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CANDIDO, Antonio. Variações sobre temas da Formação. In: DANTAS, Vinicius.

Antonio Candido: Textos de Intervenção. SP: Duas Cidades; Ed. 34, 2002. 392 p.
(Coleção Espírito Crítico)

Texto original: Recortes de momentos selecionados por Vinícius Dantas, em que Candido
disserta sobre os temas de FLB

COMENTÁRIOS CITAÇÕES
PARTE I: Trecho de entrevista com
Beatriz Sarlo intitulada “Antonio
Candido: para uma Crítica latino-
americana”, publicada em Punto de Vista
(Buenos Aires, nº8, mar-jun 1980).
Tradução: Cide Piquet.
Ao longo da entrevista, Candido expõe
alguns conceitos na tentativa de
complexificar a relação entre literatura e
realidade: “estrutura; função histórica e
função total”. Beatriz Sarlo pergunta a ele
como tais conceitos estão presentes em
FLB e Candido responde dizendo que, na
verdade, tais conceitos vêm ao seu
pensamento depois da escrita deste livro e
mesmo motivados por esta experiência.
Na resposta, Candido considera este um
“livro de juventude”.
Ainda assim, Candido expõe, a partir da “Uma literatura latino-americana não passa a
existir a partir do momento em que tem
arenga entre Neoclassicismo
e condições de estilizar a realidade da América.
Romantismo, eixo condutor de FLB, Este é apenas um pressuposto básico. Ela só
existe quando é capaz de fecundar os
como tais conceitos estão presentes na instrumentos de outras culturas matrizes e
aplica-los à América. Creio que a literatura
própria razão de ser do livro. nacional começa quando se inaugura uma
tradição de produzir, de maneira sistemática,
obras esteticamente válidas. Mas uma obra só
pode ser esteticamente válida se, além de
incorporar uma função social adequada,
realizando uma seleção adequada dos
elementos da realidade, alcança pelo menos
um pouco da universalidade própria da função
total.” (p. 94)
Função total: Aspecto da obra que a liga “Por isso dizia – ainda que possa parecer
paradoxal – que o mais importante para mim
com as demais obras do cânone ocidental. não é saber quando a literatura brasileira se
Manifestação estética de elementos de torna brasileira, mas quando chega a ser uma
literatura: um conjunto e obras com função
universalidade. Para Candido, essa função total.” (p. 94) (Grifos meus)
é o que define o momento em que a
literatura se insere no arcabouço cultural
do ocidente.
Para Candido, a sistematização de um “É o momento em que o escritor local pode
começar a inspirar-se nos que o precederam.
conjunto de obras com esta função total é E, paradoxalmente, a literatura neoclássica,
o próprio pressuposto para a formação de essa literatura de gregos, de pastores,
bucólica, foi no Brasil um extraordinário fator
uma tradição: nacional, porque permitiu juntar a tradição
europeia com o país em formação” (p. 95)
Depois, Candido ainda recorre à tese de “No Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela,
transplantamos literaturas europeias e através
FLB para mostrar como isso não é delas conseguimos criar uma expressão que
meramente circunscrito ao Brasil, mas reconhecemos como local no momento em
que começamos a praticar uma literatura
pode ser alçado a uma espécie de “teoria esteticamente válida, em que a função social e
a ideológica se articulam com a função total.”
geral sobre o surgimento da literatura na (p. 95)
América Latina”. É nessa teoria mais
ampla que ele enxerga o sentido histórico
dos conceitos de função social e função
total expostos até então.
Compreendendo o processo exposto por
Candido, Sarlo emenda uma pergunta
sobre como as chamadas “teorias da
dependência”, geralmente associam este
pretenso universalismo a um dado de
imperialismo cultural. Disto, ela pergunta
se esta teoria não é antes um
posicionamento estético do que, de fato,
uma teoria crítica.
Sem deslegitimar a bandeira estética “Foi importantíssimo que os românticos
brasileiros afirmassem que não queriam saber
nacionalista, Candido concorda com Sarlo de mais nada com a Europa, que eram
e destaca que, numa dialética entre o descendentes dos índios e que fariam uma
literatura sobre eles. Quando? Em 1836.
cosmopolita e o particular, devemos Onde? Em Paris. Por isso acredito que
devemos fazer o esforço de reconhecer ao
compreender a demanda pelo localismo ao mesmo tempo nossa militância política anti-
mesmo tempo em que inserimos este imperialista e o caráter cosmopolita de nossa
cultura. Acredito que devemos perceber um
movimento na alta tradição universal. movimento dialético, que se dá em nossa
história, entre o local e o universal; creio que
este movimento é mais importante do que as
divisões estáticas: nacional/cosmopolita,
autêntico/alienado, colonizador/progressista.
Por isso eu não oponho o Romantismo, como
fase nacionalista, ao Neoclassicismo, como
momento alienado. Acredito que a fase
chamada alienada é tão indispensável quanto
a que lhe seguiu.” (p. 96)
Sarlo interpõe sobre como a situação de “Quando os poetas do Neoclassiscismo
punham ninfas na paisagem brasileira de seus
dependência econômica se repercute poemas, não estavam simplesmente
numa situação de dependência cultural. importando uma mitologia. Esses homens
eram “muito nacionalistas” ao seu modo:
Candido responde abordando, novamente, naquela fase de uma colônia completamente
dependente, tentaram demonstrar que aqui
a questão do Neoclassicismo de um ponto também era possível fazer literatura e traduzir
de vista dialético. O autor mostra, nossa realidade para a linguagem da cultura.
Certamente este movimento não esgotava o
corroborando com Sarlo, que cerne do problema. Depois, com o Romantismo, surgiu
a questão de uma língua literária local”. (p.
universalismo do Neoclassicismo 97)
brasileiro é uma questão profundamente
nacional.
PARTE II: Apresentação na primeira
“reunião preparatória” para a discussão do
projeto de uma “Historia de la literatura
latino-americana” (Reunião sediada em
Caracas, de 26 a 29 de novembro de
1982). Publicação original: “Literatura e
História na América Latina (do ângulo
brasileiro)” – texto integrante do volume
organizado por Ana Pizarro: “Hacia uma
historia de la literatura latino-americana”
(Cidade do México, El Colégio de
Mexico/Caracas, Universidad Simón
Bolívar, 1987)
A vantagem do ponto de vista histórico no “Isso porque na América Latina, a partir de
certa altura, a literatura teve noção do seu
estudo da literatura latino-americana está, papel de instrumento para adquirir
dentre outros, em preparar outros tipos consciência dos problemas sociais.” (p. 98)
de investigação
Candido diz que essa acentuação na
consciência literária dos problemas
sociais é própria de “países em formação”
e, por isso, mais evidente do que na matriz
literária europeia.
Novamente entra a defesa da tese central “Uso aqui este termo [comprometida] para
indicar, não tanto um desígnio ideológico,
de FLB: Tendo em vista essa mas o empenho em contribuir para a
particularidade latino-americana, a construção da nacionalidade através da
cultura. Sob este aspecto, o “compromisso”
literatura brasileira pode ser vista como central foi a constituição de uma linguagem
culta, que desde o tempo da colônia permitiu
mais “comprometida” do que outras incorporar a expressão da terra nova ao
universo cultural dos países colonizados. Ao
mesmo tempo, usar a linguagem do
colonizador foi adquirir armas para definir a
identidade do colonizado e reivindicar a sua
autonomia.” (p. 98)
Aqui entra o ponto central para minha “Para os nossos “ilustrados”, a escrita parecia
um instrumento de elevação e dignidade do
própria argumentação. A leitura de país politicamente subordinado, por meio da
Antonio Candido imputa, nos sujeitos ação das suas elites. Isto contribuiu para que
na América a literatura adquirisse um
históricos do período colonial, um sentido acentuado cunho de “casticismo” e
refinamento, perdendo qualquer conexão mais
nacionalista que só se manifesta ao final funda com possíveis contribuições
do processo de independência. Neste populares.” (p. 99)

sentido, é difícil conceber interpretação de


Candido como um dado dos sujeitos
históricos da época. O que ele exerce é a
projeção de sua própria experiência
naquele momento pregresso.
2 eixos complementares no estudo da “As nossas literaturas são “prolongamento”
porque se ligam organicamente às do
literatura latino-americana: A) literatura Ocidente, transplantadas para aqui já
como prolongamento da matriz constituídas (singularidade que deve ser
levada em conta). Umas e outras formam um
todo culturalmente afim, quando comparado
metropolitanta e B) Literatura como com as de ciclo diferentes. No entanto, esta
verdade era política e afetivamente incômoda
ruptura em relação esta matriz. para as jovens nações, tornadas independentes
no século XIX. Daí o esforço para afirmar
uma peculiaridade extrema, que reforçava as
razões da independência, mas não deve hoje
obliterar a visão do estudioso.” (p. 99)
Procurando sempre bem equacionar a “Por motivos políticos, forçamos
frequentemente o ponto de vista nacionalista,
questão do universalismo e do localismo que, levado ao extremo, torna inexplicável o
na formação da literatura latino- processo literário na América Latina, na sua
dialética de prolongamento e ruptura.” (p.
americana, Candido torna a circunscrever 100)
a demanda nacionalista como
comprometimento político que leva a
determinada bandeira estética. No
entanto, preocupa a ele uma visão que
misture os níveis estéticos e políticos e
torne o localismo como um critério de
valor em si mesmo.
A função histórica revela o caráter “(...) mais do que na Europa, nas colônias,
onde se gestavam futuras nações, a literatura
comprometido da literatura na América foi um instrumento de dominação. Por meio
Latina. dela o colonizador forçou o predomínio da sua
língua (que se tornou critério de classificação
social), sugeriu e impôs a celebração das
autoridades, o respeito à sua religião, o culto
dos seus valores morais e estéticos. (...) Mas
simultaneamente ela foi incorporando a
realidade local e manifestando sentimentos
novos, como o nativismo, que chegaria mais
tarde ao nacionalismo e, afinal, à consciência
dos problemas sociais.” (p. 100)
Ainda no que diz respeito a este complexo “O mais interessante é que isto ocorreu às
vezes na mesma obra – que podia apresentar
dado histórico na formação das literaturas um plano ostensivo de louvor da colonização
latino-americanas, Candido destaca que a e, nos planos profundos, a presença virtual do
ponto de vista “americano” contra a
ambiguidade latente ao momento poderia imposição política. É o que aparece, por
exemplo, em dois poemas épicos brasileiros,
ser de tal modo significativa que estaria o Uraguai, de José Basílio da Gama (1769), e
manifesta em uma mesma obra; o Caramuru, de José Santa Rita Durão (1781),
nos quais se percebe o conflito latente entre
sinalizando para a complexidade possível enunciado e estrutura.” (p. 101)
de ser captada no bojo da figuração
estética.
Candido ainda explora esse dado e lança a “Mesmo quando a nossa literatura não era
essencialmente diversa das metropolitanas na
ideia de que a literatura latino-americana aparência estética, era-o na função histórica.
haveria de se constituir dessa tensão entre Por exemplo: a descrição da paisagem foi aqui
reivindicação de identidade nacional,
modelos estéticos já assentados no afirmação de uma peculiaridade que se
desejava ressaltar, mesmo quando encarnada
arcabouço cultural ocidental e um ideário em recursos expressivos iguais aos europeus.
nacional que se conformava enquanto Um dos poemas mais populares do Brasil, a
“Canção do exílio” do poeta romântico
demanda política. Para tanto, deixa claro Gonçales Dias, manifesta esse desejo de dizer
algo novo com recursos herdados; e isto o
como este ponto foi decisivo para que o tornou uma espécie de hino nacional do
recurso de figuração lírica da paisagem sentimentalismo patriótico.” (.p. 102)

(esteticamente caro à literatura europeia)


ganhasse nítidos contornos
ideológicos/nacionalistas em sua
execução americana; tal o peso, nesse
contexto específico, de sua função
histórica.
Se estas literaturas se formam com um alto “Problema que tem sido um terreno fértil de
debates, pois cada época e cada crítico
grau de politização, centralizando a costumam selecionar os que lhes parecem
questão de sua função histórica, o “mais” ou “menos” característicos do país.
Assim, para alguns o Barroco seria genial à
problema decorrente é como melhor América Latina; ou o Romantismo, que selou
a libertação política; ou os regionalismos,
periodizar as etapas e os momentos mais manifestações “tipicamente” nacionais; ou as
importantes deste processo, permitindo a correntes modernas de vanguarda, que teriam
pela primeira vez produzido obras capazes de
avaliação da mudança da função histórica projeção universal.” (p. 102)
de acordo com tais etapas.
Deste modo, Candido ressalta que a “É claro que as preferências estéticas são
legítimas, mas devem ser associadas a esta
arbitrariedade do gosto estético, legítima análise [da função histórica propriamente
em termos de crítica da obra, não pode se dita], a fim de se chegar a um resultado mais
objetivo.” (p. 102)
sobrepor ao desempenho da avaliação da
função propriamente histórica. O exemplo
que usa para defender esta ideia é
sintomático. Novamente recorrendo à
relação Neoclassicismo X Romantismo,
Candido mostra como a artificialidade da
figuração da paisagem no Neoclassicismo,
apesar de esteticamente pobre no que diz
respeito ao conteúdo nacional,
desempenha uma função histórica precisa,
que é situar a nascente literatura brasileira
no conjunto da tradição literária
Ocidental. Por esta razão é que Candido
refuta a ideia de que a literatura
Neoclássica seria mera alienação.
O perigo desta insistência na função “Na verdade, reconhecer a importância do
ponto de vista histórico, para ver a literatura
histórica, bem como no papel social como elemento do processo de construção da
exercido pela literatura latino-americana, cultura e da sociedade na América Latina, não
deve levar a desconhecer que os pontos de
se dá na exata confusão entre valor vista formais (não formalistas) compõem com
ele a atitude integradora, que permite estudar
literário e função histórica. Deste modo, a literatura sem mutilar sua realidade, que é
ocorre um certo enviesamento, no qual o estética.” (p. 103)
critério de valor estético passa a ser o TAMBÉM NO SENTIDO INVERSO
maior ou menor “comprometimento” da “Quanto à hipertrofia do político, lembremos
obra. que a posição nacionalista pode ser devida a
um intuito mais ideológico do que estético.
Preso à necessidade de afirmar e reafirmar a
independência, neste continente sempre
dominado por interesses e forças estranhas, o
estudioso procura ressaltar os conteúdos
locais, o ânimo de rebeldia, a rejeição dos
imperialismos. E esta atitude justa o faz
muitas vezes desinteressar-se da performance
propriamente literária.” (p. 104)
Uma outra tendência merece a
consideração de Antonio Candido,
sobretudo em se tratando de literatura
latino-americana: a chamada visão
globalizadora. Para Candido, a
preocupação em se estabelecer aquilo que
seria a literatura DA América Latina flerta
com a possibilidade de recair numa ênfase
excessiva à questão do comprometimento
da obra.

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