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Faculdade de Letras e ciências Sociais

Departamento de Linguística e Literatura

Secção de Literatura

Licenciatura em Literatura Moçambicana

Literaturas emergentes e o desafio ao cânone

Discente: Isaura Machava

Docente: Dr. Gilberto Matusse

Mestre. Albino Macuácua

Maputo, 16 de Agosto de 2021

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Índice
1. Introdução.................................................................................................................................1

2. As literaturas emergentes e o desafio ao cânone......................................................................1

2.1. O surgimento............................................................................................................................1

2.2. Objectivos.................................................................................................................................2

2.3. Características...........................................................................................................................4

2.4. Importância...............................................................................................................................6

3. Conclusão.................................................................................................................................6

4. Bibliografia...............................................................................................................................7

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1. Introdução

O presente trabalho enquadra-se no âmbito dos estudos da cadeira de Teoria da Literatura, do


Curso de Licenciatura em Literatura Moçambicana. Pretende-se com este estudo, realizar um
cruzamento entre os textos que abordam a questão das Literaturas emergentes e o desafio ao
cânone.

Antes de proceder ao cruzamento de ideias contidas nos textos, importa realçar que, quando se
fala das Literaturas emergentes, ocorre-me a ideia do nacional, visto que elas estão associadas à
construção das próprias nações africanas que atravessaram a colonização em todos os níveis,
deste o económico, o político e a cultural.

Contudo, o que interessa neste trabalho é a parte que diz respeito à independência cultural,
porque é aqui onde se insere a literatura e também onde nasceram as literaturas emergentes e o
desafio ao cânone. Dessa maneira, para compreender na íntegra este tema, passarei a seguir,
discutir as literaturas emergentes à luz dos textos indicados, observando os seguintes pontos: o
surgimento, as características, os objectivos e a importância.

2. As literaturas emergentes e o desafio ao cânone


2.1. O surgimento

Ao falar do surgimento das literaturas emergentes, Trigo (s/d), compreende que estas tiveram a
sua origem entre dois prismas: o primeiro tem a ver com o fenómeno de urbanismo e o segundo
com a questão da alteridade. O que o autor procura transmitir é que o surgimento de uma camada
muito restrita de nativos com acesso à educação nas cidades é que permitiu, consequentemente o
aparecimento das literaturas emergentes, visto que, foram esses escolarizados que tiveram a
consciência de produzir obras como forma de reivindicar a liberdade literária.

A maioria dos escritores das literaturas africanas são assimilados, alguns têm ascendença
europeia, e vivem no contexto urbano. Quanto à alteridade está aliado à maneira como esses
letrados olhavam o outro, neste caso o colono.

Matusse (1998) e Chevrier (2004), quando traçam o perfil onde nascem as literaturas emergentes
são unânimes, na medida em que os dois afirmam que estas surgem em momentos de muita

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adversidade. Essa adversidade, justifica-se a medida que elas nascem do contacto entre várias
culturas e mundividências diferentes.

Tal como os doies autores, Mignolo (1991), e Noa (2008), dizem que as literaturas emergentes
nascem desse contancto com o colono, da dmominação cultural, da semiose colonial, ou seja, do
momento em que houve um cruzamento entre diferentes tradições e civilizações, dado as
circunstâncias em que o continente africano se encontrava.

Carvalhal (1991), ao falar do âmbito do surgimento das literaturas emergentes, vai pelos
objectivos, referindo que tinham como missão, a tarefa de problematizar as questões do país.
Essas questões seriam por exemplo, os valores culturais, a valorização das tradições culturais
locais, difundir a luta em busca da liberdade, entre outros.

Ainda a respeito do surgimento, Noa (2008), destaca alguns problemas, chamando a atenção para
um reparo que se associa a outros críticos no contexto de aparecimento dessas literaturas
emergentes. Além disso, o ensaísta reafirma e insta uma série de dificuldades no seio dos estudos
da literatura moçambicana. Contudo, a possibilidade de África e, particularmente Moçambique,
de mostrar a incapacidade de se dissociar dos cânones europeus devido ao seu contexto
sociocultural e associado a diversas causas.

Desta chamada de atenção, pode-se entender que Noa (2008), critica o facto de, essas literaturas
emergentes, escritas por jovens e o silêncio das editoras, dos membros jurados dos concursos
literários que pecam por não defenderem a correcção linguística e admitindo o uso da língua que
ainda não foi declarada ou oficializada. Há também no meio de tudo a total ausência de escritas
defensoras das línguas bantu moçambicanas que possam de alguma forma, constituir o veículo
fundamental para melhor acomodarmos e darmos lugar a uma literatura autónoma.

Sumarizando, algo parece ser comum entre todos que fazem essas abordagens: a complexidade
que marca o surgimento desse sistema literário, considerando todo o processo de opressão e
violência sofridos em decorrência de um passado colonial.

2.2. Objectivos

Um dos grandes objectivos das literaturas emergentes é afirmar a identidade cultural do seu
povo, sob várias maneiras. Para Trigo (s/d), essas literaturas reivindicavam a consciencia cultural

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e nacional dos povos colonizados, para possibilitar a emergência das raizes que serviram de
matriz à alma culturalmente forçada a perder os seus valores.

Carvalhal (1991), aponta a afirmação da identidade própria, o resgate da tradição como sendo os
objectivos das literaturas emergentes. A afirmação de uma identidade própria efectuada pela
literatura passa necessariamente pela retomada das referências do passado. Os intelectuais dos
países sob o jugo do colonialismo europeu buscaram formas de combater a imagem estereotipada
em que eram representados. O abandono da imagem composta pelo opressor nestas literaturas,
deu-se por intermédio de uma recuperação e valoração da história que foi negada, distorcida,
inventada pelo colonizador. Voltar ao passado transforma-se em experiência de renovação.

O que os ensaistas procuram deixar claro é que as literaturas emergentes tinham como missão
fundamental, o despertar de uma consciência racial, e, por conseguinte, a disposição de lutar a
favor do resgate da identidade cultural aniquilada do povo negro. Portanto, a partir dos seus
posicionamentos é possivel notar que partilham da mesma ideia em relação aos objectivos dessas
literaturas.

Segundo Matusse (1998), as literaturas emergentes passam a ter como objectivo fundamental, a
negação da imagem da portugalidade, isto é, a rejeição ao cânone, o que significa que
compreender o processo de formação das literaturas emergentes nos países da África lusófona é
vê-lo como fruto da necessidade de distanciamento de modelos literários e culturais impostos
pelo colonialismo português.

Nesse contexto e conforme indica Noa (2008), tinham o propósito de afirmar um universo
estético e que incorpora e celebra tudo o que o ocidente ignorou ou subestimou. Nos seus
primórdios, constata-se que as literaturas emergentes estavam deslumbradas com modelos
europeus e divorciada da sua própria realidade, por isso que tanto Matusse, quanto Noa, apontam
como objectivos, essa necessidade de se livrar do cânone europeu.

O cânone deve ser entendido enquanto algo que cria uma consciência nacional, é um elemento
importante para a criação de uma literatura nacional. Mignolo (1991), diz que para a criação do
cânone é necessário levar em conta a participação das universidades, na medida em que se deve
olhar para a inserção de alguns textos no meandro académico. Além disso, ainda na sua

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explanação, chama a necessidade de olhar, igualmente, para os grupos sociais que estão por
detrás do cânone.

Na abordagem de Noa (2008), no que diz respeito ao desafio ao cânone enquanto objectivos das
literaturas emergentes, compreende-se que tinham a preocupação com a delimitação de um
território estético próprio que, naturalmente, impunha o recurso a estratégias de afirmação
identitária que questionavam e se distanciavam da ordem cultural e política dominante.

O pluralismo de culturas existentes em África ficou escondido no singular, de modo que o grupo
dominante dita o rítmo e os assuntos que a sua concepção tendenciosa percebe como
apropriados. Nesse sentido, o cânone deixa de ser exclusivamente literário para assumir uma
conotação política.

Quando se fala de ordem política dominante, faz-se menção ao regime colonial, que durante
muito tempo impôs os seus modelos nas literaturas africanas, sem que no entanto, o nativo
tivesse oportunidade de fazer uma literatura que exprimisse o seu quotidiano, a sua cultura e todo
um imaginário local que o identificasse.

A literatura produzida nesse período dominante reflectia, deste modo, a forma como os
portugueses viam a África. O processo de rejeição por essa literatura pode ser explicado também
pelo facto de os autores saberem que seu primeiro público receptor seria apenas o português

2.3. Características

Segundo Carvalhal (1991), o carácter construtor, fundador que se articula com o movimento de
independência política e, simultaneamente, o carácter destruidor, no sentido da renovação, que
envolve o rompimento com as sugestões externas, é o que caracteriza as literaturas emergentes.

Compactuando do pensamento acima, Chevrier (2004), fala do carácter revolucionário, enquanto


tomada de consciência. Desse modo, é preciso olhar para esse carácter revolucionário, construtor
e fundador, acima referidos, como a ideia se produzir obras literárias que despretassem a
necessidade de uma luta engajada para a conquista das independências nacionais africanas.

Mas numa outra perspectiva, Chevrier (2004), fala dos laços que ainda unem as literaturas
emergentes das correntes da literatura colonial. Essa característica tem a ver com o uso das

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línguas europeias nas literaturas emergentes. Não obstante esse posicionamento, Matusse (1998),
entende ser importante abandonar a ideia de cortar a fronteira linguística entre o colono e o
colonizado.

Outra característica bastante visível nas literaturas emergentes, principalmente as africanas, é a


presença de modelos tradicionais. Matusse (1998) e Chevrier (2004), partilham dessa posição.
Nessa perspectiva, é fundamental considerar a multiplicidade dos aspectos relacionados com a
tradição oral com as línguas nacionais, pois estas fazem o apelo ou são um esforço para
desconstruir a língua portuguesa, e assim distanciam-se do cânone português.

Concluindo, Matusse (1998: 56)), salienta que “as formas de tradição oral têm sido muitas vezes
apontadas como um elemento importante na reconstrução dos géneros literários da tradição
ocidental que ocorre nas literaturas africanas”.

As literaturas africanas emergentes recorrem à sua propria tradição cultural, em busca do nativo,
do passado e do presente, que lhes garanta a invenção de um campo literário diferente, sujeito à
recuperação e integração dos valores culturais locais.

A questão do nacional igualmente é característica disitintiva das literaturas emergentes. Matusse


(1998), ao falar da distanciação e apropiação, entende que esta marca se estabelece através da
conexão entre a actualidade política e o carácter nacional dessa literatura e um clima de tensão
permanente entre os modelos europeus, vinculados pelo colonizador e afirmação da diferença.

Nesta vertente, Carvalhal (1991: 50), discorda da ideia de se considerar uma obra como nacional,
pelo simples facto de tratar um assunto local, diz a ensaísta “devo acrescentar que neste ponto
manifesta-se às vezes uma opinião, que tenho de errónea: é a que só reconhece espírito nacional
nas obras que tratam de assunto local, doutrina que, a ser exacta, limitaria muito os cabedais da
nossa literatura”.

Outra característica que não se pode perder de vista, e que Trigo (s/d), faz alusao é a presença de
marcas da literatura brasileira. Essa influência foi uma tendência literária dominante nestas
literaturas, na medida em que, na altura, os escritores recusaram a assunção dos valores incutidos
pela metrópole e, em contrapartida, através das suas obras, criticaram a organização social e os
males resultantes dessa organização.

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2.4. Importância

Segundo Matusse (1998: 34), “a emergência, no entanto de novas literaturas, que se verifica nas
últimas décadas deste século, tem provocado nos comparatistas a necessidade de estenderem os
seus olhares para além das fronteiras da Europa e América do Norte”.

Reconhecendo, de igual modo, a importância das literaturas emergentes, Carvalhal (1991:231),


admite que são um “campo de observação privilegiado para o estudo da relação entre literatura e
sociedade, a análise das literaturas emergentes permite igualmente que nos interroguemos com
benefício sobre a própria noção de literatura, sobre as relações que esta mantém com o
envasamento da tradição oral”.

Na linha dos ensaístas acima, compreende-se que a vasta riqueza das literaturas emergentes faz
aos comparatistas repensarem toda uma disciplina da Literatura comparada, antes com uma
orientação, para assumir uma reflexão sobre a pouca produção de conhecimento sobre o
continente africano, e os restritos conhecimentos existentes não são suficientes para explicar a
essência deste continente, tão-pouco a sua literatura e suas riquezas culturais.

Segundo Mignolo (1991), uma das funções principais das literaturas em formação é garantir a
estabilidade e a adaptabilidade a uma determinada comunidade de crentes. Pois, elas podiam
incluir obras feitas pelas minorias raciais e étnicas em países tais como Estados Unidos;
literaturas feitas por mulheres na Itália, França ou Austrália; assim como outras obras, em África,
Asia e América Latina, incluíndo o Caribenha.

3. Conclusão

Neste trabalho de Teoria da Literatura, que tinha como tema Literatura emergentes e o
desafio ao cânone, fez-se a revisão bibliográfica baseada nos textos previamente seleccionados
pelos professores. Neles, discutiu-se o contexto do surgimento das literaturas emergentes, seus
objectivos, características e a sua importância nos estudos da literatura comparada.

Através desses pontos, concluiu-se que as literaturas emergentes tiveram a sua origem do
advento colonial, o que justifica o contexto que os autores referiram nos seus textos: a
complexidade, ambiguidade, alteridade, urbanismos, numa tensão entre o desenvolvimento e a

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negação dos modelos e da tradição portuguesa. Portantos, são ambientes de interacção e
cruzamento entre diversas tradições.

Sob ponto de vista dos objectivos, os autores ressaltaram a reclamacao dos valores culturais
do nativo e necessidade de estabelecer uma desvinculação da corrente literária colonial, aliado à
criação de cânones nacionais, o que culminou como caracteristícas, com o resgate da tradição
oral.

Do ponto de vista da importância, as literaturas emergentes serviram aos comparatistas obras


ricas em elementos para o desenvolver ainda mais os seus estudos, tal facto deve-se a
interdisciplinaridade que estas literaturas criam com outras ciências.

4. Bibliografia

CARVALHAL, Tânia. “A Questão do Nacional”. In Revista Portuguesa de Literatura


Comparada. Brasil: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1991.

CHEVRIEL, Jacques. “As Literaturas Africanas no Domínio da Investigação Comparatista”.


Compêndio de Literatura Comparada. Fundação Calouste Gulbenkian. Portugal. 2004.

MIGNOLO, Walter. “Canon and Corpus: Na Alternative View of Comparative Literary Studies
in Colonial Situations”. Universidade de Michigan, Ann Arbor. 1991.

MATUSSE, Gilberto. “As Possibilidades da Metodologia Comparatista no Estudo da Literatura


Moçambicana”. Maputo, Livraria Universitária Universidade Eduardo Mondlane. 1998.

NOA, Francisco. “Da criação e da critica literária: a cultura como valor apelativo e estruturante”.
In Perto do fragmento, a totalidade: Olhares sobre a literatura e o mundo. Maputo: Ndjira.
2008.

TRIGO, Salvato. “A Emergência das Literaturas Africanas de Expressão”. Ensaios de Literatura


Comparada Afro-luso-brasileiro. Lisboa: Veja. s/d.

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