta. Parecia
o paraíso na terra. Um sucesso.
Daí para frente era só o trabalho de abrir a gaveta e contar a dinheirama, porque a vizinhança
não tinha para a farinha, mas achava para o sorvete. Dona Jucélia foi logo tratando de arrumar uma
curuminha magriça, cheia de pernas e dentes, dessas ligeiras e que dão conta do recado. O trabalho da
gorda era mandar, e isso ela sabia fazer como ninguém. O dia inteiro era um limpa daqui, esfrega dali, lava
taça, recolhe lixo, passa pano, dá um brilho no balcão, que aquilo era coisa moderna e tinha que ficar nos
trinques. Era – Suélemmm – gritado de manhã até a noite. Esse era o nome da guria. A mãe, grudada na
TV, que no barraco podia faltar penico mas TV claro que tinha, havia lhe dado nome de artista. A menina
pelava de medo e se esfalfava; tudo por uns bons trocados e um sorvete ao fim do trabalho. Dona Jucélia,
suada e resfolegando um olho no dinheiro e outro na empregada, comandava melhor que general em
quartel. O dia ia passando, o olho da menina crescendo, a barriga roncando, mas ela firme e forte, porque
a hora do sorvete era sagrada.
Naquele domingo, o sol já estava caindo e dando clemência quando o caminhão parou à porta,
chiando pneu e fazendo bonito. O motorista desceu e atrás dele surgiu uma gurizada de corpo já formado,

80

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 80 28/09/2016 10:53:50


metida em uma saia rota e malfeita, uma blusa de pano fino que lhe marcava os bicos dos peitinhos
púberes, um tremer e um olhar de bicho do mato. O seu jeito anunciava a infância assustada ainda lhe
cheirando o leite no copo, o riso tímido. Porejava constrangimento: o suar frio das mãos, o medo e
a primeira vez. Entraram na sorveteria, ele na frente, gesticulando, falando alto, se esparramando e
cumprimentando dona Jucélia com uma piscadela safada. Era um homem de lá seus quarenta anos, desses
encorpados que todo o mundo sabe que arrota sem pejo, palita os dentes e cospe longe. Uma camiseta
que um dia já fora branca lhe grudava na pele, deixando a barriga cabeluda e suada metade de fora. Barba
por fazer, um cabelo engordurado de brilhantina, olhos porcinos e cúpidos, calça caída na pança e umas
botinas lustrosas compunham a figura dele, toda a vontade, riu para dona Jucélia que acudia sorridente e
pressurosa, pois freguês, sempre bem-vindo. E esse não tinha jeito de sovina.
A guria chegante aproximou-se do balcão e foi regalando o olho, que ela nem nunca sonhava que
aquilo tudo existia. A brilharia toda, o colorido, o perfume do sorvete. Só podia estar no céu. Quanto mais
ela olhava, mais o seu rosto ia se abrindo, mais ela extasiava, mais paralisada ficava. O homem anunciou
que ela escolhesse tudo a que tinha direito, sorvete e confeito; riu alto, bateu na barriga. Dona Jucélia,
que logo entendeu a piscadela dele, também riu para a menina, toda enxerida. Não se acanhe meu bem...
Ah....Que menina bonita...- foi abrindo os vidros, oferecendo, exibindo, puxando a guria, que continuava
muda, desacostumada com aquele dengue, que o mundo nunca lhe tratava assim. Suélem também achou
esquisito aquele melado todo, mas não estranhava mais, que a gorda tinha voz pra tudo, voz para agradar
freguês e voz para lhe buzinar ordem.
A guria não sabia para onde olhar, não sabia escolher, sempre fora escolhida, não conhecia esses
luxos. Ficou arfante, o peitinho pulando na blusa, o olho do homem brilhando, sua boca quase babava.
Ele oferecia e ria, insistia mais, gesticulava no ar. – Vai, minha linda... Pega tudo o que quiser... Escolhe...
É tudo teu... – e lhe alisava os braços, mãos afoitas e quentes. A cabeça da menina girou, pouco olho para
tanta delícia, a fartura e a cor, todas essas bonitezas lhe subiam à cabeça, e lhe punham a rodopiar o juízo.
A boca encheu de água, ela tremia, ia de um pote a outro, não se decidia. Tudo era cor de desejo,
desejo no confeito encarnado, na calda escura que escorregava devagar, desejo cortando o ar, ardendo na
boca salivosa do homem, em suas mãos sôfregas, desejo no arfar de dona Jucélia, que quase gozava com
isso, desejo de doce, de menina-criança, desejo de Suélem de fugir desse mundo.
A guria olhou para Suélem, e Suélem olhou para a menina.
Bem devagarinho, uma presa no olho da outra, quase se escutava, vindo lá do fundo das duas
almas, um fio, um piar de passarinho, asa de beija-flor, borboleta. Vinha subindo um suspiro, um gorgolejo,
do entendimento, uma aceitação do que as esperava, da vida e da sina. Os olhos das duas brilhavam no
entendimento, e um sorriso cúmplice lhes chegou à boca.
A registradora tilintou, e o homem riu.
O caminhão partiu chiando, e Suélem, de olho comprido, pegou o pano de chão e foi limpando.
Limpando e esperando a sua vez.

DO VAL, Vera. Histórias do Rio Negro, São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 121 a 125.

Pelo texto lido, entendemos que nenhum leitor absorve passivamente um texto. Claramente,
com o texto de Vera do Val, nossos atos de compreensão nos capacitam a refletir sobre nós mesmos e
descobrir um mundo que até agora não tivemos acesso ou, ainda, compreender um mundo que já vimos,
mas que não tínhamos visto através do olhar do autor, percebendo a literatura como ato estético. Como
afirma Zilberman, “a literatura realiza seu papel social porque propicia um tipo de leitura que produz uma
ruptura no interior das vivências do sujeito, apontando-lhe as possibilidades de outro universo e alargando
suas oportunidades de compreensão do mundo” (2001, p. 55).

81

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 81 28/09/2016 10:53:50


Nesse sentido é que passamos a pensar na literatura na escola, a partir da sua importância, do
seu papel social, do seu caráter libertador capaz de contribuir para promover a emancipação dos sujeitos,
papel que se efetiva por consequência da experiência da leitura. Dessa forma, apresentamos a seguir
algumas orientações de práticas pedagógicas que podem ser promovidas pelos professores na escola, a fim
de promover o Letramento Literário.

4.1.1 Oficinas de Leitura

As oficinas de leitura podem ser excelentes momentos de aprendizado da leitura e também


contribuem para despertar o gosto e desenvolver o hábito da leitura. Isso acontece, pois, ao planejar uma
oficina de leitura, precisamos entender que essa atividade implica participação ativa e construtiva dos
envolvidos, além de criatividade em busca de situações prazerosas e estimulantes.
Além disso, uma oficina de leitura conta com a troca de experiências permeadas por diálogo,
em que o ato de ler implica interação também entre os leitores que compartilham suas experiências,
suas sensações e avaliações diante do texto. O que queremos aqui é pensar a Oficina de leitura voltada
especificamente para o texto literário, o que não é obrigatório, mas que é foco desta seção da unidade.
A seguir, passamos a explicar os passos para a organização de uma Oficina de Leitura Literária, os quais
elaboramos a partir de conhecimentos e autores diversos e das orientações de leitura na obra Literatura
na Escola – Propostas para o Ensino Fundamental (2006), dos autores Ernani Mugge e Juracy Assmann
Saraiva. Vamos aos passos:
1) Para elaborar uma oficina de leitura, escolhem-se os gêneros literários a serem trabalhados.
Eles podem variar entre fábulas, lendas, mitos, adivinhações, parlendas, quadrinhas, contos populares,
crônicas, contos, microcontos, poesia, texto teatral, roteiro de filme, romance. Para essa escolha, é preciso
considerar alguns aspectos importantes:

A Faixa etária dos envolvidos.
Objetivo da oficina - que pode variar entre conhecer um gênero literário específico, estabelecer
B
diálogo entre diferentes gêneros literários a partir de um mesmo tema, ou conhecer um autor;
Conhecimentos e interesses dos envolvidos, os quais variam a partir da faixa etária, do contexto
C
social vivenciado, das experiências de leituras anteriores;
A seleção dos textos também pode se dar pelo caráter lúdico, pelo tratamento dispensado à
D linguagem, pelos temas que tratam e pela possibilidade de adesão do leitor, uma vez que a
oficina tem, como um de seus interesses, atrair os envolvidos para novas leituras;
E Tempo de realização da oficina.

2) Feita a escolha do gênero que irá compor a oficina, elaboram-se atividades a partir das seguintes
etapas17:

17
Essas etapas têm como base as apresentadas por Ernani Mugge e Juracy Assmann Saraiva, na obra Literatura na Escola – Propostas para o
Ensino Fundamental (2006), mas sofreram acréscimos e modificações.

82

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 82 28/09/2016 10:53:50


ETAPA OBJETIVO

Objetiva sensibilizar os alunos para a leitura, apresentando uma


Etapa introdutória à
dinâmica atrativa que estabeleça um diálogo com o texto, antes
recepção do texto
mesmo de lê-lo.
É a leitura propriamente dita, pode acontecer de forma silenciosa, ser
lida pelo professor, lida em grupo, dramatizada, etc. Aqui, destacam-
Etapa de leitura
se as significações explicitadas e não explicitadas pelo texto;
compreensiva e
avaliando as questões relacionadas ao gênero textual trabalhado e
interpretativa
todas as suas propriedades, que devem surgir a partir de orientações
dadas pelo professor.
Etapa de compartilhamento Objetiva prever um momento de discussão acerca do texto, das
de ideias e conhecimentos impressões dos leitores a partir do que leu, etc.
Privilegia a produção de textos dos alunos, expressos por meio de
Etapa de transferência e da
várias linguagens; além disso, busca transcender a área da língua e
aplicação da leitura
integrar diferentes disciplinas do currículo escolar.

Para o sucesso dessas atividades, é importante ler previamente texto literário que será trabalhado, além
de preparar-se para eventuais mudanças, por ausência de material ou qualquer outro imprevisto. Após a realização
das oficinas, é possível expor produções para compartilhar experiências de leitura e atrair novos leitores, assim
como registar resultados das atividades e alterações consideradas importantes, tendo em vista aplicações futuras.

4.1.2 As sequências básica e expandida para a leitura da literatura

Além das oficinas literárias, podemos trazer aqui também as sequências propostas por Cosson
em seu livro Letramento Literário (2006). As sequências são atividades para serem realizadas em mais de
um momento, por isso optamos por separá-las das oficinas. Cosson (2006) propõe um caminho que
sistematiza as atividades das aulas de literatura em duas sequências exemplares, a básica e a expandida.
A primeira pensada para a leitura de textos literários no Ensino Fundamental, e a segunda, no Ensino
Médio. As sequências são fundamentadas em três perspectivas metodológicas: 1) TÉCNICA DE
OFICINA: ludicidade e criatividade verbal aliadas ao caráter de aprender fazendo; 2) TÉCNICA DO
ANDAIME: metáfora sobre a ideia da troca de conhecimentos entre docente e aluno e; 3) TÉCNICA
DO PORTFÓLIO: permite o registro e o encadeamento das atividades realizadas para o processamento
da leitura.
A seguir, explicitamos cada uma delas. Optamos por apresentá-las de forma mais esquemática e
trazer um exemplo da sequência expandida.

4.1.2.1 A sequência básica


A sequência básica é constituída de quatro passos: motivação, introdução, leitura e interpretação.

83

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 83 28/09/2016 10:53:50


Quadro 11: 1ª ETAPA
ETAPA OBJETIVO ATIVIDADES
Preparar o aluno  Discussão sobre a temática abordada pelo texto
MOTIVAÇÃO para a leitura do  Observação do gênero textual a ser lida, sua
texto. estrutura e estilo.
Quadro 12: 2ª ETAPA
ETAPA OBJETIVO ATIVIDADES
 Apresentação da obra e sua importância,
Apresentar justificando a escolha;
autor e obra,  Estabelecer estratégia para despertar a curiosidade
fornecendo ao do leitor, antecipando ou não alguma parte do enredo;
INTRODUÇÃO aluno informações  Apresentação física da obra e exploração dos
básicas sobre o elementos paratextuais (leitura coletiva do objeto livro);
autor, ligadas ao  Levantamento de hipóteses sobre a leitura feita
texto a ser lido; (orelha, capa, contracapa, prefácio) e justificativa da
primeira impressão, após o término da leitura da obra.
Quadro 13: 3ª ETAPA
ETAPA OBJETIVO ATIVIDADES
 Acompanhamento da leitura sem policiamento, a
fim de auxiliar os alunos em suas dificuldades;
 Aplicação de intervalos (no máximo três) para
apresentação dos resultados das leituras dos
alunos;
Realizar a leitura de  Caracterização dos intervalos: leitura de textos
texto curto em sala menores que tenham ligação com texto maior;
LEITURA de aula ou leitura leitura conjunta de um capítulo ou trecho de
de texto extenso em capítulo, para ser trabalhado estilisticamente em
horário extraclasse. microanálise;
 Atividades do intervalo: período destinado a
perceber dificuldades de leitura (vocabulário,
estilo, estrutura composicional, interação com o
texto, ritmo de leitura).

Quadro 14: 4ª ETAPA


ETAPA OBJETIVO ATIVIDADES
 Construir o sentido do texto, por meio de
inferências: partir da construção dos enunciados, que
constituem as inferências, para chegar à construção do
sentido do texto;
 Interpretação interior: decifração de palavras,
Promover a páginas, capítulos, até chegar à apreensão global da obra;
INTERPRE-
construção do  Interpretação exterior: concretização da
TAÇÃO
sentido do texto. interpretação como ato de construção de sentido;
 Compartilhamento das interpretações dos alunos:
reflexão e externalização das interpretações;
 Registro das interpretações: desenho, música,
resenha, performances, diário anônimo, colagens,
maquetes, júri simulado, feira do livro, produção literária.

84

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 84 28/09/2016 10:53:50


4.1.2.2 A sequência expandida
A sequência expandida é naturalmente inserida na sequência básica, mas procurando atender às
necessidades de professores do Ensino Médio, com o aprendizado da literatura mais sistematizado. A
sequência expandida vem deixar mais evidente as articulações que se propõem entre experiência, saber e
educação literários inseridos no horizonte do letramento dentro do currículo proposto no Ensino Médio.
Como se baseia na sequência básica, as duas primeiras etapas são iguais às apresentadas no item
anterior (Motivação – atividade de preparação e Introdução – apresentação autor e obra). Assim, passamos
direto à terceira etapa, a qual apresenta modificações.
Quadro 15: 3ª ETAPA
ETAPA OBJETIVO ATIVIDADES
Realizar a leitura de
texto extenso com  Realização de paradas entre capítulos da obra para
L E I T U R A - partes de leitura compreensão de aspectos globais e de construção
com intervalos previstas em sala e estabelecimento de comparações com textos
de aula e parte em diversos.
horário extraclasse.
Quadro 16: 4ª ETAPA
ETAPA OBJETIVO ATIVIDADES
 CONTEXTUALIZAÇÃO DA OBRA:
contextualizar sempre por meio de pesquisas,
participativas com registro contínuo dos alunos;
 COMPREENSÃO TEÓRICA: apreensão das
ideias que sustentam ou estão encenadas na obra;
 COMPREENSÃO HISTÓRICA: percepção
da época que ela encena ou o período de sua
publicação – relacionar o texto com a sociedade
que o gerou ou com a qual ele se propõe a abordar
internamente;
Realizar a apreensão
 ANÁLISE ESTILÍSTICA: compreensão dos
da obra através da
1ª INTER- estilos de época – buscar analisar o diálogo entre
compreensão de
PRETAÇÃO obra e período, mostrando como uma alimenta o
questões globais e de
outro;
construção.
 ANÁLISE POÉTICA: estruturação e composição
da obra, quais os princípios de sua organização;
 ANÁLISE CRÍTICA: análise de outras leituras
que tem por objetivo contribuir para a ampliação
do horizonte de leitura da turma;
 ANÁLISE PRESENTIFICADORA: busca a
correspondência da obra com o presente da leitura
a fim de verificar a atualidade do texto;
 ANÁLISE TEMÁTICA: definição de tema ou
temas expressos na obra.

85

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 85 28/09/2016 10:53:50


Quadro 17: 5ª ETAPA
ETAPA OBJETIVO ATIVIDADES
Realizar a leitura
aprofundada de  Exercício de Expansão: busca destacar a
um dos aspectos possibilidade de diálogo que toda obra articula
2ª INTER-
da obra realizando com os textos que a precederam ou que lhes
PRETAÇÃO
registro final e são contemporâneos ou posteriores. Este é um
compartilhando trabalho essencialmente comparativo.
leitura.

Cosson (2006) traz, em seu livro, exemplos de sequências que foram aplicadas em escolas de
educação básica, as quais mostraram um resultado positivo, o que faz com que as apresentemos aqui. A
seguir, passaremos a discutir outra forma sistemática de trabalhar a leitura.

4.2 As sequências didáticas (SD) propostas por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) para o ensino
de gêneros textuais

A proposta que aqui apresentamos traz o detalhamento da noção de sequências didáticas para o
ensino de gêneros textuais. A metodologia e os procedimentos são sugeridos por Joaquim Dolz, Michèle
Noverraz e Bernard Schneuwly em seu texto “Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação
de um procedimento”, publicado em 2004, em obra organizada por Roxane Rojo: Gêneros orais e escritos na
escola.
Os procedimentos apresentados pelos autores têm caráter modular e consideram tanto os gêneros
orais quanto escritos. Dolz, Noverraz e Schneuwly definem a sequência didática como “um conjunto
sistemático de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual
oral ou escrito” (2004, p. 82). Esse conjunto de atividades visa ao aprofundamento da competência leitora
e das práticas de escrita e de produção oral
Segundo Amaral (2016)18, as sequências didáticas são um conjunto de atividades ligadas entre si,
planejadas para ensinar um conteúdo, etapa por etapa. Organizadas de acordo com os objetivos que o
professor quer alcançar para a aprendizagem de seus alunos, elas envolvem atividades de aprendizagem e
de avaliação. Essas sequências orientam o professor para o trabalho com os diferentes gêneros de texto:
artigo de opinião, poesia e memória, conto, quadrinhos, notícia, entre outros.
Ainda de acordo com Amaral (2016), para ensinar os alunos a dominar um gênero de texto de forma
gradual, passo a passo, usando a sequência didática para trabalhar o gênero textual escolhido, o professor:
explora diversos exemplares desse gênero, estuda suas características próprias e leva seus alunos
a praticar diferentes aspectos de sua escrita antes de propor uma produção escrita final.

18 Disponível em <https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-publicacoes/revista/ artigos/artigo/1539/


sequencia-didatica-e-ensino-de-generos-textuais>.

86

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 86 28/09/2016 10:53:50


A sequência didática apresenta a seguinte estrutura:

Segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), os procedimentos envolvidos no modelo das


sequências didáticas envolvem quatro fases:

I. Apresentação da situação de produção de um gênero: (i) o professor compartilha com os alunos o projeto
de comunicação em que estarão envolvidos durante algumas semanas, apresenta o gênero oral ou escrito que será
estudado e comenta as diversas atividades que serão desenvolvidas. A turma decidirá para quem o gênero será
produzido (pais, colegas, comunidade...) e a forma que terá a produção (áudio, vídeo, teatro, folheto, blog, mural...);
(ii) o professor expõe os conteúdos com os quais a turma trabalhará, aponta quais são as áreas de conhecimentos
envolvidas, sobre o que devem escrever ou falar, apresenta exemplares do gênero para que possam ler ou ouvir e
discutir alguns aspectos de sua organização.

II. Produção Inicial: pode ser realizada tanto coletiva como individualmente, dirigida à turma ou a um destinatário
fictício e tem como objetivo identificar o conhecimento prévio dos alunos sobre o gênero. A partir das primeiras
produções, o professor observará o que os alunos já sabem e várias singularidades dos seus textos. Essa avaliação
contribuirá no planejamento das futuras intervenções e pode ser que, apesar da sequência didática já definida, seja
necessário completar ou transformar as atividades em função das necessidades dos alunos.

III. Módulos intermediários: são construídos em torno dos elementos particulares do gênero textual: a situação
de comunicação, a forma composicional, o conteúdo temático e as marcas linguísticas e, assim, permitem que os
alunos aprendam por meio de atividades variadas, as características do gênero estudado. Em função de dificuldades
particulares dos alunos, o professor pode transformar os módulos ou destinar mais aulas para um determinado
módulo, orientando-os em grupos ou individualmente para progredirem na construção dos conhecimentos.

IV. Produção final: é um parâmetro avaliativo para verificar os conhecimentos construídos pelo aluno durante
o desenvolvimento da SD. Além disso, auxilia o aluno a “[...] regular e controlar seu próprio comportamento de
produtor de textos, durante a revisão e reescrita” (DOLZ, NOVERRAZ E SCHNEUWLY, 2004, p.107) uma vez
que o professor lhe oferece como referencial, para sua produção, seja a lista de constatações elaborada durante a
SD, seja uma grade com os elementos do gênero trabalhados em sala e que devem ser observados na organização
da produção textual.

87

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 87 28/09/2016 10:53:50


Com esses procedimentos, nota-se que as sequências didáticas visam ao conhecimento do gênero
e ao desenvolvimento de competências de leitura e produção em diversas situações comunicativas. Dessa
forma, é importante que, para desenvolver sequências didáticas, o professor conte com o conhecimento dos
gêneros textuais com os quais irá trabalhar. Pensando nisso, apresentamos a seguir aspectos relacionados à
leitura do gênero textual quadrinhos. Vamos discuti-lo para que depois possamos elaborar procedimentos
de aprendizagem acerca desse gênero.

4.2.1 Conhecer o gênero para desenvolver a sequência didática: a leitura dos quadrinhos

Os quadrinhos estão presentes no nosso cotidiano. Aparecem em jornais, em revistas, em páginas


da internet e ganham vida na televisão quando são transformadas em filmes. Além disso, fazem parte de
materiais pedagógicos utilizados nas escolas, intencionando despertar a criatividade, provocar a percepção
de sentidos, a imaginação criadora.
Ramos (2009, p.17) afirma que os quadrinhos “gozam de uma linguagem autônoma, que usa
mecanismos próprios para representar os elementos narrativos”. Em sua obra A leitura dos quadrinhos
(2009), o autor concebe quadrinhos como sendo um grande rótulo, um hipergênero que agrega outros
gêneros quadrinísticos, como a caricatura, a charge, a tira, o cartum, os quais usam uma linguagem própria,
com elementos visuais e verbais. Por isso que, nesta seção, iremos tratar dos quadrinhos como hipergênero,
trazendo a tira como um gênero que advém dos quadrinhos. O autor aponta algumas características
específicas deste e de outros gêneros que se utilizam de sua forma de construção:
a) A representação da fala e do pensamento: as HQs possuem uma série de recursos multimodais para
representar uma fala, um deles é o balão, que aparece através de muitas representações. Observemos o
quadrinho do Calvin, escrito por Bill Watterson:

Fonte: <depositodocalvin.blogspot.com>

88

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 88 28/09/2016 10:53:50


Há uma infinidade de representações de balões nos quadrinhos. Neste, percebemos o balão-
berro, como primeira ocorrência, o balão-zero, que aparece no terceiro e no quinto quadros, o balão-fala,
presente no quarto quadro e nos três quadrinhos da última tira, assim como um balão-especial em que se
pronuncia “Ele está virando líquido”, que contribui para o ato de tornar-se líquido. O que importa aqui
não é nomear os balões, mas compreender que cada um deles exerce uma função e contribui para os
sentidos promovidos no ato da leitura.
À noção de balão, junta-se a noção de apêndice: que é o “rabinho” do balão que indica de onde
vem essa fala. Na tira abaixo, notamos que há um único apêndice para vários balões, o que pode ser
chamado, segundo Ramos (2009), de balão-composto. A sequência de balões com apenas um apêndice
contribui para o humor e o sentido produzido na tira: a crise e a aflição do Cascão se complementam
pelo uso de várias falas, certamente ditas sem parar, o que se reforça pela expressão facial do menino e
das meninas:

Fonte: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1127100380670136&set=a>

Para representar a fala, a presença da oralidade e de seus recursos na forma escrita, as HQs também
contam com outros recursos: o uso da pontuação, os diferentes valores expressivos da letra (negrito,
itálico, caixa alta), a variação de formato da letra, a expressão de níveis variados de linguagem, conforme o
personagem, recursos para marcar interrupções (reticências), fala pausada (uso do hífen), o silêncio (balões
em branco), e alguns termos que sintetizam momentos de conversação como ‘blá-blá-blá”, “Hahahaha”,
assim como caracteres desconhecimentos ou signos icônicos como pregos, caveiras, estrelas e outros, que
representam xingamentos. Além dos recursos apresentados nos balões, os quadrinhos também utilizam a
legenda, representação para a presença de um narrador na história.
Vejamos a tira abaixo, com um exemplo de valor expressivo da letra. Neste uso, a compreensão do
tom alto de voz usado ao pronunciar a frase “Veja... uma aranha lá no teto”, dita por Hagar:

89

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 89 28/09/2016 10:53:50


Fonte: < www.lpm-blog.com.br>

a) As diferentes formas de sons: As HQ se utilizam muito frequentemente de onomatopeias, em que


o ruído é mais visual do que sonoro. As onomatopeias têm uma função muito importante na elaboração
dos sentidos da sequência narrativa apresentada, conforme observamos:

Fonte: < roseartseducar.blogspot.com >

Fonte: < midiatividades.wordpress.com>

Nas duas tiras apresentadas, a onomatopeia é fundamental para o processamento do sentido do


texto. Na primeira, o “crás” denota o barulho do vaso quebrado e o “puf ”, a corrida do Cebolinha,
que desaparece. A onomatopeia, aliada à imagem, contribui para promover o sentido anunciado pela
fala do Cebolinha no primeiro balão, evidenciando a sequência narrativa ao texto. Na segunda tira, o
excesso de onomatopeia denuncia a ação contínua e demorada, por ser exagerada, da Magali, que come
até o anoitecer. O humor da tira acaba sendo gerado a partir do sentido promovido exatamente pela
onomatopeia. Nesta tira, também temos a marcação da passagem do tempo, dada por dois elementos:
a repetição da onomatopeia e a imagem do sol (no primeiro quadrinho) e da lua (no último quadrinho).

90

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 90 28/09/2016 10:53:51


a)A cena narrativa e os personagens: cada quadro de uma história em quadrinhos contempla
uma cena que se complementa em sequência, quadro a quadro. Mesmo que o formato ou o contorno do
quadrinho variem, a história se desenvolve sequencialmente. Nesta cena, incluem-se os personagens, que
orientam o leitor sobre a trama e o rumo da história. Conhecer acerca dos personagens, uma vez que eles
se tornam fixos, contribui para compreender os sentidos que se produzem. Para entender isso, vejamos o
quadrinho a seguir:

Fonte: <espacoalfaletrar.blogspot.com>

Quem conhece o personagem Calvin compreende que Hobbes (ou Haroldo) é um tigre de pelúcia,
mas o tigre ganha vida sempre que está sozinho com ele, é o seu amigo imaginário, uma referência ao
seu ser infantil, totalmente imaginativo e lúdico. Esse conhecimento prévio contribui para a atribuição
de sentidos, como estratégia de leitura. A tira a seguir, também demonstra isso em relação ao mesmo
personagem:

91

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 91 28/09/2016 10:53:51


Fonte: < www.capinaremos.com >

Nesse caso, a cor do último quadrinho gera a compreensão de um mundo que se torna preto e
branco, sem cor, sem vida, com as obrigações cotidianas. Há, nesse ponto, uma reflexão importante acerca
das distinções entre o mundo adulto e o mundo das crianças.
d) As metáforas visuais: assim como existem metáforas na escrita, existem também nas imagens. Nos
quadrinhos, há diversas formas de expressar ideias, sentimentos, através de imagens. Nesse sentido é que
a metáfora visual acontece, como observa Ramos (2009), quando a imagem se associa a um conceito
diferente do seu significado visual: as estrelas que significam dor, a lâmpada que indica uma ideia, os
corações que indicam paixão, etc. Atrelado a isso, o corpo dos personagens fala através de seus gestos
e movimentos. Estes movimentos são reforçados por linhas cinéticas que são convenções gráficas que
geram a ilusão do movimento ou da trajetória percorrida. Vejamos um exemplo:

Fonte: < http://blogdoxandro.blogspot.com.br/2011/01/tiras-n1361-hugo-baracchini-laerte.html>

92

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 92 28/09/2016 10:53:51


Na primeira tira de Hugo, do Gato&gata, as estrelas presentes constroem metáforas visuais para a
dor sentida pelo gato, assim como as gotas de suor na última tira, que traduzem seu cansaço após a rápida
ação. Além disso, as linhas cinéticas do segundo quadrinho mostram a ação de atacar o sorvete e comê-lo
velozmente.
e) O humor nos quadrinhos: se pensarmos as HQs como um hipergênero, compreendemos que a tira
deriva das histórias em quadrinhos, usando muitos de seus recursos, conforme vimos acima. No entanto,
a tira apresenta características específicas, elencadas por Ramos (2011, s/p)
1. apresenta formato fixo, de uma coluna; a tendência é que o formato seja horizontal, de um (mais
comum) ou dois andares; em revistas em quadrinhos, pode aparecer também na vertical; [...]
2. os personagens podem ser fixos ou não;
3. há predomínio da sequência narrrativa, com uso de diálogos;
4. o tema abordado é humorístico;
5. há tendência de criação de um desfecho inesperado, como se fosse “uma piada por dia”;
6. a narrativa pode ter continuidade temática em outras tiras.

Considerando os itens 4 e 5, mencionados por Ramos, é que passamos a pensar um pouco o


processo de referenciação e inferência na tira, o que contribui para gerar o humor. No processo de
referenciação, constroem-se objetos-de-discurso de ordem visual, que são recuperados na cena seguinte.
Ramos (2007, 2009, 2011) e Capistrano (2011) discutem a existência desse mecanismo e, em todas essas
investigações, pode-se perceber a discussão da necessidade de buscar uma metodologia e por categorias
que explicitem os processos de leitura e de produção do sentido em textos multimodais.
Capistrano (2011) avalia que, para construir a referenciação, os referentes (aquilo que se fala) são
introduzidos por meio dos signos linguísticos (palavras) e/ou signos icônicos (desenhos), o que permite
a introdução (informação nova) e a retomada (informação dada) de novas entidades. Observemos isso
na tira abaixo;

(In: CAPISTRANO, 2011, p.228)



O autor assim explica a referenciação que gera o humor na tira: No 1º quadro há dois referentes
visuais, o Cebolinha e a cegonha, que introduzem o tema da tirinha- “De onde vêm os bebês?”. Aqui,
cabe ao leitor ativar o conhecimento acerca dessa explicação mitológica em relação ao nascimento. No 2º
quadro, há a retomada do referente cegonha e introdução de um novo referente: Mônica. E, por fim, no
3º quadro, a introdução de novos referentes - Cascão e urubu – os quais geram frustração de expectativa,

93

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 93 28/09/2016 10:53:51


constituindo-se estratégia para a produção de humor e gerando produção de sentidos. A geração de novos
sentidos é possível pela inferência realizada pelo leitor: se conhece o personagem Cascão sabe por que o
urubu é o pássaro que o carrega.
Diante de todos esses aspectos analisados a partir dos quadrinhos, compreendemos a necessidade
de conhecer bem cada um dos gêneros a fim de elaborarmos sequências didáticas. Se os gêneros textuais
são vistos como práticas sociais, sua leitura deve acontecer como uma atividade de ação e interação em
que os leitores, a partir do texto, ativem conhecimentos, avaliem objetivos e estabeleçam estratégias de
leitura, agindo sobre a materialidade textual, num processo dialógico. As práticas metodológicas do ensino
de leitura precisam contribuir para que isso se efetive nas aulas de língua.

4.3 Atividades de Aprendizagem

Escolha um gênero literário para elaborar uma Oficina de leitura com o objetivo de despertar o
interesse pela leitura e contribuir com a formação do hábito e da competência leitora. Siga os passos
da Oficina de Leitura apresentados nesta unidade. Não se esqueça de adequar a um ano específico da
Educação Básica. Os gêneros literários podem ser conto (e seus subgêneros), crônica, mitos, lendas,
fábulas, microcontos, poesia, texto teatral.

4.4 Síntese

Nesta unidade, discutimos sobre as atividades práticas de leitura, considerando a necessidade de


pensar estratégias e atividades de leitura para formação do leitor e para o desenvolvimento da competência
de leitura. Para tanto, apresentamos uma discussão inicial acerca da importância da leitura da literatura
e do letramento literário na escola para depois apresentar as oficinas de leitura, a sequência básica e a
sequência expandida, estas duas últimas baseadas em Cosson (2006). Por fim, explicitamos a sequência
didática proposta por Dolz, Noverraz, Schnewly (2004) e suas partes, mostrando, através da discussão
acerca dos quadrinhos, a necessidade de conhecer um gênero textual para, assim, desenvolver uma ação
sistemática de leitura nas aulas de língua.

4.5 Aprofundando o conhecimento

Para estudar mais acerca das práticas de leitura, sugerimos a leitura do livro de Lúcia Santaella: Leitura
de imagens. São Paulo: Melhoramentos, 2012. Esta obra oferece ferramentas didáticas para professores
aprenderem conceitos fundamentais acerca da interpretação dos signos visuais, discutindo acerca da
fotografia, das artes plásticas, da publicidade e dos livros ilustrados.

94

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 94 28/09/2016 10:53:51


4.6 Exercícios de aplicação
EXERCÍCIO 1

Escolha um livro lido em uma das disciplinas de Literatura já realizadas no curso. A partir dela,
esquematize uma sequência expandida (para alunos de Ensino Médio), seguindo as etapas propostas por
Cosson (2006).

EXERCÍCIO 2:

Leia as tiras abaixo e explicite o processo de referenciação: introdução, retomada e reformulação


para gerar o humor e fazer com que o leitor construa os sentidos do texto:

EXERCÍCIO 3:

Escolha um gênero textual de seu interesse. Pesquise sobre ele buscando compreender todas as
propriedades para a realização de uma leitura efetiva. Após isso, desenvolva uma sequência didática
seguindo o modelo apresentado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). Tal sequência deverá ser
apresentada em sala de aula e socializada com os colegas.

95

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 95 28/09/2016 10:53:51


4.7 Questão para reflexão
Em todo esse livro, discutimos sobre a importância da leitura e sobre o impacto que a leitura pode
causar no leitor. Diante disso, reflita sobre as citações abaixo:

“À leitura intensiva se atribui grave delito: ela transborda e transforma seu leitor” (ZILBERMAN, 2000,
p.21).
“A literatura realiza seu papel social porque propicia um tipo de leitura que produz uma ruptura no interior
das vivências do sujeito, apontando-lhe as possibilidades de outro universo e alargando suas oportunidades de
compreensão do mundo” (ZILBERMAN, 2000, p.55).
“O único temor que a leitura pode inspirar é o de que seus usuários sejam levados a alterar sua visão de
mundo, sonhem com as possibilidades de transformar a sociedade e não se conformem ao já existente. É preciso
lembrar que os temores mencionados entenderam seu adentramento no ambiente dos livros como opção pela
liberdade, a ponto de entendê-los enquanto relação amorosa” (ZILBERMAN, 2000, p.55).

4.8 Leitura indicada

Para complementar seu estudo, leia o artigo “Telejornal: um gênero para multiletramentos”, de
Cláudia Lopes Nascimento Saito, do livro Gêneros Textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino,
organizado por Elvira Lopes Nascimento, da Editora Pontes, 2014. Nesse texto, a autora discute o
conceito de multiletramentos na modernidade, focaliza o jornal como uma produção cultural complexa
que faz dele um megainstrumento semiótico e, por fim, apresenta uma proposta de sequência didática a
partir das atividades modulares com telejornal.

4.9 Site indicado

Para complementar o aprendizado desta unidade, sugerimos o seguinte link: <https://


www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-publicacoes/colecao- da-olimpiada/
artigo/2232/turbine-suas-oficinas>. Este é uma página do site das Olimpíadas da Língua Portuguesa,
que acontece a cada dois anos nas escolas de todo o país. As Olimpíadas trazem o aprendizado de quatro
gêneros textuais específicos: a poesia, as memórias literárias, a crônica e o artigo de opinião. A página
“Turbine suas oficinas” trata-se de uma seleção de materiais que complementam e ampliam o trabalho
proposto nos Cadernos do Professor. Ao entrar na página, você também poderá acessar os cadernos das
Olimpíadas de Língua Portuguesa, com todas as oficinas.

96

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 96 28/09/2016 10:53:51


REFERÊNCIAS

AMARAL, Heloísa. Sequências didáticas e o ensino de gêneros textuais. Disponível em: <https://www.
escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-publicacoes/revista /artigos/artigo/1539/
sequencia-didatica-e-ensino-de-generos-textuais> Acesso em 28/08/2016.

ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola, 2009.

______. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola, 2010.

ANTUNES, Irandé. Aula de português. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

ANDREATTA, Elaine; TOMÁS, Renata; TOMÁS, Lorena. Multimodalidade e relações intertextuais:


desenvolvendo multiletramentos. In: SEGABINAZI, Daniela; FRANCELINO, Pedro. Língua, literatura e
ensino: concepções, diálogos e convergências. João Pessoa: Editora da UFPB, 2015.

ASSMANN, Juracy & MÜGGE, Ernani. Literatura na escola: propostas para o ensino fundamental. Porto
Alegre, RS: Artmed, 2006.

BAKHTIN, Mickhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. P. Bezerra. 4 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 261- 306.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. v. 2. Brasília:
Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

______. Ministério da Educação (MEC). Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: MEC/
Secretaria de Educação Básica, 2006.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC); Ministério da Cultura (MinC). Plano Nacional do Livro e da Leitura.
Brasília: MEC/MinC, 2007

BRITTO, Luiz Percival Leme. No lugar da leitura - biblioteca e formação [recurso eletrônico] Rio de Janeiro:
Edições Brasil Literário, 2015. Recurso digital.

CAMPOS, Giselda Pincowsca Cardoso. In: “O processo de leitura: da decodificação à interação”.


Disponível em:<http://faculdadeobjetivo.com.br/arquivos/ oprocessodeleitura.pdf>> Acesso em
30/08/2016.

CANTALICE, Lucicleide Maria de. “Ensino de estratégias de leitura”. Campinas: Universidade de São
Francisco, 2004. Psicologia Escolar e Educacional. Vol. 8 no.1 Campinas.

CAPISTRANO JUNIOR, Rivaldo. Ler e compreender tirinhas. In: ELIAS, Vanda Maria (org). Ensino de
Língua Portuguesa: oralidade, escrita, leitura. 1 ed. 3ªreimp. São Paulo: Contexto, 2014.

CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Trad. de Fúlvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002.

______. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

97

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 97 28/09/2016 10:53:51


______.; PAULINO, Graça. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In:
ZILBERMAN, Regina. ROSING, Tânia M. K (orgs). Escola e Leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo:
Global, 2009.

DIONISIO, Ângela. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, A. GAYDECZKA, B.; BRITO,
K. S. (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

______. Multimodalidade e leitura: PIBID Letras-UFPE, 2014. Disponível em: <http://pibidletras.com.br/


serie-experimentando-teorias/ET1-Multimodalidades-e-Leituras.pdf>. Acesso em: 25/08/2016.

DONÁ HILA, Cláudia Valéria. Ressignificando a aula de leitura a partir dos gêneros textuais. In:
NASCIMENTO, Elvira Lopes (org). Gêneros textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino. São
Paulo: Pontes, 2014.

DO VAL, Vera. Histórias do Rio Negro. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 121 a 125.

FRANCO, Claudio de Paiva. “Por uma abordagem complexa de leitura”. In: TAVARES, K.; BECHER, S.;
FRANCO, C. (Orgs.). Ensino de Leitura: fundamentos, práticas e reflexões para professores da era digital.
Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2011, p. 26-48.
FREIRE, Paulo Freire. A importância do ato de ler. 1987.

GRAEFF, Telisa Furlanetto; COSTENARO, Silvane. Análise de mal-entendidos em diálogos. In:


Calidoscópio. Vol. 7, n. 2, p. 155-160, mai/ago 2009.

KOCH, Ingedore; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3. ed. São Paulo: Contexto,
2015.

KLEIMAN, Angela. Preciso ensinar o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? Campinas: UNICAMP/
MEC, 2005.

______. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 11ª edição. Campinas, SP: Pontes, 2008.

______. Oficina de leitura: teoria e prática. 9. ed. São Paulo: Pontes, 2002.

LEFFA, J. Vilson. Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolingüística. Porto Alegre: Sagra-Luzzato, 1996.

MANGUEL, Alberto. À mesa como Chapeleiro Maluco: ensaios sobre corvos e escrivaninhas. Tradução Josely
Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

______. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
2008.

______. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: Dionísio, A. et. al. Gêneros Textuais e Ensino. 2.
Ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

98

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 98 28/09/2016 10:53:51


MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 19 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

MARQUES NETO, José Castilho (Org). PNLL: textos e história. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora,
2010.

OLIVEIRA, Francisco Jailson Dantas de; SILVEIRA, Maria Inez Matoso Silveira. “A compreensão
leitora e o processo inferencial em turmas do nono ano do ensino fundamental”. In: Revista da FAEEBA
– Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 41, p. 91-104, jan./jun. 2014 <http://www.revistas.
uneb.br/index.php/faeeba/article/view/826/584>. Acesso em 09/09/2016.

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Dossiê. In: Revista Palavra, Julho 2012, p. 16.

RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.

______. Tiras, gênero e hipergênero: como os três conceitos se processam nas histórias em quadrinhos?
Anais do VI SIGET: Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais, 2011. Disponível em:
<http://www.cchla.ufrn.br/visiget/pgs/pt/anais/ Artigos/Paulo%20Ramos%20(UNIFESP).pdf>.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos: escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.

______. Pedagogia dos multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola. In: ROJO,
Roxane; MOURA, Eduardo (orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

_____. (org). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola, 2013.

______.& BARBOSA, Jaqueline P. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola,
2015.

SAITO, Cláudia Lopes Nascimento. Telejornal: um gênero para multiletramentos. In: NASCIMENTO,
Elvira Lopes (org). Gêneros textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino. São Paulo: Pontes, 2014.

SANTAELLA, Lucia. Leitura de Imagens: como eu ensino. São Paulo: Melhoramentos, 2012.

SME/DOT, São Paulo. Referencial de expectativas para o desenvolvimento da competência leitora e escritora no Ciclo II
do Ensino Fundamental. 2006. .<http://pt.slideshare.net/AdrianaGalhardi/estratgias-de-leitura-e-escrita>.
Acesso em 09/09/2016.

SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação & Sociedade.
Vol.23, n. 81, p.143-160, dez. 2002.

______. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. São
Paulo: Mercado de Letras, 2004, p. 95-128.

ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001.

99

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 99 28/09/2016 10:53:51


______. A leitura no Brasil: suas histórias e suas instituições. Disponível em: <http://www.unicamp.br/
iel/memoria/projetos/ensaios/ensaio32.html>. Acesso em 02/09/2016.

YUNES, Eliana. Políticas de Leitura: registro de memórias e apontamentos críticos. In: Revista Observatório
Itaú Cultural. N. 17 (ago./dez. 2014). São Paulo: Itaú Cultural, 2007.

100

LETRAS MEDIADAS 14 09 2016.indd 100 28/09/2016 10:53:51

Você também pode gostar