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CAMPUS DE PARANAÍBA/MS

Josavias Anthony Oshiro Costa

A HIPÓTESE DOS NEURÔNIOS ESPELHO E O TRANSTORNO DO ESPECTRO


AUTISTA: UMA ANÁLISE À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

PARANAÍBA-MS
2019
Josavias Anthony Oshiro Costa

A HIPÓTESE DOS NEURÔNIOS ESPELHO E O TRANSTORNO DO ESPECTRO


AUTISTA: UMA ANÁLISE À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Monografia apresentada à Banca


Examinadora da Fundação Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, como
exigência para obtenção do título de
Bacharel em Psicologia sob orientação da
Profª Drª. Ana Luiza Martins Bossolani e
coorientação do Profº Drº Nilson
Berechtein Netto.

PARANAÍBA-MS
2019
Banca Examinadora

_________________________________________________________
Profª. Dra. Ana Luiza Martins Bossolani (Orientadora)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul- Campus Paranaíba (UFMS – CPAR)

_________________________________________________________
Profº. Dr. Nilson Berechtein Netto (coorientador)
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

_________________________________________________________
Profº Dr. André Vieira dos Santos
Centro Universitário IBMR

_________________________________________________________
Profª Dra. Jassonia Lima Vasconcelos Paccini
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul- Campus Paranaíba (UFMS – CPAR)
Dedico este trabalho às três mulheres que mudaram
radicalmente minha vida, minha mãe (Susan),
minha avó (Takeko) e meu amor (Hellen). E
também a todas as crianças da classe trabalhadora
que são escamoteadas da possibilidade de atingir
suas plenas capacidades devido a miséria humana
produzida pelo sistema capitalista (...)
AGRADECIMENTOS

Á minha família, minha mãe Susan, meus irmãos Jéssica e Rodrigo e aos meus avós Noboru e
Takeko. Guardo vocês em meu coração, e não tenho palavras para descrever o quanto vocês
foram importantes para essa caminhada que teve início em 2011.

À minha companheira Hellen que esteve comigo desde do início da vida acadêmica, passamos
por momentos bons e ruins, contudo nunca perdemos a ternura de se construir e reconstruir
quando necessário. Não tenho palavras para descrever o quanto foi e é importante durante nossa
graduação e a vida – na falta de um conceito para explicar meus sentimentos por você, te dedico
um trecho do nosso poema favorito:
Lá no futuro,
profundo horizonte róseo
da aurora dos trabalhadores
viveremos eu e você [e muitos outro].
[...]
Quando você chegar sem as olheiras que lá nunca teve
vai sorrir ao me ver de viola na mão.
e o perfume dos dedos exalados na canção
chegarão a ti como um encanto.

“Estás apaixonado de novo?”


dirá, enquanto me beija o pescoço.
e riremos um riso que nunca rimos
o riso inocente dos encantamentos
que lá não enganam. Nem se quisessem.
(Oruam Ipacs)

A minha segunda família que me recebeu e me acolheu com muito afeto, minha sogra dona
Edilene e minha cunhada Enny, muito obrigado por tudo guardo vocês em meu coração!

Aos meus amigos, Cabelo (agradece o Dorão e a Tuka por mim!), Gregor, Caihu, Rubini e
Zoreta que acompanharam minha trajetória acadêmica desde da Unimep em Piracicaba.
Obrigado por me receberem tão bem todas as vezes que eu pude visitar nossa cidade, espero
que nossa amizade continue por muitos anos. Destaco também nosso grupo de whatszapp
(Lanchonete do Maná) e toda a galera que faz rir todos os dias! Obrigado.

Ao grupo de estudos Troika e a todas as pessoas que enriqueceram nossas discussões de modo
direto ou indireto, cada discussão constitui parte de mim hoje e prometo nunca esquecer disso.
Além do desenvolvimento teórico, nosso grupo de estudos me presentou com amigos que
enriqueceram minha vida com afeto – em especial Amanda, Cristian, Marcelo e Pedro, obrigado
pela amizade e pela continuidade de nosso grupo.

As amizades que construí ao longo desses cinco anos, Dirceu, Babi, Ana Flávia, Rayanna, Gabi
Cararreto, Jean Bom. Me perdoem se esqueci de alguém.

Vanessa e Laís, pela amizade recente, espero que nossos laços se estreitem cada vez mais!

A minha orientadora Ana Luiza que aceitou o desafio de realizar esse trabalho comigo,
aguentando minhas queixas, lamentos e inseguranças, aprendi muito com vocês obrigado!

Ao Netto meu coorientador que também aguentou meus lamentos, queixas e inseguranças. Não
preciso dizer mas reforço que admiro você e o considero como um amigo, obrigado!

Ao Bruno, as aulas, discussões e amizade mudaram essencialmente a forma como eu entendia


a psicologia, fico grato pela oportunidade de ter sido seu aluno. Te admiro muito!

Ah Celinha! Obrigado por tudo, pela amizade e pelas dúvidas sanadas ao longo da produção
desse trabalho, você é uma mulher incrível e espero um dia estreitar nossos laços de amizade!

A professora Jassonia, por aceitar contribuir como banca examinadora para esse trabalho. E por
me acompanhar ao longo desses cinco anos na UFMS em estágios, projetos e eventos. Me
lembro até hoje das primeiras discussões de Vigotski que a de formação de monitores me
proporcionou, obrigado!

A professora a Renata, da qual eu tive oportunidade de trabalhar desde do início da formação


através de estágios, projetos e eventos, obrigado pelos conhecimentos compartilhados!

Ao professor André Vieira que aceitou contribuir como banca examinadora para esse trabalho.
Estou ansioso por suas contribuições! Espero que esse seja o primeiro de muitos diálogos entre
nós.
Ao núcleo 13 de maio e seus monitores pelas formações políticas, e ao PCB/UJC-MS pela
primeira iniciação partidária. Em breve, espero ter a chance de me organizar novamente pelo
partidão.

Agradeço todos os profissionais não pertencentes ao corpo docente, técnicos e principalmente


todos os trabalhadores que atuaram como terceirizados. Gostaria de afirmar que sem vocês, a
universidade como um todo não teria condições de funcionamento, meu mais sincero obrigado!

E por último e não menos importante, todas as pessoas que durante os atendimentos
compartilharam uma pequena parte de suas vidas comigo. Sem vocês minha formação não teria
a totalidade de sentidos que tem hoje, meus mais sinceros agradecimentos e prometo não
decepcionar como futuro profissional.
A crítica arrancou as flores imaginárias dos
grilhões, não para que o homem suporte
grilhões desprovidos de fantasia ou consolo,
mas para que se desvencilhe deles e a flor viva
desabroche. Marx (1843) em a Crítica da
filosofia do direito de Hegel.

Nossos inimigos dizem: A luta terminou.


Mas nós dizemos: ela apenas começou.

Nossos inimigos dizem: A verdade está liquidada.


Mas nós dizemos: Nós a sabemos ainda.

Nossos inimigos dizem: Mesmo que ainda se conheça a verdade


Ela não pode mais ser divulgada.
Mas nós a divulgamos.

É a véspera da batalha.
É a preparação de nossos quadros.
É o estudo do plano de luta.
É o dia antes da queda
De nossos inimigos.

(Bertold Brecht 1898-1956)


RESUMO

O presente trabalho, propôs uma investigação acerca da hipótese da disfunção do


sistema de neurônios-espelho como etiologia do Transtorno do Espectro Autista. Partimos de
uma metodologia teórico-conceitual, nossas análises tiveram a Psicologia Histórico-Cultural
(PHC) como pressuposto norteador, principalmente baseando-se em seus principais autores
clássicos e contemporâneos. Para tanto, o trabalho foi divido em três capítulos - no primeiro
destacamos o desenvolvimento histórico, classificatório e etiológico do TEA, questões gerais
acerca dos neurônios espelho e suas respectivas funções psicológicas (imitação, compreensão
das emoções, teoria da mente e outras), bem como, os impactos da sua disfunção como
explicação etiológica do TEA. No segundo capítulo, destacamos a PHC dentre seus principais
pressupostos, desde do materialismo histórico-dialético até as discussões centrais sobre o
desenvolvimento humano nas etapas que consideramos críticas para investigação do TEA (do
primeiro ano à idade pré-escolar) e seus principais apontamentos acerca do TEA. Fechando as
discussões, no terceiro capítulo evidenciamos o posicionamento da PHC sobre a disfunção do
Sistema de Neurônios Espelho (SNE) e suas possíveis funções psicológicas. Nesta análise final,
consideramos os principais pontos passíveis de crítica presente nessa hipótese.

Palavras-chaves: Neurociências. Neurônios espelho. Psicologia Histórico-Cultural. Transtorno


do Espectro Autista.
ABSTRACT

The present research proposed an investigation about the hypothesis of mirror neuron
system dysfunction as the etiology of Autistic Spectrum Disorder (ASD). Starting from a
theoretical-conceptual methodology, our analyzes had the Psychology Historical-Cultural
(PHC) as guiding assumption, mainly based on its main classical and contemporary authors.
Therefore, the work was divided into three chapters - in the first one, we highlight the historical,
classificatory and etiological development of ASD, general questions about mirror neurons and
their respective psychological functions (imitation, understanding of emotions, theory of mind
and others), as well as, the impacts of its dysfunction as an etiological explanation of ASD. In
the second chapter, we highlight PHC from its main assumptions, from historical-dialectical
materialism to the central discussions about human development in the stages that we consider
critical for ASD research (from the first year to preschool age) and the main points of the PHC
about ASD. Closing the arguments, in the third chapter we highlight the position of PHC on the
dysfunction of the System Mirror Neurons (SMN) and its possible psychological functions. In
this final analysis, we consider the main points of criticism present in this hypothesis.

Keywords: Autism Spectrum Disorder. Neurons Mirrors. Neuroscience. Psychology Historical-


Cultural.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

PHC Psicologia Histórico-Cultural


SNE Sistema de Neurônios Espelho
TEA Transtorno do Espectro Autista
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13
1. O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E SEU CONTEXTO HISTÓRICO:
CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIA ................................................................................ 14
1.1 A tríade de autores clássicos .......................................................................................... 14
1.2 O desenvolvimento histórico da etiologia do autismo ................................................... 19
1.3 A hipótese dos neurônios espelho .................................................................................. 25
1.4 A hipótese da disfunção do sistema de neurônios espelho e o transtorno do espectro
autista ................................................................................................................................... 37
2. REFLEXÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL SOBRE O
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA ................................................................. 42
2.1 Contextualizando a Psicologia Histórico-Cultural......................................................... 42
2.2 Desenvolvimento humano sob o enfoque histórico-cultural ......................................... 49
2.2.1 A unidade entre biológico e o social: a formação dos novos sistemas funcionais ..... 55
2.3 A periodização do desenvolvimento humano ................................................................ 60
2.3.1 As atividades principais e transformações: do primeiro ano à idade pré-escolar ....... 63
2.4 Apontamentos da Psicologia Histórico-cultural acerca do Transtorno do Espectro Autista
............................................................................................................................................. 70
3. O QUE A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL TEM A DIZER SOBRE OS
NEURÔNIOS ESPELHO E SUA HIPÓTESE DE EXPLICAÇÃO ETIOLÓGICA DO
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA? ............................................................... 76
3.1 Analisando a hipótese da disfunção do Sistema de Neurônios Espelho como etiologia do
Transtorno do Espectro Autista: O que a Psicologia Histórico-Cultural tem a dizer? ........ 76
3.2 Os Neurônios Espelhos apresentam saídas metodológicas para problemas ontológicos?
............................................................................................................................................. 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 97
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 98
INTRODUÇÃO

A presente monografia, de cunho teórico-conceitual, teve como objetivo principal,


investigar a disfunção do Sistema de Neurônios espelho (SNE) como etiologia do Transtorno
do Espectro Autista (TEA), sob análise da Psicologia Histórico-Cultural (PHC) enquanto
pressuposto central. Para tanto, este trabalho foi divido em três capítulos.
No primeiro capítulo, tivemos como ponto de partida as principais transições
classificatórias e etiológicas ao longo da história sobre o TEA. Percebemos que existe uma
tendência atual de “neurologização” do TEA, e isso foi expresso nos critérios diagnósticos do
DSM-5, bem como na disfunção do SNE como hipótese etiológica investigada. Por outro lado,
as discussões atuais demonstraram um movimento de destaque dos aspectos desenvolvimentais
para o entendimento do TEA (RIVIÈRE, 2007). Contudo, a hipótese da disfunção do SNE
apresenta uma forma de negação dos aspectos do desenvolvimento humano de modo geral.
No segundo capítulo, utilizando a chave heurística do desenvolvimento humano,
discutimos com base na PHC os aspectos centrais do que consideramos importante analisar
sobre o TEA. Percebemos que as principais mudanças que ocorrem entre o primeiro ano de vida
e a idade pré-escolar são essenciais para concluirmos que, embora os critérios apontem uma
dicotomia entre os “sintomas”, como déficits de comunicação/interação social e interesses e
restrições nas atividades - concluímos que a gênese sindrômica presente no TEA está nas
dificuldades de comunicação e interação social, que a criança apresenta ao longo de seu
desenvolvimento. Isso se justifica, pois desde os primeiros anos de vida, a comunicação da
criança, principalmente com o adulto, é essencial para que as funções psicológicas superiores
sejam internalizadas. Quando isso não ocorre de modo típico, observamos os atrasos e uma
forma de desenvolvimento atípico dessas funções.
Com relação ao terceiro capítulo, tentamos criar uma síntese dos aspectos principais
discutidos nos capítulos anteriores utilizando a PHC como caminho investigativo. Nosso foco
central foi a discussão da disfunção do SNE como explicação etiológica do TEA e os aspectos
gerais do comportamento humano associados ao SNE.

13
1. O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E SEU CONTEXTO HISTÓRICO:
CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIA

O seguinte capítulo visa apresentar os aspectos históricos das pesquisas e estudos sobre
o Transtorno do Espectro Autista, de sua gênese à hipótese dos Neurônios espelho. Assim, será
composto por quatro sessões: 1.1 Tríade de pesquisadores clássicos: Uma breve descrição dos
trabalhos de Leo Kanner, Johann Hans Friedrich Karl Asperger e Grunya Efimovna Sukhareva;
1.2 O desenvolvimento histórico da etiologia do autismo; 1.3 A hipótese do Sistema de
Neurônios espelho; 1.4 Hipótese da disfunção dos neurônios espelho e o Transtorno do Espectro
Autista.

1.1 A tríade de autores clássicos

Historicamente, o autismo foi vinculado a aspectos da psicose infantil, esquizofrenia


infantil, demências e idiotias, conforme descrito por psiquiatras clássicos como Henry
Maudsley (1835-1918); Howard Potter (1826-1897) e Theodor Heller (1869-1938). A
associação do autismo com a esquizofrenia, foi baseada nas descrições de Emil Kraepelin
(1856-1926) e Eugen Bleuer (1857-1939), e até meados dos anos 40 do século XX, o autismo
e a esquizofrenia apresentavam os mesmos critérios diagnósticos (BRASIL, 2015).
É consenso na literatura científica orientada ao tema, que as mudanças paradigmáticas
sobre o autismo foram realizadas pelos austríacos Leo Kanner (1894-1981) e Johann Hans
Friedrich Karl Asperger (1906-1980). A sistematização destes autores, acidentalmente
simultânea, descreveu uma série de características essenciais do autismo que atualmente são
relevantes, principalmente, para o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª
edição (DSM-5) e a 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10) (BRASIL, 2015).
Os achados, embora simultâneos, tiveram descrições clínicas distintas. Kanner, nos
Estados Unidos, elaborou observações de crianças com dificuldades no campo da linguagem,
atrasos cognitivos graves, isolamento, síndromes motoras como tiques, balanços, problemas de
coordenação e acentuação das sensações (sensibilidade a sons ou fixação em luzes). Junto a
essa gama de sintomas, os aspectos de comportamentos sociais esperados do desenvolvimento
infantil, mostraram-se comprometidos. “Para Kanner o traço fundamental da síndrome do
autismo era << a incapacidade de se relacionar normalmente com as pessoas e as situações>>

14
(1943, 20) [...]” (RIVIÈRE, 2001, p. 17). Assim, as síndromes observadas marcavam distinções
importantes para a diferenciação nosológica da esquizofrenia e das psicoses infantis:

Desde o início há uma extrema solidão autista, algo que, tanto quanto possível,
desprende, ignora ou impede a entrada de tudo o que a criança recebe de fora. Contato
físico direto, ou aqueles movimentos ou ruídos que ameaçam romper a solidão, são
tratados como se não estivessem lá ou, se isso não for suficiente, sente-se
dolorosamente como uma penosa interferência (KANNER, 1943, p. 20; apud;
RIVIÈRE, 2001, p. 18, tradução nossa).

Em 1944, um ano após as publicações dos achados de Leo Kanner, Hans Asperger
lançou em Viena seu artigo “Psicopatia Autística da Infância”. Klin (2006) chama-nos atenção
para o fato de que este clássico artigo e outros trabalhos de Hans Asperger foram tardiamente
conhecidos nas línguas anglófonas, popularizando-se a partir de 1980, pelas traduções de Lorna
Wing. O que justificou essa tardia recepção foi o contexto histórico da Segunda Guerra
Mundial, que dava pouca abertura a países dominados pelo nazifascismo alemão, caso da
Áustria neste período. Outro fator que dificultou a divulgação do trabalho científico de Hans
Asperger foi a perspectiva ariana, que encontrou na eugenia a justificativa necessária para
perseguir aqueles que apresentavam algum tipo de deficiência (GOLDSON, 2016).
No ano de 1938, Hans Asperger faz a sua primeira conferência sobre o autismo, tentando
conscientizar um grupo de oficiais nazistas sobre a importância de seu trabalho para o próprio
regime, tendo em vista que as perseguições políticas estavam direcionadas a seus pacientes da
universidade de Viena. Mesmo com esses esforços, o médico austríaco foi perseguido e quase
preso pelo regime vigente, sua sobrevivência só ocorreu devido à compreensão de um dos
oficiais sobre a importância do seu trabalho, entretanto, aparentemente não está claro se alguns
pacientes de Asperger tiveram a mesma oportunidade (GOLDSON, 2016).
Posto de lado este fúnebre período histórico, as descrições de Hans Asperger sobre o
autismo convergiram em aparentes semelhanças com as descrições de Leo Kanner, entretanto,
quando mais tarde os trabalhos de ambos os autores tornaram-se acessíveis, ambos discordaram
sobre essas semelhanças, alegando que as síndromes descritas eram distintas (FEINSTEIN,
2010). Sem aprofundar nestas polêmicas, o que se compreende como diferente nas descrições
de Asperger diz respeito, em primeiro lugar, à diversidade da faixa etária estudada pelo
pesquisador; em segundo lugar, aos indivíduos que o psiquiatra austríaco trabalhava, que
aparentemente não demonstraram graves comprometimentos, se comparados com as descrições
de Kanner.

15
Os sintomas descritos por Hans Asperger foram: os aspectos idiossincráticos da fala, a
linguagem pragmática, a pobreza de expressões gestuais, os movimentos estereotipados sem
um objetivo específico, os movimentos repetitivos, o caráter obsessivo do pensamento e das
ações, os interesses restritos, as atitudes atípicas com pessoas e objetos, o comprometimento
dos aspectos da abstração, bem como o da imaginação (BRASIL, 2015).
Para além das descrições do autismo, Hans Asperger preocupou-se com o cuidado e o
desenvolvimento das crianças atendidas pelo Heilpädagogik Station (Estação de Educação
Especial - ala de atendimento de transtornos neuropatológicos de crianças):

Asperger, por outro lado, seguindo a liderança de Lazar1, não via esses indivíduos
como "pacientes", mas como padeiros, barbeiros, músicos, acadêmicos e engenheiros.
Na Estação de Heilpädagogik, adotando uma abordagem multidisciplinar, ele
procurou ajudar cada criança a atingir seu potencial. Além disso, ele os viu caindo em
um espectro que chamou de "um continuum de autismo", cada um com traços únicos.
A clínica procurou ser um microcosmo de uma sociedade mais humana, em vez de
um lugar para tratar problemas psicológicos. Lazar criou um ambiente que Asperger,
mais tarde elaborou e expandiu, onde crianças poderiam aprender a interagir com os
outros em um contexto de respeito e apreciação. O currículo incluiu o estudo e a
participação em música, literatura, natureza, arte, atletismo e terapia da fala
(GOLDSON, 2016, p. 336, tradução nossa).

O projeto de Hans Asperger visava trabalhar de forma individualizada as especificidades


apresentadas a cada caso, tendo em vista o momento histórico vivenciado pelo psiquiatra
austríaco, essa atitude sinalizava aspectos progressistas. Isso é mostrado com clareza por Sacks
(2015), quando afirma que o médico austríaco observava em suas crianças, mesmo com os
déficits apresentados, aspectos compensatórios que não impediriam que estes sujeitos
mostrassem uma originalidade própria. Isso pode ser confirmado através de uma série de contos
do próprio Oliver Sacks, como “O Artista Autista”, “Um Antropólogo em Marte” e
“Prodígios”2.
Ao olharmos para a história do autismo, é comum e consensual na literatura científica,
atribuir as primeiras descrições sobre o autismo a estes dois clássicos pesquisadores. Entretanto,
Feinstein (2010); Manouilenko e Bejerot (2015); Silberman (2015) e Goldson (2016)
reconhecem a psiquiatra soviética Grunya Efimovna Sukhareva (1891-1981) como a primeira
a sistematizar aspectos da “Síndrome de Asperger”, uma década antes. As descrições de seus

1 Irwin Lazar foi mentor e tutor de Hans Asperger, trabalhou com crianças e adolescentes vítimas da primeira
guerra mundial (FEINSTEIN, 2010).
2 O conto O Artista Autista faz parte da obra O Homem que Confundiu com um Chapéu, já Prodígios e o Um
Antropólogo em Marte, constituem a obra Um Antropólogo em Marte.
16
pacientes, em geral, não só condiziam com as descrições de Hans Asperger, como
correspondiam às características presentes atualmente no DSM-53 (MANOUILENKO;
BEJEROT, 2015).
Seu artigo denominado Die schizoiden Psychopathien im Kindesalter4, publicado na
Alemanha em 1926, descreve um estudo longitudinal de 2 anos, com 6 crianças atendidas pelo
Departamento Psiconeurológico Infantil de Moscou.
Aspectos do que viriam a ser reconhecidos como síndrome de Asperger, foram
cunhados por Grunya, como “Psicopatia Esquizóide Infantil” ou “Transtorno de Personalidade
Esquizóide”.

Esses indivíduos tinham características semelhantes àqueles com esquizofrenia, mas


em contraste com os esquizofrênicos adultos, essas crianças melhoraram, enquanto,
naquela época, os adultos não. Sukhareva propôs o termo transtorno da personalidade
esquizofrenóide, mas não tinha certeza se tinha alguma relação com a esquizofrenia
em adultos, como foi então entendido. A esse respeito, parece que muitas crianças
diagnosticadas com esquizofrenia na infância podem realmente ter sido crianças
autistas e que Asperger pode ter considerado como sendo classificadas no continuum
do autismo (GOLDSON, 2016, p. 336, tradução nossa).

Embora este termo esteja atrelado a uma terminologia conceitual psicanalítica de


corrente kleiniana, a própria autora confirmou à Dra. Sula Wolff (tradutora do artigo de 1926
para a língua inglesa), que a suas descrições estavam atreladas às definições da Associação
Americana de Psiquiatria (APA) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), salientou ainda,
que nunca respeitou à psicanalista inglesa Melanie Klein em termos teóricos (FEINSTEIN,
2010).
Sukhareva (1926) durante o acompanhamento das crianças sintetizou as principais
características observadas: a) funcionamento excêntrico da personalidade; b) em alguns casos
apresentavam sensibilidade emocional algumas situações, e em outras, total indiferença; c)
problemas motores na maioria dos casos, habilidade manuais eram as mais prejudicadas; d)
tiques; e) dificuldades de socialização, as crianças demonstravam apego demasiado, e em
alguns casos haviam comportamentos misantropos; f) problemas na comunicação, repetições
de falas e tendências a persistência em assuntos específicos, o que criava dificuldade dessas
crianças desenvolverem vínculos com outros. Podemos destacar, que os dois últimos itens estão

3 Embora essa afirmação ecoe anacrônica, a afirmação de Manouilenko e Bejerot (2015) descrevem que em termos
topográficos Sukhareva elaborou uma descrição detalhada que atualmente pode ser comparada com as descrições
do DSM-5. Não aprofundamos nesta questão, pois não é o objetivo deste trabalho.
4 As psicopatias esquizóides na infância. Segundo Wolff (1991), o termo descrito pode ser equivalente ao autismo.
17
atualmente presentes nos critérios diagnósticos do DSM-5, aprofundaremos no diagnóstico
atual em um momento ulterior.
Os casos clássicos de estereotipia de fala estavam presentes em todas as crianças;
neologismos, fala rítmica e dificuldade de modulação da voz. Haviam dificuldades em
compreender as convenções sociais como a leitura das emoções de outros e perguntas
insistentes; Monotonia de interesses (Ex: Focam apenas em brincadeiras de interesse), as
crianças apresentavam dificuldades em mudanças nas tarefas e atividades cotidianas
(necessidade de uma rotina); automatismo e comportamentos perseverantes encerram as
descrições mais gerais apresentadas por Grunya.
As descrições apresentadas pelo artigo de 1926 demonstram a importância de um
trabalho longitudinal, bem como as preocupações em não se restringir à descrição das
características do autismo, mas a compreendê-lo a partir das potencialidades apresentadas pelas
crianças. A pesquisadora se preocupou em analisar o curso do desenvolvimento daquelas
crianças ao longo dos dois anos de trabalho, o que mostrou evidências significativas da melhora
dos quadros durante esse período (MANOUILENKO; BEJEROT, 2015).
As descrições sobre a “Psicopatia Esquizóide Infantil” propostas por Sukhareva, embora
não abandonassem o termo esquizóide (referente à esquizofrenia), se mostraram à frente das
definições dos autores clássicos, mantendo-se, algumas delas, presentes até hoje.
Como eixo argumentativo, podemos enfatizar três pontos presentes no artigo de 1926:
O primeiro ponto se refere à preocupação da autora em delimitar o diagnóstico de
esquizofrenia, ela questionava que o diagnóstico abrangente proposto por Kretschmer era um
empecilho para o desenvolvimento conceitual do transtorno. Sukhareva (1926) argumenta que
as evidências demonstraram que o quadro de esquizofrenia se diferencia de suas definições
sobre os sintomas esquizóides (considerado autismo), pois no primeiro era possível observar o
declínio cognitivo/intelectual dos pacientes, já no segundo, os pacientes apresentavam um
prognóstico oposto, pois, com o passar dos anos, ocorriam melhoras significativas do quadro
esquizóide.
Sobre o segundo ponto, a psiquiatra soviética observou que os sintomas esquizóides,
independente de sua patogênese (ambiental ou biológica), surgiam nos primeiros estágios do
desenvolvimento, com ênfase na primeira infância. Esse aspecto novamente se diferencia dos
diagnósticos clássicos de esquizofrenia.

18
Por fim, ela foi uma das primeiras a associar a descrição dos sintomas do autismo a
possíveis déficits neurológicos, características vinculadas ao TEA apenas a partir das décadas
de 1980/1990 (FEINSTEIN, 2010).

As disfunções motoras, acompanhadas por uma série de outros sintomas: certa falta
de mimetismo e movimentos expressivos, peculiaridades da voz e da linguagem,
podem ser consideradas como anormalidades do desenvolvimento de sistemas
cerebrais específicos. Seria então possível encontrar um substrato
biológico/patogenético para a condição "esquizóide" com base em observações
clínicas. Nossas próprias observações são numericamente insuficientes para
conclusões definitivas a serem construídas, mas eles bastam como base para essas
especulações (SUKHAREVA, 1926, p.130, tradução nossa, grifos próprios).

O que para a autora aparecia como “especulação”, atualmente ganha respaldo pelo
consenso científico, que classifica o autismo como transtorno do neurodesenvolvimento (APA,
2014). Igualmente, a literatura no campo das Neurociências tem corroborado com a perspectiva
de estudos e causas do autismo pelo viés de déficits neurológicos. Isso se expressa na literatura
hodierna sobre as pesquisas que associam os neurônios-espelhos a esses déficits.
É iminente para o estudo do autismo o resgate, mesmo que breve, dos descritores
clássicos como Kanner e Asperger. Entretanto, o trabalho de Sukhareva (1926), conforme
exposto, também deve ser incorporado como clássico, considerando as contribuições que
ocorreram quase duas décadas antes dos supostos pioneiros.

1.2 O desenvolvimento histórico da etiologia do autismo

O paradigma emocional do autismo se destaca, a partir de 1950, com a popularização


dos trabalhos de Leo Kanner, Bruno Bettelheim, entre outros. O foco da explicação etiológica
do autismo teve como fundamento, neste período, o desenvolvimento da relação entre pais e
filhos que, quando não estabelecida de forma satisfatória, promovia nas crianças os déficits de
socialização e linguagem descritos por Kanner – esta explicação era habitualmente denominada
de hipótese da “mãe geladeira” (ORTEGA, 2008). Além das relações parentais, o ambiente
influenciava diretamente no desenvolvimento das características apresentadas pelo autismo
(RIVIÈRE, 2001). Este paradigma, dentro da ciência psicológica, foi fortalecido pela
perspectiva psicodinâmica (distintas vertentes da psicanálise), que associava o autismo às
características da psicose.

19
Um dos fatores que fortaleceu a perspectiva emocional para a explicação do autismo foi
o posicionamento ambíguo proposto por Kanner neste período, ao não utilizar em suas
descrições a hipótese biológica/neurológica dos comportamentos apresentados por indivíduos
autistas. Kanner negou, a princípio, a relação entre as possíveis determinações neurofisiológicas
associadas ao transtorno (WING, 1997).
A partir de meados dos anos de 1960, o paradigma emocional/ambiental do autismo
perde força por três motivos: a) a falta de embasamento científico sobre as hipóteses
explicativas apresentadas pelas teorias psicodinâmicas voltadas ao autismo; b) críticas por parte
dos pais, principalmente mães, que foram culpabilizadas pelos distúrbios apresentados pelos
filhos; c) surgimento de estudos a partir de novos paradigmas psicológicos e médicos.
Rivière (2001), Feinstein (2010) e a cartilha do Ministério da Saúde (BRASIL,2015)
destacam que a organização dos pais em instituições filantrópicas, foi um dos fatores que
fortaleceram o desenvolvimento de novas pesquisas acerca do autismo, entre os anos de 1963-
1983. Dois pesquisadores importantes, como ativistas e pais de autistas, ganham destaque,
Lorna Wing (psiquiatra), que fundou em 1962, no Reino Unido, a National Autistic Society e
Bernard Rimland (psicólogo), fundador da Autistic Society of American, no ano de 1965. Esse
ativismo impulsionou o desenvolvimento de centros especializados em diagnóstico e
reabilitação de crianças e adolescentes.
A ênfase em um maior rigor científico para a explicação do autismo iniciou um
movimento por melhorias dos critérios diagnósticos, principalmente na diferenciação dos
aspectos essenciais do autismo e da esquizofrenia. Victor Lotter desenvolveu o primeiro estudo
epidemiológico do autismo, utilizando dois critérios elaborados por Leo Kanner: a)
distanciamento e indiferença a outros e b) resistência a mudanças e tendências a rotinas
repetitivas. Os dados obtidos demonstraram uma prevalência de cinco crianças a cada 10.000
com a síndrome. Wing (1997), a partir do trabalho de Lotter, desenvolveu uma nova definição
dos “comportamentos autistas” como uma síndrome (grupo de sintomas) que foram utilizados
como critérios para a construção de uma tríade comportamental, envolta em um espectro que
poderia estar relacionado a outras condições físicas ou psicopatológicas:

Sabemos, agora, que existe um amplo espectro de condições autistas, com as


síndromes de Kanner e Asperger, cada uma formando apenas uma parte delas. Todo
o espectro é unido pela presença de deficiências subjacentes de três aspectos da função
psicológica, a saber, interação social, comunicação e imaginação. Quando esta "tríade
de deficiências" está presente, o padrão de atividades do indivíduo é rígido, restrito e
repetitivo (WING, 1997, p. 20, tradução nossa).

20
Nota-se que a autora agrupou o conjunto de sintomas apresentados pelo “espectro
autista”, incorporando as definições tanto de Kanner quanto de Asperger e outros “transtornos”
como a Deficiência Intelectual. Além disso, poderia haver uma associação entre eles sem uma
distinção muito clara para o diagnóstico diferencial (WING, 1981).
A organização da tríade comportamental do espectro autista e a busca por rigor
científico em novas pesquisas, engendraram novas teorias, sendo as principais correntes
vigentes da época, a Psicologia Cognitiva e a Análise do Comportamento Aplicada 5. A partir
do ano de 1970, autores como Beate Hermelin e Neil O’Connor estruturaram uma explicação
sobre o funcionamento cognitivo de indivíduos diagnosticados com autismo (SACKS, 2015).
Do ponto de vista etiológico, a ciência cognitiva abriu caminho para o desenvolvimento no
campo da psiquiatria e da medicina em geral, dando ênfase em aspectos neurológicos.
Diante desse contexto, a explicação para a etiologia do autismo se deu em dois campos
de pesquisa: a) as explicações fisicalistas, que enfatizavam os aspectos genéticos e
neuromorfopatológicos do autismo, que compreendiam o distúrbio como uma neuropatologia;
e b) os estudos neuropsicológicos, que visavam compreender e explicar a síndrome a partir de
constructos da Teoria Cognitiva (teoria da mente, coerência central e funções executivas)
(RIVIÈRE, 2001; FEINSTEIN, 2010).
Os pioneiros nos aspectos neuromorfopatológicos cerebral foram Thomas Kemper e
Margareth Bauman. Os pesquisadores descobriram anormalidades neuronais no hipocampo,
subículo e amígdala no cérebro de um sujeito de 29 anos diagnosticado com autismo. Esta
pesquisa pioneira resultou, não apenas no aprofundamento do estudo da morfologia cerebral,
mas levou os pesquisadores a concluir que as “anomalias” apresentadas estavam ligadas a
problemas associados à vigésima oitava semana de gestação. Neste ponto, possivelmente
observamos as primeiras pesquisas que sugeriram o autismo como um transtorno do
neurodesenvolvimento. Outras pesquisas, seguiram um percurso semelhante, propondo novas
hipóteses como: um desequilíbrio entre os neurotransmissores excitatórios (glutamato) e
inibitórios (gaba); pesquisas que relataram uma quantidade maior de neurônios no neocórtex
em cérebros dos sujeitos atípicos (autista); estudos de anomalias no hemisfério esquerdo, o que
possivelmente explicaria os problemas de linguagem; e malformações no sistema nervoso
central (FEINSTEIN, 2010; KAJIHARA, 2014).

5 A técnica Applied Behavior Analysis (ABA), data desse período. Essa técnica ainda é utilizada por correntes da
Psicologia como Análise do Comportamento e Teoria Cognitiva Comportamental.
21
Embora os estudos voltados à etiologia genética sejam contemporâneos, com destaque
a partir dos anos 2000, aos pesquisadores Reynoso, Rangel e Melgar (2017), que relatam que
em estudos de base populacional, familiares e de gêmeos diagnosticados com a síndrome, de
que existe uma taxa relativamente alta de componentes genéticos. A taxa de concordância entre
gêmeos monozigóticos está entre 60 e 92%. Outro dado importante é a proporção diferencial
entre os sexos, sendo de 4:1 para o sexo masculino.
As pesquisas genéticas relacionadas ao autismo tiveram um grande avanço, com o
desenvolvimento do sequenciamento de nova geração (NGS), surge então a possibilidade do
reconhecimento de mutações gênicas presentes em parte dos transtornos do
neurodesenvolvimento, uma fração destas mutações são variações do número de cópias
(CNVs), presentes em outros transtornos neuropsiquiátricos como esquizofrenia, deficiência
intelectual, depressão, além do autismo (BOSSOLANI-MARTINS, 2014). Em 2019, segundo
o banco de dados Sfari Gene, mais de mil genes foram detectados em indivíduos com TEA,
bem como, esses genes foram associados a algumas manifestações comportamentais do quadro,
como déficit na interação social e comunicação, atraso do desenvolvimento, alterações
sensoriais, entre outros (SFARI GENE, 2019).
Já no enfoque de estudos neuropsicológicos, Heinz Wimmer e Joseph Perner
desenvolveram a metodologia para o estudo da teoria da mente em crianças de três a quatro
anos. Simon Baren-Cohen, Uta Frith e Alan Leslie, em 1985, aplicaram os fundamentos da
teoria da mente para a compreensão dos “déficits sociais” apresentados no autismo. Em linhas
gerais, o constructo da teoria da mente explica a capacidade humana de prever os estados
emocionais, mentais e intencionais de outros e de si mesmo (BARON-COHEN, 2009;
MONTEIRO; QUEIROZ; RÖSSLER, 2010). Esta teoria sugeriu que os indivíduos com
autismo não desenvolvem, ou têm uma teoria da mente deficitária, o que possibilitaria explicar
os aspectos cognitivos subjacentes ausentes no transtorno, principalmente em compreender as
emoções de outros e as próprias.
Frith e Happé (1994) desenvolveram uma segunda hipótese, denominada “coerência
central fraca”. Em linha gerais, coerência central é a capacidade de processarmos as
informações com base nos contextos, ou impressões gerais do todo. Por exemplo, ao ouvirmos
uma história, “processamos” o essencial, os detalhes são integrados de maneira acessória ao
todo. Para os pesquisadores, a coerência central fraca explicava as dificuldades de sujeitos
autistas a integrarem os diversos estímulos ambientais como um “único”. Por exemplo, os
autistas demonstram uma tendência a focar em detalhes de uma história, perdendo o conteúdo

22
central. Essa dificuldade contextual pode ser ilustrada pela não compreensão de metáforas. Uma
vez que os detalhes predominam, as metáforas, para serem compreendidas, surgem de um
contexto muito específico, e é comum os sujeitos diagnosticados com autismo entenderem-nas
de modo literal (KAJIHARA, 2014).
Por volta de 1990, a teoria da disfunção das funções executivas é desenvolvida. Esta
terceira hipótese visou explicar as dificuldades de planejamento, organização das ações voltadas
a um objetivo e flexibilização a mudanças de perspectivas diante das tarefas executadas,
comportamentos comprometidos no autismo (BOSA; CZERMAINSKI; BRANDÃO, 2016).
Atualmente, associam-se a relação das funções executivas com outros aspectos da esfera social
como linguagem e relações interpessoais (FEINSTEIN, 2010).
O início do século XXI é marcado por uma imersão das Neurociências no estudo da
temática do autismo. Aparentemente, em consequência da aproximação da medicina
(neurologia/genética) com os estudos psico/neuropsicológicos na investigação etiológica do
autismo. Atualmente existem duas grandes tendências no campo neurocientífico: 1)
Aprofundamento dos estudos na busca pelo marcadores neurobiológicos do transtorno; e 2)
Neurodiversidade como um movimento que nega o autismo, enquanto transtorno
psicopatológico.
O objetivo da busca por marcadores neurobiológicos era desvelar a atividade cerebral
subjacente, para explicar o conjunto de sintomas do transtorno. Por exemplo, o
desenvolvimento de novas tecnologias como estudos de neuroimagem que incluem exames de
tomografia por emissão de pósitrons (PET), ressonância nuclear magnética funcional (fMRI) e
estimulação magnética transcraniana (LAMEIRA; GAWRYSZEWSKI; PEREIRA JR., 2006)
que constituem metodologias de pesquisa atuais. Já a Neurodiversidade ascendeu como um
movimento de oposição às teses neurológicas, genéticas e aos manuais diagnósticos que
classificam o autismo como uma patologia, ou em seus próprios termos, “transtorno”. Este
movimento tem origem, a partir da reivindicação dos indivíduos diagnosticados com autismo
(de alto funcionamento), sobre seus direitos - sendo um desses a defesa de que indivíduos
autistas “não estão doentes”. Para a neurodiversidade, as diferenças em relação aos indivíduos
típicos quando comparados aos autistas reside, principalmente, em um diferente funcionamento
neurológico, que deve ser compreendido e respeitado, assim como as diversidades sociais: de
raça, gênero, orientação sexual, entre outras. Para este movimento, o autismo é uma questão de
identidade, a ser reivindicada e reconhecida pela ciência (ORTEGA, 2008; SILBERMAN,
2015).

23
Inegavelmente, em tempos presentes, o aprofundamento do campo neurocientífico
mostra um aparente consenso sobre a determinação neurológica do autismo. Para reforçar nosso
argumento, é possível observar que a organização da 5ª edição do Manual Estatístico e
Diagnóstico de Transtornos Mentais atribuiu ao autismo e suas diferentes manifestações a
categorização de transtornos do neurodesenvolvimento. Cabe salientar que o DSM-5 não
oferece nenhuma definição sobre o conceito de neurodesenvolvimento, apenas descrevendo-o
da seguinte forma:

Os transtornos do neurodesenvolvimento são um grupo de condições com início no


período do desenvolvimento. Os transtornos tipicamente se manifestam cedo no
desenvolvimento, em geral antes de a criança ingressar na escola, sendo
caracterizados por déficits no desenvolvimento que acarretam prejuízos no
funcionamento, pessoal, social, acadêmico ou profissional (APA, 2014, p. 31).

O problema sobre uma definição mais clara sobre o neurodesenvolvimento, a partir do


DSM-5, aparentemente não é de preocupação dos pesquisadores de modo geral, sendo comum
a afirmação de que o TEA é um transtorno etiologicamente compreendido como neurobiológico
(MINTZ, 2016; REYNOSO; RANGEL; MELGAR, 2017).
A 5ª edição do DSM modificou a nomenclatura do autismo e suas demais variações
presentes em sua 4ª edição. Sendo assim, a Síndrome de Asperger, o Autismo Infantil, o
Transtorno Desintegrativo da Infância e o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra
Especificação, foram caracterizados em um único diagnóstico denominado de Transtorno do
Espectro Autista (TEA), com exceção da Síndrome de Rett (BOSSOLANI-MARTINS, 2014).
Outra modificação importante, em comparação com a 4ª edição, foi a mudança da tríade de
comportamentos, para uma díade - que mostra os comprometimentos da comunicação verbal e
interação social e de padrões comportamentais repetitivos e restritos das atividades ou interesses
do indivíduo (APA, 2014). Os déficits relacionados à linguagem oral não são considerados,
atualmente, pelo DSM-5, pois não há prejuízos neste aspecto, na maioria dos casos relatados
(SCHWARTZMAN, 2015). É interessante que o termo “espectro”6 esteja presente, pois salienta
as pesquisas anteriores, principalmente de Lorna Wing e sua compreensão sobre os sintomas
bases apresentado pelo diagnóstico do TEA.

6 Conceitualmente o espectro se justifica, pela variedade de sintomas e comportamentos, que se apresentam de


modo diferente entre indivíduos, sendo assim, a heterogeneidade desses sintomas e comportamentos são
categorizadas em um mesmo diagnóstico.

24
É evidente que o DSM-5 tem como função, ser uma ferramenta que auxilia a definição
dos diagnósticos de variados transtornos, sua principal característica é a descrição topográfica
dos sintomas, sem uma referência teórica/filosófica estabelecida diretamente, do ponto de vista
psicológico/psiquiátrico, em outras palavras o manual busca uma neutralidade neste sentido.
Neutralidade essa que sabemos que não há respaldo atual.
Em suma, os diferentes paradigmas de estudo do TEA expuseram o empenho das
ciências em áreas heterogêneas, na busca de desvelar essa enigmática condição do
desenvolvimento. Entretanto, Sacks (2015) descreve que os avanços são lentos e a construção
de consenso concreto ainda se apresentada distante.
No próximo tópico investigaremos uma das hipóteses atuais que tentam explicar não só
a etiologia mas, os mecanismos cerebrais subjacentes que explicam a díade comportamental do
TEA, descritos pelo DSM-5, sob o viés das Neurociências.

1.3 A hipótese dos neurônios espelho

As investigações sobre o Sistema de Neurônios espelho (SNE) estão ligadas diretamente


com a Neurociências contemporânea. Lent (2010) define Neurociências como um campo de
cinco grandes áreas. Destas, existem três que dialogam diretamente com o tema exposto: a)
Neurociência Sistêmica que estuda os sistemas funcionais como visual, motor e auditivo e a
composição dos conjuntos neuronais do encéfalo; b) Neurociência Comportamental,
responsável por estudar a relação dos processos neuronais e da atividade cerebral sobre os
comportamentos - emocionais, sexuais, sono, comportamentos inatos; e c) Neurociência
Cognitiva ou Neuropsicologia, em geral, responsável pelo estudo dos complexos
comportamentos humanos, como linguagem, consciência, memória, entre outros. O que liga
estas áreas é, sobretudo, o estudo do sistema nervoso central.
O Sistema Nervoso Central (SNC), essencialmente o encéfalo, é formado por em média
86 à 100 bilhões de neurônios. Os neurônios são considerados a unidade funcional básica do
sistema nervoso. Um segundo conjunto de células essenciais para o sistema nervoso são as
neuróglias ou células da glia. Essas são responsáveis pela manutenção, sustentação e suporte
para os neurônios (LENT, 2010).
Morfologicamente o neurônio é composto por: a) soma ou corpo celular (núcleo da
célula e o local dos processos metabólicos); b) dendritos que são ramificações semelhantes a
raízes de árvores que se originam do soma, onde as informações aferentes de outros neurônios

25
são captadas; c) axônios - ramificações mais extensas, cobertas pela bainha de mielina (isolante
natural); e d) terminais pré-sinápticos, são os locais de envio ou recebimento das informações
entre os neurônios (KANDEL; HUDSPETH, 2014). A descrição da estrutura básica de um
neurônio está descrita na Figura 1. As informações transmitidas por todo encéfalo ocorrem via
potenciais de ação que, em síntese, são sinais elétricos gerados, a partir de um estímulo
ambiental ou até mesmo interno. Por exemplo, se nos referimos a um neurônio motor, o
potencial de ação é produzido quando executamos um determinado movimento com as mãos
(A informação parte do SNC e chega em um órgão, glândula ou músculo), ou, um neurônio
sensorial que pode ser excitado por um estímulo visual (A informação é captada do ambiente
ou Sistema Nervoso Periférico e chega ao SNC) (LENT, 2010).
Cabe salientar, que estes neurônios funcionam como um grande sistema interconectado,
existindo do ponto de vista morfológico diferenças significativas entres eles, porém sua
organização funcional com relação a complexidade dos comportamentos humanos
principalmente, depende de como anatomicamente essas interconexões se formam (KANDEL;
HUDSPETH, 2014).

Fonte:( LENT, 2010).


Figura 1. Os neurônios só podem ser vistos ao microscópio, geralmente depois que se retira um pequeno
pedaço do encéfalo (acima, à esquerda), levando-o ao micrótomo para obter cortes bem finos. Estes

26
podem ser corados com substâncias fluorescentes ou corantes visíveis a iluminação comum, para mostrar
os neurônios com suas formas variadas na disposição dos dendritos e do axônio (acima, à direita). Os
desenhos representam neurônios de diversos tipos morfológicos, localizados em diferentes regiões do
sistema nervoso: pseudounipolar (A), estrelado (B), de Purkinje (C), unipolar (D) e piramidal (E). Os
neurônios da figura ilustram sua variedade morfológica.

Os estudos acerca dos Neurônios espelho sinalizam um período recente no campo das
Neurociências, ganhando destaque, a partir do fim do ano de 1990, com uma equipe de
pesquisadores italianos da Universidade de Parma, Vittorio Gallese, Leo Fogassi, Luciano
Fadiga e Giacomo Rizzolatti, líder da equipe. Essa descoberta ocorreu quando eles
investigavam os disparos dos neurônios da área F5 do córtex pré-motor, em primatas da espécie
Macaca nemestrina (CAETANO; FERREIRA, 2018). O experimento consistiu em analisar as
respostas dos disparos neuronais quando os animais executaram uma determinada ação (Ex:
empurrar caixas, ou mover os braços), entretanto, de modo inesperado os pesquisadores
perceberam que os neurônios analisados responderam quando os animais (controles)
observaram determinadas ações dos pesquisadores, ou outro animal (Ex: pegar um amendoim,
agarrar e manipular objetos, entre outras). Ou seja, os neurônios da área F5 foram ativados tanto
quando o animal executou uma ação, ou quando ele observou um outro executando uma ação
(DI PELLEGRINO et al., 1992). Iacoboni (2009a) ilustra de modo curioso a descoberta:

[...] cerca de vinte anos atrás, o neurofisiologista Vittorio Gallese estava andando pelo
laboratório durante um período de calmaria no experimento do dia. Um macaco estava
sentado em silêncio na cadeira, esperando pela próxima tarefa. De repente, quando
Vittorio pegou algo - ele não se lembra o quê - ele ouviu uma explosão de atividade
do computador que estava conectado aos eletrodos que haviam sido implantados
cirurgicamente no cérebro do macaco. Para o ouvido inexperiente, essa atividade teria
soado como estática; ao ouvido de um experiente neurocientista, sinalizou uma
descarga da célula pertinente na área F5. Vittorio imediatamente achou a reação
estranha. O macaco estava apenas sentado em silêncio, sem a intenção de apanhar
nada, mas mesmo assim esse neurônio com a ação de apanhar disparou. (p. 10,
tradução nossa).

A Figura 2a. ilustra a localização da área de Broca no encéfalo humano. Em 2b.


descrevemos áreas no encéfalo de um símio e de um humano em regiões análogas com destaque
para área F5 do córtex pré-frontal.

27
Fonte: (WIKIMEDIA, 2014).
Figura 2a7. A área em vermelho ilustra a localização da área de Broca no encéfalo humano.

Fonte: Modificado e adaptado de (RIZZOLATTI; ARBIB, 1998).


Figura 2b. Áreas citoarquitetônicas homólogas em macacos e humanos. A. Córtex pré-frontal de um
símio. B. Córtex pré-frontal medial humano. As áreas hachuradas em vermelho e amarelo, simbolizam o
funcionamento de áreas homólogas em homens e símios. Os traços em verde e azul também cumprem a
função de ilustrar anatomicamente áreas homólogas entre A e B. Em A, está representado o Sulco
Arqueado Superior (AS) e Sulco Arqueado Inferior (AI). Em B, observa-se o Sulco Frontal Superior (SF),
Sulco Pré-Central Superior (SP), Sulco Frontal Inferior (IF) e Sulco Pré-Central Inferior (IPa).

Com o aprofundamento dos estudos sobre o córtex pré-motor de primatas, esta área é
subdividida em outras da mesma estrutura, sendo F5 a mais relevante. Esta descoberta foi

7 Visto em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Broca%27s_area_-_lateral_view.png>


28
importante, pois até aquele momento não era de conhecimento dos pesquisadores, como se
formava a relação entre o disparo dos neurônios da área F5 e a percepção das ações observadas.
Iacoboni (2009a) afirmou que o achado sobre os neurônios espelho quebrou paradigmas nas
neurociências, no sentido de fortalecer a compreensão holística do funcionamento cerebral. Isto
significou que era possível relacionar percepção com ação.
Para uma melhor compreensão, Rizzolatti e Fogassi (2014) definem a ação como um
comportamento distinto de movimento e de ato motor. Isto significa, que ação deve ser
compreendida como conjunto de atos motores organizados expressos com um determinado
objetivo. Por exemplo, estender os braços para pegar um alimento é uma ação, pois, ela indica
o objetivo de pegar esse alimento. Neste sentido, movimento e ato motor fazem parte da ação,
entretanto um movimento sem um objetivo não se caracteriza como ação.
A composição de neurônios espelho na área F5 é relativamente pequena, cerca de 20%
do total das células do córtex pré-motor, entretanto, seu funcionamento diferencial é o
chamativo dos estudos. No artigo de Rizzolatti et al. (1996), os pesquisadores identificaram que
nesta porção há neurônios ligados a movimentos de mão e boca, que respondem (disparo dos
potenciais de ação) de forma diferente, a depender da ação observada e executada, por exemplo,
o uso de ferramentas não ativou as células, ou em atividades que a mão esteve ausente na relação
com o objeto. Essa mesma área, recebe sinais do lóbulo parietal inferior, principalmente da área
intraparietal inferior, que responde aos movimentos das mãos. Ou seja, os neurônios espelho de
macaco durante um experimento, não reconheciam a ferramenta como objeto, obviamente por
não compreender sua funcionalidade, por isso não disparavam potenciais de ação. Assim,
entende-se que os neurônios espelho são ativados quando ocorre uma ação direcionada a um
objetivo. A Figura 3. ilustra a organização morfológica do lóbulo parietal.

29
Fonte: (WIKIMEDIA, 2010)
Figura 3. A área hachurada em amarelo ilustra a organização morfológica do lóbulo parietal. Destaque
para as regiões: Giro pós central (post central gyrus); sulco pós-central (postcentral sulcus); lóbulo parietal
superior (sup. parietal lobule); sulco intraparietal (intraparietal sulcus); giro supramarginal (supramarg.
gyrus); giro angular (ang. gyrus).

Compreender este aspecto é essencial, pois os pesquisadores concluíram que os


neurônios espelho contém propriedades denominadas de congruentes, podendo ser classificadas
como de alta e baixa congruência. Quando o animal observa uma ação e executa exatamente da
mesma forma ou com mesmo movimento, esta é classificada como de alta congruência. Por
exemplo, imagine o pesquisador pegando uma maçã com a mão direita e colocando-a sobre
uma mesa, então o macaco observa essa ação e a executa da mesma forma. Por outro lado,
quando o animal observa uma ação, porém a executa com um movimento diferente, mas
mantém o mesmo objetivo, esta é classificada como de baixa congruência. Novamente, por
exemplo, imagine o pesquisador pegando uma maçã com a mão direita e colocando-a sobre
uma mesa, então o macaco observa essa ação e a executa pegando a maçã com pé direito e a
coloca sobre a mesa, ou seja mantém o objetivo da ação (FABRI-DESTRO; RIZZOLATTI,
2008; IACOBONI, 2009b). A Figura 5 ilustra de modo simplificado o disparo dos neurônios
espelho durante a observação e execução de uma ação.

30
Fonte: Adaptado de (FABRI-DESTRO; RIZZOLATTI, 2008)
Figura 4. Respostas dos neurônios espelho (área F5). A. Ilustra uma pesquisadora executando ação de
pegar um alimento enquanto o animal observa. Ao lado direito é possível observar seis barras (seriam seis
neurônios da região F5) que mostram a atividade dos neurônios espelho da porção F5 do macaco. B.
ilustra a execução da ação de pegar um alimento. Ao lado direito é possível observar o disparo dos
neurônios espelho durante esta tarefa.

Ainda foi descrita uma relação homóloga da porção F5 do córtex pré-motor dos macacos
estudados com a área de Broca em humanos (ver figura 2 a). No momento que os primatas e
humanos compreendem a ação de outros, representando as ações motoras para si e na relação
com outro, devemos lembrar do SNE da área F5 e área da Broca e de sua ligação com os
movimentos da mão e boca/laringe. Isto significa que ao executar uma ação, exprimimos gestos
tanto com as mãos/braços, quanto com as expressões orofaciais, e em alguma medida isso
produziu sons como estalar da língua e dos lábios. É essencial pensar que se estamos falando
de evolução, essa primeira linguagem baseada em gestos (orofaciais) e sons primitivos, não
ocorria na relação entre apenas dois indivíduos, pelo contrário, o generalismo destas ações
estava aberto para outros indivíduos observarem e compreenderam essas ações, codificadas, a
partir dos neurônios espelho (RIZZOLATTI; ARBIB, 1998; RAMACHANDRAN, 2014).
Inclusive, as manifestações das emoções dependem das expressões faciais e essa relação
permitiu o desenvolvimento da área da Broca no cérebro humano. Uma consequência
importante desse novo uso funcional da vocalização foi quando o som adquiriu um valor
descritivo e, portanto, teve que permanecer o mesmo em situações idênticas e, além disso, teve
31
que ser imitado quando emitido por outros indivíduos. Essa nova situação, provavelmente foi a
causa do desenvolvimento da área de Broca humana, a partir de um precursor semelhante a F5
que já possuía propriedades espelhadas, controle de movimentos oro-laríngeos e uma estreita
ligação com o córtex motor primário que controla os movimentos orofaciais (RIZZOLATTI;
ARBIB, 1998).
É interessante pensar como um conjunto de células neuronais, que não são específicas
da espécie humana possibilitaram, do ponto de vista evolutivo/ontológico, o desenvolvimento
de uma função complexa humana como a linguagem. Ramachandran (2014), evidencia a
hipótese dos neurônios espelho para além desta aptidão, segundo o autor, essas células
constituem os aspectos mais desenvolvidos da espécie humana, ou seja, proporcionam desde a
execução de ações simples como aprender a beber em um copo, bem como, funções cognitivas
complexas como imitação, empatia e compreensão das emoções nas suas mais distintas formas.
Como se organizam no cérebro humano os neurônios espelho para além da área de
Broca? Primeiramente, é necessário frisar que os neurônios espelho constituem parte de um
grande sistema cortical. Neste sentido, devemos entender como se organiza, do ponto de vista
cerebral, o reconhecimento dessas ações, a partir do observador. As áreas do lóbulo parietal,
aparentemente têm um papel importante neste processo. Comumente, elas eram reconhecidas
como áreas associativas, entretanto, com a descoberta de neurônios espelho na região do lóbulo
parietal inferior, Fogassi et al. (2005) demonstram, a partir de experimentos com macacos, o
caráter multimodal desta área, isto é, ela realiza a conexão entre ação e percepção, codificando
as informações das ações observadas, em representações motoras, próprias do indivíduo, que
percebe a ação. Um ponto chave nesta codificação é que os neurônios espelho que pertencem a
essa região são ativados com maior frequência de disparos de potenciais de ação, quando há o
reconhecimento do objetivo da ação observada.
Fabri-Destro e Rizzolatti (2008), afirmam que o reconhecimento das ações de outros
não depende apenas da observação - estudos experimentais com símios concluíram que o SNE
desta região respondeu ao som da ação, sendo ativados também em situações das quais as ações
estavam ausentes (KOHLER et al., 2002). A codificação do SNE desta região, cria
representações motoras, que ao menor sinal destas ações, são emitidas como representações
motoras próprias do indivíduo, disparando as células espelhadas durante a observação, audição
e até mesmo em forma de representação mental, quando não há a presença de estímulos diretos.
O caráter multimodal dos neurônios espelho e suas diversas formas de representação motora,
pode ser exemplificado da seguinte forma: ao ouvir a fricção da ponta de um lápis sobre uma

32
folha de papel, podemos “imaginar” a ação da escrita de um sujeito, analisando suas pausas,
continuidade e em alguma medida a movimentação das mãos. A ação é representada pelo som
que dispara os potenciais de ação do SNE, responsáveis pela codificação destas informações.
Para os neurocientistas, as representações motoras identificadas pelo SNE dos primatas
e humanos, criam uma vantagem biológica essencial que é a de prever ações motoras de outros,
uma vez que essas representações tiveram origem na interação com outros indivíduos
(RIZZOLATTI; FOGASSI; GALLESE, 2001). A previsão das ações, proporciona aos seres
humanos (e também aos primatas) a capacidade de compreender as intenções por trás da ação
observada, pois a ligação do lóbulo parietal inferior com o córtex pré-frontal são os mecanismos
subjacentes responsáveis por essas habilidades, ligadas à codificação das ações motoras
(FABRI-DESTRO; RIZZOLATTI, 2008). Em humanos, essa habilidade tem um impacto
significativo no desenvolvimento das relações sociais. Compreender as intenções de outros,
reforça a existência de representações motoras que se tornam próprias do indivíduo que observa,
em outras palavras, é como se compreendêssemos estar no “lugar do outro”, ou seja, ter empatia.
Para Iacoboni (2005, 2009b) os neurônios espelho são responsáveis pelos
comportamentos de imitação e empatia. Iacoboni (2005, 2009b), baseado em dados
experimentais, afirma que a imitação é fundamental para nossa aproximação com outros
indivíduos, uma vez que os comportamentos socialmente aceitos facilitam o desenvolvimento
das relações interpessoais. Um segundo ponto que liga a imitação e a empatia é o fato de que,
quando imitamos pessoas, aumentamos nossa proximidade com relação a gostos pessoais,
consequentemente esse indivíduo se torna hábil em compreender e fazer a leitura das emoções
de outros, o que fortalece o caráter empático ligado à imitação.
As bases neurais que possibilitam a atividade subjacente dos neurônios espelho voltados
à imitação, funcionam em um sistema que engloba a parte Posterior do Giro Frontal Inferior e
a parte rostral do Córtex Parietal Posterior (Figura 5) essas duas áreas, além de conter neurônios
com propriedades espelho estão vinculadas à área de Broca (IACOBONI et al., 1999). A
vinculação de áreas responsáveis pela linguagem e a imitação fortalece a idéia do papel dos
neurônios espelho para a compreensão de ações motoras envolvendo movimentos orofaciais,
entretanto, é necessário salientar que a imitação nem sempre está ligada com aspectos da
linguagem.

33
PMd PF PMd

IPS IFG e
PMv

IFG e PMv
STS e
Hemisfério STS e pMTG Hemisfério
PF pMTG
esquerdo direito

Fonte: Adaptado de (RIZZOLATTI; SINIGAGLIA, 2016).


Figura 5. Áreas ativadas durante a observação de uma ação no cérebro humano : IFG, giro frontal inferior;
IPS, sulco intraparietal; PMd, córtex pré-motor dorsal; pMTG, giro temporal médio posterior; PMv,
córtex pré-motor ventral; PF, área parietal; STS, sulco temporal superior. Estas áreas são ativadas durante
a observação de ações que envolvem pegar algum objeto.

Iacoboni (2005) afirma que a imitação cumpre um papel importante no desenvolvimento


da aprendizagem em humanos. O SNE permite simularmos internamente as ações de outros,
deste modo, isso facilita a seleção dos melhores movimentos, para a execução da ação simulada,
o que facilita a reprodução desta ação, ou até mesmo a melhora daquilo que está em processo
de aprendizagem.

Se alguém faz um movimento corporal complexo que nunca realizamos antes, os


nossos neurônios-espelho identificam no nosso sistema corporal os mecanismos
proprioceptivos e musculares correspondentes e tendemos a imitar,
inconscientemente, aquilo que observamos, ouvimos ou percebemos de alguma forma
(LAMEIRA; GAWRYSZEWSKI; PEREIRA JUNIOR, 2008, p. 129).

Esta forma de aprender por imitação não se restringe apenas às ações motoras
observadas, elas incluem, aspectos culturais e até mesmo o modo como o indivíduo “aprende”
a se diferenciar de outros. Segundo Gallese (2003) e Mendonça (2018), os neurônios espelho
ao “traduzirem” as ações de outros, para aquele que observa a ação, possibilita o aprendizado
motor do que é observado, com base na imitação. Porém, sempre existe uma relação de

34
alteridade entre as ações que são do indivíduo e as ações que de outros, o reconhecimento da
diferença pode ser a base para o desenvolvimento da intersubjetividade.
Sendo assim, o SNE atua como um mecanismo cerebral que possibilita ao indivíduo
diferenciar entre as informações compartilhadas em ambiente social (as ações, emoções e
intenções), transformando-as em informações próprias que mostram como o indivíduo se
diferencia de seu ambiente social - ou em outras palavras, sua individualidade (GALLESE,
2003). A Figura 6 descreve as bases neurais da imitação e o como ocorre o fluxo de informações
neste sistema.

Fonte: Adaptado de (IACOBONI, 2005).


Figura 6. Sistema de neurônios espelho formado pelo Lóbulo Parietal e o Córtex Frontal, em conjunto
com o Sulco Temporal Superior. Estas áreas são responsáveis pela base neural da imitação. Abreviações,
Sistema de Neurônios espelho (MNS), Sulco Temporal Superior (STS).

Esses mecanismos de imitação constituem os elementos que indicam a possibilidade de


correlacionar a descoberta dos SNE e a Teoria da Mente (RAMACHANDRAN, 2014), que
explica a capacidade de compreendermos estados emocionais, pensamentos, intenções e ações
de outros indivíduos (BAREN-COHEN; LESLIE; FRITH, 1985). Sendo assim, as células que
compõem o sistema espelho são a base neurofisiológica para essa habilidade (GALLESE;
GOLDMAN, 1998; GALLESE, 2003).
A relação com as emoções e o SNE foi descrita em uma revisão de Rizzolatti e
Sinigaglia (2016), que se preocupou em elucidar os aspectos de compreensão da ação, das
representações motoras e das emoções. O funcionamento neural com ênfase nas emoções foi

35
descoberto na ínsula, especificamente na sua porção anterior, com função de espelhamento. A
ínsula anterior é composta por quatro porções: sensório-motora; olfativa-gustativa; sócio-
emocional e cognitiva. As três primeiras porções estão associadas a áreas homólogas em símios,
porém a quarta é encontrada apenas em humanos. Esta responde à memória de curto prazo,
processamento da linguagem e fala, ou seja, existe uma relação com o hipocampo e as áreas
responsáveis pela linguagem (Broca e Wernicke). A ínsula anterior também responde ao
reconhecimento das emoções por meio de expressões faciais, estimulação elétrica direta e a
estímulos somatossensoriais (textura, viscosidade, estímulos gustativos, entre outros).
Para ilustrar a complexidade do funcionamento do SNE e sua relação com a área da
ínsula para a compreensão das emoções de outros, Di Cesare et al. (2015) realizaram um
experimento por meio de tarefas que imputavam aos participantes observarem, imaginarem e
executarem uma determinada ação motora sobre dois determinados estímulos emocionais:
alegre e bravo. Esses estímulos foram definidos pelos pesquisadores como formas vitais das
emoções8, em outras palavras, isso significa a nossa capacidade de reconhecermos os estados
emocionais distintos de outros, a partir do estado emocional interno do indivíduo observado.
Por exemplo, se um indivíduo demonstra mesmo sem expressar verbalmente, aborrecimento
com outro, suas ações tendem a se tornar mais rápidas, ou firmes em uma situação de pegar um
objeto, do ponto de vista do observador. A mudança destas ações demonstrou subjetivamente
que os padrões de ações anteriores do indivíduo antes do aborrecimento eram diferentes,
consequentemente, o sujeito que observa supõe que as emoções daquele que é observado
mudaram. A Figura 7 descreve quais áreas corticais foram acionadas durante os três tipos de
análise (observação, imaginação e execução) e as duas diferentes formas de emoções testadas
(alegre e bravo).

8 O conceito de afetos vitais ou formas de vitalidade, foi formulado pelo psicanalista Daniel N. Stern. Esse
constructo teórico explica como reconhecemos em outros sujeitos, as formas de expressões emocionais ligadas aos
aspectos sensíveis presentes no cotidiano nas distintas categorias emocionais como: tristeza, alegria, raiva, medo
e outros. Essas categorias emocionais, em geral, expressas no cotidiano, se manifestam, no espaço, tempo, relações
interpessoais e nas formas de expressão do próprio corpo (REIS, 2003). Isso justifica o resgate deste constructo
teórico para os experimentos de Di Cesare et al. (2015).
36
Fonte: Adaptado de (DI CESARE et al., 2015)
Figura 7. Ativação de áreas distintas diante das emoções rude e gentil (Áreas hachuradas em amarelo e
laranja), durante a realização das tarefas, sob as condições de observação, imaginação e execução de
ações. Legendas, hemisfério direito (RH), hemisfério esquerdo (LH), controle (Ctrl);

O SNE cumpre uma função essencial das atividades cerebrais subjacentes, e seus
desdobramentos na linguagem, imitação, empatia e o desenvolvimento da intersubjetividade
entre outros. Os pesquisadores (RIZZOLATTI; AIRBIB, 1998; FABRI-DESTRO;
RIZZOLATTI, 2008; RAMACHANDRAN, 2014; RIZZOLATTI; SINIGAGLIA, 2016) são
categóricos em afirmar a importância do SNE em relação a expressão destes comportamentos,
entretanto, ainda não há uma explicação unívoca nas Neurociências sobre estas células, em
outras palavras, o diálogo com outros campos, como por exemplo, da Psicologia é recorrente.
O que se estabelece de consenso aparente, conforme descreve a revisão de Rizzolatti e
Sinigaglia (2016) é que o SNE atua como um mecanismo básico de funcionamento cerebral,
que liga suas redes neurais às diversas informações e incorpora em representações próprias da
intersubjetividade de outros indivíduos, entretanto é necessário recordar que a produção destas
representações sempre parte do caráter motor das ações.

1.4 A hipótese da disfunção do sistema de neurônios espelho e o transtorno do espectro


autista

O neurocientista Vilayanur S. Ramachandran foi um dos pioneiros em relacionar os


déficits dos SNE com os sintomas do TEA. Seguindo a linha neurofisiológica de pesquisa, ele
elaborou como hipótese, que os sintomas sócio-cognitivos, em geral, deficitários em indivíduos
com TEA, apresentavam uma estreita relação com as funções descritas do SNE (linguagem,
imitação, empatia e compreensão das intenções). As primeiras evidências da hipótese da
disfunção do SNE foram apresentadas na reunião anual da Sociedade de Neurociências no ano
de 2000 (RAMACHANDRAN; OBERMAN, 2006).
37
Willians et al. (2001) investigaram a relação entre a imitação, linguagem, funções
executivas (atenção compartilhada e planejamento) e teoria da mente e a associação de déficits
dos neurônios espelho em indivíduos com TEA. Os pesquisadores compreendem que a imitação
precoce tem uma função essencial no desenvolvimento das funções cognitivas citadas,
principalmente sua relação de complemento com a teoria da mente. Essa argumentação é
sustentada compreendendo que para a “leitura” dos estados mentais e emocionais de outros
(teoria da mente), a criança simula as ações de outros de modo interno, compreendendo, a partir
de suas próprias ações, a imitação.
Em linhas gerais, a teoria da mente é um constructo elaborado pelas Ciências
Cognitivas, utilizado para explicar como atribuímos estados mentais emoções, intenções,
idéias, motivações, presunção dos pensamentos, de outras pessoas, com base em nosso próprio
estado mental. Neste sentido, a relação dos déficits dos neurônios espelho com a teoria da mente
e outros conceitos como a imitação por exemplo, fazem parte da etiologia dos sintomas sócios
cognitivos em sujeitos diagnosticados com TEA.
Analisando a importância da imitação precoce para o desenvolvimento da comunicação
os autores concluíram, com base em 21 estudos experimentais que a imitação é um dos pontos
chaves de comprometimento no TEA, sendo apenas dois estudos que não apresentavam a
imitação como déficits nestes sujeitos. Relataram ainda, que imitações que envolviam planos
simbólicos como execução de uma ação na ausência do objeto (Ex: escovar os dentes) e tarefas
que solicitava a imitação das ações de outros de modo espontâneo (Ex: imitar ação de tomar
chá direto do bule), foram as mais comprometidas em indivíduos com TEA. Os pesquisadores
concluíram que a base neurobiológica produtora dos déficits na imitação precoce é a disfunção
no SNE, que aparentemente causa a cascata de sintomas que influenciam o desenvolvimento da
linguagem, funções executivas, as abstrações e compreensão das emoções.
Os pesquisadores enfrentaram um sério problema em como estudar a atividade dos
neurônios espelho, uma vez que os procedimentos invasivos utilizados em símios não poderiam
ser reproduzidos em humanos. Ramachandran (2014) descreve que diante deste problema, a
saída para as pesquisas foi a utilização de exames não invasivos como eletroencefalograma
(EEG). O exame EEG capta uma faixa de freqüência denominada de onda mu (8-14 Hz).
As ondas mu são emitidas por neurônios sensório motores de modo espontâneo e
sincrônico durante o período de repouso do neurônio, entretanto, quando o indivíduo executa
uma determinada ação, o modo de respostas dos neurônios mensurados inicia um processo
assincrônico, causando a diminuição da freqüência mu. As respostas assíncronas (inibição) das

38
ondas mu tem relação com outros sistemas neuronais do córtex pré-motor, motor e sensório
motor. Deste modo, a mensuração das atividades dos neurônios espelho desta região está
atrelada a tarefas que envolvem a observação de movimentos das mãos, sendo as células
espelhadas, as únicas ativas nestas tarefas, o que indica uma forma de funcionamento
diferencial, uma vez que os neurônios espelho não podem ser diferenciados morfologicamente
de outros neurônios (OBERMAN; PINEDA; RAMACHANDRAN, 2007). Cabe salientar, que
a inibição das ondas mu ocorre quando o indivíduo executa, observa ou imagina uma ação
(PINEDA; ALLISON; VANKOV, 2000).
Identificar o funcionamento e o processo de assincronicidade (inibição) da frequência
mu, possibilitou a Oberman et al. (2005) uma investigação sobre a hipótese de disfunção dos
SNE em indivíduos com TEA fosse realizada. Este experimento teve a colaboração de 10
indivíduos diagnosticados com TEA9 e 10 indivíduos controles, todos pareados por idade e
sexo. A faixa etária dos participantes variou de 6 a 47 anos. As tarefas propostas, em síntese,
foram: a) mover a própria mão: os participantes deveriam abrir e fechar as mãos; b) observar
um vídeo em preto e branco de um experimentador repetindo o mesmo movimento de mão
executado pelos sujeitos; c) assistir ao vídeo de duas bolas quicando na vertical, de modo que
sua trajetória final atingisse o centro da tela, ilustrando, é como se observássemos deitados a
bola caindo de modo vertical sobre o rosto do observador; e d) observar a estática de uma
televisão como linha de base, sendo um estímulo neutro. Os eletrodos que identificaram a
frequência mu no córtex pré-motor de ambos os grupos se localizavam nas regiões (C3, Cz e
C4), descritas na Figura 8. Os resultados mostraram que no grupo controle e no grupo (TEA)
houve a inibição das ondas mu (ativação do SNE) na tarefa de movimento da própria mão.
Entretanto, no grupo (TEA) não foi observada a supressão da onda mu na tarefa de observar no
vídeo o movimento de mão executado pelo experimentador (tarefa b.). Em relação à tarefa da
bola quicando (tarefa c.), a supressão das ondas mu foi a mesma para ambos os grupos.

9 Segundo Oberman et al. (2005), os indivíduos diagnosticados com TEA foram considerados de alto
funcionamento, isto é, sem comprometimento cognitivo grave. Essa seleção ocorreu, pois, foi necessário que os
participantes compreendessem de forma clara as orientações de cada tarefa.
39
Fonte: Adaptado de (OBERMAN et al., 2005).
Figura 8. Supressão das ondas mu em participantes controle e sujeitos com TEA. C3, Cz e C4
correspondem à localização do córtex pré-motor. A. participantes controle. B. participantes com TEA. As
barras em branco representam a mensuração na atividade de observação da ação com bola; em cinza a
observação do vídeo demonstrando a ação com as mãos executadas pelo pesquisador; em preto a tarefa
da execução da ação com as mãos. A dimensão das barras indica a atividade dos neurônios espelho
mensurados (C3, Cz e C4).

A evidência da não supressão das ondas mu em indivíduos com TEA considerados de


alto funcionamento, na tarefa b), reforçou a hipótese da disfunção dos SNE, bem como,
confirmou a importância dessas células para comportamentos cognitivos de ordem superior,
como imitação, linguagem, empatia, entre outros. Não se sabe a natureza causal desta disfunção,
mas especula-se a existência de um caráter multifatorial envolvendo as questões genéticas,
fisiológicas e ambientais. É importante salientar que nestes estudos, as diferentes idades
mostram que não existe uma melhora desta disfunção ao longo do desenvolvimento dos
participantes com TEA, ou seja, aparentemente esta disfunção de neurônios seria crônica
(OBERMAN et al., 2005).
Outras evidências também foram encontradas em estudos de magnetoencefalografia,
porém, em tarefas que visavam a imitação de movimentos com a boca. Os resultados de
Nishitani, Avikainen e Hari (2004) demonstraram um período de latência maior da ativação nas
áreas consideradas responsáveis pela função de imitação em indivíduos diagnosticados com
Síndrome de Asperger em comparação com o grupo controle.
Na revisão de Perkins et al. (2010), baseada em estudos com eletroencefalografia e
magnetoencefalografia como evidências empíricas, críticas foram realizadas sobre a disfunção
dos neurônios espelho, pois os autores deixam clara a necessidade de desenvolver e aprofundar
as evidências sobre a relação da disfunção dos neurônios espelho e o TEA. Essa crítica é
dividida em dois pontos, o primeiro se refere aos problemas metodológicos de estudo com os
neurônios espelho, bem como, a análise de áreas homólogas do cérebro entre símios e humanos
40
e as expressões de comportamentos complexos como imitação que não são equivalentes em
ambos; o segundo ponto reside em casuísticas pequenas das pesquisas que relacionam a
disfunção do SNE e o TEA.
O levantamento destas críticas é importante, pois demonstra que as evidências propostas
por Oberman et al. (2005) não são consenso na comunidade científica. Em uma revisão de
Hamilton (2012) sobre os estudos que relacionavam a disfunção do SNE e o TEA, avaliaram a
baixa eficácia dos exames de eletroencefalografia e magnetoencefalografia. Outro ponto
importante, foi a questão da mudança nos critérios diagnósticos, principalmente, a partir do
DSM-5, que incorporou as definições de Síndrome de Asperger, ou seja, indivíduos menos
comprometidos e outras “manifestações” do autismo em uma mesma categoria. As evidências
da disfunção do SNE, foram estudadas em indivíduos que dentro das manifestações do espectro
autista são considerados de alto funcionamento, sendo assim, aqueles indivíduos com
comprometimento maior, teriam a mesma disfunção? Ou outras áreas do cérebro, não povoadas
por neurônios espelho, poderiam estar comprometidas?
Perkins et al. (2010) e Ramachandran (2014) evidenciam que a disfunção do SNE não
explica todos os déficits presentes no TEA, entretanto, essa hipótese demonstra que existem
evidências relevantes para a compreensão do funcionamento neurológico nos indivíduos
diagnosticados com TEA, porém, a partir das críticas observa-se que o TEA é um fenômeno
complexo, multifatorial, do qual se conhecem alguns aspectos; sobre outros há pistas e
hipóteses. O que indica um desafio para diversos profissionais e pesquisadores, inclusive para
os neurocientistas.
No segundo capítulo serão discutidos os aspectos principais deficitários do TEA, à luz
dos fundamentos teóricos da PHC.

41
2. REFLEXÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL SOBRE O
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Todo começo é difícil, e isso vale para toda a ciência (MARX, 2017, p. 77).

Este segundo capítulo pretende elaborar as possíveis contribuições da PHC para a


compreensão do TEA. Conforme, o arcabouço teórico metodológico desta abordagem
(materialismo histórico-dialético). As discussões sobre o TEA (gênese, desenvolvimento e
sintomas) serão organizadas, seguindo os princípios do primeiro capítulo. Neste sentido, os
aportes iniciais serão considerados como o que há de universal e acessível sobre o conhecimento
da temática. A partir dessa perspectiva, faremos a tentativa de sistematizar o caráter particular
da perspectiva histórico-cultural, ou seja, teorizar e engendrar sob essa “ótica” o tema TEA, o
que pode futuramente auxiliar na construção de novas formas de intervenção, diagnóstico e
avaliação, ou seja, compreender as singularidades de cada caso10.
Este capítulo será descrito do seguinte modo: 2.1 Contextualizando a Psicologia
Histórico-Cultural; 2.2 Desenvolvimentos humano sob o enfoque histórico-cultural; 2.3.
Periodização do desenvolvimento humano e 2.4 Apontamentos da Psicologia Histórico-
cultural acerca do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

2.1 Contextualizando a Psicologia Histórico-Cultural

Conforme denominou Eric Hobsbawm (2007), o breve século XX, foi marcado por
grandes acontecimentos históricos, dentre eles, a vitória da Revolução Russa sobre o
Czarismo11, que ocorreu em outubro de 1917. É imperativo salientar que um processo
revolucionário tão incisivo, só foi possível, devido às condições de vida miseráveis da
população russa, principalmente de sua classe trabalhadora. Essas condições foram impostas
por uma profunda crise do capital e a participação do país eslavo na primeira guerra mundial
(TULESKI, 2009). Para tanto, uma mudança radical, a partir do socialismo, como um modelo
antagônico e alternativo, serviu de base para resgatar essa população dos atrasos sociais,
culturais, educacionais, considerando que se tratava de um país composto por 80% de uma

10 A inspiração para o desenvolvimento deste parágrafo partiu das reflexões de (MARTINS; PASQUALINI,
2015).
11 Czarismo foi um regime absolutista baseado em um modelo econômico feudal. Imperou na Rússia de 1547 até
1917.
42
população camponesa iletrada) e de feroz dominação e exploração (TONET, 2017). Sendo
assim, é sobre esse novo horizonte que surgem os trabalhos dos principais teóricos soviéticos.
Shuare (2016), compreende que as mudanças estruturais propostas pela revolução
socialista, transcenderam as esferas política-econômica. Essas modificações, foram expressas
no campo das artes, cinema e poesia com destaque para Eisenstein e Maiakovski, por exemplo.
No campo científico, essas expressões não foram distintas:

A Ciência psicológica da jovem Rússia Soviética deu seus primeiros passos na


investigação de questões práticas propostas pela construção de uma nova vida. As
possibilidades que se abriram para a Psicologia, já neste período, no plano da
utilização de suas conquistas com a finalidade de resolver tarefas práticas
testemunham a necessidade de seu amplo desenvolvimento ulterior (SMIRNOV, 1975
apud SHUARE, 2016, p. 32).

O desenvolvimento da Psicologia no período pós-revolucionário foi marcado por


grandes contradições. De modo sintético , as tendências psicológicas deste período foram: a) A
defesa da Psicologia tradicional da época, em geral, subjetivista/introspeccionista pautada em
métodos empiristas, já desenvolvidos naquele período histórico; b) A ênfase
fisiológica/neurológica considerada como candidata à superação da Psicologia, enquanto
ciência, sendo seu principal representante Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) e c) Pesquisas
comprometidas em criar uma base marxista para Psicologia Soviética (SHUARE, 2016).
As contradições presentes neste período, correspondem à influência da filosofia
cartesiana. Dito isso, até o século XIX, o homem foi cindido em duas grandes categorias, a do
corpo físico, enquanto instância material própria do plano objetivo, subordinado às leis físicas,
mecânicas e causais. Por outro lado, a mente, a consciência e a psique do homem, subordinadas
às determinações metafísicas, como condição de uma razão divina/espiritual. Assim, esse
segundo plano, imaterial, não teria condições de ser explicado pelas vias objetivas de estudo
científico. Com o desenvolvimento das ciências naturais, a neurologia e a fisiologia, esses
pressupostos que deveriam, aparentemente, superar o dualismo cartesiano e auxiliar na
compreensão do comportamento humano, apenas polarizaram o caráter dualista presente na
Psicologia (LURIA, 1979a).
As contradições internas postas neste período, auferiram nova forma, a partir do
primeiro e do segundo congressos de Psiconeurologia de toda a Rússia, em 1923 e 1924,
respectivamente. No primeiro, surgiu como fonte de debate e necessidade, a construção da
ciência psicológica pautada sobre os fundamentos do materialismo histórico-dialético,

43
principalmente, a partir da influência de K. N. Kornilov (1879-1957)12, postos de lado, os
déficits teóricos dos autores deste período, o destaque deste congresso foi: o delineamento dos
principais problemas metodológicos e do objeto de estudo que deveriam ser pauta de
investigação e discussão da Psicologia Soviética:

[...] em primeiro lugar a aplicação criativa da dialética como método de investigação;


em segundo lugar, a superação da ruptura, posteriormente enfatizada, entre a definição
do psiquismo como produto da matéria altamente organizada, como função do cérebro
e a natureza social da consciência e da personalidade humana (SHUARE, 2016, p.
55).

O segundo Congresso de Psiconeurologia foi influenciado pela delimitação de objetivo


e metodologia do primeiro, contudo, é neste congresso que a Psicologia Soviética redefine seu
direcionamento. Este novo marco é aberto por um pesquisador, ao que tudo indica, até então
desconhecido na comunidade científica soviética, Lev Semionovich Vigotski13 (1896-1934)
(LURIA, 1992):

Quando Vygotski se levantou para dar sua palestra, não portava consigo qualquer
texto, e nem mesmo notas. No entanto, falava fluentemente, e parecia nunca ter que
vasculhar a memória à procura da próxima idéia. Fosse prosaico o conteúdo de sua
fala, esta seria admirável pelo encanto de seu estilo. Mas sua fala não foi, de modo
algum, prosaica. Ao invés de atacar um tema menor, como talvez fosse conveniente
a um jovem de vinte oito anos que está falando pela primeira vez aos decanos de sua
profissão, Vygotski escolheu como tema, a relação entre os reflexos condicionados e
o comportamento consciente do homem (ibid, 1992, p. 43).

A partir dessa apresentação, o jovem pesquisador foi reconhecido como uma possível
referência para a construção da Psicologia Soviética naquele período, convidado a participar do
círculo do Instituto de Psicologia de Moscou, desembarcando na capital eslava em outubro de
1924. É nesse local, que ele conheceu seus dois principais colaboradores até sua morte,
Alexandre Romanovich Luria (1902-1977) e Alexis Nikolaevich Leontiev (1903-1979), a união

12 A perspectiva de Kornilov do psiquismo e da consciência humana foi marcada pela recusa da compreensão
desses fenômenos, a partir de uma perspectiva idealista, bem como a defesa do caráter monista da ciência
psicológica. Entretanto, reduziu o psiquismo e a consciência, como expressões reflexas determinadas pela
percepção do mundo exterior, sendo o mundo interno “apenas” uma imagem do externo. (REY, 2012; SHUARE,
2016).
13 Segundo Luria (1992), Vigotski, no período que lecionava na cidade de Gomel (antes de Moscou), tinha
experiência com crianças portadoras de deficiências congênitas, era crítico literário por formação (gênese de suas
análises psicológicas), bem como, estudava a relação e efeito da linguagem sobre o pensamento, a partir de autores
clássicos. Neste sentido, é interessante refletir, que as preocupações futuras de Vigotski seguiram caminhos
semelhantes a esta experiência anterior.
44
desses consolidou um círculo de discussões denominado troika (LURIA, 1992). É de
conhecimento dos pesquisadores contemporâneos, que a Psicologia Soviética não se restringiu
apenas a estas três figuras, a partir dos anos de 1930, o desenvolvimento da ciência psicológica
se expandiu, formando grandes centros de pesquisa em outras localidades, como Kharkov e
Leningrado, além de, Moscou. Entretanto, há um certo consenso de que uma das vias para essa
expansão foi justamente a figura de Vigotski (BOVO; KUNZLER; TOASSA, 2019).
A reunião deste círculo de colaboradores, possibilitou que Vigotski realizasse um
diagnóstico sobre a ciência psicológica de seu tempo, o clássico texto denominado “O
Significado Histórico da Crise na Psicologia” (1926)14. Retomando a crítica ao dualismo
cartesiano, o autor enfatizou que a ciência psicológica necessitava de novas bases para se
desenvolver. E, para que isso ocorresse, era necessário pôr fim ao movimento pendular entre o
idealismo subjetivo e o materialismo mecanicista pautado sobre o biologicismo (LORDELO,
2011). Essa discussão elevou o debate científico à produção ideológica, principalmente
proposta pela Psicologia ocidental:

Quando ele se refere à “velha psicologia” como psicologia burguesa, está referindo-
se à psicologia que reflete e referenda as relações burguesas, isto é, que explica o
homem burguês, seus sentimentos, seu funcionamento mental e sua ação no mundo.
Quando se coloca na luta com o objetivo de superar a psicologia burguesa, posiciona-
se no sentido de mostrar a necessidade de superação das relações burguesas no interior
da sociedade, as quais dão base material a essa psicologia. A construção da
sociedade comunista e, consequentemente do homem comunista, necessitaria de uma
nova psicologia que fosse capaz de explicar o funcionamento mental deste novo
homem (TULESKI, 2009, p. 104, grifo nosso).

Os esforços em caminhar na direção da transformação radical da sociedade, trouxeram


consigo a necessidade do desenvolvimento de uma nova forma de consciência social, distinta
não só do período anterior ao Czarismo, mas também ao período Czarista, bem como que à
consciência burguesa. Sendo assim, o materialismo histórico-dialético, postulado nos escritos
de Marx/Engels, encabeçou a reconstrução da Psicologia em solo soviético.

2.1.1 O método de Marx e a construção da nova psicologia

14 Não há uma data exata deste texto, consideram que ele foi escrito entre 1926 e 1927. Porém, é comum alguns
autores utilizarem a data de 1927 (COSTA; MARTINS, 2018).
45
Fundamentar a ciência psicológica, a partir do materialismo histórico-dialético, é
polêmico, não só pelo apelo à neutralidade ideológica presente tradicionalmente em outras
correntes psicológicas, mas também pela questão de um “método” posto por Marx. Segundo
Netto (2011), Marx não se dedicou a escrever sobre o método de pesquisa em si mesmo, como
um conglomerado de passo a passo a serem seguidos para conhecer os objetos, pois seus
pressupostos não constituíram parte de um campo do saber como a sociologia, filosofia, política
ou economia. Diferente de outras tradições filosóficas ocidentais, o autor alemão se preocupou
em encontrar os fundamentos para a compreensão do movimento real de seu objeto de estudo -
a sociedade burguesa ou, em outras palavras, o capitalismo.
O Capital marca o auge de uma incursão teórica no âmago das ciências humanas, e isso
marcou a construção do materialismo histórico-dialético, enquanto método de análise de seu
objeto (YAMAMOTO, 1994). A preocupação de Marx para esta pesquisa era descobrir, quais
as reais contradições que moldavam o sistema econômico capitalista a se tornar dominante.
Para ele, a literatura de sua época não revelou as verdadeiras determinações presentes na
sociedade burguesa, por exemplo, nenhum teórico burguês demonstrou de modo concreto, as
causalidades produtoras da miséria material dos homens, ou descreveu como é possível que a
acumulação de mercadoria gerasse riqueza, ou mesmo de que modo as determinações
econômicas e políticas engendraram o desenvolvimento da consciência social dos homens e as
relações de produção de suas vidas.
Para resolver os problemas postos por seu objeto, Marx analisou que seria necessário ir
além da aparência e do idealismo, devendo buscar no próprio objeto, sua essência. Em outras
palavras, essência, para os marxistas, significa compreender a dinâmica e estrutura interna do
movimento real do objeto, ou seja, uma forma de apreensão subjetiva do pesquisador. Isso é
relevante, porque coloca o pesquisador como parte importante do processo de análise do objeto
(NETTO, 2011).
O conhecimento da essência do complexo funcionamento do capitalismo não se resumia
em apenas compreender ou contemplar a descoberta, inclusive, todo o arcabouço teórico
metodológico desenvolvido possuía fins práticos, com a perspectiva de superar as condições
impostas por esse modo de produção vigente, pelas mãos daqueles que tudo produzem. A tese
11 contra Feuerbach fora posta em fins práticos “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de
diferentes maneiras; porém, o que importa agora é transformá-lo” (MARX; ENGELS, 2007, p.
539).

46
É sobre a concepção marxiana de transformação do objeto, que Vigotski traça as
primeiras tentativas para a construção de uma psicologia que supere a crise:

Em um de seus primeiros trabalhos, Marx escreve que se a psicologia desejar se tornar


uma ciência realmente relevante, terá que aprender a ler o livro da história da indústria
material que encarna ‘os poderes essenciais de homem', e que é uma encarnação
concreta da psicologia humana. Da maneira como se dá, toda a tragédia interior do
capitalismo consiste no fato de que na ocasião em que o estudo objetivo da psicologia
do homem, que continha dentro de si potencial infinito de domínio sobre a natureza e
sobre o desenvolvimento de sua própria natureza, crescia a passo acelerado, sua vida
espiritual real estava degradando e passando pelo processo que Engels descreveu tão
vividamente como a mutilação do homem (VYGOTSKY, p. 7, 2004).

Sob a luz do materialismo histórico-dialético, a Psicologia Soviética desenvolve seus


pressupostos sobre as seguintes bases: a) Compreensão histórica da consciência e do psiquismo
humano; b) a dialética enquanto lógica científica e c) o monismo como norteador da “nova”
Psicologia.
Marx atribuiu à história um importante componente de análise do desenvolvimento das
relações sociais de produção e, como direta e indiretamente isso afetou a organização das
sociedades, principalmente no capitalismo. Para Vigotski, a história é importante, pois
demonstrou as mudanças qualitativas do desenvolvimento psicológico do homem ao longo
tempo (TULESKI, 2009). Nossos comportamentos, experiências, educação e as formas de
relações sociais, não são produto do desenvolvimento adaptativo presente na natureza, mas se
constroem na medida que o sujeito se apropria da experiência histórica de seus antepassados
que, em grande medida, não se encontram nos seus genes, tampouco na natureza maturacional
de seu organismo (VIGOTSKI, 2004).
A análise histórica do desenvolvimento psíquico é testemunha do potencial da atividade
humana, demonstrando que o surgimento da espécie é diferente da construção ontológica
humana. Deste modo, a atividade humana é produtora de seu próprio psiquismo, sendo essa
atividade, através da história, o fundamento material máximo para a construção de uma
psicologia objetiva:

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou pelo que
se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam
a produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua organização corporal.
Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida
material.
O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo,
da própria constituição dos meios de vida já encontrados e que eles têm de produzir.
Esse modo de produção não deve ser considerado meramente sob os aspectos de ser a
47
reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma
determinada de sua atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um
determinado modo de vida desses indivíduos. Tal como os indivíduos exteriorizam
sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, pois, com sua produção, tanto com
o que produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos,
portanto são, depende das condições materiais de sua produção (MARX; ENGELS,
2007, p. 87, grifos no original).

Essa nova proposta de compreender o psiquismo humano, a partir, de sua atividade e


historicidade, necessitou o resgate da lógica dialética, para a compreensão do dinamismo destes
fenômenos. Para Engels (1999), a dialética (materialista) representa o que há de mais
desenvolvido no pensamento humano, esse método de análise do real põe fim às velhas
dicotomias e embates entre o idealismo e o materialismo mecanicista. Deste ponto, Duarte
(2000) descreve como Vigotski pôs à serviço da ciência psicológica esses fundamentos:

O psicólogo soviético defende a utilização, pela pesquisa psicológica, daquilo que ele
chamava de “método inverso”, isto é, o estudo da essência de determinado fenômeno
através da análise da forma mais desenvolvida alcançada por tal fenômeno. Por sua
vez, a essência do fenômeno na sua forma mais desenvolvida não se apresenta ao
pesquisador de forma imediata, mas sim de maneira mediatizada e essa mediação é
realizada pelo processo de análise, o qual trabalha com abstrações. Trata-se do método
dialético de apropriação do concreto pelo pensamento científico através da mediação
do abstrato. Análise seria um momento do processo de conhecimento, necessário à
compreensão da realidade investigada em seu todo concreto. Vigotski adota assim, da
dialética de Marx, dois princípios para a construção do conhecimento científico em
psicologia: a abstração e a análise da forma mais desenvolvida (DUARTE, p. 84,
2000).

Se pudéssemos refletir de modo ilustrativo sobre a perspectiva vigotskiana, diante de


um diagnóstico de TEA, o sujeito seria avaliado tanto pelos seus déficits apresentados de modo
geral, quanto sobre suas potencialidades. Em comparação com o DSM-5, o processo
diagnóstico do TEA pelo viés da psiquiatria exibiria uma série de déficits, ou sintomas desse
sujeito, podendo, variar os níveis de gravidade em comparação a outros indivíduos com o
mesmo diagnóstico. Essa forma de avaliar/classificar não apresenta grandes informações sobre
o caso, ou seja, se expressa de forma teórica como a primeira explicação para a compreensão
do indivíduo. Deste modo, na perspectiva dialética, o diagnóstico pouco fala sobre o sujeito e
o seu processo de desenvolvimento.
Essa forma de classificar pode ser ilustrada pela sátira de Engels (1999) sobre o método
metafísico, e sua ineficácia em desenvolver um estudo científico concreto “[...] obcecado pelas
árvores, não consegue ver o bosque. ” (p. 84). Diante disso, a dialética aplicada à psicologia

48
deve, antes de tudo, compreender o sujeito diagnosticado com TEA, enquanto alguém em
movimento, ligado a um contexto, às formas de relações sociais de seu tempo, sua classe,
gênero e outras diversas determinações. Entretanto, é insuficiente para a compreensão deste
caso e outros, apenas a descrição dessas determinações. Pensando em ir além, é necessário
elaborar explicações; sendo elas práticas, no sentido das intervenções e, teóricas, para refletir
sobre o caso.
A psicologia proposta por Vigotski e outros psicólogos soviéticos deste período, parte
de uma análise monista para compreensão do humano. Deste modo, a PHC, sobre os
fundamentos do materialismo histórico-dialético, divergiu radicalmente do monismo (vulgar)
presente na psicologia tradicional. Assim assumimos que o sujeito que se desenvolve sobre o
gênero humano é uma síntese entre o biológico e o social, determinado historicamente, e
propício a partir de sua atividade transformar a realidade externa e interna através da
apropriação da cultura (TULESKI, 2009).
É necessário compreender que o desenvolvimento da ciência psicológica, a partir dos
pressupostos de Marx/Engels, para Vigotski, não se resumia a encontrar nas obras destes
autores os conceitos psicológicos, pelo contrário, o materialismo histórico-dialético deveria
antes de tudo, ser o ponto de partida da construção da ciência psicológica (TULESKI, 2009).
Para isso, haveria a necessidade de desenvolver novos conceitos e metodologias que
superassem as vicissitudes da “velha psicologia”, assim como Marx assimilou e desenvolveu
sua crítica aos economistas burgueses. Vigotski chamou atenção de seus contemporâneos
comunistas que, para a psicologia de seu tempo, seria imperativo um método semelhante,
conforme descreve Duarte (2000, p. 80), “[...] uma teoria que desempenhasse para a psicologia
o mesmo papel que a obra O capital de Karl Marx desempenha na análise do capitalismo”.
Aparentemente, esse caminho encontra-se aberto.

2.2 Desenvolvimento humano sob o enfoque histórico-cultural

Uma das principais características que diferencia o TEA de outras psicopatologias,


como a esquizofrenia, por exemplo, é a manifestação dos sintomas nos primeiros anos de vida,
em torno dos três anos de idade (RIVIÈRE, 2001). Tendo em vista essa especificidade, antes

49
de discutirmos os possíveis comportamentos atípicos expostos por crianças com esse
diagnóstico, devemos compreender o caminho do desenvolvimento típico do gênero humano15.
Vygotski (2012) compreende que qualquer ser da espécie Homo sapiens nasce sob
determinações diferentes de outras espécies animais, pois o desenvolvimento do gênero
humano segue uma linha distinta do desenvolvimento natural, isto é, o que rege a conduta
humana são as leis sócio-históricas.
O primeiro ato histórico, ou fundante do ser social (gênero humano), surge com o
trabalho16. Essa atividade especificamente humana é essencial, pois significou para a espécie
um salto ontológico. O trabalho, enquanto categoria ontológica, centralizou a construção da
natureza humana, a partir da unidade entre biológico e social. Essa unidade, criou condições
para a produção dos meios necessários para a produção, como as ferramentas, para a
transformação das causalidades dadas (condições naturalmente existentes), em causalidades
postas (novas objetividades e a construção de uma nova realidade, a partir destas) (LUKÁCS,
2013). O homem age ativamente sobre a natureza em uma espécie de intercâmbio metabólico,
isto significa que diferente da adaptação natural ao meio, conforme vemos no desenvolvimento
animal, o homem adaptou a natureza à sua necessidade. Esse ato tem dupla consequência. As
alterações artificiais criadas não só alteraram a natureza de seu ambiente, mas alteraram
igualmente a natureza do próprio gênero humano. Ilustrando esse aspecto, compreende-se que
o símio tem as mãos semelhantes do ponto de vista morfológico/fisiológico, quando
comparadas às dos homens. Entretanto, o animal é incapaz de reproduzir naturalmente (sem
treino), os aspectos mais simples do processo de humanização, presente em crianças na primeira
infância, quando realizam a imitação, por exemplo.
Leontiev (2004) descreve que a atividade sob o domínio do homem criou condições para
o surgimento da consciência, tendo origem, a partir da organização da atividade já posta ou
objetivada. Esta afirmação nega a consciência do homem como um produto inato do organismo,
ou produto de condições espirituais.

É em atividade que a transição ou “tradução” do objeto refletido em imagem subjetiva,


em ideal, ocorre; ao mesmo tempo, é também em atividade que a transição é alcançada
do ideal em resultados objetivos da atividade, seus produtos, em material. Considerada
deste ângulo, atividade é um processo de inter-tráfico entre pólos opostos, sujeito e
objeto (LEONTIEV, 1972, p. 3).

15
Consideramos gênero humano, todos os comportamentos presentes no ser social que surgem da apropriação da
história social.
16
Para Lukács (2013) e Marx (2017), trabalho é a capacidade do homem em transformar a natureza, produzindo
assim novas objetividades não presentes em ambiente natural.
50
Devemos acrescentar que essa atividade, enquanto processo inter-tráfico, sempre é
direcionada à satisfação de uma necessidade e acompanhada de um motivo. Não há atividade
sem motivo, tampouco sem necessidades (LEONTIEV, 1978). De modo geral, todo organismo
vivo responde às necessidades sob determinadas características; a primeira delas é que toda
necessidade deve ter um objetivo; em segundo, toda necessidade adquire um conteúdo concreto,
a partir das condições de sua satisfação, por exemplo, ao sentir fome busca-se comida. Neste
sentido, o estado interno do organismo sinaliza que a condição de fome deve ser eliminada, a
forma como essas necessidades se manifestam e são satisfeitas depende das condições externas
ao organismo; em terceiro, toda necessidade pode se repetir; a quarta regra expressa que as
necessidades se desenvolvem na medida em que os objetos e os meios de satisfação se ampliam
(LEONTIEV, 2017).
Tendo em vista, que essas quatro regras respondem a toda forma de organismo vivo,
deve-se compreender que as leis históricas do desenvolvimento humano complexificaram as
necessidades humanas a níveis superiores de organização.
Luria (1979a) sintetiza em três leis fundamentais a atividade consciente humana. A
primeira consiste no fato de que as necessidades humanas não são atendidas apenas por motivos
biológicos. As formas de relações engendradas pelo trabalho criaram novas necessidades, a
fome agora não é um simples ato a saciar, isto é, ela significa uma fome específica de algo
criado pela atividade humana - ou ato de socializar com outras pessoas, por exemplo, pode se
transformar em um motivo que de modo direto não está atrelado à saciação da fome.
A segunda lei consiste, em que o comportamento humano não é determinado por
relações aparentes de seu meio, ou mesmo pela experiência individual imediata. Em outras
palavras, a organização da atividade humana depende do conhecimento das leis que regem seu
ambiente conforme o exemplo:

Sabe-se que o homem pode refletir condições do meio de modo imediatamente mais
profundo que a do animal. Ele pode abstrair a impressão imediata, penetrar nas
conexões e dependência profunda das coisas, conhecer a dependência causal dos
acontecimentos, e após interpretá-los, tomar como orientação não impressões
exteriores, porém leis mais profundas. Assim, ao sair a passeio num dia claro de
outono, o homem pode levar um guarda-chuva, pois sabe que o tempo é instável no
outono. Aqui ele obedece a um profundo conhecimento das leis da natureza e não à
impressão imediata de um tempo de sol e céu claro (LURIA, 1979a, p. 72,).

51
A terceira lei descreve que o comportamento animal é regulado por dois princípios: a)
os comportamentos herdados filogeneticamente da espécie; e b) a experiência ontogenética do
animal, expressa como forma de aprendizagem imediata do meio e seus antecedentes. Não há
como negar que essas duas formas de regulação do comportamento animal também se
encontram no homem. Contudo, a forma de regulação da atividade humana ocorre através da
apropriação da história social, transmitida por meio da aprendizagem.
O desenvolvimento do ser social, é o marco principal para o surgimento de funções
psíquicas reorganizadas e próprias do gênero humano, como a consciência. A consciência,
enquanto função psicológica, pode ser definida como reflexo da realidade concreta, que se
estabelece quando há condições de domínio humano sobre a natureza orgânica e social.
Devemos compreender esse reflexo consciente como um produto do desenvolvimento histórico,
isto significa que a consciência distingue a realidade objetiva, como uma reflexão própria do
sujeito que a percebe. Esse movimento permite que o homem compreenda a realidade externa
a ele, ao mesmo tempo que desenvolve a percepção de si como sujeito consciente (LEONTIEV,
2004).
O psiquismo humano surge então, como produto das relações sociais estabelecidas por
meio do trabalho e da vida em sociedade. Cabe dizer que toda forma de atividade humana, seja
objetiva ou subjetiva, é mediada. Mediada no sentido que sempre entre atividade humana e sua
finalidade há um instrumento, um signo ou ambos (VYGOTSKI, 2012). Vygotski (2012) define
o instrumento (ferramenta) como mediações que modificam diretamente a realidade concreta,
por exemplo, os meios de trabalho. Isto significa que o instrumento do ponto de vista
psicológico, orienta a atividade humana de modo externo. Já os signos, têm como principal
característica agir como meio social de comunicação, sua definição é “[...] todo estímulo
condicional criado artificialmente pelo homem e usado como meio de dominar o
comportamento - seja próprio ou o de outros - é um signo.” (VYGOTSKI, 2012, p. 83, tradução
nossa). Deste modo, o signo orienta a conduta humana de modo interno, tendo esse conceito,
uma relação direta com a função da linguagem.
O homem, ao se apropriar de formas culturais como os instrumentos e os signos, desde
os primórdios de seu desenvolvimento histórico (LEONTIEV, 2009), modificou de modo
qualitativo, as funções psicológicas inatas da espécie. Com o apoio das ferramentas houve
aumento significativo da amplitude das atividades, a ponto de transformar seu meio e o emprego
de signos como forma de comunicação e controle voluntário do próprio comportamento e do

52
comportamento de outros. Essas funções passaram a agir a um nível superior de organização,
devido à cultura, sobrepondo-se às funções elementares17:

É, antes de tudo, processo de domínio dos meios externos de desenvolvimento cultural


e do pensamento: linguagem, escrita, cálculo, desenho; e, em segundo lugar, dos
processos de desenvolvimento das funções psíquicas superiores especiais não
limitadas ou determinadas com exatidão, que na psicologia tradicional são chamadas
atenção voluntária, memória lógica, designação de conceito, etc. Ambos, juntos,
formam o que convencionalmente qualificamos como processos de desenvolvimento
das formas superiores de comportamento da criança (VYGOTSKI, 2012, p. 29,
tradução nossa).

As evidências que balizaram a PHC a compreender o desenvolvimento das funções


psicológicas superiores18 se encontram em formas históricas transitórias. Essas formas podem
ser observadas tanto no comportamento do homem primitivo, como na conduta humana atual,
do ponto de vista do desenvolvimento. A primeira destas evidências, já descritas, é que o
homem cria os meios artificiais (instrumentos e signos) que irão controlar seu comportamento;
a segunda é que esses meios potencializam a forma de organização das funções psicológicas.
Por exemplo, a utilização de um barbante amarrado ao dedo como sinal mnemônico, a relação
entre o estímulo e a lembrança não expressam conexão direta, entretanto, o barbante cumpre a
mediação necessária para que a memória seja evocada. A terceira evidência, é o surgimento da
escrita, que cumpre o papel de corporificação do signo enquanto mediação. Como exemplo,
podemos citar o desenvolvimento da aritmética, antes dos números se tornarem a forma geral,
utilizou-se objetos, dados outros meios para o pensamento matemático (TULESKI; EIDT,
2017).
Martins (2015) descreve a transição entre as funções elementares e superiores,
mostrando que elas seguem duas linhas distintas ao se desenvolverem. O salto qualitativo ocorre
quando o homem emprega os meios externos, para o controle das funções inatas, conforme o
exemplo da memorização. Entretanto, para que estas funções culturais transitem da sócio-
gênese para ontogênese existe um processo regido pela lei da gênese do desenvolvimento
cultural.
Vygotski (2012) descreve essa lei a partir da ilustração do gesto indicativo. Nos
primeiros meses de vida observamos uma criança estendendo os braços em direção a um objeto,

17
Funções elementares são todas aquelas que são herdadas pela filogênese do organismo, consideramos como as
funções naturais da própria espécie.

53
a distância impede o alcance. Se analisarmos apenas a tentativa de alcance da criança, podemos
afirmar que não existe gesto, o que existe é a ação malsucedida da criança em direção ao objeto
desejado. Entretanto, se um adulto observa a ação executada por ela, a relação entre o objeto e
criança se altera radicalmente, pois o adulto interpreta essa ação em forma de gesto ao mesmo
tempo que possibilita que a criança obtenha o objeto desejado. O adulto, neste caso, interpreta
a ação da criança em um primeiro momento, e somente em um segundo momento este gesto
ganha um significado para a criança. Quando essa segunda etapa ocorre a forma de atividade
muda bastante, no sentido que se estabelece uma relação entre sujeitos, a criança irá direcionar
seus gestos ao outro indivíduo indicando suas necessidades.

Podemos formular a lei da gênese geral do desenvolvimento cultural da seguinte


forma: cada função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes em
cena, em dois planos. Primeiro no nível social e depois no psicológico, inicialmente
entre os homens como categoria interpsíquica e depois dentro da criança como
categoria intrapsíquica. Como mencionado acima, refere-se igualmente à atenção
voluntária, à memória lógica, à formação de conceitos e ao desenvolvimento da
vontade. Temos pleno direito de considerar o interno, modificar o próprio processo,
transformar sua estrutura e funções. Por trás de todas as funções superiores e suas
relações, encontram-se as relações sociais, as autênticas relações humanas. Assim, um
dos princípios básicos de nossa vontade é o princípio da divisão de funções entre os
homens, a participação em dois dos que estão se fundindo agora em um, o
desdobramento experimental do processo psíquico superior naquele drama que os
seres humanos vivem. (VYGOTSKI, 2012, p.150, tradução nossa).

No momento em que o adulto compreende a ação da criança como gesto indicativo, este
ganha a qualidade de signo, pois seu comportamento foi orientado pela indicação de outro, neste
caso, a criança. Nesta acepção, quando a criança de forma consciente, orienta sua conduta e de
outros, significa que o interpsíquico, agora se estabelece enquanto relação intrapsíquica, isto é,
a função anteriormente externa, pertencente à sociogênese, agora se estabelece internamente na
ontogênese deste indivíduo. Toda função psicológica superior é inicialmente desenvolvida entre
duas pessoas, para que só de modo posterior pertença a um indivíduo.
Em síntese, é possível definir que todo comportamento humano não presente na
filogênese foi adquirido ao longo da história social, a partir de outro humano, por meio da
aprendizagem e internalizado, e em razão disso são considerados funções psicológicas
superiores.

54
2.2.1 A unidade entre biológico e o social: a formação dos novos sistemas funcionais

Quando nos referimos ao desenvolvimento do homem enquanto gênero, sempre


devemos destacar a importância da determinação histórico-social para esse processo,
principalmente na transição das funções elementares para as funções psicológicas superiores.
Neste sentido, mantendo a coerência proposta pela PHC, deve-se compreender que os novos
nexos presentes no ser social partem de uma reorganização radical, tanto a nível psicológico,
quanto a nível biológico, tendo em vista que essa descrição é apenas didática. Psicológico e
biológico constituem uma unidade.

As raízes de uma criança normal na civilização estão quase sempre fundidas com os
processos de maturação orgânica. Ambos os níveis de desenvolvimento - o natural e
a cultura - coincidem e se fundem uns com os outros. As mudanças que ocorrem em
ambos os planos se intercomunicam e, na realidade, constituem um processo único de
formação biológico-social da personalidade da criança. Na medida em que o
desenvolvimento orgânico ocorre em um ambiente cultural, ele se torna um processo
biológico historicamente condicionado. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento
cultural adquire um caráter muito peculiar que não pode ser comparado a nenhum
outro tipo de desenvolvimento, pois ocorre simultaneamente e em conjunto com o
processo de maturação orgânica e seu portador é o organismo infantil em mudança no
processo de crescimento e maturação (VYGOTSKI, 2012, p. 36, tradução nossa).

Pensar o desenvolvimento, a partir da unidade entre biológico e social, é afirmar que a


psicologia não deve seccionar o desenvolvimento físico do psicológico. Por exemplo, se
pensarmos nos movimentos de uma criança ou adulto em uma atividade de dança, observamos
que esses movimentos seguem uma lógica consciente, há uma estrutura que deve ser respeitada,
caso contrário, essa atividade se torna falha, ao mesmo tempo que a execução destes
movimentos é a expressão de um organismo vivo operando um conjunto de atos motores. Neste
sentido, biológico e social se fundem (VIGOTSKI, 2018).
Tendo em vista que nossa preocupação está em torno do desenvolvimento humano e sua
relação com as funções psicológicas superiores, o cérebro ganha destaque o sistema nervoso
central, pois é a partir dele que todos os processos psicológicos se expressam:

Sabemos que o desenvolvimento do cérebro se realizou, em geral, pela construção de


novos níveis a partir dos antigos e, portanto, o cérebro antigo em todos os animais
inferiores tem a mesma estrutura, cada nova fase no desenvolvimento das funções
psíquicas superiores coincide com a edificação de um novo nível no sistema nervoso
central. Basta recordar o papel e o significado do córtex dos grandes hemisférios
cerebrais, como órgão fim dos reflexos condicionados, como ilustração da conexão
que existe entre cada nova fase do desenvolvimento das funções psíquicas superiores
e o novo nível na evolução do cérebro (VYGOTSKI, 2012, p. 32, tradução nossa).
55
É compreensível que ao longo do desenvolvimento filogenético da espécie humana
novas estruturas cerebrais surgiram, porém, do ponto de vista morfológico, o cérebro humano
teve sua evolução encerrada a milhares de anos. Se dependêssemos de novas estruturas
cerebrais para chegarmos ao nível de desenvolvimento que a humanidade alcançou, em
comparação a outros animais, as possibilidades de um desenvolvimento tão complexo estariam
encerradas (VIGOTSKI, 2004)19. Por exemplo, em caráter comparativo, observamos no
primeiro capítulo, na discussão sobre neurônios espelho, que em símios existe a ausência da
área de Broca, e em seu lugar há apenas uma área análoga, que impossibilita qualquer
desenvolvimento da fala motora, assim, o animal tem seu desenvolvimento limitado por sua
estrutura.
Ao contrário dos símios, a história social humana possibilitou um salto
desenvolvimental mais rápido que a evolução biológica. Porém, as características humanas não
estão presentes no cérebro de símios, elas se formam ao longo do desenvolvimento e da
internalização da história social humana. Entretanto, existe um problema posto, se não há
mudanças morfológicas nas grandes estruturas corticais, e as funções psicológicas superiores
para se desenvolverem dependem da internalização, qual é o papel do cérebro neste processo?
Em primeiro lugar, devemos compreender que todo processo psicológico,
principalmente os superiores, é psicofisiológico:

[...] a psique não deve ser considerada como uma série de processos especiais que
existem em algum lugar na qualidade de complementos acima e separados dos
cerebrais, mas como expressão subjetiva desses mesmos processos, como uma faceta
especial, uma característica qualitativa especial das funções superiores do cérebro
(VIGOTSKI, 2004, p. 144).

É compreendendo a totalidade da relação entre psico/fisiológico que o caráter material


das funções psicológicas superiores se estabelece, é a relação da unidade entre essas duas
instâncias, que historicamente foram seccionadas pela psicologia burguesa. Contudo, devemos
frisar que o termo unidade não significa igualdade de processos. Por unidade entendemos que
físico e psíquico são inseparáveis, porém isso não significa que uma função psicológica superior
corresponde de modo imediato à um processo neurofisiológico (SILVA, 2012).

19 Ramachandran (2014) descreve o mesmo problema abordado por Vigotski em 1930. O neurocientista denomina
esse assunto como problema de Wallace. Isso é importante, pois vemos que a preocupação de Vigotski sobre o
papel do cérebro sobre o psiquismo ainda não foi resolvido.
56
Luria (1981, 2002) e Vygotski (2013) diante desse problema, e da compreensão errônea
da fisiologia e psicologia em entender os processos psicológicos superiores por meio da
identidade com o funcionamento neurofisiológico, revisaram as duas grandes tendências de
organização dos processos neurológicos - o localizacionismo estreito e as teorias holísticas.
Para os soviéticos, essas duas tendências pouco explicaram a relação da atividade cerebral e
dos processos psíquicos superiores.
A teoria localizacionista ou localizacionismo estreito conforme denominado por Luria
(1981) reduziu os processos psíquicos complexos a uma relação direta com as regiões cerebrais.
Como representante importante desta corrente, podemos citar Paul Broca (1824-1880), que
através do estudo das lesões cerebrais conseguiu identificar o centro da fala motora. Ainda
assim, as teorias holísticas, ameaçaram essa forma de compreensão da atividade cerebral, uma
vez que sem deixar de reconhecer que os processos elementares têm bases estabelecidas e
localizadas ao longo sistema nervoso central, o mesmo não era passível de explicação para as
funções complexas.
Os holistas como Hughlings Jackson (1835-1911), compreenderam que para que os processos
psíquicos superiores fossem expressos, era necessário que toda atividade cerebral estivesse
acionada. O que reforçou a argumentação desta corrente, foi que em casos de lesões específicas,
foi observado que ao longo do tempo os sujeitos retomavam a função psicológica perdida. Luria
(1981) então propõe uma nova forma de compreensão da organização da atividade cerebral e
das funções psicológicas superiores, partindo da síntese entre as teorias localizacionistas e
holistas, o autor define sua perspectiva como localizacionismo dinâmico.
O localizacionismo dinâmico enquanto forma organizada da atividade cerebral, se pauta
na compreensão dos sistemas psicológicos (VIGOTSKI, 2004). Isto é, o cérebro conforme
afirma o localizacionismo tem áreas específicas para funções inatas/elementares e que essas
funções não poderiam operar de modo isolado. Contudo, um adicional dessa nova proposição,
foi a compreensão de que as formas de comunicação internas do cérebro se iniciam sempre na
relação com o mundo externo, de modo extracortical. Ou seja, a organização das funções
psicológicas superiores, além de complexas, dependem de meios externos para se
desenvolverem, não existindo nas estruturas cerebrais.
Por exemplo, podemos afirmar que a fala não se localiza na área de Broca, para que
essa função surja no homem é necessário todo um processo de desenvolvimento, caso o
contrário, o sujeito que não se apropria da fala e tem seu sistema neurológico intacto. Isso
significa que seu cérebro contém apenas a potencialidade do desenvolvimento da fala. A

57
compreensão do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, a partir de um grande
sistema, afirma que a organização cerebral deve ser dinâmica e sua organização funcional muda
conforme o desenvolvimento. Em outras palavras, a organização funcional de uma criança não
é a mesma que a de um adulto. Bem como dois adultos em atividades laborais distintas podem
ter uma organização funcional diferente (LURIA, 1979a).

As formas superiores dos processos mentais possuem uma estrutura particularmente


complexa; elas são delineadas durante a ontogênese. Inicialmente elas consistem em
uma série expandida, completa, de movimentos manipulatórios que gradualmente se
tornaram condensados e adquiriram o caráter de “ações mentais” interiores (Vygotski,
1956: 1960; Galperin, 1959). De regra, elas se baseiam em uma série de auxílios
externos, tais como a linguagem e o sistema de contagem digital, formados no
processo da história social, são mediadas por eles e não podem em geral ser
concebidas sem a participação dos referidos auxílios (Vygotski, 1956; 1960);[...] Eis
aqui por que as funções mentais, como sistemas funcionais complexos, não podem ser
localizadas em zonas estreitas do córtex ou em agrupamentos celulares isolados, mas
devem ser organizadas em sistemas de zonas funcionando em concerto,
desempenhando cada uma dessas zonas o seu papel em um sistema funcional
complexo, podendo cada um desses territórios estar localizado em áreas do cérebro
completamente diferentes e freqüentemente bastante distantes uma da outra (LURIA,
p. 14-15, 1981).

Como ilustração para as mudanças dos nexos das funções ao longo do desenvolvimento,
observamos que a relação entre pensamento e memória muda quando comparamos uma criança
e um adolescente. No caso da criança, a memória tem um papel central na organização de seu
sistema psicológico. Em síntese para que ela consiga pensar, ela necessita da memória. Por
exemplo, se perguntarmos para a criança o que é um ônibus, para pensar sobre o ônibus, ela
retoma em sua memória uma série de elementos para responder a pergunta, que podem
descrever o ônibus, sua função, a relação com um contexto do ônibus entre outros elementos.
Já na adolescência, existe uma inversão destes papéis, o pensamento passa a reger a memória e
outras funções como linguagem, percepção, atenção entre outras, essa mesma pergunta para o
adolescente será respondida, possivelmente por uma ordem lógica muito específica.
Resumidamente, para a criança pensar é lembrar, e para o adolescente lembrar é pensar
(VIGOTSKI, 2004).
No processo de reorganização funcional do cérebro ao longo da ontogênese, os meios
externos (instrumentos e signos) constituem o principal meio de formação dos novos nexos das
funções psicológicas superiores. O que muda ao longo do desenvolvimento, não é
necessariamente a morfologia das estruturas cerebrais, e sim as relações interfuncionais que
conectam de maneira artificial (ou seja, não ocorrem de modo espontâneo) diferentes áreas do
cérebro.
58
Vigotski (2004) de maneira esquemática explica como a memória, a partir de uma
mediação externa é reorganizada:

Na lembrança natural estabelece-se uma conexão associativa direta (um reflexo


condicionado) A - B entre dois estímulos A e B. Na lembrança artificial,
mnemotécnica, dessa mesma marcada através do instrumento psicológico X (nó no
lenço, esquema mnemônico), no lugar da conexão direta A - B estabelecem-se duas
novas conexões:
A - X e X - B, cada uma das quais é um reflexo condicionado, determinado pelas
propriedades do tecido cerebral, da mesma forma que a conexão A - B. O novo, o
artificial, o instrumental é dado pela substituição de uma conexão A - B por duas: A -
X e X - B, que conduzem ao mesmo resultado, mas por outro caminho. O novo é a
direção artificial que o instrumento imprime ao processo natural de fechamento da
conexão condicionada, ou seja, a utilização ativa das propriedades naturais do tecido
cerebral (p. 94-95).

Em outras palavras, meios externos como o instrumento, criam novos caminhos para o
funcionamento cerebral, proporcionando às funções psicológicas uma nova qualidade. Vemos
que a memória não deixa de cumprir seu papel, porém as novas relações entre dois pontos
diferentes, proporcionam a essa memória agora instrumentalizada, uma nova qualidade.
Vigotski (2004) chama atenção para o fato de que durante todo o processo de
desenvolvimento humano, os novos nexos ocorrem em nível cortical e psicológico. Ao se
apropriar do instrumento, por exemplo, existe um aumento do raio de ligações entre as funções
psicológicas que possibilitam novas formas do sujeito lidar com o real. Cabe salientar que,
assim como não é possível localizar uma função psicológica superior em uma região do cérebro
(Ex: área da escrita), as funções que formam esse novo sistema psicológico no homem não
podem ser separadas. Os novos nexos impossibilitam, por exemplo, que atenção e memória
estejam separadas durante a atividade humana.
O mais interessante é que o dinamismo do funcionamento cerebral humano se expressa
no mesmo contexto das funções psicológicas ao longo do desenvolvimento. Neste sentido, o
estudo da organização cerebral e das funções psicológicas superiores deve seguir a mesma
dinamicidade do complexo processo de desenvolvimento humano (VIGOTSKI, 2013). As
descrições expostas, servem, para demonstrar a preocupação metodológica da psicologia
soviética na compreensão integral do desenvolvimento humano, o que reforçou o caráter
monista da PHC no entendimento da unidade entre biológico e social.
Na próxima seção, será enfatizado como ocorre esse desenvolvimento nas etapas
ontogenéticas da primeira infância até o fim da idade pré-escolar.

59
2.3 A periodização do desenvolvimento humano

Compreendemos como o gênero humano se desenvolve em seus aspectos universais,


porém para o entendimento das particularidades do desenvolvimento infantil é necessário
resgatar os aspectos principais da periodização dessa fase com base na PHC.
Vygotski (2006) em seu texto “El problema de la edad” revisou as grandes teorias
desenvolvimentais na relação com os distintos períodos da infância e avaliou que esses
pressupostos, além de reducionistas, não abrangiam o fenômeno das transições do
desenvolvimento com a complexidade necessária. Para o autor, esse reducionismo se
expressava em concepções descritivas, maturacionais e evolucionistas do desenvolvimento
infantil. Esses pressupostos, consideravam apenas os aspectos quantitativos e fenomenológicos
desse desenvolvimento. Neste sentido, era necessária uma reformulação dessas perspectivas e
seus distintos momentos para o estudo do desenvolvimento infantil.
Organizada sob novas bases, a revisão proposta pelo psicólogo soviético, tem como
pressuposto essencial as mudanças qualitativas apresentadas pela criança ao longo da sua
ontogênese:

[...] o desenvolvimento é um processo de automovimento contínuo, que se distingue,


em primeiro lugar, pela permanente aparição e formação do novo, não existente em
estágios anteriores. Esse ponto de vista sabe captar no desenvolvimento algo essencial
para a compreensão dialética do processo (VYGOTSKI, 2006, p. 254, tradução
nossa).

O surgimento do novo segue dois princípios durante os períodos do desenvolvimento


infantil: etapas e estágios. As etapas são marcadas por mudanças radicais e críticas, que podem
demonstrar significativas alterações no desenvolvimento da criança de um período a outro. As
etapas são marcadas por três características. A primeira é a dificuldade em delimitar o início ou
o fim dessas crises, a idade não é um parâmetro seguro, contudo todas as etapas críticas podem
ser reconhecidas, a partir de um ponto culminante, ou agudo. A segunda característica é que em
toda etapa crítica, a criança apresenta um decréscimo em suas atividades, e é comum a
apresentação de vivências dolorosas e conflitos. A terceira característica é a presença de uma
transição de interesses da criança, pois os avanços já alcançados são contidos temporariamente
e todas as características formadas no período anterior se modificam, surgindo novas
60
características sobre as anteriores. Já os estágios são considerados momentos do
desenvolvimento menos agudos em relação às etapas (VYGOTSKI, 2006).
Aparentemente os períodos críticos apresentados Vygotski (2006) carregam em si um
aspecto negativo do desenvolvimento, entretanto para o autor é justamente no período de crise
que existe a potencialidade do novo:

O nascimento do novo, no desenvolvimento, significa irreversivelmente a desaparição


do velho. A passagem de uma nova idade culmina sempre com o declínio da anterior.
[...] A investigação da realidade demonstra que o conteúdo negativo do
desenvolvimento dos períodos críticos é apenas a face inversa ou velada das mudanças
positivas da personalidade que configuram o senso principal e o básico de toda a idade
crítica (p. 259, tradução nossa).

Vygotski (2006) e seus colaboradores não estudaram as mudanças existentes em cada


idade (cronológica), contudo, formularam uma periodização organizada sobre os períodos
críticos e estáveis. Em nosso entendimento, os períodos críticos e estáveis mais relevantes para
o TEA são: a) primeiro ano e a crise de um ano; b) primeira infância e a crise dos três anos; e
c) a idade pré-escolar.
Cada período crítico desenvolve na criança novas estruturas psicológicas. Essas
estruturas se organizam em uma formação principal (própria de cada período estável) e suas
linhas acessórias. Sobre cada novo período, as estruturas se modificam, a formação principal se
torna acessória, ao passo que uma nova formação produzida torna-se principal. Ao analisar o
desenvolvimento de uma criança na primeira infância (um a três anos), observa-se que a
linguagem neste período é sua formação principal, pois essa função se configura como meio
necessário de comunicação com outros. Entretanto, na idade pré-escolar, a linguagem torna-se
uma linha acessória, pois apenas se comunicar com outros não é suficiente, outras funções como
a memória e o desenvolvimento da consciência ganham espaço (VYGOTSKI, 2006).
As mudanças qualitativas entre um período e outro não surgem de modo espontâneo,
elas são produzidas e para entender cada etapa crítica e estágio, dois conceitos essenciais devem
ser abordados, a situação social do desenvolvimento e as atividades principais de cada período
(primeiro ano e a crise de um ano; primeira infância e a crise dos três anos; e c) a idade pré-
escolar).
Segundo Vigotski (2006), a situação social do desenvolvimento é o modo como a
criança estabelece as relações com seu meio social. O termo meio deve ser compreendido como
a totalidade das relações sociais que a criança estabelece (comunidade, família, instituições
frequentadas, entre outras). “A situação social do desenvolvimento específica para cada idade,
61
determina, regula estritamente todo o modo de vida da criança e sua existência social. ” (idem,
2006, p. 264, tradução nossa). As relações em sociedade mudaram radicalmente o ser social em
nível objetivo e subjetivo, para o desenvolvimento infantil. Isso significa, que todo processo de
desenvolvimento é, por natureza, em um primeiro momento, social, assim como as funções
psicológicas superiores e, só em um segundo momento, ele se torna individual, ou seja, quando
as modificações funcionais se internalizam.
A situação social do desenvolvimento é experienciada pela criança com base em suas
vivências. A vivência é a forma como a criança vai experienciar as diversas situações, períodos
e conflitos de sua vida; ela determina como a criança irá experienciar de modo consciente seu
desenvolvimento e seus aspectos mais particulares nesse percurso, “A vivência deve ser
entendida como a relação interior da criança como ser humano, com um ou outro momento da
realidade. ” (VIGOTSKI, 2006, p. 383, tradução nossa).
Os referidos períodos do desenvolvimento e sua situação social são marcados pela
atividade principal. Este conceito demonstra o caráter ativo das mudanças entre os distintos
períodos do desenvolvimento. A atividade principal é a força motriz que impulsiona o
desenvolvimento de um período a outro. Neste sentido, a atividade principal ou guia, expressam
as mudanças psíquicas da criança de um período a outro (SILVA, 2017). A atividade são os
processos direcionados à satisfação de uma necessidade. Entretanto, nem toda ação humana
pode ser definida como atividade, a característica principal de uma determinada atividade é seu
motivo. Conceitualmente, a ação se difere da atividade, pois nem sempre o motivo da atividade
corresponde a sua ação (LEONTIEV, 2010).
Esclarecendo: como podemos dizer se o estudo de um discente em Psicologia é uma
atividade? Se as motivações que levam à atividade de estudo desse discente estiverem
direcionadas a sua formação profissional, todo o estudo estará direcionado a esse motivo.
Porém, se atividade de estudo estiver direcionada à necessidade de competir com colegas, ou
unicamente de ter um bom desempenho, o estudo deve ser considerado como ação, pois o
motivo não corresponde à necessidade da formação. Cabe salientar que atividade e ação não
podem ser desvinculadas, esse conceito sempre é melhor compreendido quando assimilados
com base na unidade.
Compreender as mudanças dos períodos do desenvolvimento, a partir da atividade
principal da criança é essencial, pois as estruturas psicológicas de cada período se modificam e
se organizam no processo de atividade. Neste sentido, as emoções, sentimentos, os motivos e o

62
conteúdo psicológico de cada período são sintetizados pela atividade principal (LEONTIEV,
2010; ELKONIN, 2017).

2.3.1 As atividades principais e transformações: do primeiro ano à idade pré-escolar

O bebê (período pós-natal) tem como atividade principal a comunicação emocional


direta com o mundo exterior (ELKONIN, 2017). Neste sentido, toda a forma de relação da
criança no devido período é organizada e mediada pelo adulto, “[...] a outra pessoa é para o
bebê o centro psicológico de toda a situação” (VYGOTSKI, 2006, p. 304, tradução nossa). O
desenvolvimento do bebê para a PHC tem como fundamento máximo a sociabilidade, isto é,
sem o adulto ou alguém que responda às necessidades dessa criança, não existe outra
possibilidade destas serem satisfeitas, cabe salientar que essa dependência é expressa pelos
aspectos físicos (a incapacidade de se locomover de modo autônomo) e comunicativo, pois a
criança nessa fase não desenvolveu a comunicação como linguagem humana (PASQUALINI,
2017).
A organização das funções psicológicas superiores ainda não se encontra neste ser, a
consciência, por exemplo, é compartilhada com o adulto e organizada, a partir de suas
necessidades elementares. Ainda não há um “eu” estabelecido. Cabe dizer, que apesar da
criança responder por mecanismos biológicos inatos, é a ação do adulto sobre ela que produz
os primeiros condicionamentos das ações humanas (reconhece pessoas e diferencia os sons das
vozes, por exemplo) (VYGOTSKI, 2006).
Facci (2004) enfatiza que o afeto é uma das bases pela qual a criança se desenvolve e
aprende sobre os sentimentos sociais complexos, assim como os primeiros contatos
afetivos/emocionais se expressam de modo que a satisfação de determinadas necessidades
elementares e emocionais surgem na criança, por meio do aprendizado dos sentimentos
humanos como amor, empatia e apego, com base na relação com o adulto e sua situação social
do desenvolvimento. Essa tendência de compreensão das emoções e sentimentos, acompanha
o curso evolutivo do desenvolvimento da criança desde do primeiro ano de vida.
Um fato importante neste período é que a criança apesar de todas as suas restrições de
contato com o mundo e sua dependência com adulto, responde e aprende com base na imitação.
Vygotski (2006) descreve que funcionalmente a imitação atende as motivações internas da
criança na relação com os adultos que a envolvem, a imitação como função é sempre a imitação
de uma pessoa, ou seja, sua natureza é estritamente social. Para ilustrar, quando observarmos

63
uma criança por volta de nove meses, expressando algumas palavras como “au au”, “mu” ou
“mama, mamãe”, devemos estar atentos para o fato de que essa imitação essencialmente é
intermediada pelo adulto. Essas palavras nunca são a expressão direta da imitação do som do
animal e sim da forma e significado expresso pelo outro.
Com base em Vigotski (2006), podemos afirmar que a imitação é um ponto crucial
quando pensamos o desenvolvimento infantil e sua avaliação entre os diferentes períodos; a
imitação é um marco para dois conceitos elaborados pelo autor, que são a zona de
desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento próximo20. A zona de desenvolvimento real
é o conjunto de habilidades e comportamentos já aprendidos pela criança ao longo de sua
história, é a relação entre a idade e o que é esperado para aquele período. Já a zona de
desenvolvimento próximo, mostra o raio de ação entre a zona real e o potencial da criança, uma
das formas de avaliar e compreender essa relação está na análise da imitação:

Ao falarmos de imitação não nos referimos a uma imitação mecânica, automática, sem
sentido, mas uma imitação racional, baseada na compreensão da operação intelectual
que se imita. [...] empregamos a palavra <<imitação>>, aplicando a toda atividade que
a criança não realiza por si só, mas em colaboração com o adulto e outras crianças.
(VYGOTSKI, 2006, p. 268, tradução nossa)

A imitação é um processo que se modifica ao longo dos períodos do desenvolvimento,


e aparentemente se apresenta como chave heurística para compreendermos as formas potenciais
do desenvolvimento infantil. Como observamos, um período antes da entrada na primeira
infância, a criança já apresenta essa forma de relação com as pessoas, o que salienta a natureza
desse comportamento é que este é sempre social.
Durante o desenvolvimento da primeira infância, a criança inicia uma transição da
comunicação emocional direta à ação objetal manipulatória. Elkonin (2017) compreende que
neste momento, há a inserção da criança nas atividades cotidianas e o interesse pelo mundo
exterior. Deste modo, anteriormente, a criança compreendia a função social do adulto na
satisfação de suas necessidades básicas e sua comunicação com eles era mediada por choro e
sorriso (FACCI, 2004), agora se inicia a compreensão da função social dos objetos.
Ao se modificar as relações da criança com o mundo, modifica-se também sua atividade
principal. Neste caso, a ação objetal manipulatória, mudam as relações da criança com o mundo,

20 Os termos que adotamos no texto “desenvolvimento próximo” condiz com a tradução da fonte que utilizamos.
Existe um debate proposto por Zoia Prestes (2011), que merece destaque, porém não abordaremos aqui essa
polêmica.
64
nesse período que varia entre o primeiro ano de vida à crise dos três anos, observamos uma
criança mais ativa na relação com os objetos. A relação com o adulto ainda é essencial,
entretanto, os objetos se tornam o centro de atenção da criança, o fundamento novo deste
período é o desenvolvimento da inteligência prática (VYGOTSKI, 2017) e ascensão da
linguagem nas relações que a criança estabelece com as pessoas

De um ser privado da palavra, que utiliza para a comunicação com os adultos meios
emocionais mímicos, a criança se converte num ser falante, que emprega um léxico e
formas gramaticais relativamente ricos. Contudo, a análise dos contatos verbais da
criança mostra que a linguagem é utilizada por ele, no fundamental, para organizar a
colaboração com os adultos dentro da atividade conjunta com os objetos, ou seja, a
linguagem atua como meio de contatos “de trabalho” da criança com o adulto
(ELKONIN, 2017, p. 164).

A linguagem reorganiza o sistema funcional presente na criança na atividade de


comunicação emocional direta. Vigotski (2017) indica que a consciência do bebê é um todo
indiferenciado, as funções não existem de modo “isolado”; por exemplo, a consciência, a
memória e a atenção são funções que não se diferenciam e formam um todo único. O autor
ainda faz uma analogia ao desenvolvimento motor, descrevendo que quando o bebê executa
uma ação motora ele movimenta o corpo inteiro.
Na primeira infância, vemos que a organização psicológica da criança, a partir de sua
atividade desenvolve uma nova formação, de uma consciência indiferenciada, pois as funções
se diferenciam e iniciam o processo de relações interfuncionais. A percepção ganha destaque
na reorganização do sistema psicológico, a memória, as emoções, o pensamento e a linguagem
se organizam com base nesta função. Neste sentido, Elkonin (2017) afirma que a linguagem
serve como meio de contato com adulto, o reconhecimento do mundo é “prioridade” para
criança neste momento, intermediado pelo adulto. Por exemplo, se uma criança de três anos de
idade durante uma brincadeira cai e bate o joelho na gangorra, sua primeira reação é chorar,
porém se um adulto consolar a criança apontando para uma nuvem que se destaca no céu, ou
mesmo sugerindo uma guloseima, no mesmo momento, a dor e a expressão emocional do choro
são suprimidos, pois “Sua emoção se manifesta apenas nos limites de sua percepção”
(VIGOTSKI, 2017, p. 100, tradução nossa).
Ao passo que a criança se desenvolve e assimila os objetos sociais via comunicação com
o adulto, ela também domina a linguagem enquanto meio de função do pensamento concreto.
Inicialmente, a percepção não permite níveis de abstrações, ela pensa, sente ou vivencia o que
ela percebe. Entretanto, ao passo que sua autonomia e o domínio do mundo aumentam, a criança

65
inicia o processo de mudanças dos processos psíquicos e o início do desenvolvimento da
personalidade (SMIRNOV et al., 1978). Em um primeiro momento, ao se apropriar da função
dos objetos, a criança representa as ações dos adultos com os objetos. Por exemplo, ela observa
um adulto bebendo água em um copo, ao representar isso em uma boneca, o objeto deve ser o
mesmo daquele percebido, ou seja, um copo. Entretanto, em um segundo momento, quando a
linguagem e o domínio das ações alcançam outro nível por volta dos três anos, aquelas ações
percebidas começam a se tornar mais gerais, assim como a percepção da criança, ou seja,
aqueles objetos têm a possibilidade de serem representados por outros. Ou seja, ao brincar de
boneca, a criança pode usar um palito de dente para representar um termômetro, não sendo
necessário a representação idêntica ou o objeto real. Neste contexto, ao generalizar as ações
com os objetos em conjunto ao desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento como um
todo, a criança ganha mais autonomia e se torna mais ativa em seu meio social (SMIRNOV et
al., 1978; VYGOTSKI, 2006).

Ouvir e entender o que os adultos dizem sobre o que a criança não percebe diretamente
em um dado momento é uma aquisição importante, pois cria a possibilidade de usar a
linguagem como um meio de transmitir conhecimento. No final dos três anos, o
entendimento da linguagem atinge um nível tão alto que permite regular o
comportamento da criança e ensiná-la a usar objetos diferentes, não apenas mostrando
diretamente o que deve ser feito e como fazê-lo, mas também através de indicações
verbais (SMIRNOV et al., 1978, p. 509, tradução nossa).

Quando a criança atinge esse nível, observamos que a crise dos três anos apresenta os
primeiros “sintomas”. Vygotski (2006) descreve que a relação da criança com os adultos neste
período crítico muda, no sentido de como o adulto interpreta a crise, entendendo que a criança
começa a se opor a ordens e apresenta dificuldades em ser “educada”, entretanto, à luz da
criança, ela busca a necessidade de realizar suas vontades. Para o autor é necessário analisar
alguns aspectos dessa oposição para que o período crítico seja compreendido não pelo aspecto
negativo de oposição da criança, mas sim do aspecto positivo que mostra um ser em constante
transformação.
Segundo Silva (2017), as reações como negativismo, teimosia, rebeldia e
insubordinação, geralmente apresentados na crise dos três anos, na realidade mostram que a
criança atingiu um nível de autonomia e contradição cotidiana e que o adulto, nesse momento,
apresenta-se como um “empecilho” na realização de suas vontades. É comum nesta idade, a
criança receber uma ordem como ir para a cama, e se recusar pelo fato de que naquele momento

66
ela não está com sono. A partir deste fato, o adulto interpreta essa relação como oposição, o que
cria um antagonismo entre ambos.

No período da primeira infância, a criança está sempre dominada pelas relações


afetivas diretas ao seu entorno familiar. Na crise dos três anos se produz o chamado
desdobramento: Os conflitos podem ser frequentes, a criança chega a insultar a sua
mãe, desdenhar dos brinquedos que são oferecidos em momentos pouco oportunos,
quebrando-os por pura raiva. Há mudanças na esfera afetiva e volitiva, o que prova a
crescente independência e atividade da criança. Todos esses sintomas, que giram em
torno do <<eu>> e as pessoas que a rodeiam, demonstram que as relações da criança
com os sujeitos que os rodeiam ou com sua própria personalidade, já não são como
antes (VYGOTSKI,2006, p. 373,, tradução nossa).

Esse ponto é importante porque vemos os primeiros sinais da diferenciação do eu da


criança com o outro, no caso, o adulto. Os motivos de uma determinada atividade como dormir
por exemplo, não estão presentes nela e sim no adulto, entendendo essa contradição, a criança
é movida pela oposição: quem (adulto) emite a ordem.
A divisão entre afetivo e volitivo também é importante, pois demonstra os primeiros
sinais de seu controle afetivo, a percepção que organiza seu sistema psicológico passa a um
segundo plano, dando origem a relações interfuncionais abstratas. Para ilustrar, é comum nesta
idade, que a criança se manifeste contrária diante da decisão de um adulto, de que ela deixe de
realizar algo que seria prazeroso para ela, pelo simples fato de não concordar com o
posicionamento do outro.

Uma menina no quarto ano de vida, com uma prolongada crise de três anos e um
negativismo muito explícito, quer que a levem a uma conferência onde se fala sobre
crianças. Inclusive se prepara para ir. Eu a convido. Porém como eu a convidei, se
nega a ir. Se nega com todas as suas forças. <<Então vá para o seu quarto>>. Não
obedece. <<Bom então vamos. >> Se nega. Quando a deixam em paz, chora, e está
magoada porque não a levaram. Vemos, portanto, que o negativismo obriga a criança
a se pôr contra seu desejo afetivo. A menina gostaria de ir, mas como proposto, se
negou (VYGOTSKI, 2006, p. 370, tradução nossa).

No processo de superação da crise dos três anos, a criança inicia a organização de seus
próprios motivos e novas necessidades que se complexificam, pois ela começa a compreender
que há um choque entre os motivos dos adultos e suas necessidades. A procura por uma
independência impossível de se realizar nesse momento, cria uma nova atividade que se torna
principal, denominada de jogos de papéis.
O jogo de papéis abre o período da idade pré-escolar (três a sete anos) no
desenvolvimento infantil. Em linhas gerais, os jogos de papéis são brincadeiras que expressam
as relações entre as pessoas, diferente da primeira infância em que a criança estabelece uma
67
relação de manipulação e compreensão das funções dos objetos, agora a criança, através dos
jogos de papéis, está imersa em uma nova relação:

Seu principal significado consiste no fato que, por conta de procedimentos peculiares
(a apropriação, pela criança, do papel da pessoa adulta e de suas funções sociolaborais,
o caráter representativo generalizado da reprodução das ações objetais, a transferência
dos significados de um objeto a outro etc.), a criança modela no jogo a relação entre
as pessoas. Na própria ação objetal, tomada isoladamente, “não está escrito” para que
deve ser realizada, qual é o seu sentido social, seu motivo eficiente. Só quando a ação
com o objeto inclui-se no sistema das relações humanas, põe-se em evidência nela seu
verdadeiro sentido social, sua orientação na direção de outras pessoas (ELKONIN, p.
164, 2017).

Segundo Silva (2017), os jogos de papéis, enquanto brincadeira potencializam o


desenvolvimento psíquico da criança, pois o controle voluntário das funções psicológicas
começa a se estabelecer, e uma das funções que ganha destaque neste período é a memória, bem
como, há um descompasso entre pensamento e linguagem. Observamos que até a crise dos três
anos, a percepção era uma das funções que regulava todo o sistema psicológico da criança, ao
passo que na idade pré-escolar, a memória organiza esse sistema mudando as relações
interfuncionais anteriores.
Outro fator importante é a reorganização dos motivos nesse período. Silva (2017)
descreve que na idade pré-escolar, os motivos iniciam um processo de subordinação, isto é, os
motivos devem responder a uma hierarquia, que no período anterior (entre a primeira infância
e a crise dos três anos) a criança estava organizada, a partir de motivos imediatos (dormir,
brincar, comer, ou em geral fazer valer suas vontades). Por exemplo, se propomos para uma
criança de no máximo três anos, a resolução de uma determinada tarefa em troca de uma
recompensa, e independente da resolução ou não da tarefa, o experimentador entrega a
recompensa ao fim do experimento, a criança nesta idade não irá demonstrar grandes
preocupações, pois o motivo daquela atividade era a recompensa (motivo imediato).
Entretanto, segundo Leontiev (1987), na idade pré-escolar, a criança inicia um processo
de hierarquização dos motivos, com isso, há mudanças importantes no seu desenvolvimento
psíquico, no sentido de que esses motivos imediatos, passam a ser mediados por motivos
superiores, que organizam as novas formas de relação da criança com o mundo:

Somente na idade pré-escolar podemos observar pela primeira vez essas correlações
de motivos, de tipo superior, formados com base na separação dos motivos mais
importantes, aqueles que subordinam os demais. Anos atrás, tivemos a oportunidade
de observar essas correlações em uma investigação experimental. Uma criança estava
68
muito angustiada porque não conseguiu resolver a tarefa proposta; foi-lhe dito que
tudo estava indo bem, que, da mesma forma, ela receberia, como as outras crianças,
um pequeno presente: um delicioso caramelo. O garoto, no entanto, pegou o caramelo
sem sentir prazer e se recusou a comê-lo; sua aflição não diminuiu e, pelo fracasso, o
doce que ele recebeu se tornou um <<doce amargo>> para ele. Em nosso laboratório,
chamamos muitas vezes "fenômeno do caramelo amargo" as reações semelhantes, que
observamos em crianças (e não apenas em crianças!) (LEONTIEV, 1987, p. 60,
tradução nossa).

Observamos, nesse exemplo, que o doce para criança passa a um segundo plano,
enquanto a resolução da tarefa se mostra como verdadeiro motivo de sua atividade. Para o
desenvolvimento infantil esse aspecto é essencial, pois observamos na criança da idade pré-
escolar, as primeiras formas de comportamento voluntário. Neste sentido, o próprio Leontiev
(1987, 2017) afirma o papel importante do adulto para a formação desses e outros motivos que
se expandem nesse processo, aqui a preocupação central da criança está na relação com o adulto,
a sensação de falha por exemplo, não se restringe ao ganho do caramelo e sim ao fracasso em
comparação aos olhos do experimentador, ou seja, a preocupação da criança se volta às relações
sociais às quais ela pertence.
A possibilidade de hierarquização dos motivos na idade pré-escolar produz na criança a
compreensão do funcionamento das relações humanas, os comportamentos isolados
apresentados em etapas anteriores do desenvolvimento, se encaixam diretamente sobre uma
nova base, a complexidade da vida humana (LEONTIEV, 1987; SILVA, 2017). Nesse exemplo,
podemos observar como é essencial a hierarquização dos motivos para o desenvolvimento. Se
hipoteticamente observamos uma criança brincar de caixa de supermercado, vemos que ela
“incorpora”, a partir desse ato, uma série de características necessárias para realizá-lo. A
necessidade de cumprir corretamente esse papel produz na criança, do ponto de vista
psicológico, a unidade entre a esfera afetiva e cognitiva; a organização da sua atenção, memória
e todo sistema funcional desse período; a necessidade de domínio mínimo da aritmética (as
possíveis para esse período); o controle da conduta, pois há regras para esse tipo de função - a
criança deve se comportar exatamente como indica a função de trabalho reproduzida na
brincadeira.
Neste exemplo observamos que os jogos de papéis desenvolvem na criança a
compreensão da vida cotidiana, assim como os aspectos político-sociais de cada papel
representado. Com o aumento do círculo de relações com as pessoas, existe um consequente
acúmulo da sua experiência, bem como o aumento de sua experiência de vida, adquirido com
essa consequência, obtendo assim um domínio maior da vida dos adultos. Da mesma forma, a
atividade com jogos influencia o desenvolvimento intelectual da criança na relação de todas as
69
funções como, percepção, processos verbais, imaginação e principalmente, a transição do
pensamento objetivo ao abstrato (SMIRNOV et al., 1978).
O último ponto de destaque das características essenciais da idade pré-escolar, está
vinculado ao desenvolvimento da linguagem, mais especificamente ao desenvolvimento da fala
egocêntrica. O controle voluntário do comportamento, bem como, da hierarquização dos
motivos da criança, perpassa a organização da fala. Segundo Vygotski (2017), a linguagem
passa a cumprir um papel importante de “planificação” do comportamento da criança para a
resolução das tarefas cotidianas, “[...] o comportamento da criança alcança um nível mais
elevado, conseguindo uma relativa liberdade a respeito da situação que a atrai, as tentativas
impulsivas se transformam em um comportamento planificado e organizado” (VYGOTSKI,
2017, p. 29, tradução nossa).
Quando a fala egocêntrica passa a organizar o comportamento da criança, observamos
um processo denominado de intelectualização da fala e verbalização do pensamento
(VIGOTSKI, 2001). Isso significa que a fala egocêntrica é uma condição transitória para a
internalização do pensamento, que em uma etapa posterior do desenvolvimento passa ao plano
intelectual interno. Basicamente, na idade pré-escolar a fala passa a ser a forma pela qual a
criança pensa.
Essa forma de “pensamento” do pré-escolar, além de ser um marco para a internalização
das funções psicológicas superiores, auxilia no desenvolvimento e manejo dos signos e
consequentemente no desenvolvimento do plano simbólico/abstrato. A fala egocêntrica,
premeditada às ações da criança, organiza a atividade desenvolvida em operações e com isso se
originam as primeiras formas de planejamento. Essa é gênese do desenvolvimento do plano
simbólico e das relações mais desenvolvidas que a criança irá estabelecer com a linguagem em
períodos posteriores (VYGOTSKI, 2017).
Descrevemos neste tópico as questões essenciais do desenvolvimento infantil (do
primeiro ano à idade pré-escolar). No próximo tópico faremos alguns apontamentos sobre o
TEA e desenvolvimento com base no enfoque Histórico-Cultural.

2.4 Apontamentos da Psicologia Histórico-cultural acerca do Transtorno do Espectro


Autista

70
Com base nas discussões expostas até o momento, neste tópico apresentaremos algumas
reflexões sobre PHC e o TEA.
Vigotski (2004) afirma que uma das formas para o desenvolvimento da psicologia geral
estava no estudo das “patologias”, pois a partir da compreensão do desenvolvimento complexo,
era possível entender os aspectos gerais do desenvolvimento típico. No ano de 1930, duas linhas
principais de pesquisa da ciência psicológica soviética foram descritas: a genética e a
patológica. Considerando por este ponto, é possível definir que o TEA engloba essas duas
linhas, pois envolve alterações presentes no início do desenvolvimento. Destaca-se que não há
produções sobre a temática, a partir dos autores clássicos e há poucas pesquisas atuais com base
no enfoque histórico-cultural (CASTRO, 2017), contudo, como a pista central atual para o TEA
está no desenvolvimento (RIVIÈRE, 2007), firma-se um caminho interessante para reflexão
dessa temática.
Retomando os sintomas essenciais do TEA, Wing (1991) realizou uma síntese com as
principais descrições de Kanner e Asperger. Os comprometimentos estavam nas interações
sociais “Asperger descreveu como suas crianças (pacientes), ‘tocariam estranhos como se
fossem móveis. ” (p. 96); isolamento social e pouco interesse em sentimentos e ideias de outras
pessoas (egocentrismo); a utilização da linguagem nas relações sociais de modo idiossincrático
e pouco funcional, a troca de pronomes, a invenção de palavras e perguntas repetitivas;
imaginação pouco flexível, estereotipias em brincadeiras, fixação em alguns objetos; apego a
rotina; dificuldades em mudanças de tarefa; e déficits motores. Em relação ao quadro atual, o
DSM-5 apresentada dois critérios principais para o diagnóstico de TEA: a) Déficits persistentes
na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos; b) Padrões restritos e
repetitivos de comportamentos, interesses e atividades. Em comparação às descrições dos
autores clássicos, vemos que há um padrão de classificação diagnóstico semelhante.
Como ponto de partida, observamos que no TEA possivelmente ocorre o
desenvolvimento deficitário das funções psicológicas superiores, ou seja, as características que
se desenvolvem apenas a nível social. Neste sentido, as relações interfuncionais entre as funções
que se modificam ao longo do desenvolvimento, não se organizam de modo esperado durante
os períodos iniciais, o que aparentemente resulta nas síndromes21 descritas.

21 O termo síndrome faz referência ao conceito de análise sindrômica de Luria (1981). O autor estuda o conjunto
de sintomas de uma lesão cerebral, e a partir desse conjunto de sintomas “localiza” as áreas cerebrais
comprometidas. Isso não faz uma alusão direta à análise do TEA, pois não se trata de uma lesão, entretanto quando
ocorre uma lesão no cérebro todo o sistema funcional do sujeito entra em colapso. Podemos ver que o TEA não é
um sistema funcional que entra em colapso, mas na realidade um sistema funcional que se forma de modo atípico
71
Diante do exposto, podemos levantar três eixos centrais para análise do TEA - a)
dificuldades de interação social; b) problemas no desenvolvimento da linguagem; c) os padrões
restritos de interesses e atividades. Com base nas discussões sobre o desenvolvimento,
aparentemente, o que se apresenta como um conjunto de sintomas, na realidade constitui uma
relação causal em cadeia. Isto significa, que em caso de dificuldades de interações sociais da
criança com o mundo, a relação entre linguagem e as atividades serão comprometidas como
consequência.
Outro fator que possivelmente pode surgir dessas dificuldades, são as estereotipias. As
dificuldades de comunicação e interação social, por exemplo em uma criança que não fala, pode
causar prejuízo no desenvolvimento das atividades gerais próprias para cada período, bem como
a unidade entre afetivo e cognitivo. Em outras palavras, não falar é diminuir o raio de atuação
da criança sobre sua situação social de desenvolvimento, e isso como consequência pode atrasar
ou mesmo produzir um desenvolvimento atípico das expressões emocionais e cognitivas.
Gerando assim, os comportamentos estereotipados.
Neste sentido, toda criança é um ser sociável por natureza, uma vez que o bebê é
estritamente dependente dos cuidados dos adultos. “Quando nasce um bebê, temos ali um
‘candidato à humanização’, um representante da espécie homo sapiens. ” (PASQUALINI,
2016, p. 70). A criança estabelece as primeiras formas de contato com o mundo social através
da comunicação emocional direta e entende a necessidade que estabelece com as pessoas à sua
volta. Entretanto, conforme descreve Vygotski (1997), sob qualquer circunstância de
deficiências, sejam elas físicas como cegueira ou surdez, ou mesmo deficiência intelectual
congênita, vemos a modificação dessa criança com o mundo, principalmente nas suas relações
sociais alteradas. Inclusive, a família possui papel principal como ponte de sociabilidade para
a criança na sociedade.
Essa alteração do desenvolvimento da criança com TEA prejudica o aprendizado do seu
caráter afetivo em relação às pessoas que a circundam. O papel dos adultos em seu cuidado e a
organização da comunicação emocional estão diretamente associadas às suas necessidades
elementares. Se os déficits se estruturam deste modo, as formas de aprendizagem espontâneas
do cotidiano, como a conversa da mãe com a criança, não se apresentam como vias efetivas de
desenvolvimento, quando comparamos com a dinâmica do desenvolvimento típico
(VYGOTSKI, 1997).

no início do desenvolvimento, deste modo a análise sindrômica nos auxilia a compreender as “causas imediatas”
deste desenvolvimento atípico.
72
Diante deste aspecto, um dos comprometimentos centrais, não incluído como critério
diagnóstico pelo DSM-5, é a linguagem. Castro (2017) explica que um desenvolvimento atípico
na linguagem, prejudica todo o sistema psicológico, que tende a ser formado na criança e
consequentemente seu desenvolvimento integral (desenvolvimento motor, inclusive). Isto
significa que quando o adulto fala com a criança, ele direciona sua atenção aos objetos, organiza
a percepção da criança para compreensão da cadeia de ações de uma determinada atividade e
serve como meio de comunicação da criança na sua apropriação dos conhecimentos do mundo
e dos objetos durante a primeira infância:

Nesse âmbito, pensa-se em casos de crianças com autismo, nos quais muitas vezes sua
atenção não se subordina às mesmas intensidades/forças de estímulos sensoriais, e,
assim, algumas vezes, pode não gerar reflexo de orientação como acontece nas
crianças com desenvolvimento típico. Reflete-se, portanto, que possivelmente quando
o adulto for chamar sua atenção para interagir, nomeando objetos e requisitando sua
participação na relação, provavelmente pode ter mais dificuldades em conseguir que
a criança direcione sua atenção para ele e que sustente um período de relação
compartilhada. Esse fato pode dificultar que o adulto consiga auxiliá-la a dirigir sua
própria conduta por meio da instrução verbal externa, e depois interna (autoinstrução),
o que implica na redução de oportunidades para a aprendizagem e formação da
linguagem interna (CASTRO, 2017, p. 34).

Além de auxiliar no desenvolvimento integral, a linguagem, mais especificamente o


desenvolvimento da fala, auxilia a criança no desenvolvimento do controle da autoconduta e da
identificação de suas necessidades, que durante a crise dos três anos se diferencia dos adultos e
marca o início de uma consciência individual (VYGOTSKI, 2006).
Conforme Vygotski (2006) descreve, durante a crise dos três anos e o início da idade
pré-escolar, que em geral é o marco para o surgimento do TEA, vemos que essa consciência
que diferencia o eu e o outro é marcada pelo desenvolvimento de motivos próprios que vão
guiar as atividades da criança. Destaca-se que a saída da crise dos três anos e o início da idade
pré-escolar é marcada pela transição da atividade guia - da manipulação objetal para os jogos
de papéis. Com base nesta atividade guia, a criança não só desenvolve um maior controle da
conduta, como também deixa de ser regida por motivos imediatos, e passa a ter um
comportamento mediado, principalmente pelo que os adultos esperam dela em atividades
cotidianas, bem como, na representação dos papéis durante a brincadeira e o grupo social
envolvido. Outra característica importante dos jogos de papéis, é o potencial do
desenvolvimento das abstrações durante as brincadeiras que representam a vida cotidiana dos
adultos.

73
O que podemos inferir com relação ao TEA é que aparentemente um dos marcos
deficitários é a passagem da ação objetal manipulatória para os jogos de papéis. É um fato que
a maior dificuldade no TEA, não é na relação com os objetos, como consta nas descrições de
Kanner e Asperger, mas sim na compreensão das relações sociais.
Neste sentido, Elkonin (2017) afirmou que a periodização do desenvolvimento, segue
duas regularidades gerais: a primeira, na relação criança e adulto/social, que significa que nas
atividades guia de comunicação emocional direta e nos jogos de papéis, a criança aprende,
principalmente os motivos de ordem social, as normas e relações entre as pessoas, o sentido da
atividade humana e seus objetivos e a assimilação dos objetos - os marcos desse período são o
pós-natal e a idade pré-escolar. A segunda regularidade condiz com a relação criança/objeto
social, a criança aprende, então, os procedimentos socialmente elaborados de ação com os
objetos (uso dos instrumentos e ulterior dos signos) - o marco deste período é a primeira
infância com a ação objetal manipulatória como atividade principal.
Vemos então que no período pós-natal e a idade pré-escolar, se apresentam os pontos
de maior dificuldade de desenvolvimento das crianças diagnosticadas com TEA. Há
dificuldades na compreensão das normas e relações sociais e a hierarquização dos motivos de
ordem social. Deste modo, podemos ponderar que um comprometimento nas relações sociais
da criança com TEA, produz outros déficits que se expressam na linguagem e na restrição de
interesses e atividades.
Além dos aspectos gerais sobre os déficits, apresentados no TEA, outro fator que
devemos destacar é a situação social do desenvolvimento dessas crianças (FACCI; EIDT;
TULESKI, 2006). Isso significa, que a promoção do desenvolvimento é justamente mediada
pelas pessoas e a sociedade da qual ela está inserida. Neste sentido, as possibilidades ou mesmo
impossibilidades de desenvolvimento não estão na criança, mas sim no que pode ser
proporcionado a ela, enquanto a apropriação do desenvolvimento cultural, da inserção deste
sujeito em um ciclo de vida comum e a educação adequada para o desenvolvimento, o que
compensa os déficits (VYGOTSKI, 1997).
Vygotski (1997) afirma que as deficiências, em um primeiro momento, não são
reconhecidas pelas crianças. Assim, uma criança que nasce cega não percebe a ausência de
visão, o que faz com que ela perceba que sua condição são as próprias impossibilidades de viver
em uma sociedade que não abarca formas para o seu desenvolvimento. “As consequências
sociais do defeito acentuam, alimentam e consolidam o próprio defeito. Neste problema não

74
existe aspecto algum onde o biológico pode ser separado do social. ” (VYGOTSKI, 1997, p.
93, tradução nossa).
Algumas reflexões expostas como a condição de superação das barreiras biológicas,
através das compensações e das vias colaterais do desenvolvimento, serão melhor discutidas no
terceiro capítulo.
Em síntese, os apontamentos realizados neste tópico tiveram uma finalidade reflexiva,
no sentido de compreender os déficits do desenvolvimento presentes no TEA. Esses déficits
possivelmente têm origem no desenvolvimento social atípico. Em segundo lugar, a análise da
síndrome é causal, pois não estabelece as relações sociais que acarretam prejuízo na formação
dos sistemas psicológicos de modo global, em outras palavras, os diversos comportamentos
fazem parte de um conjunto de atrasos do próprio desenvolvimento que não podem ser
analisados de forma isolada; e em terceiro lugar, a superação e melhora das condições
deficitárias, devem ocorrer por via de relações sociais que permitam que o sujeito seja
compreendido para além do aspecto negativo de sua “deficiência”.

75
3. O QUE A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL TEM A DIZER SOBRE OS
NEURÔNIOS ESPELHO E SUA HIPÓTESE DE EXPLICAÇÃO ETIOLÓGICA DO
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA?

Nesta sessão iremos resgatar as discussões dos capítulos anteriores com o intuito de
produzir uma síntese a respeito de toda temática descrita até o momento. Para isso, o capítulo
será divido em duas partes: 1) Analisando a hipótese dos Neurônios Espelho como etiologia do
Transtorno do Espectro Autista: o que a Psicologia Histórico-Cultural tem a dizer? Nesta
primeira parte abordaremos os principais conceitos levantados com base nos déficits dos
Neurônios Espelho e sua relação com o TEA, a partir da concepção de desenvolvimento da
Psicologia Histórico-Cultural e de pesquisadores que partem de uma concepção crítica acerca
da disfunção do SNE; 2) Os Neurônios Espelho apresentam saídas metodológicas para
problemas ontológicos? Nesta segunda parte serão analisadas as relações entre neurônios
espelho, cérebro e comportamento, e quais as possibilidades e impossibilidades de “diálogo”
com a PHC.

3.1 Analisando a hipótese da disfunção do Sistema de Neurônios Espelho como etiologia


do Transtorno do Espectro Autista: O que a Psicologia Histórico-Cultural tem a dizer?

A hipótese da disfunção do SNE segue a tendência atual de compreensão da etiologia


do TEA a partir de neuromarcadores, conforme observamos no primeiro capítulo. Neste
sentido, os déficits principais considerados sociocognitivos como linguagem, imitação, empatia
e compreensão das intenções/emoções têm uma estreita relação com os SNE. Devemos
acrescentar também os constructos cognitivistas como: a teoria da mente, déficits das funções
executivas e atenção compartilhada (WILLIANS et al., 2001; OBERMAN et al., 2005;
OBERMAN, RAMACHANDRAN, 2007; IACOBONI; DAPRETTO, 2007; PERKINS et al.,
2010; RAMACHANDRAN, 2014). Vale destacar que as discussões e estudos acerca desta
disfunção é recente do ponto de vista histórico, datado de aproximadamente 20 anos, conforme
a literatura revisada (RAMACHANDRAN; OBERMAN, 2006).
Neste sentido, considerando que este campo de pesquisa tem uma história recente,
existiram contradições e críticas que se apresentaram durante a pesquisa deste trabalho, das
quais descreveremos algumas.

76
Uma das primeiras críticas é sobre as questões metodológicas das pesquisas que visam
investigar a hipótese das disfunções do SNE. Hamilton (2012) analisou 25 artigos empíricos,
com diversas técnicas de exames médicos. Uma das investigações criticadas são os exames de
EEG (eletroencefalografia) propostos inicialmente por Oberman et al. (2005), conforme
exposto no primeiro capítulo. Essa técnica verificava a forma de ocorrência da supressão das
ondas mu em sujeitos diagnosticados com TEA, caso não ocorresse a supressão, problemas
funcionais seriam detectados.
Neste sentido, Hamilton (2012) afirma que a mensuração das ondas mu não era efetiva
para localização dos SNE. Isto significa, que outras áreas do cérebro, além das avaliadas, podem
ter influenciado os resultados, o que caracteriza uma mensuração pouco acurada da atividade
do SNE. Os estudos que reproduziram essa metodologia apresentaram resultados mistos, o que
torna a hipótese da não supressão do ritmo mu em indivíduos diagnosticados com TEA, frágil
em evidências. Outras metodologias que investigaram de forma indireta a função do SNE como
eyetracker (movimento de olhos), TMS (Estimulação Magnética Transcraniana), MEG
(Magnetoencefalografia) e EMG (Eletromiografia), também apresentaram resultados mistos e
mostraram pouca eficácia na localização do SNE. Deste modo, poucas evidências concretas
foram apresentadas (HAMILTON, 2012).
Os exames de fMRI (ressonância magnética funcional) apresentaram uma clareza
maior de identificação de áreas que contém o SNE durante a resolução de tarefas cognitivas,
apesar disso “[...] estudos estruturais de ressonância magnética mostram diferenças sutis entre
cérebros neurotípicos e de autistas em estrutura e conectividade que parecem ser amplamente
distribuídas e não são específicas do sistema de neurônios espelho. ” (HAMILTON, 2012, p.
100, tradução nossa). Conclui-se, ainda, que a disfunção do SNE não se apresenta como eixo
principal dos déficits descritos no TEA (HAMILTON, 2012).
Hickok (2014) pressupõe que a disfunção do SNE para explicação etiológica do TEA é
insustentável, além de corroborar com as proposições de Hamilton (2012), o autor tece críticas
centrais a todas as funções que os neurônios espelho são responsáveis, dentre elas, a imitação e
sua relação com a teoria da mente.
Segundo Willians et al. (2001), Iacoboni e Dapretto (2007), Iacoboni (2009a), a
imitação é um dos déficits centrais no TEA, que tem como causa direta a hipótese da disfunção
do SNE. Destaca-se que a imitação tem uma estreita relação com a teoria da mente e a empatia.
Para esboço de uma crítica às disfunções do SNE e sua relação com a imitação, devemos
retomar qual a sua principal função. Para Rizzolatti e Fogassi (2014), Rizzolatti e Sinigaglia

77
(2016), o SNE tem como função captar as informações sensoriais relativas às ações e emoções
de outros sujeitos, transformando-as em representações motoras próprias do indivíduo que
recebe as informações sensoriais. Neste sentido, ao nos apropriarmos das ações de outros, os
neurônios espelho codificam essas ações e, com base nessas informações, podemos inferir os
objetivos e metas das ações observadas e consequentemente da intenção por trás das ações de
outros. O SNE também pode cumprir com a função de planejamento e compreensão destas
ações (RIZZOLATTI; CRAIGHERO, 2004). Com base nessa afirmação, desenvolveram a
hipótese de que o SNE compreende parte das redes responsáveis pela imitação em símios e
humanos (IACOBONI, 2005; IACOBONI, 2009a). Na questão do TEA, vemos que o possível
déficit compromete a forma como os sujeitos transformam essas informações em
representações próprias. Deste modo, as emoções, a compreensão dos estados emocionais e a
condição inata prevista na teoria da mente estão comprometidos (IACOBONI; DAPRETTO,
2007; IACOBONI, 2009a).
Em oposição a essa tese, Hickok (2014) argumenta, com base nos trabalhos de Antonia
Hamilton, Morton Gernsbacher e Cecília Heyes, que na realidade não existe “disfunção”
significativa na imitação em sujeitos diagnosticados com TEA.

Em um estudo, Hamilton e seus colegas pediram às crianças autistas que combinassem


fotos de diferentes posturas de mãos com desenhos de ações (como passar uma
camisa) nas quais as mãos do ator não eram representadas. O grupo autista superou o
grupo controle de crianças não-autistas. Essas habilidades devem ser prejudicadas, de
acordo com a teoria da disfunção dos neurônios espelho (HICKOK, 2014, p. 505,
tradução nossa).

Southgate e Hamilton (2008) corroboram com a discussão de Hickok (2014). O que


chama atenção das pesquisadoras é que os trabalhos que indicam que o TEA não apresenta
déficits imitativos são pouco sistematizados. Outro ponto relevante, indica que as pesquisadoras
negam que os sujeitos diagnosticados com TEA tenham déficits imitativos. O que ocorre é que
devido aos problemas de comunicação e interação, a imitação deve ser direcionada pelo
experimentador, pois com esse auxílio a imitação não se torna um obstáculo.

[...] há várias descobertas recentes sugerindo imitação intacta no autismo, que não são
facilmente sistematizadas. Por exemplo, indivíduos com autismo mostram um efeito
de imitação automática aprimorado e efeitos normais de interferência ao observar uma
ação incompatível. Além disso, crianças com autismo podem executar uma variedade
de tarefas de imitação corretamente quando são explicitamente instruídas a imitar.
Esses resultados não são compatíveis com a proposta de disfunção dos neurônios
78
espelho de que crianças com autismo têm uma dificuldade fundamental em combinar
as ações do eu e do outro (SOUTHGATE; HAMILTON, 2008, tradução nossa).

Para fortalecer e embasar a crítica sobre a disfunção do SNE e a imitação, podemos citar
como Temple Grandin, uma das autistas mais reconhecidas mundialmente, que explica seu
modo de “aprender a desenhar” através da observação. Sacks (2015) descreve:

[...] ela não sabia que podia desenhar, fazer projetos, até completar 28 anos, quando
conheceu um desenhista e o observou fazendo plantas. “Vi como fazia”, ela me
contou. “Fui e comprei exatamente os mesmos instrumentos e lapiseira que ele usava
- uma Pentel HB com ponta de cinco milímetros - e comecei a fingir que era ele. O
desenho saiu por si mesmo e quando acabei não pude acreditar que era eu que o tinha
feito. Não precisei aprender a desenhar ou projetar, fingi que era David - apropriei-
me dele, do desenho e tudo o mais.”
Temple passa com frequência “simulações”, como as chama em sua cabeça:
“Visualizo o animal entrando na calha, de diferentes ângulos, diferentes distâncias,
aproximando-me ou abrindo o campo de visão, até o ponto de vista de um helicóptero
- ou transformo-me em animal e sinto o que é entrar na calha” (p. 267).

Obviamente o relato de uma pessoa diagnosticada com TEA não pode servir como base
para explicação geral dos processos imitativos, devido à heterogeneidade desta condição.
Entretanto, Temple destaca nossos argumentos e fortalece as reflexões da pesquisa - na citação
ela se “apropria de David” e no parágrafo seguinte, ela toma diversos pontos de vistas ao
“simular” as diferentes formas de pensar sobre as calhas e os animais - deste modo o
encadeamento e a compreensão destas ações estão “presentes” em Temple. Outro fator
importante, quando afirma que se apropria de David, ela toma o lugar do outro, ou seja, além
da possibilidade de compreensão das ações, ela aparentemente “consegue” se colocar no lugar
de David, mais especificamente o que é ser o David desenhista. Sendo assim, pelo menos nas
pesquisas citadas por Hickok (2014) e no relato de Temple não é possível afirmar que os déficits
imitativos estão presentes em todos os sujeitos com TEA com base na disfunção do SNE.
Hickok (2014) afirma que quando relacionamos a imitação como papel central para a
compreensão das ações e das emoções como parte da teoria da mente há um problema de lógica,
pois essa função está subordinada a outros processos cognitivos de ordem social, ou seja, ela
não é causa mas consequência da evolução cognitiva do homem:

A imitação não é a causa, mas a consequência da evolução das habilidades cognitivas


humanas. Os macacos não imitam em uma escala que os humanos fazem, não por falta
do mecanismo neural fundamental - eles claramente têm os neurônios-espelho! - mas

79
porque eles não têm os sistemas cognitivos para tirar o máximo de imitação possível
como os humanos fazem (HICKOK, 2014, p. 475, tradução nossa).

O autor ainda explica que a imitação, embora tenha um caráter inato na espécie humana,
assim como em símios, não representa um sistema autônomo e imutável. Por exemplo, os
recém-nascidos podem apresentar uma capacidade de imitação, entretanto, com o
desenvolvimento, ela passa a um nível cada vez mais seletivo, devido à experiência da criança
com o mundo:

[...] a capacidade de imitar não é um módulo especializado e herdado, mas o produto


emergente de um sistema de componentes sociais, cognitivos e motores, cada um com
sua própria história de desenvolvimento. [...] Os cérebros humanos, por outro lado,
são construídos para aproveitar melhor o que a imitação pode oferecer.” (HICKOK,
2014, p. 486-487, tradução nossa).

Neste sentido para a PHC, compreendesse que na realidade, o que torna o processo de
imitação cada vez mais refinado é justamente aqueles processos cognitivos advindos das
experiências sociais. Assim, longe de um módulo inato, a imitação se modifica ao longo da
experiência e do desenvolvimento.
Embora Hickok (2014) tenha pressupostos teóricos e filosóficos distintos da PHC, neste
ponto há concordância, pois a imitação além de marcar a transição no desenvolvimento infantil,
e isso serve para o TEA, tem como sua principal natureza, o social (VYGOTSKI, 2006). Não
concordamos com Hickok (2014) de que o cérebro humano é literalmente construído para
aproveitar o melhor da imitação, mas sim que apropriação da história humana e da cultura
moldam esse cérebro para tirar o melhor proveito desta capacidade (VIGOTSKI, 2004;
VYGOTSKI, 2012).
Observamos portanto, que ao descentralizar o papel da imitação como gênese do
desenvolvimento da teoria da mente e da empatia (IACOBONI, 2009a), os argumentos que
sustentam essas afirmações caíram como evidências da disfunção do SNE.
Para sustentar nossa argumentação, nos remetemos à revisão realizada por Heyes
(2018), com base em pesquisas com animais, bebês, adultos e robôs, tendo como objetivo
investigar os aspectos que determinam a empatia. Os resultados da pesquisadora apontam que,
ainda que a comunidade científica estabeleça a empatia como um mecanismo inato e herdado
filogeneticamente, as evidências mostram o oposto. Para a autora, a empatia é uma emoção
socialmente moldada e aprendida ao longo do desenvolvimento. Ela se forma por mecanismos
80
associativos que relacionam os estados emocionais exteroceptivos e interoceptivos,
principalmente na relação dos cuidadores com criança.
Heyes (2018) não nega o possível papel dos neurônios espelho na compreensão desses
processos, pois as emoções expressam mudanças motoras, contudo não são os neurônios
espelho que determinam o aprendizado do sentimento de empatia, mas a aprendizagem do
sentimento de empatia que determina como os neurônios espelho responderão aos estímulos.
Assim, para o desenvolvimento de aspectos da compreensão das emoções, o adulto é
imprescindível para esse processo. Por este ângulo, existem evidências atuais de que o outro
para o bebê é o principal centro psicológico (VYGOTSKI, 2006).
Hickok (2009) ainda argumenta que grande parte das disfunções do SNE para
explicação do TEA, são inferências de como os neurônios espelho nos símios podem
hipoteticamente ser a base para os neurônios espelho em humanos. Bem como, as disfunções
nestas células podem interferir em todos os complexos comportamentos deficitários no TEA
(OBERMAN et al., 2005).
O problema desta relação direta hipotética, foi a grande generalização da disfunção dos
neurônios espelho para uma série de outras condições distintas do TEA como, esquizofrenia,
obesidade, membros fantasmas, gagueira - e até em condições extremas eles aparentemente
possibilitam a compreensão das atitudes políticas (HICKOK, 2014).
Buscamos argumentar como a hipótese da disfunção do SNE como explicação para o
TEA é questionável. Contudo, um dos aspectos mais críticos para nós está em uma afirmação
descrita no primeiro capítulo que aparentemente indica, que a disfunção no SNE em sujeitos
com TEA é crônica.
Oberman et al. (2005) descreve: “A falta adicional de qualquer correlação significativa
entre a idade e a supressão das ondas mu também sugere que essa disfunção não é algo que
melhora ao longo da vida. ” (p. 195, tradução nossa), os autores chegaram a essa conclusão
devido à diversidade de idades (6 a 47 anos) dos participantes com diagnóstico de TEA. Essa
afirmação é contraditória, pois o TEA é considerado atualmente como um transtorno do
neurodesenvolvimento pelo DSM-5 e do desenvolvimento humano (RIVIÈRE, 2007), ou seja,
os sintomas iniciais estão presentes em períodos anteriores ao ingresso na vida escolar. O
próprio DSM-5 (APA, 2014) afirma que a gravidade dos sintomas podem variar a depender do
contexto e do tempo.
Não concordamos com o DSM-5 sobre o desenvolvimento se resumir ao
neurodesenvolvimento, pois, como observamos no segundo capítulo - o desenvolvimento

81
humano não se resume à maturação do cérebro, ele depende, inclusive, da possibilidade da
criança se apropriar da história social, por meio do convívio em sociedade, seja para o
desenvolvimento típico ou atípico (VYGOTSKI, 1997; VYGOTSKI, 2012). Contudo, o ponto
de partida do desenvolvimento é fundamental para compreendermos que o termo disfunção é
problemático para a análise do TEA, principalmente a disfunção de um sistema de neurônios
aparentemente responsável por comportamentos humanos complexos.
Por que o termo disfunção é problemático? Em primeiro lugar porque segundo Huang
(2017), a disfunção pode ser definida de dois modos, focal e global. Na focal, a disfunção pode
ter como gênese alterações estruturais, como tumores, lesões, traumas, malformações, entre
outros; a global pode envolver distúrbios tóxicos-metabólicos, inflamação difusa, câncer
disseminado, entre outros. O que há de comum nesses tipos de disfunção é que existe um
marcador biológico evidente, marcador esse não evidente na hipótese da disfunção do SNE.
Em segundo lugar, a palavra disfunção se refere a um mal funcionamento de um
determinado conjunto de células, nesse caso os neurônios espelho. Entretanto, quando
resgatamos a revisão de função proposta por Luria (1981), compreendemos que sob a
perspectiva das funções elementares presentes no cérebro, por exemplo, há uma lógica, pois de
fato há tecidos com funções específicas. Todavia, quando pensamos na complexidade das
funções responsáveis pelo SNE (compreensão das intenções, imitação e empatia), isso não se
mostra real, pois esse trabalho não pode ser realizado de modo isolado por apenas células
específicas, por três motivos: primeiro que os neurônios espelho não se diferenciam
morfologicamente de outros neurônios (OBERMAN; PINEDA; RAMACHANDRAN, 2007),
ou seja sua relação é funcional e não estrutural; segundo, existe uma porcentagem pequena de
neurônios espelho da área F5 em símios, como a mensuração dessas células em humanos ainda
não é clara, principalmente devido a utilização de exames indiretos (HICKOK, 2009), é
problemático, do ponto de vista lógico, atribuir comportamentos humanos complexos a uma
quantidade de células, provavelmente pequena, em nosso cérebro. O terceiro ponto, talvez o
mais delicado, é a afirmação de que “[...] disfunção não é algo que melhora ao longo da vida.
” (OBERMAN et al., 2005, p. 195, tradução nossa). Aparentemente, essa colocação encerra a
possibilidade de mudanças funcionais presentes no desenvolvimento humano, do ponto de vista
psicológico e principalmente da organização funcional que se forma no cérebro.
Diante do exposto, a condição de disfunção pode ser contínua? Bem como as relações
funcionais que o cérebro estabelece podem ser as mesmas? Aparentemente, a literatura atual
demonstra de maneira oposta à descrição de Oberman et al. (2015). Para ilustrar essa afirmação,

82
trabalharemos três exemplos, presentes nos trabalhos de Doidge (2015, 2016) e Fletcher-
Watson et al. (2014).
Doidge (2015), descreve dois casos, Jordan e Timothy. No primeiro caso, os sintomas
clássicos de TEA ocorreram após uma gastroenterite (infecção), quando ele tinha 18 meses. No
segundo caso, os sintomas de TEA surgiram aos 18 meses como uma forma de “regressão”, o
quadro apresentado pela criança era considerado grave pelos médicos. O que há de comum
nestes dois casos é que ambos foram expostos sobre uma intervenção denominada terapia da
escuta, de Paul Madaule. Após a intervenção, o quadro sintomatológico melhorou, Jordan se
formou e Timothy ganhou autonomia e transitou de uma classificação grave para leve
(DOIDGE, 2015).
O mesmo Doidge (2016) descreve que Lauralee, uma criança de oito anos com sintomas
clássicos de TEA (dificuldades de comunicação social, estereotipias e sensibilidade sensorial a
sons). Ao ser direcionada a uma intervenção pautada no método Fast ForWord durante oito
semanas, houve uma melhora considerável dos sintomas e os déficits de comunicação, por
exemplo, foram extintos.
Fletcher-Watson et al. (2014) realizaram uma revisão de 22 ensaios clínicos
randomizados, sobre as intervenções que tiveram como foco geral, a teoria da mente ou seus
subcomponentes imitação, atenção compartilhada e o reconhecimento das emoções. Apesar dos
autores concluírem que grande parte das questões metodológicas são problemáticas, foi
possível afirmar que os sujeitos que passaram pelas intervenções obtiveram efeitos positivos,
principalmente na aprendizagem das funções associadas à teoria da mente.
Não há como aprofundar em cada um desses estudos (DOIDGE 2015; 2016;
FLETCHER-WATSON et al., 2014), pois não é objetivo de nosso trabalho, contudo, esses
exemplos podem ilustrar como as intervenções expressam as possibilidades de superação e até
extinção de algumas manifestações do TEA. Neste sentido, os exemplos descritos mostram
como a disfunção do SNE é falha do ponto de vista comportamental, pois as intervenções
surtiram efeito, promovendo mudanças substanciais em quadros distintos de sujeitos com TEA.
Para a PHC, as intervenções utilizadas nos exemplos de Doidge (2015; 2016) e Fletcher-
Watson et al. (2014), expressam um conceito que Vygotski (1997) denominou de compensação.
Para compreendermos os processos compensatórios, devemos retomar brevemente alguns
aspectos do desenvolvimento, discutidos no segundo capítulo deste trabalho.
Como dito anteriormente, o desenvolvimento humano depende de uma série de fatores
externos aos sujeitos. De modo geral, a sociedade deve criar as possibilidades para que os

83
sujeitos se apropriem da história social (cultura), presentes em determinado período histórico.
Neste sentido, os aspectos culturais para além das relações sociais, são expressos a partir dos
produtos da cultura: os instrumentos e signos, que contêm em sua essência parte de processos
históricos cristalizados (VYGOTSKI, 2012).
O elo central da compensação está no que diferencia as funções elementares
(filogenéticas), das funções psicológicas superiores, diferença que podemos sintetizar de três
modos: a) as funções psicológicas superiores sintetizam a unidade entre natureza e cultura, o
que não significa a soma de dois elementos diferentes, mas que a cultura subordina os processos
naturais; b) todos os comportamentos socialmente desenvolvidos são mediados por
instrumentos e signos. Em síntese, os instrumentos agem sobre a realidade concreta criando a
possibilidade de alterá-la; já os signos, têm como principal característica o controle do próprio
comportamento (autocontrole da conduta) e do comportamento alheio, uma relação que se
estabelece entre os homens (social); c) a introdução de mediadores no psiquismo humano
alterou as formas que as funções psíquicas naturais se organizavam. Por exemplo, a memória
natural, quando se estabelece de modo direto, fica restrita às informações imediatas e às
estruturas inatas do cérebro. Contudo, quando inserimos uma via indireta, como um nó na ponta
do dedo, ou mesmo escrevemos em um papel para recordarmos de algo, alteramos o caminho
natural da memória. Essas novas conexões “instrumentais” das funções psíquicas, são formadas
por esses mediadores e alteram, em nível de córtex cerebral, a organização das conexões neurais
(VIGOTSKI, 2004).
Essas alterações se modificam ao longo do desenvolvimento humano. A organização do
cérebro de uma criança, não é a mesma que a do cérebro de um adulto, porém, isso não ocorre
de maneira espontânea, mas mediada pelos objetos da cultura e pela experiência do sujeito, a
partir de sua situação social do desenvolvimento (VIGOTSKI, 2018).
Com essa explicação, observamos que os aspectos compensatórios são as vias indiretas
do desenvolvimento humano. Vygotski (1997) descreveu, como isso ocorre, a partir dos estudos
de Binet sobre a memória. O pesquisador conseguiu diferenciar sujeitos que possuíam uma
memória acima da média, de sujeitos com uma memória mediana. O que diferencia nos dois
casos é que o primeiro possui as habilidades de reter uma série de informações de modo direto.
Já o segundo, consegue reter uma quantidade grande de informações, contudo, esses métodos
são indiretos, intelectualizados, o sujeito pensa, faz relações entre os estímulos mnemônicos e
outros neutros.

84
Vygotski (1997) enfatiza que as vias indiretas das funções psicológicas superiores são
regras do desenvolvimento:

[...] o êxito, no desenvolvimento, não se deve apenas ao fato de que a memória se


desenvolve como tal, mas também pelo fato de como cada um adquire uma série de
procedimentos e métodos de substituição da memória. Existem processos e operações
psicológicas que expandem a memória e a elevam a um alto nível de desenvolvimento.
Estamos diante de uma regra geral e não de uma exceção (1997, p. 138, tradução
nossa).

Deste modo, observamos que os meios artificiais que utilizamos durante o


desenvolvimento potencializam e mudam o curso do desenvolvimento das condições naturais,
e como descrito na citação é uma regra geral para organização das funções psicológicas
superiores em sujeitos típicos e atípicos. Destaca-se que a memória é apenas um exemplo, deste
modo devemos recordar que as funções psicológicas superiores formam um sistema de
conexões interfuncionais entre as diferentes funções, não sendo possível seu estudo isolado
(VIGOTSKI, 2004).
A compensação surge como pressuposto da revisão de Vigotski sobre a defectologia,
que via de regra estava pautada por uma perspectiva biologicista, negativista e com o foco nos
déficits de crianças que apresentavam algum tipo de deficiência organicamente explícito, como
cegueira ou surdez (BARROCO, 2007). Contudo, o mesmo servia para crianças que
apresentavam algum tipo de atraso no desenvolvimento em comparação à criança com o
desenvolvimento típico. Neste sentido, resgatamos o quão importante é relacionar o TEA com
o desenvolvimento, pois o que necessariamente observamos neste caso, são crianças que, por
razões biológicas ou não, apresentam atrasos substanciais no processo de seu desenvolvimento.
De modo mais claro, negamos a idéia de disfunção de um determinado sistema de
neurônios, pois, mesmo se houvessem evidências concretas da disfunção do SNE, essa não
poderia responder de forma direta, os déficits apresentados pelo TEA, por conta do seu quadro
sindrômico se tratar de uma série de condições que evidenciam atrasos do desenvolvimento
cultural dessas crianças. Essa afirmação tem como base, os déficits cognitivos produzidos pela
suposta disfunção dos SNE, ou seja, atenção compartilhada, déficits das funções executivas e
teoria da mente, por exemplo. Esses conceitos, embora constituam parte do arcabouço teórico
das ciências cognitivas, para a Psicologia Histórico Cultural revelam novamente os atrasos, ou a
insuficiência do desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Com isso, partimos do
pressuposto de que essas condições podem ser superadas através das compensações, ou seja, o
foco no desenvolvimento cultural das crianças diagnosticadas com TEA.
85
Portanto, o novo critério prescreve que se leve em conta não somente as características
negativas da criança, seus aspectos desfavoráveis, mas também a fotografia positiva
de sua personalidade, que se apresenta sobre o quadro dos complexos caminhos do
desenvolvimento. Só é possível o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores pelas vias do desenvolvimento cultural, sendo indiferente que se este
desenvolvimento siga o curso do domínio dos meios exteriores da cultura (linguagem,
escrita, aritmética) ou, a linha do aperfeiçoamento interior das próprias funções
psíquicas (elaboração da atenção voluntária, da memória lógica, do pensamento
abstrato, da formação de conceitos, do livre-arbítrio, etc.). As investigações têm
demonstrado que, em geral, a criança anormal está atrasada precisamente neste
aspecto. Porém, este desenvolvimento não depende das insuficiências orgânicas
(VYGOTSKI, 1997, p. 187).

É justamente com base nos aspectos do desenvolvimento cultural que os processos


compensatórios podem agir para mudar o quadro sindrômico do TEA. Cabe destacar, que os
processos compensatórios não atuam de modo isolado, em grande medida dependem da forma
como a situação social do desenvolvimento da criança vai possibilitar ou impossibilitar os
meios necessários para esse desenvolvimento, ou seja, a família, as instituições como a escola
e os profissionais que atuam nessa área serão responsáveis por criar essas condições.
Conforme discutimos no segundo capítulo, existe uma unidade indissociável entre
biológico e o social no desenvolvimento humano, isto significa que as mudanças propostas
pelas compensações, ou seja, pelas diferentes intervenções, produzem mudanças não apenas no
comportamento desses sujeitos, mas também na reorganização funcional do cérebro.
Retomando, para Vigotski (2004) toda função psicológica, inclusive as superiores, são também
psicofisiológicas. Isso significa que através das experiências e da apropriação dos estímulos
externos nosso cérebro se transforma.
Os processos compensatórios demonstram a condição altamente plástica das funções
psicológicas superiores (LURIA, 2017). Essa condição plástica do cérebro humano, atualmente
é descrita como neuroplasticidade. Segundo Lent (2008), a neuroplasticidade pode ser definida
como a habilidade que o sistema nervoso tem de modificar sua função ou estrutura, a partir das
mudanças ambientais e da experiência do organismo. Essas modificações ambientais podem
influenciar as mudanças plásticas de modo profundo ou sutil, a depender das forças dos
estímulos.
Lent (2010) descreve que durante a transição da infância para a vida adulta há dois tipos
principais de neuroplasticidade, a primeira denominada plasticidade ontogenética que se
confunde com o desenvolvimento, própria dos períodos iniciais da vida. E a segunda é
considerada a plasticidade funcional, que de modo geral pode ocorrer através das alterações
86
sinápticas abarcando o período de desenvolvimento da vida adulta. É interessante que a
plasticidade ontogenética pode ocorrer em diferentes níveis: morfológicos, neural, soma,
axônio, dendritos, mas também em níveis sinápticos (LENT, 2010). Esse tipo de
neuroplasticidade, também é descrita como períodos críticos “[...] quando o cérebro da criança
está particularmente susceptível às entradas de estimulação sensorial, para o amadurecimento
de sistemas neurais mais desenvolvidos. ” (BARTOSZECK, A.; BARTOSZECK, F., 2012, p.
64).
É interessante que Iacoboni (2009a) destaca que os neurônios espelho apresentam um
caráter neuroplástico. Do mesmo modo, porém sem apresentar esse conceito, Rizzolatti e
Sinigaglia (2016) descrevem um experimento mostrando como as ações captadas pelos
neurônios espelho respondem a partir da experiência

Um grande número de estudos comportamentais e de neuroimagem demonstrou que


quanto maior a experiência motora das pessoas, maior a sensibilidade do mecanismo
espelho às ações de outras pessoas e melhor a capacidade de identificar o resultado a
que essas ações serão direcionadas. Por exemplo, ver passos de balé recrutou áreas
pré-motoras e parietais com propriedades espelhadas mais fortemente em bailarinos
experientes do que em não bailarinos ou em professores de artes marciais. Estudos
posteriores demonstraram sistematicamente que o recrutamento de áreas motoras com
propriedades espelhadas se relacionam fortemente com a experiência motora e não
visual. Do mesmo modo, foi demonstrado que as pessoas podem melhorar sua
capacidade de julgar o objetivo de uma ação incomum simplesmente praticando essa
ação; essa melhoria ocorre mesmo quando praticam de olhos vendados (p. 759).

Isso demonstra que o SNE é passível da influência direta da experiência humana em seu
contexto social. Contudo, nos artigos que utilizamos como base para a compreensão da
disfunção do SNE, aparentemente isso não é considerado no TEA.
O fato de que atualmente o TEA tem origem nos períodos iniciais do desenvolvimento,
é um indicativo positivo para a nossa análise, devido à possibilidade de relacionar o
desenvolvimento típico com o atípico. Podemos supor, com base nos exemplos de Doidge
(2015; 2016), Fletcher-Watson (2014) e Sacks (2015), com o caso de Temple Grandin, que
quanto mais precoce os processos compensatórios, maior a probabilidade de ganhos funcionais,
devido à própria habilidade de reorganização plástica do sistema nervoso central. O que pode
promover um melhor desenvolvimento das funções psicológicas superiores em sujeitos com
TEA.
Destacamos que para a PHC, a neuroplasticidade e a compensação são indissociáveis
nas intervenções. Entretanto, como os comportamentos sociais são o foco das mudanças

87
necessárias para o TEA, em última instância o que determina as mudanças neuroplásticas no
sistema nervoso são as compensações que devem ser pensadas de forma específica para o
sujeito atendido, tendo em vista que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores
pode ter diversos caminhos (VYGOTSKI, 1997) e que cada sujeito opera de uma forma.
Um dos trabalhos com perspectiva interventiva baseada no déficit de neurônios espelho
e TEA, foi o de Vivanti e Rogers (2014), que mostrou-se relevante, pois os autores se
fundamentam na perspectiva desenvolvimental vigotskiana, e com isso apresentam um
posicionamento crítico com relação à disfunção do SNE. Salientando que compreendem que os
“déficits” do SNE podem ser provocados justamente pelas dificuldades de interação social
presentes no TEA, ou seja, o déficit ocorreria como consequência das dificuldades de interação
social/comunicação, assim, mais estudos são necessários para compreensão desta hipótese.
Em síntese, para a PHC, a hipótese da disfunção do SNE como explicação etiológica do
TEA se mostra insuficiente por três motivos: a) Não produzir evidências concretas devido a
suas metodologias e resultados mistos; b) Por reduzir processos complexos, como as emoções,
relações sociais, imitação e aprendizagem a processos motores e neurais, o que indica um
reducionismo conceitual desses fenômenos; e c) Não considerar os aspectos do
desenvolvimento cultural da criança diagnosticada com TEA, uma vez que para a PHC,
biológico e social são indissociáveis, inclusive, em última instância, a cultura determina o curso
do desenvolvimento biológico.
Luria (1992) destaca que “Se alguém quer estudar os fundamentos cerebrais da atividade
psicológica, deve estar preparado para estudar tanto o cérebro quanto o sistema de atividade,
tanto quanto o permitir a ciência contemporânea. ” (p. 176). Neste sentido, para a PHC todo o
tipo de deficiência ou “desvio” do desenvolvimento representam um processo vivo. Isso
significa, que além de um cérebro “disfuncional” há um sujeito que pode responder de modo
positivo quando sua situação social do desenvolvimento possibilitar que isso ocorra. Mesmo
que em condições desfavoráveis de seu aparato biológico. O grande diferencial está no sujeito
e quais as possibilidades que seu contexto social oferece de superação de sua condição.

3.2 Os Neurônios Espelhos apresentam saídas metodológicas para problemas ontológicos?

Prevejo que os neurônios espelhos farão pela psicologia o que o DNA fez pela
biologia: eles fornecerão uma estrutura unificadora e ajudarão a explicar uma série de
habilidades mentais que até agora permaneceram misteriosas e inacessíveis às
experiências (RAMACHANDRAN, 2000, online, tradução nossa).

88
A afirmação emblemática de Ramachandran (2000) na citação, enfatiza que a pesquisa
com os neurônios espelhos tem recebido nos últimos anos. De 2000 à 2010, segundo Hickok
(2014), as publicações têm dobrado a cada ano, passando de quatro para 135 trabalhos, nos
respectivos anos citados.
Conforme descrito no primeiro capítulo, os neurônios espelhos são associados a uma
série de comportamentos humanos complexos como linguagem, imitação, compreensão das
emoções, entendimento das intenções por trás das ações, desenvolvimento da
intersubjetividade, entre outros (GALLESE; GOLDMAN, 1998; RIZZOLATTI; AIRBIB,
1998; RIZZOLATTI; FOGASSI; GALLESE, 2001; IACOBONI, 2005; 2009a; 2009b; FABRI-
DESTRO; RIZZOLATTI, 2008; RIZZOLATTI; SINIGAGLIA, 2016). O interessante de todas
as habilidades citadas, é que essas são traduzidas pela atividade dos neurônios espelhos em
informações motoras, que são apropriadas, a partir do outro (RIZZOLATTI; SINIGAGLIA,
2016).
É interessante como os autores Rizzolatti e Airbib (1998) e Ramachandran (2014),
descrevem o SNE do ponto de vista evolutivo, como o auge do desenvolvimento cognitivo
presente no homem - em outras palavras, essa rede neural foi a responsável pelo salto
ontológico.
Ramachandran (2014), em sua obra O que o cérebro tem a dizer: desvendando os
mistérios da natureza humana, evidencia que os neurônios espelhos tiveram um papel decisivo
na transformação do natural em cultural. O quarto capítulo da obra citada Os neurônios que
moldaram a civilização, destacando o posicionamento do autor quanto à importância dessas
células nervosas:

Sugiro que houve uma mudança genética no cérebro, mas ironicamente essa mudança
nos libertou da genética, aumentando nossa capacidade de aprender uns com os outros.
Essa habilidade única liberou nosso cérebro de seus grilhões darwinianos, permitindo
a rápida difusão de invenções singulares – como fazer colares com conchas de cauri,
usar fogo, construir ferramentas e abrigo, ou de fato até inventar palavras novas. Após
6 bilhões de anos de evolução, a cultura finalmente decolou, e com ela as sementes da
civilização foram plantadas. A vantagem desse argumento é que não precisamos
postular mutações separadas ocorrendo quase simultaneamente para explicar a
coemergência de nossas muitas e únicas habilidades mentais. Em vez disso, a maior
sofisticação de um único mecanismo – como a imitação e a dedução de intenções –
poderia explicar a enorme discrepância comportamental entre nós e os macacos (p.
116).
Impõe-se uma ressalva. Não estou afirmando que neurônios espelho sejam suficientes
para o grande salto ou para a cultura em geral. Estou dizendo apenas que eles
desempenharam um papel decisivo. [...] Nesse aspecto, poderíamos dizer que

89
neurônios espelho desempenharam na evolução do hominínio 22 primitivo, o mesmo
papel que a Internet, a Wikipédia e os blogs desempenham hoje (p. 117).

É intrigante que no início deste mesmo capítulo o próprio autor problematiza que o
cérebro atingiu seu auge evolutivo há 300 mil anos, contudo os comportamentos cognitivos
reconhecidos como tipicamente humanos surgiram por volta de 75 mil anos. Neste sentido,
como observamos na citação, o que explica o hiato entre um período e outro é o surgimento dos
neurônios espelho e seu papel decisivo, por exemplo na aprendizagem pela imitação e
linguagem (RAMACHANDRAN, 2014).
Na visão de Ramachandran (2014) observamos a presença da dicotomia entre natureza
e cultura. O autor se questiona porque o desenvolvimento dos aspectos cognitivos superiores
no homem tem origem a partir de mudanças tecnológicas como a invenção de ferramentas. Ou
seja, aparentemente o autor sugere que as mediações produzidas pelo homem têm alguma
relação com seu desenvolvimento cognitivo, contudo, como observamos na citação, a saída
para o autor foi delegar esse salto às mutações biológicas.
Com base na análise que propomos neste trabalho, que parte do materialismo histórico-
dialético enquanto pressuposto, observamos que a problemática do neurocientista está
direcionada sobre a perspectiva cartesiana/positivista. Neste sentido, não se trata de que forma
o organismo produziu a cultura, mas sim sobre como a cultura possivelmente surge das
condições biológicas - essa resposta não está unicamente no cérebro ou na atividade externa,
mas na unidade entre esses processos complexos
Lukács (2013) descreve que as investigações propostas pelos primeiros darwinistas na
busca pelo elo perdido entre homem e símios foi infrutífera, pois suas formulações
comparativas do ponto vista biológico apresentavam apenas estágios anteriores de transição,
não o salto ontológico. Do mesmo modo, as investigações psicofisiológicas que indicam as
diferenças entre esses organismos, desta maneira expressam apenas os estágios transitórios.
Como ilustração desta última afirmação, podemos relembrar que os neurônios espelhos foram
descobertos no cérebro do macaco, mais especificamente na área F5 que é considerada
homóloga à área de Broca em humanos (DI PELLEGRINO et al., 1996; RIZZOLATTI;
AIRBIB, 1998).
Para o filósofo húngaro, a saída para compreendermos o real salto entre o nível orgânico
e o ser social está na atividade produtora do novo, denominada de trabalho:

22 Hominínios é o termo substituiu a grafia, hominídeos.


90
Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter de transição:
ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto
inorgânica (ferramenta, matéria-prima, objeto do trabalho etc.) como orgânica, inter-
relação que pode figurar em pontos determinados a que nos referimos, mas antes de
tudo assinala a transição, no homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser
social (LUKÁCS, 2013, p. 44).

A condição essencialmente social do trabalho, produziu alterações radicais neste novo


nível ontológico do ser social. Luria (1979a), Leontiev (2004) e Vygotski (2012) destacam que
com o advento do trabalho, novas formas de relações com a realidade surgem, dentre essas
podemos destacar, conforme já descrevemos no segundo capítulo, o papel dos instrumentos e
do signo na organização e instrumentalização das funções psicológicas superiores no cérebro
dos hominínios. Frisa-se que, com a mediação desses objetos culturais, as formas de relações
entre as pessoas se alteraram radicalmente, principalmente quando os homens iniciam um
“diálogo entre suas próprias consciências” (LUKÁCS, 2009).
Para ilustrar de modo concreto essas reflexões, Doidge (2016) descreve como uma
comunidade nômade, denominada de ciganos do mar, alterou suas condições biológicas através
de sua atividade de sobrevivência:

Uma tribo que vaga pela água, eles aprendem a nadar antes de aprender a andar e
passam mais da metade da vida em barcos no mar aberto, onde frequentemente
nascem e morrem. Sobrevivem da coleta de moluscos e pepinos-do-mar. As crianças
mergulham até 9 metros de profundidade, e colhem sua comida, inclusive pequenos
bocados de vida marinha, e vêm fazendo isso há séculos. Aprendendo a reduzir o
batimento cardíaco, eles podem ficar debaixo da água duas vezes mais tempo do que
a maioria dos nadadores. Fazem isso sem nenhum equipamento de mergulho. Uma
tribo, a sulu, mergulha mais de 20 metros para coletar pérolas. [...] A pesquisadora
sueca Anna Gislén estudou a capacidade dos ciganos do mar de ler placas debaixo da
água e descobriu que eles eram duas vezes mais habilidosos do que as crianças
europeias. Os ciganos aprenderam a controlar o formato de seus cristalinos e, mais
importante, a controlar o tamanho das pupilas, contraindo-as em 22% (p. 231).

Com base nesta citação, observamos que as diferenças biológicas presentes nesta tribo
em comparação com a sociedade europeia, não está no cérebro ou mesmo na hereditariedade,
mas na atividade denominada trabalho, que é culturalmente desenvolvida por esse modo de se
organizar socialmente. Com esse exemplo (atual), podemos compreender que o hiato temporal,
que Ramachandran (2014) estabelece entre o “amadurecimento” biológico do cérebro e o
surgimento das formas culturais de comportamentos, pode ser respondido pela chave heurística
do trabalho, enquanto produtor e construtor ontológico do ser social (LUKÁCS, 2013). Ou seja,
podemos inverter a lógica proposta pelo neurocientista - ao invés da afirmação de que os
91
neurônios espelho moldaram nossa civilização, compreendemos como a civilização moldou os
neurônios espelho - e essa hipótese está no trabalho enquanto categoria ontológica.
Lewontin (2010) destaca que a dicotomia entre ambiente e organismo tem causado
problemas também na própria forma como a biologia compreende a vida. Ele é categórico em
afirmar que, mesmo em nível orgânico (p.e. animais), não existe uma ação restrita adaptativa
desses organismos em seu ambiente. Isso significa que organismos podem mudar ecossistemas
inteiros, da mesma forma que o ambiente pode atuar sobre eles. A exemplo, a introdução de
lobos no parque de Yellowstone, que estavam ausentes a mais de 70 anos, mudou não só os
níveis tróficos, como a diminuição e alteração de comportamentos dos alces, que
consequentemente deslocaram-se de ambiente devido ao comportamento predatório dos lobos
- mas essa inserção dos lobos alterou toda a fauna, a flora e a geografia do local, aumentando
consequentemente toda a diversidade da vida neste “novo” ecossistema (MONBIOT, 2014).
Deste modo, só podemos descrever o ambiente de um determinado organismo, a partir
de sua atividade (LEWONTIN, 2010), quando isolamos a atividade do organismo sobre o meio,
reduzimos não só a descrição ambiental, como o reconhecimento do próprio organismo.
Neste sentido, não queremos equiparar nível orgânico a nível social, contudo se a
atividade é vital para compreender os organismos simples - a atividade humana ganha um grau
qualitativamente distinto na análise do conjunto dos comportamentos sociais. Ou seja, as
funções atribuídas como responsáveis pelos neurônios espelho não estão exclusivamente
dependentes da estrutura morfológica, mas do caráter histórico-social e cultural da atividade
humana.
Hickok (2014) afirma que a popularidade de estudos sobre o papel dos neurônios
espelho tem aumentado, devido a um motivo - a simplicidade da explicação. O pesquisador
argumenta que a simplicidade não é um problema, na realidade é um ponto forte da ciência
contemporânea. Contudo, uma série de comportamentos associados à atividade dos neurônios
espelho é inferência direta de estudos com símios, o que torna esse tipo celular interessante,
mas neurônios espelho em símios e humanos funcionam de modo diferente, mesmo pertencente
a áreas homólogas.
Outro ponto a ser discutido acerca do SNE, é sua aparente relação com a doutrina
localizacionista. Conforme discutimos ao longo do segundo capítulo, a doutrina localizacionista
era a crença de que existiam áreas específicas e estreitamente localizadas no cérebro que
representavam de modo isolado e simplificado as funções psicológicas (LURIA, 1981).

92
As tentativas de explicações reducionistas não são recentes, Vigotski (2004) destaca que
os pesquisadores de sua época o criticaram devido à:

Quando nos recriminavam o fato de que estávamos complicando alguns problemas


extraordinariamente simples, sempre respondíamos que, na verdade, deviam nos
acusar do contrário: explicar de forma excessivamente simples um problema de
grande importância (p. 104).

A afirmação do psicólogo soviético é importante, pois demarca a preocupação da PHC


em evitar que as explicações dos comportamentos complexos humanos, fossem descritas por
uma perspectiva reducionista e determinista do ponto de vista biológico. No tópico anterior,
descrevemos que a explicação da disfunção do SNE segue a mesma perspectiva, deste modo
concluímos que na explicação dos comportamentos humanos que os neurônios espelhos
apresentam como função, o reducionismo também está presente.
Quando associamos os neurônios espelhos à doutrina localizacionista, não estamos
defendo que essas células nervosas correspondem a faculdades mentais estritamente
localizadas. Ao longo da pesquisa, observamos que diversas áreas do córtex contêm neurônios
espelho (RIZZOLATTI; SINIGAGLIA, 2016). Porém, a ordem de determinação se assemelha,
quando pensamos que os neurônios espelho são responsáveis, por exemplo pela descrição do
sentimento de empatia. Assim, a disfunção do SNE pode produzir dificuldades na compreensão
desta emoção. Ou seja, a empatia estaria estritamente relacionada com o bom funcionamento
desses neurônios.
Caracterizamos, ao longo do segundo capítulo, que os sentimentos e as emoções
complexas, como a empatia, são condições da aprendizagem determinada pela história social.
Luria (1979b) explica que os processos complexos, em geral, não coincidem de modo imediato
ao funcionamento psicofisiológico direto. Aparentemente, Hickok (2014) concorda com essa
hipótese quando afirma que função e comportamento podem não ter correspondência direta:

A noção de “correspondência direta” remove os tipos de operações que normalmente


podem ser pensadas para mediar a relação entre sistemas de observação e ação, como
categorizar a ação, reconhecer sua importância comportamental, interpretá-la no
contexto e assim por diante. A conseqüência de tal movimento é a perda de poder
explicativo. A alegação de correspondência direta dos neurônios espelho resulta em
uma falha em explicar como os neurônios espelho detectam quando espelhar em
primeiro lugar. Precisamos, então, procurar uma explicação no “sistema cognitivo”
[...] (p.541, tradução nossa).

93
Para Luria (2002), os “sistemas cognitivos” representam as funções psicológicas
superiores, que ao longo da apropriação da história social são reorganizadas com base em
conexões extracerebrais:

A história social une os nós que produzem novas correlações entre certas zonas do
córtex cerebral, e se o uso da linguagem e seus códigos fonéticos criam novas relações
funcionais entre as áreas temporal (auditiva) e cinestésica (motor-sensorial) do córtex,
então este é o produto do desenvolvimento histórico que depende de “conexões
extracerebrais” e da formação de novos “órgãos funcionais” no córtex cerebral
(LURIA, 2002, p. 22, tradução nossa).

Deste modo, afirmamos que se o SNE é responsável pelo conjunto de comportamentos


complexos citados ao longo primeiro capítulo, em última instância ele é produto das
modificações históricas, às quais a humanidade está subordinada.
Um último ponto avaliado durante a pesquisa, foi a presença do ecletismo teórico nas
explicações acerca das relações entre a atividade dos neurônios espelhos e a expressão de suas
funções psicológicas. Iacoboni (2009a), Ramachandran (2014) e Di Cesare et al. (2015)
apoiam-se em diferentes concepções como teorias psicodinâmicas, cognitivista e a
fenomenologia para explicar o funcionamento dos mecanismos espelho e o comportamento
complexo em que eles se expressam. Essa falta de uma conceituação geral, só demonstra que
as condições teóricas que utilizamos para compreender os comportamentos humanos
complexos, ainda não tem uma base sólida explicativa. Deste modo, isso evidencia que quando
se trata da compreensão do ser social, as Neurociências ainda carecem de um arcabouço teórico
concreto, explicativo, que contemple a complexidade de comportamentos historicamente
desenvolvidos e sua relação com a atividade cerebral.
Em um caráter comparativo reflexivo, os problemas teóricos/metodológicos do
ecletismo do campo neurocientífico aparentemente são os mesmos descritos por Vigotski
(2004) em 1927, quando revisa os principais problemas que ele denominou como crise da
psicologia. Para o autor, essa revisão teórica era fundamental, pois traçava um caminho
importante para a organização do que poderia ser a psicologia geral (COSTA; MARTINS,
2018)
Vigotski (2004) afirmou que para que a psicologia se consolidasse como uma ciência
concreta, era necessário desenvolver um arcabouço teórico/metodológico, que a explicasse a
complexidade dos fenômenos humanos sem escamotear seu movimento real, evitando assim a
velha tendência da dicotomia cartesiana. Somente deste modo, a crise presente na psicologia
poderia ser superada, destacamos que o materialismo histórico-dialético se apresenta como
94
solução para essas dicotomias. Evidenciamos, que embora o texto o vigotskiano apresente a
crise da psicologia como destaque, o ecletismo teórico presente nas Neurociências se expressa
como uma crise geral da ciência burguesa. Pois, grande parte dos fenômenos sociais não
investigados na sua gênese, o empobrece o avanço científico.
Em síntese, o anúncio Ramachandran (2000) que os neurônios espelhos se tornariam
uma grande descoberta para a psicologia, contêm três aspectos problemáticos centrais,
discutidos nesta sessão. O primeiro é referente ao reducionismo e ao determinismo biológico
quando as explicações do SNE se direcionam ao surgimento dos complexos comportamentos
humanos, principalmente de ordem cognitiva. Em segundo lugar, o determinismo biológico se
apresenta como resgate de uma teoria já superada, como o localizacionismo estreito. Por último,
o ecletismo como saída para explicar as complexas funções psicológicas humanas, deste modo,
evidencia-se que a crise da psicologia, possivelmente se generalizou para outros campos
científicos, conforme crítica apresentada por (VIGOTSKI, 2004).
Inclusive, a redução da síndrome presente no TEA e os comportamentos humanos que
têm como função o SNE. Há reducionismo que escamoteia questões importantes, como a
história social e o potencial da atividade humana em transformar a realidade e com isso sua
própria natureza (biológica) - neste sentido o SNE se apresenta como uma inversão, uma
subordinação do social/cultural ao biológico. Fica claro que as compensações que são a base
das intervenções se tornam evidências de que o biológico pode ser reorganizado, a partir do
desenvolvimento dos comportamentos culturalmente desenvolvidos, e isso ganha respaldo com
o conceito de neuroplasticidade.
Em oposição à perspectiva descritiva, Vygotski (2012) reivindica o papel da psicologia
como ciência investigativa dos fenômenos complexos da vida humana de forma explicativa.
Para o autor, a perspectiva explicativa deve estar baseada no método genético:

A análise genético-condicional se coloca como manifestação inicial das efetivas


relações que se ocultam por trás da aparência externa de algum processo. Em última
análise há o interesse pelo surgimento e desaparição, das causas que fundamentam
algum fenômeno.
Entendemos por análise genética o descobrimento da gênese do fenômeno, sua base
dinâmico-causal (p. 103).

O motivo de destacarmos o método genético proposto por Vygotski (2012), ao fim deste
capítulo, ilustra que o posicionamento da PHC sobre a hipótese da disfunção de funções
psicológicas controladas pelo SNE como um equívoco teórico/filosófico e metodológico, que
indicam a necessidade de uma reformulação. Reformulação essa que pode seguir como
95
indicativo futuro para as Neurociências e os estudos do TEA, os caminhos do método genético
proposto pela PHC, os estudos de Luria e a relação entre cérebro e comportamento humano
podem agregar proposições positivas para uma nova forma de abordar esses problemas.
Devemos salientar que as questões aqui abordadas necessitam de outras pesquisas que
busquem detalhar a temática sob a perspectiva da PHC e permitir a apropriação de modo crítico
do que as Neurociências têm produzido ao longo desses anos, aparentemente os neurônios
espelhos se destacam como um caminho de investigação desafiador e interessante.

96
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No desenvolvimento deste trabalho, tentamos abordar como a hipótese da disfunção do


SNE como explicação etiológica do TEA constitui a expressão de um determinado período
histórico, que enfatiza uma tendência de subordinar e equalizar os comportamentos sociais em
explicações biológicas. Deste modo, o caminho metodológico proposto pela PHC indica um
modo de evidenciar que essa fórmula está invertida - compreendemos que existe uma
indissociabilidade entre biológico e cultural. Contudo, em última instância os aspectos que
organizam essa unidade partem de determinações maiores, ou seja de como a sociedade se
organiza para produzir e reproduzir a vida, de suas relações sociais de produção (MARX;
ENGELS, 2007). Sem análise desta totalidade, todas formas de investigação dos fenômenos
sociais tendem a cair no caminho do reducionismo e isso não se restringe à Neurociências.
Com relação à hipótese da disfunção do SNE, concluímos que não existem evidências
satisfatórias até o momento, que expliquem de forma coerente tal suposição etiológica do TEA.
Embora nossa intenção tenha sido refutar uma hipótese, o método genético de Vygotski (2012)
e as discussões sobre a relação entre cérebro e comportamento propostos por Luria (1979a;
1979b; 1981; 1992; 2017) demonstram um caminho profícuo de novos estudos.
Com base neste trabalho, esperamos contribuir com a lacuna de pesquisas que
relacionam o TEA e a PHC, uma vez que há poucos estudos fundamentados nesta abordagem
(CASTRO, 2017). Destacamos, que a análise integral desta síndrome deve compor as pesquisas
futuras, isso significa compreender o desenvolvimento histórico, partindo das discussões atuais,
conforme esboçamos neste trabalho.

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